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DIREITO DAS FINANÇAS PÚBLICAS

Ou, a captação de receitas para o Estado, de forma a satisfazer necessidade


coletivas de uma dada sociedade

O Contexto e a Necessidade do Direito Financeiro Público


Princípios do Direito das Finanças Públicas
O Direito das Finanças Públicas é gerido por vários princípios. Um deles é o princípio do
primado, presente no artigo 8º CRP, que age enquanto elo de ligação entre o Direito da União
Europeia, e a políticas públicas de cada Estado. Outro será o princípio da legalidade, na medida em
que o órgão que faz as normas financeiras do Estado tem de ter competência para tal, adotando a
forma do ato necessário a prosseguir a finalidade da própria lei.

Além disso, remarca-se, também, que existe um elo de ligação entre este ramo de Direito e os
direitos humanos, nomeadamente no artigo 16º CRP: este releva uma ideia de “mínimo social”, ou
seja, da existência de necessidades coletivas a satisfazer. Tal elo de ligação releva, também, no sentido
de justiça social e a nível da intergeracionalidade: a ideia de que as gerações futuras têm interesses
que não podem ser postos em causa no presente.

Por fim, os restantes princípios enquadram-se numa série de legislação avulta: por um lado,
existe uma Lei de Enquadramento do Orçamento (LEO), que relata as diretrizes principais das
próprias finanças públicas; sendo esta, depois, complementada por outra legislação mais específica,
que irá concretizar a LEO de forma articulada – aplicando-se, no caso concreto, primeiro a legislação
mais específica e, se esta não existir, é que se vai à LEO.

Necessidades Coletivas e Intervenção Pública: Breve Resenha


A nível das finanças públicas, as necessidades coletivas é que irão determinar a intervenção
pública do Estado. Isto, porque os direitos constitucionalmente previstos necessitam de uma ação
pública – pelo que, em última análise, a atividade financeira constrói-se em função dessa necessidade
da satisfação de interesses coletivos em concreto, sentidas por uma dada comunidade. Ou seja, o
Estado, ao dispor de bens económicos, cuja gestão e distribuição lhe é conferida, terá de os afetar a
necessidades sociais que lhe cumpre satisfazer.

Atualmente, a distinção entre direito público e direito privado já não faz tanto sentido,
principalmente porque a administração em sentido amplo é, cada vez mais, uma entidade complexa:
não só existe, por um lado, várias administrações do Estado específicas a certos temas; como, por
outro, existem entidades privadas a desempenhar atividades públicas de natureza administrativa.

Isto, porque as necessidade coletivas existentes não conseguem ser satisfeitas apenas pela ação
sozinha do Estado: estas necessidades são cada vez mais exigentes, e o Estado, enquanto tal, tem
também mais dificuldades a ser um Estado prestador completamente sozinho, devido à falta de meios.
Assim, verificou-se, a nível histórico, uma alteração relacionada ao próprio paradigma do Estado:
este deixou de ser um Estado prestador, para ser um Estado regulador, arranjando o máximo de
auxiliares para desempenhar atividades que atendam às necessidades coletivas. Será necessário,
assim, enquadrar as finanças públicas neste conjunto de entidades.
Quando se olha para as finanças públicas, tal é feito da perspetiva do Estado Social de Direito,
que resulta do artigo 2º CRP, assente na dignidade humana (na medida de se desejar uma comunidade
livre, justa e solidária). Ora, para perceber que tipo de necessidades coletivas existem, é necessário ir
à CRP, nomeadamente ao capítulo II, dedicado aos direito e deveres sociais: é aqui que a CRP
qualifica o estado português como um Estado de Direito Social, obrigado a respeitar e garantir os
direito sociais, assim como a participação de todos os grupos sociais – os beneficiários – na
concretização desses mesmos direitos. Por
outras palavras, será necessário certificar que
todas as pessoas conseguem aceder às prestações
e ajudas sociais; sendo que o Estado implementa
não só os direitos previstos, como também os
deveres sociais nas entidades administrativas,
com o objetivo concreto de os salvaguardar: os
deveres sociais têm de ser custeados, para que os
direitos sejam garantidos.

Despesa e Receitas Públicas


Concluindo, o Estado não pode ficar passivo: a população exige uma intervenção estadual,
com o objetivo de assegurar os seus direitos, pelo que este deve ter uma função de ação, recorrendo
à política, à economia, a uma dimensão social e uma componente
jurídica. Por outras palavras, a boa concretização dos direitos requer
uma intervenção estadual; pelo que esta ideia de satisfação de
necessidades coletivas traduz-se numa determinada despesa pública.

Ora para satisfazer tal despesa pública, será necessário que


exista uma determinada receita pública, estritamente atribuída para
cobrir tala despesa pública (e não, por exemplo, para fazer com que
o Estado tenha “lucro”). Isto significa, então, que a despesa vai ditar
o próprio limite da receita e da receita pública; sendo o imposto
conhecido como a receita mor do Estado.

Um dos princípios mais importantes pelo qual o Estado se rege é, como foi dito, o princípio
da legalidade, que se subdivide no princípio da prevalência da lei – a Administração Pública tem de
estar, na sua ação, em harmonia com a própria lei – e o princípio da precedência da lei – a
Administração Pública só pode agir com base na lei ou em autorização administrativa anterior (o que
é discutível, especialmente quando se fala do seu poder discricionário). Por outras palavras, a lei dita
não só os sujeitos (administrações e segurança social), como também a forma, os procedimentos da
própria ação e ainda a questão do princípio da separação de poderes, nomeadamente no procedimento
do Orçamento de Estado (onde há um controlo e supervisão estadual das entidades administrativas).

Isto significa, então, que será necessário prever legalmente a organização e interação entre despesas
e receitas públicas. Tal previsão está, por exemplo, no Orçamento de Estado, em que se prevê as
receitas e as despesas públicas que existirão num espaço de 4 anos – acabando este por ser, também,
um documento político. Também existem, depois, diversos mapas para rastrear tais despesas e
receitas em específico, previstos no artigo 106º, nº3, alínea b) CRP. Além disso, existe, ainda a LEO.

ORÇAMENTO DO ESTADO (pequena introdução):

O Orçamento de Estado delimita e condiciona a intervenção pública e a forma como a mesma


é desenvolvida, sendo um ato de vontade política, baseado em pretensões e previsões. Esta é uma lei
de valor reforçado, prevalecendo sobre leis infraconstitucionais – já que é a planificação das despesas
e receitas do Estado, e precisa, para ser concretizado, de outras leis infraconstitucionais auxiliares.

Assim, analisadas as necessidades coletivas a ser salvaguardadas, irão ser apresentados, neste
documento, os mapas das despesas e das receitas previstas (ex: será necessário gastar x nas despesas
e, consequentemente, será necessário arrecadar x receitas). Depois disto, a AR vai aprovar o
Orçamento, antes do ano económico, dado que o OE será executado no início do ano económico –
sendo, regra geral, executado com uma vigência anual. Essa execução terá, depois, de ser apresentada
através da conta geral do Estado, que terá de ser aprovada através de uma resolução da AR. Além
disso, tal documento poderá ser alvo da avaliação do Tribunal de Contas, órgão jurisdicional
fiscalizador das contas, que emite um parecer depois da aprovação da Conta Geral.

Enquanto documento de previsão, o Orçamento de Estado é um meio do Estado organizar


aquilo que pretende vir a gastar e aquilo que pretende vir a arrecadar. No entanto, tanto do lado da
despesa como do lado da receita podem existir alterações, de forma a acompanhar a evolução das
necessidades (ex: da pandemia); pelo que podem existir divergências entre aquilo que está no
Orçamento, e aquilo que se faz na conta geral do Estado. De qualquer das formas, tais alterações
serão pontuais e justificadas; tendo de existir mecanismos de controlo para verificar se o Orçamento
está a ser cumprido, garantindo que aquilo que foi legitimamente aprovado (segundo critérios de
democracia representativa) é efetivamente cumprido.

De notar, ainda, que as regiões autónomas são parte de um fenómeno de descentralização


política e administrativa, sendo regidas por uma lei das finanças e do Orçamento das Regiões
Autónomas diferente (apesar de a CRP lhes ser sempre aplicada). Assim, a AR não será responsável
pela aprovação do Orçamento das Regiões Autónomas, já que isso seria desrespeitar o fenómeno de
descentralização política e administrativa; a mesma lógica explica o facto de também não ser a AR
que aprova o orçamento das autarquias locais, também elas com legislação específica. No entanto,
essas leis específicas, apesar de se sobreporem em termos de aplicação, jamais podem pôr em causa
a natureza/essência da Lei do Orçamento do Estado.

Conclui-se, assim, que a despesa e a receita pública têm uma forte interdependência: só pode
existir despesa pública, se existir receita pública para lhe fazer face. Além disso, o Estado só está
legitimado a arrecadar receita na medida da despesa que o mesmo tem de fazer, dado que o objetivo
do Estado é uma lógica de interesse público, e não de ganhar lucro.

Noções de Finanças Públicas


A expressão “finanças públicas” significa a atividade económica de um ente público tendente
a afetar bens (receita) à satisfação de necessidades que lhe estão confiadas, através da contração de
despesa pública. No entanto, esta expressão pode ser utilizada em vários sentidos, nomeadamente:

➔ Sentido orgânico: Designa o conjunto, em concreto, de órgãos do Estado ou do outro ente público
(administração), a quem compete gerir os recursos económicos para a satisfação das necessidades.
➔ Sentido objetivo: Designa a atividade (financeira), através da qual o Estado e outros entes
públicos, a quem compete gerir recursos económicos, satisfazem certas necessidades sociais.

➔ Sentido subjetivo: Designa a disciplina científica que estuda os princípios e as regras que regem
a atividade do Estado, com o fim de desempenhar as atividades que lhe estão afetas/confiadas.

Nesta cadeira, foca-se no sentido objetivo: tal atividade financeira dos entes públicos assenta
no processo de arrecadação de receita e de realização de despesa pública, por parte dessas entidades
públicas. Esta gera-se, portanto, a partir das necessidades que são sentidas pela comunidade e que
geram despesas públicas – sendo essas despesas que geram, por sua vez, a necessidade de cobrança
de receitas, de forma a lhes fazer frente. Por outras palavras, só existe despesa quando existe receita,
de forma a se conseguir fazer a sua consequente afetação e redistribuição.

DIFERENTES TIPOS DE ECONOMIA:

A economia pública visa satisfazer necessidades coletivas e, por isso, não se pode reger pelo
lucro, dado que, se fosse, certas atividades para salvaguardar necessidades coletivas não seriam
prosseguidas ou não seriam tão bem prosseguidas – assim, esta rege-se pelo princípio da boa gestão.
Além disso, tal economia não pode, também, ser regida pelo princípio do excedente; sendo que o
excedente passível de se gerar deverá ser redistribuído através de novos apoios sociais. Por fim, esta
rege-se, também, pelo princípio da solidariedade, sendo esta uma solidariedade organizada dotada de
poder político, ou seja, reforçada pelos órgãos públicos.

Já a economia privada (empresas) rege-se pela obtenção do lucro, mediante critérios


predominantemente individuais. Aqui, os agentes económicos têm liberdade de comportamento,
estabelecendo limites e equilíbrios de acordo com os seus interesses próprios.

Por fim, a economia social é um setor relativamente novo – sendo, no entanto, considerado o
terceiro pilar do Estado, regida pela Lei de Bases da Economia Social. Esta economia social nasceu
porque, por um lado, o mercado não tinha interesse em prestar certos apoios sociais, dado que estes
não davam lucro; mas, por outro, o Estado não conseguia, sozinho, prestar ditos apoios. Assim, esta
economia social não se orienta pelo lucro, visando satisfazer necessidades sociais e promovendo a
coesão social, no intuito de combater falhas e lacunas que existem no próprio Estado, e às quais as
entidades privadas não “ajudam”. Por outras palavras, tais instituições prestam serviços que
satisfazem necessidades sociais, funcionando numa lógica de mercado, mas assente na coesão social
e solidariedade – por exemplo, instituições como IPSS, que prestam serviços sociais, mas que não
têm o poder de exigir a contribuição obrigatória (não têm o poder de coação política).

Economia
Lucro
privada

Economia
Solidariedade
social

Economia Solidariedade organizada e


pública dotada de poder político.

NOTA: O Estado tem de respeitar os outros tipos de economia, nomeadamente a economia privada,
quando salvaguarda as necessidades
Hierarquização das Necessidades Coletivas
Não é, no entanto, possível satisfazer todas as necessidades coletivas existentes, pelo que será
necessário hierarquizá-las – mas como fazê-lo? Há quem diga, por um lado, que este processo se
inicia com uma valoração individual: os indivíduos de uma certa sociedade decidem a quantidade de
bens que estão dispostos a transferir, através da economia pública, para os entes públicos. Esta
avaliação seria, na prática, feita no Parlamento (órgão supremo de representação), através da
aprovação do Orçamento. Já outra parte da doutrina não concorda com isto, assumindo que o interesse
público é mais fruto da estratégia e da manipulação política, do que ditado pela pura agregação das
preferências dos eleitores, através do voto.

Independentemente desta discordância, atualmente, o facto de existir um Estado de Bem-Estar faz


com que haja certas necessidades que tenham de ser sempre satisfeitas. Estas serão, então, as
necessidades que estão na primeira linha de intervenção do Estado: aquelas que, mesmo que um
Estado assuma uma intervenção mínima, não pode deixar de tomar uma posição. Consequentemente,
à despesa pública é reconhecida uma dupla função: social – permite assegurar uma certa forma de
solidariedade social – e económica – permite desempenhar um papel de estabilizador económico.

Ora, o Estado irá decidir onde vai haver despesas públicas, tratando-se de uma decisão política
fortemente condicionada por uma limitação económica – a
atividade financeira é, afinal, uma afetação de recursos
limitados à satisfação de necessidades, pelo que, por motivos
de eficiência, o Estado só deve intervir na reserva do possível,
mas de forma eficaz a nível de gestão de recursos; isto é, até
onde o orçamento permite. Assim, as finanças públicas
condicionam a intervenção do Estado, que só pode intervir na
medida do financeiramente possível: princípio segundo o
qual ninguém pode prestar mais do que as suas capacidades.

Por outro lado, as finanças públicas estão, também, dependentes de uma opção política: ou seja, será
uma decisão política que ditará se se gasta mais ou menos nesta posição de interventor – sem que, no
entanto, possa haver um retrocesso social, tendo de estar sempre assegurado um mínimo social de
existência, ligado ao conceito de dignidade humana.

➔ Neste ponto, discute-se se existe, constitucionalmente, um princípio do não retrocesso social.


Aqui, é importante não ver este conceito enquanto uma conceção muito rígida, mas sim tendo em
conta o contexto social e financeiro. O Estado tem de usar os seus melhores esforços (não sendo
algo completamente obrigatório de acontecer na sua totalidade) para progredir e não retroceder
em direitos sociais já garantidos, tendo em conta o mínimo social que se quer garantir.

➔ A promoção da dignidade humana obriga à criação de condições para que todos acedam aos seus
direitos, de forma que os cidadãos não caiam em situações de carência extrema – condições estas
que se expressam sob a forma de direitos sociais e no desenvolvimento de um sistema social
assente na universalidade da saúde, da educação e da segurança social.

Uma nota importante a fazer será a relação direta existente entre a despesa pública e o PIB –
Produto Interno Bruto: a soma, em valores monetários, de todos os bens e serviços finais produzidos
numa determinada região, durante um determinado período. Isto, na medida em que a possibilidade
de arrecadação da receita é feita através da riqueza calculada no PIB; e, por isso, quanto maior o PIB,
maior a possibilidade de satisfazer as necessidades coletivas, através das receitas públicas. Assim, é
o PIB que vai custear a despesa pública futura, tendo de haver uma regulação.
Segundo o artigo 20º, nº5 da Lei do Enquadramento Orçamental: “Sempre que a relação entre a
dívida pública e o PIB a preços de mercado for significativamente inferior a 60% e os riscos para a
sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas forem reduzidos, o limite para o objetivo de
médio prazo pode atingir um défice estrutural de, no máximo, 1% do PIB” – ou seja, se o PIB estiver
bom e não existir risco para as gerações futuras, poderá existir um “aumento” do défice estrutural,
que é, resumidamente, o investimento feito pelo Estado na vida pública, não relacionado com fatores
cíclicos da vida econômica, ou gastos extraordinários.

Correção de Falhas de Mercado


Como já foi mencionado, o Estado também tem uma atividade económica a desempenhar, no
qual se encaixa a própria atividade das finanças públicas. Assim, compete ao Estado, ainda nesta ideia
de assegurar um mínimo de existência (recolhendo e posteriormente redistribuindo recursos), garantir
a regulação da atividade económica. Ou seja, embora permita que as empresas privadas produzam, o
Estado terá de regular essa produção, garantindo dessa forma os direitos económicos, sociais e
culturais de todos, e estabilizando a economia.

Significa isto que a captação de receita e a decisão de despesa não se limita apenas a uma lógica pura
de satisfação ou concretização, fruto do Estado social. De facto, a atividade financeira do Estado
surge, em primeiro lugar, para concretizar direitos através da afetação de recursos a determinados
fins; mas existem outras finalidades que importam, também, referir.

Ora, tal regulação da atividade económica relaciona-se com o conceito de falha de mercado:
situação em que um bem público, que corresponde a um bem essencial, necessário para satisfazer o
interesse coletivo, não é produzido pelo mercado de forma eficiente – existindo um desequilíbrio
entre a utilidade individual e a utilidade social na produção e utilização de um bem.

As principais características de um bem público (ex: o farol, a defesa nacional e a justiça) são a
impossibilidade de exclusão de consumidores, e a não rivalidade, na medida em que o custo marginal
social de adição de mais um consumidor é igual a 0. Como a produção destes bens em economia
privada seria ineficiente, o Estado tem de se substituir ao mercado, chamando a si a produção desses
bens, ou subsidiando-a, mediante impostos a pagar por todos os membros da comunidade.

São essas falhas de mercado (ex: poluição ou monopólios) que revelam a necessidade de
intervenção pública macroeconómica, através da locação de bens e da sua redistribuição (ex: no caso
de um processo inflacionista, o Estado tem de intervir, dado ser apenas ele capaz de travar a inflação
– os privados não o conseguem fazer, pois só o Estado é global e transversal). Por sua vez, tal função
económica estadual insere as seguintes atividades:

1) Estabilização: O Estado tem de intervir no mercado, quando este apresenta grandes desequilíbrios;
resolvendo-os através da adoção de políticas públicas adequadas e de uma intervenção
macroeconómica. Exemplos destes desequilíbrios são a verificação de elevadas taxas de
desemprego e inflação, que correspondem a um funcionamento deficiente do mercado: existe um
desequilíbrio entre a procura e oferta. Assim, por exemplo, no caso da inflação, se o Estado retirar
liquidez ao mercado, a procura reduzir-se-á, equilibrando o mercado.
o Através desta intervenção, o Estado estará, de forma indireta, a promover a colocação de
capital em poupanças. Denota-se a existência dos certificados de aforro: títulos de crédito que
o Estado concede aos privados que, depois, são devolvidos mediante pagamento de juros.
Estes fazem com que os privados não vão consumir tanto, equilibrando o mercado.

2) Correção na afetação dos recurso: Compete ao serviço financeiro público arrecadar receitas
públicas para satisfazer as necessidades públicas.
3) Redistribuição dos recursos: Existe uma intervenção social para atingir o reequilíbrio da
sociedade, promovendo uma afetação de recurso socialmente mais justa de forma a combater as
desigualdades existentes – algo relacionado com a justiça e a solidariedade, enquanto garantia da
mínima qualidade de vida.
o Do lado da despesa existe, por exemplo, o RSI – prestação social que é conferida a quem não
tem meios de subsistência suficiente, independentemente de ter ou não contribuído para a SS
– é um exemplo de despesa pública em que se redistribui para quem nada tem. Já do lado da
receita, a quantidade de receita contributiva será desigual: todos contribuem, mas quem tem
mais, contribui com mais; e quem tem menos, contribui com menos.

Assim, a amplitude das finanças públicas vai depender do quadro institucional, das medidas
políticas, e das parcerias que o Estado fará com os agentes sociais e com os privados, onde existe uma
partilha de riscos, despesas e (certas) responsabilidades. Ou seja, o Estado procura parceiros (quer
com privados, quer com públicos) para 1) melhorar a sua intervenção, tornando-a mais eficaz; e 2)
diminuir o peso nas Finanças Públicas – sendo que o primeiro responsável será sempre o Estado.

➔ Todas as parcerias público-privadas têm associadas um conjunto de cláusulas, ditas financeiras,


onde se estabelecem fórmulas que projetam compensações aos privados, caso as receitas obtidas
com a exploração de certa obra não sejam as projetadas aquando da parceria. Nestas cláusulas
financeiras incluem-se, igualmente, algumas regras quanto à necessidade de compensar
financeiramente o privado, caso o Estado altere alguma das regras específicas da utilização.

O Estado será um agente externo, capaz de equilibrar interesses: por um lado, os agentes privados
estão individualmente a buscar o seu lucro; mas tais agentes, devido aos vários interesses lucrativos,
necessitam, também, da ação do Estado para terem a capacidade de intervenção macroeconómica.

Tendo as finanças públicas, então, um papel tão importante na garantia destes direitos
económicos, sociais e culturais, estas terão de ser orientadas por critérios de justiça distributiva. Os
orçamentos não são, portanto, apenas números sem significado: por detrás dos números, há princípios
que devem ser respeitados – por exemplo, a despesa não pode ser ditada apenas por razões
económicas pragmáticas; ela deve sujeitar-se a princípios e regras exigentes. Denote-se que, no
entanto, não há nenhuma lei que fixe mínimos e máximos de despesa pública.

Políticas Públicas
Como já visto, o Orçamento do Estado, tem na sua base, uma decisão política: ou seja, a
atividade financeira do Estado sustenta a intervenção pública, sendo que, quando o Estado estabelece
quanto vai gastar em cada área, revela uma opção política. Desta forma, a ação pública de
concretização dos Direitos do Estado Social de Direito tem sempre uma conotação política, através,
por exemplo, do elenco das várias despensas públicas para um ano concreto, suportadas pela receita.

No entanto, tal decisão política não depende apenas de orientação ideológica, mas, também, da
capacidade do Estado para arrecadar receita. Dentro desta decisão política, releva-se a importância
de haver um equilíbrio entre os vários setores económicos: o Estado Social de Direito não tem um
carácter totalitário, não podendo, por isso, intervir em tudo – este deve ter uma posição limitada,
deixando espaço aos privados para intervir.

A decisão política, feita em sede de orçamento de Estado, está também ela condicionada, em
primeira linha, com aquilo que efetivamente o Estado pode arrecadar; pelo que existe uma grande
pressão na obtenção de receita pública, para que se possa gastar e concretizar os direitos.
Resumindo...
➔ Em suma, cabe ao Estado, mediante ação do poder político, estabelecer o enquadramento da
vida económica, estruturando a atividade e condicionando a ação dos agentes económicos.

➔ A razão de ser das finanças públicas é a existência de um Estado Social de Direito que exige uma
ação pública, as falhas de mercado e a redistribuição de recursos.
o Assim, se o ponto de partida para justificar as finanças públicas é a garantia da satisfação dos
direitos do Estado Social de Direito, o próprio Estado pode proceder às suas tarefas
fundamentais, designadamente: do lado social, procedendo a uma redistribuição; e do lado
económico, recorrendo à despesa e receita para equilibro do mercado.

➔ A atividade financeira pública é constituída por um lado positivo (receita pública) e por um lado
negativo (despesa pública). Estas componentes da atividade financeira não são autónomas: se é
preciso gastar, será preciso arranjar receita para gastar – existe uma relação de interdependência
entre receita e despesa, dado que a legitimidade da receita está diretamente ligada à existência de
despesa pública. Visto que o Estado não tem um intuito lucrativo, ele só pode ir buscar ao mercado
verbas para atuar, tendo de as gastar em nome do interesse público.
o Pensar em finanças públicas é, em primeira linha, pensar como o Estado tem de gastar e
arrecadar. No entanto, implica, também, perceber as opções políticas que estão por detrás das
receitas ou despesas escolhidas, podendo existir outros juízos que as justificam, como a
redistribuição ou o equilíbrio de mercado.

➔ As condicionantes da atividade do Estado são políticas, legais e económicas e sociais.

➔ A organização das finanças públicas depende do tipo de Estado, conforme ele seja mais liberal
ou interventivo – se for este último, a despesa e receita vão ser de valores muito elevados, havendo
expansão de funções e intervenções do Estado. Ou seja, quanto mais alargado for o leque de
direitos sociais protegidos pelo Estado, maior necessidade existe de robustecer a despesa
o Os direitos civis e políticos, sendo auto exequíveis, estarão sempre garantidos pelo Estado.

Teoria Geral da Despesa Pública


Noções de Despesa Pública
A despesa pública consiste no gasto do dinheiro ou no dispêndio de bens, por parte de entes
públicos, para criar ou adquirir bens suscetíveis de satisfazer necessidades públicas. Este conceito
tem de ser construído em termos de poder abranger realidades tão distintas como, por exemplo, o
pagamento de um funcionário público, a construção de uma estrada, a concessão de um subsídio a
uma empresa, a amortização de um empréstimo contraído pelo Estado, a aquisição de material de
guerra, ou, ainda, a atribuição de uma bolsa de estudo. Assim, este conceito é constituído por três
elementos diferentes, nomeadamente:

➔ Elemento Subjetivo: Dita quem é que faz a despesa, nomeadamente qualquer sujeito público – ou
seja, a administração central, a administração regional e local, e os fundos da segurança social
(que têm regras próprias).

➔ Elemento Objetivo: Dita como o gasto é realizado, relacionando-se com o elemento monetário –
transferência monetária/pecuniária pela parte do Estado. De notar que nem sempre as despesas do
Estado são pecuniárias; ou seja, nem sempre implicam que haja uma transferência de dinheiro
físico do Estado para alguém – por exemplo, o Estado pode utilizar os impostos para conceder
benefícios fiscais.
o Por sua vez, os benefícios fiscais são despesas públicas, sendo concretamente concedidos para
a aquisição, pelas empresas, de veículos elétricos, etc. Quando isto ocorre, ao fazer reduzir o
montante do imposto que tem para receber, o Estado abdica de receita – ora isto, para efeitos
contabilísticos, é uma despesa fiscal que não implica transferência de dinheiro físico.

➔ Elemento Finalístico: Dita o porquê de se fazer aquela despesa, qual a finalidade da mesma –tem
de haver um interesse público por detrás de uma despesa pública, para que esta se torne
verdadeiramente legítima. Isto, porque as necessidades de interesse público justificam a despesa
pública; ou seja, a despesa pública é dirigida para a utilidade pública.

Além disso, e sendo a escolha do que vai ser considerado despesa pública uma decisão
política, quando existe necessidade de orçamentação de despesas, o seu volume e peso aumentará
face ao PIB; pelo contrário, em épocas de menor controlo orçamental, ocorre a chamada
desorçamentação. A desorçamentação é o processo pelo qual parte das despesas e das receitas, que
antes eram objeto de relevação orçamental, passam a estar na esfera de entidades fora do âmbito das
Administrações Públicas – não ficando, por isso, sujeitas ao controlo financeiro da execução do OE.

O facto de uma determinada despesa não ser considerada despesa pública e, por isso, não ser
orçamentada, faz com que esta não entre para as contas de limitação da despesa face à receita. Ora,
isto tem vantagens, nomeadamente para equilibrar as receitas face às despesas – ou seja, muitos
Estados, em certas circunstâncias, optam por formas de desorçamentação, que os permite continuarem
a fazer despesas, mas que não contribuem para desequilíbrios orçamentais, visto não estarem
integradas nesta lógica orçamental.

No entanto, uma desorçamentação excessiva – ou seja, não prever as despesas públicas no OE de


forma exagerada –, irá fazê-la fugir aos controlos mais exigentes, podendo levar a um endividamento
excessivo. Sendo Portugal parte da UE, existem diretrizes comunitárias às quais se pode recorrer
relativamente a dúvidas existentes sobre o que é ou não orçamentado.

➔ Por exemplo, com a Troika, houve a assunção de um compromisso para orçamentar o mais
possível; ou seja, retirar “debaixo do tapete” e inserir estas despesas na contabilidade, fazendo
com que o défice cresça. Uma medida de austeridade relacionada com a exigência de
orçamentação foi, por exemplo, o congelamento dos vencimentos.

➔ Pelo contrário, no caso da Caixa Geral de Depósitos, interessava ao Estado que esta não fosse
orçamentada, pois isso causaria um desequilíbrio orçamental. Outros exemplos de
desorçamentação são as fundações, associações e o setor empresarial pública; assim como as
parcerias público-privadas: por exemplo, o Estado pretende construir uma autoestrada, que custa
100 milhões de euros, em 3 meses – ora, a despesa registada seria de 100 milhões de euros. Há,
no entanto, uma alternativa: invés do Estado ser o dono da autoestrada, poderá haver uma empresa
que constrói a autoestrada e que fica com o direito de a explorar durante 50 anos, abarcando as
receitas da mesma – ora, nesta hipótese, não houve despesa do Estado, mas sim para a empresa,
que financiou a estrada.
o No entanto, se, por exemplo, nesses 50 anos, existir uma diminuição do volume de tráfego
rodoviário em comparação com aquele que foi previsto no contrato, o Estado terá de
compensar esse valor da diferença à empresa.
Classificação da Despesa Pública:
O facto de a lei exigir que a despesa pública seja classificada está relacionada com razões de
ser prático: isto, porque existem vários intervenientes nas fases da despesa pública, pelo que é
importante, a nível de tratamento dos dados, ser utilizada linguagem o mais uniforme possível. Por
outras palavras, quando há uma entidade externa que concede receitas ao Estado, será necessário dar
os dados essenciais para isso; ora, se estes estiverem todos organizados, é mais fácil. Por isso, muitas
classificações de despesa pública resultam de instituições externas, tais como o FMI, mas também a
UE e o Eurostat.

Assim, estas classificações da despesa pública têm como objetivo permitir compreender onde
e como é que o Estado gasta o seu dinheiro, qual a despesa efetuada pelo mesmo; bem como assegurar
mecanismos para controlar a despesa pública – são uma via de controlo da despesa adequado. Isto
insere-se no conceito do princípio da especificação: por sua vez, a classificação é de tal forma
importante, que este está ligado ao princípio da discricionariedade orçamental.

O artigo 17º, nº1 LEO estabelece as classificações essenciais; sendo que os classificadores
orçamentais estarão, por sua vez, estabelecidos em diplomas próprios, nomeadamente no Decreto-
Lei nº 26/2002, e no Decreto-Lei nº1 171/94. Estas classificações essenciais são:

➔ Classificação orgânica (Decreto-Lei nº 26/2002, artigo 5º, nº2): Classifica a despesa pública em
função do organismo. Ou seja, esta tem em atenção a alocação das verbas aos órgãos do Estado;
em especial, aos órgãos pertencentes ao poder executivo – isto é, diz respeito ao elenco das
despesas tendo em conta os ministérios envolvidos, refletindo a orgânica do Governo.
o A lei do OE inclui, obrigatoriamente, um mapa com a classificação orgânica da despesa
pública, em função do artigo 5º do Decreto-Lei nº 26/2002.
o No entanto, este critério é insuficiente, visto que existem despesas que são financiadas por
mais do que um ministério – por exemplo, a rede nacional de cuidados continuados (que tem
a finalidade de dar uma resposta pós ambiente hospitalar, quando a doença é continuada) é
financiada e tutelada pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Segurança Social. Ora,
nestes casos, tal critério não dá uma visão integral e completa da despesa, pelo que serão
necessárias novas classificações – há que garantir a transparência e o controlo.

➔ Classificação económica (Decreto-Lei nº 26/2002, artigo 3º): Este conceito não está expresso na
lei, mas é retirado pela análise comparativa das despesas apresentadas nos anexos. Assim, esta
divide entre despesas correntes e despesas de capital:
o Despesas correntes: Despesas necessárias para custear os bens e serviços que fazem funcionar
a máquina da administração e, consequentemente, o funcionamento da atividade pública. Não
geram valor ativo estadual, pois não são despesas de investimento e sim despesas do dia-a-
dia – sendo cingidas ao período temporal de 1 ano (período normal da execução do OE). Um
exemplo serão os salários dos funcionários públicos.

o Despesas de capital: Despesas para aquisição de bens duradouros ativos – como, por
exemplo, a compra de um terreno para a construção de uma escola – ou a redução de passivos,
numa ótica de produção de riqueza – como por exemplo, a redução da dívida pública. Estas
despesas diminuem o ativo líquido do Estado, mas geram contrapartidas, um próprio ativo,
sendo duradoras no tempo.
▪ O anexo I do Decreto-Lei nº 26/2002 estabelece quais as despesas correntes e quais as
despesas do capital.

➔ Classificação funcional (Decreto-Lei nº171/94): Classifica a despesa tendo em conta o tipo de


função desempenhada pelo Estado. Por outras palavras, a classificação funcional distribui as
despesas de harmonia com as grandes funções do Estado em que elas se inserem, permitindo
quantificar os dinheiros públicos que são consagrados nos diversos domínios de ação.
o Esta classificação apresenta, como principal vantagem, a possível comparabilidade de
despesas ano após ano – o que não ocorria na classificação formal, uma vez que os Governos
e a sua orgânica mudam frequentemente. Informa, assim, os contribuintes com concisão e
clareza sobre os gastos estaduais – sendo classificada como a “classificação do cidadão”, na
medida em que é uma classificação de muito mais fácil compreensão. Denota-se, aqui, que o
anexo I é muito mais desagregado que o Anexo II, o que demonstra o cuidado do legislador
em não arrumar os gastos em categorias globais.
▪ Sendo o voto, também, um instrumento de controlo político orçamental, é útil ao cidadão
saber para onde vão os seus impostos, para o que é que estão a ser utilizados. Ora, será
através deste critério que o cidadão pode exercer a pressão para eventuais mudanças na
gestão e aplicação das despesas públicas – ideia subjacente de legitimidade.

NOTA: Por vezes, pode aparecer em diversos manuais as seguintes classificações: 1) Consumos, que
se refere à classificação económica corrente; 2) Transferências (por exemplo, transferências do
Estado para as IPSS); e 3) Investimentos – toda a despesa que tem como efeito a criação de riqueza
ou produção desta, tendo uma duração alargada no tempo (por mais de um período orçamental).

Função da Despesa Pública:


A necessidade de intervenção do Estado é a principal função da despesa pública; porém, o
Estado pode, também, ter objetivos económicos na prática de despesa pública – ou seja, a despesa
pública também cumpre a função de equilíbrio dos agentes económicos e do mercado.

Relativamente a esta última função, denota-se, mais uma vez, que o Estado exerce atividades
económico-social, nomeadamente as alocações, a distribuição de riqueza e a estabilização da
economia, sendo as últimas duas as mais importantes; nomeadamente, estabilização
macroeconómica, quando o mercado não está a funcionar. Assim, na teoria:

➔ Quando o mercado e a economia estão em recessão, não


há produção de riqueza – logo, é pedido ao Estado que as
pessoas com dinheiro possam consumir, para dar um
choque. Aqui, verificam-se várias políticas orçamentais
expansionistas, ou seja, de aumento da despesa.

➔ Quando o mercado e a economia estão em expansão, o


Estado poderá não ter uma posição tão intervencionista –
verificam-se várias políticas orçamentais de recessão,
havendo uma diminuição da despesa.
No entanto, tais políticas não são as primeiras a serem acionadas, dado que, na prática, existem
os chamados estabilizadores económicos: políticas que se desencadeiam, mas cuja adoção não
depende da vontade do próprio Estado – por exemplo, numa conjuntura de recessão com alto
desemprego, as pessoas que estão desempregadas têm automaticamente direito a um subsídio de
desemprego, sendo esse, assim, um estabilizador. Neste caso, a despesa do Estado imediata irá
aumentar, pois terá de financiar esse subsídio de desemprego. Além disso, ao entrar numa situação
de alto desemprego, existirá uma queda na receita tributária, já que não existirá rendimentos sobre a
qual esta incida.

Concluindo, os estabilizadores atuam independentemente da vontade do próprio Estado – ou


seja, independentemente de estes tomarem medidas para tal ou não –, dado estarem previstas no
próprio sistema. Desta forma, o aumento ou a diminuição da despesa pública pode ocorrer
independentemente da vontade governativa, dependendo não só de opções políticas (primeiro caso;
assim como casos de orçamentação ou desorçamentação), mas, também aqui, de cenários económicos
(segundo caso). Por isso, a LEO terá de atender a tal cenário macroeconómico.

Análise Comparada da Despesa Pública:


Existe, ao longo dos anos, uma tendência para o aumento da despesa pública, em percentagem
de PIB. No entanto, há que distinguir, aqui, o aumento real – medido em função do PIB – do aumento
aparente – medido apenas no conjunto de meios monetários gastos. Assim, mesmo tendo situações
em que se poderia diminuir a despesa pública, a tendência é sempre para o aumento da mesma.

Ora, este aumento deve-se ao facto de cada vez existirem mais necessidades sociais e coletivas a ser
satisfeitas, o que leva a que o perímetro estadual também alargue. Ora, quanto mais despesa social,
mais despesa pública: quanto maior o perímetro do setor público for, tendencialmente também maior
será a despesa pública. Tal aumento do número de necessidades a satisfazer é uma decisão política;
sendo que, no contexto de um Estado Social de Direito, os direitos sociais terão cada vez mais
abrangência, o que implicará, de facto, maior ação pública e gasto de dinheiro.

A segunda razão terá a ver com a demografia: ou seja, quanto maiores modificações demográficas
existirem, também maior pressão à despesa pública irá ocorrer. De uma forma simplificada, a
tendência demográfica na sociedade portuguesa é para o envelhecimento, que acarreta uma
diminuição da taxa de natalidade e aumento da esperança média de vida – o que, por sua vez, significa
uma maior despesa pública com mais necessidade de apoio à saúde, maior tendência para haver um
grande período de reforma, menos profissionais a trabalhar (e com isso o diminuir do volume
contributivo), aumento das despesas com assistência social e segurança social, etc.

TESES PARA A FLUTUAÇÃO DA DESPESA PÚBLICA:

Em primeiro lugar, faz-se referência à Lei de Wagner: esta diz que, em sociedades que
promovem e buscam crescimento e desenvolvimento económico e social, naturalmente as despesas
públicas vão sempre estar a crescer, por diversos fatores.

Um deles é o facto de existirem forças/fatores instrumentais que reforçam a intervenção pública (ex:
a redução da natalidade e o aumento da esperança média de vida, como já visto). Além disso,
conforme as sociedades se tornam mais proativas, tornam-se, tendencialmente, mais exigentes – ou
seja, com uma profundidade de direitos sociais maior e uma maior proteção social exigida ao Estado.
Por fim, se há uma tentativa de promover crescimento e desenvolvimento através do progresso
tecnológico, então terá, também, de haver programas públicos de incentivo a esse modelo de
desenvolvimento da sociedade e da economia. Ora, tudo isto irá influenciar a despesa pública.
Outra tese económica existente é a de Peacock-Wiseman, segundo a qual a despesa pública
cresce de modo inconstante ao longo do tempo, motivada por períodos de descontinuidade – ou seja,
existe um crescimento na despesa pública quando se verificam momentos de convulsão social.
Assim, a tendência para o aumento da despesa pública é feita como resposta a um impulso da
sociedade que exige intervenção pública para dar resposta às suas necessidades.

No entanto, uma vez satisfeitas essas necessidades, haveria uma tendência para, progressivamente,
reduzir para os níveis anteriores. Vários autores não concordam com isto, na medida em que os
cidadãos se habituam a essa ação do Estado e à quantidade de impostos que têm de pagar para a
suportar. Isto significa que o Estado não regride na despesa pública: ela mantém-se, e volta a aumentar
aquando novo momento de convulsão social (protestos, movimentos sociais, etc.).

Esta teoria peca, contudo, por ignorar que nem todas as despesas têm por detrás um processo de
convulsão social. No entanto, há de se reconhecer que, efetivamente, não será fácil, face à conjuntura
social complexa, tomar decisões no sentido de medidas públicas a adotar, pois algumas (e não todas)
podem levar a estas convulsões sociais.

A terceira teoria é a da escola da “public choice”, ou escola de Chicago. Aqui assume-se que
o crescimento da despesa pública vai depender, em primeira linha, da decisão política – sendo essa
decisão política vista como tentativa de 1) conciliar os interesses presentes no mercado, e 2) captar
votos (lógica de jogo do poder). Assim, aquilo que poderia justificar o aumento persistente da despesa
pública seria fazer passar esse aumento por uma decisão política, marcada por uma tentativa de
resolver conflitos entre os agentes económicos presentes no mercado – satisfazer os interesses
presentes no mercado – e, simultaneamente, tentar captar votos (ex: oferecer frigoríficos a pessoas de
classe baixa para combater a pobreza e, também, para ter mais votos).

No fundo, esta teoria critica o aumento da despesa e justifica-o com uma ligação muito grande à
lógica da burocracia. Cada serviço da administração está habituado a trabalhar com dado orçamento
e não quer reduzi-lo, justificando sempre a necessidade dos valores existentes. Ou seja, por um lado,
a teoria de “public choice” fala num aumento da despesa com o objetivo de tentar equilibrar as
posições dos interesses no mercado, e simultaneamente, captar votos (centralidade da decisão
política); mas, por outro, fala num aumento da despesa devido à habituação dos serviços de um
orçamento específico, pelo que este nunca será reduzido – sendo sempre justificado a sua necessidade,
na medida em que a administração não consegue ver cumprida a sua função.

No fundo, estas teorias apresentam fatores – as exigências da sociedade ao Estado; os aspetos


burocráticos (uso da despesa pública como captação de votos) e a captura dos interesses
económicos – que podem justificar esta ideia de continuidade da progressão do
desenvolvimento e do crescimento da sociedade, assim como a manutenção e aumento
subsequente da despesa pública.

Qualidade da Despesa Pública:


Quando se fala na ideia de limite da receita, as duas receitas públicas mais relevantes serão os
impostos e a dívida pública – isto, porque não é possível considerar os impostos como ilimitados,
dado que o cidadão pagará na medida da sua capacidade contributiva (a ver mais à frente).

Ora, se isto é verdade, então a dívida pública – ou seja, quando o Estado pede dinheiro
emprestado aos privados – também apresentará condicionamentos, dado que a receita e a despesa
então interligadas: se, de facto, a receita tributária depende da capacidade contributiva, vai chegar
uma altura que o Estado não vai conseguir cobrar os impostos que quer – por um lado porque as
pessoas não conseguem pagar; e, por outro lado, porque tal imposição tributária dará aso à fuga ao
fisco. Além disso, existe, também como condicionamento, o princípio da equidade geracional: as
gerações futuras têm de ter meios para gerir as suas opções. Assim, o Estado terá de ter cuidado com
as despesas que contrai, já que são os cidadãos que as “pagam”.

Verifica-se, ainda, que existem limites legais para que haja um reequilíbrio desejado entre
receita e despesa. Esta limitação também é importante para a credibilidade internacional, ao nível das
agências de rating – uma vez que é mediante a cotação de determinado país nas agências de rating,
que os privados decidem ou não investir no país em causa.

A REGRA DOS “Es” NA DECISÃO DA CRIAÇÃO DE DESPESA:

Devido ao facto de as receitas estatais serem um recurso exíguo face às necessidades sentidas,
será necessário fazer uma boa gestão das mesmas. Ora, quanto mais a despesa pública tende a
aumentar, maior as preocupações com a qualidade da gestão. Assim, a grande equação da qualidade
subjacente a esta matéria é a relação custo-benefício: a Administração terá de ver a quantidade dos
gastos e o subsequente benefício que irá extrair do mesmo, do ponto de vista das satisfações sociais.
Além disso, será também avaliado se o Estado é o melhor ente para satisfazer essas necessidades, ou
se é uma entidade privada – é particularmente visível, no setor de saúde pública, a necessidade da
importação do modelo de saúde privada, assim como a consequente existência de entidades
controladoras, que testem a qualidade do serviço.

Dentro destas medidas de gestão (privadas), existe a regra dos três Es, prevista no artigo 18º
da LEO: a lei impõe a economia, a eficiência e a eficácia.

➔ Economia: Implica gastar o mínimo de recursos possível e, com isso, garantindo a maior
qualidade da intervenção pública.

➔ Eficiência: Implica tornar a ação pública mais eficiente, de modo a reduzir a despesa necessária.
Ou seja, implica promover o acréscimo de produtividade pelo alcance de resultados semelhantes
com menor despesa, originando uma ação pública mais eficiente, reduzindo a despesa aplicada.

➔ Eficácia: Implicar aplicar recursos mais adequados para obter aquele resultado.

Este princípio dos “3 Es” traduz-se na necessidade de autorização da despesa em concreto, mediante
respeito do mesmo – artigo 52º, nº3, alínea c) da LEO. Ou seja, para que um determinado serviço
gaste, esse gasto terá de ser efetivamente e especificamente autorizado, sendo que esta a lógica de
autorização revela, também, numa lógica de controlo da despesa em concreto. Já o artigo 68º, nº1
concretiza, diretamente, o controlo da despesa efetiva.

REGRAS QUE REGULAM A DESPESA PÚBLICA:

Em primeiro lugar, existe o princípio da boa discriminação orçamental: será necessário


discriminar a despesa pública a ser efetuada, na medida em que terá de haver um pensamento
estruturado sobre a despesa pública. Ou seja, há que sistematizar a intervenção pública, determinando
de forma clara os objetivos, estabelecendo um conjunto de medidas/instrumentos capazes de atingir
esses objetivos e, assim, discriminar a despesa pública a ser efetuada.

Em segundo lugar, existe o princípio da não compensação (artigo 15º da LEO): Todas as
despesas são inscritas pela sua importância, sendo inscritas em termos brutos e não líquidos – se assim
não fosse, não se saberia donde vinham os recursos e os gastos. Ou seja, é necessário saber a
orçamentação completa, sem qualquer dedução – caso contrário, se, por exemplo, existir um benefício
fiscal, esta não seria discriminada enquanto tal. Prevê-se, assim, que todos os valores sejam
introduzidos por si, sem qualquer compensação por outros que a este possam estar associados (ex: se
se gastar 100, mas se se recuperar 50, não se pode apenas introduzir 50 de despesa; ter-se-á de
introduzir os 100). No entanto, existem exceções a esta regra.

Em terceiro lugar, existe o princípio da não consignação (artigo 16º LEO): A receita vai para
um bolo comum, onde será distribuída pelas despesas que são feitas. Mesmo que existam serviços do
Estado que podem gerar, pelas suas próprias receitas, um excedente; mas tais excedentes não serão
afetos, apenas, a esse serviço – visto que, se não houvesse não consignação, os serviços que não
tinham um excedente não conseguiriam fazer face às suas despesas.

No entanto, poderá existir um caso em que uma receita, com tal origem específica, será diretamente
alocada àquela despesa concreta, sem passar pelo “bolo comum” Isto será diferente da não
consignação: a receita 1 será aplicada na despesa 1, a receita 2 na despesa 2 e a receita 3 na despesa
3. Isto poderá acontecer, por exemplo, em contexto de Segurança Social.

Em quarto lugar, existe o princípio da transparência (artigo 105º, nº3 da CRP): Não deve haver
confidencialidade na despesa. Seguidamente, o artigo 17º, nº3 da LEO diz que tem de haver uma
organização e sistematização das despesas, existindo, também, uma preocupação de não se poder
alocar uma despesa com uma finalidade confidencial. As exceções a este princípio terão de ser
aprovadas pela AR, por proposta do Governo.

Em quinto lugar, existe o princípio da Economia, Eficiência, Eficácia (artigo 18º da LEO):
Consiste na utilização do mínimo de recursos (menor despesa) que permita garantir níveis de
produtividade, durabilidade e alcance do objetivo definido. Este princípio traduz-se na necessidade
de autorização da despesa em concreto; ora, ao autorizar a despesa, ter-se-á de fazer uma gestão de
boa qualidade e ser inteligente em como se gere a despesa – sendo o artigo 52º, nº3 da mesma lei
estipula que nenhuma despesa pode ser autorizada cumulativamente. Na parte do controlo, será
também necessário supervisionar a despesa, até ao momento da liquidação da mesma.

CICLO DA EXECUÇÃO DAS DESPESAS:

Existem dois momentos no ciclo de execução das despesas, nomeadamente:

1. Assunção de compromisso

A entidade ir-se-á certificar de que está tudo certo para assumir o compromisso e evitar um
pagamento em atraso – ou seja, preocupa-se em garantir o pagamento efetivo da despesa pública, não
interessando apenas o ato de pagar; mas, também, garantir que esse pagamento é, efetivamente, feito.

Aqui, importa realçar a Lei de 21 de fevereiro, nº 8/2012, denominada de Lei dos


Compromissos e dos Pagamentos em Atraso. Esta lei procurou restringir a assunção de
compromissos: o compromisso passou a ter uma natureza mais complexa, com mais requisitos a terem
de ser preenchidos (nomeadamente, a necessidade de existência de liquidez disponível para fazer face
às despesas). No entanto, permitiu, também, as despesas sem o chamado fundo disponível; mas
estabeleceu que as entidades públicas são obrigadas a efetuar o pagamento dentro de um período de
90 dias – e, caso não pagarem dentro deste prazo, passam a pertencer a um lista de incumpridores,
sendo esta de acesso público. Isto significa, então, que existem dois caminhos prévios a serem feitos:
um, para cegar ao compromisso; outro, para chegar ao pagamento.

No artigo 52º, 4 da LEO, o legislador afirma, também, que a entidade pública, enquanto tal, não pode
assumir uma despesa se não tiver já dinheiro para gastar – ou seja, se tal não estiver previsto no
orçamento da tesouraria da entidade, ela não pode gastar. Esta medida força a que não haja assunção
de compromissos que, depois, não podem ser cumpridos, dando espaço para cumprir os chamados
pagamentos em atraso. Isto será importante: se o Estado assumir o compromisso de vir a pagar, sem
se preocupar se, no futuro, o consegue fazer, quando chegar o momento de pagamento e não pagar a
dívida, aumenta o dinheiro que deve aos credores e, consequentemente, desequilibra o orçamento.
Quanto mais despesas se tem em modo de espera, mais se desequilibra o orçamento, tendo menos
possibilidade de cumprir os limites legais.

➔ Ou seja, esta regra prevista na LEO está regulada em diploma próprio, na Lei de 21 de fevereiro,
nº 8/2012, que nasce do memorando de entendimento com a Troika.

Em suma, com a Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso, a etapa essencial deixa
de ser a do pagamento, para passar a ser a do compromisso, garantindo que apenas se assuma o
compromisso daquilo que se tenha dinheiro para pagar. Ou seja, antecipou-se a ênfase para o
momento em que o Estado se assume como devedor, numa tentativa de transformar, por completo, a
gestão da despesa pública – garantindo que, dali para a frente, não se criaria dívida que não pudesse
ser efetivamente satisfeita.

2. Efetivação da despesa em concreto: Nesta fase, estão todos os atos materiais praticados para se
realizar o pagamento.

Fases da Despesa Pública:

1. Proposta de contratação de bens/serviços: Tendo necessidades a satisfazer, a entidade pública


terá de dar a entender a um responsável que tem de realizar e contratar aquilo que precisa. Ora,
as entidades administrativas gozam de autonomia financeira (artigo 2º do Decreto-Lei nº 155/92)
para poderem gerir os seus recursos, tendo um departamento que faça o levantamento dessas
mesmas necessidades. Assim, terá esta de convencer tal departamento de que tal despesa é
necessária, tendo o cuidado de a classificar como de capital ou corrente; e, ainda, de fundamentar
o porquê dessa necessidade pública (precisa de um certo bem para x, por ex.). Além disso, tem de
demonstrar que a despesa a ser contraída está conforme aos princípios que as regem. Assim, os
passos para proceder como explicado são os seguintes:
o Indicação da natureza da despesa pública (corrente ou de capital);

o Fundamentação da necessidade da despesa pública;

o Conformidade para com os princípios dos “3 Es”;

o Enquadramento legal, com a existência da rubrica, da dotação orçamental concreta – encontrar


onde está a despesa, para que a receita cobra a despesa;
o Tipificação do procedimento da contratação pública;

2. Informação e registo de cabimento: Existe, ainda, uma entidade central na administração dentro
dessa, que é responsável por gerir a verba em si – contabilidade. Será essa que irá fazer o
cabimento: regime contabilístico, em que se irá reservar a verba precisa para o pagamento futuro.
Isto porque, ao se comprometer a pagar, o Estado está a dizer ao mercado que há dinheiro, ou
seja, que há saldo orçamental para poder efetuar tal despesa. e pagar ao futuro contraente. Isto
quer dizer que, em princípio, o valor do compromisso a assumir não pode jamais ultrapassar o
valor do cabimento; nem pode ser superior à inscrição orçamental (rúbrica). O cabimento surgiu
porque, no contexto da Troika, conclui-se que tal julgamento era feito numa fase tardia, que não
havia reserva das verbas; logo, quando se chegava à fase do pagamento, já não havia dinheiro.
o O cabimento é a reserva da dotação orçamental para o montante provável da sua utilização;
sendo que cria um vínculo com relação às restantes fases da despesa pública.
o O pagamento não pode exceder o valor da obrigação; e esta última não pode exceder o próprio
valor do compromisso; que, por último, não pode ser superior ao valor do respetivo
cabimento; que, por sua vez, tem no valor da dotação orçamental o seu teto máximo.

3. Autorização e contratação: Nesta fase, ir-se-á ao mercado buscar, tendo em conta o


procedimento do Código da Contratação Pública (se for para contratar pessoas), o que se quer. Só
com essa autorização e contratação é que se sabe a entidade que se irá adjudicar, estando na
condição de poder registar, efetivamente, o compromisso – próxima fase.
o Relativamente à autorização, o artigo 22º do Decreto-Lei nº 155/92 estabelece que essa
autorização à despesa terá de salvaguardar a política dos “3 Es”. Para além disso, ter-se-á de
exigir uma conformidade legal e regularidade financeira. Por sua vez, o artigo 23º do mesmo
diploma estabelece que são os dirigentes dos organismos que têm a competência para
autorizar a despesa. Assim, os passos da contratação são os seguintes:
a) Escolha do procedimento da contratação (recurso ao Código da Contratação Pública).
b) Autorização do procedimento e da despesa.
c) Elaboração da proposta de adjudicação.

4. Registo do compromisso: Importa, nesta fase, registar contabilisticamente o compromisso. O


compromisso é uma assunção perante terceiros da responsabilidade por um possível passivo, em
contrapartida do fornecimento de bens e serviços ou da satisfação de outras condições, implicando
a alocação de dotação orçamental, independentemente do pagamento. Os compromissos
consideram-se, assim, assumidos quando é executada uma ação formal pela entidade, como seja
a emissão de ordem de compra, nota de encomenda ou documento equivalente, ou a assinatura de
um contrato, acordo ou protocolo.
5. Obrigação: Se, efetivamente, o contrato for feito, terá de ser executado. Ora, quem está dentro
da própria administração terá, depois, de ver se está tudo conforme ao contrato – sendo que,
consequentemente, existe o registo de pagamento (emissão da fatura fiscal), para depois se
processar o pagamento em si.
o A despesa (passivo) é registada contabilística e financeiramente, reconhecendo-se a
obrigação do pagamento. Existe, então, o processamento da fatura e registo da obrigação de
pagar. Como diz o artigo 27º do Decreto-Lei nº155/92, o processamento é “a inclusão em
suporte normalizado dos encargos legalmente constituídos, por forma que se proceda à sua
liquidação e pagamento”. Apenas com este registo, desta operação, é que a Administração
Pública reconhece a regularidade da obrigação; pelo que, depois de autorizada a despesa, a
mesma tem de ser processada (artigo 27º) e liquidada (artigo 28º).
o Passivo = obrigação presente (obrigação vinculativa) com origem num evento passado
(compromisso) que, por sua vez, gera uma saída de recursos.

6. Autorização para o pagamento e pagamento (artigo 29º e ss. do Decreto-Lei nº155/92): Como
a verba ficou reservada, haverá efetivamente dinheiro para fazer o pagamento. No entanto, aquele
que autoriza a despesa (ou seja, que faz o cabimento) não pode realizar o pagamento, sendo este
feito por uma outra entidade – separação e interdependência de poderes.
o O pagamento terá de cumprir com o artigo 53º, nº4 da LEO.

Outras Notas
CARACTERIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:

Toda a Administração Pública é relevante na


teoria geral das despesas públicas; no entanto, para
decidir quais são as despesas, o Estado terá de
escolher entre 1) orçamentar essa despesa, seguindo-
se o regime da LEO; ou 2) não orçamentar, seguindo-
se outro regime.

Em específico, a Administração Pública rege-


se pelo princípio da autonomia, tendo esta
discricionariedade. Tal administração desdobra-se
em administração central, local, regional e, ainda, a
Segurança Social (que se integra na administração
central) – sendo que esta última tem especificações
legislativas quanto a despesas, e é composta por
sistemas e subsistemas. Existe, depois, o setor
público empresarial e o setor empresarial local.
Denota-se, no entanto, que a Lei de Enquadramento do Orçamento não visa toda esta
Administração, como diz os artigos 1º e 2º da LEO. Segundo o artigo 1º, da LEO estão excluídas as
Regiões Autónomas e as autarquias locais, visto que o tratamento orçamental e financeiro destas tem
uma legislação específica – sendo que certos princípios se aplicam mesmo nas legislações específicas
(alínea a). Já o artigo 2º estabelece que a LEO não se aplica nem ao setor empresarial, nem às
fundações ou associações.

SISTEMA DA SEGURANÇA SOCIAL:

A Segurança Social é constituída por três sistemas:

➔ Sistema de proteção social de cidadania: Este visa responder qual o mínimo social a que
Administração tem de responder – ou seja, trata de proteger os mínimos vitais dos cidadãos,
financiado pelo OE e por receitas fiscais. Aqui, existe os subsistemas da ação social, da
solidariedade e da proteção familiar. Toda a gente beneficia dos sistemas de proteção social,
mesmo que não contribua para a segurança social.

➔ Sistema previdencial: Aqui, existe a ideia de solidariedade numa base profissional – ou seja, neste
sistema garantem-se as prestações substitutivas a determinadas beneficiários, de rendimentos de
trabalho, quando se alcança a idade da reforma ou quando se verifica certos inoportunos (ex:
doença). Dentro deste, existe:
o Regime dos trabalhadores por conta de outrem: A segurança social é custeada pelas próprias
partes, ou seja, a entidade empregadora e o trabalhador.
o Regime dos trabalhadores independentes: O chamado trabalhar por “conta própria”, sendo a
própria pessoa que vai custear as prestações para a Segurança Social.
o Outros regimes especiais.

➔ Sistema complementar: Onde se visa complementar as prestações já concedidas pela vertente


pública obrigatória – sendo o exemplo paradigmático o plano de poupança da reforma, que se
capitaliza durante um período de tempo para depois se receber (não sendo este um sistema
obrigatório, nem substitui o sistema complementar). Este será parte de um regime público de
capitalização de adesão voluntário individual.

Denota-se que os fundos da segurança social pertencem a um subsetor da Administração


Pública, que engloba as unidades institucionais cuja função primordial é o fornecimento de prestações
sociais (ex: RSI, pensões de velhice e invalidez, subsídio de doença e desemprego). Nestas, os sujeitos
são a administração central, regional, local e, ainda, a segurança social.

Resumindo…
Tudo começa com o gasto, que faz parte da despesa pública. Ora, para cobrir a despesa
pública, é necessário arrecadar receita – algo que é uma ação pública do Estado; o Estado tem de agir,
não podendo ficar numa posição passiva. Será nisso que consiste a atividade financeira do Estado,
que é, também, uma atividade económica, pretendendo fazer face às necessidades públicas tendo em
conta o cenário macroeconómico – ou seja, para decidir sobre a despesa, é necessário olhar sobre o
que está à volta.
Conclui-se que é importante classificar a despesa pública, sendo a mais importante a classificação
económica. De notar que a LEO é o quadro central, mas é, também, necessário verificar outros
diplomas suplementares relativamente a tudo o que a LEO não prevê; daí que seja melhor ir da
especificidade para a generalidade.

Depois, fala-se no peso da despesa pública: ou seja, a quantidade monetária de despesa pública
que o Estado está disposto a ter. Decidindo-se sobre isso, sabendo quanto terá de ser arrecadado de
despesa pública para tal, será necessário saber a qualidade da despesa pública. A regra mais
importante para averiguar a qualidade é através da regra dos “3 Es” – ou seja, tendo a decisão pública
da despesa, a gestão terá de ser a melhor possível; daí que o padrão a seguir seja o privado. Ir-se-á,
então, verificar, os princípios da boa discriminação orçamental, da transparência, dos 3Es, do
equilíbrio intergeracional, etc.: princípios transversais, tanto quanto à receita pública, como nos casos
de administrações que gozam de autonomia (como as autarquias locais e Regiões Autónomas).

Por sua vez, ter-se-á de ver o contexto micro, ou seja, aquando da execução orçamental: à medida
que o OE vai sendo executado, despesas vão sendo contraídas e receitas vão sendo arrecadas. De
notar que a despesa tem de ser aprovada no OE e noutros orçamentos.

Relativamente às fases da despesa pública, destaca-se o cabimento, que é a reserva da quantia


que se prevê ser gasta na despesa, para evitar que, no futuro, exista um incumprimento. Quando se
contrata alguém, por exemplo, existem diplomas administrativos que regem o procedimento
específico que vai ter de ser seguido – algo relacionado com o princípio da legalidade. Ora, feita a
contratação, e estando o cabimento anteriormente feito, terá de ser feito o registo da obrigação do
compromisso (nomeadamente, através da celebração de contrato) – isto, de forma a garantir o
cumprimento. Por fim, será feita a autorização para o pagamento e, depois, o pagamento, sendo este
efetuado pela Direção-geral do Tesouro.

Hipótese

António trabalha no Departamento de Reaprovisionamento do Tribunal da Comarca de


Lisboa Norte, em Lisboa. Na sequência de um concurso público ocorrido no ano de 2021, foram
admitidos e integrados em maio de 2022, definitivamente, para o quadro do Tribunal daquela
Comarca vinte novos funcionários. Com esta nova admissão aumentaram, naturalmente, as despesas
com a aquisição de bens e serviços.

Em junho de 2022, António fez um levantamento aos consumíveis e concluiu que, para evitar
a rutura de stock e, numa atitude previdente, necessitava de adquirir até outubro de 2022, 1000
resmas de papel A 4; cinquenta toners laser, cor preta, para as máquinas impressoras e 100 dossiers
A 4 para arquivo. Cada unidade tem a seguinte estimativa de preço de mercado:

a) Uma unidade de resma de papel: 5,00€


b) Uma unidade de toner laser cor preta: 50,00€
c) Uma unidade de Dossier, tamanho A4, para aquivo: 2,00€

Pelo que:

a) 100 resmas de papel têm um custo de 5000€


b) 50 toners de laser têm um custo de 2.500 €
c) 100 Dossiers, A4, têm um custo é de 200€.

Considerando que o total para a despesa prevista é de 7.900€, António julga adequado
propor, para a contratação pública, o procedimento de ajuste direto nos termos do constante do nº2,
do artigo 112º do Código da Contratação Pública por ser o mais célere e menos burocrático. A
empresa que, usualmente, tem fornecido estes tipos de bens é a Prontex Lda por ser a que dispõe de
uma melhor relação qualidade preço.

Por sua vez resulta dos regulamentos de funcionamento do Tribunal e da lei que qualquer
proposta para a realização de uma despesa pública tem de ser endereçada, ao Administrador
Judiciário, do respetivo tribunal que, depois do parecer favorável, deve endereçá-la aos serviços
contabilísticos do DGAJ – Direção Geral da Administração da Justiça por ser a entidade
responsável, em colaboração com o IGEF - Instituto de Gestão Financeira e Equipamento de Justiça,
para a contratação de bens e serviços necessários ao funcionamento dos Tribunais.

No Orçamento do Ministério da Justiça está previsto, para os Tribunais de 1a Instância (e no


qual se inclui o Tribunal Judicial da Comarca Lisboa Norte), no Mapa 1, para as despesas públicas
de base orgânica um total de 950.000 € e, no Mapa 2, referente à classificação económica, mais
concretamente, com relação ao agrupamento 02, aquisição de bens e serviços; pertencente ao
subagrupamento 08, respeitante a material de escritório, a despesa de 200.000 €.

No intuito de se precaver contra a eventualidade de despesas inesperadas o Ministério da


Justiça decidiu, ainda, com relação aos Tribunais de 1a Instância criar um novo agrupamento 10
que, genericamente, designa por outras Despesas, criando, por sua vez, o subagrupamento 01,
Infortúnio, com a rubrica 01, outros assuntos, e com a previsão de um montante de 10.000 €.

Considerando o acima exposto responda às seguintes questões:

1. Atendendo aos mapas da despesa do Orçamento de Estado de 2022 (OE) e ao Orçamento do


Ministério da Justiça, a despesa pública que António quer propor tem enquadramento
previsional? Justifique a sua resposta com base no OE e nos dados contabilísticos referentes ao
Ministério da Justiça com relação ao Mapa 2, agrupamento 02, aquisição de bens e serviços.

Primeiro, será necessário perceber se tal despesa tem rubrica orçamental. Ora, a LEO indica
como se devem fazer os registos; assim, ter-se-á de ver se o Tribunal está abrangido pela LEO –
segundo o artigo 2º, a resposta é afirmativa, pelo que se terá de reger pela essa mesma lei.

De seguida, será necessário ver se existe verbas. Ora, quando se olha para o mapa de despesas
orgânico, conclui-se que o Ministério da Justiça tem x milhões – sendo que, no OE, existe uma verba
específica para os tribunais, prevista na LEO para este tipo de despesas. Isto significa que, antes de
se elaborar um OE, já houve uma fase prévia em que os ministérios apresentaram os seus programas,
para os transpor no OE – pelo que, efetivamente, a legalidade está garantida pela previsão orçamental.
Ora, dentro do “bolo” do OE, x desse valor será para material de escritórios, etc., pelo que a despesa
neste caso concreto está devidamente prevista. Já dentro da classificação económica, esta despesa é
uma despesa corrente, como se diz no anexo da LEO.

2. O departamento contabilístico do IGEF informa A que o montante da sua despesa não pode ser
cabimentada, por falta de receita, no agrupamento da aquisição de bens e serviços. Nesse sentido
questiona-se se pode ser reconduzida ao agrupamento genérico de outras despesas?

Se não existe cabimento, não existe despesa, dado que não é possível pagar. No entanto,
denota-se que os orçamentos não são uma coisa estática: assim, ou 1) há um orçamento complementar
pela parte do Estado, passando a haver verba para a despesa – orçamento de retificação; ou 2) ao
abrigo do princípio da autonomia administrativa, o órgão que tem a autonomia das despesas, consegue
libertar uma verba para essa despesa – recondução da despesa para outra rubrica.

Na prática, será necessário fazer essa recondução. No entanto, por regra, numa situação destas, tal
não é viável, pois não é transparente, ou seja, não vai ao acordo dos princípios.
3. Elabore, de acordo com os requisitos constantes no artigo 52º/3 da LEO, uma proposta de
contratação pública considerando, para esse efeito, os elementos referentes ao Orçamento do
Ministério da Justiça Mapa 2, com relação ao agrupamento 02, aquisição de bens e serviços.

Aqui, existe um facto gerador que é a necessidade de uma despesa corrente para bens e
serviços. Depois, existe, também, a inscrição orçamental no OE, no próprio orçamento do tribunal,
etc. Seria necessário indicar o enquadramento legal (ou seja, que é abrangido pelo orçamento); feito
esse enquadramento, com a rubrica, A terá de fazer de fundamentar essa despesa – ou seja, é
necessário mostrar o que é que é necessário, e porque é que isso é necessário.

2. Como se processaria o ciclo de execução desta despesa pública nestas entidades envolvidas?

Aqui, seria necessário perceber como se faz a libertação, no ciclo do processo de pagamento
– regime dado por legislação mais específicas, como o Decreto-Lei nº155/92.

Teoria Geral da Receita Pública


Conceito de Receita Pública
A receita pública é um recurso/ativo que vai ser obtido/arrecadado durante um determinado
período financeiro – nomeadamente, o período anual da execução do OE. Os destinatários da receita
pública são os sujeitos públicos que vão satisfazer as necessidades sociais e, por isso, precisam dessa
receita; são estes que a vão obter, com a finalidade de fazer face à despesa pública.

Tal como a despesa pública, a receita pública também tem três elementos:

➔ Subjetivo: O destinatário são os entes públicos e entidades equiparadas que vão satisfazer as
necessidades sociais, como já foi dito.
➔ Objetivo: Existe uma apreensão definitiva de uma soma de numerário ou bem equivalente.
➔ Finalístico: Serve para a supressão/cobertura das despesas, sendo que tais despesas provêm das
necessidades previstas no OE – é assim que a receita pública é legitimada.
o Por exemplo, a principal receita prevista no OE é o imposto, que são os cidadãos que pagam,
tendo em conta a sua capacidade contributiva.

No entanto, nem todas as quantias que entram no “espaço” público são automaticamente receitas. Por
exemplo, os cidadãos nem sempre conseguem pagar os impostos, pelo que pedem ao Estado para os
pagar de forma fracionado; contudo, tal pessoa deve prestar uma caução, consignando a favor do
Estado uma determinada verba para poder pagar de forma fracionada. Ou seja, esta caução só virará
receita pública se e quando a pessoa entrar numa situação de incumprimento, visto que, se esta
cumprir, tal caução vai ser devolvida.

As receitas públicas são, também, regidas pelo princípio da boa discriminação orçamental
que, por sua vez, tem como subprincípio a regra geral da não consignação (artigo 16º, nº1 da LEO):
efetivamente, as receitas são arrecadadas e pagam as despesas em geral, não indo apenas pagar as
despesas na mesma área da qual foram arrecadadas. Isto porque, em primeiro lugar, o OE tem uma
vida e um período de execução orçamental, o que significa que nem todas as receitas podem ser
disponibilizadas ao mesmo tempo; em segundo lugar, o contrário seria injusto em relação a
determinadas áreas administrativas, cuja receita arrecadada não é suficiente para fazer face às
despesas necessárias. Isto permite, ainda, que o OE tenha alguma flexibilidade.
Porém, o artigo 16, nº2 da LEO estabelece que, em casos excecionais, é possível consignar
determinada receita para determinada despesa, como, por exemplo:

a) As receitas das reprivatizações: Em que os rendimentos dos processos de reprivatizações têm de


ser aplicados, mediante imposição legal, à eliminação da dívida pública. Aqui, para saber como
opera tal consignação, será necessário recorrer à Lei-Quadro das Privatizações – que, no seu artigo
16º, trata do destino das receitas.

b) As receitas relativas aos recursos próprios comunitários tradicionais.

c) As receitas afetas ao financiamento da Segurança Social e dos seus diferentes sistemas e


subsistemas, nos termos legais: Isto porque, se o princípio fosse o da não consignação, não seria
cumprido o contrato social, em que as pessoas fazem contribuições durante a vida ativa para,
depois, receberem algo durante a reforma. Assim, as receitas que o Estado obtiver como
Segurança Social terão de ficar dentro do mesmo.
o Enquanto o sistema complementar e o sistema de proteção à cidadania são facultativos (já que
é um acréscimo), o sistema contributivo Segurança Social é obrigatório, assentando na ideia
de autofinanciamento. Ora, o problema ligado a este último sistema em concreto, e que põe
em causa a estabilidade intergeracional, é o envelhecimento da população, que faz com as
receitas feitas durante a vida ativa não são suficientes para a reforma. Significa, isto, que
poderão existir pressões demográficas no sistema previdencial, dado que uma pensão que
estaria pensada para 10 anos, poderá estender-se até aos 30 anos, devido ao aumento da
esperança média de vida. Tudo isto afeta a sustentabilidade da Segurança Social, não tendo
estado a classe política suficientemente atenta a este envelhecimento para prever tais riscos.
▪ Assim, para contornar isto, 1) a idade da reforma já não é estática, e tem em conta o
aumento da esperança média de vida. Além disso, 2) a Segurança Social arranjou mais
financiamento, nomeadamente apostando no fundo de estabilização financeira da
Segurança Social, que produz investimentos geradores de maior capital para suprir as
necessidades do sistema. No entanto, só uma parte das contribuições são aplicadas.

o Existem, também, casos em que, apesar de a receita não ser obtida pela Segurança Social, o
Estado entende que deveria haver uma consignação da mesma ao sistema contributivo. O IVA
social, por ex., é uma percentagem do IVA selecionada, que está afeta ao sistema de proteção
social e cidadania. Assim, apesar de ser financiado pelo OE em geral, existe uma parte do
mesmo que está consignada, especificamente, ao sistema de proteção social da cidadania.
▪ Os pensionistas com pensões mais elevadas, beneficiários do sistema, viram um valor X
ser descontado do valor da pensão, que ficou consignado a este sistema de segurança
social, contribuindo para a sua sustentabilidade. Ou seja, no período em que a CES
funcionou, houve uma alteração do paradigma, permitindo-se que alguém, mesmo sendo
beneficiário do sistema, pudesse contribuir para o sistema.

o Para além dos montantes expressos obrigatórios de contribuição para a Segurança Social, os
cidadãos podem contribuir algo mais – é aqui, então, que entra o sistema complementar. Existe
a possibilidade de contribuir com montantes extra, por exemplo, através dos Planos de
Poupança Reforma, fornecidos por bancos privados ou seguradoras. Ora, o sistema
complementar é um “plus”, não tendo carácter obrigatório; são as pessoas que decidem
aumentar a sua contribuição, para depois receber mais. As quantias a mais vão ficando a
capitalizar, recebendo, depois, uma determinada quantia por esse dinheiro. No entanto,
Portugal não tem uma grande tradição de adesão a este sistema, já que os salários são baixos.
d) As receitas que correspondam a transferências provenientes da União Europeia e de organizações
internacionais: Um importante instrumento de financiamento público, dado porque Portugal
pertence à UE, são os fundos comunitários, que visam atingir coesão económica e social. Assim,
quando a UE apresenta o seu orçamento e distribui um determinado valor para os Estados, existe
um regime contratual – o Estado-Membro receberá receita, mas apenas se esta for consignada de
acordo com o que fora contratualmente estipulado. Existe, assim, uma lógica de contratualização
específica, que implica uma consignação daquela receita comunitária a uma despesa concreta.
o A entidade que faz a colheita dos dados e que permite a negociação da verba é o Eurostat. Por
exemplo, se aquele fundo cedido se destina a financiar empreendedorismo social, aquela
receita obtida tem de ser aplicada em despesa para financiar o empreendedorismo social; já
se a receita é obtida para financiar atividades agrícola, terá de ser usada em atividade agrícola.
▪ Numa lógica de responsabilização, a UE financia os Estados Membros em cerca de 80%,
seno que os restantes 20% terão de ser financiados pelo Estado (em cada investimento).

o No entanto, denota-se que o Estado pode ter alguma margem de manobra na gestão e aplicação
dos fundos; isto, porque as diretrizes definidas costumam ser genéricas. Quem vai
implementar tais fundos será, em específico, o Estado, através de sua entidade ou de uma
instituições criada para esse objetivo.

o De notar que a criação de regras que condicionam o equilíbrio entre receita e despesa vai
provocar uma tensão muito grande entre aquilo que entra e o que sai; assim, quanto mais se
depender de receitas que não são do país, mais difícil será manter um equilíbrio.
▪ Cada vez mais existe uma tendência para os fundos deixarem de ser a fundo perdido: tal
sistema via se o valor transferido foi bem ou mal aplicado, sem que fosse necessário
haver retorno do mesmo. Agora, exige-se, cada vez mais, um certo retorno, quer
financeiro – devolver uma parcela do montante que foi entregue – quer social – com a
aplicação do dinheiro conferido pela UE, terá de existir, no mínimo, um impacto social
positivo (impacto esse, que não será fácil de ser quantificado).

e) As receitas provenientes de subsídios, donativos e legados de particulares, que, por vontade


destes, devam ser afetados à cobertura de determinadas despesas.

f) As receitas que sejam, por razão especial, afetas a determinadas despesas por expressa estatuição
legal ou contratual: Esta consignação deverá ter caráter temporário e excecional (artigo 16, nº3
da LEO), proveniente de uma cláusula aberta para permitir haver consignações, onde elas se
aplicam – ex: Contribuição Extraordinária de Solidariedade.
o No entanto, por exemplo, o IVA social não tem tido nada de temporário, na prática.

Classificações da Receita Pública


Em primeiro lugar, existe a classificação económica, segundo o artigo 3º do Decreto-Lei nº
26/2002, que se desdobra nas receitas correntes e nas receitas de capital. As receitas correntes (ou
receitas ordinárias) são receitas que se tendem a repetir no tempo, geradas no período financeiro em
que ocorrem e, regra geral, renovando-se nos períodos orçamentais subsequentes – ex: impostos (que
às vezes não se renovam, devido à fraca capacidade contributiva da população), rendas de imóveis
arrendados, juros que o Estado receba por ter emprestado dinheiro, etc. Por sua vez, as receitas de
capital são receitas provenientes de poupanças feitas pelo Estado e, por isso, são cobradas
ocasionalmente, tendo caráter transitório e estando, regra geral, associadas a uma redução do
património do Estado – ex: venda de um imóvel público. Assim, nesta classificação, a grande métrica
é, então, o período orçamental.
Por outro lado, existe, também, a distinção entre receitas efetivas ou reais e as receitas não efetivas
ou aparentes: as receitas efetivas aumentam o património do Estado (ex: multas), sem criarem
qualquer contrapartida ou encargas; enquanto as receitas não efetivas não alteram património, mas
apenas a sua composição, originando obrigações que o Estado tem de cumprir maiores do que aquilo
que este “ganhou” (ex: empréstimo pedido pelo Estado, uma vez que terá de o pagar com juros –
dívida pública).

Em segundo lugar, existe também uma classificação que organiza a receita pública tendo em
atenção a intervenção estadual. Isto, porque o Estado pode agir de duas formas: assumindo o seu jus
imperium e impondo a cobrança de receita pública; ou atuando como um outro qualquer agente
económico. Assim, nesta classificação, distingue-se:

➔ Receitas de economia privada: São voluntárias, em que o Estado atua em condições análogas às
de qualquer agente económico privado. Enquadram-se, aqui, as receitas patrimoniais – aquelas
que o Estado obtém pela gestão, oneração ou alienação do seu património –, receitas creditícias –
aquelas em que o Estado emite títulos de dívida pública que espera serem adquiridos por
investidores, tendo depois de devolver o dinheiro dos mesmos, com juros ao capital –, e receitas
graciosas, obtidas de heranças, legados ou sucessões quando não existam outros herdeiros.

➔ Receitas de economia pública: São coercivas, mediante ação dotada de um poder de jus imperium.
Enquadram-se, aqui, as receitas de domínio eminente – derivam do poder de exclusão de direitos
alheios, por via quer de uma requisição, quer de uma expropriação ou nacionalização –, receitas
derivadas da ação penal – surgem como resultado da intervenção do poder penal e das sanções
pecuniárias, podendo ser que multas ou coimas –, e as receitas tributárias – exigem-se aos
privados, numa lógica de solidariedade social e contribuição para as despesas públicas (impostos).

RECEITAS PATRIMONIAIS:

As receitas patrimoniais são provenientes da gestão dos bens de que o Estado é titular ou que
tem à sua disposição, para satisfação das suas necessidades – representam uma utilidade pública
inerente. É importante analisar este tipo de receitas, dado que a sua função, em tempos de crise, é
significativa: nomeadamente, em épocas de desequilíbrio orçamental, como na época da Troika.

Para se identificar o que é o património do Estado para efeitos de inventário, quais os bens de
domínio público ou privado e qual o património financeiro do Estado, recorre-se ao Decreto-Lei
nº477/80: este é “o conjunto de bens do seu domínio público e privado, e dos direitos e obrigações
com conteúdo económico de que o Estado é titular, como pessoa coletiva de direito público”.

➔ Denota-se que os títulos de dívida pública fazem parte do património financeiro do Estado e, por
isso, há uma relação entre as receitas patrimoniais e receitas creditícias.
Ora, o património do Estado é, então, constituído por bens que podem ser do domínio público
ou do domínio privado (ex: conceções balneares), distinguindo-se os dois pelos poderes, legalmente
atribuídos, que o Estado irá exercer em relação aos seus respetivos bens – por exemplo, os bens de
domínio público são alienáveis, enquanto os bens do domínio privado já não o são. O artigo 5º deste
Decreto, por sua vez, discrimina os bens de domínio privado; enquanto o artigo 6º descreve qual o
património financeiro do Estado.

No entanto, o património do Estado é não só constituído por ativos (ex: bens móveis e
imóveis), como também por passivos (ex: dívidas, encargos) – sendo que todos os bens aqui falados
terão de ter um valor económico. Existe aqui, então, uma distinção entre património bruto (ou
património global) e património líquido:

➔ Património bruto: Diz respeito a tudo, ou seja, tanto os ativos como os passivos; sendo que esta
não dá uma visão concreta do ativo com que se pode dar.

➔ Património líquido: Diz respeito à diferença entre o património bruto e os passivos, sendo
importante para o Estado se decidir sobre a gestão do património de acordo com a regra dos “3Es”
– por exemplo, o Estado pode decidir que vai explorar diretamente o património e arcar os custos;
ou atribuir a terceiros (privados) essa exploração e gestão dos bens do património estadual; ou,
ainda, atribuir numa lógica de parceria (PPP).

Existe, ainda, outra diferenciação feita: nomeadamente, entre património duradouro e


património não duradouro, que assenta num critério temporal, referente ao período orçamental.

Assim, o património duradouro fica na esfera jurídica do Estado para além do período orçamental,
não se esgotando no período financeiro da execução orçamental de um ano. Assim, a dívida associada
ao património duradouro está ligada a uma lógica de 1) amortização e 2) depreciação. Segundo a
lógica de amortização – paga-se o que se deve e, consequentemente, diminui-se a dívida e os juros –
, para se tomar uma decisão de gestão, será necessário saber por quanto tempo a verba é necessária e
quanto tempo demorará esta a ser liquidada. Ora, se for preciso um maior período de liquidação, é
melhor escolher património tendencionalmente duradouro, cujo vencimento não se vê no ano
orçamental. Já a lógica da depreciação baseia-se na diferença entre propriedade jurídica e propriedade
económica: isto, porque existem certos bens que têm uma vida económica muito menor que uma vida
jurídica (ex: os carros, que desvalorizam logo que saem do stand) – ora, tais bens, quando ficam com
uma propriedade económica mínima, não têm expressão no património do Estado a nível económico,
apesar de a nível jurídico ainda se encontrarem lá.

Já quanto ao património não duradouro, este será um património mais curto que o ano orçamental,
utilizado quando é necessário obter algo imediatamente.

Outra legislação importante será a Lei nº 7/98, chamada de Regime Geral de Emissão e Gestão
da Dívida Pública. Nesta, está descrita a noção de dívida pública flutuante, no artigo 3º, alínea a): esta
é contraída quando existe uma grande necessidade de tesouraria, com o objetivo de pagar os
compromissos estaduais – sendo que o vencimento de tal dívida ocorre dentro do mesmo período
orçamental em que foi gerado, sendo, por isso, dívidas de pouca duração (ou seja, é um crédito de
curto prazo, maioritariamente para satisfazer carências de tesouraria e falhas de mercado).

Por sua vez, a alínea b) do mesmo artigo refere-se à dívida pública fundada, que implica a existência
de um património duradouro, e cujo vencimento ocorre no período orçamental subsequente (não
sendo necessariamente no próximo) – por exemplo, o Estado emitir um título de dívida pública a 3
de março de 2018 para vencer a 2 de março de 2050.

➔ Esta distinção é importante visto que, como será estudado, o Estado é autorizado em montantes
diferentes consoante esteja em causa uma dívida pública fundada ou uma flutuante – isto, porque
uma das funções de emissão de dívida pública é responder à necessidade de liquidez da tesouraria.
Ora, se se quiser comprometer o menos possível as gerações vindouras, a dívida flutuante é o
ideal; mas se for necessário contrair dívida fundada, esta terá de ter o período mais curto possível.

NOTA: Dívida consolidada do Estado – enquanto existir, é uma dívida estável.

O património de tesouraria

Denota-se que, apesar de a tesouraria do Estado ser autónoma (na medida da sua gestão, não
estando sujeita à disciplina orçamental), o aumento ou a diminuição do património influencia-a
diretamente. Existe, ainda, o IGCP, que se encarga de gerir a tesouraria, sendo a entidade responsável
pela parte mais técnica – por exemplo, é esta entidade que faz a emissão de títulos de dívida.

➔ Para, efetivamente, liquidar uma dívida, é necessário dinheiro – ora, por isso, é que existe a
necessidade de ter um saldo de tesouraria, com disposições específicas e uma maior flexibilidade,
não seguindo a rigidez orçamental.

Há, também, que ter uma noção de que património do Estado é diferente de património de tesouraria:
isto, porque o Estado pode ter, na sua esfera jurídica, um valor determinado – património do Estado
–; mas apenas ter uma liquidez imediata num valor inferior a esse – património de tesouraria. Assim,
fala-se de património de tesouraria relativamente às disponibilidades que o Estado tem, no imediato,
para gastar. Assim, se se tiver escassa disponibilidade de tesouraria e se precisar, o Estado pode pedir
uma dívida pública flutuante, ou seja, uma dívida de curto prazo que depois será abatida.

Importância das receitas patrimoniais

Existiu um tempo em que as receitas patrimoniais foram bastante significativas,


nomeadamente no período em que o Estado era mais interventivo nas suas expropriações e
nacionalizações; no entanto, atualmente, o Estado tem agora um respeito pela iniciativa e propriedade
privada, como obriga os artigos 61º e 62º CRP.

Ora, a decisão relativamente à afetação das receitas patrimoniais – quais se devem usar – deve
ter em conta a gestão integrada com todas as restantes receitas, nomeadamente o imposto. A vantagem
das receitas patrimoniais é que, em princípio (e ao contrário das dívidas creditícias), estas não geram
maior dívida pública: a recompensa do determinado ativo vai abater o passivo de se deixar de ter
aquele bem, não criando mais passivo do que antes havia. Isto significa que a busca de receita pública
fez com que as receitas patrimoniais aumentassem e, consequentemente, que o fosso entre receita e a
despesa diminuísse.

A opção política da utilização das receitas patrimoniais, como forma alternativa de obtenção da
receita pública necessária para a estabilização orçamental, foi feita de forma a não aumentar a receita
tributária ou a receita creditícia – visão integrada das despesas. No entanto, tal opção tem um
problema, visto que o imóvel alienado não voltará a dar dinheiro – ou seja, perde-se, na prática, uma
possível fonte de ativos. De qualquer das formas, nos últimos anos, o Estado tem achado que tal
desvantagem é colmatada pelas vantagens atrás descritas: o processo de reequilíbrio orçamental tem
sido efetuado através das receitas patrimoniais – por exemplo, no documento de estratégia orçamental
construído para 2014-2018, existe uma forte aposta na reprivatização como forma de sustentabilidade
das finanças públicas.

De notar, ainda, que o Estado também pode ser um ator económico, tendo participações sociais
nas empresas – mas, se o for, vai ter de despender de verbas (tais como outros investidores) que põe
em causa o bom equilíbrio orçamental. Assim, foi assumido, nesta decisão política, que seria mais
vantajoso o Estado não ter uma continuidade de participação no âmbito económico (enquanto agente
económico), sustentando certas e determinadas empresas, porque se verificava que o Estado
persistentemente tinha de fazer injeções – caso contrário, os resultados negativos das empresas
prejudicariam a própria sanidade das contas públicas. Ou seja, começaram-se a evitar tais injeções de
capital, existindo uma necessidade de eliminar tais entidades da esfera pública: privatizações. Por
outro lado, o problema destas privatizações é que se perde uma posição dominante no mercado, e,
mesmo com a perda do passivo, surgem outras dificuldades em seu lugar – por exemplo, com a
privatização das águas, houve um aumento do preço deste bem essencial, algo que é um problema
para os consumidores, assim como para o Estado (visto que a satisfação das necessidades não é feita).

Por outro lado, o Estado ficará tanto mais absolvido de contrair despesa publica se tiver outras
entidades que o façam – nesse sentido, fala-se da responsabilidade social das empresas e da
sustentabilidade integrada. Ou seja, ao intervir numa sociedade, tal agente económico deve ter em
atenção o impacto que provoca nesta do ponto de vista ambiental, do ponto de vista económico e do
ponto de vista do impacto social – daqui nasce a chamada responsabilidade social empresarial (RSE).
Ultimamente, tem-se tentando construir a RSE através de soft politics.

Não esquecer, no entanto que, acima de tudo, as empresas precisam de gerar lucro; ora, só com este
é que poderão ou quererão ter este papel. Contudo, as finanças públicas também se preocupam em
fazer com que as empresas se preocupem com tal responsabilidade, por exemplo, através de leis como
o Mecenato: atribuição de benefícios fiscais a empresas com determinada relevância social (ex: dar
privilégios na contratação pública a quem apresenta uma maior responsabilidade ambiental

Além disso, fala-se, agora, no social washing: ou seja, uma empresa que queira ter um lugar
respeitável na sociedade pode praticar atos de aparente preocupação social, mas que serve apenas
para melhorar a sua imagem.

RECEITAS CREDITÍCIAS:

Ao conjunto de todas as situações passivas de que o Estado é titular, dá-se o nome de dívida
pública: situação específica em que o Estado (ou outra entidade pública) é devedor, em virtude uma
operação financeira pela qual lhe foram prestados ativos financeiros, devendo reembolsá-los e/ou
pagar juros. Dentro desta lógica, as receitas creditícias caracterizam-se pelo Estado ir ao mercado,
numa lógica de empréstimo, por ter interesse que os investidores adquiram a dívida pública –
emitindo, para isso, títulos da dívida pública.

➔ Existe uma diferença entre défice orçamental e dívida pública: o défice orçamental é o saldo
negativo – ou seja, olha-se para as receitas e as despesas das diferentes administrações, existindo
um défice quando as despesa são superiores às receitas. Já a dívida pública refere-se aos
compromissos assumidos perante terceiros, de pagar os empréstimos feitos.

Segundo o artigo 2º, nº1, da Lei nº7/98, existe uma relação direta entre a obtenção de receita
creditícia e o equilíbrio orçamenta – ou seja, o recurso ao endividamento público direto tem como
função principal salvaguardar o equilíbrio e a estabilização orçamental ou das contas públicas. Este
artigo diz, ainda, que tal emissão de dívida pública deve ser feita apenas para assegurar as tarefas
prioritárias do Estado.

Ora, se é verdade que a função clássica da receita creditícia está relacionada com o défice orçamental
e a necessidade de o compensar, é certo que existe uma outra função: nomeadamente, a liquidez da
tesouraria. Como foi dito, a tesouraria está relacionada com aquilo que o Estado tem disponível no
momento imediato para gastar – ora, se Estado tiver os seus recursos aplicados em certos instrumentos
financeiros, que não possibilitam ir buscar de imediato o património investido, não terá dinheiro em
caixa suficiente (não querendo perder a remuneração associada a esses instrumentos financeiros).
Nesta situação, pode o Estado decidir ir ao mercado pedir crédito para compensar a ausência de
liquidez da tesouraria – recorrendo, muitas vezes, às obrigações de tesouro. Ou seja, a emissão de
dívida pública é uma forma de gestão dos dinheiros públicos: para não perder a rentabilidade de certos
investimentos, o Estado endivida-se, de forma a obter liquidez.

Há, ainda, uma terceira razão para o Estado recorrer à dívida pública: nomeadamente, para promover
a estabilização macroeconómica. Uma das formas que o Estado tem de atuar, sobretudo em
conjunturas inflacionistas, para conseguir uma estabilização, retirando dinheiro aos privados, é a
emissão de títulos de dívida pública como instrumento de poupança privada – apresentando títulos de
dívida que deem alguma rentabilidade associada aos privados (ex: certificados de aforro).

Concluindo, são, portanto, três as funções que justificam o recurso à receita creditícia: 1)
Compensar défices orçamentais (função clássica e máxima), na existência de um desequilíbrio
orçamental grande; 2) Gerar liquidez de tesouraria, face a dificuldades de tesouraria; e 3) Atuar
macroeconomicamente, sobretudo para controlo de processos inflacionistas – políticas
estabilizadoras e de estimulação do consumo e da economia.

Riscos diretos relacionados com a dívida pública direta

Em primeiro lugar, o Estado deverá ter solvabilidade: ou seja, só deve contrair dívida pública
se souber que a pode pagar; caso concreto, existirão problemas com relacionado com as empresas de
rating – empresas particulares, que têm a missão de avaliar a solvabilidade de certas entidades,
nomeadamente de nações soberanas. Assim, se estas tiverem uma opinião negativa sobre a dívida
soberana, nenhum investidor irá comprar títulos de dívida pública, não fazendo sentido emiti-los –
risco de refinanciamento: o Estado depende do mercado para o financiar e, por isso, tem todo o
interesse que a dívida pública seja credível.

Em segundo lugar, existe a situação dos juros – ou seja, os encargos com os quais o Estado
irá ficar adicionalmente. Assim, este terá de analisar, segundo a regra dos “3Es”, se faz sentido ter
este tipo de encargos como contrapartida: isto porque, com os títulos de dívida, há uma necessidade
de devolver não só o capital, mas também a sua remuneração. Relacionado com isto, existe, também,
o perigo de aumento das taxas de juros, muitas vezes relacionado com o cenário macroeconómico,
nomeadamente a inflação.

Para além disso, terá, também, de se ter em conta os títulos dos ativos do Estado ao seu dispor
pois, se estes sofrerem uma grande oscilação, tal oscilação irá influenciar a dívida pública: por
exemplo, se se decidir alinear um determinado património, o Estado irá obter receita, algo que
influenciará a decisão de se ou quanto da dívida se contrai.

Ou seja, se a receita creditícia serve para obstar a défices orçamentais, então, quando maior for o
défice, maior será a necessidade de crédito ou receita creditícia. Por outro lado, se os ativos
financeiros detidos pelo Estado variarem no seu valor, também variará o montante da dívida pública.
Se o Estado vende ou adquire participações sociais, ou amortiza dívida pública anterior, tenderá a
precisar de menos receita creditícia, podendo fazer oscilar/reduzir o valor da dívida pública.

➔ Se, por exemplo, o Estado reprivatiza muito, e as receitas patrimoniais obtidas são aplicadas na
redução da dívida pública, tendencialmente se reduzirá o montante da divida pública – sendo que
estas receitas terão de ser, especificamente, afetas ao pagamento da dívida pública.

Depois, existe, também, a própria questão cambial, que pode afetar a dívida pública – isto,
visto que a dívida pública pode ser contraída em moeda nacional ou moeda estrangeira (alínea c) e d)
do artigo 3º LEO). Ora, isto terá um impacto na liquidação: a variação das taxas de câmbio é relevante,
pois pode variar o montante da dívida – o que, consequentemente, pode ser importante para decidir
sobre o quanto da dívida pública que se vai emitir.

Por fim, existe, ainda, um risco de crédito, relacionado com certos tipos de contratos que o
Estado celebra. Por exemplo, os contratos derivados, que associam a sua rentabilidade com relação a
um determinado produto, são contratos de elevado risco de crédito, com perdas de capital: se estes
produtos que se faz depender tiverem uma grande oscilação, o risco aumenta (ex: no caso do petróleo,
tem-se observado uma grande oscilação com o preço do produto no mercado). Ora, se se tiver um
título de crédito indexado a este tipo de petróleo, isso ir-se-á repercutir negativamente na dívida.

➔ A dívida pública existe sempre e, no caso do Estado português, é bastante expressiva. Assim, para
haver uma redução, poder-se-á 1) fazer uma redução dos gastos; 2) focar esforços na amortização
da dívida pública – sendo que isso será fútil, não conseguindo o Estado pagar toda a dívida
pública, existindo um aumento desproporcional às necessidades sociais das despesas públicas –;
3) fazer uma rede de estruturação da própria dívida pública; ou, ainda, 4) pedir um perdão aos
credores – o que faz com que o Estado perca a credibilidade que precisa para os próprios mercados
e empresas de rating.

Justificação da emissão de dívida pública

Para justificar a emissão de dívida pública, terá de se começar pela legislação da EU, que
explicita quais os mecanismos para combater um alto défice orçamental. Aqui, é necessário perceber
as competências que são exclusivas aos Estados-Membros, e as que são partilhadas com a EU. Para
isso, utiliza-se três princípios: 1) princípio da atribuição – segundo o qual as competências da UE
e/ou dos EM estão definidas nos tratados –; 2) princípio da exclusividade; e 3) princípio da
subsidiariedade – quando a competência é partilhada, deve ser o agente mais habilitado a exercê-la
(preferencialmente, os EM; mas pode acontecer que tenham de ser as instituições da UE).
Relativamente às políticas financeiras e fiscais, ainda se verifica uma grande predominância dos
Estados-Membros.

Além disso, importa, também, falar sobre a história da EU. No início, existiu uma União
Económica Monetária, introduzida com o Tratado de Maastricht, em que se pretendia introduzir a
existência de políticas económicas e monetárias comuns, assim como a união monetária. Para tal, a
UE previu três fases, sendo na última delas que surgiu o PEC – Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Este PEC tem como objetivo a estabilidade orçamental, sendo um documento de natureza política
que consolida a necessidade de se encontrar critérios de índice de referência e, assim, controlar o
défice orçamental e a dívida pública. Para isto, foram adotados dois regulamentos: regulamento CE
Nº1466/97 – relativo à supervisão das situações orçamentais e supervisão e coordenação das políticas
económicas – e o regulamento Nº1467/97, relativo à aceleração e clarificação da aplicação do
procedimento relativo aos défices excessivos (dita que, se não forem cumpridas as regras, os Estados-
Membros têm de se sujeitar a um procedimento específico).

➔ Assim, o PEC tem uma vertente preventiva, nas políticas de coordenação com uma convergência
económica; e, ainda, uma vertente corretiva, quando se está numa situação de défice excessivo.

No entanto, quando se começou a ensaiar este modelo, muitos Estados-Membros concluíram que os
mecanismos previstos eram demasiado rígidos, não permitindo responder adequadamente aos
problemas sociais perante determinados períodos de crise. Isto foi especialmente privado com a crise
de 2008, em que vários países, mesmo aqueles com uma economia robusta, apresentavam um défice
excessivo. Por isso, no artigo 126º do TFUE, a UE admite a verificação de uma situação de défice
excessivo; mas apenas numa situação excecional e temporária.
Começou-se, então, em 2011, a segunda fase do PEC, em que a UE aprova 6 atos normativos que
introduzem um sistema mais aprimorado, para monitorizar as políticas económicas e detetar
precocemente as bolhas que podem vir a rebentar no mercado (six pack). No entanto, isso não foi
suficiente e, em 2013, introduzem-se dois atos normativos para monotorização da moeda única,
existindo uma aposta num controlo alargado dos Estados e da sua política económica (two pack).

➔ Isto porque, em 2012, é adotado um novo tratado – Tratado Orçamental ou Tratado sobre
Estabilidade Orçamental e Governação –, que introduz mais melhorias ao próprio PEC.

Procedimento de défice excessivo:

Dito isto, quando é que a EU poderá, atualmente, lançar mão do procedimento de défice
excessivo (PDE)? Primeiro, será necessário ver a regra basilar do equilíbrio orçamental, consagrada
do artigo 126º do TFUE, que diz que os Estados-Membros devem evitar défices orçamentais
excessivos. Como já visto, o défice é algo interno de cada Estado, que se verifica quando as receitas
são inferiores às despesas – sendo este um pré-requisito para se recorrer à dívida pública (mas denota-
se, que o Estado tem mais formas de autofinanciamento sem ser a emissão de títulos de dívida).

Ora, os critérios de referência gerais da EU (protocolo anexo ao Tratado de Nice) são: 1) o


défice orçamental não pode ultrapassar os 3% do PIBpm (PIB ao preço de mercado); 2) o montante
da dívida pública não pode exceder 60% do PIBpm; e 3) o saldo estrutural deve ter por objetivo
alcançar um limite de défice estrutural de 0.5% do PIBpm.

No entanto, para efeitos do procedimento do défice excessivo, serão apenas tomados como referência
os primeiros dois valores: ou seja, existe um défice orçamental significativo quando este for acima
dos 3% OU quando o montante da dívida pública for acima dos 60% do PIBpm – sendo necessário
apenas uma das variáveis não estar preenchidas para que a UE possa desencadear o procedimento de
défice excessivo. Isto, a não ser que se verifique a existência de uma situação excecional, em que a
UE admite défices excessivos – como, por exemplo, na altura da pandemia, em que a UE
excecionalmente chegou a emitir dívida pública.

Assim, numa situação normal, se a Comissão chega à conclusão que existe défice excessivo,
começará, então, por 1) elaborar um relatório. Depois, 2) o Conselho avalia o relatório e propõe
recomendações, apresentando-as ao Estado-Membro em questão, para ultrapassar a situação. De
seguida, 3) o Estado pode ou não cumprir com as recomendações – sendo que, se não cumprir as
recomendações, dá-se abertura a um procedimento de sanções: nomeadamente, um depósito de dois
anos não remunerado (ou seja, prestar uma caução e depositar o equivalente a 2% do PIB durante
dois anos). Por fim, 4) se a situação não for corrigida, aplica-se uma multa pela Comissão.

Denota-se que estes critérios estão presentes ao abrigo da LEO, relativamente ao equilíbrio
orçamental: a nível nacional, existe, então, o princípio da estabilidade orçamental e sustentabilidade
das Finanças Públicas (artigos 10º e 11º) – que se desdobra no respeito pela regra de ouro do saldo
orçamental estrutural (artigo 20º); e no respeito pelo limite da dívida pública (artigo 25º).

Saldo do Orçamento Estrutural:

Quando se quer analisar se um orçamento está ou não equilibrado, deve-se concluir pelo
equilíbrio atendendo a determinadas receitas e determinadas despesas – existe, assim, diferentes tipos
de equilíbrios, em relação com certo tipo de despesas e certo tipo de receitas:

➔ Saldo corrente primário: Neste, vê-se a diferença entre as receitas e despesas correntes – sendo a
regra de ouro das finanças é que as despesas correntes não sejam pagas com recurso a receitas de
capital. Ou seja, quando uma receita de capital, que é estável, cobre uma despesa corrente, é
problemático na medida em que se acaba por continuar a aumentar as despesas correntes.

➔ Saldo de capital: Neste, vê-se a diferença entre as receitas e despesas de capital.

➔ Saldo estruturante: Referido na LEO, baseia-se na ideia de saldo global (diferença entre as receitas
e despesas totais, excluindo os ativos e passivos financeiros) e saldo primário (valor do saldo
global, deduzido dos encargos da dívida – ou seja, juros e outras despesas relacionados com o
serviço da dívida pública). Com este saldo, vê-se a dimensão do Estado em si mesmo, ou seja, o
que se tem efetivamente – isto será necessário visto que a dívida pública, num primeiro momento,
permite a receita; mas, depois, vai contribuir para a despesa.

Ora, segundo o pensamento do equilíbrio orçamental, o Estado tem de, efetivamente, custear
as suas despesas com receitas próprias, que venham do seu património ou do exercício unilateral do
seu poder (ex: impostos). Assim, e no pensamento liberal, um mau orçamento significa recorrer a um
empréstimo público, por exemplo, dado que este leva à dívida pública, visto como a principal causa
de um défice orçamental.

Este pensamento está, assim, presente na ideia de saldo global e saldo primário, que “formam” o saldo
orçamental estrutural. O saldo orçamental estrutural é, então, mais refinado, pretendendo que os
próprios Estados não recorram ao endividamento e se apoiem, em vez disso, nas suas próprias
receitas. Assim, as ideias subjacentes a este saldo orçamental estrutural são:

➔ Ratio entre o défice orçamental e 3% do PIBpm (PEC);

➔ Ratio entre a dívida pública e 60% do PIBpm (artigo 25º da LEO);

➔ O limite de défice estrutural deve cingir-se a 0.5% do PIBpm, de acordo com a regra de ouro do
saldo orçamental estrutural – exceção constante no artigo 20º, nº5 da LEO.
o Este será, então, o objetivo a médio prazo para garantir que sejam cumpridas as duas ratios
anteriores, através do apuramento daquilo que o Estado efetivamente tem, sendo que o Estado
terá, apenas, de viver apenas com isso – retirando tudo o que é cíclico e temporário, incluindo
o próprio património financeiro (dívida pública).
o O que se pretende com o saldo estrutural é que, à medida que se avança, o Estado se custeie
com as suas próprias receitas e vá abatendo, com essas, as suas despesas.

Resumindo…. Grandes parâmetros para balizar a dívida pública (evitar o desequilíbrio orçamental):

O PEC tem uma vertente preventiva (artigos 120º e 121º TFUE) e uma vertente corretiva
(artigo 126º TFUE). A primeira tem a ver com a deteção, com maior antecipação, os desequilíbrios
orçamentais – sendo que os Estados se vão supervisionado reciprocamente. Já na segunda será
desencadeado o procedimento do défice excessivo. Este procedimento é desencadeado por dois
critérios, que não são cumulativos: critério do défice orçamental (mais de 3% do PIBpm) e o critério
da dívida pública (mais de 60% do PIBpm).

O Pacto de Estabilidade e Crescimento é um programa que trata de 4 anos, mas cujas


projeções são apresentadas anualmente – isto, porque há um conjunto de matérias que carecem de
revisão (dado que não se pode prever o seu impacto) e acontecimentos que não se podem prever (ex:
uma pandemia, uma guerra) e, por isso, são necessários alguns reajustamentos. A dívida pública não
é proibida, mas tem de haver uma boa gestão da dívida de forma a não haver um desequilíbrio
orçamental – objetivo a médio prazo. Neste programa, os requisitos do artigo 126º do TFUE também
são utilizados.
Por sua vez, a regra de ouro sobre o saldo orçamental estrutural veio do artigo 3º do
Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação, e está previsto no artigo 20º da LEO, sendo
um objetivo orçamental a médio prazo. O nº3 deste artigo fala de um determinado tipo de défice,
relacionado com o défice do saldo estrutural, que é mais exigente. Ora, a ideia do saldo estruturante
tem a lógica subjacente do saldo primário e secundário: ver como o Estado pode fazer face às suas
despesas sem recorrer à dívida pública, nomeadamente via impostos.

Para ter finanças públicas sãs, é desejável e conveniente que o Estado se financie pelos seus próprios
recursos, sendo a dívida pública algo que se tira fora do Estado – por isso, ir-se-á ver o que o Estado
consegue custear pelas suas próprias receitas. O saldo estrutural orçamental é tão importante que deve
caminhar para os 0,5% do PIBpm – para além de se terem de verificar os critérios quanto ao défice
orçamental e quanto à dívida pública. As três variáveis a atender, então, são: 1) variável dos 3% para
o défice orçamental; 2) 60% da dívida pública; 3) 0,5% do saldo orçamental estrutural.

No entanto, aqui, se não se cumprir com os 0,5%, não haverá o desencadeamento do procedimento
de défice excessivo; a consequência será a do artigo 23º, relativo ao mecanismo de correção do desvio:
este não é um mecanismo de reação imediata, como o procedimento de défice excessivo, mas sim
mecanismos a médio e longo prazo. No entanto, se este não for acionado, os restantes Estados-
Membros podem intentar uma ação no TJUE.

Emissão da dívida pública – Lei-Quadro da Dívida Pública (lei Nº7/98)

Noções iniciais:

Esta lei tem como objeto a emissão e gestão da dívida pública direta – assim, é necessário
diferenciar a dívida pública direta da indireta. A dívida pública direta é toda aquela dívida em que o
Estado é diretamente o devedor principal; ou seja, o Estado dirige-se ao mercado para obter
financiamento e, efetivamente, é ele o devedor. Isto significa que a lei em questão irá reger o tipo de
situação em que há empréstimo público, expresso em determinados títulos da dívida pública que tem
como devedor o Estado.

Já a dívida pública indireta será contemplada noutro diploma: nestas, não é o Estado o principal
devedor, mas sim o garante de obrigações que foram assumidas por entidades públicas ou privadas
perante terceiros – sendo que, se essas entidades não honrarem essas obrigações, será o Estado o seu
garante; só se houver incumprimento é que o Estado vai garantir, através do avalo ou da fiança.

Voltando para o objeto desta lei, quando se fala de “emissão da dívida pública”, fala-se do
facto, para contrair um empréstimo, é necessário existir uma verba; e, para isso, é, então, necessário
existirem títulos que, depois, permitem negociar no mercado – ou seja, este títulos têm de ter uma
expressão material e determinadas características para colocar no mercado, no sentido de os
investidores os adquirirem. É através desta aquisição que se vai obter a receita, porque cada título tem
determinado valor (ex: certificados de aforro, sendo que o Estado quer a poupança dos privados).
Ora, isto quer dizer que se vai andar à volta desta lógica do mercado, onde o título é emitido.

Nessa medida, é importante distinguir dois tipos de mercados:

➔ Mercado primário: Neste, estão títulos financeiros (da dívida pública) que são vendidos pela
primeira vez, direta ou indiretamente, pela entidade que os emitiram. Consequentemente, serão
adquiridos, também, pela primeira vez pelos investidores que podem operar nesse mercado
primário, sendo este seletivo.
➔ Mercado secundário: Neste, estão títulos financeiros (da dívida pública) que são novamente
transacionados, após a sua colocação e aquisição em mercado primário – ou seja, este acaba por
ser um mercado da transmissão do título; e não da subscrição. Nem todos os títulos são admitidos
no mercado secundário, visto que há títulos pessoais e intransmissíveis, como o certificado de
aforro – assim, estes têm um mercado primário, mas não um mercado secundário.

Consequentemente, para que se chegue junto do investidor, é necessário passar pelas seguintes
fases: 1) emissão dos títulos da dívida pública; 2) colocação dos títulos da dívida pública no mercado
primário; 3) subscrição dos títulos da dívida pública – o investidor vai manifestar a sua vontade de
aquisição através da subscrição –; e, por fim, 4) eventual transmissão dos títulos da dívida pública no
mercado secundário.

De notar que todo o título público tem de ser subscrito; contudo, a forma como essa subscrição é feita
pode ser distinta. Assim, existe, em bom rigor, três formas de subscrever a dívida pública:

➔ Subscrição pública: Esta ocorre sempre que os títulos mobiliários são colocados com grande
facilidade junto aos particulares – ou seja, sempre que o IGCP e os bancos, que com ele
trabalharam, colocam os seus serviços ao dispor, para que os particulares se possam dirigir e
adquirir títulos de forma facilitada.
o A subscrição dos certificados de aforro são o exemplo mais paradigmático.

➔ Venda direta na Bolsa de valores ou leilões

➔ Negociação com os bancos: Nesta, o Estado emite e pretende captar investidores, fazendo isso
com a ajuda de um determinado banco. Esse banco vai comprometer-se a comprar todos os títulos
da dívida pública que já existem e, depois, revende aos seus públicos específicos. Isto é vantajoso,
na medida em que o Estado fica logo com a garantia do escoamento dos títulos; mas também
inclui mais despesas, na medida em que os títulos ficam logo todos vendidos.

Por fim, será ainda importante falar das noções relacionadas com os valores mobiliários –
outro nome para os títulos. Os valores mobiliários escriturais são representados por registos em conta
– que pode não ser uma conta bancária, mas sim a conta da entidade que está habilitada legalmente a
receber a subscrição. Pelo contrário, os valores mobiliários titulados são representados por
documentos em papel.

Refere-se, ainda, a emissão ao par ou abaixo do par: Todo o título tem de ter um valor, sendo que se
paga pelo título o valor nominal que ele tem – se o título tem o valor nominal de 5€, então paga-se
5€. No entanto, neste tipo de emissão abaixo do par, paga-se sempre menos que o valor nominal –
ora, isto tem como vantagem o Estado não pagar juros: este permite que o título seja adquirido abaixo
do par e, depois, quando chegar à altura do vencimento, tal dívida será paga como se fosse ao par.

Emissão efetiva da dívida pública:

Segundo o artigo 4º da Lei-Quadro da Dívida Pública, para que haja dívida pública, será
necessário existirem condições gerais sobre o financiamento presentes no mesmo. Assim, este artigo
começa por mencionar uma “lei da Assembleia da República”, que se trata da lei do Orçamento de
Estado – ora, na lei atual do OE, o artigo 141º prevê o funcionamento do mesmo. O artigo 4º
menciona, ainda, um acréscimo da dívida pública que é permitido: “endividamento líquido global”.

No entanto, será necessário conjugar este artigo com o artigo 161º, alínea h) da CRP: segundo este, a
dívida flutuante não tem de ser autorizada porque é uma dívida de curto prazo, de tesouraria. A AR
tem, então, a competência exclusiva de autorizar o Governo a contrair e conceder empréstimos e a
contrair dívida fundada. No entanto, o artigo 145º da Lei do OE, artigo relativo à dívida flutuante, já
leva a crer que houve e que tem de haver uma autorização: não pela AR, mas sim por um membro do
Governo – conclui-se que a dívida flutuante tem, então, limites.

Assim, a AR autoriza a emissão de dívida pública pelo Governo, sendo que, nessa autorização, tem
de vir expressa a quantia e o prazo que é autorizado (artigo 161º, alínea h). Quanto à quantia, a AR
também autoriza em quanto é que o Estado pode acrescer a dívida (artigo 4º da Lei 7/98). Num
segundo momento de emissão, e depois da autorização do Parlamento (entidade com maior poder
democrático), o Conselho de Ministros decidirá as condições gerais e regras fundamentais de
emissões de títulos de dívida.

Já o artigo 8º da lei nº 7/98 fala dos casos em que pode haver emissão de dívida pública
fundada para amortização, sem aprovação da AR – nomeadamente, quando o OE não entra em
execução no início do ano orçamental (por razões como a não aprovação). Nestas situações, têm-se
por base o valor orçamental do ano anterior que acabou, sendo apenas uma percentagem desse valor
que é autorizado para o ano seguinte. Trata-se, isto, de uma visão atualista do artigo 161º, alínea h)
da CRP; e não de uma inconstitucionalidade.

Concluindo, a regra geral está presente nos artigos 4º a 6º, e a regra especial no artigo 8º, da Lei
nº 7/98. Em primeiro lugar, fixa-se a quantidade e o tempo máximos para o ano orçamental; depois,
o executivo, pela mão do Conselho de Ministros, concretiza melhor as orientações que tem de prestar
ao IGCP; finalmente, a efetiva emissão é feita pelo IGCP, cumprindo com as orientações prévias do
Governo, que, por sua vez, precisa de cumprir os princípios estabelecidos pela AR.

Garantia da dívida pública:

Relativamente ao pagamento da dívida, esse cumprimento é feito em duas parcelas: 1)


amortização do capital; e 2) pagamento de juros. O artigo 12º diz, então, que isto é assegurado pelas
receitas não consignadas no OE, que vão servir para financiar a dívida pública. Este artigo tem de ser
conjugado com o artigo 16º da Lei nº11/1990, que estabelece que as receitas do Estado provenientes
das reprivatizações serão exclusivamente utilizadas, separada ou conjuntamente, para amortização da
dívida pública – exceção à regra geral de não consignação.

Gestão da dívida pública:

Quando uma dívida específica já está emitida, compete ao Estado gerir adequadamente a
dívida pública existente – não esquecendo que, no artigo 2º da Lei nº 7/1998, se estabelece que os
princípios orientadores devem ser 1) o rigor e 2) a eficiência, com objetivos estabelecidos nas alíneas.

Nos artigos 13º a 15º da Lei-Quadro, encontram-se diversas regras norteadores deste procedimento:

➔ Existe uma competência tripartida entre AR, GOV e IGCP.

➔ O IGCP tem uma liberdade de ajustamento da dívida pública mediante derivados financeiros; o
Estado não pode deixar de investir nestes mercados, mediante uma análise cuidada do sistema.

➔ Há regras de prescrição, sendo o controlo desejavelmente feito em persistência – artigo 14º.

➔ Existe uma liberdade de gestão de dívida pública até certo ponto: ou seja, existem operações que
carecem de autorização pela AR (artigo 13º, nº1).
o A alínea c) deste artigo refere-se ao pagamento antecipado, em que há liquidação e já não se
precisa do credor para nada – para acontecer, não é necessário o consentimento do mesmo.
O que acontece é que se amortiza parte ou a totalidade da dívida, mas tudo segue o seu
decurso normal.
o Na alínea d) é prevista a conversão, em que há necessidade do consentimento do visado –
isto, porque se vai criar um novo título de dívida, que se vai ajustar à nova realidade. Assim,
mantêm-se os mesmos credores; o que se vai alterar é o título em si. Ou seja, converte-se um
primeiro título que, entretanto, cessou, dado que os títulos da dívida pública têm uma
determinada tipicidade – se, por exemplo, se passar a pagar 3% invés de 4% de juros, terá de
haver um novo título com essas novas condições. Um novo é, então, criado, estando este
interligado com o título antigo. Por nascer um novo contrato, há uma novação objetiva: os
sujeitos mantêm-se, mas os termos do contrato vão se alterar.

NOTA: Há que notar, ainda, a importância de comunicação dos mercados primário e secundário da
dívida, e a importância de não confundir gestão de dívida com gestão de tesouraria. Ainda que
executadas pela mesma entidade, têm orientações diferenciadas e regras jurídicas diferenciadas. Além
disso, há que atender à existência do fundo de regularização da dívida pública

Fiscalização (artigo 15º):

O papel do controlo e da transparência da dívida pública está a ser promovido na gestão em


termos gerais. Ou seja, há uma lógica de controlo continuado: por isso se diz (nº1) que o Governo
informa trimestralmente a AR – existe uma obrigação de prestar informação.

O controlo pode ser feito internamente ou externamente. Denota-se que o controlo externo dependerá
sempre da informação disponibilizada; pelo que é importante que o direito tente assegurar, ao
máximo, a simetria da informação disponibilizada – quem avalia/controla deve ter o máximo de
informação (dados, registos, etc.), ou a informação o mais igual possível àquele que está a ser
controlado. Se houver um assimetria de informação, com muita divergência, certamente haverá um
problema na efetividade do controlo.

Formas da dívida pública mais comuns

Os tipos de títulos de dívida pública a serem analisados estão elencadas no artigo 11º, nº1 da
Lei nº7/98; mas, e como estipula o nº5 do mesmo artigo, por resolução do Conselho de Ministros,
podem ser estabelecidas outras formas de representação da dívida pública. Isto significa que esta lista
não é uma lista extensiva, não esgotando o universo de formas de dívida.

Obrigações de tesouro (Decreto-Lei nº 280/98):

Nas obrigações de tesouro, cada valor nominal corresponde à mais pequena subunidade da
moeda com curso legal em Portugal, como diz o artigo 3º – ou seja, 1 cêntimo. Neste caso, a
modalidade de subscrição poderá ser por leilão (site do IGCP) ou através da tomada firme, junto aos
próprios bancos. Assim, estas obrigações têm como principais destinatários instituições
vocacionadas, financeiras por excelência: ou seja, apenas entidades financeiras coletivas
obrigatoriamente inscritas no IGCP podem aceder às obrigações de tesouro (artigo 11º).

Estas obrigações podem ter um cupão periódico, pelo que podem ou não render juros.
Normalmente, têm uma maturidade que vai de 1 a 50 anos – são obrigações de médio e longo prazo
(artigo 2º) –, e o juro, quando existente, é um valor anual, sendo creditado na conta bancária do
investidor. A não ser que a possibilidade de amortização antecipada esteja contratada, não é possível
serem resgatadas: ou seja, na perspetiva do investidor, não é possível pedir que o dinheiro seja
devolvido antes do tempo; este pode aguardar o prazo da maturidade, ou vendê-las no mercado
secundário, se forem transacionadas nesse sentido (artigo 6º, nº2).

Por fim, constituem o principal instrumento de dívida, financiando mais de 70% das
necessidades de dívida pública.

Obrigações de tesouro de rendimento variável (Resolução nº 86/2015):

Este tipo de obrigações não está elencado no artigo 11º da Lei nº 7/98; foi, sim, criada com
uma Resolução do Conselho de Ministros – nomeadamente, pela Resolução nº 86/2015. O seu
objetivo é a “dinamização do mercado de dívida pública, através diversificação e alargamento do
conjunto de instrumentos financeiros existentes”, estando vocacionada para médio e longo prazo – e,
por isso, irá gerar dívida fundada acima do prazo do exercício orçamental; não sendo,
consequentemente, um método para fazer face à liquidez de tesouraria.

Além disso, terá uma taxa de juros nominal variável, sendo um dos títulos de dívida que
poderá ser transacionado não só no mercado primário, como no mercado secundário. A própria
resolução determina o valor desta obrigação: no mínimo, 1000€. Existe um limite de subscrição: cada
investidor não pode subscrever mais que 1000 obrigações. O reembolso será dado em 10 anos.

O IGCP é a entidade responsável pela gestão das partes mais técnicas, sendo que o preço de
subscrição corresponde ao valor nominal unitário (em oposição ao valor nominal global). Se o valor
de subscrição for maior ou menor, rateia-se na proporção da subscrição os respetivos títulos. É
dirigida ao público em geral; ou seja, aos particulares, e não aos investidores em especial, se bem que
também visa captar estes. Denota-se que, quando os juros se vencem, estes podem ou ser restituídos
ao particular, ou podem ficar a render ao capital. Por fim, o vencimento de tal obrigação é semestral.

Bilhetes de tesouro (Decreto-Lei nº 279/98):

Estes bilhetes tratam-se de valores mobiliários escriturais representativos de empréstimos. O


seu valor nominal também é de 1 cêntimo (artigo 3º), e são emitidos até 18 meses (artigo 4º, nº1) –
ou seja, têm uma duração de curto ou médio prazo. Mas, segundo Maria de Oliveira Martins, podem
ser emitidos com prazo até um ano, constituindo dívida flutuante.

Estas visam fazer face à falta de liquidez da tesouraria. O artigo 5º estabelece que apenas as
instituições autorizadas podem aceder a estes bilhetes – ou seja, um grupo de bancos reconhecido
pelo IGCP assegura a colocação dos Bilhetes de Tesouro em mercado primário. Os bilhetes do tesouro
são, ainda, amortizados na data do respetivo vencimento, não existindo pagamentos antecipados
(artigo 6º).

Certificados de aforro (Decreto-Lei nº 122/2002):

Os certificados de aforro são vocacionados especificamente para o público em geral. O artigo


2º, nº1 diz que o objetivo deste tipo de dívida é a captação da poupança familiar; já o nº2 diz que estes
só podem ser adquiridas por pessoas particulares, sendo intransmissíveis – a não ser em caso de morte
(nº3). Os certificados de aforro são transacionáveis no IGCP, ou junto a instituições financeiras
autorizadas (artigo 3º, nº1), mas também o podem ser com os CTT. São obrigações de médio e longo
prazo, sendo reembolsáveis até 20 anos. A taxa de juro pode ser fixa, não sofrendo variações; ou
então pode ser indexada, guiando-se pelo taxa que se baseia; ou, ainda, a desconto (sem juro).

São, assim, uma forma de controlar a inflação e diversificar os meios de financiamento.


NOTA: Todos os títulos têm características e natureza
diferentes, de forma a permitir flexibilidade na satisfação
das necessidades do Estado. Tais diferenças acabam por
passar: nos destinatários – quem se querer captar para
investir –; no prazo/maturidade – quanto tempo o Estado se
vai comprometer para pagar a dívida –; e, ainda, se se pode
ou não ir para o mercado secundário.

Hipótese

A República Portuguesa (doravante designada por Portugal) encontra-se, na atualidade, perante um


ciclo inflacionista. Segundo os dados apresentados pelo Banco de Portugal em fevereiro de 2022, a
taxa de inflação estava nos 4,2 %; o défice orçamental nos 4 % do PIBpm e a dívida pública em127%
do PIBpm. Para fazer face ao desequilíbrio orçamental o Estado decidiu, por isso, para 2023, captar
receitas creditícias com o objetivo de arrecadar o equivalente a € 1 Milhão de Euros. O objetivo é
obter liquidez na tesouraria do Estado, a muito curto prazo (90 dias), e ainda, de captar a poupança
dos particulares pretendendo amortizar a dívida num espaço temporal não inferior a cinco anos.

a) Pode o Estado contrair empréstimo público?

Quando existe uma situação de desequilíbrio orçamental, é necessário ir para o artigo 126º do
TFUE; assim como para os artigos 20º e 25º da LEO, quanto à regra do saldo estrutural orçamental e
dos limites da dívida pública, respetivamente. Isto porque, apesar de existir o princípio do primado
do direito da UE, será também necessário recorrer a diplomas nacionais, de acordo com o princípio
da legalidade. Ora, a LEO não dá um enquadramento específico: é uma lei de valor reforçado, que
vai seguir uma determinada diretriz; pelo que será, neste caso, necessário ir à Lei-Quadro de Dívida
Pública: o Estado só pode emitir dívida pública quando as necessidades assim o exigem e para
executar as tarefas prioritárias do Estado.

Concluindo, o Estado pode contrair empréstimo público, porque existe um desequilíbrio


orçamental, sendo que o artigo 2º da Lei nº 7/98 permite a emissão de dívida pública para fazer face
às necessidades e tarefas do Estado como, por exemplo, controlar o desequilíbrio orçamental

➔ No entanto, se se tiver um equilíbrio orçamental fantástico, será que o Estado emitir dívida pública
por motivos de tesouraria? Ora, isto enquadra-se nas tarefas fundamentais do próprio Estado; pelo
que sim. O mecanismo de emissão da dívida pública pode ser usado em qualquer tarefa
fundamental do Estado e não apenas para fazer face a um desequilíbrio orçamental.
b) No caso de a resposta ser afirmativa, quais as formas da dívida pública mais ajustadas para esse
efeito e porquê?

Ora, a finalidade geral da emissão de dívida pública é a liquidação da tesouraria e, também, a


captação da poupança das famílias. Por isso, o Estado terá de ter em conta a quem se dirige a captação
da receita e, também, a quem vai ser restituída e em que prazo tal vai ser feito – isto porque é uma
receita não efetiva, tendo de ser restituída, neste caso, num espaço temporal não inferior a cinco anos.

Ora, o artigo 11º da Lei nº 7/98 descreve algumas formas de dívida pública; será, então,
necessário procurar qual o título mais adequado para este caso, com base na maturidade e com base
na captação da poupança familiar. Conclui-se que os mais adequados para a captação da poupança
familiar são os certificados de aforro, de acordo com o artigo 2º do Decreto-Lei nº 122/2002. Esta
será, então, uma dívida a médio prazo; ou seja, uma dívida fundada (cujo conceito está no artigo 3º
da Lei nº 7/98).

No entanto, já se existissem problemas de liquidez da tesouraria, tal título já não seria tão adequado.
Nesses casos, aplicar-se-iam os bilhetes de tesouro, que são a curto prazo – Decreto-Lei nº 262/2012
–; ou, ainda, os CEDIC, regulados na Resolução de Conselho de Ministros nº 111/2009: certificados
especiais de dívida a curto prazo, que são uma forma de aplicação dos respetivos excedentes de
tesouraria, e que a própria dívida pública possa captar. Estes não podem ir para o mercado secundário,
tendo como alvo as próprias administrações, o setor empresarial do Estado – ou seja, entidades que
podem ter uma situação de excedentes de tesouraria e que, assim, podem pô-la a rentabilizar, o que
faz com que, consequentemente, sejam captados pelo Estado com problemas de tesouraria.

➔ Existem várias administrações com diferentes tesourarias: ora, a ideia é que as que tenham
excedentes “ajudem” as que não têm, através dos CEDIC. Isto porque, no decorrer do tempo, uma
tesouraria pode ter mais excedente do que outra – lógica de maleabilidade do Estado na gestão.

Por fim, poderá acontecer que nenhum dos tipos legais tenham maleabilidade suficiente para
o que o Estado quer fazer – assim, de acordo com o artigo 11º, nº5, o Estado pode, por resolução do
Conselho de Ministros, fazer uma proposta e estabelecer outras formas de representação da dívida
pública. No entanto, isto tem limites claros, previstos no artigo 161º, alínea h) da CRP: visto que o
endividamento vai recair sobre o povo, o Governo terá de respeitar o limite posto pela AR desse
endividamento, dado ser esta a máxima expressão do mesmo.

c) É intenção do Governo lançar mão das formas da dívida pública por si indicadas no ponto
antecedente aquando da elaboração da proposta de lei do Orçamento do Estado. Quais os
conselhos que daria ao Governo para que os futuros títulos da dívida pública a emitir sejam,
efetivamente, adquiridos pelos Investidores visados?

Para que a emissão de dívida pública tenha frutos, é necessário, primeiro, definir os parâmetros
para os mesmos. Assim, em primeiro lugar, ter-se-á de ter em conta o cenário macroeconómico –
fenómeno fundamental para o OE – e ver se este justifica a emissão de dívida pública.

Para além disso, ao emitir dívida pública, outra preocupação será relativamente ao montante
máximo do acréscimo de endividamento líquido autorizado, assim como o prazo máximo dos
empréstimos a emitir, de acordo com o artigo 4º da Lei nº 7/98. Ora, o OE tem mapas quanto às
classificações financeiras; sendo que o artigo 141º estabelece o acréscimo de dívida pública que é
permitido, necessário para estabelecer o limite de endividamento. Será, no entanto, a lei da AR a
estabelecer esse limite máximo – artigo 4º da Lei nº 7/98; e artigo 161º, alínea h) da CRP.

No entanto, a Lei do OE é genérica, definindo apenas os contornos gerais; ter-se-á de ver se


existem disposições jurídicas específicas. Ora, para concretizar isto melhor, a Resolução do Conselho
de Ministros a ser feita deve estabelecer os títulos de dívida, o seu máximo de financiamento; assim
como conceder poderes de representação ao IGCP, tal como diz o artigo 5º da Lei nº 7/98. Atualmente,
tais informações estão na Resolução nº 67/2022, que vem concretizar as situações da lei do OE.

Depois, quando se fala com o IGCP (Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida), há que ver que
a sua atual configuração (constante do Decreto-Lei nº 200/2012) – isto, relacionado com o princípio
da legalidade e da competência Segundo estas, o IGCP está sujeito à tutela e superintendência do
membro do Governo responsável pelas Finanças (ministro das Finanças); sendo os artigos mais
importantes o artigo 5º – o IGCP tem a função de gerir de forma integrada a tesouraria, o
financiamento e a dívida pública direta do Estado –, 6º (alíneas c, h, j, k), e 7º.

➔ Um dos instrumentos de dívida que o Estado tem ao seu dispor são os certificados especiais de
dívida pública sendo que estes certificados são subscritos pelo próprio Estado / serviços públicos
que, nas suas disponibilidades, em vez de irem aos bancos, depositam no IGCP com uma
rentabilidade Y, dando ao IGCP mais margem de manobra.

d) Após a emissão da forma dívida pública a cinco anos o Governo é informado, pelo IGCP IP, que
para o ano de 2024 existe uma previsibilidade dos juros praticados no mercado para aquela
modalidade passarem a ser inferiores, na vez dos 6% semestrais irão ser pagos a 3%. O que é
que o Governo pode fazer?

Aqui, está-se dentro do âmbito da gestão da dívida pública, e já não na emissão. Segundo o
artigo 13º, alínea d) da Lei nº 7/98, o Governo pode fazer uma conversão e aproveitar os 3%. Esta
operação carece de autorização pela AR; costumando esta constar logo do OE. Portanto, das duas
uma: ou o Estado liquida algo e faz essa amortização; ou, então, tenta negociar essa conversão com
os credores já existentes, diminuindo, assim, a dívida pública.

A conversão é uma espécie de ajuste de contas, pelo que as partes visadas têm de concordar
com a mesma, que gera um novo título. Ou seja, existe conversão na medida em que existir o princípio
da tipicidade orçamental: o título, uma vez emitido, é emitido daquela forma; pelo que, ao ser
necessário ajustar o novo título à nova realidade, este acabará por ser um novo título. Extinguem-se
determinados títulos e criam-se novos, com acordo dos novos (ou dos mesmos) credores.

Isto insere-se na ideia de que, para além do OE poder ser alterado e revisto, também existem
mecanismos e autorizações que o Governo, quando apresenta tal proposta, pode usar. Isto porque o
OE, em si, não é rígido: há uma maleabilidade que permite ao Governo trabalhar melhor de acordo
com a sua disponibilidade ou com “imprevistos”.

e) Qual a garantia para o pagamento da dívida pública?

As garantias da dívida pública estão no artigo 12º da lei nº7/98; sendo que, ao abrigo do
princípio da não consignação e as suas exceções, irá haver receitas afetas à dívida pública.

f) Numa discussão de plenário todos os grupos parlamentares com assento na AR têm dúvidas sobre
determinadas operações financeiras realizadas e, ainda, alguns empréstimos contraídos. O que
podem fazer?

Quanto à fiscalização, existe o artigo 15º da Lei nº 7/98 que trata da informação à AR.
Dívida Pública Indireta:

Na dívida pública indireta, o Estado vai ser o garante de uma relação de crédito – ou seja, vai
prestar uma garantia pessoal com um determinado objetivo. Nesse sentido, os investidores não estão
a contratar com o Estado: este responde subsidariamente, sempre que a obrigação principal não for
honrada pela parte, respondendo com um aval ou fiança.

A dívida pública indireta está regulada no Decreto-Lei nº 112/97. O artigo 1º, referente ao
âmbito de aplicação, estabelece que apenas poderão ser concedidas garantias pessoais – ou seja, o
Estado não pode prestar, por exemplo, uma hipoteca, dado que esta é uma garantia real. Assim, as
garantias que o Estado pode conceder são a fiança ou o aval, como diz o artigo 7º. Para além disso, a
concessão de garantias pessoais pelo Estado tem caráter excecional, segundo o artigo 1º, nº2; e é
fundamentada pelo manifesto interesse para a economia nacional (artigo 8º), “com respeito o
princípio da igualdade, pela regra de concorrência nacionais e comunitárias e em obediência ao
disposto na presente lei”. Será isto que irá justificar a assunção deste risco: ou seja, apenas quando
estão em causa projetos de extrema importância económica, que potenciam a obtenção de receita.

➔ A igualdade e os princípios da concorrência são importantes, funcionando como balizas de ação:


o Estado não poderá conceder estas garantias para ajudar uns, mas não o fazer para outros. Isto
porque, quando o Estado concede garantias, está a atribuir um benefício – mas tal benefício não
pode alterar as regras da livre concorrência: ou seja, não se pode desvirtuar o funcionamento
normal de mercado com as garantias, já que as finanças públicas procuram um equilíbrio.
o O Estado, através da sua proteção, não deve distorcer a concorrência, sendo que um dos
princípios norteadores da forma de organização do mercado é a livre concorrência,
beneficiando-se, assim, os consumidores. A questão da concorrência deve estar
salvaguardada, para salvaguardar a atividade económica. Assim, se o Estado não cumprir a
presente lei, os atos são nulos – artigo 2º, nº1, parte final; e artigo 3º.

Já o artigo 5º, nº1 prevê que o limite máximo para a concessão de garantias pelo Estado e por
outras pessoas coletivas de direito público é fixado por lei da AR – ou seja, a Lei do OE prevê a
limitação do montante que pode ser concedido. Qualquer garantia tem de ser autorizada pela AR, de
acordo com a interpretação do artigo 161º, alínea h) da CRP sobre a necessidade de intervenção da
AR. Assim, a AR, para cada ano orçamental, deve estabelecer o limite máximo de garantias pessoais
que o Estado pode fornecer. Isto, porque apesar de ser o Estado a garantir, quem irá pagar serão, em
última análise, os cidadãos.

O objeto da garantia – ou seja, o que aval ou a fiança podem garantir – são as operações de
crédito ou outras operações financeiras, nacionais ou internacionais, como diz o artigo 6º; desde que
se verifiquem outros requisitos. Isto quer dizer que os beneficiários têm de ser entidades públicas ou
outras que legalmente gozem de igualdade de tratamento. Ora, estes requisitos cumulativos estão no
artigo 9º, nº1; perante uma situação concreta, as condições necessárias para que seja aprovada uma
determinada garantia são:

a) Participação do Estado na empresa ou alguma interesse que justifique a concessão da garantia;

b) Projeto detalhado para o Estado apreciar o projeto em que se está a meter e o próprio risco;

c) O próprio beneficiário tem de demonstrar a capacidade de se salvaguardar e conseguir honrar com


as suas obrigações. Ou seja, o terceiro tem de ter robustez financeira organizacional e económica
suficiente – se o Estado intervir, deverá poder ter o retorno da garantia que emprestou.

d) O próprio beneficiário terá de demonstrar que, mesmo assim, a garantia é imprescindível, no


fundamento de que este não tem possibilidade de recorrer a outras garantias – o Estado deve ser
a última forma de acesso.
O Estado é chamado a cobrir um risco de um terceiro, porque pode não receber o que
emprestou – ora, o Estado só o deve fazer se estiverem em causa projetos de manifesto interesse
nacional. O impacto que esse projeto de manifesto interesse económico tem para o desenvolvimento
económico nacional vai justificar o Estado assumir esse risco: quer porque 1) o Estado procura
garantir o desenvolvimento económico; quer porque 2) o Estado percebe que tal crescimento
económico pode revelar-se num aumento de receita, que ajude a financiar a sua despesa pública.

Por isso, o nº2 do artigo 9º estabelece que as garantias têm de ter um certo objetivo (critérios não
cumulativos) para que o Estado garanta, designadamente:

a) Dado que o mercado não fornece tudo, existirão serviços e empreendimentos que, apesar de terem
um rendimento reduzido e, por isso, de risco acrescido, são importantes a nível social, que devem
ser prosseguidos – sendo essa uma função do Estado Social.

b) Existem determinadas entidades que, por qualquer motivo, num determinado momento não têm
a liquidez necessária; mas que a vão ter no futuro. Assim, a entidade está numa situação
transitório, que faz com que o risco associado aumente.

c) Situações em que há um mau funcionamento da entidade e se estuda uma forma de reestruturação


e viabilização, para a qual se precisa das garantias.

Segundo o nº3 do mesmo artigo, a garantia para um investimento duradouro terá de ser um
investimento produtivo – com exceção da alínea c) do nº2. Ou seja, tal investimento não pode ser
para despesas correntes, nem para assegurar um funcionamento de uma atividade – isto porque este
mecanismo não serve para fazer face a carências, mas sim para projetos que deem origem a um
crescimento da economia nacional. Por fim, de acordo com o nº4, se for dada autorização para o
Estado se assumir como garante, mas o prazo estabelecido não for respeitado, ou se o fim for diferente
para aquela a que for autorizado, a garantia caduca – artigo 10º.

Para que o Estado salvaguarde a sua posição, ele ser garante do empréstimo para o projeto de interesse
nacional; mas a troco de uma contragarantia, de acordo com o artigo 11º.

Quanto aos prazos de utilização e de reembolso, o artigo 12º diz que as pessoas a quem as
garantia são concedidas podem utilizá-las até 7 anos (a contar a partir do ato de concessão); depois a
mesma quantia deverá ser reembolsada ao Estado ou à entidade pública no prazo máximo de 50 anos.
Já o artigo 18º diz que, a partir do ato de concessão, inicia-se um prazo de 60 dias para dar início à
operação – se este prazo para o início da operação não for cumprido, a garantia caduca.

Para uma garantia ser concedida, é preciso iniciar um determinado processo, que normalmente
é escrito – sendo a vontade da própria administração que se manifesta. Tal processo está previsto no
artigo 13º ao artigo 18º, nomeadamente:

➔ É necessário existir um pedido do investimento, assim como uma instrução das justificações. Na
fase da instrução, a alínea c) do nº2 do artigo 13º diz que o pedido de concessão deve demonstrar
os critérios que estão no artigo 9º, nº1 e nº2.

➔ É necessário existirem pareceres, sendo que o tipo de Ministério que os vai emitir está descrito
no artigo 14º.

➔ É necessário existir um despacho de autorização ou aprovação do Ministro das Finanças, com


fundamentação clara dos motivos de facto e de direito, sendo que tanto pode ser favorável como
pode não ser aferida a concessão da garantia (artigo 15º).
o A autoridade que aprova a despesa não pode ser a mesma que a efetivamente cumpre, por
uma lógica de separação de poderes – por isso, a autorização é do Ministério das Finanças;
mas a quem compete a concessão é ao diretor-geral do Tesouro.
Por fim, quando o Estado concede esta garantia, existem obrigações para os beneficiários da
garantia, para além de terem de a devolver. Assim, o Governo pode controlar e supervisionar o
beneficiário – artigos 19º e 20º –, dado estar-se a lidar com dinheiro público, que pertence a todos os
contribuintes. Por isso, os procedimentos têm de ser públicos e transparentes; tudo tem de ser
autorizado; e a diferentes entidades é atribuída a competência de autorização e a de concessão. Além
disso, o Estado terá, ainda, poderes de fiscalização dos próprios projetos: nomeadamente, verificar se
a gestão do projeto é feita de forma adequada, ou se põe em causa o cumprimento das obrigações

➔ Existe, ainda, a ideia dos documentos comprovativos: se não houver cumprimento, o Estado tem
de saber, para poder ativar a garantia.

Hipótese

Portugal foi confrontado com um pedido da concessão da garantia, para a construção de um


aeroporto, na localidade de Santarém. Para esse efeito foi constituído um consórcio liderado pela
Moreira Duarte – Engenharia e Construções SA a qual é detentora, no consórcio, de uma
participação social de 32,99%. O objetivo daquele consórcio é construir uma infraestrutura
aeroportuária em Santarém, pondo-se fim ao aeroporto Humberto Delgado, e contrair um
empréstimo bancário junto a cinco entidades bancárias no montante total de 9 mil milhões de Euros.
É consabido Portugal já tem um aeroporto internacional localizado em Lisboa, e já terem existido
dois estudos prévios para a construção do futuro aeroporto de Lisboa, concretamente, a solução
conhecida por Lisboa – Montijo – opção mais barata – em que o aeroporto da Portela continuaria
operacional apoiada, contudo, com a infraestrutura a construir no Montijo. E, por último, o estudo
do futuro aeroporto de Alcochete que incluiria o fim do aeroporto Humberto Delgado e cujo custo
está estimado em 10 mil milhões de euros.

a) Pode Portugal conceder a garantia? Quais os requisitos necessários para aquele efeito?

Existe, aqui, uma situação de dívida pública indireta, regulado na Lei nº112/97. A operação
de garantia é um empréstimo, o que quer dizer que é uma operação de crédito – logo, nos termos do
artigo 6º, a garantia pessoal que iria ser concedida destina-se a assegurar a realização de uma operação
de crédito. De notar que tal operação de crédito tem um determinado valor, tendo de cumprir o limite
máximo previsto no artigo 5º.

Assumindo que tal limite é respeito, será necessário perceber se esta operação está de acordo
com o artigo 8º: ou seja, se esse projeto é de “manifesto interesse para a economia nacional”. Para
isso, é necessário ir aos critérios cumulativos do artigo 9º.

Relativamente à alínea a), conclui-se que, sem dúvida, existe uma situação de interesse económico
nacional: fala-se de um aeroporto que vai servir a capital do país – sendo esta alínea mais ou menos
a mesma coisa que o artigo 8º. Relativamente à alínea b), da maneira que a hipótese está escrita,
parece que, com dois simples estudos prévios para apenas um dos aeroportos propostos, não faz
sentido dizer que este requisito está preenchido – isto, porque tal projeto concreto tem de seguir os
critérios do artigo 13º quanto ao pedido de instrução. Aliás, nem parece haver uma programação
financeira rigorosa, sendo que tal informação tem de ser detalhada e rigorosa.

Assim, a análise do caso prático ficaria por aqui; no entanto, imagine-se que a alínea b) está
preenchida. Relativamente à alínea c), não se sabe qual a situação económica da empresa – não sendo
suficiente, o requisito não está preenchido; além de ser discutível se o facto de ser um consórcio é
suficiente. Relativamente à alínea d), pelo valor avultado do empréstimo que vai ser pedido ao banco
pela empresa, faz sentido que esta garantia do Estado seja imprescindível: a concessão de empréstimo
pelo banco fica dependente de mostrar uma garantia pessoal forte, sendo o Estado um garante pessoal
bastante forte. No entanto, estando 5 entidades bancárias predispostas a emprestar, poder-se-á falar
sobre o poder económico do consórcio e das suas entidades – quantas mais entidades bancárias
participarem, maior a garantia dos bancos, no sentido que o risco estará dividido.

Quanto ao nº2, ter-se-á de encontrar um dos objetivos previstos no mesmo. Relativamente à


alínea a), esta está fora de questão, porque tal projeto não é de reduzida rentabilidade. Relativamente
à alínea b), esta visa salvaguardar situações em que a entidade é economicamente boa, mas está numa
situação transitória pior – existe uma falta de liquidez transitória, situação que não é a falada aqui.
Relativamente à alínea c), também não poderá ser utilizada, pois esta é para as situações em que a
entidade já está a explorar algo e, para dar continuidade, precisa da garantia – ora, aqui, será o próprio
Governo que vai estudar essa viabilidade. Por fim, enquadra-se, então, esta situação na alínea d), que
fala de situações excecionais: esta alínea está relacionada com desvios do princípio da concorrência
– ora, a garantia seria um auxílio extraordinário para uma grande obra.

b) Em caso afirmativo, quais as modalidades das garantias a poderem ser prestadas?

Fiança ou aval, de acordo com o artigo 7º da Lei Nº112/97.

c) Pode Portugal mitigar o risco do incumprimento?

O Estado só cumprirá se houver incumprimento. Se, por acaso, isso acontecer, existe a
possibilidade de contragarantias (artigo 11º): se as coisas correrem pior, o Estado pode ressalvar-se e
recorrer a essas contragarantias. Não existe nenhuma operação de crédito sem contragarantias.

d) Quais as fases do processo de concessão das garantias pessoais?

Primeiro, será necessário a apresentação, com a fase de instrução (com os próprios


documentos) e do próprio pedido, de acordo com o artigo 13º. Depois, é necessário ter um parecer
pelos Ministros responsáveis, entidade competente (artigo 14º). Por fim, na terceira fase, existirá um
despacho de autorização/aprovação (artigo 15º) ou um despacho de não autorização. Na sequência de
um despacho de autorização, existe a própria concessão da garantia, que deve ser comunicada (nº4
do artigo 17º). Esta trata-se de uma notificação recetícia – se tem de haver uma notificação, ela produz
efeitos apenas quando chegar ao destinatário. Isto é importante porque o direito só emerge na esfera
jurídica quando há notificação, sendo a partir daí que se pode começar a contagem de prazos.

e) Imagine que Portugal concedeu a garantia e, num determinado mês, a concessionária se vê


impossibilitada de pagar a prestação mensal devida por aquele empréstimo. Quais as obrigações
da concessionária?

Isto quer dizer que a concessionária não consegue cumprir, tendo, assim, certas obrigações,
de acordo com o artigo 19º, nº2: este trata precisamente dos casos em que as entidades não se
encontrar habilitadas a satisfazer os encargos. Assim, dar, de facto, conhecimento à Direção-Geral
com a antecedência que o artigo menciona é a principal obrigação da entidade.

f) Portugal pode fiscalizar a atividade da entidade beneficiária da garantia? Concretamente quais?

O artigo 20º, nº2 fala do poder do Estado de fiscalizar a atividade da entidade, que se justifica
pelo facto de se estar a lidar com dinheiro público – sendo uma fiscalização “do ponto de vista
financeiro e económico, como do ponto de vista administrativo e técnico”.
RECEITAS TRIBUTÁRIAS:

Em primeiro lugar, é necessário distinguir direito tributário de direito fiscal. Apesar de ambos
fazerem parte da economia pública – ou seja, o Estado tem coercibilidade para exigir – o direito fiscal
tem como o objeto o imposto; já o direito tributário é mais amplo. Dentro deste, existem três
modalidades obrigatórias: taxas, contribuições financeiras e o imposto (a “receita rainha” do OE).

Necessidade do imposto e como persuadir o seu pagamento

Existe uma necessidade de cobrança de impostos porque um Estado, estruturado como o


Estado Português, não pode viver sem impostos – o preço para se viver em sociedade. Ora, sendo o
Governo o executivo por excelência, este, para implementar as políticas públicas e executar o modelo
social, carece de dinheiro/recursos, de impostos. Assim, se, por um lado, vai haver alguém que paga
o preço do imposto, por outro lado, vai haver alguém que vai cobrar esse imposto – ou seja, irão
existir dois sujeitos: o contribuinte e o Estado. Esta relação jurídica é, normalmente, bilateral; mas
pode ser plurilateral (artigo 18º da Lei Geral Tributária; e artigo 104º da CRP).

No entanto, os cidadãos não gostam de pagar impostos. Assim, como persuadir as pessoas a
pagar impostos – pela voluntariedade e não pela coercibilidade? Esta pergunta relaciona-se,
sobretudo, com o tópico da cidadania fiscal: as pessoas têm de ser incluídas e envolvidas no próprio
imposto, percebendo a razão pela qual este é cobrado, e quais os benefícios que podem ter. Isto,
porque é sempre preferível que os impostos sejam cobrados pela voluntariedade e não pela
coercibilidade, de acordo com uma visão geral dos direitos humanos. Além disso, denota-se que as
próprias leis fiscais não são de fácil entendimento, tendo uma linguagem difícil e sendo fragmentadas.

Apesar de a voluntariedade ser o desejado, se as pessoas não pagarem, o Estado está dotado
de um título de tal maneira forte que pode fazer pagar coercivamente aquele imposto, seja através de
uma ação executiva ou de outros meios. O Estado tem uma aparato coercivo a seu dispor; mas,
também, não pode impor a toda a gente ao mesmo tempo, pela coerção, o pagamento do imposto.

Conceito de imposto

O imposto é a fonte rainha do OE, e é constituído por elementos objetivos e elementos


subjetivos, algo que o diferencia das taxas e das contribuições financeiras.

Quanto aos elementos objetivos, o imposto, é uma prestação patrimonial, unilateral, definitiva, com
uma natureza coerciva – podendo ser exigida a quem tem capacidade contributiva. O sujeito passivo
tem de cumprir a obrigação perante a entidade com competências nesta matéria, para se exonerar.

➔ Prestação: O imposto é, por norma, em dinheiro; no entanto, perante situações excecionais, pode
acontecer que tal seja uma prestação em bens, para os casos de empresas que efetuam serviços
fundamentais para o país (sendo que em Portugal não existe caso disso).

➔ Unilateral: Ao pagar, o sujeito não tem o direito de exigir uma contrapartida direta – sendo esta
unilateralidade que vai distinguir o imposto da taxa (ex: propinas são taxas do ponto de vista
jurídico, porque são uma contrapartida de um serviço).

➔ Definitiva: A partir do momento em que o imposto é apurado e, efetivamente, comunicado ao


contribuinte, o contribuinte terá de o pagar, sendo esta obrigação definitiva. Em relação a isto, a
situação de reembolso do imposto não põe em causa este carácter definitivo: neste caso, a entidade
tributária apenas chega à conclusão de que a pessoa pagou imposto a mais, e faz o reembolso.

➔ Coerciva: O Estado tem meios para forçar o cumprimento, na eventualidade de este não ser pago.
Quanto ao elemento subjetivo, trata-se de saber qual a pessoa a que se vai ter de cobrar o imposto –
ou seja, quem é o contribuinte. Para o determinar, o princípio subjacente é o que dita que só paga o
imposto quem tem capacidade contributiva. Em relação a isto, será necessário conhecer as três
grandes modalidades do imposto: 1) imposto sobre os rendimentos – existindo impostos diferentes
para pessoas singulares e pessoas coletivas –; 2) imposto sobre o consumo; e 3) imposto sobre o
património. Concluindo, tem capacidade produtiva 1) quem tem um determinado nível de
rendimento; 2) um certo nível de património; e, também, 3) aqueles que consumem certos e
determinados tipos de produto. Por isso mesmo se deve fazer uma distinção entre impostos diretos –
que incidem diretamente sobre rendimento e património – e impostos indiretos – que já incidem sobre
próprio rendimento do consumo em si.

➔ Estas noções encontram-se na Lei Geral Tributária, que tem como objeto fixar os princípios do
sistema tributário português; e que depois será desenvolvida em códigos específicos.

O imposto tem, ainda, um elemento finalístico: este tem de satisfazer as atividades financeiras
e, também, as necessidades coletivas. Contudo, o imposto poderá, também, ter uma finalidade política
muito importante: nomeadamente, convencer as pessoas a adotarem ou deixarem de adotar
determinado comportamento (ex: aumento do imposto sobre o açúcar); ou isentar, conforme as
necessidades sociais e o interesse a seguir, a cobrança do imposto – podendo conceder o tal benefício
fiscal (despesa pública). Será, assim, usado lógica extrafiscal, feita ou para mudar o comportamento
do destinatário; ou enquanto elemento importante para as políticas públicas.

Denota-se, ainda, que o imposto é, também, distinguido das contribuições financeiras. As


contribuições financeiras têm sido objeto de tratamento pela doutrina e pelo TC; isto porque, enquanto
as taxas e o imposto têm um regime jurídico definido, as contribuições financeiras apenas têm uma
alusão do artigo 165º, nº1, alínea i), e também no artigo 3º, nº2 da Lei Geral Tributária.

Reconduz-se à figura de contribuição financeira tudo o que não consegue ser reconduzido ao imposto
ou às taxas. Assim, estas incidem principalmente: 1) sobre o setor energético; 2) sobre o setor
bancário; ou 3) sobre o setor farmacêutico. Conclui-se que o que caracteriza as contribuições
financeiras é que, em primeiro lugar, têm um destinatário setorial; além disso, apenas o setor que
recebe as contribuições financeiras colhe os benefícios da mesma.

Distingue-se, ainda, da taxa, na medida em que, quando uma taxa é pensada, não se está a pensar num
determinado setor específico. Ou seja, quando o legislador avalia taxas moderadoras, é com a intenção
de que todas as pessoas sejam beneficiárias do SNS; mas, quando as contribuições financeiras são
lançadas, é especificamente para aquele setor, com benefícios só para esse – sendo que, para atuar
neles, é preciso requisitos bastante exigentes.

Relação entre o Estado e o contribuinte

O funcionamento da relação jurídico-fiscal é, principalmente, bilateral, entre o Estado e o


contribuinte. No entanto, pode haver situações em que existe uma relação triangular: nomeadamente,
entre o Estado e dois entes passivos. Neste tipo de relação, quem entrega o imposto devido não é o
contribuinte que tem o dever de o pagar; mas, sim, o substituto que, por retenção na fonte, terá de
entregar esse valor ao Estado. No entanto, para isso acontecer, o contribuinte necessita de ter uma
relação prévia com o substituto. Por exemplo:
➔ Numa entidade empregadora, o contribuinte é o trabalhador, e o substituto é o empregador, que
retém na fonte o imposto pago pelo contribuinte – e que terá de pagar ao Estado.

➔ O depositante que coloca um depósito a prazo tem a receber determinado valor em juros. Porém,
como os juros são um rendimento, estes terão de ser tributados pelo Estado. Assim, quando o
cliente receber o juro, já o banco reteve na fonte o valor do imposto.
Denota-se que o verdadeiro sujeito é o contribuinte, ou seja, a
quem é devido esse mesmo imposto –a relação triangular não
desvirtua a ideia da bilateralidade do imposto.

Este mecanismos de retenção na fonte visa, então, 1)


evitar fraude, pretendendo-se que o terceiro seja também
guardião da relação fiscal; e 2) ser uma forma do Estado
conseguir antecipar receita.

Classificação dos impostos

Imposto sobre o rendimento:

O imposto sobre o rendimento incide sobre tudo aquilo que acresce ao património do
contribuinte, existindo impostos sobre os rendimentos das pessoas individuais e das pessoas coletivas.

O primeiro, consagrado no artigo 104º, nº1, é chamado de rendimento pessoal, e tem subjacente a
ideia da equidade: ou seja, existe numa lógica de taxa progressiva (= desproporcional), sendo esta
variável e com tendência a ser crescente. Um exemplo deste será os escalões do IRS, em que,
primeiramente, se observa a matéria coletável e, depois, consoante o escalão, a taxa do imposto irá
ser apurada. Quanto maior o rendimento coletável, maior será a taxa – ideia de justiça e equidade.

➔ De notar que este é um imposto de natureza comunitária, havendo uma necessidade de se financiar
as instituições da UE (1% reverte em favor da UE e o resto fica para os cofres do Estado).

O segundo, chamado de IRC, visa o lucro real das empresas, podendo ter um valor fixo de 21% ou
podendo ser uma taxa proporcional. Se as empresas visarem a obtenção de lucro, então tributa-se tal
lucro; mas, se forem empresas que não estão a operar no mercado numa lógica de lucro, então são
empresas da economia social (como as IPS) e, consequentemente, são tributadas em função do seu
rendimento global – e não apenas no seu lucro.

Imposto sobre o património:

O imposto sobre o património incide sobre um conjunto de ativos e passivos. Podem existir
dois tipos de impostos sobre o património, nomeadamente: 1) sobre o património global – que não
existe em Portugal, embora seja muito pretendido pelo BE –; e 2) sobre o património setorial.
Exemplos deste último são o imposto sobre automóveis ou o imposto de selo; além disso, no IMI,
quem é proprietário de um imóvel, terá de contribuir na medida do valor desse bem.

Imposto sobre o consumo:

O imposto sobre o consumo (nº4 do artigo 104º) foi criado na ideia de avaliar como uma
determinada pessoa afeta a sua riqueza: todos os bens considerados supérfluos (de luxo) seriam
incididos de imposto. O problema é que já existe o IVA que, inclusivamente, incide sobre bens
essenciais: assim, o imposto sobre o consumo é definido como um imposto de natureza real, pago por
todos, independentemente da posição económica em que a pessoa se encontra – nessa medida, tributa
o rendimento consumido.
Princípios da tributação

Princípio da legalidade fiscal:

Segundo o princípio da legalidade fiscal, o imposto tem de existir, ser típico e seguir os
critérios formais e materiais. Relativamente à criação de impostos, o artigo 165º, nº2, alínea i) prevê
que, formalmente, a lei de criação de impostos tem de ser uma lei da AR – isto significa que a criação
de impostos é uma reserva relativa da AR, assim como as taxas e as contribuições financeiras.

Esta vertente formal é relevante, na medida em que a lei tem de ser densificada por elementos
essenciais do imposto – por exemplo, se há uma redução no imposto a pagar ou uma isenção pessoal,
a AR terá de intervir mediante lei da AR. Desta forma, a lei parlamentar, ou o Decreto-Lei autorizado
pelo governo, têm de definir os requisitos presentes no artigo 103º, nº2 da CRP – incidência material:
a lei da AR vai determinar a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.

➔ Incidência: Será necessário determinar quem são as pessoas a que se pode exigir o pagamento de
impostos (sentido subjetivo); e, também, sobre que tipo de objeto é que vão incidir os impostos
(sentido objetivo) – por exemplo, qual o acervo patrimonial que vai incidir o imposto; quais os
bens de consumo que vão ser objeto de imposto sobre o consumo; etc.

➔ Taxa: Será necessário determinar a percentagem da matéria coletável que vai ser aplicada,
podendo as taxas ter diferentes naturezas.

➔ Benefícios fiscais: Despesa pública, prevista no OE.

➔ Garantias: Serão os tribunais comuns, administrativos e tributários; no entanto, também foram


criados tribunais arbitrários, devido especialmente à morosidade da justiça em Portugal.

Princípio da não retroatividade fiscal:

O artigo 103º, nº3 CRP estabelece que não poderão existir impostos retroativos, pelo princípio
da segurança e certezas jurídicas. No entanto, podem existir alterações legislativas posteriores.

Princípio da capacidade contributiva:

Segundo este princípio, as pessoas apenas pagam os impostos, que estão tipificados e criados
pela própria lei, na medida da sua capacidade contributiva (artigo 4º da Lei Geral Tributária) –
decorre, este, do princípio da igualdade. Além disso, de um ponto de vista económico e funcional, se
o Estado exigisse impostos de quem não tem capacidade contributiva, não conseguiria arrecadar
qualquer montante. Isto significa, então, que é necessário demonstrar tal capacidade contributiva.

Porém, este princípio não prejudica a modelação de comportamentos – uma das principais
funções do imposto. Assim, certo cidadão poderá ter capacidade contributiva; mas, por considerações
do legislador, entende-se que este deve ser isento para promover, por exemplo, o investimento.

➔ Denota-se que a tributação do consumo pode levantar alguns problemas na verificação deste
princípio – ora, entende-se que quem consome determinado produto, tem capacidade contributiva.
Princípio da territorialidade fiscal:

Segundo o princípio da territorialidade fiscal, para o Estado poder tributar, tem de haver um
elemento de conexão entre o Estado e o contribuinte – isto porque, para uma lei ser aplicada, tem de
ter alguma conexão com a realidade. Por outras palavras, o Estado tem de ter uma relação jurídico-
completa para poder aplicar o imposto, não podendo tributar só porque sim – existe um
condicionamento do poder público ao território. Isto é especialmente importante quando se fala em
questões de jurisdição.

Ora, este elemento de conexão com o território pode ser verificados através de dois modelos:

➔ Modelo da nacionalidade: Neste, a primazia é dada ao elemento de nacionalidade – por exemplo,


o simples facto de alguém ser nacional em EUA, habilita o Estado a tributar essa pessoa, esteja
ela onde estiver.

➔ Modelo de residência/territorialidade: Sempre que alguém estiver num espaço territorial de um


determinado Estado, é esse Estado que se considera apto com o poder de cobrar impostos. Assim:
o Nos impostos sobre o consumo, releva o local do consumo;
o Nos impostos patrimoniais, releva o local do imóvel;
o Nos impostos sobre o rendimento, importa saber se a pessoa é considerada residente ou não
residente. Se for residente, serão tributados os rendimentos obtidos em território nacional,
mas também os rendimentos obtidos no estrangeiro; se não for residente, serão tributados os
rendimentos obtidos em Portugal.
▪ Isto levanta alguns problemas: sendo os próprios Estados que têm soberania para
determinar a sua própria política tributária, todos eles querem tributar e arrecadar
impostos. Na generalidade dos casos, quando há conflitos entre os Estados, é necessário
recorrer a tratados internacionais.
▪ Já o “WorldWide Income” pode levar a problemas de dupla tributação que são, regra
geral, resolvidos através de tratados bilaterais que desempatam a situação.

Problemas atuais com os impostos

A própria obtenção de receita, ou seja, as receitas patrimoniais são, efetivamente,


insuficientes, não sendo possível obter todas as receitas que se pretende – isto, porque as receitas
patrimoniais não são ilimitadas. Portanto, o Estado tem de recorrer mais ao imposto; mas os
contribuintes também não têm capacidade contributiva ilimitada, podendo não aguentar a carga fiscal.

Outro problema verificado tem a ver com a demografia portuguesa: o destinatário do imposto
é, muitas vezes, um sujeito singular. Ora, se existem muitas pessoas sem capacidade, isso limita a
arrecadação de impostos – por exemplo, com o envelhecimento da população; ou com a emigração
de pessoas qualificadas, que teriam capacidade produtiva alta. Consequentemente, a escolha dos
elementos de conexão também lança desafios, nomeadamente dentro do ambiente digital.
Orçamento de Estado
Antes do OE entrar em vigor, passa-se por várias fases, a ser estudadas. Ora, isto é feito no
ano N-1 (aquele que antecede o OE); sendo que, quando se vai para a execução, já se está no ano N.
Por sua vez, a regra da execução do OE é a anualidade: pelo que, depois da execução do OE, entra-
se numa nova fase, que é a fase N+1 – fase da conta geral do Estado, onde se apresentam contas de
como a execução foi feita.

Conceito, elementos e funções do OE


Segundo o glossário do Conselho das Finanças Públicas, “o Orçamento do Estado (OE) é uma
lei da Assembleia da República, que comporta uma descrição detalhada de toda a previsão de receitas,
uma autorização de despesas ou dotação de despesas, bem como uma autorização de endividamento,
tudo para um horizonte temporal de um ano” – sendo que, aqui, a autorização de endividamento é,
por exemplo, quando o Estado age como garante mediante um incumprimento.

Denota-se que, quando se fala nos orçamentos das autarquias locais e nos orçamentos das regiões
autónomas, para além dos próprios orçamentos, aplica-se, também, a LEO, o OE (geral) e, ainda,
legislação específica – nomeadamente a lei das autarquias locais e a lei das regiões autónomas. Para
além disto, existe ainda outro orçamento próprio e muito importante, que é o da Segurança Social.

Ora, quando se refere ao Orçamento de Estado, refere-se a um instrumento de previsão: este,


através de um juízo prognóstico e no plano financeiro, prevê receitas e inscreve despesas, assim como
baliza a despesa – sendo que tal inscrição das despesas e caracterização das receitas são feitas de
acordo com as classificações dos diplomas legislativos específicos. No entanto, não se pode ficar com
a ideia de que esta função preventiva é a única do OE.

Por um lado, o Orçamento limita os poderes públicos ao nível de arrecadar despesa e receita, tendo
uma função jurídica. Relativamente a esta, o OE vem destacar o seu valor reforçado, tratando-se de
uma lei formal, que distribui e limita os poderes da administração – sendo o processo do OE, no seu
todo, uma lógica de checks and balances.

Por outro, este autoriza a arrecadar receita e despesa, tendo uma função política. Este elemento
político do OE é o mais importante, sendo que uma das limitações do OE é a AR, que dá autorização
ao poder executivo. Assim, a proposta do OE deve ser sempre apresentada pelo Governo, para depois
este poder ser responsabilizado. Ora, quando a AR aprova o OE, trata-se de uma competência
exclusiva, que não pode ser deliberada a nenhum órgão de soberania – artigo 161º, alínea g) da CRP.
➔ Denota-se que o OE também reflete quais as políticas económicas do próprio Estado:
nomeadamente, como se faz a intervenção na própria economia – sendo, assim, um instrumento
político posto ao serviço da economia. Além disso, o OE reflete, em geral, uma determinada
ideologia: tudo é uma opção ideológica, desde o que se quer fazer face às necessidades sociais,
até aos mecanismos que se podem usar para o fazer.
o Para conceções liberais, não se deve recorrer à dívida pública – isto significa que a própria
posição do Estado quanto à sua intervenção económica mostra tendências ideológicas.

➔ Ainda sobre o ponto de vista política, o OE garante direitos fundamentais: especialmente, o direito
de propriedade privada. Além disso, existe também uma ideia de separação e interdependência de
poderes: existe uma autorização da AR, uma execução do Governo, e um controlo da
administração e, ainda, do próprio Tribunal de Contas, aquando da apresentação da conta geral
do Estado. Esta ideia está presente no artigo 107º da CRP e nos artigos 66º e 71º da LEO.
o A contabilidade é muito importante: os registos têm de ser feitos com conformidade legal.

Por fim, o OE tem, ainda, uma função económica, já que se trata de um exercício de previsão e receitas
e despesas, que têm de ser vistas com bastante rigor. Isto significa que, quando se der a implementação
e execução do OE, cada instituição que participa e está abrangida pelo mesmo não pode fazer despesas
superiores aos montantes definidos. Daí que, na elaboração do OE, cada instituição (nomeadamente,
os ministérios e outras entidades) abrangida por ele irá apresentar os seus orçamentos.

Quadro jurídico da política orçamental e gestão financeira do OE


O direito da EU é um quadro bastante complexo, dado existirem várias diretrizes, de matérias
cuja competência é atribuída de forma diferente. No entanto, alguns diplomas que mais se destacam
mais do que outros, nomeadamente:

➔ TUE: Artigo 3º, nº3, 4, 6; e artigos 4º e 5º.


o O artigo 3º, nº6 do TUE descreve o princípio da competência: as competências pertencem à
UE e/ou aos Estados-Membros, tendo em conta o disposto dos tratados. Se não houver nada
explicitado nos tratados, existe, ainda, a teoria das competências implícitas – à qual este artigo
também faz alusão.
▪ As políticas monetárias inserem-se nas competências exclusivas da EU. No entanto, as
políticas económicas já se inserem nas competências exclusivas dos Estados-Membros:
os próprios Estados decidem as matérias por si mesmos, não existindo competência da
EU – sendo que, no entanto, isto passa por mecanismos de governança implementados
pelo Tratado de Lisboa (nomeadamente, a aprovação de políticas está dependente da
unanimidade dos votos).

▪ Isto gera alguma esquizofrenia, visto que o responsável pela política monetária é o Banco
Central Europeu. Assim, as políticas monetárias estão mais consolidadas do que as
políticas económicas: as primeiras são da competência do BCE, enquanto as últimas são
da competência exclusiva dos Estados-Membros (existindo uma cooperação).

➔ TFUE: Artigo 2º, nº3; artigos 119º a 126º, referentes à política económica; e artigos 127º a 151º,
referentes à política monetária.
o Relativamente à económica, existe o procedimento de défices excessivos da dívida, sendo que
os limites do défice excessivo estão no protocolo nº12 sobre o funcionamento relativo aos
défices excessivos anexo ao TFUE, publicado em C326/275, do JOUE de 26/10/2012.
➔ Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), utilizado como forma de implementação dos
Tratados, atendendo às alterações introduzidas pelo six and two pack, com especial incidência
sobre os seguintes atos normativos:
o Regulamento Nº1175/2011, que vai desenvolver o artigo 121º do TFUE – mecanismo de
governança: de acordo com este artigo, os próprios Estados supervisionam-se.
o Regulamento nº1467/97, com a sua versão consolidada no regulamento nº1177/2011: Este,
enquanto mecanismo corretivo, complementa o artigo 126º TFUE.
o Regulamentos relacionados com o sistema de governança conhecido por Semestre Europeu,
que reforça o quadro da coordenação das políticas económicas e orçamentais.

➔ Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária


(TECG): Este é um tratado que, apesar de utilizar os órgãos da UE, foi celebrado fora do quadro
jurídico da EU; vai, no entanto, socorrer-se do método de governação da EU – isto, admitindo
que, para certas matérias, o TJUE tenha competência para as reger. Segundo este tratado, a regra
de ouro do saldo estrutural terá de estar na ordem dos 0,5%; além de que reforça a existência de
um objetivo a médio de prazo e, consequentemente, a necessidade de percorrer determinado
caminho para o alcançar. Isto, porque se a regra de ouro ou os objetivos não forem cumpridos,
aciona-se o mecanismo de correção do défice excessivo.

➔ Jurisprudência do TJUE: Existe um acórdão sobre o procedimento de défice excessivo, em que a


França e a Alemanha têm défice excessivo e, por isso, a Comissão desencadeia o procedimento.
No entanto, os órgãos desses países congelam esse procedimento para dar uma oportunidade aos
países de se “desenrascarem” sozinhos, sem a permissão da Comissão. Ora, o TJUE veio dizer
que não se pode, neste caso, anular tal decisão dos órgãos porque, em bom rigor, não há sequer
uma decisão propriamente dita – já que não existe uma suspensão do procedimento de défice
excessivo de acordo com os tratados, dando razão à Comissão.

Já quanto ao direito português, existem os artigos 105º, 106º, 112º, e 161º, nº1 da CRP.

O papel e valor da LEO e da LOE


A LEO é uma lei com valor reforçado, nos termos do artigo 4º da mesma. Segundo o artigo
112º, nº3 CRP, são leis de valor reforçado: 1) as leis orgânicas; 2) as leis que terão de ser aprovadas
com maioria agravada; 3) as leis de autorização – onde se incluem as leis-quadros e as leis bases –; e
4) as leis que, devido à sua funcionalidade, têm de ser respeitadas por outras leis, independentemente
de a CRP o dizer ou não.

Apesar de a CRP não lhe atribuir, diretamente, um valor reforçado, tal valor resulta da natureza –
enquadrando-se, assim, no último tipo de lei reforçada previso. Isto, porque a LEO vai seguir de
diretriz para outras leis – por exemplo, vai seguir de diretriz para orçamentas locais ou regionais, cujo
tratamento específico se inspira fortemente na LEO. Ora, sendo uma lei de valor reforçado, qualquer
modificação à LEO terá de ser feita por uma lei de igual valor.

Mas será que a Lei do Orçamento do Estado também tem este valor reforçado? Existem várias
opiniões doutrinárias sobre isto.

Segundo o professor Carlos Blanco de Moraes, “a lei do OE é uma lei que assume a qualidade de lei
duplamente reforçada pelo procedimento e pela proeminência material”.
➔ Isto porque, em primeiro lugar, a LOE tem um procedimento específico, não só para a sua
elaboração, mas também para a sua alteração; e, em segundo lugar, existe um critério funcional
muito próprio e específico – a LOE vai servir como diretriz a mais leis (ex: Decreto-Lei de
execução orçamental).

Segundo os professores Jorge Miranda e Rui Medeiros, “a LOE é uma lei de valor reforçado porque
durante o ano económico, nenhuma lei que não seja de alteração do próprio orçamento o pode afetar.
Acrescentam ainda que, na medida em que a força específica de uma lei de valor reforçado decorre
de normas constitucionais, a sua infração envolve inconstitucionalidade. Mas trata-se de
inconstitucionalidade indireta porque agride uma norma interposta constitucionalmente garantida”.

➔ Ou seja, só a execução de uma lei de valor reforçado é que pode substituir a LOE – também ela,
por isso, de valor reforçado –, através de um procedimento específico; além de que, quando se
viola a LOE, viola-se uma lei constitucional, existindo, por isso, uma inconstitucionalidade
indireta.

Segundo os professores Alexandre Sousa Pinheiro e Pedro Lomba, “a LOE é uma lei de reforçado já
que a natureza reforçada de uma lei não depende de fenómenos de auto qualificação (...) assenta na
Constituição, não na declaração constitutiva do legislador ordinário”.

➔ Ou seja, o artigo.4º da LEO veio de uma pretensão de segurança jurídica – pois, mesmo que não
existisse, a LEO continuava a ser uma lei reforçada. Ora, pela mesma lógica, a LOE também pode
ser considerada uma lei de valor reforçado, mesmo que não tenha um artigo semelhante.

Segundo os professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, “a lei do OE é uma lei à qual a própria
CRP confere «um poder materialmente vinculante», sendo possível falar «numa reserva de órgão».
A lei do Orçamento é, nos termos da CRP, exclusivamente atribuída a aprovação da AR sob proposta
do Governo. Durante a sua vigência, o Orçamento pode ser alterado pela AR, desde que tal lhe seja
proposto pelo Governo – tal como a AR não pode aprovar inicialmente o orçamento sem iniciativa
governamental, também não pode alterá-lo por iniciativa própria”.

➔ Aqui, existe um ênfase na proposta do Governo, pois fala-se de uma norma técnica – ora, faz
sentido que seja o Governo, enquanto órgão mais descentralizado que a AR, a tratar desta matéria.
O governo é o órgão de execução por excelência, pelo que faz mais sentido ser este a propor o
OE, enquanto diploma técnico e de execução. Isto, porque o Governo tem uma responsabilidade
política de governação e, por isso, tem de ter uma matriz de base o fazer. Está-se, aqui, perante
uma situação procedimental e material importante, a nível jurídico, político e económico.

Por fim, segundo o professor Tiago Duarte, a LOE tem uma “natureza reforçada, incompatível com
a sua subordinação à generalidade dos atos contratuais ou legais”.

➔ A LOE é de tal forma de valor reforçado, que se sobrepõe aos contratos – por exemplo, que o
Governo celebra a propósito da execução do OE (como na emissão de dívida pública) – e a outras
obrigações legais decorrentes.

CAVALEIROS ORÇAMENTAIS:

Os cavaleiros orçamentais são todas as normas consignadas na LOE que não têm relevância
orçamental direta, ou não têm conteúdo especificamente orçamental. O artigo 41º, nº2 da LEO
restringe a sua utilização; no entanto, estes podem ser objeto de alteração legislativa ordinária, pelo
que não são protegidos pelo artigo 280º, nº2, alínea a), nem pelo artigo 281º, nº1, alínea b), da CRP.
Ora, terão estes valor reforçado? Tal é importante não só a nível da alteração, como também
a nível de fiscalização – isto, porque as leis de valor reforçado têm uma proteção constitucional
específica. Assim, será necessário olhar não para a forma, mas para o conteúdo material destas leis:
conclui-se, então, que os cavaleiros orçamentais não vão ser tidos como lei de valor reforçado – eles
limitam-se ao estritamente necessário para a execução da política orçamental e financeira, como diz
o artigo 41º, nº1 da LEO.

Princípios e regras orçamentais


PRINCÍPIO DA TIPICIDADE:

Segundo este princípio, previsto no artigo 52º LEO, tanto a receita como a despesa têm de
estar previstas – se não estiverem, não pode existir nem cobrança nem gasto, existindo aqui uma ideia
ligada ao princípio da legalidade. No entanto, denota-se que o professor Domingos Pereira de Sousa
alerta que as receitas se regem pelo princípio da tipicidade qualitativa e as despesas pelo princípio da
tipicidade quantitativa.

Ora, o princípio da tipicidade qualitativa, em relação às receitas públicas, prevê que apenas
existem as receitas que vêm tipificadas na lei, sendo qualitativa na medida em que se consegue criar
tipos das receitas a arrecadar, mas não se consegue garantir nem prever a sua arrecadação em termos
quantitativos – tanto se pode arrecadar em montante inferior como em superior. Por exemplo, com o
aumento da inflação, os preços mais altos darão lugar à arrecadação de mais IVA.

Por outras palavras, a receita tem de ser objeto corrente de inscrição orçamental, isto é, tem de ser
classificada (nº1, alíneas b e c); no entanto, a sua liquidação e cobrança podem ser efetuadas para
além dos valores previstos (por estimativa) na respetiva inscrição orçamental (nº2).

Já quanto ao princípio da tipicidade quantitativa, em relação às despesas públicas, existem


limites máximos à despesa: esta, uma vez prevista naquela determinada quantia, não pode ser
ultrapassada – a não ser que haja uma situação de revisão ou eventual alteração do OE.

Ora, porque é que se permite que se arrecade mais, mas não que se gaste mais? A previsão de
arrecadar tem com base certos parâmetros, decisões e assunções macroeconómicas – pelo que, se
estes se alterarem, poderá fazer com que se arrecade mais ou menos do que era previsto, consoante
se melhorarem ou piorarem. Ora, se o tecido económico funcionar de uma forma muito intensa,
produzindo mais riqueza, as bases de tributação vão expandir, aumentando, consequentemente, a
receita arrecadada; pelo contrário, se houver uma recessão, as bases de tributação vão ficar
condicionadas, não se conseguindo arrecadar tanta receita.

Precisamente por haver esta ligação da receita ao resultado económico, esta só pode ser assumida
como uma verdadeira previsão, que pode ser para mais ou para menos. Se for para menos, existirá
um défice; se for para mais, o Estado deverá estar autorizado para captar esse excedente – não se
falando de uma autorização legal, na medida em que se aumenta a taxa de imposto; o que acontece é
que o funcionamento económico privilegia um alargamento das bases de tributação, que permitirá,
necessariamente, um aumento da receita arrecadada.

Resumindo, a resposta a esta pergunta está relacionada com a imprevisibilidade da receita, visto que
esta não depende inteiramente do Estado – depende, também, da situação económica do país. Já a
despesa, dependendo apenas do Estado, é mais fácil de controlar, pelo que será mais fácil estipular
um limite máximo ao quando o Estado pode gastar.
PRINCÍPIO DA PLENITUDE ORÇAMENTAL:

Este princípio, previsto no artigo 105º CRP e no artigo 9º LEO, decompõe-se em:

➔ Unidade orçamental (artigo 105º, nº3 CRP): Apenas há um único OE, onde tem de vir tudo
previsto, com transparência. Aliás, o registo no OE é tal forma importante que a CRP prevê a
utilização de uma classificação orgânica e funcional – ou seja, para se cumprir o requisito da
transparência, o registo das contas tem de seguir um determinado critério específico; nesse
sentido, existem programas e registos certos, que não geram ambiguidade na sua interpretação.
o Existe um sistema contabilístico nacional e um da UE, de acordo com critérios uniformes –
não existindo, a nível nacional, fundos secretos.
o O OE pode ser construído por programas: ou seja, o Governo tem o seu próprio programa,
sendo que cada Ministério tem de decompor dito programa geral em tarefas específicas de
concretização. Cada um dos programas estipula, assim, os objetivos que quer alcançar e os
próprios planos de ação, tendo como base esse único OE geral.

➔ Universalidade orçamental (artigo 105º, nº1 CRP): O OE é uma realidade universal e complexa,
admitindo não só o OE propriamente dito, como também o Orçamento da Segurança Social – isto,
porque esta tem um sistema administrativo e financeiro próprio (artigo 63º, nº2 da CRP), regime
sobretudo pelo princípio da intergeracionalidade.
o Os fundos e serviços integrados no Estado estão sujeitos à administração financeira direta do
próprio Estado. Logo, são serviços que não estão dotados de autonomia e, por isso, nem
precisam de estar expressamente previstos na alínea a) do artigo 105º, nº1. Já os fundos e
serviços autónomos são, justamente, os que se relacionam com o Estado, tendo orçamento
específico e, dependendo dos casos, personalidade jurídica – no entanto, estes também tê de
estar no OE, como diz expressamente a alínea a) do artigo 105º, nº1.

o Ora, para saber as entidades que estão integradas no artigo 105º, nº1, é necessário recorrer ao
documento do INE; sendo que não faz sentido discriminar, aqui, os serviços da administração
central do Estado. Assim, os discriminados serão os serviços e fundos autónomos da
administração central, na qual se inclui os institutos públicos; assim como os fundos da SS,
que entram para efeitos da orçamentação. Os hospitais que resultam de parceria público-
privado, como são objeto de desorçamentação, não vêm descritas aqui; a mesma lógica aplica-
se às regiões autónomas e autarquias locais.

Segundo o artigo 105º, nº2, o OE tem, também, de obedecer a um planeamento,


nomeadamente as grandes opções do plano que são aprovadas. Hoje, no OE atual, devido às
influências da UE, não só o planeamento ocupa um lugar de destaque; como também existem
orçamentos plurianuais relativos a esta (algo que não desvirtua a anualidade do OE). Por isso, no
processo do OE, existe uma aprovação das grandes opções do plano e aprovação dos orçamentos
plurianuais e, só depois, a aprovação do OE, propriamente dito.

Por outro lado, o artigo também diz que o OE obedece à lei e a contratos: ora, um Estado não pode
ficar imune aos próprios contratos celebrados, tendo o OE de atender a esses compromissos. O mesmo
se aplica à realidade das sentenças judiciais: se, por algum motivo, é suscitada a inconstitucionalidade
de uma determinada norma do OE, tal documento terá de acatar as decisões do TC.

O artigo 105º, nº4, por sua vez, apresenta o princípio de equilíbrio orçamental, que dita que
as receitas devem, formalmente, cobrir as despesas. Consequentemente, existe uma remissão para o
artigo 20º LEO, que fala no saldo estruturante; assim como para a regra de ouro do TFUE. No entanto,
este artigo já não descreve como o “recurso ao crédito público” será feito: logo, é necessário fazer
uma remissão para a Lei-Quadro da Dívida Pública, nomeadamente para as classificações orgânicas
e funcionais nas portarias específicas; e, ainda, para o Decreto-Lei de execução orçamental.
PRINCÍPIO DA ANUALIDADE DO OE:

Este artigo, descrito no artigo 14º LEO, prevê que tanto o OE nacional como o da UE são
anuais (nº1). No entanto, este artigo introduz, também, a ideia de plurianualidade: não obstante o OE
ser um orçamento anual, será necessário, também, planear a médio e longo prazo, prevendo as grandes
opções do plano; sendo, também, conveniente fazer uma programação financeira plurianual a 4 anos.
Por isso, e sendo certo que o OE é anual, este também olha à plurianualidade – o planeamento está
na antecâmara à aprovação do OE propriamente dito.

Já o nº4 descreve as situações em que se prevê, de antemão, que não será possível executar
determinado programa no prazo anual. Este período de execução complementar é previsto no
Decreto-Lei de execução orçamental, não pondo em causa a anualidade: em termos práticos, existiram
dois orçamentos a decorrer ao mesmo tempo, nomeadamente o orçamento que, em termos de
execução, leva 15 meses; e o novo orçamento, que entra em vigor passado 12 meses. No entanto, este
período de execução tem limites: não pode ultrapassar a data de apresentação da conta geral do
Estado, pois não faria sentido submeter esta a fiscalização e, depois, existirem execuções posteriores.

Ora, este prazo de um ano foi escolhido


para que haja transparência nas contas: quanto
mais o prolongar da apresentação da conta,
menor a organização da execução. Por outro
lado, este foi estabelecido, também, por razões de
índole política, nomeadamente para obrigar a
que, anualmente, o parlamento consiga chancelar
o orçamento e as contas públicas.

As quatro fases do processo técnico da OE


1. FASE DA PREPARAÇÃO E ELABORAÇÃO DO OE:

Segundo o artigo 32º LEO, existe, nesta fase, um dever de criar uma estratégia: ou seja, de
documentos estratégicos onde se analisam aspetos macroeconômicos, e onde se assumem
compromissos numa lógica de vários ângulos. Estes documentos servirão, então, de base para a
construção do Orçamento de Estado desse ano; mas tenderão, também, a dar indicações para as
opções orçamentais dos anos seguintes. Assim, à partida, o quadro jurídico português oferece ao
legislador um momento de reflexão prévia, de onde as suas decisões devem ocorrer.

Esta é, assim, uma fase dedicada ao planeamento e ao estabelecer dos orçamentais


plurianuais, pelo que está na antecâmara da elaboração do OE propriamente dito. A grande
coordenadora de elaboração deste processo é a Direção Geral do Orçamento; que começa, no entanto,
pela apresentação, pelo Governo, na AR, de dois documentos (nº1), até 15 de abril.

Um deles será o documento da proposta da Lei das Grandes Opções, é constituído por duas
matérias (artigo 34º, nº4): 1) o planeamento propriamente dito – ou seja, os objetivos a alcançar, com
identificação e planeamento das opções de política económica; e 2) o quadro plurianual de 4 anos.

É com este documento que a Direção Geral do Orçamento se vai ocupar, apresentando o calendário
e a metodologia de trabalho ao Ministério das Finanças. Este, por sua vez, irá concordar com o que
foi apresentado (ou não), iniciando-se as ordens de trabalho; além disso, este irá, também, querer
ouvir os diferentes setores, para que estes possam apresentar o seu orçamento e previsão plurianual –
enquadramento macroeconómico, que irá, especificamente, também ser feito por uma entidade
consultada. Tudo isto é, mais uma vez, coordenado pela Direção Geral do Orçamento, sendo esta
entidade que, depois, vai preparar a versão inicial da Lei das Grandes Opções, ingressada ao
Ministério das Finanças. Este, por sua vez, vai discutir as respetivas políticas apresentadas, vendo os
objetivos a médio prazo a serem concretizados e, consequentemente, aprovando as grandes opções
escolhidas e o quadro plurianual, obtendo também o consentimento das outras entidades. A AR, por
sua vez, terá de aprovar esta lei no prazo de 30 dias a contar da sua apresentação (artigo 34º, nº3).

➔ Denota-se que, segundo o artigo 34º, nº2, a proposta de lei é acompanhada de uma nota explicativa
que a fundamente, devendo conter a justificação das opções económicas assumidas e a sua
compatibilização com os objetivos da política orçamental.

A Lei das Grandes Opções integra, por sua vez, cinco áreas de atuação estruturadas em torno de um
desafio transversal e quatro desafios estratégicos: a) Boa Governação; b) Alterações climáticas; c)
Demografia; d) Desigualdades; e e) Sociedade digital, da criatividade e da inovação.

Já o quadro plurianual das despesas públicas, inserido na Lei das Grandes Opções, é definido o
respetivo período de programação, de acordo com o artigo 35º, nº1: define-se a) o limite da despesa
total, compatível com os objetivos constantes do Programa de Estabilidade; b) os limites de despesa
para cada missão de base orgânica; e c) as projeções de receitas, por fonte de financiamento.

➔ Segundo o nº2 desse artigo,“anualmente, o Governo apresenta o quadro plurianual, que inclui o
ano em curso e os quatro anos seguintes, bem como mapas respeitantes ao valor acumulado dos
compromissos contratados”.

O outro documento a ser apresentado, e aprovado no prazo de 10 dias (artigo 33º, nº3) é o
programa de estabilidade, elaborado no seio do Ministérios das Finanças e, depois, aprovado em
Conselho de Ministros. Este constitui o quadro orçamental de médio prazo, incluindo o ano em curso
e os quatro anos seguintes (nº2 do artigo 32º). Este quadro, por sua vez, inclui objetivos orçamentais
plurianuais abrangentes e transparentes em termos do saldo global, despesa e dívida pública (artigo
32º, nº3), que têm de ser compatíveis com as regras orçamentais (artigo 32º, nº4).

Esta atualização do programa de estabilidade é um dever incutido pela EU, no domínio das opções
estratégicas: até ao dia 30 de abril, terá de ser enviado à Comissão Europeia, ao abrigo do PEC e do
Semestre Europeu (nº2 do artigo 32º) – isto, porque as políticas económicas têm de ser coordenadas.

➔ Para isto, a UE aprimorou um sistema de governanças das políticas económicas chamamos de


Semestre Europeu, que começa em janeiro e vai até junho. Ao abrigo deste semestre, as
instituições da UE vão ter determinadas tarefas de coordenação das matérias económicas, assim
como das de coesão social; sendo o segundo semestre dedicado à implementação nacional.

➔ Ora, sendo o Programa de Estabilidade enviado à Comissão da UE até dia 30 de abril (artigo 33º,
nº6), esta, em maio, irá fazer um relatório; além de que o Conselho irá fazer a sua própria
apreciação e enviar ao Estado visado. O programa de estabilidade é, assim, um programa que tem
a ver com a salvaguarda preventiva, onde os Estados-Membros explicam o que pretendem fazer
para resolver o seu problema de défice excessivo ou de dívida pública.

➔ A Comissão vai ter interesse em fixar, com relação ao défice estrutural, um determinado
objetivo específico a médio prazo, específico para cada país, tentando personalizar as
próprias contas e contemplar o saldo estrutural (artigo 20º da LEO). O EM está, então,
condicionado ao conjunto de grandes opções previamente estabelecidas em Bruxelas, em que os
vários Estados-Membros participam – coordenação entre os vários ordenamentos jurídicos.
o Este diálogo existente é bastante importante: as decisões e negociações feitas no seio da União
Europeia (a proposta do orçamento, impacto, decisão, concretização, etc.), têm de ser trazidas
para o espaço nacional, havendo uma adaptação e coordenação das mesmas através do
programa de estabilidade – isto, porque não existe, ainda, uma união europeia das Finanças
Públicas. Existindo, no entanto, uma relação de dependência económica, o risco sistémico é
profundíssimo, pelo que há uma necessidade permanente de um desenho motorizado,
partilhado e ajustado.

➔ Ora, em junho, o Conselho adota as recomendações específicas, e os EMs são convidados a


implementá-las na proposta do OE. A alusão ao Semestre Europeu faz-se, então, porque o
programa de estabilidade decorre das obrigações que o Estado se comprometeu no âmbito do PEC
– pelo que é necessário coordenar o calendário jurídico nacional com o da UE.

Denota-se, por fim, que existe uma revisão anual do Programa de Estabilidade, que inclui um projeto
de atualização do quadro plurianual das despesas e receitas públicas (artigo 33º, nº4 e 5).

2. FASE DA DISCUSSÃO E APROVAÇÃO DO OE:

Nesta fase, o Governo elabora e apresenta à Assembleia da República, até 10 de outubro, a


proposta de lei do Orçamento do Estado para o ano económico seguinte (artigo 36º, nº1 LEO); sendo
que está terá de, anteriormente, ter sido aprovada pelo
Conselho de Ministros. Este implica, por sua vez, um trabalho
da Direção Geral do Orçamento de compilar todos os
orçamentos setoriais apresentados a partir de junho –
importância do cenário macroeconómico.

A EU, por sua vez, tem todo o interesse em ver como é que no OE se vai seguir as
recomendações da própria Comissão; ora, nesse sentido, o artigo 36º, nº2 estabelece que o Governo
envia, também, dita proposta à Comissão Europeia, “para efeitos de emissão das recomendações
nacionais específicas a proposta de lei do Orçamento do Estado”. Assim, a ligação com Bruxelas é
patente tanto na elaboração do OE, como na própria proposta apresentada.

O OE respeita os objetivos definidos no quadro orçamental de médio prazo e no Quadro


Plurianual de Despesa Pública do artigo 35º – ou seja, respeita os documentos da 1º fase. Além disso,
este será acompanhado de variados elementos, descritos no artigo 37º, nº2 LEO (cujas alíneas são,
também, conformes ao direito da EU).

Discussão e votação da proposta

Relativamente à discussão e votação da proposta, o artigo 38º, nº1 LEO determina a


existência uma comissão específica trabalhar com estas matérias, de acordo com a CRP, a LEO e,
ainda, o regime da AR. Esta votação realizar-se-á 50 dias após a sua admissão na AR (art. 38º, nº2) –
é a votação global final com a aprovação do OE; mas, antes disso, vem o processo de discussão.

A discussão e votação na generalidade é feita pelo Plenário da AR (artigo 38º, nº3); já na


especialidade, a discussão é, também, feita pelo Plenário, mas – tirando as matérias do artigo 168º,
nº4 da CRP – a votação decorre na comissão parlamentar competente, tendo por objeto o referido no
artigo 40º (artigo 38º, nº4).

Ora, para existir uma discussão produtiva, é necessário haver todo um trabalho preparatório:
o Ministro das Finanças terá de fazer uma primeira apresentação do OE na generalidade; e, depois,
convoca a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social especificamente, visto que o OE
inclui, também, o orçamento da SS. Há, assim, uma análise global com uma votação da globalidade.
Além disso, o relatório final do OE é enviado a todos os deputados, para que possam, em plenário,
começar a discutir na generalidade o OE, nas suas diretrizes principais.

Depois desta discussão na generalidade, passa-se, então, para a discussão na especialidade, que terá,
também, de ser planeada. Aqui, serão ouvidas entidades que objetivamente são importantes, assim
como entidades que a AR entende que devem ser ouvidas (artigo 38º, nº5) – sendo este trabalho feito
em comissões organizadas das finanças e orçamento. Assim, os deputados têm uma margem de
discricionariedade.

O Tribunal de Contas será, também, ouvido pela AR (artigo 38º, nº 6), sendo que os seus relatórios
chamam à atenção de erros que a execução do OE comporta. Isto, porque os OE’s não são realidades
desassociadas uns dos outros – por exemplo, há dívida pública que vai transitar para o ano seguinte.
Esta audição é a única que é completamente obrigatória, nos termos do artigo 38º, nº6; já a audição
dos stakeholders, por exemplo, não o é, sendo o Governo (e a AR) que decide se estes serão ouvidos.

É necessário, também, ouvir a Secretária de Estado dos Assuntos Europeus; e, depois, todos os
Ministros – isto, porque são os Ministérios os responsáveis sectoriais em ambas as fases, sendo eles
que organizam os serviços e fundos integrados e, também, os autónomos.

➔ Aqui, critica-se o facto de a sociedade civil nunca ser convidada a participar.

Dada toda esta discussão, o Ministro das Finanças estabelece o prazo para apresentação de
propostas de alteração do OE: todas as propostas terão de ser discutidas apenas na especialidade, pelo
Plenário, e votadas pela Comissão. Por fim, vai ser apresentado um documento de toda a realidade da
proposta do OE, com as subsequentes alterações e propostas, pela Comissão de Orçamento e
Finanças. Esta será, então, discutida em plenário da AR em especialidade, e consequentemente votada
pela Comissão referida, também na especialidade.

Denota-se que, segundo o artigo 38º, nº7, “quaisquer matérias compreendidas na fase de votação na
especialidade da proposta de lei do Orçamento do Estado podem ser objeto de avocação pelo Plenário
da Assembleia da República, nos termos previstos no respetivo Regimento” – ou seja, a AR faz a
votação na especialidade, mas, se entender que certas matérias podem ser objeto de avocação por ela,
pode fazê-lo.

Alteração e revisão da proposta do OE

O artigo 36º LEO faz, aqui, uma remissão para o artigo 167º, nº2 e 3 CRP: isto, porque há
uma lei-travão imposta pela CRP, com o objetivo de é permitir que o Governo governe,
principalmente se for um governo minoritário.

Ou seja, a LEO, enquanto lei de valor reforçado, já tem alguma proteção; mas essa é reforçada
pela CRP, que diz que, efetivamente não se pode, através de meios indiretos, alterar o processo
previsto para o OE. Nesse sentido, não há aqui um impedimento, por parte da CRP, de se alterar ou
rever o OE – mas isso terá de ser feito, em conformidade com a lei.

Ora, a revisão do OE só pode ocorrer quando há uma proposta de revisão da lei do OE,
apresentada pelo próprio Governo e aprovada pela AR. Relativamente a propostas de lei fora deste
quadro legal, o TC diz que o limite é com relação ao ano de execução orçamental: tais propostas
podem ser utilizadas nos anos subsequentes. Ou seja, não se deitam os projetos e propostas “ao lixo”,
mas aproveitam-se as mesmas nos anos subsequentes – princípio do aproveitamento dos atos.

Dependendo das maiorias parlamentares e das cedências que serão feitas, o OE poderá, ou
não, corresponder à proposta inicial. No entanto, é importante notar que existem limites que não
podem ser alterados – ora, daqui decorre que o que se discute na AR (tanto na generalidade, como na
especialidade) é essencialmente a redistribuição das despesas, e não o aumento/diminuição dos
valores do orçamento.

NOTA: O artigo 39º prevê situações especiais, em que o prazo referido no artigo 36º não se aplica.

Elaboração do documento final do OE

Terminada a fase da votação (artigo 38, nº2), é necessário sistematizar e fazer o documento
final do OE – sendo que a estrutura da LOE está prevista na lei, no artigo 40º LEO. Assim, a Lei do
Orçamento do Estado integra:

➔ Um articulado: Texto que procede o OE, que diz logo como é que são as receitas, as despesas, e
as regras mínimas para a execução orçamental (artigo 41º, nº1). O articulado justifica-se porque
é mais fácil de fazer e tem maior percetibilidade; contendo artigos de forma obrigatória para
organizar as ideias e colocá-las de forma mais correta, do que em texto corrido. Este será, assim,
a memória descritiva dos mapas e também das contas financeiras.

➔ Os mapas contabilísticos: Começando-se pelos mapas da despesa (artigo 42º), porque a medida
da receita vai ser determinada pela despesa – relação de interdependência da receita e despesa.

➔ Demonstrações orçamentais e financeiras: É necessário fazer um exercício programático do


orçamento e das finanças, através de gráficos. O artigo 44º da LEO fala das vinculações externas,
que, para além do OE, se vai ter de cumprir – respeito ao direito da EU, nomeadamente o
Programa de Estabilidade (ou seja, PEC) ou o objetivo a médio prazo personalizado a cumprir,
ditado pela própria Comissão. É necessário, ainda, respeitar os limites de despesa: isto, porque o
orçamento é anual, mas não pode fixar descontextualizados das Grandes Opções.
o O nº2 fala, especificamente, de outras vinculações a nível de despesas: 1) obrigações que
venham de contratos, como por exemplo com a emissão de dívida pública; 2) despesas
associadas às sentenças judiciais, que têm de ser devidamente compatibilizadas nos mapas
contabilísticos e demonstrações orçamentais – estes documentos serão, então, anexados.

O OE organiza as matérias por programas (artigo 45º, nº3): ou seja, o Governo estabelece
um programa geral e escolhe os seus Ministérios, sendo que cada unidade orgânica (artigo 45º, nº2)
terá um programa, composto por tarefas e ações – por sua vez, essas unidades orgânicas, numa base
anual e plurianual, dizem quanto vão gastar.

Assim, o artigo 45º, nº1 LEO fala, precisamente, da caracterização dos programas orçamentais, que
incluem as receitas e despesas inscritas nos orçamentos dos serviços e das entidades dos subsetores,
das administrações centrais, e da Segurança Social. Os programas orçamentais correspondem ao
conjunto de ações (nº6), de duração variável, a executar pelas entidades mencionadas, tendo em vista
a realização de objetivos finais (nº4), associados à implementação das políticas públicas e que
permitem a aferição do custo total dos mesmos (nº5).

Segundo o nº7, é o Ministério – o membro do Governo responsável por cada política pública setorial
definida na missão de base orgânica que propõe – que dita as diretrizes de cada programa (criação,
denominação, período, custos, fonte de financiamento, metas do programa), tendo em conta o
cumprimento do programa do Governo. Além disso, é em Conselho de Ministros que são aprovados
os programas (nº8). O membro do Governo responsável por cada missão de base orgânica determina,
ainda, a entidade gestora do conjunto dos respetivos programas (nº9). Por fim, no caso da missão de
base orgânica associada aos órgãos de soberania, a definição e gestão dos respetivos programas cabe
à entidade indicada pelo órgão de soberania (nº10).

Além disso, tem sempre de haver, também, um programa de folga, de modo a fazer face a despesas
imprevisíveis e inadiáveis (nº11) – isto, porque o OE é um instrumento flexível, dotado de certos
instrumentos para responder às situações imprevisíveis.

Podem, no entanto, existir programas que tenham finalidades comuns com várias unidades
orgânicas. Ora, nestes casos, segundo o artigo 46º LEO, os Ministérios estão em concorrência – algo
que não gostam, pois não gostam de ver verbas retiradas ao seu Ministério, nem de perder poder –,
pelo que cada um mantém a sua própria autonomia orçamental nos programas com finalidade comum
(nº1); mas tem, também, de existir uma coordenação. Ora, para isso, existem entidades gestoras
coordenadoras, que o fazem, não só do ponto de vista do OE, mas também a nível plurianual.

➔ Denotar que, no Decreto-Lei de execução orçamental, depois da aprovação do OE, há tendência


para especificar nele quais as entidades gestoras, que vão fazendo a avaliação a nível de eficiência.

Ora, tais situações acontecem porque as matérias que respeitam a duas ou mais missões de base
orgânica podem convergir num programa comum sempre que haja razões de economia, eficiência e
eficácia (nº3). Assim, o membro do Governo responsável pela condução política dos programas
comuns é determinado por decisão do Governo, em função da matéria (nº4). Além disso, a
responsabilidade orçamental dos programas comuns é dos respetivos membros do Governo setoriais
(nº5). Por fim, a escolha da entidade gestora dos programas com finalidades comuns é efetuada no
âmbito de cada missão de base orgânica, nos termos do nº9 do artigo mencionado (nº6).

3. FASE DA EXECUÇÃO:

Após a aprovação do OE, vem necessariamente a ativação da fase da execução orçamental.


Esta dura 1 ano, excluindo períodos de execução complementar. Ora, para o OE ser executado, é
necessário recorrer ao Decreto-Lei de Execução, assim como colecionar os atos materiais para esse
ano – ou seja, os que contribuem para que possamos liquidar e arrecadar a receita –, em conformidade
com a própria lei.

Princípio da legalidade da receita e despesa pública

Segundo o artigo 52º, tanto a receita como a despesa têm de ter uma base legal. Assim, existe
uma sujeição à lei: para que uma receita possa ser cobrada, ou para que uma despesa possa ser
efetuada, têm de estar previstas na lei. Além disso, a cobrança ou a despesa devem ser efetuadas
conforme as regras legais aplicáveis – regras orçamentais, procedimentais, de contabilidade pública,
etc. (ex: na despesa, fala-se dos compromissos e dos pagamentos em atraso).

No entanto, é preciso ter em conta que o Tribunal de Contas, na sua jurisprudência, defende
que este princípio de legalidade da receita e da despesa é amplo e tenderá a abranger todo e
qualquer ato de execução da despesa e da reparação de receita, o que faz com que os contratos
públicos também estejam aqui incluídos. Ou seja, “a ilegalidade de uma despesa pública pode
decorrer não só da desconformidade da sua assunção a pagamento com normas orçamentais, da
contabilidade pública ou procedimentais, como também da ilegalidade administrativa tout court
substantiva ou procedimental do ato ou contrato de onde o mesmo emerge”.
Assim, quanto aos princípios gerais da receita, segundo o nº1 do artigo mencionado, esta tem
de: 1) ser legal, sendo que os requisitos legais variam conforme o título da receita – por exemplo,
para uma dívida pública ser legal, é necessário, no mínimo, que tenha uma forma e estar dentro dos
limites aquando da sua emissão; já no caso dos impostos, terá de haver tipicidade, ou seja, detalhes
como a taxa, a incidência, etc., têm de estar determinados –; 2) tenha sido objeto de correta inscrição
orçamental, de acordo com os sistemas contabilístico – caso contrário, será sinalizada pelo Tribunal
de Contas –; e 3) estar devidamente classificada. Finalmente, o nº2 refere-se ao princípio da tipicidade
qualitativa, sendo possível desviar dos valores previstos para a arrecadação de receita.

Já quanto aos princípios gerais da despesa, segundo o nº3 do artigo mencionado, a despesa
tem de 1) ser autorizada. Além disso, a obrigação que dá origem à despesa tem de 2) estar em
conformidade legal – podendo, por exemplo, ter de obedecer às regras da contratação pública. Depois,
terá de 3) dispor de inscrição orçamental no programa – dado que as despesas são executadas de
acordo com os programas, sendo que há despesas que se esgotam num ano, como também há despesas
que se prolongam por vários anos – e, ainda, de 4) ter cabimento – não basta saber se há verba, é
necessário de fazer uma reserva da própria quantia. Por fim, esta terá ainda de 5) satisfazer o princípio
dos “Es”. Além disso, o nº6 refere o princípio da tipicidade quantitativa enquanto outro limite.

➔ Por sua vez, o nº4 fala da celebração do compromisso, que é, no fundo o contrato. Ora, apesar do
cabimento ser importante, acima de tudo o Estado precisa do compromisso, para pagar a própria
despesa que é paga pela Tesouraria (garantindo a liquidez).

Os nº6 e 7 falam, por sua vez, da “segregação das funções”: ou seja, o princípio de que a
entidade que apura a quantia que é devida (liquidação), não pode ser a mesma que vai cobrar essa
mesma quantia – isto, do lado da receita. Do lado da despesa, quem faz a autorização da despesa, não
é a mesma entidade que vai fazer o pagamento. Assim, terá sempre de haver sempre duas entidades
distintas, por uma ideia de transparência e do autocontrolo incutido.

Isto é de extrema importância porque, no fundo, exige-se que quem gere as receitas e quem gere a
despesa faça um controle interno desse procedimento. A lei nacional, de facto, já cria instrumentos
de controlo interno dentro do executivo – ou seja, quando se identificam as formas como se controlam
o orçamento, não só se vão ter mecanismos de controlo externos ao executivo; mas, também, vão
existir mecanismos internos: o executivo, enquanto vai executando, tem de se ir autocontrolando.

➔ Segundo o nº9, “cabe às entidades gestoras do programa assegurar o cumprimento por parte das
entidades e dos serviços do registo tempestivo nos sistemas local e central dos compromissos
referidos no número anterior”.

Já o artigo 53º refere que a execução feita exige a existência um Decreto-Lei específico anual,
contendo as regras e orientações fundamentais para a execução do orçamento naquele ano –Decreto-
Lei de Execução Orçamental, que é feito pelo Governo e aprovado até ao 15º dia após a entrada em
vigor da LOE (nº6). Algumas normas orçamentais, não sendo autossuficientes e precisando de
algumas orientações para serem concretizadas, vão ter essas orientações neste decreto-lei – incluindo,
aqui, as normas relativas ao orçamento dos serviços e entidades dos subsetores da administração
central e da segurança social (nº3). Este, por sua vez, tem de obedecer a um conjunto de princípios e
regras, ditadas no artigo 52º.

➔ No entanto, isto não põe em causa que, sempre que tal se justifique para a execução orçamental,
sejam aprovados outros decretos-leis (nº4).

NOTA: Na execução do pagamento das despesas, há meses, por comparação com outros, em que
existem mais despesas no OE. Ora, se se tiver títulos de dívida pública com lógica anual, ano a ano
vão se vencer um conjunto de obrigações; assim, tal tem de ser gerido, para se alocar verbas à despesa.
Temas suplementares sobre a execução orçamental

O professor Domingos Pereira de Sousa diz que o princípio da execução orçamental


anormal que segue o princípio duodecimal – regime transitório no artigo 58º da LEO. Ou seja, há
casos em que o começo do ano fiscal não é possível em janeiro e, por isso, existe uma alteração no
processo, que faz com que haja um período temporal transitório até ao momento que é aprovado o
Orçamento e entra em vigor, sendo que tal terá de entrar em vigor até Março.

Nestas circunstâncias, o artigo 58º prevê um regime transitório, que estabelece uma execução
orçamental por duodécimo. Enquanto se aguarda pelo orçamento (artigo 58º, nº1 – ou porque houve
uma rejeição da proposta do OE; ou porque ocorreu uma tomada de posse do novo governo entre 1
julho e 30 de agosto; ou ainda quando há caducidade da proposta da lei do OE em virtude da demissão
do Governo; ou quando acontece uma não votação
parlamentar da proposta da LEO), a execução mensal dos
programas em curso não pode exceder o duodécimo da
despesa total, com algumas exceções.

Por outras palavras (nº4, primeira parte), na prática, o Estado fica limitado a realizar uma despesa
anual, dividindo-se esta por cada mês – a isto se chama duodécimo. O Estado não deixa de poder de
arrecadar receita nem de realizar despesa, estando condicionado ao orçamento de estado do ano
anterior – por exemplo, o OE de 2021 serve de referência para a realização da receita e da despesa
em 2022. Assim, a despesa realizada em regime de duodécimos não pode ultrapassar 1/12 da
despesa orçamentada no ano anterior (ex: com despesas de 120, só pode gastar 10 por cada mês).

No entanto, algumas despesas não contam (nº4, segunda parte) – nomeadamente, as despesas
previstas na lei são mantidas, como as atualizações no âmbito da segurança social (ex: pensões e
subsídios). Outras exceções são relativas às despesas com os direitos dos trabalhadores; bem como a
despesa destinada ao pagamento de compromissos já assumidos e autorizados. Além disso, e de
acordo com o nº5, o Governo pode continuar a emitir dívida pública fundada, conceder empréstimos
e garantias pessoais, etc.

➔ O Governo aprova um Decreto-Lei com as normas estritamente necessárias para a execução do


orçamento transitório (nº7).

Ora, por sua vez, o novo orçamento terá de fazer os devidos ajustamentos (nº6), o que significa
que, quando é aprovado, este orçamento terá de ter previstas as receitas e as despesas que, entretanto,
foram executadas nos dois meses anteriores, de forma às contas baterem certo – visto que é sobre
esses registos contabilísticos que o Tribunal de Contas vai exercer a sua sindicância.

➔ O Governo, no âmbito do princípio dos “3Es”, tem uma certa liberdade a nível mensal, desde que
não atrofie a execução do OE, que é anual. A execução da LOE não está sujeita ao regime
duodecimal, mas deve respeitar a previsão mensal de execução (artigo 6º do Decreto-Lei de
Execução Orçamental).

Processo de alteração e revisão orçamental

A proposta do OE deve ser sempre apresentada pelo Governo e aprovada pela AR; por isso
mesmo, não deve haver situações que permitam adulterar o OE – isto, porque se quer dar a
possibilidade, efetivamente, dos governos minoritários de governar, não estando sempre sujeitos a
que a oposição mude, constantemente, a programação. No entanto, isso não impede a possibilidade
de se fazer alterações ao OE, desde que se preencham os requisitos para esse efeito. Isto, porque
o OE também tem de viver com modelos de flexibilidade, que o tornem num documento capaz de se
adaptar às circunstâncias
O Decreto-Lei de Execução Orçamental tem normas específicas para esta alteração orçamental,
sendo que o artigo 60º da LEO engloba, também, exemplos de alterações orçamentais. Além disso,
existem alterações que têm de ser publicadas no Diário da República; mas, normalmente, estas são
publicadas nos sites das respetivas entidades em apreço (artigo 61º).

Dentro deste âmbito, existem mudanças que vão tocar no centro de gravidade do OE e que,
por isso, vão ter requisitos mais exigentes – estas serão as chamadas revisões orçamentais, ditadas
pelo artigo 59º, nº1 (não cumulativas), que competem à AR. A proposta de lei da revisão orçamental
tem de ser feita pelo Governo (nº2), seguindo-se a mesma lógica de um “mini” processo do OE.

Por exemplo, se o Ministério da Saúde decidir aumentar a despesa total do seu subsetor, isso será
visto como uma revisão orçamental. Mas também existem outras mudanças que, mesmo não
aumentando a despesa, serão catalogadas como revisão – por exemplo, quando há uma transferência
de verbas, o Ministério está a incumprir com os programas que se vinculam perante a AR; logo, terá
de haver revisão orçamental.

➔ Tudo o que for para aumentar a despesa e transferir verbas é da competência da AR. As demais
alterações orçamentais são da competência do Governo, nos termos de Decreto-Lei próprio (nº3);
sendo que, no entanto, terão de ser comunicadas à AR, nos termos do artigo 75º, nº2 (nº4).

NOTA: Não esquecer a Lei-Travão do artigo 167º, nº2 da CRP.

Princípio da unidade da tesouraria

Segundo o artigo 54º, a centralização e manutenção dos dinheiros públicos é feita numa
Tesouraria Central do Estado, por questões de eficiência e transparência; mas, também, de forma a
manter a liquidez: não seria possível um controlo interno, se os ativos andassem descentralizados pela
própria administração.

Este princípio concretiza-se através da gestão integrada da Tesouraria Central do Estado e da


dívida pública direta do Estado (nº3) – sendo que a grande entidade administrativa desta última é
o IGCP (nº4). Isto, porque se o IGCP chegar à conclusão de que não há liquidez na tesouraria, fará a
emissão de dívida pública; por isso, faz sentido que estejam em constante comunicação.

O incumprimento deste princípio faz incorrer os titulares em responsabilidade financeira


(nº7). No entanto, pode acontecer que este princípio admita algumas exceções; ora, essas entidades,
que atuam com as exceções, têm de fazer avaliações de riscos, para poderem fazer uma boa gestão de
risco – justificando se se deve ou não prosseguir tal unidade.

Por outras palavras, as exceções ao princípio da unidade da tesouraria são, maioritariamente, aquelas
que o membro do Governo responsável pela área das finanças autorizar, a título excecional e
fundamentadamente – ou seja, justificar que determinadas entidades sejam dispensadas do
cumprimento do princípio da unidade de tesouraria (nº5). As entidades dispensadas ficam, no entanto,
obrigadas a cumprir as normas de gestão de risco de intermediação aprovadas pelo membro do
Governo responsável pela área das finanças, mediante parecer do IGCP (nº6). Por fim, estes casos de
dispensa são objeto de renovação anual expressa, precedida de parecer do IGCP (nº8).

Resumindo, o princípio unidade da tesouraria (artigos 54º e 55º) prevê que se deve saber o
que se tem, a nível de disponibilidade de liquidez, para se perceber se se tem (ou não) de ir pedir ao
mercado. A unidade de tesouraria prevê, também, uma gestão integrada entre a Tesouraria e a dívida
direta do Estado (artigo 54, nº3).
4. FASE DA FISCALIZAÇÃO E CONTROLO:

O controlo é visto como fase essencial para assegurar que os objetivos determinados são
atingidos – garantindo que as ferramentas são as adequadas na medida do necessário, e que os
recursos destinados àquela despesa estão, efetivamente, a dar os frutos pretendidos. Só através desta
análise, se poderá responsabilizar aqueles que não procederem ao cumprimento das regras e à
adequada utilização dos recursos – conceito de “accountability”.

Segundo o artigo 68º, nº1, a finalidade do controlo é confirmação do registo contabilístico adequado
– ou seja, que este expresse aquilo que verdadeiramente aconteceu. A alínea b) revela, também, a
preocupação com a boa gestão e a conformidade com várias matérias – nomeadamente com o direito
da União Europeia. Assim, existem dois tipos de controlo:

Controlo da UE Controlo Nacional

Aprovação do orçamento da UE pelo Conselho e


Aprovação do OE pela AR.
Parlamento Europeu sob proposta da Comissão.

Quadro da coordenação das políticas económicas


e orçamentais (semestre europeu com intervenção Controlo administrativo por
da Comissão, Parlamento Europeu e Conselho e o diversas entidades no terreno.
Pacto Euro Plus).

Quadro das políticas monetárias com intervenção


do BCE e do SEBC artigo 127.º do TFUE.
Controlo jurisdicional, máxime,
Controlo Jurisdicional (TJUE e pelo Tribunal de Contas.
Tribunal de Contas Europeu).

Controlo político, administrativo e jurisdicional.

Controlo Nacional:

Enquanto o controlo a nível europeu é um controlo principalmente político (apesar de existir


outras vertentes); o controlo nacional subdivide-se, sobretudo, em: controlo administrativo, controlo
político e controlo jurisdicional.

1. Controlo Administrativo (artigo 68, nº2 e 3)

Segundo este, controla-se a execução do orçamento a nível operacional – nomeadamente o


operador de campo: ou seja, vê-se se os colaboradores estão a cumprir com os procedimentos e a
fazer os registos corretamente –, a nível setorial – operacional dentro do setor – e a nível estratégico.
O controlo administrativo pressupõe, ainda, a atuação coordenada e a observância de critérios,
metodologias e referenciais de acordo com a natureza das intervenções a realizar. Este pode ser:

➔ Controlo Interno: Ou seja, dentro das próprias entidades, dentro de uma lógica de compliance e
conformidade, cujas regras devem ser seguidas pelas próprias entidades sob pena de haver
responsabilidade financeira. Existe, assim, o cuidado de, internamente, os órgãos que executam
se autocontrolarem e terem em mente a prossecução dos resultados e uma boa gestão dos recursos.
➔ Controlo Externo: A monotorização externa é, essencialmente, para contrair a corrupção interna
que as entidades escondam; sendo que a Inspeção Geral de Finanças, do ponto de vista
administrativo, garante, em termos práticos, esta supervisão.

Concluindo, a ideia de controlo deve funcionar em rede, internamente, dentro da


administração pública; mas pode requerer a participação de entidades externas, de forma a
complementar a sua tarefa de controlo orçamental.

2. Controlo Político (artigos 68º, nº5 e 71º LEO)

Segundo estes artigos, existe a obrigatoriedade dos relatórios previstos. Ou seja, a AR aprova
o OE, pede relatórios (alguns de sindicância obrigatória), e depois é lhe apresentada a Conta Geral
do Estado – conta essa que tem de ser certificada pelo Tribunal de Contas. Consequentemente, a
responsabilidade que pode decorrer deste controlo político é a responsabilidade política: isto porque,
se o OE é aprovado pelo órgão parlamentar, este deverá ter uma preocupação de acompanhamento
da execução desse Orçamento.

O artigo 75º LEO, por sua vez, consagra o dever especial de informação ao controlo
político: existe um elenco de conteúdos informativos que o Governo tem, sempre, de disponibilizar
à AR, pois é a partir dessa informação que a AR pode exercer a sua função de controlo político. Por
sua vez, e segundo o artigo 71º LEO, 1) a AR acompanha a execução do OE e aprova a Conta Geral
do Estado – análise crítica do exercício orçamental, conclusões que deveriam ser utilizadas para o OE
seguinte –; 2) o Governo informa, anualmente, a AR dos programas de auditoria, que promove por
usa iniciativa; 3) a AR determina duas auditorias e solicita ao Tribunal de Contas a auditoria de dois
organismos do SIC; depois, 4) os resultados dessas auditorias são enviados à AR; e, por fim, 5) na
sequência da análise destes materiais, a AR poderá fazer recomendações.

➔ O Tribunal de Contas vai, também, enviar à AR os seus relatórios financeiros, que também
surgem como documentação relevante para facilitar o trabalho dos deputados.

Para que este controlo político seja verdadeiramente efetivo, é necessário e imprescindível
que quem analisa a informação enviada pelo executivo tenha formação base para interpretar os dados
enviados – o que torna crucial o UTAO, ou seja, a Unidade Técnica de Controlo Orçamental (de
auxílio aos deputados). Esta tem como função elaborar estudos e documentos técnicos, de modo a
ajudar os deputados a tomar as decisões mais fundamentadas e mais adequadas possíveis.

3. Controlo Jurisdicional (artigos 68º, nº4; 72º, nº3)

Este controlo é feito pelo Tribunal de Contas, que tem agora autonomia. Tal controlo decorre
do princípio da transparência: a forma como a execução do OE é efetuada deve ser conhecida, pública,
através da partilha de informações que constitui a base para a transparência. Ora, se não houver essa
partilha, não há base para controlar – pelo que a informação é crucial para fazer uma análise crítica.

O artigo 214º, nº1 da CRP, assim como o artigo 1º da Lei nº 98/97, dizem o Tribunal de Contas
é o órgão supremo: de 1) fiscalização da legalidade das despesas públicas; de 2) implementação
efetiva do princípio dos três “Es”, quando se refere a boa gestão financeira; e de 3) julgamento das
contas, com responsabilidades por infrações financeiras.

Existem, assim, três tipos de fiscalização do Tribunal de Contas:

➔ Fiscalização prévia, através dos vistos ou declaração de conformidade: No entanto, e porque há


a noção de que tais vistos não são emitidos a tempo e horas, existe uma disposição jurídica que
rege os efeitos do próprio visto na Lei do Tribunal de Contas – sendo que, para este efeito, o
Tribunal terá de ser solicitado.
o Segundo o artigo 5º, alínea c), da Lei nº 98/97, o Tribunal de Contas fiscaliza, antes da
execução, a legalidade e o cabimento dos atos de qualquer natureza que sejam geradores de
despesas, desenvolvida a partir dos artigos 44º a 48º.
▪ O artigo 44º, nº1 diz que a finalidade da fiscalização prévia, feita através do visto, é de
verificar se os atos, contratos ou outros instrumentos geradores de despesa (a atividade
financeira do Estado) estão conformes às leis em vigor; e se os respetivos encargos têm
cabimento em verba orçamental própria.

▪ O artigo 44º, nº2 diz que o relatório e parecer sobre a Conta Geral do Estado emite um
juízo sobre a legalidade e a correção financeira das operações examinadas, podendo
pronunciar-se, ainda, sobre a economia, eficiência e eficácia da gestão.

▪ Segundo o artigo 44º, nº3, constitui fundamento da recusa do visto a desconformidade dos
atos, contratos e demais instrumentos referidos com as leis em vigor que implique: 1)
nulidade; 2) encargos sem cabimento em verba orçamental própria ou violação direta de
normas financeiras; ou 3) ilegalidade que possa alterar o respetivo resultado financeiro.

o Existem, no entanto, situações em que é obrigatório pedir o visto do Tribunal de Contas,


nomeadamente as descritas no artigo 46º – incidência da fiscalização prévia. No entanto, pelo
contrário, também existem situações que estão isentas de ter de pedir esse visto (artigo 47º).
Este visto prévio está, assim, pensado para aumentar a qualidade de controlo orçamental;
sendo que não pode haver a obrigação que todos os atos e contratos tenham obrigação deste
visto prévio, dado ser impossível.

o Finalmente, no artigo 45º estão descritos os efeitos do visto: os atos, antes do visto, podem
produzir todos os efeitos, sendo válidos com exceção dos pagamentos a que derem em causa
(nº1). É, assim, consagrada a ineficácia e não invalidade com a recusa do visto (nº2).
▪ Tem de haver uma notificação recetícia: só a partir do momento em que chega ao
conhecimento do destinatário, é que o ato é ineficaz (nº3). Além disso, o nº5 descreve o
programa da LEO para situações imprevisíveis em situações urgentes/de emergência.

➔ Fiscalização concomitante: Feita ao mesmo tempo da execução orçamental, através do


instrumento de auditorias (artigo 49º, nº1), que vai levar à elaboração de relatórios. Pode, desta,
decorrer ainda a abertura de um processo de responsabilidade financeira (nº3).
o Mesmo os atos dispensados de fiscalização prévia têm de ser sujeitos à fiscalização
concomitante (artigo 49º, alínea a).

➔ Fiscalização sucessiva: O Tribunal de Contas vai fiscalizar a Conta Geral do Estado, assim como
a comparticipação nacional nos recursos próprios comunitários, e a aplicação dos recursos
financeiros oriundos da UE (artigo 50º, nº1). Aqui, já existe um controlo do mérito, pelo que a
fiscalização sucessiva tem uma abrangência muito maior.
o Segundo o artigo 50º, nº1, é da conjugação dos 3 “Es” com o controlo da legalidade que se
pode encontrar o mérito. Aqui, remete-se, ainda, para o artigo 18º, nº2 da LEO: está-se a apelar
a juízos para a adequada e melhor utilização possível dos recursos disponíveis.
o É necessário, ainda, ter em atenção que a CGE tem também de ser aprovada pela AR. Assim,
não só está em causa o controlo efetuado pelo Tribunal de Contas; mas também o controlo
feito pela AR (artigo 66º LEO), crucial enquanto órgão que aprovou o OE.
o O Tribunal de Contas pode recorrer, no âmbito das suas competências, a empresas de auditoria
e consultores técnicos – assim, o artigo 56º da Lei nº 98/97 permite que se recorra à
especificidade de outros técnicos.
o Se, nestes exercícios de controlos, se verificaram ilegalidades ou má gestão, ativa-se a
responsabilidade financeira, reconhecida pela LEO no artigo 72º, nº3. No diploma regulador,
encontra-se uma referência este princípio fundamental, pela responsabilidade pela gestão dos
dinheiros públicos – artigo 5, nº1, alínea e).

Existe, ainda, dois grandes tipos de responsabilização:

➔ Responsabilidade reparatória: Situações em que, por exemplo, alguém, no exercício das suas
funções, desviou dinheiro – e, por isso, terá de restituir as verbas que tirou ilicitamente e reparar
os próprios danos (artigo 59º). O artigo 61º, nº5 prevê como necessário provar a culpa do agente;
e o artigo 64º demonstra que vai ser feita uma avaliação do grau de culpa, tendo em conta as suas
competências e funções, volume e fundos, etc.
o A avaliação da culpa é um exercício muito complexo pela multiplicidade de elementos que
são avaliados, o que pode justificar a dificuldade da sua efetivação.

➔ Responsabilidade sancionatória (artigos 65º e ss. da Lei nº 98/97): Tem a ver com a aplicação
de multas ao próprio órgão, em situações de ilegalidade com a gestão – que são de exclusiva
competência do Tribunal de Contas.
o Já situações que constituem prática de crime (por exemplo, o desvio de dinheiro) estão na
jurisdição do Tribunal Criminal.

União Europeia
Divisão de competências
O artigo 5º do TFUE consagra a delimitação das competências: regra geral, a UE tem
competência sobre tudo aquilo que os EMs não têm competência exclusiva. Como é que, então, se
lida com isto relativamente às políticas monetária e económica?

POLÍTICA MONETÁRIA:

Ora, por um lado, a política monetária é competência exclusiva da EU (artigo 3º, alínea c
TFUE). De notar que esta trabalha continuamente no caminho da federalização, havendo uma
delegação de competências na UE. Assim, segue-se o método comunitário: processos de tomada de
decisão na UE, no PE e no Conselho da UE. Todos os mecanismos de decisão próprios da EU são
mais transparentes e públicos (como o uso, por ex, da maioria qualificada).

Neste, a principal personagem é o Banco Central Europeu. Segundo o artigo 282º, nº1 do
TFUE, o BCE e os bancos centrais nacionais dos EMs constituem o Sistema Europeu dos Bancos
Centrais (SEBC), sendo eles que conduzem a política monetária da União. A crise das dívidas
soberanas foi em relação aos países que faziam parte da zona euro e, por isso, do Euro Sistema (ex:
Grécia que aderiu ao euro no 2004, e não em 2002, porque ainda não tinha condições). Isto acontece,
também, com relação aos 19 Estados-Membros que já estão na zona euro – são eles que têm o dizer
principal. No entanto, isto não quer dizer que quem está fora do Euro Sistema está fora das políticas
monetárias, visto que estes fazem parte das fases que antecedem a emissão de moeda.
➔ Por outras palavras, nem todos os Estados fazem parte da Zona Euro, por escolha final (ex:
Dinamarca e Reino Unido) ou transitória (que só adotaram o euro depois de atingirem os
requisitos de convergência). Ora, a esses que ainda não fazem parte, são aplicadas disposições
transitórias (artigo 139º do TFUE). Logo, a própria política monetária acaba por ser dual:
o Os EMs, que estão da Zona Euro, integram o eurossistema e têm poder de decisão nas
entidades europeias.

o Aos restantes, que estão numa fase transitória e que pretendem integrar o eurossistema, são
aplicáveis 1) as medidas da segunda fase, mas não da terceira, que diz respeito à moeda única;
e as 2) disposições transitórias da política monetária, do artigo 139.º.

NOTA: As matérias excluídas da transição são da competência dos Estados-Membros.

POLÍTICA ECONÓMICA:

Por outro lado, a política económica é competência exclusiva dos Estados-Membros, não
partilhada com a EU – tendo, no entanto, de seguir certas diretrizes dessa em matéria de governança,
nomeadamente em matéria de coordenação; o que faz com que se limite essa competência exclusiva
(Tratado de Lisboa). Ora, aqui, aplica-se o método intergovernamental, baseado na ideia de que se
irá ter de obter o consenso de todos os Estados.

Segundo o artigo 119º TFUE, tal política é “baseada na estreita coordenação das políticas
económicas dos Estados-Membros”, o que não significa que existe uma competência económica
partilhada – isto, porque há certas coisas que fazem parte da política económica, mas que os Estados
não querem abdicar, nomeadamente os impostos. Assim, e apesar de existem impostos comuns, a
política fiscal e tributária é exclusiva dos Estados-Membros.

➔ O artigo 5º, nº1 reforça a ideia de apenas coordenação, por parte da UE na política económica.

O método intergovernamental pretende que só com o acordo de todos os Estados-Membros se


consiga decidir sobre as políticas económicas. Aplica-se, aqui, a Convenção de Viena sobre a
interpretação dos tratados. Por existir esta unanimidade dos Estados, é um método mais sigiloso, não
se verificando a mesma transparência que há no método comunitário. No entanto, foi este o método
utilizado para responder à crise das dívidas soberanas.

Também o Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e


Monetária foi celebrado ao abrigo do método intergovernamental; sendo que são os próprios Estados
que decidem fazer uso dos órgãos da UE (artigo 8º), porque são soberanos para assim o fazerem.
Além de que existe um interesse da EU neste sentido, porque assim as instituições europeias, ao ser
o palco das discussões, conseguem perceber o que se passa nos Ems – sendo, assim, mais fácil, um
dia, fazer uma incorporação em direito da UE.

No entanto, esta estrutura acaba por ser esquizofrénica porque, quando aparecem problemas
na zona Euro – nomeadamente, a crise das dívidas soberanas –, os Estados-Membros acabam por ter
duas hipóteses: ou 1) atribuem as competências à UE; ou 2) fazem algo fora do quadro da UE, com
o método intergovernamental. Ora, fazendo parte da zona euro da EU, acabam por usar
maioritariamente as instituições da UE como “barriga de aluguer”, pelo que acaba por não se perder
este cariz intergovernamental.
Crise das dívidas soberanas
Aquando da crise das dívidas soberanas, o quadro da UE não estava preparado para intervir
nem remediar; mas, apenas, para prevenir problemas. Assim, para responder a esta crise, o método
utilizado foi o método intergovernamental (e não o método comunitário, em que se atribuiriam
competências à EU) – utilizando, no fundo, a UE e os seus órgãos como uma “barriga de aluguer”,
sendo soberanos para o fazerem.

Ora, quando surgiu a dívida soberana da Grécia, não bastava ter legislação para resolver este
problema – era necessário intervir no próprio mercado de capitais, para garantir a solvabilidade do
Estado-Membro. Nesse sentido, a UE já tinha um Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira
(MEEF), que faz parte do quadro legislativo da UE. No entanto, o plafom era até 60 milhões de euros,
o que não era suficiente e muito limitado.

A UE reagiu, assim, de duas maneiras na política económica:

➔ Através da intervenção no mercado de dívida pública, executada pelo BCE: Isto, já que as
dívidas soberanas (nomeadamente da Grécia e de Portugal) não tinham credibilidade perante os
investidores. Ora, foi necessário arranjar fundos monetários para poder resgatar os Estados
soberanos endividados, através da adquisição, por parte da EU, de títulos de dívida pública, como
forma de garantia, para devolver essa credibilidade.

➔ A nível regulatório e coordenação do ponto de vista jurídico, melhorando a legislação que já


estava em vigor – nomeadamente, o Pacto de Estabilidade e Crescimento: Isto, porque muitas
políticas da UE eram inadequadas para os problemas das dívidas soberanas na Zona Euro.

Além disso, queria-se evitar, nesta altura, uma crise sistémica – assim, pelo método
intergovernamental, fora do quadro da UE, os Estados-Membros resolverem criar o Fundo Europeu
de Estabilidade Financeira (FEEF) em 2011, que tem uma natureza transitória. Neste, já se previu um
plafom de 440 milhões de Euros.

A lógica deste fundo (e também do MEE, mas não do MEEF) é uma lógica de sociedades de capitais:
ou seja, depois de o fundo ser constituído, os EMs que o integram têm de pagar um determinado
valor, ficando com a participação nesse fundo no montante que pagaram – o peso depende da
quantidade de ações (seguindo a lógica das sociedades). Além disso, este será, também, enriquecido
pela emissão da dívida pública, a ser adquirida pelos investidores. Depois, através deste fundo, é
celebrado um contrato de empréstimo aos EMs que necessitem.

➔ O BCE, para atrair investidores com relação à própria dívida soberana, veio prestar, pela via
indireta, uma garantia: ou seja, na eventualidade dos títulos da dívida soberana dos países com
dificuldade não serem adquiridos (porque não têm credibilidade), o BCE ia adquirir, fazendo, no
fundo, uma conversão dos títulos de dívida pública – outright monetary transaction. Esta jogada
trouxe estabilidade aos mercados, visto que esta garantia do OMT permitiu que os investidores
tivessem confiança no facto de que aquele título seria, futuramente, liquidado – isto, porque se o
EM não cumprisse, cumpriria o BCE.

➔ No entanto, este é um empréstimo condicionado. Para o EM adquirir apoio por este fundo, e o
BCE lançar mão da OMT, tal EM terá de cumprir determinadas condições: nomeadamente,
proceder a cortes elevados na despesa pública – nomeadamente, em relação à legislação laboral e
social – submetendo-se a todo um programa que mostre a sua verificação económica. Foi, assim,
ao abrigo do FEEF que foi celebrado o Memorando de Entendimento com a Troika.
No entanto, rapidamente se percebeu que iria sempre haver Estados com problemas de
endividamento – e, por isso, seria melhor criar um mecanismo de natureza duradoura. Assim, foi
também criado o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) em 2012, seguindo-se o método
intergovernamental; pelo que foi considerado, no acórdão Pringle, uma política económica. Ou seja,
este mecanismo europeu de estabilidade foi um tratado celebrado pelos EMs da zona Euro.

O MEE veio substituir o FEEF, onde é o próprio fundo que vai comprar ao mercado secundário – já
não há emissão de OMTs pelo BCE, este dando apenas uma ajuda complementar. Enquanto o MEEF
e o FEEF prestaram assistência financeira a Portugal, Grécia e a Irlanda; o MEE foi essencialmente
para prestar assistência a Espanha e Chipre. Em 2017, houve uma proposta para integrar o MEE no
quadro da UE, tendo sido, no entanto, chumbado.

Quais são as políticas monetárias e as políticas económicas?


Relativamente a esta matéria, será necessário não esquecer o princípio da legalidade e da
atribuição: nenhuma instituição, no direito público, atua sem lei por detrás a atribuir competência
para tal. A principal sede legal da política económica e monetária está, assim, nos artigos 119º – artigo
de enquadramento, que classifica as políticas económicas e as políticas monetárias – a 139º do TFUE.

POLÍTICA MONETÁRIA:

O artigo 119º, nº2 estabelece as duas grandes matérias da política monetária: nomeadamente,
a necessidade de uma moeda única e a definição e condução de políticas monetária e cambial únicas.
As políticas cambiais são importantes, porque o euro assenta numa lógica de cabazes agregados de
moedas nacionais, em que cada EM que faz parte da Zona Euro contribui uma determinada
percentagem – logo, é importante garantir a estabilidade das taxas de câmbio, para atingir a
estabilidade dos mercados financeiros. Estas são, por isso, uma preocupação da política monetária.

Tal preocupação inclui, também, a fixação da taxa de juro de refinanciamento pelo BCE. Ora,
como é que a fixação da taxa de refinanciamento pelo BCE vai produzir efeitos concretos nos bancos
nacionais, que têm liberdade para fixar as taxas de juro? Por exemplo, o BCE está, atualmente, a
aumentar a taxa de financiamento; mas Portugal não está a acompanhar essa tendência, o que mostra
que os EMs têm certa autonomia.

Denota-se que os bancos nem sempre têm (nunca têm, realmente) o dinheiro ou liquidez para poderem
emprestar dinheiro a terceiros – assim, eles próprios têm de se refinanciar. Por isso, o BCE vem dizer
que, quando os bancos nacionais decidem contrair empréstimos, têm de pagar uma taxa de juro de
refinanciamento de x. Isto significa, essencialmente, que ao BCE também os bancos comerciais
“pedem” dinheiro.

A taxa de juros de refinanciamento do BCE irá, então, influenciar um empréstimo num banco
nacional, por exemplo, para habitação, porque o banco nacional vai ter de ter em conta: 1) o capital
– respeitante ao empréstimo –; 2) os custos da entidade bancária para conceder o empréstimo – custo
de refinanciamento, normalmente o EURIBOR –; e, ainda, 3) o spread – margem de lucro do banco.

➔ Destes três elementos, será o capital que irá influenciar mais os bancos nacionais, visto que estes
têm de ter crédito para poder conceder empréstimos; ora, como acontece muitas vezes, estes
podem ter de pedir junto de outra entidade bancária e, nesse caso, a taxa de juros vai ser fixada
pelo BCE. Nos casos em que existe liquidez, tal não terá de acontecer – mas o sistema está
montado para, na prática, haver necessidade de recorrer. Pode-se, então, dizer que a política
monetária está ligada à moeda e à taxa de câmbio, que tem a ver com o impacto nos juros.
POLÍTICA ECONÓMICA (artigos 120º a 126º):

Neste âmbito, existe uma política de mercado aberto e de livre concorrência. No entanto, e de
acordo com os artigos 123º e 130º TFUE, existe um princípio da salvaguarda da independência do
BCE, com relação à UE e aos próprios Estados-Membros. Este princípio vem dizer que o BCE não
pode receber diretrizes dos EMs e da UE (artigo 130º); e, por outro lado, que não é desejável para
este fazer o resgate e conceder empréstimos nem aos EMs nem às instituições locais (artigo 123º).
Isto porque, nas crises das dívidas soberanas, o BCE adquiriu títulos de dívida soberana de um Estado-
Membro endividado da UE – ora, isto não parece ser uma política independente, visto que o BCE,
enquanto credor máximo, passou a ter uma grande supremacia sobre os Estados-Membros.

➔ O artigo 130º parece proibir tudo o que o BCE fez na crise das dívidas soberanas, quanto à
aquisição de títulos destas dívidas – visto que o contrário tornaria (e tornou) BCE muito arbitrário,
não sendo isento ao tomar decisões acerca dos Estados-Membros que ajudou.
o Não podem receber diretrizes nem instruções dos Estados-Membros nem da própria EU; no
entanto, os titulares dos fundos são precisamente os Estados-Membros.

Nada disto está previsto nos Estatutos do BCE e, por isso, acaba por não se concretizar na
prática; aliás, nem é possível dizer que é uma competência implícita, pois estar-se-ia a ir além do
objeto estatutário (acórdão Gauweiler do TC alemão) – violação do princípio do no-bail out.

Este princípio, previsto no artigo 125º, determina que cada Estado-Membro com crise de dívidas
soberanas terá de pagar as suas próprias dívidas, não sendo a UE nem o BCE que pode assegurar o
pagamento das mesmas. As dívidas contraídas pelos Estados-Membros são problemas internos, pelo
nem a UE, nem os outros Estados-Membros têm a obrigação de os resolver, a não ser que queiram.

➔ Ora, neste acórdão, o TC disse que, a partir do momento que UE criou um fundo que é detido
pelos EMs (sendo estes responsáveis na medida em que contribuem), eles acabam por assumir,
mais cedo ou mais tarde, as dívidas do EM que precisou de ajuda. Consequentemente, também o
BCE acaba por ir além do seu próprio objetivo e das funções estabelecidas nos estatutos.
o O BCE respondeu que, sendo o objetivo da entidade manter a estabilidade do preço, ter-se-á
de se concretizar esta diretriz pela via do controlo da inflação, não ultrapassando esta os 2%.

RESUMINDO…

Os dois pilares da União Económica (matéria regida pelos EMs) e da União Monetária
(matéria exclusiva da UE) são:

1. Pilar monetário: Relativa à fixação irrevogável das taxas de câmbio entre os países, assim como
a adoção de uma única moeda (necessário para chegar à união económica). A fixação irrevogável
das taxas de cambio é necessária porque o Euro foi criado com a lógica de ser um cabaz de moedas
do somatório de todas as moedas nacionais. Ora, para este se manter estável, tem de haver a
imposição irrevogável das taxas de câmbio.

2. Pilar económico: Relativa à coordenação das políticas económicas nacionais, através do controlo
dos défices orçamentais e da dívida pública, impondo critérios de convergência que permitem
a entrada neste mercado interno com mecanismos de supervisão da comunidade europeia do
cumprimento dos mesmos.
Razão de ser da União Económica e Monetária
Apesar de haver países na EU que não adotaram o Euro, as políticas económica e monetária
são vistas como as duas faces da mesma moeda. Mas como é que se chegou a esta união?

Ora, com o relatório de Werner, na década de 70, havia o entendimento de que para existir um
mercado interno pleno, é preciso uma união económica e monetária – sendo estas ideias retomadas
em 1989, pelo presidente da Comissão Europeia, Jacke Delors.

Com base no tratado de Maastricht, e com o objetivo de consolidar um mercado interno, foram
asseguradas as quatro liberdades – nomeadamente, livre circulação de pessoas, bens, serviços e
capitais. Ora, para isso, foi necessário, consequentemente, criar uma união económica e monetária.
Aliás, os critérios de conversão económica têm como referência o PIB a preços de mercados por esta
razão. O relatório Delors propõe, ainda, a concretização desta união económica e monetária em 3
fases, para assegurar que é aceite progressivamente e residualmente.

➔ Com relação às políticas económicas, admite-se que os EMs continuem a ser soberanos; porém,
terá de haver coordenação entre todos.

➔ Com relação à política monetária, existia um sentimento para que se passasse para a federação
(modelo de federalização), com competência exclusiva da UE: para isso, houve a necessidade de
criar uma moeda única, soberania abdicada pelos EMs.

Concluindo, se as políticas monetárias são exclusivas da CEE, então aplica-se o método


comunitário. Às restantes matérias, da exclusiva competência dos EMs com
cooperação, aplica-se o método intergovernamental.

Ora, o Tratado de Maastricht adotou a recomendação deste relatório. Assim, as três fases de
Jack Delors, que foram depois implementadas nos drafters do Tratado de Maastricht, são:

1. De 1 de julho de 1990 até 31 de setembro de 1993, em que foi implementada a livre de circulação
de capitais entre os EMs.

2. De 1 de janeiro de 1994 até 31 de dezembro de 1998, em que foi adotado o Pacto de Estabilidade
e Crescimento, onde foi determinado a convergência das políticas económicas dos EMs,
coordenando os bancos comercias entre si – critérios de convergência económica, que foram
alterados em 2005, por serem demasiado rígidos.
o Criação de uma entidade bancária, que depois foi substituído pelo BCE, existindo a ideia de
que este tinha de ser independente da UE e dos EMs. O mesmo se aplica aos bancos nacionais,
que também não devem estar condicionados pelos EMs: por exemplo, o banco de Portugal
é a entidade supervisora dos bancos comerciais nacionais, dependente apenas do BCE
e não do governo de Portugal.

o Esta independência já foi questionada na situação do BES: a entidade supervisora foi o Banco
de Portugal, mas esta supervisão foi fraca – assim, a solução de dividir o BES em dois foi
inspirado nos mecanismos da UE, de lógica comunitária. Neste caso, o governo português
queria ter mais envolvimento, mas não pode, por esta razão de independência.

3. De 1 de janeiro 1999 até à atualidade, em que já se aplica a política monetária do Eurossistema


(não aderida pelo Reino Unido e Dinamarca). Esta, por sua vez ser subdividida em duas: 1) de
1999 até 2000, com a inserção da moeda única; e 2) de 2000 até à atualidade.
o Denota-se que aos países que se encontram na fase transitória são aplicadas as disposições
do 139º, não tendo um prazo para ser inseridos. Isto cria um problema, pois não se pode ter
dois sistemas: o Eurossistema e o Não Eurossistema, que quer pertencer ao primeiro.

Conclui-se, assim, que a parte monetária foi a que teve mais peso e mais relevância, porque
criou a própria base da parte económica. Existem, no entanto, duas posições sobre isto: 1) a posição
dos monetaristas – que acredita que basta criar uma moeda única para que se consiga cimentar as
políticas económicas – e 2) a posição dos economicistas – que defendem que ambas são importantes,
não sendo a política monetária que resolve/cria logo a política económica.

Mecanismos de Limitação que decorrem da Coordenação (das políticas económicas)


O Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) teve dois grandes objetivos:

1. Preventivo (artigo 121º do TFUE como base)

Segundo o nº1, as políticas económicas são de interesse comum – ou seja, há coordenação,


por excelência no Concelho (remissão para o artigo 120º). No entanto, será a Comissão a dar o
primeiro passe, submetendo uma proposta ao Conselho (nº2). O Conselho Europeu também entra
aqui, visto que os Governos do EMs também têm de mostrar o seu parecer, ficando a par da situação.
Depois, o Conselho Europeu fixa, então, quais são os objetivos dos EMs e da UE, regendo-se por
unanimidade – método intergovernamental. O CE aprova, por fim, as recomendações e depois
informa o Parlamento Europeu.

Ora, segundo o nº3, será a Comissão que apresenta as recomendações e relatórios; mas já é o
Conselho que faz o acompanhamento e a supervisão da evolução económica. Aqui, também é
requerido que os EMs intervenham, numa ideia de supervisão mútua, supervisionada pelo Conselho.

Se os objetivos previstos não forem cumpridos, a Comissão pode dirigir uma advertência ao
Estado-Membro em causa (nº4). Consequentemente, o Conselho (por recomendação da Comissão)
pode dirigir as recomendações necessárias ao EM, podendo, também, tornar públicas as suas
recomendações, se o EM não as acatar.

Denota-se que o Tratado de Lisboa adicionou o seguinte parágrafo acerca do voto do membro
do Conselho – para evitar o que a Rússia faz nas Nações Unidas (ou seja, o direito de veto). Assim,
e segundo o nº5, “O Presidente do Conselho e a Comissão apresentarão um relatório ao Parlamento
Europeu sobre os resultados da supervisão multilateral. O Presidente do Conselho pode ser convidado
a comparecer perante a competente comissão do Parlamento Europeu, se o Conselho tiver tornado
públicas as suas recomendações.” Por fim, o nº6 refere-se ao Regulamento nº 1175/2001.

2. Corretivo (artigo 126º TFUE, juntamente com os artigos 20º e 25º LEO):

No nº1 do artigo 126º, existe a ideia de Delors do controlo dos défices orçamentais excessivos.
Já no nº2, a proibição de que o défice orçamental não deve ultrapassar os 3% do PIB a preço de
mercado é dotada de exceções, nomeadamente:

➔ A Comissão está a acompanhar a situação e verifica que tem havido uma aproximação aos 3%,
substancial e continua, próxima ao valor de referência – ou seja, o EM já esta no “caminho certo”.

➔ Situações temporárias excecionais, em que o EM ultrapassa um pouco os 3%.


Além disso, e segundo a alínea b) do mesmo artigo, a dívida pública não pode exceder os 60%, exceto
se a trajetória do EM estiver a ir ao encontro do valor de referência, mais uma vez.

Hoje, efetivamente se se olhar para regulamento referente ao procedimento de défice


excessivo, conclui-se que há duas exceções aos critérios de convergência económica:

➔ Unusual events clause: Ou seja, uma cláusula de situações excecionais, pensadas para défice
orçamental e não para a dívida pública (artigo 126º, nº2 alínea a);

➔ Cláusula da derrogação geral: O Concelho propõe, face a situações exibicionais, que não se têm
de cumprir com os critérios de convergência (ex: quando começou a pandemia).

Se, no entanto, não se estiver perante esta exceções, e um país entrar em défice orçamental –
procedimento de défice excessivo:

1. A Comissão irá preparar um relatório, avaliando a situação na totalidade; podendo, ainda, preparar
tal relatório se achar que existe risco de défice excessivo, mesmo estando verificados os critérios
de convergência – considera-se a conjuntura macroeconómica e não só microeconómica, a longo
prazo (nº3).

2. O Comité Económico e Financeiro formula um parecer sobre o relatório da Comissão (nº4).

3. A Comissão informa o EM, via parecer, do facto de que há ou que pode vir a haver um défice
excessivo; assim como informa o Conselho, dado este coordenar as políticas económicas (nº5).

4. O Conselho, analisando globalmente a situação, decide se há défice excessivo (nº6). Se decidir


pela positiva, o Conselho adota, sob recomendação da Comissão, recomendações ao EM (nº7),
que começam por ser privadas.

5. Se o EM continuar em incumprimento das recomendações, as recomendações feitas são tornadas


públicas (nº8); e o Conselho fixa um prazo e nível de redução do défice, podendo, agora, pedir
relatórios periódicos ao EM (nº9).

6. Em caso de incumprimento contínuo, o Conselho pode: 1) Exigir que o EM divulgue informações


complementares antes de emitir obrigações e títulos; 2) Fazer o BCE reconsiderar a sua política
e empréstimos a este EM; 3) Exigir uma “caução” ao EM; e 4) Impor multas de importância
apropriada (nº11).

O nº10 do artigo 126º introduz uma certa debilidade, enfraquecendo o procedimento de défice
excessivo: isto, porque a expressão da soberania nacional acaba por prevalecer, já que, supostamente,
o descrito no nº1 ao nº9 não é sindicável pelo TJUE. Só será sindicável pela Comissão, pelo Concelho
e por aí fora – ou seja, pelos órgãos que intervêm neste procedimento. Por sua vez, o nº12 estabelece
que o disposto no nº6 ao nº9 pode ser revogado após consulta com o Parlamento e Comissão,
nomeadamente se deixar de existir défice excessivo.

Já o nº13 explica que “ao adotar as suas decisões ou recomendações a que se referem os nº8, 9, 11 e
12, o Conselho delibera por recomendação da Comissão. Ao adotar as medidas previstas nos nºs 6 a
9, 11 e 12, o Conselho delibera sem ter em conta o voto do membro do Conselho que representa o
Estado-Membro em causa. A maioria qualificada dos outros membros do Conselho é definida nos
termos da alínea a) do nº3 do artigo 238º”. Por outro lado, e segundo o nº14, “o Protocolo relativo ao
procedimento aplicável em caso de défice excessivo, anexo aos Tratados, contém outras disposições
relacionadas com a aplicação do procedimento descrito no presente artigo. O Conselho, deliberando
por unanimidade, de acordo com um processo legislativo especial, e após consulta do Parlamento
Europeu e do Banco Central Europeu, aprovará as disposições apropriadas, que substituirão o referido
Protocolo. Sem prejuízo das demais disposições do presente número, o Conselho, sob proposta da
Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu, estabelecerá regras e definições para a aplicação
das disposições do citado Protocolo”.

Estes mecanismos são considerados complexos e muito pouco funcionais; assim como se
considera que, atualmente, existem práticas em direito secundário que contrariam tais disposições
jurídicas. Por exemplo, uma das grandes críticas do Tratado de Lisboa – direito primário e
institucional – é que, quando foi adotado em 2009, não atendeu a uma série de práticas que estavam
já a existir nesse direito secundário – por exemplo, em instituições europeias como o Tribunal de
Justiça e a Comissão, que têm uma vivencia muito avançada, com práticas muito próprias assentes na
legislação secundária.

Apresentação de um Case Study da Crise da Dívida Soberana. O impacto das crises


da dívida soberana na zona euro – o efeito sistémico
Esta análise tem como objetivo observar as consequências e efeitos sistémicos da crise das
dívidas soberanas, assim como verificar quais as soluções propostas e adotadas.

Neste caso, o país A adquiriu, antes da crise financeira mundial, um montante considerável de
produtos financeiros tóxicos: estes são “manhosos”, mas prometem imensos dividendos, existindo ou
um grande retorno ou uma grande perda – ora, isto significa que os Bancos correm um sério risco de
incumprimento junto aos respetivos investidores. Como consequência, a dívida pública do País A
aumentou desmesuradamente, ficando comprometida a sua liquidez.

➔ “(…) auxiliando financeiramente aqueles bancos comerciais, resgatando-os” – ou seja,


concedendo empréstimos, sendo que, para isso, foi necessário um empréstimo, também; pelo que
o “país A decidiu emitir, um montante elevado, de títulos da dívida pública.”

Por outro lado, o país B já estava com grandes dívidas, tapando dívida pública atrás de dívida
pública com a emissão de títulos – ou seja, com a contração de outra dívida pública. Ora, para além
de necessitar do mercado recorrentemente para se financiar, tal obtenção de financiamento junto aos
mercados ficou muito difícil, porque os empréstimos diretos junto aos bancos comerciais tornaram-
se mais caros e, até, impossíveis de contrair. Existiu, ainda, uma desconfiança dos investidores em
relação à dívida pública, recenado que o país B não honrasse os seus compromissos.

Ora, “quando o público teve perceção das dificuldades vividas pelo País B os investidores privados
entraram em pânico. Ninguém quis adquirir os seus títulos da dívida pública que, de resto, foram
avaliados pelas empresas de rating, como lixo. Para fazer face a esta dificuldade, por continuar a
precisar de financiamento, o País B decidiu aumentar a taxa de juro com relação aos títulos da dívida
pública”. No entanto, tal solução traz problemas: nomeadamente, se se vai prometer fundos ao
mercado, vai chegar a um ponto em que o país não vai conseguir pagar ao mercado com as taxas de
juro que prometeu, colapsando (caso de Portugal) – estas são, assim, “incomportavelmente onerosas”.
Assim, esta impossibilidade de pagamento impossibilitará o acesso aos mercados do País B.

Ora, sendo A e B EMs, procede-se ao seu resgate, visto que a sua situação económica afeta a
credibilidade de toda a Zona Euro; além de que as economias destes países terem obrigações perante
os bancos dos restantes países da zona euro – estando os investidores, também, preocupados com a
própria solvabilidade destes membros a quem se deve.

Ou seja, se os bancos comerciais do país C, por exemplo, decidiram adquirir um elevado montante
da dívida pública do País B, um eventual incumprimento daquele país tem graves repercussões na
economia do País C. Como se compreende, os cidadãos de outros países olham para a perspetiva de
um potencial resgate dos Países A e B, sob perspetivas muito diferentes: nomeadamente, os cidadãos
residentes no País C não ficam felizes por o dinheiro dos seus impostos serem aplicados nos resgates
dos Países A e B, entendendo que não devem pagar a “conta” dos países que não souberam fazer uma
gestão prudente das suas contas e, por isso, gastaram mais do que deviam. Por outro lado, estes têm
ainda receio que, após o resgate, aqueles países voltem, novamente, a reincidir naquelas más práticas,
pois têm a expectativa de obterem, outra vez, ajuda gerando-se, por isso, um ciclo vicioso [Holanda:
“os países latinos só querem copos e mulheres”].

No entanto, os cidadãos dos países A e B esperam que a palavra União de União Europeia signifique
alguma coisa, e que não seja só para enfeite: “No seu entendimento uma União, no verdadeiro sentido
da palavra, não deve apenas existir quando a economia está de boa saúde. Por sua vez acrescentam,
ainda, que os países mais ricos da zona euro (no qual se encontra incluído o País C) muito
beneficiaram das vantagens concedidas pelo mercado único e da UEM”.

Concluindo, foi, de facto, dado o financiamento necessário, mas sob algumas condições que
os cidadãos dos países A e B consideraram draconianas e injustas (“Assumiram obrigações
conducentes a reformas económicas austeras e com elevados cortes na despesa pública.”) – passando
estes a falar mal do governo do pais C nos media.

Isto fez com que se adotassem várias medidas: “a UE decidiu reforçar e implementar, nesta
matéria [comportamento dos agentes bancários], uma regulamentação mais harmonizada” e
“começou a entender-se que nenhum membro da Zona Euro deve chegar à situação extrema em que
se encontrou o País B, antes da decisão de resgate.”

➔ O PEC deveria ter evitado que o País B acumulasse um volume, tão elevado, da dívida pública.
Contudo, o Pacto nunca foi, convenientemente, imposto e todas as entidades disso tinham
conhecimento. Logo, importa rever o PEC e, ao fazê-lo, adotar novas medidas para garantir que
as sanções são aplicadas sempre que um EM ultrapasse o limite da dívida pública ou do défice
orçamental, previsto no mesmo.

“Nesse sentido foram, por isso, previstas um conjunto de medidas para melhorar a supervisão. Isto
leva a que, anualmente, os EM tenham a obrigação de enviar relatórios a reportar o estado da sua
economia e, ainda, as suas propostas de orçamento para o ano seguinte, à Comissão.” “Por sua vez,
a Comissão, assente nesses relatórios dos EM, irá elaborar um relatório, para cada EM, com
recomendações específicas (ex: dever de reformar o sistema de pensões, a necessidade de cortar
salários no setor público e a determinabilidade do OMP – Objetivo a médio prazo –, etc.).”

Assim, “se um EM se encontra numa situação difícil, seja pelo défice excessivo ou por causa de
desequilíbrios na sua economia, deverá ser colocado sob especial supervisão e, se incumprir pode
ser, com efeito, alvo de sanções.”

Estas consequências, no entanto, geram consequências em si mesmas. Por um lado, alguns


governos argumentam que tal resgate vai contra a soberania nacional de cada EM, “que a intervenção
da Comissão não é democrática, e, por sua vez, os seus cidadãos discordam das medidas postas por
Bruxelas.” Por outro lado, “outros governos de EM, em conjunto com a Comissão, entendem que este
tipo de controlo é necessário perante a crise vivida, e que, por sua vez, o Euro e a UEM não têm
futuro sem aquelas medidas.”
Apreciação do Acórdão do Tribunal de Justiça Thomas Pringle c Goverment of Ireland
e Outros – C-370/2012-ECLI:EU:C:2012:756
Este acórdão é importante porque: 1) clarifica, até certo ponto, a relação existente entre os
mecanismos intergovernamentais e os tratados da EU – ou seja, porque é que os primeiros utilizam a
UE como “barriga de aluguer”; 2) esclarece se os EMs podem alocar à UE determinadas tarefas; 3)
permite esclarecer a interpretação do TFUE, nomeadamente sobre o direito primário; e 4) aborda
praticamente tudo o que foi dado relativamente a esta matéria.

Assim, a questão legal colocada pelo Tribunal da Irlanda visa o senhor Pringle: “O pedido de
decisão prejudicial tem por objeto, por um lado, a validade da Decisão 2011/199/UE do Conselho
Europeu, de 25 de março de 2011, que altera o artigo 136° do Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia no que respeita a um mecanismo de estabilidade para os Estados‐Membros cuja
moeda seja o euro (...)”.

Segundo este, “o artigo 1° da Decisão 2011/199 dispõe: «Ao artigo 136° do Tratado [FUE] é aditado
o seguinte número: 3. Os Estados‐Membros cuja moeda seja o euro podem criar um mecanismo de
estabilidade a acionar caso seja indispensável para salvaguardar a estabilidade da área do euro no
seu todo. A concessão de qualquer assistência financeira necessária ao abrigo do mecanismo ficará
sujeita a rigorosa condicionalidade.».

Ora, “este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso de uma sentença da High Court (Irlanda),
interposto por T. Pringle, membro do parlamento irlandês, contra o Government of Ireland, Ireland
e Attorney General e destinado a obter a declaração, por um lado, de que a alteração do artigo 136.°
TFUE pelo artigo 1.° da Decisão 2011/199 constitui uma alteração ilegal do Tratado FUE e, por
outro, de que, ao ratificar, aprovar ou aceitar o Tratado que cria o Mecanismo Europeu de
Estabilidade entre o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, a República da Estónia, a
Irlanda, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, a
República de Chipre, o Grão‐Ducado do Luxemburgo, Malta, o Reino dos Países Baixos, a República
da Áustria, a República Portuguesa, a República da Eslovénia, a República Eslovaca e a República
da Finlândia, celebrado em Bruxelas, em 2 de fevereiro de 2012 (a seguir «Tratado MEE»), a Irlanda
assumiu obrigações incompatíveis com os Tratados em que se funda a União Europeia.”

Conclui-se, neste, que “o exame da primeira questão não revelou nenhum elemento suscetível de
afetar a validade da Decisão 2011/199/UE do Conselho Europeu, de 25 de março de 2011, que altera
o artigo 136° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia no que respeita a um
mecanismo de estabilidade para os Estados-Membros cuja moeda seja o euro”.

Fala-se, neste acórdão, ainda do Tratado MME, em que as partes são os Estados-Membros
cuja moeda seja o euro. Assim, “o artigo 3° do Tratado MEE descreve a missão deste, cuja
capacidade de financiamento máxima é fixada inicialmente em 500 mil milhões de euros pelo artigo
39.° deste Tratado, nos seguintes termos: «O MEE tem como missão reunir fundos e prestar apoio
de estabilidade, sob rigorosa condicionalidade, adequada ao instrumento financeiro escolhido, em
benefício de membros do MEE que estejam a ser afetados ou ameaçados por graves problemas de
financiamento, se tal for indispensável para salvaguardar a estabilidade financeira da área do euro
no seu todo e dos seus Estados‐Membros. Para o efeito, o MEE fica autorizado a reunir fundos
através da emissão de instrumentos financeiros ou da celebração de acordos ou convénios
financeiros ou de outra natureza com os membros do MEE, instituições financeiras ou terceiros.»”.

Por outras palavras, a grande missão do MEE é atuar, também, como um mecanismo de estabilidade.
Aliás, o artigo 12º do Tratado MEE mostra a mesma coisa – que, se for indispensável para a
salvaguarda da “estabilidade financeira da área do euro no seu todo e dos seus Estados-Membros, o
MEE pode prestar apoio de estabilidade a membros do MEE (...)”, sendo essa estabilidade
condicionada aos memorandos de entendimento que vimos anteriormente.

➔ O artigo 8º, nº5 do Tratado MEE, por sua vez, dispõe que a lógica é a de uma sociedade de capitais.

É importante, no entanto, perceber os factos na origem do litígio no processo principal e


questões prejudiciais. “T. Pringle alegou que, ao ratificar, aprovar ou aceitar o Tratado MEE, a
Irlanda assumiu obrigações contrárias às disposições dos Tratados UE e FUE em matéria de política
económica e monetária e usurpou diretamente as competências exclusivas da União no que respeita
à política monetária. Ao instituir o MEE, os Estados‐Membros cuja moeda é o euro criaram para si
próprios uma instituição internacional autónoma permanente, com o objetivo de contornar as
proibições e as restrições decorrentes das disposições do Tratado FUE relativas a política
económica e monetária. Por outro lado, o Tratado MEE confere às instituições da União novas
competências e missões incompatíveis com as respetivas funções, conforme definidas nos Tratados
UE e FUE. Por último, o Tratado MEE é incompatível com o princípio geral da tutela jurisdicional
efetiva e com o princípio da segurança jurídica.”

Por outras palavras, de certa forma, estes EMs estão a criar mecanismos exteriores que visam
concretizar as competências exclusivas ou partilhadas da UE, parecendo que, aqui, estes EMs querem
fugir às obrigações que têm perante a UE. Ademais, os EMs fazem uso da União Europeia para
realizar estas tarefas e concretizar estes mecanismos – usam a UE como “barriga de alugar”.

Por último, tal fenómeno pode, ainda, violar a Carta dos Direitos Fundamentais da EU: A criação do
MEE, fora da ordem jurídica da União, podia ter como efeito excluir o MEE do âmbito de aplicação
da Carta. Logo, a pergunta a fazer pelo Tribunal era se a criação do MEE infringia o artigo 47° da
Carta, que garante a qualquer pessoa uma tutela jurisdicional efetiva.

No entanto, o Tribunal conclui que não. O artigo 51º, nº1 da Carta estabelece que as
disposições da mesma têm por destinatários os Estados-Membros apenas quando aplicam o DUE.
“Ora, há que sublinhar que os Estados‐Membros não aplicam o direito da União, na aceção do
artigo 51º, n°1, da Carta, quando criam um mecanismo de estabilidade como o MEE, para cuja
criação, como resulta do n°105 do presente acórdão, os Tratados UE e FUE não atribuem nenhuma
competência específica à União”. Basicamente, questiona-se se a Decisão 2011/199 usurpa a
competência da União nos domínios da política monetária (competência exclusiva da UE) e da
coordenação das políticas económicas dos Estados‐Membros?

“Por conseguinte, há que determinar, em primeiro lugar, se a Decisão 2011/199, ao alterar o artigo
136° TFUE aditando‐lhe um n° 3 que prevê que «[o]s Estados‐Membros cuja moeda seja o euro
podem criar um mecanismo de estabilidade», confere aos Estados‐Membros uma competência no
domínio da política monetária no que respeita aos Estados‐Membros cuja moeda seja o euro. Com
efeito, se assim fosse, a alteração do Tratado em causa usurparia a competência exclusiva da União
prevista no artigo 3°, n°1, alínea c).”

➔ O tribunal vai analisar quais são os objetivos que este mecanismo visa prosseguir e se estes se
enquadram nos objetivos da política monetária. Se não se enquadrarem, não há problema algum
para o TJUE; mas, se se enquadrarem, vão chocar contra as competências exclusivas que a UE
tem sobre a política monetária dos EMs pertencentes ao Euro sistema.

Ora, “no que respeita ao objetivo prosseguido pelo referido mecanismo, que é a preservação da
estabilidade da zona euro no seu todo, este é claramente distinto do objetivo de manter a estabilidade
dos preços, que constitui o objetivo primordial da política monetária da União” – isto, por força dos
artigos 127º, nº1 e 282º, nº2. No máximo, a estabilidade da zona euro poderia ter repercussões (efeitos
indiretos) na estabilidade da moeda utilizada nessa zona; mas os dois objetivos não se sobrepõem.
Assim, “o mecanismo de estabilidade cuja criação está prevista no artigo 1° da Decisão 2011/199
constitui um elemento complementar do novo quadro regulamentar para o reforço da governança
económica da União”. Ora, o mecanismo de governança é coordenação, logo é política económica,
dado que “visa consolidar a estabilidade macroeconómica e a viabilidade das finanças públicas”. “A
criação do mecanismo de estabilidade visa gerir as crises financeiras que, apesar das ações
preventivas tomadas, possam, no entanto, surgir” – medidas preventivas essas que estão no capítulo
do TFUE, relativo à política económica (designadamente, os artigos 123º a 125º).

Por isso, “deve concluir‐se que a criação do referido mecanismo faz parte do domínio da
política económica” – e, consequentemente, que o mecanismo não é suscetível de afetar a
competência exclusiva da UE no domínio da política monetária.

Ou seja, neste acórdão, 1) o tribunal verifica se o objetivo do Tratado é da competência exclusiva da


UE; 2) diz que não e explica porquê: este é mecanismo governativo, integrando a política económica;
3) conclui, então, que não usurpa as competências exclusivas da UE.

Será que afeta, no entanto, a competência da União no domínio da coordenação das


políticas económicas? Ora, por um lado, a União não tem competência específica para instituir um
mecanismo de estabilidade nos Tratados; por outro, o artigo 122º, nº2 do TFUE apenas permite
assistência financeira pontual, o que choca com o carácter permanente do mecanismo. Além disso, o
artigo 143º, nº2 do TFUE apenas fala de assistência mútua a um EM pela UE quando a moeda não
for o euro.

➔ Não se pode falar, aqui, do artigo 352º TFUE, porque a União não exerceu a sua competência ao
abrigo deste artigo, nem tem nenhuma obrigação de agir segundo ele.

“No entanto, os referidos Estados‐Membros não podem deixar de respeitar o direito da União no
exercício das suas competências nesse domínio. Ora, a rigorosa condicionalidade a que está sujeita
a concessão de uma assistência financeira pelo mecanismo de estabilidade, por força n°3 do artigo
136° TFUE, que constitui a disposição que é objeto da revisão do Tratado FUE, visa assegurar que,
no seu funcionamento, este mecanismo respeitará o direito da União, incluindo as medidas tomadas
pela União no âmbito da coordenação das políticas económicas dos Estados‐Membros”. Assim, por
estes serem Estados-Membros, devem sempre obedecer ao DUE.

Concluindo, o MEE foi mais além e atribuiu competências, missões, a organismos da própria
UE – BCE e Comissão. O TJUE assumiu que isto é possível, porque é matéria de mera coordenação,
logo é uma mera política económica. No entanto, isto não aumenta as competências atribuídas à União
Europeia pelos Tratados.

Já quanto ao mérito, mais uma vez, pretende-se saber se o mecanismo de estabilidade


instituído pelo Tratado de MEE faz parte da política monetária. Isto, porque os Tratados em que se
funda a União conferem ao BCE o poder exclusivo de regular a massa monetária na Zona Euro. “Estes
últimos Tratados não permitem que uma segunda entidade exerça essas funções e atue paralelamente
ao BCE, fora do quadro da ordem jurídica da União. Por outro lado, o aumento da massa monetária
teria uma influência direta na inflação. Por consequência, as atividades do MEE poderiam ter um
impacto direto na estabilidade dos preços na zona euro, o que afetaria o próprio núcleo central da
política monetária da União”.

Como visto, “as atividades do MEE não fazem parte da política monetária”. O MEE não prossegue
política monetária, ele apenas concede assistência de financiamento – ou seja, este não fixa as
taxas de juro (que são determinadas pelo BCE), pelo que não prossegue a política da estabilidade dos
preços. As atividades do MEE podem, de facto, influenciar o nível da inflação; mas isso é uma
consequência indireta. Este tratado apenas visa, como consequência direta, dar assistência financeira
– mesmo que essa tenha impacto na política monetária, dos preços, tal será uma mera externalidade.

Logo, “os artigos 3°, n°1, alínea c), TFUE e 127° TFUE não se opõem à celebração, entre
os Estados‐Membros cuja moeda seja o euro, de um acordo como o Tratado MEE nem à ratificação
deste por esses Estados” – isto, porque não faz parte da competência exclusiva da UE, mas sim das
competências económicas, tal como diz o artigo 136º, nº3.

No entanto, o artigo 3º, nº2 do TFUE dispõe que a União tem “competência exclusiva para
celebrar acordos internacionais quando tal celebração [...] seja suscetível de afetar regras comuns
ou de alterar o alcance das mesmas”. Assim, o Tratado pode não ser política monetária, mas é um
acordo internacional suscetível de afetar as regras comuns da política monetária e económica – tendo,
aqui, a UE competência exclusiva para celebrar estes acordos internacionais.

Ora, não há nenhuma disposição da UE que a obrigue ou que lhe confira uma competência específica
para adotar um mecanismo de estabilidade permanente como o MEE – esta só o faz se quiser, e não
de forma obrigatória. Mesmo as situações do artigo 122º, em que a UE pode pontualmente conceder
ajuda a um EM, não entram aqui em colisão: as duas realidades podem conviver em harmonia, porque
são da competência económica, pelo que pode existir esta estrutura dual.

Outro argumento feito pelo órgão jurisdicional de reenvio é que “o Tratado MEE usurpa o
poder do Conselho da União Europeia de adotar recomendações nos termos do artigo 126° TFUE
e, em particular, se a «condicionalidade» prevista no Tratado MEE é o equivalente das
recomendações previstas nesta disposição”. No entanto, denota-se, aqui, os Estados-Membros são
competentes para celebrar, entre si, um acordo que cria um mecanismo de estabilidade, com respeito
pelo DUE. Mais uma vez, o MEE não tem por objeto a coordenação das políticas económicas – este
é só um mecanismo de financiamento, que reúne fundos e presta apoio de estabilidade (artigos 3º e
12º, nº1 do Tratado MEE).

Ou seja, embora “a assistência financeira prestada a um Estado‐Membro, membro do MEE, está


sujeita a uma rigorosa condicionalidade, adaptada ao instrumento financeiro escolhido, que pode
assumir a forma de um programa de ajustamento macroeconómico, a condicionalidade prevista não
constitui, no entanto, um instrumento de coordenação das políticas económicas dos Estados‐
Membros, visando antes assegurar a compatibilidade das atividades do MEE, designadamente, com
o artigo 125° TFUE e as medidas de coordenação tomadas pela União”. Com efeito, resulta do artigo
13°, n°4 “que a Comissão, antes de assinar o memorando de entendimento que define a
condicionalidade que acompanha o apoio de estabilidade, deve verificar se as condições impostas
são plenamente compatíveis com as medidas de coordenação das políticas económicas”.

Já quanto ao artigo 123º TFUE, este proíbe a concessão de créditos pelo BCE ou pelos bancos
centrais dos Estados-Membros (destinatários da norma), bem como a compra direta de títulos de
dívida a essas entidades. Ora, a concessão de uma assistência financeira por um Estado‐Membro ou
por um conjunto de Estados‐Membros a outro Estado‐Membro não está, portanto, abrangida pela
referida proibição. Ou seja, no caso do mecanismo, é o MEE ou os Estados-Membros que atuam por
intermédio do MEE – pelo que o artigo 123º não lhes é aplicável.

Quanto ao artigo 125º TFUE (cláusula de “não resgaste”), a proibição descrita não equivale
a uma proibição de assistência financeira – como se sabe, o artigo 122º, nº2, por exemplo, prevê
precisamente que a União pode conceder ajuda financeira pontual em determinadas situações. “Com
efeito, a proibição enunciada no artigo 125° garante que os Estados‐Membros, quando contraem
dívidas, permanecem sujeitos à lógica do mercado, que deve incitá‐los a manter uma disciplina
orçamental. Ao nível da União, o respeito pela disciplina orçamental contribui para a realização de
um objetivo superior – a manutenção da estabilidade financeira da União Monetária”.
Assim, “tendo em conta este objetivo prosseguido pelo artigo 125° TFUE, importa considerar que
esta disposição proíbe a União ou os Estados‐Membros de concederem uma assistência financeira
que pudesse ter por efeito desincentivar o Estado‐Membro beneficiário dessa assistência de seguir
uma política orçamental sã. (...) A ativação de uma assistência financeira ao abrigo de um
mecanismo de estabilidade como o MEE só é compatível com o artigo 125° TFUE na medida em que
se revele indispensável para preservar a estabilidade da zona euro no seu todo e esteja sujeita a
condições rigorosas”. Ora, o MEE não garante as dívidas do EM beneficiário: este último continua
a ser responsável pelos seus compromissos financeiros. Há, inclusive, a criação de uma nova dívida
para com o MEE – segundo os artigos 14º e 16º, o MEE é reembolsado pelo EM beneficiário.

Conclui-se, então, que tal resgate é possível, porque é fundamental para garantir uma política
orçamental sã. Ou seja, se o grande objetivo deste artigo é o de ter políticas orçamentais
equilibradas, o TJUE permite esta possibilidade de apoio financeiro, de resgate.

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