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NOÇÕES DE DIREITO

TRIBUTÁRIO E CÓDIGO DE
PROCESSO TRIBUTÁRIO
AULA 1

Prof.ª Fernanda Adams


CONVERSA INICIAL

Introdução ao direito tributário

Para iniciarmos nosso estudo acerca do direito tributário, faz-se


necessário compreendermos o conceito de direito tributário e sua relação com
os demais ramos do direito. Na sequência, iremos abordar a configuração do
sistema jurídico tributário, compreendendo as normas que integram o sistema e
a hierarquia existente, para, então, analisarmos a legislação tributária, suas
fontes e seus pressupostos de vigência e validade.

TEMA 1 – CONCEITO DE DIREITO TRIBUTÁRIO

Antes de adentrarmos nos conceitos de direito tributário, é preciso


compreendermos a relação do direito tributário com os demais ramos do direito,
bem como quais são suas fontes.

1.1 Atividades do Poder Público, direito financeiro e direito tributário

Para compreendermos o direito tributário é necessário, antes de tudo,


entender todos os aspectos relacionados à tributação, que vão muito além da
simples ideia de tributos e obrigações perante o fisco. Como é sabido, o tributo
é a principal fonte de custeio do Estado, de modo que toda despesa realizada
pelo Poder Público pressupõe a existência de uma receita, destinada ao custeio
das atividades desenvolvidas. Consequentemente, para que os entes públicos,
compreendidos como União, estados, Distrito Federal e municípios, executem
suas atividades, eles precisam executar as chamadas despesas públicas. Por
conta disso, é muito comum a existência de uma confusão entre direito tributário
e direito financeiro.
Nesse contexto, segundo Afirma Luiz Emygdio F. da Rosa Junior (2009,
p. 34), será o direito financeiro responsável pelo estudo do “[...] ordenamento
jurídico das finanças do Estado e as relações jurídicas decorrentes de sua
atividade financeira e que se estabeleceram entre o Estado e o particular”. Quer
dizer, é a partir do direito financeiro que será analisada a realização das
despesas públicas e a obtenção de receitas, ou seja, quanto o Estado arrecada,
quanto ele gasta e como destina os seus recursos.

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Por conta de seu objeto, o direito financeiro não é sinônimo de direito
tributário. Ambos são ramos apartados. Enquanto o direito financeiro se ocupa
da atividade de gestão financeira, o direito tributário irá se ocupar da obrigação
tributária. É o direito tributário que irá regular a atividade arrecadatória do
Estado e a relação entre Poder Público e contribuintes. De acordo com Hugo
de Brito Machado (2004, p. 63), “O Direito Tributário é o ramo do Direito que se
ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas às imposições
tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo
o cidadão contra os abusos desse poder.”
Como se pode imaginar, a relação jurídica tributária, justamente por
envolver uma imposição do Estado perante os particulares, exigindo uma parcela
de sua riqueza, não pode ser uma relação que não possua uma extensa
regulamentação, até para se evitar abusos e atividades confiscatórias. Assim, o
direito tributário consiste no conjunto de normas e princípios que irão nortear a
disciplinar a atuação do Poder Público na instituição e na cobrança de tributos e
na atividade fiscalizatória que daquelas deriva.
Em resumo, o direito tributário é o arcabouço normativo que permite o
ingresso de receita nos cofres públicos, enquanto o direito financeiro perpassa o
que ocorre após esse ingresso de receita.

1.2 Da relação do direito tributário com os outros ramos do direito

Por conta de sua dinâmica normativa, além do direito financeiro, o direito


tributário acaba por se relacionar com outros ramos do direito. O primeiro deles
é o direito constitucional. Isso porque toda regra formativa do sistema jurídico
tributário (direito tributário) terá seu cerne, sua base de fundamento na
Constituição Federal (Brasil, 1988). Será no texto constitucional que
encontraremos, por exemplo, as espécies de tributos a serem arrecadados. Da
mesma forma, também ali encontraremos os princípios, as limitações à atuação
do Estado e os direitos e garantias fundamentais dos contribuintes. Em síntese,
será a Constituição Federal o fundamento de validade de todo o direito tributário.
Qualquer dúvida sobre validade e legitimidade de determinado comando
normativo só poderá ser sanada com respaldo no texto constitucional. É a
Constituição todo o fundamento de validade da atividade de tributação, que vai
desde a competência dos entes políticos até a regulamentação das normas
tributárias.
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Além do direito constitucional, o direito administrativo também está
relacionado ao direito tributário, por conta do fato de o Estado ser um dos entes
dessa relação. Qualquer relação jurídica que envolva o Estado (compreendido
como o Poder Público) sempre será pautada pelo direito administrativo.
Consequentemente, o direito tributário também será regido pelos preceitos
administrativos.
Ademais, o direito tributário também se relaciona com outros ramos, como
o direito empresarial, o civil, o penal etc., na medida em que, ao regular
determinadas situações, acaba por utilizar conceitos e regramentos próprios dos
outros ramos. Por exemplo, o conceito de lucro e propriedade advém do direito
civil. Já a tipificação dos crimes contra a ordem tributária serão objeto do direito
penal, e os procedimentos cíveis e penais serão regidos pelo direito processual
civil e pelo direito processual penal.
Portanto, o direito tributário, apesar de consistir em um ramo autônomo,
atua em conjunto com os demais ramos do ordenamento jurídico, configurando
assim o sistema constitucional tributário.

TEMA 2 – O SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

O conceito de sistema inicialmente está ligado à ideia de um conjunto de


elementos individualizados, que se relacionam entre si, integrados a uma
realidade maior. Tal estrutura é adotada pelo sistema jurídico, cuja formação se
dá por meio das normas jurídicas. Contudo, o sistema jurídico não é um conjunto
de normas ordenadas em um mesmo plano e sim uma construção escalonada
de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas, na qual, segundo afirma
Hans Kelsen (1998, p. 155), “[...] a Constituição representa o escalão de Direito
Positivo mais elevado”.
Portanto, o ordenamento jurídico nada mais é do que um sistema, formado
por normas, que se relacionam entre si, segundo uma hierarquia, no qual a lei
maior, o fundamento último, será a Constituição Federal. Compondo o todo
desse sistema normativo, há subsistemas, tidos como parciais, que versam
sobre diversas matérias. Nesse contexto, segundo afirma Geraldo Ataliba (1966,
p. 20), o sistema constitucional é formado por normas constitucionais, e “o
conjunto de normas da Constituição que versa matéria tributária forma o sistema
(parcial) constitucional tributário”.

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A Constituição Brasileira contém inúmeros dispositivos que tratam sobre
a matéria tributária, isso porque o legislador constituinte não se restringiu a tratar
apenas dos aspectos mais relevantes para uma Constituição (Brasil, 1988),
conforme afirma Geraldo Ataliba (1966, p. 20):

O sistema constitucional tributário brasileiro é o mais rígido de quantos


se conhece, além de complexo e extenso. Em matéria tributária tudo
foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o sistema,
entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe
somente obedecê-lo, em nada podendo contribuir para plasmá-lo.

O legislador constituinte brasileiro prescreveu exaustivamente os casos


em que os entes políticos poderiam exercer a tributação, esgotando na
Constituição a matéria tributária e delegando ao legislador ordinário apenas a
função de regulamentar. O sistema tributário brasileiro, portanto, foi totalmente
moldado pelo legislador constituinte, que não possibilitou a leis ordinárias
criarem coisa nenhuma ou até mesmo introduzir variações, em matéria tributária,
que não estivessem expressamente previstas no texto constitucional.
Ao mesmo tempo que a Constituição Federal outorgou ao Estado o poder
de tributar, ela também preservou os direitos dos particulares, sujeitos passivos
das obrigações tributárias, por meio de limitações baseadas em certos princípios
e imunidades (Brasil, 1988). As normas jurídicas tributárias possuem uma
grande carga axiológica, pois não tratam apenas de tributos, mas, também, de
valores. Quando se fala em sistema constitucional tributário, há uma incidência
de dois tipos diferentes de normas ao mesmo tempo: as normas referentes à
tributação e as referentes aos direitos individuais, que deverão todas serem bem
ponderadas, para sua melhor aplicação.
Além disso, no sistema constitucional tributário existem quatro plexos
normativos, quatro fontes de normas, quais sejam: leis municipais, leis
estaduais, leis federais e leis nacionais. Destarte, ainda, que, nesse contexto de
plexos normativos, a Constituição Federal discriminou rigidamente a
competência tributária, estabelecendo o âmbito de atuação de cada ente
federado, na imposição tributária.

TEMA 3 – FONTES DO DIREITO TRIBUTÁRIO

A expressão fontes do direito tributário se refere aos elementos que


instituem e dão origem ao ordenamento jurídico tributário. No direito tributário,
essas fontes estão divididas em fontes formais e fontes materiais.

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Segundo Eduardo Sabbag (2015, p. 281), as fontes formais “[...]
correspondem ao conjunto das normas de direito tributário, estando inseridas no
art. 96 do CTN, sob o rótulo de ‘legislação tributária’”. A redação do art. 96 do
Código Tributário Nacional (CTN) prevê: “A expressão ‘legislação tributária’
compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e
as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e
relações jurídicas a eles pertinentes” (Brasil, 1966). Entretanto, devemos
considerar que o conceito de legislação tributária não deve ser confundido com
o conceito de lei tributária. O primeiro diz respeito a uma espécie das fontes
formais; já o segundo é mais amplo e compreende toda e qualquer norma que
regule o direito tributário.
Por sua vez, as fontes materiais são pressupostos que integram a norma
jurídica e definem o fato gerador da obrigação tributária. De acordo com o art.
114 do CTN (Brasil, 1966), essa situação é definida em lei como necessária e
suficiente para sua ocorrência. Assim, “a situação é sempre um fato, descrito de
forma abstrata e genérica na norma legal, que, uma vez ocorrida em concreto
opera-se o fenômeno da subsunção do fato à hipótese legal prevista, isto é, gera
a obrigação de pagar o tributo” (Carota, 2020, p. 44).
Como visto anteriormente, a lei é a principal fonte do direito tributário;
contudo, compondo o ordenamento jurídico tributário há diversos instrumentos
normativos. São eles:

a. Constituição Federal
b. Lei ordinária
c. Medidas provisórias
d. Leis delegadas
e. Resoluções e decretos legislativos
f. Decretos regulamentares
g. Tratados e convenções internacionais
h. Normas complementares: atos normativos, decisões administrativas,
práticas reiteradas e convênios

Na legislação há uma ordem hierárquica segundo a qual a Constituição


Federal é o pressuposto máximo de validade, ou seja, será ela que irá validar os
demais instrumentos normativos.

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TEMA 4 – INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI TRIBUTÁRIA

Já estabelecida como a fonte essencial do direito tributário, a lei é um


construto complexo, pois não somente consegue exprimir na linguagem um
imperativo de comando, mas também contém contextos e sentidos próprios. Em
que pese não seja possível verificar isso a olhos nus, em cada letra,
minuciosamente colocada, há sempre sangue, suor e lágrimas. Como uma
finalidade normativa comportamental, a lei irá abraçar toda uma atividade social
determinada (e determinável), pela qual as ações (positivas e negativas) serão
reguladas, parametrizadas e hierarquizadas. Assim sendo, de frio nada tem esse
tipo de texto.
Naturalmente, o processo mental de pesquisa de seu real significado, ou
seja, sua interpretação, é algo de extrema dificuldade, uma vez que a lei, ao
mesmo tempo que capta um recorte da realidade, ela o suspende no tempo,
sendo fácil que um seu intérprete despreparado perca seus verdadeiros
sentidos, diante da complexidade da vida. O legislador exprime-se por palavras,
e é no entendimento real destas que o intérprete investiga a sua vontade. Os
órgãos encarregados da execução ou da aplicação da norma jurídica penetram
através da letra da lei, para acharem seu verdadeiro sentido. Toda lei está sujeita
a interpretação. Toda norma jurídica tem de ser interpretada, porque o direito
objetivo, qualquer que seja a sua roupagem exterior, exige que seja entendido
para ser aplicado, e nesse entendimento vem consignada a sua interpretação.
Dessa maneira, interpretar é algo muito maior do que meramente estabelecer
uma revelação do texto da lei, pois a sociedade, pluriversalmente entendida, não
comporta uma fórmula matemática que sacralize o saber. Se assim o fosse,
ainda estaríamos presos em uma era ultrapositivista na qual a forma suplantaria
(e silenciaria) os conteúdos. “A interpretação é, portanto, fator de construção do
sistema jurídico. É impossível pensar as tramas jurídicas sem a atividade
exegética” (Bittar; Almeida, 2019, p. 903).
O juiz, aquele que irá realizar o processo de tomada de decisões em um
processo, dever-se-á valer de uma técnica complexa que leve em conta as
mudanças dos movimentos que valoram os direitos fundamentais, ou seja,
deverá ele, principalmente, procurar manter um constante diálogo com a
sociedade. Somente dessa maneira é que, tanto em contato externo quanto
interno, o direito poderá ser construído, narrativamente, com extrema

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responsabilidade pelo juiz, como expõe Dworkin (2005), o juiz tal como um autor
responsável por um capítulo de um romance que deverá ser escrito por muitas
mãos.
Como se tanto já não fosse difícil, o intérprete da lei irá se deparar com
um desafio constante: a lei apresentará lacunas e omissões. Nem todos os textos
legais estarão completos, assim como nem todas as molduras são vendidas com
os quadros acompanhando. Assim sendo, durante o processo hermenêutico, o
julgador poderá fazer-se valer de sua atividade supletiva: da integração. Nesse
sentido, é possível sustentar, conforme Bittar e Almeida (2019, p. 901), que: “O
sistema jurídico em si, e por si, não pode ser completo; pode, sim, apresentar
soluções para necessidades aplicativas, para hipóteses de lacuna”. Ou seja,
dificilmente o sistema estará fechado, funcionando e sendo operacionalizado de
modo autônomo e independente. As capilaridades e incompletudes não só são
inerentes, mas sadias à evolução do direito.
Reconhece-se, portanto, que o ordenamento jurídico, em que pese seja
demonstrado como um sistema coeso, é essencialmente aberto e, portanto,
estará sempre sujeito a lacunas. Diante dessas inúmeras possibilidades,
levando, inclusive, em consideração as características de generalidade,
imperatividade e competência das leis, os processos interpretativos poderão ser
inúmeros.
Quanto à origem, a interpretação pode ser classificada como:

• Interpretação autêntica: é aquela realizada por intermédio de um processo


legislativo. Ou seja, tendo reconhecido uma ambiguidade no texto da
norma, o legislador votará uma nova lei com a finalidade de esclarecer tal
situação.
• Interpretação judicial: é exercida pelos tribunais e pelas primeiras
instâncias e materializada quando o juiz aplica a lei a um caso concreto.
• Interpretação doutrinária: oriunda de trabalhos teóricos realizados por
professores e especialistas e direcionados para o debate e estudo legal,
trata-se de um esforço hermenêutico de democratização do
conhecimento.

De outro lado, quanto aos seus elementos, pode-se classificar a


interpretação como:

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• Interpretação gramatical: entendida também como literal, é realizada pelo
entendimento do sentido da linguagem utilizada, de modo que o intérprete
deverá conhecer o significado de cada vocábulo, cláusula e partícula dos
textos legais utilizados.
• Interpretação lógica: trata-se de um processo delicado, tendo em vista
que vai além de uma análise gramatical, exigindo do intérprete o
conhecimento das razões por detrás do ditame legal, do contexto e das
condições que inspiraram a lei, de modo que, assim, se possa verificar os
seus reais objetivos.
• Interpretação sistemática: é ainda mais profunda que a análise lógica, vez
que não somente o contexto bastará, mas, sim, a percepção de que a lei
estará associada (por vezes subordinada) a outros conjuntos e
dispositivos interconectados na sociedade, não somente os legais, mas
no que concerne ao contexto de outros campos do conhecimento.

Importa salientar que, propriamente dito, não há um método hermenêutico


histórico como estilo interpretativo único. No momento em que o intérprete se
deparar com o caso concreto, poderá fazer a escolha de como interpretar a lei
mediante o espaço para argumentação que julgar possível sustentar. Tais
critérios são apenas possíveis direções para uma eventual ação por parte dos
envolvidos em uma situação de direito que clamará por resposta normativa.

TEMA 5 – VIGÊNCIA E APLICAÇÃO DA LEI TRIBUTÁRIA

A legislação como um todo, não só a tributária, segue alguns critérios


cronológicos que determinam sua vigência, eficácia e aplicação. Diversos
elementos referentes ao tempo e espaço precisam ser analisados para, então,
uma norma produzir seus efeitos. O fato de uma lei ser promulgada e publicada
não necessariamente acarreta o fato de que ela pode ser exigida. O que se
pretende afirmar é que sua existência na legislação (no ordenamento jurídico)
não pode ser confundida com a sua produção de efeitos. Frequentemente, uma
lei é promulgada e publicada, mas precisa esperar transcorrer um determinado
tempo para que produza seus efeitos. Isso porque a sua eficácia, ou seja, a sua
produção de efeitos, muitas vezes, é condicionada.
No ordenamento jurídico brasileiro, as regras e seus elementos estão
previstos na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – Lindb (Lei n.

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12.376/2010), que irá reger todo o nosso ordenamento jurídico. Não obstante, a
legislação tributária ainda comporta algumas especificidades, que são regidas
pelo CTN e pela Constituição Federal (Brasil, 1966, 1988, 2010).
Assim, para compreender todos esses aspectos, passamos à análise de
cada um desses regramentos gerais.

5.1 Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb)

A Lindb contém 30 artigos (a partir da inclusão realizada pela Lei n.


13.655/2018) e, em que pese esteja anexa ao Código Civil, dele não faz parte, o
que lhe denota um caráter próprio de autonomia, sendo aplicada,
universalmente, nos demais ramos do ordenamento jurídico pátrio (Brasil, 2002,
2010, 2018).
De modo a condensar a perspectiva de inicial legislação, podemos
estabelecer a Lindb como um conjunto normativo capaz de determinar o
entendimento das normas, bem como sua aplicação no tempo e no espaço. É a
Lindb, portanto, que institui a norma jurídica (ou a lei) como a fonte primária de
nosso sistema, como o imperativo que autoriza e dá lógica para todo o
ordenamento. Como um instituto jurídico, a Lindb estabelece como uma lei
entrará em vigor após a sua elaboração, promulgação e publicação,
ultrapassado o prazo de vacatio legis que, via de regra, é de 45 dias após a sua
publicação (Brasil, 2010). Destaca-se que, acerca da vigência e da eficácia das
normas, a Lindb assim as estabelece:

Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país


quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.
§ 1º Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira,
quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente
publicada.
§ 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu
texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos
anteriores começará a correr da nova publicação.
§ 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.
Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que
outra a modifique ou revogue.
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,
quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a
matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par
das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3º Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por
ter a lei revogadora perdido a vigência.
Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a
conhece. (Brasil, 2010)

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Como se pode observar, a vigência de uma lei depende de um aspecto
temporal e de um aspecto espacial.

5.2 Vigência da legislação tributária

A vigência da legislação tributária vem disciplinada nos art. 101-104 do


CTN, que assim estabelecem:

Art. 101. A vigência, no espaço e no tempo, da legislação tributária


rege-se pelas disposições legais aplicáveis às normas jurídicas em
geral, ressalvado o previsto neste Capítulo.
Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites
em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que
participem, ou do que disponham esta ou outras leis de normas gerais
expedidas pela União.
Art. 103. Salvo disposição em contrário, entram em vigor:
I - os atos administrativos a que se refere o inciso I do artigo 100, na
data da sua publicação;
II - as decisões a que se refere o inciso II do artigo 100, quanto a seus
efeitos normativos, 30 (trinta) dias após a data da sua publicação;
III - os convênios a que se refere o inciso IV do artigo 100, na data
neles prevista. (Brasil, 1966)

Como se pode observar, em relação ao aspecto espacial, a regra geral é


de que a lei tributária tem vigência em todo o Estado nacional; contudo, leis
editadas por entes tributantes (como é o caso dos estados, do Distrito Federal e
dos municípios) terão vigência apenas em seus respectivos territórios. É digno
de nota o fato de que esses outros entes podem firmar convênios a fim de que
suas normas tenham validade fora de seus territórios.
Já em relação ao seu aspecto temporal, a lei é clara em estabelecer o
prazo de vigência que, uma vez cumprido, fará com que a lei vija até que outra
lei a derrogue, de forma parcial ou total. Vale destacar que, assim que entra em
vigência, de acordo com o art. 105 do CTN, a lei tributária é aplicada
imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes (Brasil, 1966).
Consequentemente, a lei aplicável sempre será aquela em vigor na ocasião de
ocorrência do fato gerador, com exceção das leis que estabeleçam condições
mais favoráveis ao contribuinte em matéria de infrações, conforme disposto no
art. 106 e no art. 144, parágrafo 1º, do CTN, in verbis:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:


I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa,
excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos
interpretados;
II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:
a) quando deixe de defini-lo como infração;

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b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de
ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha
implicado em falta de pagamento de tributo;
c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei
vigente ao tempo da sua prática.
Art. 144.
[...]
§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à
ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos
critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os
poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado
ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso,
para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros. (Brasil,
1966)

Para compreensão dessa aplicação, destacamos entendimento do


Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre um caso concreto:

Administrativo. Recurso especial. Poder de polícia. Sunab. Multa


administrativa. Retroatividade da lei mais benéfica. Possibilidade. Art.
5º, XL, da Constituição da República. Princípio do direito sancionatório.
Afastada a aplicação da multa do art. 538, parágrafo único, do CPC. I.
O art. 5º, XL, da Constituição da República prevê a possibilidade de
retroatividade da lei penal, sendo cabível extrair-se do dispositivo
constitucional princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o
qual a lei mais benéfica retroage. Precedente. II. Afastado o
fundamento da aplicação analógica do art. 106 do Código Tributário
Nacional, bem como a multa aplicada com base no art. 538, parágrafo
único, do Código de Processo Civil. III. Recurso especial parcialmente
provido. (Brasil, 2014)

Como se pode observar, nesse caso o STJ aplicou a retroatividade da lei


para afastar uma penalidade tributária.

NA PRÁTICA

Um dos temas atuais, recentemente discutido pelo Supremo Tribunal


Federal (STF), que evidencia a dinâmica da legislação tributária, em especial a
hierarquia entre as normas, é a discussão a respeito da incidência do diferencial
de alíquota do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias
e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação (ICMS). Vejamos o acórdão proferido no referido caso:

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Direito tributário. Emenda


Constitucional nº 87/2015. ICMS. Operações e prestações em que haja
a destinação de bens e serviços a consumidor final não contribuinte do
ICMS localizado em estado distinto daquele do remetente. Inovação
constitucional. Matéria reservada a lei complementar (art. 146, I e III, a
e b; e art. 155, § 2º, XII, a, b, c, d e i, da CF/88). Cláusulas primeira,
segunda, terceira e sexta do Convênio ICMS nº 93/15.
Inconstitucionalidade. Tratamento tributário diferenciado e favorecido
destinado a microempresas e empresas de pequeno porte. Simples
Nacional. Matéria reservada a lei complementar (art. 146, III, d, e

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parágrafo único, da CF/88). Cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/15.
Inconstitucionalidade.
1. A EC nº 87/15 criou nova relação jurídico-tributária entre o remetente
do bem ou serviço (contribuinte) e o estado de destino nas operações
com bens e serviços destinados a consumidor final não contribuinte do
ICMS. O imposto incidente nessas operações e prestações, que antes
era devido totalmente ao estado de origem, passou a ser dividido entre
dois sujeitos ativos, cabendo ao estado de origem o ICMS calculado
com base na alíquota interestadual e ao estado de destino, o diferencial
entre a alíquota interestadual e sua alíquota interna.
2. Convênio interestadual não pode suprir a ausência de lei
complementar dispondo sobre obrigação tributária, contribuintes,
bases de cálculo/alíquotas e créditos de ICMS nas operações ou
prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do
imposto, como fizeram as cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta
do Convênio ICMS nº 93/15.
3. A cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/15, ao determinar a
extensão da sistemática da EC nº 87/2015 aos optantes do Simples
Nacional, adentra no campo material de incidência da LC nº 123/06,
que estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e
favorecido a ser dispensado às microempresas e às empresas de
pequeno porte, à luz do art. 146, inciso III, d, e parágrafo único, da
Constituição Federal.
4. Tese fixada para o Tema nº 1.093: “A cobrança do diferencial de
alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda
Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar
veiculando normas gerais”.
5. Recurso extraordinário provido, assentando-se a invalidade da
cobrança do diferencial de alíquota do ICMS, na forma do Convênio nº
93/1, em operação interestadual envolvendo mercadoria destinada a
consumidor final não contribuinte.
6. Modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade das
cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do convênio
questionado, de modo que a decisão produza efeitos, quanto à
cláusula nona, desde a data da concessão da medida cautelar nos
autos da ADI nº 5.464/DF e, quanto às cláusulas primeira, segunda,
terceira e sexta, a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão
deste julgamento (2022), aplicando-se a mesma solução em relação
às respectivas leis dos estados e do Distrito Federal, para as quais a
decisão deverá produzir efeitos a partir do exercício financeiro seguinte
à conclusão deste julgamento (2022), exceto no que diz respeito às
normas legais que versarem sobre a cláusula nona do Convênio ICMS
nº 93/15, cujos efeitos deverão retroagir à data da concessão da
medida cautelar nos autos da ADI nº 5.464/DF. Ficam ressalvadas da
modulação as ações judiciais em curso. (Brasil, 2021)

Como se pode observar, o STF, ao analisar o caso, aplicou o


entendimento de que a Constituição Federal (alterada pela Emenda
Constitucional n. 87/2015) é clara em determinar que a cobrança do diferencial
de alíquota alusivo ao ICMS pressupõe edição de lei complementar veiculando
normas gerais sobre o tema. Com efeito, o diferencial de alíquota não poderia
ter sido exigido antes da Lei Complementar n. 190/2022 (Brasil, 1988, 2015,
2022). Nós nos deparamos, claramente, portanto, com um caso em que existia
uma legislação estadual e um convênio impondo uma obrigação em relação ao
diferencial de alíquota. Contudo, aplicando-se a prevalência do mandamento
constitucional, entendeu-se que tais leis não poderiam ter produzido efeitos, uma
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vez que a Constituição Federal é específica ao vincular a obrigatoriedade da
existência de uma lei complementar regulando a matéria, lei essa que, no caso
em apreço, analisado pelo STF, só foi editada em 2022, fazendo com que todas
as cobranças realizadas antes de sua edição e vigência fossem consideradas
inconstitucionais (Brasil, 1988, 2015, 2022).

FINALIZANDO

Nesta abordagem, foi possível verificar que o direito tributário, em que


pese ser autônomo, faz parte de um sistema jurídico e se relaciona com os
demais ramos do direito. Além disso, também se tratou das fontes do direito
tributário, que nada mais são que fatos jurídicos criadores de normas tributárias,
os quais incidem sobre hipóteses fáticas, que podem ser compreendidas como
os acontecimentos do mundo social que instituem e dão origem aos tributos
elencados no nosso ordenamento jurídico tributário. Logo, pode-se dizer que o
tributo é uma forma de apropriação.
Observou-se, ainda, que o conjunto de normas da Constituição (Brasil,
1988) que versa sobre matéria tributária forma o sistema constitucional tributário.
Tal sistema foi desenvolvido pelo legislador constituinte, de modo exaustivo, e
prescreve os casos em que os entes políticos podem exercer a tributação,
esgotando na Constituição a matéria tributária e delegando ao legislador
ordinário apenas a função de regulamentá-la.
Por fim, analisamos a interpretação e integração da lei tributária, bem
como sua vigência no tempo e no espaço.

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REFERÊNCIAS

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