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UNIVERSIDADE GREGÓRIO SEMEDO / FCJP / DIREITO FISCAL / 3.

º ANO / 2020

PARTE II – RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA

Bibliografia: JOAQUIM FREITAS DA ROCHA/HUGO FLORES DA SILVA, Teoria Geral da Relação Jurídica
Tributária, Almedina, Coimbra, 2017; J. L. SALDANHA SANCHES, A quantificação da obrigação tributária:
deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 2000; JOSÉ CASALTA
NABAIS, Direito Fiscal, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, pp. 235-297; JÓNATAS E. M. MACHADO/PAULO
NOGUEIRA DA COSTA/OSVALDO MACAIA, Direito Fiscal Angolano Segundo a Reforma de 2014, Coimbra
Editora, Coimbra, 2015, pp.193-217; J. L. SALDANHA SANCHES/JOÃO TABORDA DA GAMA, Manual de
Direito Fiscal Angolano, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 201-234; AMÉRICO FERNANDO BRÁS
CARLOS, Impostos. Teoria Geral, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, pp. 57-85; ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA,
Princípios de Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1979, pp. 147-318; SOARES MARTÍNEZ, Direito
Fiscal, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, pp. 161-287.

1. Introdução.
O Direito Fiscal é um ramo do direito público. Vimos ao longo das nossas aulas vários
traços desta natureza publicista do Direito Fiscal:
 O Direito Fiscal é um sub-ramo de um outro ramo do direito público que é o Direito
Financeiro (Público), sendo aquele que trata as receitas públicas unilaterais / receitas
tributárias unilaterais / impostos. Por isso usamos a expressão Direito Fiscal como
equivalente a «Direito dos Impostos».
 Os impostos resultam de uma intromissão juridicamente regulada da Administração
na esfera patrimonial do cidadão (o direito de propriedade é também um direito
fundamental – art. 37.º da CRA, e as leis restritivas desses direitos têm de obedecer à
Constituição – art. 57.º da CRA), sendo-lhe exigido por lei um determinado sacrifício
patrimonial na medida da sua capacidade contributiva (como vimos, à luz do art. 88.º da
CRA). [J. L. SALDANHA SANCHES/JOÃO TABORDA DA GAMA, p. 165 e ss.]
 No exercício da sua actividade, a Administração fiscal tem um conjunto de poderes
vinculados à lei quando se fala nos elementos essenciais do imposto (preeminência de lei,
prevalência de lei, precedência de lei, reserva absoluta de lei).
 Como vimos, o imposto é uma prestação coactiva, quer dizer: ex lege ou
estabelecida por lei.
 Enquanto prestação, a obrigação de imposto surge integrada na «relação jurídica
fiscal» ou «relação jurídica de imposto».
 A obrigação de pagar o imposto nasce assim de uma relação jurídica determinada
anteriormente numa previsão legal de um tipo de imposto (e é esta previsão legal (=lei em
sentido formal) que vai tipificar o que vai ser tributado em sede daquele imposto (ou seja,
nas normas de incidência objectiva temos o conjunto de pressupostos que definem a
realidade sujeita a imposto/o facto tributável), “quem” paga o imposto (isto é, nas normas
de incidência subjectiva encontramos o conjunto de pressupostos que definem o sujeito
passivo) e o quantum da base tributável (base da medida do sacrifício patrimonial exigido).

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Concluindo, é a lei que define os elementos essenciais do imposto (art. 102.º, n.º 1, da
CRA – princípio da legalidade fiscal/ princípio da tipicidade).
 O Estado e demais entes públicos surgem numa posição de supremacia na relação
jurídica de imposto, enquanto titulares de um jus imperii (poder de autoridade).
 E a finalidade do imposto é financeira, ou até pode ser instrumento para alcançar
finalidades extrafinanceiras ou extrafiscais, sendo que o interesse é público, porque a
actividade financeira do Estado tem como propósito a satisfação das necessidades
colectivas.

O Direito Fiscal tem natureza publicista. Na summa divisio clássica “Direito Público” e
“Direito Privado”, enquadramos, portanto, o Direito Fiscal no Direito Público. E o
princípio da legalidade é um princípio estruturante no Direito Público. Pensemos noutros
ramos do Direito Público, como o Direito Penal e o Direito Administrativo, e recordemos o
papel central da lei. Facilmente contrapomos o princípio da legalidade do Direito Público
ao princípio da autonomia privada ou autonomia da vontade das partes no Direito Privado.
Veremos que o Direito Fiscal, que é um ramo do Direito Público, adoptou algumas
técnicas criadas pelo Direito Privado, como a relação jurídica (=> relação jurídica fiscal) e
a obrigação (=> obrigação fiscal).

Vamos assistir, no Direito Fiscal, à criação de um Direito das Obrigações de natureza


pública; o imposto é uma obrigação, mas uma obrigação ex lege, quer dizer estabelecida
por lei (nos termos já estudados).
No estudo do Direito Fiscal, o imposto pode ser encarado como “relação jurídica”, por
um lado, e visto como “instituto jurídico”, por outro. Perguntemos agora: O que é uma
relação jurídica? O que se quer dizer com a expressão instituto jurídico?
O Direito Fiscal foi buscar a técnica da relação jurídica ao Direito Privado. Como
aprenderam em Teoria Geral do Direito Civil:
“Relação jurídica em sentido restrito ou técnico é a relação da vida social disciplinada
pelo Direito mediante atribuição a uma pessoa de um direito subjectivo e a imposição a
outra de um dever jurídico ou de uma sujeição.
(…) Fala-se do instituto da compra e venda, do poder paternal, da sucessão legitimária,
da representação, da usucapião, etc.
Por instituto jurídico entende-se o conjunto de normas legais que estabelecem a
disciplina de uma série de relações jurídicas em sentido abstracto, ligadas por uma
afinidade, normalmente a de estarem integradas no mesmo mecanismo jurídico ou ao
serviço da mesma função.
A relação jurídica é pois a matéria sobre que incide a regulamentação. O instituto
jurídico é a disciplina normativa dessa matéria, o conjunto de normas que a
regulamentam.” (Vide CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil,
4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pp. 177-178.)
E como distinguir «relação jurídica abstracta» e «relação jurídica concreta»? CARLOS
ALBERTO DA MOTA PINTO (p. 177) apresenta-nos o seguinte exemplo: “Podemos
considerar a expressão relação jurídica com referência a um modelo, paradigma ou
esquema contido na lei. É o que sucede quando falamos da relação pela qual o inquilino

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deve pagar a renda ao senhorio. Estamos então perante uma relação jurídica abstracta.
[P]odemos, ao invés, considerar a expressão com referência a uma relação jurídica
existente na realidade, entre pessoas determinadas, sobre um objecto determinado, e
procedendo de um facto jurídico determinado: o senhorio A pode exigir do inquilino B a
renda de € 500 pelo arrendamento do prédio X. estamos então perante uma relação
jurídica concreta”.

A previsão normativa dos factos tributáveis: a previsão normativa enquanto decisão


política e instrumento de segurança jurídica. Os factos tributáveis estão previstos em lei,
são decisão do legislador. Vimos que é a Assembleia Nacional que legisla ou autoriza o
Executivo a legislar em matéria de impostos, a criar impostos ou a disciplinar os seus
elementos essenciais. Estes elementos essenciais – como «o que vai ser tributado», «quem
paga o imposto», o quantum, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes – estão,
digamos assim, nas mãos de órgão de política, realçando o papel da Assembleia Nacional a
conferir legitimidade ao imposto. Como legislador originário ou como legislador
autorizante, nas expressões de AMÉRICO FERNANDO BRÁS CARLOS, pp. 90-91, a
Assembleia Nacional, enquanto órgão político representativo de todos os angolanos,
intervém sempre na criação de impostos ou na disciplina dos seus elementos essenciais.
Assim, só podem ser exigidos aos contribuintes os impostos que tenham sido criados ou
alterados por lei, segundo um processo plasmado na própria CRA, que exige a intervenção
da Assembleia Nacional, tornando-se a previsão normativa um mecanismo de certeza e um
instrumento de segurança jurídica. Nullum tributum sine lege – foi o que vimos quando
estudámos o princípio da tipicidade. O princípio da segurança tributária ou da protecção da
confiança decorre do art. 2.º da CRA (Estado Democrático de Direito). A lei não pode pôr
em causa as bases da confiança dos administrados no Estado. Para GONZÁLEZ e
LEJEUNE, a lei é: i) um aspecto positivo do princípio da segurança tributária: a lei como
veículo de certeza; ii) um aspecto negativo do princípio da segurança tributária: a lei como
um mecanismo de defesa frente a possíveis arbitrariedades dos órgãos do Estado
(Administração fiscal). [Vide EUSEBIO GONZÁLEZ/ERNESTO LEJEUNE, Derecho Tributario,
vol. I, Plaza Universitária, Salamanca, 2003, p. 35 apud AMÉRICO FERNANDO BRÁS
CARLOS, p. 122.]

2. O conceito de relação jurídica tributária e as suas principais características

No seu art. 2.º, n.º 1, al. s), o CGT define relação jurídica tributária como «o vínculo
jurídico estabelecido entre o Estado ou entes públicos equiparados, enquanto
Administração Tributária, e as pessoas singulares ou colectivas e os entes fiscalmente
equiparados a estas, nos termos da lei». Esta definição legal ajuda-nos a perceber melhor o
conteúdo do art. 1.º do CGT que delimita o âmbito de aplicação do Código às relações
tibutárias e às relações de direito público que não tenham natureza tributária, quando assim
o determine a própria lei.

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Vamos agora trazer alguns conceitos doutrinais e apresentar as principais características


da relação jurídica tributária (ou relação jurídica fiscal, se quisermos particularizar o
imposto).
Por exemplo, para SOARES MARTÍNEZ (pp. 27-28): «A relação jurídica de imposto tem
carácter obrigacional, ou creditício, tem por fim a realização de uma receita pública e não
depende de outros vínculos jurídicos, nem determina para o sujeito activo respectivo
qualquer dever de prestar específico. Ficam, assim, definidos os elementos essenciais do
conceito de relação jurídica de imposto.»
ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA (pp. 148-149) esquematiza da seguinte forma o conceito de
relação jurídica fiscal: «(...) [R]efere uma relação jurídica complexa e mais vasta, na qual
se incluem, além da obrigação fiscal, todas aquelas obrigações de diferente objecto e
conteúdo, a que aquela obrigação central, directa ou indirectamente, dá origem –
obrigações de prestar declarações, de permitir exames e avaliações, de não praticar certos
actos – de que são sujeitos passivos, não só o próprio contribuinte, mas também outras
pessoas estranhas à obrigação de imposto. A relação jurídica fiscal compor-se-ia, assim, de
um núcleo, constituído pelo fundamental vínculo tributário de que é sujeito passivo a
pessoa em relação à qual se verificam as condições de que a lei tributária faz nascer a
obrigação do imposto, e de um feixe mais ou menos diverso de outras relações, também de
natureza obrigacional e que podem incidir não só sobre o sujeito passivo daquela
obrigação, mas também sobre terceiros de algum modo directa ou indirectamente ligados
aos pressupostos de facto da tributação, relações estas que a doutrina costuma designar por
obrigações ou deveres tributários acessórios.»
Nesta lógica, SALDANHA SANCHES e JOÃO TABORDA DA GAMA (pp. 203-206)
identificam na relação jurídica tributária duas situações, distinguindo, por um lado, o dever
de pagar uma quantia em dinheiro (dever de prestação pecuniária) que recai sobre o
contribuinte e que é a relação jurídica material ou «relação obrigacional fiscal» e, por
outro lado, os deveres acessórios ou de cooperação que a lei pode determinar para o sujeito
passivo (como, por exemplo, a entrega de declarações) e que consubstanciam uma relação
jurídica procedimental ou «relação jurídica fiscal». JOSÉ CASALTA NABAIS (p. 247)
também desdobra a relação jurídica fiscal em duas partes, separando a relação de imposto
(relação fiscal material) e das outras relações jurídicas acessórias (relações fiscais
formais).

A doutrina destaca as seguintes características da relação jurídica fiscal: 1) a natureza


obrigacional, 2) a complexidade, 3) o carácter legal (ex lege), 4) a irrenunciabilidade dos
direitos, e 5) a especialidade das garantias.
1) A natureza obrigacional da relação jurídica fiscal. A relação jurídica fiscal é uma
relação obrigacional, mas de direito público. (SOARES MARTÍNEZ, p. 162.) É uma relação
com eficácia inter partes e não erga omnes. O objecto desta relação tem natureza
patrimonial, e, como vimos, o imposto tem geralmente natureza pecuniária. A relação
jurídica fiscal tem natureza unilateral porque «não depende de outros vínculos jurídicos
nem determina para o sujeito activo respectivo qualquer dever de prestar específico.» (Vide
SOARES MARTÍNEZ, pp. 29-30).

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2) A complexidade da relação jurídica fiscal. Diz-se que a relação jurídica fiscal é


complexa tanto de um ponto de vista subjectivo como de um ponto de vista objectivo. (Cfr.
JOAQUIM FREITAS DA ROCHA/HUGO FLORES DA SILVA, pp. 38-39.) Quando se fala da
complexidade da relação jurídica fiscal de um ponto de vista subjectivo, quer-se destacar as
situações de pluralidade de sujeitos passivos. Aqui a palavra-chave é o “vínculo”: se há um
vínculo entre duas pessoas, a relação jurídica diz-se simples, mas se há outros vínculos
entre a Administração Tributária e entidades obrigadas à retenção na fonte, a relação
jurídica diz-se já complexa. A relação jurídica tributária nem sempre é uma relação típica
entre dois intervenientes, 1 (um) sujeito activo e 1 (um) sujeito passivo. Em certos casos, a
relação jurídica tributária envolve três intervenientes, com 1 (um) sujeito do lado activo e 2
(dois) sujeitos do lado passivo. Fala-se, neste caso, em relações jurídicas triangulares ou
trilaterais.
Um exemplo, que estudaremos mais adiante e com maior profundidade, é o da
tributação do trabalhador por conta de outrem, em regime de contrato de trabalho, que vê o
seu salário a ser tributado mensalmente. Este trabalhador será tributado em sede de
Imposto sobre os Rendimentos do Trabalho (IRT), ocupando o lugar de
contribuinte/sujeito passivo na relação jurídica tributária, aquele que deve pagar o imposto
ou, se quisermos, aquele que sofre na sua esfera patrimonial (salário) o sacrifício do
imposto. Do outro lado (do lado activo) temos a Administração Tributária a exigir o
imposto. Acontece que a lei “acrescenta” do lado passivo um outro interveniente: a
entidade empregadora. É assim que este é um exemplo de uma relação jurídica tributária
triangular ou trilateral. A entidade empregadora é um sujeito passivo ao lado do
contribuinte efectivo (que será sempre o trabalhador). A lei (cfr. art. 10.º, n.º 1, e art. 11.º,
n.º 1, ambos do CIRT) estabelece para a entidade empregadora a obrigação de calcular,
reter (através do desconto que faz no salário) e entregar o imposto retido nos cofres do
Estado. Assim, do ponto de vista subjectivo (dos sujeitos), dizemos que esta é uma relação
jurídica complexa: é uma relação jurídica tributária triangular que além do vínculo entre a
Administração Tributária e o contribuinte incorpora também um vínculo entre a
Administração Tributária e um terceiro (entidade empregadora) obrigado à retenção. Sobre
a obrigação de realização de retenções na fonte como um dever de cooperação, vide J. L.
SALDANHA SANCHES, A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação,
autoavaliação e avaliação administrativa, p. 64 e ss.
Mas a complexidade da relação jurídica tributária também pode ser analisada de um
ponto de vista objectivo. A relação jurídica será simples quando houver um único vínculo e
será complexa quando houver uma pluralidade de vinculos. Vamos dizer que a relação
jurídica tributária é complexa quando além vínculo/obrigação principal houver também
vínculos/obrigações acessórias. E qual é a obrigação principal na relação jurídica
tributária? A obrigação principal é sempre a obrigação de pagar o tributo. A obrigação
principal também pode ser designada por obrigação tributária fundamental ou
simplesmente por obrigação fiscal (vide ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, p. 222). E em que
consistem as obrigações acessórias? O CGT dá-nos um conceito de obrigações acessórias,
no seu art. 50.º, n.º 2: «São acessórias as obrigações que visam possibilitar e facilitar o
apuramento e o pagamento do imposto, nomeadamente a apresentação de declarações, a
apresentação de documentos fiscalmente relevantes, incluindo a contabilidade e escrita, e a

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prestação de informações.» As obrigações acessórias são designadas também por deveres


de cooperação ou deveres de colaboração, embora JOSÉ CASALTA NABAIS prefira esta
última designação, trazendo o argumento de que «a relação entre o contribuinte e a
Administração Tributária não é uma relação de natureza paritária», p. 239. O princípio da
colaboração ou cooperação é um dos princípios do procedimento tributário, previsto no
artigo 84.º do CGT. Nomeadamente, prescreve o artigo 84.º, n.º 3, do CGT: «O dever de
colaboração dos contribuintes com a Administração Tributária abrange o cumprimento dos
deveres fiscais acessórios a que estes legalmente estão obrigados e a prestação autónoma
dos esclarecimentos que lhes forem legalmente solicitados no âmbito de qualquer
procedimento inspectivo, interno ou externo, independentemente da fase em que se
encontrem.» As obrigações ou deveres acessórios podem ser de natureza não pecuniária
(obrigações declarativas, por exemplo: declaração de início, de alterações e de cessação de
actividade; declaração periódica de rendimentos; etc.) ou de natureza pecuniária (ex.:
dedução, reembolso e restituição de tributos – art. 2.º, n.º 1, al. v), do CGT; juros
compensatórios – art. 2.º, n.º 1, al. m), e art. 51.º do CGT; juros de mora – art. 2.º, n.º 1, al.
o), e art. 52.º do CGT; juros indemnizatórios – art. 2.º, n.º 1, al. n), e art. 53.º do CGT).
[Cfr. JOAQUIM FREITAS DA ROCHA/HUGO FLORES DA SILVA, p. 113 e ss.] O art. 50.º, n.º 1,
do CGT refere-se à obrigação principal na alínea a) e elenca as obrigações acessórias de
natureza pecuniária nas alíneas b) a e). Já no art. 50.º, n.º 2 (parte final) temos exemplos
de obrigações acessórias de natureza não pecuniária.
3) O carácter ex lege (legal) da relação jurídica fiscal. Os elementos essenciais da
relação jurídica do imposto são estabelecidos por lei; é a lei que determina a incidência
objectiva e subjectiva do imposto e as respectivas isenções, e a mesma define as regras de
determinação da matéria colectável, a(s) taxa(s) do imposto, a colecta/deduções à colecta/o
imposto a pagar; olhando para o lado passivo da relação jurídica fiscal, seguindo os
ensinamentos de JOSÉ CASALTA NABAIS, temos a obrigação fiscal como uma obrigação
legal ou ex lege e pública – legal, porque se trata de uma obrigação que tem por fonte a lei,
isto é, nasce do encontro entre o facto gerador com a hipótese legal, e pública porque a sua
disciplina jurídica integra o direito público, havendo presunção de legalidade do acto de
liquidação [JOSÉ CASALTA NABAIS, p. 238: «A obrigação fiscal caracteriza-se por ser uma
obrigação: 1) legal, 2) pública, 3) exequível e executiva, 4) semi-executória, 5)
indisponível e irrenunciável, 6) autotitulada e 7) especialmente garantida»]. Uma obrigação
ex lege é «aquela cujo conteúdo, cujo regime, é o definido pela lei, pela norma, não tendo
papel a desempenhar em tal definição a vontade das partes. As relações jurídicas de
imposto não são acordadas entre as partes.» (Cfr. SOARES MARTÍNEZ, p. 173.)

Texto para reflexão:


«Mas, quanto à generalidade das situações, pelo menos, parece indiscutível que as
relações jurídicas de imposto não são definidas por acordo. Logo, nesse sentido, a
obrigação tributária há-de ser legal, «ex lege». Mas, por vezes, tem-se dado sentido
diverso a esse qualificativo, querendo-se por eles significar que as obrigações tributárias
têm a sua origem na lei, são constituídas pela lei, ao contrário das obrigações civis, que
teriam a sua origem na vontade das partes. Ora não é assim. A lei está, em certo plano,
tanto na origem das obrigações ditas legais como na origem das ditas voluntárias. E,

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abaixo desse plano legal comum, já a lei não é a origem, não é o facto constitutivo, nem de
umas, nem de outras. Essa origem, esse facto constitutivo, será, em todos os casos, um
evento previsto pela lei: um negócio jurídico, um acto delituoso, um facto tributário. (…)
As obrigações ou são sempre legais, só a norma jurídica tendo vigor suficiente para as
constituir, e cabendo ao facto legalmente previsto o papel de simples condição, ou são
criadas por esse facto. Esta segunda solução parece preferível. As obrigações, mesmo as
ditas legais, não encontram na lei a sua origem directa, imediata, até porque a norma, pela
sua generalidade e abstracção, não cria directamente situações individuais, concretas,
subjectivas. A origem de uma obrigação jurídica há-de estar sempre num facto pela lei
previsto e que da lei recebe o vigor bastante para constituir a obrigação. (…) Realmente, a
origem de uma relação jurídica está sempre num facto pela lei previsto. É essa previsão
legal, e não a circunstância de tal facto ser ou não voluntário, que lhe confere o vigor para
desencadear certos efeitos jurídicos. (…) Pode justificar-se a distinção frequentemente
estabelecida entre obrigações legais, ou «ex lege», e obrigações voluntárias, negociais ou
contratuais; mas não assentando o critério de destrinça na diversidade de origem das
obrigações. O que distingue umas das outras é a intervenção maior ou menor da lei na
definição do respectivo conteúdo. No caso das obrigações legais o seu conteúdo é fixado
pela lei; no caso das obrigações voluntárias a lei permite que esse conteúdo seja
preenchido, em termos mais ou menos amplos, conforme os casos, pela vontade das
partes.» (SOARES MARTÍNEZ, pp. 173-174.)

4) A irrenunciabilidade dos direitos que integram a relação jurídica fiscal. A


Administração Tributária não pode renunciar a direitos tributários, conceder perdões da
dívida, reduções da dívida do imposto, ou moratórias, simplesmente pela via
administrativa, por parte do Estado-administrador, sem que a lei (o Estado-legislador)
assim o permita. (SOARES MARTÍNEZ, p. 175.) Este é o princípio plasmado no art. 61.º do
CGT.

5) A especialidade das garantias da relação jurídica fiscal. O Estado tem ao seu


dispor um meio processual para garantir os seus créditos tributários, o processo de
execução fiscal. Fala-se do cumprimento coercivo da obrigação fiscal. (SOARES MARTÍNEZ,
pp. 176-177.) A cobrança coerciva é efectuada através do processo de execução fiscal, que
tem natureza judicial (art. 135.º, n.º 3, e art. 140.º do CGT). Da Reforma de 2014 resultou
o Código das Execuções Fiscais (Lei n.º 20/14, de 22 de Outubro). [Sobre o processo de
execução fiscal, v. CREMILDO FÉLIX PACA, Justiça Administrativa, Fiscal e Aduaneira,
Luanda, 2017, p. 307 e ss.]

3. O nascimento da relação jurídica tributária (o facto tributário)

Como nasce a relação jurídica tributária? Como se constitui? A relação jurídica


tributária – e, assim, a obrigação tributária –, constitui-se com a verificação do facto
tributário (art. 24.º do CGT). O facto tributário é o facto gerador do tributo. O facto
tributário é o facto constitutivo da relação jurídica tributária. SOARES MARTÍNEZ (p. 184)

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define-o como «aquele facto que conjuga os pressupostos previstos na lei tributária.» O
facto tributário combina os pressupostos tributários e desta conjugação nasce a relação
jurídica tributária. O autor define os pressupostos tributários como «aquelas situações,
pessoais e reais, previstas, expressa ou tacitamente, pelas normas de incidência tributária.»
(SOARES MARTÍNEZ, p. 184.)

«Artigo 24.º
(Constituição)
A obrigação tributária constitui-se com a verificação dos factos que definem a
incidência do respectivo tributo, salvo nos casos previstos na lei.»

Quando se verifica cumulativamente o pressuposto de incidência objectiva e o


pressuposto de incidência subjectiva temos o facto tributário ou o facto gerador do tributo.
Sem facto tributário não existe relação de imposto, não existe, portanto, dever de pagar o
tributo.

Num dos pontos do programa da disciplina, fala-se em duas correntes – a corrente


constitutivista e a corrente declarativista – no contexto do nascimento da obrigação
tributária. O que está em causa é saber se a liquidação faz nascer a obrigação tributária.
Revejam a matéria sobre os momentos da vida do imposto. A corrente constitutivista
defende que a liquidação constitui a obrigação tributária. Já a corrente declarativista
entende que a liquidação não faz nascer a obrigação tributária, apenas declara uma
obrigação nascida num momento anterior. Sobre esta questão, consulte o texto de apoio
com a seguinte referência: ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, Princípios de Direito Fiscal,
Almedina, Coimbra, 1979, pp. 148-149.

E o que decorre do CGT? A obrigação de pagar um imposto constitui-se no momento da


liquidação, como defende a corrente constitutivista?
• Não. A liquidação não tem efeitos constitutivos mas efeitos meramente
declarativos: tem a função de declarar uma obrigação nascida num momento anterior, i.e.,
com a verificação dos factos que definem a incidência (art. 24.º do CGT). É o que vem
defender a corrente declarativista sobre o momento do nascimento da obrigação tributária.
A liquidação apenas declara uma obrigação constituída num momento anterior.
• Podem estabelecer a relação entre o nascimento da obrigação do imposto e os
momentos da vida do imposto (incidência > facto tributário > lançamento > liquidação >
cobrança/pagamento). => É com a verificação dos factos que definem a incidência que
nasce a obrigação fiscal, e não com a liquidação.

JÓNATAS E. M. MACHADO/PAULO NOGUEIRA DA COSTA/OSVALDO MACAIA, pp. 194-


195, apontam quatro dimensões do facto tributário, a saber:
1) Dimensão material (ou qualitativa): diz respeito ao facto, acto ou negócio que,
traduzindo rendimento, património ou consumo, manifesta a capacidade contributiva do
contribuinte.

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2) Dimensão formal (ou quantitativa): diz respeito à matéria colectável (que é a base
de rendimentos à qual se aplica a taxa do imposto). A “intensidade” do facto tributário irá
depender do nível de capacidade contributiva, isto é, do nível de rendimento, do valor do
património ou da natureza dos bens consumidos.
3) Dimensão espacial: diz respeito ao lugar da ocorrência do facto tributário, com
base nos princípios da territorialidade e da fonte. Chama-se aqui a temática da
nacionalidade e da residência do contribuinte. Ver, a propósito da aplicação da lei fiscal no
espaço, o art. 9.º do CGT.
4) Dimensão temporal: diz respeito ao momento da realização do facto tributário e à
aplicação das leis fiscais no tempo. É importante ver a data em que se considera ocorrido o
facto tributário, se é de formação imediata (ex.: emissão de factura, aquisição de um
imóvel), ou de formação sucessiva (ex.: obtenção de lucros, obtenção de rendimentos do
trabalho). Vimos nas nossas aulas também a problemática da aplicação das leis fiscais no
tempo (art. 102.º, n.º 2, da CRA e art. 8.º do CGT).

4. O objecto da relação jurídica tributária

Já abordámos sucintamente este tema na aula em que caracterizámos a relação jurídica


tributária como complexa de um ponto de vista objectivo, ou seja, do ponto de vista do seu
objecto. Dissemos que na relação jurídica tributária temos não só a obrigação principal (de
pagamento do tributo) como as obrigações acessórias (declarativas, de dedução,
reembolso e restituição de tributos, ou de pagamento de juros tributários).
Vamos apresentar agora exemplos de obrigações acessórias em alguns Códigos de
imposto. No Código do Imposto sobre os Rendimentos do Trabalho (CIRT), temos
exemplos de obrigações acessórias nos capítulos IV/V (deveres de retenção na fonte e
entrega de IRT retido), VI (apresentação de declarações), VIII (elaboração de mapas
mensais, declaração de cessação de actividade, organização de processo) e X (conservação
de documentação por cinco anos, inscrição dos titulares dos rendimentos do Grupo B,
actualização de cadastro), e ainda no art. 35.º (recibo de remunerações), e temos também
previstas penalidades (art. 27.º e ss) para os casos de não cumprimento das referidas
obrigações declarativas e dos deveres de retenção e entrega do imposto retido. Também
encontramos diversos exemplos de obrigações acessórias no Código de Imposto Industrial
(CII). Uma empresa que pertença ao regime geral de tributação é obrigada à entrega de
uma declaração anual de rendimentos (como vimos, trata-se de uma obrigação acessória
de natureza declarativa), que sustenta o cálculo do imposto (art. 51.º e art. 12.º, n.º 1, do
CII), e se a empresa não cumprir esta obrigação declarativa, além de se sujeitar à multa
prevista no art. 75.º do CII, verá a sua matéria colectável (isto é, a base de rendimentos a
que se aplica a taxa de imposto) determinada de forma indirecta, ou seja, em vez de ser
tributada pelos rendimentos declarados, uma vez que não os declarou, vai a empresa ser
tributada pelos rendimentos presumidos. Se olharmos com atenção para o art. 12.º, n.º 2, e
para o 57.º, ambos do CII, vemos que a Administração Tributária pode utilizar métodos
indirectos de apuramento da matéria colectável, ou seja, pode determiná-la por presunção
quando falte a declaração, tendo por base todos os elementos de que disponha, tais como:

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elementos da contabilidade da empresa, outros impostos pagos pela empresa, rendimentos


declarados em anos anteriores, cruzamento de informações a partir, por exemplo, de
elementos declarados ao fisco por outras entidades ou empresas que tenham estabelecido
relações com o contribuinte, etc.). Um outro exemplo de uma importante obrigação
acessória é a prevista no art. 11.º do CII, respeitante ao cadastramento do contribuinte e
declaração de início de actividade (com a respectiva penalidade no art. 75.º do CII). Por
fim, de realçar que o CII também estabelece obrigação de realização de retenções na fonte
(art. 67.º e art. 73.º do CII).
A doutrina ainda distingue o objecto imediato do objecto mediato da relação jurídica
tributária. O objecto imediato é o conteúdo da relação jurídica, é constituído pelo conjunto
de direitos e deveres que fazem parte da relação jurídica (por exemplo, do lado do sujeito
passivo temos a obrigação principal de pagar o tributo e o conjunto de obrigações ou
deveres acessórios que a lei preveja). O objecto mediato é a prestação (a prestação
principal e prestações acessórias). Vide SOARES MARTÍNEZ, pp. 264-268.
Finalmente, é importante não confundir o objecto da relação jurídica tributária com o
objecto do imposto. Como vimos, o objecto da relação jurídica fiscal abarca o objecto
imediato (os direitos e deveres dos sujeitos) e o objecto mediato (as prestações em que se
concretizam esses direitos e deveres). [Vide ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, p. 221.] O objecto
do imposto é “o bem, a situação, o facto ou a actividade sobre que incide a tributação”
(ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, p. 221), é a coisa sobre a qual o imposto incide (SOARES
MARTÍNEZ, p. 262).
Exemplo: Imposto sobre os Rendimentos do Trabalho – IRT (Grupo A). Objecto do
imposto: rendimentos do trabalho dependente (salário). Objecto imediato da relação
jurídica fiscal: direitos e deveres que com a verificação dos factos que definem a
incidência a lei define para o sujeito activo e para o sujeito passivo. Objecto mediato da
relação jurídica fiscal: as concretas prestações em que se concretizam esses direitos e
deveres.

5. Os sujeitos da relação jurídica tributária

5.1. O sujeito activo. A organização administrativa fiscal.

O sujeito activo. É sujeito activo da relação tributária a entidade que, ao abrigo de


normas de direito público, seja titular do direito de exigir o cumprimento da obrigação
tributária (cfr. art. 28.º, n.º 2, do CGT). E o direito de exigir o cumprimento da obrigação
tributária pode ser exercido directamente pelo sujeito activo ou, indirectamente, em sua
representação, pela Administração Tributária (cfr. art. 28.º, n.º 3, do CGT). O Estado
dispõe de órgãos e serviços com competências específicas em matéria tributária – a
Administração Tributária ou Administração Fiscal. Na relação jurídica tributária falamos já
não do Estado no papel de legislador (Estado-legislador) mas do Estado-administrador.
(SOARES MARTÍNEZ, pp. 206-207).

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CGT. Chama-se a atenção para a importância em termos práticos do n.º 2, do art. 38.º do
CGT: «Sempre que a direcção efectiva seja exercida no território nacional, mas a sede
estatutária se situe no exterior, considera-se domicílio o local dessa direcção efectiva.»
Sobre o conceito de estabelecimento estável, ver o art. 39.º, n.º 1: «compreende uma
instalação fixa, através da qual a empresa exerça toda ou parte da sua actividade».
Identificar o art. 39.º, n.os 1 e 2, do CGT como um caso de tipicidade aberta. JOSÉ CASALTA
NABAIS (p. 266) traz a distinção entre estabelecimentos reais (“instalação fixa”) e
estabelecimentos pessoais (“uma pessoa”). O CGT refere-se a estabelecimentos pessoais
no art. 39.º, n.º 3, ao estabelecer que «quando uma pessoa singular ou colectiva que não
seja um agente independente a que é aplicável o n.º 6 actue, no País, para uma empresa e
tenha ou habitualmente exerça, em território nacional, poderes para concluir contratos em
nome desta empresa, é considerado que a mesma tem aqui um estabelecimento estável
relativamente a qualquer actividade que essa pessoa exerça ou possa exercer para a
empresa, se a referida pessoa: dispuser de poderes para concluir habitualmente contratos
no País em nome da empresa ou não dispondo de tais poderes, conserve habitualmente no
País um «stock» de mercadorias para entrega por conta da empresa.» [Sublinhado nosso]

5.5. O número de identificação fiscal.


O Regime Jurídico do Número de Identificação Fiscal (Decreto Executivo n.º 366/17,
de 27 de Julho).

5.6. A substituição tributária


A substituição tributária. Noção e espécies. Nos termos do art. 45.º do CGT a
substituição fiscal dá-se “quando o imposto é exigido a pessoa diversa do contribuinte
efectivo” (n.º 1), e efectiva-se, em regra, mediante o mecanismo da retenção na fonte do
imposto devido” (n.º 2), considerando que a retenção na fonte “abrange as entregas
pecuniárias efectuadas pelo substituto tributário, deduzidas aos rendimentos pagos ou
postos à disposição do titular” (n.º 3). A técnica financeira mediante a qual a substituição
tributária se efectiva é a retenção na fonte. A retenção na fonte vem definida no art. 2.º, n.º
1, alínea w), do CGT, como a “dedução de um montante correspondente ao valor de um
determinado imposto, a favor da Administração Tributária, efectuada pela entidade
pagadora de um rendimento, por qualquer título, por conta do beneficiário deste”.
(sublinhado nosso) O art. 45.º, n.º 4, do CGT, fala-nos em dois tipos de retenção na fonte:
1) Retenção na fonte liberatória ou a título definitivo e 2) Retenção na fonte não
liberatória ou a título de pagamento por conta de imposto de terceiro.
1) Retenção na fonte liberatória ou a título definitivo. A retenção na fonte liberatória
ou definitiva é designada pela doutrina como “retenção na fonte em sentido próprio”
porque o imposto é retido de forma total e definitiva, mediante taxas liberatórias (“taxas
finais”). Aqui a substituição tributária é uma substituição total já que abrange tanto a
obrigação de imposto como a generalidade das obrigações acessórias. Ou seja, o
substituído além de não ter de, ele próprio, liquidar e entregar o seu imposto nos cofres do
Estado (uma vez que esta é uma obrigação que a lei atribui ao substituto, por via do
mecanismo da retenção da fonte) também não terá ele, o substituído, obrigações
declarativas, de entrega de declarações, nem terá ele a generalidade das obrigações

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acessórias, pois estas pertencerão, por força da lei, ao substituto. Por isso se diz que nos
casos em que a retenção na fonte é caracterizada como uma retenção liberatória ou
definitiva estamos perante uma substituição total: cobrindo tanto a obrigação de
imposto/obrigação principal, como a generalidade das obrigações acessórias. Exemplos:
retenção na fonte em sede de tributação dos rendimentos do trabalho dependente (CIRT –
Grupo A); tributação em sede do regime de tributação dos serviços acidentais (CII – art.
4.º, n.º 2, e art. 71 e ss).
2) Retenção na fonte não liberatória ou a título de pagamento por conta de imposto
de terceiro. A retenção na fonte não liberatória ou a título de pagamento por conta de
imposto de terceiro devido a final visa uma mera antecipação do pagamento do imposto, de
forma provisória, entendendo-se que o imposto não é retido de forma total e definitiva.
Atenda-se, por exemplo, aos impostos que são devidos apenas no final do ano. Assim, o
imposto que for sendo retido na fonte ao longo do ano, no final, com a apresentação da
declaração e liquidação definitiva do imposto, será levado em conta e deduzido à colecta,
ao valor do imposto a pagar no final do ano. Para o substituído fica então o cumprimento
de algumas obrigações acessórias, como a apresentação da declaração anual de
rendimentos para liquidação e pagamento definitivo do imposto. A substituição tributária
aqui não é total, é uma substituição parcial. Exemplo: liquidação e pagamento provisório
sobre prestação de serviços (CII – art. 67.º).
Sobre estes conceitos, v. JOSÉ CASALTA NABAIS, pp. 268-270.
Regime jurídico. O regime jurídico da substituição fiscal concretiza-se numa relação
triangular ou trilateral. Estamos perante uma relação jurídica de tipo triangular entre o
substituto, a Administração Fiscal e o contribuinte/substituído. Nessa relação «credor 
devedor» temos, do lado passivo/do devedor, um devedor originário (a quem vai ser
exigido em primeira linha o pagamento do imposto) que é o substituto, e um devedor não
originário (a quem vai ser exigido em segunda linha o pagamento do imposto) que é o
substituído ou o contribuinte (V. José Casalta Nabais, p. 271). Tomemos a seguinte
hipótese como ponto de partida para analisar a substituição fiscal: António, jovem de 25
anos, trabalha na empresa “ABC, Lda”, auferindo um salário mensal de AKZ 100 000,00.
Pergunta-se: Quem é o devedor do imposto? Este é um caso típico de substituição fiscal
em que o imposto vai ser exigido a pessoa diversa (ABC, Lda) do contribuinte efectivo (Sr.
António), nos termos do art. 45.º, n.º 1, do CGT. Porque, em concreto, nesta relação
jurídica de IRT (por conta de outrem) é à ABC, Lda que a lei atribui a obrigação de fazer a
liquidação, a retenção na fonte e a entrega do imposto devido nos cofres do Estado (art.
10.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do CIRT). Em IRT por conta de outrem a retenção na fonte é
definitiva ou a taxas liberatórias/taxas finais. A ABC, Lda é o devedor originário ou em
primeira linha enquanto substituto nesta concreta relação jurídica de imposto e o Sr.
António será o devedor não originário ou em segunda linha (substituído/contribuinte
efectivo) do imposto.

5.7. A responsabilidade tributária


A responsabilidade tributária. (Vide artigos 47.º a 49.º do CGT.) Quando se fala em
responsabilidade costuma-se separar a responsabilidade por dívidas próprias e a
responsabilidade por dívidas de outrem (ou dívidas alheias). A responsabilidade tributária

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Notas sobre a responsabilidade do substituto tributário. De acordo com o art. 74.º do


CGT, há na substituição tributária três situações de responsabilidade tributária, a saber:
‒ No caso de o imposto ter sido retido e não entregue nos cofres do Estado: o
substituto tributário fica exclusivamente responsável pelo pagamento da dívida tributária,
salvo quando se demonstre que o substituído tributário colaborou dolosamente na prática
da infracção, caso em que é responsável solidário com o substituto tributário (art. 74.º, n.º
3, do CGT). Nota: Em sede de Imposto sobre os Rendimentos do Trabalho (IRT), a falta de
entrega do imposto, ou a entrega de quantia inferior à descontada é punida com pena de
multa, igual ao dobro do quantitativo do imposto em falta, sem prejuízo de procedimento
criminal se se presumir a existência de crime (art. 32.º do CIRT). E nos termos do art.
179.º, n.º 2, al. a) do CGT, o substituto comete, se tiverem ocorrido mais de 90 dias sobre
o termo do prazo legal para a entrega da prestação, o crime de abuso de confiança fiscal.
‒ No caso de o imposto não ter sido retido:
o E a retenção seja por conta do imposto devido a final: o substituto é responsável
subsidiário pelo imposto não retido e pelos acréscimos legais (art. 74.º, n.º 1, do CGT);
o E a retenção seja definitiva: o substituto é solidariamente responsável com o
substituído pelo imposto não retido e pelos acréscimos legais (art. 74.º, n.º 2, do CGT).
Nota: Em sede de IRT, v. os artigos 20.º e 21.º do CIRT. E, nos termos do art. 31.º do
CIRT, sob a epígrafe “falta de retenção”, as entidades obrigadas à retenção de imposto
na fonte que não cumpram com essa obrigação são punidas com pena de multa nos termos
do Código Geral Tributário (n.º 1), e essa multa não pode ter um valor inferior a kz:
50.000,00 (n.º 2).

6. A transmissão da obrigação tributária


A transmissão da obrigação fiscal. O princípio da intransmissibilidade dos créditos e
das dívidas tributárias (artigos 42.º e 44.º do CGT). Excepções ao princípio da
intransmissibilidade dos créditos e das dívidas tributárias: art. 43.º do CGT (transmissão
por morte das dívidas tributárias) => transmissão da obrigação fiscal pelo lado passivo ou
sucessão legal; art. 56.º do CGT (pagamento por terceiro) => transmissão da obrigação
fiscal pelo lado activo ou sub-rogação nos direitos da Fazenda Pública. Garantias do
credor sub-rogado (art. 65.º do CGT). JOSÉ CASALTA NABAIS defende que deve estender-
se o instituto da sub-rogação ao direito de regresso dos responsáveis fiscais contra o
devedor originário ou contra os demais responsáveis solidários, contra alguma doutrina.
(JOSÉ CASALTA NABAIS, pp. 281-283.)

7. A extinção da relação jurídica tributária


(JOSÉ CASALTA NABAIS, pp. 285-290.)
Pagamento (art. 55.º do CGT). O pagamento é a forma normal de extinção da relação
jurídica tributária. O cumprimento extingue a obrigação fiscal. Como vimos, o
pagamento/cumprimento pode ser voluntário ou coercivo (art. 135.º do CGT). Pagamento
voluntário => possibilidade de pagamento em prestações (art. 136.º, n.os 3 e ss, do CGT).
O pagamento de juros de mora decorrido o prazo para pagamento voluntário. A distinção
entre juros de mora (art. 52.º do CGT) e juros compensatórios (art. 51.º do CGT). Limite
legal ao montante dos juros de mora => cinco anos (art. 52.º, n.º 4, do CGT). Findo o

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