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º ANO / 2020
Bibliografia: JOAQUIM FREITAS DA ROCHA/HUGO FLORES DA SILVA, Teoria Geral da Relação Jurídica
Tributária, Almedina, Coimbra, 2017; J. L. SALDANHA SANCHES, A quantificação da obrigação tributária:
deveres de cooperação, autoavaliação e avaliação administrativa, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 2000; JOSÉ CASALTA
NABAIS, Direito Fiscal, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2011, pp. 235-297; JÓNATAS E. M. MACHADO/PAULO
NOGUEIRA DA COSTA/OSVALDO MACAIA, Direito Fiscal Angolano Segundo a Reforma de 2014, Coimbra
Editora, Coimbra, 2015, pp.193-217; J. L. SALDANHA SANCHES/JOÃO TABORDA DA GAMA, Manual de
Direito Fiscal Angolano, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 201-234; AMÉRICO FERNANDO BRÁS
CARLOS, Impostos. Teoria Geral, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, pp. 57-85; ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA,
Princípios de Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 1979, pp. 147-318; SOARES MARTÍNEZ, Direito
Fiscal, 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, pp. 161-287.
1. Introdução.
O Direito Fiscal é um ramo do direito público. Vimos ao longo das nossas aulas vários
traços desta natureza publicista do Direito Fiscal:
O Direito Fiscal é um sub-ramo de um outro ramo do direito público que é o Direito
Financeiro (Público), sendo aquele que trata as receitas públicas unilaterais / receitas
tributárias unilaterais / impostos. Por isso usamos a expressão Direito Fiscal como
equivalente a «Direito dos Impostos».
Os impostos resultam de uma intromissão juridicamente regulada da Administração
na esfera patrimonial do cidadão (o direito de propriedade é também um direito
fundamental – art. 37.º da CRA, e as leis restritivas desses direitos têm de obedecer à
Constituição – art. 57.º da CRA), sendo-lhe exigido por lei um determinado sacrifício
patrimonial na medida da sua capacidade contributiva (como vimos, à luz do art. 88.º da
CRA). [J. L. SALDANHA SANCHES/JOÃO TABORDA DA GAMA, p. 165 e ss.]
No exercício da sua actividade, a Administração fiscal tem um conjunto de poderes
vinculados à lei quando se fala nos elementos essenciais do imposto (preeminência de lei,
prevalência de lei, precedência de lei, reserva absoluta de lei).
Como vimos, o imposto é uma prestação coactiva, quer dizer: ex lege ou
estabelecida por lei.
Enquanto prestação, a obrigação de imposto surge integrada na «relação jurídica
fiscal» ou «relação jurídica de imposto».
A obrigação de pagar o imposto nasce assim de uma relação jurídica determinada
anteriormente numa previsão legal de um tipo de imposto (e é esta previsão legal (=lei em
sentido formal) que vai tipificar o que vai ser tributado em sede daquele imposto (ou seja,
nas normas de incidência objectiva temos o conjunto de pressupostos que definem a
realidade sujeita a imposto/o facto tributável), “quem” paga o imposto (isto é, nas normas
de incidência subjectiva encontramos o conjunto de pressupostos que definem o sujeito
passivo) e o quantum da base tributável (base da medida do sacrifício patrimonial exigido).
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Concluindo, é a lei que define os elementos essenciais do imposto (art. 102.º, n.º 1, da
CRA – princípio da legalidade fiscal/ princípio da tipicidade).
O Estado e demais entes públicos surgem numa posição de supremacia na relação
jurídica de imposto, enquanto titulares de um jus imperii (poder de autoridade).
E a finalidade do imposto é financeira, ou até pode ser instrumento para alcançar
finalidades extrafinanceiras ou extrafiscais, sendo que o interesse é público, porque a
actividade financeira do Estado tem como propósito a satisfação das necessidades
colectivas.
O Direito Fiscal tem natureza publicista. Na summa divisio clássica “Direito Público” e
“Direito Privado”, enquadramos, portanto, o Direito Fiscal no Direito Público. E o
princípio da legalidade é um princípio estruturante no Direito Público. Pensemos noutros
ramos do Direito Público, como o Direito Penal e o Direito Administrativo, e recordemos o
papel central da lei. Facilmente contrapomos o princípio da legalidade do Direito Público
ao princípio da autonomia privada ou autonomia da vontade das partes no Direito Privado.
Veremos que o Direito Fiscal, que é um ramo do Direito Público, adoptou algumas
técnicas criadas pelo Direito Privado, como a relação jurídica (=> relação jurídica fiscal) e
a obrigação (=> obrigação fiscal).
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deve pagar a renda ao senhorio. Estamos então perante uma relação jurídica abstracta.
[P]odemos, ao invés, considerar a expressão com referência a uma relação jurídica
existente na realidade, entre pessoas determinadas, sobre um objecto determinado, e
procedendo de um facto jurídico determinado: o senhorio A pode exigir do inquilino B a
renda de € 500 pelo arrendamento do prédio X. estamos então perante uma relação
jurídica concreta”.
No seu art. 2.º, n.º 1, al. s), o CGT define relação jurídica tributária como «o vínculo
jurídico estabelecido entre o Estado ou entes públicos equiparados, enquanto
Administração Tributária, e as pessoas singulares ou colectivas e os entes fiscalmente
equiparados a estas, nos termos da lei». Esta definição legal ajuda-nos a perceber melhor o
conteúdo do art. 1.º do CGT que delimita o âmbito de aplicação do Código às relações
tibutárias e às relações de direito público que não tenham natureza tributária, quando assim
o determine a própria lei.
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abaixo desse plano legal comum, já a lei não é a origem, não é o facto constitutivo, nem de
umas, nem de outras. Essa origem, esse facto constitutivo, será, em todos os casos, um
evento previsto pela lei: um negócio jurídico, um acto delituoso, um facto tributário. (…)
As obrigações ou são sempre legais, só a norma jurídica tendo vigor suficiente para as
constituir, e cabendo ao facto legalmente previsto o papel de simples condição, ou são
criadas por esse facto. Esta segunda solução parece preferível. As obrigações, mesmo as
ditas legais, não encontram na lei a sua origem directa, imediata, até porque a norma, pela
sua generalidade e abstracção, não cria directamente situações individuais, concretas,
subjectivas. A origem de uma obrigação jurídica há-de estar sempre num facto pela lei
previsto e que da lei recebe o vigor bastante para constituir a obrigação. (…) Realmente, a
origem de uma relação jurídica está sempre num facto pela lei previsto. É essa previsão
legal, e não a circunstância de tal facto ser ou não voluntário, que lhe confere o vigor para
desencadear certos efeitos jurídicos. (…) Pode justificar-se a distinção frequentemente
estabelecida entre obrigações legais, ou «ex lege», e obrigações voluntárias, negociais ou
contratuais; mas não assentando o critério de destrinça na diversidade de origem das
obrigações. O que distingue umas das outras é a intervenção maior ou menor da lei na
definição do respectivo conteúdo. No caso das obrigações legais o seu conteúdo é fixado
pela lei; no caso das obrigações voluntárias a lei permite que esse conteúdo seja
preenchido, em termos mais ou menos amplos, conforme os casos, pela vontade das
partes.» (SOARES MARTÍNEZ, pp. 173-174.)
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define-o como «aquele facto que conjuga os pressupostos previstos na lei tributária.» O
facto tributário combina os pressupostos tributários e desta conjugação nasce a relação
jurídica tributária. O autor define os pressupostos tributários como «aquelas situações,
pessoais e reais, previstas, expressa ou tacitamente, pelas normas de incidência tributária.»
(SOARES MARTÍNEZ, p. 184.)
«Artigo 24.º
(Constituição)
A obrigação tributária constitui-se com a verificação dos factos que definem a
incidência do respectivo tributo, salvo nos casos previstos na lei.»
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2) Dimensão formal (ou quantitativa): diz respeito à matéria colectável (que é a base
de rendimentos à qual se aplica a taxa do imposto). A “intensidade” do facto tributário irá
depender do nível de capacidade contributiva, isto é, do nível de rendimento, do valor do
património ou da natureza dos bens consumidos.
3) Dimensão espacial: diz respeito ao lugar da ocorrência do facto tributário, com
base nos princípios da territorialidade e da fonte. Chama-se aqui a temática da
nacionalidade e da residência do contribuinte. Ver, a propósito da aplicação da lei fiscal no
espaço, o art. 9.º do CGT.
4) Dimensão temporal: diz respeito ao momento da realização do facto tributário e à
aplicação das leis fiscais no tempo. É importante ver a data em que se considera ocorrido o
facto tributário, se é de formação imediata (ex.: emissão de factura, aquisição de um
imóvel), ou de formação sucessiva (ex.: obtenção de lucros, obtenção de rendimentos do
trabalho). Vimos nas nossas aulas também a problemática da aplicação das leis fiscais no
tempo (art. 102.º, n.º 2, da CRA e art. 8.º do CGT).
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CGT. Chama-se a atenção para a importância em termos práticos do n.º 2, do art. 38.º do
CGT: «Sempre que a direcção efectiva seja exercida no território nacional, mas a sede
estatutária se situe no exterior, considera-se domicílio o local dessa direcção efectiva.»
Sobre o conceito de estabelecimento estável, ver o art. 39.º, n.º 1: «compreende uma
instalação fixa, através da qual a empresa exerça toda ou parte da sua actividade».
Identificar o art. 39.º, n.os 1 e 2, do CGT como um caso de tipicidade aberta. JOSÉ CASALTA
NABAIS (p. 266) traz a distinção entre estabelecimentos reais (“instalação fixa”) e
estabelecimentos pessoais (“uma pessoa”). O CGT refere-se a estabelecimentos pessoais
no art. 39.º, n.º 3, ao estabelecer que «quando uma pessoa singular ou colectiva que não
seja um agente independente a que é aplicável o n.º 6 actue, no País, para uma empresa e
tenha ou habitualmente exerça, em território nacional, poderes para concluir contratos em
nome desta empresa, é considerado que a mesma tem aqui um estabelecimento estável
relativamente a qualquer actividade que essa pessoa exerça ou possa exercer para a
empresa, se a referida pessoa: dispuser de poderes para concluir habitualmente contratos
no País em nome da empresa ou não dispondo de tais poderes, conserve habitualmente no
País um «stock» de mercadorias para entrega por conta da empresa.» [Sublinhado nosso]
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acessórias, pois estas pertencerão, por força da lei, ao substituto. Por isso se diz que nos
casos em que a retenção na fonte é caracterizada como uma retenção liberatória ou
definitiva estamos perante uma substituição total: cobrindo tanto a obrigação de
imposto/obrigação principal, como a generalidade das obrigações acessórias. Exemplos:
retenção na fonte em sede de tributação dos rendimentos do trabalho dependente (CIRT –
Grupo A); tributação em sede do regime de tributação dos serviços acidentais (CII – art.
4.º, n.º 2, e art. 71 e ss).
2) Retenção na fonte não liberatória ou a título de pagamento por conta de imposto
de terceiro. A retenção na fonte não liberatória ou a título de pagamento por conta de
imposto de terceiro devido a final visa uma mera antecipação do pagamento do imposto, de
forma provisória, entendendo-se que o imposto não é retido de forma total e definitiva.
Atenda-se, por exemplo, aos impostos que são devidos apenas no final do ano. Assim, o
imposto que for sendo retido na fonte ao longo do ano, no final, com a apresentação da
declaração e liquidação definitiva do imposto, será levado em conta e deduzido à colecta,
ao valor do imposto a pagar no final do ano. Para o substituído fica então o cumprimento
de algumas obrigações acessórias, como a apresentação da declaração anual de
rendimentos para liquidação e pagamento definitivo do imposto. A substituição tributária
aqui não é total, é uma substituição parcial. Exemplo: liquidação e pagamento provisório
sobre prestação de serviços (CII – art. 67.º).
Sobre estes conceitos, v. JOSÉ CASALTA NABAIS, pp. 268-270.
Regime jurídico. O regime jurídico da substituição fiscal concretiza-se numa relação
triangular ou trilateral. Estamos perante uma relação jurídica de tipo triangular entre o
substituto, a Administração Fiscal e o contribuinte/substituído. Nessa relação «credor
devedor» temos, do lado passivo/do devedor, um devedor originário (a quem vai ser
exigido em primeira linha o pagamento do imposto) que é o substituto, e um devedor não
originário (a quem vai ser exigido em segunda linha o pagamento do imposto) que é o
substituído ou o contribuinte (V. José Casalta Nabais, p. 271). Tomemos a seguinte
hipótese como ponto de partida para analisar a substituição fiscal: António, jovem de 25
anos, trabalha na empresa “ABC, Lda”, auferindo um salário mensal de AKZ 100 000,00.
Pergunta-se: Quem é o devedor do imposto? Este é um caso típico de substituição fiscal
em que o imposto vai ser exigido a pessoa diversa (ABC, Lda) do contribuinte efectivo (Sr.
António), nos termos do art. 45.º, n.º 1, do CGT. Porque, em concreto, nesta relação
jurídica de IRT (por conta de outrem) é à ABC, Lda que a lei atribui a obrigação de fazer a
liquidação, a retenção na fonte e a entrega do imposto devido nos cofres do Estado (art.
10.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do CIRT). Em IRT por conta de outrem a retenção na fonte é
definitiva ou a taxas liberatórias/taxas finais. A ABC, Lda é o devedor originário ou em
primeira linha enquanto substituto nesta concreta relação jurídica de imposto e o Sr.
António será o devedor não originário ou em segunda linha (substituído/contribuinte
efectivo) do imposto.
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