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DIREITO FISCAL

2.ª Aula

DIREITO FINANCEIRO, DIREITO TRIBUTÁRIO (DIREITO DOS TRIBUTOS) E


DIREITO FISCAL1

O Direito Financeiro é o ramo do direito que disciplina a atividade económica do


Estado no que respeita quer à obtenção de receitas e quer à realização de despesas para satisfazer
as necessidades públicas. Trata do que se designa habitualmente por finanças públicas.

Dentro do Direito Financeiro, encontramos conjuntos de normas específicos sobre a


forma como se consegue obter receitas, como são o direito patrimonial público (receitas do
património mobiliário, imobiliário e empresarial do Estado), o direito do crédito público
(disciplina o recurso ao crédito pelas entidades públicas e a gestão da dívida pública) e o direito
tributário ou direito fiscal (normas que disciplinam a obtenção coativa de receitas através de
tributos liquidados e cobrados sobre a atividade de pessoas singulares e de pessoas coletivas).

O direito tributário ou direito fiscal (vamos utilizar estas duas designações como
sinónimas) trata das normas que visam a obtenção de receitas coativas e unilaterais, que são os
impostos, ou bilaterais, que são as taxas.

De forma sintética podemos dizer que a unilateralidade advém de o pagador desse


tributo (no caso, um imposto) não conseguir determinar qualquer prestação concreta de que seja
individualmente beneficiário; já a bilateralidade de um tributo (normalmente as taxas) resulta
de ser possível ao pagador determinar um benefício individual concreto. Esta matéria é
desenvolvida mais à frente.

Numa perspetiva mais ampla, tendo em conta a estrutura da uma relação jurídica,
diremos que o direito tributário é o conjunto de normas que regula a constituição, modificação
e extinção das relações jurídicas tributárias estabelecidas entre as entidades públicas com

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Jónatas E. M. MACHADO e Paulo Nogueira da COSTA, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra: Editora
Almedina, 2018. p. 10 e 11.

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poderes tributários (especialmente o Estado, mas não só…) e os sujeitos passivos, e inclui as
normas referentes à constituição da obrigação tributária (incidência, taxa e benefícios fiscais),
bem como à liquidação e à cobrança dos tributos.

Na verdade, o sistema tributário é, entre nós, mais amplo do que o sistema fiscal. Nos
termos da lei, existem três tipos básicos de tributos: os impostos, as taxas e as contribuições
financeiras (art. 3.º, n.º 2, da LGT). Quando se fala em sistema fiscal tem-se em vista apenas
o sistema de impostos, sem incluir as taxas ou quaisquer outros tributos.2

Constituição Portuguesa » a intromissão fiscal na Constituição é um aspeto de


grande relevo no direito português, porque as normas constitucionais não se limitam apenas
a criar regras de natureza formal.

A Constituição vai mais longe e consagra não apenas o princípio da reserva


legal, mas também os aspetos centrais do sistema fiscal português. É o que
consta da Constituição, como ver-se pelos dispositivos constitucionais:

Art. 103.º da CP: “1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades
financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição
justa dos rendimentos e da riqueza. 2. Os impostos são criados por lei,
que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as
garantias dos contribuintes. 3. Ninguém pode ser obrigado a pagar
impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que
tenham natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não
façam nos termos da lei.”

Art. 165.º da CP: “É da exclusiva competência da Assembleia da


República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao
Governo: (…) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das
taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades
públicas; (…)”

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Jónatas E. M. MACHADO e Paulo Nogueira da COSTA, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra: Editora
Almedina, 2018. p. 10.

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Assim, nos termos da CRP, as despesas públicas devem, em princípio, ser financiadas
via fiscal. Para além disso, o legislador constituinte confia no potencial redistributivo dos
impostos, donde resulta que o legislador ordinário deve assegurar que o sistema fiscal é apto a
reduzir as desigualdades sociais.3

OS TRIBUTOS: DISTINÇÃO CONCEITUAL E CLASSIFICAÇÃO4

OS IMPOSTOS

CONCEITO

Já compreendemos que a doutrina reconhece o conceito de tributo como mais


abrangente do que o de imposto. Ao falar em tributo, deve-se ter em mente os impostos, as
taxas e as demais contribuições financeiras, entre as quais encontram-se as contribuições
especiais.

O que é o imposto? Qual o seu conceito?

Ora, esta distinção é importantíssima, uma vez que a disciplina constitucional


aplicável aos impostos, que é chamada Constituição Fiscal, determina regras
distintas para os impostos (regras estas com base no art. 165 da CRP, em especial
a reserva legal).

Conceito » o imposto corresponde a “uma prestação resultante da obrigação jurídica


tributária”.

Nos termos do art. 3.º, n.º 2, da LGT, os impostos são uma das espécies de tributos, a
par com as raxas e as demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas.

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Jónatas E. M. MACHADO e Paulo Nogueira da COSTA, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra: Editora
Almedina, 2018. p. 11.
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Jónatas E. M. MACHADO e Paulo Nogueira da COSTA, Curso de Direito Tributário, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra
Editora, 2012.

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O art. 4.º da LGT estabelece que “1 - Os impostos assentam essencialmente na
capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização
e do património.”

ELEMENTOS DO IMPOSTO

São traços fundamenais da figura do imposto como receita tributária: (1) haver uma
obrigação legal que tem por objeto uma prestação patrimonial; (2) ser uma receita definitiva;
(3) ser uma receita unilateral.5

Ou seja, imposto pode apresentar três elementos: i) Elemento objetivo; ii) Elemento
subjetivo; iii) Elemento teleológico.

OBJETIVOS SUBJETIVOS TELEOLÓGIO


» PRESTAÇÃO » PRESTAÇÃO DEVIDA » PRESTAÇÃO
PATRIMONIAL OU POR DETENTORES DE DESTINADA À
PECUNIÁRIA CAPACIDADE SATISFAÇÃO DE FINS
» DEFINITIVA CONTRIBUTIVA PÚBLICOS
» COATIVA » A FAVOR DE
» UNILATERAL ENTIDADES QUE
» ESTABELECIDA EXERÇAM
PELA LEI ATIVIDADES OU
FUNÇÕES PÚBLICAS

Vejamos cada um deles.

i) Elementos objetivos

1.º Elemento objetivo » uma prestação patrimonial ou pecuniária. O que isso quer
dizer?

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Jónatas E. M. MACHADO e Paulo Nogueira da COSTA, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra: Editora
Almedina, 2018. p. 11.

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Uma prestação significa que uma pessoa faz algo a favor de outra: neste caso essa
prestação corresponde a uma entrega de dinheiro (pecunia). Essa entrega é obrigatória,
nos termos e nos prazos das diversas normas relativas aos impostos (ou seja, por
exemplo, o CIRS ou CIRC); corresponde, portanto, ao conteúdo de um vínculo
obrigacional (constitui uma obrigação jurídica, nos termos do artigo 397.º do Código
Civil) entre um devedor (sujeito passivo da obrigação) e um credor (sujeito ativo da
obrigação).

Por outras palavras, por força desse vínculo obrigacional de origem legal, o devedor
(normalmente o contribuinte) tem que prestar ao credor (normalmente o Estado) a
quantia correspondente ao imposto.

Alerte-se, desde já, para o facto de, ao lado da obrigação fiscal principal (pagamento do
imposto) existirem muitas outras obrigações fiscais secundárias ou acessórias (entregar
a declaração periódica, possuir contabilidade organizada, prestar informações, efetuar
retenções de imposto, etc.). Por isso se diz, como iremos estudar mais à frente, que a
obrigação tributária é complexa quer porque não se trata apenas de pagar o imposto,
quer porque, como veremos, não é só o contribuinte que tem obrigações perante as
finanças.

A prestação tributária relativa ao imposto é patrimonial (implica a ablação de património


do contribuinte), tem um valor pecuniário e é paga em dinheiro («pecuniaridade»).

Leia-se, a este propósito, o artigo 40.º da LGT: «as prestações tributárias são pagas em
moeda corrente ou por cheque, débito em conta, transferência conta a conta e vale postal
ou por outros meios utilizados pelos serviços dos correios ou pelas instituições de
crédito que a lei expressamente autorize».

Assim é mesmo que o pagamento ocorra coercivamente, após um processo de execução


fiscal no decurso do qual são apreendidos bens do devedor. Estes, porém, são vendidos
(artigo 248.º do Código de Procedimento e Processo Tributário - CPPT) e com o produto
da venda é paga a dívida do imposto (artigo 261.º do CPPT) a qual, portanto, é paga em
dinheiro e não em espécie.

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É, no entanto, possível, excecionalmente, o cumprimento da obrigação tributária através
de dação em cumprimento (entrega de bens no valor da dívida, artigo 847.º do CC) quer
quando esse pagamento é obtido de forma coativa, através de um processo executivo
(artigo 201.º do CPPT), quer quando é voluntário.

São, todavia, situações excecionais que não põem em causa a «pecuniaridade» do


imposto.

Não se pode pagar o imposto prestando um serviço, como é o caso do serviço militar
obrigatório ou do serviço cívico, ou cedendo bens que em certas circunstâncias podem
ser exigidos aos particulares, como acontece na requisição administrativa ou na
expropriação por utilidade pública (estas distinguem-se ainda dos impostos por darem
lugar a uma indemnização).

2.ª Elemento objetivo » prestação definitiva – é definitiva porque o “pagador” não tem
direito a qualquer reembolso ou restituição do imposto devido.

Se é definitivo e não dá direito a reembolso, como poderei ter de volta o valor


de imposto que paguei a mais, em excesso e na eventualidade em que o imposto
venha a ser anulado?

Ora, a definitividade não é prejudicada, pois o imposto pago a mais ou anulado


não é um imposto devido!

Exemplo I. No caso do imposto que é liquidado ao final do exercício


(no caso de retenção na fonte ou pagamentos por conta). Se o
montante for superior ao que vier a ser verificado como devido, deve ser
restituído.

Exemplo II. Empréstimos públicos forçados – a diferença entre imposto


e estes tipos de empréstimos é que nestes últimos a parte que o pagou tem
direito a reembolso.

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3.ª Elemento objetivo » prestação coativa. Uma prestação coativa, ou seja, é imposta
por lei (artigo 36.º LGT) e ao seu incumprimento corresponde uma sanção, ainda que o
facto ou situação tributada dependam da vontade do contribuinte (por exemplo: comprar
ou não um automóvel, pagando, consequentemente o Imposto sobre o Valor
Acrescentado (IVA) e o Imposto sobre Veículos (ISV); exercer ou não uma atividade
empresarial, pagando IRS ou IRC, são opções dos contribuintes mas que, uma vez
tomadas, originam, necessariamente, obrigatoriamente, o dever de pagar imposto).

Há que referir, neste contexto, os contratos fiscais, como situação excecional


(artigo 37.º da LGT): em especial os contratos de concessão de benefícios fiscais
previstos no Código Fiscal do Investimento – DL 249/2009, 23/9 – e nos acordos
sobre preços de transferência (advance price agreements) previstos no 138.º do
IRC e tratados na Portaria n.º 620-A/2008 de 16/7.

Podem ainda ter-se em conta os domínios da transação judicial em matéria fiscal


(artigos 1248.º e 1249.º do CC) e o dos acordos em matéria de revisão da matéria
coletável determinada por métodos indiretos (artigo 92.º da LGT) como áreas
específicas em que surge a contratualização no Direito Fiscal. Estes acordos
podem dizer respeito às taxas aplicáveis, aos rendimentos que integram a matéria
tributável, às despesas que se podem deduzir, etc.

Em conclusão, deve reter-se, para a caraterização do imposto como prestação


coativa, que o facto de se admitir, em certos contextos, a contratualização de
alguns aspetos da obrigação tributária não põe em causa a sua característica geral
de coatividade legal.

4.º Elemento objetivo » prestação unilateral. Porquê é uma prestação unilateral?


Porquê no imposto não existe nenhuma contrapartida individualizada devida ao
“pagador”.

Uma definição bastante precisa da unilateralidade do imposto é a que consta do


art. 16 do CTN Brasileiro, citado por Casalta Nabais: “ imposto é o tributo cuja
obrigação tem por facto gerador uma situação independente de qualquer
atividade estatal específica relativa ao contribuinte”.

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5.º Elemento objetivo » prestação estabelecida por lei - o imposto é estabelecido por
lei. É o que estabelece o art. 36, n.ºs 1 e 2 da LGT: “1 - A relação jurídica tributária
constitui-se com o facto tributário. 2 - Os elementos essenciais da relação jurídica
tributária não podem ser alterados por vontade das partes.”

Como veremos quando estudarmos o princípio da legalidade, a criação e a


extinção do imposto, bem como todos os seus elementos essenciais, quais
sejam, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e a garantia dos
contribuintes, devem ser criados – obrigatoriamente -, por lei da Assembleia
da República ou Decreto-Lei do governo, autorizado por àquela.

É o que dispõe o art. 103 da CRP: “Artigo 103.º (Sistema fiscal) O sistema fiscal
visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades
públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza. Os impostos são
criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as
garantias dos contribuintes. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que
não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza
retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

ii) Elementos subjetivos

1.º Elemento subjetivo » prestação devida por detentores de capacidade contributiva


(que podem ser individuais ou coletivos).

O que significa capacidade contributiva?

A capacidade contributiva corresponde a capacidade de pagar impostos e tem


duas dimensões: i) só paga impostos quem tiver capacidade contributiva; ii) só
paga impostos na medida da capacidade contributiva.

Esta capacidade assenta no rendimento, no património ou na despesa. É ai onde


entra o critério material da igualdade ou da justiça fiscal, que veremos mais
detalhadamente a seguir.

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É o que prevê, também, o art. 4.º da LGT: “1 - Os impostos assentam
essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através
do rendimento ou da sua utilização e do património.”

2.º Elemento subjetivo » a prestação deverá ser a favor de entidades que exerçam
funções ou tarefas públicas.

Que entidades são estas?

Na verdade, ao prever entidades ao invés unicamente do Estado, pretendeu-se


não limitar a titularidade ativa, incluindo, assim, como beneficiárias, as
pessoas coletivas públicas.

Quem são as pessoas coletivas públicas?

O Estado, as Autarquias locais (Municípios), as Regiões Autônomas (Madeira e


Açores), etc.

E só as pessoas coletivas públicas podem ser beneficiárias das receitas oriundas


dos impostos?

Não, admite-se a hipótese de impostos a favor de pessoas privadas que exerçam


funções públicas.

Exemplos: Concessionárias de autoestradas (Brisa), concessionárias de


obras públicas, serviços públicos ou exploração de bens de domínio
público (ouro e outros minérios), etc.

Mas deve-se chamar a atenção para uma especificidade » as referidas


funções públicas têm que assumir caráter geral.

Se porventura beneficiarem a uma categoria distinta, como as


associações públicas, como as ordens profissionais, que têm por

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missão o financiamento de tarefas públicas muito especiais (interesses
peculiares aos membros das referidas associações), são financiadas pelos
chamados impostos especiais (“impostos associativos”).

iii) Elemento teleológico

Elemento teleológico » em função da finalidade e aplicação das receitas - prestação


destinada à satisfação de fins públicos.

A finalidade essencial do imposto é abastecer o erário das entidades públicas,


com vista ao financiamento das despesas necessárias à sua atividade de
satisfação das necessidades coletivas.

Além disso, como refere o art. 103, n.º 1, da CRP: “o sistema fiscal visa a
satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e
uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza”.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

Jónatas E. M. MACHADO e Paulo Nogueira da COSTA, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed.,
Coimbra: Editora Almedina, 2018. p. 9-13.

Jónatas E. M. MACHADO e Paulo Nogueira da COSTA, Curso de Direito Tributário, 2.ª ed.,
Coimbra: Coimbra Editora, 2012. p. 7-13.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7.ª Edição. Coimbra: Editora Almedina. p. 29-90.

Américo Fernando Brás Carlos, Impostos – Teoria Geral, 3.ª Edição. Coimbra: Editora
Almedina. p. 25-64.

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J.L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 2ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora. p. 9-
30.

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