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Direito Fiscal das Empresas: Responsabilidade Tributária

Subsidiária e Reversão
12 de Outubro, 2008 || 1454 Visualizações

Autora: Ana Rita Calmeiro - Advogada

1. Introdução
A relação jurídica tributária é unanimemente considerada extremamente complexa, quer ao
nível dos titulares dos diferentes poderes tributários, quer ao nível dos diversos sujeitos
passivos, quer quanto ao seu conteúdo, desde logo porque além dos diversos titulares
possíveis, a relação jurídica fiscal se desdobra, de um lado, na relação de imposto (relação
fiscal material) e, de outro, em diversas relações jurídicas acessórias (relações fiscais formais)
.
Com efeito, a relação jurídica tributária depende da produção de um acto tributário, génese
definida no n.º 1 do art. 36.º da Lei Geral Tributária (doravante LGT), onde se lê: “A relação
jurídica tributária constitui-se com o facto tributário”. Dizer-se que a relação jurídica
tributária se constitui com o facto tributário não significa que ela dependa sempre de uma
intervenção administrativa, pois “a relação jurídica tributária pode, contudo ter lugar sobre
diversas formas: enquanto, em impostos como o IRC e o IVA, a obrigação tributária pode
constituir-se e extinguir-se sem qualquer intervenção administrativa, no IRS, depois de
cumpridos os deveres de cooperação do sujeito passivo, deve haver um acto tributário, ainda
que seja produzido como o típico acto de produção massificada” .
No entanto, por determinação legal, a verificação do facto tributário tem como resultado
directo e imediato uma relação jurídica tributária cujo núcleo é constituído pela obrigação de
imposto, estruturalmente um direito de crédito com uma série de características especiais que
a diferenciam das obrigações jurídicas privadas . Com efeito, estamos perante uma obrigação
legal, isto é, que decorre do encontro do facto tributário com a hipótese legal; de uma
obrigação pública, sujeita a uma disciplina de direito público (presunção de legalidade do acto
de liquidação); de uma obrigação exequível, executiva e semi-executória (a execução corre
parcialmente na administração tributária); de uma obrigação indisponível e irrenunciável; de
uma obrigação auto-titulada (as certidões de dívida extraídas pela administração fiscal são os
seus próprios títulos executivos); e, finalmente, estamos diante de uma obrigação rodeada por
garantias especiais, garantias que colocam o credor tributário numa posição privilegiada.
O credor tributário, o sujeito activo da relação jurídica tributária, é a entidade de direito
público, não necessariamente o Estado (podendo tratar-se das Tesourarias da Fazenda Pública,
da Direcção-Geral das Alfândegas, das Regiões Autónomas, Autarquias locais, Institutos
Públicos), titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer
directamente, quer através de representante (art. 18.º, n.º 1 e n.º 2 da LGT). Neste pólo da
relação tributária encontramos alguma facilidade na determinação da entidade que detém o
poder de exigir o cumprimento da obrigação tributária, o mesmo não sucedendo com o lado
passivo da relação jurídica em análise, como veremos. A titularidade activa da relação jurídica
tributária, como dizíamos, parece depender da prossecução de interesses colectivos, pois é
para sua realização que se justifica a tributação.
O sujeito passivo da relação jurídica tributária é a pessoa singular ou colectiva, o património
ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento
da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável (art. 18.º, n.º
3 da LGT).
No presente trabalho propusemo-nos analisar os fundamentos e o processo de efectivação da
responsabilidade subsidiária dos gestores de pessoas colectivas e dos entes fiscalmente
equiparados, pois assume grande relevância prática a compreensão de um regime que
justificou para o legislador a derrogação do princípio da capacidade contributiva ou o

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afastamento do princípio constitucional da intransmissibilidade das penas. Uma análise da
responsabilidade tributária subsidiária e da responsabilidade civil pelas multas e coimas
permitir-nos-á aferir da bondade ou da perversidade maquiavélica da responsabilidade e da
sua inseparável reversão.

1.1. O Sujeito Passivo da Relação Jurídica Tributária


Iniciando o nosso iter pela averiguação da “mutabilidade” do sujeito passivo, é necessário
começar por compreender que a personalidade tributária não coincide com a personalidade
jurídica, admitindo-se como sujeitos de relações jurídicas tributárias entidades que para outros
ramos do Direito não são susceptíveis de serem titulares de direitos e obrigações (art. 2.º, al.
b) CIRC; art. 4.º CPPT), o que revela a especial relevância que o direito fiscal confere às
situações económicas em detrimento das situações jurídicas (qualquer vantagem económica
deve ser tributada, ainda que provenha de uma situação ilícita).
Assente que o sujeito passivo da relação jurídica tributária não tem de ser uma pessoa jurídica
(pode ser uma sociedade irregular, um estabelecimento estável), ainda é necessário deter a
nossa atenção no facto de o sujeito passivo poder não coincidir com o titular da capacidade
contributiva. Como decorre do art. 18.º, n.º 3 da LGT, a par do contribuinte são nomeados o
substituto e o responsável, o que corresponde, no entender de Saldanha Sanches, “a uma
tomada de consciência do legislador sobre a crescente importância destas figuras nas relações
tributárias” . Mas que figuras são estas?
O sujeito passivo da relação fiscal é toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a que a lei
imponha o dever de efectuar uma prestação tributária, seja a prestação de imposto, sejam as
prestações correspondentes às obrigações acessórias.
O contribuinte é a pessoa relativamente à qual se verifica o facto tributário, o titular da
manifestação de capacidade contributiva – é um devedor do imposto a título directo,
originário e principal.
O substituto tributário é a pessoa diferente do contribuinte a quem, por imposição da lei, a
prestação tributária é exigida, concretizando-se a substituição fiscal na técnica da retenção na
fonte. O substituto é um retentor do imposto. No art. 20.° da vigente LGT dá-se a noção de
substituição tributária dizendo que se verifica quando, por imposição da lei, a prestação
tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte, concretizando-se a mesma na técnica
de retenção na fonte do imposto devido.
Há que distinguir entre substituição total, que ocorre quando a substituição abrange tanto a
obrigação de imposto como a generalidade das obrigações ou deveres fiscais acessórios, o que
acontece no caso de retenção na fonte com carácter definitivo do imposto - caso dos
rendimentos das pessoas singulares tributados em IRS através de taxas liberatórias (art. 71.°
do CIRS) e dos rendimentos de pessoas colectivas não residentes e sem estabelecimento
estável em território português tributados em IRC (art. 88.°, n.° 3, do CIRC), e substituição
parcial, que se verifica quando o substituído tiver de cumprir a generalidade ou apenas alguns
dos deveres fiscais acessórios.
Antes do Decreto-Lei n.º 47/95, que introduziu no então art. 15.° do CPT a referência aos
pagamentos por conta relativamente às retenções na fonte, os pagamentos por conta eram
entendidos como referindo-se aos pagamentos feitos pelo próprio contribuinte mas, a partir
daquela alteração, os pagamentos por conta constituem entregas pecuniárias antecipadas
efectuadas pelos sujeitos passivos no período de formação do facto tributário, sejam estes
contribuintes ou terceiros.
É que, nos termos do art. 18º nº 3 da LGT o sujeito passivo da relação tributária é a pessoa
singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da
lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo,
substituto ou responsável.
Esta solução de abarcar no conceito de sujeito passivo os contribuintes e os substitutos ou
responsáveis tinha já sido adoptada pelo art. 10º do CPT, e, como salientam Diogo Leite

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Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge de Sousa , o interesse desta noção releva
essencialmente para efeitos de aferição da legitimidade procedimental ou processual, que está
regulada nos arts. 65.º da LGT ( para o procedimento tributário) e 37º c) do CPT (ou art. 9º do
CPPT), resultando destes normativos que têm legitimidade os sujeitos passivos das relação
tributária, incluindo-se nestes os contribuintes originários, substitutos e responsáveis, e
quaisquer outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras
pessoas que provem interesse legalmente protegido.
No que tange à legitimidade processual e/ou interesse processual ou interesse em agir,
expende-se no Ac. do STA de 4/5/94 , que tem legitimidade para impugnar a liquidação
tributária quem nela figura como sujeito passivo do imposto liquidado e tem interesse
processual em agir quem obtiver com a anulação do acto tributário, de obrigado principal para
obrigado subsidiário pelo pagamento do imposto.
A figura da substituição tributária está prevista no art. 20.º e no art. 28º da LGT, de onde
resulta que na substituição tributária o substituto retira «ex lege» o contribuinte da relação
tributária ocupando o lugar dele e ficando desse modo como único sujeito passivo do imposto.

Ou seja:- o responsável subsidiário é transformado em devedor do imposto, sendo o


substituído desonerado de qualquer responsabilidade pelo seu pagamento.
Na realidade, a substituição tributária ocorre quando a lei determina que um dado sujeito se
substitua àquele relativamente ao qual se verificou o facto tributário, ocupando o seu lugar na
obrigação de imposto, via de regra beneficiando do direito de haver aquilo que por sua vez
pagou. As relações mais importantes no caso da substituição tributária estabelecem-se entre o
substituto e a Administração Fiscal, sendo em relação ao substituto que, em primeira linha,
incumbem os deveres instrumentais relativos à posição tributária do substituído bem como os
direitos processuais de reclamação e impugnação. O substituto é o verdadeiro sujeito passivo
do imposto pois só a ele é que é exigível o pagamento voluntário ou coercivo desde o início.
Em suma, a substituição tributária é uma figura que resulta directamente da lei e que tem
lugar desde o início da relação fiscal.
Como refere Casalta Nabais : “... quanto ao regime jurídico da substituição tributária,
devemos dizer que ele se concretiza numa relação de tipo triangular entre o substituto, a
administração fiscal e o contribuinte ou substituído. Pois bem, nesta relação triangular, temos,
no respeitante à relação entre o credor (Fisco) e o devedor, um devedor primário, em primeira
linha ou originário, que é o substituto, e um devedor secundário, de segunda linha ou
responsável subsidiário, que é o substituído ou contribuinte. Depois, no respeitante à relação
entre o substituto e o substituído, temos um direito de retenção ou de regresso do substituto
face ao substituído ou contribuinte”; e ainda: “De acordo com o art. 28.° da LGT, há na
substituição tributária três situações de responsabilidade tributária, (assumindo esta expressão
responsabilidade fiscal tem aqui um sentido muito amplo, já que se refere não apenas aos
devedores acessórios do imposto, aos responsáveis fiscais em sentido estrito, mas também ao
devedor principal do imposto), a saber: l) no caso de o imposto ter sido retido e não entregue
nos cofres do Estado, o substituto é o único responsável, ficando o substituído desonerado de
qualquer responsabilidade pelo seu pagamento, caso em que o substituto comete, nos termos
do art. 105.° do RGIT, o crime de abuso de confiança fiscal; 2) na hipótese de a retenção ser
efectuada a título de pagamento por conta do imposto do substituído ou contribuinte devido a
final, cabe a este a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a
responsabilidade subsidiária; 3) nos restantes casos de retenção na fonte, isto é, nos casos em
que a retenção não é a título de pagamento por conta do imposto do contribuinte devido a
final, em que o substituto não procede à retenção, o substituto é o responsável originário e o
substituído o responsável subsidiário pelo pagamento das importâncias que deviam ter sido
retidas e não o foram, sem embargo de ficarem a cargo do substituído os juros compensatórios
devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo para a apresentação da declaração
pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior”.

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As pessoas solidária ou subsidiariamente responsáveis pelo pagamento do imposto, incluindo
os que o suportam efectivamente como encargo fiscal nos casos de substituição tributária, têm
legitimidade para impugnar a respectiva liquidação. Ora, isso equivale a dizer-se que o
substituto tributário, quando obrigado a retenção na fonte do imposto, passa a assumir a
posição de sujeito passivo do imposto.
A responsabilidade tributária só se desenha na fase patológica da relação jurídica de imposto,
quando o devedor originário não tenha pago e após completa exclusão ou comprovada
insuficiência dos seus bens e a consideração do responsável como sujeito passivo depende
sempre da reversão da execução através da citação.
A responsabilidade tributária é a responsabilidade pelo pagamento da dívida tributária
(acrescida de juros e demais encargos legais).
De acordo com o disposto nos arts. 22.º, n.º 3, e 23.º da LGT e 159.º e 160.º do CPPT, a
responsabilidade tributária pode abranger, para além do sujeito passivo originário, outras
pessoas, que responderão subsidiária ou solidariamente (distinção relevante apenas quando
haja pluralidade de responsáveis, pois verificada a inexistência de bens penhoráveis do
devedor e seus sucessores ou a insuficiência do seu património, a execução reverte contra os
responsáveis tributários se forem responsáveis subsidiários). A responsabilidade tributária por
dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária (art. 22.º, n.º 3 da
LGT).
Finalmente, além dos sujeitos passivos das relações tributárias não podemos esquecer que têm
ainda legitimidade para intervir no procedimento tributário outras pessoas que provem
interesse legalmente protegido (artigos 37.º e 38.º CPT, 9.º CPPT e 65.º LGT), sendo de
considerar ser titular de um interesse susceptível de justificar a sua intervenção no
procedimento tributário quem possa ser directamente afectado pelo que nele possa vir a ser
decidido.

2. A Responsabilidade Tributária Subsidiária


O actual regime de responsabilidade tributária subsidiária está consagrado na Lei Geral
Tributária (aprovada pelo Decreto-lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro - arts. 22.º, 23º e 24º) ,
no que diz respeito aos impostos, e, no Regime Geral das Infracções Tributárias (art. 8.º), no
que diz respeito às multas e coimas associadas à prática de infracções tributárias (sendo que o
regime é muito semelhante ao que se prevê para os impostos).
No âmbito da responsabilidade subsidiária encontram-se, em confronto, os interesses do
responsável subsidiário em preservar ao máximo a afectação do seu património pessoal ao
pagamento de dívidas fiscais do devedor originário e principal, e o interesse da Administração
Tributária em exercer as suas atribuições na prossecução do interesse público (pois é essa a
finalidade da tributação, sem que se confunda o interesse público com a simples arrecadação
de receitas, pois a Administração Tributária também prossegue os fins metajurídicos da
tributação: diminuir as desigualdades sociais e promover a distribuição do rendimento) e de
acordo com um conjunto vasto de princípios norteadores da sua actividade em concreto (art.
55º da LGT). No entanto, como bem sintetiza Tânia Meireles da Cunha à luz do disposto no
art. 266.º, n.º 1 da C.R.P., “a concepção de interesse público, vertida na nossa lei fundamental,
vai no sentido de a sua prossecução ter de respeitar os interesses particulares” , o que implica
a tutela dos direitos subjectivos (direitos, liberdades e garantias e direitos de natureza análoga)
dos cidadãos.
Por ser assim, o regime da responsabilidade subsidiária é um regime de excepção ancorado na
consagração de uma derrogação ao princípio da capacidade contributiva, princípio basilar do
nosso direito tributário e nos termos do qual cada cidadão deve “contribuir para os encargos
públicos na medida dos seus haveres” . Ora, visando o sistema fiscal a satisfação das
necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa do
rendimento e da riqueza (art. 103º da CRP) que passa, conforme se salienta na LGT (art. 5º),
por uma promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e pela correcção das

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desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, não restam dúvidas que a falta de
pagamento dos impostos constitui uma violação do interesse público que importa acautelar ,
salvaguardando-se o interesse público através da responsabilidade subsidiária.
Nos termos do regime jurídico da responsabilidade tributária subsidiária esta tem de estar
expressamente (responsabilidade excepcional) prevista na lei (responsabilidade legal) e
pressupõe a existência de uma especial relação entre o devedor originário e o responsável que
permite a este último afectar decisivamente o cumprimento das obrigações fiscais do
primeiro. Com efeito, na origem do regime da responsabilidade subsidiária estão situações de
não cumprimento das obrigações dos sujeitos passivos: o pagamento dos impostos devidos
face à lei fiscal vigente ou o pagamento das coimas e multas em que foram condenados.
Em suma, trata-se de uma responsabilidade pessoal e subsidiária , com um carácter
marcadamente sancionatório, embora a dívida apenas mude de titular no caso de o
responsável subsidiário ter agido com culpa.
Finalmente, acompanhando Tânia Meireles de Cunha, consideramos que a responsabilidade
tributária não é uma modalidade de responsabilidade civil delitual (por estar em causa a
violação de uma obrigação alheia) nem uma fiança legal (pois exige-se uma actuação ilícita e
culposa do gestor, que, além disso, assume a dívida por lhe caber a obrigação de cumprir as
normas fiscais), tratando-se antes de “uma figura própria do Direito Tributário, que não se
reconduz a nenhuma das figuras jurídicas referidas” .

3. Responsabilidade Tributária Subsidiária dos Administradores, Directores e Gerentes


Analisemos agora o art. 24º da LGT no sentido de apurar em que termos os membros de
corpos sociais e responsáveis técnicos podem ser chamados a responder subsidiariamente.
Dispõe o art. 24.º que: “1 – Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que
exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas
colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a
estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha
verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega
tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o
património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a
sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha
terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi
imputável a falta de pagamento. 2. A responsabilidade prevista neste artigo aplica-se aos
membros dos órgãos de fiscalização e revisores oficiais de contas nas pessoas colectivas em
que os houver, desde que se demonstre que a violação dos deveres tributários destas resultou
do incumprimento das suas funções de fiscalização. 3. A responsabilidade prevista neste
artigo aplica-se também aos técnicos oficiais de contas em caso de violação dolosa dos
deveres de assunção de responsabilidade pela regularização técnica nas áreas contabilística e
fiscal ou de assinatura de declarações fiscais, demonstrações financeiras e seus anexos.”
Do confronto com os anteriores regimes de responsabilidade tributária, particularmente o do
art. 13º do CPT que antecedeu o regime da LGT, verifica-se que o legislador quis alterar e,
porventura, equilibrar as exigências de prova, sem deixar de cumprir as finalidades da
responsabilidade tributária subsidiária.
De facto, apesar do regime do CPT ser um regime de responsabilidade assente na culpa (como
o actual) era particularmente objecto de crítica por exigir que fossem os gestores a provar que
não tinha sido por culpa sua que o património da empresa ou sociedade se tinha tornado
insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais. Esta prova era uma verdadeira diabolica
probatio e, na falta de concretização legal (dos comportamentos dos gestores considerados
censuráveis), a jurisprudência foi chamada a densificar a censurabilidade que podia ser
imputada aos gestores.
A LGT, como vimos, de forma diferente, procede à repartição do ónus da prova entre a
Administração Tributária e os responsáveis subsidiários nos seguintes termos:

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(a) ónus da prova pertence à Administração Tributária (não opera qualquer presunção de
culpa) se estiverem em causa dívidas tributárias cujo facto constitutivo se verificou no período
de exercício do gestor ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois
deste, sendo que em qualquer dos casos, foi por culpa do gestor que o património se tornou
insuficiente para a sua satisfação. Ou seja, contemplam-se as situações em que o gestor exerce
funções e está à frente dos destinos da empresa no momento do facto tributário que conduziu
à constituição do imposto e ainda, as situações em que se entra já no prazo de pagamento do
imposto, mas em que antes do seu termo o gestor cessa funções.
Nestes casos, a Administração Tributária tem de alegar e provar (art. 74.º, n.º 1 da LGT) a
culpa do gerente, administrador ou director (o que implica fundamentar de forma adequada o
despacho da reversão da execução fiscal), sendo exigida uma culpa efectiva no facto de o
património da sociedade se ter tornado insuficiente .
À Administração Tributária incumbe provar a prática de factos ilícitos e culposos,
(designadamente, a destruição e danificação do património social, a ocultação do activo
social, o agravamento artificial de activos ou de passivos, a existência de contabilidades
fictícias e a ocultação de documentos contabilísticos ou da própria contabilidade -
naturalmente, neste contexto, assumem uma relevância especial os serviços de inspecção
tributária).
(b) Ónus da prova do responsável subsidiário relativamente às dívidas tributárias cujo prazo
legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo,
cabendo-lhe demonstrar que não lhe é imputável a falta de pagamento. Neste caso a culpa
presume-se, estando a Administração dispensada de a provar. Tal como na alínea a) a violação
do gerente, administrador ou director tem de ser culposa, só nessa medida sendo relevante
para efeito de reversão, no entanto é o próprio gestor que tem de provar que a falta de
pagamento (cujo prazo se esgotou em momento coincidente com o momento da gestão) não
lhe é imputável (tem de ilidir a presunção de cupa), ou seja, que apesar da sua actuação
diligente e responsável à frente da empresa, os recursos da mesma não lhe permitiram
concretizar tal pagamento – prova que não é tarefa fácil, pois, por um lado, o conceito de falta
de pagamento imputável é um conceito indeterminado e cuja interpretação, por outro lado, se
presta a um entendimento restrito (acto de falta de pagamento) e a um entendimento amplo
(actos conducentes à falta de pagamento) .
Vários autores, incluindo-se entre os mesmos Tânia Meireles da Cunha , classificam esta
inversão do ónus da prova como uma diabolica probatio (prova da não culpa), incompatível
com a prossecução do princípio da justiça (a experiência, a prática não faz concluir
necessariamente que a culpa seja do gestor), do princípio da imparcialidade (o Estado credor
fica dotado de uma posição privilegiada que chega a por em causa o princípio da verdade
material) e o da certeza jurídica (pois o que entender por falta de pagamento é de tal forma
indeterminado que se perde a estabilidade, a previsibilidade e a cognoscibilidade).
A presunção em causa transforma a administração ou gestão das sociedades numa actividade
arriscada.
Finalmente, impõe-se fazer menção ao facto de que não se exige, no art. 24.º da LGT, que a
administração ou gerência seja em simultâneo de direito e de facto, pois segundo o mesmo
artigo basta o exercício, ainda que somente de facto (exercício efectivo). Assim, à
Administração compete provar a gerência de facto quando a mesma não for acompanhada da
gerência de direito. Do mesmo modo, pode equacionar-se que um gerente que o seja de
direito, mas que não exerça de facto, e que cause com essa omissão, por exemplo, o não
pagamento dos impostos legalmente devidos no período do exercício do cargo, possa vir a ser
responsável subsidiário. Em sentido divergente, no sentido da exigência da efectividade de
funções, Tânia Meireles da Cunha defende que “se conclui pela leitura do preceito,
nomeadamente pelo facto de em ambas as alíneas ser feita referência ao “período do
exercício” do cargo do responsável, que não é suficiente a gerência de direito, sendo
necessário que a ela se alie a de facto” , interpretação que julgamos dotada de acerto.

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4. Responsabilidade Civil pelas Multas e Coimas
No art. 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) está consagrada a
responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam
funções de administração em pessoas colectivas, sociedades (ainda que irregularmente
constituídas) e outras entidades fiscalmente equiparadas, pelas (1) multas ou coimas aplicadas
a infracções praticadas no período do exercício do seu cargo ou (2) por factos anteriores
quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou
insuficiente para o seu pagamento e (3) pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores
quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu
cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.
No estudo que fizemos acerca da temática de que ora nos ocupamos, a responsabilidade
subsidiária, a norma acima referida motivou grande perplexidade, pois embora se referindo a
uma responsabilidade de natureza civil, a verdade é que esta transmissão do dever de
cumprimento de uma sanção (de natureza contra-ordenacional ou penal!) é claramente uma
violação do princípio constitucional da intransmissibilidade das penas (art. 30.º, n.º 3 da
Constituição da República Portuguesa) e, portanto, afigurou-se-nos imediatamente de
constitucionalidade (material) duvidosa ou mesmo inverosímil.
Como resulta da norma em apreço, não se presume a culpa dos gestores na insuficiência do
património ou na falta de pagamento, ao invés do que acontecia na solução anterior, constante
do art. 112.º, n.º 1, al. b) da LGT, em que se previa a presunção de culpa do gestor na falta de
pagamento .
Mas será o desaparecimento da presunção de culpa suficiente para salvar a norma da
inconstitucionalidade? Cremos que não e na jurisprudência analisada foi dominante convicção
idêntica, pois sendo matéria de conhecimento oficioso (a (in)constitucionalidade da
responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes ou outras pessoas que tenham
exercido a administração das pessoas colectivas originariamente devedoras, nos termos do
disposto no art. 8º do RGIT), os tribunais têm seguido o entendimento Jorge Sousa e Simas
Santos, quando defendem que “mesmo alicerçando na responsabilidade civil por factos
ilícitos a responsabilização dos responsáveis subsidiários e solidários aqui prevista e mesmo
sendo ela dependente de actos próprios destes ou omissão de deveres de controle ou
vigilância, é uma realidade incontornável que quem faz o pagamento de uma sanção
pecuniária é que a está a cumprir, pelo que esta responsabilização se reconduz a uma
transmissão do dever de cumprimento da sanção do responsável pela infracção para outras
pessoas.
Na verdade, a aplicação de uma pena de multa ou coima consubstancia-se na criação de uma
relação de crédito de que é titular o Estado e devedor o condenado e a imposição da obrigação
de pagamento da multa ou coima é precisamente a forma de cumprimento da sanção
respectiva e, por isso, usem-se os eufemismos que se usarem, quem paga a multa ou a coima
coactivamente está a cumprir a sanção.
Nestas condições, é duvidosa a constitucionalidade material destas responsabilidades por não
assentar (ou não depender, na situação prevista no n.º 6) na verificação em relação ao
responsável dos pressupostos legais de que depende a aplicação da respectiva sanção.
Com efeito, no n.º 3 do art. 30.º da C.R.P., enuncia-se o princípio da intransmissibilidade das
penas, que, embora previsto apenas para estas, deverá aplicar-se a qualquer outro tipo de
sanções, por ser essa a única solução que se harmoniza com os fins específicos que justificam
a aplicação de sanções, que são de repressão e prevenção e não de obtenção de receitas. Os
fins das sanções aplicáveis por infracções tributárias são exclusivamente de prevenção
especial e geral, pelo efeito ressocializador ou a ameaça da sanção levar o infractor a alterar o
seu comportamento futuro e conseguir que outras pessoas, constando a aplicação àquele da
sanção, se abstenham de praticar factos idênticos aos por ele praticados. (…) Por isso, a
aplicação de sanção a pessoa a quem não pode ser imputada responsabilidade pela sua prática
não é necessária para satisfação dos fins que a previsão de sanções tem em vista e, por isso, é

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constitucionalmente proibida a sua aplicação, por força do preceituado no art. 18.º, n.º 2, da
C.R.P. que estabelece o princípio nuclear da necessidade de qualquer restrição de direitos
fundamentais” (sublinhado nosso).
O art. 32.º da C.R.P. também dispõe expressamente que são assegurados ao arguido, em
quaisquer processos sancionatórios, contra-ordenações incluídas, os direitos de audiência e de
defesa, garantias que não estão assegurados ao revertido pois que têm que concretizar, desde
logo, a possibilidade de recurso ou impugnação judicial do acto sancionatório e a
possibilidade efectiva de contraditar eficazmente os elementos trazidos pela acusação ,
garantias que irradiam para o domínio sancionatório os requisitos constitutivos do próprio
Estado de Direito democrático .
É, assim, de concluir que no domínio do ilícito penal ou contra-ordenacional se deve aplicar o
princípio da intransmissibilidade das multas e das coimas (e o princípio da presunção de
inocência), pelo que estas não podem ser exigidas ao revertido, ainda que em termos de
responsabilidade subsidiária, nos termos previstos no art. 8º do RGIT.

5. Reversão do Processo de Execução Fiscal


Do que acima se disse resulta claramente que o pagamento das dívidas tributárias ou das
multas ou coimas aplicadas por infracções tributárias praticadas por outrem pode ser exigido
ao sujeito passivo originário (o titular da capacidade contributiva) ou a um sujeito passivo não
originário, o responsável subsidiário, quando o património do primeiro seja insuficiente para
satisfazer o crédito tributário ou a falta de pagamento lhe seja imputável, pressupostos da
reversão (obrigatoriamente fundamentada).
Assim, podemos dizer que toda a responsabilidade subsidiária depende da reversão do
processo de execução fiscal (art. 23.º, n.º 1) e que esta, por sua vez, depende da fundada
insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem
prejuízo do benefício da excussão prévia.
Mas o que devemos entender por “fundada insuficiência dos bens penhoráveis”?
Tanto a nível da doutrina como da jurisprudência têm surgido interpretações distintas a
propósito do que se deve entender por insuficiência ou, mais recentemente, com a LGT e o
CPPT, por fundada insuficiência.
Será que só a partir do momento em que não existam bens no património do devedor
originário é possível determinar o montante da insuficiência e, eventualmente, recorrer ao
responsável subsidiário?
A jurisprudência dominante já apontou neste sentido, considerando que a não verificação do
pressuposto da prévia excussão de todo o património do devedor originário era fundamento de
oposição à execução fiscal (enquadrável na alínea b) do n.º 1 do art. 286º do CPT).
Defendendo entendimento contrário, também se alegou que a reversão em caso de
insuficiência não implicava a necessidade de acautelar o benefício da excussão prévia, que
seria um ónus do revertido, a que este lançaria mão para sustar a execução e assim assegurar a
excussão do património do devedor originário .
A Administração Tributária, seguiu esta última orientação e em Ofício Circulado (n.º 1675, de
17 de Abril, da Direcção de Serviços de Justiça Tributária) veio afirmar que a reversão contra
algum ou alguns dos responsáveis subsidiários deveria ser exercida somente nas hipóteses
contempladas no n.º 2 do art.º 239º do CPT e deveria implicar os seguintes procedimentos:
“(a) a averiguação da existência ou não de bens penhoráveis do devedor originário e seus
sucessores; (b) a comprovada insuficiência do património do devedor originário para
satisfazer a dívida exequenda e acréscimos legais; (c) só após tais diligências estarem
efectuadas, se deve oficiar às entidades competentes, designadamente à Conservatória do
Registo Comercial da área da sede dos devedores originários, no sentido de se obter a
identificação dos responsáveis subsidiários (...); (d) uma vez na posse desses dados, o Chefe
da Repartição de Finanças mandará então reverter a execução contra os responsáveis
subsidiários, mas tendo sempre em conta que devem ser os administradores ou gerentes os

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primeiros a serem chamados à execução.”
O actual regime consagrado na LGT não pacificou a questão, porquanto não se concretiza o
que seja “fundada insuficiência”.
Conjugando o disposto nos nºs 2 e 3 do art. 23º da LGT, alguns autores têm vindo a defender
que a reversão da execução fiscal só pode acontecer depois de excutidos os bens
(penhoráveis) do devedor principal e dos responsáveis solidários. Se não estiverem definidos
os montantes da insuficiência dos bens penhorados ao devedor originário (bens sem valor
predeterminado) a reversão contra o responsável subsidiário (e consequente penhora dos seus
bens) não deve acontecer, sob pena de ser posta em causa a subsidiariedade da
responsabilidade tributária. Porém, o n.º 3 do art. 23º da LGT permite interpretação contrária:
permite claramente a reversão da execução antes de estar determinado o montante da
insuficiência, podendo suspender-se o processo de execução fiscal desde o termo do prazo da
oposição (que pressupõe uma citação prévia no âmbito do processo de execução fiscal) até à
completa excussão do património do executado.
Perguntar-se-á onde fica então fica então o respeito pelo benefício da excussão prévia, o
substrato da noção de subsidiariedade? A resposta obriga-nos a reduzir a subsidiariedade à
possibilidade de suspensão, solução que permite à Administração Tributária deixar de utilizar
os meios cautelares normais destinados a garantir a cobrança das dívidas, assim se
compreendendo a referência aos mesmos feita no n.º 3 do art. 23º, in fine. O legislador
considerou que nos casos de insuficiência não quantificada do património do devedor
originário, os direitos do responsável ficam acautelados por via da suspensão do processo de
execução fiscal.
Ora, parece-nos indiscutível que só com a venda dos bens existentes, e na posse dos
montantes resultantes do produto dessa venda, é possível conhecer o valor pelo qual a
execução reverte contra os responsáveis subsidiários, pois os bens penhorados, uma vez
vendidos, podem render um preço superior, por vezes muito superior, ao valor que lhes tenha
sido atribuído no auto de penhora elaborado por um funcionário da administração fiscal sem
especial qualificação técnica para o efeito. Destas considerações somos forçados a concluir,
com Tânia Meireles da Cunha, que “o instituto da reversão foi subvertido e transformado em
medida cautelar” com menores exigências que o arresto, quer em termos probatórios quer em
termos procedimentais, e menos garantias para o sujeito passivo, com o que poderá enfermar
de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou
da proibição do excesso (pr. da necessidade).
Em relação à reversão, ainda algumas notas acerca do procedimento: nos termos do art. 23º da
LGT a reversão é o modo ou procedimento adequado a efectivar a responsabilidade
subsidiária e, mesmo quando haja presunção legal de culpa, é precedida de audição do
responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a
incluir na citação (art. 23.º, n.º 4 da LGT). Está consagrada a obrigatoriedade do potencial
responsável subsidiário ser notificado previamente à reversão da execução para que possa
apresentar os argumentos que entenda pertinentes no sentido de persuadir a Administração
Tributária de que não deve responder subsidiariamente .
No âmbito da reversão estamos em sede de processo judicial tributário (“O processo de
execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da
administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional” - n.º 1 do art. 103º
da LGT) e não de procedimento tributário.
O direito de audição prévia configura uma importante garantia. Se o contribuinte não for
notificado para exercer esse direito poderá, nos termos do art. 276º do CPPT, reclamar para o
tribunal tributário de 1.ª instância (actual tribunal administrativo e fiscal) da decisão de
reversão da execução fiscal proferida pela entidade competente: o chefe de finanças. Já a
possibilidade do responsável, uma vez citado, se opor à execução (art. 204º do CPPT)
utilizando como fundamento a falta de notificação para exercer o direito de audição, não nos
parece compatível com o elenco taxativo e restrito de situações fundamentadoras de oposição

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à execução fiscal.
Partindo do princípio que o contribuinte foi notificado para exercer o direito de audição e que
efectivamente exerceu esse direito, apresentando argumentos tendentes a evitar ou diminuir a
sua responsabilidade pelas dívidas fiscais com que é confrontado, a Administração Tributária,
deve, em sede de decisão da reversão (porque a reversão é um acto da administração tributária
levado a efeito mediante despacho), evidenciar se aceita ou não, e com que fundamentos,
esses argumentos. Se a Administração constatar, quer oficiosamente, quer através da prova
apresentada pelo potencial responsável em sede de direito de audição, que não se verificam ou
que são insuficientes os pressupostos que legitimam a responsabilidade subsidiária, não
deverá proferir decisão no sentido da reversão da execução fiscal.
E se o fizer?
Aos responsáveis tributários subsidiários atribui a lei, em ordem `a defesa dos seus direitos e
interesses em matéria tributária, um conjunto de garantias através das quais podem contra um
despacho ilegal:
- A citação deve conter todos os elementos essenciais da liquidação, e o responsável,
querendo, pode reclamar graciosamente (art. 22.º n.º 4, art. 9.º n.º 1 e 68º do CPPT) ou
impugnar judicialmente (art. 22.º n.º 4 da LGT e 9.º n.º 4 e 102.º n.º 1 al. c. do CPPT). Se for
o caso, o responsável contesta e requer com base nos fundamentos previstos na lei (arts. 70º e
99º do CPPT) a anulação do acto tributário de liquidação. No fundo, contesta o imposto, que
não sendo seu, mas do devedor originário (que eventualmente até nem o contestou, embora o
pudesse ter feito) esteve na origem do título executivo que sustenta o processo executivo,
numa primeira fase, contra o devedor originário e, numa segunda fase, contra o responsável
subsidiário.
- Se o responsável subsidiário pretender atacar os pressupostos da responsabilidade tributária,
nomeadamente por entender que a Administração não logrou provar a sua culpa, pode o
mesmo:
- opor-se à execução fiscal nos termos dos arts. 203º e segs. do CPPT;
- reclamar para o tribunal tributário, nos termos do art. 276.º do CPPT.
Embora haja autores que entendem que o meio de reacção adequado é a reclamação , a
verdade é que a jurisprudência também tem entendido que o responsável subsidiário deve
opor-se à execução , divergência que obriga a especial ponderação e cautela no momento de
traçar a estratégia de defesa contra uma reversão ilegal.

6. Conclusões
A ponderação entre interesses públicos e privados deve, acima de tudo e em cumprimento dos
princípios que enformam o Estado de Direito, ser imparcial e justa, nunca esquecendo que o
interesse público atinge com maior intensidade a sua essência quando, no respeito pelos
princípios da proporcionalidade, da justiça e da igualdade, corresponde à garantia dos direitos
e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
A abordagem do regime da responsabilidade subsidiária e da reversão deixa-nos a impressão
de que o legislador tributário favoreceu a Administração Tributária com os seus eloquentes
silêncios e, simultaneamente, com as suas indeterminações conceptuais, não se coibindo de
desafiar princípios considerados incontornáveis no âmbito da actuação administrativa ou
mesmo de violar de forma explícita a Lei Fundamental, no âmago dos princípios mais
garantísticos que esta possui.
A responsabilidade subsidiária e a indissociável reversão foram traçadas sem o rigor que seria
de esperar e sem a preocupação séria de garantir a igualdade procedimental (presunção de
culpa?), a determinação dos conceitos (fundada insuficiência é…?), a verdade dos
procedimentos (uma excussão prévia… a posteriori?) e a menor desvantagem possível para os
cidadãos. A Administração Tributária dispõe de um regime legal aparentemente previsto para
compensar a sua ineficiência, dotado de normas que farejam um culpado, qualquer que ele
seja, um responsável que, engolido pela máquina fiscal, permita cumprir o desígnio supremo

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da arrecadação de receitas ou assuma o pagamento de sanções a que outros deram causa e
mereceram.
É certo que devem os gerentes, administradores e directores adoptar comportamentos
cumpridores e conformes à boa prática das suas obrigações fiscais, como também está certo
que aqueles que, culposamente, assim não procedam, padeçam as dores da responsabilidade
subsidiária.
Mas será que sob o peso da desconsideração da personalidade colectiva, da presunção de
culpa, de conceitos indeterminados e indetermináveis, de benefícios habilmente suprimidos,
da derrogação do princípio da capacidade contributiva, da desconsideração pelos princípios da
justiça e da proporcionalidade, da transmissão das penas e da supressão das suas garantias,
ainda bole o revertido?
Cremos que não e, para terminar, cremos que nenhuma receita fiscal justifica a distorção dos
fundamentos e princípios do Direito ou a violação da nossa Lei Fundamental.
A receita fiscal é importante, mas o modo da sua obtenção retrata o Estado cobrador e o abuso
do Direito para se preferir o cofre e preterir o cidadão.

BIBLIOGRAFIA

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COUTINHO DE ABREU, Jorge, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades,
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VÁRIOS Autores, Temas Societários, Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho|
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