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DIREITO FISCAL

6.ª Aula

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO (P. 49) 1

(cont.)

PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE TRIBUTÁRIA
PRINCÍPIO DO RESPEITO PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO JURISDICIONAL EFETIVA
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA (P. 57-66) 2

O que quer dizer este princípio?

Que todos os IMPOSTOS devem ser criados por LEI.

E sempre foi assim? Não.

Na Idade Média este princípio surge como limite ao arbítrio do poder dos
soberanos medievais: Rule of reason (princípio da legalidade).

1
Jónatas E. M. MACHADO e Paulo Nogueira da COSTA, Curso de Direito Tributário, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra
Editora, 2012.
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Jónatas E. M. MACHADO e Paulo Nogueira da COSTA, Curso de Direito Tributário, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra
Editora, 2012.

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Magna Carta Libertatum (1215) » onde se incluiu o compromisso de João Sem-
Terra de não lançar tributos sem consentimento do Conselho Geral do Reino.

Esta Carta constitui um marco dos direitos fundamentais consagradores das


garantias e liberdades dos indivíduos.

E qual a principal regra que até hoje é “copiada” pelos ordenamentos jurídicos?

No taxation without representation (consentimento da tributação).

E aqui em Portugal? De que forma esta regra é contemplada? Ou melhor, os cidadãos


consentem que lhes cobrem impostos?

Na verdade, consentem, na medida em que elegem os seus representantes e são


estes representantes do povo que “criam” (legislam) os impostos.

Vejamos o Art. 147 da CRP: “A Assembleia da República é a assembleia


representativa de todos os cidadãos portugueses”.

Feitos estes breves esclarecimentos, podemos avançar e estudar a base do Princípio da


Legalidade, ou seja, as suas consequências necessárias e evidentes. E quais são elas?

» PREVALÊNCIA DE LEI
» PRECEDÊNCIA DE LEI
» RESERVA DE LEI

Vejamos cada um deles:

Prevalência de lei

O que significa este princípio?

A lei prevalece sobre todos os regulamentos, atos administrativos e quaisquer


outros atos ou omissões da administração tributária.
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O que isso que dizer?

Que o princípio da prevalência da lei tem como corolário a tipicidade das leis.

E o que quer dizer tipicidade?

Vale lembrar o Direito Penal.

Existe crime que não esteja previsto no Código Penal? Existe crime sem lei anterior
que o preveja? Não.

A mesma resposta deve ser dada aos impostos.

Vejamos novamente o art. 103, n.º 2 da CRP: “1. Os IMPOSTOS SÃO


CRIADOS POR LEI, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais
e as garantias dos contribuintes”.

Podemos chegar ao seguinte conceito de tipicidade » obrigação de a lei ou o


decreto-lei autorizado determinar os elementos dos impostos.

E no Direito dos Tributos, como no Direito Penal, temos a tipicidade fechada » impõe
que a lei determine “todos os elementos necessários à tributação, que se
apresentarão de tal modo precisos e determinados (…) que o órgão de aplicação
do direito não possa introduzir critérios subjetivos de apreciação na sua aplicação
concreta”.

Ou seja, a administração e o judiciário não tem qualquer discricionariedade


relativa aos elementos definidores da dívida e dos que estão por ela obrigados.

Assim, tudo o que disser respeito à incidência, aos benefícios fiscais, à taxa e às
garantias dos contribuintes, tem que estar previsto em lei (de forma tipificada).

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E a liquidação e a cobrança?

Vimos que estes podem ser regulados através de lei que não seja da Assembleia
da Republica.

Porquê?

Liquidação e cobrança » não interferem nos pressupostos para determinação da


dívida do imposto, nem respeitam às garantias dos contribuintes.

Precedência de lei

Nada resume melhor este corolário que a seguinte expressão: Não há imposto, nem
atividade tributária, sem lei.

Ora, a preeminência da lei significa que a atuação dos órgãos com competência
tributária e da administração tem que estar subordinada à lei.

Ou seja, a lei deve ser anterior a toda a atuação administrativa, sendo que a falta de um
fundamento legal significa que a administração atua para além das suas competências.

Mas isso não é competência do princípio da legalidade tributária, mas do


princípio da legalidade em geral.

Exemplo: Direito criminal, onde não há crime sem lei que o tipifique.

Reserva da lei parlamentar

Vimos que a proteção dos contribuintes face ao poder público advém da preeminência
de lei e que esta lei é aprovada pelos representantes do povo.

E quem são os representantes do povo em Portugal?

A Assembleia da República.

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E quem pode legislar sobre matéria tributária?

A mesma Assembleia da República (salvo autorização ao Governo).

É o que dispõe o n.º 1 do art. 165.º da CRP: “1. É da exclusiva competência da


Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização
ao Governo: (…) i) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas
e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas; (..)”.

E onde consta no texto constitucional que os impostos só podem ser criados por lei?

Vejam-se os n.ºs 2 e 3 do art. 103 da CRP: “(…) 2. Os impostos são criados por
lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos
contribuintes. 3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam
sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja
liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

Ora, o que se pode extrair da leitura conjunta dos dois dispositivos?

Vejamos como já se pronunciou o Tribunal Constitucional:

» A criação de impostos e a disciplina dos seus elementos essenciais terão de


constar de lei da Assembleia da República ou decreto-lei do Governo autorizado
pela Assembleia da República.

» Os elementos essenciais do imposto sujeitos à reserva de lei parlamentar são


os constantes no n.º 2 do art. 103.º da CRP.

Isto é, a “incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. E


não a já liquidação e cobrança (n.º 3 do art. 103.º) que, assim, se podem subtrair a esta
reserva legislativa parlamentar.

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Em resumo, pode-se dizer que cabe à Assembleia da República a criação dos
impostos, taxas e benefícios fiscais.

Ou seja, é ele o único legislador originário dos aspetos estruturantes dos


tributos.

Âmbito da reserva de lei parlamentar

Ora, vimos que a criação e a atuação sobre a incidência, taxa, benefícios fiscais e
garantias dos contribuintes está reservado à Assembleia da República.

Mas o que deve ser abrangido por cada um desses elementos?

Qual a delimitação de cada um dos elementos?

Elementos contidos na reserva parlamentar

Vimos que o art. 103 da CP dispõe que, para além da criação de impostos, também estão
sujeitos à reserva parlamentar os seguintes elementos:

Art. 103, n.º 2: “(…) a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos
contribuintes”

Pela leitura do dispositivo, podemos identificar cinco elementos:

» INCIDÊNCIA
» TAXA
» BENEFÍCIOS FISCAIS
» INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS
» GARANTIA DOS CONTRIBUINTES

E a garantia dos contribuintes?

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Este é o elemento enquadrador dos direitos, liberdades e garantias dos
particulares. Além dessa, não podemos deixar de fora às normas relativas às
infrações tributárias, que também estão sujeitas à reserva de lei do parlamento.

Vejamos um-a-um:

1.ª Elemento: Incidência

O que quer dizer incidência? E porque está sujeita à reserva parlamentar?

Incidência » é o universo resultante da definição legal do conjunto dos factos sujeitos a


tributação (a incidência real ou objetiva) e da identificação das pessoas a ele obrigadas
(incidência pessoal ou subjetiva).

Assim, numa situação em que se enquadra a definição objetiva (conjunto de


factos) e a definição subjetiva (identificação das pessoas), dá-se a obrigação de
pagar impostos.

Mas, a partir dessa definição, podemos extrair que o valor a pagar dos tributos
deve, também, ser fixado na lei (sujeito à reserva parlamentar)?

Vejamos o que o Tribunal Constitucional falou sobre o “valor” estar abrangido


ou não na definição do n.º 2 do art. 103:

TC, Acórdão n.º 57/95, DR II série, de 14.4.95:

Reserva de lei parlamentar:

» não apenas as normas definidoras dos factos sujeitos a imposto: “(…)


critérios materiais da definição da incidência real (…) nessa medida
comportando elementos que reentram na esfera de reserva parlamentar
(…) o que postula a exigência de autorização parlamentar.”

O Tribunal Constitucional decidiu bem.

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Imagine-se o seguinte:

Estaria abrangido pela reserva parlamentar a definição do quê (o facto


tributável) e do quem (o sujeito passivo) e ficasse de fora o quantum da
base tributária.

O dispositivo não perderia a sua razão de existir?

Se a exigência da reserva da lei parlamentar é para a proteção dos direitos


e garantias dos cidadãos, estes não estariam protegidos no caso do
lançamento de valores exorbitantes e sem qualquer critério pela
administração.

Por isso, mesmo que, a princípio, do ponto de vista formal/científico, não


seja matéria relativa à incidência, o quantum deverá ter o mesmo
tratamento que os elementos relativos à incidência.

2.º Elemento: Benefícios fiscais

Porque os benefícios fiscais precisam ser aprovados apenas pelo Parlamento ou com
autorização deste (respeito à reserva parlamentar)?

Porque o benefício corresponde à exoneração do esforço de todos em pagar os


tributos.

Benefício Fiscal » integra toda a exceção à tributação, que se traduza num regime de
tributação mais favorável para o contribuinte.

3.º Elemento: Taxa

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Taxa (art. 103.º, n.º 2, da CRP) » corresponde à percentagem ou o valor que, aplicado à
matéria coletável, nos dá à coleta do tributo. Ou seja, esta percentagem ou valor deverá ser
fixada por lei.

Exemplo: Art. 112.º, n.º 1, do CIMI (Código do Imposto Municipal sobre


Imóveis)
1 - As taxas do imposto municipal sobre imóveis são as
seguintes:
a) Prédios rústicos: 0,8%;
b) (Revogada.) (Revogada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de
dezembro)
c) Prédios urbanos - de 0,3 % a 0,45 %. (Redação da Lei n.º 7-
A/2016, de 30 de março)

Este dispositivo teve a sua inconstitucionalidade apreciada pelo Tribunal


Constitucional, pois ele não fixa o valor da taxa a aplicar ao patrimônio
tributário dos prédios urbanos, unicamente definem os limites entre os
quais podem as Assembleias Municipais da sua localização fixar
anualmente as taxas do IMI.

O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (Acórdão n.º 57/95, D.R. II série,


12 de abril de 1995) entendeu pela sua constitucionalidade.

4.ª Elemento: Garantia dos contribuintes

Garantia dos contribuintes » incluem-se todas as normas que consagram meios de


defesa dos particulares em face da prática, ou da omissão, de atos da Administração fiscal
que lesem direitos ou interesses legítimos, bem como as prerrogativas gerais concedidas as
particulares em matéria fiscal.

O assunto será melhor desenvolvido na segunda parte do programa.

5.ª Elemento: Infrações tributárias

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As infrações tributárias não estão expressamente previstas no art. 103.º da CRP. No
entanto, estão subordinados à reserva da lei parlamentar.

Porquê?

Leia-se novamente o Art. 165.º da CRP: “Artigo 165.º (Reserva relativa de


competência legislativa) É da exclusiva competência da Assembleia da
República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
(…) c) definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos
pressupostos, bem como processo criminal; d) Regime geral de punição das
infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e
do respectivo processo; (…)”.

Ora, os crimes e contraordenações tributárias sujeitam-se ao regime


constitucional previsto para os crimes e ilícitos de mera ordenação social.

Elementos do imposto não sujeitos à reserva da lei parlamentar

Estudamos que a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as infrações tributárias e as


garantia dos contribuintes devem ser criados unicamente por lei parlamentar, aprovada pela
Assembleia da República (ou delegação).

Mas existem outros elementos, mencionados no n.º 3 do art. 103.º da CP, que não estão
sujeitos à reserva parlamentar.

E quais são eles: A liquidação e a cobrança.

» LIQUIDAÇÃO
» COBRANÇA

A norma diz que devem ser feitos nos termos da lei, sob pena de recusa legítima
ao seu pagamento.

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Isso quer dizer o quê? Que esta lei só pode ser considerada a lei parlamentar?
Não pode ser outro tipo de lei?

Veja-se o n.º 3 do art. 103.º da CRP: “ 3. Ninguém pode ser obrigado a pagar
impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham
natureza retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos “termos da
lei”.

De facto, o dispositivo apenas menciona nos termos da lei. Não é necessário ser
lei da Assembleia da República.

Cuidado! É por lei e não por regulamento!

E que lei é essa?

Vejamos o art. 112 da CRP: “1. São actos legislativos as leis, os decretos-leis e
os decretos legislativos regionais. (…)”

Ora, os regulamentos do Governo, embora sejam atos normativos, não são atos
legislativos.

Tributos não sujeitos à reserva parlamentar

Mas, o que fica de fora dessa lista? O que podemos considerar como excluído da reserva
parlamentar? Quais seriam estes tributos?

São os seguintes: i) Contribuições especiais; ii) Taxas.

i) Contribuições especiais » vimos que as mesmas podem apresentar um caráter


misto. Em virtude desse componente misto, podemos afirmar que as
contribuições podem ser enquadradas como se impostos fossem, o que lhes
remete à obrigatoriedade da reserva parlamentar.

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ii) Taxas » apenas as regras gerais é que devem ser por meio da reserva
parlamentar.

O princípio da legalidade e a extinção de impostos

Vimos que a criação de impostos só pode ser por lei parlamentar.

E a sua extinção?

Pela mesma razão, só pode, igualmente, ser por lei da Assembleia da República.

É o que decidiu o Tribunal Constitucional » Acórdão n.º 48/84, DR II série de


10.7.1984.

A extinção dos impostos pode ser feita por lei outra que não seja parlamentar ou com
autorização?

Não.

Lei de autorização legislativa em matéria fiscal

Vimos que o Governo tem que respeitar os limites delineados pela lei que o autoriza a
legislar sobre matérias que tenham reserva legal, dentre as quais se encontra a criação de
impostos.

Sim, mas quais são estes limites?

O que deve ser cumprido pelo Governo?

Vejamos o que diz o n.º 2 do art. 165.º da CRP: “(…) É da exclusiva competência
da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo
autorização ao Governo: (…) 2. As leis de autorização legislativa devem definir

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o OBJECTO, o SENTIDO, a EXTENSÃO e a DURAÇÃO da autorização, a
qual pode ser prorrogada. (…)”.

E o que vem a ser o objeto, o sentido, a extensão e a duração?

O que quer dizer cada um destes?

Objeto » é a matéria em que a AR autoriza o Governo a legislar.

Sentido » são os critérios, princípios ou indicações que o Governo deve observar,


bem como os fins que deve prosseguir no uso dos poderes delegados.

Extensão » respeita à delimitação da área da intervenção do Governo no que


concerne à definição dos aspetos da disciplina jurídica em causa que irão ser
alterados pelo Governo.

Duração » fixa o prazo concedido ao Governo para legislar.

Note-se que, com relação à duração, existe uma regra específica quando se tratar
de matéria fiscal.

Art. 165.º da CRP: “(…) 5. As autorizações concedidas ao Governo na lei do


Orçamento observam o disposto no presente artigo e, quando incidam sobre
matéria fiscal, SÓ CADUCAM NO TERMO DO ANO ECONÓMICO A QUE
RESPEITAM.”

E o que difere as demais?

É que as autorizações legislativas normalmente caducam com a demissão do


governo, ou a sua mudança.

No entanto, se a autorização for de matéria fiscal, deve ser respeitado o ano


económico.

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E o que é o ano económico?

O ano do exercício fiscal, em respeito ao orçamento do estado, mesmo que haja


alteração do Governo.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

Jónatas E. M. MACHADO e Paulo Nogueira da COSTA, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed.,
Coimbra: Editora Almedina, 2018. p. 68-77.

Jónatas E. M. MACHADO e Paulo Nogueira da COSTA, Curso de Direito Tributário, 2.ª ed.,
Coimbra: Coimbra Editora, 2012. p. 43-66.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 7.ª Edição. Coimbra: Editora Almedina. p. 29-90.

Américo Fernando Brás Carlos, Impostos – Teoria Geral, 3.ª Edição. Coimbra: Editora
Almedina. p. 25-64.

J.L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 2ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora. p. 9-
30.

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