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O principio da legalidade

O principio da legalidade tributária se analisa, em primeiro lugar, na


exigência da reserva de lei parlamentar em matéria fiscal e, em segundo
lugar, numa exigência material de tipicidade ou determinabilidade das leis
de imposto, que constitui a sua expressão material.

O âmbito da reserva de lei


O âmbito da reserva de lei parlamentar é fixado na CRP no artigo 165 e
103.
Pela leitura do artigo 165, verifica-se que o legislador constituinte ordena a
reserva de lei parlamentar em dois círculos distintos. Em matéria de
impostos, vale uma reserva de lei integral, no exato sentido em que a
criação, extinção e disciplina dos elementos essenciais dos impostos tem
que passar pelo parlamento, não podendo ser levada a cabo pelo governo
sem a sua autorização. Em matéria de taxas e contribuições, vale uma
reserva de regime geral apenas, querenda esta dizer que a criação,
extinção e disciplina destes tributos pode ser levada a cabo pelo governo,
na condição de este obedecer ao regime geral que o parlamento aprove.

Aplicação do artigo 165 às taxas e contribuições antes de aprovado o


respetivo regime geral

-- Quanto às taxas, figuras rigorasamente comutativas, o professor Sergio


Vasques admite que seja criada sem intervenção parlamentar mesmo
antes de aprovado o regime geral. A criação de taxas por decreto-lei
simplies ou por via regulamentar sempre foi aceite entre a nossa doutrina
e jurisprudência, não sendo claramente intenção do legislador
constituinte, ao rever o art 165, travar a iniciativa do governo e da
aministração nesta matéria até que o parlamento aprove um diploma de
enquadramento geral.
-- Quanto às modernas contribuições, figuras paracomutativas apenas,
deve-se pelo contrário considerar inadmissível que sejam criadas sem
intervenção parlamentar antes de aprovado o respetivo regime geral. A
criação de contribuições por decreto-lei simples ou por via regulamentar
sempre foi rejeitada pela nossa doutrina e jurisprudência, que
tradicionalmente equiparava estas figuras aos impostos para efeitos de
reserva de lei. A intenção do legislador constituinte ao rever o art 165
claramente não foi a de facultar ao governo a livre criação de
contribuições sociais, taxas de regulação económica, tributos ambientais
ou contribuições por obras públicas, trazendo-as sem mais para fora da
reserva de lei parlamentar, mas a de permitir essa criação na condição de
haver regime geral que as enquandre, em termos que garantam a
segurança dos contribuintes e previnam o seu tratamento discriminatório.

Será esta a leitura do art 165 que melhor corresponde à intenção do


legislador, tal como documentada nos trabalhos parlamentares de revisão
constitucional de 1997. E é também a leitura que melhor corresponde à
diferente natureza de taxas e contribuições, sendo que as primeiras, pelo
seu carácter rigorosamente comutativo e pelo seu menor peso financeiro,
suscitam procupações de garantia e legitimação menos intensas que as
modernas contribuições, tributos com bilateralidade mais ou menos
difusa, em transformação constante e que tantas vezes se formam pela
conversão progressiva de impostos.

A extensão da reserva de lei


Com certeza que o poder de criar impostos, a que se refere o artigo 165,
coenvolve necessariamente o poder de os extinguir, um e outro
reservados ao parlamento. E é evidente que estando a criação e extinção
dos impostos reservadas à AR, também o tinha de estar a disciplina dos
seus elementos essenciais, pois que de outra maneira seria fávil para o
governo defraudar a reserva de lei parlamentar, alterando a estrutura
interna dos impostos cuja criação lhe está por princípio vedada. E é neste
sentido que surge o arti 103, que consagra uma regra de legalidade
material densificando a “legalidade formal”, definindo o conte´udo do
chamado principio da tipicidade dos impostos.
O artigo 103 da CRP diz-nos no seu nº2 que “os impostos são criados por
lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias
dos contribuintes”, delimitando assim a reserva parlamentar no tocante
aos impostos. O legislador constituinte português precisou deste modo os
elementos essenciais do imposto as quais se estende a reserva
parlamentar.

Entre estes elementos essenciais conta-se em primeiro lugar o da


incidência em sentido amplo, cabendo à AR fixar quem deve pagar o
imposto (incidência subjetiva);sobre que matéria ele há-de incidir
(incidência objetiva); Saber recontando no espaço o âmbito de aolicação
do imposto e as sua fronteiras com outros ordenamento tributários
( incidência territorial); e saber o momento em que se gera ou torna
exigível a obrigação tributário (incidência temporal).

Além da incidência dos impostos, integra a reserva de lei parlamentar


naturalmente também a respetiva taxa, ou seja, a parcela de riqueza que
se exige do sujeito passivo. Afinal de contas, o sentido essencial da reserva
de lei é o de guardar ao parlamento a decisão primária sobre os elementos
do imposto que acarretem uma oneração efetiva do contribuinte, sendo a
taxa o mais óbvio de entre eles. Como é bem sabido, a conforção das taxas
de imposto, além de incontáveis acertos à sua incidência, é
frequentemente levada a cabo através da lei do orçamento do estado, por
vezes com o mero intuito de as adequar à inflação. Vale aqui sublinhas que
a CRP exige da AR a sua fixação em concreto, ainda que a preponderância
de outros valores constitucionais possa em certos casos legitimar que a lei
parlamentar se contente com a definição de intervalos, dentro dos quais o
governo, regiões ou autarquias fixem com autonomia as concretas taxas
de imposto. Vale aqui também a nota para dizer que a mera atualização
das taxas d eimposto em conformidade com a inflação, deixando intocada
a carga real incidente sobre os contribuintes, não põe verdadeiramente
em causa a reserva de lei.
A extensão da reserva de lei parlamentar aos benefícios fiscais
compreende-se com facilidade, lofo que pensemos nas razões que a
fundamentam. Os benefícios fiscais podem inflitrar-se em qualquer
elemento a estrutura dos impostos, caracterizando-se,
independentemente da forma que assumam, por determinarem um
desagravamento da carga sobre determinados contribuintes em
homenagem a razões de ordem extrafiscal. A criação de benefícios fiscais
não apenas tende a suscitar questões delicadas de segurança jurídica e de
tutela da expectativa dos contribuintes como acarreta sempre uma
redistribuição da carga tributária global, aliviando os respetivos
beneficiários para em contrapartida sobrecarregar os demais
contribuintes. É de especial importância, portanto, que a sua discussão
passe pelo parlamento, pela maior garantia de transparência e
participação democrática que aí oferece ao procedimento legislativo.

No que diz respeito à reserva de lei a que o artigo 103, nº2 sujeita as
garantias dos contribuintes , sejam garantias de natureza processual ou de
natureza substantiva. O regime das infrações ficais, o art 103, nº2 nada
acrescenta ao art 165: os tipos de crime fiscal e de contraordenação fiscal
e as respetivas sanções e processos já estão sujeitos a reserva de lei ao
abrigo do art 165 n 1, alíneas c e d da crp (“definição dos crimes, penas,
medidas de segurança e respetivos pressupostos, bem como processo
criminal”) e (“regime dos actos ilícitos de mera ordenação social e do
respetivo processo”)

Além destes elementos essências dos impostos aos quais se refere o n2 do


artigo 103, dispõe o n3 do mesmo artigo que ninguém pode ser obrigado a
pagar impostos cuja liquidação e cobrança se façam nos termos da lei.
A liquidação é a operação através da qual se aplica à taxa de imposto à
matéria tributável, apurando-se em consequência o valor devido, e a
cobrança à operação através da qual esse valor ingressa nos cofres do
estado. Note-se que hoje em dia a liquidação dos impostos são conceitos
obsoletos, que tomam muitas vezes a forma de autoliquidação pelos
sujeitos passivos e que em vez de cobrança da iniciativa da administração
o que temos é pagamento da iniciativa do contribuinte. Tais funções
procedimentais deixaram em grande parte de existir quando foram
introduzidos os deveres de cooperação do sujeito passivo, ligados ao
apuramento do rendimento real no quadro dos códigos do IRS, IRC e
também do IVA.
Apesar de obsoletos, os termos lançamento eliquidação ainda são
utilizados, mas no contexto dos impostos que estão em vigor, que tomadas
por vezes como regras instrumentais de lançamento e liquidação dos
impostos, estão diretamente ligadas à fixação do seu quantum pela
administração ou pelos contribuintes, razão pela qual devemos considera-
las abrangidas pela reserva de lei parlamentar, senão pudermos mesmo
qualifica-las como normas de incidência.

Em suma, a lei deve definir todos os elementos essenciais do imposto com


rigor e deve defini-los em termos tais que se torne possível ao contribuinte
prever com razoável segurança e precisão o montante do imposto que è
chamado a pagar.

O principio da legalidade fiscal exige também que todas as leis sem


sentido formal (leis parlamentares ou decretos leis autorizados ou até
decretos-legislativos regionais) sejam suficientemente determinadas de
modo que os particulares possam entender e prever as atuações da
administração tributária (acórdão 233/94). Uma lei é indeterminada
quando o conjunto de argumento legais disponíveis é insuficiente para
justificar os resultados a que se chega. Nestes casos, o conjunto de
argumentos legais nunca garante (ou justifica) apenas um e só um
resultado em casos importantes ou difíceis.
Ultrapassada uma época histórica em que se exigia da leis fiscal uma
tipicidade ablutamente fechada, a doutrina tende hoje a reconhecer que,
dentro de certos limites, a atribuição à administração de faculdade
discricionárias de uma uma margem de livre apreciação quanto aos
conceitos indeterminados , pode ser mostrar útil na garantia da segurança
jurídica e da igualdade do sistema. Afinal, o recurso a uma tipificação mais
fechada dos elementos essenciais dos impostos facilmente produz
resultado contrário ao que dela se espera, regidificando as categorias
legais a tal ponto que não custa encontrar práticas económicas que
escapem ao seu alcance pelas mais superficiais razões de ordem forma,
com isto se alimentando a incerteza entre os contribuintes, o tratamento
desigual de situações idencia e um estimulo permanente à evasão fiscal.

Segundo a profe Ana Paulo Dourado, relativamente, ao grau de


determinação legislativa exigida pelo art 103,2 podemos dizer
esquematicamente que:
1) Quanto às normas de determinação do na- incidência e do
quantum- taxa- do imposto cabe à lei formal ( lei parlamentar ou DL
autorizado ou Decreto legislativo regional) estabelecer diretamento
o regime para os casos típicos a que se dirige (o núcleo –
determinado/cobrindo casos típicos - do conceito deve ser maior
do que auréola- indeterminado/cobrindo casos atípicos).
2) No caso da incidência objetiva em sentido estrito, para além da
definição e enumeração das manifestações típicas de riqueza que
cada imposto pretende atingir (pela técnica da tipicidade
tendencialmente fechada e através de tipos jurídicos estruturais ou
reais.
3) No caso da incidência subjetica, a enumeração dos sujeitos não tem
de ser taxativa, mas exemplificativa, de modo a evitar que
determinadas entidades, pela forma jurídica que assumam,
escapem do âmbito de incidência
4) Quanto às regras de determinação e quantificação da matéria
tributável, cabe à lei (parlamentar ou dl autorizado) definir o regime
a aplicar, de tal modo que o intérprete perceba quais as opções
tomadas e consiga prever o imposto a pagar. É inda recomendável
que as orientações genéricas vão concretizando os conceitos legais
( e regulamentares) indeterminados, de modo que diminua o grau
de incerteza na aplicação da lei, e permita ao contribuinte ver
gradualmente assegurados os referidos princípios da previsibilidade
e calculabilidade do imposto.
As autorizações legislativas ao governo

Nos termos do art 165, n2, as autorizações legislativas definem para além
do objeto, da extensão e da duração da autorização, o sentido da mesma.
Recorde-se aida, a propósito da função orientadora e fiscalizadora da AR
sobre o governo, que o DL autorizado poderá ser submetido à apreciação
parlamentar para efeitos de cessação de vigência ou de alteração,
podendo neste caso ser suspenso temporariamente (art 169).

As autorizações legislativas têm de cumprir um tripla função: ( conteúdo


material bastante da lei de autorização, linha de orientação do legislador
delegado, elemento de informação genérica das inovações a introduzir no
ordenamento para os particulares).

Função de orientação politica: É a função indirizo da AR que permite


identificar o grau de determinação mínima exigível às leis de autorização
ao abrigo do al i) do n1, e do n2, do art 165, e, como reverso da medalha,
o grau de margem de livre apreciação governamental admissível. Da
função de indirizzo decorre que o Parlamento, unilateralmente ou com a
colaboração do governo, através de lei ou de autorização legislativa, deve
definir sempre as linhas de orientação politica em matéria de impostos. Se
a competência é reservada ao Parlamento, ele não tem de partilhá-la com
o governo( e daí a sua primazia), mas se o Parlamento a delegar, a
orientação politica deve ser partilhada, ou seja a reserva de competência
deve implicar sempre um assentimento parlamentar.

Sentido das autorizações legislativas e os elementos essenciais do


imposto
Em segundo lugar, no caso dos impostos e sistema fiscal, o sentido a que
se refere o art 165,2 tem de ser definido quanto aos elementos
enumerados no art 103, n2. Ou seja, o sentido dado pela lei de
autorização legislativa deve ter “um conteúdo material bastante” e dar
“informação genérica das inovações a introduzir no ordenamento ( como
referiu o TC no acórdão n 358/92, e esse conteúdo material bastante
define-se por referência aos elementos do art 103,2. Por isso, os artigo
165,2 e 103 n2 devem ser conjugados, como defende a generalidade da
doutrina.
Assim, mesmo que seja o Governos a tomar a iniciativa legislativa de
reformas fiscais mais ou menos profundas, ou de alterações à legislação
em vigor, como acontece na prática – e, especialmente também por essa
razão-, a autorização legislativa deve ser suficientemente detalhada
quanto aos elementos mencionados no n2 do art 165, da crp, de forma
que o Parlamento possa tomar conhecimento e dar o seu acordo politico –
respeitando os princípios materiais constitucionais – sobre todos os
elementos essenciais dos impostos, dos benefícios fiscais e das garantias
dos contribuintes, tal como enumerados no 103 n2.

O poder tributário das autarquias locais.

Às autarquias locais tem sido reconhecido ao município o poder de criar


taxas, mas já não poderes em matéria de impostos – seja de criação ou de
adaptação. Ainda assim, lembre-se que os municípios têm alguns poderes
em matéria fiscal: fixam as taxas do IMI relativamente aos prédios
urbanos, embora a moldura (o máximo e o mínimo) seja fixada na lei (0,3 a
0,5) – art 112, 1, c e ns 5-9 do CIMI; e fixam a taxa da derrama até um
limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC
(art 18 da LEI das finanças lociais).

Os municípios podem conceder benefícios fiscais, relativamente aos


impostos e a outros tributos próprios, não podendo ser concedidos por
mais de 5 anos (art 16,4 LFL). Trata-se de pressupostos muito amplos e
indeterminados legitimadores da atribuição discricionária de benefícios. E
o tipo e medida de benefícios fiscais também estão na discricionariedade
do município (16,3 da LFL). Além disso no quadro do IMI, os municípios
podem majorar ou minorar a taxa de IMI aplicável com vista à prossecução
de objetivos extrafiscais, relacionados com a reabilitação e requalificação
urbana, dispondo de uma ampla margem de discricionariedade para tal
(112 n6 e 8 do CIMI)

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