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A desconsideração do princípio da legalidade pelo Fisco na criação de tributos

A tributação tem limites para sua implementação, e um dos principais é a legalidade

Maxwell Ladir Vieira1

A competência tributária é uma atribuição ou prerrogativa dada ao Ente Público para


criar tributos. Todavia, tal prerrogativa não é absoluta, tendo limitações ao poder de
tributar, de forma que o Fisco não tenha liberdade absoluta para criar obrigações, mas
ao contrário, deve respeitar parâmetros constitucionais estritos.

Uma destas limitações ao poder de tributar é exatamente o princípio da legalidade,


trazido no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, o qual prevê o seguinte:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao


contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
[...]

Perceba-se que a exigência de lei é expressa no texto constitucional para criação de


tributos, ou mesmo seu aumento, de forma que caso isto não seja respeitado, estar-se-á
diante de flagrante inconstitucionalidade.

Quando se expõe que deve a criação ou aumento de tributo ser feito por meio de lei, não
se trata aqui de, parafraseando Shakespeare, simplesmente dizer “ter ou não ter tributo,
eis a questão”.

Na verdade, percebe-se hoje uma sutileza muito grande quando há


inconstitucionalidades formais como esta, de desrespeito à legalidade, buscando o Fisco
transparecer tais situações como meras alterações ou criações de obrigações acessórias,
as quais, nos termos do artigo 113, parágrafo Segundo, do Código Tributário Nacional -

1
MAXWELL LADIR VIEIRA -  Sócio da Ladir & Franco Advogados (LEXNET Uberlândia), pós-
graduado em Direito Tributário pelo Instituto de Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito
Processual Civil pela Universidade Federal de Uberlândia-MG.
CTN, não precisam serem tratadas por lei no sentido estrito, respeitando apenas o
conceito previsto no artigo 96 do CTN:

Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os


tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas
complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e
relações jurídicas a eles pertinentes.

Art. 113. [...]


§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por
objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse
da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

Na verdade, quando de trata de legalidade tributária, a análise do respeito a este


princípio passa por 2 interpretações, que são o respeito á hierarquia das normas e o
respeito à reserva legal constitucional.

Quanto à hierarquia das normas, tem sido bastante comum a criação de normas que
estejam em claro descompasso com o texto constitucional ou mesmo com dispositivos
legais infraconstitucionais, mas superiores hierarquicamente, como uma Instrução
Normativa inovar o texto de uma lei que ela deveria apenas regulamentar ou esclarecer.

O sistema tributário constitucional é tido como rígido e é muito detalhado no tratamento


das competências tributárias, inclusive do âmbito constitucional do tributo, de forma
que leis que contrariem ou limites determinações constitucionais devem ser afastadas.

Um exemplo claro disso foi a definição do conceito de receita bruta e faturamento, para
efeito de PIS e COFINS, que foi indevidamente tratado pela Lei 9,718/98, e ao se
aperceber tal falha, foi tentada sua regularização posterior pelo Governo Federal através
de alteração da própria Constituição Federal do inciso II artigo 195 da Constituição
Federal, que teve, é claro, o reconhecimento de inconstitucionalidade daquela lei ao
tratar daqueles conceitos por contrariar previsão constitucional.

Outro exemplo foi o julgamento do RE 632235, cujo acórdão foi publicado no dia
05/10/2015 no DJe nº 199, que tratou de um discussão sobre uma mudança na apuração
e recolhimento do ICMS do Estado do Rio de Janeiro, através dos Decretos nº
31.632/2002 e 35.219/2004. O Estado do Rio de Janeiro argumentava que estes
Decretos apenas alteraram prazos de recolhimento, o que não prevaleceu, restando
demonstrado que as mudanças foram em criar, por Decretos, uma sistemática de
apuração do tributo, diferente da prevista na lei instituidora do imposto no Estado.

Já em relação à reserva constitucional, já foi dito que o arquétipo do sistema tributário


nacional é constitucional, que trata este assunto de forma muito mais fechada do que os
demais países com um mínimo de estrutura legal tributária.

Assim, têm ocorrido muitas normas que simplesmente afrontam até a exigência prevista
na Constituição Federal do tipo de norma apta a tratar de determinados tributos, como
no caso da contribuição previdenciária de produtores rurais pessoas físicas com
empregados, chamada comumente de FUNRURAL, e cuja exigibilidade foi criada para
estes por meio de lei ordinária, quando na realidade a exigência constitucional era de lei
complementar, o que foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no RE
363.852/MG, considerando inconstitucional a exigência deste tributo por lei ordinária.

A própria discussão a respeito da exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição


ao PIS e da COFINS passa por esta questão da reserva constitucional, pois um dos
motivos do julgamento de inconstitucionalidade de tal inclusão prevista em lei e que
isto não tem amparo constitucional porque a base de cálculo destas contribuições sociais
era o faturamento, e “quem fatura o ICMS é o Estado”, nas palavras do Ministro Marco
Aurélio de Mello, relator do RE 240785/MG, que julgou inconstitucional esta inclusão.

Outrossim, quando se trata de princípio da legalidade, uma análise mais ampla do


conceito demonstra que a sua ofensa tem ocorrido com certa regularidade,
especialmente em dois desdobramentos dele, que são o desrespeito à hierarquia das
normas e a afronta à reserva constitucional e ao âmbito constitucional do tributo.

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