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Relatório Caso 5

Vitor Manuel Franciulli de Lima Castro

Nº USP 8995519

Grupo 14.A

Argumentos do Contribuinte

O contribuinte, ao defender a inconstitucionalidade do ICA, alegou violação aos princípios da


legalidade, anterioridade, irretroatividade, e igualdade, além da oneração excessiva ao pequeno
agricultor.

Quanto ao princípio da legalidade, expressou que o Poder Executivo atribuiu matéria de


competência legislativa a si mesmo e, além disso, a delegou ao Ministério da Fazenda, ao
permitir que ele determine a base de cálculo e os parâmetros observados para se chegar nela.
Citou dispositivos da Constituição Federal e do CTN para defender seu ponto, além de julgado
do STJ lidando com o tema e em sentido favorável aos contribuintes. Além disso, o referido
imposto não se enquadra na única oportunidade de fixação de alíquota dada ao Poder Executivo
no art. 153, §1º da Constituição Federal, cuja permissão não se daria para outros aspectos do
fato gerador do tributo em discussão.

Justamente pelo fato da base de cálculo compor o fato gerador e a incidência do tributo em si,
exprimiu-se que haveria violação à anterioridade. Com as modificações sucessivas perpetradas
pelo Ministério da Fazenda, o contribuinte não teria como saber, com antecedência, os valores
a serem pagos a título do imposto e, assim, ficaria ameaçada a sua segurança jurídica. Citou
julgado do STF em favor da anterioridade como cláusula pétrea.

Defendeu-se que a irretroatividade também seria atacada, na medida que os valores fixados em
portaria estariam mirando fato gerador anterior à vigência da lei que alterou os parâmetros para
a sua tributação. Em relação à igualdade, a lei a fere na medida que iguala situações de
subsistência e comércio de produtos agrários, a diferença de alíquotas sem motivo aparente e
aplicaria, em escala nacional, estas alíquotas para regiões em que o seu cultivo é mais ou menos
propício.

Tal tributo, segundo o contribuinte, além de violar a ordem econômica e tributária,


desincentivaria, também, a agricultura familiar. O critério de 10 hectares, nos termos dos
parâmetros do INCRA, incluiria muitos proprietários de pequeno porte, objeto de políticas
públicas de incentivo justamente pelo fato de produzirem a maior parte dos alimentos de
consumo interno.

Argumentos do Fisco

O Fisco, por sua vez, alega que o princípio da legalidade foi observado, ao respeitar dispositivo
constitucional que autoriza a União a instituir tributo cujo fato gerador não fora discriminado
nas suas previsões, além de ser estabelecido por lei complementar.

O critério de 10 hectares, por sua vez, estaria respeitando o critério da capacidade contributiva,
pois o tamanho de tal propriedade abarcada implicaria riqueza produzida grande o suficiente
para que o contribuinte disponha de uma parte dela a título de imposto. Sob esse critério,
também expressa-se que não houve outorga ao Executivo para definir o alcance da tributação,
não havendo efetiva perda de segurança jurídica por parte do contribuinte.

O princípio da otimização, contido na legalidade, estaria, também, respeitado ao especificar-se


em grande detalhe os parâmetros da tributação, estabelecendo-se valores segundo o “valor de
mercado” e com alíquotas diferentes para alimentos diferentes.

Além disso, defende que a base de cálculo do imposto está prevista na lei complementar,
delegando-se ao Executivo apenas a sua determinação, isto é, a fórmula algébrica para se chegar
no valor a se tributar. Cita o §2º do art. 97 do CTN, que determina que a atualização monetária
da base de cálculo do imposto não importa sua majoração; muito menos alteração de alíquotas.

Argumenta, também, que a estrutura do tributo não viola a reserva de lei, já que a administração
tributária pode e deve se pronunciar em relação às condições para se aplicar e lei e conduzir,
efetivamente, a cobrança prevista por ela. A divulgação anual de valores e a determinação da
fórmula algébrica para se chegar no “valor de mercado” são exemplos do alegado.

Por fim, argui que o princípio da anterioridade fora respeitado, pois a Lei Complementar,
instituindo imposto que não se enquadra nas exceções constitucionais, respeitou a prazo de 90
dias após promulgação da lei e a regra do exercício financeiro seguinte para entrar em vigor.

Decisão

A razão é do contribuinte.

Diante dos fatos analisados, decide-se que houve violações aos princípios da legalidade, da
igualdade, da função social da propriedade e do livre exercício de qualquer atividade econômica.

O princípio da legalidade foi ferido no momento em que o Poder Executivo, ao regulamentar a


matéria disposta na Lei Complementar n. 444/2017, delegou ao Ministério da Fazenda
competência indelegável e que, por sinal, não era sua.

O princípio da legalidade está previsto no art. 150, I da Constituição Federal:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”.

Tal limitação constitucional ao poder de tributar, cuja regulamentação nos termos do art. 146,
II da Constituição, encontra-se no CTN, no seu art. 97, cujo texto é, respectivamente, trazido:

“Art. 146. Cabe à lei complementar:

(...)

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;”.

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

(...)
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos
21, 26, 39, 57 e 65;”.

No caso analisado, não houve erro ao estabelecer-se o “valor de mercado”, já que o Decreto
não inovou nesta matéria. O seu artigo 3º, nos termos do enunciado do exercício, repetiu os
mesmos termos da Lei Complementar. O equívoco deu-se na delegação quanto a definir o que
seria este termo, assim como as variáveis a serem observadas na sua determinação. Esta matéria
é de competência de lei, e não de portaria.

Segue ensinamento do Prof. Schoueri em relação à questão:

“Forma crescente de desrespeito ao Princípio da Legalidade que deve ser apontada é quando o
próprio Legislativo – com o beneplácito de parte dos tribunais – abriu mão de seu dever de
tratar, sem qualquer interferência do Poder Executivo, da matéria tributária. A Constituição
Federal não prevê tal delegação. Ao outorgar ao Poder Executivo o poder para definir o alcance
da tributação, ofende o Poder Legislativo o princípio da separação dos poderes, acarretando
perda da liberdade e da segurança jurídica do contribuinte.”1.

O Princípio da Igualdade também foi desrespeitado no caso. O igualamento de condições da


agricultura de subsistência e de negócio fere manifestamente o Princípio da Capacidade
Contributiva, corolário do primeiramente citado.

Tal princípio está previsto no art. 150, da Constituição:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,


proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; “.

O Prof. Schoueri mostra igual opinião quanto à Capacidade Contributiva:

“Ou seja: o Princípio da Capacidade Contributiva é o corolário, em matéria dos impostos,


empréstimos compulsórios e contribuições sociais, do Princípio da Igualdade. Como este exige
um parâmetro, a Capacidade Contributiva vem preencher a exigência do Princípio da Igualdade,
conferindo critério para a comparação de contribuintes.”2.

Ora, parece claro que o agricultor familiar nunca vai ter as mesmas condições contributivas que
o comercial. As alíquotas iguais para os dois, em lugar de uma tributação progressiva, é injusta
e contraria disposição da Carta Maior.

A outra faceta ferida da igualdade dá-se quanto ao desenvolvimento regional e o respeito às


suas particularidades. Há lugares no Brasil mais e menos propícios para o cultivo dos diferentes
alimentos produzidos no país. Este, também, é um outro parâmetro aceito para a definição da
famigerada “igualdade”, conforme, mais uma vez, explicitado pelo Prof. Schoueri, ao defender
a coexistência de critérios:

1
SCHOUERI, Luís Edurado. Direito Tributário. 5ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2015, p. 322.
2
Ibid., p. 345 e 346.
“A igualdade não se mede apenas a partir da capacidade contributiva: é possível haver efeitos
indutores diversos, impostos pela mesma lei, a contribuintes com idêntica capacidade
contributiva. Nesse caso, importará examinar se há fator (diverso da capacidade contributiva)
que justifique a discriminação.”3.

Por fim, há princípios de ordem econômica que são desrespeitados, referentes à Função Social
da propriedade e do Livre Exercício de Qualquer Atividade Econômica, previstos no art. 170, III
e parágrafo único da Constituição:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:

(...)

III - função social da propriedade;

(...)

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,


independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”.

O primeiro princípio citado aplica-se na defesa do pequeno agricultor. Este, em sua posição
hipossuficiente, é tutelado pelo poder público no sentido de possibilitar a sua subsistência e o
atendimento às demandas de consumo interno do país. Exemplo disto é o art. 185 da
Constituição, que declara insuscetível de desapropriação a pequena propriedade rural:

“Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não
possua outra;”.

O critério de 10 hectares, conforme exposto pelo contribuinte, é muito reduzido para aplicação
do tributo. Engloba, de fato, o pequeno produtor, que terá de sofrer oneração extra à sua
atividade, sem qualquer tratamento diferenciado. A função social da propriedade, então, será
mais difícil de ser mantida e, nas devidas proporções, o tributo pode agravar ainda mais o
problema do êxodo rural e do abastecimento do mercado interno.

O segundo princípio refere-se à oneração exagerada do agronegócio. Ora, o agricultor já é


sujeito passivo de uma série de outros tributos que avaliam a sua produtividade e capacidade
contributiva, como o Imposto de Renda e o Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural. Dado
que outros setores econômicos não terão imposto adicional suportado, e não haver previsão
expressa de sua dedução das bases de cálculo dos outros impostos citados, verifica-se manifesta
desigualdade no tratamento tributário.

Segue ensinamento do Prof. Schoueri, baseado em asserções de outros tributaristas,


consonante com a posição:

“O Princípio da Liberdade de Exercício de Atividades Econômicas não pode ser deixado de lado,
quando se consideram normas tributárias indutoras, já que, se a intervenção tributária for

3
Ibid., p. 349.
efetuada no sentido de criar óbices a uma atividade empresarial, então a norma tributária
indutora que assim atuar deverá ter sua constitucionalidade questionada.”4.

Para todos os efeitos, não houve violações aos princípios da anterioridade e da irretroatividade,
já que, do caso concreto, não foi possível extrair desrespeito no sentido de tributar-se o fato
gerador sem observar os critérios do exercício financeiro seguinte e dos 90 dias necessários à
produção de efeitos, nem a possibilidade de tributar fatos geradores pretéritos. As disposições
do Ministério da Fazenda, embora ungidas de inconstitucionalidade, respeitaria tais critérios ao
aguardar o prazo para entrada em vigor e ao mirar fatos geradores ainda a ocorrer, em
conformidade com as alíneas do art. 150, III da Lei Maior:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

II - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver
instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou
aumentou, observado o disposto na alínea b;”.

Diante de tudo expresso, decido em favor do contribuinte e, por conseguinte, pela


inconstitucionalidade do Imposto Sobre Colheita de Gêneros Alimentícios.

É como voto.

4
Ibid., p. 388.

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