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4.

Princípio da legalidade

Após a outorga, por parte da Assembleia da República, de uma lei de autorização


legislativa, onde se permitia ao Governo «tributar em IRS todos os rendimentos pessoais
que decorram de uma relação de trabalho dependente», é aprovado um decreto-lei que
prevê: (extensão – existia se o legislador determinasse a tipologia desses rendimentos,
taxas e maneiras de concretização…;

«1 – As prestações a que o trabalhador tenha direito por efeito da lei ou do contrato de


trabalho, assim como as despesas cujo encargo a entidade patronal assuma no
predominante interesse daquele, serão tributadas em IRS.

2 – O valor tributável das prestações e despesas a que se refere o número anterior será o
seu valor nominal ou, na falta deste, o valor mais próximo das condições normais de
mercado.

3 – As despesas do n.º 1 não serão dedutíveis para efeitos do apuramento do lucro


tributável em IRC e, acaso se mostrem excessivas, serão tributadas autonomamente à taxa
de 42%.

4 – Será fixada, por Portaria, a lista das prestações a que referem os n.os 1, 2 e 3, bem como
os critérios concretos para apuramento do seu valor.

5 – São isentados do pagamento do imposto os trabalhadores da construção naval.»

O Governo aprovou finalmente o decreto-lei que procede à alteração do imposto sobre a


detenção de imóveis, pondo termo à imensa fraude que se tinha instalado no sector da
construção civil.

O imposto passa a ser calculado de acordo com o “valor objetivo” de cada imóvel, um valor
a fixar pelos serviços de finanças atendendo à sua “localização”, “equipamentos” e
“antiguidade”, bem como a “outros fatores relevantes” que a lei em si mesma não
especifica. Por portaria do Ministro das Finanças haver-se-ia de precisar melhor estes
elementos e o peso relativo de cada um no cálculo do valor tributável.

Ao valor assim determinado aplicar-se-ia uma taxa única de 2% nas grandes cidades,
podendo, fora delas, oscilar a taxa entre os 0,8% e 1%, consoante deliberação das
assembleias municipais, uma solução que a Federação dos Municípios Portugueses
sustenta ser inconstitucional por comprimir em demasia a autonomia financeira local.
A proposta da Federação era antes a de que na generalidade dos municípios a taxa
pudesse oscilar entre os 0,5% e os 5% e que por deliberação das assembleias
municipais se pudessem isentar de imposto todos os imóveis situados em “zonas
degradadas”, tal como os próprios municípios as definissem.

Quid iuris?

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Resolução do caso na aula prática:

Após a outorga, por parte da Assembleia da República, de uma lei de autorização


legislativa, onde se permitia ao Governo «tributar em IRS todos os rendimentos pessoais
que decorram de uma relação de trabalho dependente», é aprovado um decreto-lei que
prevê: (extensão – existia se o legislador determinasse a tipologia desses rendimentos,
taxas e maneiras de concretização…; Era um decreto-lei autorizado e não um decreto-lei
simples.

«1 – As prestações a que o trabalhador tenha direito por efeito da lei ou do contrato de


trabalho, assim como as despesas cujo encargo a entidade patronal assuma no
predominante interesse daquele, serão tributadas em IRS.

Qual é a ideia subjacente às leis de autorização legislativa à luz do princípio da


legalidade fiscal?

i. Estado Social;

ii. Poder especializado para definir a legislação em termos de incidência dos


impostos (criação, modificação ou extinção). Este poder mais especializado
que emana das maiorias parlamentares continua a representar o âmbito de
discussão e de análise em sede parlamentar de leis relacionadas com
impostos. Esta maioria parlamentar permite garantir uma maior previsibilidade
das normas fiscais e que a sua discussão é efetuada pelos órgãos de soberania
com competência para tal, em concreto a AR ou o Governo de forma autorizada
(função garantistica).

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Quanto a este caso prático: Não temos aqui um verdadeiro objeto nesta lei de
autorização legislativa – art. 165º nº2.

Na prática, a tributação em sede de trabalho dependente já resulta do art. 2º do CIRS e


está extremamente concretizado. Ou seja, o objeto conferido pela parte do Governo é
extremamente vago.

Existe ainda uma ausência do critério da duração, o limite até ao qual aquela autorização
legislativa se encontra vigente.

Quanto ao sentido e à extensão da lei de autorização legislativa:

 Extensão: Amplitude da possibilidade de tributação por parte do Governo. Ou seja,


quando vemos nesta lei de autorização legislativa “…tributar em IRS todos os
rendimentos pessoais…”, tínhamos uma verdadeira extensão se o legislador
indicasse que tipologia de rendimentos estariam sujeitos a tributação, qual o
enquadramento dado a essas normas de tipologias de rendimentos.

 Sentido: Remissão para a jurisprudência do TC alemão.

(i) Existência de um conteúdo material bastante.

(ii) Existência de uma função de orientação e determinação das diretrizes


relevantes para a adoção por parte do Governo de uma orientação
conferida pela AR.

(iii) Informações novas a introduzir neste imposto. Sempre que falamos de um


novo imposto, será o que se acrescenta de novo ao quadro legal; Se já existir
o imposto, referimos as alterações a este imposto.

A nossa lei de autorização legislativa não tem qualquer orientação no sentido de diretrizes
e sentido orientador a tomar pelo Governo e não tem qualquer alcance em termos de
imposto.

LAL2024 mandada pela professora: Se olharmos para esta LAL, vemos no nº1 claramente
o objeto definido. Não temos apenas uma indicação quanto à criação de benefícios fiscais
relacionado com a cultura, existe uma concretização do objeto, ou seja, qual o tipo de
benefício fiscal, quais as áreas da cultura que estão abrangidas pelo benefício fiscal.

No nº2 temos a indicação do sentido ou extensão. O legislador decide criar dois


benefícios fiscais: Deduções à coleta e quem não tenha coleta de IRS, o suficiente para
poder beneficiar igualmente). Quais os limites associados à dedução à coleta, o valor
exigível de, pelo menos, 1 milhão por obra cinematográfica, quais as diretrizes…

Em regra, a autorização legislativa tem o prazo de 1 ano, que é normalmente o prazo ou


ano de vigência associada à lei do OE, sendo que grande parte das autorizações legislativas
constam logo do OE. Esta orientação tem de ter um prazo. Estamos perante uma
inconstitucionalidade por violação do art. 165º nº2 que existe para que possamos
assegurar o alcance da legitimidade democrática e a previsibilidade da competência
legislativa do Governo.

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«1 – As prestações a que o trabalhador tenha direito por efeito da lei ou do contrato de
trabalho, assim como as despesas cujo encargo a entidade patronal assuma no
predominante interesse daquele, serão tributadas em IRS.»

(i) Não estamos perante um rendimento do trabalho, por isso estamos a dar
um alcance maior do que aquele que resultava da autorização legislativa,
por isso, temos a violação do princípio da reserva de lei por violação do dever
competencial – art. 165º nº2. A relação que decorre da LAL é uma relação que
apenas decorre do contrato de trabalho ou abrange também toda e qualquer
relação qualquer prestação. Se estivermos a falar nos termos da lei formal que
não tenha conexão com o trabalho dependente, estamos a extravasar a LAL.
Não nos devemos esquecer que qualquer prestação do trabalhador nos termos
da lei pode não estar relacionada com uma relação de trabalho dependente.

(ii) “Predominante interesse da entidade patronal”: É um conceito


indeterminado que não garante previsibilidade ou segurança jurídica, não
sabemos qual o predominante interesse em causa, pois cada entidade patronal
pode ter um predominante interesse diferente. Esta técnica não preenche as
exigências da tipicidade fiscal exigidas pelo princípio da legalidade e, portanto,
estamos a violar o princípio da legalidade na vertente material, sendo
inconstitucional. Ora, a prof. APD diz que esta concretização pode ser feita
pelos tribunais, ainda assim, sem prejuízo, não parece plausível a utilização
deste conceito indeterminado do Governo (o sujeito passivo não consegue
entender a regra de incidência subjacente).

2 – O valor tributável das prestações e despesas a que se refere o número anterior será o
seu valor nominal ou, na falta deste, o valor mais próximo das condições normais de
mercado.

(i) O valor nominal não é um conceito indeterminado, é um valor declarado


relativamente a um bem e sempre que um determinado bem ou serviço tem um
valor nominal, então esse valor será objetivo (muitas vezes, é fixado pela lei ou
por autoridades com competência).

(ii) “Condições normais de mercado” é um valor indeterminado. Cumpre ou


não as exigências da previsibilidade exigidas pelo princípio da legalidade? No
nosso ordenamento jurídico temos preceitos que mencionam este conceito,
como por exemplo o art. 63º do CIMT (as transações efetuadas entre entidades com uma relação entre
si – grupo de empresas – tem de respeitar as condições normais de mercado. As condições normais de mercado para efeitos
do art. 63º do CIMT, são as condições estabelecidas entre entidades independentes, ou seja, as condições que seriam
seguidas se aquelas entidades não estivessem numa relação de grupo). As condições normais de mercado podem ser
apuradas para a determinação de bens e serviços, mas do ponto de vista internacional é consensual que existem dados bens
ou jurídicos (patentes, marcas…) que não seja possível determinar um valor de mercado, pois têm características únicas.

Assim, estamos perante uma violação do princípio da legalidade em sentido material pois
existem condições normais de mercado que não são apuráveis para determinados
bens ou serviços como explicado anteriormente. Assim, as condições normais de
mercado são um conceito indeterminado, mas determinável em certos casos,
dependendo dos bens e serviços em causa. A LAL é inconstitucional desde o início, pois não concretiza
todos os elementos do art. 165º nº2, mas para concluirmos o caso prático temos de considerar que esta lei era conforme.

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“O valor tributável” é uma regra de incidência em sentido amplo, porque é a regra do
apuramento do valor subjacente ao tributo. O valor tributável faz parte das regras de
determinação da matéria coletável, estando abrangido pelas preocupações do
princípio da legalidade.

3 – As despesas do n.º 1 não serão dedutíveis para efeitos do apuramento do lucro


tributável em IRC e, acaso se mostrem excessivas, serão tributadas autonomamente
à taxa de 42%.

As regras de determinação estão em causa. Falamos de determinação enquanto matéria


coletável, que inclui o que é ou não dedutível pelo imposto, sendo uma matéria abrangida
pelo princípio da legalidade na vertente material.

É utilizado aqui o IRC e as despesas de tributação autónoma. Quer um quer outro estão
fora do objeto, sentido e alcance da lei de autorização legislativa. Assim, temos uma
inconstitucionalidade orgânica e o Governo não tinha competência para legislar sobre
estas matérias.

Além disso, a tributação autónoma está a definir uma taxa de tributação autónoma para
determinadas despesas.

É utilizado um conceito indeterminado – “excessivas “ – temos um elemento essencial do


imposto a ser densificado através de um conceito indeterminado do qual não resulta
qualquer força de determinação – o que é excessivo? Não é um conceito sequer
determinável para o sujeito passivo.

4 – Será fixada, por Portaria, a lista das prestações a que referem os n.os 1, 2 e 3, bem
como os critérios concretos para apuramento do seu valor.

A portaria não tem valor legislativo – art.112º da CRP.

As regras do apuramento do valor são regras de determinação e quantificação da matéria


coletável, abrangidas pelo princípio da reserva de lei – art. 165º nº1, alínea i) – assim, a
portaria apenas podia definir aspetos técnicos (poder mais especializado). Assim, esta
portaria é inconstitucional.

5 – São isentados do pagamento do imposto os trabalhadores da construção naval.≫

As isenções de imposto, serão benefícios fiscais em sentido amplo, que fazem parte do
Tatbastand sistemático alargado, sendo estas normas extrafiscais, cuja finalidade
principal não vai ser arrecadar receitas para o Estado. Os benefícios fiscais introduzem
fenómenos de erosão de receitas e restringem a aplicação dos princípios materiais fiscais,
sendo uma exceção à incidência fiscal e uma exceção ao princípio da igualdade, pelo que
deve ser publicitado e está também por isso sujeito a reserva de lei – art. 103º nº2.

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E nesse sentido, o afastamento desses princípios, entre os quais o princípio da igualdade
na sua vertente da capacidade contributiva, terá sempre de ser justificado com base em
princípios orientadores, os quais devem ser ponderados conjuntamente com os princípios
materiais fiscais a restringir, pois tal so será possível se houver um interesse público
superior a prosseguir – Princípio do ganho e do mérito.

Não temos qualquer referência na LAL quanto à aquisição de benefícios fiscais, sendo que
esta LAL refere “todos os rendimentos”. Assim, podíamos estar perante uma violação do
princípio de legalidade na vertente material.

O Governo aprovou finalmente o decreto-lei que procede à alteração do imposto sobre


a detenção de imóveis, pondo termo à imensa fraude que se tinha instalado no sector
da construção civil.

Vamos presumir que estas perante um decreto-lei não autorizado e uma alteração ao IMT.

Não esquecer: Os decreto-lei não autorizado ou uma portaria nunca podem incidir
sobre elementos essenciais do imposto. Podem concretizar matérias fiscais, podem
concretizar aspetos definidos pela AR , mas nunca podem incidir sobre a criação,
modificação ou extinção dos elementos essenciais dos impostos (incidência em
sentido amplo, taxas, benefícios fiscais, garantias dos contribuintes).

No caso estamos perante a alteração de um elemento essencial do imposto,


consagrando uma situação de inconstitucionalidade orgânica por violação do princípio da
reserva de lei – art. 165º nº1, alínea i).

Este imposto pode ser comparado ao nosso IMT.

O imposto passa a ser calculado de acordo com o “valor objetivo” de cada imóvel, um
valor a fixar pelos serviços de finanças atendendo à sua “localização”,
“equipamentos” e “antiguidade”, bem como a “outros fatores relevantes” que a lei
em si mesma não especifica. Por portaria do Ministro das Finanças haver-se-ia de
precisar melhor estes elementos e o peso relativo de cada um no cálculo do valor
tributável.
O princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, será um elemento
essencial dos impostos pois cada um de nós deve ser tributado segundo a sua capacidade
contributiva, aferida com base na lei, que demonstra que quanto mais rendimento um
individuo tiver, maior será o imposto a pagar. Assim os impostos têm sempre na sua base
uma lógica ad valorem (sobre o valor de) na quantificação, dai que não haja uma
contraprestação direta e imediata.

Dito isto, a taxa ou alíquota do imposto deverá ser sujeita à reserva de lei (art. 103º nº2 e
165º nº1 i) CRP), sendo inclusive uma lei formal que define o regime a aplicar no imposto,
de forma que o intérprete perceba as opções tomadas e consiga prever o imposto a pagar,
mas para que a lei não fique sobrecarregada de pormenores, deve caber a um Decreto-lei
não autorizado, regulamento ou portaria o desenvolvimento desses critérios, devendo até
orientações genéricas vir concretizar conceitos jurídicos indeterminados. Assim não será
necessária uma determinação maximalista para assegurar a segurança jurídica dos
contribuintes, sendo todos os factos neste parágrafo válidos. O Governo não tinha
competência. Este imposto pode ser comparado ao IMT. Estamos a alterar um imposto
(elementos essenciais).

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Ao valor assim determinado aplicar-se-ia uma taxa única de 2% nas grandes cidades,
podendo, fora delas, oscilar a taxa entre os 0,8% e 1%, consoante deliberação das
assembleias municipais, uma solução que a Federação dos Municípios Portugueses
sustenta ser inconstitucional por comprimir em demasia a autonomia financeira
local.
A proposta da Federação era antes a de que na generalidade dos municípios a taxa
pudesse oscilar entre os 0,5% e os 5% e que por deliberação das assembleias
municipais se pudessem isentar de imposto todos os imoveis situados em “zonas
degradadas”, tal como os próprios municípios as definissem.

O poder tributário das autarquias locais (art. 238º nº4 CRP), será um poder derivado e não
originário: deriva da lei da Assembleia da República ou do Governo (sob autorização
legislativa).

Ser-lhes-á reconhecido o poder de criar ou adaptar as taxas (o mesmo não acontece com
impostos). No caso das Autarquias Locais, no âmbito da CRP de 1976 tem sido
reconhecido aos municípios o poder de criar taxas, mas já não tem poderes em matéria de
impostos: seja de criação ou adaptação. Ainda assim, lembre-se que os municípios têm
alguns poderes em matéria fiscal.

1. Fixam as taxas de IMI relativamente aos prédios urbanos (embora o máximo e


mínimo seja determinado por lei – 0,3% a 0,5%) – art. 112º nº1, alínea c) e arts. 5º
a 9º do CIMI.
2. Fixam as taxas de derrama até um limite máximo de 1,5% sobre o lucro tributável
sujeito e não isento de IRC – art. 18º da Lei das Finanças Locais.

Os municípios podem conceder benefícios fiscais relativamente aos impostos e a outros


tributos próprios, não podendo estes ter um prazo superior a 5 anos à luz do art. 16º nº4 da
LFL. O tipo e medida dos benefícios fiscais também estão na sua discricionariedade – art.
16º nº2 do LFL.

O art. 238º nº4 da CRP consagrou expressamente um poder tributário dos municípios
a exercer nos termos da lei, cujo alcance ainda não está delimitado. Não se trata aqui se
um poder de criar e adaptar impostos nacionais, pelo menos com a amplitude que
resulta para as Regiões Autónomas do art. 227º, dado que não foi consagrado nenhum
poder tributário próprio nem se faz referência à adaptação de impostos nacionais, As
assembleias municipais podem aprovar atos normativos, mas esses não constituem lei em
sentido formal, ou seja, podem concretizar alguns dos elementos essenciais dos impostos tal
como definidos por lei no Parlamento ou D.L. autorizado.

Em termos gerais, este artigo legitima a atribuição legal de discricionariedade aos


municípios quanto aos elementos essenciais dos impostos. Casalta Nabais: O artigo não
acrescenta nada de novo à adequada compatibilização ou concordância prática do
princípio da legalidade fiscal com o princípio da autonomia local, pois o princípio da
autonomia local sempre permitiu que o legislador concedesse tais poderes tributários.

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