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CASO 14

Anabela vendeu a Carlos um lote de terreno agrícola sito em Mourão com a área de 18.203m2
no dia 2 de agosto de 2022, pelo valor de € 78.000,00. Bernardo, irmão de Anabela, alegou que
é o atual comproprietário do prédio, juntamente com Anabela, sendo que a mesma (sozinha),
não tem poderes para alienar o mesmo. Argumenta que, apesar da coisa nunca ter sido registada
a favor de ambos (estando anteriormente registada apenas a favor de Anabela, proprietária plena
antes de fevereiro de 2022), Carlos deveria ter tido o cuidado de saber se estava a celebrar um
contrato válido. Carlos, apercebendo-se da confusão em que se tinha colocado, no dia 15 de
outubro (passados 15 dias de ter tomado conhecimento da situação), pede a restituição do preço
a Anabela. Esta recusa o pedido, pois nos 2 meses em que esteve a utilizar o terreno para
produção agrícola, tendo em conta a utilização excessiva de químicos e máquinas agrícolas,
Carlos contribuiu para a diminuição da fertilidade do mesmo. Assim sendo, não tem direito a
receber qualquer valor. Anabela tem razão? 

PONTOS IMPORTANTES DO CASO: Tanto A como B são proprietários do terreno. O registo


só está realizado em favor de A. C pede a restituição do preço pago a A.

Compra e venda de bens alheios: A transmissão onerosa, como própria, de bens não
pertencentes ao alienante e fora do comércio, geram a nulidade (salvo em caso de erro na
declaração).

1ª questão que devemos fazer: Existe realmente vontade em vender como própria uma coisa
alheia? Se sim, estamos perante o regime da venda de bens alheios. Se estivermos perante um
erro na declaração, aplicaremos o regime geral do erro.

1º pressuposto do regime: Falta de legitimidade do alienante. Ou seja, se o alienante tiver


poderes para a realização do ato de disposição, não se aplica o regime da compra e venda de
bens alheios. Já se não tiver esses poderes e também não estiver em erro sobre a declaração,
aplicamos o regime da venda de bens alheios. No caso concreto, A era proprietária plena do
terreno até fevereiro de 2022, mas depois passou a partilhar o terreno com B e vendeu sozinha o
terreno a C, ou seja, não tinha legitimidade plena para o ato de disposição.

Quanto ao registo  Art. 895º: Adquirida a titularidade do direito/coisa vendida, a venda


consolida-se e verifica-se a transmissão da propriedade para o comprador. Mesmo que o
vendedor não registe, o bem passa para o comprador por efeito do contrato.

No caso concreto, tanto A e B são proprietários do terreno (art. 1403º do CC:


Compropriedade).
Art. 1406º do CC e art. 985º: A não podia alienar o terreno sozinha.
C estava de boa-fé, ou seja, ignorou sem culpa a alienabilidade do bem.
A estava de boa-fé ou má-fé? Considerando que A estava de má-fé e C de boa-fé: A
(vendedora de má-fé) não pode opor a nulidade ao comprador (C), sendo C o único a
poder arguir a nulidade (art. 892º).
Efeito da nulidade: Obrigação de restituição do preço e da coisa vendida. À luz do art.
289º e 290º do CC, o comprador deve restituir a coisa ao vendedor (neste caso, C deve
restituir o terreno a A) e A deverá restituir o preço a C. Todavia, esta obrigação de
restituição do preço resultante da nulidade por venda de bens alheios é distinta da
solução do art. 894º onde a obrigação de restituição do preço depende se existe ou não
boa-fé do comprador. No caso concreto, como C estava de boa-fé, iremos aplicar o art.
894º, onde o comprador de boa-fé, diante a nulidade do negócio, tem o direito de exigir
a restituição integral do preço, mesmo se os bens estejam deteriorados ou tenham
diminuído o seu valor. Note-se que este direito à restituição integral do preço surge do
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art. 289º/1 (onde não há uma distinção entre quem está de boa-fé e má-fé) e não do art.
894º. O art. 894º simplesmente desliga esta restituição do preço das vicissitudes da coisa
objeto do contrato. Estando C de boa-fé, aplicaremos o art. 984º e haverá uma
restituição integral do preço (independentemente das vicissitudes do objeto).
Quanto ao argumento dado por A como fundamento da recusa da restituição do preço
devido a C (estragaste o terreno com fertilizantes):

i. Menezes Cordeiro: Deve existir uma harmonização do art, 894º com o art. 1269º.
O comprador de boa-fé de bem alheio só beneficia do regime estabelecido no art.
894º se a afetação do valor do objeto não se dever a culpa sua. A contrario, se a
afetação do valor do bem ou a sua deterioração se der por sua culpa, afastamos a
aplicação do art. 894º.
ii. Menezes Leitão: O adquirente de boa-fé beneficia, por força do art. 894º, de uma
proteção superior à conferida ao possuidor.
O comprador de boa-fé, julgando ser seu o bem, não devia estar sujeito a um grau
de exigência semelhante ao imposto na guarda e conservação de coisa alheia.
Estamos perante uma hipótese de limite do enriquecimento estabelecido pelo art.
479º nº2.
Para além disso, como vimos, se o comprador estiver de boa-fé, o art. 894º desvia-
se da regra geral dos arts. 289º e 290º. À luz destes artigos, havendo
impossibilidade da restituição da coisa, deveria ser entregue um valor destinado a
ressarcir pela perda. Todavia, segundo o art. 894º, na hipótese de o comprador estar
de boa-fé, ele tem o direito a exigir a restituição integral do preço, mesmo se os
bens estejam perdidos, tenham diminuído o seu valor…
Ou seja, nestas situações do art. 984º, o adquirente não tem de devolver o valor
referente à diminuição gerada pela vicissitude (porque está de boa-fé). É o que acontece
no nosso caso.

i. Na eventualidade de perda ou destruição da coisa alheia vendida nas relações


entre o comprador e vendedor rege o disposto no art. 894º. Nestes casos, a
existência de culpa do comprador de boa-fé na destruição do bem é irrelevante
e não influencia o direito à restituição integral do preço.

ii. Se estivermos no âmbito de relações entre o verdadeiro dono e o comprador, já


vale o art. 1269º. Mesmo sendo um comprador de boa-fé, poderá responder por
danos cometidos com culpa.

Art. 894º/2: é um limite ao número 1 em matéria de restituição . Se C retirar proveito da


destruição da coisa, esse benefício será abatido ao montante do preço a pagar pelo
vendedor ao comprador (neste caso, será abatido no valor de A a devolver a C).
Esta redução é independente da culpa por parte de C, tendo antes o fundamento de
evitar um enriquecimento injusto do comprador face ao vendedor.
No âmbito do enriquecimento sem causa, o devedor de boa-fé não responde pela perda
ou deterioração culposa do objeto a restituir, mas apenas pelo seu enriquecimento, só
lhe aplicando essa responsabilidade em situação de má-fé (art. 480º).
Não é razoável o comprador de coisa alheia, mesmo de boa-fé, exigir do vendedor a
restituição integral do preço se, com culpa e vontade, destruiu a coisa.

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Quanto tenha conhecimento do vicio da compra: passa a responder pela perda,
deterioração ou diminuição do valor da coisa vendida.
Este argumento parece válido para situações de destruição deliberada, ao invés de nas
situações de simples negligência na destruição por parte do comprador de boa-fé.

No caso concreto, não íamos aplicar este artigo (art. 894º nº2).

RELAÇÃO ENTRE O ART. 894º E O ART. 1269º

O artigo 894º aplica-se nas relações entre o vendedor e o comprador. Se os danos são culposos,
isto não influencia o seu direito a ser restituído. Tendo em conta o regime do enriquecimento
sem causa, se este enriquecer ou tirar benefícios através da deterioração da coisa, sabendo que
não é proprietário, subtrai-se esse valor ao valor da restituição.

O art. 1269º aplica-se nas relações entre o comprador e o real proprietário. Quando o comprador
tenha conhecimento da alienabilidade do bem, perante danos culposos (na deterioração ou
diminuição do valor da coisa) vai responder perante o real proprietário, uma vez que o
proprietário tem um dever de guarda e conservação. Os danos culposos são perante o real
proprietário.

No caso concreto, entre A e B (ambos de boa-fé) C responde “Poderá ser abatido o valor da
deterioração”?

A partir do momento em que este conhece da alienabilidade do bem, na restituição do vendedor


face ao comprador abate o valor em que este enriqueceu invalidamente. Se continuar a obter
benefícios, sabendo que a venda é inválida, esses benefícios subtraem-se da restituição a que
este tem direito.

Aplica-se o art. 894º nº1 independentemente de culpa (salvo uma exceção que vamos ver) C
deverá ser restituído com valor do preço integralmente.

Qual é a exceção? O professor Regente parece concordar com o Prof. Mota Pinto e nos casos de
destruição deliberada que revele falta de interesse pela coisa (dolo abusivo) aí abate o valor da
destruição.

Na relação entre B e C, o real comproprietário e o comprador, aplica-se o art. 1269º, na


perspetiva em que C tem de indemnizar Bernardo o valor da destruição da coisa se tiver agido
com culpa (no caso, havia uma negligência consciente).

Relativamente ao conhecimento superveniente, ou seja, conhecer já depois da compra e venda


nula a alienabilidade do bem, há uma distinção entre o que o professor Pedro Albuquerque
considera e o que o professor Nuno Pinto Oliveira:

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Nuno Pinto Oliveira: Havendo um conhecimento superveniente pelo comprador, abate o valor
da destruição.

Tinha o dever de guardar ou conservar a coisa.

Pedro Albuquerque: Para haver um abate do valor da destruição, tem de ser uma destruição
culposa.

Havendo um conhecimento superveniente, o comprador passa a ser um detentor em


nome alheio diligente (depositário), mas só é abatido o valor se tiver existido uma
destruição culposa (negligência deliberada).

Culpa: Não existe distinção de grau quando se refere culpa. Para sabermos se estamos
perante um comprador de boa-fé ou não temos de responder à pergunta “se ele sabe ou
devia saber do caráter alheio da coisa” (boa-fé) e é igual para a questão do art. 1269º,
se houve dolo (negligência consciente ou inconsciente: má-fé ética) na degradação da
coisa.

Para o Prof. Pedro Albuquerque: A solução da parte final do art. 894º nº1 seria
semelhante ao dos arts. 289º nº3 conjugado com o art. 1269º do CC. Temos de
diferenciar, entre as relações entre o comprador e o vendedor, valendo a solução do art.
894º, independentemente dos arts. 1269º (numa situação que o comprador está de boa-
fé e ainda não sabe que o bem é alheio) e nas relações entre o verdadeiro proprietário e
o comprador de boa-fé, então rege o art. 1269º do CC. Ainda assim, caso o comprador
de boa-fé tenha conhecimento da nulidade da venda, passa a responder pela perda
ou deterioração da coisa quando proceda com culpa. Atenção com este argumento:
Deve ser “sancionada” a negligência deliberada e não uma situação de simples
negligência.

Sub-hipótese 1:

Considere que Carlos era ex-colega de faculdade de Bernardo. Num jantar de reencontro de
ex-alunos, em setembro de 2022, ouve Bernardo a reclamar da má gestão de Anabela do
terreno agrícola que tinham os dois em Mourão. A sua resposta seria diferente? 

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Neste caso C era um comprador de boa-fé, visto que comprou o terreno em Agosto e o jantar
foi apenas em Setembro, só que de setembro a 15 de outubro já sabia da venda alheia ou
desconfiava e ignorou o facto de estar a gozar de um bem alheio.
C já sabia da má-gestão de A, agindo dolosamente (sabia do facto e ignorou-o culposamente):

Se C estava de má-fé (sabendo que A era má gestora e possivelmente não sabia que não
podia alienar o terreno) e A estava de má-fé, podendo qualquer um suscitar a nulidade
do contrato. Art. 894º.
Se C arguir a nulidade, o comprador deverá restituir a coisa ao vendedor (C deve
restituir o terreno a A) e o vendedor (A) deverá restituir o preço (a C).
Todavia, esta obrigação de restituição integral do preço depende se existe boa-fé ou má-
fé daquele que se encontra obrigado a tal (comprador). No nosso caso, C estava de má-
fé.
A contrario o art. 894º (segundo a maior parte dos autores e onde se insere Menezes
Leitão), o comprador de má-fé não pode pedir a restituição integral do preço (o que é
diferente do regime geral da restituição). Note-se que, segundo o prof. Mota Pinto, não
é razoável o comprador de coisa alheia (mesmo de boa-fé, como estava C até setembro)
exigir a restituição integral do preço se, com culpa e vontade, destruiu a coisa de forma
deliberada (e não uma mera situação de negligência).
Segundo o Prof. Diogo Bártolo, o argumento a contrario é débil e segundo a
interpretação do art. 894º/1, esse artigo não pretende dar ao comprador de boa-fé o
direito à restituição integral do preço, dado que esse direito já resultava do art. 289º/1
(onde não se distingue entre sujeitos de boa-fé e má-fé). O objetivo do art. 894º é
desligar a restituição integral do preço das vicissitudes presentes na coisa enquanto esta
tiver em poder do comprador de boa-fé. Por outro lado, o artigo desliga a restituição
integral do preço da impossibilidade de entrega da coisa. Posto isto, não podemos
concluir que a partir do art. 894º o comprador de má-fé jamais terá direito à restituição
integral do preço, mas podemos concluir que não terá direito à devolução da totalidade
da importância paga naquelas situações de perda do bem, tendo de se abater, no
montante entregue para pagamento, a quantidade correspondente à compressão da valia
do objeto.
Resumindo:
i. Comprador de má-fé ou ambos de má-fé originária: Vale o regime dos arts. 289º e
290º do CC (não desliga dos vícios da coisa e caso a coisa tenha diminuído de valor,
terá de entregar um valor correspondente).
ii. Regra especial apenas para a compra e venda de boa-fé: art. 894º (desliga dos vícios
da coisa, não necessitando da entrega do valor correspondente à vicissitude).
iii. Afastamento do argumento a contrario.

No caso concreto, o comprador estava de má-fé e por isso afastamos o regime do art.
984º (pensado apenas para casos de comprador de boa-fé) e aplicamos o regime do art.
289º e 290º.
Estando ambos de má-fé, não se aplica a obrigação de convalidação do contrato (art.
897º) nem as indemnizações previstas nos arts. 898. 899º e 900º.

Má-fé originária dos dois contraentes: art. 289º (regime geral da restituição)

Apesar da posição do professor Regente parecer favorável à aplicação do art. 894º, mesmo nos
casos de má-fé entre o vendedor e comprador, a maioria da doutrina e principalmente o
professor MC, diz que se tivermos num caso de um comprador de má-fé e um vendedor de
má-fé originariamente (os dois sabem que a coisa tem caráter alheio) não se aplica o art.

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892º, porque este artigo passa a ideia de que uma das partes quis esconder da outra e não uma
situação de má-fé originária por parte de ambos. Nesses casos, aplicaremos então o art. 289º do
CC (regime geral da restituição).
Se ambos estão de má-fé, não há necessidade de proteger nenhum deles. A ratio deste
regime da compra e venda de bens alheio é haver uma proteção ou do vendedor de boa-fé ou do
comprador de boa-fé.

 Art. 894º nº1 permite a restituição integral do preço por parte do comprador de
boa-fé, mas e o comprador de má-fé?

a) Art. 894º nº1 a contrario (deve ser falado no tema da má-fé originária) – Prof. ML:
O art. 894º nº1 permite a restituição integral do preço para casos de boa-fé do comprador
(780 000 euros).
O Prof. ML defende a aplicação do art. 894º a contrario para os casos de má-fé do comprador, o
comprador não pode pedir a restituição integral do preço e tem direito apenas ao valor do
enriquecimento do vendedor, nos termos do art. 473º do CC. Enriquecimento em abstrato do
vendedor (diferente do enriquecimento em concreto). Qual foi o enriquecimento em abstrato do
vendedor (ganhou sem causa)? O preço integral.
Se levarmos esta doutrina do prof. ML a fundo, dizer que se eu estiver de má-fé recebo o
enriquecimento do vendedor é o preço integral, a menos que haja um enriquecimento em
concreto (que até pode ser superior).

b) O prof. Diogo Bártolo e o Prof. Regente defendem que a norma jurídica será
concretizada mediante o enunciado normativo e o operador deôntico (para o Prof. ML. a
norma jurídica enunciada no enunciado normativo do art. 894º nº1: em todos os casos
que o comprador esta de boa-fé, é permitida a restituição integral do preço, onde o
operador deôntico é a permissão. A contrario, nos casos em que o comprador está de
má-fé, trocam este operador deôntico por “é proibida”).
Para o prof. Diogo Bártolo a norma jurídica per si não é esta, dado que o objetivo da norma
não é dizer que existe uma restituição integral, mas em desligar as vicissitudes da coisa no caso
do comprador de boa-fé (que tem a posse da coisa).
Norma jurídica do art. 894º: Nos casos em que o comprador está de boa-fé, mesmo havendo
deterioração da coisa, é permitida a restituição integral (art. 894º), logo, os casos em que o
comprador está de má-fé, se houver a diminuição do valor da coisa é proibida a restituição
integral (Regente: ainda tem de ser culposa essa destruição). Já se ele estiver de má-fé e não
houver diminuição do valor da coisa, pode continuar a haver restituição integral (por isso é que
não podemos dizer que em todos os casos em que há má-fé do comprador não há restituição
integral). O comprador de má-fé tem direito à restituição integral, a menos que haja
deterioração da coisa e aí abate-se o valor (mesmo sem culpa na utilização do bem). Esse
direito à restituição integral do preço é dado pelo art. 289º e é por isto que o professor diz “então
e o art. 289º nº3” que remete para o art. 1269º e só responde se houver culpa na utilização. Aqui
o Regente diz que aplicamos o art. 289º parcialmente, mas não o nº3 porque nem sempre o
comprador é possuidor da coisa. O comprador está de má-fé originária, vai ser abatido o valor
da deterioração (mesmo sem culpa) e contamina a sua posição inicial.

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ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA CONFORME AS DOUTRINAS ADOTADAS
Aplicando diretamente o art. 894º a contrario vamos aplicar de novo o art. 984º (mas
agora no sentido de não haver restituição integral do preço) que remete diretamente para
o art. 479º e 480º. Só o professor Menezes Leitão e quem segue o mesmo
entendimento é que vai dar importância ao enriquecimento sem causa.
Já o professor Diogo Bártolo aplica o art. 289º e o art. 290º sem qualquer referência ao
enriquecimento sem causa.

Exemplo: O bem vale 780 000, o comprador estava originariamente de má-fé e o


vendedor estava de boa-fé, a deterioração do bem foi avaliada em 80 000 euros e
independentemente da culpa (sendo que o art. 480º - utilizado por ML - diz que
depende da culpa de quem está de má-fé) há abatimento e não aplicamos o regime do
enriquecimento sem causa.

Má-fé superveniente. Regente: Precisa de culpa na utilização do bem. Art. 1269º.

Má-fé originária: Restituição integral do preço, mas caso haja deterioração do bem, há
um abate seu valor, independentemente de culpa (art. 289º).
Má-fé superveniente: Restituição integral do preço, mas caso haja deterioração do bem,
apenas há um abate do seu valor quando haja culpa (negligência deliberada/má-fé
ética).

Vendedor de boa-fé (ela própria não sabe que a coisa é sua): Venda executiva por
exemplo. O Estado é o responsável para colocar uma casa em leilão e o preço da casa
vendido será para indemnizar o executante. Mas se o Estado vender a coisa e o
executado antes da coisa ter sido penhorada vendeu-a a terceiro. Sei que vou ter os
meus bens penhorados e dissipo o meu património e depois o Estado quer vender e
acaba por vender um bem alheio porque eu dissipei o meu património para não
atacarem os meus bens. O Estado, neste caso, seria o vendedor de boa-fé.

Ainda quanto ao art. 289º nº3: Remete para o art. 1269º e só iria ter de existir culpa, e se
não houvesse culpa não podia haver aquele abate do montante e o prof. Regente diz que
independentemente da culpa há esse abate à restituição do preço, mas se aplicamos o
art. 289º como é que não aplicamos o nº3? Professora: Uma das partes tem legitimidade
para alienar e há um vicio, por exemplo, da vontade, um erro na declaração… E não
podemos aplicar o artigo diretamente ao regime da compra e venda de bens alheios
porque neste último caso quem aliena não tem legitimidade. Logo, quando se diz que se
aplica o art. 289º, é apenas para dizer que a regra é a restituição integral
independentemente do comprador estar de boa ou má-fé. Ao contrário do art. 894º, o
289º não distingue a boa ou má-fé. Posteriormente, existindo uma deterioração (não
havendo muito suporte legal) é que há abatimento independentemente da culpa
(aplicação parcial do art. 289º).
Sub-hipótese 2:

Imagine que Bernardo arguia a nulidade da venda feita a Carlos. Carlos pretende ser
indemnizado pelos seguintes danos: a compra de um terreno perto de Reguengos de Monsaraz
(no valor de € 70.000,00) que não chegou a ser celebrada visto que Carlos pensava que o
negócio do terreno em Mourão era válido; a não alienação do terreno em Mourão que pretendia

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efetuar a Eduarda passados 2 anos após a aquisição, no valor de €85.000,00; e a perda dos
produtos agrícolas que obteria se o contrato tivesse sido válido. Pode ser indemnizado por todos
estes danos? 

Carlos podia arguir a nulidade? Um terceiro interessado pode arguir a nulidade?

MC: Sim. O desvalor da nulidade prevalece sobre a ineficácia e é incoerente achar que podemos
pedir uma ação declarativa de reconhecimento do direito, mas não podemos solicitar uma ação
declarativa da nulidade do contrato.

ML: Não, pois a nulidade de compra e venda de bens alheios está estabelecida no interesse das
partes. O real proprietário poderia realizar uma reivindicação do bem diretamente ao comprador
ou uma ação declarativa de reconhecimento do seu direito.

Seguindo o entendimento do professor ML, B não pode arguir a nulidade da venda feita a C.
Seguindo o entendimento do professor MC, B pode arguir a nulidade da venda feita a C.

Para esta hipótese vamos considerar que C era um comprador de boa-fé.

Como o contrato celebrado é nulo, há uma indemnização pela nulidade do mesmo e, à partida,
poderá ser cumulável com a indemnização prevista no art. 900º.

Face à nulidade do contrato há um dever em fazer convalescer o contrato (art. 897º), dado que o
comprador estava de boa-fé. Ao que tudo indica, no caso concreto, o vicio não foi sanado (o
vicio era sanado mediante uma autorização).

Art. 898º: Indemnização com fundamento em dolo do vendedor.

Não foi sanado o vicio e por isso responderá pelo interesse contratual negativo, isto é, a
indemnização limita-se aos danos que não teriam ocorrido se o contrato não tivesse sido
celebrado, tendo direito aos danos emergentes e lucros cessantes. Trata-se de uma
responsabilidade objetiva por parte do vendedor pelos danos que o vendedor provocou ao
comprador (neste caso).

Art. 900º: Indemnização com fundamento na não convalidação do contrato.

É uma obrigação como todas as outras (art. 397º). O vendedor está sujeito à responsabilidade
obrigacional em caso de incumprimento (art. 798º), respondendo pelo interesse contratual
positivo (colocar o lesado na situação que se encontraria se o contrato tivesse cumprido
devidamente, o que engloba danos emergentes e lucros cessantes).

Quando haja dolo nos termos do art. 898º, o comprador vai ter de escolher entre a indemnização
pelos lucros cessantes devido à celebração do contrato nulo ou pelos lucros cessantes devido à
falta de convalidação.

No caso concreto, C não podia ser indemnizado por todos estes danos. Seria apenas
indemnizado quanto à perda dos produtos agrícolas (era um dano emergente). Quanto aos lucros
cessantes – não alienação do terreno em Mourão e terreno perto de Reguengos – C teria de optar
entre um destes.
(continuação)

Art. 898º: Abrange danos emergentes e/ou lucros cessantes?

Terreno em Reguengos: Interesse contratual negativo e lucro cessante.

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Terreno em Mourão: Interesse contratual positivo e lucro cessante.

Perda dos produtos agrícolas: Interesse contratual positivo e dano emergente.

Art. 900º nº2: Quando tenho um lucro cessante, tenho de optar entre o interesse contratual
positivo e interesse contratual negativo.

Regente: Podemos escolher um dos lucros cessantes e cumular com o dano emergente.

Mota Pinto: Temos de optar entre o interesse contratual negativa e o interesse contratual
positivo.

Sub-hipótese 3:

Imagine que o lote de terreno era propriedade de Manuel, avô de Anabela. Sabendo da forte
possibilidade do terreno lhe ser legado e adquirido após a morte de Manuel, Anabela decide
vender o terreno a Carlos. Carlos recebe as chaves do portão que dá entrada no terreno e paga o
preço a Anabela. Após a morte de Manuel, Anabela repara que o terreno foi legado ao seu irmão
Bernardo. Quid iuris? 

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PONTOS IMPORTANTES DO CASO:
 Venda de bem futuro (art. 893º).
 C é um mero detentor (não há qualquer proteção jurídica).

Quando o vendedor está de má-fé na celebração do contrato, há má-fé na não convalidação do


contrato. Se for pelo art. 880º (que se aplicava aqui), apenas existe um cumprimento nos termos
do art. 799º se houver culpa efritiva na não aquisição do legado.
Afinal o testador ter querido atribuir o legado a B, C já não pode fazer nada. C tem direito à
restituição do preço pago.
Compra e venda de bens futuros VS compra e venda de titularidade incerta – art. 881º. Bem
futuro sabemos quem é o proprietário. Nos bens futuros não se presume o caráter aleatório, mas
na venda de bens de titularidade incerteza presume-se.
Titularidade incerteza: No presente, não sei quem é o titular ou se o bem existe.

Bibliografia recomendada (para além do manual do Senhor Professor Regente):


Diogo Bártolo, Venda de Bens Alheios, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio
Galvão Telles, 2002, pps. 383-436; Paulo Olavo Cunha, Venda de Bens Alheios (disponível
on-line); Sónia Moreira, A interpretação do conceito de dolo do art. 253º (disponível on-
line); David Duarte, On the A Contrary Argument: Much Ado About Nothing (disponível on-
line)

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