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FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Exame escrito de Direitos Reais (3.º ano Noite)


Duração da prova: 1 hora e 40 minutos
Professor: José Luís Bonifácio Ramos

Em maio de 2013, Joana, amiga de Laurinda desde os tempos de escola, acordou


emprestar-lhe as roupas das suas filhas, para que as filhas de Laurinda as pudessem utilizar,
comprometendo-se esta última a restitui-las quando as referidas roupas já não servissem às
suas filhas.
Ao arrumar a roupa da Joana, Laurinda apercebeu-se que alguma dela encontrava-se
estragada. Aproveitando os seus dotes de costureira, Laurinda ora costurou rasgões, ora
substituiu botões, ora ainda colocou bolsos novos, sobretudo na roupa de verão.
Entretanto, na primeira semana de junho de 2013, Joana descobriu que, por engano,
emprestou à amiga roupa de verão que ainda servia às suas filhotas. Como Laurinda não lhe
devolvia as suas chamadas telefónicas, nem respondia aos emails, Joana decidiu arrombar a
porta da casa de Laurinda, recuperando a referida roupa e ficando encantada por constatar de
a maioria dela se encontrava restaurada. Adicionalmente, Joana aproveitou a ocasião para
levar uns talhares de prata que lhe haviam sido furtados e que (veio a saber-se mais tarde)
Laurinda havia comprado, numa loja de penhores há três anos, mandando depois colocar no
verso o seu brasão de família.
No último fim-de-semana, num almoço em casa de Joana, Laurinda fica espantada quando
constata que as filhas Joana andavam a passear com a roupa que tinha arranjado e que os
talheres do almoço eram, afinal, os seus talhares de prata desaparecidos! Quanto às suas filhas
(as de Laurinda) quando estavam a fazer um buraco no jardim de Joana, de modo a esconder
uma boneca de trapos, deparam-se com um baú com moedas antigas.
Laurinda quer reaver todos os bens em questão, tanto mais que considera que o tempo
que despendeu a arranjar a roupa é superior ao seu valor.
Quid iuris?
II

António deixou em testamento, celebrado no notário, à sua ama, Berta, o direito de


usufruto vitalício de uma pequena herdade em Portalegre, composto por uma vivenda e terra
de pastagem onde tinha porcos pretos e javalis selvagens. No remanescente sucedeu Carlos, o
único herdeiro e filho de António.
Decidida a mudar de vida, Berta manda abater os porcos, congelando a sua carne.
Verificando, contudo, que a quantidade da carne a congelar excede a capacidade dos
armazéns existentes, Berta envia um email a Carlos pedindo-lhe que proceda às
correspondentes obras de ampliação. Adicionalmente, Berta juntou, em anexo, à referida
mensagem eletrónica, um aviso das finanças para pagar o Imposto Municipal sobre Imóveis
(IMI) desse ano, solicitando a Carlos que também procedesse ao respetivo pagamento.
Entretanto, Berta não deixa que Diogo, até então autorizado por António, continue a
passar no seu terreno para aceder mais facilmente à via pública. Por esse motivo, Diogo
resolve propor uma ação contra Berta a fim de poder (continuar a) atravessar o imóvel. Citada
da mesma, Berta decide murar a herdade.
Mais tarde, descobrindo que o seu vizinho Francisco tinha colocado, às suas escondidas,
no seu terreno (por aí se encontravam as melhores plantas), duas colmeias, Berta decide fazê-
las definitivamente suas e, deste modo, expandir a sua atividade.
Quid iuris?

III

Em não mais de 15 linhas, diga o que entende por direito real de aquisição e comente a
seguinte afirmação: “Os mecanismos legais de reação do comunheiro perante a venda de coisa
comum, sem o consentimento dos demais comunheiros, consubstanciam um exemplo de
direito real de aquisição”.

Cotação: I – 9 valores; II – 8 valores; III – 3 valores


TÓPICOS DE RESOLUÇÃO DOS CASOS PRÁTICOS

I.

a) Contrato de comodato entre J. e L. (1129.º). L. e as suas filhas são detentoras da roupa de


J. (1253º/b). Não estamos nem perante um direito de usufruto, não tão pouco um direito de
uso a favor de L.;

b) Quanto ao arranjo da roupa por L. importa distinguir:


b.1.) Costura da roupa: Relativamente à questão em apreço, saber se estamos perante
uma hipótese de especificação ou benfeitoria, passará pela noção de benfeitoria adotada.
Observemos.
Se a entendermos de modo restritivo, enquanto despesa, a costura da roupa não se
integraria no instituto, caindo, assim, na especificação. L. aplica o trabalho próprio (atividade de
costureira) em matéria pertencente a outrem, in casu, a roupa de J. A reversão das roupas de J. à
sua forma primitiva, implica a produção de prejuízo para a mesma. L. encontra-se de má-fé, por
saber que a roupa era de J. Assim, haveria que aplicar 1337.º. Se a roupa de J. tiver valorizado em
mais de um terço com a especificação, J. terá de repor o que exceder o dito terço;
Ao invés, se entendermos que a ideia de benfeitoria, como despesa, deve ser alargada,
compreendendo não só somente o dispêndio de dinheiro, mas podendo abranger a adição de
novas coisas ou incorporação de trabalho, a costura da roupa será uma benfeitoria. Neste
caso, o remanescente da solução será igual a b.2.;
b.2.) Substituição de botões/colocação de bolsos novos: Estamos perante a incorporação ou
mistura de coisas pertencentes a diferentes titulares que, em abstrato, tanto pode conduzir ao
regime da acessão como ao regime das benfeitorias. In casu, apesar dos diferentes critérios
materiais apontados, estamos perante benfeitorias. Adotando, por exemplo, o critério proposto
Pires de Lima ou Antunes Varela, acompanhado por Menezes Leitão, estaríamos perante
benfeitorias, pois L. tem uma relação ou vínculo jurídico prévio com a roupa (proveniente do
comodato); adotando a solução avançada por Menezes Cordeiro ou José Alberto Vieira, estaríamos
igualmente perante benfeitorias, posto que a lei expressamente determina essa solução no
comodato (1138.º). As benfeitorias seriam, à partida, necessárias (216.º/2 e 3) sendo L. tratada
como possuidora de má-fé. A sua realização não constitui fundamento para L. exigir a restituição
das coisas objeto das suas intervenções.

c) Na primeira semana de junho de 2013:


- J. adquire, por esbulho, a posse dos talheres. Noção de violência para efeitos possessórios,
maxime violência sobre coisas. A posse de J. sobre os talheres é não titulada, de má-fé, violenta e
oculta;
- Quanto às roupas, como J., apesar do comodato, continuava a ser possuidora, não se
poderia verdadeiramente falar numa aquisição possessória.

d) Possíveis reações de L.:

d.1.) Quanto à roupa - Possibilidade de ação de restituição da posse por parte de L.


(comodatária), nos respetivos âmbitos, com bloqueio de ação direta e reivindicação dominial (ex vi
1133.º/2). Acesso paradigmático á providência cautelar de restituição provisória da posse – arts.
1267.º/1/d), 1261.º, n.º 2, 1278.º/1, 1279.º CC e 377.º CPC. Apesar de já ter decorrido 1 ano sobre
o esbulho, o mesmo foi oculto pelo que L. pode, até junho de 2016, recorrer aos meios
possessórios (1267.º/2 e 1282.º, in fine);

d.2.) Quanto aos talhares – Além do recurso às ações possessórias, L. poderia


eventualmente proceder à sua reivindicação. Suscitava-se a possível usucapião de L., com base em
posse titulada (compra numa loja de penhores, apesar de nula nos termos 892.º), de boa-fé, com a
duração de três anos – 1259.º/1, 1260.º/2, 1299.º. Em alternativa perfilar-se-ia ainda o art. 1301.º,
que, não impedindo a reivindicação, sempre determinaria que L. recebesse o que havia pago pelos
talheres.

e) O baú com as moedas antigas (caso sejam valiosas) pode consubstanciar um tesouro,
concretamente, coisas móvel valiosa enterrada, sempre q ñ se possa determinar o respetivo dono.
O baú foi descoberto ocasionalmente, por mais do que uma pessoa, in casu, por menores.
A descoberta não tem que ser intencional, pelo que um menor, desde que possua alguma
consciência dos seus atos (não ter menos de 6 anos, por exemplo) pode adquirir a parte
correspondente ao descobridor.
Além disso, a descoberta do tesouro pode ser por várias pessoas, o que suscita a questão de
saber, como aplica, nesse caso, o regime legal.
Se uma das crianças visualizou primeiro, será dela ½ do achado. Se não houver a prova de que
alguém visualizou primeiramente, presume-se que teve lugar uma descoberta conjunta. Nesse
caso, terão as filhas de L. direito a ½ do achado (cada uma delas a ½ de ½ por o tesouro ser
divisível), cabendo a remanescente ½ a J., contando que anunciassem o seu achado (exceto quando
seja evidente que o tesouro foi escondido ou enterrado há mais de 20 anos. A circunstância de as
moedas serem antigas não significa que o tesouro tivesse sido enterrado há mais de 20 anos) –
1324.º.

II.

a) Constituição de usufruto por testamento a favor de B. (1439.º), ficando C. com a nua


proprietário (1316.º). Não há, portanto, nem usufruto simultâneo, nem usufruto sucessivo;

b) O objeto do usufruto é uma herdade, com tudo o que ela contém, v.g. os porcos pretos e os
javalis selvagens (1449.º). Ao que tudo indicia, a finalidade de herdade seria a atividade
agropecuária. Assim sucedendo, o abate dos porcos por B. vai de encontro ao destino económico
da coisa (1446.º). De todo o modo, haveria que previamente tomar posição sobre os limites do
usufruto, isto é, saber se o seu verdadeiro limite é o destino económico ou a forma e substância
(atendendo à aparente supletividade do artigo 1446.º). Por outro lado, porque, ao que tudo
indicia, a finalidade de herdade seria a atividade agropecuária, abater os porcos não constitui uma
hipótese de mau uso (1782.º).

c) Relativamente à ampliação dos armazéns, a questão não é saber se B. tem a faculdade de a


fazer, hipótese que poderia levar à aplicação do 1450.º, nem tão pouco se C. as poderia realizar,
situação que poderia conduzir ao 1471.º. É saber se B. pode exigir que C. a efetue. Quanto a esta
questão, independentemente do valor da mencionada ampliação (que não se sabe), a mesma não
constitui uma reparação ordinária indispensável para a conservação do prédio de C. (1472.º).
Assim, deverá observar-se, quanto à mesma, o regime das reparações extraordinárias (1473.º).
Significa, portanto, que B. deverá avisar C. para que este, querendo, proceda, ou mande proceder,
à referida ampliação. Em qualquer caso, C. não se encontra obrigado a fazer a referida ampliação.

d) O pagamento do IMI compete a B. Trata-se de um imposto municipal sobre o bem usufruído


por B., cujo vencimento ocorre na vigência do usufruto, pelo que, na ausência de regra diferente do
título constitutivo, compete a B. o respetivo pagamento (1474.º).

e) D. encontrava-se autorizado por A. a passar no terreno deste último para mais facilmente
aceder à via pública. Não se sabe se entre A. e D. existia um direito real de servidão de passagem
ou uma simples autorização desprovida de eficácia real, isto é, com conteúdo estritamente
obrigacional («servidão pessoal»). A circunstância de o prédio de D. não se encontrar encravado
(«mais facilmente») não constitui, por si só, fundamento para D. não poder exigir a constituição da
servidão predial (1550.º/2).
Tratando-se de um direito real de servidão previamente constituído, o usufruto de L. encontra-
se onerado com o mesmo. Com a morte de A., o proprietário do prédio onerado, a mesma (a
existir, repete-se) não se extingue. Nesse caso, D. tanto poderia recorrer à defesa da sua posse, em
termos de titular de um direito servidão (1276.º e ss.), como reivindicar o seu direito (1315.º).
Neste caso ainda, a construção do muro não constitui, por si só, causa de extinção da servidão
(1571.º).
Estando perante um acordo com eficácia meramente obrigacional, D. não pode continuar a
exigir que B. o deixe atravessar o imóvel.

f) F. estava limitado à utilização da sua propriedade (1344.º/1) não lhe sendo permitido colocar
as suas colmeias no prédio de C. A colocação das colmeias de F. no prédio usufruído por B. não
constitui um caso de acessão, porquanto as colmeias são separáveis do prédio. Ademais, no caso
em apreço (colmeias) não há qualquer incorporação no solo. Aliás, o 1333º estipula a aplicação de
um determinado regime quando não é possível a separação.
Por fim, é de rejeitar a aplicação do artigo 1322.º. O problema da hipótese, não diz respeito aos
enxames mas sim às colmeias. Por outro lado, a perseguição em prédio alheio de enxames de
abelhas pressupõe que as abelhas tenham fugido do prédio do respetivo titular para prédio
alheio e não, como sucede no nosso caso, a hipótese de as próprias colmeias (juntamente com
o respetivo enxame) terem sido colocadas em prédio alheio.

III.

Direito real de aquisição é o direito que confere ao respetivo titular a possibilidade de adquirir
um dado direito real sobre coisa determinada, compreendendo diferentes espécies ou
modalidades. É um direito real porque tem as caraterísticas de um direito real, designadamente a
inerência e sua prevalência. Ou seja, perante a sua não observância, o titular do direito de
aquisição pode adquirir um dado direito real sobre coisa determinada mesmo que a coisa tenha
sido transmitida a terceiros.
A venda da coisa comum sem o consentimento dos demais comunheiros não lhes confere a
possibilidade de adquirir o bem comum. Apenas lhes confere, como a qualquer terceiro, a
possibilidade de arguir ou pedir a declaração de nulidade da respetiva alienação (1408.º/2).
Exemplo de direito real de aquisição é o proveniente da «venda, ou dação em cumprimento, a
estranhos da quota de qualquer dos seus consortes» sem observar o direito de preferência,
previsto no artigo 1409.º/1. Neste caso, através da ação de preferência, podem os demais
comunheiros adquirir o direito sobre a quota alienada, ou parte dela (1409.º/2). Segundo alguma
doutrina estaríamos, na hipótese avançada, perante um direito real de aquisição sobre coisa-
objeto.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Teste escrito de Direitos Reais (3.º Ano Noite)
22 Junho de 2015 (19 h)
Equipa docente: José Luís Bonifácio Ramos e Tiago Soares da Fonseca
Duração: 1 hora e 40 minutos

Amílcar, proprietário e possuidor de um terreno, contíguo com a estrada


principal, a Norte, e com o terreno de Berta a Sul, vende o seu terreno a Carlota
que, após o inscrever no registo competente, o doa à sua neta Deolinda, pedindo-
lhe, encarecidamente, que o não venda, novamente, enquanto ela, a sua avó, for
viva. Ora, Deolinda, não cumprindo a promessa, aliena-o, de imediato, a Eduardo,
de modo a poder comprar um carro descapotável que pretendia utilizar na época
estival que se avizinha.
Eduardo, assim que entra no terreno após a realização da competente
escritura, constata que a parede que dividia o imóvel do que se encontrava na
titularidade de Berta, fora alvo de extensa reparação. Ora, nem ele ou sequer
Deolinda, para quem, de imediato, ligara, haviam sido consultados. Contudo,
ainda ficou mais surpreso quando o correio lhe entregou uma carta registada,
enviada por Berta, intimando-o a pagar 2500 euros, enquanto parte que lhe
competiria nas obras realizadas. Essa quantia era, aliás, significativamente
superior ao montante a liquidar pela própria Berta, uma vez que as despesas eram
calculadas, proporcionalmente, em face das áreas de cada um dos terrenos.
De modo a sinalizar que não gostara das atitudes de Berta, pediu ao
jardineiro, Francisco, para cortar todos os ramos de árvore do jardim de Berta que
ultrapassassem a linha divisória dos dois terrenos contíguos. Além disso, exigiu a
mudança do aqueduto que conduzia a água pluvial do terreno da sua vizinha
Berta, para o seu, alegando a desnecessidade do mesmo, em virtude de estarem
previstos dois anos especialmente secos. Além disso, colocou uma roda gigante
no jardim, perto da linha divisória, de modo a tapar, o mais possível, as vistas do
terreno de Berta.
Quid Juris?
II

Em abril do presente, José comprou uma fração autónoma destinada a


comércio, que constitui o rés-do-chão de um edifício constituído em propriedade
horizontal, composto por tal fração e mais outras dez, sendo todas estas destinada
a habitação.
Atendendo ao elevado número de clientes da sua loja, José acabaria por
comprar, um mês mais tarde, o 1.º andar no referido prédio, dando início, de
imediato, a obras destinadas a juntar as duas frações, a fim de expandir a sua loja.
Em junho de 2015 Luis, administrador do prédio, regressado de uma longas
férias, é informado pela porteira da venda do rés-do-chão e do primeiro andar a
José. De imediato escreve-lhe uma carta, com o seguinte teor:
“Exmo. Senhor,
Na eventualidade de não ser do seu conhecimento, Manuel, anterior
proprietário do rés-do-chão fez obras na parede exterior da fração,
concretamente a substituição de uma parede em alvenaria por uma parede de
vidro. Assim sendo, venho solicitar-lhe a sua destruição, uma vez que Manuel
não o fez, apesar das insistências desta administração.
Adicionalmente, venho pedir-lhe o pagamento de 1.000 euros, montante
solicitado, mas não pago, por Manuel (com a desculpa de que não beneficiava
desses equipamentos), relativo a deliberação da assembleia de instalar uma
sauna e um jacuzzi no terraço do condomínio.
Por fim, venho ainda pedir-lhe a cessação imediata das obras.
Bem-vindo ao prédio!
Pela Administração”
Por entender que apenas é responsável pelas obras da sua autoria, que as
mesmas são legais, e que é Manuel quem deverá responder por tudo o demais,
José não responde a Luis.
Quid iuris?

III

Em não mais de 15 linhas, comente a seguinte afirmação: “A transmissibilidade


representa uma característica estruturante dos Direitos Reais”.

Cotação: I – 8 valores; II – 9 valores e III – 3 valores


TÓPICOS DE CORREÇÃO

I
A doação de Carlota a Deolinda não foi sujeita a uma qualquer condição ou
a outro entrave que impeça Deolinda de alienar o terreno. Assim, a alienação de
Deolinda a Eduardo foi válida, mesmo que não seja inscrita no registo predial
competente.
Relativamente à parede ou muro comum, rege o artigo 1375º CC. Aí se
determina que as despesas de reparação, desde que devidas a vícios de
construção, caso fortuito ou, decurso do tempo devem ser suportadas por ambos
os proprietários, a menos que se verifique a excepção do nº 4. Todavia, como se
tratava de parede ou muro de separação, a despesa deve ser dividida em partes
iguais, como decorre do nº 2 do mesmo preceito legal. Por isso, Berta não deve
pagar 2.500 E, mas metade do preço pago pelas obras de reparação.
As atitudes de Eduardo devem ser enquadradas pelas relações de
vizinhança que reflectem os limites da propriedade relativamente a terrenos
contíguos. No entanto, só pode mandar cortar os ramos de árvore que
ultrapassem a linha divisória dos dois terrenos se as árvores ou arbustos não
servirem de marco divisório, nos termos e para os efeitos do artigo 1369º CC. Ora,
se isso não suceder, o preceituado no artigo 1368º CC permite o corte dos ramos
de árvore.
No que respeita ao aqueduto, cumpre saber se existe servidão legal, ou
voluntária de aqueduto. Ou se, ao invés, se trata de um normal aproveitamento de
águas. Neste último caso, regem os artigos 1390º, 1392º e 1393º. Quanto à
servidão legal de aqueduto, aplicam-se os artigos 1561º e 1568º. A causa alegada
por Eduardo não pode configurar desnecessidade, tanto mais que ela se prefigura,
muito restritivamente, nos termos do nº 2 e nº 3 do artigo 1569º CC. No que
respeita à roda gigante, cumpre verificar se existe servidão de vistas por parte de
Berta. Se assim não se entender, algo que parece plausível , a roda gigante pode
ser instalada desde que se respeite a restrição do artigo 1360º CC.

II

A parede exterior do rés-do-chão de J. é parte comum do prédio (1421.º/1/a, in


fine). No exercício do direito de propriedade do rés-do-chão, é vedado ao
respetivo proprietário prejudicar, com obras novas, o arranjo estético do edifício
(1422.º/a). Assim, M. só podia ter alterado a parede exterior do rés-do-chão com
autorização da assembleia, conforme 1422.º/3, o que não aconteceu. In casu, a
sanção pretendida pela alteração da parede exterior é a destruição da obra
realizada, repondo-a pela construção original, a expensas do respetivo titular.
Relativamente ao terraço do condómino, é igualmente parte comum
(1421.º/1/b). A realização de obras na parte comum, na sequência do deliberado
pela assembleia, constitui uma inovação, concretamente a introdução de coisas
comuns do terraço do edifício. A sua realização está sujeita a uma maioria
especialmente qualificada (1425.º/1), concorrendo para as correspondentes
despesas todos os condóminos, na proporção do valor das respetivas frações
(1426.º/1 e 1424.º). Apenas se M., além de não ter aprovado inovação, tivesse
diligenciado pela sua recusa ter sido judicialmente havida como fundada não teria
de concorrer para a respetiva despesa.
No que diz respeito à junção das frações por J., considerando que são
contíguas, a mesma é permitida, não sendo necessária qualquer autorização dos
restantes condóminos (1422.º-A). Contudo, as frações acima do rés-do-chão têm
por fim a habitação (1418.º/2/a), e J. pretende, com a referida junção, alterar a
finalidade (ou, pelo menos, o uso) do 1.º andar: de uma finalidade/uso habitacional
para comercial. Ora, no exercício do direito de propriedade das frações autónomas
é vedado ao respetivo proprietário dar-lhe um uso diverso do fim a que a fração é
destinada (1422.º/2/c). Constando tal finalidade do título constitutivo, seria
necessária a alteração do mesmo, por acordo de todos os condóminos. Ainda que
o título constitutivo não dispusesse sobre o fim de cada fração, sempre a alteração
do seu uso carecia de autorização da assembleia de condóminos (1422.º/4), o que
não ocorreu. Assim, pode ser pedido do encerramento do estabelecimento de J.
(no 1.º andar), caso o mesmo, depois da respetiva junção, lhe dê um destino
comercial.
A circunstância de a destruição da parede exterior no rés-do-chão e de as
inovações no terraço terem ocorrido quando M. era o proprietário do rés-do-chão,
não impede a administração do prédio de exigir de J. a sua demolição e o seu
pagamento, respetivamente. Estamos perante obrigações reais (obrigação propter
rem), sendo o sujeito passivo ou ativo da situação jurídica determinado pela
titularidade do direito real. Ora, em junho de 2015 J. era o titular quer do rés-do-
chão, quer do 1.º andar. É, pois, J. o sujeito passivo da situação jurídica propter
rem proveniente da titularidade de tais frações ainda que algumas das obrigações
controvertidas tenham sido constituídas anteriormente à data da sua aquisição.

III
A afirmação não deve merecer a nossa concordância.
Na verdade, a transmissibilidade não é comum a todos os Direitos Reais
pelo que, muito naturalmente, não pode consistir numa característica estruturante
da realidade. Assim, se há direitos reais naturalmente transmissíveis, há outros
que recusam ou restringem a transmissibilidade.
Primeiramente, convém sublinhar o artigo 1488º CC relativo à
intransmissibilidade do direito de uso, nos termos do qual o usuário ou o morador
usuário não podem trespassar ou locar o seu direito nem onerá-lo por qualquer
modo. Além disso, também a transmissibilidade no usufruto pode ser impedida,
nos termos do respectivo título constitutivo. Ou, ainda, sujeita a restrições, dado
que o artigo 1444º CC, subordinado à equívoca epígrafe trespasse, apenas admite
que o efeito da eventual transmissão opere durante a vida do usufrutuário.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Teste escrito de Direitos Reais (3º Ano Noite)
23 de Julho de 2015 (19 horas)
Equipa docente: José Luís Bonifácio Ramos e Tiago Soares da Fonseca

I
(11 valores)
Ana, tendo resolvido consultar uma astróloga, em Abril de 2014, ficou
deveras impressionada quando lhe foi dito que, a partir daí, o mês de Maio de
cada ano, seria muito difícil, em especial a segunda semana. Por coincidência
ou talvez não, no período indicado, já sobrevieram dois acontecimentos
inusitados.
Em 10 de Maio de 2014, após estacionar o seu automóvel, de cor verde,
num parque camarário, de modo a poder assistir a um concerto, terá ficado
sem carro. Na verdade, assim que Ana entrou no auditório, Bernardo força a
porta do automóvel, consegue pô-lo a trabalhar e leva-o até à garagem de
Cláudio. Este, por seu turno, substitui o volante, as jantes e pinta-o de amarelo.
A seguir, coloca-o à venda na internet. Eva, tendo visto o anúncio, porque o
automóvel tinha um preço convidativo e sempre gostara de automóveis
amarelos, resolve adquiri-lo, pagando o preço indicado e inscrevendo a
aquisição no registo competente.
Em 10 de Maio de 2015, Ana recebeu um telefonema de Fernanda, sua
vizinha do apartamento do Algarve, avisando-a de que, no dia anterior, reunira
a respectiva assembleia de condóminos, de onde resultaram as seguintes
deliberações:
a) Instalação de uma antena no terraço;
b) Colocação de plataformas elevatórias em todos os andares, de modo a
possibilitar a passagem da cadeira de rodas da proprietária do 3º andar;
c) Autorização de abertura de uma porta de ligação entre o 2º andar direito e
o 2º andar esquerdo;
d) Impermeabilização das varandas e do terraço de cobertura.

Quid iuris?
II
(9 valores)
Gustavo, proprietário de uma casa de campo sita no concelho de
Mafra, constatou, depois de uma viagem ao estrangeiro, que Hugo,
titular do terreno contíguo na direcção Norte, autorizara a instalação, no
seu terreno, de diversos aerogeradores de uma empresa de energia
eólica. Ora, uma das pás de um dos aerogeradores invadia o terreno de
Gustavo em 5 metros. Essa e mais outras duas, pertencentes a duas
outras torres que se situavam próximo, causavam um ruído susceptível
de perturbar o seu descanso e da sua família. Por seu turno, Inês,
proprietária do terreno contíguo na direcção Sul, construiu um muro alto
que tapou, parcialmente, a soberba paisagem que se avistava do páteo
e jardim da sua casa de um único andar.
Por fim, constata que Jesualda, titular de um direito de superfície
sobre uma zona distante da casa de habitação, não só deixara de
depositar a prestação anual a que se comprometera, como transmitira o
direito de superfície a Luís, sem ter, previamente informado ou pedido
autorização, a Gustavo, nos termos do respectivo título constitutivo.
Além disso, Jesualda tinha ocultado de Gustavo que Mónica, uma
comerciante de flores de uma aldeia próxima, andara a colher gladíolos
no seu jardim, sem qualquer autorização de Gustavo ou de Jesualda.
Acresce a isso que Jesualda recebera de Inês uma quantia significativa
em contrapartida de a primeira deixar de continuar a atravessar o terreno
desta última, de modo a atingir a estrada principal.
Quid Juris?

Duração: 1 hora e 30 minutos


TÓPICOS DE CORREÇÃO

B. adquire, por esbulho, a posse do carro de A. O comportamento de A. não preenche os


pressupostos que permitam qualificar a aquisição da sua posse por apossamento. Os modos de
aquisição da posse elencados no artigo 1263.º não são taxativos. A eles acresce, pelo menos, a
sucessão por morte e o esbulho. Assim, nada obsta à aquisição da posse por esbulho por B.

Carateres da posse de B.: formal, não titulada, violenta, oculta e de má-fé;

B. entrega o carro a C. Cumpre discutir se C. é detentor ou possuidor. Com efeito, o carro


poderia ter ficado à consignação. Aliás, as transformações efetuadas por C. podiam ter sido
realizadas sob orientação de B. Se assim foi, C. só poderia adquirir posse por inversão do título
(hipótese em teria de comunicasse a B. a sua intenção). Caso contrário, se B. transmitiu o carro a
C., haveria aquisição derivada da posse por tradição material do carro (1263/b);

Posteriormente, C. realiza um conjunto de modificações no mesmo e coloca-o à venda na


internet. Relativamente às intervenções de C. cumpre discutir a respetiva natureza jurídica. Se,
relativamente à substituição do volante e das jantes, poderemos estar perante benfeitorias (úteis
ou voluptuárias), dependendo do critério que se adopte, não parece haver acessão, uma vez que
não se verificam os critérios do artigo 1333º CC. Relativamente à pintura do carro, poderemos
estar perante uma hipótese de especificação, tanto mais que o artigo 1388.º a admite expressis
verbis («pintura»).

A venda de C. a E. é uma venda de bens alheios (892.º). E. não adquire o direito de propriedade
do carro, mas apenas a sua posse do mesmo, presumindo-se por tradição material (1263.º/b). A
sua posse não vale título, sem prejuízo presunção do artigo 1268.º que não procede perante a
demonstração de titularidade do direito nos termos do qual a referida posse é exercida.

Carateres da posse de E.: titulada, pacífica e pública. Tratando-se de um carro, bem móvel
sujeito a registo, poderia E., atuando diligentemente – v.g. pedindo a C. o Documento único
Automóvel /Certificado de Matrícula- saber que C. não era o proprietário do carro (1260.º/1).
Contudo, porque a posse de E. era titulada (a compra e venda de carros é um negócio consensual -
1259.º/1), beneficia da presunção do artigo 1260.º/2. No entanto, em face do enunciado
anteriormente, a presunção de E. poderia ser facilmente elidida.
Não é aceitável aplicar o Código de Registo Predial por causa de um registo aquisitivo de um
automóvel. Algo diferente será a aplicabilidade do artigo 291º CC. Todavia, atentando no nº 1,
deste preceito legal, não se consideram preenchidos, pelo menos, os requisitos da boa fé e de
terceiro (é pseudo-adquirente, não sub adquirente).
A posse de E. não foi mantida por um lapso de tempo suficiente que lhe facultasse a aquisição
do direito de propriedade sobre o caso (1298.º/a). Consequentemente, E. não tem o poder de
reivindicar o carro.
A permanece na titularidade do automóvel. Enquanto proprietária, pode reivindicar, nos termos
do artigo 1311º CC. Considerando que as possíveis reações de A. se colocam em julho de 2015, há
caducidade, nos termos do artigo 1282º CC. Pode ainda, apesar de não ser necessário na ação de
reivindicação, pedir a declaração de nulidade da venda da C. a E. (286.º). Adicionalmente, A. pode
pedir uma indemnização a C. pelas alterações introduzidas no seu automóvel, por responsabilidade
aquiliana (483.º).
Mas, ao invés, não pode intentar uma acção possessória. Na verdade, Já a sua posse
(imaterial/jurídica) apenas se manterá no ano seguinte ao da perda da posse do carro (1267.º/1/d).
Adicionalmente, desconhece-se de C. era, ou não comerciante. Apenas se sabe que C. tem uma
garagem. Na hipótese de o ser, poderia ponderar-se a aplicação do artigo 1301.º. Quanto à sua
eventual aplicação, dependeria que a compra a E. fosse de boa-fé. O que não terá sido o caso.

Relativamente às deliberações da assembleia geral, partindo do pressuposto de que A foi


regularmente convocada e que nenhuma das matérias deliberadas foi regulada no título
constitutivo da propriedade horizontal:
a) A instalação de uma antena, no terraço, que é parte comum, pode pôr em causa a linha
arquitetónica do prédio alínea a, do nº 2 do artigo 1422º). É permitida, contando que tenha sido
aprovada nos termos do nº 3 do artigo 1422.º. Caso contrário é inválida;
b) A colocação de plataformas elevatórias consubstancia uma inovação no prédio. É permitida,
contando que tenha sido aprovada nos termos do nº 3 do artigo 1425.º. Salvo recusa judicialmente
fundada, A. terá se suportar os correspondentes custos (1426.º e 1424.º). Será diferente se o
prédio tiver mais que três andares. Nesse caso, não se justifica colocar plataformas em todos os
andares, sobretudo naqueles que se situem acima do terceiro andar;
c) A autorização de abertura de uma porta de ligação entre o 2.º andar direito e o segundo
andar esquerdo, nem carece do consentimento dos restantes condóminos, por se tratar de frações
contíguas (1422.º-A/1). A referida autorização não assume, por isso, relevância jurídica;
d) A impermeabilização de varandas e do terraço, afeto ao último piso, devem ser suportadas
pelo condomínio. Com efeito, integrando umas a fachada e outras a cobertura, devem entender-se
fazendo parte das partes comuns (1421.º/1/b). A., terá, pois de as suportar.

Assim, quanto, relativamente à assembleia geral, A. apenas poderia pedir a sua anulação das
deliberações a) e b) caso as mesmas não tenham sido aprovadas com a maioria legalmente exigida
(1433.º/1). Contudo, mesmo que esse tenha sido o caso, tendo A. tomado conhecimento das
mencionadas deliberações a 10 de maio, o respetivo direito encontra-se caducado (1433.º/4).

II

Quanto ao comportamento de H. são duas as questões que se levantam: por um lado, a invasão
do terreno de G., por outro lado o ruído no prédio de G.
Ambas as questões levantam problemas de relações de vizinhança.

Quanto à invasão do terreno de G., H. não poderia ter atuado nesse sentido. O limite do prédio
de H. é o espaço aéreo correspondente à sua superfície, não compreendo o espaço aéreo
correspondente à superfície do prédio vizinho (1344.º). Logo, G. pode opor-se a tal invasão, tanto
mais que não se aplica o nº 2 do 1344º CC.

Passando ao ruído provocado pelas torres, G. poderá opor-se a manutenção do mesmo. Quer
nos termos gerais do artigo 70.º, que se basta explicitamente com uma ameaça de ofensa à
personalidade física ou moral dos indivíduos, quer nos termos específicos do artigo 1346.º, que
contempla, entre outros atos, a emissão de ruídos. À luz do artigo 1346.º poderia questionar-se se
estávamos, ou não, perante prejuízo efetivo. Com efeito, a lei fala em prejuízo substancial e a
hipótese refere suscetível de perturbar. Havendo perturbação efetiva, o artigo 1346.º daria
proteção a G., conforme admitindo por alguma jurisprudência. Logo, G. poderia mandar desligar os
referidos aerogeradores.

No que concerne a I., esta tem o direito de murar o seu prédio, ainda que tape as vistas do seu
vizinho G. (1356.º). Apenas não poderá exercer esse direito, como qualquer direito, de modo
abusivo (334.º), ou na eventualidade G. se titular de uma servidão de vista, entenda-se uma
servidão de não afetação das suas vistas. Se assim suceder, a construção de I. terá de atender a
esse limite na construção do seu muro. Adicionalmente, no cenário de estarmos perante um muro
teria de ser observado. Em síntese, ou o muro é comum, aplicando-se o respetivo regime (artigos
1373.º e seguintes), ou o muro é construído dentro do terreno de I., caso em que há que respeitar
a distância em relação à linha divisória, de acordo com o disposto no artigo 1362.º/2.

Por fim, quanto a J., titular de um direito de superfície:


- A falta de pagamento do cânon superficiário não constitui causa de extinção do direito de
superfície (1536.º a contrario). Deve aplicar-se o artigo 1531º, sem prejuízo da futura aplicabilidade
do artigo 1537º .
- A transmissão do direito de superfície dependia, nos termos do respetivo título constitutivo, do
consentimento do proprietário. No entanto, é entendimento dominante que o 1534.º, segundo o
qual o direito de superfície é transmissível entre vivos ou por morte, constitui uma norma
imperativa. Ou seja, mesmo que o título constitutivo proíba a transmissão, essa norma não será
válida e, assim, inaplicável. Logo a transmissão J. a L. é válida. Isso não significa, porém que, sendo
a transmissão de J. a L. uma venda ou dação em cumprimento, J. não tivesse de dar preferência a
G. (1535.º). In casu, não o tendo feito, além de J. incorrer em responsabilidade obrigacional por
não ter dado preferência, pode G. recorrer ação de preferência (1410.º ex vi 1535.º/2).
- Quanto à ocultação da G. da conduta de M., é obrigação do superficiário comunicar ao
proprietário do solo os atos de terceiro capazes de lesar o seu direito (1475.º por analogia). Não o
tendo feito, responde pelos prejuízo causado a G.;
- Por fim, relativamente à quantia recebida por J. de I., a hipótese não esclarece a que título J.
podia atravessar o terreno de I. Poderíamos estar perante uma faculdade pessoal ou uma servidão
real. Igualmente não esclarece se a referida passagem no terreno de I. foi constituída por J. ou por
G. Apenas se sabe que o prédio de G. tem acesso à via pública, ainda que sem ser pela estrada
principal.
J. pode constituir servidões prediais nos termos do disposto no artigo 1529.º. Tratando-se de
uma servidão predial constituída por J., o recebimento da quantia por I. poderá traduzir uma
renúncia tácita de J. a atravessar o terreno de I. (1569.º/d) e 217.º).
Na hipótese de estarmos perante uma servidão predial constituída por G. antes da constituição
do direito de superfície, o artigo 1529.º apenas refere a faculdade de constituição de servidões
pelo superficiário. Nada estabelece relativamente a servidões prediais constituídas previamente à
constituição do direito de superfície pelo proprietário, rectius por G. Assim, quanto a estas não
estará compreendido no direito do superficiário o poder de as modificar ou extinguir, pelo que, um
acordo celebrado entre J. e I. a este propósito, a afigurar-se válido, terá eficácia meramente
obrigacional, isto é, não será oponível a G.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Teste escrito de Direitos Reais (3º Ano Noite)
30 de Julho de 2015 (19 horas)
Equipa docente: José Luís Bonifácio Ramos e Tiago Soares da Fonseca

TÓPICOS DE CORREÇÃO

Na sequência da morte da sua tia, Adélia adquiriu posse por sucessão (1255.º CC).
A relação estabelecida entre Adélia e Carlos não consubstancia a constituição de um direito
real de aquisição de exploração de pedreiras, poder apenas reconhecido voluntariamente ao
proprietário do terreno (1305.º CC). Ora, Adélia não era proprietária, mas apenas possuidora.
A questão do registo, tem a ver com a legitimação e o trato sucessivo.
No telefonema efetuado a Dinis, Adélia não inverte o título porque já era possuidora do
terreno comportando-se nos termos correspondentes ao exercício do direito de propriedade
sobre o mesmo (1253.º CC). Tão pouco, não invoca a usucapião, mas apenas informa Dinis
dessa possibilidade. O que significa que, ainda que Adélia tivesse a posse do direito de
propriedade sobre o terreno pelo lapso de tempo legalmente exigível, a sua situação jurídica
continuava a ser a de possuidora (1287.º do CC). Ademais, tendo Adélia adquirido a posse por
sucessão, não poderia proceder à acessão na posse, dado os limites dos artigos 1255.º e
1256.º, isto é, não poderia juntar à sua posse a posse da sua tia («por título diverso da
sucessão por morte» e «juntar à sua posse a posse do antecessor»). Com efeito, além de estar
em causa uma alegada acessão de terceira posse, estaria em causa uma posse adquirida por
via sucessória. Ou seja, a posse de Adélia é de 13 anos (de 2002 até à presente data). Não se
encontrando Adélia de boa-fé (ética), pois o terreno não se encontrava registado em nome de
Berta, o prazo para esta ter a faculdade de usucapir também não tinha decorrido (1294.º/b).

II
Hoje em dia, o Código Civil já contempla a possibilidade de construções no subsolo, ao
invés da redação inicial (cf. 1525.º/2 na redação dada pelo DL n.º 257/91, de 18 de julho. Até
então, a construção de obra no subsolo não podia, a menos que fosse inerente à obra
superficiária, ser objeto do direito de superfície).
Resta saber se a construção do parque de estacionamento se integra na posterior
construção do albergue de estudantes, que constitui o objeto do direito de superfície, ou não.
Se não for esse o caso, o direito de superfície poder-se-á extinguir (1536.º/a).
Relativamente ao terreno da capela, enquanto património do Estado, constitui um bem
dominial, em princípio fora do comércio. Por outro lado, sendo um bem imóvel, ainda que
abandonada, a capela seria sempre (como refere a hipótese) do Estado (1345.º). Logo não
poderia ser adquirida por ocupação (1318.º), nem teria Luis, por não ser proprietário da
mesma, poderes para atuar como o fez. Ao fazê-lo será responsável nos termos gerais (483.º).
Relativamente à destruição do aqueduto por Luis, também este não o poderia fazer, em
virtude de normas do Código Civil, e até de eventuais normas de proteção arqueológica ou
cultural (v.g. Lei de Bases do Património Cultural). Com efeito, o direito de superfície
compreende a faculdade de construir ou manter obra, fazer ou manter plantação (1524.º).
Relativamente à oneração pelo superficiário do seu direito, designadamente com a
constituição de servidões, suscita-se a questão de saber se pode constituir um usufruto sobre a
obra. Apesar de a situação não se encontrar expressamente tratada no Código Civil, a resposta
é afirmativa. Ao permitir a transmissão do direito de superfície, de modo imperativo (1534.º) o
legislador está também a permitir a sua oneração, contando que a mesma não ultrapasse a
duração do direito de superfície (1460.º por analogia).
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Teste escrito de Finalistas de Direitos Reais (3.º Ano Noite)
7 de setembro de 2015 (19 horas)
Equipa docente: José Luís Bonifácio Ramos e Tiago Soares da Fonseca

TÓPICOS DE CORREÇÃO

- Ana era possuidora e proprietária da herdade do Alentejo, em 1995, em virtude da


sucessão de seu avô Bernardo, nos termos dos artigos 1255.º e 1316.º CC,
respectivamente.

- De imediato atribuiu um direito de habitação a Carlota, sobre a casa situada na


herdade, bem como o direito de uso relativamente ao logradouro e pomar adjacente,
nos termos do artigo 1484.º CC.

-Atribuiu a Dinis um usufruto sobre o gado e o olival por um período de 15 anos.


Este período é lícito, uma vez que o artigo 1443.º estipula períodos máximos para a
duração do usufruto e não períodos mínimos. Deve ainda ser tido os limites do
usufruto bem como, de modo especial, o preceituado no artigo 1462.º relativamente a
universalidades de animais.

- Relativamente ao lago não existe qualquer direito de servidão, uma vez que não
há um encargo imposto a um prédio em proveito exclusivo de outro, nos termos do
artigo 1453.º CC. Também não há um direito real de aquisição pois que Eduarda não
está autorizada a adquirir uma parte de coisa ou coisa relacionada, designadamente
peixe, do lago em questão. Como tal, Eduarda tinha usava o lago no âmbito de uma
faculdade, de âmbito pessoal, que lhe fora atribuída.

Quando em Agosto de 2015, Ana voltou à herdade, constatou o seguinte:

a) Carlota já não era titular do direito de uso e habitação porque o prazo se havia
extinguido nos termos dos artigos 1490.º e 1476.º. Além disso, de acordo com
o preceituado no artigo 1487.º, os primos e a tia idosa não se incluíam no
âmbito da família, para efeitos de uso e habitação. Mesmo que o prazo não
houvesse cessado, o direito de uso e habitação encontra-se excluído da
usucapião, nos termos da alínea b) do artigo 1293.º;
b) Dinis havia excedido os limites do usufruto, de acordo com o artigo 1445.º ou
1446.º. Pode ainda discutir-se se houve mau uso, nos termos do artigo 1482.º.
Além disso, o regime do artigo 1462.º determina a substituição de todas as
cabeças de gado em falta. Acresce que não houve inversão do título da posse
por parte de Dinis, nos termos do artigo 1265.º CC, porque este bem sabia que
Ana vivia em Lisboa e não na casa da herdade;
c) Se Eduarda podia instalar os barcos a motor no lago, não é aceitável que os
alugue a terceiros, nem que permita o exercício da pesca. Ana, além de poder
exigir a cessação imediata de tais actividades, pode intentar uma acção de
ressarcimento contra Eduarda;
d) A compra celebrada por Frederico do olival era nula nos termos do artigo 892.º
CC. Assim, não adquiriu a propriedade mas a posse, por tradição material, nos
termos do artigo 1263.º/b). Ora, se a sua posse é titulada, pacífica e pública,
cumpre discutir se a mesma deve ser considerada de boa fé. Ora, como
estamos perante uma boa fé ética e não psicológica, apesar da presunção
ilidível do n.º 2 do artigo 1260.º, existem razões sobejas para afastar tal
presunção. Efetivamente e se a herdade estivera registada em nome de
Bernardo, avô de Ana, apesar de nem sabermos se Ana registara a sua
aquisição, sempre havia publicidade registal de que a herdade pertencera a um
seu ascendente. Além disso, Frederico poderia ter contactado com Eduarda ou
Carlota, que ambas o informariam de quem lhes havia outorgado os direitos
que ambas exerciam. Por isso, a posse de frederico deve ser qualificada de má
fé;
e) A ser assim, porque Frederico adquirira a posse em 1999, ainda não teria
adquirido a propriedade por usucapião, tendo em conta o teor do artigo 1296.º
CC.

II

Luis apesar de utilizar o lugar de estacionamento de Joaquina não o faz atuando


de forma correspondente ao exercício de um direito de propriedade sobre o mesmo
(1253.º). Com efeito, se assim sucedesse quando chamado a atenção por Joaquina,
logo em 2000, não teria reconhecido que não era o proprietário da mesma. Assim,
Luís será detentor do referido lugar, quer nos termos da alínea a) do artigo 1253.º,
quer ainda, nos termos da alínea b) uma vez que Joaquina parece também ir tolerando
o aproveitamento da sua garagem.
O comportamento de Luis, a partir de 2001, não consubstancia uma inversão do
título de posse que, nos termos do 1265.º, ter-se-ia dar perante Joaquina e não
perante os seus vizinhos.
A argumentação apresentada por Luís a Manuel não procede:
- Quanto à ocupação, pois um alegado abandono de bens imóveis não legitima a
sua ocupação (1318.º a contrario);
- Quanto à usucapião, na medida em que a mesma pressupõe a posse e a sua
invocação (1287.º), situações que não ocorreram; por último,
- Quanto à deliberação da assembleia geral de condóminos, porque a mesma é
nula, uma vez Joaquina é a proprietária exclusiva da fração e do correspondente lugar
de estacionamento (1420.º). Logo, apenas a ela lhe compete as faculdades
enunciadas no artigo 1305.º, rectius conceder o seu uso a outrem. Não ao
condomínio.

Relativamente a Manuel, em virtude do contrato de arrendamento, adquire o direito


de gozar temporariamente o lugar de estacionamento de Joaquina (1022.º). Não
adquire nem a propriedade, nem a posse do imóvel, pelo menos nos termos
correspondentes ao direito de propriedade (1253.º/c). Somente nos termos do direito
de arrendamento. Manuel pode, nos termos do 1037.º/2, usar dos meios de defesa da
posse contra Luís, isto é, defender a sua posse nos termos do direito de
arrendamento.
Por fim, Joaquina é proprietária e possuidora do T2 e do correspondente lugar de
estacionamento, não tendo perdido nem a propriedade, nem a correspondente posse
em virtude dos desenvolvimentos da hipótese.
A não utilização do lugar de estacionamento, até 2015, não corresponde a um
abandono do mesmo, mas apenas a uma faculdade compreendida no direito de
propriedade: a de não utilizar a coisa de que se é proprietário (1305.º a contrario). Do
mesmo modo, em termos de posse, a não utilização do lugar de estacionamento não
corresponde a um caso de abandono da mesma (1267.º/1/a). Tanto assim é, que
Joaquina chamou a atenção de Luis de que o lugar por este aproveitado não era dele.
Assim, enquanto proprietária e possuidora pode Joaquina reagir, respetivamente,
reivindicando o referido lugar (1311.º), ou recorrendo às ações possessórias (1278.º).
Adicionalmente, pode pedir uma indemnização a Luís por violação do direito de
propriedade sobre o referido lugar (483.º) e, subsidiariamente, a restituição do
enriquecimento deste, por enriquecimento sem causa por intervenção (473.º e 474.º).
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

DIREITOS REAIS - TAN

22 de junho de 2017

Duração: 120’

Grupo I

Alberto, proprietário e legítimo possuidor de um prédio urbano sito em Lisboa


desde 1981, foi informado pelo seu advogado, em março de 2013, que o referido prédio,
no valor de € 1.200.000, passara a estar sujeito a um novo imposto, que incidia sobre
imóveis de valor superior a € 1.000.000. O advogado aconselhou-o, por isso, a
“desconcentrar” o seu património imobiliário, ou seja, Alberto deveria constituir o seu
prédio em propriedade horizontal por negócio jurídico unilateral, de forma a deixar de ser
proprietário de um único prédio e tornar-se, ao invés, proprietário de quatro frações
autónomas, no valor de € 300.000 cada.

- Titularidade da propriedade vertical/total do prédio por


Alberto.
- Discussão sobre se a eficácia do negócio jurídico unilateral de
constituição da propriedade horizontal (1417.º CC) fica
condicionada à alienação de uma das frações; coerentemente, e
tomando posição no sentido afirmativo, admitir que pluralidade
de proprietários é um dos requisitos do direito real de
condomínio (1414.º CC).

Para que dúvidas não restassem, Alberto acordou com Bernardo, seu amigo de
longa data, que simulariam a doação de um dos apartamentos ao último, apesar de, na
verdade, o apartamento continuar a pertencer a Alberto. Dirigiram-se, então, a um notário,
perante o qual Alberto declarou querer doar o apartamento e Bernardo declarou aceitar a
doação. Munido da escritura pública exarada pelo notário, Bernardo conseguiu que o
Conservador registasse a aquisição a seu favor.

- Nulidade do negócio simulado (doação): não produz efeito


transmissivo da propriedade.
- Mas registo é válido: não se aplica o art. 16.º, a) CRPr (título –
escritura pública – não é falso: 373.º/2 CC).
- Possível referência ao princípio da instância e à competência do
conservador.

Em setembro de 2014, Alberto decidiu mudar-se para os EUA e entregou a


Bernardo as chaves do apartamento registado a favor deste, para que cuidasse dele até ao
seu retorno.

- Alberto mantém a posse (1252.º/1 CC e 1257.º/1, in fine CC),


continuando a exercer os seus poderes e faculdades através de
Bernardo, detentor (1253.º, c) CC).
Em agosto de 2015, Bernardo, que atravessava um momento de graves
dificuldades económicas, decidiu vender o apartamento a Carlota. Duas semanas antes,
tinha enviado uma carta a Alberto na qual afirmava ser “o real proprietário do imóvel desde o
momento do registo”.

Carlota tratou do registo da sua aquisição de imediato, mas convencionou com


Bernardo que o imóvel apenas lhe seria entregue em janeiro de 2016.

- Bernardo adquire a posse por inversão do título (1263.º, d) e


1265.º CC).
- Discutir se há constituto possessório a favor de Carlota:
irrelevância da invalidade do negócio subjacente vs. recusa da
abstração deste modo aquisitivo da posse.
- Não há aquisição tabular por Bernardo, uma vez que:
a) Bernardo não é terceiro de boa fé, nem adquiriu a título
oneroso – 291.º CC;
b) Bernardo não é terceiro de boa fé adquirente de autor
comum – 5.º/1 e 4 CRPr, para quem aceite que este artigo
estabelece um efeito aquisitivo do registo;
c) não há registo inválido, nem Bernardo é terceiro em face
do facto registado – 17.º/2 CRPr;
- Aludir à discussão acerca da dispensa da onerosidade e da boa fé,
conforme opinião de Paulo Henriques e Mónica Jardim.

Aquando das mudanças para a nova casa, Carlota resolveu fazer uma limpeza à
arrecadação, que ficava no terraço adjacente ao seu apartamento e estava em péssimo
estado de conservação. Enquanto limpava, deparou-se com Daniel, arrendatário do rés-do-
chão do prédio vizinho, que lhe disse em tom ameaçador que a arrecadação devia ser
demolida, pois tinha uma janela a menos de metro e meio de distância do prédio onde ele
habitava, ainda por cima virada para o seu quarto. Carlota respondeu que estava registada
uma servidão de vistas a favor da sua fração. Daniel contrapôs que, desde que Alberto se
tornara proprietário do prédio onde ela agora morava, nunca mais ninguém tinha usado a
arrecadação e que, por isso, há muito se havia “livrado da servidão”. Mais a informou que
estava disposto a ir para tribunal se Carlota não procedesse à demolição dentro de um
prazo razoável.

- Classificação da servidão como contínua: prazo para extinção por


não uso (1569.º/1, b) CC) nem sequer começou a correr (1570.º/1
CC).
- Tutela possessória dos direitos do arrendatário (posse interdital):
1037.º/2 CC

Entretanto, Alberto voltou dos EUA em maio de 2017 e pretende que Carlota
abandone o imóvel.
- Ação de reivindicação como meio apropriado para Alberto usar
contra Carlota de forma a reaver o imóvel.
- Discutir aquisição tabular a favor de Carlota por via do art.º 291.º
CC: Carlota é terceiro de boa fé e adquiriu a título oneroso; uma
vez que há registo prévio, doutrina que exige a verificação desse
requisito não rejeitaria aqui o efeito aquisitivo; mas ainda não
decorreram os três anos previstos no n.º 2, por isso Alberto
poderia interpor ação de declaração de nulidade do negócio com
Bernardo, assim, prevalecendo a sua posição sobre a de Carlota.
- Possível explicação sobre inaplicabilidade dos artigos 5.º/1 e
17.º/2 CRPr.

Quid juirs? (12 valores)

Grupo II

Em 1988, Elvira, proprietária de um terreno agrícola no Alentejo, acordou com


Felisberto a constituição de um usufruto oneroso e vitalício a favor deste mediante
escritura pública.

Em maio de 1993, Felisberto telefonou a Elvira e disse-lhe que o terreno produzia


muito pouco, porque o solo era demasiado seco e, por isso, renunciava ao usufruto.
Imediatamente após o telefonema, Felisberto arrependeu-se, pois ocorreu-lhe que o
terreno era perfeito para nele construir uma luxuosa pousada. Sabendo que Elvira não
tinha forma de provar a sua renúncia, Felisberto iniciou as obras de construção no mês
seguinte.

- Constituição do usufruto por contrato (1440.º); forma legal


respeitada (exigência de escritura pública até entrada em vigor do
art. 22.º, a) DL 116/2008, de 4 de julho); nua-propriedade de
Elvira.
- Invalidade formal da renúncia ao usufruto: exigência de escritura
pública até à entrada em vigor do art.º 22.º, g) DL 116/2008, de 4
de julho, que a veio admitir por documento particular autenticado.
- Discutir se construção implica alteração da forma ou substância
do prédio (art. 1439.º) ou do seu destino económico (art. 1446.º).

Durante as obras, foi encontrado um baú cheio de joias enterrado junto a um


sobreiro que Felisberto mandara arrancar. Felisberto nada disse a Elvira sobre o baú,
mas enviou-lhe uma carta após as obras terminarem, em agosto de 1995, informando-a de
que tinha construído uma pousada que lhe pertencia, admitindo, porém, que Elvira
continuava a ser a proprietária do solo. Elvira morreu antes de poder responder, em
outubro de 1995, deixando apenas um filho, Guilherme, residente no Brasil, com quem
nunca se havia dado bem.

- Acessão industrial imobiliária de má fé (direito potestativo do


proprietário do prédio): 1341.º CC
- Aquisição da posse nos termos do direito de superfície (direito
sobre o implante) por inversão do título. Classificações da posse.
- Discutir se baú de joias configura um tesouro, nos termos do art.
1461.º, referindo a possibilidade de esta norma ser afastada pelo
título constitutivo, uma vez que é supletiva (art.º 1445.º). Discutir a
aplicabilidade do regime geral, artigo 1324º, considerando que o
usufrutuário assume a correspondente titularidade de um direito
real de gozo.
- Sucessão na posse por Guilherme (1255.º e 2050.º CC).

Em abril de 2017, Guilherme leu num jornal um artigo sobre a história de sucesso
da pousada de Felisberto, onde também se falava do baú de joias. Decidiu, então, vir a
Portugal para reivindicar a propriedade sobre o prédio, incluindo a pousada, e as joias.

- Usucapião do direito de superfície por Felisberto ao fim de 20


anos, em agosto de 2015: 1296.º CC.

Quid juris? (8 valores)


1

Direitos Reais| Exame Escrito (TAN) | Coincidências


Regência: Professor Doutor José Luís Bonifácio Ramos
27 de Junho de 2017 | Duração: 120 minutos

Tópicos de Correção

Grupo I

Em Janeiro de 2009, Abel, legítimo proprietário e possuidor do seu automóvel clássico


“BMM”, autorizou que o seu filho mais velho, Bruno, que havia obtido recentemente a
sua carta de condução, levasse o seu carro para a Faculdade.

Análise da situação possessória: elementos da posse para as teorias


subjetivistas e objetivistas. Caracterização da posse de A. B é mero
detentor, pela mera tolerância de A (1253.º,b)).

Nesse mesmo dia, Bruno, regressando de uma festa, num sinal luminoso numa zona
perigosa da cidade, foi vítima de “carjacking” por parte de Carla que, sob a ameaça de
uma faca, obrigou Bruno a sair do seu automóvel.

Esbulho violento de C, enquanto causa autónoma de aquisição de


posse, tendo em conta a enumeração, meramente enunciativa, do
artigo 1263º CC. A pode intentar, a todo o tempo e enquanto não
cessar a violência, uma acção de restituição possessória, segundo o nº
2 do artigo 1267º CC. A pode ainda intentar uma acção de
reivindicação, nos termos e para os efeitos do artigo 1311º CC

Carla conduziu rapidamente o carro até à oficina de Duarte, comerciante, que gere um
stand de automóveis. Carla entregou automóvel a Duarte, como tinham combinado.
Duarte colocou o carro “BMM” à venda por um preço abaixo do nível de mercado, de
forma a livrar-se rapidamente do mesmo.
Em Fevereiro de 2009, Eduardo, amante de automóveis e conhecedor de carros,
comprou o carro, pelo preço convidativo, embora não tenha registado a sua aquisição
no Registo Automóvel e saiu naquele mesmo dia do stand a conduzir o automóvel.
2

Aquisição da posse de D por tradição (1263.º,b) que se contrapõe à


cedência de C – 1267.º/1,c)). Caracterização da posse de D,
necessariamente de má fé (1260.º/2 – presunção ilidível – 350.º/2).
C pode ser considerado possuidor, se D for enquadrado como mero
depositário. Neste caso, determinar a forma de aquisição da posse
por parte de E.
Meios de tutela possessória de A (1281.º/2, parte final). Aquisição
da posse de E por tradição. Caracterização da posse de E. Compra e
venda de bens alheios (892.º), E não é titular do automóvel. Contrato
real quoad effectum (408.º/1, parte final). Sistema do título. Princípio
da causalidade.

Eduardo decidiu, contudo, proceder a algumas reparações e melhoramentos, entre os


quais colocou novos pneus no carro, uma vez que os antigos já não podiam legalmente
circular, e instalou um volante em pele de raia, inspirado pelos seus ídolos
Hollywoodescos.

Distinção entre o regime das benfeitorias realizadas pelo possuidor


(1272.º) do regime da acessão industrial mobiliária (1333.º). Aludir
aos critérios de distinção entre acessão e benfeitorias.

Hoje, em Julho de 2017, para grande surpresa de Eduardo, Abel encontrou o seu carro
e insiste em afirmar-se proprietário do mesmo.

Tutela possessória de A esgotada (1282.º). Meios de defesa da


propriedade: acção de reivindicação (1311.º). Limitação prevista no
artigo 1301.º (1311.º/2). Discutir a aplicabilidade do art.º 1301.º
tendo em conta a boa fé/má fé (ética) de E. A aplicação do art.º
1301.º não equivale ao sistema posse vale título.

Possibilidade de E usucapir o automóvel. Requisitos da usucapião:


posse, prazo (1298.º,b)) e invocação (1292.º, 303.º). Não haviam
decorridos 10 anos em Julho de 2017. E não podia usucapir o
automóvel.
3

Grupo II

Em Janeiro de 2010, Francisco, legítimo proprietário e possuidor, com registo predial a


seu favor, da fração correspondente ao 1.º andar esquerdo de um prédio sito em
Lisboa, decidiu vender o seu imóvel a Guida. Os demais condóminos opõem-se
veemente à presente alienação, pela má fama de Guida na vizinhança. Arguem que
esta venda atenta contra o disposto no regulamento de condomínio, que proíbe a
venda das frações sem o acordo prévio dos demais condóminos.

Propriedade horizontal ou direito de condomínio. Regulação e


constituição. Faculdade reconhecida ao F de livremente alienar a
sua fração do qual é proprietário (1305.º e 1420.º/1). Invalidade do
Regulamento de condomínio (1429-A) que apenas pode regular o
uso, fruição e conservação das partes comuns do prédio (1421.º).

Ainda assim, Francisco e Guida celebraram um contrato promessa de compra e venda


da fração no dia 20.01.2010. O preço final de compra seria de 200.000,00 Euros a
celebrar no dia 20.02.2010. Guida entregou 120.000,00 Euros a Francisco no momento
da celebração do contrato promessa de compra e venda e Francisco entregou as
chaves da fração. Guida começou de imediato residir no imóvel. Todavia, em virtude
de adiamentos sucessos, o contrato de compra e venda definitivo nunca foi celebrado.

Caracterização da posse de C. Divergência doutrinária e


jurisprudencial sobre a posse nos termos do contrato promessa.
Uma vez que G não antecipou totalmente o valor do preço
definitivo do imóvel, G não tem posse nos termos do direito de
propriedade, sendo mera detentora nos termos deste direito
(1253.º, c)). G não adquiriu a propriedade do imóvel (408.º).

Guida ficou consternada ao constatar que o vizinho do 1.º andar insistia em realizar
churrascos diários, o que sujava os lençóis brancos que esta colocava no estendal
exterior a secar, pese embora os seus pedidos diários para o fazer cessar.
4

Regime da propriedade horizontal não exclui a aplicação do regime


das Relações de Vizinhança. Está em causa a emissão de fumo e
cheiros (1346.º), que prejudica substancialmente o uso do imóvel
de G. Concretização da previsão normativa, extensível ao
possuidor e do conceito de prejuízo substancial para o uso do
imóvel. Tutela inibitória facultada a G.

Em Novembro de 2011, Francisco decidiu vender a fração a Hélder e Inês, casados no


regime da separação de bens, mediante simples documento particular. Hélder e Inês
conseguiram registar a sua aquisição.

Nulidade da compra e venda por falta de forma (875.º CC e 22.º, a)


do DL 116/2008, de 4 de Julho) que visa a constituição de
compropriedade a favor de H e I. Regime da compropriedade
(1403.º), que não se logrou a constituir (408.º). Eventual aquisição
da posse por parte de H e I.
Registo nulo, por insuficiência do título – art.º 16.º, b) CRPr.

Para grande surpresa e desagrado de Inês, Hélder constituiu um usufruto oneroso da


fração, pelo prazo de 30 anos, mediante escritura pública, a favor do seu amigo João,
para este poder finalmente gozar as suas merecidas férias. João registou a sua
aquisição.

No regime de compropriedade, o presente acto consubstancia uma


oneração da coisa comum - 1408.º/1 e 2, como tal, nula, sem o
consentimento de I– pese embora a posição dos Professores Vaz
Serra e Carvalho Fernandes, defensores da possibilidade de
conversão (cumulada, eventualmente, com a redução) do presente
negócio tendo por objecto apenas a quota.
Usufruto a favor de J (1439.º, 1440.º e 22.º, a) do DL 116/2008,
de 04 de Julho, 1443.º). J ao registar a sua aquisição, beneficia do
efeito aquisitivo do registo, pelo art.º 17.º/2 CRPr. Pressupostos.
Confronto de aplicação do art.º 17.º/2 CRPr perante o art.º 291.º
CC. O registo a favor de H e I, permite que não se aplique o
5

pressuposto contido no n.º 2 do art.º 291, por J confiar no registo


a favor de H e I. Oneração tabular da propriedade de F (que
permanece com a nua propriedade).

João ficou muito consternado ao constatar que Guida habita no imóvel.

Defesa do direito real adquirido por J perante G (desde a data do


respetivo registo), pese embora J nunca tenha adquirido posse:
poderá reivindicar o imóvel (1311.º e 1315.º).
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

DIREITOS REAIS — TAN

REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS

EXAME ESCRITO — ÉPOCA DE RECURSO — 20/07/2017

Duração: 120 minutos

Grupo I

António, alfarrabista de profissão, vendeu a Bento uma coleção de livros antigos em


junho de 2010. António entregou os livros a Bento, morador em Paris, no momento da
venda, desconhecendo este último que os livros pertenciam, afinal, a Zacarias. No
contrato, celebrado por escrito, as partes convencionaram que Bento não os poderia
(re)transmitir. Bento — que beneficiou os livros com umas capas especiais por si
desenhadas para preservação dos originais — apressou-se a colocar os livros na sua
distinta e robusta biblioteca. Bento, pai de Celestino, veio a falecer em 2011.

1. Venda de bem alheio, nula nos termos do artigo 892.º; princípio da causalidade (art.
408.º CC).
2. Transmissão da posse mediante tradição material (artigo 1263.º, al. a CC);
classificação da posse de Bento (formal, civil, efetiva, titulada, de boa fé, pacífica e
pública).
3. Princípio da tipicidade dos direitos reais (artigo 1306.º do CC) e a inadmissibilidade
de uma cláusula de inalienabilidade convencional com caráter real; eficácia
meramente obrigacional da convenção, em função da conversão legal prevista na
segunda parte do artigo 1306.º.
4. Distinção entre o regime das benfeitorias realizadas pelo possuidor (artigos 1273.º e
ss. do CC) do regime da acessão industrial mobiliária (artigos 1333.º e ss. do CC), em
especial o regime da especificação; critérios de distinção entre acessão e benfeitorias.
Tomada de posição fundamentada.
5. Transmissão da posse de B para a esfera jurídica de C. Remeter para a classificação
da posse de B, visto tratar-se da mesma posse (artigo 1255.º do CC: “a posse
continua”); possível alusão ao fenómeno de desmaterialização da posse aqui
consagrado.

Dois anos depois do falecimento de Bento, Zacarias tomou conhecimento da venda dos
livros que tanto estimava. Decidiu, por isso, contactar Celestino para que lhe
devolvesse os livros. Este, porém, ripostou que pertencendo os livros àquela biblioteca
(que o seu pai começou a formar desde 1955), já não haveria qualquer mecanismo legal
admissível para que Zacarias os pudesse reaver. Em todo o caso, acrescentou que
mesmo que assim não fosse, Zacarias sempre teria que lhe restituir o montante pago
pelos livros, sem esquecer o investimento decorrente das capas especiais também
adquiridas pelo seu pai. Zacarias, furioso, dirigiu-se ao seu advogado, que lhe disse
Celestino tinha “toda a razão”, pelo que nada poderia fazer.

6. Zacarias pode lançar mão da ação de reivindicação. Como se trata de coisa comprada
a comerciante, a procedência da ação está dependente da restituição do preço a
Celestino por parte de Zacarias, gozando este de direito de regresso contra António
(artigo 1301.º do CC). Valorização da referência à não consagração do princípio de
“posse vale título” e ao enquadramento do artigo 1301.º do CC como forma de
mitigação da dureza dessa solução.
7. Classificação dos «livros antigos» como bens culturais e consequências do ponto de
vista do afastamento das soluções decorrente do princípio da “posse vale título”,
apesar de este regime não estar consagrado no ordenamento jurídico português, em
virtude do preceituado em Convenções Internacionais subscritas pelo Estado
Português.
8. Identificação da biblioteca como universalidade de facto ou coisa composta (ex
distantibus) — artigo 206.º do CC; irrelevância da integração (meramente de facto e
não de direito) dos livros na biblioteca, na medida em que as coisas singulares que a
integram são objeto de relações jurídicas próprias. Possível referência, com inerente
valorização, à (não) coisificação da universalidade, com tomada de posição
fundamentada.
9. Possibilidade de invocação da usucapião por parte de Celestino, que tem posse pública
e pacífica há mais de três anos (artigo 1299.º do CC), pelo que será ele o proprietário
dos livros, sendo a ação de reivindicação improcedente.

Quid juris? (10 valores)

Grupo II

Dinis, proprietário de um andar numa zona turística próxima de Albufeira desde 1990,
decidiu vendê-lo a Ernesto em julho de 2016. Ernesto pagou 80% do preço em
dinheiro e para pagamento do remanescente, aproveitou para se desfazer de um outro
andar do qual era proprietário, sito em Peniche, dando-o em troca a Dinis. O negócio foi
celebrado por documento particular autenticado por solicitador, que acabou por se
esquecer de fazer a respetiva inscrição registal. O andar não foi, porém, entregue a
Ernesto, mas sim à “Cuide do Seu Imóvel, S.A.”, uma sociedade que se dedica à
construção, reparação e venda de imóveis que ficou de fazer reparações no andar.

Quando em julho de 2017 Ernesto se preparava para gozar umas merecidas férias com
a família, deparou-se com Filipe, que lhe disse ter adquirido aquele imóvel à “Cuide do
Seu Imóvel, S.A”. A aquisição, bem como a constituição de um direito de uso a favor de
Gualberto, foi devidamente registada. Ernesto pretende reagir. Já Gualberto sente-se
devassado por Filipe usar o imóvel durante a semana, visto que, segundo este último
aquele “só tem necessidade de usar o imóvel aos fins de semana”.

1. Contrato de compra e venda, com prestação acessória ao pagamento do preço (artigos


408.º e 879.º, al. a) do CC); Referência ao efeito consolidativo do registo e às
consequências da não inscrição regista (artigo 5.º, n.º 1 do CRP); obrigatoriedade do
registo, a cargo do solicitador, com as inerentes consequências (artigos 8.º-A, n.º 1, al.
a), 8.º B, n.º 1, 8.º C, n.º 1, e 8.º D, n.ºs 1 e 3 do CRP).
2. Distinção entre direito real de condominio (propriedade horizontal) e direito real de
habitação periódica. No caso vertente, aplica-se o regime da propriedade horizontal,
visto só termos referências ao «proprietário».
3. Transmissão da posse para a esfera jurídica de Ernesto por constituto possessório
(artigo 1263.º, al. a)) e 1264.º, n.º 1 do CC), com referência e tomada de posição
fundamentada a respeito do conceito de causa do artigo 1264.º, n.º 1; em qualquer
caso, entrega da coisa (traditio) sempre teria a virtualidade de fazer transmitir a posse
para a esfera jurídica de Ernesto, na medida em que a é Sociedade mera detentora
(artigo 1253.º, al. c) do CC), exercendo a posse de Ernesto (artigo 1252.º do CC).
4. Compra e venda de bem alheio e, por isso nula (artigo 892.º do CC), pelo que a Filipe
não adquire qualquer direito real sobre o imóvel (princípio da causalidade).; o mesmo
se verifica quanto à constituição do direito de uso, porquanto Filipe não tem
legitimidade;
5. Discussão em torno da não consagração de um efeito atributivo no artigo 5.º do CRP.
Em todo o caso, e mesmo que se encontrasse consagrado um efeito atributivo no artigo
5.º do CRP, não haveria proteção tabular nos termos deste preceito, que — a
consagrar este efeito atributivo — apenas protege o terceiro adquirente de autor
comum (artigo 5.º, n.º 4 do CRP). No caso, estamos perante uma situação de
subaquisição com incompletude registal, que não é visada por nenhum dos preceitos
que consagram situações de aquisição tabular (artigos 17.º, n.º 2, 122.º do CRP e 291.º
do CC).
6. Referência ao direito de uso e habitação e à limitação do conteúdo de aproveitamento
do direito real às necessidades do titular (artigo 1484.º do CC); discussão e tomada de
posição fundamentada em relação à (não) limitação do poder de uso, enquanto poder
que integra o conteúdo de aproveitamento deste direito real.

Por fim, e como se não bastasse, o administrador do empreendimento veio agora


exigir de Dinis o pagamento das prestações devidas e não liquidadas desde 1990.
Este afirma que já não é o proprietário do imóvel e que, por esse motivo, nada deve.

7. Conceito de obrigação protper rem. Discussão em torno do seu caráter (não)


ambulatório e tomada de posição coerente e fundamentada.

Quid juris? (10 valores)


FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

DIREITOS REAIS — TAN

REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS

EXAME ESCRITO — ÉPOCA DE RECURSO — 20/07/2017

Duração: 120 minutos

Grupo I

António, alfarrabista de profissão, vendeu a Bento uma coleção de livros antigos em


junho de 2010. António entregou os livros a Bento, morador em Paris, no momento da
venda, desconhecendo este último que os livros pertenciam, afinal, a Zacarias. No
contrato, celebrado por escrito, as partes convencionaram que Bento não os poderia
(re)transmitir. Bento — que beneficiou os livros com umas capas especiais por si
desenhadas para preservação dos originais — apressou-se a colocar os livros na sua
distinta e robusta biblioteca. Bento, pai de Celestino, veio a falecer em 2011.

1. Venda de bem alheio, nula nos termos do artigo 892.º; princípio da causalidade (art.
408.º CC).
2. Transmissão da posse mediante tradição material (artigo 1263.º, al. a CC);
classificação da posse de Bento (formal, civil, efetiva, titulada, de boa fé, pacífica e
pública).
3. Princípio da tipicidade dos direitos reais (artigo 1306.º do CC) e a inadmissibilidade
de uma cláusula de inalienabilidade convencional com caráter real; eficácia
meramente obrigacional da convenção, em função da conversão legal prevista na
segunda parte do artigo 1306.º.
4. Distinção entre o regime das benfeitorias realizadas pelo possuidor (artigos 1273.º e
ss. do CC) do regime da acessão industrial mobiliária (artigos 1333.º e ss. do CC), em
especial o regime da especificação; critérios de distinção entre acessão e benfeitorias.
Tomada de posição fundamentada.
5. Transmissão da posse de B para a esfera jurídica de C. Remeter para a classificação
da posse de B, visto tratar-se da mesma posse (artigo 1255.º do CC: “a posse
continua”); possível alusão ao fenómeno de desmaterialização da posse aqui
consagrado.

Dois anos depois do falecimento de Bento, Zacarias tomou conhecimento da venda dos
livros que tanto estimava. Decidiu, por isso, contactar Celestino para que lhe
devolvesse os livros. Este, porém, ripostou que pertencendo os livros àquela biblioteca
(que o seu pai começou a formar desde 1955), já não haveria qualquer mecanismo legal
admissível para que Zacarias os pudesse reaver. Em todo o caso, acrescentou que
mesmo que assim não fosse, Zacarias sempre teria que lhe restituir o montante pago
pelos livros, sem esquecer o investimento decorrente das capas especiais também
adquiridas pelo seu pai. Zacarias, furioso, dirigiu-se ao seu advogado, que lhe disse
Celestino tinha “toda a razão”, pelo que nada poderia fazer.

6. Zacarias pode lançar mão da ação de reivindicação. Como se trata de coisa comprada
a comerciante, a procedência da ação está dependente da restituição do preço a
Celestino por parte de Zacarias, gozando este de direito de regresso contra António
(artigo 1301.º do CC). Valorização da referência à não consagração do princípio de
“posse vale título” e ao enquadramento do artigo 1301.º do CC como forma de
mitigação da dureza dessa solução.
7. Classificação dos «livros antigos» como bens culturais e consequências do ponto de
vista do afastamento das soluções decorrente do princípio da “posse vale título”,
apesar de este regime não estar consagrado no ordenamento jurídico português, em
virtude do preceituado em Convenções Internacionais subscritas pelo Estado
Português.
8. Identificação da biblioteca como universalidade de facto ou coisa composta (ex
distantibus) — artigo 206.º do CC; irrelevância da integração (meramente de facto e
não de direito) dos livros na biblioteca, na medida em que as coisas singulares que a
integram são objeto de relações jurídicas próprias. Possível referência, com inerente
valorização, à (não) coisificação da universalidade, com tomada de posição
fundamentada.
9. Possibilidade de invocação da usucapião por parte de Celestino, que tem posse pública
e pacífica há mais de três anos (artigo 1299.º do CC), pelo que será ele o proprietário
dos livros, sendo a ação de reivindicação improcedente.

Quid juris? (10 valores)

Grupo II

Dinis, proprietário de um andar numa zona turística próxima de Albufeira desde 1990,
decidiu vendê-lo a Ernesto em julho de 2016. Ernesto pagou 80% do preço em
dinheiro e para pagamento do remanescente, aproveitou para se desfazer de um outro
andar do qual era proprietário, sito em Peniche, dando-o em troca a Dinis. O negócio foi
celebrado por documento particular autenticado por solicitador, que acabou por se
esquecer de fazer a respetiva inscrição registal. O andar não foi, porém, entregue a
Ernesto, mas sim à “Cuide do Seu Imóvel, S.A.”, uma sociedade que se dedica à
construção, reparação e venda de imóveis que ficou de fazer reparações no andar.

Quando em julho de 2017 Ernesto se preparava para gozar umas merecidas férias com
a família, deparou-se com Filipe, que lhe disse ter adquirido aquele imóvel à “Cuide do
Seu Imóvel, S.A”. A aquisição, bem como a constituição de um direito de uso a favor de
Gualberto, foi devidamente registada. Ernesto pretende reagir. Já Gualberto sente-se
devassado por Filipe usar o imóvel durante a semana, visto que, segundo este último
aquele “só tem necessidade de usar o imóvel aos fins de semana”.

1. Contrato de compra e venda, com prestação acessória ao pagamento do preço (artigos


408.º e 879.º, al. a) do CC); Referência ao efeito consolidativo do registo e às
consequências da não inscrição regista (artigo 5.º, n.º 1 do CRP); obrigatoriedade do
registo, a cargo do solicitador, com as inerentes consequências (artigos 8.º-A, n.º 1, al.
a), 8.º B, n.º 1, 8.º C, n.º 1, e 8.º D, n.ºs 1 e 3 do CRP).
2. Distinção entre direito real de condominio (propriedade horizontal) e direito real de
habitação periódica. No caso vertente, aplica-se o regime da propriedade horizontal,
visto só termos referências ao «proprietário».
3. Transmissão da posse para a esfera jurídica de Ernesto por constituto possessório
(artigo 1263.º, al. a)) e 1264.º, n.º 1 do CC), com referência e tomada de posição
fundamentada a respeito do conceito de causa do artigo 1264.º, n.º 1; em qualquer
caso, entrega da coisa (traditio) sempre teria a virtualidade de fazer transmitir a posse
para a esfera jurídica de Ernesto, na medida em que a é Sociedade mera detentora
(artigo 1253.º, al. c) do CC), exercendo a posse de Ernesto (artigo 1252.º do CC).
4. Compra e venda de bem alheio e, por isso nula (artigo 892.º do CC), pelo que a Filipe
não adquire qualquer direito real sobre o imóvel (princípio da causalidade).; o mesmo
se verifica quanto à constituição do direito de uso, porquanto Filipe não tem
legitimidade;
5. Discussão em torno da não consagração de um efeito atributivo no artigo 5.º do CRP.
Em todo o caso, e mesmo que se encontrasse consagrado um efeito atributivo no artigo
5.º do CRP, não haveria proteção tabular nos termos deste preceito, que — a
consagrar este efeito atributivo — apenas protege o terceiro adquirente de autor
comum (artigo 5.º, n.º 4 do CRP). No caso, estamos perante uma situação de
subaquisição com incompletude registal, que não é visada por nenhum dos preceitos
que consagram situações de aquisição tabular (artigos 17.º, n.º 2, 122.º do CRP e 291.º
do CC).
6. Referência ao direito de uso e habitação e à limitação do conteúdo de aproveitamento
do direito real às necessidades do titular (artigo 1484.º do CC); discussão e tomada de
posição fundamentada em relação à (não) limitação do poder de uso, enquanto poder
que integra o conteúdo de aproveitamento deste direito real.

Por fim, e como se não bastasse, o administrador do empreendimento veio agora


exigir de Dinis o pagamento das prestações devidas e não liquidadas desde 1990.
Este afirma que já não é o proprietário do imóvel e que, por esse motivo, nada deve.

7. Conceito de obrigação protper rem. Discussão em torno do seu caráter (não)


ambulatório e tomada de posição coerente e fundamentada.

Quid juris? (10 valores)


DIREITOS REAIS

EXAME TAN, ÉPOCA NORMAL (8/06/2018)

CRITÉRIOS DE CORRECÇÃO

Grupo I

1) Contrato de compra e venda entre António e Beatriz: princípios da


consensualidade e causalidade (artigo 408.º, n.º 1 CC); ao não inscrever o facto
no registo, Beatriz não beneficia do efeito consolidativo do registo (5.º, n.º 1 do
CRPredial); posse transmite-se solo consensu? Discussão e tomada de posição
fundamentada;
2) Carlos adquire a posse sobre o imóvel por apossamento (artigo 1263, a), CC);
análise dos requisitos do apossamento à luz dos atos praticados por Carlos;
classificação da sua posse: não titulada (artigo 1259.º CC), logo presumivelmente
de má fé (artigo 1260.º, n.º 2 CC), pacífica (artigo 1261-º CC), pública (1262.º
CC), formal, efetiva e imediata;
3) Em coerência com a posição adotada no ponto 1) sobre a tramissão da posse por
constituto possessório, sempre se concluiria que António/Beatriz perdeu a posse
sobre o imóvel: a sua posse não efetiva cede perante a posse efetiva de Carlos,
porquanto esta já havia sido exercida por período superior a um ano (artigo 1267.º,
n.º 1, d). Donde, não poderá recorrer a uma ação possessória; em todo o caso, e
na medida em que não houve apossamento violento, sempre estaria excluído o
recurso a uma ação de restituição provisória da posse (1279.º CC);
4) António não poderá, ao contrário do sugerido pelo seu advogado, lançar mão de
uma ação de reivindicação (artigo 1311.º CC): deixou de ser proprietário em 12
de janeiro de 2002;
5) Carlos não dispõe de legitimidade para constituir um direito de usufruto sobre o
imóvel, pois não é o titular do direito de propriedade: no entanto, Daniela passa a
atuar sobre o imóvel, em nome próprio, nos termos do direito de usufruto: é,
destarte, possuidora (artigo 1251.º e 1263.º. a) do CC);
6) Não obstante a questão da validade do usufruto, importa referir que este direito
real pode ser objeto de transmissão para terceiro (artigo 1444.º CC); a morte do
trespassário não gera, porém, a extinção do direito de usufruto, podendo o
usufruto integrar o relictum dos respetivos sucessores;
7) Beatriz alienou a casa a Franklin Rosas por documento particular: Beatriz é
proprietária do imóvel, dispondo de legitimidade para o celebrar; no entanto, o
contrato foi celebrado por documento particular, sendo, por conseguinte, nulo
(artigo 875.º e 220.º do CC);
8) Violação do princípio do trato sucessivo e suas consequências. Nulidade do
registo (artigo 16.º, e do CRPredial); o registo poderia ser também considerado
nulo nos termos do artigo 16.º, n.º 1, b) do CRP);
9) Franklin doou o seu imóvel a Gabi: discussão sobre a aplicabilidade do artigo
291.º CC e do artigo 17.º/2 do CR; Requisitos de aplicação. Não se verifica, in
casu, o requisito da onerosidade, pelo que os direitos de Gabi não são protegidos
por via tabular;
10) Acessão na posse (1256.º CC): Gabi não adquire, contudo, o direito de
propriedade por esta via (as posses anteriores já se extinguiram — casos de
António e de Beatriz, por via do decurso do prazo do 1267.º, 1, d) CC); a posse
de Carlos é de ma fé e não titulada, pelo que ter-se-ia de verificar o prazo de 20
anos para que Gabi adquirir o direito de propriedade por acessão (artigos 1256.º,
n.º 2 e 1296.º do CC); a posse de Daniela não pode ser acrescida à posse de Gabi,
pois é de espécie diversa (refere-se ao direito de usufruto; não de propriedade);
11) Gabi não adquire o direito de usufruto por usucapião (referência à possibilidade
legal, em abstrato, de aquisição deste direito por usucapião): artigo 1296.º CC;
12) Se Daniela não lograr ilidir a presunção de má fé, por exercer uma posse não
titulada, aplicar-se-á o regime do artigo 1271.º CC, quanto às maças percebidas.

Grupo II

1) Propriedade horizontal e seu objeto (artigos 1414-.º e 1415.º CC);


2) Limitações ao exercício dos direitos dos condóminos, mesmo quando às partes
que exclusivamente lhe pertençam – em especial, o dever de não prejudicar o
arranjo estético do edifício. Referência ao juízo de proporcionalidade no exercício
de posições jurídicas subjetivas. Discussão sobre a aplicação do artigo 335.º do
CC;
3) Administrador do condomínio: estatuto e poderes funcionais (artigos 1435.º e
1436, l, CC);
4) Possibilidade de recurso dos atos (e omissões) do administrador para a assembleia
(1438.º CC);
5) Exoneração pelo administrador pelo tribunal (artigo 1435.º, n.º 3);
6) Convocação e regime geral quanto à maioria necessária para aprovação das
deliberações (artigo 1432.º CC);
7) Tratando-se de alteração ao título constitutivo, esta carecia de aprovação por
unanimidade dos condóminos, bem como ser efetuada por escritura pública ou
documento particular autenticado (artigo 1419.º, n.º 1 CC);
8) Sobre matérias que não estejam incluídas na regulação operada pelo título
constitutivo, a assembleia de condóminos poderá aprovar um regulamento de
condomínio, diverso e complementar (artigo 1429.º-A CC);
9) Discussão sobre a admissibilidade de o regulamento de condomínio proibir a
detenção de animais nas frações autónomas: identificação dos direitos em
confronto; legitimidade da assembleia de condóminos para regular a utilização de
partes exclusivas; tomada de posição fundamentada;
10) As garagens presumem-se partes comuns; no entanto, o título constitutivo pode
afastar tal presunção (artigo 1421.º, n.º 2, d) CC);
11) Sendo a garagem parte exclusiva de Henrique, importa discutir a sua legitimidade
para proceder à alienação da garagem desacompanhada da alienação da fração
autónoma; em qualquer caso, o título constitutivo proíbe a “alienação de partes
específicas”; valorização da discussão sobre a admissibilidade da restrição ao
direito de propriedade privada;
12) Sótão do prédio: parte comum, pois ainda cabe na previsão do artigo 1421.º, n.º
1, b) do CC; insuscetível de ser adquirido por ocupação (artigo 1318.º CC);
admite-se, porém, a aquisição de partes comuns por parte dos condóminos por via
de usucapião: in casu, tal não sucede, pois Martim só poderia ser considerado
possuidor por via de inversão do título da posse (artigo 1406.º, n.º 2 CC);
13) Identificação do direito de uso e habitação constituído a favor de Olegário:
caracterização deste direito real e confronto com o direito de usufruto (artigos
1484.º e ss. CC);
14) Insusceptibilidade de aquisição de direito real de uso e habitação por usucapião
(artigo 1293.º, b) CC): consequentemente, exclui-se qualquer possibilidade de
acessão na posse (artigo 1256.º CC);
15) Achamento de tesouro: artigo 1324.º CC; o menor adquire o tesouro: a descoberta
não necessita de ser nem intencional, nem de incluir um ato material de escavação
ou abertura de algo escondido.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITOS REAIS — TAN
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS
EXAME ESCRITO - ÉPOCA DE COINCIDÊNCIAS (GRELHA DE CORRECÇÃO)
I

António adquiriu a posse por esbulho, enquanto modo de aquisição possessória autónoma,
resultante da interpretação dos artigos 1278.º a 1282.º do CC.

O artigo 1363.º do CC relativo aos modos de aquisição da posse tem natureza não taxativa.

Classificando a posse de António a mesma era não titulada - inexiste um acto jurídico
abstractamente idóneo cfr. artigo 1259.º/1 do CC; de má fé - António, atendendo à bitola da
boa fé subjectiva ética deveria saber que lesava direito de terceiros cfr. artigo 1260.º do CC;
violenta - (violência sobre a coisa pelo arrombamento) cfr. artigo 1261.º/2 e artigo 255.º/2 do
CC; discussão sobre a eventual natureza oculta ou pública da posse, sendo necessário aferir onde
se situa a casa que parecia estar “abandonada”. Apenas no caso de as benfeitorias terem sido
efectuadas de modo a poderem ser conhecidas pelos interessados, a posse seria pública, nos
termos do disposto no artigo 1262.º do Código Civil; formal – António não é titular do direito
real de gozo, em cujos termos se processa o seu exercício possessório; efectiva - existe controlo
directo e material do imóvel e interdital - (não é uma posse adequada para a invocação da
usucapião).

Bento adquire a posse por traditio, neste caso simbólica, com a eventual entrega das chaves por
parte de António, cfr. artigo 1263.º/alínea b) do CC.

Atendendo à classificação da posse de Bento, a mesma era não titulada – (cfr. artigo 1259.º do
CC a contrario, uma vez que da hipótese não resulta a celebração de um negócio jurídico válido);
de má-fé artigo 1260.º/2, 2.ª parte do CC (exceptuando se Bento conseguisse efectivar a ilisão
da presunção iuris tantum consagrada no artigo 1260.º/2, 2.ª parte do CC, v.g. se demonstrasse,
cabalmente, não ter tido conhecimento da conduta do irmão António, situação em que a sua
posse seria de boa fé); pacífica (caso Bento não tivesse sido coautor do esbulho com o irmão,
desconhecendo a sua conduta, cessando a violência com a entrega das chaves a Bento), pública;
formal; efectiva e civil – (confere a plenitude dos efeitos possessórios, sendo a posse adequada
à aplicação do instituto da usucapião).

António, ao construir a garagem e ao plantar uma vinha realizou benfeitorias no imóvel, nos
termos do disposto no artigo 216-º do CC.

No que se refere à garagem e à plantação de vinha, verifica-se a aplicação do instituto da acessão


industrial imobiliária, nos termos do disposto no artigo 1325.º, 1326.º/1, 2.ª parte e 1326.º e
1341.º do CC. Referir a querela doutrinária entre a possibilidade de aplicação do regime das
benfeitorias ou da acessão.

Carlota intenta acção declarativa de reivindicação da propriedade, nos termos do disposto no


artigo 1311.º do Código Civil, tendo legitimidade para o fazer na qualidade proprietária do
imóvel.

António invocou o instituto da usucapião nos termos do disposto no artigo 1287.º do CC.
Para que existisse usucapião do direito de propriedade era necessário que se verificasse o
cumprimento cumulativo de três requisitos: 1- uma posse que seja boa para usucapião; 2 - a
verificação do decurso legal do prazo, atendendo à natureza da posse do possuidor e 3 - a
invocação judicial ou extrajudicial da usucapião pelo possuidor.

Valorização da circunstância de Bento não poder recorrer ao instituto da acessão da posse, de


acordo com o disposto no artigo 1256.º, com a subsequente junção da posse ao seu antecessor
e irmão, em virtude da posse de António ter natureza interdital e por inexistir qualquer vínculo
jurídico, isto é, não existiu um acto translativo da posse de António para Bento.

Ter-se-ia que atender sempre à posse de Bento, a qual não foi registada, conforme determina o
artigo 2.º/1 e), do CRP, razão pela qual os prazos a aplicar são os que resultam da primeira parte
do artigo 1296.º do CC, isto é, 15 anos, pelo facto de a posse de Bento ser de boa fé.

Bento era possuidor deste 2004, pelo que o decurso do prazo para usucapir a propriedade do
imóvel apenas se verificaria em 2019.

A defesa de Bento seria improcedente, não podendo usucapir o direito de propriedade.

No que se refere à perda da posse por abandono (artigo 1267.º/1 a) do CC e ao abandono da


coisa, atendendo à propriedade do imóvel, inexistem elementos na hipótese que permitam
concluir pela sua verificação.

Em relação à instalação da discoteca, aplica-se o artigo 1346.º do CC, no que se refere à


produção de ruído e eventuais trepidações.

Referência às relações de vizinhança e conteúdo negativos dos direitos reais de gozo.

Bento poderia rodear a sua moradia, ao abrigo do artigo 1356.º do CC, em sede de direito de
tapagem.

II

António pretendeu que o solar que herdara ficasse constituído em regime de propriedade
horizontal, nos termos do disposto no artigo 1414.º do CC.

A constituição da propriedade horizontal estava vedada ao abrigo do artigo 1415.º do CC, uma
vez que o solar não está dividido em fracções autónomas (enquanto parte de um prédio
susceptível de afectação a um determinado fim), independentes distintas e isoladas entre si,
razão pela qual Bento, Carolina, Dário e Elga eram comproprietários do solar, nos termos do
disposto no artigo 1416.º.

Valorização da discussão da eventual da possibilidade de aplicação do regime do erro sobre a


base do negócio, ao abrigo do artigo 252.º/1 do CC, enquanto erro vício que permitiria a
anulação do negócio jurídico aquisitivo.

Félix pretendia constituir uma servidão legal de passagem, nos termos do disposto no artigo
1543.º, 1544.º e 1550.º, todos do CC, sobre o prédio vizinho de António, enquanto servidão
coactiva.

A pretensão de António era correcta, tendo este inteira legitimidade para impedir a constituição
da servidão legal de passagem, em virtude do prédio de Félix não estar encravado, tendo saída
para a via pública, razão pela qual o direito potestativo de constituição da servidão legal de
passagem não procederia.
DIREITOS REAIS | EXAME ESCRITO (TAN) | ÉPOCA DE RECURSO

REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS

17 DE JULHO DE 2018 | DURAÇÃO: 90 MINUTOS

CRITÉRIOS DE CORREÇÃO

Grupo I

1) Contrato de compra e venda entre António e Belarmino: princípios da


consensualidade e causalidade (artigo 408.º, n.º 1 CC); posse transmite-se para
Belarmino solo consensu (artigo 1264.º do CC)? Discussão e tomada de posição
fundamentada e classificação da posse de Belarmino (caso se entenda que a posse
se transmite); em todo o caso amigo de António seria mero detentor (artigo 1253.º,
alínea b) do CC);
2) Ao não inscrever o facto no registo, Belarmino não beneficia do efeito
consolidativo do registo (5.º, n.º 1 do CRPredial); a afirmação do notário era
verdadeira, porquanto é anterior à entrada em vigor do DL 116/2008, de 4 de julho
(que introduziu, entre outros, o artigo 8.º-A ao CRP); valorização da identificação
de uma eventual obrigação indireta de registar, conjugada com o princípio da
legitimação (artigo 9.º do CRP);
3) António, ao constituir uma servidão de apascentamento a favor de Carlos e ao
vender o imóvel a Dionísio, volta a dispor — por duas vezes — do mesmo imóvel,
beneficiando de registo a seu favor (apesar de não ser titular do direito de
propriedade); o artigo 5.º do CRP não consagra um efeito atributivo do registo
predial, pelo que Carlos e Dionísio — além da posse reportada aos putativos
direitos adquiridos — nada adquiriram; admissibilidade de posições diversas
devidamente fundamentadas (com análise dos requisitos exigidos pelo artigo 5.º
do CRP) e aplicação consentânea dos dados normativos: Carlos seria titular de
uma servidão de apascentamento1 (que oneraria o direito de propriedade) e
Dionísio titular de um direito de propriedade sobre o imóvel (que faria extinguir
o direito de propriedade de Belarmino).
4) Novo ato de disposição por parte Dionísio (que não era titular do direito de
propriedade, apesar de beneficiar de registo a seu favor), pelo que este seria um
caso de subaquisição com base em negócio jurídico inválido (artigo 291.º do CC),
sendo Eurico titular do direito de propriedade; em coerência com a posição
adotada no ponto 3), caso se admitisse a aquisição tabular nos termos do artigo
5.º, teria que se concluir, coerentemente, no sentido de que Eurico adquiria com
base no contrato (artigo 408.º do CC), identificando-se os princípios da
consensualidade e da causalidade.

1
Posição discutível, porquanto os dados da hipótese não permitem concluir que Carlos tenha registado.
5) Dinis é um terceiro que não tinha qualquer relação com o imóvel, podendo
indagar-se de uma eventual aquisição da posse por via do apossamento (1263.º,
al. a))2; todavia, o verdadeiro proprietário seria Eurico (adquiriu tabularmente, nos
termos do artigo 291.º do CC) e não Belarmino, que se viu o seu direito de
propriedade extinguir-se; Carlos não seria titular de um direito real de servidão3,
nem poderia, em princípio, invocar a usucapião, apesar de ter posse nos termos
desse direito desde janeiro de 1997 (artigo 1294.º, al. a) do CC).

Grupo II

1) Felisberto era proprietário (artigos 1302º e ss. do CC) e possuidor nos termos do
direito de propriedade (1251.º e ss. do CC);
2) Guilherme adquire posse nos termos do direito de propriedade, por via de esbulho
enquanto modo autónomo de aquisição da posse, na medida em que não foram
praticados atos de reiteração e publicidade; classificação da posse de Guilherme:
formal, civil, efetiva, não titulada, má fé, violenta e oculta); a venda ao stand
consubstancia uma venda de bem alheio (artigo 892.º do CC) e, portanto, nula
(deveria invocar-se o princípio da causalidade — artigo 408.º do CC);
3) Ao revender a scooter, a Amigos do Banditismo, SA celebra nova compra e venda,
que é nula (artigo 892.º do CC); Felisberto, na qualidade de proprietário pode
intentar ação de reivindicação (valorização da identificação das exigências do
artigo 1301.º do CC e das eventuais consequências em sede de ação de
reivindicação: Felisberto teria que restituir o preço pago por Henrique à Amigos
do Banditismo, SA, sem prejuízo do direto de regresso); Felisberto adquire posse
por tradição (artigo 1263.º, alínea b)), que seria formal, civil, efetiva, não titulada,
boa fé (a presunção constante do artigo 1260.º, n.º 2 seria ilidida), pacífica e
pública; a ação de restituição da posse não procederia, em face do disposto no
artigo 1281.º, n.º 2, 2.ª parte (Henrique estava de boa fé); em todo o caso, Henrique
sempre teria direito ao valor das benfeitorias úteis feitas na coisa, calculado
segundo as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273.º do CC), admitindo-
se, alternativamente e de forma fundamentada, a aplicação das regras da acessão
industrial mobiliária de boa fé (artigo 1333.º do CC).
4) Henrique adquire posse do Código Civil de Felisberto, por via do esbulho (o artigo
1263.º consagra um elenco meramente enunciativo); a venda a Isabel é nula,
porquanto Henrique não é proprietário do Código Civil (artigo 892.º e artigo 408.º,
ambos do Código Civil); Felisberto só se poderá defender através de uma ação de
reivindicação, na medida em que a sua posse se extinguiu (artigo 1284.º, n.º 2, do
CC);

2
Resulta expressamente dos dados da hipótese que Dinis era um verdadeiro terceiro; porém, a identificação
de Dinis como sendo Eurico por parte dos alunos não implicaria qualquer penalização.
3
Caso se considere que o artigo 5.º do CRP não consagra o efeito atributivo.
5) Densificação a propósito da natureza jurídica dos animais (artigo 1305.º-A do
Código Civil).
DIREITOS REAIS | EXAME ESCRITO (TAN) | COINCIDÊNCIA DE RECURSO

REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS BONIFÁCIO RAMOS

24 DE JULHO DE 2018 | DURAÇÃO: 90 MINUTOS

CRITÉRIOS DE CORREÇÃO

Grupo I

1) Contrato de compra e venda entre António e Berto: princípios da consensualidade


e causalidade (artigo 408.º, n.º 1 CC); não tendo registado, nenhum deles
beneficiou do efeito consolidativo do registo (artigo 5.º do CRP);
2) Posse transmite-se para Berto solo consensu (artigo 1264.º)?; Discussão e tomada
de posição fundamentada e classificação da posse de Berto (caso se entenda que
a posse se transmite); Custódio seria possuidor por referência a um direito pessoal
de gozo (arrendamento) — posse interdictal —, e mero detentor por referência ao
direito de propriedade (artigo 1253.º, alínea c));
3) O arrendamento com duração inferior a seis anos não está sujeito a registo (artigo
2.º, alínea m) do CRP), pelo que o Conservador deveria recusar o registo, como
fez (artigo 69.º, n.º 1, alínea c) do CRP).
4) Análise do comportamento de Berto do ponto de vista possessório; a inversão do
título da posse (artigo 1265.º do CC) pressupõe uma comunicação por parte do
detentor? Discussão e tomada de posição fundamentada; em qualquer caso, o
comportamento de Custódio, ao não pagar a renda, não seria apto a fazer inverter
o título da posse, porquanto não seria inequívoco no sentido da afirmação de um
direito próprio sobre a coisa; Custódio invertia o título, porém, ao comunicar que
se recusa a sair do imóvel (porque entende que o não pagamento da renda tinha o
sentido da afirmação de um direito próprio);
5) Ao vender o imóvel a Daniel, Armando celebra uma compra e venda de bem
alheio (artigos 892.º e 408.º do CC); o negócio seria também nulo por preterição
de forma legalmente exigida (artigo 875.º e 220.º do CC);
6) Poderia Daniel adquirir tabularmente, nos termos do artigo 5.º do CRP? O artigo
5.º não consagra o efeito atributivo, pelo que essa possibilidade estaria, em
princípio, excluída; em todo o caso, e mesmo que assim não se entendesse,
Armando não tinha registo a seu favor, pelo que Daniel não poderia ter confiado
naquilo que o registo patenteava no momento da celebração do contrato a
aquisição tabular estava afastada;
7) Daniel inscreveu o facto no registo; o registo é nulo, na medida em que foi lavrado
com base em título insuficiente para a prova legal do facto registado (artigo 16.º,
alínea b) do CRP);
8) Daniel não é titular do direito de propriedade sobre o imóvel, apesar de beneficiar
de registo (nulo) a seu favor. Indagação da aplicação do artigo 17.º, n.º 2, do CRP
e da possibilidade de Esmeralda adquirir tabularmente o direito de usufruto,
onerando o direito de propriedade.
9) Custódio fez uma plantação de milho no prédio, devendo indagar-se sobre a
aplicação do regime das benfeitorias ou da acessão; neste último caso, dever-se-
ia discutir da possibilidade de o usufrutuário beneficiar da acessão.

Grupo II

1) Permuta ou escambo celebrado entre Fábio e Guida; princípios da


consensualidade e da causalidade (artigo 408.º); o facto não foi registado, pelo
que nenhum deles beneficiou do efeito consolidativo do registo (artigo 5.º, n.º 1,
do CRP); houve transmissão da posse por referência ao direito de propriedade,
apesar de o prédio de Guida ter sido entregue à Lar de Sonho, S.A. (que exerce a
posse de outrem — artigo 1252.º, n.º 1 do CC));
2) Henrique não é titular de um direto de uso (artigo 1484.º, n.º 1, do CC), porquanto
a Lar de Sonho, SA não tinha legitimidade para constituir um direito real sobre o
imóvel; apesar de poder ter beneficiado de posse nos termos do direito de uso
durante certo lapso de tempo — o enunciado não é conclusivo no sentido de saber
quanto tempo — a usucapião estaria excluída pelo disposto no artigo 1293.º,
alínea b);
3) Henrique adquiriu livros num alfarrabista (que não sabia pertencerem a Isabel); a
compra e venda é nula (artigo 892.º do CC); significado da integração dos livros
na biblioteca: a integração dos livros na biblioteca não tem como consequência a
perda da individualidade de cada uma dessas coisas no conjunto; valorização da
identificação relativa à (não) coisificação das universalidades de facto — artigo
206.º do CC).
4) Isabel poderia intentar ação de reivindicação (valorização da identificação das
exigências do artigo 1301.º do CC e das eventuais consequências em sede de ação
de reivindicação: Isabel teria que restituir o preço pago por Henrique ao
alfarrabista, sem prejuízo do direto de regresso) ou ação de restituição da posse
— artigo 1278.º do CC —, caso ainda não a tivesse perdido (artigo 1267.º, n.º 1,
alínea d) do CC).
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITOS REAIS — TAN
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS
ÉPOCA ESPECIAL — 12/09/2018
GRUPO I
Em maio de 2000, Albano, proprietário e legítimo possuidor do prédio Z desde 1979,
inscrito em seu nome, vendeu-o a Belarmino. O contrato foi assinado por ambas as
partes, tendo Belarmino pago o preço de 50 mil contos. Belarmino começou a residir,
de imediato, no prédio Z.
Dias depois, Albano decidiu vender o mesmo prédio a Catarino mediante escritura
pública. Catarino, com a ajuda do seu amigo Ricardo, conservador do registo, conseguiu
inscrever a aquisição a seu favor. Como na altura pensou deslocar-se a Minsk, Catarino
nem se deslocou ao prédio Z.
Belarmino decidiu constituir uma servidão de águas a favor de Dimitri, vizinho que
desejava encanar águas que considerava ter direito. O negócio foi celebrado mediante
escritura pública.
Belarmino decidiu ainda arrendar o prédio Z a Elson, amigo de longa data, que ao fim
de três meses deixou de pagar a renda. Após sucessivas interpelações, Elson disse que
não lhe pagaria nunca e que não abandonaria o prédio. Belarmino, receoso devido à fama
agressiva de Elson, acabou por nada fazer.
Já Catarino, hoje a habitar em Minsk, porque queria desfazer-se do imóvel adquirido a
Albano, constituiu um direito de superfície, por noventa anos, a favor de Guedes,
permitindo que este construísse um prédio de vinte andares que tiraria toda a vista ao
prédio vizinho, cujo titular, Osvaldo, era odiado pelos habitantes da rua, por meio de
escritura, celebrada em agosto. A aquisição terá sido devidamente registada.
Guedes ficou agora muito surpreendido por ver Elson no prédio. Por outro lado, ficou
preocupado ao ver que Elson iniciou uma exploração de água mineral existente no prédio,
na medida em que considera que os recursos geológicos não podem ser objeto de
apropriação privada. Incomodado, pretende recorrer a todos os meios ao seu alcance para
recuperar o prédio Z.
Quid juris? (13 valores)
Critérios de Correção:
1) A e B celebraram um contrato de compra e venda (art. 874.º) que é nulo por
preterição de forma legalmente exigida (arts. 875.º, 220.º); identificação do
princípio da causalidade (art. 408.º). A invalidade do contrato não impede a
transmissão da posse mediante tradição (1263.º, alínea b)): B é possuidor nos
termos do direito de propriedade a posse deveria ser classificada como de formal,
efetiva, civil, titulada, de boa fé, pacífica e pública.
2) A e C celebraram um contrato de compra e venda (art. 874.º), cujo objeto é o
mesmo prédio Z; o contrato é válido, sendo C o proprietário do imóvel (princípio
da consensualidade, consagrado no artigo 408.º). C inscreveu o facto no registo,
beneficiando do efeito consolidativo (art. 5.º do CRPr). C não tem posse, na
medida em que A já a tinha transmitido a B, não a podendo adquirir de forma
derivada.
3) B constituiu uma servidão de águas a favor de D (servidão voluntária e não
coativa). B não tinha legitimidade para proceder à constituição da servidão, pelo
que D não será titular de um direito de servidão de águas (princípio da causalidade,
consagrado no artigo 408.º). A invalidade do contrato não impede que D seja
possuidor nos termos da servidão (1263.º, alínea b)). A posse deveria ser
classificada como formal, efetiva, civil, titulada, de má fé, pacífica e pública.
4) B celebrou ainda um contrato de arrendamento com E. E passou a exteriorizar
uma posse nos termos do arrendamento, sendo mero detentor por referência ao
direito de propriedade. E inverte o título da posse ao informar que “não pagaria
nunca e não abandonaria o prédio (art. 1265.º), passando a exercer uma posse
nos termos do direito de propriedade (formal, efetiva, civil, não titulada, de má fé,
pacífica e pública).
5) C constituiu um direito de superfície a favor de G sobre o prédio Z; o contrato é
válido, sendo G o superficiário do imóvel (princípio da consensualidade,
consagrado no artigo 408.º). G inscreveu o facto no registo, beneficiando do efeito
consolidativo (art. 5.º do CRPr). G não tem posse, na medida em que C também
não a terá: não a poderá adquirir de forma derivada;
6) A pretensão G de construir um prédio de 20 andares que tiraria toda a vista ao
vizinho O: essa pretensão não pode impedir o proprietário do prédio confinante
de beneficiar ou de desfrutar, pelo menos, da luz do sol, sob pena de uma tal ação
integrar o próprio abuso de direito.
7) O direito de exploração de recursos geológicos diz respeito ao objeto de estudo
dos Direitos Reais, sendo um verdadeiro direito real administrativo.
8) G, sendo titular do direito de superfície, poderá lançar mão de uma ação de
reivindicação (arts. 1311.º e 1315.º). Deveria ponderar-se a possibilidade de E,
atual possuidor nos termos do direito de propriedade, invocar a usucapião: se é
certo que não se sabe em que data inverteu o título, a verdade é que tal inversão
só se deu, necessariamente, após o ano de 2000. E tem posse de má fé, pelo que
só poderia invocar a usucapião ao fim de 20 anos (art. 1296.º); deveria ainda
ponderar-se se poderia aplicar-se o instituto da acessão na posse (art. 1256.º), o
que estaria desde logo afastado pelo facto de E não ter adquirido a posse
derivadamente.
GRUPO II
Suponha que entre Henrique, titular de um terreno, e Inês foi celebrado um direito de
enfiteuse. Inês recebeu as chaves do imóvel no dia da escritura e, no dia seguinte,
considerando-se titular de um direito real, decidiu arrancar pela raiz todas as árvores de
fruto, tendo construído, nesse local uma piscina de sonho. Entretanto, Henrique
constituiu um usufruto a favor de Luís pelo período de 15 anos. Sete anos depois, Luís
transmite o seu direito a Manuela que, passado um ano, morre num acidente de viação,
deixando dois descendentes.
Quid juris? (7 valores)
Critérios de Correção:
1) A CRP de 1976 proibiu a enfiteuse (art. 96.º, n.º 2 da CRP). Na lei ordinária, a
enfiteuse de prédios rústicos foi abolida pelo DL n.º 195-A/76, de 16 de março e
a enfiteuse de prédios urbanos pelo DL n.º 233/76, de 2 de abril.
2) Princípio da tipicidade (art. 1306.º): identificação e consequências;
3) Discussão relativa à possibilidade de I ter posse nos termos de um direito que não
a enfiteuse; a ser reconhecida essa possibilidade, a posse teria que reportar-se ao
direito real cuja extensão consinta nos atos praticados por I, pelo que teria que
reportar-se ao direito de propriedade.
4) H constituiu um direito de usufruto a favor de H (art. 408.º) que posteriormente
constituiu novo direito de usufruto a favor de M (art. 1444.º). Discussão e tomada
de posição fundamentada quanto à consequência associada ao falecimento de M:
a extinção do usufruto ou a entrada na sucessão.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITOS REAIS — TAN
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS
ÉPOCA NORMAL — 26/06/2020

GRUPO I
Em maio de 2001, António, proprietário e legítimo possuidor do prédio X desde 1980,
inscrito a seu favor, vendeu-o a Berto, que não registou a aquisição. O contrato foi
assinado por ambas as partes, tendo Berto pago um preço de 100 mil contos. Berto
começou a residir, de imediato, no prédio X, tendo autorizado Gustavo a construir um
parque de estacionamento subterrâneo, numa parcela do imóvel.
Dias depois, uma credora de António, Zulmira, inquieta com o incumprimento de
António, uma vez munida de título executivo, decidiu intentar ação executiva e indicar
o prédio X à penhora, tendo Carla adquirido o imóvel na execução e registado.
Posteriormente, António — sofrendo de problemas financeiros — decidiu ainda assim,
constituir usufruto oneroso a favor de Daniel. O negócio foi celebrado mediante
escritura pública e registado, tendo Daniel constituído, concomitantemente, novo
usufruto a favor de Elsa.
Em 2010, Berto, que permanecia no imóvel, celebrou nova venda. Filipe, adquirente,
beneficiou da entrega das chaves, passando de imediato a residir no imóvel. O negócio
não foi registado.
Um ano mais tarde, Elsa faleceu. O seu filho, Guilherme vem agora reclamar a
titularidade do direito de usufruto. Opõem-se Carla, Daniel e Filipe, também eles com
pretensões incompatíveis entre si.
Quid juris? (16 valores).
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO:
Qualificação do contrato celebrado entre A e B como contrato de compra e venda, com
referência aos princípios da consensualidade e da causalidade (408.º do CC); B tornou-
se proprietário do prédio X por efeito da celebração do contrato e possuidor nos termos
da propriedade, por efeito da entrega (posse causal, civil, efetiva, titulada, de boa fé,
pacífica e pública); B não registou, pelo que não beneficiou do efeito consolidativo do
registo (5.º/1 do CRP). B constituiu ainda um direito a construir e a manter obra sob
solo alheio (1525.º/2 do CC) a favor de G, que passou também a exteriorizar uma posse
nos termos do direito de superfície sobre o prédio X (causal, civil, efetiva, titulada, de
boa fé, pacífica e pública).
C adquiriu o mesmo prédio X em sede de venda executiva, beneficiando da
desconformidade existente entre a ordem jurídica substantiva e a realidade registal;
impunha-se discutir (i) se o artigo 5.º do CRP consagra uma eficácia atributiva e (ii) em
caso afirmativo, desenvolver o conceito de terceiro consagrado no n.º 4 daquele
preceito, concluindo-se, em princípio, no sentido de que C não era terceiro, não
beneficiando, em qualquer caso, de proteção tabular.
Ao constituir usufruto a favor de D, A voltou a praticar um ato de disposição sobre o
prédio X (dupla disposição); impunha-se discutir (i) se o artigo 5.º do CRP consagra
uma eficácia atributiva (podendo-se remeter para o que antes se tenha afirmado a esse
respeito) e (ii) em caso afirmativo, se o artigo 5.º exige que o terceiro adquirente (D)
esteja de boa fé no momento da aquisição (lembre-se que C beneficiava de registo a seu
favor, pelo que, mesmo não estando a lesar um direito de C — que não era proprietário
do prédio X — tinha um dever acrescido de indagação a respeito da titularidade se A).
Em qualquer caso — e mesmo que não se admitisse que D era usufrutuário — ter-se-ia
de concluir pela admissibilidade, em abstrato, de transmissão a favor de E do direito de
usufruto e, por outro lado impunha-se analisar — também em abstrato — a
consequência do falecimento de E: a entrada do seu usufruto na sucessão (G) ou a sua
extinção. Note-se, porém, que as aquisições de E e a (eventual) sucessão (G) seriam
prejudicadas pela não constituição do direito de usufruto na esfera de D.
O contrato celebrado entre B e F é substantivamente válido, pelo que F se torna
proprietário do imóvel (408.º do CC). F torna-se, também, possuidor do imóvel (que
exterioriza nos termos do direito de propriedade), porquanto beneficia da entrega
(1263º/b), sendo a posse causal, civil, efetiva, titulada, de boa fé, pacífica e pública.
Note-se, ainda, que F podia juntar o tempo de posse dos antigos possuidores do imóvel
(1256.º): o que teria relevância caso o aluno tivesse concluído, fundamentadamente, no
sentido de que qualquer dos sujeitos anteriormente mencionado tinha beneficiado de
aquisição tabular; nessa eventualidade, F poderia invocar a usucapião e, assim,
prevalecer na questão da titularidade do prédio X (usucapio contra tabulas).

GRUPO II
Comente a seguinte afirmação:
“Sendo a finalidade do registo a protecção do terceiro que confia na fé pública,
tal finalidade não pode ser prosseguida se o adquirente estiver de má fé”
(4 valores)
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO:
O registo procura dar publicidade à situação jurídica dos prédios e não, propriamente,
proteger o terceiro. Tanto mais que o terceiro nem sempre é protegido por via registal.
E, como sabemos, o registo não dá nem tira direitos, representando o efeito atributivo
uma exceção aos princípios estruturantes do registo predial. Aliás, a tendência
dominante, da nossa ordem jurídica, é a prevalência da titularidade substantiva sobre os
interesses do tráfego.
Todavia, perante as situações excecionais do registo atributivo, importa ter presente a
verificação concomitante dos requisitos aquisitivos previstos nos artigos 291.º CC e
17.º/2 e 122.º do CRP. Porém, no que respeita ao artigo 5º CRP, importa ter em conta,
para quem defende a admissibilidade do registo atributivo, as propostas expansionistas.
Designadamente as de Mónica Jardim e de Paulo Henriques quando prescindem dos
requisitos da onerosidade e da boa fé do terceiro adquirente. Porém, essa não será a
doutrina maioritária, tendo presente, entre outras, as posições dos professores Oliveira
Ascensão, Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes, entre outros. Aliás, o professor
Hörster sustenta que a boa fé assume uma qualidade constitutiva do direito do terceiro
adquirente. Pelo que, quem sustente esta última orientação terá que concordar com a
última parte da frase enunciada no teste. Por seu turno, no tocante à primeira parte, ela
não poderia ser aceite, tendo em conta a prevalência da titularidade substantiva, supra-
referida.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
DIREITOS REAIS – TAN
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS
EXAME ÉPOCA DE COINCIDÊNCIAS – 08.07.2020

I
Abel trespassou a Berta o usufruto sobre a “Herdado do Paço”, a 16.06.2019, tendo a segunda registado o
seu facto aquisitivo a 28.06.2019
Em seguida, Abel celebra com Carlota uma escritura pública através do qual o primeiro constituía a favor
da segunda uma servidão de passagem sobre a “Herdade do Paço”, enquanto que Carlota transmitia a Abel
o direito de propriedade de um terreno rústico. Carlota regista o seu facto aquisitivo a 26.06.2019.
Dário, proprietário de um apartamento em Lisboa, vende-o a Félix, em 15.05.2015.
Logo em seguida, Félix entrega a Guilherme o apartamento para pagamento de uma dívida que tinha perante
este, transmitindo-lhe o direito real de que era titular. Guilherme regista o facto aquisitivo a 30.06.2015,
passando a residir no imóvel desde essa data.
Entretanto, em 01.01.2020, Helena, mãe de Dário, descobre o negócio que o seu filho havia celebrado com
Félix, apresentado acção judicial com vista a invalidar o negócio, uma vez que o seu filho estava interditado,
por anomalia psíquica, com sentença transitada em julgado, desde 01.04.2010.

Quid iuris?

Tópicos de correção

A, ao constituir um usufruto a favor de B, transmite-lhe este direito real de gozo menor, ao abrigo do
disposto no artigo 1444.º do CC; B adquire o seu direito de usufruto, nos termos do disposto no art. 408.º/1,
em virtude do princípio da consensualidade e da causalidade, tendo registado o facto aquisitivo (art. 2.º/1,
al. a) e art- 8.º-A/1, al. a), ambos do CRP).

A, à partida, não tinha legitimidade para constituir servidão de passagem a favor de C, através do contrato
de permuta. Verifica-se, por parte de A, uma dupla disposição de um direito parcialmente incompatível.
Referência à discussão em torno da consagração do efeito atributivo no artigo 5.º/1 e 4 do CRP; tomada
de posição fundamentada: caso se optasse pelo entendimento diverso do defendido pelo Prof. José Luís
Bonifácio Ramos, ter-se-ia de concluir no sentido de que C adquiria tabularmente o direito de servidão,
na medida em que os pressupostos se encontravam preenchidos.

A propósito do negócio entre F e G discutir a possibilidade de aplicação do regime do artigo 291.º do CC,
enquanto modalidade de aquisição tabular nos casos de sub-aquisição com invalidade substantiva; o
negócio entre D e F está ferido de invalidade por falta de capacidade jurídica de exercício do disponente,
interditado por anomalia psíquica em momento anterior ao da celebração do negócio. G adquiria
tabularmente, porquanto (para além dos demais pressupostos que teriam de ser mencionados) já teriam
decorrido mais de três anos contados desde a data da celebração do primeiro negócio inválido (celebrado
a 15.05.2015, e acção de nulidade intentada em 2020).

1
II

António emprestou a Berta, no dia 05.04.2010, um calor de diamante, para que esta o utilizasse no seu
casamento a realizar no dia seguinte.
Passado um mês, António, estranhando a não devolução da joia, exige a sua entrega a Berta.
Berta alega nessa data que António lhe havia dado aquele colar de presente de casamento e que, por tal
razão, não iria devolvê-lo.
No dia 27.05.2018, Berta vendeu o calor a Carlota que passa desde essa data a utilizá-lo.
António pretende reaver o colar, dirigindo-se ao escritório do seu advogado, questionando-o, em termos
gerais, qual o tipo de acção a intentar para atingir o seu objectivo.
O Advogado de António apresenta a respetiva ação com vista a reaver o colar, no dia 01.06.2020.
Carlota contacta o seu advogado para que este apresente a sua contestação.

Quid iuris?

Tópicos de correção:

A celebrou com B um contrato comodato, previsto nos arts. 1129.º e ss. do CC; B passa a ser titular de um
direito pessoal de gozo, e a possuidor nos termos do comodato (posse interdital) e detentor por referência
ao direito de propriedade.

B, ao invocar, de má fé, que A lhe deu aquela joia como presente de casamento, está a arrogar-se da
qualidade de proprietária da coisa comodatada; verifica-se, por isso, uma inversão do título da posse, nos
termos do disposto no art. 1263.º/al. d) e 1265.º CC, uma vez que B, mera detentora, com a sua conduta,
passa a exteriorizar uma posse civil em nome próprio e não em nome alheio. Com a inversão do título da
posse, B passa a exteriorizar um direito próprio: uma posse nos termos de um direito de propriedade sem
que, contudo, haja uma alteração da situação jurídico- real: A é ainda a proprietário do colar.
Classificação da posse de B: não titulada (art. 1259.º do CC), de má fé (art. 1260.º), pacífica (art. 1261.º),
pública (art. 1262.º, do CC) e ainda civil , formal, efetiva e imediata.

B, ao vender a C o colar, está a dispor de coisa alheia (art. 892.º CC). Porém, C adquire a posse por
tradição material da coisa, nos termos do art. 1263.º al. b). A posse de C é titulada, de boa fé, pacífica,
pública, civil, formal, efetiva e imediata.

Em 2020, A apenas poderia intentar uma ação de reivindicação (1311.º CC), não podendo recorrer às
ações possessórias, mormente à ação de restituição da posse (art. 1278.º), uma vez que havia perdido a
posse (art. 1267.º/1 al. d). C poderia invocar acessão da posse (art. 1256.º), de maneira a juntar a sua
posse à do seu antecessor B, com vista à invocação da usucapião (art. 1299.º CC) e referência ao

2
entendimento de Manuel Rodrigues e Santos Justos entendem que o negócio tem de ser válido para que a
acessão opere; por oposição, Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro ou José Alberto Vieira entendem que
o vínculo apenas tem de ser abstratamente idóneo.

Contudo, a posse do anterior possuidor (B) é de menor âmbito, uma vez que é não titulada e de má fé (art.
1256.º/2). Assim, o prazo para C usucapir, por verificação das regras da acessão da posse era de 6 anos,
de acordo com a parte final do art. 1299.º e não de 3 anos. Juntando a posse de B com a sua posse, C pode
invocar a usucapião, adquirindo o propriedade do colar por usucapião.

Cotações: I (10 valores) e II (10 valores).

3
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

DIREITOS REAIS-TAN
Época de Recurso
29 de Julho – 19 horas e 30 minutos
Regência: Professor José Luís Bonifácio Ramos
(grelha correctiva)
I
(11 valores)
Álvaro, Berta e Carolina são co-titulares de uma Quinta, situada no
Oeste, que havia sido inscrita no registo predial pelo avô de ambos, Duarte, em
2001. Embora a administração tenha sido atribuída a Carolina, Berta mandou
reparar os telhados do celeiro e ampliar um tanque, onde costumava beber o
gado, para dar uns mergulhos nas tardes de Verão. Ora, se Álvaro pagou,
prontamente, o montante correspondente, o mesmo não sucedeu com Carolina
que, de pronto, alienou a sua parte, na Quinta, a Eduarda. Logo a seguir,
Álvaro permitiu que Francisco, antigo trabalhador rural de seu avô, construísse
uma pequena casa, nuns terrenos bem afastados do núcleo central da Quinta.
Francisco, por seu turno, autorizou que Henriqueta, sua cunhada , erigisse um
primeiro andar na casa, de modo a lá passar férias e fins de semana.
Por seu turno, Graça, tia de Alvaro, Berta e Carolina, tendo sabido das
alterações efectuadas, porque entendia ser a única proprietária, nos termos de
um testamento, cuja cópia, enviara aos sobrinhos, intima-os a abandonarem,
de pronto, a Quinta, ressarcindo-a dos prejuízos causados que avaliara em
cento e cinquenta mil euros. Ademais, tendo-se apercebido que Luís,
proprietário de terreno contíguo, atravessava a Quinta, a pé e de tractor, e que
aquele terreno não era encravado e havia sido objecto de acordo de sua parte
ou de Duarte, coloca um portão, de modo a proibir tal atravessamento. Porém
Luís, em resposta, informa que assim procede, uma vez que aquele percurso,
no interior da Quinta, constitui um atravessadouro, de modo a ir buscar água ao
fontanário, para dar de beber ao gado.

. Quid Juris?
Atendendendo aos termos da hipótese, tudo leva a crer que Graça é a
proprietária da Quinta, por sucessão de seu pai, Duarte, e avô de Álvaro, Berta
e Carolina. Assumindo os netos a co-titularidade de um usufruto. Por
conseguinte, nos termos do artigo 1441º CC, existe um usufruto simultâneo, a
favor de Álvaro, Berta e Carolina, ao qual se aplicam as regras da co-
titularidade, em virtude do artigo 1404ºº CC. Ademais, se a administração é
disjunta, pois a administração fora atribuída a Carolina, Berta mandou reparar
os telhados do celeiro e ampliar o tanque. Ora, mesmo que se admita que a
reparação do telhado é um acto urgente, destinado a evitar um dano eminente,
nem aí podia ser praticado por um não administrador, ainda que co-
usufrutuário, de acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 1407ºCC e nº 3 do
artigo 985º CC. Deste modo, os actos realizados por Berta podem ser
anulados, sem prejuízo do autor incorrer em responsabilidade pelos danos
decorrentes da sua prática, nos termos do nº 3 do artigo 1407º CC. Ademais,
ainda que se entenda que a reparação do telhado cabe no âmbito do
preceituado no artigo 1472º, relativo a reparações ordináriias do usufrutuário,
isso não se afigura admissível em virtude de não ser administrador.
Relativamente à alienação da quota por Carolina, havia que saber se o
usufruto permitia o trespasse, nos termos do nº 1 do artigo 1444º CC e ainda
se foi dada preferência aos demais, de acordo com o artigo 1409º CC. Por
outro lado, ainda de acordo com o artigo 1444º, dependia do título constitutivo
a susceptibilidade de Álvaro o onerar, pela constituição de um direito de
superfície a favor de Francisco. Tanto mais que Carolina havia deixado de ser
co-titular e, por via disso, administradora, ao transmitir a quota a Eduarda. No
entanto, importa ponderar se a construção da pequena casa altera a forma, a
substância ou, ao invés, o destino económico do usufruto, observando o teor
dos artigos 1439º CC e 1446º CC. Por outro lado, relativamente a Henriqueta,
a inaplicabilidade do artigo 1526º CC.
Admitindo a existência de um usufruto a favor de Álvaro, Berta e
Carolina, não poderia Graça intimá-los a abandonarem a Quinta. Solução
inversa se esse pressuposto não se verificar. Mesmo aí podíamos admitir uma
posse correspondente ao direito de usufruto que permitisse a aquisição do
direito de usufruto, por usucapião, caso os netos de Duarte estivessem de boa
fé. Por seu turno, relativamente a Luís, caso se reúnam os requisitos do artigo
1384º CC, seria possível o atravessamento da Quinta, ainda que o prédio não
esteja encravado e não haja direito de servidão a favor do titular daquele
imóvel.

II
(5 valores)
Manuela, proprietária de um apartamento no Algarve, permite que a sua
amiga Noémia e os filhos aí passem o mês de Julho. Porém, passada uma
semana, Noémia encontra, na respectiva caixa do correio, uma carta da
administração do condomínio informando que o respectivo regulamento não
permite a presença de cães no edifício. Além disso, junta a conta de diversos
arranjos no jardim e no pátio, realizados em virtude de estragos imputados aos
cães.
Contristada com a situação, porque encontrou um outro apartamento
defronte, integrado num aldeamento, resolveu adquiri-lo, mudando-se para lá
com a sua prole e os cães. Aliás, como gostou muito do aldeamento e estava
cansada da capital, resolveu vender a casa de Lisboa, fazendo do apartamento
a sua residência permanente. Mais tarde, ficou muitíssimo surpreendida ao
constatar que não poderia vender esse apartamento sem dar preferência à
empresa titular do aldeamento e que a deliberação no sentido de isentar os
residentes a um pagamento periódico, conforme havia sido informada no
momento da aquisição, havia sido anulada pelo tribunal. Quid Juris?

Tendo em conta o regime jurídico do condomínio, existem limitações


dirigidas ao uso e fruição da fracção autónoma. Assim, não pode Noémia dar à
fracção uso diverso do fim a que a fracção se destina, nem pode praticar actos
ou actividades proibidos no título constitutivo ou por uma deliberação da
assembleia de condóminos, nos termos e para os efeitos da alínea d) do nº 2
do artigo 1422º CC. Deste modo, se houve deliberação válida e sem qualquer
oposição no sentido de não permitir a presença de cães no edifício, temos
dúvidas quanto à subsistência de tal proibição, perante o acréscimo de
importância do estatuto do animal. Assim, para além da observância das regras
de higiene, salubridade e sossego, não nos parece que a proibição absoluta
possa subsistir. Algo diferente será o pagamento por Noémia dos prejuízos
imputados aos cães, ainda que se venha a ressarcir junto de Manuela.
No tocante ao apartamento integrado num aldeamento, se o respectivo
edifício tiver submetido ao direito real de habitação periódica, Manuela não
poderá fazer dele a sua residência permanente, nos termos do artigo 21º do
Decreto-Lei nº 275/93. Ademais, como pode transmitir livremente o direito de
habitação periódica, não se considera admissível uma restrição, inserta no
título constitutivo, designadamente o direito de preferência, tendo em conta a
natureza injuntiva do artigo 12º. De outro modo, porque pagamento periódico é
estruturante do direito real de habitação periódica, ao invés do que sucede no
direito de superfície, compreende-se a anulação da deliberação pelo tribunal.

III
(4 valores)
Comente a seguinte frase: “Não existe uma reiterada e permanente
prevalência do registo em detrimento da posse” .

Nos termos do nº 1 do artigo 1268º CC, se houver presunção de posse


anterior à presunção registal, prevalecerá aquela sobre esta. Apenas se houver
presunção fundada em registo anterior ao início da posse, prevalecerá sobre a
pretensão possessória.Logo, se a prevalência não é sempre e, em qualquer
caso, a favor da posse, o mesmo sucede quanto ao registo. Antes deve ser
determinada pela anterioridade do início da posse ou pela inscrição registal.
Por isso, manifestamos concordância com a frase proposta.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITOS REAIS — TAN
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS
ÉPOCA ESPECIAL — 07/09/2020
I
António, Bernardo e Carla adquiriram em 1980 uma fração autónoma situada em Alvalade, sem
procederem ao registo da aquisição. A aquisição, apesar de realizada para satisfazer as
necessidades de Carla — que tinha ingressado nesse ano no curso de Direito —, foi feita pelos
três irmãos, porquanto António e Bernardo tinham interesse em ser titulares de um apartamento
em Lisboa para mais tarde rentabilizar.
Carla, decidiu reabilitar o imóvel para posterior revenda, introduzindo-lhe diversos
melhoramentos sem disso dar conhecimento a António e Bernardo. Mais tarde, no ano de 2000,
vendeu o imóvel a Daniela que, sendo vizinha — e não tendo outra forma de confirmar que
Daniela era a real proprietária do imóvel —, confiou que era Carla era a real proprietária,
porquanto lá habitava sozinha há vinte anos. Daniela registou a aquisição.
Carla permaneceu no imóvel até 2005, data em que decidiu exercer a profissão de advogada na
sua cidade natal, em Freixo de Espada à Cinta. Só nessa data procedeu à entrega das chaves a
Daniela, que decidiu dar a fração de usufruto a Emília. Emília, que registou o usufruto, decidiu,
também ela, introduzir melhoramentos no imóvel, sem dar conhecimento a Daniela.
António e Bernardo, que passeavam em Lisboa, depararam-se agora (em 2020) com obras na
fachada na sua fração. Ao interpelarem Carla sobre o estado da fração, esta informou-os que era
titular do imóvel desde 1980, porquanto exteriorizou uma posse exclusiva desde essa data, facto
que não podiam ignorar. António e Bernardo dirigiram-se então à fração exigindo que Emília a
abandonasse. Daniela, que tudo presenciou, informou os irmãos que adquiriu aquela fração há
vinte anos.
Quid juris? (10 valores)

Tópicos de correção:
A, B e C são comproprietários (1403.º e ss CC); na medida em que não beneficiam de registo a
seu favor, não ficam protegidos pelo efeito consolidativo do registo (5.º CRP). Parece ter havido
convenção de uso exclusivo da fração a favor de C, possível nos termos do artigo 1406.º/1 CC, o
que, nos termos do n.º 2, não significa que C tivesse posse exclusiva da fração.
A administração da coisa comum pertencia aos três irmãos (1407.º CC), sendo que as obras de
reabilitação não parecem configurar benfeitorias necessárias (1411.º CC). A e B poderiam
requerer a anulação dos atos praticados (1407.º/3 CC).
A compra e venda celebrada entre C e D é nula (1408.º/2 CC). Na medida em que a entrega se
verificou apenas 5 anos depois, poder-se-ia discutir se D adquiriu posse no momento da
celebração do contrato (1263.º c) e 1264.º) — o que, em qualquer caso, estaria afastado em face
da nulidade do contrato — ou mediante a tradição (1263.º/b) CC).
O usufruto constituído a favor de Emília seria também nulo, por falta de legitimidade de D. No
entanto, e na medida em que D beneficiava de inscrição registal a seu favor, D podia adquirir
tabularmente, nos termos do artigo 291.º CC, estando, em princípio, reunidos os pressupostos da
aquisição tabular previstos neste preceito.
Não tendo invertido o título da posse C não tinha posse exclusiva do imóvel. A pretensão de A e
B era, porém, improcedente, porquanto E era usufrutuária do imóvel. Além disso, D exteriorizou
uma posse pública e pacífica durante 15 anos, pelo que podia invocar a usucapião (e isto mesmo
que se considerasse que a sua posse era de má fé — cfr. 1290.º/a) e b) CC): D era proprietária da
fração.
Por fim, as obras na fachada da fração deveriam ter sido aprovadas por maioria de dois terços do
valor total do prédio (1422.º/3 CC), não havendo, no enunciado da hipótese, qualquer referência
a essa mesma autorização.

II
Félix, larápio profissional, furtou alguns pincéis e tintas de óleo na loja de arte do seu bairro.
Gisela, a proprietária da loja, conhecedora da arte de Félix, dirigiu-se a sua casa para solicitar a
devolução do dos pincéis e das tintas. Para seu espanto, a namorada de Félix, Helena — que
pintava nos tempos livres — tinha feito com as tintas e pincéis um fantástico quadro que colocou
à venda na galeria de uma amiga. Luís adquiriu o quadro por uma soma considerável.
Quid juris? (6 valores)

Tópicos de correção:
Com a aplicação das tintas da tela, H deu nova forma, por seu trabalho, a uma coisa móvel
pertencente a G, não podendo a coisa ser restituída à sua primitiva forma. Estamos perante um
caso de especificação (1338.º CC). Teria de ser ponderada a boa ou má fé de H. Na medida em
que H não observou o cuidado que lhe seria exigido (enquanto namorada de um larápio
profissional), H deveria ser considerada, em princípio, de má fé (1337.º): G tinha, assim, direito
à coisa no estado em que se encontrava. Porém, na medida em que o valor da coisa deverá ter
aumentado em mais um terço, G deve restituir o excesso a H.
Concluindo-se que G era a proprietária do quadro, poderia exigi-lo a Luís, que o adquiriu a non
domino. Adquiriu-o, porém, a comerciante (na galeria de uma amiga de H), pelo que a
procedência da ação de reivindicação dependia dos requisitos do artigo 1301.º CC.

III
Comente a seguinte afirmação:
“Não faz sentido que o possuidor de má fé beneficie da usucapião”.
(4 valores)

Tópicos de correção:
Pressupunha-se que fosse discutido, sobretudo de jure constituendo, mas também tendo em conta
o preceituado na Lei nº 30/2016 de 23 de agosto, se o possuidor de má fé, designadamente o
indivíduo que praticou um furto de coisa móvel, de natureza artística ou cultural, pode adquirir
por usucapião.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2020/2021
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame escrito (duração: 90 minutos)
23 de junho de 2021/Professor Doutor José Luís Ramos

Tópicos de correção

I
Em janeiro de 2005, Ana e Bruno receberam de doação um pequeno iate
que se encontrava na marina de Portimão. Como Bruno se encontrava fora, Ana
utilizou sempre o iate a seu belo prazer, realizando, inclusive obras de restauro sem
qualquer autorização de Bruno. Em maio de 2021, Bruno envia uma carta a Ana,
sugerindo-lhe vender a “parte dele do iate”. Ana responde dizendo que, ao fim
destes anos, Bruno já não tem quaisquer direitos sobre o bem, sendo ela
proprietária exclusiva. Bruno, chateado com a situação, decide transmitir a sua
quota a Carlos, em troca de um BMW usado, não informando disso Ana.

Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:

1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3,5 v)


- Classificar a forma de aquisição do direito real de A, B e, mais tarde, de C.
- A e B são proprietários sobre a mesma coisa, dispondo, cada um, de uma quota
ideal (compropriedade); o direito do comproprietário recai sobre coisa indivisa.
- Regime da compropriedade (artigos 1403.º e ss.), em especial artigos 1403.º,
1405.º, 1406.º, 1407.º e 1411.º.
- Forma de aquisição da posse: atenta a factualidade descrita, a mesma parece ser
adquirida através de constituto possessório, excluindo-se a traditio (artigo 1263.º,
b)), pois nada nos é dito se houve entrega. Ademais, B encontrava-se “fora”. De
qualquer modo, valorariza-se a sub-hipótese de um dos co-possuidores adquirir por
traditio, havendo entrega, em seu nome e de B; classificação a posse de A e B (são
compossuidores), excluindo-se a posse de C (a não ser que se admita que adquiriu
através de constituto possessório (artigo 1263.º, c) e artigo 1264.º).
- Aplicabilidade do nº 2 do artigo 1406º CC. Os comproprietários têm posse da coisa.
Porém, a posse não pode exceder a correspondência à sua quota. No entanto,
defende-se a suscetibilidade de adquirir posse exclusiva de uma parte da coisa,
mediante inversão do título. Por conseguinte, A teria invertido o título da posse
quando, em Maio de 2021, comunicou a B que era proprietária exclusiva

2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados


por Ana contra Bruno? (3,5 v)
- A invoca a usucapião (artigos 1287.º e ss.).
- Referir requisitos (em especial, a invocação) e efeitos deste tipo de aquisição
originário de direitos reais.
- Caso se entenda que A inverteu o título da posse há, pelo menos dez anos, haverá
prazo para adquirir através da usucapião, tornando-se A proprietária singular (in
casu, 10 anos, de acordo com o artigo 1298.º).
3) Poderia Bruno ter transmitido a sua quota a Carlos? (2 v.)
- Apesar da permissão presente no artigo 1408.º, n.º 1, primeira parte, nos termos do
artigo 1409.º, n.º 1, o comproprietário, aparentemente, goza do direito de preferência
real (direito real de aquisição) e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no
caso de venda ou dação em cumprimento a estranhos da quota.
- Aplicação dos artigos 416.º a 418.º e artigos 1028.º e ss., do CPC (em especial,
comunicação do projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato) (artigo
1409.º, n.º 2).
- Com efeito, A pode intentar ação de preferência (artigo 1410.º).
- Porém, discutir se o contrato de permuta pode enquadrar o conceito de “venda”, do
artigo 1409.º, n.º 1.
- Não obstante, B poderia ter transmitido a sua quota a C, caso o direito de
preferência não fosse exercido.

II
Em março de 2005, Diana adquiriu um apartamento, que decidiu usar como espaço
de trabalho; porém, em fevereiro de 2010, é surpreendida com uma deliberação
aprovada no mês de janeiro transato em assembleia de condóminos, nos termos da
qual as frações apenas podem ser usadas para fins exclusivamente habitacionais.
Em junho de 2011, acaba por vender o apartamento a Emília, que de imediato se
instala com o seu marido Francisco, embora não proceda ao registo. Em janeiro de
2015, Francisco e Emília divorciam-se, ficando Francisco com o direito a
permanecer no apartamento. Em junho de 2021, Diana, tomando conhecimento que
o apartamento ainda se encontra inscrito no registo a seu favor, vende-o a
Guilherme, que de imediato o regista. Emília opõe-se a Guilherme dizendo ser a
proprietária do apartamento atento o decurso do tempo e a atitude pouco cordata de
Diana; enquanto Francisco afirma que, independentemente de quem seja o
proprietário, tem direito a viver no apartamento.

Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:

1) Poderia Diana reagir contra a deliberação da assembleia de condóminos? Em


caso afirmativo, em que termos e condições? (3,5 v)
- Regime da propriedade horizontal (artigos 1414.º e ss.).
- Objeto e conteúdo do direito de propriedade (artigos 1302.º e 1305.º).
- Uso ou fim da fração autónoma, estipulação no título constitutivo, autorização da
assembleia de condóminos, propriedade exclusiva da fração e limitações ao
exercício dos direitos, em especial aplicação dos artigos 1418.º, 1420.º e 1422.º.
- Convocação e funcionamento da assembleia de condóminos, deliberações da
assembleia de condóminos e respetiva impugnação, em especial aplicação dos
artigos 1430.º, 1431.º, 1432.º e 1433.º.
- Intervenção e competência da assembleia de condóminos em matérias de
interesse geral do condomínio, para além das partes comuns, designadamente
possibilidade de deliberações deste órgão sobre matérias respeitantes às frações
autónomas, considerando as limitações ao direito de propriedade incidentes sobre
as frações autónomas de um edifício submetido a propriedade horizontal.
2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados
por Emília e Francisco? (3,5 v)
- Aquisição, conservação e caraterização da posse de E e F (artigos 1251.º, 1257.º,
1258.º a 1262.º, 1263.º, 1267.º e 1268.º).
- Regime da propriedade a propósito do direito de E, bem como distinção entre
propriedade plena e onerada (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º, 1317.º, 408.º, n.º 1).
- Regime do direito de habitação (artigos 1484.º e ss.) / usufruto (artigos 1439.º e
ss.), a propósito do direito de F.
- Possibilidade de aquisição da propriedade a favor de G através do registo,
mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das teses doutrinárias (artigos
5.º, 1.º, 2.º, n.º 1 a), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B, 8.º-C, 8.º-D e 9.º CRP) e
(im)possibilidade de aquisição da propriedade a favor de E e da propriedade /
habitação / usufruto a favor de F através da usucapião (artigos 1287.º, 1288.º,
1289.º, 1292.º, 303.º e 1296.º),
- Referência aos princípios do registo predial (instância, obrigatoriedade, prioridade,
legitimação e trato sucessivo), bem como aos princípios e caraterísticas dos direitos
reais (tipicidade, elasticidade, publicidade, boa fé, inerência e prevalência).

III

Comente, de forma fundamentada, a seguinte frase (4 v.):

“A deriva expansionista do registo predial restringe os efeitos possessórios”.

-A deriva expansionista surge a propósito da dispensa de requisitos estruturantes do


efeito atributivo do registo predial, como por exemplo, a onerosidade e a boa-fé.
-A aceitar tais pressupostos, o efeito atributivo constituiria um prémio a um
comportamento desviante e lesivo da tutela de outrem.
-A tentativa de sobrevalorizar a aquisição registal entra em confronto com a
usucapião e a posse.
- Com efeito, Mouteira Guerreiro escreve que o efeito aquisitivo da posse se
encontra desajustado.
-Em conformidade, a frase enunciada poderia ser interpretada à luz daqueles
erróneos pressupostos.
-Contudo, como alega Vassalo e Abreu, a postura de Mouteira Guerreiro é
iconoclasta, carece de base legal e tenta subverter a nossa ordem jurídica
imobiliária.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2020/2021
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame escrito (Época Coincidências) (duração: 90 minutos)
29 de junho de 2021/Professor Doutor José Luís Ramos

Tópicos de Correção

I
Em março de 2015, Armindo encontrava-se a viajar no expresso Lisboa-Faro
quando encontrou uma pedra preciosa dentro da bolsa traseira do Banco. Armindo
guardou-a discretamente, tendo, logo que chegou a Faro, perguntado ao seu amigo, o
Bruno, dono de uma casa de penhor, que tipo de pedra era aquela. Após analisar, Bruno
disse-lhe que era um mineral muito valioso, nomeadamente uma esmeralda rara. Bruno
combinou então com António que este vendesse a pedra preciosa na sua loja, ficando
este último com 10% da venda. De forma a promover a venda, Bruno decide colocar a
esmeralda num anel de ouro. O conjunto acabou por ser vendido em julho de 2015, a
Catarina. Em janeiro de 2021, Catarina é surpreendida por Diana, que reconhece a sua
esmeralda, pedindo-a de volta. Catarina recusa-se a devolvê-la, aduzindo os seguintes
argumentos: (i) que o comprou a um legítimo comerciante; (ii) que já não estava mais em
causa apenas a esmeralda, mas sim um anel com uma gema; (iii) que já detinha a
esmeralda há muito tempo e, por isso, Diana já não tinha direitos sobre a pedra preciosa.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3 v)

- Forma de aquisição da posse de A, que se deu por via do esbulho (não sendo previsto,
expressamente, ainda assim, este modo de aquisição possessória pode ser retirado dos
artigos 1278.º a 1282.º)); a aquisição por via do esbulho deverá ser mantida,
independentemente de se defender que D perdeu a posse, uma vez que A não cumpre
com os requisitos do artigo 1323.º, n.º 1 e 2, excluindo-se, por conseguinte, a aplicação
deste regime; classificação da sua posse, em especial, discutindo se a mesma é pública
ou oculta.
- B é apenas detentor (artigo 1253.º, c)). Embora a sua detenção lhe atribua tutela
possessória (artigo 670.º, a)), a mesma não constitui posse.
- C adquire a posse do anel com a esmeralda por tradição material da coisa (artigo
1263.º, b)); classificação da sua posse; C não adquire, porém, o direito real de
propriedade sobre a esmeralda, pois constitui uma venda de bens alheios (artigo 892.º).
- D é, aparentemente, titular do direito real de propriedade sobre a esmeralda; discutir se
a posse de D se extingue por perda (artigo 1267.º, b)), configurando a situação como
sendo correlativa com a aplicação do regime das coisas perdidas e esquecidas (artigo
1323.º) ou, pelo contrário, aplicando esta causa de extinção num sentido restrito, uma vez
que D poderia, ainda, encontrar a coisa, tendo em conta a factualidade do caso concreto,
e, aplicando-se, assim, o artigo 1267.º, d).

2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados por


Catarina a Diana. (4,5 v)

- Como primeiro argumento apresentado por C, está em causa a aplicação do artigo


1301.º. Esta disposição é aplicável no presente caso (naturalmente, apenas à esmeralda),
dado que C, além de ter celebrado um contrato de compra e venda com um comerciante
que tem uma casa de penhor – B -, estava de boa-fé no momento da aquisição. Com
efeito, nos termos desta disposição, D deverá restituir o preço que C deu pelo bem, tendo
direito de regresso contra A.
- O segundo argumento está relacionado com a eventual acessão industrial mobiliária
(artigos 1338.º e seguintes) levada a cabo por B, in casu, na modalidade de confusão e a
favor de B, já que foi este que reuniu os dois objetos. Porém, a reunião levada a cabo por
B não preenche um pressuposto essencial deste regime, que consiste em não ser
possível reverter as coisas ao estado de separação.
- Como terceiro argumento, C invoca a usucapião (artigos 1287.º e seguintes); referir
requisitos (em especial, a invocação) e efeitos deste tipo de aquisição originário de
direitos reais; in casu, os requisitos estavam preenchidos, pois C estava de boa-fé,
aplicando-se o prazo de três anos (artigo 1299.º).

3) Imagine que Armindo também intervém na contenda, argumentando ainda que a


forma como tinha encontrado a pedra preciosa era como se houvesse encontrado uma
concha na praia ou um tesouro muito valioso. O que responderia? (2,5 v.)

- A parece invocar, em abstrato, a aplicação do regime jurídico dos tesouros, presente no


artigo 1324.º.
- Porém, a fattispecie da norma não se encontra preenchida no presente caso, pois a
coisa não estava escondida ou enterrada;
- Finalmente, ainda que o regime jurídico fosse aplicável em abstrato, A não beneficiaria
do mesmo, pois, nos termos do artigo 1324.º, n.º 2, o achador deve anunciar o achado
nos termos do n.º 1 do artigo 1323.º (exceto se fosse evidente que a coisa estava
escondida ou enterrada há mais de 20 anos) (artigo 1324.º, n.º 2), perdendo, em benefício
do Estado, os direitos conferidos (artigo 1324.º, n.º 3).

II
Em janeiro de 2010, Francisco herda um monte alentejano que decide entregar a
Guilherme no mês seguinte, para que este proceda à respetiva manutenção e
rentabilização da forma que entender adequada. Guilherme reserva uma parte do monte
para fazer plantações agrícolas, comercializando os respetivos frutos e em fevereiro de
2010, cede outra parte a Hugo, para que este aí construa e explore um alojamento
destinado a turismo rural, o que não comunica a Francisco por considerar desnecessário.
Em março de 2021, Guilherme morre e Francisco vende o monte a Inês. Em maio do
mesmo ano, Inês muda-se para o monte e depara-se com a presença de Hugo, exigindo
que este abandone a propriedade, exibindo-lhe a escritura e o comprovativo do registo.
Hugo recusa-se, atendendo ao tempo decorrido entretanto, bem como ao montante por si
despendido na construção do alojamento.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:

1) Identifique e caracterize os negócios jurídicos celebrados entre Francisco e


Guilherme e entre Guilherme e Hugo. (3 v)
- Regime do direito de propriedade a propósito do direito de F, bem como distinção entre
propriedade plena e onerada (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º, 1317.º).
- Regime do usufruto (artigos 1439.º e ss.) / superfície (artigos 1524.º e ss.) e discussão
sobre o princípio da tipicidade (artigo 1306.º), a propósito do direito de G. e do negócio
jurídico por este celebrado com F.
- Regime da superfície (artigos 1524.º e ss., em especial artigo 1534.º) a propósito do
direito de H e análise da validade do negócio jurídico, em função da caraterização do
direito de G.
2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados por
Hugo e por Inês. (3 v)
- Aquisição, conservação e caraterização da posse de H e I (artigos 1251.º, 1257.º, 1258.º
a 1262.º, 1263.º, 1267.º e 1268.º).
- Regime da propriedade a propósito do direito de I, bem como distinção entre
propriedade plena e onerada (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º, 1317.º, 408.º, n.º 1).
- Possibilidade de aquisição da propriedade plena a favor de I através do registo,
mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das teses doutrinárias (artigos 5.º,
1.º, 2.º, n.º 1 a), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B, 8.º-C, 8.º-D e 9.º CRP) e (im)possibilidade de
aquisição da superfície a favor de H através da usucapião (artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º,
1292.º, 303.º e 1296.º).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, obrigatoriedade, prioridade,
legitimação e trato sucessivo), bem como aos princípios e caraterísticas dos direitos reais
(tipicidade, elasticidade, publicidade, boa-fé, inerência e prevalência).
- Análise da aplicação do regime das benfeitorias úteis (artigos 216.º, 1273.º/1275.º) ou da
acessão industrial imobiliária (artigos 1340.º/1341.º), mediante verificação dos requisitos
legais e aplicação das teses doutrinárias, em função da caraterização do direito de H.

III (4 v.)

Comente, de forma fundamentada, a seguinte frase:

“O regime do tesouro oscila entre uma necessidade de autonomia e o seu declínio”.

- As especificidades do regime jurídico do tesouro mereceu, segundo alguns, a defesa


da sua autonomia, perante o achamento.
- Por outro lado, em face do regime aquisitivo prescrito no artigo 1324º CC, existe grande
desajustamento perante a realidade actual. Tendo em conta, sobretudo, o regime dos
bens arqueológicos e dos bens culturais.
- Por isso, certa doutrina aludiu ao decaimento e esvaziamento tesouro e, em
consequência, à urgente necessidade de revisão daquele preceito do Código.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA

Ano letivo de 2020/2021


DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame escrito (duração: 90 minutos) – Tópicos de Correção
23 de julho de 2021/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Em julho de 2010, Ana, proprietária de um terreno em Alcácer do Sal, decide
constituir, a favor de Bruno, um usufruto pelo período de 30 anos. Nos termos do
contrato, ficaria vedado a Bruno trespassar a sua posição jurídica a terceiros,
podendo, porém, alterar o aproveitamento económico do terreno, que era, à data,
utilizado para a cultura do arroz. Bruno, que tomou posse imediata do terreno,
procedeu à transformação do mesmo para a cultura da batata-doce, bem como à
oneração de uma parcela deste a Carlos pelo período do usufruto, ficando
estabelecido, contratualmente, que o contrato teria eficácia real.
Em fevereiro de 2021, após o falecimento de Ana, o seu legítimo herdeiro,
Daniel, envia uma carta a Bruno, declarando que o contrato era inválido tendo em
conta dois fundamentos: (i) falta de forma legalmente exigida, uma vez que o
contrato de usufruto tinha sido celebrado, unicamente, por escrito particular; (ii)
violação das regras imperativas do regime de usufruto. Bruno contradita, referindo a
que a falta de validade do contrato não se aplica no presente caso, dado que está há
muito tempo na posse do terreno. Adicionalmente, Bruno refere que a alteração
para a cultura da batata-doce foi prevista contratualmente e que tal não viola as
regras do usufruto, pois ficou estabelecido que, no final do contrato, Bruno colocaria
o terreno no estado em que se encontrava anteriormente.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:

1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (4 v)

- A, titular do direito real de propriedade sobre o terreno em Alcácer do Sal, onerou a


coisa por via da constituição de um usufruto a favor de B. A é, igualmente,
possuidora; caracterização e classificação (presumida) da sua posse.
- B torna-se usufrutuário por via contratual: caracterização, limites negativos e
duração (temporária) (artigos 1439.º, 1440.º, 1443.º, 1445.º e 1446.º). Em especial,
a cláusula que vedava o trespasse do usufruto era válida, à luz do artigo 1444.º.
Quanto à cláusula que autorizava B a alterar o aproveitamento económico do
terreno, discute-se se esta seria válida, atendendo a dois limites que caracterizam o
usufruto, nomeadamente o respeito pela forma e substância (artigo 1439.º) e o
respeito pelo destino económico (artigo 1446.º).
- B torna-se, igualmente, possuidor nos termos do seu direito de usufruto (e detentor
nos termos do direito de propriedade (artigo 1253.º, c)); caracterização e
classificação da posse; forma de aquisição: aparentemente, por via da tradição
(artigo 1263.º, b)). A posse de B irá conviver com a posse de A (sobreposição de
posses, sem conflito)
- O contrato celebrado entre B e C cabe nos poderes do usufrutuário, que tem
poderes de oneração, que podem ser limitados pelo título constitutivo, o que não foi
o caso. Estes poderes de oneração têm como limite a duração do usufruto, o que
também é respeitado (pode-se retirar do artigo 1460.º, n.º 2, que apesar de dizer
respeito à servidão, o seu enunciado pode ser aplicado a qualquer oneração por
parte do usufrutuário). C parece ser apenas detentor (artigo 1253.º, c)).
- D adquire o direito real de propriedade por sucessão por morte (artigos 1316.º e
1317.º, b)). Torna-se, igualmente, possuidor (artigo 1255.º).

2) Tendo em conta os argumentos apresentados por Bruno e Daniel, quem tem


razão? (3,5 v)

- Quanto aos argumentos de D, o primeiro é verdadeiro, uma vez que a aquisição de


direitos reais se dá, unicamente, quando o facto jurídico respetivo for eficaz
(princípio da causalidade). Sendo o negócio translativo de constituição de usufruto
inválido, esta circunstância atinge, igualmente, a eficácia real. Em termos formais, o
contrato de constituição de usufruto poderia ser celebrado por escritura pública ou
por documento particular autenticado (o artigo 22.º, a), do Decreto-Lei n.º 116/2008,
de 4 de julho). No que diz respeito ao segundo argumento, conforme referimos na
primeira questão, discute-se se esta cláusula seria válida, atendendo a dois limites
que caracterizam o usufruto, nomeadamente o respeito pela forma e substância
(artigo 1439.º) e o respeito pelo destino económico (artigo 1446.º); expor, com
sentido crítico, as diversas posições doutrinárias sobre esta questão, em especial as
posições assumidas por Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro, Menezes Leitão e
José Alberto Vieira. Expor posição da Regência, que, no âmbito desta dicotomia,
admite apenas como limite principal o respeito pelo destino económico da coisa,
uma vez que o respeito pela forma e substância é dificilmente conciliável com o
poder de transformação do usufrutuário. Não obstante, o limite pelo destino
económico pode ser ultrapassado por acordo entre as partes, acordo esse que
parece ser válido, inclusive o respeitante à devolução da coisa no estado em que se
encontrava (segundo argumento de B), ainda que, pela exclusividade do direito de
usufruto, a coisa não tenha de ser entregue, exatamente, no estado em que se
encontrava.
- Quanto ao primeiro argumento de B, este parece invocar que adquiriu o direito
correspondente à sua posse (usufruto temporalmente limitado a 30 anos) por
usucapião: requisitos da usucapião (artigos 1287.º e ss.). Aparentemente, não havia
registo (sendo, ainda, a sua posse não titulada), pelo que não teria existido
aquisição por via da usucapião (artigo 1296.º).

3) Imagine que, entretanto, Carlos intervém no litígio, declarando que, a cláusula do


seu contrato assegura a oponibilidade da sua posição contra Bruno e Daniel. Quid
iuris? (2 v.)

- Referir o princípio da tipicidade como princípio estruturante dos Direitos Reais:


caracterização e explicação sobre o conteúdo do artigo 1306.º. Este princípio afasta,
assim, o relevo do acordo entre as partes, impondo-se, assim, a qualquer cláusula
que imponha a natureza real ao direito constituído, ainda que o intérprete deva
verificar, em concreto, se determinada situação jurídica se pode qualificar como
direito real (o que pode levar à qualificação como real, se, por exemplo, estivermos
perante um contrato de locação).
II
Em janeiro de 2005, Eduardo e Francisca adquirem, conjuntamente, um
apartamento num prédio composto por cinco apartamentos autónomos, todos
destinados a habitação. O apartamento foi adquirido pelo valor total de €
500.000,00, tendo Eduardo suportado € 350.000,00 e Francisca € 150.000,00.
Apenas Eduardo procedeu ao registo; Francisca não o fez por considerar que seria
suficiente o registo efetuado por Eduardo.
Em fevereiro de 2010, Eduardo vende o apartamento a Guilherme, em
virtude de Francisca usar o apartamento a maior parte do tempo a seu bel-prazer e
da deliberação da assembleia de condóminos que proibiu a presença de animais de
estimação nos apartamentos.
Em março de 2021, Guilherme, que vivia no Brasil, volta definitivamente para
Portugal e dirigindo-se ao apartamento, depara-se com a presença de Francisca,
que afirma ser a única proprietária do apartamento por nele permanecer a título
exclusivo há mais de dez anos, ao que Guilherme contrapõe o registo da
propriedade plena e exclusiva do apartamento efetuado logo imediatamente a seguir
ao negócio celebrado com Eduardo.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:

1) Poderia Eduardo reagir quanto ao uso do apartamento e à deliberação da


assembleia? Em caso afirmativo, em que termos e condições? (3,5 v)

- Objeto e conteúdo do direito de propriedade (artigos 1302.º e 1305.º).


- Regime da compropriedade (artigos 1403.º e ss.).
- Direitos dos comproprietários qualitativamente iguais, embora possam ser
quantitativamente diferentes, apesar da presunção de igualdade quantitativa das
quotas (e possibilidade da sua ilisão), em especial aplicação do artigo 1403.º, n.º 2.
- Exercício conjunto dos direitos pelos comproprietários e participação nas
vantagens e encargos da coisa em proporção das quotas, em especial aplicação do
artigo 1405.º, nº 1.
- Uso da coisa comum por qualquer comproprietário, salvo acordo contrário, com
respeito pelo fim a que a coisa se destina e pelo uso dos demais comproprietários,
em especial aplicação do artigo 1406.º e ainda, administração da coisa comum, em
especial aplicação do artigo 1407.º.
- Regime da propriedade horizontal (artigos 1414.º e ss.).
- Propriedade exclusiva da fração, compropriedade das partes comuns do edifício e
limitações ao exercício dos direitos, em especial aplicação dos artigos 1418.º, 1420.º
1421.º e 1422.º.
- Convocação e funcionamento da assembleia de condóminos, deliberações da
assembleia de condóminos e respetiva impugnação, em especial aplicação dos
artigos 1430.º, 1431.º, 1432.º e 1433.º.
- Intervenção e competência da assembleia de condóminos em matérias de
interesse geral do condomínio, para além das partes comuns, designadamente
possibilidade de deliberações deste órgão sobre matérias respeitantes às frações
autónomas, considerando as limitações ao direito de propriedade incidentes sobre
as frações autónomas de um edifício submetido a propriedade horizontal.
- Proteção jurídica dos animais (artigos 201.º-B e ss.)
2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados
por Francisca e Guilherme? (3,5 v)

- Aquisição, conservação e caraterização da posse de F e G (artigos 1251.º, 1257.º,


1258.º a 1262.º, 1263.º, 1267.º e 1268.º).
- Regime da (com)propriedade a propósito do direito de F e G (artigos 1302.º,
1305.º, 1316.º, 1317.º, 408.º, n.º 1 e 1403.º).
- Nulidade da venda de bens alheios (artigo 892.º) e direito de preferência a favor de
F no caso de venda da quota do seu comproprietário E (artigo 1409.º).
- Análise da possibilidade de aquisição da propriedade exclusiva a favor de G
através do registo, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das teses
doutrinárias (artigos 1.º, 2.º, n.º 1 a), 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B, 8.º-C, 8.º-D e 9.º
CRP) e da possibilidade de aquisição da propriedade exclusiva a favor de F através
da usucapião (artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1292.º, 303.º e 1296.º),
- Referência aos princípios do registo predial (instância, obrigatoriedade, prioridade,
legitimação e trato sucessivo), bem como aos princípios e caraterísticas dos direitos
reais (tipicidade, elasticidade, publicidade, boa fé, inerência e prevalência).

III

Comente, de forma fundamentada, a seguinte frase (3,5 v.):

“No tocante ao direito real de habitação duradoura, o proprietário e o morador


assumem diversas e incomportáveis obrigações reais e não reais”.

-Em primeiro lugar, as obrigações contidas no diploma não colidem com a tipicidade.

-Em segundo, devem confinar-se as obrigações reais a obrigações de conteúdo


positivo. Que se traduzam, para o vinculado, num comportamento de dare ou facere.

-Assim, quanto ao proprietário, podemos indicar, como obrigação real, o dever de


pagar os custos e demais encargos relativos às partes comuns do prédio.

-Por seu turno, quanto ao morador, o dever de realizar e suportar o custo de obras
de conservação ordinária na habitação.

-Ademais, analisando o conjunto de obrigações reais e não reais, elas afiguram-se


equilibradas e não incomportáveis, face ao gozo da coisa que é preciso assegurar.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2020/2021
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame escrito (Época especial) (duração: 90 minutos)
7 de setembro de 2021/Professor Doutor José Luís Ramos

Tópicos de correção

I (10 valores)
Em fevereiro de 2010, Alberto e Bruno adquiriram por compra e venda um terreno
a Carlos, na região de Santarém. O facto jurídico aquisitivo foi devidamente registado.
Em janeiro de 2011 Bruno falece, fazendo com que Alberto assuma o controlo dos
negócios da quinta. Nos anos seguintes, Alberto procede à construção de dois casões
para armazenar máquinas agrícolas, bem como de uma piscina. Em janeiro de 2021,
Alberto é surpreendido por Daniel filho de Bruno, que reclama ser, igualmente,
possuidor e comproprietário do terreno, referindo que todos os atos práticos por Alberto
eram inválidos, pois não tiveram a sua anuência. Alberto contrapõe dizendo ter sido o
único a preocupar-se com o terreno desde a morte de Bruno, sendo que ao fim destes
anos será ele o único proprietário.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3 v)

- Forma de aquisição do direito real (artigos 1316.º e 1317.º, a)), em regime de


compropriedade (artigos 1403.º e seguintes). A e B tornam-se, igualmente,
compossuidores (pluralidade de posses nos termos de um direito com a mesma natureza)
da coisa nos termos da compropriedade, aparentemente, por via do constituto
possessório (artigos 1263.º, c) e 1264.º); classificação da posse; a composse está
relacionada também às situações de comunhão de direitos reais (artigo 1404.º); nos
termos do artigo 1406.º, n.º 2, o uso da coisa comum por um dos comproprietários não
constitui posse exclusiva. C perde a posse (artigo 1267.º, n.º 1, c))
- Princípios e efeitos do registo do facto aquisitivo.
- Eventual sucessão da posse de C (artigo 1255.º); explicar em que consiste,
nomeadamente a questão de constituir uma sucessão jurídica e estarmos perante um
fenómeno de desmaterialização do corpus. Porém, a resposta depende da questão de
saber se A inverteu o título da posse.

2) Tendo em conta a factualidade da hipótese, analise os argumentos apresentados por


Daniel e Alberto. (4 v)

- A parecer invocar uma posse exclusiva e, consequentemente, a aquisição por usucapião


(referir requisitos: artigos 1287.º e seguintes). Conforme já vimos, nos termos do artigo
1406.º, n.º 2, o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse
exclusiva. Porém, a última parte desta norma estabelece uma exceção a esta regra,
nomeadamente se tiver existido inversão do título da posse (artigos 1263.º, d) e 1265.º);
porém, tal parece não ter sucedido, dado que o artigo 1406.º, n.º 2 não terá lugar pelo
mero uso excessivo por parte de um dos compossuidores; A teria, de qualquer forma,
invertido o título da posse quando, em janeiro de 2021, comunicou a D que era
proprietário exclusivo.
- D seria, assim, comproprietário (artigos 1316.º e 1317.º b)) e compossuidor (artigo
1255.º).
- Quanto ao argumento apresentado por D, respeitante à invalidade das ações tomadas
por A devido à falta de consentimento, é relevante referir que o artigo 1406.º, n.º 1, estatui
que cada consorte pode, na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, usar a mesma,
desde que para tal não empregue para fim diversos daquele que a coisa se destina, nem
prive os outros consortes do uso a que têm direito (restrição funcional).
- Porém, in casu, os atos praticados por A correspondem a atos de administração. Neste
âmbito, não existindo convenção expressa, como era o caso, o n.º 1, artigo 1407.º remete
para o artigo 985.º (regras do contrato de sociedade), referindo que os comproprietários
dispõem de igual poder para administrar a coisa (regime da administração disjunta); de
acordo com este regime, D pode opor-se aos atos de administração de A (artigo 985.º, n.º
2 ex vi artigo 1407.º, n.º 1); tendo os atos já sido praticados, a oposição que seja
procedente tornará os atos ineficazes em relação ao outro comproprietário, aplicando-se,
por analogia, o artigo 1407.º,n.º 3; contudo, tratando-se atos materiais e não jurídicos, a
sanção correspondente terá de consistir na restituição da coisa ao seu estado anterior e
não na invalidade dos atos; poderá, ainda, haver lugar a indemnização por danos (artigo
1407.º, n.º 3, última parte).

3) Tendo em conta os investimentos realizados no terreno, poderia Alberto reclamar a


titularidade singular do direito de propriedade? Em que termos? (3 v.)

- A junção de duas coisas corpóreas, cuja titularidade não pertence ao mesmo titular,
pode suscitar a questão da aquisição por acessão (forma de aquisição originária: artigos
1316.º e 1317.º, d)); in casu, a acessão industrial imobiliária (artigos 1339.º e seguintes);
referência aos requisitos.
- Não existindo autorização, a situação reportar-se, de qualquer forma, ao artigo 1341.º.
Em determinadas situações, a transformação, por um dos comproprietários, do terreno
comum, que diz respeito ao seu interesse exclusivo, sem autorização, pode implicar a
aplicação das regras da acessão; porém, como vimos, parece não ter existido inversão do
título da posse, pelo que as regras de acessão não se aplicariam, tendo em conta que a
titularidade pertence a ambos os sujeitos.

II (6 valores)
Alda, titular de uma unidade de alojamento, num empreendimento de turismo rural, no
Douro Vinhateiro, escreveu uma carta ao administrador daquela entidade, nos seguintes
termos:
a) Deixará de pagar a prestação periódica, no fim do mês de Dezembro de 2021, se até lá
não for reparada a canalização da cozinha do apartamento que utiliza durante o mês de
Setembro.
b) Como também é titular da unidade de alojamento contígua, declara ir abrir, de imediato,
uma porta de comunicação, entre os dois apartamentos, que funcionará durante cada
mês de Setembro.
c) Mais declara que, em 2022, irá viajar durante os meses de Agosto e de Setembro. Por
isso, pretende utilizar as unidades de alojamento em Outubro, por troca com o respectivo
usuário
d) Porque pondera a hipótese de alienar as duas unidades de alojamento em 2023, data
previsível do fim da construção da moradia que mandou edificar, a alguns quilómetros de
distância, vem, desde já, dar preferência, nos termos contratuais, declarando que as irá
transmitir a Bento, pelo preço global de X.
Quid Juris?

- Em primeiro lugar, haverá que discutir se estaremos perante um direito real. Em caso
positivo, qual?
- Na verdade, não basta a existência de uma unidade de alojamento, integrada num
empreendimento turístico para estarmos defronte de um direito real de habitação
periódica (Decreto-Lei nº 275/93 de 5 de Agosto, republicado pelo nº 37/2011 de 10 de
Março).
- Em segundo, será necessário ter em conta a especialidade do objecto, como decorre
dos artigos 4º e 5º.
-Se essas condições não estiverem reunidas, suscita-se a questão de uma posse relativa
ao DRHP, mas não da titularidade de um verdadeiro DRHP.
- Ou ainda da eventual existência de um direito real de condomínio, caso a unidade
estivesse em regime de propriedade horizontal.
- O pagamento da prestação é a principal obrigação do utente, constituindo uma
obrigação real ou um ónus real.
-A falta de pagamento das prestações também integra a alínea d) do artigo 46 do CPC,
nos termos do nº 2, do artigo 23º.
- Além de que a falta de pagamento da prestação periódica, permite uma oposição ao seu
exercício por parte do proprietário, nos termos do nº 3 do artigo 23º.
- Por conseguinte, não parece que a cessação de pagamento, por parte de A, seja
admissível.
-Se a ligação entre fracções é admissível no regime do direito de condomínio, não parece
admissível no DRHP, atento o teor do artigo 28º.
- Quanto à troca do período de utilização, cumpre saber se o período de tempo foi
determinado ou é determinável, em cada ano, de acordo com os números 2 e 3 do artigo
3º. Além da eventual existência de um acordo com o outro utente.
-Ao invés do direito de superfície o proprietário do empreendimento não goza do direito de
preferência na venda ou dação em cumprimento dos direitos parcelares de habitação
periódica. Aliás, como recorda Mónica Jardim, se esta matéria é omissa no diploma
actual, a anterior Decreto-Lei nº 130/89 regulava esta matéria no artigo 13º.

III (4 v.)

Comente, de forma fundamentada, a seguinte frase:

“O uso normal do prédio não pode sofrer restrições de terceiros”.

a) As relações de vizinhança impõem, naturalmente, restrições ao uso normal do prédio


por um seu titular (possuidor, proprietário, etc)
b) As relações de vizinhança não constituem relações de natureza contratual, mas antes
assumem uma natureza de imperativa obrigatoriedade legal.
c) A relação de vizinhança não se limita à titularidade de dois prédios contíguos.
d) Logo, o uso normal do prédio pode sofrer restrições, em virtude da fruição de prédio
vizinho.
e) No tocante ao prejuízo substancial para o uso do imóvel, interessa apreciar a natureza
e a finalidade do prédio que sofre as emissões.
f) Por exemplo, a importância do ruído ou do fumo será avaliada de modo diferenciado,
conforme o prédio vizinho for uma clínica, um monumento ou um jardim.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2021/2022
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito (duração: 90 minutos)
20 de junho de 2022
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Antoninho era proprietário da quinta “Paraíso”, situada em Alcácer do Sal. Antoninho
falece no dia 20 de março de 2001. Não tendo outorgado testamento, deixou sobrevivos
como únicos sucessores os seus filhos, Bernardo e Carminho. Apesar de nunca se ter
efetuado a partilha, como Bernardo estava fora do país, quem ficou a tomar conta da
quinta foi Carminho. Ao longo dos anos, Carminho aproveitou para realizar várias obras:
em 2005 construiu uma piscina; em 2007 uma churrasqueira. Adicionalmente, desde 2010
que Carminho aproveita o Verão para rentabilizar a quinta, afetando-o ao turismo rural.
Ao longo destes anos foi sempre Carminho que procedeu a todas as obras de
restauração da habitação presente na quinta, ainda que o pagamento do Imposto
Municipal sobre Imóveis tenha sido pago, alternadamente, pelos irmãos. Em janeiro de
2022, Bernardo regressa a Portugal, interpelando imediato Carminho para solucionar a
questão da partilha do imóvel, que nunca havia sido realizada. Carminho contrapõe
afirmando que, passado tantos anos, o direito de propriedade sobre a quinta só a ela lhe
pertenceria. Segunda ela, nem seria injusto, pois seria uma forma de “compensar” o facto
de Bernardo ter ficado com todo o ouro que pertencia ao pai. Furioso, Bernardo decide
então intentar uma ação possessória para reaver a posse, a titularidade do direito e para
que lhe sejam restituídos parte dos frutos obtidos com a utilização do imóvel. Por seu
turno, Carminho é aconselhada a reagir em juízo e a invocar a exceptio dominii.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

- Referir posse de B e C; aquisição por via do artigo 1255.º, após o falecimento do


de cuius a posse transmite-se para os sucessores, independentemente da
apreensão material da coisa (sucessão jurídica, manifestação da desmaterialização
do corpus); constitui-se uma situação de composse, que terá os mesmos
caracteres da posse do de cuius (classificar);
- Discutir se C, apesar de, numa primeira fase, ser compossuidora, adquire ou não a
posse (singular) por inversão do título da posse (artigo 1263.º, d) conjugado com o
artigo 1406.º, n.º 2); referir em que consiste, modalidades e requisitos (artigo
1265.º); discutir, em especial, a exigência da oposição (direta) do detentor, no
sentido de ser necessário (ou não) informar B de que se considera titular singular
do direito de propriedade sobre a quinta; caso haja inversão do título da posse,
deve-se classificar a posse de C e referir que estamos perante um esbulho,
aplicando-se o artigo 1267.º, n.º 1, d); de qualquer forma, haverá sempre uma
inversão do título da posse em janeiro de 2022, quando C refere que o terreno lhe
pertence a título singular.
- Referir ações possessórias à disposição de B; caso tivesse existido inversão do
título da posse por parte de C em 2005, 2007 ou 2010 e, consequentemente,
esbulho, B já não seria possuidor, pelo que já não poderia intentar ação
possessória; referir artigo 1286.º, que estatui que nas relações entre
compossuidores não cabe ação de manutenção; porém, a contrario afirmar-se-á
que cabem os demais meios de defesa, onde se inclui a ação de restituição da
posse e a ação de prevenção (artigo 1278.º, n.º 1); a ação de restituição da posse
não tem como objeto a titularidade do direito, nem a restituição de parte dos frutos
obtidos com a utilização do imóvel, mas apenas a posse.
- referir em que consiste a exceptio dominii bem como a sua relação para com a
ação de reivindicação (artigo 1311.º); a titularidade singular do direito de
propriedade de C apenas se poderia consubstanciar numa aquisição por via da
usucapião (mediante o preenchimento dos requisitos respetivos) ou da acessão do
direito de propriedade: referir diferença para as benfeitorias e critérios aplicáveis; in
casu, a má-fé de C impediria sempre que adquirisse o direito de propriedade por via
do regime da acessão (artigo 1341.º).

II
Duarte tem uma luxuosa casa de férias no Algarve e com o intuito de a rentabilizar, a
longo prazo e sem grandes preocupações, em junho de 2005, celebra um negócio com
Eduarda, sua amiga de infância, pelo prazo de 15 anos, e nos termos do qual, mediante o
pagamento de uma quantia anual, esta última poderia usar, fruir e administrar a casa da
forma que melhor lhe aprouvesse. No mês seguinte, Eduarda aceita uma proposta de
trabalho fora de Portugal e por esse motivo, transmite este direito, nos exatos termos em
que lhe foi concedido, a Francisco, seu primo, que regista a posse da casa. Eduarda
falece em junho de 2007 e Francisco aproveita para constituir um direito de passagem a
favor de Gabriela, proprietária do terreno agrícola vizinho, uma vez que o mesmo não
tinha saída para a estrada, mediante o pagamento de uma avultada quantia, e ainda para
ceder o gozo da casa a Hugo nos meses de junho a setembro, também mediante o
pagamento de uma elevada soma. Considerando que até junho de 2020, não teve
qualquer notícia de Duarte, Francisco deixa de providenciar os pagamentos a Duarte e
muda-se para a casa com a sua família, passando a fazer da mesma habitação
permanente. Em junho de 2022, Duarte, que se ausentara do país desde 2010, regressa
e depara-se com esta situação, exigindo a devolução imediata da casa, ao que Francisco
se opõe, afirmando ser o proprietário da casa; simultaneamente Gabriela e Hugo
pretendem fazer valer os seus direitos, que consideram ter adquirido de forma vitalícia, a
primeira invocando o decurso do tempo e o segundo apresentando o registo a seu favor.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

- Aquisição, conservação, transmissão, perda e classificação da posse de D, E, F e


G (artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º, 1258.º a 1262.º, 1263.º, 1267.º e 1268.º), bem como
ponderação da posse/detenção (artigo 1253.º) em especial a propósito do direito de
H, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das orientações
doutrinárias.
- Regime do direito de propriedade a propósito do direito de D, bem como distinção
entre propriedade plena e onerada (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º, 1317.º).
- Noção, limites, conteúdo, aquisição, transmissão e extinção do direito de usufruto
(artigos 1439.º, 1440.º, 1443.º, 1444.º, 1446.º e 1476.º), a propósito do direito de E e
do direito de F.
- Noção, conteúdo, constituição, caraterísticas e modalidades do direito de servidão
a propósito do direito de G (artigos 1543.º, 1544.º, 1545.º, 1546.º, 1547.º, 1548.º,
1550.º e 1551.º).
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo
1306.º), direitos pessoais de gozo e possibilidade de aplicação do regime da
locação (artigo 1022.º e ss), a propósito do direito de H.
- Ponderação da possibilidade de aquisição da propriedade a favor de F através do
registo/usucapião, bem como da possibilidade de aquisição da servidão a favor de
G através da usucapião e da possibilidade de aquisição da locação a favor de H
através do registo, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das
orientações doutrinárias (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alíneas a) m), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B,
8.º-C, 8.º-D, 9.º, 16.º e 17.º CRP e artigos 291.º, 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1292.º, 303.º,
1293.º alínea a), 1295.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 e 1296.º).
- Possibilidade de D intentar contra F ação de reivindicação (artigo 1311.º), mas não
ações possessórias (artigos 1276.º e ss.).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, legalidade, trato sucessivo,
prioridade, obrigatoriedade), bem como aos princípios dos direitos reais (imediação
jurídica/inerência, sequela, prevalência; especialidade; numerus clausus/tipicidade;
absolutidade; publicidade; elasticidade; transmissibilidade; consensualidade e
causalidade).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2021/2022
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito (duração: 90 minutos)
30 de junho de 2022
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Ana, dona de um vasto património imobiliário, decidiu, em 2010, recompensar a sua
sobrinha favorita, Beatriz, atribuindo-lhe um usufruto vitalício sobre um fértil terreno na
zona de Torres Vedras, utilizado para a plantação de macieiras. Como as partes se
encontravam no Algarve, o facto jurídico foi devidamente registado na Conservatória de
Faro. No âmbito do contrato, foi estabelecido que Beatriz poderia utilizar e transformar o
terreno para qualquer fim, desde que não fizesse dele mau uso. Como Beatriz nada
entendia sobre agricultura, em 2012 decidiu conceder o direito de plantar abacate a
Carlos. O contrato foi celebrado por escritura pública, mas não foi alvo de qualquer
registo. Carlos vem a falecer um ano depois, assumindo o negócio o seu filho, Daniel.
Daniel, porém, decidiu dar um rumo diferente ao terreno: construiu uma vivenda, uma
piscina e um pequeno centro de atividades lúdicas. Em junho de 2022, farta de toda esta
situação, Ana envia uma carta a Beatriz, manifestando a sua vontade em cessar o
contrato de usufruto, por dois motivos: (i) o uso dado por Daniel tornava o terreno
“imprestável” para a agricultura; e (ii) com falecimento de Carlos, o direito de usufruto
havia sido extinto. Beatriz é aconselhada pelo seu advogado a invocar a usucapião, dado
que “já havia passado mais de dez anos desde que tinha assumido o terreno como seu”.
Por sua vez, Daniel responde que não abdica do terreno, pois investiu fortemente no seu
desenvolvimento.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

- Referir e caracterizar o direito de usufruto constituído a favor de B (artigos 1439.º e


ss., em especial, artigos 1440.º e 1443.º).
- Mencionar que estamos perante um facto jurídico que deve ser alvo de registo
predial (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, a), 6.º, 7.º, 8.º-A a 8.º-D, do Código de Registo Predial);
o facto jurídico constitutivo pode ser registado na Conservatória de Faro, mesmo
estando o prédio sito em Torres Vedras (já não existe qualquer regra de
competência territorial das conservatórias do registo predial);
- Atendendo ao conteúdo do contrato de constituição de usufruto e ao contrato
celebrado entre B e C, referir limites negativos do usufruto (em particular, artigos
1439.º e 1446.º), explicando as várias soluções doutrinárias e tomando posição;
referir qual a solução legal caso haja mau uso por parte do usufrutuário (artigo
1482.º).
- Caracterizar legalmente o contrato celebrado entre B e C; fundamentar se
estaríamos perante a constituição de um direito de superfície (artigos 1528.º e ss.)
ou no âmbito de um contrato de concessão de gozo temporária de uma coisa, de
natureza obrigacional (princípio da tipicidade dos direitos reais); referir
possibilidade de o usufrutuário onerar o seu direito, salvo se existisse alguma
restrição no título constitutivo (artigo 1444.º, n.º 1); indicar a possibilidade de o
direito de superfície ser transmitido por morte do superficiário (artigo 1534.º).
- Caracterizar e classificar a posse de A, B, C e D (artigos 1251.º e ss.), bem como o
modo de transmissão (artigo 1263.º); referir que estamos perante vários casos de
sobreposição de posses.
- Referir causas de extinção do usufruto (artigo 1476.º), sendo que o fundamento de
A não fundamenta a extinção do direito real, mas, eventualmente, a aplicação do
regime jurídico do mau uso, nos termos do artigo 1482.º (ainda que haja doutrina
que defende que o mau uso pode dar azo à extinção do direito de usufruto, caso a
gravidade do comportamento do usufrutuário o justifique);
- Mencionar que A não tem razão quando refere que o usufruto se extingue com o
falecimento de C; para além de o contrato entre B e C não se enquadrar numa
situação de trespasse, mas sim num caso de oneração (artigo 1444.º, n.º 1), mesmo
que estivéssemos perante um trespasse, sendo o usufruto vitalício, este levará em
consideração a vida do primitivo usufrutuário.
- B invoca a usucapião (caracterizar e referir requisitos, artigos 1287.º ss.); porém,
para adquirir o direito de propriedade por usucapião, B teria de ter invertido o título
da posse, já que era possuidora apenas nos termos do direito de usufruto (artigos
1263.º, d) e 1265.º), o que parece não ter sucedido no caso concreto; existe, no
entanto, ainda uma outra possibilidade, que é a de se considerar que, por ter
violado os limites negativos do usufruto, B não teria adquirido, contratualmente, o
direito respetivo, podendo agora invocar a usucapião (forma de aquisição originária
de direitos) para adquirir o mesmo.
- D parece invocar a acessão como forma de aquisição do direito de propriedade;
diferenciar regime da acessão industrial imobiliária das benfeitorias (critérios)
(artigos 1339.º e ss); mencionar modo de aquisição; de qualquer forma, a má-fé de
D impossibilitaria a aquisição por esta via (artigo 1341.º).

II
Eduardo é dono de um prédio em Lisboa composto por dois andares e de uma herdade
no Alentejo. Em 2005 decide entregar o primeiro imóvel à sua filha Francisca e o
segundo imóvel à sua filha Gabriela, para exploração e rentabilização pelo prazo de dez
anos.
Francisca constituiu a propriedade horizontal do prédio e concedeu a Helena o direito de
habitar o 1.º andar por um período vitalício, mediante o pagamento de uma quantia anual,
reservando o 2.º andar para sua habitação permanente. Gabriela, por seu turno,
procedeu à construção de um aldeamento turístico na herdade, que dividiu em dez
unidades para alojamento e cujo uso vendeu posteriormente por um período de quinze
anos, tendo os adquirentes procedido ao registo deste negócio.
Em 2020, Eduardo pretende reaver os seus imóveis livres de ónus e encargos e depara-
se com a oposição de Helena que invoca o negócio jurídico celebrado com Francisca,
bem como o decurso do tempo e com a contestação dos adquirentes das unidades de
alojamento que invocam o uso a seu favor, designadamente com base no registo.
Acresce que Francisca afirma-se proprietária do prédio e Gabriela proprietária da
herdade, atendendo a que, quando quiseram entregar os imóveis a Eduardo em 2015,
este se mostrou indisponível para tanto por “estar exausto e precisar de descanso”,
decidindo este último intentar uma ação para restabelecimento da sua posse.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

- Regime do direito de propriedade a propósito do direito de E, bem como distinção


entre propriedade plena e onerada (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º, 1317.º).
- Ponderação da aplicação do regime do usufruto, considerando designadamente a
noção, limites, conteúdo, aquisição, transmissão e extinção do direito de usufruto
(artigos 1439.º, 1440.º, 1443.º, 1444.º, 1446.º e 1476.º), a propósito do direito de F e
do direito de G; exigência da forma de escritura pública ou documento particular
autenticado (artigo 22.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho).
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo
1306.º) e da possibilidade de conversão legal em negócios jurídicos de natureza
obrigacional, relativamente aos negócios celebrados entre E e F e entre E e G.
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo
1306.º), e ponderação da aplicação do regime do usufruto considerando os aspetos
já mencionados versus direitos pessoais de gozo e possibilidade de aplicação do
regime da locação (artigo 1022.º e ss), a propósito do direito de H e dos adquirentes
do uso das unidades de alojamento, em harmonia com o regime anteriormente
aplicado aos negócios celebrados entre E e F e entre E e G.
- A restrição (ao direito de propriedade) com natureza real/natureza obrigacional
constituída por E a favor de F e de G era válida pelo prazo de 10 anos, pelo que F
não poderia constituir um direito vitalício a favor de Helena e G não poderia
constituir direitos pelo período de 15 anos a favor dos adquirentes do uso das
unidades de alojamento.
- Referência ao regime da propriedade horizontal (artigos 1414.º e ss.) e
(im)possibilidade de F a constituir, bem como (im)possibilidade de G construir um
aldeamento jurídico dividido em dez unidades para alojamento.
- Aquisição, conservação, transmissão, perda e classificação da posse de F, G, H e
adquirentes do uso das unidades de alojamento (artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º,
1258.º a 1262.º, 1263.º, 1267.º e 1268.º), bem como ponderação da qualificação como
detenção (artigo 1253.º), mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das
orientações doutrinárias.
- Análise da (im)possibilidade de aquisição da propriedade, através da usucapião, a
favor de F e de G (artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1292.º, 303.º e 1296.º) e da
possibilidade de aquisição do direito de usufruto, através da usucapião, a favor de
H e dos adquirentes do uso das unidades de alojamento, considerando também,
relativamente a estes últimos, a possibilidade de aquisição, através do registo, do
usufruto/locação, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das
orientações doutrinárias (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alíneas a) m), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B,
8.º-C, 8.º-D, 9.º, 16.º e 17.º CRP e artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1292.º, 303.º, 1294.º,
n.º 1, alínea a) e n.º 2 e 1296.º).
- Ponderação da aplicação do regime das benfeitorias úteis (artigos 216.º e 1273.º)
ou da acessão industrial imobiliária (artigo 1340.º), relativamente à construção do
aldeamento jurídico dividido em dez unidades para alojamento por G, mediante
verificação dos requisitos legais e aplicação das teses doutrinárias.
- Análise da (im)procedência de ação de restituição da posse enquanto meio de
defesa da posse (artigos 1278.º, 1281.º e 1282.º).
- Análise da procedência de ação de reivindicação enquanto meio de defesa do
direito de propriedade (artigo 1311.º).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, legalidade, trato sucessivo,
prioridade, obrigatoriedade), bem como aos princípios dos direitos reais (imediação
jurídica/inerência, sequela, prevalência; especialidade; numerus clausus/tipicidade;
absolutidade; publicidade; elasticidade; transmissibilidade; consensualidade e
causalidade).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2021/2022
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito – Época de Recurso (duração: 90 minutos)
21 de julho de 2022
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Os irmãos Amílcar e Bruno, naturais de Beja, são conhecidos na cidade pelas suas
desavenças. Tudo começou em fevereiro de 2001, aquando da morte do seu pai, que colocou
em testamento que Amílcar e Bruno herdariam um monte no Alentejo, mas com a condição de
jamais o poder dividir. Certo é que os irmãos nunca se entenderam sobre a forma de gozar o
terreno. Em julho de 2002, Amílcar ameaçou mesmo o irmão com uma caçadeira, pedindo a
este que saísse do terreno ou então “não sairia dali vivo”. Bruno abandonou o terreno, dizendo
que iria reagir judicialmente. Em fevereiro de 2003, Amílcar celebra, por escritura pública, um
contrato com Carlos, nos termos do qual este teria a faculdade de cuidar de uma parte do
terreno, onde estava o montado de cortiça, por 18 anos, pagando 6000 € anuais. No contrato
foi aposta a menção expressa que o mesmo teria eficácia real.
A partir de 2008, Carlos deixa de cumprir com o pagamento anual. Como forma de se ver livre
do mesmo, transmite o seu direito a Daniel, em fevereiro de 2015. Daniel recusa-se, porém, a
pagar as prestações anuais em atraso, referindo que as mesmas devem ser exigidas a Carlos,
que era ao tempo titular do direito. Em março de 2022, Bruno consegue invalidar o negócio
jurídico celebrado entre Amílcar e Carlos, exigindo, de imediato, a restituição do terreno. Por
sua vez, Amílcar e Daniel referem ter adquirido direitos “pelo decurso do tempo”. No caso
específico de Daniel, este afirma ter adquirido apenas parte do terreno onde explorava o
montado de cortiça, argumentando para o efeito que pode juntar a posse de Carlos.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Atribuição da coisa, por testamento, a dois herdeiros com a condição de não a poder
dividir: referir que não é válida a cláusula que faça depender da verificação de um
acontecimento futuro e incerto a extinção do direito de propriedade (artigos 1307.º, bem
como artigo 1306.º (princípio da tipicidade)); titularidade de dois sujeitos (A e B) sobre a
mesma coisa: compropriedade (artigos 1403.º e ss.).
- Referir e classificar a posse de A, B, C e D; referir e explicar inversão do título da posse
por parte de A (artigos 1263.º, d), 1265.º e 1406.º, n.º 2); posse de A adquirida com
violência (artigo 1261.º: referir critérios); classificar posse de A após esse momento;
referir que, concomitantemente, B é esbulhado, mantendo a posse por um ano (artigos
1267.º, n.º 1, d) e n.º 2 e 1279.º).
- Direito de superfície de A a favor de C (artigos 1524.º e ss.); oneração de coisa alheia
(artigo 1408.º, n.º 1 e 2); o facto de o contrato mencionar que o mesmo tem eficácia real
não tem relevância jurídica, uma vez que a constituição de um direito real de gozo não
depende de uma cláusula atributiva de eficácia real, mas sim de o direito constituído
estar enquadrado num dos tipos legais (princípio da tipicidade ou da taxatividade do
artigo 1306.º).
- Cânon superficiário como uma situação jurídica propter rem (em particular, discutir a
sua natureza jurídica, nomeadamente se estamos perante uma obrigação propter rem ou
um ónus real) (artigo 1530.º); à mora aplica-se o artigo 1531.º, n.º 2; transmissão do
direito de superfície a D, que é possível nos termos do artigo 1534.º; discutir se as
obrigações vencidas continuam a onerar C ou se a “ambulatoriedade” da situação
jurídica propter rem onera D, independentemente de estarem ou não vencidas; referir
direito de preferência do fundeiro que não foi respeitado (artigo 1535.º); referir a falta de
registo do facto jurídico de constituição do direito de superfície (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, a)
CRP) ;
- A e D invocação a usucapião: requisitos (artigos 1287.º e ss.); referir que, no caso de A,
a posse violenta inviabiliza a aquisição por usucapião (artigo 1297.º), a não ser que esta
já tivesse cessado, o que não parece ser o caso, uma vez que o critério é a forma com a
posse foi adquirida; no caso de D, explicar e discutir a possibilidade de acessão da
posse (artigo 1256.º), bem como a viabilidade jurídica de usucapir parte do terreno; D
não inverteu o título da posse, pelo que apenas poderia adquirir por usucapião o direito
de superfície.

II
Eduarda é dona de um apartamento que fica situado no último andar de um prédio com 10
frações e aliena este imóvel a Francisco e Gustavo em 2010, sendo que o primeiro pagou de
imediato o valor correspondente 75% do preço, enquanto o segundo convencionou o
pagamento do valor remanescente de 25% apenas em 2015, apesar de ter procedido ao
registo do negócio e ocupado o apartamento imediatamente. Francisco não procedeu ao
registo, por entender que o registo efetuado por Gustavo seria suficiente, assim como permitiu
que este último utilizasse o imóvel em exclusivo até 2015. Sem comunicar a Francisco,
Gustavo decide em 2014 construir mais um andar, para o que obteve autorização do
administrador, o qual conseguiu aprovação verbal de seis proprietários dos apartamentos,
apesar de o assunto não ter sido objeto de deliberação em assembleia. Em 2016, face à
ausência de notícias de Francisco, Gustavo cede o gozo do andar construído a Hugo e a Ivo,
pelo período de 10 anos, mediante o pagamento de uma quantia mensal. Em 2022, Francisco
regressou a Portugal e deparando-se com esta situação exige (i) a devolução imediata do
apartamento afirmando ser o único dono, uma vez que foi ele a liquidar o valor de 25% em falta
a Eduarda, porquanto Gustavo se recusou a fazê-lo, ao que Gustavo contrapõe ser
proprietário exclusivo em virtude do decurso do tempo e da efetivação do registo e (ii) a
demolição do andar construído, ao que Hugo e Ivo contrapõem o registo da sua posse, que no
seu entender lhes confere o direito de uso e fruição nos termos previamente acordados com
Gustavo, sendo que este último exige a Francisco o pagamento do valor correspondente a
50% das obras de construção efetuadas.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Regime do direito de propriedade, em especial objeto e aquisição, a propósito dos


direitos de E, F e G (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º e 1317.º).
- Regime da compropriedade a propósito dos direitos de F e G e de H e I, igualdade
qualitativa e quantitativa dos direitos/quotas, posição dos comproprietários e uso,
administração, disposição e oneração da coisa comum (artigos 1403.º, 1404.º, 1405.º,
1406.º, 1407.º, 1408.º).
- Regime da propriedade horizontal a propósito dos direitos de E, F e G, objeto, título
constitutivo, direitos dos condóminos e limitação ao exercício dos mesmos, frações
autónomas e partes comuns, competência da assembleia de condóminos e do
administrador relativamente às partes comuns (artigos 1414.º, 1415.º, 1417.º, 1418.º,
1420.º, 1421.º, 1422.º, 1430.º, 1431.º, 1432.º, 1435.º e 1436.º).
- Ponderação da aplicação do regime do usufruto, considerando designadamente a
noção, limites, conteúdo, aquisição, transmissão e extinção do direito de usufruto
(artigos 1439.º, 1440.º, 1441.º, 1443.º, 1446.º e 1476.º), a propósito dos direitos de H e I;
exigência da forma de escritura pública ou documento particular autenticado (artigo 22.º,
alínea a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho).
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo 1306.º), e
ponderação da aplicação do regime do usufruto considerando os aspetos já
mencionados versus direitos pessoais de gozo e possibilidade de aplicação do regime
da locação (artigo 1022.º e ss), a propósito dos direitos de H e I.
- Aquisição, conservação, transmissão, perda e classificação da posse de E, F, G, H e I
(artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º, 1258.º a 1262.º, 1263.º, 1266.º, 1267.º e 1268.º), bem como
ponderação da inversão do título da posse (artigo 1265.º) a propósito do direito de G e
ainda ponderação da posse/detenção (artigo 1253.º) a propósito do direito de H e I,
mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das orientações doutrinárias.
- Análise da (im)possibilidade de aquisição da propriedade, através da usucapião e do
registo, a favor de G e da (im)possibilidade de aquisição do direito de usufruto, através
da usucapião, a favor de H e I, considerando também, relativamente a estes últimos, a
(im)possibilidade de aquisição, através do registo, do usufruto/locação, mediante
verificação dos requisitos legais e aplicação das orientações doutrinárias (artigos 1.º,
2.º, n.º 1, alíneas a), e) e m), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B, 8.º-C, 8.º-D e 9.º CRP e artigos 1287.º,
1288.º, 1289.º, 1290.º, 1291.º, 1292.º, 303.º, 1294.º, n.º 1, alínea b) e 1295.º, n.º 1, alínea a) e
n.º 2).
- Ponderação da aplicação do direito de superfície/sobreelevação (artigos 1524.º e ss.,
em especial artigo 1526.º), regime das benfeitorias (artigos 216.º e 1273.º) ou da acessão
industrial imobiliária (artigos 1339º e ss.), relativamente à construção do andar, mediante
verificação dos requisitos legais e aplicação das teses doutrinárias.
- Análise da procedência das ações possessórias enquanto meio de defesa da posse
(artigos 1276.º, 1278.º, 1281.º, 1282.º e 1286.º).
- Análise da procedência de ação de reivindicação enquanto meio de defesa do direito de
propriedade e do usufruto (artigos 1311.º e 1315.º).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, legalidade, trato sucessivo,
prioridade, obrigatoriedade), bem como aos princípios dos direitos reais (imediação
jurídica/inerência, sequela, prevalência; especialidade; numerus clausus/tipicidade;
absolutidade; publicidade; elasticidade; transmissibilidade; consensualidade e
causalidade).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2021/2022 - 26 de julho de 2022
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito – Época de Recurso (Coincidências) (duração: 90 minutos)
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Em janeiro de 2000, Ana adquire, a título oneroso e mediante escritura pública, um pequeno
terreno vinícola sito no Cartaxo, tendo o negócio sido devidamente registado. Em 2005, Ana,
por já estar com uma idade avançada e não tendo filhos, doa o terreno ao seu único
sobrinho Bruno, reservando para si o usufruto vitalício. No âmbito do contrato ficou
estabelecido que Ana não poderia trespassar o usufruto a terceiros. Dois anos depois,
cansada da gestão do terreno e tendo-se incompatibilizado com o sobrinho, Ana decide
acabar com a vinha e permitir, por via contratual, que um seu amigo, Carlos, construísse um
empreendimento de turismo rural. O contrato foi celebrado por documento particular
autenticado. Farto desta situação, em maio de 2022, Bruno envia uma carta de interpelação
a Ana referindo que irá pedir a invalidade do usufruto, por dois motivos: por um lado, (i) o
contrato de usufruto referia, expressamente, a não possibilidade de trespasse; por outro, (ii)
o comportamento de Ana e Carlos indiciava um claro mau uso do terreno. Ana argumenta
que tal não correspondia à verdade, pois com a construção do empreendimento de turismo
rural, o terreno tinha valorizado em mais de 75%, sendo também muito mais rentável do que
a vinha. Por sua vez, Carlos refere que além de o seu direito ser oponível a Bruno, o
decurso do tempo assegurava a sua posição perante terceiros. Como se não bastasse, um
proprietário de um prédio vizinho, Duarte, veio queixar-se do comportamento de Carlos, que
desde que construiu o empreendimento, o tem impedido de passar pelo prédio de forma a
aceder à via pública. Carlos refere que a construção do empreendimento implicou elevadas
despesas e que a passagem de camionetas e tratores pelo terreno, para além de deteriorar
a estrada, afeta a reputação do turismo rural. Para além disso, argumenta Carlos, Duarte
tem à sua disposição uma outra estrada que, apesar de tornar o acesso à via pública mais
longínquo, serve o mesmo propósito.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Forma de aquisição do direito de A (artigos 1316.º e 1317.º, a)); aquisição e


classificação da sua posse (artigos 1251.º ss.); registo do facto jurídico aquisitivo
(artigo 2.º, n.º 1, a)); princípio da causalidade (artigo 22.º, a), do Decreto-Lei n.º
116/2008, de 04 de julho).
- Doação do direito de propriedade com reserva de usufruto a favor de A (artigos
1439.º e ss.); em particular, referir que o usufruto foi constituído contratualmente per
deductionem (artigos 1440.º e 958.º, n.º 1) e de forma vitalícia (artigo 1443.º, primeira
parte); a circunstância de o contrato de usufruto impedir o trespasse do direito real
menor a terceiros é possível à luz do artigo 1444.º, n.º 1.
- Discutir se os atos de A contendem com os limites negativos do usufruto (em
particular, abordar os artigos 1439.º e 1446.º).
- Discutir qual a natureza jurídica do contrato celebrado com C, em especial se se trata
de um direito de superfície (artigos 1524.º e ss.);
- Tendo em conta os fundamentos apresentados por B, referir que a oneração de A a
favor de C era possível, dado que não constitui um trespasse, mas apenas uma
oneração (artigo 1444.º, n.º 1); referir em consiste o mau uso da coisa nos termos do
artigo 1482.º; discutir se as ações de A, no caso concreto, poderão ser enquadradas
como mau uso; discutir se o mau uso pode dar lugar à extinção do direito de usufruto,
uma vez que, em termos literais, parece não ser possível.
- Discutir argumentos apresentados por A, em especial, o facto de esta mencionar a
valorização do terreno para impedir a qualificação como mau uso e, eventualmente, a
aplicação do regime de acessão ou benfeitorias (critérios de distinção).
- C parece invocar o instituto da usucapião: requisitos (artigos 1287.º e ss.); qualificar
e classificar posse de C.
- No caso de D, estamos perante uma servidão predial: qualificar servidão predial
(servidão de passagem) e enunciar regime (artigos 1543.º e ss.); em particular, referir
regime jurídico do lugar da constituição da servidão (artigo 1553.º) e mudança de
servidão (artigo 1568.º).

II
Eduardo é dono de um luxuoso apartamento que cede a Francisca, sua ex-mulher, para
sua residência permanente, em 2005, tendo o negócio sido celebrado por escritura pública.
Em 2010, Francisca, que atravessava graves dificuldades financeiras, transmite o uso e
fruição do apartamento para Gustavo, pelo período de 20 anos, mediante o pagamento de
uma elevada quantia anual, e muda-se para a casa da porteira do prédio, que se encontrava
desocupada, mediante celebração de um contrato com o administrador do condomínio,
através do qual fica estipulado o pagamento de uma quantia mensal, tendo sido
posteriormente dado conhecimento deste negócio aos condóminos através de correio
eletrónico. Em 2020, Eduardo vende o apartamento a Hugo e a Idalina, salvaguardando
verbalmente o direito de Francisca, que de imediato registam este negócio, embora não
tenham ocupado a casa, em virtude de residirem no estrangeiro. Em 2022, pretendendo
mudar-se para Portugal, Hugo e Idalina deparam-se com a presença de Gustavo na casa,
que se recusa a abandoná-la, invocando o registo da posse, bem como o facto de se
encontrar a residir ali há 12 anos. Por seu turno, considerando que 1/3 dos condóminos
discorda do negócio celebrado entre o administrador do condomínio e Francisca, esta
última, para evitar problemas e por não ter outro sítio para morar, pretende reocupar o
apartamento que lhe havia sido cedido por Eduardo, exigindo ademais o reembolso de
todas as obras que realizou no apartamento enquanto o habitava, e que incluíram vários
melhoramentos no interior, para além da colocação de uma piscina no terraço, que aliás os
restantes condóminos pretendem ver demolida, uma vez que não autorizaram esta obra.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Regime do direito de propriedade, em especial objeto e aquisição, a propósito dos


direitos de E, H e I (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º e 1317.º).
- Regime da compropriedade a propósito dos direitos de H e I, igualdade qualitativa e
quantitativa dos direitos/quotas, posição dos comproprietários e uso, administração,
disposição e oneração da coisa comum (artigos 1403.º, 1404.º, 1405.º, 1406.º, 1407.º,
1408.º).
- Regime da propriedade horizontal, objeto, título constitutivo, direitos dos
condóminos e limitação ao exercício dos mesmos, frações autónomas e partes
comuns, competência da assembleia de condóminos e do administrador relativamente
às partes comuns (artigos 1414.º, 1415.º, 1417.º, 1418.º, 1420.º, 1421.º, 1422.º, 1430.º,
1431.º, 1432.º, 1435.º e 1436.º).
- Regime do direito de habitação a propósito do direito de F (artigos 1484.º, 1485.º,
1486.º, 1487.º, 1488.º, 1490.º, 1482.º)
- Ponderação da aplicação do regime do usufruto, considerando designadamente a
noção, limites, conteúdo, aquisição, transmissão e extinção do direito de usufruto
(artigos 1439.º, 1440.º, 1441.º, 1443.º, 1446.º e 1476.º), a propósito do direito de G;
exigência da forma de escritura pública ou documento particular autenticado (artigo
22.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho).
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo 1306.º),
e ponderação da aplicação do regime do usufruto considerando os aspetos já
mencionados versus direitos pessoais de gozo e possibilidade de aplicação do regime
da locação (artigo 1022.º e ss), a propósito do direito de G.
- (Im)possibilidade de F constituir uma restrição (ao direito de propriedade) de E com
natureza real/natureza obrigacional a favor de G.
- Aquisição, conservação, transmissão, perda e classificação da posse de E, F, G, H e I
(artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º, 1258.º a 1262.º, 1263.º, 1266.º, 1267.º e 1268.º), bem como
ponderação da posse/detenção (artigo 1253.º) a propósito do direito de G, mediante
verificação dos requisitos legais e aplicação das orientações doutrinárias.
- Análise da (im)possibilidade de aquisição do direito de habitação, através da
usucapião a favor de F, da (im)possibilidade de aquisição da propriedade plena livre
de ónus e encargos, através do registo a favor de H e I e da (im)possibilidade de
aquisição do direito de usufruto, através da usucapião, a favor de G, considerando
também, relativamente a este último, a (im)possibilidade de aquisição, através do
registo, do usufruto/locação, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação
das orientações doutrinárias (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alíneas a), e) e m), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A,
8.º-B, 8.º-C, 8.º-D e 9.º, 16.º e 17.º CRP e artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1290.º, 1292.º,
1293.º alínea a), 303.º e 1295.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2).
- Ponderação da aplicação do regime das benfeitorias (artigos 216.º, 1273.º e 1450.º)
ou da acessão industrial imobiliária (artigos 1339º e ss), relativamente às obras
(melhoramentos no interior e piscina no exterior), mediante verificação dos requisitos
legais e aplicação das teses doutrinárias.
- Análise da procedência das ações possessórias enquanto meio de defesa da posse
(artigos 1276.º, 1278.º, 1281.º, 1282.º e 1286.º).
- Análise da procedência de ação de reivindicação enquanto meio de defesa do direito
de propriedade e do direito de habitação (artigos 1311.º e 1315.º).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, legalidade, trato sucessivo,
prioridade, obrigatoriedade), bem como aos princípios dos direitos reais (imediação
jurídica/inerência, sequela, prevalência; especialidade; numerus clausus/tipicidade;
absolutidade; publicidade; elasticidade; transmissibilidade; consensualidade e
causalidade).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2021/2022
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito – Época Especial (duração: 90 minutos)
9 de setembro de 2022
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor José Luís Ramos

I
Em março de 2010, Ana, farta da “correria” da cidade, decide ir viver para o Alentejo. Para
tal, iniciou negociações com Bartolomeu para a compra de uma moradia em Mértola, no
valor de 100 mil euros. A negociação chegou a bom termo, porém, como Ana não tinha
fundos suficientes, as partes celebraram um contrato de promessa de compra e venda,
tendo Ana pago apenas 30% do preço definido, devendo o restante montante ser liquidado
no momento da escritura pública do contrato definitivo, que teria lugar decorridos 6 meses.
Atendendo às necessidades de Ana, Bartolomeu entregou-lhe as chaves do prédio no
momento da celebração do contrato promessa. A partir desse momento, Ana fez desde
logo diversas obras de remodelação, assumindo, ainda, o pagamento de todos os encargos
relativo ao mesmo.
Entretanto, como Ana não conseguiu os fundos suficientes, o contrato definitivo nunca
chegou a ser celebrado. Como estava consciente das necessidades de Ana, Bartolomeu
nunca a quis acionar judicialmente. Farto desta situação, em janeiro de 2022 e aproveitando
a ausência de Ana, o filho de Bartolomeu, Carlos ocupa a moradia e muda as fechaduras.
Ana pergunta a um amigo jurista como pode resolver a situação. Este responde-lhe que não
existem opções legais, pois a moradia pertence a Bartolomeu e que o contrato de
promessa não lhe confere nem mesmo tutela possessória.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Analisar a posição jurídico-real dos intervenientes A, B e C, nomeadamente a


titularidade de direitos reais, classificando-os, bem como a posse
correspondente nos vários momentos temporais da hipótese.
- Em especial, classificar a posição jurídico-real de A, analisando se o contrato
promessa com traditio dá lugar a uma posse e em que termos; referir posições
doutrinárias e jurisprudenciais quanto à questão, em particular, a mantida pela
regência e tomar posição; caso a posição adotada seja a de que A é mero
detentor do direito de propriedade, analisar se os seus atos jurídicos
posteriores, nomeadamente as obras de remodelação e o pagamento de todos
os encargos relativos ao prédio ou qualquer outro momento temporal ulterior,
consubstanciam uma inversão do título da posse (artigos 1263.º, d) e 1265.º).
- Em especial, analisar a posição de jurídica de C, que adquire a posse por
apossamento (artigo 1263.º, a)) ou, conforme referem alguns autores, por
esbulho, como forma autónoma de aquisição da posse (artigos 1278.º, 1282.º);
classificar posse de C, em particular, se a mesma consubstancia uma posse
violenta ou pacífica (artigo 1261.º).
- Referir medidas legais à disposição de A: eventual usucapião (artigos 1287.º
e ss., discutindo todos os seus requisitos), a acessão industrial imobiliária do
direito de propriedade (artigo 1339.º e ss.); nenhum dos factos jurídicos
parece ser aplicável no caso concreto. De qualquer forma, fosse por via da
posse civil, fosse através da posse interdital, A teria sempre tutela
possessória contra C (artigos 1278.º).
II
Em 2010, Duarte e Eduarda adquiriram em conjunto um apartamento no Porto e uma
moradia no Algarve, tendo sido convencionado entre ambos que o apartamento serviria de
habitação a Duarte e que Eduarda ficaria com o uso da moradia, sendo que para maior
facilidade e porque os valores eram similares, Duarte efetuou o pagamento do preço do
apartamento e Eduarda efetuou o pagamento do preço da moradia.
Em 2012, Eduarda procedeu a diversas reparações urgentes na moradia, bem como à
construção de um campo de ténis e à plantação de morangos, tendo dado conhecimento a
Duarte, que não se opondo, recusou pagar qualquer valor. Para fazer face a estas
despesas, Eduarda acorda com Francisca a exploração do campo de ténis e da plantação
de morangos pelo período de 20 anos, mediante o pagamento de uma quantia anual. O
negócio foi celebrado por escritura pública, tendo Francisca procedido ao respetivo registo.
Em 2015, Duarte toma conhecimento deste negócio e de modo a suportar os custos de
manutenção do apartamento, bem como as despesas relativas às partes comuns do edifício
e os encargos do condomínio, que Francisca sempre recusou custear, decide conceder o
uso e fruição do apartamento a Gustavo, pelo prazo de 10 anos, mediante o pagamento de
uma quantia anual. Este negócio foi celebrado por documento particular autenticado, tendo
Gustavo registado a sua posse.
Em 2022, Duarte exige a Francisca a cessação imediata da exploração do campo de ténis
e da plantação de morangos e Eduarda exige a Gustavo a desocupação imediata do
apartamento, ao que Francisca e Gustavo contrapõem o registo a seu favor e o decurso
do tempo.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)

Tópicos de Correção

- Regime do direito de propriedade, em especial objeto e aquisição, a


propósito dos direitos de D e E (artigos 1302.º, 1305.º, 1316.º e 1317.º).
- Regime da compropriedade a propósito dos direitos de D e E, igualdade
qualitativa e quantitativa dos direitos/quotas, posição dos comproprietários,
uso, administração, disposição e oneração da coisa comum e benfeitorias
necessárias (artigos 1403.º, 1405.º, 1406.º, 1407.º, 1408.º e 1411.º).
- Regime da propriedade horizontal a propósito dos direitos de D e E relativos
ao apartamento, objeto, título constitutivo, frações autónomas e partes
comuns, encargos de conservação e fruição (artigos 1414.º, 1415.º, 1417.º,
1418.º, 1420.º, 1421.º e 1424.º).
- Ponderação da aplicação do regime do usufruto, considerando
designadamente a noção, limites, conteúdo, constituição, duração e extinção
do direito de usufruto (artigos 1439.º, 1440.º, 1443.º, 1446.º e 1476.º), a
propósito dos direitos de F e G; exigência da forma de escritura pública ou
documento particular autenticado (artigo 22.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º
116/2008, de 4 de julho).
- Ponderação da aplicação do regime da superfície, considerando
designadamente a noção, conteúdo, constituição e extinção do direito de
superfície (artigos 1524.º, 1528.º, 1530.º e 1536.º), a propósito do direito de F;
exigência da forma de escritura pública ou documento particular autenticado
(artigo 22.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho).
- Análise do princípio da tipicidade/numerus clausus dos direitos reais (artigo
1306.º), e ponderação da aplicação do regime do usufruto/superfície versus
direitos pessoais de gozo/aplicação do regime da locação (artigo 1022.º e ss),
a propósito dos direitos de F e G, considerando os aspetos já mencionados.
- Aquisição, conservação, transmissão, perda e classificação da posse de D,
E, F e G (artigos 1251.º, 1252.º, 1257.º, 1258.º a 1262.º, 1263.º, 1266.º, 1267.º e
1268.º), bem como ponderação da posse/detenção (artigo 1253.º) a propósito
dos direitos de F e G, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação
das orientações doutrinárias.
- Análise da possibilidade de aquisição do usufruto/superfície, através da
usucapião e do registo, a favor de F e de G, considerando também a
possibilidade de aquisição, através do registo, da locação, mediante
verificação dos requisitos legais e aplicação das orientações doutrinárias
(artigos 1.º, 2.º, n.º 1, alíneas a), e) e m), 4.º, 6.º, 7.º, 8.º-A, 8.º-B, 8.º-C, 8.º-D, 9.º,
16.º e 17.º CRP e artigos 1287.º, 1288.º, 1289.º, 1290.º, 1291.º, 1292.º, 303.º,
1294.º, n.º 1, alínea a) e 1295.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2).
- Ponderação da aplicação do regime das benfeitorias (artigos 216.º,1273.º,
1275.º e 1411.º) ou da acessão industrial imobiliária (artigos 1339º e ss.),
relativamente às reparações, construção do campo de ténis e plantação de
morangos, mediante verificação dos requisitos legais e aplicação das teses
doutrinárias.
- Análise da procedência das ações possessórias enquanto meio de defesa da
posse (artigos 1276.º, 1278.º, 1281.º, 1282.º e 1286.º).
- Análise da procedência de ação de reivindicação enquanto meio de defesa
do direito de propriedade, de usufruto e de superfície (artigos 1311.º e 1315.º).
- Referência aos princípios do registo predial (instância, legalidade, trato
sucessivo, prioridade, obrigatoriedade), bem como aos princípios dos direitos
reais (imediação jurídica/inerência, sequela, prevalência; especialidade;
numerus clausus/tipicidade; absolutidade; publicidade; elasticidade;
transmissibilidade; consensualidade e causalidade).

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