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III
Em não mais de 15 linhas, diga o que entende por direito real de aquisição e comente a
seguinte afirmação: “Os mecanismos legais de reação do comunheiro perante a venda de coisa
comum, sem o consentimento dos demais comunheiros, consubstanciam um exemplo de
direito real de aquisição”.
I.
e) O baú com as moedas antigas (caso sejam valiosas) pode consubstanciar um tesouro,
concretamente, coisas móvel valiosa enterrada, sempre q ñ se possa determinar o respetivo dono.
O baú foi descoberto ocasionalmente, por mais do que uma pessoa, in casu, por menores.
A descoberta não tem que ser intencional, pelo que um menor, desde que possua alguma
consciência dos seus atos (não ter menos de 6 anos, por exemplo) pode adquirir a parte
correspondente ao descobridor.
Além disso, a descoberta do tesouro pode ser por várias pessoas, o que suscita a questão de
saber, como aplica, nesse caso, o regime legal.
Se uma das crianças visualizou primeiro, será dela ½ do achado. Se não houver a prova de que
alguém visualizou primeiramente, presume-se que teve lugar uma descoberta conjunta. Nesse
caso, terão as filhas de L. direito a ½ do achado (cada uma delas a ½ de ½ por o tesouro ser
divisível), cabendo a remanescente ½ a J., contando que anunciassem o seu achado (exceto quando
seja evidente que o tesouro foi escondido ou enterrado há mais de 20 anos. A circunstância de as
moedas serem antigas não significa que o tesouro tivesse sido enterrado há mais de 20 anos) –
1324.º.
II.
b) O objeto do usufruto é uma herdade, com tudo o que ela contém, v.g. os porcos pretos e os
javalis selvagens (1449.º). Ao que tudo indicia, a finalidade de herdade seria a atividade
agropecuária. Assim sucedendo, o abate dos porcos por B. vai de encontro ao destino económico
da coisa (1446.º). De todo o modo, haveria que previamente tomar posição sobre os limites do
usufruto, isto é, saber se o seu verdadeiro limite é o destino económico ou a forma e substância
(atendendo à aparente supletividade do artigo 1446.º). Por outro lado, porque, ao que tudo
indicia, a finalidade de herdade seria a atividade agropecuária, abater os porcos não constitui uma
hipótese de mau uso (1782.º).
e) D. encontrava-se autorizado por A. a passar no terreno deste último para mais facilmente
aceder à via pública. Não se sabe se entre A. e D. existia um direito real de servidão de passagem
ou uma simples autorização desprovida de eficácia real, isto é, com conteúdo estritamente
obrigacional («servidão pessoal»). A circunstância de o prédio de D. não se encontrar encravado
(«mais facilmente») não constitui, por si só, fundamento para D. não poder exigir a constituição da
servidão predial (1550.º/2).
Tratando-se de um direito real de servidão previamente constituído, o usufruto de L. encontra-
se onerado com o mesmo. Com a morte de A., o proprietário do prédio onerado, a mesma (a
existir, repete-se) não se extingue. Nesse caso, D. tanto poderia recorrer à defesa da sua posse, em
termos de titular de um direito servidão (1276.º e ss.), como reivindicar o seu direito (1315.º).
Neste caso ainda, a construção do muro não constitui, por si só, causa de extinção da servidão
(1571.º).
Estando perante um acordo com eficácia meramente obrigacional, D. não pode continuar a
exigir que B. o deixe atravessar o imóvel.
f) F. estava limitado à utilização da sua propriedade (1344.º/1) não lhe sendo permitido colocar
as suas colmeias no prédio de C. A colocação das colmeias de F. no prédio usufruído por B. não
constitui um caso de acessão, porquanto as colmeias são separáveis do prédio. Ademais, no caso
em apreço (colmeias) não há qualquer incorporação no solo. Aliás, o 1333º estipula a aplicação de
um determinado regime quando não é possível a separação.
Por fim, é de rejeitar a aplicação do artigo 1322.º. O problema da hipótese, não diz respeito aos
enxames mas sim às colmeias. Por outro lado, a perseguição em prédio alheio de enxames de
abelhas pressupõe que as abelhas tenham fugido do prédio do respetivo titular para prédio
alheio e não, como sucede no nosso caso, a hipótese de as próprias colmeias (juntamente com
o respetivo enxame) terem sido colocadas em prédio alheio.
III.
Direito real de aquisição é o direito que confere ao respetivo titular a possibilidade de adquirir
um dado direito real sobre coisa determinada, compreendendo diferentes espécies ou
modalidades. É um direito real porque tem as caraterísticas de um direito real, designadamente a
inerência e sua prevalência. Ou seja, perante a sua não observância, o titular do direito de
aquisição pode adquirir um dado direito real sobre coisa determinada mesmo que a coisa tenha
sido transmitida a terceiros.
A venda da coisa comum sem o consentimento dos demais comunheiros não lhes confere a
possibilidade de adquirir o bem comum. Apenas lhes confere, como a qualquer terceiro, a
possibilidade de arguir ou pedir a declaração de nulidade da respetiva alienação (1408.º/2).
Exemplo de direito real de aquisição é o proveniente da «venda, ou dação em cumprimento, a
estranhos da quota de qualquer dos seus consortes» sem observar o direito de preferência,
previsto no artigo 1409.º/1. Neste caso, através da ação de preferência, podem os demais
comunheiros adquirir o direito sobre a quota alienada, ou parte dela (1409.º/2). Segundo alguma
doutrina estaríamos, na hipótese avançada, perante um direito real de aquisição sobre coisa-
objeto.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Teste escrito de Direitos Reais (3.º Ano Noite)
22 Junho de 2015 (19 h)
Equipa docente: José Luís Bonifácio Ramos e Tiago Soares da Fonseca
Duração: 1 hora e 40 minutos
III
I
A doação de Carlota a Deolinda não foi sujeita a uma qualquer condição ou
a outro entrave que impeça Deolinda de alienar o terreno. Assim, a alienação de
Deolinda a Eduardo foi válida, mesmo que não seja inscrita no registo predial
competente.
Relativamente à parede ou muro comum, rege o artigo 1375º CC. Aí se
determina que as despesas de reparação, desde que devidas a vícios de
construção, caso fortuito ou, decurso do tempo devem ser suportadas por ambos
os proprietários, a menos que se verifique a excepção do nº 4. Todavia, como se
tratava de parede ou muro de separação, a despesa deve ser dividida em partes
iguais, como decorre do nº 2 do mesmo preceito legal. Por isso, Berta não deve
pagar 2.500 E, mas metade do preço pago pelas obras de reparação.
As atitudes de Eduardo devem ser enquadradas pelas relações de
vizinhança que reflectem os limites da propriedade relativamente a terrenos
contíguos. No entanto, só pode mandar cortar os ramos de árvore que
ultrapassem a linha divisória dos dois terrenos se as árvores ou arbustos não
servirem de marco divisório, nos termos e para os efeitos do artigo 1369º CC. Ora,
se isso não suceder, o preceituado no artigo 1368º CC permite o corte dos ramos
de árvore.
No que respeita ao aqueduto, cumpre saber se existe servidão legal, ou
voluntária de aqueduto. Ou se, ao invés, se trata de um normal aproveitamento de
águas. Neste último caso, regem os artigos 1390º, 1392º e 1393º. Quanto à
servidão legal de aqueduto, aplicam-se os artigos 1561º e 1568º. A causa alegada
por Eduardo não pode configurar desnecessidade, tanto mais que ela se prefigura,
muito restritivamente, nos termos do nº 2 e nº 3 do artigo 1569º CC. No que
respeita à roda gigante, cumpre verificar se existe servidão de vistas por parte de
Berta. Se assim não se entender, algo que parece plausível , a roda gigante pode
ser instalada desde que se respeite a restrição do artigo 1360º CC.
II
III
A afirmação não deve merecer a nossa concordância.
Na verdade, a transmissibilidade não é comum a todos os Direitos Reais
pelo que, muito naturalmente, não pode consistir numa característica estruturante
da realidade. Assim, se há direitos reais naturalmente transmissíveis, há outros
que recusam ou restringem a transmissibilidade.
Primeiramente, convém sublinhar o artigo 1488º CC relativo à
intransmissibilidade do direito de uso, nos termos do qual o usuário ou o morador
usuário não podem trespassar ou locar o seu direito nem onerá-lo por qualquer
modo. Além disso, também a transmissibilidade no usufruto pode ser impedida,
nos termos do respectivo título constitutivo. Ou, ainda, sujeita a restrições, dado
que o artigo 1444º CC, subordinado à equívoca epígrafe trespasse, apenas admite
que o efeito da eventual transmissão opere durante a vida do usufrutuário.
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Teste escrito de Direitos Reais (3º Ano Noite)
23 de Julho de 2015 (19 horas)
Equipa docente: José Luís Bonifácio Ramos e Tiago Soares da Fonseca
I
(11 valores)
Ana, tendo resolvido consultar uma astróloga, em Abril de 2014, ficou
deveras impressionada quando lhe foi dito que, a partir daí, o mês de Maio de
cada ano, seria muito difícil, em especial a segunda semana. Por coincidência
ou talvez não, no período indicado, já sobrevieram dois acontecimentos
inusitados.
Em 10 de Maio de 2014, após estacionar o seu automóvel, de cor verde,
num parque camarário, de modo a poder assistir a um concerto, terá ficado
sem carro. Na verdade, assim que Ana entrou no auditório, Bernardo força a
porta do automóvel, consegue pô-lo a trabalhar e leva-o até à garagem de
Cláudio. Este, por seu turno, substitui o volante, as jantes e pinta-o de amarelo.
A seguir, coloca-o à venda na internet. Eva, tendo visto o anúncio, porque o
automóvel tinha um preço convidativo e sempre gostara de automóveis
amarelos, resolve adquiri-lo, pagando o preço indicado e inscrevendo a
aquisição no registo competente.
Em 10 de Maio de 2015, Ana recebeu um telefonema de Fernanda, sua
vizinha do apartamento do Algarve, avisando-a de que, no dia anterior, reunira
a respectiva assembleia de condóminos, de onde resultaram as seguintes
deliberações:
a) Instalação de uma antena no terraço;
b) Colocação de plataformas elevatórias em todos os andares, de modo a
possibilitar a passagem da cadeira de rodas da proprietária do 3º andar;
c) Autorização de abertura de uma porta de ligação entre o 2º andar direito e
o 2º andar esquerdo;
d) Impermeabilização das varandas e do terraço de cobertura.
Quid iuris?
II
(9 valores)
Gustavo, proprietário de uma casa de campo sita no concelho de
Mafra, constatou, depois de uma viagem ao estrangeiro, que Hugo,
titular do terreno contíguo na direcção Norte, autorizara a instalação, no
seu terreno, de diversos aerogeradores de uma empresa de energia
eólica. Ora, uma das pás de um dos aerogeradores invadia o terreno de
Gustavo em 5 metros. Essa e mais outras duas, pertencentes a duas
outras torres que se situavam próximo, causavam um ruído susceptível
de perturbar o seu descanso e da sua família. Por seu turno, Inês,
proprietária do terreno contíguo na direcção Sul, construiu um muro alto
que tapou, parcialmente, a soberba paisagem que se avistava do páteo
e jardim da sua casa de um único andar.
Por fim, constata que Jesualda, titular de um direito de superfície
sobre uma zona distante da casa de habitação, não só deixara de
depositar a prestação anual a que se comprometera, como transmitira o
direito de superfície a Luís, sem ter, previamente informado ou pedido
autorização, a Gustavo, nos termos do respectivo título constitutivo.
Além disso, Jesualda tinha ocultado de Gustavo que Mónica, uma
comerciante de flores de uma aldeia próxima, andara a colher gladíolos
no seu jardim, sem qualquer autorização de Gustavo ou de Jesualda.
Acresce a isso que Jesualda recebera de Inês uma quantia significativa
em contrapartida de a primeira deixar de continuar a atravessar o terreno
desta última, de modo a atingir a estrada principal.
Quid Juris?
A venda de C. a E. é uma venda de bens alheios (892.º). E. não adquire o direito de propriedade
do carro, mas apenas a sua posse do mesmo, presumindo-se por tradição material (1263.º/b). A
sua posse não vale título, sem prejuízo presunção do artigo 1268.º que não procede perante a
demonstração de titularidade do direito nos termos do qual a referida posse é exercida.
Carateres da posse de E.: titulada, pacífica e pública. Tratando-se de um carro, bem móvel
sujeito a registo, poderia E., atuando diligentemente – v.g. pedindo a C. o Documento único
Automóvel /Certificado de Matrícula- saber que C. não era o proprietário do carro (1260.º/1).
Contudo, porque a posse de E. era titulada (a compra e venda de carros é um negócio consensual -
1259.º/1), beneficia da presunção do artigo 1260.º/2. No entanto, em face do enunciado
anteriormente, a presunção de E. poderia ser facilmente elidida.
Não é aceitável aplicar o Código de Registo Predial por causa de um registo aquisitivo de um
automóvel. Algo diferente será a aplicabilidade do artigo 291º CC. Todavia, atentando no nº 1,
deste preceito legal, não se consideram preenchidos, pelo menos, os requisitos da boa fé e de
terceiro (é pseudo-adquirente, não sub adquirente).
A posse de E. não foi mantida por um lapso de tempo suficiente que lhe facultasse a aquisição
do direito de propriedade sobre o caso (1298.º/a). Consequentemente, E. não tem o poder de
reivindicar o carro.
A permanece na titularidade do automóvel. Enquanto proprietária, pode reivindicar, nos termos
do artigo 1311º CC. Considerando que as possíveis reações de A. se colocam em julho de 2015, há
caducidade, nos termos do artigo 1282º CC. Pode ainda, apesar de não ser necessário na ação de
reivindicação, pedir a declaração de nulidade da venda da C. a E. (286.º). Adicionalmente, A. pode
pedir uma indemnização a C. pelas alterações introduzidas no seu automóvel, por responsabilidade
aquiliana (483.º).
Mas, ao invés, não pode intentar uma acção possessória. Na verdade, Já a sua posse
(imaterial/jurídica) apenas se manterá no ano seguinte ao da perda da posse do carro (1267.º/1/d).
Adicionalmente, desconhece-se de C. era, ou não comerciante. Apenas se sabe que C. tem uma
garagem. Na hipótese de o ser, poderia ponderar-se a aplicação do artigo 1301.º. Quanto à sua
eventual aplicação, dependeria que a compra a E. fosse de boa-fé. O que não terá sido o caso.
Assim, quanto, relativamente à assembleia geral, A. apenas poderia pedir a sua anulação das
deliberações a) e b) caso as mesmas não tenham sido aprovadas com a maioria legalmente exigida
(1433.º/1). Contudo, mesmo que esse tenha sido o caso, tendo A. tomado conhecimento das
mencionadas deliberações a 10 de maio, o respetivo direito encontra-se caducado (1433.º/4).
II
Quanto ao comportamento de H. são duas as questões que se levantam: por um lado, a invasão
do terreno de G., por outro lado o ruído no prédio de G.
Ambas as questões levantam problemas de relações de vizinhança.
Quanto à invasão do terreno de G., H. não poderia ter atuado nesse sentido. O limite do prédio
de H. é o espaço aéreo correspondente à sua superfície, não compreendo o espaço aéreo
correspondente à superfície do prédio vizinho (1344.º). Logo, G. pode opor-se a tal invasão, tanto
mais que não se aplica o nº 2 do 1344º CC.
Passando ao ruído provocado pelas torres, G. poderá opor-se a manutenção do mesmo. Quer
nos termos gerais do artigo 70.º, que se basta explicitamente com uma ameaça de ofensa à
personalidade física ou moral dos indivíduos, quer nos termos específicos do artigo 1346.º, que
contempla, entre outros atos, a emissão de ruídos. À luz do artigo 1346.º poderia questionar-se se
estávamos, ou não, perante prejuízo efetivo. Com efeito, a lei fala em prejuízo substancial e a
hipótese refere suscetível de perturbar. Havendo perturbação efetiva, o artigo 1346.º daria
proteção a G., conforme admitindo por alguma jurisprudência. Logo, G. poderia mandar desligar os
referidos aerogeradores.
No que concerne a I., esta tem o direito de murar o seu prédio, ainda que tape as vistas do seu
vizinho G. (1356.º). Apenas não poderá exercer esse direito, como qualquer direito, de modo
abusivo (334.º), ou na eventualidade G. se titular de uma servidão de vista, entenda-se uma
servidão de não afetação das suas vistas. Se assim suceder, a construção de I. terá de atender a
esse limite na construção do seu muro. Adicionalmente, no cenário de estarmos perante um muro
teria de ser observado. Em síntese, ou o muro é comum, aplicando-se o respetivo regime (artigos
1373.º e seguintes), ou o muro é construído dentro do terreno de I., caso em que há que respeitar
a distância em relação à linha divisória, de acordo com o disposto no artigo 1362.º/2.
TÓPICOS DE CORREÇÃO
Na sequência da morte da sua tia, Adélia adquiriu posse por sucessão (1255.º CC).
A relação estabelecida entre Adélia e Carlos não consubstancia a constituição de um direito
real de aquisição de exploração de pedreiras, poder apenas reconhecido voluntariamente ao
proprietário do terreno (1305.º CC). Ora, Adélia não era proprietária, mas apenas possuidora.
A questão do registo, tem a ver com a legitimação e o trato sucessivo.
No telefonema efetuado a Dinis, Adélia não inverte o título porque já era possuidora do
terreno comportando-se nos termos correspondentes ao exercício do direito de propriedade
sobre o mesmo (1253.º CC). Tão pouco, não invoca a usucapião, mas apenas informa Dinis
dessa possibilidade. O que significa que, ainda que Adélia tivesse a posse do direito de
propriedade sobre o terreno pelo lapso de tempo legalmente exigível, a sua situação jurídica
continuava a ser a de possuidora (1287.º do CC). Ademais, tendo Adélia adquirido a posse por
sucessão, não poderia proceder à acessão na posse, dado os limites dos artigos 1255.º e
1256.º, isto é, não poderia juntar à sua posse a posse da sua tia («por título diverso da
sucessão por morte» e «juntar à sua posse a posse do antecessor»). Com efeito, além de estar
em causa uma alegada acessão de terceira posse, estaria em causa uma posse adquirida por
via sucessória. Ou seja, a posse de Adélia é de 13 anos (de 2002 até à presente data). Não se
encontrando Adélia de boa-fé (ética), pois o terreno não se encontrava registado em nome de
Berta, o prazo para esta ter a faculdade de usucapir também não tinha decorrido (1294.º/b).
II
Hoje em dia, o Código Civil já contempla a possibilidade de construções no subsolo, ao
invés da redação inicial (cf. 1525.º/2 na redação dada pelo DL n.º 257/91, de 18 de julho. Até
então, a construção de obra no subsolo não podia, a menos que fosse inerente à obra
superficiária, ser objeto do direito de superfície).
Resta saber se a construção do parque de estacionamento se integra na posterior
construção do albergue de estudantes, que constitui o objeto do direito de superfície, ou não.
Se não for esse o caso, o direito de superfície poder-se-á extinguir (1536.º/a).
Relativamente ao terreno da capela, enquanto património do Estado, constitui um bem
dominial, em princípio fora do comércio. Por outro lado, sendo um bem imóvel, ainda que
abandonada, a capela seria sempre (como refere a hipótese) do Estado (1345.º). Logo não
poderia ser adquirida por ocupação (1318.º), nem teria Luis, por não ser proprietário da
mesma, poderes para atuar como o fez. Ao fazê-lo será responsável nos termos gerais (483.º).
Relativamente à destruição do aqueduto por Luis, também este não o poderia fazer, em
virtude de normas do Código Civil, e até de eventuais normas de proteção arqueológica ou
cultural (v.g. Lei de Bases do Património Cultural). Com efeito, o direito de superfície
compreende a faculdade de construir ou manter obra, fazer ou manter plantação (1524.º).
Relativamente à oneração pelo superficiário do seu direito, designadamente com a
constituição de servidões, suscita-se a questão de saber se pode constituir um usufruto sobre a
obra. Apesar de a situação não se encontrar expressamente tratada no Código Civil, a resposta
é afirmativa. Ao permitir a transmissão do direito de superfície, de modo imperativo (1534.º) o
legislador está também a permitir a sua oneração, contando que a mesma não ultrapasse a
duração do direito de superfície (1460.º por analogia).
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
Teste escrito de Finalistas de Direitos Reais (3.º Ano Noite)
7 de setembro de 2015 (19 horas)
Equipa docente: José Luís Bonifácio Ramos e Tiago Soares da Fonseca
TÓPICOS DE CORREÇÃO
- Relativamente ao lago não existe qualquer direito de servidão, uma vez que não
há um encargo imposto a um prédio em proveito exclusivo de outro, nos termos do
artigo 1453.º CC. Também não há um direito real de aquisição pois que Eduarda não
está autorizada a adquirir uma parte de coisa ou coisa relacionada, designadamente
peixe, do lago em questão. Como tal, Eduarda tinha usava o lago no âmbito de uma
faculdade, de âmbito pessoal, que lhe fora atribuída.
a) Carlota já não era titular do direito de uso e habitação porque o prazo se havia
extinguido nos termos dos artigos 1490.º e 1476.º. Além disso, de acordo com
o preceituado no artigo 1487.º, os primos e a tia idosa não se incluíam no
âmbito da família, para efeitos de uso e habitação. Mesmo que o prazo não
houvesse cessado, o direito de uso e habitação encontra-se excluído da
usucapião, nos termos da alínea b) do artigo 1293.º;
b) Dinis havia excedido os limites do usufruto, de acordo com o artigo 1445.º ou
1446.º. Pode ainda discutir-se se houve mau uso, nos termos do artigo 1482.º.
Além disso, o regime do artigo 1462.º determina a substituição de todas as
cabeças de gado em falta. Acresce que não houve inversão do título da posse
por parte de Dinis, nos termos do artigo 1265.º CC, porque este bem sabia que
Ana vivia em Lisboa e não na casa da herdade;
c) Se Eduarda podia instalar os barcos a motor no lago, não é aceitável que os
alugue a terceiros, nem que permita o exercício da pesca. Ana, além de poder
exigir a cessação imediata de tais actividades, pode intentar uma acção de
ressarcimento contra Eduarda;
d) A compra celebrada por Frederico do olival era nula nos termos do artigo 892.º
CC. Assim, não adquiriu a propriedade mas a posse, por tradição material, nos
termos do artigo 1263.º/b). Ora, se a sua posse é titulada, pacífica e pública,
cumpre discutir se a mesma deve ser considerada de boa fé. Ora, como
estamos perante uma boa fé ética e não psicológica, apesar da presunção
ilidível do n.º 2 do artigo 1260.º, existem razões sobejas para afastar tal
presunção. Efetivamente e se a herdade estivera registada em nome de
Bernardo, avô de Ana, apesar de nem sabermos se Ana registara a sua
aquisição, sempre havia publicidade registal de que a herdade pertencera a um
seu ascendente. Além disso, Frederico poderia ter contactado com Eduarda ou
Carlota, que ambas o informariam de quem lhes havia outorgado os direitos
que ambas exerciam. Por isso, a posse de frederico deve ser qualificada de má
fé;
e) A ser assim, porque Frederico adquirira a posse em 1999, ainda não teria
adquirido a propriedade por usucapião, tendo em conta o teor do artigo 1296.º
CC.
II
22 de junho de 2017
Duração: 120’
Grupo I
Para que dúvidas não restassem, Alberto acordou com Bernardo, seu amigo de
longa data, que simulariam a doação de um dos apartamentos ao último, apesar de, na
verdade, o apartamento continuar a pertencer a Alberto. Dirigiram-se, então, a um notário,
perante o qual Alberto declarou querer doar o apartamento e Bernardo declarou aceitar a
doação. Munido da escritura pública exarada pelo notário, Bernardo conseguiu que o
Conservador registasse a aquisição a seu favor.
Aquando das mudanças para a nova casa, Carlota resolveu fazer uma limpeza à
arrecadação, que ficava no terraço adjacente ao seu apartamento e estava em péssimo
estado de conservação. Enquanto limpava, deparou-se com Daniel, arrendatário do rés-do-
chão do prédio vizinho, que lhe disse em tom ameaçador que a arrecadação devia ser
demolida, pois tinha uma janela a menos de metro e meio de distância do prédio onde ele
habitava, ainda por cima virada para o seu quarto. Carlota respondeu que estava registada
uma servidão de vistas a favor da sua fração. Daniel contrapôs que, desde que Alberto se
tornara proprietário do prédio onde ela agora morava, nunca mais ninguém tinha usado a
arrecadação e que, por isso, há muito se havia “livrado da servidão”. Mais a informou que
estava disposto a ir para tribunal se Carlota não procedesse à demolição dentro de um
prazo razoável.
Entretanto, Alberto voltou dos EUA em maio de 2017 e pretende que Carlota
abandone o imóvel.
- Ação de reivindicação como meio apropriado para Alberto usar
contra Carlota de forma a reaver o imóvel.
- Discutir aquisição tabular a favor de Carlota por via do art.º 291.º
CC: Carlota é terceiro de boa fé e adquiriu a título oneroso; uma
vez que há registo prévio, doutrina que exige a verificação desse
requisito não rejeitaria aqui o efeito aquisitivo; mas ainda não
decorreram os três anos previstos no n.º 2, por isso Alberto
poderia interpor ação de declaração de nulidade do negócio com
Bernardo, assim, prevalecendo a sua posição sobre a de Carlota.
- Possível explicação sobre inaplicabilidade dos artigos 5.º/1 e
17.º/2 CRPr.
Grupo II
Em abril de 2017, Guilherme leu num jornal um artigo sobre a história de sucesso
da pousada de Felisberto, onde também se falava do baú de joias. Decidiu, então, vir a
Portugal para reivindicar a propriedade sobre o prédio, incluindo a pousada, e as joias.
Tópicos de Correção
Grupo I
Nesse mesmo dia, Bruno, regressando de uma festa, num sinal luminoso numa zona
perigosa da cidade, foi vítima de “carjacking” por parte de Carla que, sob a ameaça de
uma faca, obrigou Bruno a sair do seu automóvel.
Carla conduziu rapidamente o carro até à oficina de Duarte, comerciante, que gere um
stand de automóveis. Carla entregou automóvel a Duarte, como tinham combinado.
Duarte colocou o carro “BMM” à venda por um preço abaixo do nível de mercado, de
forma a livrar-se rapidamente do mesmo.
Em Fevereiro de 2009, Eduardo, amante de automóveis e conhecedor de carros,
comprou o carro, pelo preço convidativo, embora não tenha registado a sua aquisição
no Registo Automóvel e saiu naquele mesmo dia do stand a conduzir o automóvel.
2
Hoje, em Julho de 2017, para grande surpresa de Eduardo, Abel encontrou o seu carro
e insiste em afirmar-se proprietário do mesmo.
Grupo II
Guida ficou consternada ao constatar que o vizinho do 1.º andar insistia em realizar
churrascos diários, o que sujava os lençóis brancos que esta colocava no estendal
exterior a secar, pese embora os seus pedidos diários para o fazer cessar.
4
Grupo I
1. Venda de bem alheio, nula nos termos do artigo 892.º; princípio da causalidade (art.
408.º CC).
2. Transmissão da posse mediante tradição material (artigo 1263.º, al. a CC);
classificação da posse de Bento (formal, civil, efetiva, titulada, de boa fé, pacífica e
pública).
3. Princípio da tipicidade dos direitos reais (artigo 1306.º do CC) e a inadmissibilidade
de uma cláusula de inalienabilidade convencional com caráter real; eficácia
meramente obrigacional da convenção, em função da conversão legal prevista na
segunda parte do artigo 1306.º.
4. Distinção entre o regime das benfeitorias realizadas pelo possuidor (artigos 1273.º e
ss. do CC) do regime da acessão industrial mobiliária (artigos 1333.º e ss. do CC), em
especial o regime da especificação; critérios de distinção entre acessão e benfeitorias.
Tomada de posição fundamentada.
5. Transmissão da posse de B para a esfera jurídica de C. Remeter para a classificação
da posse de B, visto tratar-se da mesma posse (artigo 1255.º do CC: “a posse
continua”); possível alusão ao fenómeno de desmaterialização da posse aqui
consagrado.
Dois anos depois do falecimento de Bento, Zacarias tomou conhecimento da venda dos
livros que tanto estimava. Decidiu, por isso, contactar Celestino para que lhe
devolvesse os livros. Este, porém, ripostou que pertencendo os livros àquela biblioteca
(que o seu pai começou a formar desde 1955), já não haveria qualquer mecanismo legal
admissível para que Zacarias os pudesse reaver. Em todo o caso, acrescentou que
mesmo que assim não fosse, Zacarias sempre teria que lhe restituir o montante pago
pelos livros, sem esquecer o investimento decorrente das capas especiais também
adquiridas pelo seu pai. Zacarias, furioso, dirigiu-se ao seu advogado, que lhe disse
Celestino tinha “toda a razão”, pelo que nada poderia fazer.
6. Zacarias pode lançar mão da ação de reivindicação. Como se trata de coisa comprada
a comerciante, a procedência da ação está dependente da restituição do preço a
Celestino por parte de Zacarias, gozando este de direito de regresso contra António
(artigo 1301.º do CC). Valorização da referência à não consagração do princípio de
“posse vale título” e ao enquadramento do artigo 1301.º do CC como forma de
mitigação da dureza dessa solução.
7. Classificação dos «livros antigos» como bens culturais e consequências do ponto de
vista do afastamento das soluções decorrente do princípio da “posse vale título”,
apesar de este regime não estar consagrado no ordenamento jurídico português, em
virtude do preceituado em Convenções Internacionais subscritas pelo Estado
Português.
8. Identificação da biblioteca como universalidade de facto ou coisa composta (ex
distantibus) — artigo 206.º do CC; irrelevância da integração (meramente de facto e
não de direito) dos livros na biblioteca, na medida em que as coisas singulares que a
integram são objeto de relações jurídicas próprias. Possível referência, com inerente
valorização, à (não) coisificação da universalidade, com tomada de posição
fundamentada.
9. Possibilidade de invocação da usucapião por parte de Celestino, que tem posse pública
e pacífica há mais de três anos (artigo 1299.º do CC), pelo que será ele o proprietário
dos livros, sendo a ação de reivindicação improcedente.
Grupo II
Dinis, proprietário de um andar numa zona turística próxima de Albufeira desde 1990,
decidiu vendê-lo a Ernesto em julho de 2016. Ernesto pagou 80% do preço em
dinheiro e para pagamento do remanescente, aproveitou para se desfazer de um outro
andar do qual era proprietário, sito em Peniche, dando-o em troca a Dinis. O negócio foi
celebrado por documento particular autenticado por solicitador, que acabou por se
esquecer de fazer a respetiva inscrição registal. O andar não foi, porém, entregue a
Ernesto, mas sim à “Cuide do Seu Imóvel, S.A.”, uma sociedade que se dedica à
construção, reparação e venda de imóveis que ficou de fazer reparações no andar.
Quando em julho de 2017 Ernesto se preparava para gozar umas merecidas férias com
a família, deparou-se com Filipe, que lhe disse ter adquirido aquele imóvel à “Cuide do
Seu Imóvel, S.A”. A aquisição, bem como a constituição de um direito de uso a favor de
Gualberto, foi devidamente registada. Ernesto pretende reagir. Já Gualberto sente-se
devassado por Filipe usar o imóvel durante a semana, visto que, segundo este último
aquele “só tem necessidade de usar o imóvel aos fins de semana”.
Grupo I
1. Venda de bem alheio, nula nos termos do artigo 892.º; princípio da causalidade (art.
408.º CC).
2. Transmissão da posse mediante tradição material (artigo 1263.º, al. a CC);
classificação da posse de Bento (formal, civil, efetiva, titulada, de boa fé, pacífica e
pública).
3. Princípio da tipicidade dos direitos reais (artigo 1306.º do CC) e a inadmissibilidade
de uma cláusula de inalienabilidade convencional com caráter real; eficácia
meramente obrigacional da convenção, em função da conversão legal prevista na
segunda parte do artigo 1306.º.
4. Distinção entre o regime das benfeitorias realizadas pelo possuidor (artigos 1273.º e
ss. do CC) do regime da acessão industrial mobiliária (artigos 1333.º e ss. do CC), em
especial o regime da especificação; critérios de distinção entre acessão e benfeitorias.
Tomada de posição fundamentada.
5. Transmissão da posse de B para a esfera jurídica de C. Remeter para a classificação
da posse de B, visto tratar-se da mesma posse (artigo 1255.º do CC: “a posse
continua”); possível alusão ao fenómeno de desmaterialização da posse aqui
consagrado.
Dois anos depois do falecimento de Bento, Zacarias tomou conhecimento da venda dos
livros que tanto estimava. Decidiu, por isso, contactar Celestino para que lhe
devolvesse os livros. Este, porém, ripostou que pertencendo os livros àquela biblioteca
(que o seu pai começou a formar desde 1955), já não haveria qualquer mecanismo legal
admissível para que Zacarias os pudesse reaver. Em todo o caso, acrescentou que
mesmo que assim não fosse, Zacarias sempre teria que lhe restituir o montante pago
pelos livros, sem esquecer o investimento decorrente das capas especiais também
adquiridas pelo seu pai. Zacarias, furioso, dirigiu-se ao seu advogado, que lhe disse
Celestino tinha “toda a razão”, pelo que nada poderia fazer.
6. Zacarias pode lançar mão da ação de reivindicação. Como se trata de coisa comprada
a comerciante, a procedência da ação está dependente da restituição do preço a
Celestino por parte de Zacarias, gozando este de direito de regresso contra António
(artigo 1301.º do CC). Valorização da referência à não consagração do princípio de
“posse vale título” e ao enquadramento do artigo 1301.º do CC como forma de
mitigação da dureza dessa solução.
7. Classificação dos «livros antigos» como bens culturais e consequências do ponto de
vista do afastamento das soluções decorrente do princípio da “posse vale título”,
apesar de este regime não estar consagrado no ordenamento jurídico português, em
virtude do preceituado em Convenções Internacionais subscritas pelo Estado
Português.
8. Identificação da biblioteca como universalidade de facto ou coisa composta (ex
distantibus) — artigo 206.º do CC; irrelevância da integração (meramente de facto e
não de direito) dos livros na biblioteca, na medida em que as coisas singulares que a
integram são objeto de relações jurídicas próprias. Possível referência, com inerente
valorização, à (não) coisificação da universalidade, com tomada de posição
fundamentada.
9. Possibilidade de invocação da usucapião por parte de Celestino, que tem posse pública
e pacífica há mais de três anos (artigo 1299.º do CC), pelo que será ele o proprietário
dos livros, sendo a ação de reivindicação improcedente.
Grupo II
Dinis, proprietário de um andar numa zona turística próxima de Albufeira desde 1990,
decidiu vendê-lo a Ernesto em julho de 2016. Ernesto pagou 80% do preço em
dinheiro e para pagamento do remanescente, aproveitou para se desfazer de um outro
andar do qual era proprietário, sito em Peniche, dando-o em troca a Dinis. O negócio foi
celebrado por documento particular autenticado por solicitador, que acabou por se
esquecer de fazer a respetiva inscrição registal. O andar não foi, porém, entregue a
Ernesto, mas sim à “Cuide do Seu Imóvel, S.A.”, uma sociedade que se dedica à
construção, reparação e venda de imóveis que ficou de fazer reparações no andar.
Quando em julho de 2017 Ernesto se preparava para gozar umas merecidas férias com
a família, deparou-se com Filipe, que lhe disse ter adquirido aquele imóvel à “Cuide do
Seu Imóvel, S.A”. A aquisição, bem como a constituição de um direito de uso a favor de
Gualberto, foi devidamente registada. Ernesto pretende reagir. Já Gualberto sente-se
devassado por Filipe usar o imóvel durante a semana, visto que, segundo este último
aquele “só tem necessidade de usar o imóvel aos fins de semana”.
CRITÉRIOS DE CORRECÇÃO
Grupo I
Grupo II
António adquiriu a posse por esbulho, enquanto modo de aquisição possessória autónoma,
resultante da interpretação dos artigos 1278.º a 1282.º do CC.
O artigo 1363.º do CC relativo aos modos de aquisição da posse tem natureza não taxativa.
Classificando a posse de António a mesma era não titulada - inexiste um acto jurídico
abstractamente idóneo cfr. artigo 1259.º/1 do CC; de má fé - António, atendendo à bitola da
boa fé subjectiva ética deveria saber que lesava direito de terceiros cfr. artigo 1260.º do CC;
violenta - (violência sobre a coisa pelo arrombamento) cfr. artigo 1261.º/2 e artigo 255.º/2 do
CC; discussão sobre a eventual natureza oculta ou pública da posse, sendo necessário aferir onde
se situa a casa que parecia estar “abandonada”. Apenas no caso de as benfeitorias terem sido
efectuadas de modo a poderem ser conhecidas pelos interessados, a posse seria pública, nos
termos do disposto no artigo 1262.º do Código Civil; formal – António não é titular do direito
real de gozo, em cujos termos se processa o seu exercício possessório; efectiva - existe controlo
directo e material do imóvel e interdital - (não é uma posse adequada para a invocação da
usucapião).
Bento adquire a posse por traditio, neste caso simbólica, com a eventual entrega das chaves por
parte de António, cfr. artigo 1263.º/alínea b) do CC.
Atendendo à classificação da posse de Bento, a mesma era não titulada – (cfr. artigo 1259.º do
CC a contrario, uma vez que da hipótese não resulta a celebração de um negócio jurídico válido);
de má-fé artigo 1260.º/2, 2.ª parte do CC (exceptuando se Bento conseguisse efectivar a ilisão
da presunção iuris tantum consagrada no artigo 1260.º/2, 2.ª parte do CC, v.g. se demonstrasse,
cabalmente, não ter tido conhecimento da conduta do irmão António, situação em que a sua
posse seria de boa fé); pacífica (caso Bento não tivesse sido coautor do esbulho com o irmão,
desconhecendo a sua conduta, cessando a violência com a entrega das chaves a Bento), pública;
formal; efectiva e civil – (confere a plenitude dos efeitos possessórios, sendo a posse adequada
à aplicação do instituto da usucapião).
António, ao construir a garagem e ao plantar uma vinha realizou benfeitorias no imóvel, nos
termos do disposto no artigo 216-º do CC.
António invocou o instituto da usucapião nos termos do disposto no artigo 1287.º do CC.
Para que existisse usucapião do direito de propriedade era necessário que se verificasse o
cumprimento cumulativo de três requisitos: 1- uma posse que seja boa para usucapião; 2 - a
verificação do decurso legal do prazo, atendendo à natureza da posse do possuidor e 3 - a
invocação judicial ou extrajudicial da usucapião pelo possuidor.
Ter-se-ia que atender sempre à posse de Bento, a qual não foi registada, conforme determina o
artigo 2.º/1 e), do CRP, razão pela qual os prazos a aplicar são os que resultam da primeira parte
do artigo 1296.º do CC, isto é, 15 anos, pelo facto de a posse de Bento ser de boa fé.
Bento era possuidor deste 2004, pelo que o decurso do prazo para usucapir a propriedade do
imóvel apenas se verificaria em 2019.
Bento poderia rodear a sua moradia, ao abrigo do artigo 1356.º do CC, em sede de direito de
tapagem.
II
António pretendeu que o solar que herdara ficasse constituído em regime de propriedade
horizontal, nos termos do disposto no artigo 1414.º do CC.
A constituição da propriedade horizontal estava vedada ao abrigo do artigo 1415.º do CC, uma
vez que o solar não está dividido em fracções autónomas (enquanto parte de um prédio
susceptível de afectação a um determinado fim), independentes distintas e isoladas entre si,
razão pela qual Bento, Carolina, Dário e Elga eram comproprietários do solar, nos termos do
disposto no artigo 1416.º.
Félix pretendia constituir uma servidão legal de passagem, nos termos do disposto no artigo
1543.º, 1544.º e 1550.º, todos do CC, sobre o prédio vizinho de António, enquanto servidão
coactiva.
A pretensão de António era correcta, tendo este inteira legitimidade para impedir a constituição
da servidão legal de passagem, em virtude do prédio de Félix não estar encravado, tendo saída
para a via pública, razão pela qual o direito potestativo de constituição da servidão legal de
passagem não procederia.
DIREITOS REAIS | EXAME ESCRITO (TAN) | ÉPOCA DE RECURSO
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO
Grupo I
1
Posição discutível, porquanto os dados da hipótese não permitem concluir que Carlos tenha registado.
5) Dinis é um terceiro que não tinha qualquer relação com o imóvel, podendo
indagar-se de uma eventual aquisição da posse por via do apossamento (1263.º,
al. a))2; todavia, o verdadeiro proprietário seria Eurico (adquiriu tabularmente, nos
termos do artigo 291.º do CC) e não Belarmino, que se viu o seu direito de
propriedade extinguir-se; Carlos não seria titular de um direito real de servidão3,
nem poderia, em princípio, invocar a usucapião, apesar de ter posse nos termos
desse direito desde janeiro de 1997 (artigo 1294.º, al. a) do CC).
Grupo II
1) Felisberto era proprietário (artigos 1302º e ss. do CC) e possuidor nos termos do
direito de propriedade (1251.º e ss. do CC);
2) Guilherme adquire posse nos termos do direito de propriedade, por via de esbulho
enquanto modo autónomo de aquisição da posse, na medida em que não foram
praticados atos de reiteração e publicidade; classificação da posse de Guilherme:
formal, civil, efetiva, não titulada, má fé, violenta e oculta); a venda ao stand
consubstancia uma venda de bem alheio (artigo 892.º do CC) e, portanto, nula
(deveria invocar-se o princípio da causalidade — artigo 408.º do CC);
3) Ao revender a scooter, a Amigos do Banditismo, SA celebra nova compra e venda,
que é nula (artigo 892.º do CC); Felisberto, na qualidade de proprietário pode
intentar ação de reivindicação (valorização da identificação das exigências do
artigo 1301.º do CC e das eventuais consequências em sede de ação de
reivindicação: Felisberto teria que restituir o preço pago por Henrique à Amigos
do Banditismo, SA, sem prejuízo do direto de regresso); Felisberto adquire posse
por tradição (artigo 1263.º, alínea b)), que seria formal, civil, efetiva, não titulada,
boa fé (a presunção constante do artigo 1260.º, n.º 2 seria ilidida), pacífica e
pública; a ação de restituição da posse não procederia, em face do disposto no
artigo 1281.º, n.º 2, 2.ª parte (Henrique estava de boa fé); em todo o caso, Henrique
sempre teria direito ao valor das benfeitorias úteis feitas na coisa, calculado
segundo as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1273.º do CC), admitindo-
se, alternativamente e de forma fundamentada, a aplicação das regras da acessão
industrial mobiliária de boa fé (artigo 1333.º do CC).
4) Henrique adquire posse do Código Civil de Felisberto, por via do esbulho (o artigo
1263.º consagra um elenco meramente enunciativo); a venda a Isabel é nula,
porquanto Henrique não é proprietário do Código Civil (artigo 892.º e artigo 408.º,
ambos do Código Civil); Felisberto só se poderá defender através de uma ação de
reivindicação, na medida em que a sua posse se extinguiu (artigo 1284.º, n.º 2, do
CC);
2
Resulta expressamente dos dados da hipótese que Dinis era um verdadeiro terceiro; porém, a identificação
de Dinis como sendo Eurico por parte dos alunos não implicaria qualquer penalização.
3
Caso se considere que o artigo 5.º do CRP não consagra o efeito atributivo.
5) Densificação a propósito da natureza jurídica dos animais (artigo 1305.º-A do
Código Civil).
DIREITOS REAIS | EXAME ESCRITO (TAN) | COINCIDÊNCIA DE RECURSO
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO
Grupo I
Grupo II
GRUPO I
Em maio de 2001, António, proprietário e legítimo possuidor do prédio X desde 1980,
inscrito a seu favor, vendeu-o a Berto, que não registou a aquisição. O contrato foi
assinado por ambas as partes, tendo Berto pago um preço de 100 mil contos. Berto
começou a residir, de imediato, no prédio X, tendo autorizado Gustavo a construir um
parque de estacionamento subterrâneo, numa parcela do imóvel.
Dias depois, uma credora de António, Zulmira, inquieta com o incumprimento de
António, uma vez munida de título executivo, decidiu intentar ação executiva e indicar
o prédio X à penhora, tendo Carla adquirido o imóvel na execução e registado.
Posteriormente, António — sofrendo de problemas financeiros — decidiu ainda assim,
constituir usufruto oneroso a favor de Daniel. O negócio foi celebrado mediante
escritura pública e registado, tendo Daniel constituído, concomitantemente, novo
usufruto a favor de Elsa.
Em 2010, Berto, que permanecia no imóvel, celebrou nova venda. Filipe, adquirente,
beneficiou da entrega das chaves, passando de imediato a residir no imóvel. O negócio
não foi registado.
Um ano mais tarde, Elsa faleceu. O seu filho, Guilherme vem agora reclamar a
titularidade do direito de usufruto. Opõem-se Carla, Daniel e Filipe, também eles com
pretensões incompatíveis entre si.
Quid juris? (16 valores).
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO:
Qualificação do contrato celebrado entre A e B como contrato de compra e venda, com
referência aos princípios da consensualidade e da causalidade (408.º do CC); B tornou-
se proprietário do prédio X por efeito da celebração do contrato e possuidor nos termos
da propriedade, por efeito da entrega (posse causal, civil, efetiva, titulada, de boa fé,
pacífica e pública); B não registou, pelo que não beneficiou do efeito consolidativo do
registo (5.º/1 do CRP). B constituiu ainda um direito a construir e a manter obra sob
solo alheio (1525.º/2 do CC) a favor de G, que passou também a exteriorizar uma posse
nos termos do direito de superfície sobre o prédio X (causal, civil, efetiva, titulada, de
boa fé, pacífica e pública).
C adquiriu o mesmo prédio X em sede de venda executiva, beneficiando da
desconformidade existente entre a ordem jurídica substantiva e a realidade registal;
impunha-se discutir (i) se o artigo 5.º do CRP consagra uma eficácia atributiva e (ii) em
caso afirmativo, desenvolver o conceito de terceiro consagrado no n.º 4 daquele
preceito, concluindo-se, em princípio, no sentido de que C não era terceiro, não
beneficiando, em qualquer caso, de proteção tabular.
Ao constituir usufruto a favor de D, A voltou a praticar um ato de disposição sobre o
prédio X (dupla disposição); impunha-se discutir (i) se o artigo 5.º do CRP consagra
uma eficácia atributiva (podendo-se remeter para o que antes se tenha afirmado a esse
respeito) e (ii) em caso afirmativo, se o artigo 5.º exige que o terceiro adquirente (D)
esteja de boa fé no momento da aquisição (lembre-se que C beneficiava de registo a seu
favor, pelo que, mesmo não estando a lesar um direito de C — que não era proprietário
do prédio X — tinha um dever acrescido de indagação a respeito da titularidade se A).
Em qualquer caso — e mesmo que não se admitisse que D era usufrutuário — ter-se-ia
de concluir pela admissibilidade, em abstrato, de transmissão a favor de E do direito de
usufruto e, por outro lado impunha-se analisar — também em abstrato — a
consequência do falecimento de E: a entrada do seu usufruto na sucessão (G) ou a sua
extinção. Note-se, porém, que as aquisições de E e a (eventual) sucessão (G) seriam
prejudicadas pela não constituição do direito de usufruto na esfera de D.
O contrato celebrado entre B e F é substantivamente válido, pelo que F se torna
proprietário do imóvel (408.º do CC). F torna-se, também, possuidor do imóvel (que
exterioriza nos termos do direito de propriedade), porquanto beneficia da entrega
(1263º/b), sendo a posse causal, civil, efetiva, titulada, de boa fé, pacífica e pública.
Note-se, ainda, que F podia juntar o tempo de posse dos antigos possuidores do imóvel
(1256.º): o que teria relevância caso o aluno tivesse concluído, fundamentadamente, no
sentido de que qualquer dos sujeitos anteriormente mencionado tinha beneficiado de
aquisição tabular; nessa eventualidade, F poderia invocar a usucapião e, assim,
prevalecer na questão da titularidade do prédio X (usucapio contra tabulas).
GRUPO II
Comente a seguinte afirmação:
“Sendo a finalidade do registo a protecção do terceiro que confia na fé pública,
tal finalidade não pode ser prosseguida se o adquirente estiver de má fé”
(4 valores)
CRITÉRIOS DE CORREÇÃO:
O registo procura dar publicidade à situação jurídica dos prédios e não, propriamente,
proteger o terceiro. Tanto mais que o terceiro nem sempre é protegido por via registal.
E, como sabemos, o registo não dá nem tira direitos, representando o efeito atributivo
uma exceção aos princípios estruturantes do registo predial. Aliás, a tendência
dominante, da nossa ordem jurídica, é a prevalência da titularidade substantiva sobre os
interesses do tráfego.
Todavia, perante as situações excecionais do registo atributivo, importa ter presente a
verificação concomitante dos requisitos aquisitivos previstos nos artigos 291.º CC e
17.º/2 e 122.º do CRP. Porém, no que respeita ao artigo 5º CRP, importa ter em conta,
para quem defende a admissibilidade do registo atributivo, as propostas expansionistas.
Designadamente as de Mónica Jardim e de Paulo Henriques quando prescindem dos
requisitos da onerosidade e da boa fé do terceiro adquirente. Porém, essa não será a
doutrina maioritária, tendo presente, entre outras, as posições dos professores Oliveira
Ascensão, Menezes Cordeiro, Carvalho Fernandes, entre outros. Aliás, o professor
Hörster sustenta que a boa fé assume uma qualidade constitutiva do direito do terceiro
adquirente. Pelo que, quem sustente esta última orientação terá que concordar com a
última parte da frase enunciada no teste. Por seu turno, no tocante à primeira parte, ela
não poderia ser aceite, tendo em conta a prevalência da titularidade substantiva, supra-
referida.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
DIREITOS REAIS – TAN
REGÊNCIA: PROFESSOR DOUTOR JOSÉ LUÍS RAMOS
EXAME ÉPOCA DE COINCIDÊNCIAS – 08.07.2020
I
Abel trespassou a Berta o usufruto sobre a “Herdado do Paço”, a 16.06.2019, tendo a segunda registado o
seu facto aquisitivo a 28.06.2019
Em seguida, Abel celebra com Carlota uma escritura pública através do qual o primeiro constituía a favor
da segunda uma servidão de passagem sobre a “Herdade do Paço”, enquanto que Carlota transmitia a Abel
o direito de propriedade de um terreno rústico. Carlota regista o seu facto aquisitivo a 26.06.2019.
Dário, proprietário de um apartamento em Lisboa, vende-o a Félix, em 15.05.2015.
Logo em seguida, Félix entrega a Guilherme o apartamento para pagamento de uma dívida que tinha perante
este, transmitindo-lhe o direito real de que era titular. Guilherme regista o facto aquisitivo a 30.06.2015,
passando a residir no imóvel desde essa data.
Entretanto, em 01.01.2020, Helena, mãe de Dário, descobre o negócio que o seu filho havia celebrado com
Félix, apresentado acção judicial com vista a invalidar o negócio, uma vez que o seu filho estava interditado,
por anomalia psíquica, com sentença transitada em julgado, desde 01.04.2010.
Quid iuris?
Tópicos de correção
A, ao constituir um usufruto a favor de B, transmite-lhe este direito real de gozo menor, ao abrigo do
disposto no artigo 1444.º do CC; B adquire o seu direito de usufruto, nos termos do disposto no art. 408.º/1,
em virtude do princípio da consensualidade e da causalidade, tendo registado o facto aquisitivo (art. 2.º/1,
al. a) e art- 8.º-A/1, al. a), ambos do CRP).
A, à partida, não tinha legitimidade para constituir servidão de passagem a favor de C, através do contrato
de permuta. Verifica-se, por parte de A, uma dupla disposição de um direito parcialmente incompatível.
Referência à discussão em torno da consagração do efeito atributivo no artigo 5.º/1 e 4 do CRP; tomada
de posição fundamentada: caso se optasse pelo entendimento diverso do defendido pelo Prof. José Luís
Bonifácio Ramos, ter-se-ia de concluir no sentido de que C adquiria tabularmente o direito de servidão,
na medida em que os pressupostos se encontravam preenchidos.
A propósito do negócio entre F e G discutir a possibilidade de aplicação do regime do artigo 291.º do CC,
enquanto modalidade de aquisição tabular nos casos de sub-aquisição com invalidade substantiva; o
negócio entre D e F está ferido de invalidade por falta de capacidade jurídica de exercício do disponente,
interditado por anomalia psíquica em momento anterior ao da celebração do negócio. G adquiria
tabularmente, porquanto (para além dos demais pressupostos que teriam de ser mencionados) já teriam
decorrido mais de três anos contados desde a data da celebração do primeiro negócio inválido (celebrado
a 15.05.2015, e acção de nulidade intentada em 2020).
1
II
António emprestou a Berta, no dia 05.04.2010, um calor de diamante, para que esta o utilizasse no seu
casamento a realizar no dia seguinte.
Passado um mês, António, estranhando a não devolução da joia, exige a sua entrega a Berta.
Berta alega nessa data que António lhe havia dado aquele colar de presente de casamento e que, por tal
razão, não iria devolvê-lo.
No dia 27.05.2018, Berta vendeu o calor a Carlota que passa desde essa data a utilizá-lo.
António pretende reaver o colar, dirigindo-se ao escritório do seu advogado, questionando-o, em termos
gerais, qual o tipo de acção a intentar para atingir o seu objectivo.
O Advogado de António apresenta a respetiva ação com vista a reaver o colar, no dia 01.06.2020.
Carlota contacta o seu advogado para que este apresente a sua contestação.
Quid iuris?
Tópicos de correção:
A celebrou com B um contrato comodato, previsto nos arts. 1129.º e ss. do CC; B passa a ser titular de um
direito pessoal de gozo, e a possuidor nos termos do comodato (posse interdital) e detentor por referência
ao direito de propriedade.
B, ao invocar, de má fé, que A lhe deu aquela joia como presente de casamento, está a arrogar-se da
qualidade de proprietária da coisa comodatada; verifica-se, por isso, uma inversão do título da posse, nos
termos do disposto no art. 1263.º/al. d) e 1265.º CC, uma vez que B, mera detentora, com a sua conduta,
passa a exteriorizar uma posse civil em nome próprio e não em nome alheio. Com a inversão do título da
posse, B passa a exteriorizar um direito próprio: uma posse nos termos de um direito de propriedade sem
que, contudo, haja uma alteração da situação jurídico- real: A é ainda a proprietário do colar.
Classificação da posse de B: não titulada (art. 1259.º do CC), de má fé (art. 1260.º), pacífica (art. 1261.º),
pública (art. 1262.º, do CC) e ainda civil , formal, efetiva e imediata.
B, ao vender a C o colar, está a dispor de coisa alheia (art. 892.º CC). Porém, C adquire a posse por
tradição material da coisa, nos termos do art. 1263.º al. b). A posse de C é titulada, de boa fé, pacífica,
pública, civil, formal, efetiva e imediata.
Em 2020, A apenas poderia intentar uma ação de reivindicação (1311.º CC), não podendo recorrer às
ações possessórias, mormente à ação de restituição da posse (art. 1278.º), uma vez que havia perdido a
posse (art. 1267.º/1 al. d). C poderia invocar acessão da posse (art. 1256.º), de maneira a juntar a sua
posse à do seu antecessor B, com vista à invocação da usucapião (art. 1299.º CC) e referência ao
2
entendimento de Manuel Rodrigues e Santos Justos entendem que o negócio tem de ser válido para que a
acessão opere; por oposição, Oliveira Ascensão, Menezes Cordeiro ou José Alberto Vieira entendem que
o vínculo apenas tem de ser abstratamente idóneo.
Contudo, a posse do anterior possuidor (B) é de menor âmbito, uma vez que é não titulada e de má fé (art.
1256.º/2). Assim, o prazo para C usucapir, por verificação das regras da acessão da posse era de 6 anos,
de acordo com a parte final do art. 1299.º e não de 3 anos. Juntando a posse de B com a sua posse, C pode
invocar a usucapião, adquirindo o propriedade do colar por usucapião.
3
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DIREITOS REAIS-TAN
Época de Recurso
29 de Julho – 19 horas e 30 minutos
Regência: Professor José Luís Bonifácio Ramos
(grelha correctiva)
I
(11 valores)
Álvaro, Berta e Carolina são co-titulares de uma Quinta, situada no
Oeste, que havia sido inscrita no registo predial pelo avô de ambos, Duarte, em
2001. Embora a administração tenha sido atribuída a Carolina, Berta mandou
reparar os telhados do celeiro e ampliar um tanque, onde costumava beber o
gado, para dar uns mergulhos nas tardes de Verão. Ora, se Álvaro pagou,
prontamente, o montante correspondente, o mesmo não sucedeu com Carolina
que, de pronto, alienou a sua parte, na Quinta, a Eduarda. Logo a seguir,
Álvaro permitiu que Francisco, antigo trabalhador rural de seu avô, construísse
uma pequena casa, nuns terrenos bem afastados do núcleo central da Quinta.
Francisco, por seu turno, autorizou que Henriqueta, sua cunhada , erigisse um
primeiro andar na casa, de modo a lá passar férias e fins de semana.
Por seu turno, Graça, tia de Alvaro, Berta e Carolina, tendo sabido das
alterações efectuadas, porque entendia ser a única proprietária, nos termos de
um testamento, cuja cópia, enviara aos sobrinhos, intima-os a abandonarem,
de pronto, a Quinta, ressarcindo-a dos prejuízos causados que avaliara em
cento e cinquenta mil euros. Ademais, tendo-se apercebido que Luís,
proprietário de terreno contíguo, atravessava a Quinta, a pé e de tractor, e que
aquele terreno não era encravado e havia sido objecto de acordo de sua parte
ou de Duarte, coloca um portão, de modo a proibir tal atravessamento. Porém
Luís, em resposta, informa que assim procede, uma vez que aquele percurso,
no interior da Quinta, constitui um atravessadouro, de modo a ir buscar água ao
fontanário, para dar de beber ao gado.
. Quid Juris?
Atendendendo aos termos da hipótese, tudo leva a crer que Graça é a
proprietária da Quinta, por sucessão de seu pai, Duarte, e avô de Álvaro, Berta
e Carolina. Assumindo os netos a co-titularidade de um usufruto. Por
conseguinte, nos termos do artigo 1441º CC, existe um usufruto simultâneo, a
favor de Álvaro, Berta e Carolina, ao qual se aplicam as regras da co-
titularidade, em virtude do artigo 1404ºº CC. Ademais, se a administração é
disjunta, pois a administração fora atribuída a Carolina, Berta mandou reparar
os telhados do celeiro e ampliar o tanque. Ora, mesmo que se admita que a
reparação do telhado é um acto urgente, destinado a evitar um dano eminente,
nem aí podia ser praticado por um não administrador, ainda que co-
usufrutuário, de acordo com o preceituado no nº 1 do artigo 1407ºCC e nº 3 do
artigo 985º CC. Deste modo, os actos realizados por Berta podem ser
anulados, sem prejuízo do autor incorrer em responsabilidade pelos danos
decorrentes da sua prática, nos termos do nº 3 do artigo 1407º CC. Ademais,
ainda que se entenda que a reparação do telhado cabe no âmbito do
preceituado no artigo 1472º, relativo a reparações ordináriias do usufrutuário,
isso não se afigura admissível em virtude de não ser administrador.
Relativamente à alienação da quota por Carolina, havia que saber se o
usufruto permitia o trespasse, nos termos do nº 1 do artigo 1444º CC e ainda
se foi dada preferência aos demais, de acordo com o artigo 1409º CC. Por
outro lado, ainda de acordo com o artigo 1444º, dependia do título constitutivo
a susceptibilidade de Álvaro o onerar, pela constituição de um direito de
superfície a favor de Francisco. Tanto mais que Carolina havia deixado de ser
co-titular e, por via disso, administradora, ao transmitir a quota a Eduarda. No
entanto, importa ponderar se a construção da pequena casa altera a forma, a
substância ou, ao invés, o destino económico do usufruto, observando o teor
dos artigos 1439º CC e 1446º CC. Por outro lado, relativamente a Henriqueta,
a inaplicabilidade do artigo 1526º CC.
Admitindo a existência de um usufruto a favor de Álvaro, Berta e
Carolina, não poderia Graça intimá-los a abandonarem a Quinta. Solução
inversa se esse pressuposto não se verificar. Mesmo aí podíamos admitir uma
posse correspondente ao direito de usufruto que permitisse a aquisição do
direito de usufruto, por usucapião, caso os netos de Duarte estivessem de boa
fé. Por seu turno, relativamente a Luís, caso se reúnam os requisitos do artigo
1384º CC, seria possível o atravessamento da Quinta, ainda que o prédio não
esteja encravado e não haja direito de servidão a favor do titular daquele
imóvel.
II
(5 valores)
Manuela, proprietária de um apartamento no Algarve, permite que a sua
amiga Noémia e os filhos aí passem o mês de Julho. Porém, passada uma
semana, Noémia encontra, na respectiva caixa do correio, uma carta da
administração do condomínio informando que o respectivo regulamento não
permite a presença de cães no edifício. Além disso, junta a conta de diversos
arranjos no jardim e no pátio, realizados em virtude de estragos imputados aos
cães.
Contristada com a situação, porque encontrou um outro apartamento
defronte, integrado num aldeamento, resolveu adquiri-lo, mudando-se para lá
com a sua prole e os cães. Aliás, como gostou muito do aldeamento e estava
cansada da capital, resolveu vender a casa de Lisboa, fazendo do apartamento
a sua residência permanente. Mais tarde, ficou muitíssimo surpreendida ao
constatar que não poderia vender esse apartamento sem dar preferência à
empresa titular do aldeamento e que a deliberação no sentido de isentar os
residentes a um pagamento periódico, conforme havia sido informada no
momento da aquisição, havia sido anulada pelo tribunal. Quid Juris?
III
(4 valores)
Comente a seguinte frase: “Não existe uma reiterada e permanente
prevalência do registo em detrimento da posse” .
Tópicos de correção:
A, B e C são comproprietários (1403.º e ss CC); na medida em que não beneficiam de registo a
seu favor, não ficam protegidos pelo efeito consolidativo do registo (5.º CRP). Parece ter havido
convenção de uso exclusivo da fração a favor de C, possível nos termos do artigo 1406.º/1 CC, o
que, nos termos do n.º 2, não significa que C tivesse posse exclusiva da fração.
A administração da coisa comum pertencia aos três irmãos (1407.º CC), sendo que as obras de
reabilitação não parecem configurar benfeitorias necessárias (1411.º CC). A e B poderiam
requerer a anulação dos atos praticados (1407.º/3 CC).
A compra e venda celebrada entre C e D é nula (1408.º/2 CC). Na medida em que a entrega se
verificou apenas 5 anos depois, poder-se-ia discutir se D adquiriu posse no momento da
celebração do contrato (1263.º c) e 1264.º) — o que, em qualquer caso, estaria afastado em face
da nulidade do contrato — ou mediante a tradição (1263.º/b) CC).
O usufruto constituído a favor de Emília seria também nulo, por falta de legitimidade de D. No
entanto, e na medida em que D beneficiava de inscrição registal a seu favor, D podia adquirir
tabularmente, nos termos do artigo 291.º CC, estando, em princípio, reunidos os pressupostos da
aquisição tabular previstos neste preceito.
Não tendo invertido o título da posse C não tinha posse exclusiva do imóvel. A pretensão de A e
B era, porém, improcedente, porquanto E era usufrutuária do imóvel. Além disso, D exteriorizou
uma posse pública e pacífica durante 15 anos, pelo que podia invocar a usucapião (e isto mesmo
que se considerasse que a sua posse era de má fé — cfr. 1290.º/a) e b) CC): D era proprietária da
fração.
Por fim, as obras na fachada da fração deveriam ter sido aprovadas por maioria de dois terços do
valor total do prédio (1422.º/3 CC), não havendo, no enunciado da hipótese, qualquer referência
a essa mesma autorização.
II
Félix, larápio profissional, furtou alguns pincéis e tintas de óleo na loja de arte do seu bairro.
Gisela, a proprietária da loja, conhecedora da arte de Félix, dirigiu-se a sua casa para solicitar a
devolução do dos pincéis e das tintas. Para seu espanto, a namorada de Félix, Helena — que
pintava nos tempos livres — tinha feito com as tintas e pincéis um fantástico quadro que colocou
à venda na galeria de uma amiga. Luís adquiriu o quadro por uma soma considerável.
Quid juris? (6 valores)
Tópicos de correção:
Com a aplicação das tintas da tela, H deu nova forma, por seu trabalho, a uma coisa móvel
pertencente a G, não podendo a coisa ser restituída à sua primitiva forma. Estamos perante um
caso de especificação (1338.º CC). Teria de ser ponderada a boa ou má fé de H. Na medida em
que H não observou o cuidado que lhe seria exigido (enquanto namorada de um larápio
profissional), H deveria ser considerada, em princípio, de má fé (1337.º): G tinha, assim, direito
à coisa no estado em que se encontrava. Porém, na medida em que o valor da coisa deverá ter
aumentado em mais um terço, G deve restituir o excesso a H.
Concluindo-se que G era a proprietária do quadro, poderia exigi-lo a Luís, que o adquiriu a non
domino. Adquiriu-o, porém, a comerciante (na galeria de uma amiga de H), pelo que a
procedência da ação de reivindicação dependia dos requisitos do artigo 1301.º CC.
III
Comente a seguinte afirmação:
“Não faz sentido que o possuidor de má fé beneficie da usucapião”.
(4 valores)
Tópicos de correção:
Pressupunha-se que fosse discutido, sobretudo de jure constituendo, mas também tendo em conta
o preceituado na Lei nº 30/2016 de 23 de agosto, se o possuidor de má fé, designadamente o
indivíduo que praticou um furto de coisa móvel, de natureza artística ou cultural, pode adquirir
por usucapião.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2020/2021
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame escrito (duração: 90 minutos)
23 de junho de 2021/Professor Doutor José Luís Ramos
Tópicos de correção
I
Em janeiro de 2005, Ana e Bruno receberam de doação um pequeno iate
que se encontrava na marina de Portimão. Como Bruno se encontrava fora, Ana
utilizou sempre o iate a seu belo prazer, realizando, inclusive obras de restauro sem
qualquer autorização de Bruno. Em maio de 2021, Bruno envia uma carta a Ana,
sugerindo-lhe vender a “parte dele do iate”. Ana responde dizendo que, ao fim
destes anos, Bruno já não tem quaisquer direitos sobre o bem, sendo ela
proprietária exclusiva. Bruno, chateado com a situação, decide transmitir a sua
quota a Carlos, em troca de um BMW usado, não informando disso Ana.
II
Em março de 2005, Diana adquiriu um apartamento, que decidiu usar como espaço
de trabalho; porém, em fevereiro de 2010, é surpreendida com uma deliberação
aprovada no mês de janeiro transato em assembleia de condóminos, nos termos da
qual as frações apenas podem ser usadas para fins exclusivamente habitacionais.
Em junho de 2011, acaba por vender o apartamento a Emília, que de imediato se
instala com o seu marido Francisco, embora não proceda ao registo. Em janeiro de
2015, Francisco e Emília divorciam-se, ficando Francisco com o direito a
permanecer no apartamento. Em junho de 2021, Diana, tomando conhecimento que
o apartamento ainda se encontra inscrito no registo a seu favor, vende-o a
Guilherme, que de imediato o regista. Emília opõe-se a Guilherme dizendo ser a
proprietária do apartamento atento o decurso do tempo e a atitude pouco cordata de
Diana; enquanto Francisco afirma que, independentemente de quem seja o
proprietário, tem direito a viver no apartamento.
III
Tópicos de Correção
I
Em março de 2015, Armindo encontrava-se a viajar no expresso Lisboa-Faro
quando encontrou uma pedra preciosa dentro da bolsa traseira do Banco. Armindo
guardou-a discretamente, tendo, logo que chegou a Faro, perguntado ao seu amigo, o
Bruno, dono de uma casa de penhor, que tipo de pedra era aquela. Após analisar, Bruno
disse-lhe que era um mineral muito valioso, nomeadamente uma esmeralda rara. Bruno
combinou então com António que este vendesse a pedra preciosa na sua loja, ficando
este último com 10% da venda. De forma a promover a venda, Bruno decide colocar a
esmeralda num anel de ouro. O conjunto acabou por ser vendido em julho de 2015, a
Catarina. Em janeiro de 2021, Catarina é surpreendida por Diana, que reconhece a sua
esmeralda, pedindo-a de volta. Catarina recusa-se a devolvê-la, aduzindo os seguintes
argumentos: (i) que o comprou a um legítimo comerciante; (ii) que já não estava mais em
causa apenas a esmeralda, mas sim um anel com uma gema; (iii) que já detinha a
esmeralda há muito tempo e, por isso, Diana já não tinha direitos sobre a pedra preciosa.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3 v)
- Forma de aquisição da posse de A, que se deu por via do esbulho (não sendo previsto,
expressamente, ainda assim, este modo de aquisição possessória pode ser retirado dos
artigos 1278.º a 1282.º)); a aquisição por via do esbulho deverá ser mantida,
independentemente de se defender que D perdeu a posse, uma vez que A não cumpre
com os requisitos do artigo 1323.º, n.º 1 e 2, excluindo-se, por conseguinte, a aplicação
deste regime; classificação da sua posse, em especial, discutindo se a mesma é pública
ou oculta.
- B é apenas detentor (artigo 1253.º, c)). Embora a sua detenção lhe atribua tutela
possessória (artigo 670.º, a)), a mesma não constitui posse.
- C adquire a posse do anel com a esmeralda por tradição material da coisa (artigo
1263.º, b)); classificação da sua posse; C não adquire, porém, o direito real de
propriedade sobre a esmeralda, pois constitui uma venda de bens alheios (artigo 892.º).
- D é, aparentemente, titular do direito real de propriedade sobre a esmeralda; discutir se
a posse de D se extingue por perda (artigo 1267.º, b)), configurando a situação como
sendo correlativa com a aplicação do regime das coisas perdidas e esquecidas (artigo
1323.º) ou, pelo contrário, aplicando esta causa de extinção num sentido restrito, uma vez
que D poderia, ainda, encontrar a coisa, tendo em conta a factualidade do caso concreto,
e, aplicando-se, assim, o artigo 1267.º, d).
II
Em janeiro de 2010, Francisco herda um monte alentejano que decide entregar a
Guilherme no mês seguinte, para que este proceda à respetiva manutenção e
rentabilização da forma que entender adequada. Guilherme reserva uma parte do monte
para fazer plantações agrícolas, comercializando os respetivos frutos e em fevereiro de
2010, cede outra parte a Hugo, para que este aí construa e explore um alojamento
destinado a turismo rural, o que não comunica a Francisco por considerar desnecessário.
Em março de 2021, Guilherme morre e Francisco vende o monte a Inês. Em maio do
mesmo ano, Inês muda-se para o monte e depara-se com a presença de Hugo, exigindo
que este abandone a propriedade, exibindo-lhe a escritura e o comprovativo do registo.
Hugo recusa-se, atendendo ao tempo decorrido entretanto, bem como ao montante por si
despendido na construção do alojamento.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
III (4 v.)
I
Em julho de 2010, Ana, proprietária de um terreno em Alcácer do Sal, decide
constituir, a favor de Bruno, um usufruto pelo período de 30 anos. Nos termos do
contrato, ficaria vedado a Bruno trespassar a sua posição jurídica a terceiros,
podendo, porém, alterar o aproveitamento económico do terreno, que era, à data,
utilizado para a cultura do arroz. Bruno, que tomou posse imediata do terreno,
procedeu à transformação do mesmo para a cultura da batata-doce, bem como à
oneração de uma parcela deste a Carlos pelo período do usufruto, ficando
estabelecido, contratualmente, que o contrato teria eficácia real.
Em fevereiro de 2021, após o falecimento de Ana, o seu legítimo herdeiro,
Daniel, envia uma carta a Bruno, declarando que o contrato era inválido tendo em
conta dois fundamentos: (i) falta de forma legalmente exigida, uma vez que o
contrato de usufruto tinha sido celebrado, unicamente, por escrito particular; (ii)
violação das regras imperativas do regime de usufruto. Bruno contradita, referindo a
que a falta de validade do contrato não se aplica no presente caso, dado que está há
muito tempo na posse do terreno. Adicionalmente, Bruno refere que a alteração
para a cultura da batata-doce foi prevista contratualmente e que tal não viola as
regras do usufruto, pois ficou estabelecido que, no final do contrato, Bruno colocaria
o terreno no estado em que se encontrava anteriormente.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
III
-Em primeiro lugar, as obrigações contidas no diploma não colidem com a tipicidade.
-Por seu turno, quanto ao morador, o dever de realizar e suportar o custo de obras
de conservação ordinária na habitação.
Tópicos de correção
I (10 valores)
Em fevereiro de 2010, Alberto e Bruno adquiriram por compra e venda um terreno
a Carlos, na região de Santarém. O facto jurídico aquisitivo foi devidamente registado.
Em janeiro de 2011 Bruno falece, fazendo com que Alberto assuma o controlo dos
negócios da quinta. Nos anos seguintes, Alberto procede à construção de dois casões
para armazenar máquinas agrícolas, bem como de uma piscina. Em janeiro de 2021,
Alberto é surpreendido por Daniel filho de Bruno, que reclama ser, igualmente,
possuidor e comproprietário do terreno, referindo que todos os atos práticos por Alberto
eram inválidos, pois não tiveram a sua anuência. Alberto contrapõe dizendo ter sido o
único a preocupar-se com o terreno desde a morte de Bruno, sendo que ao fim destes
anos será ele o único proprietário.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3 v)
- A junção de duas coisas corpóreas, cuja titularidade não pertence ao mesmo titular,
pode suscitar a questão da aquisição por acessão (forma de aquisição originária: artigos
1316.º e 1317.º, d)); in casu, a acessão industrial imobiliária (artigos 1339.º e seguintes);
referência aos requisitos.
- Não existindo autorização, a situação reportar-se, de qualquer forma, ao artigo 1341.º.
Em determinadas situações, a transformação, por um dos comproprietários, do terreno
comum, que diz respeito ao seu interesse exclusivo, sem autorização, pode implicar a
aplicação das regras da acessão; porém, como vimos, parece não ter existido inversão do
título da posse, pelo que as regras de acessão não se aplicariam, tendo em conta que a
titularidade pertence a ambos os sujeitos.
II (6 valores)
Alda, titular de uma unidade de alojamento, num empreendimento de turismo rural, no
Douro Vinhateiro, escreveu uma carta ao administrador daquela entidade, nos seguintes
termos:
a) Deixará de pagar a prestação periódica, no fim do mês de Dezembro de 2021, se até lá
não for reparada a canalização da cozinha do apartamento que utiliza durante o mês de
Setembro.
b) Como também é titular da unidade de alojamento contígua, declara ir abrir, de imediato,
uma porta de comunicação, entre os dois apartamentos, que funcionará durante cada
mês de Setembro.
c) Mais declara que, em 2022, irá viajar durante os meses de Agosto e de Setembro. Por
isso, pretende utilizar as unidades de alojamento em Outubro, por troca com o respectivo
usuário
d) Porque pondera a hipótese de alienar as duas unidades de alojamento em 2023, data
previsível do fim da construção da moradia que mandou edificar, a alguns quilómetros de
distância, vem, desde já, dar preferência, nos termos contratuais, declarando que as irá
transmitir a Bento, pelo preço global de X.
Quid Juris?
- Em primeiro lugar, haverá que discutir se estaremos perante um direito real. Em caso
positivo, qual?
- Na verdade, não basta a existência de uma unidade de alojamento, integrada num
empreendimento turístico para estarmos defronte de um direito real de habitação
periódica (Decreto-Lei nº 275/93 de 5 de Agosto, republicado pelo nº 37/2011 de 10 de
Março).
- Em segundo, será necessário ter em conta a especialidade do objecto, como decorre
dos artigos 4º e 5º.
-Se essas condições não estiverem reunidas, suscita-se a questão de uma posse relativa
ao DRHP, mas não da titularidade de um verdadeiro DRHP.
- Ou ainda da eventual existência de um direito real de condomínio, caso a unidade
estivesse em regime de propriedade horizontal.
- O pagamento da prestação é a principal obrigação do utente, constituindo uma
obrigação real ou um ónus real.
-A falta de pagamento das prestações também integra a alínea d) do artigo 46 do CPC,
nos termos do nº 2, do artigo 23º.
- Além de que a falta de pagamento da prestação periódica, permite uma oposição ao seu
exercício por parte do proprietário, nos termos do nº 3 do artigo 23º.
- Por conseguinte, não parece que a cessação de pagamento, por parte de A, seja
admissível.
-Se a ligação entre fracções é admissível no regime do direito de condomínio, não parece
admissível no DRHP, atento o teor do artigo 28º.
- Quanto à troca do período de utilização, cumpre saber se o período de tempo foi
determinado ou é determinável, em cada ano, de acordo com os números 2 e 3 do artigo
3º. Além da eventual existência de um acordo com o outro utente.
-Ao invés do direito de superfície o proprietário do empreendimento não goza do direito de
preferência na venda ou dação em cumprimento dos direitos parcelares de habitação
periódica. Aliás, como recorda Mónica Jardim, se esta matéria é omissa no diploma
actual, a anterior Decreto-Lei nº 130/89 regulava esta matéria no artigo 13º.
III (4 v.)
I
Antoninho era proprietário da quinta “Paraíso”, situada em Alcácer do Sal. Antoninho
falece no dia 20 de março de 2001. Não tendo outorgado testamento, deixou sobrevivos
como únicos sucessores os seus filhos, Bernardo e Carminho. Apesar de nunca se ter
efetuado a partilha, como Bernardo estava fora do país, quem ficou a tomar conta da
quinta foi Carminho. Ao longo dos anos, Carminho aproveitou para realizar várias obras:
em 2005 construiu uma piscina; em 2007 uma churrasqueira. Adicionalmente, desde 2010
que Carminho aproveita o Verão para rentabilizar a quinta, afetando-o ao turismo rural.
Ao longo destes anos foi sempre Carminho que procedeu a todas as obras de
restauração da habitação presente na quinta, ainda que o pagamento do Imposto
Municipal sobre Imóveis tenha sido pago, alternadamente, pelos irmãos. Em janeiro de
2022, Bernardo regressa a Portugal, interpelando imediato Carminho para solucionar a
questão da partilha do imóvel, que nunca havia sido realizada. Carminho contrapõe
afirmando que, passado tantos anos, o direito de propriedade sobre a quinta só a ela lhe
pertenceria. Segunda ela, nem seria injusto, pois seria uma forma de “compensar” o facto
de Bernardo ter ficado com todo o ouro que pertencia ao pai. Furioso, Bernardo decide
então intentar uma ação possessória para reaver a posse, a titularidade do direito e para
que lhe sejam restituídos parte dos frutos obtidos com a utilização do imóvel. Por seu
turno, Carminho é aconselhada a reagir em juízo e a invocar a exceptio dominii.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
II
Duarte tem uma luxuosa casa de férias no Algarve e com o intuito de a rentabilizar, a
longo prazo e sem grandes preocupações, em junho de 2005, celebra um negócio com
Eduarda, sua amiga de infância, pelo prazo de 15 anos, e nos termos do qual, mediante o
pagamento de uma quantia anual, esta última poderia usar, fruir e administrar a casa da
forma que melhor lhe aprouvesse. No mês seguinte, Eduarda aceita uma proposta de
trabalho fora de Portugal e por esse motivo, transmite este direito, nos exatos termos em
que lhe foi concedido, a Francisco, seu primo, que regista a posse da casa. Eduarda
falece em junho de 2007 e Francisco aproveita para constituir um direito de passagem a
favor de Gabriela, proprietária do terreno agrícola vizinho, uma vez que o mesmo não
tinha saída para a estrada, mediante o pagamento de uma avultada quantia, e ainda para
ceder o gozo da casa a Hugo nos meses de junho a setembro, também mediante o
pagamento de uma elevada soma. Considerando que até junho de 2020, não teve
qualquer notícia de Duarte, Francisco deixa de providenciar os pagamentos a Duarte e
muda-se para a casa com a sua família, passando a fazer da mesma habitação
permanente. Em junho de 2022, Duarte, que se ausentara do país desde 2010, regressa
e depara-se com esta situação, exigindo a devolução imediata da casa, ao que Francisco
se opõe, afirmando ser o proprietário da casa; simultaneamente Gabriela e Hugo
pretendem fazer valer os seus direitos, que consideram ter adquirido de forma vitalícia, a
primeira invocando o decurso do tempo e o segundo apresentando o registo a seu favor.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
I
Ana, dona de um vasto património imobiliário, decidiu, em 2010, recompensar a sua
sobrinha favorita, Beatriz, atribuindo-lhe um usufruto vitalício sobre um fértil terreno na
zona de Torres Vedras, utilizado para a plantação de macieiras. Como as partes se
encontravam no Algarve, o facto jurídico foi devidamente registado na Conservatória de
Faro. No âmbito do contrato, foi estabelecido que Beatriz poderia utilizar e transformar o
terreno para qualquer fim, desde que não fizesse dele mau uso. Como Beatriz nada
entendia sobre agricultura, em 2012 decidiu conceder o direito de plantar abacate a
Carlos. O contrato foi celebrado por escritura pública, mas não foi alvo de qualquer
registo. Carlos vem a falecer um ano depois, assumindo o negócio o seu filho, Daniel.
Daniel, porém, decidiu dar um rumo diferente ao terreno: construiu uma vivenda, uma
piscina e um pequeno centro de atividades lúdicas. Em junho de 2022, farta de toda esta
situação, Ana envia uma carta a Beatriz, manifestando a sua vontade em cessar o
contrato de usufruto, por dois motivos: (i) o uso dado por Daniel tornava o terreno
“imprestável” para a agricultura; e (ii) com falecimento de Carlos, o direito de usufruto
havia sido extinto. Beatriz é aconselhada pelo seu advogado a invocar a usucapião, dado
que “já havia passado mais de dez anos desde que tinha assumido o terreno como seu”.
Por sua vez, Daniel responde que não abdica do terreno, pois investiu fortemente no seu
desenvolvimento.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
II
Eduardo é dono de um prédio em Lisboa composto por dois andares e de uma herdade
no Alentejo. Em 2005 decide entregar o primeiro imóvel à sua filha Francisca e o
segundo imóvel à sua filha Gabriela, para exploração e rentabilização pelo prazo de dez
anos.
Francisca constituiu a propriedade horizontal do prédio e concedeu a Helena o direito de
habitar o 1.º andar por um período vitalício, mediante o pagamento de uma quantia anual,
reservando o 2.º andar para sua habitação permanente. Gabriela, por seu turno,
procedeu à construção de um aldeamento turístico na herdade, que dividiu em dez
unidades para alojamento e cujo uso vendeu posteriormente por um período de quinze
anos, tendo os adquirentes procedido ao registo deste negócio.
Em 2020, Eduardo pretende reaver os seus imóveis livres de ónus e encargos e depara-
se com a oposição de Helena que invoca o negócio jurídico celebrado com Francisca,
bem como o decurso do tempo e com a contestação dos adquirentes das unidades de
alojamento que invocam o uso a seu favor, designadamente com base no registo.
Acresce que Francisca afirma-se proprietária do prédio e Gabriela proprietária da
herdade, atendendo a que, quando quiseram entregar os imóveis a Eduardo em 2015,
este se mostrou indisponível para tanto por “estar exausto e precisar de descanso”,
decidindo este último intentar uma ação para restabelecimento da sua posse.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
I
Os irmãos Amílcar e Bruno, naturais de Beja, são conhecidos na cidade pelas suas
desavenças. Tudo começou em fevereiro de 2001, aquando da morte do seu pai, que colocou
em testamento que Amílcar e Bruno herdariam um monte no Alentejo, mas com a condição de
jamais o poder dividir. Certo é que os irmãos nunca se entenderam sobre a forma de gozar o
terreno. Em julho de 2002, Amílcar ameaçou mesmo o irmão com uma caçadeira, pedindo a
este que saísse do terreno ou então “não sairia dali vivo”. Bruno abandonou o terreno, dizendo
que iria reagir judicialmente. Em fevereiro de 2003, Amílcar celebra, por escritura pública, um
contrato com Carlos, nos termos do qual este teria a faculdade de cuidar de uma parte do
terreno, onde estava o montado de cortiça, por 18 anos, pagando 6000 € anuais. No contrato
foi aposta a menção expressa que o mesmo teria eficácia real.
A partir de 2008, Carlos deixa de cumprir com o pagamento anual. Como forma de se ver livre
do mesmo, transmite o seu direito a Daniel, em fevereiro de 2015. Daniel recusa-se, porém, a
pagar as prestações anuais em atraso, referindo que as mesmas devem ser exigidas a Carlos,
que era ao tempo titular do direito. Em março de 2022, Bruno consegue invalidar o negócio
jurídico celebrado entre Amílcar e Carlos, exigindo, de imediato, a restituição do terreno. Por
sua vez, Amílcar e Daniel referem ter adquirido direitos “pelo decurso do tempo”. No caso
específico de Daniel, este afirma ter adquirido apenas parte do terreno onde explorava o
montado de cortiça, argumentando para o efeito que pode juntar a posse de Carlos.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
- Atribuição da coisa, por testamento, a dois herdeiros com a condição de não a poder
dividir: referir que não é válida a cláusula que faça depender da verificação de um
acontecimento futuro e incerto a extinção do direito de propriedade (artigos 1307.º, bem
como artigo 1306.º (princípio da tipicidade)); titularidade de dois sujeitos (A e B) sobre a
mesma coisa: compropriedade (artigos 1403.º e ss.).
- Referir e classificar a posse de A, B, C e D; referir e explicar inversão do título da posse
por parte de A (artigos 1263.º, d), 1265.º e 1406.º, n.º 2); posse de A adquirida com
violência (artigo 1261.º: referir critérios); classificar posse de A após esse momento;
referir que, concomitantemente, B é esbulhado, mantendo a posse por um ano (artigos
1267.º, n.º 1, d) e n.º 2 e 1279.º).
- Direito de superfície de A a favor de C (artigos 1524.º e ss.); oneração de coisa alheia
(artigo 1408.º, n.º 1 e 2); o facto de o contrato mencionar que o mesmo tem eficácia real
não tem relevância jurídica, uma vez que a constituição de um direito real de gozo não
depende de uma cláusula atributiva de eficácia real, mas sim de o direito constituído
estar enquadrado num dos tipos legais (princípio da tipicidade ou da taxatividade do
artigo 1306.º).
- Cânon superficiário como uma situação jurídica propter rem (em particular, discutir a
sua natureza jurídica, nomeadamente se estamos perante uma obrigação propter rem ou
um ónus real) (artigo 1530.º); à mora aplica-se o artigo 1531.º, n.º 2; transmissão do
direito de superfície a D, que é possível nos termos do artigo 1534.º; discutir se as
obrigações vencidas continuam a onerar C ou se a “ambulatoriedade” da situação
jurídica propter rem onera D, independentemente de estarem ou não vencidas; referir
direito de preferência do fundeiro que não foi respeitado (artigo 1535.º); referir a falta de
registo do facto jurídico de constituição do direito de superfície (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, a)
CRP) ;
- A e D invocação a usucapião: requisitos (artigos 1287.º e ss.); referir que, no caso de A,
a posse violenta inviabiliza a aquisição por usucapião (artigo 1297.º), a não ser que esta
já tivesse cessado, o que não parece ser o caso, uma vez que o critério é a forma com a
posse foi adquirida; no caso de D, explicar e discutir a possibilidade de acessão da
posse (artigo 1256.º), bem como a viabilidade jurídica de usucapir parte do terreno; D
não inverteu o título da posse, pelo que apenas poderia adquirir por usucapião o direito
de superfície.
II
Eduarda é dona de um apartamento que fica situado no último andar de um prédio com 10
frações e aliena este imóvel a Francisco e Gustavo em 2010, sendo que o primeiro pagou de
imediato o valor correspondente 75% do preço, enquanto o segundo convencionou o
pagamento do valor remanescente de 25% apenas em 2015, apesar de ter procedido ao
registo do negócio e ocupado o apartamento imediatamente. Francisco não procedeu ao
registo, por entender que o registo efetuado por Gustavo seria suficiente, assim como permitiu
que este último utilizasse o imóvel em exclusivo até 2015. Sem comunicar a Francisco,
Gustavo decide em 2014 construir mais um andar, para o que obteve autorização do
administrador, o qual conseguiu aprovação verbal de seis proprietários dos apartamentos,
apesar de o assunto não ter sido objeto de deliberação em assembleia. Em 2016, face à
ausência de notícias de Francisco, Gustavo cede o gozo do andar construído a Hugo e a Ivo,
pelo período de 10 anos, mediante o pagamento de uma quantia mensal. Em 2022, Francisco
regressou a Portugal e deparando-se com esta situação exige (i) a devolução imediata do
apartamento afirmando ser o único dono, uma vez que foi ele a liquidar o valor de 25% em falta
a Eduarda, porquanto Gustavo se recusou a fazê-lo, ao que Gustavo contrapõe ser
proprietário exclusivo em virtude do decurso do tempo e da efetivação do registo e (ii) a
demolição do andar construído, ao que Hugo e Ivo contrapõem o registo da sua posse, que no
seu entender lhes confere o direito de uso e fruição nos termos previamente acordados com
Gustavo, sendo que este último exige a Francisco o pagamento do valor correspondente a
50% das obras de construção efetuadas.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
I
Em janeiro de 2000, Ana adquire, a título oneroso e mediante escritura pública, um pequeno
terreno vinícola sito no Cartaxo, tendo o negócio sido devidamente registado. Em 2005, Ana,
por já estar com uma idade avançada e não tendo filhos, doa o terreno ao seu único
sobrinho Bruno, reservando para si o usufruto vitalício. No âmbito do contrato ficou
estabelecido que Ana não poderia trespassar o usufruto a terceiros. Dois anos depois,
cansada da gestão do terreno e tendo-se incompatibilizado com o sobrinho, Ana decide
acabar com a vinha e permitir, por via contratual, que um seu amigo, Carlos, construísse um
empreendimento de turismo rural. O contrato foi celebrado por documento particular
autenticado. Farto desta situação, em maio de 2022, Bruno envia uma carta de interpelação
a Ana referindo que irá pedir a invalidade do usufruto, por dois motivos: por um lado, (i) o
contrato de usufruto referia, expressamente, a não possibilidade de trespasse; por outro, (ii)
o comportamento de Ana e Carlos indiciava um claro mau uso do terreno. Ana argumenta
que tal não correspondia à verdade, pois com a construção do empreendimento de turismo
rural, o terreno tinha valorizado em mais de 75%, sendo também muito mais rentável do que
a vinha. Por sua vez, Carlos refere que além de o seu direito ser oponível a Bruno, o
decurso do tempo assegurava a sua posição perante terceiros. Como se não bastasse, um
proprietário de um prédio vizinho, Duarte, veio queixar-se do comportamento de Carlos, que
desde que construiu o empreendimento, o tem impedido de passar pelo prédio de forma a
aceder à via pública. Carlos refere que a construção do empreendimento implicou elevadas
despesas e que a passagem de camionetas e tratores pelo terreno, para além de deteriorar
a estrada, afeta a reputação do turismo rural. Para além disso, argumenta Carlos, Duarte
tem à sua disposição uma outra estrada que, apesar de tornar o acesso à via pública mais
longínquo, serve o mesmo propósito.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
II
Eduardo é dono de um luxuoso apartamento que cede a Francisca, sua ex-mulher, para
sua residência permanente, em 2005, tendo o negócio sido celebrado por escritura pública.
Em 2010, Francisca, que atravessava graves dificuldades financeiras, transmite o uso e
fruição do apartamento para Gustavo, pelo período de 20 anos, mediante o pagamento de
uma elevada quantia anual, e muda-se para a casa da porteira do prédio, que se encontrava
desocupada, mediante celebração de um contrato com o administrador do condomínio,
através do qual fica estipulado o pagamento de uma quantia mensal, tendo sido
posteriormente dado conhecimento deste negócio aos condóminos através de correio
eletrónico. Em 2020, Eduardo vende o apartamento a Hugo e a Idalina, salvaguardando
verbalmente o direito de Francisca, que de imediato registam este negócio, embora não
tenham ocupado a casa, em virtude de residirem no estrangeiro. Em 2022, pretendendo
mudar-se para Portugal, Hugo e Idalina deparam-se com a presença de Gustavo na casa,
que se recusa a abandoná-la, invocando o registo da posse, bem como o facto de se
encontrar a residir ali há 12 anos. Por seu turno, considerando que 1/3 dos condóminos
discorda do negócio celebrado entre o administrador do condomínio e Francisca, esta
última, para evitar problemas e por não ter outro sítio para morar, pretende reocupar o
apartamento que lhe havia sido cedido por Eduardo, exigindo ademais o reembolso de
todas as obras que realizou no apartamento enquanto o habitava, e que incluíram vários
melhoramentos no interior, para além da colocação de uma piscina no terraço, que aliás os
restantes condóminos pretendem ver demolida, uma vez que não autorizaram esta obra.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
I
Em março de 2010, Ana, farta da “correria” da cidade, decide ir viver para o Alentejo. Para
tal, iniciou negociações com Bartolomeu para a compra de uma moradia em Mértola, no
valor de 100 mil euros. A negociação chegou a bom termo, porém, como Ana não tinha
fundos suficientes, as partes celebraram um contrato de promessa de compra e venda,
tendo Ana pago apenas 30% do preço definido, devendo o restante montante ser liquidado
no momento da escritura pública do contrato definitivo, que teria lugar decorridos 6 meses.
Atendendo às necessidades de Ana, Bartolomeu entregou-lhe as chaves do prédio no
momento da celebração do contrato promessa. A partir desse momento, Ana fez desde
logo diversas obras de remodelação, assumindo, ainda, o pagamento de todos os encargos
relativo ao mesmo.
Entretanto, como Ana não conseguiu os fundos suficientes, o contrato definitivo nunca
chegou a ser celebrado. Como estava consciente das necessidades de Ana, Bartolomeu
nunca a quis acionar judicialmente. Farto desta situação, em janeiro de 2022 e aproveitando
a ausência de Ana, o filho de Bartolomeu, Carlos ocupa a moradia e muda as fechaduras.
Ana pergunta a um amigo jurista como pode resolver a situação. Este responde-lhe que não
existem opções legais, pois a moradia pertence a Bartolomeu e que o contrato de
promessa não lhe confere nem mesmo tutela possessória.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
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