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Reserva de Propriedade

409º :
1. Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a
propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações
da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento.
2. Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a
cláusula constante do registo é oponível a terceiros.

1. Pedro de Albuquerque
AC/FG sustentam, no caso de CeV com RDP não estamos perante uma
situação de CeV real. O 409º/1 permitiria às partes estipularem ficar
apenas a transmissão da propriedade dependente de entrega da coisa,
produzindo-se, desde logo, outros efeitos.
Quando artigo se refere a "qualquer outro evento", esse evento pode ser
a entrega da coisa.
Mas, conjugado com o art. 874º, considerando este como elemento
essencial da CeV a transmissão de propriedade, se este não se verificar
não estamos perante um CeV.
Mas, nestes casos, apesar da diferença temporal entre o momento da
transferência da propriedade e o da celebração do contrato é, ainda, este
a produzir o efeito translativo de forma automática uma vez verificado o
evento posterior.
Discute-se se depois de celebrada a compra e venda é possível inserir no contrato uma
cláusula de reserva de propriedade. Por via de regra, os contratos são livremente
alteráveis mediante acordo das partes.
À primeira vista poderia, pois, parecer possível inserir numa CeV já celebrada a RdP.
Sucede, todavia, gozar a CeV de eficácia real. Uma vez celebrada, assiste-se à
transmissão da propriedade ou titularidade do direito vendido. Donde, celebrada a
venda, deixa de ser possível, mesmo com a anuência do comprador, o vendedor
reservar para si algo que não lhe pertence.

A RdP reveste-se para o vendedor da maior importância, nomeadamente nas


hipóteses da venda com pagamento diferido no tempo, dado que permite ao
vendedor a defesa da sua posição, pois, em caso de incumprimento por parte do
comprador, ele conserva para si a coisa objeto do contrato de CeV.
Por outro lado, em caso de insolvência do comprador, os credores deste não poderão,
em princípio, fazer-se pagar pelo valor da coisa vendida com RdP. Essa coisa continua
na titularidade do vendedor que de tal forma se protege perante os riscos de
insolvência do comprador.

104º CIRE :
1. No CeV com RdP em que o vendedor seja insolvente, a outra parte poderá exigir o
cumprimento do contrato se a coisa já lhe tiver sido entregue na data da declaração de
insolvência.
2. O disposto no n.º anterior aplica-se, em caso de insolvência do locador, ao contrato
de locação financeira e ao contrato de locação com a clausula de que a coisa locada se
tornará propriedade do locatário depois de satisfeitas todas as rendas pactuadas.
3. Sendo o comprador ou o locatário o insolvente, e encontrando-se ele na posse da
coisa, o prazo fixado pelo administrador da insolvência, não pode esgotar-se antes do
de decorridos 5 dias sobre a data da assembleia de apreciação do relatório, salvo se o
bem for passível de desvalorização considerável nesse período e a outra parte advertir
expressamente o administrador da insolvência dessa circunstância.
4. A cláusula de RdP, nos contratos de alienação de coisa determinada em que o
comprador seja insolvente, só é oponível à massa no caso de ter sido estipulada por
escrito, até ao momento da entrega da coisa.

Assunto diverso é a oponibilidade da cláusula de RdP aos credores e adquirentes do


vendedor. Na hipótese de insolvência, o 104º/1 do CIRE diz poder o comprador exigir o
cumprimento do contrato se a coisa já lhe tiver sido entregue à data da declaração de
insolvência.
O administrador pode, todavia, recusar o cumprimento, hipótese em que o comprador
apenas terá, como crédito sobre a insolvência, direito à diferença, se positiva, entre o
valor da coisa na data da recusa e as prestações até ao final do contrato (/5).
Trata-se, porém, como refere ML, de uma norma insuscetível de generalização. Nos
termos do art. 342º CPC, o comprador poderá opor a expectativa de aquisição aos
credores do vendedor. O mesmo sucede relativamente aos adquirentes sucessivos,
legitimando-se a aplicação a estes o regime da CeV de bens alheios. Na verdade, a
titularidade do vendedor é apenas para efeitos de garantia, não lhe assegurando já a
plenitude dos poderes contidos no seu direito.
Quanto à forma, a RdP está sujeita às mesmas exigências e formalidades que o
contrato no qual se acha inserida, podendo ser consensual se a própria venda o for.
Não obstante, na eventualidade de insolvência do comprador, o 104º/4 do CIRE impõe
a forma escrita como pressupostos de oponibilidade à massa insolvente.
Além disso, na medida em que a RdP tanto pode ser pactuada na CeV de bens móveis
como de imóveis ( tem-se, todavia, julgado a venda de coisas consumíveis insuscetivel de harmonizar
com a RdP, salvo se estiver estipulada a inconsumibilidade. Mas isso não exprime não ser um dos
ela terá de obedecer,
campos de maior utilização da CeV com RdP o da CeV de bens de consumo),
para ser oponível a terceiros, às regras de registo a que se mostrarem sujeitos os
próprios bens alienados - 409º/2.

A) A oponibilidade da cláusula de RdP, não sujeita a registo, a terceiros

Tratando-se de bens não sujeitos a registo, PRM entende ter a RdP eficácia inter
partes mas não ser oponível a terceiros :

1. Necessidade de tutela da aparência e o paralelo com o penhor (669º e ss)


assim como com a CeV a comerciante (1301º).
PA diz-nos que esta solução está vertida nestas duas hipóteses, mas não está para a
RDP., não havendo analogia de situações.
Além disso, para a VBA existe solução expressa para o problema da aparência - 892º.
Diz-se aí não poder o V opor ao C de boa-fé a nulidade do negócio e somente isso. Já
quanto ao proprietário do bem, o negócio é nulo. Note-se não fazer o art. 892º, ao
estabelecer a nulidade, nenhuma distinção entre a venda de BI ou MSR e BM.
No máximo poderá valer em certas hipóteses o 1301º. Mas isso não significa a
inoponibilidade a terceiros. O beneficiário da reserva pode exigir, na mesma, o bem.
Pode é ter de restituir o preço pago pelo terceiro, beneficiando depois do direito de
regresso perante o alienante.

2. Relatividade dos contratos - 406º/2


PA - Trata-se de uma solução que prova demais. Nessa eventualidade, e a valer o
princípio da relatividade, nem mesmo a transferência da coisa ou titularidade do
direito poderia ser alegada diante de terceiro. E a noção, natureza e efeitos associados
à existência de um direito real, como é a propriedade, depõem justamente em sentido
oposto, ou seja, a favor da oponibilidade a todos, ressalvadas as regras do registo.
Não vale entre nós a regra da posse vale título, suscetível de permitir a proteção neste
caso do comprador a non domino.
3. É incompreensível que a RdP, no caso de bens imóveis, dependa de registo e tal
acontecer relativamente às imóveis
PA - O argumento prova demais. Na hipótese dos bens sujeitos a registo a própria
oponibilidade do negócio de transmissão a terceiros de boa-fé depende do registo. O
mesmo não sucede com os atos de transmissão de bens móveis. Nesta linha de
pensamento, os negócios sobre móveis nunca seriam oponíveis a terceiros de boa-fé.
A própria posição dos terceiros de boa-fé jamais seria defensável perante quem de
boa-fé tivesse uma posição jurídica oposta com a deles.
4. Na hipótese de incumprimento, designadamente por falta de pagamento do preço,
cabe ao V resolver o contratos nos termos admitidos pelo 886º, mas nos termos do
435º/1 a resolução não prejudica os terceiros de boa-fé.
PA - Este preceito determina que a resolução, mesmo quando convencionada, não
prejudica os direitos do terceiro de boa-fé. Uma vez que, na CVRP, o vendedor
mantém a propriedade da coisa, a RdP não afeta nenhum direito adquirido por
terceiro, dado o comprador, por não ser o proprietário, não poder transmitir ou alienar
mais do que os próprios direitos de que é titular.

Também em oposição a PRM surge o 104º/4 CIRE - Admite, mesmo em caso de


insolvência do comprador, a oponibilidade de RdP apenas com subordinação ao
requisito da sua estipulação por escrito.

Ana Maria Peralta » O vendedor não se pode servir da RdP para obter a declaração de
nulidade da venda feita pelo comprador. Seria estranho ser permitido ao vendedor
interpor uma ação declarativa de nulidade desse negócio e antes ou imediatamente
após a sentença o comprador vir a adquirir a propriedade.

Porém, essa transferência apenas se dará se se assistir ao evento ao qual as partes


subordinam a transferência de propriedade. E ele pode ou não dar-se. Ora, o vendedor
pode justamente intentar a ação para prevenir a possibilidade de o evento não vir a ter
lugar.
Levado o argumento de AMP às ultimas consequências, a nulidade da VBA seria
insuscetivel de ser alegas em muitas outras hipóteses atenta a possibilidade real ou
virtual de o vendedor a non domino vir a adquirir, afinal, o bem.
B) A cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro

A prática tem vindo a divulgar o estabelecimento de RdP, em contrato de crédito ao


consumo, a favor do mutuante ou entidades financiadoras que não procederam a
nenhuma alienação do bem para elas reservado.
A favor da sua admissibilidade » IMC, PRM, NPO, MC.
Contra » AG, GM, ML

Para PA a RdP a favor do terceiro :


Ainda que se sublinhe a impossibilidade conceptual e dogmática de uma RdP a favor
de quem não tem nenhuma propriedade , tal argumento, por si, seria insuficiente.
Mas, ao contrário do aparentemente suposto, não vigora neste campo o princípio da
autonomia privada. A RdP atribui ao comprador uma expectativa jurídica real de
aquisição, limitando do mesmo passo o âmbito da propriedade do alienante. Vale,
portanto, neste domínio, o princípio da tipicidade dos direitos reais (1306º), pelo que
não será lícito a criação de figuras jurídicas novas com essa natureza.
2. MIMC
Hoje, a RdP, utilizada como garantia de crédito, está largamente difundida no
comércio jurídico. O aumento do consumo e a frequente utilização do contrato de
mútuo para aquisição dos mais variados bens e serviços, com o pagamento fracionado
e dilatado do preço, gerou uma diversificação dos instrumentos utilizados pelos
dadores de crédito, geralmente instituições financeiras, com vista à garantia dos seus
direitos.
Nesta lógica do consumo, o nosso leque de garantias logo se mostrou insuficiente para
este tipo de financiamento, precisamente porque se trata de bens de consumo e, por
natureza, o comprador tem interesse em obter desde logo o uso e fruição da coisa.
A RdP é, pois, aposta frequentemente nas vendas de consumo financiadas por
instituições de crédito.
LARENZ » A RDP é um caso paradigmático de desenvolvimento do direito para além da
lei.

A singularidade da RDP a favor do financiador reside, prima facie, no facto de a


instituição de crédito não ser vendedora nem estar no seu objeto social a compra e
venda de bens de consumo. Em rigor, a RdP significa que, aparentemente, a
propriedade não se transmite de imediato para o comprador, permanecendo na esfera
jurídica do vendedor, o que, no caso, não se verifica - a instituição financeira constitui
reserva sobre uma coisa que nunca foi sua propriedade.
Por outro lado, a RDP não é estipulada a favor do vendedor, anterior proprietário, pois
este recebe a totalidade do preço com a celebração do contrato, não tendo, por isso,
qualquer interesse em reservar para si a titularidade - não é o vendedor que assume o
risco do crédito.

A difusão da RDP está estreitamente ligada à venda a prestações, difundida a partir da


segunda metade do séc. XIX, sobretudo relativa à alienação de máquinas industriais e
bens de consumo doméstico, como mobiliário e eletrodomésticos.

O negócio que lhe está subjacente há-de ser um negócio translativo da propriedade da
coisa, pois a lei fala em contratos de alienação. Trata-se de um desvio geral ao
princípio segundo o qual a transmissão se dá no momento da conclusão do contrato.
A figura surge também no 304º/3 - Não obstante a prescrição do crédito do preço, o
alienante pode exigir a restituição da coisa no caso de não pagamento do preço. Ou
seja, o vendedor não pode, em virtude da prescrição do crédito do preço, exigir
judicialmente o cumprimento do contrato, mas pode desencadear a resolução e
recuperar a coisa alienada com reserva de propriedade.
Já o 1772º/2/c) estabelece que é um bem proprio do cônjuge casado em comunhão de
adquiridos a coisa comprada antes do casamento com clausula de RDP.

Fala-se nas garantias do crédito para designar os meios destinados a assegurar o


cumprimento de uma obrigação, ou seja, os instrumentos destinados a conferir a
determinado credor uma maior segurança na satisdação do seu crédito.
As garantias reais são atualmente mais procuradas que as pessoais, muito justificado
pelo ritmo de circulação dos bens e à fácil deslocação das pessoas. A garantia real,
criando uma afetação de uma coisa determinada, é menos ampla que a garantia
pessoal, mas mais realizável. A segurança conferida ao credor consiste na possibilidade
de executar a coisa, realizando à custa dela um determinado valor e satisfazendo-se do
seu crédito com preferência aos outros credores estranhos à relação obrigacional
garantida. Para o devedor a vantagem consiste na faculdade de manter o poder de
disposição da coisa, podendo aliená-la a terceiro e extraindo da mesma todas as suas
potencialidades. As garantias reais reguladas na lei são :
- Consignação de rendimentos » As partes estipulam a afetação de determinados
rendimentos, que uma coisa imóvel ou móvel sujeita a registo produz, ao
cumprimento da obrigação.
- Penhor;
- Hipoteca;
- Privilégios creditórios;
- Direito de retenção.
Há quem adicione a este elenco a penhora e o arresto.

Nos direitos reais de garantia, há uma sujeição direta e imediata de uma coisa alheia,
do devedor ou de um terceiro, ao cumprimento de uma obrigação, no sentido de que
o credor pode realizar judicialmente o valor da coisa para se pagar do seu crédito à
custa desse valor.
No comércio jurídico, as necessidades de garantias do crédito foram sendo sentidas de
tal forma que o rol de garantias existentes na lei civil se revelou incapaz de satisfazer
os interesses das partes em matéria de segurança do crédito.
Neste sentido, surge um movimento nas legislações europeias traduzido na restrição
dos direitos dos credores comuns e na ampliação dos direitos dos credores munidos de
garantias especiais

Atualmente, é frequente utilizar-se o pacto nas chamadas vendas a crédito ou vendas


financiadas, sendo a RDP constituída a favor de outra entidade que não o vendedor da
coisa, o que sucede frequentemente no comércio automóvel, em que o financiador ou
mutuante é uma terceira instituição.
Nestes casos, as partes convencionam que a RDP tutele, não já o interesse do
vendedor que acaba de receber a totalidade do preço devido pela alienação, mas o
interesse da entidade financiadora que adianta, ao vendedor, a quantia
correspondente ao preço, ficando titular de um direito de crédito que será pago
fracionadamente pelo comprador de acordo com o contrato de mútuo.

Os dois contratos celebrados têm em vista a consecução de uma finalidade económica


comum que consiste no financiamento de uma aquisição a crédito. O vendedor recebe
a totalidade do preço da entidade financiadora e esta, em contrapartida, toma a
posição que aquele teria no negócio de CeV, caso se tratasse de uma pura venda a
prestações.
Como refere GRAVATO DE MORAIS, além da função imediata de garantia das
prestações do empréstimo, subjaz à referida cláusula o interesse mediato do mutuante
em restringir os poderes de disposição do mutuário/comprador no que toca ao bem
financiado adquirido.
Assim, a propriedade reservada desempenha uma função sui generis, pois o seu
titular não pode usar, fruir e dispor da coisa como proprietário pleno, mas apenas tem
o direito de mantê-la no seu património com o escopo de garantir o cumprimento das
obrigações.

O princípio da consensualidade do 408º/1 relaciona-se com a tendência de exaltar o


papel da vontade como fonte e força criadora de efeitos jurídicos. A propriedade
transfere-se no instante em que o contrato fica perfeito, ainda que a coisa não tenha
sido entregue ao adquirente ou preço não tenha sido pago.
Por isso, o vendedor corre o risco de não receber o valor correspondente à coisa
alienada. A transmissão da propriedade não depende, pois, de qualquer outro ato,
designadamente da tradição da coisa ou do registo, sendo o momento translativo do
direito real o da conclusão do contrato.

No CeV com RDP, o adquirente obtém a plena disponibilidade material da coisa, antes
do pagamento do preço. Por seu lado, o alienante, acautelando eficazmente o risco de
incumprimento, conserva a propriedade da coisa.
Os restante efeitos obrigacionais, previstos no 879º - entrega da coisa e pagamento do
preço - produzem-se normalmente.
Pode haver estipulação de RDP sem que haja entrega da cisa, embora a situação típica
seja a da tradição imediata.

Comparando a norma portuguesa com as suas congéneres europeias, concluímos que


a RDP é entre nós admitida com grande amplitude :
- Pode ser convencionada em contratos que tenham por objeto CM, CMSR, CI;
- Pode ser aposta em quaisquer contratos de alienação ( doação, dação em
cumprimento, permuta);
- O evento do qual depende a transferência da propriedade ser outro que não o
pagamento do preço.

Na sua configuração típica o negócio funciona da seguinte forma :


- O V e o C acordam a venda de determinada coisa, convencionando que o preço será
pago, geralmente, a prazo e, como garantia do seu pagamento, estipula-se que o V se
mantém proprietário do bem até ao momento do pagamento integral, recebendo o
comprador, para utilização imediata, o coisa objeto do contrato.
- Na data de vencimento da dívida, o comprador torna-se proprietário da coisa, se o
preço tiver sido integralmente pago. Se não, o vendedor pode recuperar a coisa,
exercendo o direito de resolução.
- A transmissão automática da propriedade fica, assim, subordinada ao pagamento
total do preço.
A entrega imediata da coisa mostra-se essencial para que a CeV com RdP prossiga as
suas finalidades. Se tal não acontecer, não se afigura que as partes tivessem qualquer
interesse ou vantagem em celebrar um negócio deste tipo. A disponibilidade imediata
da coisa, sem que o preço esteja pago, é para o comprador o motivo determinante da
celebração do contrato.
O vendedor, além de se acautelar contra riscos do incumprimento do contrato, tem
conveniência em atuar no mercado de forma apelativa, captando o maior n.º possível
de compradores.
A possibilidade de facilitar o acesso imediato à coisa, ainda antes do seu pagamento
integral, permite-lhe angariar mais clientes, que são atraídos pela possibilidade de
financiamento da aquisição e pagamento faseado desimpedido.

O 934º, respeitante à venda a prestações, estabelece limites ao direito de resolução do


contrato quando tenha sido estipulada a RdP, limites impostos pela necessidades de
cautela do consumidor :
Vendida a coisa a prestações, com RDP, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de
cumprimento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá
lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não RDP, importa a perda do
beneficio do prazo, relativamente às prestações seguintes, sem embargo de convenção
em contrário.

Conforme preceitua o 886º, no CeV, o vendedor não pode resolver o contrato por falta
de pagamento do preço se a propriedade houver sido transmitida e a coisa for
entregue ao comprador, salvo convenção em contrário (que pode ser RDP).
Da conjugação dos dois artigos, LOBO XAVIER refere que a resolução do contrato
deveria, nesse caso, subordinar-se ao condicionalismo deste último artigo, tendo em
conta a finalidade de proteção da norma, pois numa e noutra hipótese concorrem
razões idênticas para que os interesses do comprador seja especialmente protegidos
por uma regra cogente.

O 934º encerra uma limitação à faculdade de o vendedor resolver o contrato por falta
de pagamento de uma das prestações, no caso de ter sido estipulada a RDP e entregue
a coisa, ao dispor que, se essa prestação não exceder a oitava parte do preço, o
vendedor não pode resolver o contrato.
Por seu turno, o 781º relativo à perda do beneficio do prazo, estabelece a
exigibilidade imediata de todas as prestações, no caso de falta de cumprimento
atempado de uma delas. Esta norma cede perante o 934º - a exigibilidade imediata das
prestações desencadeada pela falta de pagamento de uma delas não ocorre se a
prestação em falta não exceder a oitava parte do preço.

Como refere PINTO MONTEIRO, a finalidade desta normas é a de impedir, em certos


casos, o funcionamento das regras gerais, essencialmente numa lógica de proteção do
comprador.

AMP classifica a venda com RDP como um tipo especial de CeV, defendendo que a
transferência da propriedade, sendo embora um efeito essencial do contrato, não tem
necessariamente de ser um efeito imediato.

Tem-se entendido que a aposição da RDP está limitada às situações em que o objeto
da alienação seja o direito de propriedade - o 874º define o CeV como aquele em que
se transmite a propriedade da coisa, ou de outro direito, mediante um preço. Porém, o
art. 409º refere-se apenas à propriedade da coisa, o que parece levar ao entendimento
de que a RDP não pode ser incluída em contratos de alienação de outros direitos
diversos da propriedade, como o caso dos direitos reais limitados de gozo.

A Autora entende, no entanto, que nada obsta a que o CeV com RDP possa ter por
objeto outros direitos diversos do direito de propriedade, como partes sociais, valores
mobiliários, estabelecimento comercial, ou até direitos de crédito.

A RDP estende-se aos frutos que a coisa principal produz, os quais ficam afetos à
garantia, a não ser que estes tenham de ser consumidos imediatamente, caso em que
a RDP não os abrange.
O fundamento do entendimento de que a RDP para ser válida e eficaz deve ser
contextual à celebração da CeV está no facto de não ser possível dissociar os dois
momentos. Se assim não for, a propriedade transmite-se para o adquirente por mero
efeito do contrato, não fazendo sentido que, posteriormente, se venha a retransmitir
ao alienante por virtude uma estipulação da cláusula tardiamente.

Por outro lado, se se conceber a RDP como uma cláusula resolutiva, nada obsta a que
surga em momento posterior ao da celebração do contrato - as partes limitam-se a
constituir uma garantia acessória ao contrato, não incidindo a estipulação diretamente
sobre os efeitos da compra e venda.

A Autora refere que um tal acordo posterior não pode ser qualificado como RDP em
sentido técnico, sendo um negócio com características diversas, dada a modificação da
estrutura e dos efeitos do negócio primeiramente celebrado.

LIMA PINHEIRO » A estipulação posterior da RDP só pode ter a finalidade de


estabelecer, daí em diante, uma situação jurídica igual àquela que existiria se o pacto
tivesse sido convencionado contemporaneamente com a celebração do contrato. A
construção jurídica a adotar há-de ser a que melhor materialize a finalidade visada
pelas partes. Podem estas pretender uma retransmissão da propriedade para o
vendedor com reserva da expectativa real de aquisição da propriedade.

Na CVRP o comprador obtém com a celebração do negócio a imediata disponibilidade


material da coisa. Além disso, a obrigação do pagamento do preço, ainda que se
convencione que será pago de forma diferida, constitui-se desde logo, sendo o direito
de crédito do vendedor acautelado através da aposição da RDP.

O registo é uma condição legal de eficácia do pacto em relação a terceiros. No nosso


sistema, o princípio geral é o de que o registo tem efeitos meramente declarativos ou
enunciativos, sendo condição de oponibilidade a terceiros dos atos a ele sujeitos,
embora o ato não registado seja plenamente válido e eficaz inter partes.
O nosso sistema caracteriza-se, assim, pela autonomia estrutural entre o ato registal e
o facto sujeito a registo, ou seja, a publicidade não é elemento do facto que dá a
conhecer. Antes, o facto está completo e perfeito, sendo que a publicidade apenas lhe
molda a eficácia, mas não a existência e a validade. A publicidade não é elemento
interno do facto, mas um facto autónomo, é um requisito de eficácia do facto
publicado.
A publicidade registal não visa pôr em causa a segurança de cada ato individualmente
considerado, mas uma segurança global do tráfico jurídico imobiliário no seu conjunto.
Sendo o registo condição de oponibilidade do ato em relação a terceiros, tal significa
que ele é plenamente eficaz e válido entre as partes e, ainda, em relação a todos
aqueles que não satisfaçam a noção de terceiros para efeitos do registo predial.

Quanto às coisas móveis não suscetíveis de registo, por argumento a contrario, tem-se
extraído do 409º/2 que a RDP vale em relação a terceiros, pois entre nós não vigora o
princípio posse vale título.
A RDP, determinando uma dissociação entre a titularidade e o concreto exercício de
poderes de gozo sobre a coisa, faz surgir um potencial conflito entre as partes e os
terceiros interessados na subsistência do contrato, credores e subadquirentes das
partes que confiam na situação de aparência gerada pelo negócio.

Para a Autora, já que distinguir entre os direitos do vendedor em relação a terceiros


adquirentes ou credores do comprador e os direitos do comprador em relação a
terceiros adquirentes ou credores do vendedor.

Sendo a RDP estipulada com a função primeira de garantir o vendedor contra o


incumprimento por parte do comprador, concorda com AMP quando esta refere que a
reserva será oponível por quem beneficiar com tal oponibilidade. Na perspetiva do
vendedor, apesar do CeV agora celebrado, a propriedade só se transmitirá quando o
preço se encontrar integralmente pago. No caso de não ter sido pago, o comprador
não adquirirá a propriedade, apesar de a tanto se dirigir a celebração do presente
contrato. Do ponto de vista do comprador, enquanto o preço não for pago, a
propriedade não é por ele adquirida, mas sê-lo-á quando pago. Portanto, qualquer um
dos contraentes deve estar em posição de evitar a denegação do seu interesse através
da oponibilidade da reserva.
Os direitos do vendedor face a terceiros adquirentes ou credores do
comprador :
Vaz Serra, no anteprojeto do CC, pugnou pela inoponibilidade da RDP em relação a
terceiros. Entendia que a RDP poderia ser perigosa para terceiros, pois entregue a
coisa ao vendedor, se este, por sua vez, a alienar, enquanto a propriedade lhe não
tenha sido transferida, a terceiro de boa-fé, pode este, se depois o originário alienante
invocar a sua propriedade, ser iludido na sua boa-fé.
Pedro Romano Martinez :
- Invoca a tutela da aparência, pois, apesar de entre nós não vigorar a posse vale
título, o legislador preocupa-se em tutelar a aparência das situações, dando como
exemplos dessa tutela os casos da coisa comprada a comerciante (1301º) e o penhor.
- Tendo em conta a relatividade dos contratos (406º) e considerando que a RDP é uma
cláusula contratual não será oponível a terceiros.
- A regra constante do 409º/2 determina que o regime da RDP se afasta daquele que o
legislador estabeleceu a propósito da condição (274/1). Deste preceito conclui-se que
o princípio geral é o da sujeição dos atos de disposição de bens ou de direitos que
constituem objeto de negócio condicional à própria condição, mas relativamente à
RDP, no que respeita à oponibilidade de terceiros, é necessária a publicidade, razão
pela qual, em relação a bens móveis não sujeitos a registo, não se pode aplicar o
princípio da eficácia absoluta.
- Em caso de incumprimento, a resolução não prejudica os direitos adquiridos por
terceiro, nos termos do 435º

É certo que o legislador se preocupou em tutelar a aparência (veja-se o 892º), mas esta
disposição não faz qualquer distinção entre CM, CMSR e CI. Se o comprador alienar a
coisa reservada ou um credor vier a constituir direitos sobre ela durante esse período,
tais atos serão ilegais, por incidirem sobre coisa que não pertence ao alienante.
O que pode fazer o vendedor sob reserva de propriedade se o comprador alienar a
coisa?
No caso da alienação deixar intocada a reserva de domínio a favor do alienante, como
sucederá no caso de o comprador subadquirente apenas ceder a terceiro a sua posição
jurídica, então o vendedor não poderá reagir, pois tal ato não lhe causa prejuízo.

Sendo penhorada, onerada ou alienada pelo comprador a coisa sobre a qual incide a
RDP, o ato será nulo por incidir sobre coisa alheia. O negócio nulo não produz
quaisquer efeitos. Por conseguinte, o vendedor conservará o seu direito sobre a coisa
e poderá segui-la onde quer que ela se encontre.

De acordo com o 892º, o vendedor não poderá opor essa nulidade ao comprador de
boa-fé, como também não pode opor a nulidade ao vendedor de boa-fé o comprador
doloso.
Não obstante a ilegitimidade conferida pelo 892º, por exemplo MC considera que um
terceiro, estranho à relação de CeV, pode requerer a declaração de nulidade do
negócio, na qualidade de interessado, nos termos do 286º.

No entanto, em relação ao titular do direito de propriedade a sanção legal é a


ineficácia - o proprietário, titular do direito, pode propor ação declarativa de ineficácia,
bem como intentar ação de reivindicação, tendo em vista o reconhecimento da
propriedade e, eventualmente, a restituição da coisa.

Os subadquirentes do comprador serão protegidos apenas pelo funcionamento das


regras do 892º e 1301º.
Os direitos do comprador face a terceiros adquirentes ou face a credores
do vendedor:
O comprador, como titular de um direito pessoal de gozo, pretende vir a adquirir o
direito de propriedade plena sobre a coisa, devendo esta posição ser tutelada face aos
terceiros adquirentes ou credores do vendedor que a possam pôr em causa.
O vendedor não pode, nesse período, dispor da coisa, isto é, alienar o direito de
propriedade plena sobre a coisa, porque a sua titularidade resume-se à reserva de
domínio que conservou, aquando da conclusão do negócio, com a finalidade de
garantia.
Tal não quer dizer que não possa ceder a sua posição jurídica a terceiros, pois nesses
casos a transferência far-se-á nos exatos limites do direito de que é titular, assumindo
o subadquirente a posição que aquele tinha quanto à coisa reservada e à titularidade
do contrato de alienação com reserva de propriedade.
Na verdade, a alienação que o vendedor faça da sua posição contratual no período de
pendência é válida e eficaz. Todavia, o subadquirente do vendedor apenas será titular
da posição que este tinha no contrato. A posição jurídica do primeiro adquirente
permanece objetivamente intocada. Apenas muda a pessoa da contraparte : em vez do
vendedor A, o comprador passa a ter como contraparte o vendedor B, o qual poderá,
em caso de incumprimento, exigir-lhe a restituição da coisa.
Uma vez cumprida a obrigação do comprador de pagamento do preço, a RDP extingue-
se e, consequentemente, a posição do subadquirente em relação à coisa.
A transferência do risco de perecimento ou de deterioração da coisa :
Art. 796º :
1. Nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que
constituam ou transfiram direito real sobre ela, o perecimento da coisa por causa não
imputável ao alienante corre por conta do adquirente.
2. Se, porém, a coisa tiver continuado no poder do alienante em consequência de
termo constituído a seu favor, o risco só se transfere com o vencimento do termo ou a
entrega da coisa, sem prejuízo do 807º.
3. Quando o contrato estiver dependente de condição resolutiva, o risco do
perecimento durante a pendencia da condição corre por conta do adquirente, se a
coisa lhe tiver sido entregue; quando suspensiva, o risco corre por conta do alienante.

Segundo a doutrina maioritária, a RDP é uma alienação sob condição suspensiva, pelo
que o vendedor continuaria a suportar o risco pela perda ou deterioração da cisa, uma
vez que continuaria a ser proprietário - 796º/3.
AV e PL, ainda que partidários da tese da CS defendem que, na CeV a prestações com
RdP, a solução mais conforme aos princípios é a do risco correr por conta do
adquirente, desde o momento em que a coisa lhe é entregue. Reconhecem, no
entanto, que essa solução não resulta da lei.
Para a Autora, os poderes materiais que cabem ao comprador com RDP e a função de
reserva de domínio de que o vendedor é titular fundamentam a transferência do risco
para aquele, no momento da entrega da coisa.
Causas de extinção da reserva de propriedade :
Além da extinção por cumprimento, a RDP pode cessar também pode outras causas,
como sejam a revogação por acordo (406º) e a renúncia à cláusula.
Quanto às CI e CMSR, é necessário proceder ao cancelamento da inscrição para que a
extinção da RDP tenha eficácia registal.

304º/3 - No caso de venda com RDP até ao pagamento do preço, se prescrever o


crédito do preço, pode o vendedor, não obstante a prescrição, exigir a restituição da
coisa quando o preço não lhe seja pago.

A regra geral quanto ao incumprimento imputável ao devedor está prevista no art.


801º do CC : o credor pode exigir o cumprimento coercivo do contrato, tendo direito à
prestação a que o devedor se vinculara, podendo ser ressarcido dos prejuízos sofridos
através de uma indemnização. A outra alternativa é a resolução do contrato,
destruindo-se retroativamente todos os seus efeitos, podendo igualmente haver lugar
a uma indemnização pelo incumprimento do contrato.
No que respeita aos pressupostos do direito de resolução do contrato, num CeV com
RDP há que referir que não se aplicam as restrições legais do 886º e do 435º :
- Quanto à primeira, tendo em conta que a propriedade não se transmite para o
comprador, o alienante conserva o direito potestativo de resolução.
- Quanto à segunda, a inaplicabilidade resulta do facto de, não tendo o vendedor
transmitido a propriedade sobre a coisa, o comprador não poder transmitir quaisquer
direitos a terceiro que possam ficar afetados por força da resolução.
São aplicáveis o 781º e o 934º.
De acordo com o 781º, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações,
a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas. Esta norma
pressupõe a mora do devedor, conforme clarifica o 804º/2, pelo que, nas obrigações
puras, o devedor fica constituído em mora, nos termos do 805º, após ser interpelado
judicial ou extrajudicialmente para cumprir. Nas obrigações de prazo certo, a mora
constitui-se independentemente de interpelação, apenas pelo decurso do prazo
previsto no programa contratual - 805º/2/a).

Uma questão duvidosa é a de saber se o vendedor conserva o ius variandi, isto é, se


exigindo o cumprimento coercivo do contrato, pode ainda vir mais tarde a resolvê-lo :
- BM diz que pode. PRM concorda. Não pode é fazer o contrário.
- LOBO XAVIER diz que, feita a escolha de um dos caminhos, afastado fica o recurso ao
outro.

No que toca à resolução, o mero atraso não acarreta, sem mais, a destruição do
contrato, tendo outros efeitos legalmente previstos como a obrigação de pagar os
juros ou a transferência do risco.
A resolução do contrato tem efeitos restitutórios e retroativos, salvo se a
retroatividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução - 433º e
434º.

Coloca-se a questão de saber se é necessária a resolução para a restituição da coisa ou


se as partes podem convencionar que o vendedor possa exigir a restituição da coisa
sem resolver o contrato. Uma pressuposto da outra entre nós.
Ocorrendo os pressupostos da resolução, caberá ao comprador restituir a coisa e ao
vendedor, em principio, restituir as prestações recebidas.
Na venda a prestações, a resolução depende de ter sido estipulada uma reserva de
propriedade, pois, em caso contrário, o 886º estabelece que não há lugar à resolução
do contrato por falta de pagamento do preço.

Para acautelae dificuldades probatórias de danos merecedores de eventuais


indemnizações, tornou-se usual a fixação da indemnização através da aposição de
cláusulas penais ou de perda ou de preclusão nos contratos celebrados com RDP. Rege
o 935º :
1. A indemnização estabelecida em CP, por o comprador não cumprir, não pode
ultrapassar metade do preço, salva a faculdade de as partes estipularem, nos termos
gerais, a ressarcibilidade de todo o prejuízo sofrido.
2. A indemnização fixada pelas partes será reduzida a metade do preço, quando tenha
sido estipulada em montante superior, ou quando as prestações pagas superem este
valor e se tenha convencionado a não restituição delas; havendo, porém, prejuízo
excedente e não se tendo estipulado a sua ressarcibilidade, será ressarcido até ao
limite da indemnização convencionada pelas partes.
O EMOLDURAMENTO DOGMÁTICO DA CLÁUSULA DE RESERVA
DE PROPRIEDADE
1. Tese da condição suspensiva - PL e AV, GT, AC, PRM, NPO

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