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VOLUME I

COMPRA E VENDA
TOMO II
Modalidades e perturbações típicas
da compra e venda
• 1. Venda com reservada propriedade
• 2. Venda de bens futuros, frutos pendentes e de partes
componentes ou integrantes de uma coisa
• 3. Compra e venda de bens de existência ou titularidade incerta
• 4. Compra e venda de coisas sujeitas a pesagem, contagem e
medição
• 5. Venda a contento e sujeita a prova
• Venda a retro
• Venda a prestações
• Locação-venda
• Compra e venda sobre documentos
• A, antiquário, vende a B, uma cómoda pelo preço de 1000 euros.
O contrato contém uma cláusula por força da qual A reserva para
si a propriedade do bem até que B lhe pague a totalidade do
preço. Entretanto B, mesmo sem pagar o devido, vende a cómoda
a C. C apresenta-se, então, junto de A e exige a entrega da
cómoda. A invoca a cláusula de reserva de propriedade, mas C
responde que o por se tratar de uma cláusula de um contrato
entre A e B essa cláusula é relativamente a ele res inter alios e,
destarte, lhe não é oponível. Tem razão?

• Alguma coisa mudaria se em vez de uma cómoda estivesse em


jogo uma casa?
• 1 - A oponibilidade da cláusula de reserva de
propriedade, não sujeita a registo, a terceiros.

• I - PEDRO ROMANO MARTINEZ considera, numa


posição já antes defendida, de jure condendo, por
VAZ SERRA que a cláusula de reserva de
propriedade de bens móveis tem eficácia inter
partes mas não é oponível a terceiros.
• Esta posição diverge no entanto da communis
opinio, segundo a qual, não havendo
obrigatoriedade de registo, a cláusula de
reserva é sempre oponível a terceiros de boa
fé.
• Quais são os argumentos de Pedro Romano
Martinez?
• O autor invoca:
• 1. A necessidade de tutela da aparência e o
paralelo com o penhor (artigos 669.º e ss. do
Código Civil) assim como com a compra e venda
a comerciante (artigo 1301.º).
• 2. Recorda a relatividade dos contratos (artigo
406.º/2 do Código Civil). Sendo reserva de
propriedade uma cláusula contratual, sem
registo, não poderia ser oposta a terceiros.
• 3. Afirma não ser compreender que a reserva de
propriedade, no caso de bens imóveis, dependesse de
registo para ser oponível a terceiros e tratando-se de
coisas móveis fosse oponível erga omnes.

• 4. Em caso de incumprimento, designadamente pela


falta de pagamento do preço, cabe ao vendedor
resolver o contrato nos termos admitidos pelo artigo
886.º, mas de acordo do artigo 435.º/1 do Código Civil
a resolução não prejudica os terceiros de boa fé.
• A invocação da tutela da aparência e o
paralelo com o penhor e a compra e venda
realizada por comerciante não nos parecem
colher. A solução está consagrada para o
penhor mas não está na compra e venda com
reserva de propriedade.
• A invocação da relatividade dos contratos
como forma de fundar a inoponibilidade da
cláusula de reserva de propriedade prova
demais, porquanto nesse caso, e a valer o
princípio da relatividade ou ineficácia externa
do contrato, nem mesmo a transferência da
coisa ou titularidade do direito podia ser
invocada diante de terceiro.
• Dito de outra maneira: se o princípio da
relatividade tivesse o alcance que PR lhe
atribui, se A vendesse o bem X a B e, por sua
vez, B o vendesse a C, A poderia reclamar a
coisa a C uma vez que o contrato entre B e C
não produziria efeitos perante A e o contrato
entre A e B não produz efeitos perante C.
• Ou noutra hipótese A vendia a B. A voltava a
vender a C. B não podia reivindicar o bem a C.
• Também prova demais o argumento segundo
o qual não faria sentido fazer depender a
oponibilidade da cláusula de reserva de
propriedade relativa a bens móveis de registo
e a relativa a móveis não.
• No caso dos bens sujeitos a registo a própria
oponibilidade do negócio de transmissão a
terceiros de boa fé depende de registo.
• O mesmo não sucede com os atos de
transmissão de móveis. Se a posição de
PEDRO ROMANO MARTINEZ, quanto à reserva
de propriedade, fosse de aceitar tinha de se
extrair dela todas as suas consequências: a
simetria exigiria que os negócios sobre móveis
não sujeitos a registo nunca fossem oponíveis
a terceiros de boa fé.
• Quanto à invocação do disposto no artigo
435.º/1 do Código Civil?
• O artigo determina que a resolução do
contrato ainda que expressamente
convencionada não prejudica os direitos de
terceiro de boa fé
• Uma vez que, na compra e venda com reserva
de propriedade, o vendedor conserva a
propriedade da coisa, a invocação da reserva
de propriedade não afeta nenhum direito
adquirido por terceiro, dado que o comprador,
por não ser proprietário, não pode transmitir
ou alienar mais do que os próprios direitos de
que é titular.
• Finalmente, contra a posição de PEDRO
ROMANO MARTINEZ depõe, claramente, o
artigo 104.º/4 do CIRE admitindo, mesmo nos
casos de insolvência do comprador, a
oponibilidade da cláusula de reserva de
propriedade apenas com subordinação ao
requisito da sua estipulação por escrito.
• 2. Cláusula de reserva de propriedade a favor
de terceiro

• O stand A vende a B um automóvel X,


financiado pela instituição de crédito C e,
estabelece, logo no contrato de compra e
venda a reserva de propriedade de X a favor
de C. É possível uma tal cláusula?
• Na prática é frequente o estabelecimento de
cláusulas de reserva de propriedade, em
contratos de crédito ao consumo, a favor do
mutuante ou entidades financiadoras que não
procederam a qualquer alienação do bem
para elas reservado.
• A sua admissibilidade jurídica mostra-se,
contudo, longe se ser pacífica.
• Existe ampla jurisprudência a favor e contra.
• Também a nível doutrinal o tema é debatido.
• Qual será a solução adequada?
• Invocam-se frequentemente argumentos
ligados à letra do artigo 409.º.
• Há quem fale em necessidade de
interpretação atualista do preceito e na
necessidade de se preverem novas formas de
tutela do crédito.
• O que pensar destes argumentos?
• A letra de pouco vale. Não é por aí que se
resolve o problema. A solução não deve ser
em função da letra, mas do problema
metodológico, da intencionalidade normativa
da norma e do prius metodológico
representado pelo caso.
• Tudo visto não parece possível reservar a
propriedade a favor de quem a não tem. Pelo
menos enquanto não houver alguém dotado
de poderes mágicos.
• Além disso, não se afigura necessária
nenhuma interpretação atualista. A posição
jurídica do vendedor com reserva de
propriedade é, como qualquer outra situação
não pessoal, transferível. Basta, pois, ao
vendedor transferir a sua posição para o
comprador para resolver o problema sem
necessidade de se inventarem ficções.
• Não se está num domínio de autonomia
privada.
• Vale o princípio da tipicidade dos direitos reais
(artigo 1306.º do Código Civil).
• A exclusão da reserva de propriedade a favor
de terceiro não impede, porém, que se sujeite
a transferência da propriedade ao pagamento
de terceiro. Adiante voltaremos ao tema.
• A questão da transmissibilidade da reserva
de propriedade
• A (vendedor) celebra com B (comprador) um
contrato de compra e venda, com reserva de
propriedade, de um automóvel. Após a venda
do automóvel A vende o direito, que conserva
sobre o automóvel vendido, a C. Pode fazê-lo?
• A possibilidade de transmissão da posição, ou,
se se preferir, do direito do titular da reserva
de propriedade pareceria linearmente
admissível.
• Rui Pinto Duarte contesta, porém, essa
possibilidade. Também Gravato Morais levanta
dúvidas. E alguma jurisprudência acolhe as
dúvidas, hesitações ou afirmações de
impossibilidade.
• Quais são os argumentos contra a
possibilidade de transmissão?
• O artigo 409.º. Diz-se não prever ele a
transmissão do direito do alienante com
reserva de propriedade.
• O facto de se tratar de uma cláusula de um
contrato, logo, alegadamente, intransmissível.
• Que pensar destes argumentos?
• Antes da compra e venda com reserva de
propriedade o vendedor é proprietário pleno.
• Depois da venda passa a ter uma propriedade
limitada e circunscrita a fins de garantia.
• Mas nem por isso deixa de ser uma posição
concreta, juridicamente tutelada e
correspondente a um direito subjetivo do
vendedor.
• E esse direito subjetivo é naturalmente
transmissível.
• Dizer que o artigo 409.º não prevê a
possibilidade de transferência é errado.
• Porquê?
• A regra é a de que os direitos subjetivos de
natureza não pessoal são livremente
transmissíveis
Por isso, na ausência de qualquer norma a
proibir a alienação ou transmissibilidade do
direito do vendedor com reserva de
propriedade, a conclusão deve ser
precisamente a oposta: o direito subjetivo do
alienante, que beneficia de uma reserva de
propriedade, é perfeitamente transmissível.
• A ideia segundo a qual a posição do credor
com reserva de propriedade não poderia ser
transmitida não encontra, qualquer base
defensável.

• Como consequência dessa cláusula de reserva


surge uma determinada posição jurídica para
o alienante.
• Antes da compra e venda com reserva de
propriedade o vendedor é proprietário.
Depois da venda passa a ter uma propriedade
circunscrita a fins de garantia. Esta situação
jurídica corresponde posição concreta e
juridicamente tutelada. É um direito subjetivo
é naturalmente transmissível, como qualquer
outro.
• A estipulação de reserva de propriedade a favor
do alienante mas sujeita ao pagamento a terceiro
• A vende a B, com reserva de propriedade, um
automóvel. No contrato é estipulado que a
instituição de crédito C pagará, imediatamente, a A
o preço do automóvel e que B reembolsará C
pagando-lhe, ainda, os juros associados às
prestações. Se não pagar funciona a reserva de
propriedade. É possível esta estipulação?
• O artigo 409.º do Código Civil prevê a
possibilidade de, nos contratos de alienação, o
alienante reservar para si a propriedade da
coisa até ao pagamento total ou parcial das
obrigações da outra parte ou até à verificação
de qualquer outro evento.
• Por isso mesmo alguma Doutrina e
jurisprudência admitem esta possibilidade.
• E bem.
• Contra depõe, porém, Gravato Morais.
• Quais os argumentos?
• Diz que:
• – o financiador, C, pode, em caso de
incumprimento da obrigação de pagar o
mútuo, resolver o contrato esse mútuo, mas
não pode exigir a restituição da coisa;
• – o vendedor, A, não pode resolver o contrato
de compra e venda, pois não houve
incumprimento do adquirente quanto a esse
negócio (já recebeu a totalidade do preço
pago pelo terceiro), e muito menos tem
legitimidade para resolver o contrato de
empréstimo;
• – o financiador, C, não pode socorrer-se do
procedimento cautelar de apreensão de
veículo automóvel (Decreto-Lei 54/75), pois
não é titular do registo de reserva de
propriedade;
• – o vendedor também não parece poder
fazê-lo, já que, apesar de ser titular do
respetivo registo, não tem motivo para propor
a ação de resolução do contrato de compra e
venda, como determina o artigo 18.º/1 do
Decreto-Lei 54/75.
• Mas não nos parece, com a devida
consideração, que GRAVATO DE MORAIS tenha
razão.
• O procedimento descrito corresponde, na
realidade, à esmagadora maioria dos casos de
compra de habitação própria.
• Mas há duas diferenças.
• 1. Na nossa hipótese houve reserva de
propriedade a favor do alienante. Na compra e
venda de habitação com recurso ao crédito
isso não é comum.
• 2. Na compra e venda de casa com recurso ao
crédito é usual fazer-se hipoteca a favor do
banco. Isso não sucede na nossa hipótese.
• Quais os argumentos contra a posição de
Gravato Morais?

• Em primeiro lugar, parte dos seus argumentos


reportam-se, apenas, à compra e venda com
reserva de propriedade de veículos
automóveis.
• Em segundo lugar, existindo uma união
interna voluntária entre o contrato de compra
e venda e o contrato de mútuo as vicissitudes
de qualquer dos negócios unidos repercutem-
se sobre as do outro.
• Demonstrada a união, o incumprimento do
contrato de mútuo acaba por ter incidência
direta na compra e venda com reserva de
propriedade, facultando ao vendedor a
possibilidade de exigir a entrega da coisa.
• Acresce que Gravato de Morais se está a
referir à condição resolutiva tácita. Mas nada
impede das partes de estabelecerem uma
condição resolutiva expressa e de fixarem os
respetivos pressupostos. E o pressuposto de
resolução do contrato de compra e venda,
baseada em condição expressa, pode bem ser
o incumprimento do contrato de mútuo.
• Basta que as partes o digam.
• Relativamente à união essa demonstração
será feita de acordo com as regras do artigo
236.º do Código Civil,
• Não será difícil encontrar, face às
circunstâncias do caso em que o vendedor
reserva, para si, a propriedade com vista a
garantir o direito do financiador (que lhe paga
o preço do bem vendido), elementos
suficientemente ponderosos para se
considerarem verificados os pressupostos de
uma coligação funcional de contratos.
Decreto-Lei n.º 359/91, passou a estabelecer-se
uma relação de reciprocidade dos efeitos da
invalidade do contrato de crédito e do
contrato de compra e venda com o mesmo
coligado;
• significa isto que, enquanto anteriormente
apenas a invalidade do contrato de compra e
venda gerava a invalidade do contrato de
crédito, agora também a invalidade deste
último gera a invalidade do contrato de
compra e venda.
• E dada essa união funcional interna o
incumprimento do mútuo permite resolver o
contrato de compra e venda.
§ 2. 6 – A reserva de propriedade e a exigência de cumprimento
do contrato

• A vende a B um automóvel x com reserva de


propriedade a favor do primeiro. B acaba por não
pagar o preço devido a A pela compra do carro.
O que pode ou deve A fazer? Deve resolver o
contrato para poder reaver o carro? Ou será que
pode exigir primeiro o cumprimento do preço em
falta e, apenas na eventualidade de B continuar
relapso é que exigirá a resolução?
• Alguma doutrina e jurisprudência nacionais
têm entendido que o beneficiário da reserva
de propriedade só pode exigir a restituição da
coisa quando exerça o direito de resolução
sem previamente ter exigido o cumprimento
pontual do contrato. Porém,
• O vendedor pode ter interesse em exigir o
cumprimento do contrato e manter a reserva
de propriedade.
• A hipótese inversa é que é inadmissível dado
não se poder exigir o cumprimento de um
contrato resolvido.
• Nada existe que, para a venda com reserva de
propriedade, retire ao vendedor a faculdade
de exigir o cumprimento ou a limite.
• Aliás, a simples mora no cumprimento de um
contrato bilateral não desencadeia
imediatamente o direito de resolver o negócio.
• Para isso suceder mostra-se imprescindível
converter-se a mora em incumprimento
definitivo, nos termos do 808.º/1 do Código
Civil, através da fixação de um prazo para o
devedor cumprir.
§ 2. 7 – A transferência do risco na compra e venda com reserva
de propriedade

• A vende a B um carro X com reserva de propriedade


a favor. Entretanto, numa manifestação contra a
austeridade, no decorrer da qual ocorre um tumulto
público, o carro é destruído. O seguro contratado
para garantir os riscos do carro x, contém uma
cláusula pela qual é afastada a responsabilidade da
seguradora pelos danos decorrentes de tumultos
públicos. Admitindo que a disposição é válida quem
suporta o risco de destruição do carro?
• A problemática da transferência do risco na
compra e venda com reserva de propriedade
mostra-se discutida.
• Alguns autores partindo da consideração de
que na compra e venda com reserva de
propriedade se não deu, ainda, a transferência
do direito real sustentam correr o risco da
perda fortuita por conta do alienante.
• O entendimento é suscetível de parecer, à
primeira vista, receber a cobertura do artigo
796.º .
• Mas a reserva da propriedade visa garantir a
posição do vendedor contra o risco de não
pagamento do preço ou da não verificação do
evento associado a essa transferência.
• Não se compreende, destarte, que um
mecanismo destinado a reforçar a posição do
vendedor acabe afinal por a desguarnecer,
sendo certo que a transferência do domínio
material e do gozo sobre a coisa não deixou de
passar para o comprador.
• O titular do direito alienado deixa de
verdadeiramente o ser (de ter uma
propriedade plena) para passar a ter uma
garantia real, ou se se preferir uma
propriedade limitada ao papel de garantia. O
comprador, esse, passa a ter, como efeito do
negócio sujeito à reserva, uma expectativa
real de aquisição do bem.
• Nesse sentido cada um suporta o risco do seu
direito.
Enquadramento dogmático da compra e venda com
reserva de propriedade

• 1. teoria da condição suspensiva;


• 2. teoria da condição resolutiva;
• 3. teoria da venda obrigacional;
• 4. teoria da dupla propriedade;
• 5. teoria da venda com eficácia translativa
imediata associada à atribuição, ao vendedor,
de uma posição jurídica real que lhe garante a
reaquisição do bem em caso de
incumprimento;
• 6. teoria da eficácia translativa diferida ao
momento do pagamento do preço, com a
concessão ao comprador, no período que
medeia entre a celebração do contrato e o
pagamento, de uma posição jurídica diversa
da propriedade;
• O dever de pagar o preço não corresponde a
um facto exterior ao contrato, futuro e
incerto. Ele corresponde antes a um efeito
essencial do contrato de compra e venda cujo
cumprimento pode ser exigido judicialmente e
sujeito a execução coativa.
• o artigo 409.º/1 do Código Civil prevê, no
entanto, situações de reserva de propriedade
não ligadas ao pagamento do preço pelo que
poder-se-ia dizer que, pelo menos quanto a
estas situações, seria pertinente o
enquadramento nos moldes de um condição
suspensiva
• Diz-se que a condição atinge todos os efeitos
do contrato enquanto a reserva de
propriedade apenas afeta a transmissão da
propriedade.
• As considerações acabadas de tecer valem
igualmente para a teoria de que na compra e
venda com reserva de propriedade se
assistiria a um negócio sujeito à condição
resolutiva.
• Quanto à tese da venda com eficácia
obrigacional podemos rejeitá-la aqui sem
necessidade de se acrescentar mais nada.
• A dupla propriedade deve ser afastada.
• Em primeiro lugar ela adequa-se mal com o
artigo 409.º do Código Civil. Em segundo lugar
ela mostra-se desnecessária e supérflua:
• Ela não traz nada consigo, porquanto é
possível encontrar uma explicação mais
simples e mais adequada à realidade jurídica e
material que se encontra subjacente à compra
e venda com reserva de propriedade.
• E quanto à tese da eficácia translativa
imediata associada à atribuição, ao vendedor,
de uma posição jurídica real que lhe garante a
reaquisição do bem em caso de
incumprimento?
• Ela implica, aliás à semelhança do que
acontece com a teoria da condição resolutiva,
uma alteração estrutural da compra e venda
da reserva de propriedade face ao regime
constante do artigo 409.º do Código Civil onde
apenas se admite ser lícito ao alienante
reservar para si a propriedade da coisa.
• Defender semelhante tese seria reconduzir as
hipóteses de reserva de propriedade a
normais situações de resolução da compra e
venda, sem qualquer tipo de especialidade da
primeira relativamente à segunda.
• Resta-nos a posição que vê na compra e venda
com reserva de propriedade em que o efeito
translativo é deferido ao momento do
pagamento, ficando, todavia, e desde logo o
comprador investido, com a realização do
contrato, numa posição jurídica específica
traduzida numa expectativa real de aquisição
enquanto o vendedor detém uma garantia real
destinada a assegurar o pagamento do preço.
§ 3 – Venda de bens futuros, frutos pendentes e de partes componentes ou
integrantes de uma coisa

• A celebra com B, em 2011, um contrato de


compra e venda pelo qual vende a este último
os frutos que o seu pomar irá produzir na
primavera de 2013. Porém, depois da venda
realizada e de recebido o dinheiro A descura o
seu pomar de tal forma que as árvores são
afetadas por uma doença e não produzem
quaisquer frutos. B pretende saber quais são
os seus direitos perante esta situação.
• A resposta será a mesma se em vez de
descuido de A o pomar tivesse sido atingido
por uma nova e imprevisível doença?
• A compra e venda de bens futuros, frutos
pendentes e de partes componentes ou
integrantes de uma coisa encontra-se prevista
no artigo 880.º do Código Civil.
• A venda de bens futuros, stricto sensu,
verifica-se quando o vendedor aliena bens
inexistentes ao tempo da celebração do
contrato de compra e venda, que se não
encontrem em seu poder ou a que não tem
direito
• podem igualmente considerar-se como
compra e venda de coisa futura os outros
contratos de compra e venda referidos no
artigo 880.º do Código Civil (venda de frutos
pendentes, partes componentes ou
integrantes).
• Tendo sido realizada uma compra e venda de
bens futuros, frutos pendentes, partes
componentes ou integrantes de uma coisa o
vendedor fica obrigado a exercer as diligências
necessárias para que o comprador adquira os
bens vendidos, segundo o que for estipulado
ou resultar das circunstâncias do contrato
• Se não cumprir, por facto imputável a ele o
vendedor responderá por inadimplemento.
• Mas responderá pelo interesse contratual
negativo ou pelo interesse contratual positivo?
• RAÚL VENTURA, considerando a venda de
bens futuros como um negócio incompleto,
antes de se verificar a transferência da
propriedade, entende dever ficar a
indemnização circunscrita ao interesse
negativo.
• MENEZES LEITÃO, defende estar-se diante de
um contrato validamente celebrado pelo que
a indemnização não poderia ficar limitada
pelo interesse contratual negativo.
• Tem razão RAÚL VENTURA ao afirmar estar-se
diante de um negócio incompleto. Mas tem-
na também MENEZES LEITÃO quando sustenta
tratar-se de um negócio validamente
celebrado, se com isso pretender significar
não haver aqui qualquer forma de ilicitude.
• Os negócios incompletos, apesar a sua
incompletude, e destarte, da sua falta de
validade (como negócios completos) podem e
produzem alguns efeitos jurídicos.
• Afastada estará, isso sim, apenas a produção
da totalidade dos respetivos efeitos.
• Parece, destarte, e atendendo à circunstância
de logo com a compra e venda de bens
futuros, frutos pendentes e partes
componentes, surgir para o vendedor a
obrigação de adquirir a coisa, determinar o
respetivo incumprimento culposo o dever de
indemnizar pelo interesse contratual positivo.
• Tratando-se, contudo, de uma
impossibilidade, total ou parcial, não culposa
ou imputável ao vendedor, a consequência
será a da extinção do contrato ou o
cumprimento parcial, hipóteses em que ou o
vendedor perde o direito à prestação (artigo
795.º/1) ou há redução na medida da
impossibilidade (artigo 793.º/1).
§ 4 – Compra e venda de bens de existência
ou titularidade incerta
• A celebra com B, por escrito, um contrato de
compra e venda de um quadro que tem em sua
casa mas que não se lembra se o doou ao seu
filho mais velho C. Porém, A elucidou B de que
podia, eventualmente, ter doado o quadro a C.
Entretanto vem a apurar-se que A doou
efetivamente o quadro a C. B não se conforma
com a situação e pretende responsabilizar A por
este lhe ter vendido um bem alheio. Quid iuris?
• A solução seria a mesma se o contrato tivesse
sido realizado verbalmente?
• O artigo 881.º condiciona a admissibilidade da
venda de bens de existência ou titularidade
incerta à circunstância de no contrato se fazer
menção da incerteza.
• Pode discutir-se se essa menção tem de ser
expressa ou meramente tácita.
• Parece que a razão de ser da exigência, no
sentido de suprimir as dúvidas quanto à prova
de um estado subjetivo de difícil
demonstração, aponta para a necessidade de
uma declaração expressa.
• A mesma ratio parece levar à
inadmissibilidade de um contrato deste tipo
ser realizado de forma meramente verbal.
• Mas independentemente da solução que se
considerar dogmaticamente mais adequada, a
cautela impõe que este contrato, ou pelo
menos a cláusula relativa à incerteza, seja
reduzida a escrito.
• Sendo a disposição válida, presume-se terem
as partes pretendido atribuir ao contrato
natureza aleatória devendo o preço ser pago
mesmo que os bens não existam ou não
pertençam ao vendedor.
• Só não será assim se as partes recusarem ao
contrato natureza aleatória, eventualidade na
qual o preço só terá de ser pago se a coisa
existir e pertencer ao devedor
• Esta modalidade de compra e venda
diferencia-se da venda de bens alheios uma
vez que o alienante não realiza o contrato
como se fosse proprietário da coisa.
• A venda de bens de existência ou titularidade
incerta distingue-se, também, da venda de
bens futuros. Ela não assenta na expectativa
da futura aquisição do bem ou sua
concretização ou autonomização na esfera do
alienante mas, sim, sublinhe-se novamente,
no próprio estado de incerteza assumido pelas
partes no negócio.
• Donde: o vendedor não é obrigado a exercer
as diligências necessárias para que o
comprador adquira o bem, nem tenha que
sanar o contrato, ao contrário do que decorre
dos artigos 880.º/1 e 897.º do Código Civil. O
vendedor não tem, sequer, o dever de
desenvolver qualquer atividade para dissipar o
estado de incerteza.
§ 5 – Compra e venda de coisas sujeitas a pesagem, contagem e medição

• A) A celebra B um contrato de compra e venda


de toda a cortiça proveniente da apanha, já
efetuada, realizada na herdade do primeiro
dos dois. No contrato é dito que o peso da
cortiça é de duas toneladas e que o preço será
de x vezes o kg de cortiça. Durante a operação
de pesagem da cortiça vem, todavia, a apurar-
se que o peso da cortiça é inferior em 100 kg.
ao estipulado no contrato. Quid iuris?
• B) E se se tivesse estipulado um preço global para as
duas toneladas de cortiça supostamente apanhadas
na herdade de A e faltassem 100 kg.
• C) A solução seria outra se em vez da compra e
venda da cortiça já apanhada na herdade de A, se
tivesse dito, apenas, que eram vendidas duas
toneladas de cortiça?
• D) Imagine, ainda, que celebrado o contrato nos
termos mencionados na primeira hipótese a cortiça
ardia. Nesse caso quid iuris?
• Nas alíneas A) B) e D) está-se perante a
compra e venda de coisa específica, mesmo se
sujeita a uma atividade de pesagem (aplicam-
se, pois, os artigos 887.º e ss.).
• As hipóteses tratadas nos artigos 887.º e
seguintes não correspondem à de o vendedor
ter entregue coisa quantitativamente
diferente da que constitui objeto do contrato,
pois, nesse caso, haverá cumprimento
defeituoso. É esse o caso da al. c)
• Do que se trata, isso sim, é de o objeto do
contrato, que foi determinado e, depois,
entregue, não se adequar à indicação, ao juízo
ou cálculo que sobre ele fizeram as partes ou
uma delas.
• Tratando-se da venda de coisa determinada e
não de coisa genérica a compra e venda fica
concluída com a celebração do contrato, antes
da pesagem contagem ou medição.
• Significa isto que o comprador adquire, de
acordo com a regra do artigo 408.º/1 do
Código Civil, imediatamente a propriedade
dos bens alienados, transferindo-se para ele o
risco pela respetiva perda ou deterioração. Ou
seja a resposta à al. D) será a de que o risco
corre pelo comprador.
• Mas isto significa, também, que a haver uma
divergência entre as quantidades ou medidas
indicadas e o resultado da medição, pesagem
ou contagem as consequências apenas se
fazem sentir ao nível do preço devido, de
acordo com os artigos 887.º e seguintes do
Código Civil.
• Mas as consequências são diversas conforme
o preço tenha sido estipulado em razão de
tanto por cada unidade comprada (compra ad
mensuram ou por medida) ou tenha, ao invés,
sido determinado para a totalidade ou
conjunto de coisas vendidas (compra ad
corpus ou a corpo).
• A compra e venda por medida ou ad mesuram
vem prevista no artigo 887.º do Código Civil: aí
é devido o preço proporcional ao número,
peso ou medida real da coisa vendida, sem
embargo de no contrato se declarar
quantidade diferente.
• Relativamente à compra e venda a corpo
aplica-se o artigo 888.º do Código Civil.
• Donde, se na venda de coisas determinadas o
preço não for estabelecido à razão de tanto
por unidade, o comprador deve o preço
declarado mesmo se no contrato se indique o
número, peso ou medida das coisas vendidas
e a indicação não corresponda à realidade.
• Com uma particularidade. Se a quantidade
efetiva diferir da declarada em mais de um
vigésimo desta, o preço sofrerá redução ou
aumento proporcional (artigo 888.º/2 do
Código Civil), imposta supletivamente às
partes.
• Há ainda que ter em consideração o disposto
no artigo 891.º/1 e 2.
• Este preceito atribui ao comprador o direito
de resolver o contrato se o preço devido, por
aplicação do artigo 887.º ou 888.º/2, exceder
o proporcional à quantidade declarada em
mais de um vigésimo deste, e o vendedor
exigir esse preço, salvo se tiver procedido com
dolo.
• Nas hipóteses em apreço há uma variação
igual a um vigésimo. Não superior. Logo a
resolução está excluída.
• Mas a resolução estaria também excluída se a
variação fosse superior.
• Está fora do âmbito da previsão normativa a
faculdade de resolução pelo vendedor em
virtude da redução do preço.
§ 6 – Venda a contento e sujeita a prova

• A, escultor, pretende celebrar com B um contrato de


compra e venda das esculturas que fez. B não se sente
nada inclinado a comprá-las dada a reputação de A. A diz-
lhe, então, para convencer B, que celebram o contrato
sujeito à reserva de as esculturas agradarem a B. Como B
já não podia ouvir A, e não tendo qualquer intenção de
alguma vez dar a respetiva concordância, acaba por dizer
que sim à celebração do contrato nas condições
avançadas por A. Mais tarde e sem ver sequer as
esculturas comunica a A que as não quer. A sente-se
enganado e pretende responsabilizar B.
• A venda da hipótese é uma venda a contento.
• Há duas as modalidades de compra e venda a
contento.
• Na primeira (ad gustum) é estipulado que a
coisa terá de agradar ao comprador, não se
produzindo os efeitos típicos da compra e
venda enquanto isso não suceder (artigo 923.º
do Código Civil)
• Na segunda concede-se ao comprador o
direito de resolver o contrato se coisa não
agradar ao comprador (artigo 924.º do Código
Civil).
• No caso da hipótese estamos perante a
primeira modalidade.
• Na primeira modalidade o nosso Direito
atribui valor jurídico ao silêncio, desviando-se,
assim, daquela que é a regra geral.
• O artigo 923.º/2 dispõe que a coisa se
considera aceite se o comprador se não
manifestar dentro do prazo de aceitação, nos
termos do artigo 228.º/1 do Código Civil
• O ónus da prova do silêncio do comprador já
foi considerado pertencer ao vendedor, uma
vez que se trata de facto imprescindível à
perfeição do negócio, e é ele próprio
elemento respetivo.
• Dado o artigo 923.º/3 estabelecer a
obrigatoriedade de a coisa ser facultada ao
comprador para exame, o prazo para
aceitação não se pode iniciar antes de a coisa
ser entregue.
• A entrega da coisa para ser apreciada constitui
uma obrigação autónoma do vendedor, cujo
cumprimento pode ser exigido judicialmente
pelo comprador.
• o comprador deve atuar de forma cuidadosa
durante o exame da coisa.
• Se dentro do termo, o comprador se
manifestar no sentido da rejeição a venda
considera-se como não celebrada.
• A manifestação de rejeição não depende de
qualquer fundamentação. O comprador
reservou-se a liberdade de dizer a última
palavra e vincular-se-á conforme lhe aprouver
ou não, de forma absolutamente livre, não
sendo a sua decisão sindicável judicialmente
• Não é sequer exigível que ele examine a coisa
para formular a respetiva decisão podendo, se
assim o entender, dispensar qualquer
observação da coisa.
• Da mesma forma uma aceitação sem exame
da coisa é perfeitamente eficaz.
• Não significa isto ser lícito, ao comprador,
todo e qualquer comportamento. Desde logo
o adquirente deve agir com cuidado, de
acordo com a boa fé, no exame da coisa.
• Mas o que agora se deve ter presente é outro
aspeto.
• A própria recusa de aceitação pode em certos
casos, e embora isso seja raro dada a
amplitude do direito conferido a quem
compra, mostrar-se ilícita ou abusiva. Isso
mesmo sucederá se, por hipótese, se vier a
demonstrar que no momento da celebração
do contrato o adquirente já tinha o propósito
de recusar e ocultou esse facto ao vendedor
causando-lhe com isso danos.
• Não parece contudo admissível pretender-se
uma venda a contento e estipular-se,
concomitantemente um dever de
fundamentação.
• Um acordo desse tipo corresponderá já a uma
venda sujeita a prova.
• Imagine-se agora que A e B celebravam um
normal contrato de compra e venda ad
gustum. Quando B está a apreciar os bens
enviados por A um relâmpago destrói-os. Por
conta de quem corre o risco?
• Uma vez que a compra ainda não produz os
respetivos efeitos típicos antes da aceitação a
atribuição do risco ao comprador só se
verificará com o decurso do prazo
estabelecido no artigo 923.º/2 ou com a
aceitação expressa ou tácita.
• Imagine que A e B celebravam um contrato de
compra e venda, no qual estipulavam que o
comprador tinha o direito de desfazer o
negócio se o bem não lhe agradar. Ainda antes
da entrega um relâmpago destrói a coisa
vendida. Por conta de quem corre o risco?
• O comprador adquire o objeto e contrai a
obrigação de o pagar, mas fica com o direito
de desfazer o negócio, dando os efeitos por
não produzidos se o objeto o não satisfizer.
• Aplicam-se nesse caso as regras constantes
dos artigos 432.º e seguintes do Código Civil
(artigo 924.º/1).
• Nesta modalidade de compra e venda a contento
produzem-se, ab initio, todos os efeitos do
contrato, nomeadamente a transferência do risco
de perda ou deterioração da coisa na pendência
do prazo para o exercício do direito de resolução.
Com efeito, se esta se danificar ou destruir em
termos de o comprador já não poder proceder à
respetiva devolução ao vendedor, o comprador já
não poderá exercer o direito de resolução.
• A questão que se coloca é a de saber se a
transferência do risco depende da entrega da
coisa, nos moldes definidos no artigo 796.º/3
do Código Civil.
• A aplicação deste preceito pressupõe, todavia,
que na segunda modalidade de venda a
contento se esteja perante uma condição
resolutiva coisa que não parece suceder.
§ 6. 3 – Venda sujeita a prova

• A, costureiro, celebra com B um contrato de compra


e venda de um conjunto de vestidos da autoria do
primeiro. No contrato é, porém, dito que o contrato
depende de os vestidos servirem a B. Entretanto,
quando B prova os vestidos vê que eles não servem,
mas poderiam fazê-lo com um pequeno ajuste.
Como B se tinha já arrependido da compra dos
vestidos, pretende rejeitar o contrato. Mas não
comunica essa rejeição a A que por isso pretende o
pagamento do preço.
• Na compra sujeita a prova a plena produção
dos efeitos do contrato depende
circunstâncias positivas suscetíveis de
apreciação judicial.
• A prova deverá ser feita dentro do prazo e
segundo a modalidade estabelecida pelo
contrato ou pelos usos. Se ambos forem
omissos, observar-se-á o prazo fixado pelo
vendedor e a modalidade escolhida pelo
comprador de acordo com critérios de
razoabilidade (925.º/2).
• De acordo com o artigo 925.º/3 cabe ao
comprador o encargo de comunicar ao
vendedor o resultado da prova antes de
expirar o prazo sob pena de o negócio
produzir definitivamente todos os seus
efeitos.
Natureza da compra e venda a contento e da compra e venda
sujeita a prova

• Imagine que em todas os contratos atrás


realizados a coisa é destruída por facto
fortuito antes da decisão do comprador ou da
realização da prova. Quid iuris
• A venda a contento, na sua primeira
modalidade, representa um contrato
preliminar constitutivo de um direito típico de
opção: do negócio resulta a vinculação
definitiva de uma das partes (o vendedor)
acompanhada da obrigação de fornecer o
exame da coisa enquanto a outra se reserva a
faculdade de aceitar ou rejeitar.
• Na primeira modalidade não é possível
considerar estar-se perante uma condição
resolutiva uma vez que o negócio não produz
a totalidade dos efeitos enquanto se não der a
aceitação.
• Também não parece poder falar-se de uma
condição suspensiva dado a venda a contento
já produzir a obrigação de fornecer a coisa
para exame.
• Além disso, na medida em que o critério
condicionante está colocado na dependência
da vontade de uma das partes não se poderia
falar nunca em verdadeira condição.
• Na segunda modalidade de venda a contento
assiste-se uma compra em que o adquirente
tem um direito de resolução (não se trata de
condição resolutiva) do contrato que exercerá,
também aqui, de forma discricionária e sem
possibilidade de sindicância judicial.
• Mas as razões aduzidas para o afastamento da
qualificação da compra e venda a gosto como
uma condição suspensiva impedem,
igualmente, que se fale de uma condição
resolutiva para explicar, a segunda modalidade
de compra e venda a contento.
• Na compra e venda sujeita a prova está-se,
perante, um negócio incompleto de formação
sucessiva, cujo Tatbestand só ficará perfeito
com a observação ou constatação do
funcionamento do condicionalismo a que as
partes subordinaram o negócio.
• Donde: no primeiro caso de compra a
contento, já o vimos, o risco só se transfere
com o decurso do prazo para a aceitação sem
que ela seja manifestada ou, então, com a
respetiva aceitação.
• No segundo caso aplicam-se as regras do
artigo 432.º e ss., sendo que se não aplica o
artigo 796.º/3.
• Na compra e venda sujeita a prova a
destruição da coisa impede a prova. Por sua
vez a prova conduz à compleição do negócio
incompleto. A transferência do risco dá-se
com a prova.
§ 7 – Venda a retro

• 1. A celebra com B um contrato de compra e venda de uma


casa X, estipulando logo no contrato que, se assim o
entendesse, podia reaver o objeto comprado, mas apenas
decorridos seis meses sobre a data do contrato. Quando A
exerce o direito que lhe é contratualmente conferido B nega-se
a devolver-lhe o terreno. A argumentação de B é a seguinte:
Sendo o contrato de compra e venda dotado de eficácia real o
bem é dele B. O máximo que A pode fazer é exigir-lhe uma
indemnização por incumprimento contratual ou quando muito
solicitar a imposição do pagamento de uma sanção pecuniária
compulsória ou execução específica. Mas o bem não reverteria
sem mais para A.
• 2. Entretanto como B não aceita entregar o
bem a A este não lhe oferece o pagamento do
preço. Quid iuris?
• 3. Imagine agora que a casa é completamente
destruída por um tremor de terra. Quem
suporta o risco? A resposta seria diferente se
B lhe tivesse culposa ou dolosamente deitado
fogo?
• Na venda a retro o vendedor reserva para si o
direito de reaver a propriedade da coisa ou
direito vendido mediante a restituição do
preço. Ou seja, na venda a retro o vendedor
tem a possibilidade de resolver o contrato de
compra e venda (v. art. 927.º do Código Civil)
• O exercício deste direito do vendedor tem
como consequência a aplicação do disposto
nos artigos 432.º e seguintes, em tudo quanto
não for afastado pelo regime específico da
venda a retro.
• Deve distinguir a venda a retro, de um lado, da
retrovenda, do outro.
• Na primeira há uma única convenção ou
venda, em que se inclui como disposição
acessória a faculdade, para o vendedor, de
chamar de novo a si o objeto, devolvendo o
preço.
• Diversamente, na segunda A vende a B e B, no
mesmo instante ou ulteriormente, volta a
vender a A, ficando a venda posterior, como
simples proposta, sujeita à aceitação de A, ou,
como venda completa, subordinada à
condição da concordância posterior.
• Venda a retro
•A v B

• e logo no contrato se estipula a


possibilidade de reversão
• Retrovenda

•1: A v B
•2: B v A
• Há dois negócios
• Não se aplica, na retrovenda, ao negócio de B
para A (2) o regime dos artigos 432.º e
seguintes do Código Civil.
• Vale, isso sim para este negócio o regime da
compra e venda – cabendo a A todos os
normais direitos de um comprador – e
nomeadamente a disciplina das respetivas
perturbações típicas
• Ainda assim o esquema contratual complexo
constituído pela retrovenda não ficará, parece,
totalmente alheio às regras da venda a retro.
• Na verdade, as limitações existentes a
propósito da venda a retro quanto a prazos e
preços devem considerar-se extensíveis à
retrovenda. É a identidade de situações, a este
nível, a justificá-lo. Não fosse assim estava
aberta a porta para defraudar o regime da
venda a retro.
• A Venda a retro foi frequentemente temida
por se entender que podia representar um
negócio usurário. O nosso Direito admitiu a
compra e venda a retro mas com cautelas.
• Quais são essas cautelas?
• Em primeiro lugar o preço a pagar pela
resolução não pode ser superior ao da compra
e venda inicial.
• Como forma de evitar que a eficácia real da
cláusula de venda a retro represente, por
tempo excessivo e indeterminado, um entrave
à circulação de bens o nosso Código Civil fixou,
no art. 929.º, um prazo improrrogável para o
exercício do direito de resolução:
• dois ou cinco anos a contar da data da venda
consoante esta seja de bens móveis ou
imóveis, salvo estipulação de prazo mais
curto.
• Decorrido o prazo deixa de ser possível
proceder à resolução da venda, mesmo
quando o comprador dê o seu assentimento a
essa resolução. Esse assentimento pode levar
a uma nova compra e venda, mas não à
resolução da compra e venda a retro.
• A existência de um prazo imperativo para o
exercício do direito de resolução não impede
as partes de, dentro desse prazo resolutivo,
fixarem um prazo suspensivo, de modo a
apenas permitir a resolução do contrato
decorrido certo período.
• Se a venda a retro respeitar a coisas imóveis, a
resolução deverá ainda ser reduzida a
escritura pública ou documento particular
autenticado nos quinze dias imediatos, com
ou sem intervenção do comprador (artigo
930.º do Código Civil).
• No silêncio do contrato, a resolução fica sem
efeito se, dentro do prazo de quinze dias, o
vendedor não fizer ao comprador oferta real
das importâncias líquidas que haja de pagar-
lhe a título de reembolso do preço e das
despesas e outras acessórias (artigo 931.º do
Código Civil).
• Neste caso o comprador recusa-se
antecipadamente a entregar a coisa. O
vendedor pode invocar a exceção de não
cumprimento.
• Cumpridos os requisitos da resolução tem o
comprador a obrigação de entregar a coisa ao
vendedor.
• No tocante ao risco de perda ou deterioração
da coisa considera PEDRO ROMANO
MARTINEZ correr ele por conta do comprador,
nos termos do artigo 796.º/3 do Código Civil.
• Porém, a resolução do contrato é colocada na
dependência da vontade de uma das partes:
logo não estamos diante de uma autêntica
condição resolutiva.
• na venda a retro, o comprador é possuidor de
boa fé. Significa isso responder ele apenas
pela perda ou deterioração da coisa se tiver
procedido com culpa (1269.º do Código Civil).
Havendo, pois, negligência ou dolo do
comprador, se o vendedor pretender exercer o
direito de resolução do contrato pode
demandar o comprador pelos prejuízos
causados.
• Tratando-se de perda fortuita o que sucederá,
normalmente, é o vendedor não exercer o
direito de resolução, por não ter nisso
qualquer interesse, acabando a propriedade
por se consolidar na esfera jurídica do
comprador que, destarte, acaba por ter de
suportar o risco de perda da coisa, mas por
motivo completamente diverso do artigo
796.º/3 do Código Civil.
• Além disso, se o alienante, ignorando o
desaparecimento da coisa, notificar o
comprador da resolução:

• Desde logo, num caso destes a boa fé impõe


ao adquirente que comunique ao comprador a
ruína ou eliminação do bem vendido
• Por outro lado sendo a notificação resolutória
uma declaração negocial recetícia podia ela,
ainda, na falta de outro remédio ser atacada
com base em erro.
• Imagine-se agora que no momento da
resolução da compra e venda por parte de A,
o B tinha vendido o terreno a C. Quid iuris?
• A solução seria a mesma se em vez de um
terreno estivesse em causa a venda de um
bem móvel?
• Em regra a resolução dos contratos ou
negócios jurídicos não prejudica os direitos
adquiridos por terceiros (art. 435.º/1).
• A este princípio faz exceção o artigo 932.º: se
a venda a retro tiver por objeto coisas imóveis
ou móveis sujeitas a registo, e a cláusula a
retro tiver sido devidamente registada, a
resolução já é oponível a terceiro
• Parece assim que a cláusula de venda a retro
só terá eficácia real tratando-se de bens
imóveis ou móveis sujeitos a registo. Nos
restantes casos possuirá, apenas, eficácia inter
partes de acordo com o disposto no artigo
435.º/1 do Código Civil.
• Do ponto de vista da natureza da venda a
retro: na nossa perspetiva não encontramos
quaisquer razões para nos distanciarmos da
qualificação do artigo 927.º. Trata-se, de facto,
de um contrato atributivo de direito de
resolução a exercer ad nutum pelo comprador
e dotado de eficácia retroativa de acordo com
o disposto nos artigos 432.º e seguintes do
Código Civil
§ 8 – Venda a prestações
§ 8. 1 – Noção, exigibilidade antecipada e
resolução
• A vende a B a sua coleção de selos pelo preço
oitocentos mil euros. Como B não tinha dinheiro
para pagar imediatamente esse valor ficou
convencionado que o preço seria pago ao longo de
oito meses em prestações mensais iguais. Os selos
são imediatamente entregues a B. Este, porém,
paga a primeira prestação, mas incumpre a
segunda. A que era homem de contas rigorosas,
fosse quando devedor, fosse quando credor,
pretende saber:
• A) Se pode exigir a resolução do contrato?;
• B) Se pode exigir o imediato pagamento de
todas as prestações ainda devidas?;
• C) Seria a resposta diferente se A tivesse
reservado a propriedade para si?;
• D) Seria a reposta diferente no caso de não ter
havido entrega?
• A compra e venda a prestações vem regulada
artigos 934.º e seguintes.
• A expressão venda a prestações não retrata
com rigor esta modalidade de compra e
venda. A prestação é uma só como uma só é a
dívida.
• Aquilo a que se dá o nome de prestações
corresponde antes a parcelas de uma
prestação
• se uma obrigação puder ser liquidada em duas
ou mais parcelas (prestações) a não realização
de uma delas importa o vencimento de todas.
• Existem, porém, regras especiais para a
compra e venda. Trata-se dos artigos 886.º,
934.º e 935.º do Código Civil
• O artigo 886.º aplica-se de uma forma geral a
todos os casos de não pagamento de preço
pelo comprador.
• Derrogando o regime do artigo 801.º do
Código Civil, estabelece que, transmitida a
propriedade da coisa, e feita a sua entrega, o
vendedor não pode, via de regra, resolver o
contrato por falta de pagamento.
• O art. 934.º do Código Civil, afastando-se da
solução consagrada para o artigo 781.º, vale
especificamente para os casos de falta de
pagamento de uma das prestações relativas
ao preço em contratos de compra e venda a
prestações
• Parecem ser as seguintes as soluções nele
consagradas.
• – vendida a coisa a prestações com reserva da
propriedade, e feita a sua entrega ao
comprador, a omissão de uma prestação cujo
valor exceda a oitava parte do preço, ou de
duas ou mais prestações independentemente
do seu valor, confere ao vendedor o direito de
resolver o contrato de compra e venda.
• em qualquer dos casos – com ou sem reserva
de propriedade – a falta de pagamento de
uma prestação de montante inferior a um
oitavo do preço não implica a perda do
benefício do prazo.
• As soluções acabadas de enunciar necessitam
de alguns esclarecimentos complementares.
• Em primeiro lugar, importa sublinhar a
circunstância de no preço estarem
normativamente compreendidas todas as
quantias a pagar pelo comprador ao vendedor
como consequência da alienação, mesmo se
se tratar apenas de despesas, juros ou outras
importâncias
• Em segundo lugar, apesar de o artigo 934.º
parecer absolutamente categórico no sentido
da limitação quer da resolução, pelo
vendedor, quer da perda do benefício do
prazo concedido ao adquirente, depender da
entrega da coisa a solução não pode ser
acriticamente aceite.
• o desapossamento do comprador poderia
trazer para ele consequências particularmente
penosas e mesmo vexatórias.
• Mas a distinção de regime consoante a coisa
tenha sido, ou não, entregue parece mostrar-
se pouco razoável quando em jogo esteja o
vencimento antecipado
• Uma interpretação literal, neste ponto, do
artigo 934.ºdesprotegeria, sem se encontrar
razão justificativa, o comprador, na
eventualidade de não ter beneficiado da
tradição da coisa, no confronto com o
adquirente favorecido pela traditio, tutelado
de forma mais eficaz, quando a sua omissão,
por estar já avantajado pela entrega, tem,
nesta perspetiva, um cariz mais censurável.
• Devidamente compreendido o problema
metodológico da interpretação-aplicação-
compreensão do Direito não se vê nenhum
obstáculo em aplicar também a restrição
imposta pelo artigo 934.º, no respeitante ao
vencimento antecipado, aos casos nos quais
se não assistiu à tradição da coisa.
• Tem-se discutido a questão de saber se
verificados os pressupostos do artigo 781.º se
está perante um verdadeiro caso de
vencimento antecipado ou, ao invés, perante
uma simples situação de exigibilidade
antecipada.
• Deve preferir-se o segundo termo da
alternativa. De outro modo, poder-se-ia
chegar a resultados desrazoáveis na
perspetiva do credor: impor-se-lhe-ia a
aceitação de todas as prestações em falta,
atribuindo-lhe um «benefício» que ele poderá
não pretender
• O mesmo princípio vale para o artigo 934.º do
Código Civil.

• Significa isto que faltando o comprador a uma


prestação superior a um oitavo do preço, ou a
duas prestações, qualquer que seja o seu
valor, o vendedor pode interpelá-lo, exigindo o
pagamento das prestações vincendas.
• O artigo 934.º refere-se apenas à falta de
pagamento. Não obstante deve entender-se
ter a expressão normativamente dois
sentidos.
• Tratando-se da exigência do cumprimento da
totalidade das prestações basta a mora.

• Estando, porém, em causa o exercício do


direito de resolução apenas após o
incumprimento definitivo, provocado nos
termos do artigo 808.º, pode ele ser atuado
• Controvertida é a questão de saber se a
exigência de um oitavo do preço ou de duas
ou mais prestações acumuladas
(independentemente do respetivo valor)
parece corresponder sempre a um
incumprimento grave, para efeitos do artigo
802.º/2, caso em que, sendo definitivo, não
tem de passar por qualquer outro crivo.
• Toda esta discussão terá, porém, de ser
relativizada, para não dizer que se mostra
deslocada.
• Na medida em que, perante a falta de
pagamento de uma prestação superior a um
oitavo do preço ou duas ou mais acumuladas,
independentemente do seu montante, o
credor tem o direito de exigir
antecipadamente o valor de todas as
prestações (artigo 781.º e 934.º), se quiser
resolver o contrato fixa um prazo para o
comprador pagar a totalidade da dívida.
• Se este não cumprir passa a existir um
inadimplemento que não é parcial mas sim
total e, destarte, não sujeito à regra do artigo
802.º/2 do Código Civil.
§ 9 – Locação-venda

• A celebra com B um contrato de locação


relativo ao bem x por força do qual B deveria
pagar uma renda durante 15 anos findos os
quais a coisa passa para a titularidade de B. Ao
fim de catorze anos B deixa de pagar as
rendas. Quid iuris?
• A locação-venda encontra-se mencionada no
artigo 936.º/2 do Código Civil.
• Trata-se de um contrato em que as partes
afirmam estipular uma locação, mas acordam
passar a propriedade da coisa locada para o
locatário de forma automática terminado o
pagamento de todas as rendas ou alugueres
acordados.
• atenta esta transferência da propriedade, as
prestações por não correspondem, ou não
correspondem exclusivamente, ao pagamento
do gozo temporário, mas antes ao pagamento
da própria transmissão.
• Atenta a realidade substancial a que este
contrato se reporta compreende-se ter sido
expressamente contemplado e regulado a
hipótese de resolução do contrato com
fundamento em incumprimento do locatário
no artigo 936.º/2.
• A resolução da locação-venda terá
necessariamente efeito resolutivo e o
vendedor-locador terá de proceder ao
reembolso ou devolução das prestações
recebidas, apenas podendo exigir uma
indemnização nos termos gerais ou fixar
cláusula penal nos termos do artigo 935.º do
Código Civil, para onde o artigo 936.º/2
remete.
• Não há unanimidade quanto à natureza
jurídica da locação-venda.
• Parece, com MENEZES LEITÃO ser de
considerar estar-se aqui diante de uma
modalidade específica e típica de compra e
venda na qual, sendo diferida a transmissão
da propriedade até ao pagamento do preço, o
vendedor se obriga a proporcionar ao
comprador o gozo da coisa, como locatário
desta.
§ 10 – Compra e venda sobre documentos

• A compra e venda sobre documentos


encontra-se prevista nos artigos 937.º e
seguintes do Código Civil, e tem por objeto
bens representados por títulos.

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