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DIREITO DOS CONTRATOS I- ALEXANDRA ABALAIN

A COMPRA E VENDA
Partindo para a noção de compra e venda, prevista no artigo 874º, é possível distinguir
dois elementos essenciais, que correspondem aos dois efeitos essenciais da compra e
venda (879º):
 Efeito real: transferência da propriedade de uma coisa ou direito (transferência
da titularidade de um direito).
 Efeitos obrigacionais: a. Obrigação de pagamento do preço. b. Obrigação
(pendente) sobre o vendedor de entregar a coisa vendida. Dentro destes limites
estabelecidos pelo Código, o fundamental é o princípio da liberdade contratual,
que se encontra consagrado no artigo 405º. Note-se, no entanto, que para além
destes limites “gerais”, existem outros limites respeitantes ao objeto,
concorrência, proteção do consumidor.

Classificações do Contrato de Compra e Venda:


a) Contrato típico ou nominado: vem previsto no CC e no CCom como categoria de
contrato (874º do CC e 463º do CCom).
b) Fundamentalmente não formal.
c) Contrato consensual: por oposição ao contrato real quoad constitutionem; há uma
obrigação de entrega da coisa; o contrato surge imediatamente com o acordo de
vontades. a. Podem as partes, à luz da autonomia privada, acordar que o contrato seja
real quoad constitutionem? Pedro Albuquerque entende que sim.
d) Translativo: transferência da propriedade, decorre do efeito real da compra e venda;
e) Oneroso: 237º a 612º.
f) Bilateral ou sinalagmático: a cada prestação corresponde uma contraprestação.
g) Simultaneamente obrigacional e real quoad effectum
h) De execução instantânea: os efeitos esgotam-se num só momento – o efeito
translativo é imediato; a obrigação de pagar o preço e de entregar a coisa também não
são delimitadas em função do tempo (exemplo: preço pago em prestações; é assumido
como pago integralmente no momento da ultima prestação).
i) Comutativo: pode assumir também natureza aleatória (venda de bens futuros, frutos
pendentes ou partes componentes);
j) Causal (sistema do titulo): a constituição ou modificação de direitos reais dependem
da existência, validade e procedência da causa jurídica (a transferência da propriedade
depende de um negócio de compra e venda válido e unitário). a. Difere de abstração: a
transmissão do direito real depende apenas da eficácia do negócio real, não havendo
consequências em caso de falta de validade (corresponde ao esquema do modo).
Compra e Venda- Real ou Obrigacional?
Contrato de compra e venda de um quadro e as partes não se entendem sobre se pode
haver no direito português um contrato com eficácia meramente obrigacional (um
contrato com efeitos translativos posteriores).
A regência entende que à luz dos artigos 874º e 879º, não há duvida de que tem de ser
sempre segundo o sistema do titulo – o seja, que não é possível haver um contrato de
compra e venda com meros efeitos obrigacionais, prescindindo do efeito real decorrente
do contrato. No entanto, o artigo 408º admite exceções e o 409º vem admitir a compra e
venda com reserva de propriedade. Ao mencionar a existência de exceções, o artigo
408º, a regra da eficácia real dos contratos translativos ou constitutivos de direitos reais,
coloca a questão de uma eventual admissibilidade de situações de compra e venda com
simples eficácia obrigacional.
PEDRO DE ALBUQUERQUE: não é possível, nem mesmo nos casos em que não
existe coincidência entre o momento da transferência de propriedade da
coisa/titularidade do direito e a altura da celebração do contrato de compra e venda –
razão: o efeito translativo opera automaticamente, não carecendo de qualquer
intervenção do vendedor, ainda que em momento posterior.
a. Exemplos: compra e venda de bem futuro – o efeito translativo não pode ser
instantâneo porque não existe propriedade para transmitir; essa transmissão ocorrerá
apenas quando a coisa for adquirida pelo alienante (408º/2). O alienante fica só
obrigado a desenvolver as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens
vendidos (880º/1) – dispensa-se qualquer modo para que a transmissão opere.
b. Exemplos: na compra e venda indeterminada, genérica ou alternativa, a transferência
da propriedade tanto poderá depender de um ato do vendedor (539º) como verificar-se
por outros meios (541º e 542º) – a transmissão dá-se com a determinação. Razão: não é
um ato do vendedor que opera a transmissão, mesmo que este faça a concentração –
novamente a transmissão é efeito direto e imediato (539º, 541º e 549).
c. Exemplos: venda sujeita a condição suspensa ou sujeita a termo inicial – o contrato
fica paralisado nos seus efeitos, mas apenas a transferência da propriedade (o contrato
tem os seus efeitos suspensos)
d. Exemplo: compra e venda de frutos naturais ou parte componente ou integrante –
nestes casos a transferência verifica-se no momento da colheita ou da separação; não há
qualquer obrigação de dare de que fique dependente a transferência da propriedade; não
depende de nenhum ato do vendedor.
e. Exemplo: compra e venda de bens alheios – uma vez adquirida pelo vendedor a
titularidade do direito ou coisa vendida, a venda consolida-se e verifica-se a transmissão
para o comprador. Quando o que vende, sem a propriedade, o recupera, a propriedade
transfere-se para o 3º que adquiriu ao não proprietário. A nulidade nestes casos é
atípica, porque é sanável – a transmissão é imediata, apesar de haver uma dissidência
temporal. A propósito dos valores mobiliários, algumas duvidas também se podem
colocar, quanto à possibilidade de se tratar de um contrato meramente obrigacional ou,
por outra, um contrato de compra e venda que combina efeitos reais e efeitos
obrigacionais.
PEDRO DE ALBUQUERQUE: não se trata de uma compra e venda meramente
obrigacional, porque se verifica uma transferência imediata do risco para o comprador.
a. Artigo 80º CVM: a partir do momento da compra e venda em mercado, o comprador
tem legitimidade para proceder à sua alienação – já é assim dono, sob pena de se estar a
consagrar positivamente uma situação de venda de bens alheios. b. 210º/1 CVM: nega
que a transferência não se opere com a compra e venda – este preceito compra que os
direitos patrimoniais inerentes aos valores mobiliários vendidos pertencem ao
comprador desde a data da operação. c. Os atos necessários previstos nos artigos 101º e
102º garantem, apenas, a oponibilidade perante terceiro e não condicionam a
titularidade dos bens.
Semelhante dúvida se pode colocar a propósito do contrato de compra e venda
comercial:
PEDRO DE ALBUQUERQUE: a. O sistema real é mais conforme à segurança
jurídica – foi o sistema recorrido para garantir maior certeza e segurança, de acordo com
os dados históricos. b. O Código Comercial não resolve a questão, pelo que se aplicam
subsidiariamente as regras civis: o contrato de compra e venda comercial nunca poderia
ter mera eficácia obrigacional, tendo em conta que o contrato de compra e venda civil é
real e obrigacional (simultaneamente).
Para concluir, na compra e venda civil e na compra e venda comercial não há
caráter obrigacional. Entende, PEDRO DE ALBUQUERQUE, que o sentido de
mero no artigo 408º/1 é dizer que os casos de exceção serão aqueles em que a
transferência ou constituição de direitos reais é ainda e apenas efeito do contrato, mas
acompanhado de outro facto (a particularidade deste é não haver coincidência temporal
entre o contrato e a transferência da propriedade). A regência opta por concluir que
todas as modalidades de compra e venda no ordenamento jurídico português são
segundo o sistema do título.

Formalidades do Contrato de Compra e Venda


O contrato de compra e venda, em regra, é meramente consensual (artigos 217º e ss.) –
o que significa que não lhe serão exigidas formalidades especiais (as partes podem optar
livremente). No entanto, esta regra comporta algumas exceções.
a) Imóveis: 875º, CC - escritura pública ou documento particular autenticado.
b) Cessão de quotas: 228º, Código das Sociedades Comerciais – documento escrito.
c) Compra e venda de navios e contratos celebrados ao domicílio com
consumidores ou equiparados: artigo 16º do Decreto Lei 143/2001, de 26 de abril.
d) Transmissão de prédios urbanos ou frações autónomas: artigo 1º do Decreto Lei
116/08, de 4 de Julho, e artigo 9º/1, do Código de Registo Predial.
e) Registo da compra e venda de bens imóveis: artigo 5º/1 do Código de Registo
Predial e 11º/1/a) do Código de Registo de Bens Móveis (é condição para a
oponibilidade perante terceiros do direito).
Sempre que se verifique a falta das formalidades exigidas por lei (as exceções acima
indicadas), a consequência será a da nulidade (220º do Código Civil).

Os Efeitos Obrigacionais da Compra e Venda


Os efeitos obrigacionais da compra e venda desdobram-se em:
 Obrigação, que recai sobre o vendedor, de entregar a coisa;
 Obrigação, que impende sobre o comprador, de pagar o correlativo preço.
No que respeita à obrigação de entrega da coisa, cabe destacar as seguintes ideias:
(a) Artigo 882º/1: se a coisa se deteriorar no período que medeia a realização do
contrato e a efetiva entrega, presume-se que a responsabilidade é do devedor (presunção
de culpa: 799º/1 CC).
(b) Artigos 400º e 539º: regime das coisas genéricas; o devedor deverá escolher os bens
de qualidade média, exceto se outra coisa houver sido acordada pelas partes; em caso de
não observância desta regra, segue-se o regime do incumprimento das obrigações (918º
CC).
Obrigações decorrentes: uma negativa, de se abster da prática de quaisquer atos que
alterem o estado da coisa; uma positiva, de fazer o necessário para a conservação da
coisa no seu estado ao tempo da venda.
Questão que se coloca, a propósito da obrigação de entrega da coisa, é a de saber se
a compra e venda, opera, mesmo sem a entrega, a transmissão da coisa por
constituto possessório (artigos 1263º e 1264º). Ou seja, pretende-se saber se a
transmissão da posse opera por mero efeito do contrato, independentemente da entrega
da coisa. E, na verdade, é a propósito deste problema que se coloca o verdadeiro
significado da obrigação de entregar a coisa.
PEDRO DE ALBUQUERQUE, deve entender-se que o essencial não é a obrigação de
entrega, mas os efeitos desta. A obrigação de entrega da coisa, de acordo com a
regência, impõe 3 condutas ao vendedor:
(a) Comportamento irrelevante: a coisa já se encontra em poder do comprador.
(b) Não impedir o comprador de tomar para si a coisa colocada à disposição.
(c) O vendedor tem de proceder à entrega da coisa.
Apesar de só no caso (c) estarmos perante o verdadeiro cumprimento da obrigação de
entrega, em sentido estrito nos vários casos verificamos o cumprimento da dita
obrigação. E o cumprimento desta obrigação envolve a entrega da coisa propriamente
dita e das partes integrantes, frutos pendentes e documentos (882º).
No que respeita, por outro lado, à obrigação de pagamento do preço (2), importa,
desde logo, destacar a não necessidade de se tratar de dinheiro – embora,
tendencialmente, corresponde a um valor monetário. Em termos gerais de regime, é de
destacar:
(a) Momento do pagamento: 885º, no momento da entrega da coisa; salvo estipulação
em contrário.
(b) Lugar: 885º, no lugar onde a coisa é vendida; no caso de haver uma dissociação
temporal entre o cumprimento das duas obrigações, deverá ser no lugar do domicílio
que o credor tiver ao momento do cumprimento (artigo 774º).
Quanto aos problemas que se podem colocar a propósito da obrigação de
pagamento do preço: a possibilidade de resolução do contrato por falta de
pagamento; a determinação do preço:
Nos termos do artigo 886º, o Código Civil prevê um regime específico para os casos de
falta de pagamento do preço:
(a) Exceção ao artigo 801º: se já se tiver transmitido a propriedade, ou direito sobre ela,
e feita a respetiva entrega, o vendedor não pode resolver o contrato – salvo declaração
em contrário.
A propósito deste regime, importa, então, esclarecer as situações em que o vendedor
pode resolver o contrato, com base em não pagamento do preço: (1) se tal for
convencionado; (2) se ainda não se verificou a entrega da coisa; (3) em caso de venda
com reserva de propriedade (409º). Se já se verificou a entrega da coisa e/ou a
transferência do direito de propriedade, então não há lugar à resolução do contrato,
apenas poderá, o credor do pagamento do preço, recorrer à ação de
incumprimento.
No que respeita à determinação do preço, estipula o artigo 883º que, na falta de
determinação pelas partes, cabe determinação supletiva do preço, pela ordem
determinada:
(1). Preço fixado por entidade pública
(2). Preço normalmente praticado pelo vendedor à data da conclusão do contrato.
(3). Preço do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar que o comprador
deve cumprir.
(4). Preço estipulado pelo tribunal, segundo juízos de equidade.
Não obstante, importa referir que a determinação do preço pode ser cometida a terceiro,
que tem apenas como função completar o negócio, ou a uma das partes – conforme,
aliás, estipula o artigo 400º. Se estipularem critérios, estes devem ser respeitados; em
caso de falta de definição desses critérios, funciona a equidade.
(a) Problema: e se o terceiro ou a parte não estipulam de acordo com os critérios
definidos? a. Possibilidade de aplicação do artigo 400º/2 de forma analógica: apesar
deste facto não se inserir na previsão normativa do preceito;
b. Raul Ventura: aceitar a aplicação do artigo 400º/2 seria impor à parte uma
determinação judicial, quando houvesse ocorrido um acordo de vontades em que se
estipulasse critérios específicos; apesar disso, entende que, para prevenir a nulidade,
dever-se-ia (a parte interessada) declarar a nulidade do ato de determinação e requerer,
para determinação, a intervenção judicial.
c. PEDRO ALBUQUERQUE: não há uma aplicação analógica, mas sim uma
aplicação direta do artigo 400º/2 – a realidade para a qual se projeta o artigo
400º/2 corresponde a qualquer perturbação no processo de determinação do preço.
i. O juiz, nestas circunstâncias, deve respeitar os critérios acordados pelas partes,
enquanto substituição do terceiro decisor.
A determinação do preço, no entanto, revela traços mais peculiares no âmbito do Direito
Comercial: nos termos do artigo 466º, a determinação do preço pode dar-se por
qualquer meio ou por arbítrio de terceiro; se tal ficar acordado e o terceiro não puder, o
contrato fica sem efeito, se outra coisa não for acordada (presume-se que a indicação é
intuitu personae).
(b) PEDRO DE ALBUQUERQUE esta regra, prevista no artigo 466º, pode ser
estendida ao contrato de compra e venda civil, quando o critério fixado pelas partes,
para a escolha do terceiro, seja o arbítrio. a. Sempre que haja má fé, dolo ou abuso de
direito por parte do terceiro, o tribunal pode intervir.
No que respeita à possibilidade de redução do preço: vem regulada nos artigos 884º.
Se as partes não estipularem preços divisíveis no contrato, a redução deve ser feita por
meio de avaliação, que pode ser extrajudicial ou, na falta de acordo, judicial (882º/2).
Ainda no contexto do regime substantivo, é de notar que, nos termos do artigo 878º do
CC, é ao comprador que incumbe suportar as despesas (inerentes à celebração do
contrato e não à execução) relativas à celebração do contrato de compra e venda.
No que respeita à possibilidade de resolução do contrato, esta vem regulada no artigo
801º/2 e é admitida nos casos em que se verifique um não cumprimento definitivo
imputável ao devedor. Fora dos casos previstos no artigo 886º, a resolução do contrato
é legítima.
Em caso de não cumprimento, assim, pode o credor recorrer a:
(a) Resolução: 801º/2.
(b) Ação de cumprimento: para pagamento do preço (817º) e exigir os juros moratórios
(806º).

O Problema Geral da Transmissão do Risco


(Inserir Tabela)

MODALIDADES DA COMPRA E VENDA


VENDA COM RESERVA DE PROPRIEDADE
A compra e venda com reserva de propriedade vem regulada no artigo 409º/1 do
Código Civil e consiste num contrato de compra e venda no qual as partes acordam que
o vendedor reserve para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial
das obrigações da outra parte ou até à produção de algum outro evento.
A reserva de propriedade é parte integrante do contrato, uma cláusula do mesmo. Pode
perguntar-se, no entanto: podem as partes, depois de celebrada a compra e venda,
inserir no contrato uma clausula de reserva de propriedade?
Para o vendedor, a reserva de propriedade assume uma função de garantia, permitindo
ao vendedor a defesa da sua posição:
(a) Incumprimento por parte do comprador: o alienante conserva para si a coisa
objeto do contrato de compra e venda.
(b) Insolvência do comprador: os credores não poderão, em principio, fazer-se pagar
pelo valor da coisa vendida com reserva de propriedade; a. Problema diverso –
insolvência do vendedor:
Quanto à forma, a convenção está sujeita às mesmas exigências e formalidades que o
contrato. Se, no entanto, ocorrer insolvência do comprador, artigo 104º/4 do CIRE
impõe a forma escrita (garantir a oponibilidade à massa insolvente).
OPONIBILIDADE DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PROPRIEDADE A
TERCEIROS:
 Bens sujeitos a registo: a oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade
depende do registo.
 Bens não sujeitos a registo
 Pedro Romano Martinez [Vaz Serra]: a cláusula de reserva de propriedade tem
eficácia inter partes, mas não é oponível a terceiros.
- i. Necessidade de tutela da aparência: paralelismo com o penhor (669º e ss.) e com
a compra e venda a comerciante.
- ii. Relatividade dos contratos (artigo 406º/2 CC).
- iii. Não faria sentido que, nos imóveis, dependesse do registo, a oponibilidade da
cláusula, e que, nos móveis, fosse oponível erga omnes.
- iv. Incumprimento, por falta de pagamento: cabe ao vendedor resolver os contratos
(886º), no entanto, essa resolução não prejudica terceiros de boa fé (435º/1). b.
 Opinião Maioritária: não havendo obrigatoriedade de registo, a cláusula é
sempre oponível a terceiros de boa fé.
- i. Não há analogia nas situações: penhor e compra e venda a comerciante e reserva de
propriedade.
- ii. Relatividade dos contratos: significaria que a transferência da coisa e a titularidade
não poderiam ser alegadas perante terceiros. Isso não acontece, porque se trata de
direito real oponível perante terceiros.
- iii. Levada às ultimas consequências: os negócios sobre coisas móveis nunca poderiam
ser oponíveis perante terceiros de boa fé.
- iv. No caso da compra e venda com reserva de propriedade, o vendedor mantém a
propriedade, logo não afeta nenhum direito adquirido por terceiro: como o comprador
não é proprietário, não pode transmitir ou alienar mais do que os próprios direitos de
que é titular.
 Argumento adicional: o artigo 104º/4 – mesmo nos cenários de insolvência do
credor, admite-se a oponibilidade da clausula apenas com subordinação ao
requisito de a sua estipulação se fazer por escrito.

DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA ALIENAÇÃO PELO COMPRADOR


Ana Maria Peralta: o vendedor não se pode servir da reserva de propriedade para obter
a declaração de nulidade da venda feita pelo comprador.
- Seria estranho permitir ao vendedor interpor uma ação declarativa da nulidade do
segundo negócio de alienação se, antes ou imediatamente após a sentença, o comprador
viesse a adquirir a propriedade (sanado a nulidade da venda).
PEDRO DE ALBUQUERQUE: A transferência da propriedade só se dá se se assistir
ao evento ao qual as partes subordinaram a transferência. Pode dar-se ou não.
- O vendedor pode interpor a ação para prevenir que o evento não venha a ter lugar.
- Levada as ultimas consequências a tese da autora: nunca poderia a nulidade da compra
e venda de bens alheios ser interposta.

RESERVA DE PROPRIEDADE A FAVOR DE TERCEIRO


Em contratos de crédito do consumo tem-se estabelecido, a favor do mutuante ou das
entidades financiadoras, a cláusula de reserva de propriedade. A análise da
jurisprudência permite, em linhas gerais, identificar tanto posições no sentido da
admissibilidade da figura como posições no sentido da inadmissibilidade da figura.
(a) Inadmissibilidade [Abrantes Geraldes, Gravato Morais, Paulo Duarte, Menezes
Leitão Pedro Albuquerque]. a. Argumentação – PEDRO DE ALBUQUERQUE:
i. Não vigora o princípio da autonomia privada, mas o princípio da tipicidade dos
direitos reais (1306º): o comprador adquire com a reserva de propriedade uma
expetativa real de aquisição, limitando o âmbito de direito de propriedade do alienante.
ii. Efeito semelhante: convenção das garantias reais de crédito; transmissão da reserva
de propriedade.
iii. O artigo 409º não admite a reserva de propriedade a favor de terceiro, em virtude da
proibição de pacto comissório (694º CC).
(b) Admissibilidade [Isabel Menéres Campos, Pedro Romano Martinez, Pedro Fuzeta
da Ponte e Nuno Pinto de Oliveira]. i. Interpretação atualista: se o legislador pudesse ter
previsto, teria inserido aquela realidade/circunstancia na previsão normativa. ii.
Liberdade contratual (principio geral).

TRANSMISSIBILIDADE DA RESERVA DE PROPRIEDADE


O problema da transmissibilidade: saber se a posição jurídica emergente da reserva de
propriedade pode ser transmitida.
 Admissibilidade [Nuno Pinto de Oliveira, Maria Isabel Menéres dos
Campos]:
a. Argumentos – Nuno Pinto de Oliveira: o alienante pode sub-rogar o terceiro nos
respetivos direitos: implicaria a transmissão para o terceiro das garantias e acessórios
que não sejam inseparáveis da pessoa (artigo 589º do CC).
b. Argumentos – PEDRO DE ALBUQUERQUE
i. Trata-se de cláusula e por isso é intransmissível: não se tramitem as cláusulas,
transmitem-se os efeitos das cláusulas (os direitos subjetivos de natureza não pessoal
são livremente transmissíveis, logo há possibilidade de transmissão do direito de
propriedade, ainda que esta seja limitada a funções de garantia).
ii. Não pode haver cessão (Gravato Morais): apenas vale para quando já tenha havido
pagamento ao alienante por parte do terceiro.
iii. É possível a sub-rogação do terceiro pelo vendedor: opera a transmissão das
garantias (589º + 599º do CC).
iv. Indefinição da União de Contratos: o argumento apenas vale para as situações de
conjugação de compra e venda com reserva de propriedade com financiamento
realizado por terceiro.
v. Os meios alternativos não são, apesar de existirem, impeditivos da aceitação da
transmissão.
 (b) Inadmissibilidade [Rui Pinto Duarte, Gravato Morais]
a. Argumentos – Pinto Duarte
i. A reserva não geraria um direito diverso do de propriedade, logo, em si mesma, seria
intransmissível.
ii. A transmissibilidade é incompatível com o artigo 409º.
b. Argumentos – Gravato Morais
i. Não é possível recorrer à cessão de créditos: não há interesses relevantes a ponderar.
ii. Existem outros meios que permitem ultrapassar os prejuízos da intransmissibilidade.
iii. Insuficiência da definição da união de contratos.

ESTIPULAÇÃO DA RESERVA DE PROPRIEDADE A FAVOR DO


ALIENANTE, MAS SUJEITA AO PAGAMENTO A TERCEIRO
Comporta-se, neste ponto, as situações em que a propriedade se transfere mediante o
pagamento ao financiador.
(a) Admissibilidade [Nuno Pinto de Oliveira e Isabel Menéres Campos]:
a. PEDRO DE ALBUQUERQUE
i. Crítica a Gravato Morais: os seus argumentos, em parte, só se aplicam à venda de
veículos automóveis;
ii. Havendo união interna voluntária entre o contrato de compra e venda e o contrato de
mútuo: as vicissitudes de um refletem-se no outro; logo, o incumprimento do contrato
de mútuo, permitiria ao vendedor exigir a entrega da coisa.
(b) Inadmissibilidade [Gravato Morais]: para argumentar, apresenta uma série de
situações que resultariam do incumprimento
a. O financiador resolve o contrato de mútuo, mas não poderia exigir a restituição da
coisa.
b. O vendedor não pode resolver o contrato de compra e venda, porque não houve
incumprimento do adquirente relativamente a esse contrato; assim como não pode
resolver o contrato de empréstimo.
c. O financiador não pode socorrer-se do procedimento cautelar de apreensão de veículo
automóvel, pois não é titular do registo de reserva de propriedade.
d. O vendedor não pode socorrer-se do procedimento cautelar de apreensão, porque,
apesar de já titular do respetivo registo, não tem motivo para propor a ação de resolução
do contrato de compra e venda (artigo 18º/1 do DL 54/85).

RESERVA DE PROPRIEDADE E A EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DO


CONTRATO
O problema em causa reside no facto de alguma doutrina e jurisprudência entenderem
que o beneficiário da reserva de propriedade só pode exigir a restituição da coisa, se
exercer o direito de resolução sem previamente ter exigido o cumprimento pontual do
contrato.
(a) PEDRO DE ALBUQUERQUE discorda
a. O vendedor pode ter interesse em exigir o cumprimento do contrato e manter a
reserva de propriedade
b. Ius variandi: o facto de exigir o cumprimento do contrato não faz caducar o direito de
depois vir a declarar a resolução.
- O inverso é que é impossível: não se pode exigir o cumprimento de um contrato
resolvido.
c. Não há nenhuma regra, na reserva de propriedade, que retire ao vendedor a faculdade
de exigir o cumprimento até ao limite.
d. Perante a ação de cumprimento: mantém-se a reserva de propriedade até ao efetivo
pagamento do preço.
e. A mora não permite a resolução do contrato: apenas o incumprimento definitivo
(808º/1) – é a interpelação que permite o surgimento de um direito de resolução.

COMPRA E VENDA DE BENS FUTUROS, FRUTOS PENDENTES E DE


PARTES COMPONENTES OU INTEGRANTES DE UMA COISA
A venda de bens futuros, frutos pendentes e partes componentes ou integrantes de uma
coisa estão previstos no artigo 880º do Código Civil.
Quanto a aspetos gerais de regime:
 A venda de bem futuros stricto sensu ocorre quando o vendedor alienar bens
inexistentes ao tempo da celebração do contrato, que não estejam em seu poder
ou a que não tem direito.
 Distingue-se da compra e venda alheia (892º): já que ninguém ignora não
pertencer o bem ao devedor.
Quanto aos efeitos decorrentes da compra e venda de bens futuros, frutos
pendentes, partes componentes ou integrantes de um bem:
 Obrigação de exercer as diligências necessários para o comprador adquirir os
bens: o vendedor tem de adquirir o bem alienado, momento no qual se verifica a
transmissão da propriedade (artigo 408º do CC).
 Quando não exerça essas diligências:
a. Raul Ventura: entende a venda de bens futuros como um negócio incompleto, pelo
que, em caso de incumprimento, a indemnização fica limitada ao interesse contratual
negativo.
b. Menezes Leitão: entende que se está diante de um contrato completo, validamente
celebrado, logo, a indemnização não poderia ser limitada pelo interesse contratual
negativo.
c. PEDRO ALBUQUERQUE: está em causa um negócio incompleto, mas que produz
alguns efeitos jurídicos; ao incumprimento culposo deve corresponder uma
indemnização pelo interesse contratual positivo.
(3). Em caso de impossibilidade, total ou parcial, não culposa ou imputável ao
vendedor: extinção do contrato ou cumprimento parcial (o vendedor perde direito à
prestação, 795º/1, ou há redução na medida da impossibilidade, 793º/1).
Quanto à obrigação de entrega da coisa, algumas especificidades:
(a) Compra e Venda de bem futuro e aleatória: se o comprador preferir bem diferente,
em vez de nada, pagando mesmo assim o preço, há uma alteração voluntária do objeto
contrato.
a. Em caso de vícios ou falta de qualidades da coisa futura: entende, PEDRO
ALBUQUERQUE, que a natureza aleatória do contrato não abrange os defeitos da
coisa (o comprador admite o pagamento do preço mesmo se a coisa não chegar a
existir).
(b) Compra e venda de bem futuro: mantém-se a garantir em caso de vícios ou falta
de qualidade da coisa futuro (assim o comprova o artigo 918º do CC).

COMPRA E VENDA DE BENS DE EXISTÊNCIA OU TITULARIDADE


INCERTA
Esta modalidade da compra e venda vem prevista no artigo 881º do Código Civil e no
artigo 467º/1 do Código Comercial: foge à regra geral segundo a qual só podem ser
alienados bens existentes e pertencentes ao devedor. Note-se que, para efeitos da
validade, tem que ser feita menção à incerteza no contrato.
(a) Presume-se que as partes pretendem atribuir natureza aleatória: o preço é pago
mesmo se os bens não existirem e não pertencerem ao devedor.
(b) É possível ilidir a presunção: nessa situação, recusando as partes atribuir natureza
aleatória, o preço só será pago se a coisa existir ou pertencer ao devedor.
Tendo em conta a incerteza que caracteriza este tipo de negócio, o vendedor não está
obrigado a exercer as diligencias necessárias para o comprador adquirir o bem – não
terá, por conseguinte, de promover qualquer atividade para dissipar a incerteza.

COMPRA E VENDA DE COISAS SUJEITAS A PESAGEM, CONTAGEM E


MEDIÇÃO
Esta modalidade de compra e venda, prevista no artigo 887º, está dependente de uma
operação posterior: contagem, pesagem ou medição.
PEDRO ALBUQUERQUE entende que não se inserem nesta modalidade casos como:
comprar certa quantidade de determinado fruto ou tantos quilowatts de eletricidade.
(a) Casos que se inserem: situações em que o objeto do contrato, que foi inteiramente
entregue, não se adaptar à menção, juízo ou calculo sobre ele feito pelas partes ou uma
delas. (b) Exemplo: comprar um saco de batatas mencionando ter dez quilos, mas só
possui nove.
Quanto aos requisitos de aplicação do preceito:
(1). Coisa determinada
(2). Aquisição imediata da propriedade (artigo 408º/1): o risco corre por conta do
comprador.
Nos termos do artigo 889º do Código Civil: no caso de existência de um só contrato,
em que a quantidade declarada é inferior à real, a compensação entre as faltas e
excessos é feita até ao limite da sua ocorrência. Alguma doutrina, a propósito da
solução prevista no artigo 889º, questiona se a compensação está sujeita aos limites
previstos no artigo 888º/2.
 Admissibilidade [Pires de Lima e Antunes Varela]: se, efetuado o encontro, se
provar exceder a diferença, entre o preço global e o resultante dos preços
unitários que os contraentes tiveram ou deveriam ter em vista, um vigésimo
daquele, deve permitir-se o aumento ou redução proporcional do preço.
 Inadmissibilidade [Batista Lopes, Menezes Leitão e PEDRO
ALBUQUERQUE]
a. A vontade das partes forma-se relativamente ao preço global e não haver prejuízo.
b. Este preceito só se aplica se, após a compensação, subsistir uma diferença de um
vigésimo entre a quantidade declarada e efetivamente vendida.
O artigo 890º, restrito a esta modalidade de compra e venda, estabelece um prazo mais
curto para o exercício do direito à diferença: seis meses em caso de coisa móvel; um ano
em caso de coisa imóvel. O prazo inicia-se a partir do momento em que a diferença se
torna exigível. PEDRO ALBUQUERQUE entende que tanto há direito ao excesso
favorável ao vendedor como a redução em benefício do comprador: estas situações,
ambas se inserem na previsão normativa do artigo 890º.
Ainda de notar a possibilidade de resolução do contrato atribuída ao comprador, nos
termos do artigo 891º, caso o preço sofra um aumento excessivo – neste caso, não
obstante, está excluída a hipótese de resolução pelo vendedor em resultado da redução
do preço. Está, também, o exercício deste direito sujeito a prazo (artigo 891º/2).

COMPRA E VENDA A CONTENTO E SUJEITA A PROVA


- Pontos em comum: subordinação do contrato à aprovação da coisa vendida por parte
do comprador.
- Pontos em dissonância:
a. Compra e venda a contento: o comprador reserva-se o direito de contratar ou de
resolver o negócio, segundo entender.
b. Compra e venda sujeita a prova: o contrato está dependente de uma avaliação
objetiva do comprador relativamente às qualidades da coisa.
No que respeita às regras de conjugação das duas modalidades: presume-se terem
adotado a modalidade de compra e venda sob reserva de a coisa agradar ao comprador
(ad gustum) – artigo 926º.
VENDA A CONTENTO
A compra e venda a contento tem duas modalidades:
 Compra e venda ad gustum: é estipulado que a coisa tem de agradar ao
comprador.
a. Artigo 923º do CC: os efeitos da compra e venda dependem do agrado do comprador
– os efeitos do contrato não se produzem até à aceitação ou vencimento do prazo.
 Se rejeita dentro do prazo: a venda julga-se como não celebrada e não carece de
justificação.
 Se declaração de aceitação sujeita a condições ou com novos termos: tem-se
como uma não aceitação.
 Se declaração se prolongamento do prazo: de acordo com PEDRO
ALBUQUERQUE, vale como proposta de alteração do negócio celebrado.
b. Atribui-se um valor ao silêncio: nos termos do artigo 923º/1, a coisa julga-se aceite
se o comprador não se manifestar dentro do prazo de aceitação (228º/1). A contagem do
prazo depende da entrega (artigo 923º/3 – já que se depende do exame).
c. Obrigação do vendedor: obrigação autónoma de entrega da coisa, para ser apreciado –
não se pode eximir do cumprimento alegando que o comprador não vai aceitar; se a
coisa tiver um defeito, o vendedor deve proceder à substituição ou reparação.
d. Obrigações do comprador: deve atuar de forma prudente durante o exame; a boa fé
pode permitir que o exame seja feito por terceiro; i. Encarregue dos custos associados à
avaliação, assim como os encargos da devolução.
e. Recusa ilícita ou abusiva: se for demonstrado ter, no momento da celebração do
contrato, o adquirente o propósito de recursar e ocultado esse facto ao vendedor
causando-lhe com isso danos.
f. Risco: só se dará a transferência do risco com o vencimento do prazo ou com a
aceitação expressa/tácita.
 Compra e venda (2ª modalidade): concede-se ao comprador a possibilidade de
resolver o contrato se a coisa não lhe agrada (artigo 924º).
a. A venda torna-se imediatamente eficaz: o comprador adquire o objeto e contrai a
obrigação de o pagar, mas tem o direito de desfazer o negócio, dando os efeitos por não
produzidos se o objeto o não satisfizer.
b. A resolução não é impedida pela entrega da coisa (artigo 924º/2).
c. A resolução está dependente de um prazo: pode ser fixado um limite razoável para o
exercício do direito (924º/3).
d. Risco: transfere-se para o comprador, na pendência do exercício do direito de
resolução.
 Em caso de danos ou destruição: o comprador já não pode proceder à devolução,
nos termos do artigo 432º/2 do CC.
 Problema – depende da entrega da coisa, nos termos do artigo 796º/3?
Pressupõe estar-se perante uma condição resolutiva, questão que carece ser
avaliada.

VENDA SUJEITA A PROVA


Esta modalidade vem regulada nos artigos 925º e ss. do Código Civil:
(a) Não depende só da vontade do comprador: depende de aspetos positivos suscetíveis
de apreciação judicial – a eficácia do contrato está sujeita à objetiva idoneidade do
contrato para satisfação do fim/fins a que se destina (exame de aptidão do objeto).
(b) Obrigação do vendedor: obrigação autónoma de entrega da coisa, para ser apreciado
– não se pode eximir do cumprimento alegando que o comprador não vai aceitar; se a
coisa tiver um defeito, o vendedor deve proceder à substituição ou reparação.
(c) A prova deverá ser feita dentro do prazo, segundo o estabelecido pelo contrato ou
pelos usos: artigo 925º/2.
(d) Obrigação do comprador: nos termos do artigo 925º/3, transmissão do resultado da
prova antes de expirar o prazo, sob pena de definitividade dos efeitos.

VENDA A RETRO
A venda a retro, prevista no artigo 927º do Código Civil, consiste num contrato no qual
o vendedor reserva para si o direito de reaver a propriedade da coisa ou o direito
vendido, mediante a restituição do preço (o vendedor reserva para si a possibilidade de
resolver o contrato – no qual se aplicam os artigos 432º e ss.).
Processam-se, em caso de o vendedor acionar este direito, os efeitos da resolução do
contrato: no caso de este não puder reembolsar o preço, o contrato não pode ser
resolvido.
Como distinguir, no entanto, a venda a retro do pacto de revenda/retrovenda?
(a) Venda a retro: uma única compra e venda, onde se estipula uma clausula acessória
que confere ao vendedor a faculdade de resolver o contrato.
(b) Pacto de revenda/retrovenda: verifica-se uma venda, por exemplo, de A a B, que,
no mesmo instante ou posteriormente, volta a vender a A.
a. Para a venda entre B e A (B volta a vender a A): aplicação das regras do contrato de
compra e venda e das perturbações – não há lugar à aplicação dos artigos 432º e ss.
PEDRO DE ALBUQUERQUE, para a justificação da figura, apresenta o seguinte
exemplo: Situação de quem, necessitando de dinheiro, não pretenda, todavia, valer-se
do crédito – por não desejar suportar os respetivos encargos – nem se desfazer
definitivamente dos seus bens. Em hipóteses como esta a venda a retro permite ao
vendedor a obtenção do dinheiro, conservando o direito e a esperança de recuperar os
bens vendidos O artigo 929º estabelece um prazo improrrogável para o exercício do
direito de resolução: dois ou cinco anos a contar da data da venda, consoante se trate de
bens móveis ou imóveis, salvo estipulação em contrário.
As partes mantêm, assim, a autonomia privada para prazos mais breves: na falta de
prazo, garante-se um não entrave ao comércio jurídico. Na decorrência desse prazo,
podem as partes estabelecer um prazo suspensivo.
Quanto a formalidades específicas relativas a bens imóveis: observar o previsto no
artigo 930º do Código Civil. Quando exista compropriedade da coisa: aplicação do
artigo 933º, os vendedores só podem exercer o direito de resolução em conjunto.
Pergunta-se, no entanto, o que acontece aos direitos adquiridos por terceiros?
Regra geral, a resolução não os atinge (435º/1). A esta regra exceciona-se o disposto no
artigo 932º: respeita ao registo da cláusula, enquanto oponível a resolução a terceiros.
Assim, quando se trate de bens imoveis e bens moveis sujeitos a registo, a clausula tem
eficácia real; nas outras situações, tem eficácia inter partes (artigo 435º/1).
Quanto ao risco:
 Pedro Romano Martinez: pertence ao comprador – artigo 796º/3.
 Pedro Albuquerque:
a. Contra a aplicação do artigo 796º/3: não estamos perante uma condição, mas perante
uma vontade unilateral do vendedor.
b. O comprador é apenas possuidor de boa fé: 1269º CC – apenas responde pela perda
ou deterioração se tiver procedido com culpa (em caso de negligencia ou dolo, querendo
o vendedor resolver, deve demandar o comprador pelos prejuízos produzidos).
c. Em caso de perda furtuita: a propriedade perde-se e o vendedor, em principio, não
quererá exercer o seu direito de resolver o contrato; o risco desta perda corre por conta
do comprador; - Se pretender exercer o Direito: Raul Ventura entende que não pode;
Pedro Albuquerque entende que pode e que caberá ao vendedor suportar os efeitos da
perda ou deterioração.

VENDA A PRESTAÇÕES
A venda a prestações vem regulada nos artigos 934º e ss. do Código Civil: na verdade,
não se tratam de várias prestações, há só uma prestação; a realização desta é que é feita
em parcelas.
Podem, no entanto, destrinçar-se regimes especiais:
 Dividas: artigo 791º do CC - a não realização de uma das prestações importa o
vencimento de todas as outras.
 Compra e venda: 886º (casos de não pagamento do preço pelo credor –
inadmissibilidade de resolução do contrato), 934º (afasta-se da solução prevista
no artigo 781º) e 935º.
 Artigo 934º:
- i. vendida a coisa a prestações com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao
comprador, a omissão de uma prestação cujo valor excede a oitava parte do preço (todas
as quantias pagas ou a pagar pelo comprador ao devedor) ou de duas ou mais
prestações, independentemente do seu valor, dá ao vendedor o direito de resolver o
contrato de compra e venda;
1. Preço: noção alargada – engloba todos os valores
2. Apenas em relação à resolução:
 Vasco da Gama Lobo Xavier/Nuno Pinto de Oliveira – uma interpretação literal
comportaria uma solução excessivamente gravosa.
 PEDRO ALBUQUERQUE: não segue a posição anterior, logo, entende que se
deve aplicar tanto quando se verifique tradição, como quando não se verifique
tradição.
- ii. a falta de pagamento de uma prestação, com ou sem reserva de propriedade, a falta
de pagamento de uma prestação de montante inferior a um oitavo do preço não
determina a perda de benefício do prazo.
A propósito do regime previsto no artigo 781º, tem-se colocado a questão de saber se
se trata de um vencimento antecipado ou uma exigibilidade antecipada.
PEDRO ALBUQUERQUE entende que se está perante uma exigibilidade antecipada:
o credor passa a ter a faculdade de exigir ou não exigir o pagamento imediato e
enquanto não o fizer o devedor não está em mora. A mesma solução vale para o artigo
934º: faltando uma prestação superior a 1/8, o vendedor poderá interpela-lo – só a
partir desse momento estará constituído em mora relativamente a todas as
prestações em mora (artigo 808º).
A respeito do artigo 934º: PEDRO ALBUQUERQUE entende que a falta de
pagamento se refere a mora; no entanto, nos casos em que esteja em hipótese o
exercício do direito de resolução, há que se verificar a situação de incumprimento
definitivo.
A propósito do artigo 934º debate-se, ainda, a natureza imperativa ou supletiva.
 No sentido da imperatividade: PEDRO ALBUQUERQUE , Menezes Cordeiro,
Pires de Lima e Antunes Varela, Pedro Romano Martinez.
a. Argumentos: caracter restritivo em relação ao regime geral e o objetivo de defesa
do comprador perante o vendedor, dos perigos e seduções da venda a prestações.
Outro problema, a propósito do artigo 934º: havendo venda sem reserva de
propriedade, a falta de pagamento de uma das prestações poderá permitir o
vendedor resolver o contrato, nos termos do artigo 886º?
 Baptista Lopes, Teresa Anselmo Vaz, Lobo Xavier: não havendo reserva, ainda
que haja entrega da coisa, as partes podem convencionar uma clausula resolutiva
para a hipótese de o comprador faltar ao pagamento de alguma prestação (ainda
que o valo da prestação seja igual ou inferior a 1/8 parte do preço).
 Romano Martinez: defende a imperatividade do artigo 934º CC, logo, discorda
da posição anterior.
 Nuno Pinto de Oliveira: entende, criticando Romano Martinez, que o artigo deve
ser interpretado no sentido de o vendedor só não ter o direito potestativo de
resolução quando a coisa tiver sido entregue ou se o comprador faltar ao
pagamento de uma fração do preço que não exceda a oitava parte (este é o
sentido útil da imperatividade); entende que se aplica analogicamente quando
não haja reserva de propriedade.
 PEDRO ALBUQUERQUE: entende a interpretação de Pinto de Oliveira muito
restrita e entende que este autor esquece o requisito da reserva de propriedade.
- Quanto à possibilidade de aplicação analógica aos casos de ausência de reserva:
apesar de ser uma norma excecional; não concorda, aparentemente, que as normas
excecionais sejam insuscetíveis de analogia.
- Entende que o sentido normativo é: mesmo a compra e venda com reserva de
propriedade está sujeita às condicionantes impostas pelo artigo 934º (argumento por
maioria de razão?).
Conclusão: inadmissibilidade da convenção de uma cláusula de resolução na compra
e venda a prestações, com entrega da coisa, mas sem reserva de propriedade, para a
hipótese de o incumprimento não respeitar a uma prestação superior à oitava parte
do preço ou à falta de duas, independentemente do valor.

CLÁUSULA PENAL
O regime da cláusula penal é definido no artigo 935º, em caso de o comprador não
cumprir (a respeito da venda a prestações).
Não obstante, note-se que a cláusula penal é admitida para todos os contratos (810º),
enquanto forma de indemnização prévia.
Quanto às limitações impostas pelo preceito:
a) Não pode exceder metade do preço.
b) Exceção: se as partes ajustarem o ressarcimento a todos os prejuízos sofridos.
Pergunta-se: o disposto no artigo 935º vale para as situações de resolução ou
para todas as situações de incumprimento (quando o alienante exige do
comprador o cumprimento do contrato, apesar do incumprimento)?
a) Vasco da Gama Lobo Xavier, Teresa Anselmo Vaz e Menezes Leitão: o
artigo 935º aplicase apenas na eventualidade de o alienante resolver o contrato.
- Menezes Leitão entende que o artigo 935º deve ser interpretado restritivamente,
porque a letra vai além do espirito: o artigo 934º respeita a interesse contratual
negativo e essa restrição só pode valer se o vendedor resolver o contrato fundado na
falta de cumprimento, pedindo a devolução da coisa e a indemnização pelo interesse
contratual negativo (801º/2).
b) Pedro Romano Martinez: posição intermédia.
c) Pires de Lima e Antunes Varela: aplicação do artigo 935º tanto para as
situações de resolução como para as situações em que se exige o cumprimento. a.
Problema: as clausulas penais têm diversas funções. i. A este propósito – Nuno
Pinto de Oliveira: podem distinguir-se clausulas penais moratórias (em mora) e
clausulas penais compensatórias (em incumprimento) – podem ser meramente
indemnizatórias (facilitar a reparação do dano), compulsórias (são autónomas do
montante de indemnização – funcionam como pena acrescida) ou penais stricto
sensu (visa compelir o devedor ao cumprimento, legitimando o credor a pedir um
valor em acréscimo).
d) Pedro Albuquerque:
a. Entende que a norma do artigo 806º não é imperativa: é supletiva, já que as
partes podem estipular um juro moratório diferente do legal.
b. Tem dúvidas sobre a limitação, ao interesse contratual negativo, da indemnização
quando haja resolução.
c. Se o vendedor pretender a manutenção do contrato: não aplicação do artigo
811º/1, se a clausula penal tiver natureza meramente compulsória (funcionam como
pena acrescida); mas vale, no entanto, o limite do artigo 935º - o vendedor pode
pedir o cumprimento da prestação e a indemnização (limitada – 935º) e a pena
(clausula pena compulsória)
d. Se a clausula penal for compensatória indemnizatória ou penal stricto sensu: não
aplicação do artigo 935º, se se destinarem a acautelar um incumprimento definitivo
e total e o comprador desejar manter o contrato (o alienante ficava privado da coisa
e só receberia metade do preço). Esta estará sempre sujeita ao artigo 812º.
NÃO ESTÃO ANALISADOS TODOS OS PROBLEMAS!

COMPRA E VENDA SOBRE DOCUMENTOS


Este tipo de compra e venda vem regulada nos artigos 937º e ss: tem por objeto
bens representados por títulos – logo, o objeto do contrato não são os documentos,
são os títulos aos quais esses documentos se reportam.
Assim, a obrigação do vendedor cinge-se aos documentos (artigo 937º do CC).
Em termos de risco:
(a) Aplicação das regras gerais.
(b) Exceção: artigo 938º/1/c) do CC – o risco corre por conta do comprador desde
o momento da compra, se estiver em causa uma compra e venda em viagem, e
mencionado este facto, figurar entre os documentos entregues a apólice de seguro
perante os riscos do transporte (quando o seguro valha apenas para parte dos riscos –
a regra aplica-se apenas à parte segurada, artigo 938º/3).
(c) Duas primeiras alíneas do artigo 938º: não se aplicam se o vendedor já sabia
encontrar-se a coisa perdida ou deteriorada e dolosamente não o revelou ao
comprador de boa fé (938º/2)

LOCAÇÃO VENDA
Este regime vem mencionado no artigo 936º/2 do Código Civil: na prática o
contrato concretiza-se de forma simples, ou seja, as partes estabelecem um contrato
de locação, no entanto, integram uma clausula que transforma o contrato em compra
e venda, findo o pagamento das prestações.
Assim, em termos práticos, o pagamento não tem como fundamento a locação, mas
sim a própria transmissão (desempenha a mesma função que a compra e venda com
reserva de propriedade).
Este contrato distingue-se da locação com opção de compra, já que nesta existe uma
verdadeira relação de locação, sendo que o locatário tem o direito potestativo de
efetivar a transferência da propriedade.

COMPRA E VENDA DE BENS ALHEIOS


Em termos gerais, apesar da não concretização do conceito no CC, esta corresponde
a: alienação de coisa cuja propriedade pertence a terceiro, como própria; não tendo,
assim, o vendedor legitimidade para realizar a venda.
 Compra e venda de bens alheios no Código Civil: nulidade (artigo 892º)
 Compra e venda de bens alheios no Código Comercial: validade (artigo 467º/2).

Pressupostos da Venda de bens Alheios


1. Venda da coisa como própria:
a. Se as partes souberem, ambas, que a coisa pertence a terceiro, está em causa a compra
e venda de coisa futura (893º CC); se se tratar de compra e venda comercial esta é
valida; a venda de coisa genérica não pertencente ao vendedor não é nula: para a sua
estipulação não é necessária a qualidade de proprietário ao tempo do contrato (539º e ss.
do CC) – em todas estas, existe uma obrigação de aquisição que impende sobre o
vendedor.
b. A venda como própria é pressuposto essencial: é necessário que haja realmente essa
vontade.
c. Outras situações de bens alheios: 2076º/2; 291º.

A promessa de venda de coisa alheia


A doutrina discute a admissibilidade do contrato promessa de compra e venda de coisa
alheia- a doutrina maioritária entende que é admissível, alegando que neste contrato
promessa o objeto não é legalmente impossível, uma vez que o comprador pode adquirir
a coisa até ao momento da celebração do contrato definitivo, sendo que caso não
adquirisse a coisa prometida haveria mero incumprimento e não nulidade.
A doutrina que entende não ser admissível sustenta que o artigo 830º CC permite a
execução específica do contrato promessa, desde que não haja convenção em contrário e
a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida- neste sentido, não havendo
convenção em contrário, a natureza da obrigação não se opõe à execução, uma vez que
a coisa foi prometida vender como própria- nesta hipótese, não pode ter lugar uma
sentença que produza os efeitos negociais da declaração do faltoso porque teria a força
de uma compra e venda nula.
Seguindo este entendimento, RAUL VENTURA defende que a promessa de compra e
venda de bem alheio deve ser considerada nula, exceto se existir convenção em
contrário à execução específica, nos termos do artigo 830º/2 CC.

A falta de legitimidade
PEDRO ALBUQUERQUE: levanta a questão de saber se a existência de legitimidade
(ou, p.e., autorização judicial – 674º) para proceder à venda retira a natureza de venda
de bens alheios ao contrato – conforme defende alguma doutrina.
Entende que não: não deixaria, nestas situações, de se verificar uma compra e venda
de bens alheios, se o sujeito os vendesse como próprios, ainda que legitimado. Assim, as
hipóteses referidas pelo artigo 892º, de venda de bens alheios por sujeito legitimado,
apenas se referem às situações em que o sujeito vende os bens como alheios.
Questiona, ainda, se se aplica o regime da venda de bens alheios às situações em
que o alienante declara atuar como representante de outrem, mas sem possuir a
legitimidade necessária:
PEDRO ALBUQUERQUE: estas hipóteses estariam abrangidas pelo regime dos
artigos 892º e ss.
a. Argumentos (Romano Martinez): o regime da representação sem poderes, com a
possibilidade de rejeição do negócio, não pode conduzir a solução diversa da
estabelecida na venda de bens alheios; em termos indemnizatórios deve ficar na mesma
posição que o que vende coisas alheias; a ratificação compra um direito de exercício
transitório (268º/4) – na falta desta, aplica-se a venda da venda de bens alheios.
PEDRO ALBUQUERQUE: Estão também sujeitas à venda de bens alheios os casos
de venda em gestão não representativa (sem revelar a qualidade), no mesmo sentido,
exceto se o dono do negócio vier a ratificar os atos praticados. Revelando a qualidade, a
solução é distinta: não há venda de bens alheios.

Efeitos da Venda de Bens Alheios- A Nulidade


Em geral, a doutrina coincide no entendimento de que estamos perante um regime de
nulidade atípica: já que apesar de o efeito ser o da nulidade, a forma como este regime
se processa, na compra e venda, é distinta da forma como se processa no regime geral
(286º).
 LEGITIMIDADE PARA ARGUIR A NULIDADE:
Seguindo a sistematização de Raúl Ventura:
1. Vendedor e comprador de boa fé: o vendedor não pode opor a nulidade ao
comprador, mas o comprador pode invoca-la perante o vendedor.
2. Vendedor de má fé e comprador de boa fé: só o comprador pode suscitar a
nulidade.
3. Vendedor de boa fé e comprador de má fé: só o vendedor pode arguir a nulidade.
4. Vendedor de má fé e comprador de má fé: a nulidade pode ser suscitada por
qualquer um.
Pergunta-se, ainda a este respeito, o que deve o proprietário, cujo bem foi vendido por
terceiro, fazer para clarificar a situação: (1) ação de declaração de negócio ou (2) ação
declarativa de ineficácia.
a) Raúl Ventura: prioridade da nulidade, dado que numa ação declarativa contra o
negócio teria que ser necessariamente analisada a nulidade;
b) PEDRO ALBUQUERQUE: discorda de Raul Ventura, posto que argumenta o facto
de no comércio a venda de bens alheios não ser sempre nula, pelo que a ineficácia pode
não pressupor a nulidade, e que o proprietário é titular de um direito absoluto, pelo que
em ação declarativa se irá fundamentar em razões absolutas (provar a sua titularidade e
não a nulidade do negócio).
a. Deve considerar improcedente uma ação de declaração de nulidade proposta pelo
proprietário? De acordo com Antunes Varela e Nuno Pinto de Oliveira, o juiz tem o
poder-dever de corrigir o erro na qualificação jurídica do efeito pretendido e declarar a
ineficácia do contrato.
Para além disto, pode ainda perguntar-se se a nulidade pode ser arguida por qualquer
interessado:
a) Admissibilidade [Galvão Telles, Menezes Cordeiro, Carneiro Frada, Pires de Lima e
Antunes Varela, Romano Martinez, Diogo Bártolo e Nuno Pinto de Oliveira].
b) Inadmissibilidade [Menezes Leitão]: entende que a nulidade da compra e venda de
bens alheios está estabelecida no interesse apenas das partes.
E, ainda, se coloca a pergunta de saber se a nulidade pode ser conhecida oficiosamente:
a) Admissibilidade [Galvão Telles, Raul Ventura, Pires de Lima e Antunes Varela e
alguma jurisprudência].
b) Inadmissibilidade [Menezes Cordeiro, Paulo Cunha, Romano Martinez, Menezes
Leitão, Nuno Pinto Oliveira]: e Pedro Albuquerque, já que, de outro modo, estar-se-ia a
afastar (indiretamente) as proibições de invocação da nulidade.
Efeitos da Nulidade: Obrigação de restituição do preço e da coisa vendida
O resultado da sanção de nulidade é a restituição, pelo comprador, ao vendedor (esteja
ou não de boa fé) – este ponto é importante, já que se determina que a coisa não é
entregue ao seu verdadeiro proprietário1 . Na eventualidade de tal não ser possível: fica
obrigado à entrega do valor correspondente. Acresce aos efeitos, nos termos dos artigos
289º/1 e 290º: a restituição do preço.
Em especial, no que respeita à obrigação de restituição do preço: esta obedece a um
regime específico, distinto do artigo 289º (varia segundo exista, ou não, boa fé do
obrigado).
a) Artigo 894º/1 – restituição integral do preço: o comprador de boa fé tem direito a
exigir a restituição integral do preço, mesmo se os bens se hajam perdido, estejam
deteriorados ou tenham diminuído de valor.
Em termo deste preceito, de facto, muitas interpretações se desenvolvem:
b) Argumento a contrario: o comprador de má fé não pode pedir a restituição integral
do preço (ao contrário do que resulta do regime geral).
c) Diogo Bártolo/Raul Ventura: o artigo 894º/1 não visa dar ao comprador de boa fé o
direito à restituição integral do preço (esse direito já resulta do artigo 289º/1); o sentido
deste preceito é desligar a restituição integral do preço de vicissitudes sofridas pela
coisa, enquanto esta esteja em poder do comprador de boa fé (não se pode exigir ao
comprador de boa fé a prudência com o bem similar ao devido se ele soubesse que é
alheio).
a. Consequência: o comprador de má fé só não tem o direito à restituição integral do
preço nas situações enunciadas no preceito. Se estiver de má fé, vale o artigo 289º e
290º, que lhe permite restituir o preço.
d) Menezes Cordeiro: harmoniza o artigo 894º/1 com o artigo 1269º - o comprador de
boa fé, de bem alheio, só beneficiaria do regime estabelecido no artigo 894º se as
vicissitudes não se deverem a culpa sua.
e) Menezes Leitão: o adquirente de boa fé beneficia, por via do artigo 894º/1, de uma
proteção superior à do possuidor de boa fé (o grau de diligência exigido ao primeiro é
inferior ao exigido ao segundo) – entende que o artigo 894º funciona como uma
limitação, pelo enriquecimento sem causa, do valor a restituir.
f) Pedro Albuquerque: o regime dos artigos 1269º estabelece uma responsabilidade,
ou não, do possuidor perante o proprietário e um direito aos frutos e às benfeitorias nas
relações entre possuidor e proprietário.
a. Relações vendedor-comprador: como defende Menezes Leitão, vale a solução
prevista no artigo 894º; a culpa é irrelevante e não influencia o direito à restituição
integral do preço.
i. A partir do conhecimento do vício da compra: passa a responder pela perda,
deterioração ou diminuição (recebe do vendedor o preço limitado pelas circunstancias).
ii. Acresce-se, em qualquer das circunstancias, o previsto no artigo 894º/2.
iii. Nos termos do artigo 903º/1, o artigo 894º tem natureza supletiva.
b. Relações proprietário-comprador de boa fé: regem os artigos 1269º e seguintes;
portanto, se destruir com culpa, o comprador responde perante o dono pela perda ou
deterioração.

Convalidação do contrato de compra e venda de bens alheios e obrigação de


convalescença
A propriedade transfere-se para o comprador no momento em que o vendedor a adquira:
assim o estipula o artigo 895º do CC.
Não obstante, o artigo 896º prevê exceções. E, ainda, o artigo 897º/1 prevê um dever
jurídico de validação do contrato de compra e venda de coisa alheia, em caso de boa fé
do comprador (entendida por alguma doutrina como uma obrigação de resultado – são-
lhe aplicáveis as regras previstas nos artigo 798º e ss.).

Indemnização fundada na nulidade do contrato


a) Artigo 898º (comprador de má fé): exigir uma indemnização pelos prejuízos sofridos
que não teriam sido sofridos se (1) o contrato fosse válido desde o inicio (sanada a
nulidade) ou se (2) o contrato não tivesse sido realizado (não sanada a nulidade).
b) Artigo 899º (comprador de boa fé): danos emergentes que não resultem de despesas
voluptuárias – não depende de culpa do vendedor.
Indemnização fundada na obrigação de convalidar o contrato
O artigo 900º prevê ainda a indemnização pelo incumprimento da obrigação de
convalidação do contrato (que existe em caso de boa fé do comprador) e que é
cumulável com as demais indemnizações.
a) Havendo boa fé de ambos os contraentes o vendedor não pode opor a nulidade do
contrato à outra parte; responde pelo risco e pelo interesse contratual negativo nos
termos do artigo 899º, e pelo interesse contratual positivo segundo o artigo 900º;
b) se o vendedor estiver de má fé no momento da celebração do contrato e o comprador
de boa fé só o comprador pode suscitar a nulidade; o alienante responde de acordo com
o artigo 898º, pelo interesse contratual negativo, e por força do artigo 900º pelo
interesse contratual negativo.
c) se ambos estiverem de má fé, qualquer um pode suscitar a nulidade do contrato, mas
não se aplica nem a obrigação de convalidação (artigo 897º), nem qualquer das
indemnizações constantes dos artigos 898º a 900º. O regime aplicável será o geral, com
relevo para o artigo 570º do Código Civil;
d) Se o alienante se encontrar de boa fé e o comprador de má fé só primeiro pode
suscitar a nulidade; aplica-se apenas o regime do artigo 898º – indemnização pelo
interesse contratual negativo a cargo do comprador.
Note-se que, nos casos de má fé do comprador, não há nunca possibilidade de
cumulação.

Garantia de restituição por benfeitorias


O vendedor é, nos termos do artigo 901º, garante solidário do pagamento das
benfeitorias a reembolsar ao comprador de boa fé (remissão para o artigo 1273º).
O vendedor, como garante, fica subrogado em todos os direitos do comprador em
relação ao dono da coisa (592º/1 do CC). Pode perguntar-se, neste cenário, em que
posição fica o comprador de má fé: este tem direitos à devolução ou reembolso das
benfeitorias (1273º), mas não beneficia da garantia prevista no artigo 901º.

Casos singulares: Venda de bens particularmente alheios e de quota divisa


Ao artigo 902º deve aplicar-se o disposto no artigo 292º: se se mostrar que o negócio
não teria sido realizado sem a parte alheia, o contrato é totalmente nulo (vale a regra
constante do artigo 892º). Se, por outro, tivesse sido realizado, independentemente de
parcialmente alheio: nos termos do artigo 902º, o contrato é reduzido.
A compra e venda de bens alheios aplica-se igualmente à coisa indivisa: quando um dos
cotitulares vende uma parte ou a totalidade sem o consentimento dos restantes, em
virtude dos artigos 1408º/1 e 2091º/1 (apenas se autoriza a disposição isolada da
própria quota – 2124º e 2127º).
Semelhança raciocínio deve ser aplicado no contexto da compropriedade (artigo
1408º/2 – o comproprietário é considerado como estando a alienar ou onerar coisa
alheia se vier a alienar ou onerar parte especificada da coisa comum sem o
consentimento dos outros consortes). De acordo com Menezes Leitão, a disposição vale
igualmente se o objeto for toda a coisa comum. Não obstante, é sempre admissível a
hipótese de redução (Manuel Rodrigues, Vaz Serra, Manuel de Andrade):
transformando o negocio numa venda de coisa de quota ideal com a consequente
limitação do contrato a essa quota – naturalmente, esta possibilidade de redução ou
conversão depende sempre da vontade hipotética das partes (292º e 293º CC)

A Compra e Venda de Bens Onerados


A venda de bens onerados aplica-se às situações em que incidem, sobre o bem
transmitido, ónus que excedam os limites normais de direitos da mesma categoria
(exemplos: servidão de passagem; contrato-promessa com tradição da coisa, contrato de
locação, hipoteca, etc.). Nestes casos, aplica-se o regime previsto nos artigos 905º e ss.
Esta modalidade corresponde, genericamente, a um cumprimento defeituoso.
Este regime, tem, no entanto, restrições:
a) O ónus tem de ser concomitante com a celebração do contrato.
b) Não se aplica quando os ónus ou limitações estiverem dentro dos limites normais
inerentes a direitos daquela categoria.
A função da regulação desta perturbação é proteger o adquirente, com vista a que este
não fique sujeito a limitações provenientes de direitos de terceiro. Só se aplica, assim,
em caso de desconhecimento do comprador – ou seja, não se aplica se houver
comunicação por parte do vendedor.

O Caso particular da Compra e Venda de Ações


A doutrina debate se, na compra e venda de ações, o facto de o comprador não ter sido
devidamente informado acerca da situação económica da empresa integra, ou não, a
compra e venda de bens onerados.
a) Romano Martinez: entende que, mesmo quando a sociedade tenha assumido dívidas
ou prestado garantias que não foram dadas a conhecer ao adquirente, se está perante um
problema de culpa in contrahendo (227º do CC). Porquê? Não incidem ónus que
excedam os limites normais; o que antes ocorre é que as ações não representam o valor
esperado no capital social (deficiente informação).

As Consequências jurídicas- A resolução


O regime 905º prevê: anulabilidade do contrato, fundada em erro ou dolo. O prof.
Romano Martinez entende, no entanto, que não se trata de uma remissão para o regime
geral do erro ou do dolo (247º e ss.) nem para o regime da anulabilidade (285º e ss.) –
antes se deve remeter para a resolução. Porquê?
 Ao regime do erro e do dolo não se aplica as consequências previstas na Secção
em causa (expurgação do ónus, redução do preço ou pedido de indemnização –
estas coadunam-se com o regime geral do incumprimento).
a. O regime do erro não se coaduna com a eliminação, substituição, redução ou
indemnização.
b. O cumprimento defeituoso, enquanto regime, procura reequilibrar as partes: não
sendo possível, então poder-se-á por termo ao contrato.
 Não se está perante um problema de invalidade negocial: antes perante um
cumprimento defeituoso.
 A errónea representação da realidade (erro ou dolo) não se harmoniza com a
convalescença do contrato: a possibilidade de convalidação está prevista para o
erro e para o dolo, mas depende do errante (288º) e não do que causou o erro
(como ocorre na venda de bens onerados).
 O regime do erro não se coaduna com a perda do direito de anulação, se o vicio
se houver sanado.
 Se a coisa for genérica: não há erro, mas só cumprimento defeituoso.
Assim o artigo 905º deve ser interpretado em duas vertentes: (1) o comprador não pode
pôr termo ao contrato com base em defeito de que tenha, ou pudesse ter tido
conhecimento, no momento da celebração do contrato; (2) só se justifica a cessação do
vínculo se a violação for de tal modo grave que não permita a manutenção do negócio.

Consequências jurídicas- Convalescença do contrato


A convalescença vem prevista no artigo 906º: pretende-se sanar o vício através da sua
remoção. Esta obrigação recai sobre o vendedor que, sem dar conhecimento à outra
parte, vendeu um bem onerado. Em termos gerais:
1. O pedido de resolução não está dependente da exigência do dever de eliminar o
defeito não satisfeita (905º).
2. Sanado o vício (feita de acordo com o art. 907º), pode ser requerida a resolução, se o
prejuízo derivado do ónus ou limitação já tiver sido causado (906º/2).
3. O incumprimento desta obrigação conduz a responsabilidade civil, impondo o
pagamento de indemnização (art. 910º).

Consequências jurídicas- Obrigação de indemnizar


A obrigação de indemnizar pode assentar em duas causas: (1) culpa do vendedor, nos
termos do art. 908º do CC; (2) responsabilidade objetiva, nos termos do art. 909º do
CC.
Quando derive da culpa (1), é importante ter em conta que a noção de dolo tem por
referência uma forma agravada de erro, ou seja, abarca, quer o dolo em sentido próprio,
quer a negligência. Para além disto, esta indemnização engloba todos os danos que
integram o interesse contratual negativo.
Quando derive de responsabilidade objetiva (2), a indemnização só abrange os danos
emergentes, incluindo as despesas voluptuárias (artigo 909º e artigo 899º).
Nota: estas obrigações de indemnização podem ser cumuladas com a que resulta do não
cumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato.
COMPRA E VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS
A compra e venda de coisas defeituosas encontra-se regulada nos artigos 913º e
seguintes e consubstancia um tipo de cumprimento defeituoso – ou seja, o comprador
pode recursar a entrega do bem defeituoso (conforme resulta do artigo 763º/1).
Tem como pressupostos (913º/1):
a) Vício: imperfeições relativamente à qualidade norma de coisas daquele tipo.
b) Desconformidade de qualidade: discordância em relação ao fim acordado ou ao fim
normal das coisas daquela categoria (913º/2).
Note-se que o Prof. Romano Martinez entende que o regime da compra e venda de
coisas defeituosas vale tanto para a entrega de coisas com defeito, como para a entrega
de coisa diferente da devida. No entanto, alguma doutrina, como o Prof. Menezes
Cordeiro, discorda, dado que, nessa circunstância, já estaremos perante puro
incumprimento.
Cabe, ainda, distinguir a aplicação deste regime a vícios originários ou vícios
supervenientes:
a) Defeito originário: aplicação de compra e venda de coisas defeituosas, desde que o
comprador desconheça, sem culpa, do defeito (não conhece nem pode conhecer do
defeito).
b) Defeito superveniente: o artigo 918º remete para o regime do não cumprimento, mas
nada impede que, nas especificidades próprias, seja aplicado o regime das coisas
defeituosas (913º e ss.).
a. Considerar o regime do risco.

Consequências do Regime
(1). Denúncia: o comprador tem de denunciar o defeito, nos termos previstos no artigo
916º (tendo em conta os prazos previstos e, ainda, o prazo especial para o regime da
compra e venda comercial – art. 471º do CC).
i. O que é? Declaração negocial recetícia, sem forma especial para ser emitida, mediante
a qual se comunicam, de forma precisa e circunstanciada, os defeitos de que a coisa
padece.
ii. Pode ser dispensada se o vendedor tiver agido com dolo (916º/1).
(2). Regime de incumprimento (venda de bens onerados – 903º): e não o regime da
anulabilidade (igualmente defendido pela jurisprudência); a prova do defeito incumbe
ao comprador (art. 342º/1) e a culpa do vendedor presume (relação obrigacional – art.
799º). Como pode o vendedor reagir?
i. Reparação/eliminação do defeito.
ii. Não sendo possível ou sendo excessivamente onerosa: substituição da coisa.
iii. Não sendo possível ou sendo excessivamente onerosa: redução do preço (911º ex vi
913º).
iv. Não sendo possível ou sendo excessivamente onerosa: resolução do contrato.
(3). Cumulação com a indemnização: tem em vista cobrir os danos não ressarcíveis
por estes meios, resultando do regime da venda de bens onerados (art. 562º e seguintes
+ 908º ex vi 93º/1).
NOTA: o vendedor tem um direito à reparação? Sim. O devedor (vendedor) entra em
mora quando entrega a coisa com defeito (tendo decorrido o prazo – 805º). Pode
oferecer a reparação, substituição ou redução do preço nos termos acima descritos.
Naturalmente, o credor (comprador) pode recusar: a recusa será legítima se o credor
tiver perdido o interesse objetivo na obrigação (808º); a recusa será ilegítima se tal não
se verificar, entrando o credor em mora (813º).

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