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Compra e venda

O contrato de compra e venda serve de paradigma à dos demais contratos


onerosos conforme se estabelece expressamente no 939ºCC.
Da definição do 874º CC, segundo o prof. Menezes Leitão, consiste
essencialmente na transmissão de um direito contra o pagamento de uma quantia
pecuniária, constituindo economicamente a troca de uma mercadoria por
dinheiro. A compra e venda não se restingue a transmissão da propriedade,
podendo abranger a transmissão de qualquer outro direito, e inclusivamente de
direitos que não sejam reais como os direitos sobre valores mobiliários, os direitos
de propriedade industrial, os direitos de propriedade intelectual, os direitos de
crédito, etc.
Sendo um contrato translativo de direitos, a compra e venda pressupõe
ainda a existência de uma contrapartida pecuniária para essa transmissão. Se não
existir qualquer contrapartida, o contrato é qualificável como doação – 940º, e se
a contrapartida não consistir numa quantia pecuniária o contrato já não consistiu
uma compra e venda, mas antes um contrato de escambo ou troca.

A noção de compra e venda consta do 874ºCC, é possível a partir dela


identificar dos elementos essenciais deste contrato:
1) A transferência da propriedade de uma coisa ou direito
2) Pagamento do preço.

Estes elementos essenciais fazem por força do 879ºparte dos efeitos


essenciais da compra e venda.
Os efeitos essenciais da compra e venda:
- Em primeiro lugar, um efeito real – a transferência da titularidade de um
direito;
- Em segundo lugar, dois efeitos obrigacionais:
a) a obrigação, por parte do
comprador, de pagar o preço;
b) a obrigação pendente sobre o
vendedor de entrega a coisa vendida.
Dentro destes limites vale – o princípio da liberdade contratual: 405º CC.
As partes são em princípio livres de celebrar, ou deixar de celebrar, um contrato
de compra e venda, bem como de estabelecerem o conteúdo que entenderem,
respeitando os elementos essenciais.
Existem alguns limites de distinta natureza: relativos ao objecto da compra e
venda; necessidades de protecção do consumidor; concorrência entre agentes
económicos.

Classificação do contrato de compra e venda


1. Contrato típico / nominado – reconhecido pelo Direito como categoria
jurídica específica.
2. Fundamentalmente não formal (219º), ainda que a leia por vezes o sujeite
a forma especial, como sucede na compra e venda de bens imóveis (875º).
3. Contrato consensual – o nosso Direito ter expressamente estipulado uma
obrigação de entrega da coisa por parte do vendedor.
i. O contrato de compra e venda pode estar sujeito:
1. Condição suspensiva de a
coisa vir a ser a ser entregue
2. Condição resolutiva de
entrega da coisa

ii. A lei prevê a existência de uma obrigação de entrega por


parte do vendedor (879ºB), o que significa que não associa
a constituição do contrato à entrega da coisa, admitindo a
sua vigência antes de a coisa ser entregue. Efectivamente,
é o acordo das partes que determina formação do contrato,
não dependendo esta nem da entrega da coisa, nem do
pagamento do preço respetivo.

4. Translativo: característica decorrente do efeito real da compra e venda;


5. Oneroso: 237º + 612ºCC
6. Bilateral: o que permite a qualquer das parte socorrer-se da excepção
prevista no 428º

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As obrigações do vendedor e do comprador constitutem-se tendo cada uma a
sua causa na outra (sinalagma genético), o que determina que permaneçam
ligadas durante a fase de execução do contrato, não podendo uma ser
realizada se a outra não o for (sinalagma funcional). Aplicam-se, por isso, à
compra e venda as regras relativas ao sinalagma contratual, como:
 A excepção do não cumprimento – 428ºss
 Caducidade do contrato por impossibilidade de uma das
prestações – 795º/1
 Resolução por incumprimento – 801º/2, segundo o prof
Pedro Albuquerque com a expceção constante do 886º

7. Simultaneamente obrigacional e real quoad effectum


8. Por regra, da execução instantânea: os seus efeitos esgotam-se num só
momento. O efeito translativo é imediato.
9. Comutativo: embora possa por vezes ter uma feição aleatória, como nos
casos do contrato aleatório, como nas hipóteses da venda de bens futuros,
frutos pendentes e partes componentes e integrantes
10. É casual e assenta no sistema de título:
O princípio da casualidade diz-nos depender a constituição ou modificação
de direitos reais da existência, da validade e da procedência da causa jurídica na
ordenação situações jurídicas = a transferência da propriedade depende de um
negócio de compra e venda válido e unitário.

Conseq: se o negócio vier a ser anulado, ou se mostrar nulo, a aquisição do direito


não acontece.
( a compra e venda é também um negócio consensual)

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A forma do contrato de compra e venda
O contrato de compra e venda – 217ºss.
Em princípio, será um contrato meramente consensual, formando-se
mediante simples acordo dos contraentes – vale o princípio da liberdade de forma.

Nalguns casos a lei exige a observância de certa forma: a compra e venda


de bens imóveis – 875º, ele só é valido quando for celebrado por escritura pública
ou documento particular autenticado.
A não observância da forma prescrita por lei para o contrato de compra e
venda – nulidade do contrato: 220º

Por vezes, ainda há a exigência de um conjunto de formalidades.

Efeitos essenciais da compra e venda


874º
A compra e venda é um contrato pelo qual se transmite uma coisa ou um
direito contra o recebimento de uma quantia em dinheiro. Assim, o
resultado final do negócio consistirá na aquisição por parte do comprador do
direito de propriedade sobre o bem vendido, à qual acrescerá como efeito
subordinado a aquisição da posse, bem como a aquisição por parte do vendedor
do direito de propriedade sobre determinadas espécies monetárias. Segundo o
prof Menezes Leitão, a compra e venda só se encontrará definitivamente
executada quando se verificarem essas duas alterações na situação jurídica
patrimonial dos contraentes.
O 874 º vem estabelecer dois processos técnicos distintos para a obtenção
desse mesmo resultado. Em relação à aquisição das quantias em dinheiro, bem
como em relação à aquisição da posse da coisa vendida, a lei socorre-se do
instrumento da constituição de obrigações, quer por parte do comprador, quer
por parte do vendedor, apenas considerando definitiva a aquisição após o
cumprimento das mesmas. Mas há em relação à aquisição da propriedade sobre
o bem vendido, esse processo em relação à aquisição da propriedade sobre o bem
vendido, esse processo, porém, de ser utilizado, dispensando a lei, pelo menos na
venda de coisa específica, o cumprimento da obrigação, considerando a aquisição

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da propriedade como uma simples consequência automática da celebração do
contrato (879ºa) e 408º/1 CC). Não há assim, no âmbito da compra e venda o
surgimento de uma obrigação de dare em sentido tido técnico, verificando-se o
efeito translativo automaticamente com a perfeição de acordo contratual.
Há que distinguir:
- um efeito real (a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade de
direito)
- dois efeitos obrigacionais (que se reconduzem à constituição das obrigações de
entregar a coisa e de pagar o preço).

O efeito real
A propriedade só se transfere quando o vendedor, através de um acto ou
declaração, posterior à realização do contrato de compra e venda, a transmite ao
comprador – não é um acto que se confunde com a compra e venda: é a simples
execução da venda anteriormente acordada.
Na compra e venda dotada de eficácia real – a transmissão da propriedade
é gerada ou provocada pelo próprio contrato e depende exclusivamente dele.

A eficácia real decorre do: 408º + 874º + 879+/a

874º + 879º - a compra e venda possui como efeitos:


1) a transmissão da propriedade da coisa ou titularidade de um direito;
2) a obrigação de pagar o preço;
3) a obrigação de preceder à entrega.

Para a transmissão da propriedade da coisa ou titularidade do direito basta,


em regra, tratar-se de um contrato consensual: o simples acordo das partes,
dotado embora de certo vestimento, quando a lei exija a observância de forma =
a transferência ou constituição do direito é, na compra e venda civil, sempre efeito
do contrato.

Quanto à transferência da posse, se não se assistir a uma tradição, real ou


simbólica, da coisa, a posse só poderá ser transferida por constituto possessório –

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1264º - consiste no meio ou forma de fazer seguir a posse com a titularidade da
coisa.

Segundo o prof. Menezes Leitão, a transferência ou constituição do direito


real é consequente imediata e instantânea. Logo no momento da celebração do
contrato, o adquirente torna-se titular do direito objecto desse mesmo contrato.
Ao contrário do que sucede com os efeitos obrigacionais, que exigem o posterior
cumprimento das respectivas obrigações, o efeito real verifica-se
automaticamente no momento da formação do contrato, sendo, por isso, a
propriedade transmitida apenas com base no simples consenso das partes,
verificado nesse momento. Esta situação é denominada como princípio da
consensualidade.
O princípio da consensualidade tem grandes vantagens, em virtude da
forma simples como se procede à transmissão dos direitos reais, fundando-a
apenas na vontade das partes, em lugar de a fazer depender de posteriores
formalidades.
Ligado está o princípio da casualidade, nos termos do qual a existência de
uma justa causa de aquisição é sempre necessária para que o direito real se
constitua ou transmita. Como a existência de título é necessária para a
constituição ou transmissão do direito real, a validade ou regularidade da causa
de aquisição é imprescindível para que essa constituição ou transmissão se opere,
pelo que qualquer vício no negócio casual afectará igualmente a transmissão da
propriedade.
408º/1 – sistema do título, estabelece que a transferência dos direitos reais
sobre coisa determinada se dá por mero efeito do contrato. Consagrou-se a
caracterização do contrato de compra e venda no âmbito da venda real. Neste
sistema, o adquirente após celebração do contrato adquire imediatamente a
propriedade da coisa vendida que pode imediatamente opor erga omnes, no caso
dos bens não sujeitos a registo, ficando, no caso, dos bens sujeitos a registo,
ficando, no caso dos bens sujeitos a registo essa oponibilidade a terceiros
dependente do cumprimento do ónus registral. A transmissão da propriedade
aparece assim ligada à celebração do contrato, da qual depende como efeito
automativo.

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Eventuais excepções à regra da eficácia real
O 879º inclui entre os efeitos essenciais da compra e venda a transmissão
da propriedade de uma coisa ou outro direito. O 847º considera a eficácia real
translativa (ou quoad effectum) como um elemento essencial da compra e venda.
O 408º/1 prevê a existência de excepções à regra da eficácia reeal dos contratos
translativos ou constitutivos de direitos reais.

Na venda de coisa ou bem futuro a transmissão da propriedade ou


titularidade ocorre apenas quando a coisa for adquirida pelo alienante – 408º/2.
O vendedor fica, tão-só, obrigado a desenvolver as diligências necessárias para
que o comprador adquira os bens vendidos – 880º/1 CC. Ele não necessita de
praticar nenhum acto translativo da propriedade. Uma vez adquiridos os bens a
respectiva transferência ocorre por simples efeito do contrato.

Na venda de coisa indeterminada, nomeadamente de coisa genérica ou em


alternativa, a transferência da propriedade ou titularidade apenas ocorre com a
concentração:
- Pode depender de um acto do vendedor: 539º
- Por outros meios – 541º ou 542º
Ora basta a possibilidade de a concentração não surgir como consequência
ou resultado de um acto do vendedor para logo se poder concluir ou constatar
não ter a venda de coisa indeterminada carácter obrigatório.

No caso de compra de frutos naturais ou partes componentes ou


integrantes, a transferência verifica-se no momento da colheita ou separação. Não
há pois qualquer obrigação de dare da qual fique dependente a transferência da
propriedade.

Na compra e venda de bens alheios, uma vez adquirida pelo vendedor a


titularidade do direito ou coisa vendida, a venda consolida-se e verifica-se a
transmissão para o comprador – 895º. O vendedor fica obrigado a sanar a nulidade
da compra e venda, através da aquisição da propriedade da coisa ou titularidade

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do direito vendido – 807º. Contudo, não tem qualquer obrigação de transmitir. O
comprador adquire por simples efeito do contrato.

Importante: segundo o Prof. Pedro de Albuquerque a compra e venda tem


sempre carácter real. Um contrato do qual não decorra a transmissão da
titularidade de uma coisa ou direito não poderá nunca qualificar-se como compra
e venda civil; mesmo quando reunidos e verificados os demais requisitos e efeitos
deste contrato.

A publicidade da transmissão da propriedade


Sujeitos a registo ( 2ºa do Código do Registo Predial e 11º/1a) do Código de
Registo de Bens Móveis) – sob pena de não ser oponível a terceiros nem
prevalecer contra um eventual aquisição tabular, desencadeada por uma segunda
alienação do mesmo bem (5º e 17º/2 do Código do Registo Predial e 3º e 38º do
Código de Registo de Bens Móveis).
A imposição do registo resulta do facto de que sento o direito real um
direito absoluto com eficácia era omnes, é conveniente e útil que todos os
parceiros interessados possam conhecer a sua existência. Daí o princípio da
publicidade, que está na base da sujeição a registo.
No sistema de modo – a cognoscibilidade do direito real é mesmo o
interesse fundamental para a salvaguarda da segurança e celeridade do comércio
jurídico, vigorando aí uma situação de publicidade constitutiva, segundo a qual o
próprio registo que determina a transmissão da propriedade.
No sistema de título – aos interesses das partes, sacrificando-se o interesse
da segurança e celeridade do comércio jurídico ao interesse da regularidade na
constituição do direito real. Não deixa, porém, de se reconhecer a necessidade de
publicidade adequada da transmissão do direito para defesa dos interesses de
terceiro e da segurança jurídica. Essa publicidade será, no entanto, normalmente
declarativa e não constitutiva, sendo apenas uma condição de eficácia
relativamente a terceiros do direito real validamente constituído por mero efeito
do contrato – 408º/1 – o registo tem valor meramente declarativo.

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O risco no contrato de compra e venda
O facto de a transferência da propriedade ocorrer logo no momento da
celebração do contrato atribui um importante benefício ao comprador.
Tornando-se o comprador logo proprietário da coisa vendida e não apenas
credor do vendedor relativamente à sua entrega, deixa de estar sujeito ao
concurso de credores no património do vendedor em relação a essa coisa
(604º/1), uma vez que tendo sobre ela a propriedade, que é o direito pleno e
exclusivo (1305º/1).
Se o comprador adquire esse benefício, é justo que suporte também os
riscos inerentes e que, portanto, seja igualmente ele a suportar o prejuízo, caso a
coisa se deteriore ou pereça após a transmissão da propriedade.

Associada à transferência da propriedade aparece a transferência do risco


– 796º/1.
A partir do momento em que é celebrado o contrato de compra e venda,
mesmo que ainda não tenham sido cumpridas as obrigações resultantes, o risco
fica a cargo do comprador – 796º/1
Esta situação só não ocorrerá se a coisa tiver continuado em poder do
alienante, em consequências de termo estabelecido a seu favor, caso em que a
transferência só se verifica com o vencimento do termo ou a entrega da coisa,
salvo a hipótese se o vendedor entrar em mora, já que, como se sabe esta produz
a inversão do risco – 796º/2
Na hipótese de ter sido aposta uma condição ao contrato, se a condição
for resolutiva, o risco corre por conta do adquirente, se a coisa lhe tiver sido
entregue; sendo suspensiva a condição, o risco corre por conta do alienante
durante a pendência da condição – 796º/3

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Os efeitos obrigacionais
A compra e venda, para além do efeito real essencial, produz dois efeitos
obrigacionais:
1) a obrigação que recai sobre o vendedor de entregar a coisa;
2) a obrigação que impende sobre o comprador de pagar o correlativo preço.

Obrigação de entregar a coisa


Em relação ao vendedor, a obrigação que surge através do contrato de compra
e venda reconduz-se essencialmente ao dever de entregar a coisa. Além de se
efectuar a transmissão da propriedade por mero efeito do contrato, é assim
atribuído ao comprador um direito de crédito à entrega da coisa pelo vendedor, o
qual concorre com a acção de reivindicação – 1331º, que pode exercer enquanto
proprietário da coisa.
O cumprimento da obrigação de entrega corresponde a um acto material, a
tradição física ou simbólica do bem, que permite ao comprador a sua apreensão
física, se se trata de móveis, ou a aquisição do gozo sobre ele, se se trata de
imóveis.
Em virtude do cumprimento da obrigação de entrega, verifica-se-á a atribuição
da posse da coisa entregue ao comprador – 1263ºb, a qual pode, porém, ocorrer
previamente com a verificação do constituto possessório – 1263ºc e 1264º. No
caso de a coisa vendida já estar na posse do comprador, ou de a venda respeitar
a direitos sobre coisas incorpóreas, nem sequer a entrega se torna necessário, o
que demonstra que, sendo esta obrigação um efeito legalmente obrigatário do
contrato, não constitui um elemento essencial do contrato de compra e venda.

Em relação ao objecto da obrigação de entrega, esta corresponde, em


primeiro lugar, à coisa comprada.
- coisa específica: o vendedor apenas pode cumprir entregando ao
comprador a coisa que foi objecto da venda, não a podendo substituir, mesmo
que essa substituição não acarretasse prejuízo para o comprador. – 882º/1, a coisa
deve ser entregue no estado em que se encontrava ao tempo da venda, recai ao
vendedor um dever especifico de custódia da coisa, dever que ele deve executar
com a diligência de um bom pai de família nos termos gerais – 799º/2 e 487º/2

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Caso a coisa se venha a deteriorar, adquirindo vícios ou perdendo
qualidades, entre o momento da venda e o da entrega, presume-se existir
responsabilidade pelo vendedor por incumprimento dessa obrigação – 918º,
respondendo ele por esse incumprimento, a menos que demonstre que a
deterioração não procede de culpa sua – 799º/1

- coisa genérica: o vendedor pode cumprir o contrato, entregando ao


comprador qualquer coisa dentro do género – 539ºss + 400º - o vendedor terá que
entregar as coisas correspondentes à quantidade e qualidade convencionada no
contrato de compra e venda e deverá escolher coisas de qualidade média, a menos
que tenha sido convencionado o contrário. O desrespeito dessas regras
determinará a aplicação do regime do incumprimento das obrigações – 918º.

Salvo estipulação em contrário, além da própria coisa comprada, as partes


integrantes – 882º/”. Não é assim lícito ao vendedor, após a venda, proceder à
separação de coisas móveis que se encontrem ligadas materialmente ao prédio
vendido com caracter de permanência, ou proceder à colheita de frutos
pendentes, ou ainda conservar quaisquer documentos relativos à coisa ou direito.
Exceptua-se caso os documentos tenham interesse para o vendedor.

A obrigação de entrega por parte do vendedor é sujeita às regras gerais quanto


ao tempo – 777ºss, e lugar de cumprimento – 772ºss

Tempo de cumprimento – se as partes não convencionarem prazo certo


para a sua realização, o comprador pode exigir a todo o tempo proceder a essa
entrega – 777º/1. O vendedor ficará, neste caso, constituído em mora com a
interpelação do comprador – 805º/1.
No caso de ter sido convencionado prazo certo, ou este resultar da lei, o
vendedor terá que entregar a coisa até ao fim desse prazo, sem que incorrerá em
mora – 805º/2 a), podendo, no entanto, optar pela antecipação do cumprimento,
uma vez que o prazo se presume estipulado em seu benefício. A obrigação de
entrega da coisa vendida está sujeita ao prazo ordinário da prescrição de vinte
anos – 309º

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Lugar de cumprimento – a caso não ocorra qualquer estipulação das
partes, haverá que distinguir consoante se trate de coisas móveis ou imóveis.
Coisas móveis – 773º, determina que a coisa deve ser entregue no lugar em
que se encontrava ao tempo da conclusão do negócio.
Nos outros casos, a coisa deverá ser entregue no domicilio do vendedor –
772º.

Coisas imóveis – naturalmente que a entrega física apenas poderá ocorrer no


lugar onde o imóvel se encontra, devendo, porém, aplicar-se o critério supletivo
geral do domicilio – 772º, caso as partes determinem que essa entrega será
realizada apenas simbolicamente. O regime supletivo legal caracteriza assim a
entrega do vendedor essencialmente como uma obrigação de colocação.

Em caso de não cumprimento da obrigação de entrega por parte do vendedor,


pode o comprador intentar contra o vendedor uma acção de cumprimento –
817ºss, que tratando-se de coisa determinada pode incluir a execução especifica
da obrigação – 872º.
O vendedor está igualmente sujeito a ter que indemnizar o comprador, pelos
danos que lhe causar o incumprimento da obrigação – 798ºss, ou a mora no
cumprimento – 804ºss. O comprador pode ainda, se assim o entender, resolver o
contrato – 801º/2

Regime legal: 882º


O 882º/1 – procura resolver os problemas resultantes do diferimento ou
protelar no tempo da obrigação de entrega da coisa. É que, não sendo a coisa
entregue no momento da celebração do contrato, o seu estado pode variar
até à altura da respectiva entrega.
Se eventualmente a coisa se deteriorar no período em que medeia entre a
realização do contrato e a sua efectiva entrega se presume a responsabilidade do
vendedor, de acordo com a regra geral de presunção de culpa do devedor – 799º/1

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Nalguns casos, porém, não é possível determinar qual o estado da coisa no
tempo da celebração do contrato de compra e venda (ex: coisas futuras ou coisa
indeterminada) – o estado em que a coisa deve ser entregue terá de ser
respectivamente o do começo da existência da coisa futura ou da especificação da
coisa indeterminada.

Na coisa genérica – consideração o regime do 400º + 539ºss = o vendedor


terá de entregar os objectos ou bens correspondentes à quantidade e qualidade
estipulada no contrato e deverá seleccionar coisas de qualidade média, excepto
se outra coisa tiver sido acordada pelas partes. A não observância destas regras
importa na sujeição do vendedor ao regime do incumprimento das obrigações –
918ºCC.

Apurado o estado em que a coisa tem de ser entregue o vendedor deve


observar duas espécies de condutas:
1) uma negativa: correspondente à obrigação de se abster da prática de
quaisquer actos que alterem o estado da coisa;
2) outra positiva: traduzida na obrigação de fazer o necessário para a
conservação da coisa no seu estado ao tempo da venda.

No 882º/2 – procura-se fixar o âmbito da obrigação entrega = salvo estipulação


em contrário, as partes integrantes, os frutos pendentes e os documentos
relativos à coisa ou direito vendido.
Segundo o Prof. Pedro Albuquerque: o artigo 882º/2 é pouco claro, levantado
a dificuldades para determinar as partes integrantes, frutos pendentes e
documentos abrangidos pela obrigação de entrega da coisa.

Relativamente aos frutos pendentes o Prof. Pedro Albuquerque extrai do


882º/2, o seguinte:
1) o momento relevante para fixação do âmbito da obrigação de entrega é o
correspondente à data da venda;
2) deste modo, abrangidos pela obrigação de entrega são apenas as partes
integrantes ou frutos pendentes ao tempo da venda;

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3) excluem-se as partes integrantes ligadas à coisa em momento ulterior ao
da venda. O mesmo vale para os frutos produzidos depois desta data. As
coisas devem-lhe ser entregues porque é o proprietário, não o comprador,
a entrega não é decorrente do contrato. Em caso de reticência do
vendedor, deverá o comprador lançar mão da acção de reinvidicação ou
das acções possessórias (não pode recorrer à de incumprimento do
contrato) – só assim não será se as partes decidirem incluir a obrigação de
entregar as coisas ligadas ou produzidas, pelo objecto vendido depois da
venda, entre os vínculos contratuais.

Os documentos que não estão abrangidos pela parte final do 882º/2:


1) os documentos cuja entrega é essencial para a própria entrega da coisa
transmitida
2) os documentos probatórios de contrato celebrado

O estado em que a coisa deve ser entregue + determinação do âmbito da


obrigação de entrega – sujeito ao princípio da autonomia das partes – 405º

A obrigação de entrega da coisa encontra-se subordinada às regras gerais do


cumprimento e do incumprimento – 762ºss e 790º.
Tratando-se de um contrato sinalagmático aplicam-se naturalmente as
disposições do 482ºss e 798ºss.
No tocante ao local do cumprimento valem as normas do 772ºss, com a
particularidade de no caso das obrigações de envio ser de aplicar também o
797ºCC – com a consequente transferência do risco com a entrega ao
transportador.

O prazo de prescrição desta obrigação - regra geral de 20 anos, 309º.

Para o Prof Menezes Leitão – o cumprimento da obrigação de entrega da coisa


opera a transmissão da respectiva posse para o comprador. – mesmo que não seja
o possuidor.

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Se não existir entrega da coisa, há transmissão da coisa por constituto
possessório? 1263º/c e 1264º. – a possibilidade é admitida por Menezes Leitão,
não como regra. Como consequência, face à concepção objectivista: interpreta o
1251º - entende que o vendedor como possuidor em todas as hipóteses nas quais
exerce poderes de facto sobre a coisa, apenas passando a detentor se for
convencionado que passará a possuir em nome do comprador – 1253º/c.

A concepção objectivista da posse está longe de ser dominante, entre nós.


Muitos autores têm uma concepção subjectivista.

O Prof. Pedro Albuquerque: diz que o nosso Direito consagra uma


orientação objectivista. Aponta que a explicação do prof. Menezes Cordeiro
afigura-se claramente a melhor:

Outros deveres pendentes sobre o vendedor


A par da obrigação de entregar a coisa podem surgir inúmeros outros
deveres decorrentes da boa fé, o princípio da boa fé – 762º/2 do CC., deveres de
informação, conselho, assistência pós-venda, entrega de factura.

O dever de pagar o preço


Regime: 879º/C
O preço é por definição a expressão do valor em dinheiro. Segundo o Prof.
Pedro Albuquerque que o comprador, com o acordo do vendedor, pague em bens
diferentes de dinheiro, isto porque: a fixação do preço é necessariamente em
dinheiro; outra coisa é a forma de pagamento, em momento posterior à respectiva
estipulação = o modo de realização deste último cabe no âmbito da autonomia da
vontade das partes.

O prof Menezes Leitão a obrigação de pagar o preço, ou seja, a previsão


da entrega de uma quantia em dinheiro ao vendedor como contrapartida da

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entrega da coisa por parte deste. A obrigação de pagamento do preço
corresponde a uma obrigação pecuniária – 550ºss.
A assunção desta obrigação no contrato de compra e venda faz nascer na
esfera do vendedor um direito de crédito sobre o comprador, ficando o vendedor
apenas proprietário de espécies monetárias correspondentes aquando do
cumprimento da obrigação.

A respeito do tempo e lugar do pagamento do preço rege o 885º - o preço


deverá ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida. Se por
estipulação das partes ou por força dos usos o preço não tiver sido pago no
momento da entrega, o pagamento será efectuado no lugar do domícilio que o
credor tiver ao tempo do cumprimento.

O 886º - transmitida a propriedade da coisa, ou direito sobre ela, e feita a


respectiva entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver
o contrato por falta de pagamento do preço. Excepção: do 801º.

Quando se pode proceder à resolução do contrato de compra e venda com


fundamento no não pagamento do preço:
- na eventualidade de isso ter sido convencionado
- na hipótese de não se ter ainda assistido à entrega da coisa
- no caso de, apesar da celebração do contrato de compra e venda, o vendedor
reservar para si a propriedade da coisa - 409º, até ao pagamento do preço

Segundo o prof Menezes Leitão – se a entrega for feita por fases, a


prestação do preço apena deve ser efectuada aquando da realização da última
entrega, salvo se as partes convencionarem o preço em função da quantidade das
coisas vendidas, caso em que o vendedor terá legitimidade para exigir o
pagamento à medida em que for realizando as sucessivas entregas.

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A obrigação de pagar o preço é sujeita à prescrição ordinária de vinte anos
– 309º
A obrigação de pagamento do preço encontra-se colocada em nexo de
reciprocidade com a entrega da coisa, pelo que, constituindo a compra e venda
um contrato sinalagmático, o não cumprimento da obrigação de pagamento do
preço poderia dar lugar à resolução do contrato por incumprimento, de acordo
com o 801º/2 do CC.
O 886º - restringe essa faculdade – no caso de ter sido definitivamente
efectuada a atribuição patrimonial do vendedor – através da transferência da
propriedade e entrega do bem – ele não poderá, em princípio, fazer reverter essa
atribuição patrimonial por meio da resolução por incumprimento, e reclamar por
essa via a restituição. As suas acções contra o comprador ficam assim restringidas
à acção de cumprimento para cobrança do preço – 817º, e respectivos juros
moratórios – 806º/1. Este regime explica-se em virtude de não ser muito
conveniente, por tornar indefinida a situação jurídica dos bens, admitir que a
transmissão da propriedade pudesse ser facilmente revertida, sempre que o
adquirente faltasse ao pagamento do preço.
Apesar de fortemente restringida, a resolução do contrato por
incumprimento da obrigação do comprador é, no entanto, possível nas seguintes
situações:

1. haver convenção em contrário – para o prof. Menezes Cordeiro é uma


situação admissível, face à natureza supletiva do 886º. Efectivamente, da
mesma forma que é possível convencionar fundamentos contratuais para
atribuição do direito a resolver o contrato – 432º/1, e inclusivamente
estipular uma modalidade de venda em que se reconheça
incondicionalmente ao vendedor essa faculdade num certo lapso de
tempo – 927º/1, nada impede as aprtes de estipular igualmente que o
cumprimento da obrigação de pagar o preço por parte do comprador
constituía fundamento de resolução.

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2. ainda não ter sido entregue a coisa (mesmo que já tenha ocorrido a
transmissão da propriedade) – apesar de se ter já transmitido a
propriedade para o comprador, o contrato ainda não se encontra
totalmente executado, podendo até o vendedor recusar a entrega da
coisa, enquanto o comprador, não satisfazer a obrigação de pagar o preço
– 428º.

3. Ainda não ter ocorrido a transmissão da propriedade (mesmo que a coisa


já tenha sido entregue) – o comprador reserva para si essa propriedade até
ocorrer esse cumprimento – 409º. Nessa hipótese, e uma vez que o
vendedor conserva a propriedade com fins de garantia, poderá
naturalmente em caso de incumprimento, proceder à resolução do
contrato e exigir a restituição do bem.

Determinação do preço
Segundo o prof Menezes Leitão, de acordo com o 280º/1- não é necessário
que o preço se encontre determinado no momento da celebração do contrato,
bastando que seja determinável. – 883º

Pode acontecer que num dado contrato de compra e venda as partes não
tenham estipulado um preço, nem um critério de determinação desse preço –
883º: preceito que determina o preço quando não tenha sido convencionado
pelos contraentes.
Os outorgante podem preferir que a sua determinação seja logo confiada
a uma ou outra das partes ou a terceiro – 400º.
Se tiverem sido estipulados os critérios de determinação da prestação, será
ele apurado pela parte ou terceiro, chamado a intervir, em conformidade com
esses critérios – 400º in fine. Não havendo critérios pactuados deve a prestação
ser determinada de acordo com critérios de equidade – 400º/1 segunda parte.
A tarefa da parte ou de terceiro nomeado para fixar a prestação consiste
em complementar a vontade negocial dos intervenientes, que não resulte ou
decorra do programa contratual gizado.

18
Se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo
devido – tribunal, 400º/2.

O terceiro procedeu à determinação do preço de forma incorrecta, pode o


ter feito de forma iníqua ou por não ter observado os critérios estabelecidos pelas
partes para o efeito – situações não cobertas por fonte legal.
O Prof. Pedro Albuquerque na sua perspectiva baseada na interpretação-
compreensão-aplicação do Direito não reconhece a existência de nenhuma lacuna
para as hipóteses nas quais se tenha convencionado determinados critérios para
a fixação do preço e eles não tenham sido observados.
Não se mostra necessária impugnação da determinação incorrecta e
subsequente recurso ao tribunal – 400º/2.
O sentido jurídico, para o prof Pedro Albuquerque, 400º/2, é referente a
qualquer perturbação ou incorrecção no processo de determinação do preço
(encargo) para o qual as partes não tenham elas próprias, por interpretação
negocial ou complementadora, previsto uma saída autónoma. = tendo sido
convencionado remeter a fixação do preço a terceiro, de acordo com
determinados critérios estabelecidos pelas partes, este não tenha cumprido o
encargo que lhe estava confiado, por inobservância dos limites que lhe foram
impostos.

Quando é o tribunal a decidir: quais os critérios?


400ºCC
O 400º/2 funciona em necessária articulação com o nº1, contendo para ele
uma remissão implícita.
Assim, quando as partes tenham acordado que a determinação do preço
se deve fazer de acordo com a equidade será esse o padrão a observar pelo
tribunal.
O recurso ao tribunal é fundamentado pela ausência de vinculatividade da
determinação feita pela parte ou por terceiro em virtude de não ter observado os
preceitos vinculativos para a fixação da prestação. A função aqui, tal como de
terceiro, não é criativa.

19
Quando há um aspecto que não foi totalmente disciplinado pelas partes,
quando o deveria ter sido – critérios incompletos, quando há necessidade de
regulação que não existiu. A saída, para o prof. Pedro de Albuquerque passa pela
aplicação das regras relativas à interpretação complementadora ou numa
perspectiva de integração dos negócios jurídicos.

Redução, cumprimento e incumprimento da obrigação de pagar o preço


884º - disciplina as reduções do preço estabelecido em virtude de limitação
da obrigação, por força do 292º ou de outro preceito legal (793º/1, 802º/1 e 2,
902º ou 888º/2). São duas as hipóteses nele previstas.
Se figurar no contrato um preço referente à parte válida aplica-se esse
valor.
(ex: as partes vendem um cavalo e o veículo de transporte fixado que o primeiro vale 25 000 € e o
segundo 20 000 €, sendo o negócio afectado apenas quanto a um deles)

Na falta de discriminação o 882º/2 estabelece ser a redução feita por meio


de avaliação.

O critério é a proporcionalidade para a redução do preço.

O preço deve ser pago, salvo disposições das partes em sentido diverso, no
momento e lugar da entrega da coisa – 885º/1. Todavia, se por estipulação das
partes ou por força dos usos e preço não tiver de ser pago no momento da
entrega, o pagamento ocorrerá no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo
do cumprimento – 885º/2. Tem, pois, aqui, e neste caso, aplicação a regra geral
constante do 774º, para as obrigações pecuniárias. Vale, portanto, também aqui,
o disposto no 775º e 776º.

Provada a compra e venda incumbe ao comprador a prova do


cumprimento da sua obrigação.

0 801º/2 concede ao credor o direito de resolução do contrato bilateral


sinalagmático na eventualidade de não-cumprimento definitivo imputável ao

20
devedor. Esta regra é limitada pelo 886º, estabelece não poder o vendedor, salvo
convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço se
tiver havido transferência da propriedade da coisa ou do direito sobre ela com
entrega da coisa ao comprador.
Fora dos casos do 886º - a resolução da compra e venda é legítima.

Mesmo no caso de a coisa já ter sido entregue ao comprador tem este a


faculdade de recorrer à excepção de não cumprimento do contrato, recusando-se
a pagar o preço se, dentro dos prazos conferidos pelo Direito, detectar
discordâncias entre a coisa recebida e a qualidade devida.

Além disso, o comprador tem sempre a possibilidade de recorrer à acção


de cumprimento para pagamento do preço – 817º, e de exigir os respectivos juros
moratórios, 806º.

Outros deveres pendentes sobre o comprador


Há outros deveres, não essenciais, que recaem ou podem recair sobre o
comprador. Um desses deveres consiste, e salvo convenção ou usos em contrário,
na obrigação de o comprador suportar as despesas relativas à celebração do
contrato 878º - são as inerentes à celebração do contrato e não já as concernentes
à sua execução, em princípio, caem sobre o vendedor.
Correrão pelo devedor as despesas ligadas à guarda, e conservação.

21
Proibições de venda
Referentes a casos em que a lei veda a celebração do contrato de compra
e venda entre determinadas pessoas. Não se trata neste caso de uma situação de
vício do objecto negocial, nem de incapacidade dos sujeitos ou de ilegitimidade
das partes, mas antes situações em que é vedada, por razoes atinentes às relações
das partes entre si ou com o objecto negocial, a celebração do contrato entre elas,
admitindo-se, porém, a sua realização entre outros.

Venda de coisa ou direito litigioso


876º/1 + 579º

As coisas ou direitos consideram-se litigiosos, quando tiverem sido


contestados em juízo contencioso, ainda que arbitra, por qualquer interessado.
A razão especial para esta proibição é o receio de que as entidades
pudessem actuar com fins especulativos, levando os titulares a vender-lhe os bens
por baixo preço, a pretexto da sua influência no processo.

Se apesar da proibição, vier a ser realizada a venda, é esta considerada


nula, sujeitando-se, no entanto, o comprador, nos termos gerais à obrigação de
reparar os danos causados – 876º/2, 580º/1. A lei prevê, porém, que a nulidade
não pode ser invocada pelo comprador – 876º/3 e 580º/2, a solução que bem se
compreende, já que, se tal fosse permitido, o comprador celebraria um negócio
que poderia sempre declarar nulo se a operação especulativa não lhe corresse de
feição. Efectivamente, esta nulidade é estabelecida primordialmente no interesse
do vendedor, que foi sujeito à especulação do comprador ao vender, em
consequência do seu carácter litigioso um bem por valor muito inferior ao seu
valor real. Daí que seja atribuído ao vendedor, além da invalidade do contrato,
um direito à indemnização por todos os danos que a atitude especulativa do
comprador lhe causou. Essa indemnização, uma vez que tem por base a
celebração de uma compra e venda nula é, no entanto, limitada ao interesse
contratual negativo,

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Venda a filhos ou netos
877º/1
Se a venda vier a ser realizada está não é nula, mas apenas anulável.
A razão: evitar que, sob a capa da compra e venda, se efectuassem doações
simuladas a favor de algum ou algum dos descendentes, com o fim de evitar a sua
imputação nas respectivas quotas legitimárias, assim se prejudicando os
restantes.

Compra de bens do incapaz, pelos seus pais, tutor, curador, administrador legal
de bens ou protutor que exerça as funções de tutor
Em caso de celebrada uma compra e venda sem autorização do Ministério
Público, esta é anulável a requerimento do menor, até um an depois de atingir a
maioridade ou ser emancipado, ou, se ele entretanto falacer, pelos seus herdeiros,
excluídos os próprios pais responsáveis, no prazo de um ano a contar da morte do
filho – 1893º/1.
Caso venha a ser realizada, o negócio nulo, ainda que se trate de uma
nulidade sujeita a regime especial, na medida em que não pode ser invocada pelo
tutor ou seus herdeiros, nem pela interposta pessoa de quem ele se tenha servido
e é sanável mediante confirmação do pupilo, depois da cessação da incapacidade.,
mas somente enquanto não for declarada por sentença transitada em julgado –
1939º.

Venda entre cônjuges


O princípio da imutabilidade das convenções antenupciais, estabelecido no
1714º/1, proíbe que os cônjuges venham alterar, depois da celebração do
casamento, quer as convenções antenupciais, quer os regimes de bens legalmente
fixados, considerando o nº2 abrangidos por esta disposição os contratos de
compra e venda (e de sociedade) entre os cônjuges, excepto quando estes se
encontram separados judicialmente de pessoas e bens, sendo, no entanto, lícita a
dação em cumprimento efectuada por um dos cônjuges ao outro.
O princípio da imutabilidade das convenções antenupciais – quando os
cônjuges, por via da celebração da convenção antenupcial ou da adopção do
regime supletivo, determinam o regime de bens no seu casamento ficam

23
vinculados a esse regime de bens, que passa a ser aquele com que terceiros,
designadamente os credores, podem contar. Ora, a celebração de contratos de
compra e venda entre os cônjuges poderia funcionar como uma forma indirecta
de tornear o princípio da imutabilidade das convenções antenupciais, na medida
em que por essa via facilmente bens comuns ou próprios de um dos cônjuges
poderiam ver o seu estatuto alterado, em virtude da celebração do contrato de
compra e venda.
As partes podiam simular a realização de uma doação ao cônjuge, elidindo
a regra da sua livre revogabilidade, 1765º. Efectivamente, apesar de o negócio
simulado ser nulo – 240º, sendo válido o dissimulado, 241º, em muitos casos a
prova da simulação é extremamente difícil, o que justifica que o legislador
pretenda reagir contra esta possibilidade através da proibição da compra e venda.
Entre esposados esta proibição não existe. E entre os cônjuges cessa
quando se encontram judicialmente separados de pessoas e bens.
É lícita a dação em cumprimento feita por um dos cônjuges ao seu consorte
– 1714º/3.

24
Modalidades específicas de venda
Venda de bens futuros, de frutos pendentes e de partes componentes ou
integrantes de uma coisa
880ºCC e 467º/1 CComercial
A venda de bens futuros ocorre sempre que o vendedor aliena bens que
não existem ao tempo da declaração negocial, que não estão em seu poder ou a
que ele não tem direito.
Pode igualmente ter-se por compra e venda de coisa futura os outros
contratos de compra e venda referidos no 880ºCC (venda de frutos pendentes,
partes componentes ou integrantes) – coisas desprovidas, ainda, de existência
autónoma. A diferenciação entre as duas situações resulta, porém, do facto de a
transferência da propriedade se dar em momentos distintos dependendo de se
tratar de compra e venda de coisa futura stricto sensu (a transferência dá-se com
a aquisição pelo alienante da coisa), ou das outras hipóteses (a transmissão da
propriedade dá-se com a respectiva colheita ou separação).

Na venda de bens futuros stricto sensu esta ocorre no momento da


aquisição pelo alienante, enquanto na venda de frutos pendentes, partes
componentes ou integrantes, a transferência verifica-se apenas no momento da
colheita ou da separação.

Ao contrário do que sucede na venda de coisa alheia – 892º - nenhuma das


partes ignora que a coisa não pertence ao alienante, ainda que haja
necessariamente a expectativa de ela vier a integrar, no futuro, o seu património.

Nesse caso, a transferência da propriedade não ocorre imediatamente,


pelo que a lei faz surgir, a cargo do vendedor, uma obrigação de exercer as
diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos, segundo
que foi estipulado ou resultar das circunstância do contrato. O vendedor estará,
assim, obrigado a adquirir o bem vendido, após o que a transferência da
propriedade se processará automaticamente para o comprador, em virtude da
anterior celebração do contrato de venda (408º/2). Se deixar de cumprir essa

25
obrigação responderá perante o comprador por incumprimento (798º) – Menezes
Leitão.
Segundo o prof. Pedro Albuquerque – se não o fiz, por facto imputável,
responderá por inadimplemento – isso significa que até se dar a concretização do
bem o comprador não tem a ele direito.
Raúl Ventura – entendendo a venda de bens futuros como um negócio
incompleto, antes de se operar a transferência da propriedade, entende deve ficar
a indemnização limitada ao interesse negativo.
Menezes Leitão – defende estar-se perante um contrato validamente
celebrado, por isso a indemnização é limitada pelo interesse contratual negativo.
O prof. Pedro de Albuquerque sustenta - que é um negócio incompleto e
é, também, um negócio validamente celebrado, se com isso pretender expressar
não haver aqui nenhuma forma de ilicitude. Não há o impedimento, na sua
perspectiva, da produção de alguns efeitos a que tendem os negócios
incompletos, apesar de não ser a totalidade dos efeitos. Atendendo ao facto de
logo com a compra e venda de bens futuros, frutos pendentes e partes
componentes, surgir para o vendedor a obrigação de adquirir a coisa, determinar
o respectivo incumprimento culposo o dever de indemnizar pelo interesse
contratual positivo.
Tratando-se, porém, de uma impossibilidade, total ou parcial, não culposa
ou imputáveis ao vendedor, o efeito será o da extinção do contrato ou
cumprimento parcial, hipóteses em que ou o vendedor perde o direito à prestação
– 795º/1, ou a redução na medida da impossibilidade – 793º/1.

Para o prof Menezes Leitão - Se, no entanto, se se tornar impossível


proceder a essa aquisição total ou parcialmente por facto que não lhe seja
imputável, o resultado será a extinção da obrigação ou o cumprimento parcial,
casos em que, respectivamente o vendedor perderá o direito à contraprestração
– 795º/1, ou verá esta a ser proporcionalmente reduzida – 793º/1

A venda de bens futuros pode ainda ser clausulada como contrato


aleatório – 880º/2, caso em que o objecto da venda é a mera esperança de
aquisição das coisas. Nesse caso, uma vez que o objecto do negócio é a própria

26
esperança, o comprador está obrigado a pagar o preço, ainda que a transmissão
dos bens não chegue a verificar-se.
A distinção entre venda de vens futuros e a venda de esperanças: na venda
de esperanças existe uma atribuição ao comprador do risco de não se verificar a
transmissão da propriedade clausulada no contrato. Uma vez que essa atribuição
envolve uma derrogação às regras normas de distribuição do risco, tem-se
entendido que deve ser expressamente clausulada, segundo o prof. Menezes
Leitão.
Para o Prof Pedro de Albuquerque não há essa necessidade, em razão da
alteração a regra geral em matérias de relevância da vontade das partes. Saber se
a compra e venda é da coisa futura ou de mera esperança é simples problema de
interpretação da vontade das partes. Interpretação sujeita naturalmente ao
disposto nos 236º e 238º CC.
A venda de esperanças, 880º/2, é um contrato aleatório, uma vez que o
comprador tem sempre de pagar o preço, mas não tem a certeza de existir
qualquer correspectivo patrimonial nesse contrato, uma vez que corre por sua
conta e risco e verificação ou não da transmissão da propriedade.

Controvérsia doutrinária: a natureza da venda de bens futuros.


Uma posição sustenta que se trataria de um negócio incompleto ou em via
de formação, na medida em que o consenso das partes seria insuficiente para
produzir a transmissão da propriedade, enquanto faltasse a coisa, apenas se
concluindo o negócio com a sua aquisição pelo vendedor.

Outra posição: se trata de um negócio sob a condição suspensiva de os


bens passarem para a disponibilidade do vendedor.

Outra ainda, tratar-se de uma modalidade especial de venda obrigatória,


uma vez que o vendedor se obriga, com carácter definitivo, a realizar o que for
necessário para que se possa verificar a aquisição da propriedade pelo comprador.

O prof Menezes Leitão considera as duas primeiras posições incorrectas,


não é um negócio incompleto uma vez que o consenso relativo ao contrato

27
encontra-se integralmente formado, sendo com base nele que se vai verificar a
futura produção do efeito efeito real, sem necessidade de outras declarações. E
também não é um negócio sob condição, uma vez que a aquisição da propriedade
pelo vendedor corresponde a uma obrigação por este assumida, não se
verificando assim a subordinação dos efeitos do negócio a um efeito futuro e
incerto.

A obrigação de entrega, o cargo do vendedor, segue os termos gerais,


segundo o prof. Pedro de Albuquerque.
Se na modalidade de compra e venda aleatória preferir receber bem
diferente, em vez de nada, pagando mesmo assim o preço, há uma alteração
voluntária do objecto do contrato.
O comprador admite o pagamento do preço mesmo se a coisa não chegar
a existir, também, caso é no que se refere a defeitos.
Admite-se a subsistência, em regra, da garantia, sem prejuízo de poder ser
retirada por estipulação expressa ou implícita das partes, pela natureza da coisa,
ou pelas circunstancias previstas para a respectiva produção. O 918º ao
estabelecer valerem, se a venda respeitar a coisa futura ou a coisa indeterminada
de certo género, as regras gerais do incumprimento mostra existir, em princípio,
a garantia.

Venda de venda de existência ou titularidade incerta


881º e 467º/1 CCom
Segundo o prof. Pedro de Albuquerque, a regra vigente no nosso Direito é
no sentido de apenas poderem ser alienados bens existentes e pertencentes ao
vendedor. Os actos de disposição de coisas inexistentes são, 280ºCC, nulos por
impossibilidade legal do objecto. A mesma solução vale para as realidades não
pertencentes ao vendedor – 892ºCC.

Se se venderem bens de existência ou titularidade incerta e no contrato se


fizer menção dessa incerteza, o contrato é válido (881º). Essa incerteza constitui
um estado subjectivo, que tem que se verificar em relação a ambas as partes. A
lei presume que as partes quiseram celebrar um contrato aleatório, pelo que será

28
devido o preço, ainda que os bens não existam ou não pertençam ao vendedor –
881º. As partes podem, porém, elidir essa presunção, recusando ao contrato
natureza aleatória, caso em que o preço só será devido no caso de os bens
existirem e pertencerem ao vendedor.

A venda de bens de existência ou titularidade incerta distingue-se da venda


de venda futuros – 880º, porque não toma por base a expectativa de uma futura
aquisição ou autonomização da coisa no património do vendedor, mas antes a
incerteza de uma situação presente, relativa à existência ou à titularidade do bem
objecto de venda.
Distingue-se, também, da venda de bens alheios nula (892º), porque o
vendedor não celebra o contrato na qualidade de proprietário da coisa, excluindo
assim qualquer garantia relativamente a essa situação. Por esse motivo, não existe
na venda de bens de existência ou titularidade incerta nenhuma obrigação de o
vendedor praticar os actos necessários para que o comprador adquira os bens
vendidos – 880º e 897º. O vendedor ficará apenas constituído, como é regra geral,
no dever de entregar a coisa, se e quando se comprovar que esta existe e / ou lhe
pertence.
Para o prof. Pedro de Albuquerque atentas estas diferenças o vendedor
não é obrigado a exercer as diligências necessárias para o comprador adquirir o
bem nem ter de sanar o contrato, ao invés do que imposto pelos 881º/1 e 897º
CC. O vendedor não tem, nem mesmo, o dever de promover alguma actividade
para dissipar o estado de incerteza.

Se, como a lei presume, a venda de bens de existência ou titularidade


incerta tiver sido celebrada como contrato aleatório, o preço é devido pelo
comprador, ainda que os bens não existam ou não pertençam ao vendedor.
Segundo o prof. Menezes Leitão o preço é decidido logo no momento do
contrato, uma vez que, desde a celebração do contrato, o comprador se constitui
nessa obrigação, a qual em relação a ele não fica dependente da resolução de
qualquer incerteza.
Se, porém, as partes recusarem ao contrato natureza aleatória a obrigação
de pagar o preço fica dependente do cumprimento da obrigação de entrega, como

29
é regra geral – 885º/1. Assim, o comprador apenas ficará definitivamente
constituído na obrigação de pagar o preço após a resolução da situação de
incerteza em relação à coisa, podendo nos termos gerais recusar o cumprimento
da obrigação, enquanto o vendedor não lhe efectuar a sua entrega.

30
Venda com reserva de propriedade
As razões para a sua estipulação prendem-se com o facto de que,
ocorrendo entre nós a transferência da propriedade sempre em virtude da
celebração do contrato e, normalmente no momento dessa celebração, a
transmissão dos bens seja extraordinariamente facilitada em prejuízo dos
interesses do alienante. Assim, se for celebrado um contrato de compra e venda
de um bem, o comprador torna-se imediatamente proprietário do bem vendido e
pode voltar a aliená-lo, mesmo que este não lhe tenha sido entregue ou o preço
respectivo ainda não esteja pago. Ao vendedor resta apenas a possibilidade de
cobrar o preço. Este é, porém, um mero direito de crédito, que não lhe atribui
qualquer preferência no pagamento, o que implica para o vendedor ter de
concorrer com todos os credores comuns do comprador sobre o património deste
(604º/1). Assim, caso o comprador não possua bens suficientes para pagar a todos
os seus credores, o vendedor terá possibilidade de cobrar a totalidade do preço.
A compra e venda a crédito/prestações/ espera do preço apresenta-se
como um negócio que envolve elevados riscos para o vendedor, pois a celebração
do contrato acarreta para ele a mudança de uma situação de proprietário de um
bem para a de um mero credor comum, sem qualquer garantia especial, nem
sequer sobre o bem vendido.
Mas mais do que isso, a lei para facilitar a transmissão de bens e evitar que
esta seja revertida, bem através do 886º retirar ao vendedor a possibilidade de
resolução do contrato por incumprimento da outra parte – 801º/2, a partir do
momento em que ocorra a transmissão da propriedade e a entrega da coisa.

Tornou-se, portanto, comum nos contratos de compra e venda a crédito, a


celebração de uma cláusula de reserva da propriedade. A reserva de propriedade
– 409º: a convenção pela qual o alienante reserva para si a propriedade da coisa,
até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte, ou até a
verificação de qualquer outro evento – 409º/1.
Através da venda com reserva de propriedade as partes convencionam
assim diferir a transferência da propriedade para um momento posterior ao da
celebração do contrato. Normalmente, o evento que determina a verificação
dessa transferência é o pagamento do preço, o que constitui a forma comum e

31
típica de venda com reserva de propriedade, ainda que as partes ao abrigo da sua
autonomia privada, possam igualmente colocar a transferência da propriedade
dependente da verificação de qualquer outro evento, o qual pode inclusivamente
ser o pagamento de uma dívida a terceiro.
Segundo o prof Pedro Albuquerque – a cláusula de reserva da propriedade
não anda necessariamente ligada a esta modalidade de contrato de compra e
venda, é harmonizável com o pagamento integral do preço. Do mesmo modo que
o pagamento em prestações não impede a imediata transferência da propriedade
do bem vendido.

Regime da venda com reserva de propriedade


Se a venda já foi celebrada, não poderá posteriormente ser nela inserida
uma cláusula de reserva da propriedade, dado que a propriedade nesse caso já foi
transferida para o comprador.
Para o prof Pedro Albuquerque – a possibilidade de inserir no contrato uma
clausula de reserva de propriedade após a sua celebração é gorada. Por via das
regras, os contratos são livremente alteráveis mediante acordo das partes.
Todavia, a compra e venda goza de eficácia real, uma vez celebrada assiste-se à
transmissão da propriedade ou titularidade do direito vendido. Donde, celebrada
a venda deixa de ser possível, mesmo com a anuência do comprador, o vendedor
reservar para si algo que não lhe pertence.

Segundo o prof. Menezes Leitão, a reserva terá que obedecer à forma


legalmente exigida para o contrato. Podendo inclusivamente ser consensual nos
casos em que o contrato de compra e venda não esteja sujeito a forma especial.
Apenas no caso de insolvência do comprador, o 104º/4 do CIRE exige a forma
escrita da cláusula de reserva da propriedade para estabelecer a sua oponibilidade
à massa insolvente.

A oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade quando não esteja


sujeita a registo : tratando-se de bens não sujeitos a registo, o prof. Pedro Romano
Martinez ter eficácia entre as partes mas não ser oponível a terceiros. Posição
divergente da comum opinião: não havendo obrigatoriedade de registo, a cláusula

32
de reserva é sempre oponível a terceiros de boa fé, opinião que o Prof. Pedro de
Albuquerque concorda.
A cláusula de reserva de propriedade pode ser celebrada em relação a
quaisquer bens móveis ou imóveis, mas estes terão que ser naturalmente coisas
específicas, e não consumíveis.

A lei dispõe que, no caso de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, só


a clausula constante do registo é oponível a terceiros – 409º/2. – dúvida sobre a
oponibilidade a terceiros da reserva de propriedade quando ela respeite a bens
imóveis não registáveis. Prof Menezes Leitão opina que dado que a lei não exclui
a estipulação da reserva de propriedade em relação a esse tipo de bens, nem
condiciona nesse caso a sua oponibilidade a terceiros de boa fé, é manifesto que,
de acordo com os princípios da causalidade e consensualidade vigentes no nosso
sistema, a reserva poderá ser normalmente oposta a terceiros de boa fé. A lei só
exige assim a publicidade da reserva de propriedade nos casos de bens sujeitos a
registo. Nos outros casos: não é exigida qualquer outra publicação.

Se terceiro adquirir a propriedade a título originário, como sucede na


usucapião e na acessão, naturalmente que a reserva de propriedade se extinguirá.

A cláusula de reserva de propriedade – a transmissão da propriedade fique


diferida para o momento do pagamento integral do preço. A função desse acordo
não é permitir ao vendedor a continuação do gozo sobre o bem (é entregue ao
comprador para o fim de lhe atribuir o gozo) mas apenas defender o vendedor das
eventuais consequências do incumprimento do comprador.
Para o prof Pedro de Albuquerque a reserva da propriedade reveste-se
para o vendedor, portanto, da maior importância. Nas hipóteses da venda como
pagamento diferido no tempo ela ao vendedor a defesa da sua posição, pois, em
caso de incumprimento por parte do comprador, o alienante conserva para si a
coisa objecto do contrato de compra e venda.

33
A conservação da propriedade no vendedor até ao pagamento do preço impede
aos credores do comprador de executarem o bem, em caso de insolvência, já
que continua na titularidade do vendedor.

A oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade aos credores e


adquirentes do vendedor – na hipótese de insolvência, 104º/1 CIRE pode o
comprador exigir o cumprimento do contrato se a coisa já lhe tiver sido entregue
à data de declaração de insolvência. O administrador pode, todavia, recusar o
cumprimento, hipótese em que o comprador apenas terá, como crédito sobre a
insolvência, direito à diferença, se positiva, entre prestações previstas até ao final
do contrato e o valor da coisa na data da recusa – 104º/5 CIRE – insusceptível de
generalização = Menezes Leitão.
Relativamente aos adquirentes sucessivos, aponta prof. Pedro
Albuquerque a aplicação do regime da venda de bens alheios.

A adquirentes do vendedor, este não pode voltar a dispor do bem, depois


de ter constituído sobre ele uma expectativa real de aquisição a favor do
comprador. Se o fizer, sendo a reserva oponível a terceiros, a posição do
comprador prevalecerá naturalmente sobre a segunda aquisição, devendo aplicar-
se a este o regime de venda de bens alheios – 892º, fazendo a ressalva do regime
especial instituída para a situação da coisa comprada de boa fé a comerciante
(1301º).

Segundo o prof. Menezes Leitão, em caso de incumprimento por parte do


comprador, o vendedor continua a poder resolver o contrato nos 801º/2, uma vez
que a exclusão deste direito no 886º, só se verifica se tiver ocorrido a transmissão
da propriedade da coisa. No entanto, em caso de venda a prestação, 934º, exclui
imperativamente a possibilidade de resolução do contrato se o comprador faltar
ao pagamento de uma única prestação e esta não exceder a oitava parte do preço.

A cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro – a prática tem vindo a


divulgar o estabelecimento de cláusulas de reserva de propriedade, em contratos
de crédito ao consumo, a favor do mutuante ou entidades financiadoras que não

34
procederam a nenhuma alienação do bem para eles reservado – a admissibilidade
jurídica não é perfeitamente admitida.
O prof Pedro de Albuquerque julga inadmissível a reserva de propriedade
a favor do alienante: impossibilidade de uma reserva de propriedade a favor de
quem não tem propriedade (argumento que é insuficiente sozinho). Desde logo,
o facto de, não vigora, neste aspecto, o princípio da autonomia privada. A reserva
de propriedade atribui ao comprador uma expectativa jurídica real de aquisição
limitando do mesmo passo o âmbito do direito de propriedade do alienante – vale
o princípio da tipicidade dos direitos reais do 1306ºCC.
O efeito semelhante da reserva da propriedade a favor do financiador, no
ver do Prof. Pedro de Albuquerque, consegue-se com as garantias reais do crédito.

O afastamento da reserva de propriedade a favor de terceiro não impede,


porém, a sujeição da transferência da propriedade ao pagamento de terceiro –
409º/1 CC. Mas diverso é uma reserva de propriedade, a favor do vendedor,
subordinada de uma reserva em benefício do próprios tertius. Só a primeira é
possível permitindo, então, ao alienante, em caso de incumprimento da
obrigação, solicitar a restituição da coisa para si e apenas para si.

A posição jurídica da reserva de propriedade pode ser transmitida a


terceiro – Nuno Pinto Oliveira manifesta afirmativamente: o alienante poderia
sub-rogar o terceiro financiador nos respectivos direitos. A sub-rogação importa a
transmissão para o terceiro das garantias e outros acessórios do crédito que não
sejam inseparáveis da pessoa do devedor – 589ºss CC. – a propriedade reservada
transmite-se, enquanto acessório do crédito, para o financiador.
Não faltam posições contrárias – que entende que a reserva apenas como
uma cláusula contratual determinante do deferimento da transmissão da
propriedade para momento posterior ao do contrato (e eventualmente se
subordina a algo).

O prof. Pedro de Albuquerque sobre a situação – a ideia de a posição do


credor com reserva de propriedade não pode ser ser transmitida não tem
nenhuma base defensável. Ao dizer-se que é uma cláusula de um contrato

35
insusceptível de se transmitir não é ver o problema como um todo. Como efeito
dessa cláusula resulta uma determinada posição jurídica para o alienante. Antes
da compra e venda com reserva de propriedade o vendedor é proprietário. Depois
da venda passa a ter uma propriedade limitada a fins de garantia. Esta situação
jurídica não apresenta uma duplicação do direito de propriedade. Mas nem por
isso deixa de ser uma posição concreta e juridicamente tutelada referente a um
direito subjectivo do vendedor. E esse direito subjectivo é naturalmente
transmissível. Os direitos subjectivos de natureza não pessoal são livremente
transmissíveis. Por isso, na ausência de uma norma a proibir a alienação ou
transmissibilidade do direito do vendedor com reserva de propriedade é
transmissível, portanto.

Não pode funcionar a cessão de créditos vale, apenas, para os cenários nos
quais já tenha havido pagamento ao alienante por parte do terceiro. Em todos os
outros cenários, onde se não assista a ligação entre a venda com reserva de
propriedade e financiamento, a cessão pode operar. Mas mesmo hipóteses nas
quais os dois negócios surgem, de algum modo, associados a cessão de crédito
pode ser justamente a contrapartida do financiamento a realizar, tendo como
consequência a transmissão das garantias de crédito e, portanto, da propriedade
do vendedor – 582ºCC.

É possível a sub-rogação do tertius efectuada pelo vendedor. Só não bata


a mera entrega do preço pelo financiador para ela ter lugar ipso facto.

Em relação ao risco:
Com base na pretensão configuração como uma condição suspensiva – o
vendedor continuaria a suportar o risco pela perda ou deterioração da coisa, ainda
que esta tivesse sido entregue ao comprador. Prof Menezes Leitão: diz que esta
solução é inaceitável: a partir da entrega, o comprador fica já integralmente
investido nos poderes de uso e fruição da coisa, servindo a manutenção da
propriedade no vendedor apenas para assegurar a recuperação do bem, em caso
de não pagamento do preço. O risco deve correr por conta do comprador, pois é
quem beneficia do direito, não ficando este exonerado do pagamento do preço

36
em caso de perda ou deterioração fortuita da coisa. Mas nada impede, 589ºss, o
credor, que recebe a prestação de terceiro, de o sub-rogar expressamente, até ao
momento do cumprimento da obrigação, nos seus direitos. E a sub-rogação opera
599ºCC, a transmissão de garantias e acessórios.
Mesmo havendo pagamento pelos tertius financiador pode sempre o
alienante doar, vender ou por outro modo, apto a ceder o direito de propriedade,
transmitir o seu direito. Se se admite a transmissão da hipoteca e do penhor, por
maioria de razão e com maior amplitude, se deve aceitar a transferência da
propriedade do alienante com reserva de propriedade a seu favor.
Também não parece depor no sentido da inadmissibilidade da viabilidade
da transmissão a suposta indefinição dos termos da união de contratos. Uma vez
mais, o argumento só valeria para as hipóteses de conjugação da venda com
reserva de propriedade com um financiamento realizado por terceiro. Não tem
provimento em todas as outras situações. Mas mesmo na eventualidade de os
dois negócios surgirem unidos ou de forma combinada não se vê como pode a
indefinição existente obstar à transmissão.

A estipulação de reserva de propriedade a favor do alienante, mas sujeita


ao pagamento a terceiro - 409ºCC prevê a possibilidade de, nos contratos de
alienação, o alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao pagamento
total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à produção de algum outro
evento. Por isso mesmo, a validade de uma clausula de reserva de propriedade a
favor do vendedor, mas sujeita ao pagamento do financiador, pareceria não
merecer impugnação séria.

A nomeação para execução, pelo alienante, do bem objecto da reserva –


no caso de se entender que se está perante uma condição resolutiva a favor do
alienante não parece existir, aqui, nenhum embaraço em virtude do facto de, por
força do 601ºCC e do 821ºCPC, pelas dívidas de execução apenas responderem os
bens abrangidos no património do executado.
Na perspectiva da condição resolutiva a titularidade do bem transfere-se,
imediatamente, com o negócio real, apenas voltando para o património do
vendedor se não for pago o preço ou verificado o evento ao qual se sujeitou a

37
transferência definitiva da propriedade em virtude da reserva e o vendedor exigir
a resolução do negócio.

Diferentemente, na perspectiva de uma condição suspensiva – suscitam


efectivas objeções na medida em que pressupõem ou postulam ser o vendedor
titular do bem vendido até se proceder ao pagamento integral ou evento a cuja
produção se associou a reserva.

Para o prof Pedro de Albuquerque –não é nenhum tipo de condição.


Na compra e venda com reserva de propriedade o efeito translativo é
deferido no momento do pagamento, permanecendo, todavia, e desde logo o
comprador investido, com a realização do contrato, numa posição jurídica
específica traduzida numa expectativa real de aquisição. Nestes termos, parece
haver uma efectiva contradição entre o 601ºCC e o 821º CPC e a indicação, pelo
alienante, à penhora de bem reservado.

Existindo uma expectativa de aquisição por parte do comprador com


reserva de propriedade a renúncia ao direito do alienante determinaria a imediata
aquisição pelo adquirente do bem vendido, independentemente do pagamento
do preço.
Se a renúncia fosse admissível isso permitiria ao vendedor,
unilateralmente, fazer extinguir a expectativa de aquisição do comprador. E isso
desdiria a protecção dispensada pela cláusula de reserva de propriedade,
permitindo-lhe a obtenção judicial de um resultado insusceptível de ser alcançado
extrajudicialmente. Não crê como admissível tal facto.

A reserva de propriedade e a exigência de cumprimento do contrato – o


prof Pedro de Albuquerque considera que o vendedor pode ter interesse em exigir
o cumprimento do contrato e manter a reserva de propriedade. O facto do credor
ter optado por exigir o cumprimento, só por si, não faz caducar o direito de depois
vir a declarar a resolução – a hipótese inversa é inadmissível, dado não se poder
exigir o cumprimento de um contrato resolvido.

38
Nada existe na venda com reserva de propriedade que retire ao vendedor
a faculdade de exigir o adimplemento até ao limite.
Portanto, proposta a acção de cumprimento pelo vendedor mantém-se a
reserva de propriedade até ao efectivo pagamento do preço, pois só este gera a
transmissão da propriedade – não a exigência de pagamento. Aliás, a simples mora
no cumprimento de um contrato bilateral não gera imediatamente o direito de
resolver o negócio. Para isso suceder: mostra-se imprescindível transformar-se a
mora em incumprimento definitivo. Transformação que sucederá, dado estar-se
diante de uma obrigação pecuniária, 808º/1 CCC, através da fixação de um prazo
para o devedor cumprir. Ou seja: o nascimento do direito de resolução supõe
exactamente uma interpelação dirigida ao devedor.

Se se vier a verificar a perda ou deterioração da coisa, em resultado de um


dano culposamente causado por um terceiro – não pode ser o vendedor a
reclamar a totalidade da indemnização, uma vez que, enquanto conservar o
crédito do preço, o património do vendedor não sofrer qualquer diminuição.

A cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro


Contratos de crédito ao consumo, a favor do mutuante ou entidades
financiadoras que não procederam a nenhuma alienação do bem para elas
reservado. A sua admissibilidade jurídica não é pacifica.

O oposição Menezes Leitão mostra-se contra a admissibilidade da cláusula


de reserva de propriedade a favor do financiador.

O prof. Pedro de Albuquerque – julga inadmissível a reserva de


propriedade a favor do alientante. Para ele, a reserva da propriedade a favor de
quem não tem nenhuma propriedade não é aceitável (não sendo argumento
suficiente). Desde logo, o facto, de ao invés do por vezes aparentemente suposto,
não vigora, neste aspecto, o princípio da autonomia privada. A reserva da
propriedade atribui ao comprador uma expectativa jurídica real de aquisição

39
limitando do mesmo passo o amvito do direito de propriedade do alienante. Vale,
portanto, neste domínio, o princípio da tipicidade dos direitos reais, 1306ºCC.
Efeito semelhante ao da reserva da propriedade a favor do financiador
pode obter-se através da convenção das tradicionais garantias reais do crédito.

O afastamento da reserva da propriedade a favor de terceiro não impede,


porém, a sujeição da transferência da propriedade ao pagamento de terceiro –
409º/1 ao admitir estar a transmissão do direito dependente do cumprimento
integral ou parcial das obrigações da outra parte ou da produção de algum outro
evento. Mas é diverso uma reserva de propriedade, a favor do vendedor,
subordinada ao pagamento a terceiro, da estipulação de uma reserva em
benefício do próprio tertius. Só a primeira é possível permitindo, então, ao
alienante, em caso de incumprimento da obrigação, solicitar a restituição da coisa
para si e para para si.

A questão da transmissibilidade da reserva da propriedade


Nuno Pinto Oliveira – o alienante poderia sub-rogar o terceiro financiador
nos respectivos direitos. Ora, a sub-rogação importa a transmissão para o terceiro
das garantias e outros acessórios do crédito que não sejam inseparáveis da pessoa
do devedor – 580ºss CC. Destarte, a propriedade reservada transmite-se,
enquanto acessório do crédito, para o financiador.

Numa linha diversa: o entendimento da reserva de propriedade apenas


como uma cláusula contratual determinante do deferimento da transmissão da
propriedade para momento posterior ao do contrato – não faltam posições no
sentido da intransmissibilidade da reserva de propriedade.

Para o Prof. Pedro de Albuquerque a ideia de a posição do credor com


reserva de propriedade não poder ser transmitida não é defendida.
Antes da compra e venda com reserva de propriedade o vendedor é
proprietário. Depois da venda passa a ter uma propriedade limitada a fins de
garantia. Esta situação jurídica não representa uma duplicação do direito de

40
propriedade. Esse direito subjectivo é naturalmente transmissível. – os direitos
subjectivos de natureza não pessoal são livremente transmissíveis.

Natureza jurídica da venda com reserva de propriedade


O prof. Menezes Leitão: a teoria da atribuição ao comprador de uma
expectiva real de aquisição.
Em relação ao vendedor: ele conserva naturalmente a propriedade sobre
o bem, ainda que esta passe a ser onerada pela posição jurídica do comprador,
bem como limitada pela função específica da reserva de propriedade. A
conservação da propriedade no vendedor visa essencialmente funções de garantia
do pagamento do preço, uma vez que o negócio translativo já foi celebrado,
permitindo ao vendedor em caso de não cumprimento pelo comprador, resolver
o contrato e exigir a restituição da coisa. Assim, o vendedor, apesar de proprietário
da coisa até ao pagamento apenas pode exercer o seu direito de propriedade
sobre ela se tal for compatível com os fins da reserva. Se o comprador colocar em
perigo a garantia, o vendedor poderá exercer contra ele ou terceiros a acção de
reivindicação ou providências cautelares.
Em relação a terceiros, a reserva de propriedade é naturalmente oponível,
ainda que, quando se trate de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo, tenha
que ser registada.

Em relação ao comprador, até ao pagamento do preço, se ele não é ainda


proprietário, uma vez que a clausula de reserva de propriedade determina a
manutenção da propriedade no vendedor, também não se pode dizer que a sua
posição jurídica seja de cariz meramente obrigacional, uma vez que esse negócio
já confere ao comprador uma expectativa jurídica de aquisição do bem, a qual
deve ser considerada oponível a terceiros.
É uma expectativa de aquisição, o contrato atribui imediatamente ao
comprador um direito de gozo que inere à coisa e é naturalmente opinivel erga
omnes.
O contrato torna-o possuidor em nome próprio. Esta expectativa real
atribui-lhe assim o poder de usar e fruir a coisa, apenas lhe estando vedada a sua

41
disposição por tal ser incompatível com a função de garantia visada com a
conservação da propriedade no vendedor.
O comprador pode:
- disfrutar livremente da coisa
- defender o seu direito de gozo, quer em acções possessórias – 1276ºss; quer em
reivindicações – 1311º e 1315º.
- pedir indemnização pelos danos causados, caso venha a ser violado o seu direito
de gozo

Tanto o vendedor como o comprador são titulares de situações jurídicas


reais, havendo que distribuir o risco de acordo com o proveito que cada um tirava
da respectiva situação jurídica.
O vendedor conserva apenas a propriedade em função da garantia, deve
apenas suportar o risco da perda dessa garantia.
O comprador que já se encontra a tirar o proveito da coisa, é a ele que
competirá suportar o risco pela sua perda ou deterioração.

O risco transfere-se para o comprador logo que a coisa lhe seja entregue.

Se o bem parecer por facto imputável a terceiro – se um terceiro destruir


culposamente o objectvo vendido com reserva de propriedade estando o
vendedor e o comprador investidos numa posição jurídica própria em virtude do
contrato de compra e venda com reserva de propriedade se se assistir a uma lesão
da coisa deverá proceder-se à repartição do risco segundo o proveito próprio de
cada um. Atendendo ao facto de o vendedor preservar a propriedade apenas com
uma função de garantia, deve suportar o risco da perda da garantia. O comprador
que já se estava a tirar todo o gozo da coisa suportará o risco da perda ou
deterioração da coisa.

42
Venda a prestações
934º

Esta norma funciona como derrogação do 781º, que previa que, nas
obrigações com prestações fraccionadas, a falta de cumprimento de uma das
prestações importa a perda do benefício do prazo quanto às restantes – a lei
entende que é uma solução demasiado drástica.
Para que aconteça a perda do benefício do prazo para o comprador – é
necessário estarem em falta duas prestações, independemente do seu valor ou
que a prestação que se deixou de realizar exceda um oitavo do preço.
Simplesmente, tendo a coisa já sido entregue, a perda do benefício do
prazo para o pagamento do preço só permite, por força do 886º, o recurso à
resolução do contrato pelo vendedor, caso tenha sido estipulada uma reserva de
propriedade – 934º.

Para o Prof. Pedro de Albuquerque a chamada venda a prestações não


retrata de modo rigoroso esta modalidade de compra e venda. A prestação é uma
só como um só é a dívida. A realidade a que se dá o nome de prestações traduz
antes parcelas de uma prestação. Deste modo, as vendas a prestações não passam
de negócios dotados de prestações dividas ou fraccionadas.

Controvérsia na doutrina: a natureza supletiva ou imperativa do 934º


Menezes Leitão – sentido da imperatividade da norma. Consistindo está numa
norma de protecção ao comprador a crédito, normalmente a parte mais fraca do
contrato, não faria sentido admitir-se que essa protecção fosse retirada por
simples estipulação negocial, que dificilmente corresponderia a um efectivo
exercício da liberdade contratual.
A resolução na venda a prestações é na circunstancia de ter sido celebrada
uma clausula de reserva da propriedade. Essa resolução do contrato muitas vezes
não consiste na tutela adequada dos interesses do vendedor, uma vez que, tem
como feito (e pressuposto, 432º/1), a restituição de tudo o que tiver sido prestado
ao abrigo do contrato (433º e 289º). Ora, no caso da venda a crédito de bens não

43
duradouros, o decurso do tempo provoca a sua desvalorização contínua, em ritmo
muito maior que a desvalorização monetária. Sendo o comprador culpado pelo
incumprimento, o recurso à resolução do contrato não impede o vendedor de
exigir simultaneamente ao comprador, 801º/2, a indemnização por todos os
prejuízos causados, entre os quais se inclui a deterioração do bem. – o vendedor
tem de provar o prejuízo.

Para evitar – tornou-se usual nos contratos de compra e venda a


prestações a estipulação de cláusulas penais para a hipótese de incumprimento
por parte do vendedor - o legislador estabeleceu limites máximos à estipulação
de cláusulas penais – 935º/1.

Tem que ser sujeita a interpretação restritiva: a indemnização por o


comprador não cumprir, 798º e 801º/2, pode tornar por base tanto o interesse
contratual negativo como o interesse contratual positivo.
Interesse contratual positivo, não se procedeu à resolução do contrato,
não há qualquer motivo para limitar a indemnização a metade do preço.
Esse limite – o vendedor resolve o contrato com base no incumprimento
do comprador, o que lhe permite exigir a restituição da coisa entregue
cumulativamente com a indemnização pelo interesse contratual negativo –
801º/2. Deve, por isso, concluir-se que o 935º, apenas se aplica às clausulas penais
relativas à indemnização a pedir na hipótese de resolução do contrato.

Existe, para além da cláusula penal, a possibilidade de as partes


estabelecerem a convenção de ressarcibilidade do prejuízo excedente – 811º/2.
Caso as partes estabeleçam essa convenção: o vendedor não necessita de provar
qualquer prejuízo se apenas reclamar a cláusula penal, tendo o ónus de provar
que os danos sofridos excederam esse montante sempre que reclame um valor
superior.

Se as partes determinarem uma cláusula penal de montante superior – a


lei determina imperativamente a redução a metade do preço- a estipulação vale,

44
no entanto, como convenção de ressarcimento do prejuízo excedente até esse
momento – 935º/2.

Perante o 781º, segundo o prof. Pedro de Albuquerque estamos perante


uma simples situação de exigibilidade antecipada, enquanto não exigir o devedor
não está constituído em mora.
O mesmo princípio vale 934º CC. Ou seja: faltando o comprador a uma
prestação superior a um oitavo do preço, ou a duas prestações,
independentemente do seu valor, o vendedor por interpela-lo, exigindo o
pagamento das prestações vincendas. A partir desse momento, o comprador
estará em mora relativamente a todas as prestações não pagas, podendo ela
transformar-se em incumprimento definitivo nos termos do 808ºCC.

Para o comprador ter o direito potestativo de resolução é necessário,


segundo o 886º, não ter entregue a coisa ou, tendo-o feito, a estipulação da
possibilidade da resolução. Não é, destarte, apropriado dizer-se só não ter o
vendedor direito de resolução:
- se tiver entregue a coisa ao comprador;
- e se o comprador faltar ao pagamento de uma só fracção do preço (de uma só
prestação), que não exceda a oitava parte do preço.

Locação – venda
936º/2
As partes declaram estipular uma locação, mas convencionam que a
propriedade passará para o locatário automaticamente no fim de pagamento de
todas as rendas ou alugueres convencionados. Esta convenção implica que essas
prestações não correspondem a uma contrapartida do gozo temporário da coisa,
mas ao pagamento da transmissão da propriedade sobre ela, apenas com a
diferença que esse pagamento ocorre antes dessa transmissão. Apesar de
qualificado pelas partes como locação, desempenha a mesma função económica
da venda a prestações com reserva de propriedade, pelo que é sujeita o meso
regime – 936º/1.

45
Para o prof. Pedro de Albuquerque este contrato desempenha a mesma
função do contrato de compra e venda com reserva de propriedade mas não se
confunde com ele.

A resolução tem obrigatoriamente efeito retroactivo.

Divergência doutrinária
O prof Menezes Leitão – uma modalidade específica de venda em que,
sendo diferida a transmissão da propriedade até ao pagamento do preço, o
vendedor se obriga entretanto a proporcionar ao comprador o gozo da coisa,
como locatário desta.

Diferente é: a locação convertível em venda: no caso, de se convencionar


uma efectiva relação de locação, com a possibilidade futura e eventual de
aquisição do bem por parte do locatário, mediante o pagamento de um preço
suplementar. Nestes casos, haverá uma efectiva relação de locação, associada a
uma opção de compra ou a uma promessa unilateral de venda.

Compra e venda sobre documentos


937º
Tem por objecto bens representados por títulos. Nesta modalidade
específica de compra e venda, o vendedor não está obrigado a proceder à entrega
da coisa vendida mas apenas dos títulos representativos do bem causa – 937º. Em
qualquer, o objecto vendido não corresponde aos documentos, mas às coisas aos
quais eles se reportam.

As regras gerais em matéria de transferência são aplicáveis à compra e


venda sobre documentos. Existe, no entanto, uma regra especial quando a compra
e venda sobre documentos se reportar a uma coisa em viagem.
938º/1/C – estabelece o risco do comprador desde a data da compra, se
em jogo estiver a compra e venda de coisa em viagem, e mencionado este facto,
figurar entre os documentos entregues a apólice de seguro perante os riscos do
transporte. Todavia, as alíneas a) e b) do mesmo preceito atribuem ao comprador

46
o risco da deterioração ou perecimento desde a data da entrega da coisa ou
transportador mesmo se em momento anterior ao da data da compra. A ratio de
uma tal solução está ligada ao facto de a transmissão do seguro por o comprador
ao abrigo das consequências nefastas de danos, não sendo por isso considerado
adequado fazer depender a transferência do risco de prejuízos ocorridos durante
o transporte da realização do contrato. As regras constantes das duas primeiras
alíneas do 938º, não serão, porém, aplicáveis se ao tempo do contrato o vendedor
já sabia encontrar-se a coisa perdida ou deteriorada e dolosamente o não revelou
ao comprador de boa fé – 938º/2
além disso, quando o seguro apenas abranger parte dos riscos, o disposto
no 938º vale, tão-só, relativamente à parte segurada – 938º/3.

Venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem e medição


887ºss
Consiste esta numa venda de coisas determinadas sujeitas a uma posterior
a contagem, pesagem ou medição.
Ao contrário do que acontece com as coisas genéricas, em que a indicação
da quantidade se torna necessária à própria perfeição do contrato, no âmbito da
venda de coisas específicas não é necessária a indicação no contrato de qualquer
quantidade, uma vez que a simples individualização da coisa já é suficiente para
determinar o objecto da venda.

Uma vez que se está perante coisas determinadas e não de coisas


genéricas, a venda considera-se concluída antes da operação de contagem,
pesagem ou medição, logo com a celebração do contrato, adquirindo assim, o
comprador imediatamente a propriedade dos bens vendidos – 408º/1,
suportando consequentemente o risco pela sua perda ou deterioração (796º/1),
pelo que a discrepância apenas pode ter reflexos para efeitos de apuramento do
preço devido.
Para o prof. Pedro de Albuquerque a haver uma divergência entre as
quantidades ou entidades referidas e o resultado da mediação, pesagem ou
contagem, os efeitos apenas se fazem sentir ao nível do preço devido, segundo os
887ºss.

47
Os efeitos são diferentes:
- o preço da venda tenha sido estabelecido precisamente em função de um tanto
por cada unidade vendida: 887º - o comprador deve é o preço proporcional ao
número, peso ou medida real das coisas vendidas
-pelo conjunto de coisas vendidas: 888º - determina que o comprador deve o
preço declarado, mesmo que a indicação de quantidade referida no contrato não
tenha correspondência com a realidade, a mesmo que a divergência entre a
quantidade real e a declarada seja superior a uma vigésima desta, caso em que o
preço sofrerá redução ou aumento proporcional.

Prof Pedro de Albuquerque – se se vender por um só preço uma


pluralidade de coisas determinadas e homogéneas, com estipulação do peso ou
medida de cada uma delas, e se declare quantidade inferior à real relativamente
a alguma ou algumas e superior a propósito da outra ou outras, far-se-á a
compensação entre as faltas e excessos até ao limite da sua ocorrência – 889º cC.
Pressuposto da aplicação desta solução é a existência de um só contrato, pois não
se entenderia a compensação entre contratos distintos. Por outro lado, se estiver
previsto um preço separado para cada categoria de coisas vendidas, também não
é possível sopesar as perdas com os excessos – o 889º exige um preço único.
Um só preço não exprime, porém, um único preço global, podendo o preço
ser estabelecido por unidade de número, peso ou medida.
Relativamente à compensação, 888º/2, dado a vontade das partes se
formar relativamente ao preço global e não haver prejuízo. O perdido de um lado
é ganho no outro. A norma do 889º vem limitar a aplicação do 888º/2, justamente
na medida da compensação entre as duas categorias. Este último preceito só será,
destarte, chamado a depor se, após a compensação, subsistir uma diferença de
um vigésimo entre a quantidade declarada e a efectivamente vendida.
Importante é, ainda, o facto de a compensação se dever fazer em função
do valor e não apenas em razão da diferença entre o peso, quantidade ou medida
das coisas. Não obstante a fixação de um só preço global, os contraentes têm, por
regra, em vista o preço unitário de cada coisa.
Finalmente, devem ter-se por homogéneas as coisas do mesmo género
(parcelas do mesmo ou de diferentes prédios rústicos, apartamentos do mesmo

48
ou diferentes edifícios, cereais diversos existentes no mesmo celeiro), mas não
necessariamente da mesma espécie.
O 890º/1 estabelece um prazo reduzido para exercício do direito ao
recebimento do prazo. Isto, ao determinar a respectiva caducidade dentro de seis
meses ou um ano após a entrega da coisa, segundo este seja móvel ou imóvel. Na
venda de coisas a serem transportadas de um lugar para outro, o prazo reportado
à data da entrega só principia no dia em que o comprador as receber – 890º/2.

A aplicação dos regimes do 887º + 888º/2 pode levar a uma lesão do


comprador se o preço a pagar for muito superior ao referido no contrato, pois este
tem de pagar mais do inicialmente pretendido e pensado. Para atenuar este
efeito, 891º atribui ao comprador o direito de resolver o contrato se o preço
devido, 887º ou 888º/2, exceder o proporcional à quantidade mencionada em
mais de um vigésimo deste e o vendedor exigir esse preço, salvo se tiver procedido
com dolo. Está fora do âmbito da previsão normativa a faculdade de resolução
pelo vendedor em virtude da redução do preço.
O direito de resolução está sujeito a caducidade, devendo ser exercido no
prazo de três meses da data em que o vendedor fizer por escrito a exigência do
excesso – 891º/2. Também existe um prazo para a actuação do direito à diferença
de preço mencionado no 890º. A declaração de exigência do excesso tem um
destinatário. Desta forma, está sujeito às regras do 224º. Portanto, em rigor, a
contagem do prazo de caducidade não se dá no preciso momento da emissão da
declaração, mas, sim, na altura em que ela se torne eficaz por ter sido recebida
pelo comprador ou se tenha assistido a facto equivalente.
O exercício da resolução tem, ainda, de se harmonizar com a caducidade
do prazo para exigir o excesso do preço. Operada esta, a exigência da diferença é
ineficaz. Por isso, ela não pode servir de fundamento à resolução.
Pode, porém, suceder que nenhuma das partes tivesse pretendido
celebrar o contrato se se apercebesse da divergência. Vale, então, o regime geral
do erro.

49
Venda a retro
927º
A venda na qual se reconhece ao vendedor a faculdade de resolver o
contrato. A transmissão da propriedade não se apresenta como definitiva, na
medida em que o vendedor se reserva a possibilidade de reaver o direito alienado,
mediante a restituição do preço e o reembolso das despesas feitas com a venda.
A venda a retro o vendedor reserva para si o direito de reaver a
propriedade da coisa ou direito vendido mediante a restituição do preço.
O exercício deste direito do vendedor tem como efeito a aplicação do
432ºss, em tudo o que não é afastado pelo regime específico da compra e venda.
Deste modo, segundo o prof. Pedro de Albuquerque os efeitos da
resolução do contrato de compra e venda serão semelhantes aos efeitos da
anulação ou declaração de nulidade. O comprador, tido por possuidor de boa fé
na pendência do negócio, deverá restituir a coisa comprada. O vendedor terá de
entregar o preço recebido – 298ºCC. Se por algum motivo não imputável ao
comprador o vendedor não puder ou não estiver em condições de reembolsar o
preço, o contrato não pode ser resolvido.
Na venda a retro há uma convença ou venda, onde se insere como
disposição acessória a faculdade, para o vendedor, de chamar de novo a si o
objecto, devolvendo o preço. Diferentemente: no pacto de revenda – A venda a B
e B, no mesmo instante ou ulteriormente, volta a vender a A, permanecendo a
venda posterior, como simples proposta, sujeita à aceitação do A.

Para o prof. Inocêncio Teles a venda a retro pode valer como um


empréstimo pigmoratício ou hipotecário, em que o preço funcionará como capital
mutuado, a coisa vendida como objecto de garantia, e a transmissão da
propriedade como cláusula comissória, que em caso de não restituição do capital,
pelo resgate.

50
- Interesse de tutelar a situação do proprietário que, devido às suas necessidades
financeiras, se vê na contingência de ter que alienar um bem seu, mas mantém o
interesse de o voltar a adquirir logo que a sua condição financeira lhe permita fazê-
lo.
Função creditícia em relação ao vendedor e uma função de garantia em
relação ao comprador.
O contrato apresenta-se como uma função de financiamento no qual o
pagamento do preço substitui a concessão de um empréstimo pelo comprador ao
vendedor.

Segundo o prof. Menezes Leitão, não tem relevância prática.

Está sujeito à forma exigida para esse contrato.

929º - a resolução só pode ser exercida no prazo de dois ou cinco anos a contar da
venda, consoante se trate, respectivamente, de coisas móveis ou imóveis, prazo
esse que se considera reduzido a esses limites se for estipulado em âmbito
superior.
O prazo apenas se pode iniciar a partir do momento em que ocorre a
transferência da propriedade.
Vencido o prazo deixa de ser possível proceder à resolução da venda,
mesmo se o comprador der o seu assentimento a essa resolução.
A resolução não pode exceder esses prazos e deverá ser feita por meio de
notificação judicial. Se a venda a retro respeitar a coisas imóveis, a resolução terá
ainda de ser reduzida a escritura pública ou documento particular autenticado nos
15 dias imediatos, com ou sem intervenção do comprador, à notificação do
comprador ou seus herdeiros, sob pena de caducidade – 930º

930º - notificação judicial, sistema de resolução por declaração – 436º.

931º - determina ainda que, salvo estipulação das partes em contrário, a resolução
se considera igualmente sem efeito se, dentro do mesmo prazo de 15 dias após a

51
notificação, o vendedor não fizer ao comprador oferta real das importâncias
líquidas que haja de pagar-lhe a título de reembolso do preço e das despesas com
o contrato e outras acessórias. O reembolso do preço e das despesas com contrato
e outras acessórios vem a constituir um ónus – a sua omissão leva apenas a
ineficácia da resolução e não à responsabilidade por incumprimento.

932º - é oponível a terceiros, desde que a venda tenha por objecto coisas imóveis
ou coisas móveis sujeitas a registo e tenha sido registada.
Não é possível opor a terceiros a cláusula a retro quanto esta diga respeito
a coisas móveis não registáveis.
Nos restantes cenários possuirá, apenas, eficácia inter partes, segundo o
435º/1.

928º/2 – proíbe o comprador exigir o reembolso superior à paga por ele próprio.
No excesso é que poderiam dissimular-se juros usurários, deste modo probidos.

O risco ou deterioração da coisa entende Pedro Martinez incidir ele sobre


o comprador, 795º/3.
A resolução do contrato é situada na dependência da vontade de uma das
partes: logo não estamos diante de uma verdadeira condição resolutiva. O
comprador possuidor de boa fé, responde apenas pela perda ou deterioração da
coisa se tiver procedido com culpa – 1269º CC. Havendo, pois, neglicência ou dolo,
se o vendedor pretender exercer o direito de resolução do contrato pode
demandar o comprador pelos prejuízos produzidos. Tratando-se perda fortuita o
que sucedará, normalmente, é o vendedor não exercer o direito de resolução, por
não ter nisso nenhum interesse. Se por algum motivo estranho ainda quiser
resolver o contrato então pertencer-lhe-á suportar os efeitos da perda ou
destruição.

A natureza jurídica da venda a retro – trata-se de um contrato atributivo e


direito de resolução a exercer ad nutum pelo comprador e dotado de eficácia
retroactiva, segundo o 432ºss.

52
Venda a contento e venda sujeita a prova
923º - venda que é realizada por etapas.
Em ambas as situações, normalmente relativas a bens imóveis, se verifica
a subordinação do contrato a uma aprovação da coisa vendida por parte do
comprador, do qual vai depender a sua efectiva vigência.
A diferença:
- Na venda a contento o comprador reserva a faculdade de contratar, ou de
resolver o contrato, consoante a apreciação subjectiva (o seu gosto pessoal) que
vier a fazer do bem vendido.
- Na venda sujeita a prova está antes em causa uma avaliação objectiva do
comprador em relação às qualidades da coisa, em conformidade com um teste a
que está sujeita.
Em ambos os casos: a vigência efectiva do contrato fica dependente de um
teste, a realizar pelo comprador.

 Venda a contento
A venda contento tem duas modalidades:
1) A venda a contento que implica a estipulação de que a coisa vendida terá
que agradar ao comprador, correspondendo à tradicional cláusula ad
gustum: 923º - no nosso direito não é uma cláusula condicional, em vez,
constitui antes uma reserva relativa à aceitação do contrato de compra e
venda, através desta cláusula, o acordo das partes vem a ser qualificado
como uma mera proposta de venda, segundo o Prof. Menezes Leitão,
ficando o vendedor vinculado sem que o comprador o venha a estar.
A lei possibilita a celebração do contrato através do silêncio do comprador
– (o contrário do que sucede normalmente através do 218º), 288º: se o
comprador nada dizer considera-se concluído.
Para o prof. Pedro de Albuquerque – o 923º/2 dispõe julgar-se a coisa
aceite se o comprador se não manifestar dentro do prazo de aceitação, nos termos
o 228º/1 CC, o ónus da prova do silêncio do comprador já foi julgado pertencer ao
vendedor. Isto por se tratar de facto imprescindível à perfeição do negócio, e ser
ele próprio elemento respectivo.

53
A coisa deve ser facultada ao comprador para exame – 923º/3, segundo o
Prof. Menezes Leitão o prazo conta após a sua entrega para exame.
A entrega da coisa para exame constitui uma autónoma obrigação do
vendedor, que o comprador pode exigir mesmo na qualificação enquanto mera
proposta de venda.
Segundo o prof. Pedro de Albuquerque o vendedor não se pode eximir ao
adimplemento deste dever afirmando serem as coisas tão más que certamente o
comprador as teria rejeitada. Na eventualidade de algum defeito impedir a
apreciação da coisa tem o vendedor de proceder à sua substituição ou reparação,
Por sua vez, o comprador deve
Caso o comprador, durante o prazo estabelecido, se pronuncie no sentido
da rejeição do contrato, a venda considera-se não celebrada. – como é uma
questão de apreciação subjectiva: o comprador não necessita de indicar qualquer
motivo para proceder à rejeição do contrato.
O comprador é considerado mero detentor precário – se se verificar o
perecimento da coisa nessa fase, naturalmente que está situação correrá o risco
do vendedor.
O comprador deve actuar de forma prudente durante o exame. Ainda
assim, segundo o prof Pedro de Albuquerque, se a apreciação da coisa supuser
uma utilização parcial da mesma ela deve ter-se por admissível.
O vendedor não tem nenhum direito a indemnização em virtude um uso
razoável, pelo comprador ou terceiro por ele incumbido, do objecto do contrato.
Os custos de avaliação devem, todavia, na dúvida, incidir sobre o adquirente. O
mesmo valerá, em princípio, para os encargos com a devolução, na eventualidade
de rejeição.
Se dentro do termo, o comprador se manifestar no sentido da rejeição, a
venda julga-se como não celebrada. Até à aceitação ou vencimento do respectivo
prazo os efeitos típicos do contrato não se produzem.
A manifestação de rejeição não depende de nenhuma fundamentação.
Pode dispensar toda a observação ou aceitar sem exame.

54
A recusa da aceitação do comprador pode mostrar-se ilícita ou abusiva –
por exemplo, no momento da celebração do contrato o adquirente já o propósito
de recusar e ocultando esse facto ao vendedor causando-lhe com isso danos.

Na eventualidade de o comprador manifestar uma aceitação, mas sujeita


a condições ou impondo novos termos contratuais, na realidade, a sua declaração
é uma não aceitação. Debatido mostra-se o pedido de prolongamento do prazo.
Uma orientação tem entendido estar-se diante de uma rejeição e nova proposta
de negócio – o prof. Pedro de Albuquerque discorda: não obstante a solicitação
de alargamento do termo, pode o adquirente a todo o momento manifestar
anuência assim se tornando perfeito, de forma definitiva, o contrato de compra e
venda. O pedido de adiamento equivale apenas a uma proposta de alteração do
negócio já celebrado.

Dado a compra ainda não produzir os respectivos efeitos típicos antes da


aceitação, a atribuição do risco ao comprador só se dará com o vencimento do
prazo estabelecido no 923º/2 ou com a aceitação expressa ou tácita. Note-se,
porem, não liberar a aceitação o vendedor dos efeitos que, nos termos gerais, se
dão na hipótese de compra e venda de coisa delituosa ou onerada.

O prof. Pedro de Albuquerque não crê que estamos aqui perante um mera
proposta contratual.
Por um lado, a venda a contento pressupõe já um assentimento das partes
para a sua própria formação. De outro modo, esta forma de compra e venda a
contento não teria nenhuma razão de ser, ou autonomia relativamente à mera
proposta, valendo relativamente a ele a regra geral em matéria de silêncio.
Mesmo antes da aceitação pelo comprador, este negócio já produz
obrigações concretas a cargo do vendedor: a de a coisa ser facultada para exame
do comprador – 923º/3. Por isso, na eventualidade de o vendedor transmitir a
terceiro a coisa que devia submeter a prova, está-se já diante de um cenário de
incumprimento contratual.

55
Uma alternativa – condição, era um negócio condicional. O Prof. Pedro de
Albuquerque não o considera como um negócio condicional – o negócio não
produz efeitos enquanto não se der a aceitação.
Também não se pode falar de uma condição suspensiva, pois a venda a
contento já produz a obrigação de fornecer a coisa para exame. Além disso, na
medida em que o critério condicionante está situado na dependência da vontade
de uma das partes não se poderia aludir jamais a uma verdadeira condição. No
máximo assistir-se-ia a uma condição imprópria por ser potestativa.
Segundo o prof. Pedro de Albuquerque estamos perante um contrato
preliminar constitutivo de um direito típico de opção: do negócio resulta a
vinculação definitiva de uma das partes (o vendedor) associada à obrigação de
fornecer o exame da coisa. Isto enquanto a outra se reserva a faculdade de aceitar
ou rejeitar.

2) A venda a contento com a concessão de um direito de resolução unilateral


do contrato se a coisa não agradar ao comprador, no qual segue as regras
gerais do 432ºss.
Há uma atribuição ao comprador o direito de resolver unilateralmente o
contrato se a coisa não lhe agradar.
Aqui a venda torna-se imediatamente eficaz, segundo o prof. Pedro de
Albuquerque, o comprador adquire o objecto e contrai a obrigação de o pagar,
mas tem o direito de desfazer o negócio, dando os efeitos por não produzidor se
o objecto o não satisfazer: 423º ss (924º/1). A supressão do contrato não é
impedida pela entrega da coisa – 924º/2, e deverá ser exercida dentro do prazo
estabelecido ou resultante dos usos. Se nenhum for estabelecido pode o vendedor
fixar um limite razoável para o exercício do direito de resolução – 924º/3.

Uma vez que a concessão ao comprador de um direito de resolução


unilateral não impede que a propriedade se transmita (408º/1), parece que
correrá por sua conta e risco da perda ou deterioração da coisa, verificada durante
esse prazo – 796º/1. Efectivamente, caso a coisa se venha a perder ou deteriorar,
o comprador deixará de a poder restituir ao vendedor, pelo que perde o direito de
resolver o contrato – 432º/2

56
A resolução deve ser exercida no prazo estabelecido ou se nenhum prazo for
estabelecido, pode o vendedor fixar um prazo razoável para o seu exercício –
924º/3

Para o prof. Pedro de Albuquerque, a transferência do risco de perda ou


deterioração da coisa na pendência do prazo para o exercício do direito de
resolução. Na verdade, se esta se danificar ou destruir em termos de o comprador
já não poder proceder à respectiva devolução ao vendedor, o comprador já não
poderá exercer o direito de resolução – 432º/2. Problema suscitado é o de saber
se a transferência do risco depende da entrega da coisa, nos moldes definitivos no
796º/3 CC. A aplicação deste preceito pressupõe, todavia, estar-se, na segunda
modalidade de venda a contento, perante uma condição resolutiva.

Para o prof. Pedro de Albuquerque , 924º/1 e 432ºss – uma compra em que o


adquirente tem um direito de resolução do contrato a exercer, também, de forma
discricionária e sem possibilidade de sindicância judicial – mas não é uma
condição.

 Venda sujeita à prova


O contrato não se tornará definitivo sem que o comprador averigue, através
de um prévio uso da coisa, que ela é idónea para o fim a que é destinada e tem as
qualidades asseguradas pelo vendedor.
O 925º : qualifica a situação da venda sujeita a prova como uma venda
subordinada a condição (suspensiva ou resolutiva), consistindo a condição no
facto de a coisa vendida de ser idónea para o fim que é destinada e ter as
qualidades asseguradas pelo vendedor.

Na venda sujeita a prova a produção dos efeitos do contrato depende de


aspectos positivos susceptíveis de apreciação judiciária. No fundo, por estipulação
das partes, a eficiência do contrato é subordinada à objectiva idoneidade da coisa
para satisfação do fim ou fins a que se destina e à existência nela, das qualidades
asseguradas pelo vendedor. Se se preferir, ela é sujeita ao resultado de um exame
a fazer, cujo fim é o de apurar a aptidção do objecto.

57
Tal como na venda a contento, representa obrigação negocial resultante
da compra sujeita a prova o dever de o vendedor proporcionar a coisa, ao
comprador. Mas agora para prova e não apenas para apreciação – 925º/4.

Segundo o prof Pedro de Albuquerque na eventualidade de dúvida sobre a


modalidade de venda que as partes elegeram presume-se terem adoptado a
primeira – 926º: isto é, a venda sob a reserva de a coisa agradar ao comprador,
923º

A compra e venda sujeita a prova para o prof. Pedro Romano Martinez


entende como um negócio condicional.
Para o Prof. Menezes Leitão, está-se perante uma modalidade especifica
de compra e venda cujos efeitos estariam dependentes de averiguação positiva
de uma qualidade da coisa que a torna adequada à sua utilização pelo adquirente.

Para o prof. Pedro de Albuquerque está-se perante um negócio


incompleto, de formação sucessiva, que só ficará perfeito com a observação ou
constatação do funcionamento do condicionalismo a que as partes subordinaram
o negócio.

Venda sobre documentos


937º
Tem como objecto a venda de mercadorias representadas por títulos,
considera-se que o vendedor não é obrigado a entregar essas mercadorias,
bastando-lhe entregar os respectivos documentos – 937º.
A posição dominante quanto à venda sobre documentos considera, no
entanto, que o objecto da venda não são os documentos, mas antes as coisas a
que estes se referem, sendo que o direito incorporado no título constitui
unicamente um crédito à entrega dessas coisas e não a propriedade das mesmas.
A disciplina da transmissão da propriedade e do risco sobre as coisas
objecto da venda sobre documentos é sujeito às regras gerais.

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Caso especial: 938, consiste na venda de coisas em viagem, representadas
por documentos e objecto de um seguro contra os riscos de transporte.
Exceptua-se o caso de o vendedor já saber, aquando da celebração do
contrato, que a coisa se encontrava perdida ou deteriorada e dolosamente não o
ter relevado ao comprador de boa fé – 938º/2. No entanto, esse regime depende
da existência do seguro, pelo que se ele cobrir apenas parte dos riscos, só vigorará
em relação à parte segurada – 938º/3.

59
Perturbações típicas do contrato de compra e venda
O legislador veio estabelecer três casos de pertubações típicas do contrato
de compra e venda, que correspondem a situações de cumprimento defeituoso
das obrigações do vendedor.

Venda de bens alheios


892ºss
Sempre que o legislador não tenha legitimidade para realizar a venda,
como sucede no caso da coisa não lhe pertencer, ou de o direito que possui sobre
ela não lhe permitir a sua alienação.
A celebração do contrato de compra e venda garante ao comprador a
propriedade da coisa vendida, como se demonstra pelo facto de este responder
objectivamente pelos danos causados ao comprador de boa fé pela venDa de bens
alheios – 899º, bem como em virtude do facto de a lei admitir a estipulação de
clausulas de não garantia – 903º/2
O prof. Pedro de Albuquerque refere que o Código Civil para as vendas de
coisas alheia impõe o regime da nulidade. Não diz, directamente, o que é a venda
de bens alheios, porém, no seu regime verifica-se traduzir ela à situação de
alienação, por alguém, como própria de coisa cuja titularidade pertence a terceiro,
não tendo o vendedor legitimidade para realizar a venda. Pode afirmar-se
pressupor a compra e venda de bens alheios sempre a ignorância de uma das
partes a respeito da titularidade do sujeito em cuja esfera se deveria repercutir o
acto de alienação.

Pressupostos da venda de bens alheios


Venda como próprio de uma coisa alheia especifica e presente, fora do âmbito das
relações comerciais
O legislador considerou nula a venda de bens alheios – 892º, sempre que
o vendedor careça de legitimidade para a realizar. Esta solução não é, no entanto,
absoluta, dado que é manifesto que essa nulidade não ocorre se a venda tiver por
objecto coisa futura, uma vez que nesse caso o 893º manda aplicar antes o regime
da venda de vens futuros, onde se considera válida a obrigação assumida pelo
vendedor – 880º.

60
Também a venda de coisa genérica que não pertença ao vendedor não
poderá naturalmente ser considerada nula, dado que para a sua estipulação não
é necessária a qualidade de proprietário do vendedor, ao tempo da estipulação
do contrato – 539ºss
Tratando-se de compra e venda comercial a venda de bem alheio é válida.
Recaia sobre o vendedor a obrigação de aquisição e entrega ao comprador
das coisas que se comprometeu a vender, não sendo consequentemente aplicável
o regime da venda de bens alheios.

Não se aplica o regime da compra e venda de bens alheios aos negócios


relativos a coisas fora do comércio.

O regime de compra e venda de bens alheios, segundo o prof. Pedro de


Albuquerque, 892ºss, vale apenas para as hipóteses de alienação como própria de
uma coisa, que se não mostre fora do comércio, específica e considerada como
presente, fora do âmbito das relações comerciais. O regime de compra e venda de
bens alheios só se aplica existindo realmente vontade de vender como própria
coisa alheia. Havendo simples erro na declaração em que se indicam no contrato
coisas alheias o erro afecta o negócio em termos gerais.

904º - o regime de bens alheios também não se aplica se o vendedor não procede
à venda da coisa como própria mas a venda como alheia, mesmo que não tenha
legitimidade para o fazer.
892º - se for vendida como própria uma coisa alheia específica e presente, fora do
âmbito das relações comerciais.

Se o vendedor após a celebração da venda tornar a venda a coisa a outrem,


que regista primeiro a sua aquisição. Nesse caso, uma vez que o segundo
adquirente acaba por se tornar proprietário da coisa, é manifesto que em relação
a ele não se pode sustentar a aplicação do regime da venda de bens alheios. No
entanto, a situação do primeiro adquirente também não se enquadra no regime
da venda de bens alheios, uma vez que o bem pertencia ao vendedor no momento
em que foi vendido. Para alguma doutrina existe neste caso uma específica

61
responsabilidade aquiliana do vendedor em relação ao primeiro contraente. Para
outra, haverá que aplicar o regime da garantia pela evicção. Para outro ainda, a
situação deverá ser qualificada como uma responsabilidade contratual do
vendedor por incumprimento da sua obrigação de conservar a aquisição do
primeiro comprador. Segundo o prof. Menezes Leitão, a situação enquadrar-se-ia
no âmbito da garantia contra a evicção e, dado que foi intenção do legislador
substituir essa garantia pelo regime da venda de bens alheios, parece que não será
forçado defender a aplicação analógica deste regime.

Ausência de legitimidade para a venda


- Vendedor careça de legitimidade para efectuar essa alienação

Em princípio, essa legitimidade apenas é atribuída ao proprietário, mas a


lei por vezes estende-a a outras entidades.
Sendo a venda celebrada por um representante do proprietário, nos
limites dos poderes que lhe competem, é o proprietário considerado como o
verdadeiro sujeito do negócio – 258º, pelo que naturalmente a questão da
aplicação do regime de venda de bens alheios não se colocará.

Já haverá, porém, aplicação do regime da venda de bens alheios se for


vendida como própria coisa alheia, ainda que no interesse do seu titular.

Mesmo faltando a legitimidade do vendedor, a lei em certos casos, por


razoes de tutela da aparência vem a considerar válida a alienação. É o que
acontece na venda de bens da herança efectuada por herdeiro aparente a terceiro
de boa fé, 2076º/1.

Sempre que alguém vende bens de terceiro como próprios, se isso não
resultar de um erro na declaração, aplica-se o regime de bens de venda alheios.

A admissibilidade, ou não, do contrato-promessa de compra e venda de coisa


alheia

62
A posição maioritária vai no sentido da admissibilidade do contrato-
promessa de compra e venda de coisa alheia. Em sentido diversos: Raúl Ventura.

A favor da primeira orientação – o contrato-promessa de compra e venda


de coisa alheia o objecto não é legalmente impossível, uma vez que o comprador
pode adquirir a coisa até ao momento da celebração do contrato definitivo. De
resto, o caso não adquirisse o objecto prometido vender haveria mero
incumprimento do contrato, não nulidade.
Raúl Ventura contrapõe lembrando o facto de no 830ºCC permitir a
execução específica do contrato-promessa, desde que não haja convenção em
contrário e a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida. Ora não
havendo convenção em contrário a natureza da obrigação não se opõe à
execução, uma vez que a coisa foi prometida vendar como própria. É, porém,
manifesto, como nota Raul Ventura, não poder nesta hipótese ter lugar numa
sentença que produza os efeitos negociais da declaração do faltoso, pois nessa
eventualidade a decisão do tribunal teria a força de uma compra e venda nula, o
que equivaleria a compelir o tribunal a proferir uma decisão que não poderia
provocar os efeitos essenciais a que se destina. Por isso, o contrato-promessa de
compra e venda de coisa alheia deve entender-se nulo, excepto se existir
convenção em contrária à execução especifica.

Efeitos da venda de bens alheios


Nulidade da venda e obrigação de restituição
Na venda de bens alheios institui-se uma categoria de nulidade sujeita a
uma regime especial, que se afasta das regras gerais, não apenas quanto à
legitimidade para a sua arguição – 286º, mas também quanto ao regime da
obrigação de restituição – 289º e no regime de convalidação.

Quanto à legitimidade para arguir a nulidade da venda de bens alheios, ela


é profundamente restringida, uma vez que é proibida a sua invocação pela parte
que estiver de má fé contra a outra de boa fé, sendo mesmo vedada em qualquer
caso ao vendedor a sua invocação, sempre que o comprador esteja de boa fé –
892º, in fine. Relativamente a terceiros, não parece que eles possam invocar a

63
nulidade, uma vez que a sua instituição é claramente estabelecida no interesse
apenas das partes. O verdadeiro proprietário não terá legitimidade para invocar a
nulidade, já que em relação a ele o contrato será sempre ineficaz – 406º/2, pelo
que ele será sempre admitido a exercer a reivindicação – 1311º, sem ter que
discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu na venda.

A obrigação de restituição na venda de bens alheios é sujeita a regras


especiais, distintas do que se prevê no 289º, dado que o 894º, consagra um regime
bastante afastado da obrigação de restituição por invalidade do negócio e próximo
da restituição por enriquecimento sem causa, prevista nos 479º e 480º, na medida
em que faz variar o conteúdo da obrigação de restituição, consoante exista ou não
boa fé do obrigado.
Efectivamente, se o comprador estiver de má fé, arece que que por
argumento a contrario do 894º/1, não poderá pedir a restituição do preço da
venda, mas apenas o enriquecimento do vendedor, conforme defende
unanimente a doutrina.
Caso o comprador esteja de boa fé, pode pedir a restituição do preço
“ainda que os bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuído
de valor por qualquer outra causa.

Em resultado da sanção da nulidade deve ser restituída, pelo comprador,


ao vendedor esteja este de boa ou má fé, segundo o prof. Pedro de Albuquerque.
A coisa deve ser restituída a quem procedeu à sua entrega, com base no
contrato, e não ao verdeiro proprietário, excepto se tiver sido intentada acção
possessória ou de reinvidicação por este.

Havendo nulidade o vendedor deve restituir o preço; o comprado tem de


devolver a coisa recebida. Na eventualidade de isso não ser possível fica obrigado
a entregar o valor correspondente.

64
Eventual convalidação do contrato
A nulidade da venda de bens alheios pode ser sanada se se verificar a
posterior aquisição da propriedade pelo alienante – 895º. Efectivamente, sendo
a coisa vendida como própria, o contrato só não produz o efeito translativo que o
deveria caracterizar – 879º a), em virtude de se verificar o impedimento originário
de a coisa vendida não pertencer ao vendedor.
0 895º vem determinar a convalidação, com a consequente verificação da
transferência de propriedade.
Segundo o prof Raúl Ventura, o 894º/1/d): o contrato não se convalesce se
for feita declaração escrita, por um dos contraentes ao outro, na qual se
reconhece a nulidade do contrato.
Trata-se, segundo o prof. Menezes Leitão, de uma solução que se justifica
plenamente, embora não seja facilmente harmonizável com a qualificação como
nulidade do valor negativo atribuído à venda de bens alheios.
A lei estabelece restrições à possibilidade de convalidação – 896º - mesmo
que o vendedor tenha posteriormente adquirir o bem vendido.
Na venda de bens alheios a nulidade instituída é uma nulidade provisória,
que pode ser sanada mediante a aquisição da propriedade pelo vendedor, salvo
896º. Verificando-se a sanação da invalidade, o contrato produz imediatamente o
seu efeito translativo, ficando assim o comprador investido na titularidade do
bem.

Obrigação de convalidação
A lei determina que, em caso de boa fé do comprador, o vendedor seja
obrigado a sanar a nulidade da venda, adquirindo a propriedade da coisa ou o
direito vendido – 897º. Quando o comprador está de boa fé tem direito a que o
efeito translativo, que não resultou automaticamente da celebração do contrato,
venha a ser posteriormente produzido, adquirindo um direito de crédito sobre o
vendedor a que este proceda à aquisição do bem, o que determina a convalidação
do contrato e a consequente transmissão da propriedade para o comprador –
895º.

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O cumprimento desta obrigação dependerá, naturalmente, da
concordância do titular do direito, dado que, se este não puder ou não quiser
proceder à alienação do bem, nada poderá o vendedor fazer.

Indemnização
Outra consequência da venda de bens alheios é a possibilidade de
atribuição de uma indemnização pelos danos eventualmente sofridos. O legislador
– numa formulação algo complexa, estabelece três fundamentos de
indemnização, no âmbito dos quais se estabelece um concurso de pretensões:
1. Indemnização por qualquer das partes em caso de dolo;
Encontra-se prevista no 898º. A expressão dolo aqui significa “má fé”: o ilitico
intencional + neglicência consciente – está aqui em causa a dissimulação do
carácter alheio da coisa através do emprego de sugestões ou artifícios com o fim
de enganar ou manter em erro a outra parte. Estando está de boa fé, adquire por
isso o direito de ser indemnizada pelos danos causados variando a indemnização
consoante a nulidade da venda de bens alheios tenha sido sanada ou não.
No primeiro caso: a indemnização toma por base os danos causados por o
contrato não ser ab initio válido abrangendo assim o interesse contratual positivo.
No segundo caso: a indemnização limita-se aos danos que não ocorreriam
se o contrato não tivesse sido celebrado, ou seja, ao interesse contratual negativo
– solução típica da culpa in contrahendo – 227º-

Se não existir dolo de qualquer das partes, por ambas se encontrarem em


erro sobre o carácter alheio da co isa, naturalmente que nenhuma delas poderá
ser responsabilidade nos 898º, mesmo que tenha actuado com culpa. Se a culpa
pela celebração da venda dos bens alheios for do comprador, ele não será sujeito
a qualquer espécie de responsabilidade. Se for do vendor, a situação é enquadrada
no 899º

2. Indemnização pelo vendedor ao comprador de boa fé, com fundamento


na garantia da sua legitimidade;
Em relação ao vendedor, uma vez que ele é obrigado a garantir a sua
legitimidade, o 899º, vem estabelecer uma responsabilidade objectiva pelos

66
danos causados ao comprador, a qual, como é tradicional neste tio de
responsabilidade não atribui uma reparação integral. A indemnização apenas
abrange os danos emergentes – o vendedor responde sempre objectivamente
pelos danos emergentes, mas não pelos lucros cessantes sofridos pelo comprador
em virtude da sua falta de legitimidade, desde que não tenham resultado de
despesas voluptuárias – 216º/3.
Em relação às despesas voluptuárias e aos lucros cessantes a sua
indemnizabilidade depende do facto de o vendedor ter actuado com dolo ou
neglicência.

O vendedor se deve presumir culpado – 799º.

3. Indemnização pelo vendedor ao comprador de boa fé por incumprimento


da obrigação de convalidar o contrato.
Em caso de boa fé do comprador, o vendedor é obrigado a sanar a nulidade da
venda, adquirindo a propriedade da coisa ou o direito vendido – 897º/1. A
indemnização abrange por isso, naturalmente, o interesse contratual positivo.
Nada impede, por isso, o comprador de boa fé por isso de exigir
indemnização ao vendedor também com este fundamento, o qual é cumulável
com os fundamentos anteriormente referidos. O 900º/1 admite efectivamente
um concurso de pretensões neste âmbito. Esta cumulação vem a ser excluída, no
entanto, em relação à indemnização por lucros cessantes resultantes de dolo do
vendedor, 898º, admitindo-se aí apenas um concurso alternativo de pretensões,
900º/2.

Garantia de restituição por benfeitorias


1273º - tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito de ser
indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito e, bem assim, a
levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem
detrimento dela – 1º.
Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento
de benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado
segundo as regras do enriquecimento sem causa – 2º

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Adquirindo o comprador, na venda de bens alheios, a posse titulada do
bem – 1259º, terá direito assim, independentemente da sua boa ou má fé, a exigir
do proprietário a restituição das benfeitorias, necessárias ou úteis, que tenha feito
na coisa, podendo ter inclusivamente direito de retenção da coisa – 754º, salvo se
estiver de má fé – 756º b).
O 901º - atribui ao comprador de boa fé a possibilidade de exigir, não
apenas ao proprietário, mas também ao vendedor, o seu direito ao reembolso das
benfeitorias que devam ser reembolsadas pelo dono da coisa ao comprador de
boa fé. O vendedor tem assim que satisfazer ao comprador, quando lhe for
exigido, o reembolso das benfeitorias que ele fez na coisa, podendo
posteriormente exercer contra o proprietário o direito de regresso em relação ao
tudo o que houver pago, dado que é o proprietário que adquire o benefício
correspondente às benfeitorias.

Casos especiais
Venda de bens parcialmente alheios
902º - os bens serem parcialmente alheios a possibilidade de o contrato
valer na parte restante por aplicação do 292º, determinado que nesse caso
aplicar-se-ão as disposições antecedentes quanto à parte nula e reduzir-se-á
proporcionalmente o preço estipulado.
Pode ocorrer em duas situações:
1) O vendedor aliena toda uma coisa, quando apenas é dono de uma parte
material da mesma;
2) o vendedor aliena toda a coisa, quando é dono apenas de uma quota
abstracta da mesma, como sucede na compropriedade – o 1408º/2
considera neste caso aplicável o regime da venda de coisa alheia (não se
aplica o 902º).

A situação que ocorre é a de apenas se ter verificado parte do efeito translativo


que se encontrava estipulado no contrato, o que constitui uma hipótese de
invalidade parcial, havendo então que aplicar o regime do 292º que determina
que o negócio só será totalmente nulo, se se puder concluir que ele não teria sido

68
celebrado com a parte viciada. A concluir-se, nesse sentido, aplica-se totalmente
o regime da venda de bens alheios.
Caso, porém, se admita a redução do negócio, haverá que proceder a uma
limitação da aplicação desse regime à parte válida, com um redução do preço
respectivo, redução essa que se opera através de uma diminuição da quantia
devida na exacta medida em que não se verificou o efeito translativo.

Venda de coisa indivisa por apenas um dos titulares


A aplicação do regime da venda de bens alheios pode igualmente verificar-
se em relação a coisa indivisa, como sucede quando um dos seus co-titulares
vende uma parte especificada ou a totalidade da coisa, sem consentimento dos
restantes. Uma vez que a lei exige a unanimidade dos co-titulares para os actos de
disposição sobre a coisa indivisa (1408º/1 e 2091º), apenas permitindo a
disposição isolada da própria quota (1408º/1 e 2124ºss) é manifesto que haverá
também falta de legitimidade, para efeito do 892º, sempre que um acto de
disposição sobre a totalidade ou parte da coisa indivisa seja praticado sem o
consentimento dos restantes titulares.

Restrições convencionais ao regime da venda de bens alheios


0 903º vem estabelecer a possibilidade de as partes, ao abrigo da sua
autonomia privada, estabelecerem um regime diferente de garantia contra a falta
de legitimidade do vendedor, regime esse que pode naturalmente passar pelo
aumento ou pela diminuição dos termos legais dessa garantia – 894º/1 e 897º.
Uma das formas de derrogar a aplicação do regime da venda de bens
alheios consiste na clausula em que o vendedor declara que não garante a sua
legitimidade ou não responde pela evicção, 903º/2. – esta clausula apenas se
traduz numa exclusão da responsabilidade pelos danos, mas não exonera o
vendedor da obrigação de restituir integralmente o preço recebido, a compensar
com um eventual enriquecimento do comprador – convenção expressa.

69
Venda de bens onerados
905º - a existência de ónus ou limitações no direito transmitido. Esses ónus
ou limitações constituem vícios de direito, afectando assim a situação jurídica e
não as qualidades fácticas da coisa. – têm que exceder os limites normais
inerentes aos direitos da mesma categoria. Normalmente não se verificam
aquando da transmissão deste tipo de direitos.
Pode-se aplicar o regime da venda de bens onerados à existência de
irregularidades jurídica no bem vendido, que impeçam o gozo ou a disposição
deste pelo comprador, desde que a situação não seja por lei sujeita a
considerações especiais.
Na hipótese de o vendedor assegurar ao comprador a existência de
especiais vantagens jurídicas em relação à coisa, que excedem o normal nos
direitos da mesma categoria, mas depois se verifica não existirem (ex: servidões
activas sobre o prédio vizinho, benefícios fiscais, ou edificabilidade com certas características) –
Prof Menezes Leitão aplica o regime da venda de bens onerados por analogia
(divergência doutrinária).

Efeitos da venda de bens onerados


Anulabilidade do contrato por erro ou dolo
A lei estabelece para a venda de bens onerados um desvalor menos grave
do que na venda de bens alheios, não considerando o contrato nulo, mas apenas
anulável. O contrato é anulável por erro ou dolo desde que se verifiquem os
requisitos legais da anulabilidade.
Em caso de erro exige-se a essencialidade e a cognoscibilidade dessa
essencialidade para o declaratário (251º e 247º)
Em caso de dolo basta que tenha sido determinante da vontade do
declarante (254º/1), salvo se provier de terceiro, caso em que se exige igualmente
que o destinatário conhecesse ou devesse conhecer a situação – 254º/2

Eventual convalescença do contrato


Esta anulabilidade é objecto de uma regulação especial – 906º/1 admite
que fique sanada se vierem a desaparecer por qualquer modo os ónus ou
limitações a que o direito estava sujeito.

70
No âmbito da venda de bens onerados, apesar de a lei fazer assentar o
fundamento da anulação do contrato na viciação da vontade do comprador por
erro ou dolo – 905º, também entende que a posterior extinção dos ónus ou
limitações retira ao comprador o interesse em solicitar a anulação do negócio,
pelo que estabelece automaticamente a sua convalescença em caso de ocorrer a
extinção dos vícios do direito. – artificial: depende de a posição do comprador não
ter sido por alguma forma afectada em consequência dos vícios do direito.
A anulabilidade persistente, 906º/2, se já houver prejuízo para o
comprador, ou se este já tiver pedido em juízo a anulação da compra e venda.

Obrigação de fazer convalescer o contrato e de cancelamento dos registos


A lei estabelece ainda que o vendedor a obrigação de sanar a anulabilidade
do contrato, mediante a expurgação dos ónus ou limitações existentes – 907º/1.
Pode assim o comprador requer em lugar da anulação do contrato a expurgação
ou limitações.

Indemnização
Possibilidade de atribuição ao comprador de uma indemnização pelos
danos eventualmente sofridos.
-) Indemnização em caso de dolo;
908º - a expressão dolo utilizada é no mesmo sentido do 253º, a também
designada “má fé”, não pressupondo, por isso, apenas o ilícito intencional mas
também o pratico com neglicência consciente. Esta em causa a dissimulação pelo
vendedor dos ónus ou limitações existentes na coisa através do emprego de
sugestões ou artifícios com o fim de enganar ou manter em erro o comprador.
Sendo anulado o contrato com este fundamento: adquire o direito de ser
indemnizado pelos danos causados, sando a indemnização limitada aos danos que
não ocorreriam se o contrato não tivesse sido celebrado – interesse contratual
negativo. Permite abranger danos emergentes e lucros cessantes, incluindo
designadamente os prejuízos causados pela privação do capital correspondente ao pagamento do
preço.

71
-) Indemnização em caso de simples erro;
909º - estabelece a responsabilidade objectiva do vendedor pelos danos
causados ao comprador, o que não atribui uma reparação integral. O pressuposto
de o vendedor, no momento em que procede à venda do bem, dever garantir,
independentemente de culpa sua, que o bem vendido se encontra livre de ónus
ou encargos, respondendo, pelos danos causados se tal não se verificar.
O vendedor responde objectivamente pelos danos emergentes mas não
pelos lucros cessantes, sofridos pelo comprador em virtude da aquisição do bem
sujeito a ónus ou limitações
Admite-se que nos danos emergentes se englobem os de realização de
despesas voluptuárias.

-) indemnização por incumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato


O vendedor é ainda obrigado a fazer convalescer o contrato, mediante a
expurgação dos ónus ou limitações existentes – 907º/1. Sendo esta uma obrigação
como outra qualquer – 397º, naturalmente que o vendedor está sujeito, nos
termos gerais à responsabilidade obrigacional, em caso de incumprimento –
798ºss, a impossibilidade culposa – 801ºss, ou mora no cumprimento 804ºss.
Nada impede, por isso, o comprador de exigir indemnização ao vendedor
também com este fundamento, o qual é cumulável com os fundamentos
anteriormente referidos.
A cumulação que pode ocorrer, é excluída em relação à indemnização por
lucros cessantes resultantes de dolo do vendedor, nos termos do 908º, admitindo-
se aí apenas um concurso alternativo de pretensões, 900º/2.

Redução do preço
911º/1 – a redução do preço é uma alternativa à anulação do contrato em
consequência do erro ou do dolo, estabelecida no 905º, alternativa essa que é
imposta ao comprador sempre que se possa comprovar que os ónus ou limitações
não influiriam na sua decisão de adquirir o bem, mas apenas no preço que ele
pagaria.
Cabe assim ao vendedor, confrontado com uma acção de anulação e
pretendendo a subsistência do contrato, o ónus da prova de que o comprador

72
teria igualmente adquirido os bens por preço inferior. Nada impede, porém, o
comprador de solicitar imediatamente a redução do preço, caso esteja apenas
interessado nesta e não na anulação do contrato, podendo também efectuá-la a
título subsidiário para a hipótese de não proceder a pedido de anulação do
cotnrato.
O 911º/2 – ao estabelecer a redução do preço, caberá apenas ao
comprador, além da própria redução do preço, a indemnização, que terá conteúdo
variável, consoante exista dolo do vendedor – 908º, ou simples erro, 909º.

Venda de coisas defeituosas


Se a venda é realizada sendo a propriedade da coisa logo transmitida ao
comprador, e esta já é defeituosa ao tempo da celebração do contrato, então
estaremos presente um situação de erro do comprador ao adquirir uma coisa com
defeitos, sendo o contrato anulável por erro nos termos gerais – 913º e 905º.

Se o defeito na coisa ocorre após a celebração do contrato e esta é


entregue nessas condições estaremos perante uma situação de cumprimento
defeituoso, se o defeito é imputável ao vendedor – 918º, ou de risco, em princípio
a cargo do comprador, na hipótese contrária – 796º/1. Efectivamente, uma vez
que a coisa ainda não se existe ou não está determinada no momento da
celebração do contrato de compra e venda, não pode haver erro do comprador,
ocorrendo antes uma situação de cumprimento defeituoso se for entregue uma
coisa com defeito.

Há dualidades de regime e por isso a doutrina quem o considere


desaconselhado.

73
Pressupostos de aplicação do regime da venda específica
913º
1) Vícios que desvalorizam a coisa;
2) Vícios que impeçam a realizada do fim a que é destinada
3) Falta de qualidades asseguradas pelo vendedor
4) Falta de qualidades necessárias à realização daquele fim

A aplicação do regime da venda de coisas defeituosas assenta em dois


pressupostos de natureza diferente:
1 - sendo o primeiro a ocorrência de um defeito – quer os vícios (as
características da coisa que levam a que esta seja valorada negativamente) da
coisa, quer a falta de qualidades (embora não implicando a valoração negativa da
coisa, a coloca em desconformidade com o contrato) asseguradas ou necessários.

2- segundo a existência de determinadas repercussões desse defeito no


âmbito do programa contratual, originando uma das três situações:
1) A desvalorização da coisa (vício)
Enquadra-se numa concepção objectiva de defeito, resultando do facto de
o vício implicar que a coisa valha menos do que sucederia se não o tivesse. Sendo
esse um factor bastante comum parece, no entanto, de exigir que a desvalorização
tenha algum significado, recusando-se a aplicação do regime da venda de coisas
defeituosas, quando esta seja insignificante.

2) A não correspondência com o que foi assegurado


pelo vendedor (falta de qualidade)
Ocorre sempre que este tenha certificado ao comprador a existência de
certas qualidades na coisa a esta certificação não corresponde à realidade,
estando-se assim também perante uma concepção objectiva de defeito. A
certificação pelo vendedor que a coisa tem certas qualidades tanto pode ser
efectuada expressa como tacitamente (217º), podendo essa certificação
inclusivamente resultar da exibição de amostra ou modelo – 919º

74
3) Inaptidão para o fim a que é destinada. (vício e
falta de qualidade)
Corresponde a uma concepção subjectiva do defeito, estanto em causa as
utilidades específicas que o comprador pretende que lhe sejam proporcionadas
pela coisa. Esta indicação do fim tem, no entanto, que ser aceite pelo vendedor,
ainda que tal possa ocorrer tacitamente. Se, no entanto, não houver aceitação de
uma destinação especifica da coisa pelo vendedor, entende-se que a coisa se
destina à função normal da coisa da mesma natureza – 913º/2

Efeitos da venda específica de coisas defeituosas


A anulação do contrato por erro ou dolo – desde que se verifiquem no caso
concreto os requisitos legais da anulabilidade. Assim, em caso de erro:
essencialidade e a cognoscibilidade dessa essencialidade do erro para o
declaratário – 251º e 247º
Em caso de dolo, basta que o dolo tenha sido determinante da vontade do
declarante – 254º/1, salvo se provier de terceiro, caso em que se exige igualmente
que o destinatário conhecesse ou devesse conhecer a situação – 254º/2

Reparação ou substituição da coisa


No âmbito da venda de coisas defeituosas, essa obrigação é substituída
pela de reparar os defeitos da coisa, ou de a substituir, no caso de ser necessário,
e esta tiver natureza fungível – 914º. – garantia edilícia prestada pelo vendedor,
de que ele garante tacitamente a inexistência de defeitos do bem vendido, tendo
assim que o reparar ou substituir, salvo se naturalmente o vendedor tiver
conhecimento do vício ou da falta de qualidades da coisa.
O regime de garantia edilícia, 914º in fine, não assenta entre nós numa
responsabilidade objectiva do vendedor, mas apenas numa presunção de culpa
relativamente à venda da coisa com defeitos, que pode ser elidida mediante a
demonstração de que o vendedor se encontrava numa situação de
desconhecimento não culposo dos defeitos da coisa.
Em qualquer caso, no entanto, o desconhecimento não culposo do
vendedor, se exclui a obrigação de reparação ou substituição, não impede o

75
comprador de solicitar a anulação do contrato por erro ou dolo, verificados os
respectivos pressupostos.

Indemnização
Remete o 913º para as indemnizações do regime anterior.

Forma e prazos de exercício do direito


916º/1 – especificamente, o comprador deve denunciar ao vendedor o
vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este tiver usado de dolo. Há,
assim a imposição ao comprador de um ónus de denúncia dos defeitos da coisa ao
vendedor, com o qual se visa permitir-lhe adquirir conhecimento dos defeitos da
coisa vendida, que poderia ignorar. – esse ónus é excluído no caso de dolo do
vendedor.
A denúncia dos defeitos não está sujeita a forma especial – regime geral da
liberdade de forma 219º.

76
O regime da venda de bens de consumo
Lei 24/96, de 31 de Julho – Decreto-lei 67/2003
Âmbito de aplicação
Abrange os contratos relativos à transmissão de bens, mas também os que
envolvam o seu fabrico e produção, incluindo portanto contratos típicos de
empreitada.
Esta garantia é no entanto restrita aos contratos celebrados entre pessoas
que fornecem bens de consumo com carácter profissional no exercício de uma
actividade económica que visa a obtenção de benefícios e consumidores, pessoas
que adquirem bens de consumo com fins não profissionais. Daqui resulta que se
exclui:
1) Os contratos celebrados entre profissionais
2) Os contratos celebrados entre não profissionais
3) Os contratos de venda de bens de consumo invertida, em que um
profissional compra um objecto a um consumidor, podendo ou não
vender-lhe simultaneamente outro bem.

O prof Menezes Leitão aponta que esta garantia deve ser aplicada
exclusivamente as actividades não profissionais.

A imposição da conformidade do bem entregue com o contrato


A conformidade como garantia nos contratos com os consumidores
A imposição de uma obrigação de entrega de bens de consumo em
conformidade com o contrato – 2º/1, estabelecendo-se assim uma garantia
contratual relativamente aos bens de consumo consistente na imposição da sua
conformidade com as descrições constantes do contrato.
O 2º - ao falar de conformidade refere como é, mas qual deve ser e como
deve ser esse objecto. A falta de conformidade não pressupõe, por isso,
uma apreciação negativa da situação como sucede com o conceito de defeito da
coisa, existe falta de conformidade, quando se encomenda um veículo fabricado este ano e é
entregue um modelo do ano anterior.

77
Presunção da não conformidade
O 2º/2 vem estabelecer que se presume que os bens de consumo não são
conformes com o contrato, se verificar algum dos seguintes factos:
1) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou
não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado
ao consumidor como amostra ou modelo

2) Não serem adequados ao uso especifico para o qual o consumidor os


destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato
e que o mesmo tenha aceitado

3) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do


mesmo tipo

4) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do


mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo
à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas
características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu
representante, nomeadamente na publicidade ou rotulagem.

A garantia de conformidade nos bens objecto de instalação


9 2º/4 – vem instituir uma extensão da garantia de conformidade a prestar
pelo vendedor aos bens objecto de instalação,. Neste caso, o objecto da garantia
estende-se além do próprio bem vendido, para abranger situações de prestações
de serviços conexas com esse bem como a instalação pelo vendedor ou a
prestação de informações sobre como proceder a essa instalação.

Exclusão da garantia de conformidade


No momento em que é celebrado o contrato, o consumidor tiver
conhecido da falta de conformidade, ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se
esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor. A doutrina tem
propugnado que a exclusão da responsabilidade seja limitada a casos de culpa
grave do consumidor.

78
Momento relevante para a verificação da conformidade
3º/1 – a conformidade deve verificar-se no momento em que a coisa é
entregue ao consumidor, o que implica passarem a correr por conta do vendedor
os riscos relativos a defeitos da coisa ocorridos entre a venda e a entrega ao
consumidor.

O regime da venda dos bens de consumo


Lei 24/96, de 31 de Julho – Decreto-lei 67/2003
Nos negócios jurídicos de consumo a tutela do consumidor é assegurada
de forma distinta do que corresponde ao modelo clássico do cumprimento
defeituoso.
O artigo 4º reconhece um direito à qualidade dos bens ou serviços
destinados ao consumo, direito esse que é objecto de uma garantia contratual
injuntivamente imposta (16º) – temos a imposição de uma garantia de qualidade,
não apenas em face das disposições legalmente estabelecidas mas ainda em
relação às legítimas expectativas do consumidor.

Âmbito de aplicação da garantia contratual sobre bens de consumo


1º do Decreto-lei 67/2003

Venda de bens de consumo, tutelando os interesses dos consumidores


(2º/1) e aos contratos de bens de consumo a fabricar ou a produzir e de locação
de bens de consumo (1º/2)

Abrangem-se, portanto aqui, não apenas os contratos relativos à


transmissão de bens, mas também os que envolvam o seu fabrico e produção,
incluindo portanto contratos típicos de empreitada, e ainda a locação de bens de
consumo.

Esta garantia é, no entanto, restrita aos contratos celebrados entre


pessoas que fornecem bens de consumo com carácter profissional no exercício de
uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios e consumidores,

79
pessoas que adquirem bens de consumo com fins não profissionais. Daqui resulta
que se exclui do âmbito de aplicação deste regime três tipos de contratos:
1) Os contratos celebrados entre profissionais (ex: venda entre comerciantes ou empresas)
2) Os contratos celebrados entre não profissionais (ex: venda de bens em segunda mão

por um consumidor a outro)

3) Os contratos de “venda de bens de consumo invertida”, em que um


profissional compra um objecto a um consumidor, podendo ou não
vender-lhe simultaneamente outro bem.

Estão assim em causa os negócios que se estabeleçam entre profissionais,


actuando no âmbito da sua actividade profissional, dos quais resulte a aquisição
de bens, destinados a uso não profissional.
Para o prof. Menezes Leitão: a questão da aplicação deste regime aos casos
de bens adquiridos com fins simultaneamente profissionais e não profissionais,
afirma que qualquer aplicação profissional do bem, mesmo que não exclusiva,
implicará a não aplicação do regime desta garantia + também não se aplica esta
garantia a casos de aquisição de um bem de consumo a um profissional, quando
este não esteja a actuar no âmbito da sua actividade normal.

3º/2 – aplicação desta garantia a bens imóveis, não há exclusão dos bens
objecto de venda judicial, o fornecimento de água e gás, quando não forem postos
à venda em volume determinado ou em quantidade e o fornecimento de
electricidade, os fornecimentos continuados de bens.
A garantia pode abranger igualmente a venda ao consumidor de animais
defeituosos.

A imposição da conformidade do bem entregue com o contrato


A conformidade como garantia nos contratos com os consumidores
Resulta primordialmente a imposição de uma obrigação de entrega de
bens de consumo em conformidade com o contrato (2º/1), estabelecendo-se
assim uma garantia comercial relativamente aos bens de consumo consistentes
na imposição da sua conformidade com as descrições constantes do contrato.

80
Para interpretar o 2º, segundo o prof. Menezes Leitão, deve-se esclarecer
o critério de conformidade. Para Ferreira de Almeida: se um objecto é descrito
essa referência não indica, ou não indica só, qual é e como é, mas qual deve ser e
como deve ser esse objecto. A conformidade consiste assim uma relação deôntica
entre o referente, segundo o texto e objecto do acto executivo. Existe falta de conformidade
quando se encomenda um veículo fabricado, quando se encomenda um veículo fabricado este ano e é entregue um modelo

do ano anterior. Neste âmbito, e ao contrário do que se entendia no regime de coisas


defeituosas, parece existir igualmente falta de conformidade se é entregue um
objecto diferente da coisa vendida, hipótese que entre nós seria qualificada pura
e simplesmente como incumprimento.
Para o prof. Menezes Leitão, o 2º abrange a venda de bens onerados.

A imposição ao vendedor da garantia de conformidade implica uma


alteração, afasta a solução tradicional: segundo ao qual caberia sempre ao
comprador aquando da celebração do contrato, assegurar que a coisa adquirida
não tem defeitos e é idónea para o fim a que se destina.
Face ao novo regime da venda de bens de consumo, esta averiguação deixa
de ser imposta ao consumidor para ser objecto de uma garantia específica,
prestada pelo vendedor, cabendo a ele o ónus da prova, segundo as regras gerais,
de ter cumprido essa obrigação de garantia.

Presunção de não conformidade


Essa garantia, no entanto, é objecto de uma presunção ilidível
relativamente às situações mais correntes – 2º/2.
O legislador optou por instituir uma presunção de não conformidade, caso
se verificasse o facto de não possuírem esses requisitos. O prof. Menezes Leitão
discorda com esta opção: não vê como se pode presumir uma situação em
resultado de um facto negativo, quando corre por conta do vendedor o ónus da
prova de ter cumprido a obrigação de entrega dos bens em conformidade com o
contrato.
Em qualquer caso, refere prof. Menezes Leitão que mesmo que se verifique
que os bens de consumo possuem todas as características do 2º/2, tal não
demonstrará o cumprimento da obrigação de conformidade com o contrato do

81
2º/1, mas antes funcionará como presunção da existência dessa conformidade,
aligeirando-se assim o ónus da prova que recai sobre o vendedor relativamente
ao cumprimento da obrigação prevista.
O 2º/2 estabelece que se presume que os bens de consumo não são
conformes com o contrato, se se verificar algum dos seguintes facto:
1) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou
não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado
ao consumidor como amostra ou modelo;
2) Não serem adequados ao uso específico ara o qual o consumidor os
destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato
e que o mesmo tenha aceitado;
3) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do
mesmo tipo;
4) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do
mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo
à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas
características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu
representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.

A presunção é construída por forma a não excluir da garantia qualquer


variação das características e função do bem com o estabelecido pelas partes, pelo
que ocorrendo qualquer variação dessa ordem, presume-se o incumprimento da
obrigação estabelecida – 2º/1. Nestes termos, a aplicação da presunção de não
conformidade acaba por funcionar como um indício de violação da garantia
edilícia, que passa assim a ser definida em termos bastantes mais rigorosos do que
os que resultavam dos direitos dos Estados-membros.

Os casos, segundo, Menezes Leitão, em que a presunção deixa de se aplicar


por falta algum dos elementos nela previstos:
1) Relativamente ao primeiro elemento, ele consiste numa situação em que
o vendedor assegura certo tipo de qualidades em relação à coisa vendida,
sendo que esse assegurar de qualidades pode resultar da própria descrição
do bem efectuada pelo vendedor ou da sua comparação com uma amostra

82
ou modelo exibidas na contratação. Estão neste caso em causa apenas
declarações do vendedor e não de terceiros, sendo que estas últimas
apenas podem ser abrangidas pela alínea d). Face aí à forma como se
refere este elemento, parece claro que não se exige que essa enunciação
de qualidades seja acordada pelas partes e integre o conteúdo do contrato.
O mero facto da descrição do vendedor ou da comparação com a amostra
é suficiente para determinar o assegurar das qualidades descritas pelo
vendedor ou constantes da amostra, mesmo que essas situações só
tenham ocorrido na fase pré-contratual. Não se exige assim uma
estipulação negocial, bastando para a responsabilização do vendedor
meras declarações de ciência ou mesmo comportamentos fácticos.
A protecção do consumidor é assim: ampla.
Quando o vendedor declarar um conhecimento limitada sobre o assunto,
o que não constitui descrição do bem, já que não implica uma indicação segura
das suas características.

2) O segundo elemento da presunção de não conformidade ocorre quando o


bem de consumo não é idóneo para o uso específico a que o consumidor
o destine do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato
e que o mesmo tenha aceite. A destinação da coisa a um fim específica não
tem necessariamente que fazer parte do conteúdo contratual, não sequer
que se ser estipulado acessoriamente a este.
O 2º/2 apenas exige que essa destinação corresponde a uma informação
prestada pelo consumidor, a qual tenha recebido pelo vendedor, que a ela não
tenha manifestado oposição aquando da celebração do contrato.

O Decreto-lei 67/2003 - existe uma especialização das funções dos bens


de consumo, numa cada vez maior especialização das funções dos bens de
consumo, admitindo-se que por acordo entre o vendedor e o comprador estes
possam ser destinados a um fim específico, tornando defeituoso a coisa sempre
que esta não possa preencher esse fim específico.

83
3) O terceiro elemento da presunção de não conformidade ocorre quando os
bens não forem adequados às utilizações habitualmente dadas a bens do
mesmo tipo. Consagrou-se a concepção objectiva de defeito, estabelece o
critério no 2º/2 c do D.L 67/2003 de forma cumulativa, presumindo-se
assim a falta de conformidade sempre que inexistia essa adequação,
independemente do fim específico referido pelo comprador. Para além
disso, ao se referir a uma pluralidade de utilizações, parece que quando os
vens tiverem mais do que uma utilização habitual terão que ser idóneos
para todas elas. O critério será, segundo Menezes Leitão, excessivo em
certos casos, já que se o consumidor declara ao vendedor que pretende
utilizar a coisa para determinado fim, e se verificar que ela é idónea para
esse fim, mas não para outros fins para que habitualmente servem coisas
do mesmo tipo, poderá mesmo assim reclamar falta de conformidade.

O 2º/2 c) aponta para um critério de habitualidade: adopta antes uma


formulação mais próxima da frequência da utilização, de acordo com a perspectiva
do consumidor: muitas vezes os produtos são utilizados para fins diferentes
daqueles para que são fornecidos, parece que esta disposição vem abrir a porta a
reclamações dos consumidores relativamente à não adequação do bem para
utilizações estranhas àquelas para que foi fabricado.

4) Os bens de consumo não apresentam as qualidades e o desempenho


habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode
razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente,
às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo
vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na
publicidade ou na rotulagem.
Estão em causa dois critérios:
- a correspondência das qualidades e desempenho com o habitual em bens do
mesmo tipo
- as expectativas razoáveis do consumidor, face à natureza do bem e,
eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características
concretas.

84
Menezes Leitão refere que estes dois critérios têm uma relação de
alternatividade, pelo que não se verificando um deles, já se presumirá essa falta
de conformidade. – assim, se o consumidor poderia razoavelmente esperar em
face da natureza do bem o consumidor poderia razoavelmente esperar em face
da natureza do bem e das declarações públicas do vendedor, produtor ou
representante sobre ele, que ele teria certas qualidades e desempenho não
parece que possa excluir-se a presunção de falta de conformidade apenas com
base no critério da habitualidade das qualidades e desempenho dos bens do
mesmo tipo.

Segundo Menezes Leitão – trata-se de uma solução bastante coerente,


uma vez que hoje em dia os consumidores formulam as suas decisões de compra
(automóveis ou electrodomésticos) muito mais em função da publicidade e
rotulagem emitida pelo fabricante do que em função do diálogo pessoal com o
vendedor. Trata-se, no entanto, de uma opção que levanta algumas dificuldades
dogmáticas, uma vez que, em relação ao vendedor, a verdade é que a publicidade
e rotulagem por ele elaborada não chega a ser estipulada pelas partes como
fazendo parte do acordo contratual e, em relação à publicidade e rotulagem do
produtor e seu representante, verificando-se a introdução no conteúdo do
contrato de estipulações que tiveram origem em terceiro. O DL 67/2003
estabelece, no entanto, um critério objectivo de relevância dessas mensagens
para efeitos da garantia prestada pelo vendedor, que não pressupõe qualquer
estipulação contratual, presumindo-se sempre que as partes tomaram essas
características como assegurando certas características da coisa comprada. No DL
67/2003 – as mensagens publicitárias e a sua integração na garantia apenas ocorre
se corresponderem a expectativas razoáveis do consumidor, o que seguramente
não se poderá afirmar relativamente a toda e qualquer declaração encontrada na
publicidade ou na rotulagem.

O facto de não ter sido preenchido nenhum dos factos negativos, de onde
o legislador faz presumir a não conformidade com o contrato, não impede o
consumidor de demonstrar que, apesar disso, se verifica alguma desconformidade

85
com o contrato. É designadamente o que acontecerá se as partes estabelecerem
cláusulas de conformidade mais exigentes do que os critérios que integram a
presunção.

A garantia de conformidade nos bens objecto de instalações


O 2º/4 – vem instituir uma expressão da garantia da conformidade a
prestar pelo vendedor aos bens objecto de instalação.
Neste caso, o objecto da garantia estende-se além do próprio bem
vendido, para abranger situações de prestações de serviços conexas com esse
bem como a instalação pelo vendedor ou a prestação de informações sobre como
proceder a essa instalação.

Exclusão da garantia de conformidade


A garantia pela conformidade vem a ser objecto de exclusão quando, no
momento em que é celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento da
falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer
dos materiais fornecidos pelo consumidor (2º e 3º). Esta norma institui assim uma
exclusão da garantia de conformidade em relação a defeitos aparentes ou
conhecidos do consumidor ou que possam ser imputáveis a materiais por ela
fornecidos.
12º/1 – existe um ónus do comprador examinar a coisa comprada.
Efectivamente, se o vendedor colocar a coisa à disposição do consumidor para
este a examinar e se certificar da não existência de defeitos e o consumidor decidir
não fazer uso dessa faculdade, parece que o vendedor poderá ficar isento de
responsabilidade ao abrigo do nº2/3.
Este regime ao estabelecer um regime de ónus de exame da coisa
adquirida por parte do consumidor, representa uma regressão na protecção do
consumidor. A doutrina tem, no entanto, procurando atenuar esta solução,
propugnando que a exclusão de responsabilidade seja limitada a casos de culpa
grave do consumidor, sem abranger as situações de culpa leve.. – Menezes Leitão
discorda desta opção do legislador.

86
Momento relevante para a verificação da conformidade
3º/1 – a conformidade deve verificar-se no momento em que a coisa é
entregue ao consumidor, o que implica passarem a correr por conta do vendedor
os riscos relativos a defeitos da coisa ocorridos entre a venda e a entrega ao
consumidor.
Estabelece a exigência da conformidade no momento da entrega parece
fazer-se correr por conta do vendedor todo o risco ocorrido até essa data. – regime
de transferência de risco

A prova de que falta a conformidade já existia no momento da entrega do


bem cabe ao consumidor. O 3º/2 bem estabelecer que uma presunção de que as
faltas de conformidade que se verifiquem num prazo de dois ou de cinco anos a
contar da data da entrega da coisa móvel corpórea ou da coisa imóvel,
respectivamente, já existiam nessa data, salvo quando essa presunção for
incompatível com a natureza do bem ou com as características da falta de
conformidade. Nestes casos, existe assim uma presunção específica a estabelecer
a responsabilidade do vendedor por cumprimento defeituoso do contrato,
relativamente a defeitos que ocorram no período de dois ou de cinco anos após a
entrega da coisa, consoante se trate do móvel ou imóvel, presunção essa que é
alias inderrogável pelas partes, 10º/1, e que talvez se possa considerar uma
excessiva solução, ditada apenas por considerações amigos do consumidor. A
parte final desta disposição admite, no entanto, alguma correcção pela
jurisprudência que possa atenuar o rigor do seu entendimento literal.

Direitos do consumidor perante a falta de conformidade


4º - vem admitir os seguintes direitos do consumidor perante a falta de
conformidade do bem adquirido:
a) Reparação;
b) Substituição;
c) Redução do preço;
d) Resolução do contrato.

Acrescenta-se, também, a indemnização.

87
4º/5 – o consumidor pode exercer qualquer dos quatro direitos, salvo se
tal se manifestar impossível ou constituir abusos de direito.

Examinando em primeiro lugar a questão da impossibilidade, ela


corresponde à inviabilidade da solução para feitos de reposição da conformidade
com o contrato. Em relação à impossibilidade de reparação, esta ocorrerá sempre
que o bem se tenha tornado inaproveitável para o consumidor, mesmo após
qualquer intervenção do vendedor. Em relação à impossibilidade da substituição
ela não decorrerá automaticamente da natureza infungível do bem, ainda que
esta na maioria das casos possa efectivamente originar a impossibilidade de
substituição. Admite-se, porém, segundo Menezes Leitão, que devido à natureza
específica de certos bens seja impossível a ocorrência da substituição, como
sucederá em relação à maioria dos bens em segunda mão, ou relativamente aos
bens construídos com materiais fornecidos pelos consumidores. Também pode
ocorrer a impossibilidade de substituição por outros motivos, como na hipótese
de o bem se encontrar esgotado no mercado.

A solução do abuso de direito – o conceito de desproporcionalidade. A


remissão para o 334º CC, é considerado errada por Menezes Leitão.

O 4º - esclarece qual a forma de cumprimento da reparação ou


substituição, informando que qualquer delas ser realizada sem encargos, ou seja,
suportando o vendedor as despesas necessárias para repor a conformidade do
bem, designadamente as despesas de transporte, da mão-de-obra e material
(4º/3), dentro de um prazo razoável e sem grande inconveniente para o
consumidor, tendo em conta a natureza do bem e o fim a que o consumidor se
destina (4º/2).

Em lugar da reparação ou substituição da coisa, o consumidor poderá pedir


uma redução adequada do preço ou a resolução do contrato (4º/1), a menos que
tal seja manifestamente impossível ou constituir abuso de direito (4º/5). A
resolução está excluída apenas no caso de ser impossível ou constituir abuso de
direito.

88
O vendedor pode oferecer qualquer outra solução – 4º.

Para além disso, deve referir-se que a não conformidade do bem pode
desencadear, segundo a legislação nacional, remédios que não são abrangidos por
este regime específico, mas que naturalmente não se pretende excluir. Pense-se
na indemnização ao comprador – 908º, 909º, 918º CC e 12º LDC; ou na excepção
de não cumprimento do contrato – 428º CC.

Prazos
O 5º/1 – estabelece um prazo de dois anos para os bens móveis; fixado em
cinco anos para os imóveis; sendo que, no caso de coisa móvel usada, este prazo
pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes 5p/2.
Este prazo de dois anos não constitui, porém, um prazo de garantia do bom
estado ou do bom funcionamento dos bens por esse período, uma vez que o 3º/1,
refere expressamente que o vendedor só é responsável por defeitos já existentes
no momento da entrega do bem. Há, no entando, uma presunção estabelecida
no 3º/2.
Este prazo é um prazo material relativo à manifestação da falta de
conformidade, e não um prazo de caducidade, ainda que se admita a hipótese de,
acordo com as legislações nacionais, esse prazo funcionar igualmente como prazo
de caducidade para o exercício dos direitos.
O 5º/3 –faculdade de caducidade + 3º/4º que os direitos conferidos ao
consumidor caducam findo qualquer dos prazos sem que o consumidor tenha
feito a denúncia, ou decorridos sobre estes seis meses. Esses prazos são no
entanto suspensos durante o período que o consumidor se encontrar privado do
uso dos bens em virtude das operações de reparação da coisa – 5º/5º

89
A responsabilidade directa do produtor
O 6º - consagrou a responsabilidade directa do produtor: os custos dos
defeitos dos produtos devem ser ressarcidos por quem os causou, e na maioria
dos casos é o produtor o efectivo responsável por estes.
6º/1 – vem assim estabelecer que, sem prejuízo dos direitos que lhe
assistem perante o vendedor, pode o consumidor que tenha adquirido coisa
defeituosa optar por exigir do produtor à escolha deste, a sua reparação ou
substituição, acrescentando o 3º que o representante do produtor no domicílio
do consumidor é com este solidariamente responsável.
6º/4 – definição de consumidor
6º/5 – representante do produtor

Os direitos de exigir a restituição ou a reparação da coisa podem assim ser,


alternativa, exercidos contra o produtor solidariamente com o seu representante,
mas nesse caso integralmente a estes optar entre a reparação ou a substituição
da coisa. Relativamente aos outros direitos atribuídos ao consumidor pelo 4º, bem
com a indemnização no 12º/1 LDC já não parece que possam ser exercidos contra
o produtor ou o seu representante. Efectivamente, o 12º/2 da LDC limita a
responsabilidade dos casos previstos na lei e o DL 131/2001, de 24 de Abril, apenas
prevê no seu 8º da responsabilidade pelo produtor em caso de morte ou lesão
corporal a danos no próprio produto defeituoso. A responsabilidade do produtor
e representante é assim limitada à substituição e reparação da coisa e não à
indemnização pelos danos resultantes do não aproveitamento do produto
defeituoso. Ora, se faz sentido que não possam ser exercidos contra o produtor os
direitos de redução do preço e resolução do contrato – uma vez, por natureza,
têm como destinatários o vendedor enquanto contraparte do contrato – Menezes
Leitão, não vê razão para excluir o direito de indemnização contra o produtor, em
solidariedade com o vendedor.

A responsabilidade vem excluída: 6º/2 – o produtor ou o seu representante


podem negar-se a satisfazer a pretensão do consumidor, o que não impede que o
produtor não seja responsável perante o vendedor nos termos do direito de
regresso.

90
O direito de regresso do vendedor final
7º/ 1 – quando o vendedor final tiver satisfeito ao consumidor um dos
direitos previstos no 4º, bem como a pessoa contra o profissional a quem
adquiriram a coisa, por todos os prejuízos causados pelo exercício daqueles
direitos. Verifica-se assim, que apesar de se impor ao vendedor uma
responsabilidade objectiva perante o consumidor pela falta de conformidade
resultante de um acto ou omissão do produtor, de um vendedor anterior da
mesma cadeia contratual, ou de qualquer outro intermediário, o vendedor final
que satisfaça essa obrigação tem direito de regresso contra a pessoa ou pessoas
responsáveis da cadeia contratual.
7º/3 – estabelece-se, porém que o demandado pode afastar o direito de
regresso provando que o defeito não existia quando entregou a coisa ou, se o
defeito for posterior à entrega, que não foi causado por si. Pode-se assim, concluir
que o direito de regresso do vendedor final não depende da demonstração da
culpa dos demais participantes na cadeia contratual, sendo antes uma
responsabilidade solidária por garantia, independente de culpa, ainda que se a
culpa de algúem puder ser demonstrada recairá sobre ele a responsabilidade, de
acordo com as regras gerais.

7º/2 – estabelece que a presunção do 2º/3, aproveita também ao titular


do direito de regresso, o que implica vir a presumir-se igualmente na relação entre
produtor e vendedor que os defeitos surgidos no prazo de dois ou cinco anos após
a entrega da coisa ao consumidor já existiam antes dessa data.

7º/4 – ressalva a aplicação do LCCG à exclusão do direito de regresso, e


condiciona-se mesmo a sua exclusão ou limitação antecipada nos contratos
singulares ao pagamento ao seu titular de uma compensação adequada por essa
derrogação.

8º/2 – determinou que o profissional pode exercer o seu direito num prazo
de cinco anos a contar da entrega da coisa pelo profissional demandado, prazo
esse que se suspende durante o processo em que o vendedor final seja parte
(8º/4). O profissional tem, no entanto, um prazo de dois meses a contar da data

91
da satisfação do direito ao consumidor para exercer o regresso. Esse direito de
regresso pode ser dogmaticamente justificado com a consideração que existe uma
relação quase-contratual entre produtor e consumidor final, através da qual se
estabelece o regresso.

Garantias comerciais
9º/1
O regime português abrange assim não apenas garantias voluntariamente
prestadas pelo produtor e vendedor que ultrapassem o conteúdo da denominada
garantia legal, mas ainda as garantias que impliquem uma prestação suplementar
a pagar pelo consumidor, como aconteceu na prática jurídica inglesa, ou as
garantias prestadas por terceiro, como sucede com os contratos de seguro.
9º - estabelece que estas garantias vinculam juridicamente as pessoas que
as oferecem, nas condições constantes da declaração de garantia e da publicidade
correspondente.

9º/2 - a garantia deve ser entregue ao consumidor por escrito ou em outro


suporte duradouro, imponto o 9º/3 – uma série de requisitos, por razoes de
transparência.
Apesar da garantia ter requisitos de transparência – não afecta a sua
validade, podendo o consumidor continuar a invoca-la e a exigir a sua aplicação
(9º/5).

A omissão terá, por isso, apenas como consequência a responsabilidade


civil do vendedor ou oferente da garantia.

Carácter injuntivo do regime da venda de bens de consumo


As disposições de protecção ao consumidor caracterizam-se pelo seu
carácter injuntivo, uma vez, que sendo este uma parte mais fraca, leiga ou
profana, naturalmente que seria fácil a um profissional obter dele a derrogação
das normas supletivas instituídas em seu benefício.

92
10º

A nulidade é, porém, atípica uma vez que apenas pode ser invocada pelo
consumidor ou seus representantes – 10º/2 e 16º/2 e 3 da Lei 24/96, de 31 de
Julho.

Esta proibição de derrogação sofre, no entanto, uma atenuação em relação


aos bens de segunda mão – 5º/2. Vendas por profissionais a consumidores, uma
vez que as vendas em segunda mão que frequentemente se realizam entre
particulares ficam fora do âmbito de aplicação e da legislação protectora do
consumidor.

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O contrato de empreitada
1207º CC – define a empreitada como o contrato mediante o qual alguém
se compromete a realizar certa obriga mediante um preço. A empreitada é
considera pelo nosso legislador como, uma espécie de contrato de prestação de
serviços (1154ºss), tendo, no entanto, por objecto especificamente uma obra, e
não um serviço.

Para Pedro de Albuquerque os dois elementos essenciais da empreitada


são:
- a realização da obra;
- pagamento do preço.
Que são simultaneamente o objecto das duas obrigações principais
sinalagmáticas criadas pelo contrato.

A empreitada distingue-se do contrato de trabalho. De acordo com a


delimitação tradicional, diz Menezes Leitão, 1152º e 1154º, no contrato de
trabalho existe a prestação do trabalho como actividade, sob autoridade e
direcção de outrem, enquanto que na prestação de serviços se promete antes o
resultado do trabalho, no caso da empreitada a realização de uma obra. O
empreiteiro actua assim com autonomia em relação ao dono da obra, ainda que
exista a possibilidade de este elaborar o projecto, determinar alterações ou
fiscalizar a obra. O facto de o empreiteiro ser pago em função do tempo de
trabalho não determina a qualificação do contrato como de trabalho.

Todo e qualquer resultado do trabalho intelectual ou manual, segundo


Menezes Leitão, que não possa ser reduzido a uma obra, já não corresponderá a
uma empreitada, mas antes a uma prestação de serviços atípica, regulada pelo
regime do mandato – 1156º
Já quanto ao depósito, este distingue-se da empreitada pelo facto de a
obrigação do empreiteiro ser principalmente a realização da obra, tendo a sua
guarda cariz meramente eventual, enquanto que a obrigação de guarda do
depositário é exercida a título principal.

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Distinção entre a empreitada e o comum de compra e venda – de acordo
com a formulação mais comum o contrato será de empreitada quando as partes
tiverem fundamentalmente em conta o resultado do trabalho a prestar pelo
empreiteiro; sendo de compra e venda sempre que o primeiro plano seja dado
antes aos materiais fornecidos, para cuja transmissão o trabalho funciona apenas
como um meio. – o critério seria o da prevalência do trabalho ou dos materiais.
Para Menezes Leitão: decisivo parece a averiguação económica da
operação, por forma a averiguar se o preço aparece como o correspectivo da
alienação do bem (considerado como produto acabado) ou visa antes o
pagamento do serviço de produção do bem. – NÃO É A POSIÇÃO ACEITE

A jurisprudência tem normalmente qualificado como empreitada todos os


contratos que o alienante se compromete a realizar qualquer actividade material,
mesmo que em conexão com a transmissão de bens. Tal ocorreu relativamente,
quer relativamente à alienação de casas pré-fabricadas, com obrigação de
proceder à sua montagem, quer relativamente à alienação de elevadores com
obrigação de proceder à sua instalação no prédio, quer ainda relativamente ao
fornecimento e instalação de caldeiras ou de equipamento hoteleiro.

O elemento distintivo do contrato de empreitada é a prestação


característica, que corresponde à realização de uma OBRA. A realização de uma
obra pode abranger, segundo Menezes Leitão, não apenas a construção, mas
também a modificação, reparação ou demolição de uma coisa a refere-se tanto a
coisas imóveis (edifícios, pontes, túneis), como móveis (automóveis, barcos,
electrodomésticos, peças de mobiliária, vestuário). A realização da obra
corresponde a uma prestação de facto material, sendo tradicionalmente
qualificada como uma obrigação de resultado.

A obra tem que ser realizada mediante um preço. A empreitada é


essencialmente um contrato oneroso. Se alguém se obrigar a realizar uma obra
gratuitamente, poderemos ter um contrato de prestação de serviços gratuito, mas
não um contrato de empreitada. O preço tem que corresponder a uma obrigação
pecuniária, pelo que se a retribuição for estipulada em objecto diferente, também

95
não se estará perante uma empreitada, mas eventualmente perante um contrato
misto.

Características qualificáveis da empreitada


- Nominado e típico
- Normalmente não formal
- Consensual
- Obrigacional (sendo a obrigação do empreiteiro a realização da obra e a
obrigação do dono da obra o pagamento do preço)
Pode ser um contrato real: quando a propriedade da obra seja atribuída ao
empreiteiro, e esta venha a transmitir-se para o dono da obra (o que acontece na
empreitada de coisas móveis, realizada com matérias pertencentes ao
empreiteiro, em que é a aceitação da coisa que transmite a propriedade para o
dono da obra – 1212º/1.

- Oneroso (gera sacrifícios económicos para ambas as partes: o dono da obra tem
que pagar o preço, o empreiteiro tem o sacrifício do valor do seu trabalho e dos
materiais que eventualmente forneça)

- Sinalagmático
- Comutativo
- Execução instantânea, ainda que prolongada

Objecto da empreitada
A empreitada tem por objecto a realização de uma obra. No entanto, a
obra para efeitos da empreitada, não se identifica com o sentido geral de serviço,
sendo antes uma modalidade específica de serviço que se traduz num resultado
material, correspondente à criação, modificação ou reparação de uma coisa, como
o fabrico, manufactura, construção, benfeitoria.
Existiu uma controversária doutrinária, segundo Menezes Leitão, sobre se
a obra teria que ser entendida em sentido material ou se a obra intelectual poderia
igualmente ser objecto do contrato de empreitada.

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Menezes Leitão – a obra intelectual não pode ser objecto de empreitada,
que se restringe a obras corpóreas, sendo antes objecto do contrato de
encomenda da obra intelectual.
1207º - é restringida às coisas corpóreas, dado que o regime de fiscalização – 1209,
da transferência de propriedade, 1212º, das alterações, 1214ºss, e dos defeitos de
obra é dificilmente compatível com a criação de obras intelectuais, uma vez nestas
tem que ser assegurada a uma maior liberdade ao criador a questão principal
prende-se com a atribuição do direito de autor sobre a obra, questão que o regime
de empreitada não resolve. Por último, se viesse a abranger as obras intelectuais,
o contrato de empreitada passaria a ser uma figura demasiado ampla, esgotando
quase completamente o regime da prestação de serviços.
Não obstante, entende que algumas disposições podem ser aplicadas por
analogia a parca regulação legal da encomenda da obra intelectual. A analogia
não abrangerá. Porém, as normas excepcionais pelo que o 1229º não lhe é
aplicável.
A obra objecto de empreitada tanto pode consistir na construção de uma
coisa, como na sua alteração, modificação ou reparação, podendo a coisa a
construir, alterar ou reparar, ser móvel ou imóvel.

Para Pedro de Albuquerque a obra é o elemento essencial do contrato de


empreitada.
Uma obra, no sentido relevante, face ao 1207º, pode ser a construção ou
criação, reparação, modificação, demolição ou destruição de uma coisa, móvel ou
imóvel.

Para a posição maioritária, Baptista Machado, Pires de Lima, Antunes


Varela, Pedro Romano Martinez e Menezes Leitão, a noção de obra abrange
apenas e só um resultado material, sendo a obra intelectual (ou mais latamente,
incorpórea), à partida, objecto inidóneo de um contrato de empreitada.
Afirma-se, em primeiro lugar, que o regime do contrato de empreitada está
desenhado tendo em vista coisas corpóreas , sendo difícil pensar numa aplicação,
por exemplo, do 1209º ou 1221º, 1212º a uma obra intelectual. Além disso, nos

97
contratos de encomenda de obras intelectuais não existe sequer, segundo esta
Doutrina, um plano convencionado para a realização da obra.
Por outro lado, acrescenta-se, a exteriorização da obra não se confunde
com esta, sendo a produção da obra intelectual o objecto do contrato, e não a
produção do seu suporte físico.
Acresce que, pelo menos nas obras artísticas, deve admitir-se sempre que
o criador se desvincule da sua prestação, que pode não conseguir cumprir, por
exemplo, por falta de inspiração.
Ainda alguma doutrina aponta a seguinte razão: 14º do Código de Direito
de Autor e Direitos Conexos.
No mesmo sentido se orienta uma boa parte da jurisprudência, mesmo
mais recente.

A esta posição opõe-se outro sector da Doutrina, segundo o qual seria


possível a qualificação como empreitada do contrato que tenha por objecto a
produção da obra intelectual. Como BrIto Pereira.
Nesta direcção invoca-se haver obra, no sentido se ser objecto passível de
contrato de empreitada, mesmo no caso de obra intelectual.
Essencial para a qualificação como empreitada, para esta posição, seria a
concretização da actividade do empreiteiro em suporte susceptivel de ser
entregue ao dono da obra. A existência desse suporte físico bastaria para
considerar aplicável ao contrato as regras previstas nos 1207ºss CC.
Acresce que, para esta Doutrina, a qualificação como empreitada seria
mais adequada em termos de regime jurídico aplicável, já que a remissão operada
pelo 1156º para o regime do mandato é aqui insatisfatória, sendo reputado bem
mais apropriado o recurso às regras sobre a empreitada.

Para o prof. Pedro de Albuquerque a realização de um contrato para


encomendar a realização de um processo causal que é predominantemente
intelectual (como distinguir uma actividade deste tipo de uma actividade humana
que não o é?) seja qualificado como contrato de empreitad: ponto é que nesse
contrato concorram todos os elementos do tipo contratual da empreitada. Não

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basta a existência do corpus mechanicum. Ele é imprescindível, mas não
suficiente.
O resultado de uma actividade encomenda por outrem só tem a natureza
de uma obra se revestir cumulativamente as seguintes características:
1) Se o resultado se exteriorizar numa coisa concreta, corpórea ou
incorpórea, suscetível de entrega e aceitação.
2) Se o resultado for específico e concreto (ou seja, se puder se separado do
processo produtivo, do modo de realização e actividade e conteúdo
espiritual, ou, se se quiser, ele próprio assuma a relevância de um
significado ou utilidade própria desligada da actividade que este na sua
origem mesmo se consistir uma coisa incorpórea);
3) Se o resultado tiver de ser concebido e alcançado em conformidade com
um projecto (note-se que o projecto pode consistir num caderno de
encargos ou num simples plano ou encomenda ou mais ou menos
especificada – não deixa, assim, de ser empreitada a reconstrução de uma
casa de banho em que o dono da obra se limita a escolher os azulejos e
loiças e a estereotomia ou o tipo de alinhamento das paredes e azulejos,
ssem um autêntico projecto de arquitectura).

O elemento do tipo contratual que é constituído pela obrigação de realização


de uma obra é compatível com um trabalho de natureza predominantemente
intelectual: obra, em sentido lato, abrange uma transformação da realidade
material, uma mudança dos dados de facto, onde o que interessa ao dono da obra
é precisamente o resultado dessa mudança e nalguma medida a possibilidade de
acompanhar, compreender e eventualmente influenciar o processo pelo qual se
chega a esse resultado. Se no final desse processo, onde o dono da obra traçou
um plano e acompanhou (ou pôde acompanhar) a sua execução, é exteriorizado
um bem corpóreo ou incorpóreo que é suscetível de entrega ao comitente e que
sintetiza o trabalho, de tal modo que se pode dizer que o trabalho se separa –
elemento fundamental (para a criação intelectual poder consistir numa obra ela
terá de consistir numa coisa corpórea ou incorpórea que assume uma relevância
própria e autónoma, do processo criativo e do trabalho que lhe deu origem) do
seu executante e se concretiza numa coisa palpável, concreta, pode ser utilizada

99
de acordo com os interesses daquele que irá receber, então, do ponto de vista de
Pedro de Albuquerque, teremos contrato de empreitada, e não contrato de
prestação de serviços. Mais: em alguns casos de obras ditas intelectuais, há maior
facilidade na sua qualificação como integrando contratos de empreitada do que
em situações que Doutrina e Jurisprudência tradicionalmente qualificam, sem
hesitação, como empreitada.

Pedro de Albuquerque não coloca de parte a aplicação aos contratos de


empreitada, com uma componente artística ou intelectual, a aplicação das regras
de prestação de serviços que permitem o direito de desistência em caso de falta
de inspiração.

Reconhece, Pedro de Albuquerque, a impossibilidade de aplicação de


várias das normas relativas à empreitada de coisas corpóreas aos casos de
empreitada de obras intelectuais.

Forma do contrato de empreitada


É em princípio um contrato não formal, dado que a lei não sujeita a forma
especial, podendo assim, ser celebrada consensualmente – 219º - princípio da
LIBERDADE DE FORMA.

Por Pedro de Albuquerque: Apesar da liberdade de forma, na empreitada


por preço global a possibilidade de o empreiteiro exigir ao dono da obra o
aumento do preço decorrente de alterações da iniciativa daquele está
dependente da existência de autorização escrita dada pelo dono da obra, com
indicação do quantitativo desse aumento de preço – 1214º/3 CC. – se for apenas
um acordo verbal, o empreiteiro não tem direito ao aumento do preço mas apenas
ao enriquecimento sem causa.
A doutrina refere igualmente que nos casos em que o empreiteiro fornece
o solo onde irá ser construída a obra, há sujeição do contrato à forma exigida para
a transmissão do direito sobre o imóvel. – para o prof Pedro de Albuquerque é
duvidoso estar-se perante um contrato de empreitada.

100
Características do contrato de empreitada
Para Pedro de Albuquerque há logo contrato de empreitada quando há
CONSENSO das partes, sendo por isso qualificado como um contrato consensual.
O contrato não depende (para a sua formação) da entrega ou disponibilização de
quaisquer bens ao empreiteiro, mesmo quando esses bens são essenciais à
realização da obra; a entrega da coisa a reparar ou do solo onde a obra irá ser
construída, do lado do dono da obra, e a entrega da obra terminada, do lado do
empreiteiro, colocam-se já na fase executiva do contrato e não na sua fase
formativa.
O carácter consensual não afasta a essencialidade assumida pela obrigação
de entrega de quaisquer bens essenciais à realização da obra, que se traduz
mesmo no desenvolvimento regulatório, nos clausulados dos contratos de
empreitada e em alguns regimes legais especiais, que é dado à fase da consignação
da obra.

Pode dizer-se, segundo Pedro de Albuquerque que o tipo legal do contrato


de empreitada apenas contempla expressamente, como efeito do mesmo, a
constituição de OBRIGAÇÕES: a obrigação de realizar uma obra e a obrigação de
pagar o respectivo preço, essas duas obrigações são as que integram o núcleo
essencial do tipo.
Não esse necessariamente um contrato de eficácia real, pode o ser. O
408º/2 refere-se, precisamente, ao contrato de empreitada como um dos casos
particulares em matéria de transferência de direitos por força do contrato, e ainda
pela circunstância de o 1212º regular especificamente a transferência da
propriedade da obra na empreitada.
A empreitada será um contrato com eficácia real quando opere a
transferência de direitos reais: em todos os contratos onde o empreiteiro forneça
materiais a incorporar na obra, e isso, quer na empreitada de bens móveis
(1212º/1), de forma mais forte – pois aqui é a transferência da obra como um todo
que é diferida para o momento da aceitação pelo dono – quer na de imóveis
(1212º/2), de forma mais fraca, pois aqui apenas ocorre uma transferência dos
materiais para o dono da obra à medida da sua incoporação no solo.

101
A ONEROSIDADE é característica do contrato de empreitada, para Pedro
de Albuquerque, a estipulação do preço é elemento do próprio tipo legal, e a
realização da obra envolve um sacrifício representado pelo esforço do trabalho
prestado, que tem conteúdo patrimonial.

A empreitada é um contrato SINALAGMÁTICO, já que cria obrigações


recíprocas e interdependentes para ambas as partes. Essas obrigações – de
realizar uma obra e de pagar o preço – surgem numa relação de dependência
entre si, quer no momento da constituição do contrato, quer durante a respectiva
execução, até ao cumprimento integral.

A empreitada é tipicamente um contrato COMUTATIVO, pois as prestações


de ambas as partes são à partida certas quanto à existência e conteúdo.

102
A formação do contrato de empreitada
O processo de formação do contrato de empreitada
A empreitada de direito privado obedece ao regime geral da formação do
contrato – 224ºss.

Para Pedro de Albuquerque a formação da empreitada ganha uma


coloração particular relativamente ao regime geral por uma circunstância,
relacionada com o próprio elemento distintivo do contrato: a realização de uma
obra. De facto, esse elemento exige que as partes acordem especificamente nas
características da obra a realizar, através de um projecto, um plano, etc. O que
isto quer dizer é que a obra a ser realizada deve estar suficientemente
determinada, pelo menos nos seus elementos essenciais e resultado final, mesmo
que por mera descrição.

A formação do contrato decorre de forma complexa (mais do que o


habitual), uma vez que as negociações são mais demoradas, e durante as mesmas
é comum ser solicitado ao empreiteiro a realização de um projecto de obra, o que
constitui uma prestação de serviços autónoma, que por vezes é objecto de
renumeração específica. Por vezes, o projecto é encomendado pelo dono da obra
a terceiro, ficando em qualquer caso o empreiteiro encarregado de celebrar o
orçamento da obra. Antes da celebração do contrato, é ainda comum a realização
dos estudos dos materiais e solo, bem como a solicitação às autoridades da
competente licença ou autorização administrativa, quando exigíveis, obrigação
que recai sobre o dono da obra, se nada for estipulado em contrário.
O projecto, com os desenhos, e a definição dos trabalhos a realizar e
materiais empregues vêm a ser posteriormente objecto de um caderno de
encargos, que deverá ser respeitado pelo empreiteiro. Apenas após a definição do
caderno de encargos, é que o empreiteiro apresenta normalmente a respectiva
proposta de empreitada, que inclui o mencionado caderno de encargos, só ficando
o contrato concluído com a aceitação da obra, sendo que, apesar de a lei não o
exigir, normalmente esse mesmo contrato é reduzido a escrito.

103
Caso haja concurso – o projecto da obra e o respectivo caderno de
encargos estão normalmente definidos pelo dono da obra antes do concurso.

Capacidade das partes


Há que distinguir entre as:
- empreitadas de reparação: correspondem a actos de administração ordinária,
pelo que podem ser celebradas por quem tenha capacidade para a prática de actos
de mera administração, como o caso dos inabilitados – 153º
- empreitadas de nova construção: actos de administração extraordinária ou de
disposição, pelo que só podem ser celebrados por quem tenha a capacidade para
a sua prática

Legitimidade das partes


Podem colocar-se problemas de legitimidade na empreitada, quer em
relação ao empreiteiro, quer em relação ao dono da obra. Assim, parte que, de
acordo com o contrato deva fornecer os materiais, apenas poderá fornecer
matérias próprios e não materiais alheios, assim como a construção do imóvel
dependerá da autorização do respectivo dono do solo (seja ele o dono da obra ou
terceiro). A utilização de materiais alheios ou a construção em solo alheio não
constitui, no entanto, causa de invalidade do contrato, embora determine a
aplicação do regime da acessão, bem como a responsabilidade perante o
respectivo proprietário.
Em caso de existência de direitos reais menores sobre o solo, terá
legitimidade para contratar a execução da obra a parte a quem compita essa
faculdade. Assim, no caso do usufruto, 1471º, determina que o usufrutuário é
obrigado a consentir ao proprietário quaisquer obras ou melhoramentos de que
seja susceptível a coisa usufruída, cabendo as reparações ordinárias ao
usufrutuário – 1472º, e as reparações extraordinárias ao proprietário, salvo se
resultarem de má administração do usufrutuário – 1473º.

Segundo Pedro de Albuquerque há a exigência nas empreitadas a


existência de uma coisa, na esfera jurídica do dono da obra, de um direito
susceptível de permitir a realização da intervenção objecto da empreitada.

104
A contratação da empreitada, na qualidade de dono da obra, pode estar
especialmente regulada; assim, por exemplo, no caso de existir um direito de
usufruto, certas obras competem ao usufrutuário (as obras de reparação
ordinária) e outras ao proprietário da coisa (1471ºss CC), ou no caso da locação;
por outro lado, podem existir servidões de prédios confinanttes, impeditivas da
celebração da empreitada ou pelo menos limitem o seu conteúdo lícito.

Pluralidade de sujeitos
A empreitada por ser celebrada por partes singulares ou plurais. Na
posição de dono da obra pode surgir mais do que um sujeito.
No caso de se tratar de empreitada civil, a regra é a da parciariedade ou
conjunção (513º), sengo os direitos e obrigações dos donos da obra exercidos
conjuntamente.

Relativamente aos empreiteiros, da estipulação das partes decorrerá a


resposta à questão de saber se a obrigação de execução da obra é parciária ou
solidária, nos termos gerais, sendo as mesmas regras supletivas: no caso de
empreitada civil, a regra será a de conjunção (513º).
Pode suceder que a obrigação de executar a obra seja indivisível – aplica-
se o regime segundo Pedro de Albuquerque do 535ºss.

Há uma diferença entre a situação de pluralidade de empreiteiros,


vinculados pelo mesmo negócio jurídico à execução da mesma obra, e a situação
em que vários empreiteiros se vinculam, por negócios jurídicos diferentes perante
o dono da obra, à execução da mesma obra ou de diferentes que concorrem para
um mesmo fim – não dá origem ao regime de pluralidade de sujeitos.

A pluralidade de empreiteiros também não é: a situação onde o dono da


obra dá uma obra a um determinado empreiteiro, e a dá de seguida, em outro
momento, a um outro, caso em que podemos estar, consoante os casos, perante
uma desistência tácita da primeira empreitada.

105
Na empreitada com pluralidade de sujeitos – simultaneidade e cooperação
de ambos na execução da obra.

Outra distinção: entre empreitada com pluralidade de sujeitos na posição


de empreiteiro e a empreitada com permissão de subcontratação.
Na subempreitada não há mais do que um sujeito na parte do contrato
relativa ao empreiteiro, não tendo o subempreiteiro contrato com o dono da obra.

106
Efeitos do contrato de empreitada
Direitos do dono da obra
Aquisição e recepção da obra
Face aos princípios vigentes em sede de cumprimento – 762º + 406º/1; a
obra deve ser integralmente realizada, em conformidade com o contrato, no prazo
convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua
aptidão para o uso ordinário ou previsto do contrato – 1208º

Para Pedro de Albuquerque: a aquisição e recepção da obra correspondem


à satisfação do interesse primordial da obra no contrato de empreitada.

O direito à entrega de uma obra sem vícios ou falta de qualidade implica


não só o cumprimento do projecto convencionado, mas igualmente o
cumprimento de todas as regras da arte aplicáveis à actividade do empreiteiro:
esse cumprimento está integrado no dever de cumprir pontualmente a obrigação
– 762º/1.

Existência de problemas no próprio projecto: obriga o empreiteiro a dar


conta ao dono da obra da existência desses problemas assim que os detecta: o
pedido é um cumprimento correspondente ao interesse do dono da obra, uma
obra isenta de vícios, e não um cumprimento cego do projecto, se este tiver
errado.
Se caso não informar ao dono da obra, o empreiteiro responde por
cumprimento defeituoso.
Além disso, o comitente pode, ainda, em caso de violação relevante do
dever de informação e esclarecimento do empreiteiro, pôr termo ao contrato.
O cumprimento deste dever do empreiteiro, de análise diligente do
projecto fornecido e actuação em conformidade (avisando o dono da obra,
corrigindo os defeitos do projecto, etc.), está aliás facilitado pelo regime das
alterações necessárias (1215º - oferece ao empreiteiro a possibilidade de ter
aumento de preço e prazo pela correcção do plano convencionado ou pôr termo
ao contrato).

107
Se o dono quiser continuar com a obra tal como está, apesar das indicações
do empreiteiro – posições favoráveis a que se o dono da obra, adequadamente
informado, continua a insistir na execução nos termos inicialmente
convencionados., o empreiteiro deve cumprir mas fica exonerado de
responsabilidade.
A declaração do dono da obra apenas poderá operar a título de
responsabilidade contratual entre si e o empreiteiro; segundo Pedro de
Albuquerque perante terceiros o empreiteiro não poderá ficar exonerado, se
violou o dever geral de cuidado que qualquer pessoa deve ter no tráfego jurídico
e se violou as regras que deve respeitar para executar uma determinada obra em
condições de segurança.
Para Pedro de Albuquerque, o empreiteiro pode não executar o contrato
nos termos inicialmente acordados. O interesse do dono da obra não é o único
que deve se acautelar, por exemplo, o bom nome do empreiteiro é de se ter em
conta.

A solução adequada:
1) O reconhecimento ao empreiteiro, quando isso seja na sua perspectiva
ainda razoável em função do acordado, da possibilidade de impor as
alterações do projecto ao dono da obra (mas já não a possibilidade de pôr
termo ao contrato, porque isso corresponderia a eximir-se de fazer uma
obra para a qual foi contratado, quando essa execução ainda é possível, se
as alterações forem feitas)
2) Caso o dono da obra não concorde com as alterações pretendidas pelo
empreiteiro (e eventualmente impostas pelo tribunal), não pode exigir o
cumprimento nos termos iniciais, mas pode sempre opor-se a que tais
alterações se concretizem, pondo termo ao contrato, 1229º, contanto que
indemnize o empreiteiro. É a solução que segundo Pedro de Albuquerque
é apoiada no 1215º.
Todavia se o dono da obra insistir no cumprimento do contrato, não o
denunciando, 1229º, sem as alterações necessárias e elas não puderem ser
realizadas pelo empreiteiro, designadamente, porque a sua execução pressupõe
a prática de comportamentos suscetíveis de constituírem infrações de diversa

108
natureza, ou ultrapassarem os limites do preço fixados no 1215º, ou a capacidade
técnica e empresarial do empreiteiro, este pode pôr termo ao contrato.

Fiscalização da obra
1209º - atribui ao dono da obra a faculdade de fiscalizar, à sua custa, a
execução dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da empreitada. É
assim permitido ao dono da obra controlar a forma como o empreiteiro a vem
executando, designadamente quanto a materiais utilizados, respeito pelo plano
acordado e ausência de vícios na construção. Através da fiscalização, o dono da
obra ode inclusivamente aperceber-se de que se justifica efectuar alterações ao
plano convencionado a exigir que sejam efectuadas – 1216º
A maior parte da doutrina qualificada como injuntiva esta faculdade de
fiscalização por parte do dono da obra, considerado nula a cláusula que lhe retire
esse direito.
Pedro Martinez – sustentando que através da fiscalização poderia o
comitente tomar conhecimento de certos dados técnicos que o empreiteiro não
estaria interessado em revelar.
Menezes Leitão – a melhor posição é a que considera injuntiva a faculdade
de fiscalização do dono da obra, uma vez que sem esta faculdade ele perderia todo
e qualquer controlo sobre a execução que contratou, sendo o contrato qualificável
como venda de bens futuros e não como empreitada.
A fiscalização tem que ser realizada à custa do dono da obra, podendo ser
efectuada por ele próprio ou por um comissário por si contratado. Sendo uma
faculdade do dono da obra, naturalmente que ele pode deixar de exercê-la, sem
incorrer em responsabilidade. O exercício da fiscalização não implica, no entanto,
qualquer renúncia tácita do dono da obra aos direitos resultantes da sua má
execução, mesmo que ele não se pronuncie sobre a mesma, podendo fazê-lo,
dado que o 1209º/2, determine que a fiscalização feita pelo dono da obra, ou por
comissário, não impede aquele, findo o contrato, de fazer valer os seus direitos
contra o empreiteiro, embora sejam aparentes os vícios da coisa ou notária a má
execução do contrato, excepto se tiver havido da sua parte concordância expressa
com a obra efectuada.

109
Para o prof Pedro de Albuquerque, caso se verifique uma perturbação da
obra, por acção do dono da obra ou terceiros a seu mando (800º, pelos actos
responde o dono), poderá justificar-se a atribuição ao empreiteiro do direito à
revisão do preço e/ou prorrogação do prazo de execução.

Trata-se de uma faculdade, segundo Pedro de Albuquerque, e não de um


dever do dono da obra. Não pode, pois, ser considerado ilícita a conduta do dono
de obra que não fiscaliza a execução pelo empreiteiro no caso de essa execução
causar danos a terceiro.

O exercício desta faculdade permite ao dono da obra:


1) Eventuais necessidades de alteração ao plano convencionado, decorrentes
da sua mudança de planos face à evolução da execução da obra;
2) Eventuais desvios das regras da arte ou do plano convencionado por parte
do empreiteiro, cuja detecção será exponencialmente mais difícil após a
conclusão

Podendo o dono da obra contratar quem a fiscaliza-se levanta-se questões


como, quando por exemplo, aceitar ou impuser, expressamente, um determinado
modo de executar a obra não conforme com o contrato inicial, segundo as regras
gerais do fenómeno representativo, isso equivale a um acordo expresso dado pelo
dono da obra. Destarte, não pode mais adiante invocar quaisquer direitos face ao
empreiteiro (1209º/2), sem prejuízo, obviamente, de se poder ressarcir junto da
entidade fiscalizadora (por cumprimento defeituoso da sua prestação, nos termos
gerais). Por outro lado, caso a entidade fiscalizadora exorbite os poderes
conferidos pelo dono da obra, o empreiteiro não fica obrigado a actuar de modo
conforme com essas instruções, e se o fizer, quando se deveria ter apercebido do
carácter exorbitante (ou tecnicamente erróneo) dessas instruções, será
responsável contratualmente perante o dono da obra.

110
O poder de afastar o dono da obra de fiscalizar a sua execução:
- Menezes Leitão / maioria da doutrina: defende que é uma disposição
injuntiva.
Menezes Leitão: se o empreiteiro realizar uma obra, sem que o dono possa
controlar a execução da mesma, na verdade, uma compra e venda de coisa futura
– ou seja, o poder de fiscalização será, pois, um elemento qualificativo do tipo
contrato de empreitada.

Pedro de Albuquerque concorda com a posição maioritária: na distinção


operativa entre compra e venda e empreitada, ela situa-se, precisamente, na
atenção e no controlo do processo produtivo por parte do dono da obra,
inexistente na compra e venda.
O poder de fiscalização não tem o mesmo conteúdo e extensão em todos
os contratos. As partes pode, sem sombra de dúvida, regular o exercício da
fiscalização pelo dono da obra. Mas se o conteúdo essencial for prejudicado o
contrato perde um elemento tipológico caracterizador da empreitada e
poderemos ter outro tipo de contrato.

O exercício da fiscalização não implica qualquer renúncia do empreiteiro aos


direitos resultantes da má execução, mesmo se ele, podendo fazê-lo, não se
pronunciar sobre a mesma. Isso só não sucederá, de acordo com o 1209º/2 CC, se
o dono da obra tiver dado o seu expresso consentimento à forma como a obra foi
executada.
Se o dono da obra tiver conhecimento efectivo de que o empreiteiro se
desviou do plano convencionado ou às regras de construção, no entanto nada
dizer, vindo mais tarde invocar direitos relativamente a tais defeitos de execução.

Pedro Romano Martinez: entende corresponder, nestas situações, a invocação


de direitos por parte do dono da obra a abuso de direito, na modalidade de venire
contra factum proprium.

Menezes Leitão – o 1209º/2, só na hipótese aqui prevista o dono da obra fica


impedido de invocar quaisquer direitos.

111
Para Pedro de Albuquerque – a fiscalização visa satisfazer um interesse do
dono da obra, e não garantir ao empreiteiro, no interesse deste, uma instância de
controlo externo da qualidade da sua prestação. Assim, parece não afastar a
circunstancia de o dono da obra exercer fiscalização, neste tipo de situação, o
facto essencial: a existência de um cumprimento defeituoso por parte do
empreiteiro. Por isso, em princípio, não pode entender-se a funcionar o exercício
da fiscalização de forma desvantajosa para o dono da obra, até porque em muitos
casos estaremos perante uma fiscalização exercida por um leigo, relativamente à
actividade de um profissional: o grau de controlo efectivo que tal situação
possibilita é muito relativo.
Nos termos do preceito 1209º/2 – em princípo, os direitos do comitente não
são afectados nas hipóteses por ele conhecidas. O preceito não refere situações
de conhecimento efectivo. Havendo conhecimento efectivo, não se vê razão para
beneficiar o silêncio do dono da obra e prejudicar o empreiteiro. Trata-se de uma
elemento exigência de correcção e de boa fé imposta pelo sistema.

Deveres do dono da obra


Pagamento do preço
O preço, para o prof. Pedro de Albuquerque para que haja empreitada, há
ainda a necessidade de existência de contraprestação (preço), tratando-se por
isso, necessariamente, de contrato oneroso (implicando sacrifício económico para
ambas as partes), exige-se a sua fixação em dinheiro.

O principal dever do dono da obra é o de pagar o preço. O preço na


empreitada pode ser fixado de acordo com várias modalidades, distinguindo-se
assim entre:
1) Preço global – o preço é fixado no momento da celebração do contrato,
globalmente para toda a obra. Trata-se de uma modalidade que oferece
especiais garantias para o dono da obra, uma vez que vê o preço fixado de
antemão, envolvendo, no entanto, alguns riscos para o empreiteiro,
especialmente em caso de alteração do preço dos materiais ou da
necessidade de realização de despesas não previstas. Nesta modalidade: o

112
empreiteiro não pode reclamar aumento do preço nem sequer perante
alterações autorizadas pelo dono da obra, se a autorização não for dada
por escrito, com fixação do aumento do preço, podendo apenas reclamar
a indemnização por enriquecimento sem causa – 1214º/3

Segundo, Pedro de Albuquerque só pode exigir o aumento do preço se


tiver havido alterações ao plano convencionado.
Apesar do maior risco que o empreiteiro assume na empreitada por preço
global é a maior possibilidade de ganho, como é também habitual; e isso
significa que o dono da obra não pode pedir a redução do preço global, mesmo
que os custos de produção tomados como referência pelo empreiteiro baixem,
fazendo com que a realização da obra seja menos onerosa para si (e
aumentando a sua margem de lucro).

2) Preço por artigo – o preço final variará em função do tipo e da quantidade


de artigos produzidos;

3) Preço por medida – é estabelecida uma tarifa para determinada medida


de medição, resultando o preço final da medição que vier a ser realizada
após a conclusão da obra.

4) Preço por tempo de trabalho – o preço é fixado em função do tempo de


trabalho, podendo, por exemplo ser estipulada uma renumeração diária
para o empreiteiro, vindo ele a ser pago em função do número de dias que
tiver demorado a realizar a obra.

5) Preço por percentagem – o dono da obra fornece os materiais e paga a


mão-de-obra, atribuindo simultaneamente ao empreiteiro uma
percentagem sobre o valor dos materiais e do trabalho contratados.

As partes podem estipular o preço da empreitada, utilizando apenas um ou


uma combinação de vários critérios acima referidos.
No caso de as partes não estipularem o preço – 1211º

113
Para Pedro de Albuquerque, o preço, princípio, não pode ser alterado em regra
geral, o empreiteiro não pode solicitar aumentos de preço, mesmo se os seus
custos tiverem aumentado, assim como não pode o dono da obra solicitar
diminuições do preço a pagar, se os custos do empreiteiro para a realização da
obra baixarem.

Uma vez fixado o preço, este pode vir a ser objecto de revisão. Em certos casos,
é a própria lei que impõe essa revisão, como no caso de alterações necessárias –
1215º/1, e de alterações exigidas pelo dono da obra, 1216º/2. Por outro lado, nas
empreitadas de longa duração é frequente as partes estipularem cláusulas de
revisão de preços, destinadas a acautelar-se contra os riscos de alteração do valor
dos materiais ou da mão de obra. Essa prática justifica-se já que, na ausência dessa
estipulação, há apenas a possibilidade de aplicação do regime da alteração das
circunstâncias (437ºss), o qual é bastante mais rigoroso.

O preço pode ser revisto, segundo Pedro de Albuquerque, a qualquer


momento por acordo das partes, ao abrigo da sua liberdade contratual (406p, com
concretização específica para a empreitada nos 1214º e 1217º)

1212º/2 – na falta de convenção ou uso em contrário, o preço deve ser


pago no acto de aceitação da obra. Trata-se de disposição susceptivel de
afastamento pelas partes ou existência de usso em contrário, 1211º/2.

Devido ao facto de o contrato de empreitada ter natureza sinalagmática,


se o pagamento dever ser feito faseadamente, a sua falta permite ao empreiteiro
invocar a excepção de não cumprimento do contrato (428º), recusando-se a
continuar a execução da obra até ocorrer o mencionado pagamento, tendo,
também, por consequência a indemnização dos danos moratórios sofridos pelo
empreiteiro – 804º), e no momento, pode mesmo levar à resolução do contrato
por incumprimento definitivo, se preenchidos os respectivos pressupostos
(801º/2 ou eventualmente, 0 802º/1 e 808º). O mesmo se diga nos casos em que,

114
por acordo das partes, deva o dono da obra antecipar o pagamento antes de o
empreiteiro realizar a sua prestação.

Consequência da actuação da excepção de não cumprimento pode ser a


ultrapassagem do rpazo de execução; nesse caso, impõe-se a atribuição de uma
prorrogação de prazo ao empreiteiro.

Pode o dono, também, invocar a excepção de não cumprimento, quer em caso


de incumprimento definitivo total ou parcial (por exemplo, por abandono da obra
pelo empreiteiro sem intenção de a retornar), quer em caso de cumprimento
defeituoso (execução da obra com defeitos) do empreiteiro, tendo direito a
sobrestar no pagamento até a obra se mostrar realizada integralmente sem
defeitos. Também o pode fazer, por via da excepção, em acção na qual o
empreiteiro peticione o pagamento da obra.

Não é necessário para a invocação da excepção do não cumprimento, serem


os prazos de cumprimento simultâneo, mas apenas dever a prestação do
contraente que invoca a excepção ser efectuada depois da do contraente infiel.

Verificação, comunicação e aceitação da obra


O dono da obra deve verificar e de comunicação os resultados desta ao
empreiteiro, tendo ainda o ónus de aceitação da obra, o qual pode corresponder
mesmo a um dever, quando dela dependa o vencimento da obrigação de
pagamento do preço.

Pedro de Albuquerque, o dono da obra dever verificar a obra após a sua


conclusão e antes da aceitação, visando essa actuação comprovar se ela se
encontra de acordo com o plano convencionado e sem vícios – 1218º/1. O
empreiteiro deve comunicar a conclusão da obra, bem como do dever de a colocar
à disposição do dono da obra, 1218º/2. Este último dever impõe uma conduta
positiva do empreiteiro, no sentido de facultar a obra ao seu dono, mas ainda uma

115
conduta negativa no sentido de não praticar quaisquer actos que estorvem ou
prejudiquem essa verificação.

A verificação da obra é imposta ao dono da obra pelo 1218º/1, destinando-se


que a obra se encontra nas condições convencionadas e sem vícios, podendo
qualquer das partes exigir que seja efectuada por peritos – 1218º/3. A verificação
está sujeita a prazos, que a lei fixa remetendo para os usos, ou na falta destes,
para um período razoável, após o empreiteiro ter colocado o dono da obra em
condições de a realizar.
Em termos de lugar no cumprimento, a verificação deverá ser realizada no
lugar onde são realizados os trabalhos o que, no caso das coisas imóveis, coincide
necessariamente com o lugar onde se encontra a obra. O dono da obra ou o seu
representante é que se deve deslocar ao lugar de execução dos trabalhos. As
despesas da verificação constituem normalmente encargo do empreiteiro, salvo
quando envolvam a contratação de peritos, cujo pagamento fica a cargo da parte
que o solicitou (1218º/3). Na ausência de verificação, a lei considera ter ocorrido
a aceitação da obra – 1218º/5

Discussão relativa à qualificação da posição jurídica do dono da obra quanto à


verificação.
- ónus (material ou encargo): pois o dono da oibra pode escolher não a realizar,
importanto isso um conjunto de consequências potencialmente negativas;
- verdadeiro direito do dono da obra.
- dever do dono da obra (seguindo a letra da lei, 1218º/1 e 2), no mesmo
sentido proceder à verificação da mesma (1228º/2): se o dono da obra pode estar
em mora quanto à verificação, isso indicia a existência de um dever.

Para Pedro de Albuquerque estar-se perante um encargo material. O encargo


traduz-se num dever, mas segue um regime particular: é um dever de
comportamento, funciona no interesse de outras pessoas, mas não pode por estas
ser exigido no respectivo cumprimento.

116
Relativamenre ao prazo: o primeiro critério é a vontade das partes. Na falta
de prazo: 1218º/2.

O 1218º/3 – relativamente as despesas de verificação, rege apenas o caso


especial.
Quando as despesas não decorrem por peritos, segundo Pedro de
Albuquerque correm por conta do empreiteiro, excepto se se tratar de uma
verificaçãoo com certo grau de complexidade ou duração, como nos casos em que
o dono da obra realiza testes e / ou beneficia de um período experimental, nos
quais se entende que deve ser o dono da obra a suportar os encargos. No fundo,
na ausência de critérios, a Doutrina segue o da razoabilidade e boa fé, que atenta
ao princípio beneficiado com este acto: em princípio, cabe ao empreiteiro
suportar estes custos pois são acessórios do cumprimento do seu dever de
entrega da obra; mas se a feição concreta da verificação (pela sua complexidade)
apontar para a protecção a título principal de um interesse do dono da obra, este
deverá suportá-la.

Após a verificação: existe para Pedro de Albuquerque o ónus material de


comunicar o respectivo resultado ao empreiteiro – 1218º/4. O nosso direito não
impõe qualquer forma para este acto jurídico. Aplica-se, pois, o princípio da
consensualidade (219º)

Após a realização da verificação, os resultados desta devem ser comunicados


ao empreiteiro – 1218º/4. A comunicação é um acto jurídico simples, mediante o
qual o dono de obra transmite ao empreiteiro o resulto da verificação, ou seja, se
a obra se encontra nas condições convencionadas e sem vícios, ou se, pelo
contrário, foi detectado algum vício ou desconformidade. A falta de comunicação
importa, do mesmo modo que a falta de verificação, a aceitação da obra –
1218º/5. Parece, no entanto, poder admitir-se uma comunicação provisória, como
a de que se iniciou a verificação em determinada data, mas que esta não foi
integralmente esclarecedora, sendo necessária a realização de exames
complementares.

117
A comunicação destina-se apenas a transmitir o resultado da verificação, e não
a efectuar a aceitação da obra. Pode, porém, o dono da obra incluir na
comunicação essa mesma aceitação, quer expressa, quer tacitamente – 217º.
A comunicação envolverá uma aceitação tácita da obra no caso de o dono
da obra confirmar a inteira conformidade da mesma com o plano convencionado
e a ausência de vícios – o dono da obra não poderá posteriormente efectuar uma
recusa de aceitação da obra (venire contra factum proprium, segundo Menezes
Leitão).
No caso de existência de desconformidade ou vícios da obra, admite-se, no
entanto, que o dono da obra deixe para momento posterior à comunicação dos
mesmos a sua decisão sobre a recusa a obra ou a aceita, com ou sem reserva, para
Menezes Leitão.

Para Pedro de Albuquerque, se a comunicação feita sobre a obra padecer


de defeitos, tem o significado de recusa da aceitação e denúncia de defeitos, ou
quanto muito, de aceitação com reservas e denúncia de defeitos.

Na falta de verificação e de comunicação, o silêncio tem valor declarativo


(1218º/5). Significa isto, designadamente, na hipótese de existência de vícios
aparentes na obra, não serem eles ressalvados, eximindo-se o empreiteiro da
respectiva responsabilidade (1219º/1), pois é aceitação presuntiva ou ficta
prevista pelo 1218º/5, é obviamente uma aceitação sem reservas.
Porém, note-se dever o 1218º/5 ser entendido como pressupondo
incumprimento definitivo do ónus material de verificar ou do dever de comunicar
o resultado da verificação, e não apenas mora no cumprimento. Ou seja, a
ausência da verificação da obra ou da comunicação só valem como aceitação da
obra depois de se fazer funcionar o 808º, interpelando o dono para cumprir o
dever em falta, dando para isso um prazo razoável, ou depois de o empreiteiro ter
perdido interesse no cumprimento, avaliado objectivamente. Antes disso, há
(apenas)uma situação de mora, cujo único objectivo é inverter o risco, nos termos
do 1228º/2.

118
Admite-se a possibilidade de o dono da obra fazer a denúncia dos defeitos
mesmo sem ter feito a verificação da obra, pode ocorrer, por exemplo, por o dono
da obra detectar os defeitos no exercício do poder de fiscalização, ou o
empreiteiro comunicar ao empreiteiro na conclusão da obra.
Por isso, Pedro de Albuquerque vê a situação do 1218º/5 ser apenas aquela
em que o dono da obra nada faz.

A aceitação da obra determina a transferência da propriedade sobre a mesma,


no caso de empreitada construída com matérias pertencentes ao empreiteiro –
1212º/1, pelo que passa a fazer correr por conta do dono da obra o risco que
anteriormente competia ao empreiteiro – 1228º/1.
Para além disso, a aceitação determina a irresponsabilidade do empreiteiro
por vícios aparentes ou conhecidos do dono da obra – 1218º/1 e 2, salvo se
realizada com reserva, e faz iniciar o prazo de garantia legal ou convencionado
relativamente ao outros defeitos. A aceitação da obra determina igualmente o
vencimento da obrigação de pagamento do preço da mesma, salvo se tiver sido
estipulado outro prazo, 1211º/2. Finalmente, a aceitação da obra constitui o dono
da obra no direito de exigir a sua entrega, salvo se esta estiver já na sua posse.
Menezes Leitão – sendo a aceitação uma declaração negocial, ela poderá ser
anulada por erro, dolo ou coação (247ºss). Nesse caso, todos estes efeitos serão
retroactivamente anulados.

Tem-se admitido, segundo Menezes Leitão, no entanto não corresponder a


uma aceitação tácita a denominada recepção provisória da obra, a qual se destina
apenas a permitir ao dono da obra verificar demoradamente o cumprimento do
plano e da regras de construção, pelo que não determinará a aplicação dos efeitos
da aceitação.
Se durante a recepção provisória se verificar que a obra tem defeitos,
naturalmente que o empreiteiro poderá exercer os direitos de reparação,
exigência de nova construção, resolução do contrato, redução do preço e
indemnização.

119
A lei admite ainda um caso de aceitação ficta, resultante da omissão da
verificação ou da comunicação – 1218º/5.
Romano Martinez – parece, porém, que essa falta de verificação ou
comunicação terão que ocorrer o título do incumprimento definitivo (808º)
Efectivamente, se o dono da obra, depois de avisado, recusar sem motivo
justificado a verificação e aceitação da obra, constituir-se-á em mora do credor
perante o empreiteiro (813º), o que implica a inversão do risco em caso de perda
ou deterioração da coisa (1228º/2), e permite ao empreiteiro efectuar a
consignação em depósito, sempre que a natureza da prestação o permite (841ºss).
Pode também a recusa implicar a constituição do dono da obra em mora do
devedor (805º/2 a)), no caso em que a obrigação de pagamento do preço da
empreitada se vença no momento da aceitação, como é regra geral – 1211º/2.

A aceitação a obra não é sujeita a forma especial (219º), mesmo quando a


lei exija a forma escrita para efectuar alterações ao plano convencionado
(1214º/3, ou para o próprio contrato de empreitada).

A aceitação da obra pode ser efectuada com ou sem reserva. Considera-se


que existe uma aceitação com reserva sempre que, descoberta a existência de
defeitos na obra, o dono da obra comunica ao empreiteiro que, embora
recebendo a obra, não prescinde de exerce os direitos que a lei lhe confere nessa
situação (1221ºss), para o que a lei lhe confere o prazo de um ano (1224º/1). Pelo
contrário, a aceitação é realizada sem reserva quando, descoberta ou não a
existência de defeitos na obra, o dono da obra comunica ao empreiteiro uma
aceitação pura e simples da mesma, sem fazer qualquer referência a um eventual
exercício dos direitos que a lei lhe confere face a esses defeitos. A sua omissão
tem, alias, consequências dado que a lei estabelece que nesse caso o empreiteiro
deixa de responder perante o dono da obra pelos defeitos da obra que são dele
conhecidos (1219º/1), presumindo-se ainda conhecidos os defeitos aparentes,
tenha ou não havido a verificação da obra – 1219º/2. Continua, porém, o dono da
obra a poder, no prazo de dois anos após a aceitação, a reagir perante o
empreiteiro pelos defeitos ocultos, de que só posteriormente se venha a
aperceber – 1224º/2.

120
A aceitação da obra, para Pedro de Albuquerque, determina a
transferência da propriedade nas situações do 1212º/1, e do respectivo risco,
1228º/2. Determina, ainda, a irresponsabilidade do empreiteiro por vícios
conhecidos do dono da obra e não ressalvados, e pelos vícios aparentes, que se
presumem conhecidos – 1219º/1 e 2. É ainda a aceitação da obra com reservas a
iniciar o prazo de garantia legal ou convencional sobre os defeitos ressalvados
(1224º/1). Finalmente, a aceitação da obra pode determinar ainda o vencimento
da obrigação do pagamento do preço, 1211º/1.

A aceitação pode ser feita com e sem reserva: 1219º/1 e 1224º/1.

A aceitação com reserva ocorre quando a obra têm defeitos, mas o dono
da obra a aceita, declarando não prescindir dos direitos que lhe assistem nessa
situação. As reservas podem ser feitas expressa e tacitamente (217º).

Presumem-se conhecidos os defeitos aparentes – 1219º/2. Para Pedro de


Albuquerque, ao dono da obra seria possível provar não serem, apesar de
aparentes, os defeitos suscetíveis de conhecimento. Contudo, se não verificar, não
pode ser o empreiteiro prejudicado por isso.

Outros deveres e ónus materiais acessórios (PA)


A título acessório, o dono da obra deve prestar ao empreiteiro a
colaboração essencial, que permita àquele a correcta execução do projecto. Com
efeito, a empreitada é um contrato no qual se colocam especiais exigências de
comunicação e informação entre as partes, de maneira a resolver
preventivamente quaisquer dúvidas de execução. A não ser assim, corre-se o risco
de o seu resultado final poder ser insatisfatório, com o que isso envolve de
prejuízos para ambas as partes, mesmo que os problemas sejam resolvidos.

121
Por força da boa fé, o dono da obra deve prestar ao empreiteiro todos os
esclarecimentos por este solicitados e necessários à boa execução da obra, dos
quais o dono disponha.

A entrega da coisa de intervenção ou do terreno onde irá ser construída a


obra, trata-se de um dever do dono da sem cujo cumprimento, obviamente, não
pode ter lugar o início da prestação principal do empreiteiro.

Direitos do empreiteiro
Recepção do preço
O pagamento do preço encontra-se em nexo de correspectividade com a
realização da obra, pelo que o dono da obra pode suspender o pagamento se o
empreiteiro não realizar a obra ou o fizer defeituosamente.
Por força do sinalagma, o empreiteiro poderá resolver o contrato, caso o
dono da obra incorra em incumprimento definitivo relativamente à obrigação de
pagamento do preço – 801º/2 e 808º

Segundo Pedro de Albuquerque, os créditos do empreiteiro devem ser


efeitos no prazo de prescrição presuntiva de dois anos, salvo se se verificarem as
excepções previstas do 317º/c), com todas as consequências do 313º, mas
igualmente com a sujeição às causas normais de suspensão (318º - 322º) e
interrupção (323º-327º), e ao prazo de prescrição ordinária (309º), tudo como
resultado do 315º.

Direito de retenção
Tem sido controvertida na doutrina a questão de determinar se o
empreiteiro goza ou não do direito de retenção sobre a obra que constrói, o qual,
nos termos gerais, pode recair sobre coisa móvel – 758º, ou imóvel – 759º.

Antunes Varela – sustenta a inexistência do direito de retenção do


empreiteiro – garantia excepcional, pelo que só poderá se aplicar nos casos
previstos na lei.

122
Posição rejeitada pela maioria da doutrina que claramente se pronuncia no
sentido de concessão do direito de retenção ao empreiteiro. Argumenta-se que a
empreitada não deixa de constituir uma despesa feita por causa da coisa, uma vez
que o preço corresponde à contrapartida pela incorporação na obra de materiais,
trabalho e serviços pelo empreiteiro, sendo que o empreiteiro suporta sempre
gastos, que inclui na retribuição, para além da sua margem de lucro, não devendo
esta, no entanto, ser excluída do direito de retenção, uma vez que não faria
sentido autorizar o dono a pagar apenas parte do preço da mesma para receber a
obra. – posição de Menezes Leitão.

Poderá assim o empreiteiro, caso não lhe seja pago o preço, reter a coisa
até que esse pagamento se concretize e ainda recorrer às acções de defesa da
posse, em caso de perturbação e esbulho, ainda que contra o dono (670º) a) ex vi
758º e 759º/3), podendo executar a coisa retida (675º ex vi 758º e 759º) e ainda
ser pago com preferência sobre os demais credores do devedor (666º, por força
dos 758º e 759º).

O direito de retenção do empreiteiro tanto pode ser exercido como coisas


da propriedade do dono da obra, como coisas da propriedade de terceiro, desde
que constituam objecto da empreitada. Assim, o subempreiteiro pode igualmente
exercer o direito de retenção em relação à coisa propriedade do dono da obra,
embora o seu crédito respeite antes ao empreiteiro.

Para Pedro de Albuquerque, o direito de retenção é o de repor um


equilíbrio. O empreiteiro teve um sacrifício com a realização de uma obra,
porventura, até já transitada para o património do dono (1212º). Ora, seguindo
sempre Inocêncio Telles esta passagem da propriedade da obra para o dono da
obra opera por meio de esquemas jurídico-formais o equilíbrio substantivo da
relação só é restabelecido se o empreiteiro for pago pelo sacrifício suportado.
Deve, destarte, ser-lhe reconhecido o direito de reter a coisa (e no limite, de se
fazer pagar por ela, com preferência sobre os outros credores).
A atribuição do direito de retenção ao empreiteiro significa poder ele usar
das defesas possessórias contra terceiros que pretendem desapossamento da

123
coisa e mesmo contra o próprio dono da obra (670º/a), e implica também ter o
crédito comuns, prevalecendo sobre a hipoteca, mesmo se registada
anteriormente.

Para Pedro de Albuquerque, existe o reconhecimento ao empreiteiro (ou


subempreiteiro) do direito de retenção, mesmo sobre coisas pertencentes a
entidades distintas do dono da obra. Trata-se de um tutelar um crédito baseado
numa intervenção real sobre a coisa, geradora de tempo e materiais.
Obviamente, o proprietário do bem poderá sempre responsabilizar o dono
da obra por quaisquer prejuízos que este, com a sua conduta inadimplente, lhe
tenha ocasionado – designadamente os prejuízos decorrentes da privação do uso
da coisa pelo facto de o empreiteiro ter recorrido à retenção.

O direito de retenção poder ser exercido sobre coisa própria, como no caso
de empreitada de coisa móvel construída com bens do empreiteiro – 1212º/1:
Galvão Teles + Pedro Romano Martinez não admitem essa possibilidade,
argumentando que o direito de retenção ser exercido sobre coisa alheia.
Pedro de Albuquerque, é preferível a posição de Menezes Leitão.

Deveres do empreiteiro
Realização da obra
A obrigação principal do empreiteiro é a de realização da obra, 1208º.
Daqui resulta que a execução da obra deve antes de tudo respeitar o plano
convencionado.
Em qualquer coisa, se o plano convencionado contiver erros ou defeitos
susceptíveis de comprometer a obra, não deve o empreiteiro executá-lo pura e
simplesmente sem consideração pelo resultado final, uma vez que, por força da
boa fé (762º/2), está obrigado a avisar dos defeitos o dono da obra e, ou recusar
a empreitada, ou ressalvar expressamente que não se responsabiliza pelo
resultado, caso o dono da obra continuar a pretender a sua execução naqueles
termos.

124
A realização deve obedecer ao prazo estipulado pelas partes, incorrendo o
empreiteiro em mora se desrespeitar esse prazo, independentemente de
interpelação – 805º/2 a). No caso, porém, de as partes não terem fixado o prazo
de realização da obra, seja no momento da celebração do contrato ou em
momento posterior, a obrigação não pode considerar-se como pura, 777º/1, pelo
que ele não entrará em mora com a interpelação. Trata-se de uma obrigação
natural.

Para Pedro de Albuquerque, a obrigação do empreiteiro é uma obrigação


de resultado, ela só se mostrará cumprida se a obra for entregue nos termos
técnicos apropriados.

A obrigação da realização da obra tem, prazo certo, estabelecendo as


partes, normalmente, termo inicial e final para essa execução. Nessa
eventualidade, o não cumprimento pelo empreiteiro no prazo estipulado
determina mora debitoris (805º/2 alínea a), salvo se a ultrapassagem do prazo se
dever ao dono da obra. Nessa hipótese o empreiteiro terá direito à prorrogação
do prazo de cumprimento.

Em casos onde não há fixação do prazo..


Atendendo à natureza das coisas, o prazo do cumprimento não se encontra
na total disponibilidade do dono da obra. Por isso, se as partes não fixaram prazo
de cumprimento, não estamos perante uma obrigação pura, com a consequência
de o empreiteiro não entrar em mora após a interpelação. A obrigação de realizar
uma obra é o exemplo das obrigações de prazo natural (previstas no 777º/2). Nos
termos deste preceito resulta, se for necessário, fixar um prazo para o
cumprimento e não havendo acordo das partes, ser a fixação deferida ao tribunal.
Nessas hipóteses é aplicável o processo especial de jurisdição voluntária do 146º
e 1457º CPC.

Para Pedro de Albuquerque a fixação do prazo pelo tribunal deve ser


sempre resolvido assim. Em primeiro lugar, não ser o deferimento ao tribunal da

125
fixação do prazo justificado se o dono da obra fixar um prazo tecnicamente
razoável para a sua execução.

A obrigação principal de fazer uma obra, se não foi submetida inicialmente


a prazo, só o pode ser por acordo das partes ou fixação judicial por se tratar de
obrigação de prazo natural; mas a obrigação de realizar o cumprimento perfeito
do contrato – do ponto de vista material em nada diferente da primeira – através
da eliminação dos defeitos ou nova construção, já pode ser objecto de uma fixação
unilateral pelo dono da obra, se o prazo fixado for razoável.

Fornecimento de materiais e utensílios


Uma obrigação natural do contrato de empreitada é o fornecimento de
materiais e utensílios (1210º/1). Normalmente, o contrato ou os seus anexos
especificam o tipo de materiais a utilizar na obra.
Na ausência de estipulação, a lei estabelece que os materiais devem
corresponder às características da obra e não podem ser de qualidade inferior à
média – 1210º/2.
Assim, se o empreiteiro utilizar materiais de qualidade inferior, a obra
considera-se-á defeituosa, independentemente de as partes invocarem qualquer
vício. Se utilizar materiais de qualidade superior, não pode reclamar o preço.

Se os materiais forem de qualidade inferior à média, considera-se haver


cumprimento defeituoso, segundo Pedro de Albuquerque. São atribuídos ao dono
da obra os direitos típicos nessa situação (1220ºss).

Se os materiais utilizados forem de qualidade superior à média, o


empreiteiro não pode, alicerçado nesse fundamento, reclamar aumento de preço
( se não obteve autorização do dono), pois a utilização desses materiais enquadra-
se no cumprimento das obrigações: ou seja, simplesmente a de não utilizar
materiais de qualidade inferior à média.
O regime das alterações necessárias (1215º) supondo que as regras
técnicas ou a salvaguarda de direitos de terceiros exigem o cumprimento com
materiais de qualidade superior à média o empreiteiro pode obter o

126
correspondente aumento de preço. No limite dirigir-se-á ao tribunal para fazer
valer essa pretensão.

O fornecimento de materiais e utensílios pode ser da conta do dono da


obra, por acordo ou por força dos usos.
Nessa eventualidade, o empreiteiro está dependente da entrega desses
materiais e utensílios, podendo recusar-se a iniciá-la ou a prosseguir a sua
execução na hipótese de essa entrega não acontecer, ou no caso de os materiais
e utensílios não estarem de acordo com a exigências implicadas pelo objecto do
contrato. Tal pressupõe, obviamente, ter o empreiteiro profissional o dever de
examinar os materiais fornecidos pelo dono e de comunicar eventuais
desconformidades, sob pena de responder pelos danos causados pela sua
utilização. Se mesmo assim, os materiais fornecidos apresentarem falhas as
consequências incidem sobre o dono da obra, podendo mesmo ser chamado a
responder por esse facto se ele trouxer, com culpa sua, prejuízos para a
contraparte.

Guarda e conservação da coisa


Se ao empreiteiro tiver sido confiada uma coisa por parte do dono da obra,
como sucede nas empreitadas de reparação, ou a propriedade da coisa já se tiver
transferido para o dono da obra, nas empreitadas de construção, sem que a coisa
lhe tenha sido entregue (1212º), o empreiteiro fica vinculado à guarda e
conservação da coisa perante o dono da obra, exactamente nos mesmo termos
do contrato de depósito – 1185ºss
Assim, o empreiteiro não pode usar e fruir a coisa, tendo que a aplicar
exclusivamente aos fins da empreitada. Se a coisa perecer ou se deteriorar quando
estava à sua guarda, o empreiteiro responde perante o dono da obra,
exactamente como um depositário.
A mesma obrigação de guarda e conservação recai sobre o empreiteiro,
em relação aos materiais que lhe tenham sido entregues pelo dono da obra, no
caso de se ter convencionado que seria este a fornecer os materiais.

127
Em caso de perecimento ou deterioração, vale a presunção de culpa do
799º. O dever de custódia abrange ainda os materiais eventualmente fornecidos
pelo dono e ainda não incorporados na obra, segundo Pedro de Albuquerque. O
empreiteiro não pode usar ou fruir da coisa objecto da empreitada, ou da própria
obra durante a sua execução e depois de terminada. Relativamente aos materiais
e utensílios que lhe foram entregues, tem de os utilizar exclusivamente para a
execução da empreitada.

Entrega da coisa
Obrigação essa que naturalmente só surge após a conclusão da obra, salvo
se o dono da obra dela desistir.
Em relação ao prazo, não havendo prazo estipulado para a obrigação, esta
deverá considerar-se pura, pressupondo a interpelação do dono da obra para a
entrega. Em princípio, essa interpelação só poderá ocorrer simultaneamente ou
após a aceitação da obra, salvo se as partes tiverem convencionado a sua recepção
provisória.

Já quanto ao local de entrega, a entrega constitui uma obrigação de


colocação, cabendo ao dono da obra ir buscar a coisa ao lugar onde ela se encontre
– 773º/2.

O momento de entrega, segundo Pedro de Albuquerque, é relevante a


vários títulos: 1217º; 1224º/2 e 1225º/1.

Na eventualidade de não ter sido estipulado prazo para o seu


cumprimento, discute-se se o vencimento do dever de entrega da obra se verifica
logo aquando da aceitação, para Menezes Leitão e para Pedro de Albuquerque
está dependente da interpelação pelo dono da obra (777º/1).

A entrega da obra propriamente dia não é considerada como uma


obrigação de prazo natural, Pedro de Albuquerque, pois só a obrigação de realizar
a obra o é.

128
Também não concorda com o vencimento da obrigação de entrega no
momento da aceitação. O 1228º não pode ter por sentido afastar as
consequências gerais da mora do devedor obrigado a entregar a coisa certa, entre
as quais se contra a inversão do risco 807º/1.

Outros deveres acessórios (PA)


O empreiteiro tem ainda um conjunto de outros deveres acessórios,
decorrentes da boa fé.
Assim, o empreiteiro tem um conjunto de deveres de informação
destinados a permitirem ao dono da obra exercer de maneira eficaz os seus
direitos ao abrigo do contrato: o empreiteiro deve fornecer todos elementos a
prestar todas as informações que lhe forem solicitadas pelo dono sobre a obra
realizada, designadamente para permitir o exercício adequado do poder de
fiscalização e a realização de uma verifica da obra que seja consciente e informada.

O empreiteiro, devido às exigências da boa fé, avisar o dono da obra, por


norma um leigo na matéria, contra intervenções desmedidas, desproporcionadas
ou arriscadas.
Caso o empreiteiro tomar uma empreitada iniciada por outro, chamar a
atenção do dono para eventuais imperfeições existentes na parte da obra já
realizada e sugerir meios de os resolver.

O empreiteiro deve, ainda, entregar, juntamente com a própria obra, todos


os documentos, trata-se desde logo uma obrigação decorrente do 882º/2 previsto
para a compra e venda mas aplicável a empreitada.

Transferência da propriedade da obra


A transferência da propriedade no âmbito da empreitada apresenta um
regime especial.

1212º - que distingue consoante a empreitada abranja coisas móveis ou


coisas imóveis- empreitadas de construção, uma vez que, ocorrendo uma
empreitada de modificação ou reparação de coisa pertencente ao dono de obra,

129
não se colocam questões de transferência da propriedade, a qual permanece no
dono da obra.

Para Pedro de Albuquerque o regime do 1212º é um regime supletivo.

Empreitada de construção de coisa móvel


Se os materiais forem fornecidos no todo ou na sua maior parte pelo
empreiteiro, é a este que é atribuída a propriedade da obra, a qual só se transmite
para o dono da obra com a sua aceitação (1212º/2). Se, nesta hipótese, o dono da
obra fornecer alguma menor parte dos materiais, perde a propriedade dos
mesmos, a qual se transfere para o empreiteiro com a sua incorporação na obra,
continuando o dono da obra a adquirir a sua propriedade apenas com a aceitação.

Se os materiais forem fornecidos pelo dono da obra, são propriedade dele,


tornando-se também sua propriedade a obra, logo que esteja concluída – 1212º
/1 in fine. – não é relevante a aceitação, uma vez que a coisa nunca deixa de ser
propriedade do dono da obra.
Nesta situação, se o empreiteiro fornecer uma parte reduzida dos
materiais, o dono da obra adquire a propriedade dos mesmos com a sua
incorporação na obra, continuando esta a ser da sua propriedade, sem
necessidade de aceitação.

Para Pedro de Albuquerque, em matéria de risco, estando o risco, em


princípio, vinculado à propriedade, isto significa, se o dono da obra a aceitou, mas
não a recebeu de imediato, ter o risco já sido transferido. O empreiteiro deixa de
suportar o perecimento ou deterioração fortuitos, e passa a responder apenas se
violou o seu dever de custódia.

Se as coisas são do dono da obra, ela não perde a propriedade sobre elas
e adquire-a sobre a obra completa, quando ela é terminada (e não com a aceitação
ou com a entrega) – 1212º/12, 2ª parte.

130
Empreitada de construção de coisa imóvel
1212º/2 - este regime derroga as regras da acessão pelo que, mesmo que
a parte fornecida pelo empreiteiro em termos de trabalho e materiais supere o
valor do solo, a coisa considera-se sempre como propriedade do dono da obra.

Há uma lacuna: empreitada em terreno próprio do empreiteiro. – ao lado


da empreitada uma promessa de venda do solo ou da superfície para o dono da
obra, ocorrendo a transmissão da propriedade com a celebração da compra e
venda, antes ou após a realização da obra. Nesta situação, os materiais,
independentemente de quem os forneça, vão sendo adquiridos pelo empreiteiro,
à medida que vão sendo incorporados no solo, só passando para o dono da obra
após a definitiva aquisição do imóvel construído.

Pedro de Albuquerque, nos imóveis, se o solo ou superfície pertencerem


ao dono da obra, é ele o proprietário da coisa, mesmo se os materiais forem
fornecidos exclusivamente pelo empreiteiro, transmitindo-se a propriedade sobre
os bens à medida que são incorporados no solo – 1212º/2.

Risco de deterioração ou perecimento da obra( PA)


O artigo 1228º/1 reafirma o princípio geral, presente no 796º/1. Deve
articular-se este regime com o da transferência de propriedade no âmbito da
empreitada. Deve apurar-se o proprietário. Era segundo o regime do 1212º/2 o
proprietário da obra é o dono do solo. Pode mesmo estabelecer-se a seguinte
regra geral: o perecimento ou deterioração fortuitos da obra são suportados por
quem for o seu proprietário na altura do prejuízo.

Deve distinguir-se o risco de perda ou deterioração dos materiais a utilizar


nela, mas ainda não incorporados, a regra é do 796º/1. Assim, se o empreiteiro
tinha armazenado no local da construção materiais da sua propriedade para
serem utilizados na obra e os mesmos perecerem, por caso fortuito, será ele a
suportar o risco. Se os materiais eram do dono da obra, o risco pertence-lhe: ele
fica obrigado a obter novos materiais sem custos para o empreiteiro.

131
O 1228º/2 (desvio), ao fazer recair o risco sobre o dono da obra, no caso
de ele estar em mora quanto à verificação ou aceitação.

O regime do risco do 1228º não deve fazer esquecer ter o empreiteiro o


dever de custódia sobre as coisas submetidas à sua guarda.
O regime de risco – 1228º, surge, sistematicamente, numa relação com o
da impossibilidade objectiva de cumprimento do contrato, 1227º.

Para se compreender esta distinção.


Aplicarem-se as regras sobre o risco a todas as situações de perecimento
ou deterioração da obra, seja ou não impossivel executar o contrato. Tal significa
se uma obra, a meio da sua execução, vier a perecer por caso fortuito e os
materiais tiverem sido fornecidas pelo empreiteiro, o risco corre por sua conta –
1228º/1 e 1212º/1, 1ª parte. Destarte, ele suporta o prejuízo da perda dos
materiais; mas isso não significa, em princípio, a respectiva dispensa da obrigação
de realizar a obra. Ao contrário, esse dever mantém-se e ao dono da obra não
pode ser exigido nenhum aumento de preço ou prorrogação do prazo de
execução. Isto salva, evidentemente, a aplicação do instituto de alteração das
circunstâncias (437º), ou a demonstração, pelo empreiteiro, da circunstância de o
evento gerador da deterioração ou o perecimento do trabalho, já realizado, ter
ultrapassado o risco próprio do contrato.

132
Vicissitudes do contrato de empreitada
Delimitação negativa das alterações ao plano: as instruções integradoras do dono
da obra e as opções livres do empreiteiro PA
Há espaços em branco a serem preenchidos num projecto que carecem de
ser preenchidos, podendo o ser unilateralmente.
Referindo, o poder do dono da obra a emitir simples instruções
complementares do projecto se de pequena importância, suscetíveis de poderem
considerar-se integrados na ordem natural da execução do contrato.
A autonomia do empreiteiro e de certa liberdade que ele tem na sua
execução.

Estas duas realidades não representam, nesta perspectiva, alterações ao


contrato, sujeitas ao respectivo regime, pois a possibilidade da sua existência é
condição do regular cumprimento do pactuado, nos termos do dever de boa fé –
762º/2.

Alterações ao plano convencionado


Alterações da iniciativa do empreiteiro
O regime das alterações da iniciativa do empreiteiro encontra-se no
1214º/1 variando esse regime consoante se trate de alterações autorizadas ou não
autorizadas pelo dono da obra.
Em relação às alterações não autorizadas, estas são proibidas ao
empreiteiro – 1214º/1, o que se encontra em harmonia com o princípio da
estabilidade dos contratos, 406º/1.
Segundo Pedro de Albuquerque, se o empreiteiro considerar, por qualquer
motivo (que não se enquadre na previsão do 1215º), poder o plano convencionado
ser alterado (motivos estéticos, de funcionalidade da obra, de adaptação do plano
convencionado) deve efectuar proposta nesse sentido ao dono da obra. A
proposta tem natureza negocial, assim como a respectiva aceitação: se esta
ocorrer, ter-se-á operado um acordo modificativo do contrato inicial, 406º/1.

Caso o empreiteiro viole esta proibição, a lei considera a obra defeituosa –


1214º/2, mesmo que efectivamente o não seja, sendo que essa ficção jurídica

133
permite ao dono da obra exercer os direitos que lhe são reconhecidos pelo 1218º.
Se, no entanto, o dono da obra decidir aceitar a obra tal como foi efectuada, não
fica obrigado a qualquer suplemento do preço, nem a indemnização por
enriquemcimento sem causa – 1214º/2 in fine.
Segundo Menezes Leitão, o facto de se considerar a obra como defeituosa
leva a que o legislador não determine qualquer revisão do preço, nem sequer
admita a restituição dos benefícios suplementares que a alteração vem
proporcionar ao dono da obra.
Para Pedro de Albuquerque o 1214º/2 tem a opinião que se deve restringir
o âmbito de aplicação se a alteração tiver resultado em valorização objectiva da
obra, sem desvalorização subjectiva. Ou seja, sem prejudicar interesses atendíveis
do dono da obra na realização da obra sem a alteração.
EX: o dono da obra exigir a substituição de materiais qualidade superior à
contratada, por outros de qualidade média.
Não pode o empreiteiro usar o regime do enriquecimento sem causa, nem
o dono da obra o de coisa defeituosa.

Relativamente às alterações autorizadas pelo dono da obra, há que


distinguir consoante para a obra tenha sido fixado um preço global ou não.

Para Pedro de Albuquerque, na empreitada por preço global (só nesta), se


a autorização for dado pelo dono da obra, mas não revestir forma escrita com a
indicação do aumento do preço, o empreiteiro tem direito (apenas) ao
enriquecimento sem causa (1214º/3).

Nas restantes modalidades de empreitada, as alterações da iniciativa do


empreiteiro não precisam de ser autorizadas, mesmo se tiver sido utilizada a
forma escrita ou outra mais solene. Isto significa que, nas empreitadas por preços
unitários ou por medido, a simples autorização do dono da obra às alterações,
mesmo se verbal, dá ao empreiteiro o direito ao aumento do preço. Isto implica a
utilização de matérias que não estavam previstos, e na falta de acordo das partes,
aplicam-se as regras gerias de fixação do preço, 1221º + 883º.

134
Porém, se as partes celebrarem o contrato por escrito, isso limita as
possibilidades de prova do empreiteiro respeitante à existência de autorização
pelo dono, não sendo admissível a prova testemunhal – 394º. É, destarte,
fortemente aconselhável a redução a escrito deste tipo de alteração ao programa
contratual, independentemente da modalidade de empreitada contratada.

Alterações necessárias
1215º
Não abrange aqui o facto de se ter tornado mais onerosa ou difícil a
execução da obra, caso em que o empreiteiro apenas poderá suscitar a questão
da alteração das circunstâncias – 437ºss.
Não se abrange situações devidas a factos imputáveis às partes, caso em
que é aplicável o regime geral do incumprimento das obrigações.

Perante uma situação de alterações necessárias, devem as partes


estabelecer por acordo quais as alterações a efectuar e os termos em que estas
ocorrerão. Na falta de acordo, caberá ao tribunal determinar essas alterações e
fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução da
obra – 1215º/1 in fine. O acordo quanto às alterações necessárias não está sujeito
à forma escrita, 1214º/3, para as alterações autorizadas da iniciativa do
empreiteiro, podendo ser celebrado por qualquer forma 219º

1215º/2 – se o preço for elevado em mais de 20%, face ao valor inicialmente


considerado, o empreiteiro pode “denunciar” o contrato e exigir uma
indemnização equitativa.
A indemnização do empreiteiro deve tomar em consideração os custos
suportados por este, quer em termos de trabalho e materiais, bem como a
utilidade económica que a já realizada proporciona ao dono da obra. Não abrange
os lucros cessantes que o empreiteiro poderia obter com a obra, uma vez que
tendo sido este a realizar a denúncia, não deve ter direito a esses lucros, segundo
Menezes Leitão. A ratio é a proibição do enriquecimento sem causa.

135
O 1215º, segundo Pedro de Albuquerque, parece estar fundado na lógica
de que as alterações necessárias são sempre de aumento do preço, contudo
podem implicar a sua redução. Nesta situação:
1) Entender ter o dono da obra direito à diminuição da contraprestação a
pagar ao empreiteiro, na medida da diminuição do custo. Tal significa para
o empreiteiro a perda de parte da sua renumeração.
2) Aplicar o disposto no 1216º/3, o empreiteiro mantém o direito à
renumeração inicialmente convencionada, deduzida apenas do que
eventualmente tenha utilizado em outras aplicações da sua actividade.

No caso do empreiteiro ter feito as alterações necessárias sem o


consentimento do dono da obra.
Para Antunes Varela aplicava-se o 1214º/2 e 3 – fazem depender de decisão
judicial a determinação das alterações necessárias, se as partes não chegarem a
acordo sobre a matéria.
Pedro de Albuquerque não concorda, por esta aplicação ser para obras
voluntárias ou dispensáveis. Elas não correspondem ao cumprimento de regras
técnicas ou salvaguarda de direito de terceiros.

A resolução passa, para Pedro de Albuquerque, pela construção de uma


solução adequada ao caso, atendendo as exigências da boa fé e a necessidade de
evitar o enriquecimento injustificado.
Assim, se o empreiteiro procedeu as alterações (efectivamente)
necessárias sem avisar o dono da obra, deve ser ressarcido do preço respectivo
por inteiro. Se o dono aceitar a obra nos termos executados não se justifica uma
consequência negativa para o empreiteiro. Através da aceitação dos trabalhos
necessários e do conhecimento deles, o dono da obra sá o seu acordo tácito a
alterações efectuadas, afinal, em proveito da boa execução da obra ou da
salvaguarda de direitos de terceiros perante si.
Já se o dono da obra, tomando conhecimento desses trabalhos a posteriori,
demonstrar, de modo persuasivo, não corresponderem eles à sua planificação
subjectiva, poderá exigir a respectiva eliminação, nos termos do 1214º/2, 1ª parte
(sendo a obra tida por defeituosa). Se a eliminação não for possível ou só o for

136
com grande desproporção de meios, deve existir ressarcimento na medida estrita
do enriquecimento do dono da obra, por força das regras gerais (473ºss)

Alterações exigidas pelo dono da obra


1216º - verifica-se em sede de empreitada um desvio à regra de que o
contrato não pode ser modificado por declaração unilateral de uma das partes –
406º/1, o que se compreende, face às vantagens que pode conferir ao dono da
obra o exercício desta faculdade, exigindo-se, no entanto, que não seja
prejudicado o empreiteiro.

No âmbito da empreitada, o dono da obra só pode exigir alterações no


plano convencionado se o seu valor não exceder a quinta parte do preço (limite
quantitativo) estipulado e não houver modificação da natureza da obra – 1216º/1.
Este constitui um limite global à faculdade de modificação do dono da obra, pelo
que haverá que somar todas as alterações por este solicitadas, para averiguar se
já foi ultrapassado esse limite, perdendo o dono da obra a faculdade de exigir
novas alterações. Nada impede, no entanto, o empreiteiro de aceitar esse pedido,
ao abrigo da faculdade geral de modificação co contrato por acordo das partes,
406º/1

Segundo Pedro de Albuquerque, as alterações impostas pelo dono não


podem alterar a natureza da obra. Ou seja, têm de se limitar a algo ainda
compreendido no que possa ser considerado necessário, ou pelo menos oportuno
ou proveitoso, para a obra acordada, tendo em conta as necessidades inicialmente
expressas no plano convencionado.
Se a alteração que o dono da obra pretende introduzir envolver alteração
da natureza da obra, aplica-se o 1217º.
A notificação ao empreiteiro das alterações ao abrigo do artigo 1216º está
sujeita à liberdade de forma (219ºCC).

Cabe ao empreiteiro a prova que o dono da obra solicitou estas alterações


– 342º/2 + 799º, segundo Menezes Leitão.

137
O empreiteiro tem direito ao aumento do preço determinado pelos novos
trabalhos (reequilíbrio financeiro do contrato) e do prazo da obra (se tal aumento
de prazo for necessário, o que nem sempre acontecerá – 1216º/2).
Se o volume da despesa e trabalho do empreiteiro venha a ser diminuída
em consequência das alterações. – 1216º/3. Ou seja, o empreiteiro mantém o
direito ao preço, mas o dono da obra tem a faculdade de deduzir, com base no
enriquecimento sem causa (473º), os benefícios que proporcionou ao
empreiteiro, em virtude das alterações que determinou.

Alterações posteriores à entrega e obras novas


Trabalhos que extravasam da relação de empreitada estabelecida entre as
partes, ou porque essa relação se extinguiu definitivamente com a entrega da obra
(alterações posteriores à entrega) ou porque a obra realizada não tem
correspondência com o conteúdo do contrato vigente entre as partes (obras
novas).

Alterações as modificações ao plano convencionado que não lhe alterem a


sua natureza, nem revistam autonomia em relação às obras inicialmente previstas
no contrato, como sejam as modificações quanto à estrutura e dimensão da obra,
tipo de materiais, tempo ou lugar de execução.

Obras novas aquelas que, tendo embora alguma relação com a obra
projectada, não só não são necessárias para a sua realização, como não podem
considerar-se parte dela.

As alterações posteriores à entrega constituem, pelo contrário,


verdadeiras alterações, mas seguem o mesmo regime das obras novas, dado que
a entrega encerrou definitivamente a relação de empreitada, tendo portanto que
se considerar inexistir título contratual para a realização ou solicitação de
alteração. Efectivamente, após a entrega da obra, o empreiteiro torna-se
completamente estranho à mesma, não lhe devendo assim ser aplicado o regime
das alterações da iniciativa do empreiteiro – 1215º, e muito menos pode o dono

138
da obra continuar a exigir alterações à mesma, mesmo que ainda não tivesse
ultrapassado os limites legais.

1217º - regime especial, equipara para efeitos de regime, duas situações


bem diversas:
- as alterações posteriores à entrega
- obras novas
Há um traço de unidade: trata-se, em ambas as hipóteses, de alterações
ou obras situadas fora da relação contratual estabelecida.
As obras novas: mesmo tendo alguma relação com a obra contratada, não
são necessárias para a sua realização nem fazem parte dela.

Se forem solicitadas por iniciativa do dono da obra, o empreiteiro não está


vinculado a realizá-las, seja qual for o seu valor. Se o aceitar fazer pode exigir um
preço totalmente diferente do estabelecimento no contrato inicial, uma vez que
se trata de um contrato totalmente distinto do anterior. – liberdade contratual
do 406º. Tal como para as alterações.

Se provierem da iniciativa do empreiteiro, o dono da obra pode recusá-las


ou exigir a sua eliminação, se esta for possível ou uma indemnização pelo prejuízo
– 1217º/2.
Se, no entanto, o dono da obra decidir aceitá-las, terá que indemnizar o
empreiteiro de acordo com as regras da acessão – 1340º e 1341º, da gestão de
negócios – 464ºss; ou do enriquecimento sem causa – 473ºss. Não se aplica neste
caso o 1214º/2, uma vez que não se está perante meras alterações da iniciativa
do empreiteiro e não existe idêntico regime em relações às alterações depois da
entrega e obras novas.

139
Subempreitada
1213º/1 – a subempreitada é o contrato pelo qual alguém se obriga
perante o empreiteiro a executar a obra de este está encarregado ou uma parte
dela. Aqui trata-se, assim, de um sub-contrato de empreitada, em que o
empreiteiro assume a posição de dono da obra perante um novo empreiteiro. A
realização de subempreitadas é muito frequente na área da construção, não
apenas porque o encargo de realização integral da obra é normalmente
demasiado volumoso para ser executado exclusivamente pelo empreiteiro, mas
também porque a construção é uma actividade muito especializada, o que implica
que partes da obra tenham que ficar a cargo de entidades com mais perícia na
matéria.

1213º/2 + 264º - aplicando-se assim as mesmas regras do mandato, pelo


que a subempreitada só será admissível se for autorizada pelo dono da obra,
segundo Menezes Leitão, ou da relação que o determina.
A doutrina tem, no entanto, considerado que a autorização para a
celebração de subempreitada não tem que constar especificamente do contrato,
podendo resultar dos usos, sendo que considerar que, sempre que a empreitada
envolva actividades de especial tecnicidade, fora do alcance do empreiteiro, existe
uma autorização implícita para a subempreitada.

Para o prof. Pedro de Albuquerque o contrato de subempreitada é admito,


segundo o 264º, nos casos em que:
1) Se o dono da obra o aceitar;
2) Se o contrato de base (entre o dono da obra e o empreiteiro) o permitir,
ou, na ausência de autorização expressa ou tácita ou de cláusula
contratual;
3) Se isso for necessário para a execução da obra.

Na nossa Doutrina, segundo Pedro de Albuquerque, tem admitido uma


espécie de habilitação tácita de recurso a subempreiteiros. Destarte, mesmo se o
contrato não estipula essa habilitação, ela deve ter-se por existente, excepto se se

140
demonstrar ter sido ele celebrador em função das particulares qualidades do
empreiteiro, ou seja, excepto se se demonstrar a infungibilidade da prestação.
A solução, há-de resultar, casuisticamente, das disposições do acordo
realizado e, sobretudo, do seu objecto.
Esta solução pode ser justificada segundo três vias:
1) Considerar resultar do 264º/1, devidamente interpretado, e,
particularmente, da alusão nele feita à relação jurídica base, salvo
situações excecionais, nas quais resulta, do próprio acordo ou da natureza
da prestação, a impossibilidade de substituição do empreiteiro – uma
admissibilidade de princípio de comissário subcontratar ou usar auxiliares,
dado não ser, por norma, infungível a sua prestação;
2) Por fazer apelo ao disposto do 1213º/2 e à circunstância de este preceito,
ao remeter para o 264º/1, determinar dever a aplicação deste último ser
feita com as necessárias adaptações. Ora, essas adaptações passariam,
justamente, por, atendendo à circunstância de na empreitada a prestação
ser tida por fungível, se admitir em regra a substituição do empreiteiro e
só se julgar proibida a utilização de terceiros na eventualidade de se apurar
– em hipóteses especificas – haver, por interpretação do pactuado entre
as partes ou em razão da natureza da prestação, falta de permissão do
dono da obra.
3) Ver a norma com alteração da realidade histórico social ou da situação
pressuposta pela norma. Estar-se-ia, pois, diante de uma situação de
superação da norma por obsolescência. Estaria em vez do 1312º/2, uma
outra norma, que permite ao empreiteiro subcontratar, desde que a
empreitada não tenha sido celebrada tendo em vista especificamente as
qualidades do empreiteiro, o que terá de ser provado pelo dono.

O regime civil da empreitada não estabelece nenhuma relação directa


entre o dono da obra e o subempreiteiro, apenas admitindo o exercício por aquele
da acção sub-rogatória – 606ºss: princípio da relatividade dos contratos (406º/2)
e as regras do concurso de credores – 604º/1.

141
Admite-se, no entanto, conforme acima referido que, em caso de não
pagamento, o subempreiteiro possa exercer o direito de retenção, o qual é
naturalmente oponível ao dono da obra.

Em virtude da ausência de relações directas entre o dono da obra e o


subempreiteiro, se a obra apresentar vícios, o dono da obra apenas poderá reagir
com o empreiteiro, que por sua vez exercerá direito de regresso sobre o
subempreiteiro, 1226º. Exceptua-se, no entanto, 1225º, uma vez que, sendo o
empreiteiro responsável pelo prejuízo causado a qualquer terceiro adquirente,
naturalmente que também o subempreiteiro será nessa hipótese directamente
responsável perante o dono da obra.

Uma vez que a relação do subempreiteiro se estabelece perante o


empreiteiro é a este, que o subempreiteiro ser considerada defeituosa perante o
empreiteiro, se este obteve dele essa autorização 1214º/2. O empreiteiro deve,
porém, obter do mesmo modo autorização do dono da obra para a alteração, sob
pena de este poder considerar a obra como defeituosa na relação com ele, caso
em que o empreiteiro nem sequer poderá o direito de regresso sobre o
subempreiteiro (1226º). No caso, porém de o dono da obra fixada por preço
global, autorizar verbalmente a alteração de realizar pelo subempreiteiro, a qual
não foi, no entanto, autorizada pelo empreiteiro, questiona-se o subempreiteiro
poderá reclamar do nodo da obra directamente a restituição do enriquecimento
sem causa.
Também relativamente às alterações necessárias na subempreitada –
1215º, o acordo para a sua realização deve ser celebrado entre empreiteiro e
subempreiteiro, cabendo àquele obter a aprovação do dono da obra, podendo, no
entanto, caso não o consiga recorrer ao tribunal para fixar na empreitada as
modificações exigidas pelas alterações necessárias na subempreitada. Há, porém,
toda a conveniência em que o acordo para as alterações ou a demanda judicial
respectiva envolva as três partes, em ordem a evitar os problemas colocados pela
separação de dois contratos.
Relativamente às alterações exigidas pelo dono da obra – 1216º, entende
Carvalho Fernandes, que as mesmas podem ser directamente exigidas por este ao

142
subempreiteiro – Menezes Leitão: discorda – a parte do contrato é o empreiteiro,
pelo que a exigência deve-lhe-á ser dirigida, cabendo ele escolher se recorre para
as alterações ao subempreiteiro ou se as realiza por outra via. É, alias, o
empreiteiro que adquire o aumento do preço e do prazo para a realização da obra,
e não o subempreiteiro, a menos que o próprio empreiteiro lhe exija a alteração.

Uma vez que a subempreitada é um contrato dependente da empreitada,


a extinção desta por qualquer causa, nomeadamente a desistência do dono da
obra – 1229º, faz extinguir o contrato de subempreitada, aplicando-se o regime
do 1227º. Pode, porém, o empreiteiro desistir da mesma forma da subempreitada,
ao abrigo do 1229º, mantendo-se em vigor a empreitada. Neste caso, porém, o
empreiteiro continua vinculado perante o dono da obra a realizar os trabalhos que
eram objecto de empreitada. Neste caso, porém, o empreiteiro continua
vinculado perante o dono da obra a realizar os trabalhos que eram objecto da
subempreitada, não podendo reclamar deste qualquer acréscimo de custos
causado pela sua desistência.

No caso de contra o disposto no contrato ou indicado pelo dono da obra,


ter recorrido a subempreitada, entende, segundo Pedro de Albuquerque, um
sector da doutrina como fundamento de nulidade do contrato de subempreitada,
embora tal nulidade siga um regime especifico: pode ser invocada apenas pela
parte nela interessada: o dono da obra.

Para Pedro de Albuquerque caso tal aconteça: é uma situação de


incumprimento do contrato, gerador de responsabilidade contratual do
empreiteiro perante o dono e inoponobilidade do contrato de subempreitada.
Detectada durante a execução da obra, a subempreitada não autorizada pode ser
impedida pelo dono, e por ele imposta a substituição do subempreiteiro irregular
por um auxiliar do empreiteiro (ou por outro subempreiteiro por si autorizado).
Não é fundamento para indemnização. Contudo, depende, também da
existência de dano.
No entanto, se a subempreitada se verifica em contrato realizado em
função das especiais qualidades do empreiteiro – qualidades do sujeito foram

143
parte do objecto do contrato – tal poderá significar uma perda apreciável do valor
assumido pelo dono pela obra realizada. Terá de se ponderar, se o dono da obra
poderá fazer actuar os meios típicos do cumprimento defeituoso, como a recusa
da obra e a exigência de realização pessoal pelo empreiteiro, a redução do preço
ou mesmo a resolução do contrato.

O recurso a subempreiteiros não exonera o empreiteiro das respectivas


responsabilidades assumidas perante o dono da obra: o empreiteiro permanece
inteiramente responsável perante o segundo por todos os defeitos da prestação,
mesmo se eles decorrerem exclusivamente da culpa do subempreiteiro. Nos
termos do 800º/1, o empreiteiro responde, perante o dono da obra, pela
totalidade das imperfeiçoes ou falhas da prestação originadas pelo
subempreiteiro. Os auxiliares são tanto os trabalhadores dependentes do
empreiteiro, como os seus subempreiteiros e todos os outros ajudantes, mesmo
autónomos.

Na eventualidade de ser chamado a responder perante o dono da obra, o


empreiteiro possui simplesmente o direito de regresso face ao subempreiteiro.
Trata-se do efeito do 1226º. Para Pedro de Albuquerque não existe este direito de
regresso se o empreiteiro aceitou a prestação do subempreiteiro sem reservas,
extisindo vícios aparentes dessa prestação, depois detectados e denunciados pelo
dono da obra ao empreiteiro. Se o empreiteiro não se salvaguardar perante os
vícios aparentes perde a possibilidade de os exercer, nos termos do 1219º.

Relativamente a prazos de caducidade, sobre cumprimento defeituoso,


parece que deve seguir os 30 dias a partir da recepção dessa denuncia, sob pena
de caducidade do direito de regresso, 1226º. É a partir do momento da entrega da
obra ao dono da obra (inicial) que o preço releva.

Não representa fundamento de não pagamento, pelo empreiteiro, ao


subempreiteiro, pela sua parte da empreitada, o não ter recebido o preço do dono
da obra principal. – estamos perante dois contratos autónomos. Mas não assim o
é quando está clausulada “pay-when-paid”.

144
Relações entre o dono da obra e o subempreiteiro
A subempreitada é uma substituição do empreiteiro na execução da obra.
O dono da obra tem um interesse directo na obra. Por isso deve ser admitido, na
perspectiva de Pedro de Albuquerque a possibilidade de ligações e vínculos
directos entre dono da obra e empreiteiro.
É importante verificar em dois domínios:
1) O de saber se o subempreiteiro tem direito, face ao dono da obra, de exigir
o pagamento do preço da subempreitada que não tenha ainda sido
satisfeito pelo empreiteiro;
2) E o de averiguar se o dono da obra tem direito de exigir ao subempreiteiro
a reparação de defeitos da obra.

O dono da obra goza face ao subempreiteiro, de acção directa,


designadamente para exigir a reparação de defeitos da obra:
Pedro Romano Martinez: admite
Menezes Leitão: nega-a, em princípio – mantém-se, fiel, que a relação do dono
da obra é com o empreiteiro, 1226º.
Pedro Albuquerque: pode o dono da obra ter acção directa, o 1226º expressa
apenas uma opção necessariamente reconhecida ao dono da obra – a de agir junto
do empreiteiro ou junto do subempreiteiro.

Relativamente ao direito de exigir o pagamento ao dono da obra: a


renumeração fixada pelo empreiteiro com o subempreiteiro não é,
decididamente, aspecto que deva ser considerado no âmbito das preocupações
do dono da obra.

Há uma diferença entre as prestações: a prestação do subempreiteiro


interessa ao dono da obra e deve ser conforme ao projecto inicialmente aprovado
por ele, por se tratar do seu destinatário final. Diversamente, a prestação do
empreiteiro ao subempreiteiro não interessa ao dono da obra, por ele não estar
obrigado a satisfazê-la nem ter sido a estabelecê-la ou a definir os seus termos.

145
Pedro de Albuquerque admite, apesar de com dúvidas, essa possibilidade,
por motivos de equilíbrio da relação e pelo facto de o dono da obra beneficiar
directamente do trabalho realizado pelo empreiteiro, nas hipóteses de não ter
havido pagamento, pelo comitente, ao empreiteiro. Não deve esquecer-se ter o
subempreiteiro direito de retenção sobre a coisa e poder exercê-lo contra o dono
da obra, até ser pago pelo seu trabalho e despesas.

146
O regime das perturbações da prestação no contrato de empreitada
1218ºss – atribui ao dono da obra os direitos de eliminação dos defeitos,
nova construção, redução do preço, resolução do contrato e indemnização.
A existência de defeitos indica um cumprimento defeituoso do contrato de
empreitada, tendo a exigência do defeito que ser provada pelo dono da obra –
342º/1. Pode, porém, o empreiteiro demonstrar que não teve culpa na verificação
do defeito, 799º/1, caso em que o dono da obra deixa de ter direitos que lhe são
conferidos pelo 1221ºss

As claúsulas de exclusão da responsabilidade do empreiteiro são nulas –


809º.
Modalidades de perturbações da prestação
Do 1208º é possível retirar essencialmente quatro situações de
perturbações da prestação:
1) Desconformidade da obra em relação ao que foi convencionado;
2) Vícios que excluam ou reduzam o valor da obra;
3) Vícios que excluam ou reduzam a aptidão da obra para o seu uso ordinário;
4) Vícios que excluam ou reduzam o valor da obra para o uso previsto no
contrato.

Desconformidade – não implica que a obra tenha necessariamente um valor


negativo ou uma patologia: basta que se verifique uma falta de coincidência com
o programa contratual, como na hipótese de se encomendar uma mobília de cor preta e o empreiteiro fazer de
cor castanha.

Não interessa se é uma valorização ou desvalorização da obra. Quando a


desconformidade é realizada intencionalidade corresponde a uma alteração da
obra de iniciativa do empreiteiro – 1214º/1; a qual, se for realizada sem
autorização, permite igualmente a aplicação dos remédios do cumprimento
defeituoso – 1214º/2.

Vício – vai implicar a apreciação negativa da obra, seja em termos de valor, seja
em termos de funcionalidade normal, seja em termos de funcionalidade para o
fim contratualmente previsto. Ambas as situações constituem, no entanto,

147
modalidades de perturbações da prestação, levando à aplicação de remédios para
o cumprimento defeituoso.

Situações de irresponsabilidade do empreiteiro


Existe uma exclusão da responsabilidade pelos defeitos conhecidos pelo
dono da obra, sendo que em relação aos defeitos aparentes existe uma presunção
de conhecimento pelo dono da obra, que permite igualmente excluir a
responsabilidade.

A presunção de conhecimento dos defeitos, embora seja ilidível por prova


em contrário (350º/2), pode na prática tornar-se inilidível, se não tiver havido a
verificação da obra. Segundo Menezes Leitão, se o conhecimento dos defeitos
aparentes se continuar a presumir, mesmo demonstrada a não verificação da obra
– 1219º/2 in fine, não se vê que forma poderá o dono da obra ilidir nesse caso a
presunção.

A exclusão da responsabilidade pelos defeitos aparentes e conhecidos do


dono da obra ocorre ainda se tiver ocorrido a omissão da verificação ou
comunicação. Efectivamente, esta situação determina a aceitação da obra –
1218º/5, a qual, por ser realizada com reserva, desencadeia igualmente a exclusão
da responsabilidade, 1219º.

A verificação – não é justo, segundo Menezes Leitão, que uma pessoa com
conhecimentos que o comum das pessoas normalmente não possui conseguir
fazer uma verificação de perito.

O direito de eliminação dos defeitos


O primeiro direito do dono da obra, em caso de incumprimento defeituoso,
por parte do empreiteiro, é o da eliminação dos defeitos, através da qual se
pretende a colocação da obra em conformidade com o respectivo contrato,
através da reparação dos vícios nela detectados.

148
A reparação deve ser solicitada pelo dono da obra ao empreiteiro, que está
obrigado a realizá-la, a mesmo que o defeito se encontre aqueles pelos quais não
responde – 1218º/1 e 2.
No caso de o empreiteiro se recusar a reparar o defeito, deve o dono da
obra obter a condenação dele nessa prestação, podendo na execução requerer
que a reparação seja efectuada por outrem à custa do empreiteiro – 828º.
No caso de a prestação do empreiteiro corresponder a uma prestação
infungível, o dono da obra pode solicitar a aplicação ao empreiteiro de uma sanção
pecuniária compulsória, até que ele proceda à reparação integral dos defeitos –
829ºA nº1.

Se o dono da obra recorrer a terceiros ou ele próprio elimina o defeito –


perda do direito ao ressarcimento das despesas com a eliminação do defeito.
Parece, no entanto, se admitir com base no 336º, quando a urgência não
consinta qualquer dilação e o empreiteiro não dê mostras de ir proceder à
reparação dos defeitos, que o dono da obra proceda ele mesmo a essa reparação,
com direito de reembolso sobre o empreiteiro.
Da mesma forma, a recusa de eliminação dos efeitos ou o abandono da
obra por parte do empreiteiro permite ao dono da obra desencadear a reparação
dos defeitos com recurso a terceiro, com possibilidade de exigir o competente
reembolso ao empreiteiro.

O direito de eliminação cessa – 1222º/1, se as despesas forem


desproporcionais em relação ao proveito.

A eliminação dos defeitos da obra deve ser efectuada pelo empreiteiro à


sua própria custa.

O direito de exigir nova construção


Se os defeitos não puderem ser eliminados, o dono da obra tem a
faculdade de exigir nova construção – 1222º/1. Este direito do dono da obra
aparece como subsidiário em relação à eliminação dos defeitos. Esta

149
impossibilidade tem que ser verificado objectivamente, não ficando dependente
da apreciação, quer do dono da obra, quer do empreiteiro.

A pretensão de exigir nova construção não é excluída pelo facto do dono


da obra ter efectuado a aceitação da mesma, com ou sem reserva.
Efectivamente: da aceitação sem reserva resulta apenas a exclusão da
responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos aparentes e conhecidos do dono
da obra, nada impedindo este de exigir essa mesma responsabilidade em relação
a defeitos ocultos, os quais podem perfeitamente justificar a pretensão da nova
construção. E quanto à aceitação com reserva, dela não se pode inferir uma
renúncia do dono da obra à exigência de nova construção, a pretexto de a obra
ainda representar alguma utilidade para ele.

O direito de redução do preço


1222º/1 + 1222º/2 + 884º - direito de exigir a redução do preço.

A redução do preço torna-se então, para além da indemnização – 1223º, o


único remédio que a lei confere ao dono da obra, nos casos em que esta revesta
alguma utilidade para ele, dado que a opção pela resolução do contrato apenas
pode ser exercida no caso de os defeitos tornarem a obra inadequada aos fins a
que esta se destina.

Ao contrário da indemnização, que não é excluída 1223º, a redução do


preço não se destina a permitir compensar os danos causados ao dono da obra
por dedução no preço a pagar ao empreiteiro, mas apenas a estabelecer a
adequada correspondência económica entre esse preço e o valor da obra
realizada, abatendo-se a diferença o preço estipulado e o que o teria sido para a
sua realização naqueles termos. Por esse motivo, se a parte afectada estiver
discriminada no contrato, como parcela do preço global, procede-se à eliminação
dessa parcela. Não existindo a discriminação, a redução é feita por avaliação –
1221º/1 + 884º

150
O direito de resolução do contrato
1222º/1, in fine, o dono da obra pode ainda pedir a resolução do contrato
se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.
- Situações de natureza objectiva, como a de a obra não permitir a realização dos
fins normais à mesma;
- Situações de natureza subjectiva, como a de não permitir realizar os fins
desejados pelo dono da obra.

Se, no entanto, do contrato ou das suas circunstâncias não resultar o fim a


que a obra se destina, atender-se-á a sua função normal das obras da mesma
categoria (913º/2 analogia).
No conceito de inadequação: casos de falta de qualidades essenciais +
totalmente distinta da encomendada

A resolução do contrato tem efeitos retroactivos – 433º, 434º, 289º


Ex: O dono da obra fica desonerado da obrigação de pagar o preço, podendo exigir
a sua restituição, já o tiver cumprido adiantadamente.

Direito de indemnização
1223º - limita-se aos danos não eliminados pelo exercício dos direitos
anteriormente referidos.

O direito de indemnização, segundo a maior parte da doutrina e da


jurisprudência, é subsidiário.

A caducidade dos direitos do dono da obra


Relativamente aos defeitos aparentes ou conhecidos do dono da obra
estes devem ser denunciados na comunicação do resultado da verificação –
1218º/4

A aceitação sem reserva não elimina, porém, a responsabilidade do


empreiteiro em relação a defeitos ocultos, existindo, no entanto, o ónus de
efectuar a denúncia dos mesmos no prazo de 30 dias, após o seu descobrimento

151
(1220º/1). Dispensa-se, no entanto, a denúncia se o empreiteiro reconhece a
existência do defeito (1220º/1), posteriormente a aceitação da obra.
Nem a denúncia nem o reconhecimento são sujeitos à forma especial –
219º, podendo qualquer das declarações ser efectuada expressa ou tacitamente
(217º/1).

Efectuada a denúncia do defeito dentro do prazo, o dono da obra dispõe


de um ano para instaurar a acção correspondente, sob pena de caducidade dos
seus direitos – 1224º/1. Se, no entanto, tiver aceite a obra sem conhecimento da
existência dos defeitos, o prazo de caducidade conta-se a partir da denúncia, ainda
que em nenhum caso os direitos possam ser exercidos depois de decorrerem dois
anos após a entrega da obra (1224º/2). Exceptua-se, no entanto, o regime especial
para as empreitadas destinadas a longa duração (1225º).

Os direitos do dono da obra em empreitadas de imóveis destinados a longa


duração
1225º
A lei atribui neste tipo de empreitada um direito de indemnização
autónomo que acresce aos direitos do 1219º.

A aplicação do 1225º depende, em primeiro lugar, de a empreitada ter por


objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis,
destinados por sua natureza a longa duração.

Depende de se verificar a ruína total ou parcial da obra ou o surgimento de


defeitos derivados do vício do solo ou da construção, modificação ou reparação
ou de erros na execução dos trabalhos. Para Martinez, a responsabilidade é
subjectiva, vícios dos actos.
Para Menezes Leitão – uma responsabilidade objectiva resultante de uma
garantia legalmente concedida ao dono da obra neste tipo de empreitadas, que
lhe permite responsabilizar o empreiteiro pela ruína da obra ou pelos defeitos que
ela apresenta, desde que resultem dos factos.

152
Para o professor só defeitos graves é que justificação a aplicação desta
garantia.
Também, devido ao objectivo da longa duração: mesmo com defeitos
conhecidos pode ser aplicado esta especialidade do regime.

Para se aplicar exige-se que a ruína da obra ou os defeitos que se


verifiquem no prazo de 5 anos ou no prazo da garantia convencionado.
O prazo de cinco anos começa a correr a partir da entrega da obra,
parecendo, no entanto, dever-se a equiparar à entrega a situação em que o dono
da obra se recusa a recebê-la. Uma vez que estamos perante um prazo de
caducidade e não prescrição, o referido prazo não se suspende ou se interrompe.

O regime específico da empreitada de bens de consumo

Extinção do contrato de empreitada


Impossibilidade de cumprimento e o risco pela perda ou deterioração da obra
790º - absoluta, objectiva e definitiva.
Por causa não imputável a nenhuma das partes se torna impossível a
execução da obra, naturalmente que o empreiteiro fica exonerado da obrigação
de a realizar.

1227º - determina a liberação do empreiteiro em relação à obrigação de a


realizar, mas também vai extinguir a obrigação do dono da obra em pagar o preço
da empreitada.

Admite, porém, que o empreiteiro venha adquirir o direito a uma


compensação pelo trabalho executado e pelas despesas realizadas. Trata-se de
uma forma equitativa de repartir as consequências da impossibilidade de
execução da obra, já que, embora o dono da obra possa não tirar proveito do
trabalho e despesas realizados pelo empreiteiro, na medida em que a execução
da obra se tornou impossível, a verdade é que as desesas e trabalho foram
realizadas no interesse do dono da obra, e este normalmente adquire a
correspondente propriedade da parte já realizada da obra, pelo que é justo que

153
ele as compense, até porque o empreiteiro também perde o direito à
renumeração convencionada para a empreitada.

Risco pela perda ou deterioração da obra


O risco do perecimento ou deterioração da obra corre por conta do seu
proprietário. Assim, haverá que aplicar as regras do 1212º

Se perecer enquanto for propriedade do empreiteiro – o que sucederá se


for ele a fornecer os materiais na empreitada de coisas móveis ou se ele for o dono
do solo nas empreitadas de construção de imóveis – o risco correrá por sua conta.

Se a coisa perecer, sendo o dono da obra o seu proprietário – o que


sucederá se for ele a fornecer os materiais nas empreitadas de construção de coisa
móvel, ou se for ele o dono do solo nas empreitadas de construção de imóveis –
já o risco correrá por conta do dono de obra.

Mesmo sendo o empreiteiro o proprietário da obra, o risco da empreitada


pode correr por conta do dono da obra, no caso de este se encontrar em mora
quanto à verificação ou aceitação da coisa, já que, 1228º/2, essa situação produz
a inversão do risco por essa perda ou deterioração.

Desistência do dono da obra


1229º
Não deixa de existir uma obrigação de indemnização pelo interesse
contratual positivo.

A desistência da empreitada é uma faculdade que a lei coloca no arbítrio


do dono da obra, pelo que é de exercício livre, não tendo este que apresentar
qualquer motivo para a sua realização, nem sendo susceptível de apreciação
judicial. A desistência pode realizar-se a todo o tempo, até ao momento da
conclusão da obra: o empreiteiro coloca o dono da obra em condições de efectuar
a sua verificação, uma vez que a partir dessa data ele não pode afastar mediante
a desistência que, alias, seria de nenhum efeito, uma vez que o seu fim é o de

154
obstar à conclusão da obra. A desistência não tem efeitos rectroativos: o
contrato de empreitada, tendo efeitos apenas para o futuro, liberando o
empreiteiro do dever de concluir a obra, mas atribuindo ao dono da obra o direito
à parte já executada.

Morte ou incapacidade do empreiteiro


1230º/1 a empreitada em princípio não se extingue por morte de nenhuma
das partes, sendo os direitos e as obrigações resultantes do contrato objecto de
sucessão, nos termos gerais – 2024º-
Pode, porém ocorrer que, no momento da celebração do contrato tenham
sido tomadas em conta as qualidades pessoais do empreiteiro, corresponde assim
a prestação deste a uma prestação infungível. Não pode ser objecto de sucessão
– 2025º/1.
Nesse caso – a morte ou incapacidade do empreiteiro determinará a
extinção da empreitada: 1230º/1 in fine.
1230º/3 – determina que o empreiteiro ou os seus herdeiros adquiram o
direito à indemnização pelo trabalho executado e despesas realizadas.

155
Responsabilidade contratual do empreiteiro por defeitos da obra: um regime
especifico de cumprimento defeituoso, PA
A responsabilidade contratual das partes no contrato de empreitada segue
o regime geral. Existe, porém, uma especificidade: a respeitante ao cumprimento
defeituoso da prestação do empreiteiro.
Assim, as regras gerais em matéria de responsabilidade obrigacional são
aplicáveis a ambas as partes, se os pressupostos se verificarem.
Ex: se um empreiteiro, por motivo a ele imputável, completar a obra com atraso
face à data estipulada, haverá, verificados os respectivos pressupostos,
responsabilidade contratual por mora no cumprimento – 805º/2/a e 804º CC.
Se o empreiteiro deixar a obra sem a concluir estamos perante a modalidade de
incumprimento parcial.

Importante no referente a prazos: o incumprimento contratual, no


exercício do direito à indemnização está sujeito ao prazo geral de prescrição (20
anos – 309º CC). Além disso, certas acções a adoptar pelo dono, se pretender fazer
valer os seus direitos – por exemplo, solicitar primeiro ao empreiteiro a reparação
dos defeitos antes de propor acção indemnizatória – só são exigíveis no regime do
cumprimento defeituoso em matéria de defeitos da obra, mas já não o são para o
exercício dos direitos decorrentes do incumprimento definitivo da obrigação de
realizar a obra.

Existe uma particularidade no regime: o regime do cumprimento


defeituoso da prestação do empreiteiro se geradora de defeitos na obra.

Responsabilidade do empreiteiro por vícios de Direito


Poderão verificar-se:
1) Se o empreiteiro utilizar para a construção da obra um terreno sujeito a
ónus ou limitações (por exemplo, hipoteca, ou direitos reais de gozo como
o usufruto, a servidão ou o uso e habitação);
2) O mesmo se dirá se o empreiteiro utilizar na realização da obra projectos
ou patentes tutelados por direitos de propriedade intelectual a favor de
terceiros

156
3) Ou se houver, sobre a obra, garantias a favor de terceiro, antes da
transferência da propriedade para o dono;
4) Ou, ainda, se fizer parte da prestação do empreiteiro, como obrigação
acessória, o fornecimento de bens móveis e depois, se vier a saber serem
objecto de limitações, por exemplo, à utilização, à circulação ou à
comercialização
5) Finalmente, se a execução perfeita da obra pressupuser a entrega de uma
obra devidamente licenciada e isso não acontecer, por razão imputável ao
empreiteiro.

Para Pedro de Albuquerque aplica-se as regras do 939º CC, da venda de bens


onerados.

Nas últimas hipóteses, podemos aplicar o regime do 1218º.

Responsabilidade contratual e os deveres de protecção e outros deveres


acessórios do empreiteiro
O facto ilícito, culposo e danoso imputável ao empreiteiro no âmbito da
execução de um contrato de empreitada pode não assumir relevância exclusiva
no plano dos deveres de prestar, sendo possível a respectiva projecção,
igualmente, no plano dos deveres de protecçao ou outros deveres acessórios. Isso
é verdade não só para todos os terceiros face à relação contratual, suscetíveis de
serem afectados pela sua execução, mas também nas relações entre as próprias
partes.

Na verdade, o empreiteiro pode ser responsável por violação das regras


que esteja obrigado a cumprir.

Os danos causados a meros terceiros enquadram-se no regime de


responsabilidade delitual.

Pedro Romano Martinez propõe, no tocante aos donos provocados na


esfera do dono da obra, uma distinção entre danos circa rem e danos extra rem.

157
Danos extra rem seriam os verificados de modo autónomo face ao objecto
da prestação. Ou seja, são danos em outros bens do credor não abrangidos pelo
objecto do contrato de empreitada.
Ex: numa simples obra de remodelação de um prédio fossem lesados bens
patrimoniais ou a integridade física do dono da obra
Aplicam-se a disciplina da responsabilidade delitual. Responsabilidade por
violação de deveres de protecção, dependendo o seu regime da fundamentação
dogmática para eles encontrada.

Danos circa rem são todos os demais. Traduzem-se genericamente em


todos quantos indicam directamente sobre o objecto da prestação ou esteja,
perante ela, numa relação de nexo incindível. Incluem-se:
- os danos decorrentes da perda ou diminuição do valor do bem;
- o valor da eliminação dos defeitos, nas hipóteses em que o credor o suporte e
depois o exija ao empreiteiro;
- os custos de diagnostico dos defeitos
- a diferença de preço face ao bem substitutivo, na eventualidade de resolução do
contrato;
- os lucros cessantes: rendas, alugueres e outras perdas ou despesas derivadas da
privação do uso de um bem;
- despesas judiciais, necessárias para fazer valer as pretensões do dono da obra.
Aplicam-se a disciplina do cumprimento defeituoso, 1219ºss

Pedro de Albuquerque não considera esta separação feita por Martinez. – atende
mais de a Menezes Leitão.

158
Exclusão e limitação legais da responsabilidade
Relativamente à responsabilidade do empreiteiro por defeitos da obra, a
regra é a sua dependência de culpa na execução da prestação, embora esta culpa
se presuma – 799º

O empreiteiro pode iludir a presunção de culpa do 799º CC demonstrando


ter o defeito origem numa causa a ele absolutamente estranho e insusceptível de
ser evitada. Tem razão a Doutrina ao afirmar não bastar ao empreiteiro provar ter
exercido ou realizado uma actividade diligente de execução da obra, se não se
apurar claramente:
- a causa do defeito;
- a não imputação dessa causa ao empreiteiro, pois, nessa hipótese, funciona a
presunção da culpa e o empreiteiro é responsável.

Uma das situações de exoneração da responsabilidade do empreiteiro é a


de defeitos de materiais ou projectos fornecidos pelo dono da obra, geradores de
defeitos da própria obra e não detectáveis pelo executante. Com efeito, o
empreiteiro deve conhecer o seu ofício. Porém, exclui-se a responsabilidade se
não era de todo possível detectar tais defeitos no momento da execução da
prestação, ou se, tendo os mesmos sido referidos ao dono da obra, este tiver
insistido na realização da obra nos termos pactuados.
Vale, também, para o vício do solo onde a obra foi construída: se o
empreiteiro exerceu todas as diligências exigidas pelas regras da arte e as mesmas
não permitiram detectar o vício do solo, tendo-o detectado e notificado ao dono
da obra, este insistiu na construção nos termos acordados, não pode haver
responsabilização.

Não exonera o empreiteiro da sua responsabilidade a circunstância de ter


recorrido a terceiros para o cumprimento das suas obrigações – 800º.

Duas eventualidades que também redundam na exoneração do


empreiteiro por defeitos da sua prestação:

159
- a hipótese dos defeitos detectados durante a fiscalização e objecto de acordo
expresso do dono da obra, 1209º/2
- os defeitos conhecidos e aparentes não ressalvados pelo dono no momento da
aceitação da obra – 1219º.

O evento fortuito: pode não exonerar o empreiteiro pelos defeitos da sua


prestação. Se por circunstância fortuita, um bem móvel construído com materiais
do empreiteiro se deteriorou após a sua execução, mas ainda antes de o dono da
obra estar em mora relativamente à sua verificação; ou se, por acidente fortuito,
sofreu, quando ainda estava a ser construída um defeito indetectável, apenas
manifestado após a entrega, o risco dessa situação e dos seus efeitos (a eliminação
dos defeitos, construção de obra nova, redução do preço, etc) impende sobre o
empreiteiro (1228º e 1212º/1). Não sobre o dono da obra. Isto significa ser o
empreiteiro obrigado a repor a conformidade a suas expensas. Já nas mesmas
hipóteses, mas onde os materiais fossem fornecidos pelo dono da obra, o risco é
deste último. Destarte, os efeitos da reposição da conformidade são dele (por
exemplo, terá de pagar ao empreiteiro os trabalhos e os materiais necessários à
eliminação dos defeitos, se o quiser fazer valer).
Para Pedro de Albuquerque, apesar disso, não se abdicar-se do princípio
da culpa enquanto pressuposto da responsabilidade por defeitos. Nestes casos,
não chega, em rigor, a haver defeito, enquanto expressão de cumprimento
defeituoso, porque não chega a haver facto ilícito: nenhuma obrigação do
empreiteiro é incumprida, ocorre apenas um facto “nu”, traduzido na existência
de uma discrepância não é imputável a nenhuma das partes e por isso a regulação
dos seus efeitos é atribuída às regras supletivas ou convencionais estabelecidas
em matéria de risco.

Modificações convencionais da responsabilidade


As partes terem a possibilidade de regularem os efeitos do não
cumprimento das obrigações, e, consequentemente, de o fazerem também em
sede de empreitada: o regime da responsabilidade do empreiteiro pode ser
alterado convencionalmente.

160
É aplicável a empreitada o 809ºss, a proibição de renúncia antecipada aos
direitos emergentes do não cumprimento das obrigações.

Problema particularmente debatido é o da possibilidade de redução


convencional dos prazos estabelecidos para a caducidade dos direitos do dono de
obra.
O problema ganha particular acuidade nas situações previstas no 1225º/1,
relativo à responsabilidade do empreiteiro por defeitos em obras em imóveis de
longa duração, onde se refere que o empreiteiro será responsável durante o prazo
de cinco anos ou o prazo de garantia convencionado.

Para Pedro de Albuquerque, o 1225º, estabelece uma linha injuntiva


mínima. Isto é: apenas pode ser fixado um prazo de garantia superior. Este regime
de responsabilidade por defeitos em imóveis de longa duração reveste natureza
imperativa, como decorre da imposição de transferência dos direitos do dono da
obra para o terceiro adquirente – 1225º/1, parte final. Esta transferência, também
não pode ser impedida por convenção em sentido diverso, sob pena de se
defraudar o regime estipulado. Abrangidos por esta natureza imperativa parecem-
nos igualmente os prazos de denúncia e de caducidade do direito de acção
previstos para a hipótese dos imóveis de longa duração – 1225º/2 e 3.

Relativamente aos demais prazos consagrados (1220º/1 e 1224º), sendo


em vista estarmos perante bens de outra natureza, não parece justificar-se o
mesmo grau de limitação da liberdade contratual. Pedro de Albuquerque entende
que deve haver alguma hesitação, ser de admitir a redução convencional desses
prazos – 330º/1. Além disso, as convenções relativas a prazos não poderem
redundar numa violação indirecta do 809º, ao privar o dono da obra do tempo
mínimo razoavelmente acessório para se aperceber de eventuais imperfeições de
prestação do empreiteiro e para reagir contra as mesmas. Nem se diga
desproteger a solução demasiado a posição do dono da obra, pois, a propósito do
regime da empreitada de consumo, o regime da empreitada de consumo, o regime
de defeitos constante no 1219º ss não se aplica às situações onde mais importa
proteger o dono da obra – precisamente, as situações da empreitada de consumo.

161
Nestas últimas hipóteses, onde o dono da obra consumidor se coloca face ao
empreiteiro profissional numa situação merecedora de especial tutela, é proibida
toda a redução convencional de prazos (10º do Decreto-lei nº67/2003)-

Problema: saber até que ponto a intervenção simultânea ou posterior de


outros empreiteiros na obra realizada pode apresentar fundamento de exclusão
da responsabilidade do empreiteiro por defeitos da sua prestação.
É frequente nos contratos de empreitada de uma disposição dessa
natureza, onde a assunção de responsabilidade do empreiteiro por algum defeito
apresentado na obra está dependente da ausência de alguma intervenção
posterior de terceiros na obra realizada.
Tais estipulações, porém, só poderão admitir-se exprimirem um
pressuposto básico da responsabilidade civil (o do nexo de imputação entre a
conduta e o dano): o pressuposto da responsabilidade do empreiteiro apenas por
defeitos a ele imputáveis.
Para Pedro de Albuquerque é diferente o caso é a exclusão da
responsabilidade pelo simples facto de intervenção de terceiro na obra, se se
provar estar a razão do defeito na prestação do empreiteiro inicial. Admitir a
desresponsabilização do empreiteiro pelos defeitos da sua prestação, em virtude
da mera intervenção de terceiro, redundaria na violação do 809º.

Pode haver uma extensão da responsabilidade do empreiteiro para lá do


resultante do regime supletivo.
1) Do aumento convencional dos prazos de responsabilidade do empreiteiro.
2) É vulgar estabelecer-se estipulações de garantia propriamente dita, onde
se prescinde da culpa do empreiteiro para o funcionamento da
responsabilidade, ou estipulações no sentido de a existência de defeitos
abrirem, ao dono da obra, directamente, a possibilidade de recorrer a um
terceiro para resolver os problemas, imputando o respectivo custo ao
empreiteiro.

162
Transmissão dos direitos emergentes da responsabilidade
O direito de empreitada regula apenas de forma parcelar e incompleta o
fenómeno da transmissão dos direitos do dono da obra emergentes de situações
de responsabilidade do empreiteiro por defeitos da mesma.

A transmissão convencional destes direitos não parece colocar dúvidas


particulares, face ao 577º: se o dono da obra tem direito à reparação – 1221º/1,
de um problema mecânico no seu automóvel, objecto de trabalhos de reparação
ao abrigo de um contrato de empreitada, e vende esse automóvel a um terceiro,
poderá seguramente incluir no negócio a transferência do seu direito diante do
empreiteiro, sem possibilidade de oposição do empreiteiro a tal negócio. A
transmissão destes direitos pode mesmo verificar-se tacitamente, no âmbito do
negócio celebrado com o tertius.

Na ausência de estipulação, a transmissão dos direitos do dono da obra


pode operar para o adquirente? A dúvida suscita-se em atenção ao princípio da
relatividade dos contratos (406º/2), pois a transmissão de tais direitos do dono da
obra para terceiro encontram-se expressamente previstas, apenas, para as
hipóteses de defeitos em imóveis de longa duração – 1225º/1.

163
Regime geral de responsabilidade por defeitos
Defeitos da obra
O conceito essencial em matéria de cumprimento defeituoso do contrato
é o de defeito de obra (1208º, 1218º e ss). Na verdade, pelos defeitos
apresentados pela obra em resultado da prestação do empreiteiro responde
1219º ss.
Se o defeito existir já em potencia na obra no momento da entrega, a sua
manifestação, mesmo se posterior, evidentemente não desresponsabiliza o
empreiteiro, pois é a sua manifestação defeituosa a gerar essa manifestação.

Os defeitos da obra verificam-se perante a desconformidades entre a


prestação devida e a prestação efectuada, incluindo a obra apresentar uma
desconformidade com o acordado.
Existem duas categorias de defeitos:
1) Os vícios, susceptíveis de serem sinteticamente identificados como as
divergências entre a obra realizada e um padrão comum, determinado
segundo as regras de arte aplicáveis;
2) As desconformidades, em sentido estrito, representativas de uma
divergência com o estipulado entre as partes, traduzidas, destarte, num
desvio face ao plano acordado (por exemplo, o projecto de construção
previamente aprovado pela entidade competente).

As desconformidades são desvios ao projecto inicialmente estabelecido entre


as partes, dado a origem a obra diferente da acordada, e abrangem desde
afastamento das opções técnicas ou estéticas do projecto, até à utilização de
materiais diferentes dos convencionados.
A desconformidade, diversamente do vício, não implica um juízo negativo
objectivo, de censura sobre a obra realizada ou os materiais utlizados.

Pertence ao dono da obra a prova da existência dos defeitos, como factos


constitutivos do seu direito (342º/1). Feita essa prova, o empreiteiro deverá
provar não se deverem eles ao cumprimento defeituoso da sua prestação.

164
A distinção entre as hipóteses de incumprimento parcial e de cumprimento
defeituoso (ou seja, de defeitos da obra).
A distinção é relevante pela circunstância de apenas aos defeitos ser de
aplicar o regime do 1218ºss.
O incumprimento parcial segue o regime dos 798ºss.

O incumprimento parcial é um vício meramente quantitativo, consubstancia-


se na falta de elementos que exercem uma função própria na obra, uma função
individualizada e autónoma no âmbito global da obra; porém se a falta de
determinado material (ou determinada quantidade dele) se dilui no conjunto dos
materiais constitutivos da obra, sem papel específico, estamos perante um
defeito.
O defeito corresponde sempre a uma deficiência, um vício qualitativo.

Situações de irresponsabilidade do empreiteiro


1219º - hipóteses de irresponsabilidade do empreiteiro.
1) A aceitação da obra, com conhecimento dos defeitos da mesma, faz cessar
a responsabilidade do empreiteiro por esses defeitos;
2) Presumem-se conhecidos, para esse efeito, os defeitos aparentes.

O regime em matéria de defeitos atribui relevância fundamental e duas


classificações de defeitos:
1) À distinção entre defeitos conhecidos e defeitos não conhecidos por um
lado (1219º/1 e 2, 1224º/2)
2) E uma outra, não inteiramente coincidente com essa, diferenciadora entre
defeitos aparentes e defeitos não aparentes (ou ocultos), presente no
1219º/2 e 1220º/1

Assim, são tidos por conhecidos, em primeiro lugar, os defeitos efectivamente


percebidos pelo dono da obra (conhecimento psicológico), sejam eles ocultos ou
aparentes. O dono da obra, na verdade, pode ter conhecimento direto de defeitos
ocultos. São, alias, múltiplas as hipóteses de isso se verificar. Pense-se, entre
outras, nas seguintes:

165
1) O dono acompanhou pessoalmente a execução da obra e assistiu à
realização defeituosa de uma sua parte;
2) Ou, porventura, um trabalhador do empreiteiro comunicou-lhe a
existência desse defeito;
3) Ou até o próprio empreiteiro confessou a existência desse defeito, durante
a fiscalização da obra ou a sua verificação.

Nestas hipóteses: a aceitação sem reservas importa a desresponsabilização do


empreiteiro por tais defeitos.

São igualmente tidos por defeitos conhecidos as situações de existência de


dever de conhecimento: vale aqui um conceito ético de boa fé: o
desconhecimento com culpa equivale ao conhecimento. Nessa medida haverá
uma certa sobreposição das hipóteses de dever de conhecimento com outro
conceito: o de defeitos aparentes. Assim, são desde logo aparentes os detectáveis
por um bónus pater famílias colocado na situação concreta a apreciar.
Relativamente a defeitos ocultos, a aceitação não desresponsabiliza,
809ºCC, fala-se a esse propósito na existência de uma reserva implícita dos
defeitos ocultos, mesmo se tiver existido aceitação sem reservas.

Há que ter em consideração o padrão de diligência.

Denúncia de defeitos
Os direitos do dono da obra na eventualidade de cumprimento defeituoso
exigem denúncia no prazo de 30 dias (1220º) a contar da data da sua descoberta.

Se o empreiteiro por sua iniciativa reconhece o defeito, o dono da obra fica


desobrigado a fazer a denúncia, pois o reconhecimento é a ela equivalente
(1220º/2).
Não é inteiramente claro o sentido do 1220º/2 - a sua aplicação determina
que a partir do reconhecimento do defeito pelo empreiteiro começam a correr os
prazos para o dono da obra exercer os direitos sob pena de caducidade dos
mesmos (1224º e 1225º/2 e 3).

166
Pode acontecer que o empreiteiro reconheça os defeitos após a denúncia
– não se aplica o 1220º/2.

Deve estender-se à empreitada o regime vigente em matéria de defeitos


do bem vendido, do 916º/1, segundo o qual, se o vendedor tiver usado de dolo
para ocultar ou manter em erro o comprador sobre os defeitos do bem, não há
ónus de denunciar o defeito.
Deve entender-se poderem os direitos do dono ser invocados mesmo após
o decurso dos prazos no 1224º e 1225º. A partir do conhecimento dos defeitos, o
dono tem o prazo de um ano (1224º/1, mas esta hipótese, como se disse, sem
sujeição ao limite dos dois anos previstos no 1224º/2, e também, no 1225º/2 e 3,
para os imoveis de longa duração, igualmente sem sujeição ao limite dos cinco
anos) para exercer judicialmente os seus direitos.

Não há requisito de forma, 217ºss

Recurso da obra
O primeiro dos direitos atribuídos ao dono da obra – 1224º/1.

Na verdade, o dono, perante a apresentação, pelo empreiteiro, de uma


obra não moldada, segundo o 1208º, pode simplesmente recusar-se a recebê-la.
Para isso, deve indicar os motivos da recusa e a forma de a ultrapassar. Deverá,
por isso, exercer um dos demais direitos (eliminação dos defeitos, nova
construção, etc.) que lhe são atribuídos.

Só há dever de aceitação de uma obra conforme o plano convencionado


sem vícios.

A recusa da aceitação tem, ainda, um mero efeito de relevo: o de bloquear


a transferência da propriedade, se esta depender da aceitação pelo dono – 1212º.
Esta recusa, por ser justificada, não representa mora do dono da obra. O risco pelo
perecimento ou deterioração do bem por caso fortuito permanece na esfera
jurídica do empreiteiro (1228º).

167
Eliminação de defeitos e realização de obra nova
Tanto o dever de eliminar os defeitos da prestação – todos os defeitos, sem
distinção da respectiva gravidade ou da desvalorização por eles gerados para a
obra, aspectos apenas relevantes em sede de direito à redução do preço ou da
resolução – como o de realização de nova obra correspondem à reposição do
adimplemento perfeito do contrato de empreitada, através de um seu sucedâneo.
No fundo trata-se de uma hipótese de indemnização sob forma específica.
Nessa medida, quer a eliminação dos defeitos, quer a realização de nova
obra podem equiparar-se, em termos funcionais:
1) À obrigação de convalidação dos contratos nulos por venda de bem alheio
– 897º
2) À obrigação de expurgar os ónus ou limitações na venda de bem onerado
– 907º
3) E às obrigações de reparar ou substituir o bem na compra e venda de bem
específico defeituoso – 914º.

Os direitos à eliminação dos defeitos e à nova construção não estão em relação


de alternatividade. Os direitos atribuídos ao dono da obra estão sujeitos a um
encadeamento evidente, 1221ºss
1) A eliminação dos defeitos e, só se ela não for possível ou for
desproporcionada, a realização de nova obra – 1221º/1 in fine).
Cessam se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito –
1221º/2.
A impossibilidade de eliminação dos defeitos ou nova construção não exige
grandes desenvolvimentos: refere-se agora a impossibilidade fáctica (por exemplo
devida à infungibilidade do automóvel objecto da reparação), mas igualmente, a
impossibilidade jurídica (por exemplo, ergue-se um prédio com defeitos
irreparáveis que exigiriam nova construção, sendo esta proibida pelo surgimento
superveniente de uma proibição de demolição do edificado.
A desproporção enquanto limite ao exercício destes direitos obedece a uma
ideia de proporção e harmonia entre custos para o empreiteiro e benefícios para
o dono da obra.

168
Neste caso, deve ser considerado a impossibilidade de proceder à eliminação
dos defeitos ou à construção de obra nova. A alternativa: ou são defeitos
suportáveis e procede-se à redução do preço, ou não são e o dono tem o direito
de resolver o contrato.

Não são estabelecidos prazos para a eliminação dos defeitos ou realização


da obra nova.
No entanto, tem-se entendido poder o dono da obra fixar um prazo razoável
para o desempenho dessas obrigações pelo empreiteiro.
A ultrapassagem desse prazo determinará então a simples mora, se o prazo
não tiver natureza admonitória, ou o incumprimento definito, se o dono da obra
expressamente referiu implicar o seu desrespeito o impedimento futuro de
cumprir o dever de eliminação dos defeitos ou de realização de obra nova.

O empreiteiro recusando-se, infere em incumprimento definitivo da


obrigação em causa.

Se o empreiteiro se recusar a eliminar os defeitos ou a realizar nova obra


sem razão para tal, e o dono mantiver o interesse nessa prestação, deve exigir em
juízo o respectivo cumprimento – 817º
Na eventualidade de, após a condenação em juízo, o empreiteiro persistir
no incumprimento, o dono da obra poderá lançar mão da execução específica, na
modalidade de prestação de facto por terceiros a expensas do devedor (828ºCC e
933ºCPC), se a prestação for fungível; se for infungível, resta ao dono da obra – se
pretender mesmo assim a execução da mesma – solicitar a condenação em sanção
pecuniária compulsória do devedor – 829ºA.

Que a eliminação dos defeitos, quer a realização de nova obra pode


envolver acções de colaboração necessária por parte do dono da obra:
1) Facultar ao empreiteiro e/ ou ao seu pessoal o acesso à obra para
diagnóstico da natureza e extensão dos defeitos e realização dos trabalhos,
ou fornecer-lhe informação acerca das condições em que surgiu o defeito
(até porque tudo isto pode permitir ao empreiteiro perceber se se trata de

169
defeitos da sua prestação ou, ao invés, de outras deteriorações do bem
que não são da sua responsabilidade). Rege aqui o princípio da boa fé
(762º/2)

Se o dono da obra não der a colaboração devida, ocorre em mora – 813º. Se


essa recusa de colaboração se tornar definitiva pelo incumprimento do prazo
admonitório fixado pelo empreiteiro (808º/1), o dono da obra perde o direito à
eliminação dos defeitos e ficando impedido de exercer os demais remédios. O
pagamento do preço, porém, permanece devido.

Detecção dos defeitos ainda durante a execução da obra: para Pedro de


Albuquerque pode o dono da obra solicitar a eliminação dos defeitos, porque o
dono da obra está a chamar o empreiteiro ao cumprimento correcto da prestação.

Redução do preço
Se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito; se for
impossível a eliminação dos defeitos ou a nova construção; se o empreiteiro,
depois de colocado em mora, se recusar a cumprir interpelação admonitória, ou
se mostrar incapaz de proceder à eliminação ou a nova construção; então, abre-
se a via da redução do preço (1222º/1).
A redução do preço traduz a verificação da perda do valor da obra face a uma
obra conforme com o plano estipulado e sem vícios.
Modo de reestabelecer o equilíbrio das prestações.

O direito à redução consubstancia-se na diminuição do preço a pagar, ou


na devolução de parte do preço já pago, e pode operar extrajudicialmente. Mas,
se, por algum motivo, vier a discutir-se a redução em juízo é o dono da obra o
dever de provar os pressupostos da redução, designadamente a diminuição do
valor da obra em virtude dos defeitos.

O modo de determinar o montante desta redução resulta de remissão


para as regras aplicáveis à redução do preço no contrato de compra e venda. Ou
seja, para o 884º (artigo 1222º/2), a redução opera normalmente por avaliação.

170
- o valor da redução seria a diferença entre o valor ideal da obra sem defeitos e o
seu valor real com defeitos;
- a diferença entre o preço acordado e o valor da obra com defeitos
- a diferença entre o preço acordado e o preço atribuído pelas partes ao contrato
se tivessem antecipado a sua realização com os defeitos;
- finalmente, há quem opte por uma solução aberta, dependente de diversos
factores, preço acordado, valor objectivo da obra com defeitos e valor ideal da
obra.

O mais importante é o fim: reposição do equilíbrio da relação.

Esta operação deve ser predominantemente objectiva, pois de outro modo


não teria lugar o método de avaliação.

A solução mais adequada é de partindo o critério da diferença entre o


preço e o valor real da obra sem defeitos, admitir atenuações em razão do valor
ideal objectivo da obra sem defeitos.

Resolução do contrato
Nas mesmas situações de existência, por parte do dono da obra, do direito
à redução do preço, este terá, além disso, o direito potestativo à resolução do
contrato, se os defeitos não sanados tornarem a obra inútil face aos respectivos
fins (1222º/1).
O estabelecimento deste encadeamento dos direitos do dono da obra
demonstra uma preocupação em não permitir o exercício dos direitos de uma
partes (o dono da obra) em excessivo prejuízo da outra (o empreiteiro).
Para a resolução do contrato é exigido um requisito de gravidade da falta,
reafirmação do princípio geral (793º/2 e 802º/2). Relativamente a defeitos
menores, se não puderem ser eliminados ou não puder ter lugar a nova
construção, operará a redução do preço e eventualmente a indemnização,
relativamente ao prejuízo excente.

O direito de resolução depende de ser inapropriado para o fim.

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O regime de resolução segue o geral.

Resolvido o contrato de empreitada: o dono da obra não está obrigado ao


pagamento do preço, se ainda não o pagou, e dever ser restituído pelas partes o
que já tiver sido prestado, se tal for possível ou o valor correspondente.

No tocante ao destino da obra:


Na hipótese de empreitada incidindo sobre bens imóveis, onde tivesse ocorrido
transferência da propriedade da obra e dos materiais (1212º/1), e por resolução
operar retroactivamente, as transferências de direitos são destruídas, retornando
a obra à propriedade do empreiteiro se este tiver fornecido os materiais na sua
maior parte.
Se existirem (de forma minoritária) matérias fornecidos pelo dono da obra, há
direito à sua restituição ou ao seu valor.
Se os matérias forem essencialmente do dono da obra, a propriedade da obra não
deixou de ser deste (1212º/1), não há efeitos translativos a destruir, podendo
apenas o dono exigir do empreiteiro que desfaça a obra e não lhe devolva os
materiais fornecidos, ou o seu valor, se a separação não for possível. Deverá
deduzir-se, para não existir enriquecimento sem causa do dono da obra, ao
recebido por este, o valor objectivo do bem defeituoso, onde os materiais
fornecidos foram incorporados.

Na hipótese de empreitada de construção de imóvel, tendo a obra sido


construída sobre solo do dono com materiais do empreiteiro, eles passaram à
propriedade do dono em momento da incorporação – 1212º/2. A simples
resolução não é suficiente para inverter essa transferência, pois os materiais
incorporados perderam autonomia enquanto objecto de direitos reais
autónomos, por meio de acessão industrial. Sem separação efectiva não há, pois,
reserva da propriedade.
Assim, duas hipóteses têm sido colocadas:

172
1) O dono pode, além da resolução do contrato, exigir a demolição da obra a
expensas do empreiteiro, pois tal corresponde à reposição da situação
prévia à celebração do contrato;
2) Ou pode escolher manter a obra na sua propriedade. No entanto, esta
segunda hipótese, em rigor, apesar de normalmente tratada pela Doutrina
como efeito da resolução do contrato, não o é verdadeiramente. Ela
apresenta-se antes como uma hipótese onde o dono opta pela
manutenção do contrato, tendo porém direito à redução do preço.

Na hipótese de os materiais pertencerem ao dono, se este optar pela


demolição, ficam com os materiais resultantes (ou outros do mesmo género e
quantidade) e, na impossibilidade de restituição, é credor do resto do valor dos
materiais perdidos.

Na hipótese, de a obra ter sido construída sobre solo do empreiteiro com


materiais do mesmo, não há questões a resolver, ficando a obra na sua
propriedade, podendo fazer dela o que entender.

Finalmente, na hipótese de os materiais serem fornecidos pelo dono da


obra, o empreiteiro deve restituir o seu valor.

Indemnização
1223º é subsidiária face aos demais remédios. Ela serve para ressarcir os
prejuízos não eliminados integralmente (ou não eliminados) pelo exercício dos
direitos à eliminação dos defeitos, à nova construção e à redução do preço.

Abrangidas por este dever de indemnizar estarão todas as despesas


realizadas pelo dono para localizar e isolar os defeitos da prestação do empreiteiro
(Danos emergentes) que também não ficam ressarcidas pela reposição do
cumprimento perfeito.

173
Tem-se entendido apenas poder o dono da obra, resolvendo o contrato,
pretender ser indemnizado, não pelo dano positivo ou interesse no cumprimento,
mas sim pelo interesse contratual negativo.

Em particular: indemnização do custo dos trabalhos de reparação ou construção


de obra nova pelo dono da obra ou por terceiros à custa deste.
A urgência da obra, pode recorrer a um terceiro a expensas do empreiteiro.
Nesta hipótese, será até de dispensar, se não for viável, a comunicação prévia ao
empreiteiro da existência do defeito. Esta via apresenta-se como uma forma de
autotelia do dono da obra, através da acção directa 336º.

A doutrina e a jurisprudência vieram defender uma posição ainda mais


flexível face ao problema. Mesmo independentemente de urgência na realização
das obras de eliminação dos defeitos ou nova construção, o dono da obra poderia
entregar a sua realização a terceiro na eventualidade de incumprimento
definitivo, pelo empreiteiro, dos deveres de proceder à reparação ou nova
construção.

O custo de recurso a um terceiro apresenta-se, apenas e só, com mais um


dano indemnização decorrente do cumprimento defeituoso, convertido em
definitivo. – apoia Pedro de Albuquerque.

O empreiteiro numa situação de sonegação da possibilidade de


cumprimento perfeito: pelo contrário, a denúncia do defeito ao empreiteiro e o
exercício perante ele, de um dos direitos do dono da obra (eliminação ou nova
construção), bem como o seu incumprimento são pressupostos prévios do apelo
a um terceiro para efectuar os trabalhos. Só não será assim nas hipóteses de
urgência, em que manifestamente essa exigência não seja apropriada, por
exemplo, por existir perigo de desabamento da construção.

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Caducidade dos direitos do dono da obra
Além da caducidade resultante da falta de denúncia atempada – 1220º e
1225º/2, os direitos do dono da obra caducam no prazo de um ano a contar da
recusa da obra ou aceitação com reserva, ou após a denúncia – 1224º/1 e 2,
primeira parte.

A entrega relevante para o início da contagem deste prazo de


responsabilidade há de ser a entrega efectiva, isto é, a colocação do dono da obra
em situação de poder aceder ao bem.

Os prazos curtos são sobretudo destinados a evitar dificuldades de prova


relativamente à origem do defeito.

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Extinção do contrato de empreitada
As causas especiais, são elas a impossibilidade objectiva de cumprimento
não imputável às partes, a desistência do dono da obra, a morte, extinção,
incapacidade ou insolvência do dono da obra.
Outra forma específica, é a hipótese do empreiteiro denunciar o contrato,
nas hipóteses de existência de alterações necessárias superiores a certo valor –
1215º/2.

Causas de extinção com regime específico


Impossibilidade de cumprimento não imputável às partes
Esta impossibilidade pode ser decorrente da natureza das coisas – a coisa
objecto de empreitada deixa de existir, mas pode igualmente tratar-se de de uma
impossibilidade baseada em motivos estritamente jurídicos.
A impossibilidade objectiva relevante é a superveniente, a impossibilidade
originária nada tem de especifico e segue o regime geral do 401º, aqui o contrato
é nulo |(401º/1).

O 1227º ordena em primeira linha a aplicação às situações de


impossibilidade objectiva não imputável a nenhum dos sujeitos o disposto do
790º: ambas as obrigações se extinguem. O empreiteiro não fica obrigado a
realizar a obra e o dono não fica obrigado a pagar o preço, se o tinha já pago, tem
direito à restituição integral; sem prejuízo de eventual ressarcimento do
empreiteiro por créditos detidos contra o dono da obra.

O 1227º tutela a posição do empreiteiro caso a obra já tenha começado,


pois permite o pagamento do seu trabalho e das despesas – destarte, derroga o
regime do 795º/1.
Permite o empreiteiro receber, não apenas o enriquecimento sem causa
do dono da obra, mas o valor efectivo do trabalho prestado e das despesas por si
realizadas. As despesas pagas se não forem recuperáveis – o critério é o da
irreversibilidade da afectação da despesa sem detrimento da parte da obra já
realizada e a ser entregue ao respectivo dono.

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Não quer dizer que não exista situações em que a resolução não deve ser
diferente. Assim, se o empreiteiro, para realizar uma certa obra, obteve materiais
de construção civil invulgares, dotadas de especificidades para a obra projtectada,
insuscetíveis de revender sem prejuízo, parece dever ser ressarcido, mesmo se
esses matérias ainda não tiverem sido incorporados na obra.

Podendo a compensação ocorrer mesmo antes do início das obras.

A impossibilidade objectiva superveniente, neste âmbito relevante, deve


ser, na formulação já clássica, efectiva, absoluta e definitiva.

Desistência do dono da obra


1229º mecanismo de extinção do contrato de empreitada.
Trata-se de uma forma de extinção unilateral do contrato de empreitada,
susceptível de operar todo o tempo, tenha ou não sido iniciada a obra, e dotada
da particularidade, além do mais, de ser atribuída apenas a uma das partes do
contrato (o dono da obra). Os seus efeitos produzem-se apenas para o futuro, não
são, destarte, retroactivamente destruídos os efeitos do contrato. O dono da obra
mantém o direito à parte já realizada.

Não é imposta nenhuma forma especial para a desistência. Vale, pois, o


princípio da liberdade de forma – 219º.
A desistência pode ser expressa ou tácita, 217º. Por a motivação da
desistência ser, à partida, insusceptível de controlo jurisdicional, uma resolução
infundada pode ser considerada uma desistência.

O pré-aviso não parece ser obrigatório. O pré-aviso é um instituto próprio


dos contratos de duração indeterminada.
A exigência de pré-aviso pode justificar-se, porém, atendendo à boa fé
(762º/2), perante as circunstancias da situação especifica.

O dono da obra tem de indemnizar o empreiteiro dos seus gastos e do


proveito que poderia tirar da obra.

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A desistência é uma forma especifica de cessação do contrato de
empreitada, insuscetível de ser reconduzida a nenhuma das formas típicas de
cessação dos contratos.

A possibilidade de desistência nestes termos amplos tem sido explicada


mediante a ideia de prevalência dos interesses do dono da obra no contrato de
empreitada. Prevalência também presente, designadamente, no regime das
alterações da iniciativa do dono da obra – 1216º.

A cessação do contrato através de desistência é, pois, por força do 1229º


um acto lícito. Tal não impede um dever de indemnizar.
O dever de indemnizar abrange não só os gastos resultantes dos materiais
e trabalho, mas também o proveito suscetível de ser retirado da execução da obra
pelo empreiteiro. Nesta última parte, estamos perante uma indemnização do
interesse contratual positivo, e não, como por vezes se afirma, segundo pedro de
Albuquerque, uma indemnização por lucros cessantes a título de interesse
contratual negativo.
A indemnização do proveito que o empreiteiro poderia retirar da obra
traduz, pois, ter ele direito à margem de lucro noutras circunstâncias auferida. Ou
seja, à diferença entre o custo de obra e o preço a receber por ela. Trata-se da
margem de lucro integral, e não apenas, por exemplo, a respeitante à parte da
obra já realizada. O dever de indemnizar não está dependente do facto de a parte
da obra realizada possuir alguma utilidade para o dono da obra.
O critério positivo de adição (indemnização = despesas realizadas +
proveito que se poderia obter).

Se o dono da obra desiste da obra, o empreiteiro, segundo Pedro de


Albuquerque, continua a ser responsabilizado por erros de execução entretanto
feita.

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