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dos livros recomendados pelo


Professor Regente e Auxiliar.

Direito das
obrigações II
Prof. Romano Martinez
2018/2019

Ana Figueiredo
Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Classificação das obrigações


1. Obrigação simples vs. Obrigação complexa

A maior parte das obrigações são complexas, contrariamente aos exemplos dados nas aulas.
Por exemplo, quando nos dizemos A deve 500€ a B, num primeiro plano falamos de uma
obrigação simples, no entanto, A deve esse valor por alguma razão, ou seja, insere-se num
complexo obrigacional, com deveres colaterais que poderia ser por exemplo a compra e
venda. Sendo assim, é simples a obrigação de exigir o preço ou entrega de uma coisa, vistas
separadamente, e será complexa atendendo ao conjunto de vínculos derivados do contrato
compra e venda.
A obrigação é una/simples se há um só credito, uma só divida.
Será múltipla/complexa a obrigação com um conjunto de vínculos emergentes do mesmo
facto jurídico.

2. Obrigações principais, secundarias e acessórias (distinção quanto ao conteúdo)

Quanto ao lado passivo:


• Deveres principais – constituem o núcleo da relação obrigacional (ex: entrega da
coisa, art.879º)
• Deveres secundários – auxiliares do dever principal ou acessórios deste. Servem
para preparar o cumprimento ou assegurar a sua realização (ex: embalar,
transportar...). Os deveres secundários com prestações autónomas – são
sucedâneos ou coexistentes do dever principal (ex: dever de indemnizar por
impossibilidade)
• Deveres acessórios de conduta ou laterais podem derivar de clausulas contratual,
aproximando-se de deveres secundários de prestação, ou resultarem da boa-fé
(ex: deveres de cuidado de segurança, de aviso, de trato social)
• Sujeições

Quanto ao lado ativo:


• Direitos subjetivos
• Direitos potestativos
• Expetativas

3. Obrigações naturais e civis

Por via de regra constituem-se obrigações civis. No art.402º admite-se a constituição de


obrigações naturais, fundadas em deveres de ordem moral ou social (tradição medieval) e
deveres de justiça (juridicidade).
O que caracteriza as obrigações naturais é a não exigibilidade judicial de prestação,
resumindo-se a sua tutela jurídica à possibilidade de o credor conservar a prestação
espontaneamente realizada (art.403º). Como consequência exclui-se a possibilidade de
repetição do indevido, referida no art.476º, salvo no caso de o devedor não ter capacidade
para realizar a prestação. Assim, se o devedor tiver a capacidade para realizar a prestação e a
efetuar espontaneamente – ou seja, sem coação (art.403º/2) – já não pode pedir a restituição
do que prestou, mesmo que estivesse convencido, por erro, da coercibilidade do vinculo.

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Pressupostos:
• Dever de ordem moral e social – dever de justiça (ex: situação de
obrigação prescrita – art.304º/2 – jogo e aposta – art.1245º -
obrigação de alimentos – art.495º/3)
• Razão de justiça (licitude)

As obrigações naturais não podem ser convencionadas livremente pelas partes no exercício da
sua autonomia privada, uma vez que isto equivaleria a renuncia do credor ao direito de exigir o
cumprimento, o que é vedado pelo art.809º.

A lei manda aplicar às obrigações naturais o regime das obrigações civis em tudo o que não se
relacione com a realização coativa da prestação, salvas as exceções da lei (art.404º). Para o
Prof. Menezes Leitão o alcance desta remissão será́ muito mais reduzido do que à primeira
vista possa parecer. Não lhes é aplicável, o regime das fontes das obrigações. A exigência da
espontaneidade do cumprimento da obrigação natural é incompatível com a estipulação de
garantias. Finalmente, as obrigações naturais não se podem extinguir por prescrição.

Natureza jurídica das obrigações naturais:

São verdadeiras obrigações jurídicas, apesar de o seu regime ser diferente das restantes por
não se permitir a sua execução, segundo Menezes Cordeiro e Almeida Costa.

Para o Menezes Leitão, a obrigação natural não constitui uma verdadeira obrigação jurídica,
na medida em que nela não existe um vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica
adstrita para com outra à realização da prestação (397º). A simples existência de um dever
moral e social, que corresponda a um dever de justiça, não basta para se considerar
subsistente na obrigação natural um vinculo jurídico, uma vez que é a própria lei que recusa ao
credor natural a tutela jurídica desse direito ao negar-lhe a faculdade de exigir judicialmente o
cumprimento. Ora, essa faculdade integra o conteúdo do direito de crédito e não é dele
conceptualmente separável. Por outro lado, nas obrigações civis o cumprimento da obrigação
não aumenta o património do credor, uma vez que o devedor se limita a solver um crédito,
que já consistia um valor patrimonial no âmbito desse património. Na obrigação natural a
situação é radicalmente distinta. Sem a faculdade de exigir o cumprimento, o direito de crédito
não tem conteúdo, não podendo nunca se considerar um valor ativo patrimonial do credor.

Nas obrigações naturais, não existe, consequentemente um direito primário à prestação, como
direito de crédito. A lei limita-se a reconhecer causa jurídica à prestação realizada
espontaneamente, excluindo que o prestante possa vir a recorrer a repetição do indevido,
para 476º/1 determina que o regime de repetição do indevido é aplicável, “sem prejuízo do
disposto acerca das obrigações naturais”.

A função do artigo 403º/1 não reside numa jurisdificação da obrigação natural, mas antes na
tutela de aquisição pelo credor natural, em consequência da prestação, à qual se atribui assim
causa jurídica.

4. Obrigações singulares e plurais

A obrigação singular tem um credor e um devedor


A obrigação plural tem dois ou mais devedores e dois ou mais credores.

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Ambos têm apenas uma prestação.


A singularidade ou pluralidade pode ser só no lado ativo (credor) ou passivo (devedor) ou
em ambos.

a. Conjunção e solidariedade
Dentro das obrigações plurais temos as situações de conjunção e as situações de
solidariedade
O princípio geral do art.513º aponto no sentido de a solidariedade ser a exceção,
pois tem de resultar de lei ou convenção. De modo diverso, no âmbito comercial
há solidariedade passiva por via de regra.

1. Obrigações conjuntas (parciárias), sendo prestações divisíveis vale o princípio


da igualdade (art.534º).
Ex: Lado passivo – A, B, C devem 900€ a D, cada um deve 300€ a D
Lado ativo – A deve 900€ B, C e D. D paga 300€ a cada um.
Lado passivo e ativo – A, B, C devem 900€ a D, E, F. Cada devedor
entrega 100€ a cada credor

2. Obrigações solidarias (art.512º e ss.)


Havendo solidariedade passiva (art.518º e ss.), cada um dos devedores
responde pela prestação integral e esta a todos libera. Significa que o credor
pode exigir a totalidade da prestação a um dos devedores e o pagamento
feito por este libera os demais devedores perante o credor.
Salvo previsão legal distinta ou acordo em sentido diverso, vale o princípio da
igualdade, art.516º - cada codevedor é devedor de idêntica quota-parte da
dívida – mas, nas relações externas (em relação ao credor), a cada devedor
pode ser exiguidade a totalidade da dividida.
Ex: A, B e C devem 900€ a D, a qualquer um dos três devedores pode ser
exigido o pagamento da totalidade da prestação
A solidariedade é estabelecida no interesse do credor.
Satisfeita a dívida ao credor por um dos codevedores nasce a obrigação de
regresso, em que é credor o devedor que pagou a prestação. A obrigação de
regresso é conjunta.
O devedor solidário, sendo demandado, pode usar os meios de defesa
próprios e comuns (art.514º/1).
Sendo a impossibilidade culposa, os vários devedores respondem
solidariamente – art.520º.
A insolvência de um codevedor co-responsabiliza os demais – art.526º. Mas a
remissão de um codevedor (art.864º), libera os outros na parte do exonerado.
A prescrição das obrigações dos devedores solidários pode ser independente
– art.521º.
O caso julgado entre o credor e devedor não é oponível aos demais
devedores, mas pode ser invocado por estes.

A solidariedade ativa surge regulado nos art.528º e ss.


Cada credor tem a faculdade de exigir, por si só, o cumprimento da prestação
integral e este libera o devedor para com todos os credores.
É raro o acordo de solidariedade ativa e não resulta da lei. As partes têm
outros meios jurídicos com o efeito da solidariedade e menos riscos (ex:
representação).

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Ex: A deve a B, C e D 900€ pode exigir a prestação por inteiro a A. Devendo


depois satisfazer os outros credores, entregando a cada 300€ (533º).
O devedor pode opor aos vários credores os meios de defesa próprios e gerais
(art.514º).

26/02/2019

Especificidades das obrigações plurais indivisíveis (art.534º e ss.)


Na eventualidade de haver pluralidade passiva (art.535º), importa distinguir:
• Se há solidariedade aplica-se o regime dos art.518º e ss.
• Havendo conjunção, a prestação tem de ser exigida a todos os
devedores (ex: todos os devedores juntos têm de entregar o relógio ao
credor)
Se a obrigação se extinguir em relação a um dos devedores, a prestação é
exigível aos demais, devendo o credo pagar-lhes o valor correspondente à
parte do devedor exonerado – art.536º.
O regime da pluralidade de devedores indicado tanto vale em caso de vários
devedores principais, como, dependendo das circunstâncias, na eventualidade
de devedores subsidiários (Ex: fiança).
Ex: no caso de A, B E C serem devedores principais ou de A, ser
devedor principal de B e C. fiadores já vários aspetos da solidariedade que são
comuns à prestação indivisível pese embora se lhes aplique o regime da
conjunção.
Na eventualidade de haver pluralidade ativa aplica-se o art.538º
O devedor cumpre perante todos os credores, exceto se for judicialmente
interpelado, caso em que o regime é idêntico ao da solidariedade

Conteúdo das obrigações


Prestação

A prestação é o conteúdo positivo do direito do credor. Relativamente ao conteúdo, a


prestação pode qualificar-se de diferentes formas:

Prestação de meios vs. Prestação de resultado; prestações de garantia

• Prestação de meios – pressupõe uma obrigação de desenvolver uma atividade com


diligencia para conseguir um objetivo, mas a obrigação será bem cumprida
independentemente desse resultado (ex: prestação medica). O devedor só teria de
respeitar um interesse instrumental do credor. Ou seja, por exemplo, o medico não se
obriga ao resultado de curar o paciente e, por isso, se a atividade desenvolvida não
conduziu a esse resultado – cura do doente – não haveria responsabilidade do
devedor (medico)

• Prestação de resultado – o devedor está obrigado `efetiva prossecução do resultado


prometido. Neste caso, pretende-se atingir o interesse final do credor. Ex: o
transportador estaria obrigado a entregar a coisa transportada num lugar e tempo
determinado.

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• Prestações de garantia – o devedor assegura que o resultado se verificará e, assim não


sendo, independentemente da razão, responsabiliza-se o solvens por tal
incumprimento.

A diferença entre estes tipos de prestação assenta essencialmente no regime do


incumprimento da obrigação, em particular quanto à determinação da conduta ilícita, havendo
quem considere (sem apoio legal) que a culpa, a que alude o art.799º/1, pode ser apreciada ou
provada de modo diverso.
A distinção entre prestações de mios e resultado tem na sua base um indiscutível cariz
conceptualista.
Tendo em conta a boa fé, em toda a prestação há um resultado a atingir – art.762º/2 (todo o
devedor deve agir de boa-fé). Assim, o medico, tendo em conta a boa fé no cumprimento,
assume uma obrigação de resultado: fazer bem o diagnóstico, realizar a cirurgia com perícia,
etc... Acresce que há diferentes tipos de prestação de mios, dificultando a sua autonomização
para efeito de fixação de regimes, assim, será diferente a prestação do médico que faz um
tratamento de uma doença rara ou se está a extrair um dente ou um uma operação estética.
Por outro lado, excluindo as obrigações de garantia, não há puras obrigações de resultado (ex:
o transportado tem de realizar bem o transporte, mas se a mercadoria tiver ficado destruído
porque um terceiro incendiou o camião, o transportador não responde por incumprimento).
Ou seja, não há puras obrigações de meios, em que o devedor se aliena do resultado a atingir.
Tendo em conta a boa fé, o devedor prossegue sempre um resultado, que pode não ser
conseguido por causa externa, facto de terceiro.
Em suma, em todas as obrigações há um resultado a atingir, mas atendendo ao tipo de
vinculação e à boa fé pode haver diferentes consequências em termos de resultado,
nomeadamente na apreciação da culpa. Assim, admite-se que numa obrigação de resulta o
julgador seja especialmente exigente na apreciação da causa externa que afasta a presunção
de culpa, enquanto, sendo a obrigação de meios, possa ter maior condescendência perante os
factos invocados pelo devedor para afastar a culpa; deste modo, tal como prescreve o
art.799º/1, presume-se sempre a culpa do devedor, contudo, sendo a prestação de mios, pode
haver maior tolerância na apreciação de factos externos que ilidam a presunção de culpa.

O interesse da distinção, resulta na forma de estabelecimento do ónus da prova. Nas


prestações de resultado, bastaria ao credor demonstrar a não verificação do resultado para
estabelecer o incumprimento do devedor, sendo este que, para se exonerar da
responsabilidade, teria que demonstrar que a inexecução é devida a uma causa que não lhe é
imputável, Pelo contrario, nas prestações de meios não é suficiente a não verificação do
resultado para responsabilizar o devedor, havendo que demonstrar que a sua conduta não
correspondeu à diligencia a que se tinha vinculado.
Para o Prof. Menezes Leitão, não parece haver base no nosso direito para distinguir entre
obrigações de meios e obrigações de resultado. Gomes da Silva, demonstrou o fracasso da
distinção argumentando que mesmo nas obrigações de meios existe a vinculação a um fim,
que corresponde a um interesse do credor, e que se o fim não é obtido presume-se sempre a
culpa do devedor, Efetivamente, em ambos os casos aquilo a que o devedor se obriga é
sempre a uma conduta (a prestação), e o credor visa um resultado, que corresponde ao seu
interesse (398º/2). Por outro lado, ao devedor cabe sempre o ónus da prova de que realizou a
prestação (342º/2) ou de que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (799º), sem o
que será́ sujeito a responsabilidade.

Prestações instantâneas e permanentes, contínuas e sucessivas

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• Instantâneas/execução imediata – A sua execução ocorre num só momento, isto é,


pressupõem a sua realização num só momento, altura em que se extinguem; o
cumprimento corresponde a um ato isolado (ex: pagar uma divida, entregar uma
coisa). Não têm o seu conteúdo delimitado em função do tempo.
o Integrais – realizas de uma só vez (ex: entrega da coisa pelo vendedor)
o Fracionadas – o seu montante global é divido em varias frações, a realizar
sucessivamente (ex: pagamento do preço na venda a prestações)
• Permanentes/Duradoras – a sua execução prolonga-se no tempo em virtude de terem
por conteúdo ou um comportamento prolongado no tempo ou uma repetição
sucessiva de prestações isoladas por um período de tempo
o Contínua/continuada – exige do devedor uma atividade permanente. Não
sofre qualquer interrupção (Ex: fornecimento de eletricidade)
o Sucessiva/periódicas – reitera-se com periocidade. A prestação é
sucessivamente repetida em certos períodos de tempo (ex: pagar a renda
todos os meses)

As prestações instantâneas fracionadas poderiam ser confundidas com as prestações


duradouras periódicas. A distinção é, no entanto, fácil de estabelecer. Nas prestações
fracionadas está-se perante uma única obrigação cujo objeto é dividido em frações, com
vencimento intervalados, pelo que já sempre uma definição previa do seu montante global e o
decurso do tempo não influi no conteúdo e extensão da prestação, mas apenas no seu modo
de realização. Nas prestações periódicas, verifica-se uma pluralidade de obrigações distintas,
embora emergentes de um vinculo fundamental que sucessivamente as origina, pelo que, não
pode haver qualquer fixação inicial do seu montante global, já que é o decurso do tempo que
determina o numero de prestações que é realizado.

O facto de o decurso do tempo determinar o conteúdo da obrigação e não apenas o


momento em que esta deve ser realizada é assim o que distingue as prestações duradouras
das instantâneas. Mesmos nas fracionadas o decurso do tempo não influi no conteúdo da
obrigação, mas apenas determina o seu vencimento (art. 805º, nº2 a)), o qual pode mesmo em
certos casos ocorrer antecipadamente a esse momento (art. 781º). Pelo contrario, nas
prestações duradouras, continuas ou periódicas, o decurso do tempo influi no conteúdo e
extensão da obrigação, pelo que a extinção ou alteração do contrato antes do decurso do
prazo implica a não constituição ou a alteração da prestação relativa ao tempo posterior.
As prestações duradouras implicam a atribuição de um regime especial de extinção aos
contratos que as incluem. O facto de estes contratos se poderem prolongar no tempo implica
que a lei deva assegurar também alguma delimitação à sua duração, sob pena de a liberdade
económica das partes poder ficar seriamente comprometida. A lei tem de assegurar uma
delimitação temporal aos contratos de execução duradoura, o que é realizado através do
acordo prévio das partes fixando um limite temporal ao contrato ou através da denuncia do
contrato. Este é um instituto típico dos contratos de execução duradoura e caracteriza-se por
permitir, quando as partes não fixaram a duração do contrato, que qualquer delas proceda à
sua extinção para o futuro, através de um negocio unilateral recetício.
Os contratos de execução continuada e duradoura, podem ser assim denunciados pelas
partes se forem celebrados por tempo indeterminado. Se o não forem, não está excluída
neles a aplicação da resolução do contrato, para que o que se exigem fundamentos
específicos, correspondentes à inexigibilidade de manutenção por mais tempo do vínculo
contratual, distintos do genérico incumprimento das obrigações da outra parte. Por vezes,
atenta a situação do contrato em causa, esses fundamentos são mais largos do que o regime
geral, como sucede na sociedade (arts.1002º, nº2 e 1003º). Se a resolução do contrato tem
normalmente efeito retroativo (art. 434º, n.º1), nos contratos de execução continuada ou

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periódica, pelo contrario, ela não abrange as prestações já executadas, a não ser que entre
elas e a causa de resolução exista um vinculo que legitime a resolução de todas elas (art. 434º,
nº2). Nas prestações duradouras o decurso do tempo determina o conteúdo da obrigação e
não apenas o momento em que deve ser realizada. Por esse motivo, o tempo em que o
contrato vigorou constituiu nas partes o direito as prestações recebidas, que não é afetado
pela resolução do contrato. Por esse motivo, a resolução nestes contratos só opera
normalmente para o futuro, não tendo efeito retroativo, a menos que a causa da resolução
seja reportada as prestações já realizadas.
Finalmente, os contratos de execução duradoura caracterizam-se por neles vigorarem com
maior intensidade os deveres de boa fé́. Trata-se de relações que pressupõem uma intensa
relação de confiança e colaboração entre as partes e uma aplicação intensa da boa fé́ e de
deveres acessórios. Assim, se alguma parte lesar a confiança da outra mesmo que não
cumprindo uma prestação recíproca, ela tenha o direito de resolução do contrato, com
fundamento em justa causa (art. 1002º, 1140º, 1150º, 1194º, 1201º).

Prestação de coisa (dare) e prestação de facto (facere)

• Coisa – o objeto da prestação circunscreve-se a uma coisa;


Ex: na hipótese de alguém comprar um bem, o vendedor obriga-se a entrega-
lo (art.879º/b).

O Quid corresponde a uma coisa e podem distinguir-se 3 modalidades


§ Obrigação de dar (dare) – entregar uma coisa (Ex: compra e
venda)
§ Obrigação de prestar (praestare) – permitir o uso de uma coisa
(ex: locador)
§ Obrigação de restituir (restituere) – devolver uma coisa (ex:
comodatário)
Esta distinção perdeu alguma utilidade devido a circunstância de a transmissão da propriedade
ser considerada um mero efeito do contrato (art.408º) e não resultar da entrega da coisa.
A prestação de coisa pode ser de coisa fungível ou de cisa infungível (art.207º).

O art 211º (diz respeito a coisas relativamente futuras) define-nos coisas futuras, como as que
não estão em poder do disponente ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração
negocial. Para o Prof. Menezes Leitão, esta definição não se apresenta totalmente correta,
uma vez que, o conceito de coisa futura é mais amplo do que este, abrangendo ainda as coisas
inexistentes e as coisas ainda não autonomizadas de outras. Os bens futuros são assim aqueles
que não tendo existência, não possuindo autonomia própria ou não se encontrando na
disponibilidade do sujeito, são objeto do negócio jurídico na perspetiva de aquisição futura
dessas características.
Se não há qualquer obstáculo a que a prestação tenha por objeto as coisas presentes, já há
algumas restrições à constituição de obrigações sobre coisas futuras uma vez que, embora o
art. 399º admita genericamente a prestação de coisa futura, refere logo, porém, a existência
de casos em que a lei a proíbe. Efetivamente, os bens futuros podem ser objeto de compra e
venda (880º), mas já não podem ser objeto de doação (942º/1).

• Facto – realizar uma conduta de outra ordem, como na hipótese de alguém se obrigar
a cuidar de um jardim e distingue-se:
o Prestação de facto positivo (tem por objeto uma ação):
§ Facto material (ex: construir uma casa)

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§ Facto jurídico (ex: execução de um contrato-promessa


ou de um mandato)
o Prestação de facto negativo (tem por objeto uma omissão do
devedor)
§ Abstenção – pati, tolerância (Ex: permitir que outrem
cace na sua propriedade)
§ Omissão – non facere (ex: não edificar um muro)

Na prestação de coisa pode ser distinguida a atividade do devedor da própria coisa que existe
independentemente da sua conduta. Pode assim estabelecer-se uma distinção entre a
prestação do devedor e a coisa a prestar. O interesse do credor verifica-se normalmente em
relação à coisa, que tem uma existência independente da prestação, e não em relação à
atividade do devedor. No entanto, o direito de crédito nunca incide diretamente sobre a coisa,
mas antes sobre a conduta do devedor, já que se exige sempre a mediação da atividade do
devedor para o credor obter o seu direito. Daí que mesmo nos casos de prestações de coisa, o
credor não tenha qualquer direito sobre a coisa, o que só sucede nos direitos reais, mas antes
um direito a uma prestação, que consiste na entrega da coisa.

Pelo contrario, nas prestações de facto não é possível distinguir entre a conduta do devedor e
uma realidade que exista independentemente dessa conduta. O direito tem por objeto a
prestação do devedor e o seu interesse não corresponde a nenhuma realidade independente
dessa prestação.

Prestações fungíveis e infungíveis


• Fungível – atendendo ao interesse do credor, pode ser realizada por outra pessoa
diferente do devedor. Pode ser realizado por um terceiro, pois é irrelevante pata o
interesse do credor a identificação do autor material do cumprimento
• Infungível – a prestação tem de ser feita pelo próprio devedor, não podendo este
fazer-se substituir-se por um terceiro.

O art 767º/1, determina que a prestação pode ser realizada por terceiro, interessado ou não
no cumprimento da obrigação. Desta norma resulta que, regra geral, as prestações são
fungíveis, Mas, o art. 767º/2, refere os casos em que a prestação é infungível: quando a
substituição do devedor no cumprimento não prejudica o credor (infungibilidade natural), ou
quando se tenha acordado expressamente que a prestação só pode ser realizada pelo devedor
(infungibilidade convencional).

A fungibilidade da prestação tem importância especial para efeito da execução específica da


obrigação. Efetivamente, se a prestação é fungível, o credor pode, sem prejuízo para o seu
interesse, obter a realização da prestação de qualquer pessoa e não apenas do devedor,
Admite-se, por isso, que o credor requeira ao Tribunal que determine a realização da
prestação por outra pessoa, as custas do devedor, Assim, se a prestação consistir na entrega
de coisa determinada, o credor pode requerer em execução que a entrega lhe seja feita
judicialmente (827º). Também as prestações de facto positivo podem, quando fungíveis, ser
sujeitas a execução específica (828º). Um fenómeno semelhante ocorre em relação as
prestações de facto negativo fungíveis em que, se a atuação consistir na realização de uma
obra, se pode requerer que a obra em questão seja demolida à custa do que se obrigou a não

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fazer (829º). Ainda, mesmo que a prestação consista na realização de uma atividade jurídica
(por ex., celebração de um contrato), admite-se a substituição no cumprimento através da
emissão pelo Tribunal de uma sentença com os mesmos efeitos do contrato prometido (830º).

Se a prestação é infungível, a substituição do devedor no cumprimento já não é possível, pelo


que a lei não admite a execução específica da obrigação. Admite-se, porém, em alguns casos a
aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, que visa precisamente coagir o devedor a
cumprir a obrigação (829º A). Para além disso, as obrigações infungíveis estão sujeitas a um
regime específico em caso de impossibilidade de prestação, uma vez que nelas a
impossibilidade relativa à pessoa do devedor (o pintor fica sem a mão direita) acarreta mesmo
a extinção da obrigação, em virtude de não ser admitida a sua substituição no cumprimento
(791º).

Prestações divisíveis e indivisíveis


• Esta distinção assenta na distinção entre coisas divisíveis e indivisíveis (art.534º e ss.),
mas vale igualmente em relação a factos.
• Divisível – prestação que pode ser fracionada sem prejuízo para o interesse do credor.
• Indivisível - prestação que não pode ser fracionada sem prejuízo para o interesse do
credor. Além da indivisibilidade natural (ex: cavalo, livro), relacionada com a função
económica-juridica, pode haver indivisibilidade convencional.

Prestações determinadas e indeterminadas


o Indeterminada – no momento da sua constituição o seu conteúdo não
foi fixado
o Determinada – a prestação com o teor fixado aquando da
constituição.
A prestação indeterminada terá de ser determinada até ao momento
cumprimento, por causa do artigo. 280º
Entre as prestações indeterminadas incluem-se as prestações
genéricas e as alternativas.

As razões para a indeterminação da prestação no momento da conclusão do negócio são


várias. Muitas vezes, essa indeterminação resulta de as partes não terem julgado necessário
tomar posição sobre o assunto, em virtude de existir regra supletiva aplicável, ou de
pretenderem aplicar ao negócio as condições usuais no mercado. Nesse caso a lei remete
precisamente para esses critérios, procedendo assim à determinação da prestação por essa
via. Esta solução consta do art. 883º, relativo à compra e venda, e do art 1158º, nº2, relativo
ao mandato, os quais são extensíveis, respetivamente, a outros contratos onerosos de
transmissão de bens ou de prestação de serviços pelos art.939º e 1156º.

Outras vezes, a indeterminação da prestação resulta de as partes terem pretendido conferir a


uma delas a faculdade de efetuar essa determinação, porque só essa parte tem os
conhecimentos necessários para o poder fazer adequadamente (ex.: se alguém pede a um
mecânico para lhe arranjar o automóvel, apenas o mecânico pode saber o tipo de reparação
exigida, assim como o preço, dependendo a determinação da prestação da obtenção dessa
informação). As partes podem acordar que essa informação seja fornecida à outra antes da
celebração do contrato, através da “solicitação prévia do orçamento”. Nesses casos a
prestação vem a ser determinada nas negociações.

Quando, porém, essa circunstância não ocorre, tal significa que as partes delegaram numa
delas a faculdade de determinar o conteúdo da prestação.

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Esta situação vem prevista no art 400º que prevê que a determinação da prestação pode ser
confiada a uma das partes ou terceiro, mas que, em qualquer caso, deve ser feita segundo
juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados. Por esta norma, se pode
concluir que o poder de determinar não é absoluto, havendo que ocorrer uma conformidade à
equidade, a qual significa uma adequação ao que é comum nesses contratos e de acordo com
as circunstâncias do caso, havendo que se considerar simultaneamente o interesse do credor
em relação à prestação e as suas especiais relações económicas.

Quando as partes ou o terceiro não puderem determinar a prestação, ou não o realizarem no


tempo devido, ela deve ser efetuada pelo tribunal (400º/2).

Prestações genéricas
Art.539º. Opõe-se à especifica.
A prestação genérica, à data da constituição, apresenta-se como indeterminada,
aquando da determinação, a obrigasse transforma-se em especifica.
Determina-se apenas quanto ao género (ex: trigo) e à quantidade (ex: 100 kg),
pressupondo, para a sua determinação, operações de pesagem, escolha, medida, etc.
Apesar de o art.539º. atender tão-só ao género, impõe-se igualmente a indicação da
quantidade. Por via de regra, a mera determinação do género é insuficiente para preencher o
requisito da determinabilidade, ou seja, faltam critérios para a determinação da prestação.
Ex: obrigação de entrega de 20 garrafas de vinho. Há uma referencia ao género – vinho
- e à quantidade – vinte garrafas – mas ainda não estão concretizadas quais as
unidades com que o devedor deverá cumprir a obrigação. Daí que se chame genérica,
pois apenas o género se encontra determinado.
O facto de a obrigação ser genérica implica naturalmente que tenha que ocorrer um
processo de individualização dos espécimes dentro do género. É a denominada escolha que,
nos termos do art.400º pode caber a ambas as partes (credor ou devedor) ou a terceiro. Nos
termos do art.539º a regra é a de que a escolha cabe ao devedor, referindo o art.542º as
hipóteses excecionais de a escolha caber ao credor ou a terceiro. Pergunta-se, se o devedor é
absolutamente livre na escolha que faz, podendo escolher por ex. a mercadoria de pior
qualidade? Para o Prof. Menezes Leitão, o devedor deve entregar uma coisa de qualidade
média. Esta solução resulta do art.400º que estabelece que a determinação da prestação deve
ser realizada segundo juízos de equidade.
A indeterminação inicial da obrigação genérica coloca o problema da averiguação do momento
em que tem lugar a transferência da propriedade sobre as coisas que vão servir para o
cumprimento da obrigação, o que tem importância para efeitos de risco, uma vez que a regra
é a de que o risco do perecimento de coisa corre por conta do proprietário (art.796º). Ora, na
obrigação genérica a transferência da propriedade não pode ocorrer no momento da
celebração do contrato, conforme resulta genericamente do art.408º/1, relativamente as
coisas determinadas. Efetivamente, há sempre que determinar a prestação para se obter a
transferência da propriedade, referindo o art.408º/2, que essa transferência se opera quando
a coisa é determinada com conhecimento de ambas as partes. Só que as obrigações genéricas
são excetuadas desse regime, estando a transferência da propriedade sobre as coisas que
servem para o seu cumprimento sujeita a outras regras. Efetivamente, a transmissão da
propriedade ocorre no momento da concentração da obrigação, quando a obrigação passa de
genérica a específica, não se exigindo que essa concentração seja conhecida de ambas as
partes.

Mas quando é que ocorre a concentração da obrigação? Três teorias:

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a. teoria da escolha/separação, defendida por Thol – a concentração da obrigação


genérica ocorre logo no momento em que o devedor procede à separação
dentro do género da coisas que pretende usar par ao cumprimento da
obrigação. Nesse momento, o devedor já teria procedido à escolha das coisas
dentro do género, pelo que a obrigação deixaria de ser genérica e passaria a ser
especifica
b. teoria do envio, defendida por Puntschart – a simples separação não basta par
aa concentração da obrigação genérica, exigindo-se antes que o devedor
proceda ao envio para o credor das coisas com que pretende cumprir a
obrigação.
c. teoria da entrega, defendida por Jhering – a concentração da obrigação
genérica só ocorreria com o cumprimento da obrigação, só nesse momento se
efetuando a transferência do risco para o credor.

A nossa lei consagrou relativamente à concentração das obrigações genéricas por escolha do
devedor como regra geral a teoria da entrega de Jhering. Essa solução resulta do art.540º que,
ao referir que enquanto a prestação for possível com coisas do género estipulado não fica o
devedor exonerado pelo facto de terem perecido aquelas com que se dispunha a cumprir.
Efetivamente, se o devedor continua a ter que entregar coisas do mesmo género, isso significa
que a obrigação genérica ainda não se concentrou, pelo que essa concentração apenas ocorre,
regra geral, com o cumprimento. É esse, também o momento da transferência da propriedade
sobre as coisas objeto da obrigação genérica, já que, face ao art.408º/2, a transmissão da
propriedade sobre coisas genéricas exige a sua concentração, que normalmente apenas ocorre
mediante a entrega pelo devedor (540º).
A lei admite, porém, no art.541º, certos casos em que, embora cabendo a escolha ao devedor,
a obrigação se concentra antes do cumprimento. São eles:

a) O acordo das partes;


b) O facto de o género se extinguir a ponto de restar apenas uma – ou precisamente a
quantidade devida – das coisas nele compreendidas;
c) O facto de o credor incorrer em mora (813º);
d) A promessa de envio referida no art.797º; 1

No primeiro caso exige-se um acordo entre as partes. Esse acordo constitui um contrato
modificativo da obrigação, através do qual as partes substituem uma obrigação genérica por
uma especifica.
No segundo caso, a concentração ocorre por mero facto da natureza, mas não se está perante
um desvio da regra do art.540º, uma vez que, caso as coisas sobrantes também
desaparecessem, deixaria a prestação de ser possível com coisas do género estipulado, pelo
que o devedor estaria sempre exonerado em virtude da impossibilidade da prestação
(art.790º).
O terceiro caso vem previsto no art.813º. Nessa situação, se o credor, sem motivo justificado ,
recusa receber a prestação ou não pratica os atos necessários ao cumprimento da obrigação, a
lei determina que a obrigação genérica se concentra (art.541º), pelo que o risco do
perecimento dessas coisas correrá por conta do credor. Nesta situação a obrigação permanece
genérica.

1
Para o professor Menezes Cordeiro, a norma do art.541º documento cedências do legislador às teorias
da esolha ou do envio, pelo que, neste caso, o legislador se teria desviado da teoria da entrega.
Menezes Leitão discorda.

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Finalmente, a promessa de envio referida no art.797º não consiste sequer numa hipótese de
concentração da obrigação genérica antes do cumprimento. Efetivamente, esta norma não se
refere as dívidas em que o devedor se compromete a levar ou enviar a coisa até ao local do
cumprimento, suportando até então o risco de transporte. Refere-se apenas as denominadas
dívidas de envio ou remessa, em que o devedor não se compromete a transportar a coisa para
o local do cumprimento, mas apenas a, no local do cumprimento, colocar a coisa num meio de
transporte destinado a outro local. Assim, estas obrigações cumprem-se no próprio local do
envio ou da remessa, ficando a obrigação extinta nesse momento em virtude do cumprimento.
O facto de o credor ainda não ter recebido a prestação é irrelevante, uma vez que, o
cumprimento pode ser realizado a terceiro se assim tiver sido estipulado ou consentido pelo
credor (770º/a)).

Concluímos assim que, no nosso direito, a concentração da obrigação genérica, quando a


escolha compete ao devedor, apenas se dá no momento do cumprimento, podendo até lá o
devedor revogar escolhas que anteriormente tenha realizado. Tal só não sucederá se tiver
perdido a possibilidade material de o fazer ou se a escolha tiver sido aceite, o que significa que
as partes por acordo modificaram a obrigação, transformando-a em específica.
Diferentemente se passam as coisas quando a escolha compete ao credor ou a terceiro.
Nesses casos, a nossa lei adota plenamente a teoria da escolha, referendo o art.542º que, uma
vez realizada pelo credor ou pelo terceiro, passa a ser irrevogável. Consequentemente, a
escolha pelo credor ou pelo terceiro concentra imediatamente a obrigação, desde que
declarada respetivamente ao devedor ou a ambas as partes. Se, no entanto, a escolha couber
ao credor e este não a fizer dentro do prazo estabelecido ou daquele que para o efeito lhe for
fixado pelo devedor, é a este que a escolha passa a competir (542º/2). Naturalmente que
nesta situação passam a ser aplicáveis as disposições do art.540º e 541º, como se a escolha
coubesse ao devedor desde o início.

As obrigações alternativas

Caracterizam-se por existirem duas ou mais prestações de natureza diferente, mas em que o
devedor se exonera com a mera realização de uma delas que, por escolha, vier a ser designada
(art.534º).
As duas escolhas encontram-se em alternativa, mas apenas uma é concretizável através de
uma escolha.
Na falta de determinação em contrário, a escolha pertence ao devedor (art.534º/2), mas pode
também competir ao credor ou a terceiro (art.549º). Apesar de existirem duas ou mais
prestações, o devedor tem apenas uma obrigação, e o credor apenas um direito de crédito.

Só constituem obrigações alternativas aquelas que pressupõem uma escolha entre prestações.

A escolha tem de se verificar entre uma ou outra das prestações, não sendo permitido, mesmo
tratando-se de prestações divisíveis, que aquele a quem incumbe a escolha decida realizá-la
entre parte de uma prestação ou parte de outra (art.544º).

Pergunta-se, no entanto, se à semelhança do que sucede com as obrigações genéricas, quando


a escolha compete ao devedor, a determinação da prestação só ocorrerá no momento do
cumprimento? A resposta é negativa, já que o art.408º/2 excetua da solução que consagra
para a transferência da propriedade sobre coisa indeterminadas o regime das obrigações

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genéricas, mas não o regime das obrigações alternativas. Em relação a estas é, portanto, a
designação do devedor, desde que conhecida da outra parte, que determina a prestação
devida (art.543º/1 in fine e art.548º). Ele pode coincidir com a oferta real da prestação, mas
também pode ocorrer anteriormente, produzindo efeitos, designadamente para operar à
transferência do risco, desde que declarada ao credor. Não é, por isso, permitida ao devedor a
posterior revogação da escolha efetuada, uma vez que, após a realização da escolha, ele só se
exonera efetuando a prestação escolhida. A escolha é igualmente irrevogável quando compete
ao credor ou a terceiro, por força da remissão do art.549º para o art.542º.

Se, porém, alguma das partes não realizar a escolha no tempo devido, a lei prevê a devolução
dessa faculdade à outra parte (art.542º/2 ex vi art.549º e art.548º), ainda que sob critérios
diferentes:
Se a escolha couber ao credor – a escolha passa imediatamente a competir ao devedor.
Se a escolha couber ao devedor – a devolução dá escolha ao credor ocorre apenas na fase da
execução, tendo o credor, na fase declarativa, que obter uma condenção em alternativa
através da formulação de um pedido alternativo.

As obrigações alternativas têm um regime especial em sede de impossibilidade casual,


impossibilidade imputável ao devedor e impossibilidade imputável ao credor.
A impossibilidade casual, que é aquela que não é imputável a nenhuma das partes, vem
referida no art. 545º. Nesse caso, uma vez que a prestação ainda está indeterminada, por não
ter ocorrido a escolha, a propriedade sobre qualquer dos objetos da obrigação alternativa
ainda não se transmitiu para o credor, pelo que o risco pelo perecimento casual de alguma das
prestações corre por conta do devedor. Assim, se o devedor, se comprometeu a entregar ao
credor o carro X ou o barco Y e este último naufraga em virtude de um temporal, é o devedor
que tem de suportar esse prejuízo, devendo entregar ao credor o carro X. Em virtude da
impossibilidade casual ocorre um fenómeno de redução da obrigação alternativa à prestação
que ainda seja possível.
Diferentemente se passam as coisas, no entanto, quando a impossibilidade é imputável a
alguma das partes. Nesse caso, temos que verificar a quem pertence a escolha, já que a
impossibilidade de uma das prestações pode afetar a escolha que a outra parte pretenda
fazer, quando esta lhe compete.
O art 546º refere o caso de a impossibilidade ser imputável ao devedor. Neste caso, se a
escolha lhe competir, ele deve efetuar uma das prestações possíveis. Se a escolha competir ao
credor, ele pode exigir uma das prestações possíveis, ou exigir indemnização pelos danos de
não ter sido realizada a prestação que se tornou impossível, ou resolver o contrato nos termos
gerais. A diferença entre as duas situações reside na circunstância de no primeiro caso a
impossibilidade ser causada pela parte a quem compete a escolha, pelo que a faculdade de
escolha da outra parte não é afetada. Pelo contrario, na segunda situação, não apenas é
afetada uma das prestações, mas também o direito de outra parte a realizar a escolha pelo
que a lei em alternativa a indemnização ou a resolução do contrato.
Se a impossibilidade for imputável ao credor, aplica-se a situação o disposto no art 547º. Se a
escolha pertence ao credor, considera-se a obrigação como cumprida. Esta é a solução lógica,
pois o devedor não tinha a faculdade de escolher e a atitude do credor, ao impossibilitar
culposamente uma das prestações, deve ser equiparada à situação de ele a escolher. Se a
escolha pertencer ao devedor, a obrigação também se considera como cumprida, a menos que
o devedor prefira realizar outra prestação e ser indemnizado dos danos de que haja sofrido.
Neste caso, a atitude do credor implica a impossibilitação da escolha pelo devedor, pelo que se
concede ainda a este a alternativa de optar pela indemnização (801º/2).
A lei não resolve, porém, ainda um problema que é o de a impossibilidade ser imputável a
uma das partes e a escolha caber a terceiro. Para o Prof. Menezes Leitão, deve-se seguir a

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ideia do Prof. Menezes Cordeiro que nos diz que, quando a obrigação se torna impossível, o
terceiro perde a faculdade de realizar a escolha, uma vez que ele só pode escolher entre
duas prestações possíveis e não entre uma prestação e uma indemnização. Por esse motivo,
se a escolha pertencer a terceiro e a impossibilidade for imputável ao devedor, deve passar a
ser o credor que escolherá entre exigir a prestação possível, a indemnização ou resolução do
contrato (art. 546º). Se a escolha pertencer a terceiro e a impossibilidade for imputável ao
credor, deverá passar a ser o devedor a escolher entre considerar cumprida a obrigação ou
realizar outra prestação, exigindo simultaneamente uma indemnização (art 547º). Assim, o
terceiro só escolhe entre prestações possíveis, passando a escolha a caber as partes, quando
se verifica a impossibilidade de uma das prestações.
As obrigações alternativas representam modalidades de obrigações comprestação
indeterminada. Não se confundem, por isso, com as obrigações com faculdade alternativa (ver
ex. do art 538º), onde a prestação já se encontra determinada, mas se dá ao devedor a
faculdade de substituir o objeto da prestação por outro.
Em termos práticos, a diferença de situações reside na posição do credor. Enquanto nas
obrigações alternativas, o direito de o credor abrange duas prestações em alternativa, nas
obrigações com faculdade alternativa abrange apenas uma prestação, ainda que a outra parte
tenha a faculdade de a substituir.

As obrigações pecuniárias
Correspondem as obrigações que têm dinheiro por objeto, visando proporcionar ao credor o
valor que as respetivas espécies monetárias possuam.
Temos então dois requisitos cumulativos:
• Se a obrigação tem dinheiro por objeto, mas não visa proporcionar ao credor o valor
dele não estamos perante uma obrigação pecuniária (entrega de determinadas
moedas e notas, para integrar uma colecção).
• Se a obrigação visar apenas proporcionar ao credor um valor económico (de um
determinado objeto ou de uma componente do património) não tendo assim por
objeto a entrega de quantias em dinheiro, falar-se-á antes em dívida de valor, a qual
se caracteriza por ter objeto um valor fixo, que não sofre alterações em caso de
desvalorização da moeda, não suportando assim o credor o risco correspondente. A
dívida de valor terá em certo momento, que ser liquidada em dinheiro, pelo que nesse
momento se converterá em obrigação pecuniária.

O dinheiro, objeto destas obrigações, assegura na ordem económica simultaneamente as


funções:
• De meio geral de trocas: advém do facto de o dinheiro, em função do seu poder de
compra, ser utilizado para efeitos de aquisição e alienação de bens e serviços.
• De meio legal de pagamento: resulta de ser atribuída eficácia liberatória à entrega de
espécies mo monetárias em pagamento das obrigações pecuniárias.
• De unidade de conta: resulta de, sendo o valor da moeda relativamente estável, pode
ser utilizado como medida do valor dos bens e serviços de qualquer tipo.

Segundo a sistematização do CC, as obrigações pecuniárias podem subdividir-se em três


modalidades :

1. Obrigação de quantidade

Têm por objeto uma quantidade de moeda com curso legal no país.

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Atualmente é o euro. O seu regime encontra-se no art. 550º dele resulta a referência a
dois princípios reguladores do regime das obrigações pecuniárias de quantidade:
• Princípio do curso legal: significa que o cumprimento das obrigações pecuniárias
se deve realizar com espécies monetárias a que o Estado reconheça função
liberatória genérica, cuja aceitação é obrigatória para os particulares. Resulta
daqui que a obrigação pecuniária de quantidade tem sempre por objeto uma
quantia de unidades monetárias, devendo o cumprimento ser realizado com
espécies que tenham curso legal.
Dogmaticamente, as obrigações de quantidade consistem em obrigações
genéricas, sujeitas ao regime respetivo, mas o género de referência toma por base
todo o universo da moeda com curso legal no país. Daí que nas obrigações
pecuniárias seja impossível a extinção do género referida no art. 541º, não ficando
o devedor libertado pelo facto de não possuir dinheiro para efetuar o pagamento,
dado que enquanto houver moeda com curso legal subsistir o género acordado
para o pagamento.
• Princípio do nominalismo monetário: Visando as obrigações pecuniárias
proporcionar ao credor o valor correspondente as espécies monetárias entregues,
que possa ser utilizado como meio geral de troca, há que determinar qual o valor a
que essas espécies monetárias devem ser referidas. A moeda além do valor
nominal, facial ou extrínseco, corresponde à quantidade de bens que pode
adquirir (valor de troca interno) ou à quantidade em moeda estrangeira pela qual
pode ser trocada (valor de troca esterno). Em, períodos de inflação ou deflação, o
valor de troca da moeda pode sofrer alterações entre o momento de constituição
da obrigação e o momento do cumprimento, levando a que a entrega das espécies
monetárias já não tenha correspondência com o valor de troca que a moeda
possuía no momento da constituição da obrigação.
A lei resolve este problema, dando preferência ao valor nominal da moeda para
efeitos do cumprimento (art. 550.o ao prever que o cumprimento das obrigações
pecuniárias se faz pelo valor nominal da moeda no momento do cumprimento). É
a consagração legal deste princípio. Como consequência temos que uma ob.
pecuniária de longo prazo acarreta o risco de desvalorização da moeda, com a
inerente perda do seu poder de compra, e que esse risco é suportado pelo credor,
já que o devedor se libera com a simples entrega da quantia monetária
convencionada.
Exceções:
o Possibilidade das partes convencionarem coisa diferente (art. 550º como
supletivo). As partes podem estipular formas de atualização da prestação
de que é exemplo a convenção de rendas escalonadas (art. 78º, n.º2 do
R.A.U.).
o A lei vem prever a atualização das obrigações pecuniárias, o que acontece
normalmente nas situações de prestações periódicas (renda no
arrendamento urbano – art. 32º do R.A.U. – obs. De alimentos – art.
2012º).
O art. 551º determina que, «quando a lei permitir a atualização das prestações
pecuniárias, por virtude das flutuações do valor da moeda, atender-se-á́, na falta de outro
critério legal, aos índices dos preços, de modo a restabelecer, entre a prestação e a
quantidade de mercadorias a que equivale, a relação existente na data em que a obrigação
se constituiu». Adota-se preferencialmente o critério do índice de preços, para efeitos de
atualização das obrigações pecuniárias, quando esta é legalmente permitida. No caso de
atualização convencional das obrigações pecuniárias, caberá́ as partes fixar o critério de
atualização.

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2. Obrigações em moeda específica


Correspondem a situações em que a obrigação pecuniária é convencionalmente limitada a
espécies metálicas ou ao valor delas, afastando-se assim por via contratual a possibilidade
do pagamento em notas. O legislador, apesar do já referido princípio do curso legal não
excluiu a possibilidade de as partes convencionarem que o cumprimento se fará em
moeda específica (art. 552º), o que permite assegurar a validade destas cláusulas, sempre
que a lei não as proíba.
Apesar de raras as obrigações em moeda específica podem desempenhar a função de
defesa das partes contra a desvalorização da moeda. As moedas metálicas possuem além
do valor facial ou extrínseco, e do valor de troca, um valor intrínseco, correspondente ao
das ligas metálicas de que são compostas. Assim, sempre que haja desvalorização do valor
facial da moeda, o seu valor intrínseco tem tendência a não ser modificado, o que permite
que nas moedas metálicas o risco da desvalorização seja menor do que nas tocas de
banco.
O legislador distingue, no art. 552º, duas modalidades em função de ter sido ou não
estipulado igualmente um quantitativo expresso em moeda corrente:
• Obrigação em certa espécie monetária: se for estipulado um quantitativo expresso
em moeda corrente, considera-se que a obrigação tem que ser efetuada na
espécie monetária estipulada, desde que ela exista, ainda que tenha variado de
valor após a data em que a obrigação foi constituída (art. 553º)
• Obrigação em valor de uma espécie monetária: se for estipulado um quantitativo
expresso em moeda corrente, a estipulação do pagamento em moeda específica, é
considerada apenas como pretendendo estabelecer uma vinculação ao valor
corrente que a moeda ou moedas do metal escolhido tinham à data da estipulação
(art. 554º).

3. Obrigações em moeda estrangeira

As obrigações em moeda estrangeira ou obrigações volutarias são aquelas em que a


prestação é estipulada em relação a espécies monetárias que têm curso legal apenas no
estrangeiro. Essa estipulação é comum, sempre que as partes pretendam acautelar-se
contra uma eventual desvalorização da moeda europeia ou especular com a eventual
subida de valor da moeda estrangeira.
A doutrina distingue entre:
• Obrigações volutarias próprias ou puras: verifica-se que o próprio cumprimento da
obrigação só pode ser realizado em moeda estrangeira, não podendo o credor
exigir o pagamento em moeda nacional nem o devedor entregar esta moeda.
• Obrigações volutarias improprias ou improprias: a estipulação da moeda
estrangeira funciona apenas como unidade de referência para determinar, através
do câmbio de determinada data, a quantidade de moeda nacional devida. Nesse
caso, o cumprimento terá obrigatoriamente que ser realizado em moeda nacional.

O art. 558.° vem consagrar a título supletivo uma categoria de obrigações volutarias
intermédia em relação a esta bipartição:
• Obrigação valutária mista: consiste na situação de ser estipulado o cumprimento
em espécies monetárias que possuem curso legal apenas no estrangeiro, mas
admitir-se a possibilidade de o devedor realizar o pagamento na moeda nacional

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com base no câmbio da data de cumprimento. Esta possibilidade é, no entanto,


restrita ao devedor, constituindo, por isso, uma obrigação com faculdade
alternativa, já que o credor apenas pode exigir o cumprimento na moeda
estipulada.

Se o credor entrar em mora, o devedor tem ainda a opção de realizar o cumprimento de


acordo com o câmbio da data em que a mora se deu (art. 558.°, nº2), sendo-lhe assim
conferida a possibilidade de por essa via impedir a aplicação da diferença cambial
desfavorável que poderia resultar da mora do credor. Se essa diferença cambial for
favorável, naturalmente que o devedor não é obrigado a fazer essa opção, uma vez que o
credor deve suportar todas as consequências da sua mora, mesmo as que se traduzam
num benefício para o devedor.
A lei não regula, porém, o caso simétrico de ser o devedor a entrar em mora neste tipo de
obrigações. Nesse caso, por força do art. 804.°, nº 2, caberá ao devedor indemnizar o
credor por todos os prejuízos sofridos, devendo a indemnização abranger não apenas a
eventual diferença cambial desfavorável, mas também os correspondentes juros de mora.
Naturalmente que os juros de mora não poderão ser calculados com base nos juros legais
portugueses, uma vez que a disposição do art. 806.°, n.º2, não se aplica as obrigações
volutarias. Deverá antes aplicar-se a taxa legal da moeda em causa ou a taxa de mercado,
quando esta não exista, não ficando o credor impedido de reclamar danos superiores.

Obrigação de juros
Correspondem a uma modalidade especifica de obrigações, as quais se caracterizam por
corresponderem à remuneração da cedência ou do diferimento da entrega de coisas
fungíveis (capital) por um certo lapso de tempo.
A obrigação de juros pressupõe assim uma obrigação de capital, sem a qual não se pode
constituir e tem o seu conteúdo e extensão delimitados em função do tempo, sendo, por isso,
uma prestação duradoura periódica. Por esse motivo, a lei caracteriza os juros como frutos
civis (art. 212.°, nº2) uma vez que são frutos das coisas fungíveis, produzidos periodicamente
em virtude de uma relação jurídica.
Essa relação jurídica, neste caso, consiste na cedência das coisas fungíveis com obrigação de
restituição de outro do mesmo género ou no diferimento da sua entrega, sendo o juro
calculado em função do lapso de tempo correspondente à utilização do capital. Os juros
representam assim uma prestação devida como consequência ou indemnização pela privação
temporária de uma quantidade de coisas fungíveis denominada capital e pelo risco de
reembolso desta.
A obrigação de juros aparece como uma obrigação que se constitui tendo como referência
uma outra obrigação e constitui economicamente um rendimento desse mesmo capital. São
duas obrigações distintas, já que, a partir do momento em que se constitui, o crédito de juros
adquire autonomia em relação ao crédito de capital, podendo qualquer deles ser cedido ou
extinguir-se sem o outro (art. 561º)
Relativamente aos juros é possível distinguir entre:
• Juros legais: encontram-se no art. 559º, nº1 que remete a fixação da taxa para
diploma avulso, e são aqueles que são aplicáveis sempre que haja normas legais
que determinem a atribuição de juros em consequência do diferenciamento na
realização de uma prestação (art. 806º), funcionamento ainda supletivamente
sempre que as partes estipulem a atribuição de juros sem determinarem a sua
taxa ou quantitativo (art. 559º, nº1).

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• Juros convencionais: são aqueles em que a sua taxa ou quantitativo é estipulado


pelas partes. A lei coloca limites à liberdade de estipulação das partes nesta sede,
prevendo no art. 1146º a qualificação como usuários de quaisquer juros anuais
que excedam os juros legais acima de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia
real, sendo esta regra estendível a todas as obrigações de juros (art. 559º-A). As
partes estão impedidas de estipular juros que ultrapassem esses limites e, caso o
façam, a lei determina, em derrogação ao art. 292º, a fixação dos juros nesses
montantes máximos, ainda que tivesse sido outra a vontade das contraentes.

Podemos ainda distinguir em:


• Juros remuneratórios: têm uma finalidade remuneratória, correspondente ao
preço do empréstimo do dinheiro. O credor priva-se do capital por tê-lo cedido ao
devedor por meio de mútuo, exigindo uma remuneração por essa cedência (art.
1145º, nº1).
• Juros compensatórios: destinam-se a proporcionar ao credor um pagamento que
compense uma temporária privação de capital, que ele não deveria ter suportado
(arts. 480º e 1167º).
• Juros moratórios: têm natureza indemnizatória de danos causados pela mora,
visando recompensar o credor pelos prejuízos sofridos em função da mora (art.
806º).
• Juros indemnizatórios: destinam-se a indemnizar os danos sofridos por outro
facto praticado pelo devedor (maxime, o incumprimento da obrigação).

Uma das regras importantes relativas à obrigação de juros é a proibição do anatocismo, ou


seja, da cobrança de juros sobre juros, uma vez que essa cobrança poderia ser forma de
indirectamente violar a proibição da cobrança de juros usuários. A lei consagra a regra que o
juro não vence o juro, a menos que haja convenção posterior ao vencimento, ou seja efetuada
uma notificação judicial ao devedor para capitalizar os juros ou proceder ao seu pagamento,
sob pena de capitalização (art. 560º, nº1). Só nesses dois casos há lugar à capitalização de
juros e só podem ser capitalizados os juros correspondentes a um período mínimo de um ano
(art. 560º, nº2). A lei determina ainda que não são aplicáveis estas restrições, se forem
contrarias a regras ou usos particulares do comercio (560º, nº3).

CONTRATOS
Os negócios jurídicos costumam ser distinguidos em unilaterais, que são os que possuem
apenas uma parte, e contratos, que são os que possuem duas ou mais partes. Normalmente, o
contrato possui apenas duas partes, e por isso, é designado de negócio jurídico bilateral
(quando tenha mais de duas partes, designa-se por multilateral).
Entende-se por parte, não uma pessoa, mas antes o titular de um interesse, o que poderia
implicar que duas ou mais pessoas constituíssem uma única parte, quando tivessem interesses
comuns.
Para o Prof. Menezes Leitão, devemos distinguir o negócio unilateral do contrato através do
critério da necessidade de uma declaração ou duas. No negócio unilateral há apenas uma
única declaração negocial, da qual resultam todos os efeitos jurídicos estipulados,
independentemente de ter um único autor ou vários. Por sua vez, o contrato é o resultado de
duas ou mais declarações negociais contrapostas, mas integralmente concordantes entre si, de
onde resulta uma unitária estipulação de efeitos jurídicos. Consequentemente, os contratos
pressupõem sempre uma proposta e a sua aceitação, das quais deve resultar o mútuo
consenso sobre todas as cláusulas sobre as quais uma das partes julgue necessário o acordo.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Modalidades de contratos

1. Quanto à forma

No art. 219º encontra-se consagrado o denominado princípio do consensualismo que refere


que “a validade da declaração negocial depende da observância de forma especial, salvo
quando a lei o exigir”. Desta norma resulta que o princípio geral é o da desnecessidade de
qualquer forma especial para a celebração do contrato, admitindo-se que as declarações das
partes podem ser exteriorizadas por qualquer meio. São por esse motivo excecionais todas as
disposições que exigem, sob pena de nulidade, a adoção de uma forma especial para a
declaração negocial (220º), o que tem como consequência a proibição da sua aplicação
analógica (art 11º).
A exigência, em certos casos, de uma forma especial para a validade da declaração negocial
leva a distinguir entre contratos formais e não formais.
São formais os contratos em que a declaração negocial só pode ser exteriorizada por uma
determinada forma prevista na lei (ex: escritura pública ou particular).
São não formais aqueles contratos em que a declaração negocial pode ser exteriorizada por
qualquer meio, incluindo a oralidade. Como exemplo de contratos em que é exigida escritura
pública, temos os contratos de alienação de imóveis (875º, 947º) e o mútuo, quando superior
a 25.000 Euros (1143º).

2. Quanto ao modo de formação

Deve ainda distinguir-se, quanto ao seu modo de formação, entre contratos reais quoad
constitutionem e contratos consensuais.
Os contratos quoad constitutionem são aqueles para cuja celebração se exige a tradição ou
entrega da coisa de que são objeto.
Os contratos consensuais são aqueles em que a entrega da coisa é dispensada – dá-se por
mero consenso negocial.
A exigência da tradição da coisa para a constituição destes contratos costuma ser
implicitamente referida através da descrição do tipo contratual e do facto de no seu regime
não se prever a obrigação de entrega da coisa (parceria pecuária – art. 1129º – comodato –
art. 1129º – mútuo – 1142º – depósito art. 1185º). Em todos estes casos, a referência à
expressão «contrato pelo qual uma das partes entrega» na descrição do tipo contratual indica
que a entrega não consiste numa obrigação assumida no contrato, sendo antes ato livre de
uma das partes, que é pressuposto para constituir esse mesmo contrato.

Noutras hipóteses o legislador determina expressamente a proibição de o contrato se


constituir sem a entrega da coisa. É o que acontece no penhor de coisas (art. 669º) na doação
verbal de coisas móveis (art. 947º, nº2) e no reporte (art. 477º C. COM.).
Tem vindo a ser levantada na doutrina a questão de saber se a exigência de tradição da coisa
para a constituição de certos contratos ainda desempenharia, no direito atual, alguma função
útil.
Menezes Cordeiro e Carvalho Fernandes respondem que sim, embora normalmente estes
autores excluam da solução propugnada o penhor de coisas, onde consideram que a tradição
corresponde a uma situação de publicidade constitutiva.
Pires de Lima e Antunes Varela respondem que não.
Para Prof. Menezes Leitão a questão da dispensa da tradição (e consequente admissibilidade
da constituição do contrato como consensual) só se pode colocar relativamente as situações

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

em que a referência à tradição aparece apenas na descrição do tipo legal, já que sempre que a
lei exige imperativamente a tradição para a constituição do contrato (penhor de coisas, doação
verbal de coisas móveis e no reporte) parece claro que as partes não apodemdispensar. Assim,
está-lhes vedado constituir consensualmente uma doação verbal de coisas móveis, uma vez
que, não existindo tradição, esta só poderá ser realizada por escrito (art. 947.o). No caso do
reporte e do penhor de coisa, nem a forma escrita permite dispensar a tradição, uma vez que a
lei determina que o contrato não se pode constituir sem ela (art. 669º e art. 477º do Código
Comercial).
Nos contratos como a parceria pecuária, mútuo, depósito ou comodato fará, porém, sentido a
exigência imperativa da tradição, ou deve-se antes considerar que este elemento do tipo legal
é meramente natural e não essencial? A questão só poderá ser resolvida perante a análise das
funções que a tradição desempenha nestes contratos. Quem entenda que ela não
desempenha hoje uma clara função útil, tenderá naturalmente a considerá-la dispensável para
efeitos da constituição do contrato, admitindo a celebração desses contratos como
consensuais.
A exigência da tradição da coisa tem uma função útil de não permitir que a execução do
contrato ocorra numa fase posterior à da declaração negocial, exigindo que a execução do
contrato se manifeste precisamente nessa declaração negocial. Tal regime tem a vantagem de
não permitir a execução do contrato, quando a declaração negocial da parte mais sacrificada já
não é atual, o que é ditado precisamente para evitar a emissão de declarações negociais
precipitadas, em contratos que podem implicar a abdicação do gozo das coisas de que são
objeto.
A tradição deve ser considerada um elemento essencial do contrato, não se podendo admitir a
sua dispensa dado que isso corresponderia a atribuir a eficácia constitutiva desses contratos
ao simples consenso, quando a lei determina que essa constituição apenas ocorre com a
tradição.
Por outro lado, admitir a ideia de que se pode formar, com base na autonomia privada,
contratos consensuais ao lado dos contratos reais quoad constitutionem, parece-nos incorreto
já que os tipos contratuais são definidos em função dos seus efeitos e não da sua forma de
constituição (não há um mútuo real e um mútuo consensual mas apenas e tao só contratos de
mútuo). Ora, nesse contratos, ou se defende que é exigida a tradição para se constituírem
(contratos reais quoad constitutionem) ou se entende que o contrato já está formado antes da
tradição, e então o contrato é consensual.
Deste modo, o Prof. Menezes Leitão defende a manutenção no atual direito da categoria dos
contratos reais quoad constitutionem, recusando a possibilidade de estes contratos se
constituírem como consensuais.
3. Quanto aos efeitos
3.1. Contratos obrigacionais e reais

A eficácia jurídica reconduz-se à produção de efeitos de direito e estes, sendo


necessariamente reportados a pessoas, dão origem a situações jurídicas. A eficácia jurídica
classifica-se em eficácia jurídica constitutiva, transmissiva, modificativa ou extintiva.
Nos contratos a produção dos efeitos jurídicos resulta da livre decisão das partes ao abrigo da
autonomia privada. Consequentemente, qualquer destes tipos de eficácia jurídica pode ser
estipulada, podendo, por isso, falar-se em contratos constitutivos, modificativos,
transmissivos ou extintivos de direitos ou obrigações.
A mais importante classificação de contratos é a que distingue:
• Contratos reais – a situação jurídica em questão reconduz-se a um direito real sobre
uma coisa corpórea.
• Contratos obrigacionais – a situação jurídica dá origem a direitos de crédito.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Os contratos obrigacionais reconduzem-se à criação de direitos de crédito e obrigações, sendo


a sua eficácia sobre a esfera jurídica das partes imediata. Os contratos reais colocam um
problema particular, uma vez que pode suceder que a sua eficácia não seja imediata, o que
sucede sempre que não estejam preenchidos, no momento da celebração do contrato, os
requisitos necessários para que o contrato dê origem a uma situação jurídica de natureza real.

A regra geral, porém, é a de que a transmissão dos direitos reais sobre coisas determinada
ocorre por mero efeito do contrato (art. 408º, nº1). Está consagrada nesta disposição o
sistema do título (sistema do titulo – a constituição ou transferência de direitos reais depende
unicamente da existência de um título de aquisição, sendo assim o contrato, enquanto negócio
casual, suficiente para operar a transmissão do direito real), o qual ocorre apenas em virtude
do próprio contrato, não ficando dependente de qualquer ato posterior, como a tradição da
coisa ou o registo. Daqui resulta a consequência de que o adquirente da coisa, sendo
considerado proprietário a partir da celebração do contrato, sofre o risco da sua perda ou
deterioração a partir desse momento (art.796º/1).
É de notar, no entanto, que esta transmissão da propriedade no momento da celebração do
contrato apenas ocorre relativamente a coisas que já possuem os requisitos necessários do
art. 408º/1 (coisas presentes, determinadas e autónomas de outras coisas). Se as coisas ainda
não possuírem esses requisitos, (coisas futuras, indeterminadas, coisas ligadas a outras)
refere-nos o art 408º/2 que a transferência da propriedade é diferida para um momento
posterior ao da celebração do contrato.
Temos, assim, que relativamente a coisas futuras, o momento da transferência da
propriedade é o da aquisição da coisa pelo alienante, regime que é aplicável, quer se trate
de coisas relativamente futuras (art.211º), quer de coisas absolutamente futuras (as que
ainda não existem, ao tempo da declaração negocial). Esta norma é essencialmente aplicável à
compra e venda (art.880º), uma vez que a doação não pode abranger bens futuros (art.942º) e
o próprio 408º/2 exclui deste regime a empreitada.

Relativamente a coisas indeterminadas, a transferência verifica-se no momento em que a


coisa é determinada com conhecimento de ambas as partes. Deste regime são excetuadas as
obrigações genéricas (art.539º e ss.), em que a transmissão da propriedade ocorre com o
cumprimento, salvo os caso s especiais referidos no 541º. Mas já é aplicável relativamente as
obrigações alternativas (543º e ss.), onde a transferência do direito real se verifica quando a
escolha da prestação, efetuada por aquele a quem compete (543º/2), chega ao conhecimento
da contraparte.

Tratando-se de coisas ligadas a outras, como sucede nos frutos naturais e as partes
componentes integrantes de outras coisas, a transferência verifica-se no momento da colheita
ou separação (880º).

No entanto, em todos estes casos, a transmissão da propriedade continua a realizar-se por


efeito do contrato, já que, embora não ocorra no momento da sua celebração, continua a ser
consequência direta deste, e não de qualquer outro segundo ato, a praticar pelo alienante.

3.2. A cláusula de reserva de propriedade


Ocorrendo entre nós a transferência da propriedade sempre em virtude da celebração do
contrato e, normalmente no momento dessa celebração, a transmissão dos bens é
extraordinariamente facilitada em prejuízo dos interesses do alienante. Assim, se for
celebrado um contrato de compra e venda de um bem, o comprador torna-se imediatamente
proprietário do bem vendido e pode voltar a aliená-lo, mesmo que este não lhe tenha sido
entregue ou o preço respetivo ainda não esteja pago. Ao vendedor resta apenas a

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

possibilidade de cobrar o preço. Este é, porém, um mero direito de crédito, que não lhe atribui
qualquer preferência no pagamento, o que implica para o vendedor ter de concorrer com
todos os credores comuns do comprador sobre o património deste (604º/2). Assim, caso o
comprador não possua bens suficientes para pagar a todos os seus credores, o vendedor não
terá́ possibilidade de cobrar a totalidade do preço.
A compra e venda a crédito apresenta-se por isso um negócio que envolve riscos elevados
para o vendedor, pois a celebração do contrato acarreta para ele a mudança de uma situação
de proprietário de um bem para a de um mero credor comum, sem qualquer garantia especial,
nem sequer sobre o bem vendido.
Para mais, a lei através do art. 886º retira ao vendedor a possibilidade de resolução do
contrato por incumprimento de outra parte (801º/2), a partir do momento em que ocorra a
transmissão da propriedade e a entrega da coisa.
Em virtude dessas consequências, tornou-se comum, nos contratos de compra e venda a
crédito, a celebração de uma cláusula de reserva de propriedade. A reserva de propriedade
vem referida no art 409º, podendo ser definida como a convenção pela qual o alienante
reserva para si a propriedade da coisa, até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da
outra parte, ou até à verificação de qualquer outro evento (409º/1). A clausula de reserva de
propriedade pode ser celebrada em relação a quaisquer bens, mas a lei dispõe que, no caso
de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a
terceiros (409º/2). Nos outros casos, não será exigida qualquer publicidade, para se poder
opor a reserva de terceiro, mesmo que esteja de boa fé e tenha obtido a propriedade por
transmissão do adquirente sob reserva. No entanto, se o terceiro adquirir a propriedade a
titulo originário (ex. usucapião ou acessão), naturalmente que a reserva de propriedade se
extinguirá.
A clausula de reserva de propriedade implica que, por acordo entre vendedor e comprador,
a transmissão da propriedade fique diferida para o momento do pagamento integral do
preço. A função desse acordo não é permitir ao vendedor a continuação do gozo sobre o bem,
mas apenas defender o vendedor de eventuais consequências do incumprimento do
comprador.
Em caso de incumprimento por parte do comprador, o vendedor continua a poder resolver o
contrato nos termos do art. 801º/2, uma vez que a exclusão deste direito pelo art. 886º só se
verifica se tiver ocorrido a transmissão da propriedade da coisa. No entanto, em caso de venda
a prestações, o art 934º exclui imperativamente a resolução do contrato se o comprador faltar
ao pagamento de uma única prestação e esta não exceder a oitava parte do preço. Já haverá́,
no entanto, lugar à resolução do contrato, se o comprador faltar ao pagamento de duas
prestações, mesmo que estas, em conjunto, não excedam a oitava parte do preço.

Pode perguntar-se qual a posição jurídica do comprador relativamente à coisa, a partir do


momento em que é celebrada a clausula de reserva de propriedade. A posição tradicional da
nossa doutrina, sufragada nomeadamente por Galvão Telles, Antunes Varela é a de que a
reserva de propriedade devia ser qualificada como uma condição suspensiva na medida em
que a transmissão da propriedade ficaria subordinada a um facto futuro e incerto – o
pagamento do preço – o que permitiria ver a posição jurídica do comprador como a de
adquirente condicional. Essa qualificação permitiria aplicar ao comprador o regime dos art.
273º e 274º, daí resultando, no entanto, que o risco do perecimento da coisa, durante esse
período correria por conta do vendedor, ainda que a coisa já tivesse sido entregue ao
comprador (796º/3). Esta também é a posição do Dr. Lacerda Barata.
Para o Prof. Menezes Leitão, no entanto, a reserva de propriedade não pode ser qualificada
como uma condição, definindo-se esta como a cláusula acessória do negócio jurídico que
determina a subordinação dos seus efeitos a um acontecimento futuro e incerto (270º).
Efetivamente, na reserva de propriedade não se subordinam os efeitos do negócio a um

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evento exterior ao mesmo, antes se faz depender um dos efeitos essenciais desse mesmo
negócio. Não há, assim, qualquer condição, mas antes uma alteração da ordem de produção
dos efeitos negociais. Sem a reserva, a transmissão da propriedade ocorre antes do
pagamento do preço. Com a reserva, ela passa a ocorrer posteriormente a ele.
O problema, no entanto, é que nesse caso, a conservação da propriedade no vendedor visa
essencialmente funções de garantia do pagamento do preço, uma vez que o negócio
translativo já foi celebrado. Ora, assim sendo, esse negócio já confere ao comprador uma
expectativa jurídica de aquisição do bem, a qual deve ser considerada oponível a terceiros.
Não pode considerar-se o comprador como mero detentor, uma vez que a celebração de
compra e venda torna-o possuidor em nome próprio. Esta expectativa real atribui-lhe assim
poder de usar e fruir a coisa, apenas lhe estando vedada a sua disposição por tal ser
incompatível com a função de garantia visada com a conservação da propriedade no
vendedor.
Assim, tanto o vendedor como o comprador são titulares de situações jurídicas reais, havendo
que distribuir o risco de acordo com o proveito que cada um tirava da respetiva situação
jurídica, como o vendedor conservava apenas a propriedade como função de garantia, deve
apenas suportar o risco da perda dessa garantia. Pelo contrario, como o comprador já se
encontrava a tirar todo o proveito da coisa, é a ele que competirá suportar o risco pela sua
perda ou deterioração.

4. Contratos nominados e inominados

O contrato diz-se nominado, quando a lei o reconhece como categoria juridica através de um
nomen iuris.
O contrato diz-se inominado, quando a lei não o designa através de um nomen iuris, não o
reconhecendo assim nas suas categorias contratuais.
A integração do contrato entre as categorias legais opera-se através da sua qualificação e
depende da circunstância\ de os elementos principais do contrato corresponderem aos
elementos principais do tipo legal, independentemente de a vontade das partes ir ou não ao
encontro dessa qualificação

5. Contratos típicos e atípicos

Os contrato diz-se típico, quando o seu regime se encontra previsto na lei.


O contrato diz-se atípico, quando o seu regime não se encontra previsto na lei.

Os contratos nominados podem ser típicos e atípicos. O contrato inominado é sempre atípico
de acordo com Menezes Leitão. Assim, a compra e venda (art.874º e ss.) ou a doação (art.940º
e ss.) são contratos nominados e típicos, uma vez que, alem de possuírem um nome, têm
estabelecido um regime jurídico na lei. Outros contratos, como a hospedagem, são contratos
nominados e atípicos, pois apesar de a lei os reconhecer como categorias jurídicas não
estabelece qual o seu regime. Por outro lado, se as partes celebrarem um contrato que a lei
desconheça por completo, tratar-se-á de um contrato inominado e atípico.
A atipicidade legal pode, porém, ocorrer relativamente a certos contratos que, apesar de não
estarem regulados na lei, são amplamente conhecidos na pratica juridica, levando que pela
sua simples designação as partes identifiquem um regime, que essa pratica teria vindo a
impor. Fala-se nesses casos em tipicidade social, a qual, normalmente, acaba por desencadear
um posterior reconhecimento do contrato pelo legislador. É o que sucede por ex. com os
contratos de franchising. Nos contratos socialmente típicos poderá eventualmente admitir-se
a existência de verdadeiros tipos jurídicos, sempre que a prática social reiterada, ligada à
convicção de obrigatoriedade, tenha feito surgir verdadeiras normas de direito

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

consuetudinário a estabelecer a regulação desses contratos. Nos outros casos, o regime do


contrato atípico apenas poderá ser estabelecido através da aplicação das normas gerais dos
contratos e da aplicação analógica das normas não excecionais relativas a contratos próximos
do contrato atípico.

6. Contratos sinalagmáticos

Os contratos são denominados sinalagmáticos ou não sinalagmáticos consoante originem


obrigações recíprocas para ambas as partes, ficando assim ambas simultaneamente na posição
de credores e devedores, ou não originem essas obrigações.
Menezes Cordeiro pretende ainda ser possível autonomizar desta a classificação entre
contratos monovinculantes e bivinculantes, consoante apenas uma das partes fique vinculada
ou a vinculação exista em relação a ambas. O autor da o exemplo a situação do contrato-
promessa unilateral, em que considera existir sinalagma por implicar prestações correlativas,
já que para o contrato definitivo se formar se exige a declaração de ambas as partes. Contudo,
o Prof. Menezes Leitão não crê que exista base para esta distinção. Dizer que só uma das
partes tem uma obrigação ou dizer que só uma das partes está vinculado é, no fundo, dizer
exatamente a mesma coisa.
Os contratos sinalagmáticos opõem-se assim aos não sinalagmáticos. Estes podem ser
contratos unilaterais, em que apenas uma das partes assume uma obrigação (doação
obrigacional ou fiança) ou contratos bilaterais imperfeitos, em que uma das partes assume
uma obrigação, mas a outra apenas realiza uma prestação em circunstâncias eventuais
(mandato, depósitos gratuitos).
A classificação dos contratos entre sinalagmáticos e não sinalagmáticos reconduz-se assim à
existência de obrigações recíprocas para ambas as partes do contrato ou apenas para uma
delas. Um exemplo de contrato sinalagmático é a compra e venda onde, face ao art. 879º b) e
c), se pode vislumbrar a existência de obrigações para ambas as partes: a obrigação de entrega
da coisa para o vendedor e a obrigação de pagamento de o preço para o comprador.

A existência de obrigações recíprocas para ambas as partes implica que o surgimento de cada
prestação apreça ligado ao surgimento da outra, que se apresenta assim como sua
contraprestação. O
surgimento deste nexo entre duas prestações no momento da celebração do contrato
denomina-se sinalagma genético.
Do surgimento deste nexo entre as duas obrigações retira a lei como consequência a
imposiçãõ o de uma interdependência entre as duas prestações, que se deve manter durante
toda a vida do contrato, estabelecendo-se por isso que uma prestação não deve ser executada
sem a outra e que, se uma das prestações se impossibilitar, a outra também se deve extinguir.
Esta situação é denominada de sinalagma funcional e corporiza-se em vários aspetos do
regime dos contratos sinalagmáticos. O primeiro é o de cada uma das partes pode recusar a
sua prestação enquanto a outra não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o cumprimento
simultâneo (428º). A segunda é a de que o contraente fiel pode resolver o contrato se a outra
parte incumprir a sua obrigação (801º/2). A terceira é a de que a impossibilitação de uma das
prestações extingue o contrato e determina a restituição da outra (795º/1).

No contrato sinalagmático existe um nexo final entre as duas prestações principais do


contrato, derivada da estipulação comum de troca de prestações, nexo esse que se designa
precisamente por sinalagma e que constitui uma específica estrutura final imanente ao
contrato, que integra o seu conteúdo, e ao qual a lei atribui o conteúdo normativo especifico
que referimos. O fundamento desse nexo não reside, porem, na convenção tácita das partes,
mas antes numa exigência de justiça comutativa que veda o desequilíbrio contratual que seria

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

gerado pela realização apenas de uma das prestações, sem que a outra fosse igualmente
realizada.

7. Contratos onerosos vs. Contratos gratuitos

Contrato oneroso – quando implica atribuições patrimoniais para ambas as partes


Ex: compra e venda (art.874º), ambas as partes realizam atribuições patrimoniais,
abdicando o comprador do preço e o vendedor da coisa
Contrato gratuito – quando implica atribuições patrimoniais para apenas uma das partes
Ex: doação (art.940º), apenas uma das partes realiza atribuições patrimoniais

Esta classificação não se confunde com a classificação entre contratos sinalagmáticos e


contratos não sinalagmáticos. Um contrato pode ser oneroso e não ser sinalagmático como
sucede com o mútuo oneroso. Efetivamente, os contratos reais quoad constitutionem podem
ser onerosos, não sendo sinalagmáticos, quando a atribuição patrimonial de uma das partes
não consiste na assunção de uma obrigação mas antes coincide com a celebração do contrato.
Mas já os contratos sinalagmáticos são sempre onerosos, uma vez que, ao gerarem obrigações
recíprocas para ambas as partes, implicam sempre atribuições patrimoniais para ambas.
A qualificação dos contratos entre onerosos e gratuitos pode, porém, colocar
problemas especiais no caso de o contrato instituir relações triangulares. Ex: no caso do
contrato a favor de terceiro (443º), o promitente que realiza a prestação ao terceiro não
recebe qualquer contrapartida deste, mas pode vir a recebê-la da do promissário. Daqui
resulta que a onerosidade e gratuitidade são conceitos de relação, tendo por base as
atribuições patrimoniais realizadas e não os sujeitos do contrato. Neste sentido, quando o
contrato institui uma relação triangular pode ser simultaneamente oneroso e gratuito.
Os contratos gratuitos diferenciam-se dos contratos onerosos em termos de regime
pela maior proteção que conferem à parte que realiza a atribuição patrimonial. Essa maior
proteção estabelece-se, pelo facto de a constituição do contrato gratuito muitas vezes exigir
um processo mais complexo do que a correspondente constituição do contrato oneroso.
Ainda, pelo facto de estes contratos serem objeto de um regime mais favorável no que
respeita à responsabilidade por perturbações da prestação. Para mais, pelo facto de estes
contratos normalmente admitirem formas mais alargadas de extinção do que os contratos
onerosos, e, por fim, pelo facto de, em caso de dúvida, a interpretação destes contratos ser
realizada de acordo com o sentido menos gravoso para o disponente.

8. Contratos Mistos

Denomina-se de contrato misto aquele que reúne em si regras de dois contratos total ou
parcialmente típicos, assumindo-se dessa forma como um contrato atípico, por não
corresponder integralmente a nenhum tipo contratual regulado por lei. Como, porém, a sua
atipicidade resulta da adoção de regras de dois ou mais contratos típicos põe-se um problema
de conflito entre regimes aplicáveis, o que justifica a autonomização do contrato misto.

É possível distinguir as seguintes categorias de contratos mistos:

• Contratos múltiplos ou combinados;


• Contratos de tipo duplo ou geminados;
• Contratos mistos strico sensu, cumulativos ou indiretos;
• Contratos não complementares;

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Contratos múltiplos ou combinados são aqueles em que as partes estipulam que uma delas
deve realizar prestações correspondentes a dois contratos típicos distintos, enquanto a outra
realiza uma única contraprestação comum. Como exemplo teríamos a situação de alguém
vender um automóvel a outrem e simultaneamente se comprometer a conduzi-lo, contra uma
única contraprestação (compra e venda e prestação de serviços)

Contratos de tipo duplo ou geminados, correspondem àqueles contratos em que uma parte
se encontra obrigada a uma prestação típica de certo tipo contratual, enquanto a contraparte
se encontra obrigada a uma contraprestação oriunda de outro tipo contratual. Como ex.,
teríamos a situação de alguém arrendar uma casa contra a obrigação da outra parte de realizar
serviços de limpeza do prédio (arrendamento e prestação de serviços). Surgem neste contrato
uma prestação típica do contrato de arrendamento e uma prestação típico do contrato de
prestação de serviços, mas não surgem às contraprestações típicas destes contratos (renda e
retribuição), ocorrendo assim uma situação de contrato misto.

Contratos mistos stricto sensu, cumulativos ou indiretos correspondem àqueles contratos em


que é usada uma estrutura própria de um tipo contratual para preencher uma função típica de
outro tipo contratual. Como ex., temos a situação de alguém vender uma casa pelo preço de
1000 euros. A estrutura utilizada é típica do contrato de compra e venda (transferência de
uma coisa contra um preço), mas o preço é tão baixo, que o contrato acaba por desempenhar
a função da doação.

Contratos complementares são aqueles em que são adotados os elementos essenciais de um


determinado contrato, mas aparecem acessoriamente elementos típicos de outro ou outros
contratos. Como ex. teríamos a venda de um automóvel com a obrigação acessória de o
vendedor realizar a manutenção do veículo (compra e venda e prestação de serviços
acessória).

Nos contratos mistos coloca-se com muita frequência a questão da determinação pelo qual o
regime que lhes deva ser aplicado, uma vez que as partes, ao reunirem no mesmo contrato
regras de dois ou mais negócios total ou parcialmente regulados na lei, provocam sempre um
conflito de regimes legais potencialmente aplicáveis.

A doutrina tem apontado as seguintes soluções:

• a teoria da absorção (Lotmar);


• a teoria da combinação (Rumelin e Hoeniger);
• a teoria da analogia (Screiber);

A teoria da absorção vem defender que o conflito de regimes contratuais suscitado pelos
contratos mistos deve ser resolvido pela opção a favor de um único regime contratual, o qual
absorveria as regulações respeitantes aos outros tipos contratuais.

A teoria da combinação vem, por outro lado, sustentar que o conflito entre os regimes
contratuais não deve ser resolvido pela opção a favor de um deles, mas antes se deve realizar
uma aplicação combinada dos dois regimes.

A teoria da analogia vem sustentar que o conflito de regimes contratuais deve implicar a não
aplicação de qualquer deles, configurando-se por isso o contrato misto como um contrato
integralmente atípico, não regulado por qualquer tipo contratual, mas apenas pela parte geral
do Direito das Obrigações, e sendo as questões do seu regime considerados por isso como
lacunas da lei, a resolver pela integração analógica, com base na norma mais próxima em

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

termos de situação de interesses e fim da lei.

• Galvão Telles – os contratos múltiplos e de tipo duplo se deveriam reger pela teoria da
combinação, enquanto os contratos cumulativos e os contratos complementares se
derivam reger pela teoria da absorção.
• Antunes Varela – sempre que a lei não estabeleça m regime para o contrato misto,
não seria de adotar uma solução em abstrato, havendo antes que ponderar em
concreto, perante cada contrato misto, se o seu regime deveria ser estabelecido
através da absorção ou combinação.
• Menezes Cordeiro – inicialmente defende uma aplicação menos rígida da solução
proposta por Galvão Telles, entendendo, à semelhança de Antunes Varela, que a
ponderação concreta de cada contrato misto poderá ditar uma solução diferente da
resultante daquele modelo abstrato. Mais tarde, veio, porem propugnar a aplicação
preferencial da teoria da absorção, admitindo subsidiariamente o recuso à
combinação ou à analogia quando a aplicação daquela teoria seja afastada por normas
injuntivas, vontade das partes em contrario ou se torne inviável.

Para o Prof. Menezes Leitão, apenas a teoria da analogia merece um afastamento liminar.
Efetivamente, defender a exclusão simultânea da aplicação das regras dos dois regimes implica
desvirtuar a natureza do contrato misto.

A alternativa colocar-se-á entre as teorias da absorção e da combinação.

Um critério indicador importante consiste em averiguar a solução ditada para as situações de


contratos mistos regulados na lei, como sucede no domínio do arrendamento. Assim, o
art.1065e, perante uma hipótese de um contrato misto de arrendamento e aluguer, vem
determinar a qualificação de todo o preço locativo como renda e a sua sujeição ao regime do
arrendamento urbano, o que corresponde a uma aplicação da teoria da absorção. A teoria da
absorção é também aplicada no art.1066º que perante um contrato de arrendamento que
/.(envolva parte rústica e parte urbana, manda aplicar apenas o regime do arrendamento
urbano se essa for a vontade dos contraentes, atendendo, na dúvida, ao fim principal do
contrato e à renda atribuída a cada uma das partes. Já o art.1028º referente à locação com
pluralidade de fins, manda aplicar os dois regimes se não houver a subordinação de uns fins a
outros (teoria da combinação) ou único regime, se um dos fins for principal e os outros
subordinados (teoria da absorção).
Assim, sempre que na economia do contrato misto, os elementos pertencentes a um dos
contratos assumirem preponderância, deve ser aplicado essencialmente o regime desse
contrato, o que corresponde à teoria da absorção. Se, porém, não for possível estabelecer
essa preponderância, a solução já deve ser ates a aplicação simultânea dos dois regimes, o
que corresponde à teoria da combinação. Face a este critério parece que tendencialmente os
contratos múltiplos e combinados e os contratos de tipo duplo ou geminados se regerão pela
teoria da combinação e os contratos cumulativos ou indiretos e os contratos complementares
pela teoria da absorção.

9. União de contratos

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Dos contratos mistos deve ser distinguida a figura da união de contratos. No contrato misto,
ainda que se recolham elementos de vários tipos contratuais, existe um único contrato, já que
esses elementos se dissolvem para formar um contrato único. Na união de contratos, pelo
contrário, essa dissolução não ocorre, verificando-se antes a celebração conjunta de diversos
contratos, unidos entre si. Assim, a união de contratos permite que cada contrato mantenha a
sua autonomia, possibilitando a sua individualização face ao conjunto.

São admitidas as seguintes formas de união de contratos:

• união externa;
• união interna;
• união alternativa;

Fala-se em união externa quando a ligação entre os diversos contratos resulta apenas da
circunstância de serem celebrados ao mesmo tempo, já que as partes não estabeleceram
qualquer nexo de dependência entre os diversos contratos. Assim, se alguém vai a um café e
pede simultaneamente um café, um bolo e um maço de cigarros, existem três contratos, mas
cada um conserva a sua autonomia entre si, só existindo a união de contratos pelo facto de os
três contratos serem celebrados ao mesmo tempo.

Na união interna, pelo contrário, os dois contratos apresentam-se ligados entre si por uma
relação de dependência, já que na altura da sua celebração uma das partes estabeleceu que
não aceitaria celebrar um dos contratos sem o outro. Essa dependência pode ser unilateral
quando apenas um dos contratos depende do outro, ou bilateral, quando ambos os contratos
se encontram dependentes entre si. Em qualquer caso, as partes querem um dos contratos, ou
ambos, como associados economicamente, pelo que a validade e a vigência de um ou de
ambos os contratos ficarão dependente da validade e vigência do outro. (ex: alguém só
compra computador se lhe oferecerem impressora).

Finalmente, na união alternativa, as partes declaram pretender ou um ou outro contrato,


consoante ocorrer ou não a verificação de determinada condição. A verificação da condição
implica assim a produção de efeitos de um dos contratos, ao mesmo tempo que se exclui a
produção de efeitos do outro. Os contratos encontram-se, por isso, numa fase inicial unidos
entre si, mas essa união é meramente ocasional e virá a ser resolvida a favor da permanência
apenas de um dos contratos. Como por exemplo, determinado trabalhador celebra dois
contratos de arrendamento, um Lisboa e outro em Aveiro, com a condição de só vigorar o
arrendamento se for estabelecido pela sua entidade patronal o seu local de trabalho na
respetiva cidade, coisa que ainda não sabe.

10. Subcontrato

É um negócio jurídico bilateral sujeito à disciplina geral dos contratos.

Há dois contratos distintos e individualizados com certas especificidades:

• Contrato base
• Subcontrato

Em primeiro lugar, uma das partes no subcontrato terá de ser, por sua vez, parte em outro
negócio jurídico e o subcontraente é, em regra, estranho à relação contratual base.

Em segundo lugar, o contrato principal deverá ser necessariamente de um daqueles tipos

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

negociais que permitem a criação de direitos e deveres derivados. Ou seja, o negócio jurídico
base deverá ser um contrato duradouro e celebrado sem intuito personae.

Em terceiro lugar, o sujeito que é parte nos dois contratos, para celebrar o subcontrato, utiliza-
se da posição contratual adquirida na relação originária. O intermediário conclui o contrato
derivado com base na posição jurídica que detém em outra convenção. Foi esta ideia que o
legislador imprimiu no conceito de sublocação (art. 1060.º). A nova situação jurídica é derivada
da anterior. Deste carácter derivado advêm as várias características do subcontrato em relação
ao contrato base: a identidade de conteúdo e de objeto, a posterioridade lógica e a
subordinação.

Em quarto lugar, como o intermediário é parte nos dois contratos e, por celebrar o
subcontrato, não se desvincula da convenção base, passam a coexistir duas relações jurídicas
distintas: a do contrato principal e a do subcontrato.

Por último, permite-se no subcontrato, ou o gozo por terceiro das vantagens de que o
intermediário é titular (p. ex, sublocação e subafretamento ), ou a substituição deste no
cumprimento da atividade a que estava adstrito (p. ex., submandato e subempreitada).Tanto a
cedência do gozo com o a substituição no cumprimento podem ser totais ou parciais.

Poderá, então, definir-se o subcontrato como o negócio jurídico bilateral, pelo um dos sujeitos,
parte em outro contrato, sem deste se desvincular e com base posição jurídica que daí lhe
advém, estipula com terceiro, quer a utilização, total ou parcial, de vantagens de que é ti tu
lar, quer a execução, total ou parcial, de prestações a que esta adstrito.

11. Formação de contrato

A formação do contrato não apresenta especificidades com respeito à formação dos negócios
jurídicos – art.217º e ss. Remete-se, pois, para o estudo feito em Teoria Geral.

Importa ter em conta a tripartição do regime jurídico dos contratos: art.217º e ss. (formação
dos contratos;); art.405º e ss. (regime geral dos contratos); art.874º e ss. (contratos em
especial).

12. Relações contratuais de facto

Tem sido discutida na doutrina a possibilidade de admitir uma outra fonte das obrigações, que
viria a ser a das relações contratuais de facto.

Este conceito destinar-se-ia a preencher uma pretensa lacuna, colocada pela forma rígida
como tem sido entendida o modo de formação do contrato. Efetivamente, um contrato é
composto por duas declarações negociais, a proposta e a aceitação, que têm que ser
necessariamente coincidentes entre si por forma a gerar o mutuo consenso. Não chegaria
assim a formar um contrato sempre que não fosse emitida qualquer das declarações
negociais, ou faltasse algum pressuposto necessário para a sua emissão válida, como, por
exemplo, a capacidade das partes.

Para além disso, ainda se podia sustentar a existência de uma declaração negocial tácita, mas
essa qualificação não resolveria as hipóteses de se emitir por via expressa uma declaração
contrária à celebração do contrato ou da ausência de capacidade para contratar.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Foram precisamente estes os problemas que estiveram na base da instituição da doutrina das
relações contratuais de facto por Gunther Haupt, em 1941. Este autor defendeu que, embora
o contrato seja o instrumento do trafego jurídico mais importante, na moderna organização da
vida social efetuam-se a todo o momento prestações em que não se escolhe um preceito
contratual ou que não podem ser imputadas ao conteúdo de um contrato celebrado pelas
partes, para o faltarem as necessárias proposta e aceitação. Como exemplo refere a situação
do aviador desportivo que, utilizando um aeroporto para aterrar, depois se recusa a pagar o
serviço de utilização, considerando falaciosa a qualificação desta situação como contrato
tácito, uma vez que o que estaria em causa seria a mera utilização doa aeroporto, e não as
declarações tacitas das partes.

Em consequência o autor questiona a essencialidade do acordo contratual para a constituição


de uma situação jurídica contratual, considerando que ela pode derivar de simples fenómenos
de facto, constituindo o que denomina “relação contratual de facto”. Esse conceito designaria
uma realidade independente, paralela ao contrato, e destinar-se-ia essencialmente a três tipos
de situações:

• Contrato social que abrangeria situações como a culpa in contrahendo e o transporte


de favor. Em ambos os casos, por circunstancias do contacto social, se estabeleceria
um regime especifico de responsabilidade. No primeiro caso, o estabelecimento das
negociações geraria deveres pré-contratuais constitutivos de responsabilidade
contratual, sem que existisse qualquer proposta ou aceitação entre as partes. No
segundo caso, a aceitação do transporte de favor implicaria em termos sociais a
assunção de riscos do transporte e a consequente exclusão da responsabilidade
contratual do transportador, limitando-a ao campo delitual.
• Participação em relações comunitárias que abrangeria as hipóteses da sociedade de
facto e da relação de trabalho de facto. Em relação à sociedade de facto, o autor
defendeu que os casos de invalidade do contrato de sociedade não poderiam ser
resolvidos pela aplicação do regime do enriquecimento sem causa ou da comunhão,
entendendo-se antes que, quando a conjugação de esforços dá lugar ao exercício de
uma empresa, se constituiu uma sociedade de facto, que não pode ser afetada ex tunc
pela invalidade do respetivo contrato, Em relação à relação de trabalho de facto,
também não faria qualquer sentido que esta fosse afetada por vícios existentes no
acordo contratual, já que o que é relevante não é esse acordo mas sim a inserção de
facto do trabalhador na empresa.
• Já quanto aos deveres de prestação e bens e serviços essenciais, abrangeriam
situações de prestações sociais resultantes de negócios de massas como os
transportes públicos, o serviço de gás e de eletricidade, que HAUPT considera não
poder corresponder a um contrato, já que não existe liberdade negocial entre as
partes, e se aplicaria o regime da responsabilidade contratual, antes da emissão de
qualquer declaração negocial. Antes da celebração e qualquer contrato, com a receção
do serviço ou a entrada no transporte publico, originar-se-ia assim uma relação
contratual de facto, a qual sujeitaria imediatamente as partes à responsabilidade
contratual.

Menezes Cordeiro, diz que relativamente às duas primeiras categorias referidas por HAUPT, as
vinculação que delas resultam para as partes têm por base meros comportamentos de facto,
sendo assim factos contratuais, pelo que poderiam ser incluídos por razões explicativas numa
categoria de relações contratuais de facto. Já quanto aos comportamentos sociais típicos, o

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

autor considera corresponderem eles a uma lacuna legal, que deve ser integrada por analogia
com os contratos, integrando-os assim igualmente, agora por razões normativas, na categoria
das relações contratuais de facto.

12.1. Apreciação da necessidade de autonomização dogmática desta categoria

Cabe questionar neste momento se se justifica a defesa de uma fonte autónoma de obrigações
constituída pelas relações contratuais de facto. A resposta de Menezes Leitão é negativa.

Quanto aos dois primeiros casos referidos por HAUPT a sua resolução dogmática dispensa
qualquer aplicação da doutrina das relações contratuais de facto. Efetivamente, no primeiro
caso, pretende-se discutir apenas se a culpa in contrahendo ou o transporte de favor devem
ser sujeitos à responsabilidade contratual ou à responsabilidade delitual, questão que pode ser
resolvida sem aplicação da doutrina das relações contratuais de facto. No segundo caso,
pretende-se apenas que a invalidade do contrato de sociedade ou do contrato de trabalho não
tenha efeitos retroativos, solução que o nosso legislador expressamente consagrou sem
necessidade de qualquer apela à doutrina das relações contratuais de facto (art.52º do CSC e
122º CT)

A única solução em que a doutrina das relações contratuais de facto teria alguma utilidade
seria no âmbito dos comportamentos sociais típicos em que se verificasse o fornecimento de
bens ou serviços sem contrato, que obrigasse ao pagamento do respetivo preço. Desde
sempre, no entanto, que a doutrina alemã propôs para estes casos uma solução alternativa,
que consiste na aplicação do enriquecimento por intervenção. Esta solução foi igualmente
defendida entre nós por Ribeiro de Faria que sustenta a aplicação analógica do art.479º/1 à
situação das relações contratuais de facto, sendo que nessa hipótese o devido por
enriquecimento seria o contra-valor da prestação ou a própria retribuição. No seu entender, as
relações contratuais de facto representariam uma lacuna no direito do enriquecimento
indevido, relativa à responsabilidade pela retribuição por prestações oferecidas em certas
condições e que foram utilizadas ou fruídas. Não haveria, no seu entender, razões para
defender que a retribuição esteja conceitualmente limitada ao domínio negocial e seja alheia
ao direito do enriquecimento.

Menezes Cordeiro e mais alguns autores rejeitam a aplicação do enriquecimento sem causa
neste domínio, argumentando com a dificuldade em calcular neste caso os limites do
enriquecimento e do dano ou com a impropriedade funcional do enriquecimento sem causa,
dirige à restituição das deslocações patrimoniais, face à dinâmica de troca que ocorre nestas
situações.

A verdade, no entanto, é que estas dificuldades só surgem se se adotar uma conceção


patrimonial do enriquecimento sem causa, baseada na teoria unitária da deslocação
patrimonial, o que, conforme já tivemos ocasião de salientar, não apresenta como a melhor
solução. Não há qualquer dificuldade em defender que quem se apropria de prestações que,
embora dirigidas ao público, pressupõem a prévia celebração de um contrato com o oferente,
obtém um enriquecimento mediante uma ingerência na esfera jurídica alheia, ocorrendo
assim uma art. 479p, deve restituir essa mesma prestação ou o seu valor, em caso de
impossibilidade de restituição em espécie, apenas se aplicando o limite do enriquecimento em
caso de desconhecimento pelo adquirente da ausência de causa jurídica na aquisição
(art.4799º, nº2 e 480º), hipótese que poderemos considerar raríssima. Não há assim qualquer
dificuldade em resolver as questões suscitadas pelos comportamentos sociais típicos, através
do enriquecimento por intervenção o que demonstra a desnecessidade, também neste
âmbito, da doutrina das elações contratuais de facto.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Conclui-se assim, pela rejeição integral, no nosso ordenamento jurídico de uma fonte
autónoma de obrigações, constituída pelas relações contratuais de facto.

Contratos promessa
12.1. Noção e regime aplicável

De acordo com o art. 410º/1, o contrato-promessa é a convenção pela qual alguém (uma parte
ou duas) se obriga a celebrar novo contrato. Estamos assim perante um contrato preliminar de
outro contrato que, por sua vez, se designa de contrato definitivo. O contrato-promessa
caracteriza-se assim pelo seu objeto, uma obrigação de contratar – declaração negocial, a
qual pode ser relativa a qualquer outro contrato.

As partes podem comprometer-se à celebração do contrato definitivo, assumindo uma


obrigação nesse sentido. Essa obrigação tem por objeto a emissão de uma declaração
negocial, podendo por isso ser caracterizada como uma prestação de facto jurídico.

Podemos qualificar assim o contrato-promessa como um contrato preliminar que tem por
objeto a celebração de um outro contrato, o contrato prometido. Constitui, no entanto, uma
convenção autónoma deste, uma vez que se caracteriza normalmente por ter eficácia
meramente obrigacional, mesmo que o contrato definitivo tenha eficácia real.

Apesar da autonomia entre os dois contratos, a lei não deixou de sujeitar, em princípio, o
contrato-promessa ao mesmo regime do contrato definitivo (410º/1). É o que se denomina de
princípio da equiparação. Efetua-se uma extensão do regime do contrato definitivo ao
contrato-promessa, sujeitando-se este, em princípio, às mesmas regras que vigoram para o
contrato definitivo.

O princípio da equiparação é objeto de duas exceções (410º/1):

• as disposições relativas à forma;


• as disposições que pela sua razão de ser não devam considerar-se extensivas ao
contrato-promessa;

Relativamente à primeira exceção, dela resulta que a forma do contrato-promessa não seja
necessariamente a mesma do contrato definitivo, o que permite que ao contrato-promessa
seja atribuída uma forma menos solene do que a que seria exigida para o contrato definitivo.

Já quanto à segunda exceção, ela implica o afastamento de todas as disposições relativas ao


contrato-prometido, justificadas em função da configuração deste, e que não se harmonizem
com a natureza do contrato-promessa.

Ex: o art.879º refere os efeitos da compra e venda. Nenhum desses efeitos pode ser estendido
em relação ao contrato-promessa, já que dele resulta apenas a obrigação de celebrar um novo
contrato – art.410º/1. Da mesma forma, o regime das perturbações da prestação no contrato
de compra e venda não se estende ao contrato-promessa. Daí que, embora a venda de bens
alheios seja nula sempre que o vendedor careça de legitimidade para realizar (882º), o
contrato promessa de venda de bens alheios é valida, já que, estando em causa uma mera
obrigação de contratar, não se exige em relação ao promitente-vendedor qualquer requisito
de legitimidade

12.2. Modalidades do contrato-promessa

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

contrato-promessa unilateral vs. Bilateral

• Contrato promessa bilateral – vincula ambas as partes à celebração do contrato


definitivo.
o Como exemplo, teríamos o caso de alguém se comprometer, da mesma
forma, a vender o imóvel por um certo preço, mas a outra parte não se
comprometer a comprar-lho, ficando livre de o fazer ou não – liberdade de
celebração.
• Contrato promessa unilateral – vincula apenas uma das partes à celebração do
contrato definitivo
o Ex: o caso de alguém prometer vender a outrem determinado imóvel por
certo preço e esse outrem, simultaneamente, se comprometer a comprar-lho.

O contrato-promessa unilateral pode ser remunerado, o que sucede sempre que a outra
parte assuma a obrigação de pagar ao promitente determinada quantia como contrapartida
pelo facto de se manter durante certo tempo vinculado à celebração de um contrato (preço de
imobilização). Em qualquer caso, no contrato-promessa unilateral, a lei considera que o direito
à celebração do contrato definitivo apenas deve poder ser exercido dentro de um prazo
limitado, pelo que, sempre que as partes não o estipulem, é possível ao promitente fixar à
outra parte um prazo para o exercício do direito, findo o qual este caducará (411º).

12.1.1. Forma do contrato promessa

A forma do contrato-promessa é um dos campos não abrangidos pelo princípio da equiparação


de regime com o contrato-definitivo (410º/1). Relativamente à forma, o contrato-promessa
segue, por esse motivo, o regime geral, que se baseia precisamente na liberdade de forma
(219º Pr. consensualidade).

Há, no entanto, uma importante exceção, referida no art.410º, nº2, que nos refere que
quando a lei exige um documento, autêntico ou particular, para o contrato prometido é
também exigido documento para o contrato-promessa, bastando, porém, um documento
particular, ainda que o contrato-prometido exija um documento autêntico. Assim, o contrato-
promessa de compra e venda de um imóvel, sujeita por lei a escritura pública (875º), pode
realizar-se por simples documento particular. A exigência de forma escrita para o contrato-
promessa não é naturalmente preenchida com a simples outorga de um recibo de sinal.

Nos termos do art. 410º/2, o referido documento tem que ser assinado apenas pela parte que
vincula à celebração do contrato definitivo. Assim, se o contrato-promessa for unilateral, só
terá que ser assinado pelo promitente, apenas se exigindo a assinatura de ambos nos
contratos-promessa bilaterais.

Uma questão que tem suscitado muita controvérsia tem sido a de averiguar se o contrato-
promessa bilateral, que seja assinado apenas por um dos promitentes, pode ser válido como
promessa unilateral, permitindo a subsistência da obrigação por parte de quem assinou o
documento. A doutrina tem-se dividido sobre esta questão:

a) a teoria da transmissão automática desse contrato em promessa unilateral;

b) a tese da nulidade total do contrato;

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

c) a tese da conversão;

d) a tese da redução art.292º

A tese da conversão foi defendido por Antunes Varela e, posteriormente, por Galvão Telles. Os
seus argumentos partem do pressuposto de que se apresentaria como iníquo não permitir o
aproveitamento do negócio, mas que este deve ser realizado através do mecanismo da
conversão e não da redução, já que a redução pressupõe uma invalidade parcial (art.292º) e o
contrato-promessa bilateral a que falte uma das assinaturas se apresenta como totalmente
nulo por falta da forma exigida por lei. Por outro lado, a natureza sinalagmático contrato-
promessa bilateral torná-lo-ia radicalmente diferente do contrato-promessa unilateral, que
não reveste essa natureza. Não se estaria, assim, perante um aproveitamento parcial do
negocio, mas perante a sua transformação num negocio de tipo ou, pelo menos, de conteúdo
diferente, situação sujeita por isso no art.293º. Finalmente, em face do regime da redução,
cabe à parte interessada na invalidade total do negocio alegar e provar que este não teria sido
concluído sem a parte viciada, quando o correto seria antes que este ónus recaísse sobre a
parte interessada no aproveitamento do negócio.

A tese da redução foi defendida por Almeida Costa.

Menezes Cordeiro adota uma posição intermedia. Considera, em primeiro lugar, que, sendo a
promessa unilateral visceralmente diferente da bilateral, a situação nunca poderia ser de
invalidade parcial, mas antes de invalidade total pelo, que, em principio, só a conversão
poderia salvar o negocio. Como, no entanto, reconhece que a redução pode em concreto
salvaguardar melhor os interesses do contraente vinculado propugna uma aplicação conjunta
dos dois preceitos, remetendo ainda, com base no art.239º, para a boa fé em ordem a
encontrar a solução mais justa.

Para o Prof. Menezes Leitão, à semelhança da jurisprudência maioritária, a solução preferível é


efetivamente a da redução. Na verdade, uma vez aceite o entendimento de que deve procurar
aproveitar- se como contrato-promessa unilateral a que falte uma das assinaturas, então deve
adotar-se a solução que dê mais abertura a essa possibilidade. Essa é indubitavelmente a tese
da redução, uma vez que nela, é ao interessado na nulidade total do negócio que caberá
alegar que o contrato não teria sido concluído sem a parte viciada (art. 292º).

Para além disto, a tese da redução permite salvaguardar a articulação do contrato-promessa


com o regime do sinal. Considerando esta situação como uma mera hipótese de invalidade
parcial, esta permitiria manter a sanção do sinal em relação à parte que permanecesse
vinculada à celebração do contrato-definitivo, o que parece ser a solução mais correta para o
Prof. ML já que o afastamento dos direitos atribuídos pelo 442º, representariam um grande
prejuízo para o promitente fiel.

Finalmente, para o Prof. ML não se lhe afigura, problemática a qualificação da situação como
invalidade parcial, uma vez que, apesar de se tratar de uma invalidade formal, esta é cindível
em relação às duas partes. Efetivamente, por força do 410º/2, admite-se que no contrato-
promessa unilateral, a assinatura das partes seja apenas necessária para a constituição da
obrigação de contratar, adquirindo a outra parte o direito à celebração do contrato-definitivo
sem ter que assinar o contrato-promessa. Ora, se assim é no contrato-promessa unilateral,
não se vê porque motivo esta solução não haveria de valer também para o contrato-promessa
bilateral, considerando-se, em virtude da falta de uma das assinaturas, como formalmente
válida a assunção de uma das obrigações e formalmente inválida a assunção da outra, o que
representaria sempre um caso de invalidade parcial do contrato. A partir daí, saber se essa

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

invalidade parcial se deve comunicar ou não a todo o contrato dependerá da aplicação do


art.292º.

No art. 410º/3, exige-se ainda que o contrato-promessa, quando respeite à constituição ou


transmissão de direito real sobre edifício ou fração autónoma dele, já construído, em
construção ou a construir, o documento referido no nº 1 seja acompanhado de
reconhecimento presencial da assinatura e de certificação pelo notário da exigência de licença
de utilização ou construção. Neste caso, não se está perante uma exigência de forma, uma vez
que não se revela por esta via qualquer vontade negocial, tratando-se antes de formalidades,
exigidas para a validade plena do negócio. A exigência destas formalidades prendeu-se com a
intenção de estabelecer um controlo notarial dos contratos-promessa relativos a edifícios ou
suas frações autónomas, por forma a evitar a sua celebração em casos de construção
clandestina, impondo-se por isso, no interesse do promitente adquirente, o reconhecimento
presencial das assinaturas e a certificação pelo notário, no próprio documento, da existência
de licença de utilização ou construção. Caso estes requisitos não sejam cumpridos, ocorrerá a
invalidade do contrato-promessa que, no entanto, só poderá ser invocada pelo promitente
adquirente, a menos que seja provocada por sua culpa exclusiva, caso em que o promitente
alienante também a poderá invocar.

Daqui resulta que a referida invalidade não pode ser invocada por terceiros, nem conhecida
oficiosamente pelo Tribunal. A omissão destas formalidades não constitui para o Prof. ML, por
isso, uma verdadeira nulidade, sujeita ao regime do art. 286º, mas antes uma situação de
invalidade mista, estabelecida no interesse do promitente adquirente em evitar a aquisição de
um imóvel clandestino. Por esse motivo, o promitente adquirente pode invocar essa
invalidade a todo o tempo, admitindo -se, porém, que essa invocação possa ser restringida
com base no abuso de direito (334º). Invalidade sanável a todo tempo.

12.1.2. A execução especifica

No contrato-promessa os promitentes vinculam-se a uma prestação de facto jurídico.


Esta é incoercível, não podendo o devedor ser coagido pela força a emitir a declaração
negocial a que se obrigou. No entanto, a lei admite a execução específica desta obrigação, que
consiste em o devedor ser substituído no cumprimento, obtendo o credor a satisfação do seu
direito por via judicial. Neste caso, a execução específica consistirá em o Tribunal emitir uma
sentença que produza os mesmos efeitos jurídicos da declaração negocial que não foi
realizada, operando-se assim a constituição do contrato definitivo.

A execução específica encontra-se prevista no art.830º. Desta norma resulta que o não
cumprimento da promessa atribui à outra parte do direito a recorrer à execução específica. A
referência legal a “não cumprimento” deve ser entendida em sentido amplo, uma vez que para
efeitos da execução específica é suficiente a simples mora, já que o credor mantém interesse
na prestação, exercendo o seu direito a ela. Aliás, a execução específica deixa de ser possível, a
partir do momento em que se verifique uma impossibilidade definitiva de cumprimento (ex: o
bem que se prometeu vender já ter sido alienada a um terceiro. A sentença judicial não
poderia produzir os efeitos de um contrato definitivo válido, mas antes os efeitos de uma
venda de bens alheios nula (892º e ss) o que não é admissivel. Esta solução é aplicável mesmo
que o registo da venda somente ocorra após o registo da ação de execução especifica, uma ves
que até à decisão da ação de execução especifica continua a ahver apenas um direito de
crédito, que não adquire prevalência sobre direitos reias, mesmo que seja registado.) – 790º
impossibilidade objetiva.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Há duas situações em que é excluída a execução específica do contrato-promessa. São


elas:

1) a existência de convenção em contrário;

2) a execução específica ser incompatível com a natureza da obrigação assumida;

Relativamente à 1), deve referir-se que a possibilidade de execução específica da


obrigação de contratar não se apresenta como um regime imperativo, pelo que as partes
podem derrogá-lo através de convenção. Presume-se, aliás, que tal sucede no caso de as
partes estipularem sinal ou uma penalização para o incumprimento (830º/2), por se presumir
que, nessa situação, o que as partes pretendem em caso de incumprimento é unicamente a
obtenção de indemnização convencionada e não a execução específica. Esta presunção,
porém, ilídivel por prova em contrário (350º/2), nada impedindo, por isso, que as partes
convencionem a aplicação dos dois regimes, cabendo nesse caso ao credor optar pela
alternativa que lhe for mais conveniente. Tal acontecerá, aliás, imperativamente na situação
no art 830º/3, onde se determina que nas promessas a que se refere o art 410º/3 o direito à
execução específica não pode ser afastado pelas partes. Nestas promessas,
consequentemente, não podem as partes estipular convenções contrárias à execução
específica, pelo que nunca será atribuído esse efeito à convenção de sinal ou cláusula penal.

Relativamente à 2), existem casos em que a execução específica se apresenta como


incompatível com a obrigação assumida por índole específica do processo de formação do
contrato prometido ou a sua natureza pessoal não se apresentar como compatível com a sua
constituição por sentença judicial.

Ex: nos contratos-promessa relativos a contratos reais quoad cosntitutionem (penhor


das coisas, mutuo, comodato e deposito), em que se exige a tradição a cosia para se pdoer
operar a constituição do contrato definitivo, não é possível decretar-se a execução especifica,
uma vez que o tribunal não pode substituir-se ao promitente na tradição da coisa, ato cuja
espontaneidade a lei pressupõe.

A lei procura ainda resolver dois problemas que a execução específica poderia
desencadear. O primeiro diz respeito à hipótese de o bem ter sido prometido vender livre de
ónus ou encargos, mas se encontrar presentemente hipotecado. Ora, nesse caso, a execução
específica não protegeria adequadamente os interesses do adquirente, que ficaria sujeito a ver
o bem posteriormente executado para pagamento da dívida ao credor hipotecário. Por esse
motivo admite-se que na ação de execução específica seja simultaneamente pedida a
condenação do promitente faltoso na quantia necessária para expurgar a hipoteca, assim se
conseguindo a sua extinção, necessária para o beneficiário da promessa (830º/4).

Um outro problema diz respeito à hipótese de o promitente faltoso poder invocar a


exceção de não cumprimento do contrato, caso em que a ação improcede se ele não consignar
em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo Tribunal (830º/5). Pretende-se
com esta norma evitar que quando o promitente faltoso beneficie da exceção de não
cumprimento do contrato (428º) viesse o Tribunal emitir a sentença de execução específica
sem assegurar que o promitente faltoso viesse a receber a prestação a que tem direito. Para
esse efeito, permite-se que o Tribunal imponha ao autor o ónus de proceder à consignação em
depósito da sua prestação, em prazo por ele fixado, sob pena de a acção ser julgada
improcedente. Nesse caso, o deposito prévio assegura que o promitente faltoso continua a

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

beneficiar da prestação conferida pelo sinalagma funcional, caso a ação de execução especifica
seja julgada procedente.

12.1.3. Transmissão dos direitos e obrigações emergentes dos contrato-promessa.


O art.412º vem esclarecer que os direitos e obrigações emergentes do contrato-promessa, que
não sejam exclusivamente pessoais, se transmitem por morte aos sucessores das partes (nº1),
ficando a transmissão por ato entre vivos sujeitas às regras gerais (nº2). Desta norma resulta
que nada impede que, em caso de morte de uma das partes, o cumprimento da obrigação
respetiva seja exigida dos herdeiros ou seja, requeridos pelos herdeiros do de cuius. –
Fungível. Caso, no entanto, as partes tenham celebrado o contrato-promessa tomando em
consideração especificamente a pessoa do outro contraente, a própria natureza da relação
impedirá a transmissão por morte, ao abrigo do 2025º.

12.3. Sinal

Sinal e antecipação do cumprimento

O regime do contrato-promessa deve ser articulado com o regime do sinal. O sinal consiste
numa cláusula acessória dos contratos onerosos, mediante a qual uma das partes entrega à
outra, por ocasião da celebração do contrato, uma coisa fungível, que pode ter natureza
diversa da obrigação contraída ou a contrair.

O sinal funciona então como fixação das consequências do incumprimento, uma vez que se a
parte que constitui o sinal deixou de cumprir a sua obrigação, a outra parte tem o direito de
fazer sua a coisa entregue. Se o não cumprimento partir de quem recebeu o sinal, tem este
que o devolver em dobro (442º/2, 1a parte). Caso, porém, se verifique o cumprimento do
contrato, a coisa entregue será imputada na prestação devida – valendo como princípio de
pagamento – ou restituída, caso essa imputação não seja possível (442º/1).

O sinal representa, para o Prof. Menezes Leitão, um caso típico de datio rei (entrega da coisa)
que transmite a propriedade com uma função confirmatória-penal, podendo nessa medida
qualificar-se como um contrato real simultaneamente quoad constitutionem e quoad
effectum.

Sendo uma figura de aplicação geral, o sinal tem um campo de aplicação privilegiado no
âmbito dos contratos-promessa. Do art.440º resulta que normalmente a realização de uma
datio rei, por uma das partes, na altura da celebração do contrato ou em data posterior, não
implica a presunção de constituição de sinal, sempre que se verifique coincidência entre a
datio realizada e o objeto da obrigação a que aquela parte está adstrita. Nesta situação,
entende-se que o que visou com a datio foi antecipar o cumprimento da obrigação e não a
constituição do sinal. Se as partes quiserem que a prestação entregue tenha o carácter de
sinal, deverão atribuir-lhe especificamente essa natureza.

Diferentemente, se passam as coisas em sede de contrato-promessa, onde a datio rei realizada


pelo promitente-comprador nunca pode ser coincidente com a prestação a que fica adstrito,
pelo que nunca pode se poderia qualificar como antecipação do cumprimento de uma
obrigação vigente. Na verdade, o contrato-promessa institui apenas obrigações a prestações
de facto jurídico (celebrar o contrato definitivo) de que a entrega de uma coisa nunca

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

poderia constituir cumprimento. Por esse motivo, é excluída a aplicação do 440º.

Dispondo pelo contrario o art.441º que a entrega de quantias em dinheiro pelo promitente-
comprador ao promitente vendedor constitui presunção de estipulação de sinal por essa via,
isto mesmo que as quantias entregues o sejam a título de antecipação ou princípio de
pagamento do preço. Efetivamente, uma vez que a obrigação de pagamento do preço só
surge com a celebração do contrato definitivo, a sua antecipação ou princípio de pagamento
na fase do contrato-promessa tem por referência uma obrigação ainda não existente, o que
não chega para elidir a presunção de ter sido estipulado sinal.

No entanto, e uma vez que a lei não considera inilidível a presunção da estipulação de sinal,
admite-se a produção de prova em sentido contrário (350º/2). Trata-se, porém, para o Prof.
ML de uma prova difícil de efetuar. Caso, porem, as partes venham a efetuar essa
demonstração, a quantia entregue valerá como antecipação do cumprimento de uma
obrigação futura, devendo a quantia entregue ser imputada na prestação devida, após a
constituição dessa obrigação, ou restituída em singelo quando a obrigação não se venha a
constituir-

Funcionamento do sinal

A lei estabelece uma distinção no regime do sinal, consoante ele seja aplicado genericamente
a todos os contratos, ou especificamente ao contrato-promessa. O regime do art.442º, não
distingue, porém, estas duas situações, cabendo à doutrina fazê-lo.

O art 442º/1, refere-se ao regime do sinal em geral, indicando o seu funcionamento em caso
de cumprimento da obrigação. Em caso de cumprimento, o sinal é imputado na prestação
devida, quando coincida com esta. Se for impossível a imputação, por a coisa entregue não
coincidir com a prestação devida, deve o sinal ser restituído em singelo (442º/1). A restituição
do sinal em singelo ocorrerá igualmente nos casos em que se verifique a impossibilidade da
prestação por facto não imputável a qualquer das partes. Efetivamente, em ambas as
situações, a parte deixa de ter causa justificativa para a conservação do sinal, pelo que terá
que o restituir.

O art.442º/2, 1a parte, refere-se igualmente ao regime do sinal em geral, explicando o seu


funcionamento em caso de não cumprimento. Nesse caso, se o não cumprimento for de
quem constituiu o sinal, este será perdido a favor da contraparte. Se for esta a incumprir o
contrato, terá que restituir o sinal em dobro. A lei não refere a hipótese de o incumprimento
ser imputável a ambas as partes, mas parece que neste caso a solução deverá ser a da
restituição do sinal em singelo. Efetivamente, por força do art 442º/2, ambas as partes teriam
nessa situação direito a indemnização da contraparte, pelo que essas obrigações se
extinguiriam por compensação (847º), ficando apenas subsistente a restituição do sinal em
singelo.

Já no art.442º/2, 2ª parte, deixa-se de falar do funcionamento do sinal em geral para se falar


especificamente do funcionamento do sinal no contrato-promessa. A lei prevê que, se houver
tradição da coisa, a que se refere o contrato-prometido, o promitente adquirente pode optar,
em lugar da restituição do sinal em dobro, por receber o valor atual da coisa, ao tempo do
incumprimento, com dedução do preço convencionado, acrescido de sinal (em singelo) e da
parte que tenha sido paga.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

A lei vem esclarecer que o que aquele pode exigir é a valorização obtida pela coisa entre o
momento da celebração do contrato e o momento do não cumprimento, valor esse que se
obtém subtraindo ao valor atual da coisa o preço convencionado, A este montante acresce a
restituição do sinal (em singelo) e de parte do preço que tenho sido paga (442º/2, 2ª parte).

exemplo: Imagine-se que A promete vender a B, e B promete comprar-lhe, uma casa pelo
preço de 50.000 Euros, pagando B logo 25.000 Euros como sinal, e sendo efetuada a tradição
da coisa. Posteriormente, no entanto, o valor real da casa sobe para 200.000 Euros. Se A
tivesse que restituir o sinal em dobro, entregaria 50.000 Euros, e iria ganhar 150.000 através
da alienação da casa a terceiro, o que tornaria para ele o incumprimento do contrato mais
vantajoso do que o seu cumprimento. Havendo a possibilidade de B optar pela valorização da
coisa, A teria que pagar-lhe o seu valor atual, com dedução do preço convencionado (200.000
– 50.000 = 150.000) e restituir-lhe o sinal em singelo (25.000), no total de 175.000 Euros, o que
torna desvantajosa a opção pelo incumprimento.

Uma questão que tem sido controvertida em face desta norma é saber se a exigência do
aumento do valor da coisa ou do direito, a que se refere o contrato-prometido, pressupõe
que tenha sido constituído sinal ou bastasse apenas com a tradição da coisa. Menezes
Cordeiro defendeu que deve ser exigida a constituição de sinal, uma vez que, quando este não
é estipulado, a tradição d a coisa para o promitente comprador apresenta-se como um ato de
mera tolerância, não havendo razão para que ele seja prejudicado com este ato.

O Prof. Menezes Leitão concorda com Prof. Menezes Cordeiro. Efetivamente, o regime do
art.442º/2, 2ª parte, pretende evitar, nos casos em que houve tradição da coisa, que o
funcionamento tradicional do sinal se torne uma sanção platónica para o promitente
vendedor, em virtude de a inflação ter alterado a correspondência entre o valor dessa coisa e
o preço convencionado.

Em caso de não haver estipulação de sinal, os dados da questão alteram-se totalmente.


Assim, em primeiro lugar, o promitente comprador não fica limitado a uma indemnização pré-
convencionada, podendo exigir quer a execução específica do contrato (830º/1), quer uma
indemnização por todos os prejuízos causados com o incumprimento (798º), não se vendo
por que razão lhe deveria ser atribuída ainda em alternativa o direito ao aumento do valor da
coisa. Efetivamente, neste caso, a tradição da coisa, por parte do promitente vendedor, não se
apresentou como contrapartida da constituição do sinal pelo promitente comprador, tendo
antes a natureza de um ato gratuito, de favor ou de mera tolerância, Não se vê, por isso, que
um ato desta natureza constitua justificação para atribuir esse direito ao promitente
comprador.

Da leitura do art.442º/3 parece resultar a ideia de que o contraente não faltoso tem sempre a
possibilidade de optar pela execução específica em alternativa ao sinal. Não é, porém, assim
dado que, em face do art.830º, havendo sinal, presume-se que as partes efetuam uma
estipulação contrária à execução específica (830º/2), só podendo esta funcionar em
alternativa, caso as partes ilidam esta presunção, ou se trate da hipótese prevista no
art.830º/3 onde a execução específica é imperativa. O que este artigo quer simplesmente
referir é que, a execução específica é possível, haja ou não tradição da coisa a que se refere o
contrato-prometido. A possibilidade de se conseguir a finalidade, o credor perante uma
hipótese de incumprimento, vai pressionar o devedor por via judicial normalmente. Neste
art.830º qualquer um dos promitentes perante o incumprimento da outra pode judicialmente
requerer a execução especifica do contrato. Se uma das partes não quer emitir a sua

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

declaração de vontade, pode ir-se pela via da execução especifica. A execução especifica não é
imperativa, as partes podem afastar. Por exemplo, ao haver sinal presume-se que as partes
afastaram a execução especifica, convenção em contrario, a natureza...

O art.442º/3, 2ª parte destina-se a evitar que o promitente faltoso venha a obter um


enriquecimento injustificado, em virtude do facto ilícito, que é o incumprimento da obrigação
de contratar. Deve, porém, admitir-se que o cumprimento, ainda que tardio, da sua obrigação
possa paralisar esse direito, uma vez que então já não se justifica atribuir-lhe essa sanção e o
direito do promitente comprador nunca deixou de ser o direito à celebração do contrato-
prometido.

A disposição do art 442º/3, na redação que lhe foi dada pelo DL 379/86, suscitou, porém,
alguma discussão na doutrina. Questionou-se se, em virtude da admissão de uma posterior
oferta de cumprimento, salvo o disposto no art.808º, paralise o direito ao aumento do valor da
coisa, não se teria passado a exigir apenas uma situação de mora no cumprimento para
determinar a perda do sinal ou a sua restituição em dobro, ou a alternativa do aumento do
valor da coisa, ou do direito, ou se, pelo contrário se continuaria a exigir o incumprimento
definitivo da obrigação para a constituição desses direitos. Efetivamente, o art.808º, refere-se
aos casos em que a mora se transforma em incumprimento definitivo, pelo que a ressalva
desta disposição no art.442º/3, faria pressupor que o incumprimento definitivo ainda não se
tinha verificado. Ora, sendo a previsão dessa norma a opção pelo aumento do valor da coisa, o
que aparece no 442º/2, como alternativa à perda do sinal ou sua restituição em dobro,
pareceria que todos estes efeitos seriam consequência da simples mora no cumprimento. A
isto acresce que uma oferta de cumprimento em relação a um contrato-promessa
definitivamente incumprido faria pouco sentido.

A solução de que para a aplicação do 442º/2, bastaria a mera ocorrência de mora no


cumprimento foi defendida por Antunes Varela e Menezes Cordeiro. No sentido de que se
continuaria a exigir uma situação de incumprimento definitivo se pronunciaram Galvão Telles,
Calvão da Silva (Dr.Lacerda Barata também defende esta posição). Posição intermédia –
Almeida Costa.

Para Prof. ML deverá referir-se que o art.442º/3, é uma norma específica sobre o regime do
contrato-promessa, pelo que dele não poderão ser extraídas conclusões sobre o
funcionamento do regime do sinal em geral, previsto nos art.442º/1 e 2, 1ª parte. Ora, em
relação, ao sinal em geral, parece-nos claro que a lei exige o incumprimento definitivo da
obrigação, uma vez que seria uma sanção excessiva e desproporcionada que um simples
atraso no cumprimento (por ex.: dois dias), legitimasse a outra parte de exigir as sanções
correspondentes à perda do sinal ou à sua restituição em dobro. Esta solução, introduziria uma
quebra sistemática com o regime da cláusula penal, com qual o sinal parcialmente se
identifica, dado que esta só pode ser exigida com o incumprimento definitivo da obrigação, a
menos que as partes a estabeleçam para o atraso da prestação (811º/1).

Mas se é esta a interpretação correta do regime geral do sinal, não se vê que no contrato-
promessa haja algo que possa justificar a aplicação de uma solução diferente, que seria a
perda ou restituição do sinal em dobro em caso de simples mora. Efetivamente, seria absurdo
que, por algum dos promitentes não outorgar na data prevista o contrato definitivo (por ex.,
por simples esquecimento) a outra parte pudesse conservar definitivamente o sinal ou exigir a
sua restituição em dobro. A única solução é assim exigir, para a obtenção destes efeitos, a
transformação da mora em incumprimento definitivo, por objetiva perda do interesse na

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

prestação ou pela fixação de um prazo suplementar de cumprimento (808º).

Mas se estes efeitos do sinal ocorrem apenas em caso de incumprimento definitivo, já a opção
pelo aumento do valor da coisa ou do direito pode ocorrer antes, em caso de simples mora,
valendo esta como renúncia do promitente comprador a desencadear o mecanismo do sinal,
uma vez verificado o incumprimento definitivo. Efetivamente, neste caso, o promitente
comprador, perante a mora, avisa o promitente vendedor que, caso venha a incumprir
definitivamente a obrigação não poderá prevalecer-se da estipulação da indemnização através
do sinal. Perante esta opção, o promitente vendedor tem ainda como alternativa cumprir a
obrigação, a menos que se venha a verificar o incumprimento definitivo, pela perda de
interesse ou pela ultrapassagem suplementar do prazo de cumprimento (808º), caso em que
terá sempre que pagar o aumento do valor da coisa ou do direito.

Assim, a perda do sinal ou a sua restituição em dobro pressupõem o incumprimento


definitivo (art 442º/2). Já a opção pelo aumento do valor da coisa, na medida em que admita
ainda um posterior cumprimento, pode ocorrer em caso de simples mora. Esta opção vem
referida no art 442o/3. onde também se prevê a execução específica, cujo pressuposto é, a
mora e não o incumprimento definitivo.

Perante esta solução, cabe questionar qual a natureza deste direito ao aumento do valor da
coisa ou do direito, que ser reconhece ao promitente comprador, que recebeu a tradição da
coisa, em caso de incumprimento da outra parte.

• Antunes varela – sustentou não constituir uma indeminização, mas ante suma forma
especial de sanção pecuniária compulsória.
• Galvão Telles – refere que se trata de uma indeminização compensatória, destina a
ressrciar os prejuízos causados pelo incumprimento definitivo do contrato-promessa,
atento o facto de surgir em paralelismos com a exigência do sinal em dobro.
• Menezes Leitão – o princípio que serve de fundamento a este regime não é o do
ressarcimento de danos, mas antes o da restituição do enriquecimento injustificado.
Efetivamente, perante uma situação em que o promitente-vendedor, tendo
antecipadamente realizado a tradição da coisa, se enriqueceria à custa do promitente
comprador através da restituição do sinal em dobro, atenta a valorização entretanto
verificada na coisa entregue, a lei vem determinar que essa valorização possa ser
atribuída ao promitente-comprador, em alternativa à indeminização convencionada

Do art 442º/4 resulta que o sinal funciona como fixação antecipada da indemnização devida,
em caso de não cumprimento, pelo que a parte não poderá reclamar outras indemnizações,
para além das previstas nesta disposição. Admite-se, porém, estipulação em contrário. Neste
caso, a convenção de sinal funcionará como um limite mínimo da indemnização, que não
impedirá a parte lesada de reclamar uma quantia superior se demonstrar que sofreu danos
mais elevados.

Deve referir-se, porém, que esta norma apenas exclui outras indemnizações resultantes do
não cumprimento do contrato-promessa, e não a aplicação genérica à obrigação emergente
do sinal do regime do não cumprimento das obrigações. Assim, se o contraente faltoso não
cumprir a obrigação de restituição do sinal em dobro, poderá naturalmente ser-lhe exigida
indemnização pela mora, ou incumprimento definitivo.

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Funções do sinal

Para o Prof. Menezes Leitão o sinal só pode ser exigido em caso de incumprimento definitivo
da obrigação pela outra parte, funcionando como pré-determinação das consequências desse
incumprimento. Não é, por isso, um preço de arrependimento, não se podendo assim
qualificar como penitencial. Por isso, o sinal tem natureza confirmatório-penal.

12.4. A atribuição do direito de retenção ao promitente que obteve a tradição da coisa

A situação do beneficiário da promessa de transmissão ou constituição do direito real, que


obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido é ainda complementada, em
termos de garantia, com a atribuição no art 755º/f) de um direito de retenção sobre essa
coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do
art.442º. O beneficiário deste tipo de promessas, que obteve a tradição da coisa, não tem
assim apenas um direito de crédito à celebração do contrato prometido, mas também um
direito real de garantia, oponível erga omnes, que justifica que se possa conservar a posse
da coisa até ver satisfeito o seu crédito.

A atribuição deste direito de retenção suscitou bastante controvérsia na doutrina, pelo facto
de prevalecer sobre as hipotecas, mesmo que registadas anteriormente (759º/2). Ora, nesta
situação tornaria mais forte a posição do promitente comprador do que a do próprio
comprador, já que este, como adquirente de bens hipotecados, veria a hipoteca ser-lhe
oponível e portanto os bens adquiridos responderem, em caso de execução da hipoteca. Pelo
contrario, o promitente comprador, titular de um direito real de garantia prevalecente sobre a
hipoteca, teria o direito de ser pago pelo não cumprimento da obrigação, à frente do credor
hipotecário, que posteriormente dificilmente conseguiria obter a satisfação do credito. Para
além disso, a situação é facilmente manipulável, já que as exigências de forma do contrato-
promessa não permitem um adequado controlo da veracidade da situação, sendo fácil efetuar-
se a sua simulação no intuito de prejudicar os credores hipotecários existentes. A solução de
atribuição do direito de retenção ao promitente que obteve a tradição da coisa originou, por
isso, bastantes criticas na doutrina, face as consequências que acarreta.

Para o Prof. Menezes Leitão deverá efetuar-se uma interpretação restritiva do art 755º f), a
única que pode harmonizar o direito de retenção do titular da promessa de constituição ou
transmissão de direito real com os direitos de credor hipotecário.

Chama-se a atenção que os créditos referidos no 755º f) são apenas a restituição do sinal em
dobro e o direito ao aumento do valor da coisa, e não a indemnização geral por
incumprimento, prevista no 798o. Daqui resulta, que o direito de retenção atribuído no art
755º f) pressupõe, além da tradição da coisa, a estipulação de sinal. Efetivamente, caso não
tenha sido estipulado sinal, a tradição da coisa apresenta-se como um ato de mera tolerância,
não havendo razão para penalizar o promitente vendedor, através da atribuição à parte
contrária de uma garantia como o direito de retenção. Na verdade, a restituição do sinal em
dobro ocorre, haja ou não haja tradição da coisa, como consequência do não cumprimento da
obriga de contratar, não se vendo justificação para que a tradição da coisa implique a
atribuição da garantia suplementar do direito de retenção a essa obrigação.

Daqui, poder-se-á então inferir que o direito de retenção, consagrado no art.755º f) só tem
conexão com o direito ao aumento do valor da coisa ou do direito, que é o único crédito
resultante do não cumprimento que tem uma relação direta com a coisa a reter. Parece,
assim, que o credor só deve poder exercer a retenção em relação ao seu crédito. Assim, a
retenção não deve poder ser exercida em relação ao crédito da restituição do sinal em dobro,

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mas apenas em relação ao aumento do valor da coisa, se o credor optar por essa alternativa. E,
mesmo no caso de exercer essa opção, não devem ficar garantidos pelo direito de retenção os
créditos relativos à restituição do sinal (em singelo) e do preço pago, uma vez que em relação
a estes falta também a conexão direta com a coisa.

Com esta interpretação restritiva, aliás baseada no fundamento comum do direito de


retenção, se consegue harmonizar os direitos dos credores hipotecários com os direitos do
promitente comprador.

12.5. Contrato promessa com eficácia real

A lei permite a atribuição de eficácia real ao contrato-promessa, no caso de a promessa


respeitar a bens imoveis ou moveis sujeitos a registo, e as partes declarem expressamente a
atribuição de eficácia real e procedam ao seu registo – art.413º/1.
O contrato-promessa com eficácia real está sujeito a uma forma mais solene, uma vez que é
exigida escritura publica ou documento particular autenticado, a mesmos que não seja exigida
essa forma para o contrato prometido, caso em que basta um simples documento particular,
que a lei estranhamente continua a exigir que tenha reconhecimento de assinatura –
art.413º/2.
Cumpridos esses requisitos, o contrato-promessa adquire eficácia real, o que significa que o
direito à celebração do contrato definitivo prevalecerá sobre todos os direitos reais que não
tenham registo anterior ao registo da promessa com eficácia real.
Nestes casos, parece que o direito à celebração do contrato definitivo pode ser sempre
exercido, mesmo que as partes decidam constituir sinal ou estabelecer penalizações para o
incumprimento ou inclusivamente celebrar convenção contrária à execução especifica.
É controvertida a natureza do direito do beneficiário da promessa com eficácia real
• Galvão Telles, Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro – trata-se de um verdadeiro
direito real de aquisição.
• Antunes Varela, Almeida Costa, Pessoa Jorge e Henrique Mesquita – trata-se ainda de
um direito de credito, embora sujeito a um regime especial de oponibilidade a
terceiros.
Esta discussão deriva, em certa medida, do facto de a lei não ter esclarecido qual a forma de
obter o cumprimento da promessa com eficácia real, em caso de ocorrer efetivamente a venda
do prédio a terceiro.
• Antunes Varela, Almeida Costa – deverá estabelecer-se da mesma forma a execução
especifica contra o obrigado, aplicando-se em relação ao terceiro o regime da venda
de bens alheios o que permitiria exigir imediatamente dele a restituição com base na
nulidade da venda
• Dias Marques e Oliveira Ascensão – deverá interpor-se uma ação de execução
especifica contra o terceiro
• Menezes Cordeiro – a forma adequada seria uma ação de reivindicação adaptada
contra o terceiro (art.1315º).

Menezes Leitão critica ambas as posições. Em primeiro lugar, a execução especifica contra o
obrigado faz pouco sentido quando ele já não é dono do bem, sendo também de rejeitar a
qualificação da alienação por ele efetuada como venda de bens alheios, já que ele era
proprietário no momento da venda, a qual é plenamente válida, e só é posta em causa se a
eficácia real for exercida, a qual não pode por isso consistir numa ação de nulidade. Mas a
execução especifica contra o terceiro coloca o prolema de ele não se ter obrigado a celebrar

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

qualquer contrato com o beneficiário da promessa, faltando por isso o pressuposto essencial
da sua aplicação. Finalmente, a reivindicação contra o terceiro suscita a dificuldade de a
reivindicação ser uma ação destinada a reconhecer um direito real a reclamar a restituição da
coisa que é seu objeto (art.1311º/1), não tendo assim natureza constitutiva, enquanto o
exercício da eficácia real teria que revistar essa natureza, uma vez que através dela se procede
a uma aquisição potestativa do direito real.
Sendo assim, para o professor Menezes Leitão o exercício da eficácia real não corresponde a
uma ação judicial típica, devendo considerar-se como uma ação declarativa constitutiva,
eventualmente cumulável com um pedido de restituição, a instaurar em litisconsórcio
necessário contra o promitente e o terceiro adquirente, destinada a fazer prevalecer o direito
de aquisição do promitente comprador sobre a aquisição desse terceiro.

Pacto de preferência
1. Noção e qualificação jurídica

O pacto de preferência encontra-se previso nos art.414º e ss. do Código Civil.


A lei referiu-se expressamente aos casos de preferência na venda, mas o pacto de preferência
é figura mais geral, uma vez que o art.423º admite igualmente a assunção da obrigação de
preferência em relação a outros contratos, com ela compatíveis. Estarão nesta posição todos
os contratos onerosos, que não sejam intuito personae.

Contrariamente ao que acontece no contrato-promessa, a obrigação de preferência não se


obrigada a contratar, mas apenas a escolher alguém como contraente, no caso de decidir
contratar, se esse alguém lhe oferecer as mesmas condições que conseguiu negociar com um
terceiro.
O pacto de preferência é assim um negocio unilateral, uma vez que apenas uma das partes
assume uma obrigação, ficando a outra (o titular da preferência) livre de exercer ou não o seu
direito.

2. Forma do pacto de preferência

O pacto de preferência encontra-se sujeito ao mesmo regime do contrato-promessa


(art.415º), o que significa que regra geral a sua validade não depende de forma especial,
apenas se exigindo que o pacto de preferência conste de documento particular, se a
celebração do contrato preferível for exigido documento autentico ou particular – art.410º/2.
Uma vez que o pacto de preferência consiste num contrato unilateral, apenas terá que ser
assinado pelo obrigado à preferência. Não se aplica ao pacto de preferência o regime do
art.410º/3, pelo que esse documento não estará em caso algum sujeito a mais formalidades.

3. Os direitos de preferência com eficácia real

Normalmente a estipulação do pacto de preferência atribui apenas ao seu beneficiário um


direito de crédito contra a outra parte.
A lei admite, porém, que ao direito de preferência seja atribuída eficácia real, desde que,
respeitando a bens imoveis ou moveis sujeitos a registo, as partes explicitamente o estipulem,
celebrem o pacto de preferência por escritura pública ou documento particular autenticado,
ou, quando não seja exigida essa forma para o contrato prometido, por documento particular

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

com assinatura do obrigado, referindo a entidade emitente, data e número do seu documento
de identificação, e procedam à respetiva inscrição no registo.

Para além disso, por vezes a lei concede a certos titulares de direitos reais ou pessoais de gozo
sobre determinada coisa a preferência na venda ou dação em cumprimento da coisa objeto
desse direito. Ex: comproprietário (art.1409º). Neste caso estamos perante o que denomina de
preferências legais, as quais se caracterizam para o terem sempre eficácia real, permitindo aos
que dela disfrutam exercer o seu direito de prefere cia Ex: comproprietário (art.1409º). Neste
caso estamos perante o que denomina de preferências legais, as quais se caracterizam para o
terem sempre eficácia real, permitindo aos que dela disfrutam exercer o seu direito de
preferência, mesmo perante o terceiro adquirente.
A atribuição de eficácia real ao pacto de preferência coloca, por isso, o problema do seu
eventual conflito com os direitos legais de preferência. A lei vem esclarecer essa questão,
determinando que o direito convencional de preferência não prevalece contra os direitos reais
de preferência – art.422º - o que corresponde à sua solução logica, uma vez que não faria
sentido que as partes através de convenção tivessem a possibilidade de afetar direitos
legalmente atribuídos.

4. A obrigação de preferência

A lei regula genericamente o regime da obrigação de preferência nos arts.416º a 418º. Esse
regime é também aplicável em relação aos direitos legais de preferência.
Relativamente à forma de cumprimento da obrigação de preferência, ela encontra-se prevista
no art. 416º.
Esta disposição levanta dúvidas interpretativas:
Resulta, em primeiro lugar, desta norma que a forma adequada de cumprir a obrigação de
preferência é efetuar uma comunicação para preferência. A lei não exige uma forma específica
para essa comunicação, nem para o posterior exercício do direito, o que implica que ela possa
ser inclusivamente verbal, ao abrigo do art. 219º (embora as partes quase sempre optem por
fazer estas comunicações por escrito, como forma de se precaverem para a hipótese de
posterior discussão judicial da questão).
Por outro lado, ao se referir ao projeto de venda e às cláusulas do respetivo contrato, parece
claro que a comunicação da preferência tem que estabelecer por referência a existência de um
contrato preferível, não podendo ser considerada como comunicação para preferência a
emissão de propostas contratuais ou de convides a contratar (não é, portanto, comunicação
para preferência aquela em se pergunte simplesmente: “Queres comprar por 100?”. Deve
antes informar-se: “Vou vender a X por 100”. Queres preferir”). Assim, caso o titular da
preferência rejeite uma proposta contratual ou convite a contratar não perde, o seu direito de
preferência, mesmo que o contrato preferível tenha exatamente o mesmo conteúdo que a
proposta ou convite rejeitados. Se vier a ser celebrado o contrato em consequência dessa
proposta ou convite, o direito de preferência extinguir-se-á por inutilidade.
A comunicação para a preferência não pode ser realizada logo que o obrigado se encontre na
situação de «querer vender», ao contrário do que parece resultar do art. 416º, nº1. Exigir-se-á
antes uma negociação com terceiro, com o qual sejam acordadas as cláusulas a comunicar,
designadamente preço e condições de pagamento. A comunicação para preferência terá que
ser efetuada antes da celebração de um contrato definitivo com o referido terceiro, pois no
caso contrário já teria ocorrido o incumprimento da obrigação de preferência.
Quanto ao conteúdo da comunicação para a preferência. Ao se referir não apenas o projeto de
venda, mas também as cláusulas do respetivo contrato, a lei esclarece que não basta indicar os
elementos gerais do negócio, mas que terão igualmente que ser comunicadas todas as

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

estipulações particulares acordadas, que sejam relevantes para a decisão de exercício da


preferência.
A lei não esclarece ainda uma outra questão que é a de se a comunicação para a preferência
deve conter igualmente o nome do terceiro, com o qual foram negociadas as condições
comunicadas.
• Oliveira Ascensão – a lei apenas faz referênci§a a cláusulas do contrato, e o nome do
terceiro não pode considerar-se abrangido por essa referência, pelo que este não teria
que ser indicado na comunicação para preferência
• Menezes Cordeiro – entende que o princípio da boa fé impõe que o nome do terceiro
tenha quer ser obrigatoriamente indicado na comunicação de preferência.
• Antunes Varela, Pires de Lima – sustentam que o nome do terceiro não tem
genericamente que ser indicado na comunicação para preferência, devendo sê-lo nas
situação em que o não exercício da preferência implique que fiquem a substituir
relações jurídicas entre o terceiro e o titular da preferência, de que seriam exemplos a
situação do comproprietário e do arrendatário
• Menezes Leitão – o nome do terceiro adquirente, desde que esteja determinado, tem
que ser sempre indicado na comunicação para preferência havendo que mencionar a
situação de indeterminação no caso contrário. Efetivamente, a função do pacto de
preferência é permitir que o titular da preferência possa optar por contratar com o
obrigado, em igualdade de condições com as que este conseguiu numa negociação
com um terceiro.

Efetuada a comunicação para a preferência, conforme se referiu, o titular tem que exercer o
seu direito no prazo de oito dias, salvo se o pacto de preferência o vincular a um prazo mais
curto, ou se o obrigado lhe assinalar um prazo mais longe. Cabe porem perguntar, quais os
efeitos do exercício desse direito. Parece claro, que uma vez exercida a preferência, ambas as
partes perdem a liberdade de decidir celebrar ou não o contrato, praticando um facto ilícito se
voltarem atrás com a sua decisão.
Para o Prof. Menezes Leitão com a comunicação e exercício da preferência, ambas as partes
formulam uma proposta de contrato e respetiva aceitação, que em princípio deveria implicar
sem mais a celebração do contrato definitivo, desde que estejam preenchidos os seus
requisitos de forma. Quando tal não suceda, essas declarações poderão ainda valer como
promessas de contratar, caso tenha sido observada a respetiva forma, o que permitirá o
recurso à execução específica prevista no 830º, em caso de não cumprimento. Se nem sequer
essa forma for observada, haverá responsabilidade pré-contratual (227º), subsistindo a
obrigação de preferência, que só é definitivamente incumprida com a celebração de contrato
incompatível com um terceiro.
O direito de preferência só surge caso o obrigado tome a decisão de celebrar o contrato em
relação ao qual tenha cedido preferência, não havendo naturalmente incumprimento da
obrigação de preferência se o obrigado celebrar um contrato de natureza diferente do
contrato preferível, mesmo que esse contrato implique a não celebração em definitivo do
contrato preferível (se alguém se compromete a dar preferência no arrendamento de uma
casa e posteriormente decide vendê-la, não ocorre incumprimento). Há, no entanto, duas
hipóteses que a lei considerou poderem ainda justificar a manutenção da preferência, que são:
• União de contratos (art. 417º) – refere-se à hipótese de venda de uma coisa
juntamente com outras, por um preço global. Trata-se de uma situação de união entre
diversos contratos de compra e venda, pela estipulação de um preço comum para
várias coisas vendidas simultaneamente. Nesse caso, haverá que distinguir entre união
interna e externa.
Sendo externa a união de contratos, há apenas uma estipulação comum do preço, sem
qualquer dependência entre os vários contratos , pelo que nada impede o titular de

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

exercer a preferência pelo preço que for atribuído proporcionalmente à coisa.


Já essa união for interna, existe dependência entre os diversos contratos, pelo que o
exercício da preferência pelo titular afetaria toda a união de contratos, o que justifica
que se permita ao obrigado exigir que a preferência se faça em relação a todas as
coisas vendidas. Exige-se para tal que a quebra da união interna acarrete prejuízos
objetivamente apreciáveis para uma das partes.

• Contratos mistos (art. 418º) - refere-se apenas aos contratos mistos complementares,
o que justifica que se questione se é possível exercer a preferência em relação aos
outros tipos de contratos mistos. Em relação aos contratos múltiplos ou combinados
(ex: transmissão de um bem com um obrigação principal de prestação de serviços, a
título oneroso) ou aos contratos de tipo duplo ou geminados (ex: transmissão de um
bem como contrapartida de uma prestação de serviços), não nos parece possível o
exercício da preferência, uma vez que o contrato efetivamente realizado não
corresponde ao contrato em relação ao qual se concedeu a preferência
• . Já quanto aos contratos mistos cumulativos ou indiretos (ex: venda com preço a
favor), é claramente admissível o exercício da preferência, uma vez que foi
efetivamente celebrado um contrato em relação ao qual se concedeu a preferência,
mesmo que no caso concreto as partes tenham utilizado a sua estrutura contratual
para fins distintos dos que lhe são típicos.

Só em relação aos contratos complementares, em que ao contrato típico se acrescenta


uma prestação acessória típica de outro contrato (ex: compra e venda com uma
obrigação acessória de prestação de serviços pelo comprador), o art. 418º permite o
exercício da preferência, determinando que essa prestação acessória deve ser
compensada em dinheiro. Caso, essa prestação acessória não seja avaliável em
dinheiro, é excluída a preferência, a menos que seja lícito presumir que, mesmo sem a
prestação estipulada, o contrato não deixasse de ser celebrado. A lei considera que a
estipulação de prestações acessórias não avaliáveis em dinheiro torna o contrato
celebrado distinto do contrato em relação ao qual se concedeu a preferência, daí que
seja excluída a preferência, salvo se essa prestação não tiver grande importância para
a decisão de contratar do obrigado. Há, ainda, um caso em que à estipulação da
prestação acessória não se reconhece qualquer efeito, que é a hipótese de ela ter sido
convencionada para afastar a preferência. Neste caso, o preferente pode sempre
exercer a preferência, nunca tendo que compensar essa prestação, mesmo que ela
seja avaliável em dinheiro (art. 418º, nº2).

5. A violação da obrigação de preferência


5.1. A indeminização por incumprimento em caso de simples eficácia obrigacional

A obrigação de preferência é definitivamente incumprida, a partir do momento em que o


obrigado à preferência celebra com terceiro um contrato incompatível com a preferência, sem
efetuar qualquer comunicação para preferência ou, tendo-a efetuado, se o titular tiver
comunicado, dentro do prazo, a intenção de exercer preferência.
Essa celebração do contrato com terceiro provoca, assim, o incumprimento definitivo da
obrigação de preferência, o que implicará que o titular da preferência adquira o direito a uma
indeminização por incumprimento – 798º. Em virtude de os direitos de crédito não
prevalecerem contra direitos reais, estará vedado ao obrigado reclamar a coisa do terceiro
adquirente.

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5.2. A ação de preferência em caso de haver eficácia real

O direito de preferência pode, no entanto, ter eficácia real caso se trate de direitos legais
de preferência ou caso as partes atribuam essa característica ao pacto de preferência,
cumprindo os requisitos de forma e publicidade para tal exigidos (art.413º, aplicável por força
do art.421º). Nesse caso, o titular da preferência não possui apenas um direito de crédito à
preferência, mas também um direito real de aquisição, que pode opor erga omnes, mesmo a
posteriores adquirentes da propriedade.
A lei esclarece neste caso que o processo adequado para o exercício do direito de
preferência é a denominada ação de preferência. Está prevista no art.1410º, a propósito da
preferência do comproprietário, mas é extensível, a qualquer titular de direitos reais de
preferência (art.421º/2, 1091º/4 e art.1535º/2). Esta ação deve ser intentada no prazo de seis
meses a contar da data em que o titular da preferência teve conhecimento dos elementos
essenciais da alienação, tendo como condição de procedência que ocorra o deposito do preço
devido nos quinze dias posteriores à propositura da ação.
Uma das dúvidas que se colocou na doutrina diz respeito à legitimidade passiva para a
ação de preferência
o Posição maioritária (Galvão Telles, Almeida Costa, Menezes Cordeiro), dizem
que o obrigado à preferência não seria, enquanto tal, parte legitima para ação
de preferência, só sendo caso o titular da preferência decida simultaneamente
exigir uma indeminização. A fundamentação apresentada para esta solução é
a de que na ação de preferência discute unicamente se o bem é atribuído ao
titular da preferência ou permanece na propriedade do tterceiro, não
podendo a ação afetar o obrigado, que normalmente já recebeu o preço que
lhe era devido, nada mais tendo a ganhar ou a perder.
o Antunes Varela – o obrigado à preferência tinha necessariamente que ser
demandado para ação de preferência, existindo assim um litisconsórcio
necessário passivo entre ele e o terceiro adquirente.
o Menezes Leitão – concorda com Antunes Varela. Efetivamente, o que dá causa
à ação de preferência é o incumprimento da obrigação de preferência por
parte do obrigado, não fazendo sentido que essa questão fosse apreciada sem
que ele seja chamado à ação (art.3º CPC). Parece haver, assim, uma situação
de litisconsórcio necessário passivo entre o obrigado à preferência e o terceiro
adquirente (art.33º CPC). Assim, o titular deverá interpor a ação de
preferência simultaneamente contra o obrigada à preferência e o terceiro
adquirente. Já não será, porém, necessário que demande igualmente os
subadquirentes de direitos reais de gozo e garantia incidentes sobre o bem.

Outra questão que suscitou dúvidas residiu em determinar se o depósito do preço devido
exigido no art. 1410º abrange apenas o preço propriamente dito, ou também as outras
despesas que, por lei, devem ficar a cargo do comprador como os impostos de transmissão ou
os emolumentos notariais e registais. A solução correta deve ser a de que apenas é exigido o
depósito do preço devido, ainda que o preferente deva, no caso de ficar também sujeito às
mesmas despesas com a sisa e a escritura e na medida em que o ficar, reembolsar ao terceiro
as despesas por ele suportadas, sem o que haveria enriquecimento sem causa.

Outra questão levantada pela ação de preferência prende-se como problema da simulação
de preço (art. 240º e ss.). Efetivamente, as partes no intuito de enganar terceiros podem por

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acordo celebrar um negócio que não corresponda à sua verdadeira vontade. Essa simulação
pode passar pela indicação de um preço superior, no intuito de defraudar o próprio exercício
da preferência, ou inferior, no intuito de evitar o pagamento dos impostos de transmissão.
Como realizar o exercício de preferência numa situação deste género?
• Se o preço declarado para a transmissão é superior ao preço efetivamente praticado,
nenhumas dúvidas existem no sentido de que o titular da preferência deve exercê-la
pelo preço real. Efetivamente, nesse caso o negócio simulado é nulo (art. 240º, nº2),
sendo válido o dissimulado (art. 241º), pelo que a preferência é naturalmente exercido
em relação ao negócio válido.
• Se o preço declarado para a transmissão é inferior ao preço efetivamente praticado,
a questão torna-se mais complexa, parecendo que a lei vedaria aos simuladores a
possibilidade de exigir que a preferência seja efetuada pelo preço real. Com efeito, o
preferente sustenta-se com base no negócio nulo, pelo que a preferência só poderia
ser afastada através da invocação dessa nulidade. Só que o art. 243º, nº1 proíbe a
arguição da nulidade proveniente da simulação por parte dos simuladores contra
terceiro de boa fé, constituindo a boa fé na ignorância da simulação ao tempo em que
foram constituídos os respetivos direitos (art. 243º, nº2). Por outro lado, a lei é
extremamente restritiva em relação à prova da simulação, uma vez que exclui o
recurso à prova testemunhal (art. 394º, nº2), bem como às prestações judiciais (art.
351º), o que restringiria em termos práticos a possibilidade de os simuladores
demonstrarem com êxito a simulação, sustentando Antunes Varela que a lei vedaria
aos simuladores exigir que a preferência seja exercida com base no preço real.

Contra esta interpretação pronunciou-se Menezes Cordeiro. Sustenta-se que o não


permitir aos simuladores exigir que a preferência seja realizada pelo preço real,
equivale a autorizar um enriquecimento ilegítimo do preferente à custa dos
simuladores. Com efeito, interpreta-se o art. 243º, nº2, não considerando a situação
do preferente neste caso como a de um terceiro de boa fé, inicialmente com o
argumento de que o seu direito de adquirir por determinado preço só se constituiria
com a sentença que julgasse procedente a ação de preferência, posteriormente, com o
argumento de que o preferente não faz qualquer investimento de confiança, que
justifique a sua tutela através da boa fé.
A jurisprudência tem-se orientado nesse sentido. As dificuldades de prova levantadas pelo
art. 394º, nº2, a esta solução têm sido torneadas através da defesa de uma interpretação
restritiva desta disposição, segundo a qual bastaria um princípio de prova documental para
logo se admitir a sua complementação através de testemunhas. A jurisprudência tem seguido
essa orientação, aceitando para o efeito inclusivamente escrituras de retificação. Para além
disso, tem-se admitido a possibilidade de os simuladores serem ouvidos através de
depoimento de parte.

Para o Prof. Menezes Leitão essa solução contraria frontalmente, e deforma artificiosa, a
disposição do art. 394º, n.º2, a pretexto de uma tutela da posição dos simuladores, cuja
justificação se apresenta como duvidosa. A lei quis evitar que, com base numa prova
testemunhal de conteúdo autêntico, na qual os terceiros confiam para exercer os seus direitos.
Daqui que não seja admitido que a confiança do terceiro na veracidade do negócio constante
do documento autêntico possa ser elidida com base na prova testemunhal. E, sendo proibida a
prova testemunhal, menos admissível ainda será a prestação de depoimento de parte. Para
além disso a celebração de escrituras de retificação parece ilegal, uma vez que o art. 1410º,
nº2, veda que a modificação ou distrate da alienação possa prejudicar o exercício da
preferência, não se vê como uma escritura de retificação, alegando simulação, poderia ter esse

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efeito, já que tal equivaleria a deixar entrar pela janela o que a lei quis evitar fechando essa
porta.
Finalmente, note-se que é condição de procedência da acção de preferência que o
preferente deposite o preço devido nos quinze dias posteriores à interposição da ação (art.
1410º, nº1). Defender que o preferente é obrigado a preferir pelo preço real, em caso de
simulação, implicaria não ter depositado o preço devido dentro do prazo legal, inviabilizando-
se assim o exercício da preferência, o que julgamos ser a solução que ninguém defenderá.
Por outro lado, não julga correto afirmar que não existe qualquer investimento de
confiança por parte do titular da preferência. Efetivamente, note-se que poucos dias após a
interposição da ação ele tem que depositar o preço devido, e para fazer o preferente pode ter
tido custos consideráveis. Ora, seria manifestamente iníquo que, tendo o preferente feito o
que a lei lhe exigia para procedência da ação de preferência, e suportado despesas para que
esse efeito, visse no fim improceder a respetiva ação, por os simuladores virem, em
contrariedade ao art. 243º, nº2, invocar a simulação do preço que eles próprios tinham
declarado em documento autêntico e em cuja exatidão o preferente confiou.
O Menezes Leitão adere à posição de que o titular da preferência pode exercê-la pelo
preço simulado.

6. A natureza da obrigação de preferência


Galvão Telles – a obrigação de preferência corresponderia a uma verdadeira obrigação de
contratar, sujeita simultaneamente a uma condição potestativa a parte debitoris, a de que o
devedor tome a decisão de contratar, e uma condição potestativa a parte creditoris, de que o
credor queria exercer a preferência.
Carlos Barata – a obrigação de preferência teria antes um conteúdo negativo: o de não
celebrar com mais ninguém o contrato, em relação ao qual se deu preferência, a não ser com o
titular da preferência, salvo se este renunciar à preferência. O Prof. Menezes Leitão adere a
esta posição, dado que a preferência só é violada quando é celebrado um contrato
incompatível com a preferência.
Menezes Cordeiro – não existe na obrigação de preferência nem uma obrigação de
contratar, nem um negócio condicional, tendo, porém, a obrigação conteúdo positivo:
escolher o titular da preferência como contraparte, caso se decidir a contratar.

Contratos a favor de terceiros


1. Definição e estrutura do contrato a favor de terceiro

O contrato a favor de terceiro vem revisto nos art. 443º e ss.


Pode ser definido como o contrato em que uma das partes (o promitente) se compromete
perante outra (o promissário) a efetuar uma atribuição patrimonial em benefício de outrem,
estranho ao negócio (o terceiro).
Essa atribuição patrimonial consiste normalmente na realização de uma prestação
(443º/1), mas pode igualmente consistir na liberalização de uma obrigação, ou na cessão de
um crédito, bem como na constituição, modificação, transmissão ou extinção de um direito
real (443º/2).
Essa atribuição patrimonial a realizar pelo promitente é, no entanto, determinada pelo
promissário, que tem aliás que ter em relação a ela um interesso digno de proteção legal
(443º/1). No âmbito do contrato a favor de terceiro verifica-se, por isso, por desejo do

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

promissário, uma atribuição patrimonial indireta deste ao terceiro, que é executado pelo
promitente. O terceiro, no entanto, não é interveniente no contrato, embora adquira um
direito contra o promitente, em virtude do compromisso deste para com o promissário.
O contrato a favor de terceiro pode ser analiticamente decomposto em três relações:
a) uma relação de cobertura (ou relação de provisão);
b) uma relação de atribuição (ou relação de valuta);
c) uma relação de execução;

A relação de cobertura consiste numa relação contratual entre promitente e promissário,


no âmbito da qual se estabelecem direitos e obrigações entre as partes, podendo
inclusivamente a estipulação a favor de terceiro ser, em relação a elas, uma mera cláusula
acessória (449º).
A relação de atribuição é a que existe ou se estabelece entre o promissário e o terceiro e
justifica a outorga desse direito a terceiro, tendo por base um interesse do promissário nessa
concessão (443º/1). Essa relação pode identificar-se com uma relação jurídica pré-existente ou
pode consistir, numa relação constituída por intermédio do próprio contrato a favor de
terceiro.
Já a relação de execução consiste na relação entre o promitente ao terceiro, no âmbito da
qual ele vem a executar a determinação do promissário.

2. Modalidades de contrato a favor de terceiro

2.1. O regime normal do contrato a favor de terceiro

O contrato a favor de terceiro faz nascer automaticamente um direito para o terceiro, o


qual se constitui independentemente de aceitação deste (444º/1), sendo nessa medida uma
exceção ao regime de ineficácia dos contratos em relação a terceiros (406º/2).
A lei seguiu aqui a teoria do incremento nos termos da qual a aquisição do terceiro se
verifica imediatamente em virtude do contrato celebrado entre o promitente e promissário,
dispensando-se qualquer outra declaração negocial para esse efeito.
A celebração do contrato atribui diretamente o direito ao terceiro. No entanto, admite-se
que o terceiro possa rejeitar a promessa, mediante declaração ao promitente, que a deve
comunicar ao promissário (447º/1), caso em que se extinguirá o direito por si adquirido.
A lei prevê ainda a possibilidade de o terceiro aderir à promessa (447º/1). Neste caso, a
adesão não se destina a permitir a terceiro a aquisição do direito, uma vez que, conforme se
referiu, este é adquirido logo com a celebração do contrato. A sua função é antes impedir a
revogação da promessa, a qual pode ser efetuada enquanto a adesão não for manifestada
(448º/1). Em princípio essa revogação compete ao promissário, mas necessita do acordo do
promitente, quando a promessa tenha sido efetuada no interesse de ambos (448º/2). Mesmo
quando o terceiro manifesta a sua adesão a promessa poderá ainda ser revogada no caso de
só dever ser cumprida após a morte do promissário (448º/1), ou, em se tratando de
liberalidade, se se verificaram os pressupostos da revogação por ingratidão do donatário
(450º/2 e 970º).
O contrato a favor de terceiro faz nascer diretamente um crédito na esfera jurídica do
terceiro (444º/1), legitimando-o a exigir o cumprimento da promessa. O terceiro não se limita,
por isso, a ser apenas o recetor material da prestação, possuindo face ao promitente um
direito de crédito a essa mesma prestação. No entanto, normalmente também o promissário
pode exigir do promitente o cumprimento da sua obrigação (444º/2), o que se explica em
virtude de ter sido ele a acordar com o promitente a realização da prestação a terceiro e
possuir interesse jurídico no seu cumprimento. Para o professor Leite de Campos, estaríamos
assim aqui perante um fenómeno de concorrência funcional entre dois créditos, um próprio do

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

terceito e outro do promissário, coadjuvante deste. Parece, para o Prof. Menezes Leitão que
existe aqui uma única prestação jurídica objetiva que permite a aquisição da prestação, que é
o direito de crédito do terceiro, independentemente de a vinculação subjetiva do promitente
ocorrer tanto em relação ao terceiro como ao promissário.
A lei procura ainda resolver o problema das relações entre o promissário e pessoas
estranhas ao benefício (450º/1), designadamente para os casos em que a diminuição do
património do promissário, gerada pela sua atribuição ao terceiro, não seja legalmente
permitida e deva por isso ser revertida, como sucede nas hipóteses de colação (2104º),
imputação ou redução das doações (2114º e 2168º) ou impugnação pauliana (art.610º e ss).
Nesses casos, a interposição da prestação do promitente poderia colocar em dúvida qual o
valor que se deveria tomar em conta para efeitos dessa restituição: a diminuição patrimonial
por parte do promissário ou a efectiva aquisição por parte de terceiro. A lei vem esclarecer
que apenas o primeiro desses valores é tomado em consideração para efeitos de aplicação
destes institutos. No caso, porém, de se verificar a revogação por ingratidão do donatário, é o
próprio bem recebido pelo terceiro ou o seu valor, que deve ser objeto de restituição ao
promissário (art 450º/2 e 974º).

2.2. Regimes especiais

A promessa de liberação de dívida como falso contrato a favor de terceiro

A doutrina costuma realizar uma distinção entre os verdadeiros contratos a favor de terceiros
(art.443º e 444º/1 e 2) e os falsos contratos a favor de terceiro ou contratos a favor de terceiro
impróprios, de que seria exemplo a promessa de liberação (444º/3).
Estamos neste caso, perante uma situação em que o promitente e promissário acordam
uma obrigação de resultado: a de que o promitente obterá a extinção de uma dívida que o
promissário tem para com terceiro. Assim, o promitente não se obriga a realizar uma
prestação a terceiro, mas apenas a conseguir obter a liberação da dívida do promissário.
Mas, embora o promitente não assuma uma obrigação perante o terceiro, para obter o
resultado da liberação do promissário, naturalmente que terá que efetuar uma prestação a
esse terceiro (cumprir a obrigação ou conseguir o seu acordo para satisfação do crédito por
outra via). Só que essa prestação é meramente instrumental em relação à obrigação do
promitente, que é antes a de obter a liberação do promissário. Nestes termos, considera-se
que só o promissário (e não o terceiro) tem interesse na promessa. Daí que a lei considere que
as partes não visaram atribuir ao terceiro qualquer direito de crédito, mas apenas proceder à
exoneração do promissário, pelo que só o promissário (e já não o terceiro) poderá exigir do
promitente o cumprimento da promessa.
Neste caso, e uma vez que não há qualquer direito atribuído a terceiro, é manifesto que
não estaremos perante um verdadeiro contrato a favor de terceiro.

As promessas em benefício de pessoas indeterminadas ou no interesse público


Outra especialidade em relação ao regime normal consiste na situação de a designação do
beneficiário da prestação, não se referir a uma pessoa determinada, mas antes a um conjunto
indeterminado de pessoas ou corresponder mesmo a um interesse público.
A especialidade consiste no facto de se estabelecer uma legitimidade difusa para a
exigência da prestação, a qual pode ser efetuada não apenas pelo promissário ou seus
herdeiros, mas também pelas entidades competentes para defender os interesses em causa
(445º). Essas entidades não podem, porém, dispor do direito à prestação ou autorizar
qualquer modificação do seu objecto (446º/1). Não possuem por isso um direito de crédito à
prestação do promitente, mas apenas, um mero direito de reclamar a prestação do
promitente para o fim estabelecido.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

A promessa a cumprir depois da morte do promissário


A promessa a cumprir depois da morte do promissário faz exceção ao regime ao art
444º/1, uma vez que o terceiro não pode exigir o cumprimento da promessa antes da
verificação da morte do promissário. É duvidoso se neste caso as partes pretendem atribuir ao
terceiro logo um direito de crédito sobre o promitente, o qual apenas se vencerá no momento
da morte do promissário, ou se, pelo contrário, pretendem que o direito de crédito apenas se
constitua após a morte do promissário, beneficiando até lá o terceiro apenas de uma
expetativa jurídica.
Teoricamente, a diferença entre as duas soluções é a de que, na primeira, em caso de o
terceiro morrer antes do promissário, os seus herdeiros sucedem no seu direito sobre o
promitente. No segundo caso, essa sucessão já não se verifica uma vez que o terceiro quando
morreu ainda não era titular de qualquer direito, que pudesse transmitir aos seus herdeiros,
pelo que estes só poderiam adquirir a prestação com base no próprio contrato a favor de
terceiro, ou seja, se também tivessem sido designados beneficiários a título subsidiário.
Numa clara contradição, a lei vem presumir que a estipulação das partes é no sentido de
que o terceiro só adquire o direito com a morte do promissário (451º/1), mas que, se aquele
falecer antes d este, os seus herdeiros são chamados no lugar dele à titularidade da promessa
(451º/2).
A aparente contradição deve ser resolvida através da sua adequada interpretação. O que a
lei estabelece são duas regras interpretativas: a de que o direito só é atribuído com a morte do
promissário, e a de que o promissário designa subsidiariamente como benefícios os herdeiros
do terceiro, no caso de este falecer antes de adquirir esse direito. Naturalmente que qualquer
das prestações pode ser ilidida (350º/2), através da estipulação de que a celebração do
contrato faz adquirir imediatamente o direito, determinando a morte do promissário apenas o
vencimento da obrigação, ou através da estipulação de que só o terceiro (e não os seus
herdeiros) poderão beneficiar da promessa.
Uma outra característica específica da promessa a cumprir depois da morte do promissário
é o facto de a promessa ser sempre revogável enquanto o promissário for vivo,
independentemente da aceitação do terceiro (448º/1), o que, saliente-se, sucede quer o
direito já tenha sido adquirido pelo terceiro, quer a aquisição apenas se verifique após a sua
morte. A revogação, que compete ao promissário, pode ser expressa ou tácita, como sucederá
na hipótese de o promissário resolver designar ao promitente outro beneficiário da promessa
(ex: alteração do beneficiário de um seguro de vida).

O contrato para pessoa a nomear


1. Noção e regime
O contrato para pessoa a nomear verifica-se quando um dos intervenientes no contrato se
reserva a faculdade de designar outrem para adquirir os direitos ou assumir obrigações
resultantes desse contrato (452º/1). Trata-se assim de um caso em que se admite uma
dissociação subjetiva entre a pessoa que celebra o contrato e aquela onde vão repercutir-se os
respetivos efeitos jurídicos. Na verdade, efetuada a designação, os efeitos do contrato vão
repercutir-se diretamente na esfera do nomeado.
Não ocorre, por isso, qualquer transmissão entre o nomeante ou nomeado. Dá-se antes
um fenómeno de substituição de contraentes, uma vez que, após a nomeação, o contraente
nomeado adquire os direitos e assume as obrigações provenientes do contrato a partir do
momento da celebração dele (455º/1). A nomeação tem assim eficácia retroactiva, tudo se
passando como se o nomeado fosse parte do contrato desde o seu início.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Na sua modalidade mais comum, a reserva de nomeação do terceiro é colocada em


alternativa com a subsistência do contraente originário ao contrato. A lei prevê que, se não for
efetuada a nomeação nos termos legais, o contrato irá produzir os seus efeitos em relação ao
contraente originário (455º/2). Admite-se, porém, estipulação em contrário, pelo que as
partes podem acordar que, em caso algum, o contrato virá a produzir efeitos em relação ao
contraente originário. Nessa hipótese, a não verificação da nomeação acarretará a ineficácia
do contrato.
Para poder produzir os seus efeitos, a nomeação deve observar determinados requisitos
legais. Assim, deve ser feita por escrito ao outro contraente no prazo convencionado, ou na
falta de convenção, dentro de cinco dias, a contar da celebração do contrato (453º/1), e deve
ser acompanhada para ser eficaz de instrumento de ratificação do contrato ou de procuração
anterior à celebração deste (453º/2). A nomeação tem assim como requisito necessário uma
atribuição de poderes representativos por parte do nomeado, por forma a garantir a sua
vinculação ao contrato, exifindo a lei para o efeito procuração ou ratificação, consoante essa
atribuiçaõd e poderes representativos ocorra ante sou após a celebração do contrato para
nomear.Sendo exigida a ratificação, esta deve ser outorgada por escrito (454º/1), ou revestir a
forma do contrato celebrado, quando este tenha sido celebrado por documento com maior
força probatória (454º/2).
O facto de o contrato estar sujeito a registo não é obstáculo à introdução de uma cláusula
para pessoa a nomear, podendo nesse caso o registo ser realizado provisoriamente, em nome
do contraente originário, com indicação da cláusula para pessoa a nomear, registando-se por
averbamento a posterior nomeação do terceiro ou ausência dela (456º).

2. Natureza jurídica
A natureza do contrato para pessoa a nomear é controvertida. Para alguma doutrina, no
contrato para nomear existiria um fenómeno de representação anonima. Para outros, tratar-
se-ia de um contrato a favor de terceiro.
A maioria da doutrina considera-o como um contrato celebrado simultanemanete em
nome próprio e em nome alheio, sendo a sua celebração em nome próprio sujeita a uma
condição resolutiva, e a sua celebração em nome alheio sujeita a uma condição suspensiva (a
eficaz nomeação do terceiro).
Professor Menezes Leitão prefere a ultima posição. Efetivamente, a qualificação como
representação anonima é duplamente incorreta: primeiro, porque é essencial à representação
a existência de contemplatio domini (258º); segundo, porque os efeitos do negocio podem
acabar por se repercutir exclusivamente no contraente originário, o que nunca acontece com o
representante, mesmo que este atua sem poderes (art.268º/1). Também a doutrina do
contrato a favor de terceito peca porque o objeto do contrato não é a atribuição de um
beneficio ao nomeado, pelo que a sua aquisição não opera automaticamente, como no
contrato a favor de terceiro (art.444º/1),mas antes depende da sua vinculação voluntaria ao
contrato, por procuração ou ratificação (art.453º/2).

Transmissão das obrigações


Cessão de créditos

1. Generalidades

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

A cessão de créditos está prevista nos art.577º e ss.


Consiste numa forma de transmissão do credito que opera por virtude de um negocio
jurídico, normalmente um contrato celebrado entre credor e terceiro. Por vezes, também se
designa de cessão de créditos o próprio negócio jurídico que serve de base à cessão (Menezes
Leitão discorda).
Conforme resulta do art.577º, para a cessão de créditos não se exige o consentimento do
devedor, nem ele tem que prestar qualquer colaboração para que esta venha a ocorrer.

2. Requisitos da cessão de créditos


2.1. Um negocio jurídico a estabelecer a transmissão da totalidade ou de parte do
crédito

Este é o primeiro requisito.


Pode esse negocio jurídico consistir numa compra e venda (art.874º), numa doação
(art.940º), numa sociedade (art.984º), num contrato de factoring, numa dação em
cumprimento (art.837º) ou pro solvendo (840º/2) um num to de constituição de garantia.
A cessão de créditos apresenta-se como um efeito desse mesmo negocio no qual se
integra. É por isso, que os requisitos e efeitos da cessão entre as partes se definem em função
do tipo de negocio que lhe serve de base (art.578º/1), nos termos do qual se estabelece ainda
a garantia quanto à existência e exibilidade do credito (art.578º).
Assim, será através do regime do negocio-base que se determinará qual a forma e o
regime jurídico aplicável à cessão de créditos (ex: a compra e venda de um crédito estará
sujeita ao regime da consensualidade -219º e 875º a contratrio; a doação terá que ser
realizada por escrito, em virtude do art.947º/2).
No entanto, o disposto no art.578º/2 exige, salvo o disposto em lei especial, a forma de
escritura publica ou documento particular autenticada para a cessão de créditos hipotecários,
quando esta não seja feita em testamento e a hipoteca recaia sobre bens imoveis.

Questão da admissibilidade da cessão de créditos futuros. A lei prevendo genericamente a


prestação de coisa futura – art.399º - admite que os bens futuros possam ser objeto de venda
(art.880º), mas não de doação (art.942º/1). Assim, desde que esteja preenchido o requisito da
determinabilidade (art.280º/1), é possível a cessão onerosa de créditos futuros, podendo estes
resultar quer de negocio jurídico já celebrado (ex: rendas futuras), quer de negócios ainda não
celebrado (Ex: preço das mercadorias que o cedente irá vender). Já não parece, porém,
possível admitir a cessão gratuira de créditos futuros.

Na cessão de créditos futuros, o credito surge diretamente na esfera do cessionário (teoria


da imediação) ou vem passar primariamente pelo patrimonio do cedente (teoria da
transmissão).
Antunes Varela diz que haverá de distinguir entre os créditos futuros resultantes de
realçaões já cosntituidas e os que resultam de relações a constituir. No primeiro caso, o
cedente transmititria não apenas o credito futuro, mas também uma expetativa da sua
aquisição que já possuiria, pelo que o crédito acabaria por se constituir na esfera do
cessionário. No segundo caso, uma vez que não há qualquer negocio celebrado de onde o
crédito possa resultar, não poderia ocorrer qualquer transmissão de expetativas, pelo que o
credito adviria ao cessionário por via da titularidade do cedente, e apenas no momento em
que se constituira. Assim, se neste ultimo caso o cedente já tivesse perdio a possibilidade de
disposição do credito (ex: situação de insolvência) a sotuação do cessioanrio não seria
tutelada, sendo-o sempre na outra situação.
Carlos Mota pinto critica a teoria da imediação apresentada por Antunes Varela já que
esta implicaria que os requisitos de aquisição do credito se deveriam antes verificar na pessoa

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

do cessionário, enquanto destas norma resulta claramente que, pelo contrario, o cessinario só
virá a adquirir o direito, se o ceente, sem a cessão, o tivesse igualmente adquirido, ficando
assim o crédito sujeito ao mesmo regime que aquele que teria na esfera do cedente. Tal
corresponde manifestmanete à doutrina da transmissão, que é assim a solução consagrada
relativamente à transmissão de créditos futuros.
Normalmente, o negócio jurídico que serve de base à cessão será um contrato, pelo que
será necessário para a sua formação tanto a declaração negocial do cedente como do
cessionário. Não há porem, obstáculos a que a cessão de créditos resulte de negócio jurídico
unilateral, nos casos em que este é admitido (457º e ss.). Efetivamente, a lei prevê igualmente
a possibilidade de a cessão de créditos resultar de contrato a favor de terceiros (443º/2), caso
em que a aquisição do crédito também se verificará sem a declaração do cessionário (444º/1).
Se o negócio transmissivo vier a ser declarado nulo ou anulado, é manifesto que tal
determinará a anulação da transmissão do crédito de acordo com as regras dos art. 289º a
291º.

2.2. A inexistência de impedimentos legais ou contratuais a essa transmissão

Este é o segundo requisito.


Relativamente aos impedimentos legais à transmissão do crédito, verifica-se que, em
certos casos, a lei proíbe que o crédito seja cedido. Estão nesta situação créditos como o
direito de preferência (420º) ou direito a alimentos (2008º).
Um caso específico em que essa situação também sucede diz respeito à cessão de créditos
de direitos litigiosos, prevista nos arts 579º e ss. Os direitos consideram-se litigiosos, quando
tiverem sido contestados em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado –
art.579º/3. Fora dos casos previstos no art.579º/1/2, a cessão de creidtos litigiosos é
plenamente admitida, devendo processar-se a substituição processual do cedente pelo
cessionário.
Se, apesar da proibição, vier a ser realizada a cessão, é esta considera nula (580º/1). A lei
prevê, porém, que a nulidade não pode ser invocada pelo cessionário (580º/2), esta solução
compreende-se, já que, se tal fosse permitido, o adquirente ceberaria um negócio que poderia
sempre declarar nulo se a operação especutriva não lhe correse de feição.
A cessão de créditos pressupõe ainda que não tenha sido convencionado entre o devedor
e credor que o crédito não seria objeto de cessão (577º). Trata-se do denominado pactum de
non cedendo, o qual pode ser estipulado expressa ou tacitamente. No entanto, a nossa lei
restringe bastante a eficácia prática desse pacto, uma vez que faz depender a sua
oponibilidade ao cessionário do seu conhecimento no momento da sua cessão (577º/2). É por
isso, pelo menos questionável qual o vicio que atinge o negocio de cessão de créditos realizado
contra esta convenção. Na doutrina alemã tem prevalecido a posição de que esta convenção
coloca o credito fora do comercio jurídico, o que implica a nulidade do negocio celebrado, que
pode ser invocado por qualquer pessoa – art.286º - inclusivamente pelos credores do cedente
– art.605º, parecendo essa posição ser igualmente defendida entre nós por Antunes Varela.
Parece, porém, que entre nós o pactum de non cedendo não coloca o credito fora do
comercio jurídico, mas apneas gera uma obrigação para o credor de não o transmitir a outrem,
cuja oponibilidade ao adquirente depende do facro de este conhecer essa convenção no
momento da cessão. Assim, só o devedor poderá reair contra o incumprimento dessa
convenção, podendo inclusivamente optar por não o fazer, reconhecendo a transmissão. Não
se trata de um caso de nulidade da cessão, pelo que não podem outros pretender a sua
anulação com esse fundamento.

2.3. O crédito não esteja, em virtude da própria natureza da prestação, ligado à pessoa
do credor

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Este é o ultimo requisito.


Estão nesta situação os créditos que se constituem para satisfação das necessidades
pessoais do credor, como o direito a alimentos (2003º) ou o apanágio do cônjuge sobrevivo
(2018º), os créditos de onde resulte uma dependência pessoal entre credor e devedor, como o
contrato de serviço doméstico, e ainda os créditos em que se tomem em especial
consideração as qualidades ou condições do credor, como a prestação de serviço dos médicos
ou dos advogados.
Em todas estas situações a prestação encontra-se intimamente ligada à pessoa do
credor, não sendo assim admitida a cessão, uma vez que ela implicaria sujeitar o devedor a ter
que realizar a prestação a pessoa diferente daquela em relação à qual a prestação se encontra,
por natureza, intimamente ligada. Neste caso, a natureza da prestação constitui um obstáculo
à cessão do crédito, pelo que, se ela apesar disso for realizada, deverá considerar-se nula
(294º).

3. Efeitos da cessão de créditos


3.1. Efeitos em relação às partes

a) A transmissão do credito do cedente para o cessionário

Em relação às partes, a cessão opera apenas por efeito do contrato, determinando logo
este a transmissão do crédito para o cessionário. No entanto, essa transmissão não é
imediatamente oponível a terceiros, uma vez que a lei dispõe que a cessão só produz os seus
efeitos em relação ao devedor após a sua notificação, aceitação (583º/1) ou conhecimento
(583º/2), sendo também a notificação ou aceitação pelo devedor que decide qual a cessão que
vai prevalecer em caso de dupla alienação do mesmo crédito (584º). Verifica-se assim uma
diferenciação temporal na eficácia da cessão de créditos que, em relação ás partes opera no
momento da celebração do contrato, mas em relação ao devedor ou a terceiros só ocorre em
momento posterior, quando o devedor é notificado da cessão, a aceita, ou dela tem
conhecimento.

A transmissão pode ocorrer em relação à totalidade, ou apenas em relação a parte do


crédito, sendo que, neste último caso, ambos os créditos terão o mesmo grau, pelo que
nenhum deles terá preferência no pagamento.

b) A transmissão das garantias e acessórios do crédito

A transmissão do crédito verifica-se com todas as vantagens e defeitos que o crédito


tinha, abrangendo, portanto, garantias e outros acessórios (582º).
Relativamente às garantias, a lei determina que se transmitem as que não forem
inseparáveis da pessoa do cedente, exceto se este as tiver reservado ou consentir na cessão
(582º/1). Assim, parece claro que as garantias do crédito como a fiança (627º e ss.), a
consignação de rendimentos (656º e ss.), o penhor (666º e ss.) a hipoteca (686º e ss.) se
transmitem para o cessionário, a menos que o cedente as reserve ao consentir a cessão. Neste
último caso, as garantias extinguir-se-ão, já que não ficarão a garantir qualquer crédito.
Quanto aos privilégios creditórios (733º e ss.), a sua concessão atende especificamente
à causa do crédito, pelo que sempre que não constituam uma garantia inseparável da pessoa
do cedente, parece deverem poder ser transmitidos para o cessionário.
Já relativamente ao direito de retenção (754º e ss.) a questão apresenta-se
controvertida, defendendo a maioria da doutrina que se trata de uma garantia ligada

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

intimamente à pessoa do cedente, pelo que só poderá ser transmitida por acordo expresso
entre cedente e cessionário.
Também quanto à reserva da propriedade – art.409º - é duvidoso que esta possa ser
transitida com a cessão doc reedito, uma vez que para o seu exercício seria necessária a
resolução do contrato por falta de pagamento do preço, e este é um poder que apenas no
âmbito da cessão da posição contratual poderia ser transmitido.
A lei considera também admissível a cessão do penhor ou da hipoteca sem o crédito
(arts 676º e 727º e ss.) para garantia de outro crédito sobre o mesmo devedor, mas já não do
direito de retenção (760º).
Para além das garantias, transmitem-se para o cessionário os outros acessórios do
crédito. Assim, se o crédito vence juros, parece claro que o crédito a juros vincendos se
transmite para o cessionário. Já relativamente aos juros vencidos, o artigo 561º determina a
sua autonomia em relação ao crédito principal, a menos que tal seja expressamente
estipulado. Também as cláusulas penais estipuladas para a hipótese do incumprimento são
transmitidas para o cessionário.

c) A transmissão das exceções

A transmissão abrange ainda as exceções que o devedor possuía contra o cedente


(585º). Efetivamente a cessão do crédito não pode colocar o devedor em pior situação do que
aquela que se encontrava antes de ela se ter realizado, pelo que é lógico que ele conserve
todas as exceções que possuía contra o cedente e as possa invocar perante o cessionário,
mesmo que este as ignorasse. Assim, se o devedor pode opor ao cedente exceções que
impedissem o nascimento do crédito (invalidade do negócio constitutivo), produzissem a sua
extinção (resolução do contrato, cumprimento, prescrição compensação, etc…), ou
paralisassem o seu exercício (prazo da prestação, exceção de não cumprimento, direito de
retenção) continua naturalmente a pode invocá-las perante o cessionário. Excetuam-se,
porém, as que resultem de facto posterior à cessão ou, no caso de cumprimento e outros
negócios relativos ao crédito, do seu conhecimento pelo devedor (583º/2).

d) A garantia prestada pelo cedente

É elemento essencial da cessão a transmissão do crédito, pelo que a lei determina que
o cedente tenha que prestar ao cessionário da existência e exigibilidade do crédito ao tempo
da cessão, nos termos aplicáveis ao negócio gratuito ou oneroso em que a cessão se integra
(587º/1). No entanto, o cedente só garante a solvência do devedor se a tanto se tiver
expressamente obrigado (587º/2).
A garantia a prestar pelo cedente diz assim, regra geral, apenas respeito à existência e
exigibilidade do crédito, consistindo numa garantia por vícios do direito, que compreende o
assegurar da subsistência e acionabilidade do crédito ao tempo da cessão, com todas as suas
garantias e acessórios, a qualidade de credor no cedente e a faculdade de dispor do crédito.
Naturalmente que essa garantia varia consoante o negócio que serve de base à cessão seja
uma compra e venda ou uma doação. Assim, no caso de se estar perante uma venda, o
cedente terá que restituir ao cessionário o preço do crédito (894º) e responde objetivamente
pelos danos emergentes (899º), podendo ainda constituir-se em responsabilidade pelo
incumprimento da obrigação de convalidação (900º/1). Havendo, porém, dolo da sua parte, o
cedente responderá por lucros cessantes, que podem ter por base o interesse contratual
negativo (898º) ou o incumprimento da obrigação de convalidação, no caso de cessionário
pretender optar por essa solução (900º/2). No caso de doação, o cedente não responde
objetivamente pela existência da referida posição contratual, apenas tendo que responder se
se tiver expressamente responsabilizado ou haver atuado com dolo (956º e 957º).

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Pode, porém, além da garantia da existência da exigibilidade do crédito, o cedente ainda


assegurar a solvência do devedor, desde que o faça por declaração expressa (217º). Esta
situação distingue-se quer da solidariedade, quer da assunção cumulativa de dívida, uma vez
que nelas o credor pode exigir de qualquer dos obrigados o cumprimento da obrigação,
enquanto nesta garantia o cedente só responde uma vez comprovada a insolvência do
devedor e apenas nos limites do prejuízo sofrido pelo cessionário, limitando-se a ter que
indemnizar o prejuízo que lhe cause essa insolvência.
Não existe entre nós qualquer limitação de garantia da solvência ao preço recebido pelo
cedente, podendo assim a garantia prestada este extravasar daquilo que recebeu do
cessionário.

e) A obrigação de entrega de documentos e outros elementos probatórios do crédito

A lei determina ainda que o cedente deve entregar ao cessionário os documentos e


outros meios probatórios de crédito, em cuja conservação não tenha interesse legítimo (586º).
Isto já que uma vez verificada a transmissão do crédito, devem ser entregues ao cessionário
todos os elementos necessários para que ele possa ser accionadao.
Só havendo interesse legítimo (como no caso da cessão parcial), poderá o cedente
conservar estes elementos.

3.2. Efeitos em relação ao devedor

A cessão de créditos apenas produz efeitos em relação ao devedor, desde que lhe seja
notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite (583º/1). A notificação e a
aceitação não estão sujeitas a forma especial (219º), podendo inclusivamente a aceitação ser
efectuada tacitamente (217º), como acontecerá no caso de o devedor combinar com o
cessionário qualquer alteração na obrigação (lugar e tempo do cumprimento, garantias, etc…).
Se o devedor, antes da notificação ou aceitação, por ignorar a cessão de créditos, pagar ao
cedente ou celebrar com ele algum negócio relativo ao crédito, quer o pagamento, quer o
negócio têm efeitos sobre o crédito, podendo inclusivamente produzir a sua extinção, e esses
efeitos são oponíveis ao cessionário, exceto se ele demonstrar que o devedor tinha
conhecimento da cessão (583º/2). A razão para esta restrição reside na má-fé do devedor que,
sabendo que ocorreu a cssão, decide pagar ao cedente ou celebrar com ele qualquer negocio
relativo ao crédito. A alegação desse conhecimento por parte do cessionário equivale assim a
uma exceptio doli. É, por isso, necessário que tenha ocorrido um conhecimento efetivo, não
bastando o desconhecimento por negligencia. Verificando-se, no entanto, esse conheciemtno,
ele terá o mesmo egeito que a notificação ao devedor.
É do interesse do cessionário fazer a notificação ao devedor. Sendo a obrigação solidária,
parece que a notificação deve ser efetuada a todos os devedores, já que um devedor não
notificado poderia cumprir perante o credor, sendo o efeito extintivo comunicado a todos os
devedores, mesmo notificados, por força do artigo 523º.
O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este o ignorasse, todos os meios de defesa
que lhe era lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto
posterior ao conhecimento da cessão (585º). Assim toda e qualquer exceção, seja ela
temporária ou definitiva, que o devedor, antes da cessão, possuísse contra o cedente (prazo
da prestação, prescrição, exceção de não cumprimento do contrato, compensação) é oponível
ao cessionário, permitindo ao devedor recusar-se a efetuar-lhe o cumprimento.

2.3. Efeitos em relação a terceiros

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Em relação a terceiros, a cessão produz efeitos independentemente de qualquer


notificação, pelo que, a partir da sua verificação, os credores do cessionário podem executar o
crédito ou exercer a acção sub-rogatória.
Há, no entanto, um caso em que a eficácia da cessão em relação a terceiros depende
da notificação ao devedor ou da sua aceitação por este, o que consiste na situação de o
crédito ser cedido a mais do que uma pessoa. Neste caso, a lei determina prevalece a cessão
que primeiro tiver sido notificada ao devedor ou por este tiver sido aceite (584º), sendo assim
a notificação ou aceitação pelo devedor o factor que determina qual dos diversos cessionários
irá efectivamente adquirir o crédito. Em consequenca, se algum dos cessionários decide
notificar o devedor da cessõa, parece que ele perderá a possibilidade de efetuar o pagamento,
quer ao cedente, quer a qualquer outro cessionário, sendo essa a cessão que irá prevalecer.
O que sucede se o devedor conhecer a prioridade da primeira cessão e decidir aceitar
a segunda?
Menezes Leitão:
Deve-se salientar, em primeiro lugar, que resulta da redação do art.584º que este resolve
a questão da prevalência das cessões de créditos, não com base na prioriedade do negocio
celebrado, mas na norificação que venha a ser realizada ao devord ou na ceitação da cessão,
por ele emitida. O primeiro vem assim a perdê-lo, se o segundo se adianta na norificação, já
que o devedor não a pode rejeitar, mesmo que conhecesse a prioridazde de uma cessão
anterior. Se não ocorrer a notificação é a aceitação que prduz os mesmos efeitos, resolvendo-
se por essa via a questão da prevalência entre as cessões.
Este regime não é, porém, incompatível com a solução do art.583º/2, uma vez que esta
norma se refere à inoponibilidade ao cessionário do pagãmente ou de outros negócios
jurídicos de disposição do crédito, ocorridos antes da norificação ou aceitação. Se ocorre uma
dupla alienação do credito e o devodor tem conhecimento positivo da situação, ele já não
pode pagar ao cedente, uma vez que o cessionário poderia invocar contra ele a exceptio doli
do art.583º/2. Mas nesse enquadramente, que sentido faz admitir que o cessionário não possa
usar da mesma exceptio doli, se o devedor, antes de qualquer notificação, paga a um segundo
cessionário que sabe não ser o efetivo titular de credito? Nõa há qualquer razão de segurança
jurídica que obste à sua invocação.
Deve-se interpretar restritivamente o art.584º e considerar-se que a aceitação pelo
devedor de uma das cessões só releva para escolha do cessionário, nos casos em que o
devedor desconhece a existência de várias cessões. No caso contrario, o primeiro cessionário
pode sempre, ao arbrigo do art.583º/2, considerar inoponivel a aceitação da segunda cessão,
demonstrando que o devedor conhecia a prioridade do negocio que este celebrara.
Efetivamente, neste caso, a acietação é realizada dolosamente, pelo que deve ser sujeita à
mesma exceptio doli.
Concluido, para o Prof. ML no caso de dupla alienação do mesmo crédito, a prioridade é
atribuída com base na notificação que primeiro vier a ser efetuada ao devedor, salvo se ele
antes, desconhecendo a dupla alienação, tiver aceite alguma das cessões. Tendo, porém, o
devedor conhecimento positivo de quem é o verdadeiro titular do crédito, este pode
considerar inoponível qualquer pagamento ou negócio jurídico a este respeitante, celebrado
pelo devedor com qualquer falso titular, aqui se incluindo naturalmente a própria aceitação
desse falto titular como cessionário.

A sub-rogação

1. Conceito de sub-rogação

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

A sub-rogação prevista nos arts 589º e ss., consiste numa situação que se verifica quando,
cumprida uma obrigação por terceiro, o crédito respetivo não se extingue, mas antes se
transmite por efeito desse cumprimento para o terceiro que realiza a prestação ou forneceu os
meios necessários para o cumprimento.
Tanto a sub-rogação como a cessão de créditos são formas de transmissão do crédito.
Distinguem-se entre si, porque, enquanto a cessão tem por base um negócio jurídico (578º), a
sub-rogação resulta de um acto não negocial, que é o cumprimento, sendo a medida deste
que determina a medida da sub-rogação (593º/1). Ainda, a sub-rogação é insuscetível de se
verificar em relação a prestações futuras, ao contrário do que vimos suceder com a cessão de
créditos. Para além disso, enquanto na cessão de créditos o cedente tem que garantir a
existência e a exigibilidade do crédito (587º/1), semelhante garantia não se verifica na sub-
rogação (594º), limitando-se a ocorrer a transmissão para o sub-rogado dos direitos que
cabiam ao sub-rogante, sejam eles quais forem.
A sub-rogação não deve ser confundida com o direito de regresso, existente no ambiro das
obrigações solidarias (art.524º). Efetivamente, enquanto que na sub-rogação se verifica uma
transmissão dos direitos do credor, no direito de regresso essa transmissão não ocorre,
surgindo antes um direito novo em virtude de uma relação especial já existente ente o autor
do pagamento e o devedor.

2. Modalidades de sub-rogação

2.1. A sub-rogação pelo credor

A sub-rogação pelo credor, prevista no artigo 589º, verifica-se através da declaração deste,
de que pretende que o terceiro que cumpre a obrigação venha, por virtude desse
cumprimento, a adquirir o crédito.
A sub-rogação pelo credor pressupõe assim sempre dois requisitos (se faltar algum, não se
verfica a sub-rogação pelo credor):
a) o cumprimento da obrigação por terceiro;
b) a declaração expressa anterior do credor a determinar a sub-rogação;

Assim, se o terceiro se limita a cumprir a obrigação, sem que o credor nada declare, o que
se verifica é apenas um cumprimento por terceiro, sem que este venha a adquirir o crédito por
via da sub-rogação. Igualmente se o credor declarar a sub-rogação, esta não ocorrerá
enquanto para terceiro não efetuar o cumprimento.
A declaração de sub-rogação pelo credor tem que ser expressa (217º), embora para ela
não se exija forma especial (219º). Essa declaração tem que ser, porém, emitida até ao
momento do cumprimento para evitar que a obrigação se extinga em lugar de se transmitir.
Ultrapassado este prazo, a sub-rogação não é mais possível.
Havendo declaração expressa do credor a determinar a sub-rogação, esta também não
se verifica enquanto o terceiro não cumprir a obrigação. Efetivamente, a sub-rogação só
ocorre com o cumprimento, não sendo a declaração do credor do credor só por si eficaz para
determinar a transmissão do crédito.

2.2. A sub-rogação pelo devedor

A sub-rogação pelo devedor, prevista no artigo 590º, verifica-se igualmente através da


declaração deste de que pretende que o terceiro que cumpre a obrigação adquira o respetivo
crédito. Essa declaração tem igualmente que ser expressa (590º/2) e deve também ser
efetuada até ao momento do cumprimento, para evitar a extinção da dívida em lugar da
transmissão.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

A sub-rogação pelo devedor coloca algumas dificuldades de natureza dogmática, uma vez
que o devedor não é detentor do credito, pelo que dificulmente se compreende que possa
dispor dele e inclusivamente determinar que as garantias prestadas por terceiro passem para
o novo credor, em lugar de se extinguirem com o cumprimento. A lei veio, no entnaro,
pertmiti-la por razões de ordem prática, já que se considerou mercedor de tutela o interesse
do devedor em. obter a intervenção de terceiro em ordem a satisfazer o credito reclamada,
que sem a possibilidade de sub-rogação deificilmente poderia ser conseguida.
Também na sub-rogação pelo devedor se exige a declaração expressa dele até ao
momento do cumprimento, para evitar que o crédito se extinga, não se admitindo igualmente
que o devedor pudesse retroativamente qualificar como sub-rogação o que tinha sido apenas
um cumprimento por terceiro, prejudicando assim os seus outros credores ou os terceiros que
garantiram o cumprimento.

2.3. A sub-rogação como consequência de empréstimo efetuado ao devedor

Um caso particular de sub-rogação é a sub-rogação em consequência de empréstimo


efetuado ao devedor (591º). Nesse caso, não é o terceiro que cumpre a obrigação, mas antes o
próprio devedor. Porém, como este vem a efetuar o cumprimento com dinheiro ou outra coisa
fungível emprestada por terceiro, é admitida a sub-rogação, desde que haja declaração
expressa, no documento do empréstimo, de que a coisa ao cumprimento da obrigação e de
que o mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor.
Nesta situação, a sub-rogação não deriva de um pagamento por terceiro, mas antes de um
ato do devedor, conforme resulta do artigo 591º. Por este morivo, e conforme refere Galvão
Telles, este caso de sub-rogação levanta dificuldades, uma vez que em consequência do mutuo
o terceiro já adquire um credito sobre o devedor, não fazendo sentido que fique com dois
créditos após a sub-rogação. Este professor considera, por isso, que neste caso a sub-rogação
subsituti o primeiro creidto pelo segundo, solução que merece igualmente a adesão do
professor Menezes Leitão.
Em qualquer caso, a lei exige para se proceder a esta sub-rogação um requisito de forma
especial que é o de que conste do documento do empréstimo que a coisa se destina ao
cumprimento da obrigação e que o mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor. Já que
neste casi uma mera declaração posterior bastaria para converter um simples mutuante num
credor de uma obrigação extinta com as farantias de que ela beneficava, com prejuízo dos
outros redores e dos terceiros garantes. Daí que se exija que tanto o fim do cumprimento da
obrigação, como a declaração de sub-rogação tenham que constar do documento de
emprestimo. A declaração de sub-rogação tem assim neste caso que constar de um
documento escrito, o qual não tem, porém, atualmente que consistir num documento
autentico.

2.4. A sub-rogação legal

A sub-rogação pode resultar da lei, independentemente, portanto, de qualquer


declaração do credor ou do devedor. Nos termos do artigo 592.º/1, essa situação verifica-se
sempre que o terceiro tiver garantido o cumprimento ou estiver por qualquer outra causa
diretamente interessado na satisfação do crédito. O requisito geral da sub-rogação legal é,
assim, o de que o terceiro tenha interesse direto no cumprimento, o que sucederá sempre que
a não realização da prestação lhe possa acarretar prejuízos patrimoniais próprios,
independentes das consequências do incumprimento para o devedor ou o cumprimento se
torne necessário para acautelar o seu próprio direito.
O caso mais comum de interesse direto no cumprimento é o de o terceiro ser garante
da obrigação, uma vez que nesse caso a não realização do cumprimento implica a execução

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

dos seus bens pelo credor. Assim, se o terceiro for fiador do devedor ou tiver constituído um
penhor ou hipoteca sobre bens seus para garantia do cumprimento, a lei determina a sub-
rogação como efeito direto do cumprimento, independentemente de outros requisitos (para a
fiança 644º).
O interesse direto do terceiro no cumprimento tem que corresponder a um interesse
próprio com conteúdo económico prático, não bastando um interesse meramente jurídico.
Não haverá assim, sub-rogação legal sempre que o pagamento seja realizado exclusivamente
no interesse do devedor (ex: o cumprimento efectuado por gestor de negócios) ou quando o
interesse de terceiro no cumprimento seja meramente moral ou afetivo (ex: o pai que paga a
dívida do filho, atendendo ao bom-nome da família).

3. Efeitos da sub-rogação

3.1. Transmissão do crédito na medida da sua satisfação

Os efeitos da sub-rogação encontram-se previstos no artigo 593º. A sub-rogação


pressupõe sempre um cumprimento, sendo a medida desta que determina a medida da sub-
rogação. Assim, se o terceiro, numa dívida de 1000 Euros, apenas paga ao credor 600, não fica
sub-rogado na totalidade do crédito, mas apenas no montante que foi por ele satisfeito, e isto
mesmo que o credor preste quitação pela totalidade. Pretendendo o credor alienar todo o
credito por um montante inferiro ao seu valor te´ra que recorrer à figura da cessão de créditos
e não à da sub-rogação.
Ocorre assim uma sub-rogação parcial sempre que o terceiro cumpre a obrigação, não o
faz totalmente. Nesse caso, como a aquisição do direito de crédito só se verifica na medida da
satisfação dada ao direito do credor (593º/1), o resultado é a divisão do crédito em dois, um
do credor originário e outro do sub-rogado.
Nesse caso, a lei vem prever que a sub-rogação não prejudica os direitos do credor
originário (ou do seu cessionário), quando outra coisa não for estipulada (593º/2). A lei
pretende dizer que o crédito do sub-rogado não concorre com o crédito do credor originário
(ou de um cessionário deste), uma vez que este crédito tem preferência sobre aquele, pelo
que em caso de insolvência do devedor, será satisfeito em primeiro lugar. O fundamento desta
regra baseia-se na presunção de que, ao aceitar um pagamento parcial do crédito por terceiro,
o credor não quererá conceder ao terceiro a faculdade de com ele concorrer na cobrança do
remanescente, uma vez que ninguém concede uma sub-rogação em seu próprio prejuízo. Daí
o estabelecimento da preferência do credor em relação ao terceiro na cobrança do
remanescente do crédito. Não é de estranhar, para Menezes Leitaçia, que a mesma regra se
aplique nos casos de sub-rogação pelo devedor ou sub-rogação legal, uma vez que também
nestes caoss cabe sempre ao credor a possibiliaade de recusar a prestação parcial – 763º
Esta preferência, no entanto, só se verifica em relação ao credor originário, não em
relação aos sub-rogados entre si.
Assim, se houver vários sub-rogados por satisfações parciais do crédito, ainda que em
momentos diferentes, nenhum deles tem preferência sobre os demais (593º/3).

3.2. Transmissão das garantias e acessórios do crédito

O artigo 594º manda aplicar a esta transmissão as disposições dos artigos 582º a 584º,
relativas à cessão de créditos, pelo que a transmissão do crédito acarreta igualmente a
transmissão de todas as suas garantias e acessórios (582º). Transmitem-se assim para o sub-
rogado as garantias não inseparáveis da pessoa do credor, como a fiança, consignação de
rendimentos, penhor, hipoteca e alguns privilégios creditórios. No caso de sub-rogação parcial
parece as garantias passarão a beneficiar ambos os créditos (o de credor originário e o do sub-

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

rogado ou dos sub-rogados), ainda que, por força da sua indivisibilidade, cada credor tenha
que exercer o direito real de garantia por inteiro, estabelecendo-se, no entanto, a preferência
de acordo com as já referidas regras do artigo 593º, n.º 2 e 3.
Também por força da mesma disposição os acessórios do crédito, como a obrigação de
juros e a cláusula penal, se transmitirão para o sub-rogado, com exceção daqueles que sejam
inseparáveis da pessoa do credor.

3.3. A questão da transmissão das exceções

O artigo 594º não efetua, porém, qualquer remissão para o artigo 585º, onde se determina
que as exceções que o devedor tinha contra o cedente podem ser também invocáveis contra o
cessionário, a não ser que provenham de facto posterior à cessão.
Efetivamente, apenas nos casos em que a sub-rogação se realiza sem intervenção do
devedor é que se justifica defender que ela não o possa colocar em pior situação do que
aquela em que ele se encontrava antes da transmissão, aplicando-se o regime da cessão de
créditos (585º), não por remissão, mas antes por analogia. Assim, tanto na sub-rogação pelo
credor como na sub-rogação legal, o devedor poderá continuar a invocar contra o credor com
ressalva daqueles que provenham de facto posterior ao conhecimento. No caso de a sub-
rogação provir do próprio devedor, já lhe será, porém, vedada a invocação de qualquer
exceção que tinha contra o credor originário, a menos que a tivesse comunicado ao terceiro
antes de ele proceder ao pagamento.

3.4. Eficácia da sub-rogação em relação ao devedor e a terceiros

Por força da remissão do artigo 594º, aplicam-se à sub-rogação também as disposições


dos arts 583º e 584º. Assim, a sub-rogação deve ser notificada ao devedor, ou por este aceite,
para que produza efeitos em relação a ele (583º/1), sob pena de não lhe ser oponível, a não
ser demonstrando o seu conhecimento da sub-rogação (583º/2). Assim, caso o devedor,
ignorando a sub-rogação, vier a pagar ao credor originário, esse pagamento será eficaz
perante o sub-rogado, restando a este apenas a possibilidade de instaurar uma ação de
enriquecimento sem causa contra o primitivo credor (neste caso, enriquecimento por
intervenção).
Para além disso, em caso de vários pagamentos do mesmo crédito por terceiro,
prevalece a sub-rogação que primeiro for levada ao conhecimento do devedor ou que por este
seja aceite (584º, aplicável por força do artigo 594º). Assim, se o credor, por necessitar de
dinheiro, sub-rogar sucessivamente dois terceiros por pagamentos que estes tenham feito em
relação ao mesmo crédito, só aquele que notificar primeiro o devedor poderá prevalecer-se da
transmissão do crédito. Esta regra, no entanto, deve ser objeto de alguma restrição
relativamente à sub-rogação determinada pelo devedor, uma vez que, em relação a esta, faz
pouco sentido a exigência de qualquer notificação a ele pelo credor originário ou pelo sub-
rogado, já que este pode sempre provar que o devedor conhecia –já que determinou – a sub-
rogação (583º/2, aplicável por força do artigo 594º).

4. Natureza da sub-rogação

É discutida a natureza da sub-rogação. Surgiram por isso na doutrina inúmeras teses que,
partindo do pressuposto comum de que na sub-rogação se verificava a extinção da obrigação,
procuraram conciliar essa situação com a aquisição do credito pelo sub-rogado. Essas teses
correspondem às seguintes:
• Extinção do credito, ocorrendo, porém, uma ficção da sua manutenção, a fim de
possibilitar a sua transmissão. Defendida por Pothier, que considerou existir na

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

sub-togação uma ficção atraves da qual se consideraca que um credito pago por
terceito se mantinha subsistente, por forma a ser transferido para esse mesmo
terceiro.
• Extinção do credito, subsistindo apenas os seus acessórios. Com o pagamento por
terceiro ocorreria uma efetiva extinção do credito, ainda que se mantivessem os
acessórios o memso, os quais iriam acrescer a um credito novo do solvens sobre o
devedor que por isso não revestiria as mesmas características do credito extinto
• Extinção relativa do credito, que ocorreria apenas em relação ao credor,
mantendo-se este, porém, em relação ao devedor e ao sub-rogado. Defendida por
Vaz Serra
• Extinção relativa do credito, que ocorreria apenas em relação ao credor,
mantendo-se este, porém, em relação ao devedor e ao sub-rogado;
• Configuração da sub-rogação como premio atribuído ao sub-rogado, em virtude da
cooperação prestada.

Para o Professor Menezes Leitão, nenhuma das posições se apresenta coo uma correta
qualificação dogmática do isntituito jurídico da sub-rogação.
Este adere à posição claissica que qualifica a sub-rogação como uma transmissão legal do
credito baseada num ato jurídico n\ao negocioal que é o cumprimento. Efetivamente, o
cumprimento por terceiro normalmente produz a extinção do credito com a consequente
liberação do devedor, mas pode tal não acontecer sempre que ocorra uma circunstancia que
determine, em lugar dessa extinção, a transmissão do credito para o solvens. Conforme se
verificou, essa circusntancia pode ser a declaração previa de sub-rogação pelo credor ou
devedor, ou o facto de o próprio solvens ter interesse direito na satisfação do credito

A assunção de dívida

1. Conceito da assunção de dívida

O nosso Código prevê nos artigos 595º e ss. a transmissão a título singular de dívidas
através da figura denominada de “assunção de dívida”. Esta consiste na transmissão singular
através de negócio jurídico celebrado com terceiro.

2. Modalidades da assunção de dívida

2.1. Assunção interna e assunção externa

O artigo 595º/1 refere-nos que a assunção de dívida pode verificar-se:


a) por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor (assunção
interna);
b) por contrato entre o novo devedor e o credor, com o sem consentimento do
antigo devedor (assunção externa);

Na assunção interna, a transmissão de dívidas resulta do efeito conjugado de dois


negócios jurídicos: um contrato entre o antigo e o novo devedor, determinando a transmissão,
e um negócio unilateral do credor a ratificar esse mesmo contrato. Se não existir a ratificação,
o contrato entre o antigo e o novo devedor não é eficaz em relação ao credor, pelo que não
pode valer como assunção de dívida. As partes, são, aliás, livres de distratar o negócio

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

enquanto o credor não o ratificar (596º/1), podendo inclusivamente qualquer delas fixar ao
credor um prazo para a ratificação, findo o qual esta se considerará recusada (596º/2). A
ratificação, que pode ser expressa ou tácita nos termos gerais, podendo ser declarada a
qualquer das partes, é assim essencial para que se possa produzir a assunção de dívidas, uma
vez que sem ela o contrato celebrado não é eficaz perante o credor, não ficando o novo
devedor vinculado eem face dele. Só a partir do momento em que ocorre a ratificação, é que a
assunção de dívidas se torna definitiva, deixando as partes de a poder distratar.
Suscita-se, porém, a questão de se averiguar se, apesar da não ratificação pelo credor,
o negócio celebrado entre as partes não poderá valer como promessa de liberação, também
denominada assunção de cumprimento, vinculando-se assim o assuntor perante o primitivo
devedor a liquidar a dívida deste (444º/3). No BGB estabelece que caso o credor não conceda
ou negue a raticicação, na duvida o assuntor continua obrigado perante o devedor a satisfazer
a prestação dentro do prazo, o que leva a doutrina a sustentar existir uma regra interpretativa
de que qualquer assunção de divida não ratificada vale, em principio, como assunção de
cumprimento. Entre nós, semelhante a solulão tem sido igualmente defedia pela doutrina com
base na vontade presumível ou conjectural da partes, por referencia aos art.239º e 293º.
Uma vez sendo realizada, a ratificação terá, em regra, eficácia retroatica, considernado-se
a divida transmirida no momento da celebração do contrato, uma vez que será essa
normalmente, quer a vontade do credor, quer a das partes outorgantes do contrato de
transmissão.
• Pires de Lima e Antunes Varela, no entanto, sustentam que essa retroatividade
não implicará a inutilização dos atos conservatórios do credito, praticados no
periorod que medeia entre a ratificação e o contrato de assunção de dividas.
Assim se, por exemplo, o credor nesse período interpelasse o antigo devedor para
o cumprimento da obrigação, a interpelação realizada deveria considerar-se eficaz
perante o novo devedor.
• Para o Prof. ML, sendo a assunção liberatória, é manifesto que a retroactividade
atribuída à ratificação tem que ser plena, sendo assim naturalmente ineficazes os
atos conservatórios do crédito, uma vez que não foram dirigidos ao verdadeiro
devedor. Relativamente á assunção cumulativa, a lei estabelece neste caso uma
solidariedade imperfeita entre o antigo devedor e o novo obrigado (595º/2), pelo
que a interpelação realizada pelo credor primitivo devedor terá os efeitos
previstos no artigo 519º, não sendo o novo devedor responsável naturalmente
pelos danos moratórios imputáveis ao primitivo devedor.
Na assunção externa a transmissão da dívida resulta apenas de um único negócio
jurídico: o contrato entre o novo devedor e o credor, ao qual o antigo devedor pode ou não
dar o seu consentimento. Nesta forma de assunção de dívidas o consentimento do devedor é
assim irrelevante, sendo apenas o acordo entre o credor e o novo devedor que desencadeia a
transmissão da dívida para este último, com ou sem exoneração do antigo devedor.
Tem sido questionado se, em virtude do princípio do contrato, poderá ser determinada
a liberação da obrigação do primitivo devedor, sem que ele dê o seu acordo. Para o Prof. ML,
se o credor pode aceitar a prestação de terceiro (767º), que determina necessariamente essa
liberação, naturalmente que também poderá celebrar com ele uma assunção externa,
independentemente da oposição do devedor (595º/1 b)).

2.2. Assunção cumulativa e assunção liberatória de dívida

Esta distinção baseia-se no artigo 595º/2. Distingue-se, assim, consoante falte ou ocorra a
exoneração pelo credor, entre a assunção cumulativa de dívida, em que o antigo devedor não
é liberado da sua obrigação, mantendo-se solidariamente obrigado perante o credor e

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

assunção liberatória e dívida, em que se verifica a extinção da obrigação do antigo devedor,


ficando exclusivamente obrigado o novo devedor.
Nestes termos, ao verificar-se a transmissão da divida, o novod devedor pode vir a
substituir integralmente o antigo devedor, que fica assim exonerado (assunção liberatória), ou,
pelo contrario, ficar vinculado por essa obrigação exatamente nos mesmos termos e em
simultâneo com o primeirivo devedor, sem que a vinculação deste seja afetada (assunção
cumulativa).A diferença entre estas duas situações jurídicas depende apenas da declaração de
exoneração do primitivo obrigado, que compete ao credor, e que a lei exige que resulte de
declaração expressa, ou seja, ao credor, declaração feita por palavras ou outro meio directo de
expressão da vontade (217º). A exoneração pelo credor é assim essencial para que o antigo
devedor fique liberado perante ele. Sem essa declaração, o novo devedor responderá
solidariamente para com o antigo obrigado.
Conforme resulta do artigo 595º/2, a declaração expressa do credor a exonerar o primitivo
devedor é exigível tanto na assunção externa como na assunção interna. Por esse motivo, em
relação a esta última, a exoneração não se confunde com a ratificação nem resulta
automaticamente desta. Através da ratificação, o credor limita-se a dar o seu acordo à
transmissão, impedindo as partes de distratarem. COM a declaração expressa de exoneração,
o credor extingue a vinculação do primitivo obrigado (595º/2), sem prejuízo, porém, de esta
poder renascer em caso de ser declarada inválida a transmissão (597º), ou o credor haver
ressalvado a responsabilidade do primitivo devedor para o caso da insolvência do novo
devedor (600º).

3. Requisitos da assunção de dívida


3.1. O consentimento do credor

Da análise das várias modalidades de assunção de dívida resulta que para a


transmissão de dívidas é sempre necessário o consentimento do credor, o que bem se
compreende já que o credor só conta em princípio com o património do devedor para garantir
a realização do seu crédito., pelo que, se fosse permitido ao devedor transferir para terceiro a
sua obrigação sem consentimento do credor, tal poderia envolver prejuízo para este, que
poderia confrontar-se com um novo devedor com uma situação patrimonial muito pior do que
aquela que possuía o antigo devedor. Daí a exigência do consentimento do credor para a
transmissão de dívidas que, na assunção interna, é prestado mediante a ratificação do
contrato celebrado entre o antigo e o novo devedor e, na assunção externa, através da
celebração pelo próprio credor do contrato com o novo devedor, além de se exigir em que
qualquer dos casos a declaração expressa de exoneração do credor para que o primitivo
devedor possa ficar liberado.
Como não podia deixar de ser, é igualmente necessário o consentimento do novo
devedor para que a assunção de dívidas possa ocorrer, já que não faria sentido impor a alguém
a assunção de uma dívida contra a sua vontade. O novo devedor, é, por isso, sempre uma das
partes no contrato de assunção de dívida, sendo a sua contraparte o antigo devedor na
assunção interna e o próprio credor na assunção externa.
Já, pelo contrário, não vem a ser necessário o consentimento do primeiro devedor
para a assunção de dívidas, sendo este claramente dispensado na assunção externa. Conforme
se referiu, tal solução compreende-se, uma vez que se o terceiro pode cumprir a obrigação,
mesmo com a oposição do devedor (768º/2), justifica-se que possa igualmente assumi as suas
dívidas sem o seu consentimento.

3.2. A existência e validade do contrato de transmissão

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Para que possa ocorrer a transmissão da dívida, a lei exige que esta decorra de um
contrato transmissivo da obrigação que exista e que não seja nulo ou anulável. Á semelhança
do que sucede com a cessão de créditos, parece não existirem obstáculos legais à transmissão
de dívidas futuras, desde que esteja preenchido o requisito de determinabilidade (280º), quer
estas resultem de negócio já celebrado (ex: assunção da obrigação de pagamento das rendas
devidas pelo locatário no próximo ano) quer de negócio a celebrar (ex: assunção da dívida
resultante de um empréstimo bancário a contrair por outrem. Neste caso, naturalmente que a
assunção a penas produzirá efeitos com a constituição efetiva da obrigação.
É igualmente discutido na doutrina se, na assunção de dividas futuras, deve adotar-se
a teoria da imediação, segundo a qual a dívida surge depois diretamente na esfera do
assuntor, ou antes a teoria da transmissão, segundo a qual a divida ainda vem a passar
primariamente pelo património do transmitente durante uma scintilla temporis, só após
ocorrendo a mudança de devedor. Mais uma vez. Estamos de acordo com Mota Pinto, quando
este refere que a «doutrina da transmissão-, a que alguns oporão a obieção conceptualista de
considerar efeitos jurídicos num simples átomo de tempo, é o único enquadramento para o
fenómeno representado pela circunstância de os pressupostos de constituição da dívida terem
de ocorrer na pessoa do devedor originário.

Caso o contrato de transmissão não venha a ser celebrado, seja nulo por
impossibilidade legal ou seja anulado por qualquer motivo, a lei determina que renasce a
obrigação anterior, mesmo que o credor tenha exonerado o primitivo obrigado. Apenas ficam
extintas as garantias prestadas por terceiro, exceto se este conhecia o vício na altura que teve
notícia da transmissão (597º).
A oposição da invalidade do contrato de transmissão ao credor pode, porém, ser
questionada perante a disposição do art. 598º, que determina que o novo devedor não tem o
direito de opor ao credor as exceções derivadas das relações entre ele e o primitivo devedor,
norma que se apresenta em cena medida em contradição com a disposição anterior. Mota
Pinto, propugnando a denominada teoria da oferta ou teoria contratual, vem sustentar que,
tanto na assunção interna como na externa, há uma proposta ao credor, que na primeira
ocorre por parte do antigo e do novo devedor em conjunto, e na segunda apenas por parte do
novo devedor. Assim sendo, a assunção interna consistiria num contrato trilateral, o que
legitimaria a não extensão automática em relação ao credor dos motivos de invalidade
ocorridos nas relações entre o antigo e o novo devedor (relação de cobertura), estendendo-se,
em relação ao credor, a proteção do declaratário no comum dos negócios jurídicos (v.g., em
caso de dolo de terceiro, ou outros vícios como a incapacidade acidental ou erro sobre o
objeto) .
Antunes Varela, opõe-se a esta solução defendendo a teoria da disposição, segundo a qual
a assunção interna da divida implica sempre a disposição do património do credor por quem
não tem legitimidade para o fazer, a qual por isso apenas se toma eficaz com a ratificação por
ele. O autor entende que a conjugação dos art. 597º e 598º implica que o novo devedor possa
opor ao credor os vícios na formação da vontade que o afetarern relativamente ao contrato de
assunção de dívida, desde que esses vícios procedessem igualmente contra o devedor
originário, mas não pode invocar contra o credor a nulidade ou a anulação do contrato que
serviu de fundamento à assunção. Esta tese parece vir igualmente a ser sustentada por
Menezes Cordeiro.
Menezes Leitão, crê que é a teoria da disposição que se apresenta como estranha ao
nosso direito, uma vez que do contrato entre o antigo e o novo devedor não resulta qualquer
afetação do direito do credor, que tivesse que ser por este ratificada. Efetivamente, o antigo
devedor permanece obrigado, a menos que o credor o exonere. Por outro lado, o grande
argumento apresentado contra a teoria contratual – a autonomia entre ambas as alíneas do
art.595º - não se apresenta como decisivo, uma vez que conforme se referiu, quer num caso

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

quer noutro, sem a declaração negocial credor não se pode considerar realizada a assunção de
dívida. Parece. assim, que em caso de invalidade do contrato de transmissão se poderão
aplicar as regras gerais relativas à proteção do credor como declaratário, evitando que lhe
sejam opostas causas de invalidade relativas à relação de cobertura, e que o credor ignorasse
e não devesse conhecer. Esta é a solução que melhor permite a harmonização entre os arts.
597º e 598º, evitando-se assim a contradição que representaria não poder o novo devedor
opor ao credor exceções resultantes do contrato, mas poder opor-lhe vides na formação da
vontade relativos a esse contrato, bastando que eles pudessem ser opostos ao primitivo
devedor. Por outro lado, não se vê razão para estabelecer a este propósito, uma distinção
entre os arts.595º a) e b ), uma vez que é manifesto que o art.597p se aplica a ambas as
situações. O professor Menezes leitaão defende assim a teoria contratual.

4. Regime da assunção de dívida

4.1. O regime específico da assunção cumulativa

Na assunção cumulativa de dívidas é necessário estabelecer uma distinção entre os


seus efeitos na relação interna entre o antigo e o novo devedor e na relação externa dos
devedores com o credor. Na relação interna entre os devedores parece claro que se verifica a
transmissão da dívida do antigo para o novo devedor, uma vez que é este o objeto do negócio
celebrado, o qual depende da exoneração concedida pelo credor (595º/2). Entre o antigo e o
novo devedor verifica-se por isso o fenómeno da transmissão de dívida.
Já na relação externa para com o credor, a lei determina que, na ausência de
exoneração, ambos os devedores respondem solidariamente, o que se destina a permitir que o
credor possa exigir o cumprimento da obrigação indistintamente a qualquer um dos
devedores. No entanto, parece claro que a solidariedade aqui consagrada não se ajusta ao
regime legal da solidariedade perfeita, consagrada nos arts 512º e ss., constituindo antes um
caso de solidariedade imperfeita.
Efetivamente, uma vez que nas relações internas apenas o novo devedor será
efetivamente devedor da obrigação, o direito de regresso só se poderá realizar num só
sentido. Assim, se o novo devedor efetuar ao credor o pagamento, não lhe assistirá qualquer
direito de regresso sobre o antigo devedor. Se, porém, for o antigo devedor a efetuar esse
pagamento terá direito de regresso sobre o novo devedor pela totalidade do crédito.
Efetivamente, as relações internas entre ambos são definidas pelo contrato que serve de base
à assunção, não lhe sendo por isso aplicável a presunção do artigo 516º.
Para além disso, ao contrário do que sucede no regime da obrigação solidária, a
obrigação do novo devedor decorre de uma transmissão por parte do antigo, o que permite
que o novo devedor possa aproveitar dos meios de defesa dessa obrigação, em termos mais
amplos do que aqueles que goza o devedor solidário.
Assim, em primeiro lugar, na obrigação solidária, se o credor for impedido de exigir a
prestação de um dos devedores, por ele lhe opor um meio de defesa pessoal, não fica inibido
de exigir a prestação dos restantes (519º/2). Na assunção cumulativa, se o antigo devedor
invocar contra o credor um meio de defesa pessoal, parece claro que esse meio de defesa
aproveitará ao novo devedor, extinguindo a obrigação.
Em segundo lugar, uma vez que o direito de regresso só se exerce num sentido, não
seria admissível que, prescrita a obrigação do primitivo devedor, o segundo gozasse contra ele
do direito de regresso a que se refere o artigo 521º.
Finalmente, o caso julgado obtido pelo credor contra o primitivo obrigado é
naturalmente extensível ao segundo, ao contrário do que dispõe o artigo 522º, podendo, no
entanto, ele invocar ainda contra o credor os meios de defesa pessoais de que seja titular.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

4.2. O regime específico da assunção liberatória

O regime específico da assunção liberatória é o facto de, com a exoneração pelo


credor primitivo obrigado, o novo devedor se tornar agora o exclusivo devedor, ficando o
primitivo obrigado totalmente liberado da sua obrigação. No entanto, o novo devedor
permanece vinculado à mesma prestação que era devida pelo antigo devedor, uma vez que o
conteúdo da obrigação na se altera em virtude da sua transmissão. Neste caso não ocorre uma
extinção do direito do crédito e a sua substituição por um outro) mas ames l\ m
redireccionamento do mesmo crédito, que antes era dirigido contra o primitivo devedor e
passa a ser dirigido contra o assumor. O crédito permanece, por isso, o mesmo, não se
alterando o seu conteúdo, mas apenas a sua direção, através da substituição da pessoa do
devedor, em virtude da transmissão da obrigação para este.
Operando-se a transmissão da dívida para o assuntor, e sendo o antigo devedor
exonerado pelo credor, naturalmente que este deixará de o poder demandar, caso se verifique
a insolvência do assuntor, quer como devedor quer como garante da obrigação (600º). Essa
solução aplica-se quer a insolvência ocorra posteriormente à assunção de dívida, quer já se
verificasse naquele momento. Efetivamente, a exoneração visa precisamente a extinção da
responsabilidade do primitivo obrigado, em virtude de o credor o considerar suficiente a
garantia conferida pelo património do assuntor, produzindo assim a liberação integral do
primitivo devedor. Mesmo que a assunção de dívida resulte de contrato entre o antigo e o
novo devedor (595º/1 al a)), este não pode ser responsabilizado pela insolvência do primitivo
obrigado, já que do contrato de transmissão não resulta qualquer garantia relativamente a
essa solvência.
Admite-se, porém, a possibilidade de o credor ressalvar expressamente a
responsabilidade do primitivo obrigado aquando da exoneração (600º in fine). Neste caso, a
exoneração não produzirá a extinção da responsabilidade do primitivo devedor, mas torná-la-á
subsidiária, só podendo o credor demandar o primitivo devedor em caso de insolvência do
novo obrigado.

4.3. Transmissão das garantias e acessórios

Conforme resulta do artigo 599º, a transmissão da dívida envolve em princípio


igualmente a transmissão das garantias e acessórios.
Relativamente às obrigações acessórias do primitivo devedor, que não sejam
inseparáveis da pessoa deste, estas transmitem-se, em princípio, para o novo devedor
(599º/1). Efetivamente, o novo devedor assume todo o vínculo obrigacional como realidade
complexa, abrangendo assim não apenas o dever de prestar principal, mas também os deveres
de prestação secundários e os deveres acessórios de informação, lealdade e proteção. Assim,
por ex., se se transmite a obrigação de entrega de uma coisa, o assuntor fica igualmente
vinculado à entrega das partes integrantes, frutos pendentes e documentos respeitantes à
coisa ou direito (882º/2 e 955º/2) e terá, por força do princípio da boa fé (762º/2), que prestar
ao devedor todas as informações relativas aos riscos de utilização dessa coisa.
Relativamente às garantias que acompanhavam o crédito, a lei determina que elas se
mantêm, com exceção das que tiverem sido constituídas por terceiro ou pelo antigo devedor,
que não haja consentido na transmissão da dívida (599º/2). A regra será a não transmissão das
garantias do crédito para o novo devedor, a menos que haja consentimento do garante.
Efectivamente, se alguém se decide a garantir uma obrigação, fá-lo especificamente em razão
da pessoa e da situação patrimonial do devedor, que lhe transmite a confiança de que irá
cumprir a sua obrigação. Daí que qualquer alteração da pessoa do devedor corresponda a uma
alteração dos pressupostos que estiveram na base da concessão da garantia e,

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

consequentemente, das condições em que a mesma é prestada. Assim, por ex., se o antigo
devedor constitui um penhor ou hipoteca sobre bens seus para garantia da sua própria
obrigação, não seria correto impor-lhe que passasse posteriormente a garantir com esses bens
a obrigação de um terceiro, no caso de a assunção resultar de contrato entre ele e o credor,
sem o seu consentimento (595º/1 b)), uma vez que o antigo devedor pode não ter confiança
no cumprimento da obrigação por parte do assuntor. Da mesma forma, se um terceiro a
prestar uma fiança em relação à obrigação do primitivo devedor seria inaceitável que essa
fiança se mantivesse sem o seu consentimento em relação ao novo devedor, não só porque a
situação patrimonial deste poderia ser diferente, mas também porque a pessoa em questão
pode não lhe dar a mesma segurança de que irá cumprir a obrigação. O credor deverá, por
isso, assegurar a existência desse consentimento de garante, antes de permitir a transmissão
da dívida.
Solução diferente ocorre, porém, em relação às garantias que já tivessem sido
constituídas pelo assuntor antes da transmissão da dívida ou que resultem diretamente da lei.
Efetivamente, se o assuntor já era garante dessa mesma obrigação por ser, por ex.,
proprietário da coisa onerada com o penhor ou a hipoteca, não faria sentido que visse extinta
essa garantia em virtude do facto de ter passado a ser o próprio devedor. Igualmente, se a
garantia é conferida por lei. Por ex., se alguém gozar de direito de retenção sobre certa coisa,
continua a poder reter essa coisa até efetivo pagamento, mesmo que a dívida em questão
tenha sido transmitida para outrem. Efetivamente, as garantias legais são conservadas, apesar
de se ter verificado a alteração na pessoa do devedor, salvo se naturalmente o credor
concordar renunciar a elas.

4.4. Os meios de defesa do novo devedor

O artigo 598º vem referir quais os meios de defesa a que pode recorrer o novo
devedor, após a celebração do contrato de transmissão.
Verifica-se, que o novo devedor não pode, em primeiro lugar, opor ao credor
quaisquer meios de defesa que resultem da relação entre o antigo e o novo devedor, a qual se
apresenta como casual em relação à assunção de dívida. Assim, por ex., se o antigo devedor
prometeu ao novo devedor uma prestação como contrapartida da assunção de dívida é
vedado a este último opor ao credor, quer a exceção de não cumprimento, quer a resolução
do contrato fundadas no não cumprimento daquela prestação.
Pelo contrário, o novo devedor pode opor ao credor os meios de defesa derivados da
relação entre ele próprio e o credor. Assim, se, por ex., o credor aquando da assunção de
dívida, concedeu ao novo devedor uma moratória no prazo de pagamento ou uma remissão
parcial da sua obrigação, naturalmente que o novo devedor poderá opor essas excepções ao
credor.
Relativamente aos méis de defesa que existem na relação entre o antigo devedor e o
credor, estes poderão, em princípio, ser opostos pelo novo devedor, uma vez que ao assumir a
dívida ele passa a responder exatamente nos mesmos termos em que respondia o antigo
devedor. Há, no entanto, uma restrição a essa possibilidade de invocação. È que o fundamento
dessas exceções tem que ser anterior à assunção de dívida e não podem constituir meios de
defesa pessoais do antigo devedor.
Assim, por ex., o novo devedor poderá opor ao credor, quer a nulidade do contrato
constitutivo da obrigação, quer a sua ineficácia, quer a verificação de causas objectivas de
extinção do crédito. Já não poderá, porém, opor ao credor meios de defesa pessoais do antigo
devedor, que apenas podem ser utilizados pelo seu titular, como a anulabilidade do contrato
por erro, dolo, coação ou incapacidade (287º) e a compensação (847º), ou os direitos
potestativos que extravasem da dívida transmitida, abrangendo a própria relação contratual.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Se, no entanto, o antigo devedor tivesse invocado previamente esses meios de defesa perante
o credor, parece que essa invocação continua a aproveitar ao novo devedor.

5. Natureza da assunção de divida

A natureza da figura da assunção de dívidas rem levantado igualmente alguma controvérsia na


doutrina. Para a explicação da figura tem sido apontadas as seguintes posições:

1. Teoria da substituição nos direitos de crédito


A teoria da substituição nos direitos de crédito nega a possibilidade de ! transmissão
do vínculo obrigacional. O que leva à sua configuração como um caso de substituição
nos direitos de crédito
Strohal na Alemanha, e Pacchioni na Itália.

2. Teoria da cessão
Esra cencepção conheceu duas formulações: a doutrina da cessão dopstnnónio passivo
e a doutrina da cessão da qualidade de devedor.

3. Teoria do contraio a favor de terceiro


Defende que na assunção de dívidas o que existe é um contrato a favor de terceiro,
já que por força do negócio c.elebrado entre o antigo e o novo devedor, o credor
adquire um direito novo contra o assuntor, idêntico ao crédito que detinha sobre o
antigo devedor.

4. Teoria da sub-rogaçao convencional


Este autor considera que a transmissão de dívidas é uma verdadeira sub-rogação
convencional da obrigação considerada do ponto de vista passivo. Para este autor, a
assunção resulta do contrato entre o antigo e o novo devedor, mas não pode ser
oposta ao credor sem a sua aceitação.

5. Teoria da disposição
O devedor. Ao negociar a assunção interna de dívidas, dispõe de um direito que não
lhe pertence, actuando de forma análoga à daquele que cede um crédito de que io é
credor. O negócio de assunção de dívidas seria assim um acto de disisicão de um
direito de terceiro.

6. Teoria da oferta ou teoria contratual


De acordo com a sua conceção a assunção de dívidas corresponderia a uma delegação,
que atualmente se faria através de um contrato envolvendo três pessoas, o delegante
que pretendia que a sua obrigação passasse para o delegado, este ultimo, e o credor
delegatário, que aceitaria essa transmissão. Delegante e delegado fariam assim uma
oferta coletiva ao credor, propondo a substituição do delegante pelo delegado no
vínculo obrigacional, a qual seria aceite pelo credor, produzindo-se com a aceitação a
liberação do primiüvo devedor e a constituição do vínculo com o novo obrigado. A
assunção de dívidas teria assim a sua fonte num contrato trilateral, formado através
de uma oferta coletiva do primitivo devedor e do assuntor e de uma aceitação dessa
mesma oferta pelo credor. Uma vez que a aceitação do credor é elemento’ essencial
para a constituição do contrato de transmissão, naturalmente que a sua celebração
não poderia ter efeito retroativo.

Menezes Leitão:

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Em primeiro lugar, não parece mais possivel dispensar o conceito de transmissão das dívidas,
conforme pretende fazer a teoria da substituição nos direitos de crédito. Esta conceção
baseia-se num preconceito nominalista de cariz lógico, que é o de afirmar a impossibilidade de
continuação do vinculo obrigacional, após a mudança dos seus sujeitos, sem se atender que
em termos axiológicos é o próprio Direito que vem estabelecer essa continuidade de efeitos.
Já a tese da cessão, quer na modalidade de D£LBRÜCK, quer na de · 5ALEILLES, não parece
proceder.
Relativamente à qualificação da assunção de dividas como contrato a favor de terceiro, esta
igualmente não procede, já que o contrato a favor de terceiro implica a constituição de uma
nova obrigação em benefício do terceiro, enquanto que na assunção de dividas ocorre uma
mera transmissão da obrigação.
A tese que considera a assunção de dividas um ato de disposição dos direitos do credor
alcançou grandes adeptos, quer na doutrina alemã, quer mesmo entre nós. No entanto, esta
tese é igualmente suscepnvel de críticas, uma vez que se o credor tem, para se poder operar
uma assunção liberatória de dívida, não apenas que ratificar, mas também que exonerar o
primitivo obrigado, não se vê como se poderá defender ‘que, com a mera celebração do
contrato de transmissão, o antigo devedor e o assuntor efetuaram uma ingerência nos direitos
do credor. Efetivamente, necessitando a transmissão do consentimento deste, conforme se
verificou, é manifesto que o contrato de assunção tem que ser entendido como uma mera
proposta ao credor, não havendo qualquer ingerência se a mesma for recusada. A isto acresce
que os dados legislativos em que a doutrina alemã se baseia para defender a teoria da
disposição não são transponíveis facilmente para outros direitos.
Por este motivo, Menezes Leitão apoia a teoria da oferta ou contratual.

Cessão da posição contratual

1. Figuras afins da cessão da posição contratual


1.1. O subcontrato

Ocorre uma situação de subcontrato sempre que alguém celebra determinado contrato
com base na posição jurídica que lhe advém de outro contrato do mesmo tipo, já previamente
celebrado com outrem. O subcontrato depende assim da existência de um contrato anterior
do mesmo tipo, em relação ao qual se apresenta em situação de dependência.
Ex: sublocação (1060º e ss. e 1088º e ss.); subempreitada (art.1213º); submandato (art.1165º
e 264º)
Em todas essas situações um dos contraentes, com base na posição jurídica que lhe é
atribuída por um contrato já existente, contrata com terceiro um contrato com conteúdo total
ou parcialmente idêntico, de onde resultará necessariamente uma sua substituição total ou
parcial no exercício da referida posição jurídica, que passará a caber ao subcontratante. É, no
entanto, clara a relação de dependência do subcontrato em relação ao contrato principal,
expressa, por exemplo, na circunstância de a extinção deste provocar a extinção daquele (art.
1089º)
Esta situação se distingue da cessão da posição contratual uma vez que nesta se verifica a
transmissão da posição adveniente de um contrato de um sujeito para o outro, sendo assim
alterados os sujeitos da relação contratual. No subcontrato, pelo contrário, a primitiva relação
contratual permanece inalterada, apenas se verificando a constituição de um novo vínculo que
se coloca em relação ao anterior numa situação de dependência.

1.2. A adesão ao contrato

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Nesta, o que se verifica é que um terceiro vem a constituir-se como parte numa
relação contratual existente entre duas pessoas, participando da posição jurídica já atribuída a
uma delas, sem que esta perca, por sua vez, a titularidade dessa mesma posição. Assim,
aderente torna-se co-titular dos créditos do seu parceiro contratual, e assume da mesma
forma as obrigações que a este competem, instituindo-se assim uma pluralidade de sujeitos na
relação obrigacional, cujo regime jurídico (solidariedade ou conjunção) depende do estipulado
no negócio de adesão.
Uma vez que não é indiferente para a outra parte ter um ou mais parceiros contratuais,
designadamente em relações contratuais duradouras como a sociedade ou o arrendamento,
entendes que a adesão ao contrato tem que resultar de um negócio trilateral ou, pelo menos,
que o outro contraente, antes ou depois, dê o seu consentimento à adesão.
Conforme se pode verificar, a adesão ao contrato apresenta grandes semelhanças com a
cessão da posição contratual, dela se distinguindo apenas em virtude de a cessão implicar que
o cedente deixe de ser parte no contrato, em virtude da sua transmissão para outrem,
enquanto que na adesão não ocorre qualquer transmissão, mas apenas a agregação de outro
sujeito a uma posição contratual que é conservada.

1.3. A sub-rogação legal forçada

Podemos encontrar manifestações no art. 1057º do Código Civil e no art. 285º do CT.
Do art.1057º resulta que o contrato de locação não é prejudicado em virtude da alienação
a terceiros da coisa locada, pelo que o novo proprietário da coisa vem a suceder na posição
jurídica de locador que possuía o anterior proprietário.
O art.285º/1 CT visa proteger a unidade do estabelecimento, esta norma determina que a
sua transmissão para outrem determina que o adquirente ocupe a posição de entidade
patronal nos contratos de trabalho abrangidos pelo estabelecimento.
Conforme se pode verificar, o regime assim estabelecido distancia-se bastante da figura da
cessão da posição contratual. Uma vez que neste caso a transmissão da posição contratual não
resulta de um negócio jurídico entre cedente e cessionário, nem sequer se exige o
consentimento do outro contraente. Trata-se antes de uma transmissão imposta por
determinação legal, que é independente da estipulação das partes, e que por isso se baseia
num facto jurídico stricto sensu.

2. Noção

A cessão da posição contratual corresponde à transmissão por via negocial da situação


jurídica complexa de que era titular o cedente em virtude de um contrato celebrado com
outrem.

3. Requisitos da cessão da posição contratual

3.1. Generalidades

A cessão da posição contratual encontra-se prevista no art. 424.º. A cessão da posição


contratual teria assim os seguintes requisitos:

3.2. Um contrato a estabelecer a transmissão da posição contratual, celebrado


entre o cedente e um terceiro

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

O primeiro requisito da cessão da posição contratual é a existência de um negócio jurídico


a estabelecer a transmissão da posição contratual.
Para que se possa falar de cessão da posição contratual, o referido negócio terá que ser
um negócio unitário, tendo por objeto a transmissão da posição contratual em globo.
Uma vez que envolve necessariamente a assunção de obrigações por parte do cessionário,
a transmissão da posição contratual não se pode fazer sem acordo dele, sendo por isso
qualificável como contrato o negócio em questão. Pode esse contrato constituir numa compra
e venda (art. 874.º), dação em cumprimento (art. 837.º) ou pro solvendo (art. 840.º), etc.... No
entanto, é manifesto que qualquer destes negócios que serve de base à cessão da posição
contratual tem necessariamente carácter causal, não constituindo assim a cessão da posição
contratual um negócio abstrato.
A lei determina expressamente que a forma da transmissão, a capacidade de dispor e de
receber, a falta vícios da vontade e as relações entre as partes se definem em função do tipo
de negócio que lhe serve de base (art. 425.º), nos termos do qual se estabelece ainda a
garantia quanto à existência da posição contratual transmitida (art. 426.º).
3.3. O consentimento do outro contraente

A cessão da posição contratual não é, porém, admissível sem o consentimento do


outro contraente, prestado antes ou depois da celebração do contrato, resultando assim do
efeito conjugado das declarações negociais do cedente, cessionário, e da outra parte no
contrato transmitido. Em relação às primitivas partes no contrato, a cessão resulta de um
negócio de disposição sobre a relação obrigacional complexa, enquanto em relação ao
cessionário ela resulta de um negócio obrigacional.
Normalmente o negócio de cessão da posição contratual é celebrado primeiro entre o
cedente e cessionário, ficando depois a sua eficácia dependente da aceitação do outro
contraente, mas este pode igualmente dar previamente o seu consentimento a toda e
qualquer cessão da posição contratual, consentimento esse que é irrevogável. Neste último
caso, o contrato entre cedente e cessionário não produzirá efeitos logo que celebrado, mas
apenas com a notificação ou reconhecimento da transmissão da posição contratual pela outra
parte no contrato (art.424º, nº 2).
O consentimento do outro contraente constitui um requisito constitutivo do negócio da cessão
da posição contratual, pelo que este não se poderá ter por concluído enquanto esse
consentimento não se verificar. A cessão da posição contratual não se pode assim considerar
como um produto de dois negócios coligados, sendo ames um contrato trilateral, para cuja
perfeição se exige o concurso de três declarações negociais. Esta solução não se altera no caso
de o consentimento ter sido dado previamente à cessão, uma vez que o mesmo continua a ser
uma declaração negocial necessária à perfeição do negócio, ocorrendo neste caso um
requisito suplementar de eficácia, que é a notificação ou reconhecimento da cessão (art.
424º/2)
Tem sido questionado na doutrina se, perante a recusa do contraente cedido, o negócio
não poderá converter-se, ao abrigo do art. 293.º, num contrato misto de cessão de créditos
sobre o cedido e assunção cumulativa das dívidas do cedente, numa adesão ao contrato, ou
numa cessão da posição contratual que excluísse a liberação do cedente. A resposta tem sido,
porém, maioritariamente negativa, dado que, para além do facto de entre nós nem a
assunção cumulativa se poder fazer sem o consentimento do credor (art. 595º/1/a)) não faria
sentido admitir uma transmissão dos créditos do cedente para o cessionário sem que aquele
fosse simultaneamente liberado das suas obrigações e que, sendo a cessão da posição
contratual um negócio trilateral, a recusa do consentimento do cedido implica que não se
tenha formado o negócio, que não chega assim a produzir quaisquer efeitos.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

3.3. A questão da inclusão da referida posição contratual no âmbito dos contratos com
prestações recíprocas.

O art.424º parece restringir a cessão da posição contratual aos contratos com prestações
recíprocas, ou seja, aos contratos bilaterais ou sinalagmáticos. Assim, Galvão Teles e Antunes
Varela, para os quais se pode transmitir a posição contratual de comprador ou de
arrendatário, mas já não de mutuário ou de doador, já que as posições resultantes dos
contratos unilaterais apenas se poderiam transmitir através dos institutos da cessão de
créditos ou da assunção de dívidas. Em coerência com esse entendimento, tem-se defendido
igualmente a exclusão da aplicação da cessão da posição contratual aos contratos bilaterais
em que uma das prestações já tenha sido executada, dado que nesse caso se estaria perante
um contrato bilateral tornado unilateral.

Já para Menezes Cordeiro e Menezes Leitão o entendimento deve ser contrário.


Efetivamente, por exemplo, um contrato de compra e venda executado apenas pelo vendedor,
atribui a este não apenas um direito de crédito ao preço, mas também, entre outros efeitos,
uma imposição de garantia contra vícios da coisa vendida (arts. 913.º e ss). e, eventualmente,
a resolução do contrato por incumprimento do comprador (art. 886.º). Ora, este conjunto de
situações não pode ser transmitido por cessão de créditos, havendo que recorrer antes à
figura da cessão da posição contratual. A mesma coisa se pode dizer quanto a contratos
unilaterais como o mútuo ou a doação, já que uma mera assunção de dívida em relação à
obrigação do mutuário ou do doador impediria no primeiro caso o assuntor de exigir a
responsabilidade do mutuante por vícios das coisas (art. 1151.º) e no segundo caso de recorrer
à revogação por ingratidão do donatário (art. 970.º), sendo assim para estes casos igualmente
admissível a cessão da posição contratual.
Entendemos, por isso, que, ao contrário do que a lei parece pressupor, não há razões para
restringir a cessão da posição contratual aos contratos bilaterais ainda não executados, sendo
igualmente admissível a sua celebração nos contratos unilaterais ou nos contratos bilaterais já
executados por uma das partes. Aliás, mesmo que se entendesse que a norma do art.424º não
os poderia abranger estaria sempre aberta a via da sua aplicação analogia (art.10º).

Suscitou, porém, ainda alguma controvérsia a questão de saber · í1 cessão da posição


contratual poderia abranger contratos reais, em que a entrega da coisa e o efeito translativo
do direito real já se tivessem verificado, faltando apenas o cumprimento da obrigação do
adquirente. A posição preferível é a de que não exclui a cessão da posição contratual nesta
situação, uma vez que um ato de disposição da posição contratual é naturalmente diferente de
um ato de disposição do contrato real. Por outro lado, mesmo que a transferência do direito e
a entrega da coisa estejam realizadas, mantêm-se na posição contratual da coisa, que nunca
poderia ser abrangida numa cessão de créditos ou assunção de dívidas. Defendemos por isso
não haver obstáculos à cessão da posição contratual nessa situação. No caso de envolver bens
imóveis, a cessão da posição contratual do adquirente estará sujeita a registo, nos termos
gerais do art.2º, nº2 l, a) CRP

4. Efeitos da cessão da posição contratual

4.1. Generalidades

Conforme se referiu, a cessão da posição contratual resulta de um negócio celebrado


entre cedente e cessionário, a que o outro contraente dá o seu consentimento. Convém, no
exame dos seus efeitos, estabelecer uma distinção entre a relação entre o cedente e o

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

cessionário, a relação entre o cessionário e o contraente cedido e a relação entre o cedente e


o contraente cedido.

4.2. Relação entre cedente e cessionário

Relativamente à relação entre cedente e cessionário, a cessão da posição contratual


abrange os seguintes efeitos:

A) Transmissão da posição contratual do cedente para o cessionário.

O primeiro efeito da cessão da posição contratual é a transmissão da posição contratual


do cedente para o cessionário. Como a posição contratual é transmitida em globo, ela
abrangerá todo o complexo de situações jurídicas de que era titular o cedente em relação ao
contrato, levando a que o cessionário adquira todos os créditos, poderes potestativos e
exceções e fique vinculado pelas obrigações, deveres acessórios e sujeições resultantes desse
contrato. Assim, se alguém vendeu um equipamento industrial a outrem e o comprador
resolve transmitir a terceiro a sua posição contratual, o cessionário pode exigir a entrega do
equipamento, a prestação de informações sobre o seu funcionamento, exercer a garantia
edilícia, resolver o contrato por incumprimento ou recorrer à exceção de não cumprimento.
Mas fica por sua vez vinculado a pagar o preço respetivo e colaborar no cumprimento que a
outra parte realize.
No entanto, se o contrato era de execução continuada ou periódica, em princípio a cessão
da posição contratual apenas abrangerá as situações jurídicas correspondentes ao período de
tempo posterior à celebração do negócio de transmissão. Assim, se por exemplo existe um
contratual para outrem, é manifesto que a cessão terá apenas efeitos ex nunc não abrangendo
os direitos e obrigações das partes referentes ao período de tempo anterior à cessão
Tem sido controvertida na doutrina a questão de se saber se a cessão da posição
contratual pode abranger a transmissão da faculdade de anulação do negócio, no caso de o
cedente ter celebrado o negócio a que se refere a posição contratual transmitida por erro,
dolo ou coação.
Uma posição frequentemente defendida na doutrina estrangeira tem sustentado que a
faculdade de anulação do contrato, como poder potestativo que é, se inclui na posição
contratual transmitida, podendo assim ser exercido pelo cessionário.
Esta conceção deve ser rejeitada por nós, que sustenta que a posição contratual
transmitida abrange o conjunto de situações jurídicas constituídas pelo contrato, mas não
pode abranger as consequências dos vícios intrínsecos das declarações negociais, os quais se
referem ao momento da sua génese e que, por isso não podem ser transmitidos para o
cessionário.
Pensamos igualmente ser esta última a melhor posição. Efetivamente, a faculdade de
anulação do negócio é estabelecida no especial interesse daquele que viu a sua declaração
negocial viciada, sendo, por isso, uma faculdade inseparável da pessoa do cedente, que não
pode assim ser objeto de transmissão (ver por analogia o art.582.º).
Para Prof. ML,, se o cedente celebrou o contrato a que se refere a posição transmitida por
erro, dolo ou coação, e não requereu a sua anulação, essa faculdade não se transmite para o
cessionário, já que em relação a ele não se verificaria qualquer fundamento de anulabilidade.
O cedente pode, por isso, mesmo após a cessão, solicitar a anulação do negócio que originou a
posição contratual transmitida, caso em que a cessão do negócio contratual se tornará nula
por impossibilidade do objeto (art. 280.º, n.º1). O exercício do direito de anulação pelo
cedente não fica neste caso dependente de autorização do cessionário, nem a sua confiança
na validade do negócio é tutelada, uma vez que não se verifica neste caso nenhuma das

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

situações como as dos arts. 243.º e 291.º em que a lei tutela a situação dos terceiros de boa fé
que confiaram na validade do negócio.
Admite-se, porém, que o cedente se possa constituir em responsabilidade civil, ou por ter
tido culpa na celebração do contrato de cessão que veio a ser invalidado (art.227º), ou por
abuso de direito (art.334º), no caso em que o seu interesse na anulação do contrato seja de
muito menor importância do que o prejuízo causado ao cessionário.

B) Garantia prestada pelo cedente relativamente à posição contratual.

À semelhança do que se prevê para a cessão de créditos (art. 587.º), o art. 426.º, n.º1, vem
determinar, no âmbito da cessão da posição contratual que o cedente garante ao cessionário,
no momento da cessão, a existência da posição contratual transmitida nos termos aplicáveis
ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra. A garantia do cumprimento das
obrigações é que só existe se for expressamente convencionada nos termos gerais (art. 462.º,
n.º2).
Do art. 426.º, n.º1, resulta, portanto, que a lei assegura ao cessionário uma garantia legal,
relativa à existência da posição contratual transmitida. Assim, se essa posição contratual não
existe- por não ter sido celebrado o negócio em questão ou este ser inválido – ou se encontra
na titularidade de outrem que não o cedente, este torna-se responsável perante o cessionário.
Como sucede também na cessão de créditos, essa garantia varia consoante o negócio que
serve de base à cessão da posição contratual seja uma compra e venda ou uma doação. No
primeiro caso, o incumprimento da garantia dá lugar à aplicação do regime dos arts. 892.º e
ss., enquanto no segundo caso a situação será regulada pelos arts. 956.º e 957.º.
Assim, no caso de se estar perante uma venda, o cedente terá que restituir ao cessionário
o preço da posição contratual transmitida (art. 894.º) e responde objetivamente pelos danos
emergentes (art. 899.º), podendo ainda constituir-se em responsabilidade pelo incumprimento
da obrigação de convalidação (art. 900.º, n.º1). havendo, porém, dolo da sua parte, o cedente
responderá por lucros cessantes, que podem ter por base o interesse contratual negativo (art.
898.º) ou o incumprimento da obrigação de convalidação, no caso de o lesado pretender optar
por essa solução (art. 900.º, n.º2). No caso de doação, o cedente não responde objetivamente
pela existência da referida posição contratual, apenas tendo que responder se se tiver
expressamente responsabilizado ou houver atuado com dolo (arts. 956.º e 957.º).
Em princípio, o cedente apenas responde pela existência e titularidade da posição
contratual transmitida, pelo que não poderá ser responsabilizado se o contraente cedido deixa
de cumprir as suas obrigações contratuais perante o cessionário, ou se torna insolvente, uma
vez que este assume o risco desse incumprimento ou insolvência ao celebrar o contrato de
cessão. Pode, porém além da garantia legal de existência e titularidade da posição contratual
transmitida, ser estipulada uma garantia relativa ao cumprimento das obrigações pelo
contraente cedido (art.426º/2). Os termos dessa garantia resultarão naturalmente do que se
determinou no contrato de cessão, podendo, por exemplo, as partes estipular que o cedente
responderá como fiador, como principal pagador, como devedor pelo cessionário em
resultado do contrato de cessão.

4.3. Relação entre o cessionário e o contraente cedido

A cessão da posição contratual implica a transmissão, do cedente para o cessionário, do


conjunto de situações jurídicas que integravam a posição contratual transmitida à data da
celebração do contrato. O cessionário torna-se, a partir desse momento, no único titular
daquela posição contratual, sendo, portanto, perante ele que o contraente cedido deve
exercer os seus direitos e cumprir as obrigações. Consequentemente, se após a transmissão o
contraente cedido efetuar o cumprimento das suas obrigações ao cedente, esse cumprimento

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

não terá efeito liberatório, a menos que, tendo o contraente cedido dado o seu consentimento
antes da transmissão, não tenha ainda ocorrido a sua notificação ou reconhecimento (art.
424.º, n.º2).
A posição do cessionário perante o contraente pode, porém, não coincidir integralmente
com a posição que anteriormente teve o cedente, uma vez que a cessão da posição contratual
pode não abranger todos os direitos e obrigações que foram originados por aquele contrato.
Efetivamente, se esta tem lugar após ter sido cumprida alguma das obrigações não pode já ser
transmitido, mesmo que as partes pretendam atribuir eficácia ex tunc à cessão. Porém, o facto
de o contrato já ter sido integralmente executado não é obstáculo a que as partes celebrem
uma cessão da posição contratual, uma vez que esta pode pretender abranger outras
situações jurídicas, como por exemplo, as garantias contra vícios das coisas ou direitos
transmitidos.
Presumindo-se, por isso, salvo estipulação em contrário, que os créditos e obrigações, já
vencidos mas que ainda não tenham sido satisfeitos, se mantêm na titularidade do cedente,
não assumindo o cessionário qualquer responsabilidade pelo seu cumprimento. Efetivamente,
não corresponderá normalmente à vontade das partes fazer abranger na cessão da posição
contratual os direitos de crédito e as obrigações que, embora ainda não estejam extintos, já
deveriam estar, em virtude de ter ocorrido o respetivo vencimento.
Integram-se na posição contratual transmitida os poderes potestativos e as
correspondentes sujeições, pelo que naturalmente eles serão transmitidos para o cessionário.
Assim, poderá o cessionário invocar a exceção de não cumprimento ou o direito de retenção e
resolver o contrato com base em incumprimento ou em alteração das circunstâncias. Pode,
porém, questionar-se se o cessionário poderá invocar como fundamento do exercício desses
poderes potestativos, situações que ocorreram anteriormente à cessão da posição contratual.
A doutrina tem distinguido consoante o fundamento do direito potestativo em questão. Assim,
no caso da resolução do contrato, se estiver em causa o incumprimento de obrigações pelo
cedente não poderá o contraente cedido exercer esses direitos perante o cessionário, não só
porque estas obrigações não se transmitem normalmente para ele, mas também porque a
ameaça da resolução não produzirá qualquer efeito de coerção ao cumprimento. Se, porém, se
tratar do incumprimento de uma obrigação duradoura, que persista após a cessão
naturalmente que o contraente cedido poderá exercer perante o cessionário os direitos
correspondentes, mesmo que o seu fundamento tenha ocorrido em data anterior à cessão.
Relativamente às garantias das obrigações de que o contraente cedido é titular, parece
que se deverá aplicar analogicamente o regime do art.599.º, relativo à assunção de dívida.
Assim, parece que as garantias se manterão se tiverem sido prestadas pelo cedente ou pelo
cessionário, salvo se o contraente cedido consentir na sua extinção. Efetivamente, em relação
ao cessionário, não deve a cessão da posição contratual implicar automaticamente a extinção
das garantias que ele tinha constituído quando a obrigação lhe era alheia e, em relação ao
cedente, ele tem que consentir na cessão, pelo que se verifica necessariamente a manutenção
das garantias determinada pelo art.599.º, n.º2. Já, porém, se a garantia tiver sido prestada por
terceiro (fiança, penhor ou hipoteca sobre bens deste), a regra será a sua extinção, salvo se o
terceiro tiver dado o seu acordo à transmissão da posição contratual (art. 599.º, nº2).
O art.427º refere as exceções. Assim, aqui não está implicado que a outra parte conserve
integralmente as exceções que possuía contra o cedente, apenas passando a poder invocar
contra o cessionário as exceções que resultam da própria relação contratual. Admite-se,
porém, que o contraente cedido possa reservar outros meios de defesa de que disponha como
condição para consentir na cessão, caso em que o cessionário já saberá de antemão que terá
que contar com o exercício dessas exceções. Aliás também o cessionário poderá
eventualmente reservar exceções resultantes de outras relações com o cedente, antes de
prestado ou requerido o consentimento do cedido.

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Pergunta-se, porém, se não havendo essa reserva, o cessionário poderá opor ao


contraente cedido exceções resultantes do próprio contrato que determinou a cessão da
posição contratual. A resposta deverá ser negativa, não apenas porque o art.427.º não exclui o
próprio contrato de cessão da posição contratual do que denomina «outras relações com o
cedente», mas também porque o art.598.º, cuja doutrina se deve considerar igualmente
aplicável à cessão da posição contratual, determina expressamente a inoponibilidade à outra
parte das exceções resultantes do contrato que determinou a aquisição das obrigações. Outra
solução não faria, aliás, sentido, uma vez que não seria correto que o contraente cedido, que
se limitou a consentir na transmissão, pudesse ficar sujeito a ver recusado o cumprimento ou
resolvido o contrato com o fundamento de que o cedente não cumpriu perante o cessionário
alguma das obrigações que determinaram a transmissão.
Poderá, porém, o cessionário opor ao contraente cedido a invalidade do próprio contrato
de cessão, como, por exemplo, no caso de ter havido erro da sua parte, dolo do cedente,
incapacidade acidental ou simulação?
• CARLOS MOTA PINTO resolve a questão, defendendo que, sendo o contrato de
cessão da posição contratual um contrato trilateral, haverá que aplicar ao
contraente cedido as regras relativas à proteção do declararário, que exigem para
a procedência do pedido de invalidade determinados estados subjetivos na sua
pessoa. Assim, o cessionário só poderá invocar o erro na formação da vontade ou
na declaração, se o contraente cedido conhecesse ou não devesse ignorar a
essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro; só pode
invocar o dolo se o cedido o conhecia ou deveria conhecer; e só pode invocar a
incapacidade acidental, no caso de esta ser conhecida ou cognoscível pelo cedido.
Quanto à simulação, se esta se referir apenas ao acordo entre cedente e
cessionário, funcionará perante o cedido como simples reserva mental irrelevante.
Apenas quando a lei não tutelasse a posição do declaratário, como no caso da
ausência de capacidade de gozo ou de exercício pelo declarante e ainda na
hipótese de coação física, é que se deveria considerar que a invalidade do contrato
de cessão da posição contratual poderia ser oposta ao contracedidot9s.
• ANTUNES VARELA resolve antes a questão com base na especial posição que o
contraente cedido tem em relação ao contrato de cessão, uma vez que este não
estipula com o cedente ou cessionário as condições do contrato, mas se limita a
autorizar ou ratificar a sua celebração. Nesse entendimento, o autor defende que
os requisitos subjetivos na pessoa do declaratário legalmente exigidos para
proceder a anulação do negócio nem sempre se aplicarão ao contraente cedido.
Aplicar-se-á o regime da exigência do conhecimento da reserva mental, pois não
faria sentido que o negócio pudesse ser anulado quando o contraente cedido
desconhecesse essa reserva, mas já não se aplicarão os requisitos do
conhecimento da essencialidade no erro sobre a declaração ou no erro-vício, nem
os requisitos de que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar o dolo de
terceiro, uma vez que esses requisitos só se compreendem em relação a quem
participou na negociação e não a quem se limitou a autorizar ou a ratificar o
negócio, podendo assim ser opostos sem constrangimentos ao contraente cedido.
• Menezes Leitão concorda com Mota Pinto

4.4. Relação entre o cedente e o contraente cedido

A transmissão da posição contratual do cedente para o cessionário, nos termos dos


art.424.º e ss., liberará em princípio aquele de todas as obrigações, deveres acessórios e
sujeições emergentes do contrato. Há, no entanto, algumas exceções a considerar. Assim, se o
cedente já tiver causado danos à outra parte no contrato em virtude do incumprimento da

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

obrigação principal ou de deveres acessórios dele emergentes, naturalmente que a obrigação


de indemnização por esses danos se mantém na sua titularidade.
Podem, porém, as partes estipular que a cessão da posição contratual se fará sem que o
cedente seja liberado das suas obrigações. Essa cláusula encontra-se expressamente referida
no art. 1408.º, n.º2 o Codice civile e, apesar do silêncio da nossa lei, deve considerar-se
igualmente admitida entre nós com base na autonomia privada. Essa exclusão da liberação do
cedente poderá implicar que ele responda como fiador, como principal pagador ou como
devedor solidário, embora na dúvida se deva entender que a responsabilidade é a título de
principal pagador, ou seja a meio termo entre a fiança e a solidariedade passiva. Efetivamente,
embora se pudesse questionar a aplicação analógica do art.595.º, n.º2, de onde resultaria a
responsabilidade solidária do cedente e cessionário perante o contraente cedido, a verdade é
que esse regime da responsabilidade solidária se apresentaria como inadequado à situação do
cedente não liberado, parecendo o regime da fiança sem benefício da excussão adaptar-se
bastante melhor a essa situação. Efetivamente, e conforme refere Mota Pinto, o cedente não
exonerado deve responder pelas consequências legais e contratuais da mora ou culpa do
cessionário (art.634.º); o cedente poderá fazer valer contra o cedido as exceções pertencentes
ao cessionário (art.637.º); pode ainda recorrer a outros meios de defesa próprios do
cessionário, tais como invocar a compensação com um crédito do cessionário sobre o cedido,
e suscitar a impugnabilidade pelo cessionário do negócio donde provém a sua obrigação
(art.642.º); finalmente, no caso de o cessionário transmitir a um terceiro a sua posição
contratual ou a sua dívida, o cedente deve poder invocar a extinção da sua garantia (art.599.º,
n.º2, por analogia).
Mesmo que se convencione a não liberação do cedente perante o cessionário, não deixa
de se considerar ter ocorrido uma cessão da posição contratual, o que justifica concluir-se que
o cedente perde a sua qualidade de parte no contrato, assumindo perante o cedido um novo
vínculo de garantia de cumprimento de uma obrigação alheia. Deixa, por isso, o cedente de
poder exercer os direitos e os poderes potestativos que lhe advinha do contrato ou de possuir
as correspondentes sujeições, que passam a caber integralmente ao cessionário. A cessão da
posição contratual sem liberação do cedente distingue-se, por isso, claramente da figura da
adesão ao contrato onde, conforme se referiu, se verifica a participação de um terceiro na
posição contratual atribuída a uma das partes, sem que esta perca, por sua vez, a titularidade
dessa mesma posição. O cedente limita-se a assumir uma nova obrigação de garantia de
cumprimento das obrigações do cessionário

5. Natureza

A natureza da cessão da posição contratual tem sido objeto de discussão doutrinal


a) Teoria da cessão de créditos e da novação das dividas
É apenas explicável em virtude da rejeição da transmissão a título singular de
obrigações que durante tanto tempo existiu, o que levava a que os autores
considerassem que enquanto haveria uma transmissão dos créditos, já quanto às
obrigações teria que ocorrer a extinção da obrigação antiga e a constituição de uma
nova.

b) Teoria da renovatio contractus


Contesta que -exista na cessão da posição contratual a transmissão dos elementos
ativos e passivos que compunham a relação contratual, considerando antes que o que
ocorre nesta figura é a reprodução no confronto com outra pessoa, de um dado
mecanismo contratual preexistente. Assim, a relação contratual originária não se
transmite, mas antes se extingue, sendo que o outro contraente vem a reproduzir em
face do cessionário a mesma declaração negocial que tinha vindo a celebrar perante o

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

cedente, -o que leva a constituição de uma relação negocial de conteúdo idêntico mas
com fonte distinta da anterior relação entre cedente e cessionário. A cessão da
posição contratual seria assim apenas a renovação de uma declaração negocial por
parte de um sujeito distinto do contraente originário

c) Teoria da cessão de créditos e da assunção de dividas


Esta tese foi igualmente defendida por GALVÃO TELLES e por VAZ SERRA, que
qualificam a cessão como um contrato misto de transmissão de créditos e de assunção
de dívidas. Esta tese contestava que o ordenamento jurídico pudesse admitir um
negócio unitário de cessão da posição contratual, que permitisse a sua transmissão em
globo para um terceiro. Sustentava-se por isso a necessidade de uma decomposição
do contrato nos seus elementos ativos e passivos, transmitindo-se os créditos através
da cessão de créditos e as dívidas através da assunção de dívidas, assim se
conseguindo resultados análogos aos que resultariam de um negócio de cessão da
posição contratual.

d) Teoria da transmissão unitária


Carlos Mota, Antunes Varela, Menezes Cordeiro e Ribeiro Faria. De acordo com esta
tese, o crédito e a dívida não surgem isoladamente no âmbito da posição contratual,
mas antes esta constitui uma situação jurídica complexa cuja transmissão constitui
precisamente o objeto do negócio de cessão da posição contratual.

Menezes Leitão:
Concorda com a teoria unitária. A cessão da posição contratual implica a transmissão
do com plexo unitário que constituí a posição contratual, levando à aquisição pelo
terceiro da posição jurídica do cedente e ao consequente ingresso deste como parte
contratual, uma vez que abrange a transmissão da posição contratual.

Modificação das obrigações


1. Conceito

Depois de se constituírem e antes de se extinguirem, por motivos de varia ordem, as


obrigações podem sofrer modificações.

2. Modificações legais e voluntarias

2.1. Autonomia privada

No âmbito da autonomia privada, tal como prescreve o art.406º/1, credor e devedor


podem por acordo alterar o compromisso firmado, modificando a obrigação assumida.
As razçoes que justificam o acordo modificativo podem ser de diversa ordem,
nomeadamente para evitar o incumprimento ou as suas conseuqenicas, assim como para
impedir a cessação do vinculo.

2.2. Alteração das circunstancias

A alteração das circunstâncias corresponde a uma situação em que se verifica a contradição


entre dois princípios jurídicos: o princípio da autonomia privada, que exige o pontual
cumprimento dos contratos livremente celebrados, e o princípio da boa fé, nos termos do qual

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

não será lícito a uma das partes exigir da outra o cumprimento das suas obrigações sempre que
uma alteração o estado de coisas posterior à celebrado do contrato tenha levado a um
desequilíbrio das prestações gravemente lesivo para essa parte.
O CC consagra esta figura no art. 437.º. Ao mesmo tempo, porém, numa formulação algo
enigmática vem prever no art. 252.º, n.º2, o erro sobre a base do negócio, como uma categoria
especial do erro sobre os motivos referindo que «se, porém, recair sobre as circunstâncias que
constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou
a modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o
negócio foi concluído».
O âmbito do 437.º é para as circunstâncias efe ,tivamente existentes no momento da
celebração do contrato e que depois se alteram; já o 252.º, n.º2, estará em causa a falsa
representação sobre essas circunstâncias.

2.2.1. Requisitos

Resulta do art. 437.º a existência dos seguintes requisitos para a aplicação da alteração das
circunstâncias:
a) Uma alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar:
Apenas são relevantes as alterações das circunstâncias efetivamente existentes à data
da celebração do contrato, e que tenham sido causais em relação à sua celebração pelas
partes. Não relevam para efeitos desta norma, os casos de falsa representação das
partes quanto às circunstâncias presentes ou futuras, que apenas colocam um problema
de erro, nem circunstâncias que, apesar de efetivamente existentes, não se apresentem
como causais em relação à celebração do contrato.
b) O carácter anormal dessa alteração:
Exige-se que fosse de todo imprevisível para as partes a sua verificação. Situações
excecionais como uma revolução podem ser qualificadas como alteração das
circunstâncias, assim como alterações legislativas. Da mesma forma, uma mudança
radical nos pressupostos de facto que determinaram a celebração do negocio (Ex: crise
económica). Já a alteração do preço dos produtos comercializados ou a não obtenção
das autorizações administrativas necessárias não preencherão o requisito da
anormalidade.
c) Que essa alteração provoque uma lesão para uma das partes:
Surgir de um desequilíbrio contratual, que provoque danos significativos.
d) Que a lesão seja de tal ordem que se encontre como contrária à boa fé no
cumprimento das obrigações:
Neste sentido pode considerar-se como uma modalidade específica de abuso do direito
(art. 334.º), neste caso de um direito de credito, já que, por força da boa fé se torna
ilegítimo ao credor a exigenica da prestação numa situação em que os limites relativos
ao equilivrio das prestações no contrato se encontram ultrapassados.
Consequentemente a alteração das circunstâncias não pode ser aplicada a contratos já
executados, uma vez que após a troca das prestações, já passa a ser um risco do recetor
da prestação as alterações de valor que ela venha a sofrer.
Assim, se alguém recebu a prestação de determinado bem, cujo valor vem depois a
diminuir consideravelmente em virtude de uma alteração das circusntancias, não pode
socorrer-se do art.437º, uma vez que esta norma pressupõe uma abusiva exigencia de
cumprimento, não podendo aplicar-se para determinar a restituição de prestações num
contrato já integralmente cumprido (Menezes Cordeiro).
Galvão Telles e Almeida Costa consideram excecional a aplicação da alteralão das
cirucnstancas a contratos já executados.
e) Que não se encontre coberta pelos riscos próprios do contrato:

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

A alteração das circunstâncias é pois subsidiária das regras da distribuição do risco,


cessando a sua aplicação sempre que exista uma regra que atribua aquele risco a alguma
das partes. Por isso, nos contratos aleatórios, em que não haja limites aos riscos
assumidos pelas partes, fica de todo excluída a aplicação dor regime da alteração das
circunstâncias. Sendo limitado o risco assumido pelas partes já poderemos aceitar a
aplicação da alteração das circunstâncias quando excedam extraordinariamente os
limites da previsibilidade.

2.2.2. A exclusão da aplicação do regime da alteração das circunstâncias em caso de mora


da parte lesada

Uma restrição à aplicação do regime da alteração das circunstâncias resulta do art. 438.º
que nega à parte lesada o direito à resolução ou modificação do contrato se se encontrava em
mora no momento em que a alteração se verificou. Trata-se de uma situação coerente dado que
a mora inverte o risco da prestação (art. 807.º), pelo que, se o devedor, por causa que lhe é
imputável, não cumprir na data fixada, entende-se que assume o risco da verificação de
posteriores desequilíbrios contratuais, não podendo impor ao credor uma distribuição do risco
distinta.
Para além disso, permitir ao devedor invocar alterações das circunstnacias verificadas na
situação de mora resultaria em termos objetivos num prémio concedido por uma falta
contratual, uma vez que se o devedor tivesse cumprudo em tempo, o contrato já estaria
executado, ficando assim excluindo o recurso à alteração das circusntnacias.
Este regime sofre um quebra no art. 830.º, n.º3, que vem estabelecer que, na ação de
execução específica, a sentença pode, a requerimento do faltoso, determinar a modificação do
contrato nos termos do art. 437.º, ainda que a alteração das circunstâncias seja posterior à
mora. O promitente faltoso nos contratos promessa de venda de edifícios ou frações
autónomas, goza assim de uma maior tutela face ao desequilíbrio contratual gerado pela
alterção das cirucnstnaicas, uma ez que este pode ser sempre invocado como defesa na ação de
execução especifica.

2.2.3. Efeitos da alteração das circunstâncias

Conforme se referiu, a alteração das circunstâncias caracteriza-se por dar origem a um


desequilíbrio contratual. Ora esse desequilíbrio é considerado pelo art. 437.º, n.º1, como um
fundamento para parte lesada proceder à resolução do contrato (art. 432.º, n.º1) ou a requerer
a sua modificação segundo juízos de equidade. A parte não lesada, tem porém, a possibilidade
de se opor à resolução do contrato se aceitar a sua modificação segundo juízos de equidade.
Preferencialmente tenterá primeiro ir-se à modificação e depois à resolução
Uma dúvida que esta norma suscita é a de saber se a resolução tem que ser requerida em
juízo. Almeida costa responde afirmativamente, baseado nas modificações que sofreu o
anteprojeto de Vaz Serra nesta matéria e, na expressão “requerida a resolução”, prevista no
art.437º/2, bem como na natureza alternativa da providencia, e o facro de o recurso a juízo
permitir clarificar a situação.
Vaz Serra, pelo contrario, sustentou que a resolução tem apenas que ser delcarada à
outra parte, nos termos gerais, e pode até nem ser necessária essa declaração se a alteração
das cirucnstancias for de tal modo obvia que a declaração não seja de esperar.
O Prof. Menezes Leitão, não vê imperatividade nos arts. 439.º e 436.º. o uso da expressão
«requerida a resolução» é explicável pelo facto de a parte não puder decretar imediatamente a
resolução, sem averiguar primeiro se a outra parte não lhe impõe antes a modificação do
contrato, segundo juízos de equidade (art. 437.º, n.º2). Se esta o não fizer, a resolução poderá
ser logo decretada, cabendo então à parte contrária que a conteste o ónus de recorrer a juízo.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Havendo opção pela modificação do contrato, as partes podem igualmente acertar


extrajudicialmente o seu conteúdo, só havendo necessidade de recurso a juízo em caso de
ocorrência de algum litígio nesta matéria.
Optando-se pela resolução do contrato, aplicam-se as regras desta (art. 439.º), pelo que a
extinção do contrato terá em princípio efeito retroativo (art. 434.º, n.º1), ainda que nos
contratos de execução continuada ou periódica não abranja normalmente as prestações já
realizadas (art. 434.º, n.º2). Optando-se pela modificação, a solução é mais complexa devendo
procurar-se uma reposição do equilíbrio contratual, tomando em atenção qual a vontade das
partes no contrato e qual a eficácia concreta que a alteração teve na esfera da parte lesada.
2.3. Prescrição

2.3.1. Generalidades

Entre as causas de extinção do direito de crédito deve incluir-se a prescrição.


Ocorre a prescrição quando alguém adquire a possibilidade de se opor ao exercício de um
direito, em virtude de este não ter sido exercido durante um determinado lapso de tempo (art.
304.º, n.º1). A prescrição é, por isso, juridicamente qualificável como uma exceção, na medida
em que permite ao seu titular paralisar eficazmente um direito da contraparte.
A prescrição não deve ser confundida com a caducidade e o não uso, existindo diferenças
significativas de regime entre estas figuras. O seu campo de aplicação encontra-se expresso no
art. 298.º. Em relação à caducidade, estabelece-se que quando, por lei ou vontade das partes,
um direito deva ser exercido dentro de um certo lapso de tempo, a situação é primordialmente
qualificável como caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição (art. 298.º,
n.º2). Em relação ao não uso, ele constitui uma causa de extinção privativa dos direitos reais de
gozo, em relação aos quais nãos e aplica o regime da prescrição (art. 298.º, n.º3).
Assim, sempre que não exista um prazo especial de exercício, resultante da lei ou da vontade
das partes (art. 298.º, n.º2), e não se esteja perante um direito real de gozo (art. 298.º, n.º3) ou
perante um direito que a lei considere indisponível ou imprescritível (art. 298.º, n.º1), aplicam-
se ao caso as regras da prescrição (arts. 300.º e ss).

2.3.2. Modalidades: prescrição comum e prescrições presuntivas

Em relação à prescrição, é possível distinguir:


• Prescrição comum: funda-se simplesmente no não exercício do direito durante um certo
lapso de tempo, pelo que o decurso desse prazo dá automaticamente ao devedor a
faculdade de recusar o cumprimento (art. 304.º, n.º1).
• Prescrição presuntiva: funda-se na presunção de que, após um certo lasco de tempo, já
se deve ter verificado o cumprimento da obrigação (art. 312.º), visando assim apenas
dispensar o devedor de provar que já efetuou esse cumprimento, o qual deve ser por
isso alegado pelo devedor. Por esse motivo, estas prescrições são destruídas pela
confissão do devedor de que ainda não realizou o cumprimento, a qual deve ser
efetuada no processo, pelo devedor originário ou por aquele a que a divida tiver sido
transmitida por sucessão (313º/1), só relevando extrajudicialmente se for efetuada em
documento escrito (313º/2). A lei considera, no entanto, cocorrer confissão tácita da
divida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praricar
em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento (314º). Serão atos
incompatíveis com a presunção do cumprimento, nomeadamente, a impugnação da
existência da obrigação, ou a invocação da compensação, ainda que a titulo subsidiário.
Em tudo mais, aplicam-se às prescrições presuntivas as regras da prescrição ordinária (315º):
• 316º
• 317º/a/b e c.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Desta enumeração parece resultar claramente que a prescrição presuntiva destina-se


essencialmente a proteger aqueles devedores que adquiram e pagam produtos e serviços fora
da atividade profissional, sendo por isso qualificáveis como consumidores. Não poderão por isso
prevalecerse desta presunção aqueles que adquiram os produtos ou serviços em qualquer
atividade económica, seja ela comercial, industrial, ou mesmo de simples prestação de serviços,
uma vez que disporão naturalmente de meios idóneos para provar que realizaram o pagamento
das suas obrigações.

2.3.3. Regime da prescrição

Nos termos do art. 300.º, esse regime tem carácter absolutamente imperativo, pelo que
«são nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais de prescrição ou a
facultar ou dificultar por outro modo as condições em que a prescrição opera os seus efeitos».
Resulta do art. 303.º que a prescrição não pode ser conhecida ex officio, necessitando, para
ser eficaz, de ser invocada judicial ou extrajudicalmente, por aquele a quem aproveita. A
prescrição não resulta assim automaticamente do decurso do prazo sendo necessária a sua
invocação pelo devedor, para que possa ocorrer a extinção da obrigação. Se o devedor não
invocar a prescrição quando demandado judicialmente pelo credor, o tribunal condená-lo-á
necessariamente no cumprimento da obrigação.
A prescrição atribui assim ao devedor a faculdade de recusar o cumprimento da obrigação
ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art. 304.º, n.º1). Caso o
devedor venha a cumprir a obrigação prescrita, não pode recorrer ao instituto da repetição do
indevido, uma vez a lei estabelece, no art. 304.º, n.º2, que não poderá «ser repetida a prestação
realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda que feito com
ignorância da prescrição», sendo o mesmo regime «aplicável a quaisquer formas de satisfação
do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias».
Por razões de tutela do equilíbrio contratual, não se admite que a extinção da obrigação por
prescrição tivesse por efeito permitir ao devedor adquirir o exercício pleno de direitos sobre a
contraparte, que anteriormente se encontravam dependentes do cumprimento da obrigação
que se extinguiu. Assim, quando a contraparte tenha invocado a exceção do não cumprimento,
a prescrição da sua obrigação não prejudica essa invocação, a menos que se trate de prescrição
presuntiva (art. 430.º). Também, se um bem for vendido com reserva de propriedade, a
prescrição do crédito do preço não impede o vendedor de continuar a restituição da coisa
quando o preço não seja pago (art. 304.º, n.º3).
A prescrição é renunciável, mas apenas após o prazo prescricional (art. 302.º, n.º1), tendo
legitimidade para renunciar à prescrição quem puder dispor do benefício que a prescrição tenha
criado (art. 302.º, n.º3). A renúncia não carece naturalmente de aceitação e pode ser efetuada
tacitamente (art. 302.º, n.º2).
A lei admite que, além do devedor, possam invocar a prescrição os seus credores e
quaisquer terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a ela tenha
renunciado (art. 305.º, n.º1), ficando, no entanto, em caso de renúncia, a invocação da
prescrição pelos credores dependente da demonstração dos requisitos da impugnação pauliana
(art. 305.º, n.º2). Se o devedor não invocar a prescrição e vier a ser condenado, o caso julgado
nessa ação não afecta o direito reconhecido aos seus credores (art. 305.º, n.º3).

2.3.4. Prazo da prescrição

Prescrição consiste na possibilidade de alguém se opor ao exercício de um direito, em


virtude de este não ter sido exercido durante um certo lapso de tempo. Esse lapso de tempo
denomina-se prazo de prescrição e está sujeito a regras rígidas quanto à sua duração, início,
suspensão e interrupção.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Em relação à duração do prazo de prescrição, o seu prazo ordinário é de vinte anos (art.
309.º). Existe, porém, um prazo especial de cinco anos para as anuidades de rendas perpétuas
ou vitalícias, rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda pagos de uma só vez, entre outras
prestações periodicamente renováveis como juros ou pensões alimentícias (art. 310.º). As
prescrições presuntivas estão, como se referiu, sujeitas a prazos ainda mais curtos, de seis meses
(art. 316.º) e dois anos (art. 317.º). Os prazos especiais de prescrição, mesmo os da prescrição
presuntiva, deixam, porém, de se aplicar, passando a vigorar o prazo da prescrição ordinária, a
partir do momento em que o direito esteja reconhecido por sentença transitada em julgado ou
outro título executivo (art. 311.º, n.º1), salvo se esse título se referir a prestações ainda não
devidas (art. 311.º, n.º2).
Em relação ao início do prazo de prescrição, a lei determina que este só se verifica a partir
do momento em que o direito puder ser exercido (art. 306.º, n.º1), ou seja, a partir do momento
em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida, o
ocorre a todo o tempo nas obrigações puras ou com prazo em benefício do credor, e após o
decurso do prazo nas obrigações com prazo estipulado em benefício do devedor. Se a lei atribuir
ao devedor um prazo de cumprimento posterior à verificação da interpelação (art. 1148.º, n.º1),
o prazo de prescrição só se inicia após o decurso desse prazo (art. 306.º, n.º1).
Nas obrigações cum potuerit ou cum voluerit (778º), a prescrição só se inicia após a morte
do devedor (art.306º/3).
No caso de o direito estar sujeito a condição suspensiva ou termo inicial, naturalmente que
o prazo de prescrição só se inicia após a verificação da condição ou termo (306º/3).
No caso de se tratar de renda prepetua ou vitalícia ou outras prestações periódicas do
mesmo tipo, a prescrição do direito unitário do credor só se incia com a exigibilidade da primeira
prestação que não for paga – art.307º
É de referir que a iliquidez da dívida não impede o início do prazo de prescrição, se cabia ao
credor promover a liquidação e não o fez. Se o credor promover a liquidação, só após o
apuramento do respetivo quantitativo por acordo ou sentença transitada em julgado, é que se
verifica a respetiva prescrição (art. 306.º, n.º4).
A lei prevê a possibilidade de ocorrer a transmissão do prazo de prescrição, sempre que se
verificar uma transmissão do crédito ou da dívida. Efetivamente, o art. 308.º, n.º1, vem
estabelecer que a transmissão do direito, após o início do prazo de prescrição, não impede que
este continue a correr.
O prazo da prescrição pode ser objeto de suspensão ou de interrupção. Ocorre a suspensão
do prazo da prescrição quando a sua contagem é paralisada durante a verificação de certos
factos ou situações a que a lei atribui esse efeito, contando-se no entanto após a sua cessação
o lapso de tempo anteriormente decorrido (arts. 318.º). Ocorre a interrupção do prazo de
prescrição quando não apenas a sua contagem é paralisada em virtude de certos factos ou
situações que a lei atribui esse efeito, mas também se inutiliza o prazo anteriormente decorrido
(art. 323.º).

Regra geral, a suspensão verifica-se em relação ao curso do prazo, impedem que o prazo
de prescrição se inicie ou continue a correr (arts. 318.º, 319.º, 320.º, n.º1 e 3 e 321.º), mas em
certos casos prevê-se que ela se verifique apenas em relação ao seu termo, impede que se
complete (art. 320.º, n.º1 e n.º3 e 322.º).
Entre as causas suspensivas relativas ao curso do prazo da prescrição temos as referidas no
art. 318.º. Para além disso suspendem ainda a prescrição os casos do art. 319.º, 320.º, 321.º e
322.º.
Entre as causas interruptivas temos os casos do art. 324.º, n.º1, n.º4, n.º2, 325, tendo o
prazo de recontagem do tempo uma regra especial no art. 327.º

2.3.5. Natureza da prescrição

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

A prescrição cosntitui, face ao art.304º/1, uma exceção peremptória, uma vez que permite
paralisar definitivamente um direito da contraparte, que deixa de poder ser exigio, fiando a
tutela do credor limitada ao facto de a prestação realizada espontaneamente em cumprimento
da obrigação prescrita não poder ser repetida – 304º/2
Não parece, porém, adequado considerar que a obrigação prescrita se manteria vigente,
ocorrendo apenas uma exceção que funcionaria para o devedor como uma causa de justidicação
do não cumpromento de caracter permanente, como parececia resultar do art.304º/1.
Efetivamente, como a situação juridica do credor da obrigação prescrita é semelhante à do
credor da obrigação natural, parece adeuqado antes qualificar a prescrição como uma hipótese
de transformação da obrigação civil em obrigação natural, qualificação essa que tem
importância apara efeitos de aplicar ao cumprimento da obrigação prescrita as disposições do
art.403º e 615º/2. Na medida em que recusamos atribuir a natureza de verdadeiras obrigações
jurídicas às obrigações naturais, entendemos que a prescrição deve ser incluída entre as causas
de extinção das obrigações.

Cumprimento das obrigações


1. Conceito

O cumprimento pode ser definido como a realização da prestação devida. A prestação é


cumprida nos termos do art. 762.º, nº 1.
Este corresponde à situação normal de extinção da obrigação, através da concretização da
conduta a que o credor tinha direito.

2. Princípios gerais

2.1. Princípio da pontualidade

Encontra-se consagrado no art. 406.º, nº 1 a propósito dos contratos quando é aplicável a


todas as obrigações. Este princípio significa a exigência de uma correspondência integral em
todos os aspetos, e não apenas no temporal, entre a prestação efetivamente realizada e
aquela a que o devedor se encontrava vinculado, sem o que se verificará uma situação de
incumprimento ou pelo menos cumprimento defeituoso.
Deste princípio resulta a proibição de qualquer alteração à prestação devida. Daí que o
devedor tenha que prestar a coisa ou o facto exactamente nos termos em que se vinculou, não
podendo o credor ser constrangido a receber do devedor coisa ou serviço diferente, mesmo
que possuam um valor superior à prestação devida.
Deste principio resulta a irrelevância da situação económica do devedor para alteração da
prestação a que está vinculado não podendo o devedor, com esse fundamento, solicitar a
redução da sua prestação ou a obtenção de qualquer outro beneficio, como a dilação do prazo
de pagamento ou a seu escalonamento em prestações. A regra constante do art. 601.º e 604.º
é de que mesmo em caso de insuficiência o património do devedor continua a responder
integralmente pelas dívidas assumidas, apenas se excluindo da penhora certos bens que se
destinam à satisfação de necessidades imprescindíveis. (arts. 822.º e 823.º CPC).
Apenas em certo tipo de obrigações periódicas em que a fixação do seu montante toma
em consideração as possibilidades económicas do devedor, se admite que a alteração da sua
condição económica possa ser relevante para alteração do montante fixado. Estão neste caso
as obrigações de alimentos (arts. 2004.º e 2012.º) e a indemnização em renda (art. 567.º).

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

2.2. Princípio da integralidade

Encontra-se expresso no art. 763.º, nº 1. O devedor deve realizar a prestação de uma só


vez. Esta solução justifica-se por se considerar como unitário o comando de realizar a
prestação para o devedor e o credor ter interesse em efetuar a receção da prestação apenas
uma vez. Trata-se, no entanto, de uma norma supletiva pelo que se admite a estipulação de
convenção em contrário bem como se referem exceções resultantes da lei ou dos usos.
Relativamente à convenção em contrário, caso esta seja celebrada deverá ser
naturalmente realizada a prestação em partes. É o que sucede nas obrigações fracionadas (
art. 781.º), como a venda a prestações (art. 934.º). Neste caso o cumprimento deve mesmo ser
realizado em prestações, nas datas do seu vencimento, colocando-se uma situação de
enriquecimento do credor, se o devedor por erro desculpável, decide realizar logo a prestação
por inteiro (art. 476.º, nº 3).
Quanto às exceções resultantes da lei, consistem elas em situações em que a lei impõe ao
credor a aceitação do pagamento parcial. Entre elas encontra-se 1º o regime das letras,
livranças e cheques. Para além disso o credor terá que aceitar o pagamento parcial no caso da
imputação do cumprimento prevista no art. 784.º, nº 2, no caso de pluralidade de fiadores,
que gozem do benefício da divisão (art. 649.º) e ainda quando exista compensação com dívida
de menor montante (art. 847.º, nº 2).
Finalmente poderá haver lugar ao pagamento parcial quando tal resulte dos usos. A
doutrina tem vindo a incluir aqui as situações em que a não permissão do cumprimento parcial
se possa considerar como contrária à boa fé (art. 762.º, nº 2). Efetivamente no caso de o
montante em falta ter um valor desprezível no conjunto, ou o credor não necessite
imediatamente de todo o conjunto devido, parece contrário à boa fé que sem motivo
justificado, viesse o credor a inviabilizar a realização da prestação.
Fora desses casos, no entanto, se o devedor oferecer apenas uma parte da prestação o
credor pode recusar o seu recebimento sem incorrer em mora. A lei admite, no entanto, que o
credor decida exigir apenas uma parte da prestação, esclarecendo, no entanto que tal não
impede o devedor de oferecer a prestação por inteiro (art. 763.º, nº 2).

2.3. Princípio da boa fé

Encontra-se referido no art. 762.º, nº 2. Tanto no cumprimento da obrigação como no


exercício de direto correspondente devem as partes proceder de boa-fé. Desta norma resulta
que para se considerar verificado o cumprimento da obrigação não basta uma mera realização
da prestação devida em termos formais sendo antes necessário o respeito dos ditames da boa
fé quer por parte de quem executa, quer por parte de quem exige a prestação.
Efetivamente os deveres acessórios de conduta (proteção, informação e lealdade) que
surgem no âmbito das relações específicas aplicam-se primordialmente na fase do
cumprimento das obrigações, determinando que tanto a conduta do devedor como a do
credor obedeçam a princípios de correção e colaboração recíprocas, por forma a permitir a
plena satisfação do interesse do credor sem sacrifícios excessivos para qualquer das partes. O
devedor não pode assim realizar a prestação em termos tais que embora respeitando
formalmente a vinculação assumida a sua atuação se mostre inadequada à satisfação do
interesse do credor ou possa vir a causar-lhe danos. Mas, da mesma forma o credor deve
adequar a sua conduta por forma a permitir a realização da prestação pelo devedor e evitar a
ocorrência de danos para este.
O não acatamento desses deveres acessórios, embora não legitime o recurso à ação de
cumprimento, nos termos do art. 817.º pode implicar uma situação de responsabilidade civil e

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fundamentar o direito a uma indemnização no caso de a infração aos deveres da boa fé


implicar danos para qualquer das partes.

2.4. Princípio da concretização

Significa que a vinculação do devedor deve ser concretizada numa conduta real e efetiva,
implicando assim o cumprimento a transposição do plano deontológico da vinculação do
devedor para o plano ontológico de um comportamento efetivamente realizado. A
transposição é regulada não apenas em termos de exigência de certos pressupostos para o
cumprimento (capacidade das partes, disponibilidade da coisa dada em prestação,
legitimidade), mas também através da disciplina da sua forma de realização (lugar e tempo do
cumprimento) ou da determinação dos seus efeitos concretos (imputação do cumprimento).
Analisemos esses aspetos de seguida.

3. Capacidade para o cumprimento

A capacidade para o cumprimento encontra-se sujeita a uma regra especial constante do


art. 764.º. Tendo sido validamente celebrado o negócio jurídico, a prestação poderá ser
realizada pelo devedor incapaz. Efetivamente encontra-se ao alcance dos incapazes a
realização de prestações de coisa quando a propriedade sobre ela já se tenha transmitido, de
prestações de facto material (como pintar uma casa) ou de prestações de facto negativo (não
executar determinada atuação).
A capacidade do devedor é, porém, exigida se a prestação consistir num ato de disposição
como sucede sempre que o cumprimento implique a celebração de um novo negócio jurídico
(como na hipótese da realização do contrato prometido em relação ao contrato-promessa), ou
dele resulte diretamente a alienação ou oneração do património do devedor (como ocorre
com a escolha da prestação no âmbito das obrigações genéricas e alternativas).
No caso da prestação ser realizada por terceiro ela consistirá sempre num ato de
disposição uma vez que o terceiro não se encontra vinculado à sua realização por um negócio
jurídico anterior. Em consequência parece que a capacidade do terceiro será sempre exigida
para a realização da prestação.
Quando consiste num ato de disposição o cumprimento não está ao alcance do incapaz
devendo antes ser realizado pelo seu representante legal. Caso o incapaz a realiza
pessoalmente o credor pode recusar a prestação já que se a aceitar poderá ser sujeito a um
pedido de anulação do cumprimento.
Quando para a prestação se exija a capacidade do autor do cumprimento e este não a
possua o cumprimento pode ser anulado nos termos gerais (arts. 125.º e 139.º). Quando o
cumprimento é realizado pelo devedor o credor pode, porém, paralisar esse pedido através de
uma exceptio doli demonstrando que o devedor não teve prejuízo com o cumprimento (art.
764.º, nº 1). Nesse caso o pedido de anulação não procederá já que dele apenas resultaria que
o devedor anularia a prestação realizada mas continuaria com uma dívida de conteúdo
idêntico.
Já o credor deve ter capacidade para receber a prestação uma vez que no caso contrário
ele poderia destruir o objeto da prestação ou não tirar qualquer proveito do cumprimento. Daí
que se a prestação for realizada a credor incapaz o seu representante legal poderá solicitar a
sua anulação e a realização de nova prestação pelo devedor. No entanto também aqui o
devedor pode opor-se ao pedido de anulação da prestação realizada ou de nova prestação, na
medida do que tiver sido prestado ao representante ou do seu enriquecimento (art. 764.º, nº
2). Neste caso já não estaremos perante uma exceptio doli mas antes perante uma excepção
fundada no principio da proibição do enriquecimento injustificado, visando-se impedir que o
incapaz possa ficar enriquecido com a realização da nova prestação.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

4. Disponibilidade da coisa dada em cumprimento

O devedor para realizar eficazmente o cumprimento no âmbito das prestações de coisa


tem que ser titular da coisa dada em prestação e ter capacidade e legitimidade para proceder
à sua alienação. Daí o previsto no art. 765.º, nº 1. Se o devedor cumprisse a obrigação com
coisa alheia ou própria de que não pudesse dispor o credor estaria sempre sujeito à
possibilidade de ver a coisa reivindicada pelo seu legítimo proprietário ou o cumprimento ser
anulado, pelo que deve ter o direito de impugnar o cumprimento realizado nessas condições.
Em relação ao devedor não faria sentido permitir que este invoque em seu próprio
beneficio a ausência da disponibilidade da coisa entregue a menos que ele possa
imediatamente oferecer nova prestação em substituição da anteriormente realizada.

5. Legitimidade para o cumprimento

5.1. Legitimidade ativa

Em relação ao autor do cumprimento a lei generaliza o principio da legitimidade ativa,


quer tenham interesse direto no cumprimento quer não (art. 767.º, nº 1). Assim, embora o
credor só possa exigir a prestação do devedor, ela pode, em princípio ser realizada por terceiro
sem que o credor a tal se possa opor. O terceiro só não terá legitimidade para cumprir se a
prestação tiver carácter infungível, por natureza ou por convenção das partes (art. 767.º, nº 2),
caso em que o credor não poderá ser constrangido a receber a prestação de terceiro podendo
recusá-la e exigir que o cumprimento seja realizado pessoalmente pelo devedor.
Se o terceiro tiver legitimidade para o cumprimento o credor não pode recusar a prestação
por ele oferecida e se o fizer incorre em mora perante o devedor como se tivesse recusado a
prestação deste (arts. 768.º, nº 1 e 813.º).
A lei apenas admite a recusa por parte do credor se o devedor se opuser ao cumprimento
desde que o terceiro não tenha interesse direto na satisfação do crédito por ter garantido a
obrigação ou por qualquer outra causa (art. 768.º,nº 2 e art. 592.º). Se o terceiro for
diretamente interessado o credor não pode recusar o cumprimento por este, mesmo com
oposição do devedor, dado que essa situação envolveria prejuízo para o terceiro. No entanto,
a oposição do devedor ao cumprimento nunca obsta a que o credor aceite validamente a
prestação do terceiro (art. 768.º, nº 2). Essa oposição não corresponde assim a uma proibição
de aceitação da prestação limitando-se a permitir ao credor, se este quiser, recusá-la sem se
constituir em mora, nos casos em que o terceiro não tenha interessa direto no cumprimento.

5.2. Efeitos do cumprimento por terceiro

Essa situação além de provocar a extinção da obrigação, com a consequente liberação do


devedor, pode desencadear outro tipo de consequências jurídicas como as seguintes:
• uma doação indireta do terceiro ao devedor quando o cumprimento da obrigação
deste é realizado com espírito de liberalidade (art. 940.º);
• a transmissão do crédito para o terceiro o que sucede em todas as hipóteses de
sub-rogação (arts. 589.º e ss);
• a obtenção de um direito ao reembolso de despesas em caso de gestão de
negócios ou mandato (arts. 464.º e ss e 1157.º e ss);
• a restituição do enriquecimento por prestação, no caso do terceiro julgar
erroneamente estar a efectuar uma prestação ao credor (art. 477.º) ou ao devedor
(478.º);

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

• a restituição do enriquecimento por despesas, em caso de pagamento de dívida


alheia sem se verificar qualquer das situações acima referidas.

No 1º caso, estamos perante uma situação de doação indireta, sujeita ao regime respetivo
(art.940º e ss.). Como é característico da doação, o terceiro nada vai adquirir antes suporta a
redução patrimonial correspondente à liberalidade. Normalmente, porém, o cumprimento por
terceiro investe este num direito de crédito sobre o devedor. Esta aquisição poderá ter
justificações distintas como se verá.
No 2º caso o pagamento é visto como um facto determinante da transmissão do crédito
adquirindo assim o terceiro o mesmo direito que o credor possuía (art. 593.º, nº 1). Não se
verifica, por isso, a liberação do devedor mas apenas uma mudança do credor em virtude
dessa transmissão.
No 3º caso tal resulta da circunstância do pagamento ser juridicamente considerado um
ato jurídico alheio, realizado por conta do devedor, o que legitima o seu autor a demandar a
restituição do que nele despendeu (art. 468.º, nº 1 e 1167.º, nº 1 /c))
No 4º caso, o terceiro visou realizar uma prestação ao credor ou ao devedor mas não
existe causa jurídica para essa realização pelo que a lai determina a sua restituição (arts. 477.º
e 478.º).
No 5º caso o terceiro cumpriu a dívida sem estar abrangido nas situações anteriores, mas
verifica-se em qualquer caso, proveito para o devedor nessa situação o que justifica que, nos
limites do enriquecimento, ele proceda à restituição da despesa que o beneficiou. Este ultimo
fundamento tem sido objeto de discussão na doutrina:
• Pires de Lima/Antunes Varela: entendem que, se o terceiro sabe que é obrigado ao
cumpromento e não tem interesse em cumprir, não lhe assiste, tanto em relação
ao credor como em realação ao devedor, qualquer direito.
• Menezes Cordeiro: rejeita a inexistência de qualquer ação, por considerar que
nesta hipótese existe claramente uma deslocação patrimonial sem causa,
admitindo uma ação de enriquecimento contra o devedor ou contra o credor,
consonate aquele que se enriquece com a operação. A ação seria dirigida contra o
credor quando a obrigação não existisse ou quando este receba nova prestação do
devedor e será dirigida contra o devedor quando a obrigação existisse, mas este
não a cumprisse.
• Menezes Leitão: esta ação, tem por base o enriquecimento por despesas, é
sempre dirigida contra o devedor, uma vez que a prestação do terceiro o
enriquece, quer porque obtém a liberação da sua obrigação, quer porque adquire
um direito à repetição do indevido por parte do credor.
Uma ação de enriquecimento interposta pelo terceiro contra o credor deve para Menezes
Leitão considerar-se excluída uma vez que viola as regras relativas ao concurso de credores, à
oposição de exceções e à distribuição do risco de insolvência que impõem que cada parte deva
apenas exigir uma restituição ao seu parceiro contratual, regras essas que se aplicam mesmo
nesses casos. O terceiro que cumpre deve apenas poder intentar ação de enriquecimento
contra o devedor.

5.3. Legitimidade passiva

Quanto à receção da prestação esta legitimidade é estabelecida em termos mais


restritivos, que diz que o cumprimento deve ser efetudado ao credo ou ao seu representante,
pelo art. 769.º, pelo que em princípio apenas esses têm legitimidade para receber. Todos os
outros são considerados terceiros pelo que a prestação que a estes for realizada não importará
em princípio a extinção da obrigação, podendo o devedor ser condenado a realizá-la 2ª vez.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

A lei coloca em alternativa o facto da prestação ser realizada ao credor ou ao seu


representante. Tratando-se no entanto de representação legal em virtude da incapacidade do
credor parece claro que é apenas ao representante legal que a prestação deve ser realizada,
uma vez que o credor embora tenha legitimidade para a receber, carece de capacidade de
exercício para o fazer o que poderá determinar a anulação do cumprimento (art. 764.º, nº 2).
Tratando-se de representação voluntária cumpre-se o previsto no art. 771.º. Tal permite
ao devedor recusar a prestação perante o representante voluntário do credor determinando a
cobrança por este da dívida.
Se a prestação for realizada a terceiro a obrigação não se extingue (art. 770.º proémio),
podendo o autor da prestação exigir a sua restituição com fundamento no enriquecimento por
prestação (art. 476.º, nº 2).
Há, no entanto, alguns casos em que se verifica a extinção da obrigação com a sua receção
por terceiro correspondendo, portanto, a situações em que o terceiro adquire legitimidade
para receber a prestação. São as situações previstas nas alíneas do art. 770.º
a) O terceiro possui originariamente legitimidade para a recepção da prestação, tudo se
passando como se esta tivesse sido realizada ao credor. Efetivamente, a existência de
uma estipulação ou consentimento do credor para a realização da prestação a terceiro
atribuem a esta legitimidade para receber a prestação do devedor, que nesse caso
corresponde a um verdadeiro cumprimento da obrigação (art. 762º/1).
b) Apesar de a prestação ser realizada a terceiro, o credor procede posteriormente à sua
ratificação, o que determina a concessão ! superveniente ao terceiro de legitimidade
para a recepção da prestação. Em virtude da eficácia retroactiva da ratificação (art.
2682, n” 2), a situação torna-se equivalente à referida no primeiro caso, considerando-
se o devedor liberado com a realização da prestação ao terceiro.
c) Prestação é realizada indevidamente ao terceiro, o que permite ao devedor exigir a
sua repetição (art. 476q, n\l 2), para depo1s a tornar a realizar ao verdadeiro credor.
No entanto, pode suceder que pcsreremente se reúnam na mesma pessoa as
qualidades de devedor dessa restituição e de credor da prestação originária. Tal
sucede se o terceiro, devedor da restituição, vem a adquirir posteriormente o crédito (
art 770º e)) ou se o credor vem, por sucessão, a tornar-se responsável por essa dívida (
na. 770g e)). Nesta situação, e apesar de tanto a obrigação de restituição como a
obrigação inicial poderem vir a extinguir-se por compensação (art. 84 7º), a lei
dispensa esse processo, preferindo considerar logo liberatório o cumprimento ef
ecnado a terceiro:i2.
d) Apesar de a prestação ser realizada a terceiro, o eredor vem posteriormente a
aproveitar-se dela, pelo que não tem interesse fundado em não a considerar como
efectuada a si próprio. Já não parece, porém, que esta disposição possa ser aplicável
aos casos em que o devedor decida pagar ao credor do seu credor-)4º. Já que, embora
se possa argumentar que o credor vem a aprovdtar-se do cumprimento ao obter a
liberação da sua correspondente obrigação, a verdade é que corresponde ao seu
interesse decidir como aplicar prestação recebida, interesse que é posto em causa se o
devedor decide em seu lugar aplica-la a um fim específico.
e) A lei considerar liberatória a prestação efectuada a terceiro. Entre nós, isso acontece
em situações como a insolvência do devedor (art. S12, ng4 do CIRE); a lei ainda prevê a
possibilidade de eficácia pagamento a terceiro em cerros casos em que o terceiro se
apresenta como credor aparente do devedor, como na hipótese de ignorância por este
da cessão de créditos (cfr. Art. 5839, n, 2) ou do pagamento feito pelo fiador (art.
64Sº, n11 1) e ainda, no âmbito do contrato de agência. Trata-se, no entanto, de
situações excepdonaís, uma vez que não existe na nossa lei um princípio geral de
eficácia liberatória do pagamento realizado a credor aparente.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

6. Tempo do cumprimento

6.1. Modalidades das obrigações quanto ao tempo do cumprimento

O prazo da prestação determina momento da sua realização.


O regime do prazo encontra-se regulado, a título supletivo, nos arts. 777.º e ss onde se
determina tanto a pagabilidade (quando o devedor pode cumprir forçando o credor a receber
para não entrar em mora) como a exigibilidade (quando o credor pode exigir o cumprimento
sob pena do devedor entrar em mora) da dívida. Este regime centra-se essencialmente na
distinção entre obrigações puras e em prazo. As puras são aquelas cujo cumprimento pode ser
realizado ou exigido a todo o tempo. As obrigações a prazo são aquelas em que a exigibilidade
ou possibilidade de realização do cumprimento é diferida para um momento posterior, ainda
que a sua constituição já se tenha verificado, ao contrário do que sucede com as obrigações
condicionais.
A regra geral é a de que as obrigações não terem prazo certo estipulado sendo portanto
obrigações puras. Nesse caso, segue-se o previsto no art. 777.º, nº 1. Este tipo de obrigações
caracteriza-se por o devedor apenas entrar em mora com a exigência do cumprimento pelo
credor (interpelação), nos termos do art. 805.º, nº 1.
Pode, porém, acontecer que as partes ou a lei tenham estabelecido um prazo de
cumprimento (art. 777.º, nº 1, proémio). Nesse caso, estamos perante obrigações com prazo
certo, as quais se caracterizam por o decurso do prazo constituir o devedor em mora conforme
determina o art. 805.º, nº 2/a).
Em certos casos, no entanto, nem as partes nem a lei fixam um prazo de cumprimento,
mas a obrigação não se pode considerar pura, uma vez que se torna necessário um prazo, quer
pela própria natureza da prestação, quer pelas circunstâncias que a determinaram, quer por
força dos usos. Nesse caso as partes devem entender-se quanto à determinação do prazo,
cabendo a sua fixação ao tribunal na falta de acordo (art. 777.º, nº 2).

6.2. Colocação do prazo no critério de uma das partes

A determinação do prazo do cumprimento pode, porém, ser deixada igualmente ao


critério de uma das partes, o credor ou o devedor. Relativamente ao credor a lei determina
que quando este não use da faculdade que lhe foi concedida compete ao tribunal fixar o prazo,
a requerimento do devedor (art. 777.º, nº 3).
Já quando o prazo é deixado ao critério do devedor a lei distingue consoante esse critério
corresponda a um fator objetivo ( o devedor ter nesse momento os meios económicos
necessários para realizar a prestação) ou puramente subjetivo ( aprouver ao devedor realizar a
prestação nesse momento). A primeira situação é denominada de obrigações “cum potuerit” e
a segunda de obrigações “cum voluerit”
As obrigações cum potuerit encontram-se previstas no art. 778.º, nº 1, que nos exalrece
que quando se estipula que o devedor cumprirá quando puder, oc redor só pode exigir o
cumprimento se demonstrar que o devedor tem a possibilidade de cumprir. Não podendo
fazer a demonstração aí prevista credor apenas poderá, após a morte do devedor, exigir dos
seus herdeiros que realizem a prestação sem prejuízo da limitação da sua responsabilidade aos
bens da herança, nos termos do art. 2071.º.
As obrigações cum voluerit encontram-se previstas no art. 778.º, nº 2, estabelecendo a lei
que, se o prazo for deixado ao arbítrio do devedor – caso em que ele paga quando quiser – a
prestação só pode ser exigida dos seus herdeiros, após o seu falecimento. A cláusula cum
voluerit consiste, por isso, na estipulação de um prazo incerto de pagamento coincidente com
a vida do devedor.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

6.3. Benefício do prazo

6.3.1. Prazo em benefício do devedor

É a regra geral que se encontra estabelecida no art. 779.º: o prazo estabelece-se em


beneficio do devedor. Significa que o credor não pode exigir a prestação antes do fim do
prazo, mas que o devedor tem o direito de proceder à sua realização a todo o tempo,
renunciando ao benefício do prazo. Já ocorre a pagabilidade da divida, embora ainda não se
tenha verificado a exigibilidade ou vencimento. Consequentemente o devedor pode decidir
cumprir antecipadamente a sua obrigação sem que o credor a tal se possa opor, sob pena de
entrar em mora (art. 813.º).

6.3.2. Prazo em benefício do credor

É possível as partes estabelecerem que o prazo corra em benefício do credor. Nessa altura
o credor tem a faculdade de exigir a todo o tempo a prestação, mas o devedor só tem a
possibilidade de cumprir no fim do prazo. A dívida já é exigível mas ainda não é pagável. Um
exemplo é o do art. 1194.º.

6.3.3. Prazo em benefício de ambas as partes

Na hipótese de o prazo ser estabelecido em beneficio de ambas as partes, nenhuma delas


terá a faculdade de determinar a antecipação do cumprimento. O decurso do prazo funcionará
assim tanto para determinar a pagabilidade como a exigibilidade da divida. É a situação que se
presuma ocorrer no mútuo oneroso (art. 1147.º), atento o facto de tanto o devedor como o
credor terem interesse no prazo, o devedor para efeitos de utilização do capital e credor para
receber os juros correspondentes ao prazo estipulado. No entanto a lei permite ao devedor a
antecipação do prazo desde que pague ao credor os juros por inteiro, uma vez que se
considera que o interesse do credor no prazo é suficientemente acautelado com o
recebimento do interusurium.
O mesmo para o deposito irregular

6.3.4. Perda do benefício do prazo

6.3.4.1. A insolvência do devedor

É o 1º caso de perda do benefício do prazo, ainda que não judicialmente declarada (art.
780.º).
É considerado situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de
cumprir as obrigações vencidas. Quando há mais passivo do que ativo.
A lei exige a verificação de uma efetiva situação de insolvência, não bastando o justo
receio da mesma. Não se exige, porém, que a insolvência seja juridicamente declarada através
da sentença de declaração de insolvência. Após esta não ocorre apenas a perda do benefício
do prazo verificando-se antes o vencimento antecipado de todas as obrigações do insolvente,
não subordinadas a uma condição suspensiva, independente de interpelação.

6.3.4.2. A diminuição das garantias

Este é o caso de, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito ou
não serem prestadas as garantias prometidas. No entanto, em alternativa ao cumprimento

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

imediato da obrigação o credor tem ainda a possibilidade de exigir do devedor a substituição


ou reforço das garantias, se estas sofrerem diminuição (art. 780.º, nº 2). Quando a causa é
imputável ao devedor, o credor pode exigir o cumprimento imediato mesmo que as garantias
existentes sejam mais do que suficientes para assegurar a execução forçada da obrigação e
não exista qualquer receio de insolvência. Tal sucede porque o devedor pratica uma infração
contratual já que ele implicitamente se tinha obrigado a conservar, ou pelo menos, não
prejudicar as garantias. A pouca confiança que o credor tinha no devedor é posta em causa o
que legitima a exigência do cumprimento imediato. No entanto, é necessário que a redução
das garantias tenha um mínimo de relevância, sem o que a exigência de cumprimento
imediato do credor será contrária à boa fé (art. 762.º, nº 2).
A lei também impõe que o devedor reforce as garantias quando estas perecem
casualmente, sob pena do credor poder exigir o cumprimento imediato da obrigação o que
sucede na fiança (art. 633.º,nº 2 e 3), na hipoteca (art. 701.º), na consignação de rendimentos
(art. 665.º) e no penhor (art. 670.º c) ). O regime aplicavel nestes casos é, no entanto,
substancialmente diferente, já que a perda do benefício do prazo é de aplicação subsidiária
apenas aplicável quando o devedor não reforce as garantias ou não proceda à sua
substituição. Parece, no entanto, que, caso o perecimento destas garantias se dê por facto
imputável ao devedor, será aplicavel o regime do art.780º, em lugar destas disposições

6.3.5.3. A não realização de uma prestação, nas dívidas a prestações

Nas dividas a prestações, caso o devodor falte ao pagãmente d euma das prestações,
admite-se que o credor possa exigir antecipadamente a prestações que ainda não venceram.
Está prevista no art. 781.º. Esta disposição apenas se aplica em relação às prestações
instantâneas fracionadas, e não às prestações periódicas. Não tem por isso o senhorio a
possibilidade de reclamar rendas ainda não vencidas, caso o locatário falte ao pagamento de
alguma delas.
Tratando-se de prestações fracionadas a não realização de uma permite ao credor exigir
logo a totalidade da dívida. Apesar da lei descrever a situação como de vencimento
antecipado, parece tratar-se antes de perda do benefício do prazo, já que se o credor não
exigir as prestações restantes, não parece que fique logo constituído em mora pela totalidade
da obrigação. Esta situação ocorre em virtude da má fé demonstrada pelo devedor ao não
reaizar o cumprimento ou em virtude das suspeitas de insolvabilidade que tal atitude
demonstra. Saliente-se que na venda a prestações esta solução é restringida pelo art. 934.º,
determinando-se que a perda do beneficio do prazo apenas ocorra quando o devedor falte ao
pagamento de uma prestação que exceda um oitavo do preço ou a duas prestações,
independentemente do seu montante.

6.3.5.4. Carácter pessoal da perda do benefício do prazo

Estabelecido no art. 782.º. Daqui resulta que a perda do benefício do prazo tem carácter
pessoal pelo que não pode afetar nem os codevedores nem os terceiros garantes. Assim, em
caso de perda do benefício do prazo, o credor poderá exigir ao devedor o cumprimento
imediato da obrigação, mas terá que esperar o seu vencimento normal para exigir o
cumprimento aos codevedores ou a terceiros garantes.
A exclusão da perda do benefício em relação a codevedores e 3ºs garantes sofre, porém,
algumas restrições. Em relação aos codevedores, na hipótese da obrigação ser solidária, pode
dar-se o caso de a insolvência ou responsabilidade pela diminuição das garantias se verificar
em mais de um dos devedores, o que legitimará naturalmente o credor a exigir imediatamente
o cumprimento aos outros codevedores em relação aos quais se verifiquem essas
circunstâncias.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Em relação aos terceiros garantes através da hipoteca ou do penhor, pode acontecer que,
sendo o devedor estranho à constituição da garantia, a diminuição desta seja devida a culpa
do 3º garante. Neste caso, o credor poderá exigir dele a substituição ou reforço da garantia ou,
quando tal não suceda, o cumprimento imediato da obrigação (art. 701.º, nº 2, 2ª parte, e
678.º).

Vencimento – o devedor entra em mora. Dispensa interpelação


Perda do beneficio do prazo – exigibilidade do prazo
O art.934º a maioria da doutrina entende que este é uma norma de exiglibilidade
antecipada. Interprelar para exigir o cumprimento e depois entra em mora
7. Lugar do cumprimento

7.1. Modalidades de obrigações quanto ao lugar de cumprimento

As regras relativas ao local do cumprimento especificam onde deve ser realizada a


prestação. As regras constantes dos arts. 772.º e ss cedem perante determinação das partes
em contrário, bem como perante regras especiais como as constantes dos arts. 885.º, 1039.º e
1195.º.
A propósito do lugar do cumprimento há uma distinção entre os seguintes tipos de
obrigações:
• Nas obrigações de colocação, o devedor deve apenas colocar a prestação à
disposição do credor no seu próprio domicílio ou noutro lugar, cabendo assim ao
credor o ónus de ir levantar a prestação fora do seu domicílio.
Consequentemente, nestas obrigações, o devedor não pode ser responsabilizado
pelo facto do credor não proceder ao levantamento da prestação, sendo esta
situação considerada antes como mora do próprio credor (art. 813.º).
• Nas obrigações de entrega, o devedor tem efetivamente que entregar a coisa ao
credor no domicílio deste, ou no lugar com este acordado. Assim, nestas
obrigações, a prestação só se considera adequadamente realizada se chega ao
domicílio do credor dentro do prazo acordado, havendo mora do devedor no caso
contrário (art. 804.º)
• Nas obrigações de envio, a situação é intermédia em relação às duas anteriores,
já que o devedor embora não se limite a colocar a coisa à disposição do credor,
também não tem que lhe assegurar a sua entrega efetiva. O devedor está apenas
obrigado a enviar a coisa para o domicílio do credor, sendo o transporte da conta
e risco deste. Assim, o local do cumprimento é aquele onde do devedor procede à
entrega ao transportador, pelo que este deve apenas assegurar o envio nas
condições e prazo acordados. Se o transporte se atrasa ou a coisa se perde ou
deteriora no seu curso, o risco correrá por conta do credor (art. 797.º).

Nos dois primeiros casos o lugar da prestação conincide com o lugar do resultado. No terceiro
caso ocorre uma diferencicaiação entre o lugar da prestação e o lugar do resultado da mesma.
O devedor realiza a prestação no lugar em que envia a coisa ao credor, mas a obrigação só se
extingue a partir do momento em que o credoe recebe a coisa envidada. No entanto, a partir
do moento em que realiza o envio, a obrigação do devedor fica consideravelmente atenuada,
praticamente se resumindo a não impedir o transporte para o credor, o que cosntitui um mero
dever acessório de conduta

7.2. As regras relativas ao lugar da prestação

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A determinação do lugar de cumprimento cabe em princípio às partes (art. 772.º, nº 1),


resultando de convenção que pode ser tácita (art. 217.º) tendo em conta a natureza da
prestação. Neste âmbito as partes podem estipular livremente obrigações de colocação,
entrega ou envio.
A regra geral, não havendo convenção entre as partes, é a do art. 772.º, nº 1, no domicilio
do devedor A regra geral corresponde às obrigações de colocação.
Se a obrigação tiver por objeto a entrega de uma coisa móvel a regra é a do art. 773.º,
lugar onde se encontra a coisa móvel. Apesar de o local do cumprimento não ser, neste caso, o
do domicílio do devedor, não deixamos de estar perante obrigações de colocação, já que é o
credor que tem que deslocar-se ao sítio onde se encontrava a coisa para receber o
cumprimento, nada mais tendo o devedor que fazer do que lhe disponibilizar a coisa nesse
local.
Se a obrigação tiver por objeto certa quantia em dinheiro a regra é a constante do art.
774.º, isto é, no domicilio do credor. As obrigações de pecuniárias correspondem assim
sempre a obrigações de entrega. Esta solução deriva da facilidade que atualmente o devedor
possui de proceder á transferência de quantias em dinheiro e de a solução oposta poder ser
particularmente onerosa para o credor, que seria obrigado a ir buscar o dinheiro ao domicílio
do devedor. Em consequência, durante o transporte e até à entrega ao credor o risco corre por
conta do devedor.
Estas regras gerais cedem se o regime do contrato em questão estabelece regras
diferentes das dos arts. 772.º e ss. Assim por exemplo o art. 1195º e 885.º, nº 1.

7.3. A mudança de domicílio das partes

A alteração, após a constituição da obrigação, do domicílio do devedor nas obrigações de


colocação ou do credor nas obrigações de entrega pode implicar lesão das legitimas
expectativas da outra parte. A lei determina, por isso, que a alteração do domicílio das partes
pode não significar necessariamente a alteração do local de cumprimento, sempre que a parte
lesada sofra prejuízos com essa alteração. O regime legal varia, porém, consoante se trate de
obrigações de colação ou de entrega.
Para as obrigações de colocação temos o previsto no art. 772.º, nº 2.
Para as obrigações de entrega temos o previsto no art. 775.º, visto que a obrigação pode
ser realizada no domicilio do devedor, converte-se assim a obrigação de entrega em obrigação
de colação. Tal não sucederá se o credor se comprometer a indemnizar o devedor do prejuízo
que este sofrer com a mudança – 775º.

7.4. A impossibilidade da prestação no lugar fixado

Pode haver uma impossibilidade da prestação, no lugar fixado, é o que sucede se as


partes, por exemplo, acordam na realização da pintura de um edifício que já tenha caído ou
que veio a ruir.
Em grande parte dos casos, o local do cumprimento aparece como essencial em relação à
própria prestação, pelo que a impossibilidade de realizar a prestação naquele local equivale à
impossibilidade da sua realização em absoluto. Se a impossibilidade já existia no momento da
conclusão do negócio considera-se este como nulo (arts. 401.º e 280.º, nº 1). Sendo esta
posterior à celebração do negócio, determina a extinção da obrigação (art. 790.º), com a
consequente perda do direito à contraprestação nos contratos bilaterais (art. 795.º, nº 1).
Pode, porém, suceder que o lugar de cumprimento não apareça como essencial em
relação à obrigação, podendo esta por natureza ser realizada tanto no local fixado para o
cumprimento como noutro local (art. 776.º).

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A determinação desse lugar poderia ser efetuada de 2 maneiras: ou considerando a


situação como uma lacuna negocial, o que determinaria a aplicação do art. 239.º, sendo o local
do cumprimento fixado de acordo com a vontade hipotética das partes, se não for outra a
solução imposta pelos ditames da boa-fé; ou através das regras supletivas dos arts. 772.º e ss,
que seriam aplicáveis, não apenas à ausência de estipulação das partes, mas ainda perante a
situação de impossibilidade de realização da prestação no lugar fixado.
A nossa lei optou no art. 776.º pela última solução, que a doutrina tem justificado pela
necessidade de certeza que se deve imprimir ao regime da relação obrigacioanl. É manifesto,
no entanto, que essa solução não cobre todas as situações que podem ocorrer,
designadamente a hipótese de a impossibilidade da prestação ocorrer precisamente no local
designado pelas regras supletivas dos arts. 772.º e ss. Para esses casos permanece assim
aberta a via da integração dos negócios jurídicos, com base no art. 239.º

8. Imputação do cumprimento

A imputação do cumprimento consiste na operação pela qual se relaciona a prestação


realizada com uma determinada obrigação, quando existam várias dívidas entre as partes e a
prestação efetuada não chegue para as extinguir a todas. É preciso então determinar qual a
dívida ou dívidas a que o cumprimento se refere, ou seja, fazer a imputação da prestação à
dívida que aquela vai extinguir.
A lei considera que a imputação do cumprimento é uma faculdade do devedor, cabendo
ao credor escolher a divida ou as dividas a que o cumprimento se refere (art. 783.º, nº 1). Essa
faculdade de designação pelo devedor sofre, no entanto, algumas restrições em relação a
certas categorias de dívidas que só podem ser designadas pelo devedor para imputação do
cumprimento se o credor der o seu assentimento. Trata-se de situações em que a designação
pelo devedor afectaria certos interesses do credor, que a lei vem acautelar através desta
exigência.
As situações são as seguintes:
1) A situação do art. 783.º, nº 2, 1ª parte – o devedor não pode imputar o cumprimento,
contra vontade do credor, numa divida ainda não vencida, se o prazo tiver sido estabelecido
em beneficio do credor. A regra geral é o prazo ser estabelecido em benefício do devedor (art.
779.º), caso em que não há restrições à antecipação do cumprimento por parte deste. Se,
porém, o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor, pode ele recusar a antecipação
do cumprimento pelo que também não será permitido ao devedor, sem o acordo do credor,
efetuar a imputação antes do vencimento da dívida. Para Menezes Leitão a mesma solução
vigorará para o caso do prazo ser estipulado em benefício de ambas as partes, uma vez que
nesse caso o credor tem a mesma faculdade de recusar a prestação antecipada.
2) A situação do art. 783.º, nº 2 , 2ª parte – o devedor não pode imputar o cumprimento
contra a vontade do credor, numa divida de montante superior à prestação efetuada, sempre
que o credor tenha a faculdade de recusar o pagamento parcial (783º/2). Conforme se
salientou, em sede de cumprimento vigora o princípio da integralidade da prestação (art.
763.º, nº1), pelo que não é permitido em princípio ao devedor realizar a prestação por partes,
não podendo também obter esse resultado através da imputação em dívidas de montante
superior. Apenas no caso do pagamento em prestações corresponde ao regime estipulado ou
imposto pela lei ou pelos usos, essa imputação poderá ser efetuada.
3) O devedor não pode, contra a vontade do credor, imputar o cumprimento numa dívida
de capital, enquanto estiver obrigado a pagar também despesas, indemnização moratória ou
juros (art.785.º, nº 2). Essa solução justifica-se em virtude da imputação no capital
(amortização da dívida) implicar uma redução ou extinção de juros futuros, o que não
acontece com o pagamento das despesas, juros ou indemnização moratória. Não seria, por

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

isso, adequado, por contrário aos interesses do credor, permitir-se ao devedor amortizar essas
prestações enquanto continuasse a dever o capital.

Caso o devedor não efetue a designação, o credor não é livre de efetuar ele mesmo a
imputação, havendo antes que aplicar as regras supletivas do art. 784.º.

Numa hipótese de verificação difícil pois presume uma constituição simultânea de várias
obrigações, com datas de vencimento idênticas, a mesma onerosidade e idênticas garantias a
lei vem ainda prever a hipótese de não ser possível aplicar as regras referidas no art.784º,
prevendo que nessa situação a prestação considera.se realizada por contad de todas as dividas
rateadamente, sem que o credor possa recursar o pagãmente parcial – 784º/2
A lei regula ainda de forma supletiva a forma de realizar a imputação do cumprimento
quando o devedor simultaneamente com a dívida de capital esteja obrigado a pagar despesas,
juros, ou a indemnizar o credor em consequência de mora (art. 785.º, nº 2). A lei vem, porem,
estbaelcer ainda uma ordenação supletiva, em termos de imputação do cumrpomento,
estabelencendo que, na ausência de designação, a prestação se tem por sucessivamente feita
por conta das despesas, da indeminização, dos juros e do capital – 785º/1.
As regras relativas à imputação do cumprimento cedem ainda perante regime especial, de
que se salienta o caso do contrato de conta corrente e a situação de insolvência.

As regras relativas as imputações do cumprimento não se aplicam em caso de insolvência


do devedor. Efetivamente, neste caso, a lei determina o pagamento em primeiro lugar das
dívidas da massa (art.172º CIRE), seguindo-se os créditos que gozem de garantia real sobre
bens determinados (art. 174º ClRE), após o que são pagos rateadamente os créditos comuns,
independentemente de sua onerosidade ou antiguidade (cfr. Art. 176º CIRE) e por último, se
ainda for possível, os créditos subordinados (art.177º CIRE).

9. Prova do cumprimento

Compete em princípio ao devedor uma vez que o cumprimento constitui um facto


extintivo do direito do credor que deve ser demonstrado pela parte contra quem o direito é
invocado (art. 342.º, nº 2). O cumprimento não pode ser provado por testemunhas (art. 395.º)
pelo que o modo mais adequado é o da exigência ao credor de uma declaração escrita de que
recebeu a prestação dívida. Essa declaração chama-se quitação, uma vez que através dela o
credor exprime que o devedor se encontra quite para com este (art. 787.º). Quando a quitação
consta de um documento avulso, costuma dar-se a esse documento o nome de recibo.
A quitação é um direito atribuído por lei a qualquer pessoa que cumpre a obrigação (e não
apenas ao devedor), devendo a quit3Çào constar de documento autêntico ou autenticado ou
ser provida de reconhecimento notarial se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo (
art. 787º/1). Pode-se assim exigir sempre do credor um recibo e, caso este não se disponha a
passa-lo, o cumprimento pode legitimamente ser rccusado (art.787º/2) . O recibo pode
igualmente ser exigido mesmo depois de a prestação já ter sido efetuada (art. 787º/2)
Em certos casos a lei dispensa o devedor de provar que cumpriu a obrigação. São as
presunções de cumprimento constantes do art. 786.º
Para além deste caso de presunções de cumprimento, por vezes a lei também presume
que já ocorreu o cumprimento da obrigação em virtude de já ter decorrido certo prazo sobre a
sua constituição. São as prescrições presuntivas (312º e ss.) previstas nos arts. 316.º e 317.º.
Só pode ser ilidida nos ermos do 313.º. Considera-se tacitamente confessada nos termos do
314.º.

10. Direito à restituição do título ou à menção do cumprimento

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Se a obrigação aparece referida a determinado documento, como por exemplo no caso


dos títulos de crédito, o devedor tem a faculdade prevista no art. 788.º,nº 1, isto é, exigir a
restituição desse documento. Efetivamente a emissão do título de uma obrigação destina-se a
uma causa jurídica específica que é a de possibilitar a cobrança da dívida pelo que uma vez
extinta esta, o credor deixa de ter causa jurídica para a sua retenção, devendo proceder à
restituição. O credor pode ter, no entanto, interesse legítimo na conservação do documento
como na hipótese do título lhe conferir outros direitos. Nesse caso o devedor poderá exigir
que o credor mencione no título o cumprimento efetuado o que inviabilizará a possibilidade
do credor o utilizar novamente para cobrança daquela obrigação. Caso o credor não o faça o
devedor tem a faculdade concedida pelo art.788.º, nº 3.
No caso de impossibilidade do credor, por qualquer causa, de restituir o titulo de nele
mencionar o cumprimento (ex: perdeu o documento). Nesse caso, o devedor pode exigir
quitação passada em documento autentico ou autenticado ou com reconhecimento notarial,
correndo o encargo por conta do credor – 789º
Se for um terceiro a cumprir a obrigação ele só goza dos mesmos direitos do credor nos
termos do art. 788.º,nº 2. Na hipótese contrária o título deverá ser devolvido ao devedor,
porque a dívida se extinguiu.

11. Efeitos do cumprimento

O cumprimento produz sempre em relação ao credor a extinção do seu crédito, como


contrapartida da prestação recebida. Normalmente o cumprimento produz igualmente em
relação ao devedor a liberação da sua obrigação. No entanto em certos casos o cumprimento
pode desencadear a sub-rogação do crédito (arts. 589.º e ss), caso em que o crédito não se
extingue, antes se transmite para o transmitida que realiza a obrigação, ficando o devedor
vinculado perante este.
- quitação – 786º
- direito À menção do titulo do cumprimento

12. Natureza do cumprimento

Na doutrina encontram-se assim as seguintes teorias principais, explicativas da natureza


juridica
A) A teoria geral do contrato segundo ela, o cumprimento corresponde sempre a um
contrato, exigindo quer a oferta da prestação, quer a sua aceitação como
cumprimento. Consequentemente, a eficácia jurídica do cumprimento depende de
uma facti species complexa, onde se inclui a realização efetiva da prestação e um
contrato de cumprimento destinado a produzir esse efeito. O cumprimento é por isso
uma consequência de um negócio jurídico, e daí que a aceitação da prestação ‘come
cumprimento’ pelo credor pressuponha um ato de disposição do crédito que só é
eficaz se o credor accipiens tem capacidade para esse ato ou, sendo ele incapaz, se o
representante legal o confirmar.
B) Teoria limitada do contrato, sustenta que o cumprimento apenas constitui um
contrato, nas hipóteses como a transmissão em que a prestação dependa da
celebração de um contrato
C) Teoria do negócio unilateral de cumprimento, sustenta que a extinção da obrigação é
também consequência de um negócio de cumprimento. Mas já não de um contrato,
uma vez que é apenas o solvens que tem que emitir urna declaração negocial no
sentido do cumprimento da obrigação.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

D) Teoria do contrato real ou do acordo sobre o fim, sustenta, da mesma forma que a
teoria geral do contrato, que o cumprimento constitui uma facti species composta de
dois elementos: a atribuição do devedor (elemento objetivo) e um acordo das partes
sobre o fim de cumprimento dessa atribuição (elemento subjetivo)
E) teoria da realização final da prestação, , entende que o cumprimento não exige
nenhum contrato nem qualquer acordo entre as partes sobre o fim da prestação, mas
apenas a definição unilateral pelo solvens desse fim. A função desta definição do fim
da prestação seria apenas as a de relacionar com determinada divida, e não a de
produzir o cumprimento como consequência jurídica. Pelo que não se poderia
considerar um negócio jurídico.
F) A teoria da realização real da prestação, Segundo ela, para o cumprimento é
suficiente, na maior parte aos casos, especialmente quando é evidente a referência a
uma determinada dívida, a obtenção do resultado da prestação através do ato de
prestar do devedor ( ou do seu auxiliar e eventualmente também de um terceiro), que
de uma forma objetivamente reconhecível, corresponda à prestação devida.

A teoria da realização real da prestação encontra-se express.1mente consagrada na nossa lei


(art. 762º, nº1), que ao referir que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a
que está vinculado, identifica o cumprimento como a mera realização real da prestação não
exigindo a emissão de uma declaração negocial ou sequer uma atuação finalisticamente
orientada.
Na nossa doutrina esta é também a posição unanimemente defendida, que rejeita qualquer
carácter negocial ao cumprimento, qualificando-o como simples ato devido, de cariz real ou
material. Efetivamente, e conforme refere Galvão Telles, o negócio jurídico tem carácter
inovador, dele resultando uma estipulação de efeitos jurídicos que inst1tui um comando para
as partes. Ora, no cumprimento não se inova, mas antes se executa, obedecendo-se a um
comando previamente existente.
Efetivamente, o cumprimento consiste num ato real de liquidação, pelo que não exige qualquer
declaração negocial de aceitação da prestação pelo credor ‘corno cumprimento nem sequer a
exteriorização do animus solvendi, bastando-se com a simples realização material da prestação
pelo devedor. Nas prestações de coisa essa atuação material pressupõe a colaboração do credor
para a sua receção. Nas prestações de serviços e nas omissões, nem sequer essa colaboração do
credor se torna necessária. Apenas em certos casos, como no contrato-promessa, a realização
do comportamento devido implicará a celebração de um novo negócio. Mas essa qualificação
deriva do conteúdo do ato, uma vez que considerado como simples atuação do vínculo
obrigacional, o cumprimento não reveste manifestamente essa natureza. Efetivamente, a
atuação do vínculo obrigacionais não é uma consequência jurídica de uma declaração negocial
do devedor ou de um particular elemento intencional que imprima uma qualificação à sua
atividade (animus solvendf), mas antes consiste no próprio desenvolvimento dessa mesma
atividade. Mas o cumprimento, mesmo que tenha por conteúdo um facto material é sempre em
si um ato jurídico (simples) na medida em que constitui uma manifestação de vontade que
produz o efeito jurídico da extinção do vínculo obrigacional.

Formas de extinção das obrigações além do cumprimento


Dação em cumprimento

Vem referida no art. 837.º e ss.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

1.1. Pressupostos da dação em cumprimento

A realização de uma prestação diferente da que for devida

Ou seja, a prestação que o devedor realiza não coincide com aquela a que está vinculado e
que por isso não possa produzir a sua exoneração ao abrigo do art. 762.º, nº1 por não ser
considerada como atuação do vínculo obrigacional. Enquanto no cumprimento o devedor
realiza a prestação devida, produzindo assim a extinção da obrigação, na dação em
cumprimento realiza um aliud em relação ao que está vinculado ainda que com o fim de
extinguir essa mesma obrigação.
Tem sido, porém, questionado se o art. 837.º limita a dação em cumprimento às prestações
de coisa, e dentro delas, à entrega de uma coisa de natureza diferente (ex: a entrega de um
carro em lugar do barco prometido), ou se pode igualmente abranger qualquer outro tipo de
prestação diferente da que for devida ( como por exemplo a entrega de uma quantia em
dinheiro em substituição do automóvel devido).
Relativamente às obrigações que podem ser extintas por dação em cumprimento, não
resulta do art. 837.º qualquer tipo de limitação. Apesar de esta norma parecer referir apenas a
extinção de obrigações de prestação de coisa específica a verdade é que a lei refere amplamente
a dação em cumprimento como causa de extinção de obrigações pecuniárias (art. 877.º, nº 3,
art.1091º/1/a)), não havendo razões para excluir a sua aplicação à extinção de outro tipo de
obrigações genéricas ou inclusivamente à de obrigações de prestação de facto, como de facere
(ex: realização de uma obra em lugar do pagamento de uma quantia em dinheiro) ou de coisa
fungível (abrangendo, quantias de dinheiro).
Essa prestação não pode corresponder a uma nova obrigação assumida perante o credor já
que nesse caso estaríamos perante a figura da novação (art. 857.º) e não da dação em
cumprimento.
É elemento essencial da dação em cumprimento que a prestação seja definitivamente
realizada não parecendo ser suficiente a mera celebração do acordo transmissivo do direito.
Apesar do previsto no art. 408.º, nº1 parece resultar claramente do art. 837.º que a dação em
cumprimento só se verifica com a efetiva realização da prestação.

O acordo do credor relativo á exoneração do devedor com essa prestação

Esta regra é perfeitamente justificável mesmo que a prestação realizada tenha valor igual
ou superior à prestação devida, uma vez que era esta a que o credor tinha direito, e não se
compreenderia que fosse forçado a receber outra prestação a qual, mesmo que tivesse valor
superior poderia não corresponder ao seu interesse.
Sendo a obrigação solidária, aplicam-se os arts. 523.º (a dação pode ser realizada apenas
por um dos devedores), em relação ao devedor, e o art. 532.º (a dação pode ser realizada apenas
por um dos credores) para o credor. Nesse caso para ocorrer a extinção da obrigação nas
relações externas bastará o consentimento das partes na dação em cumprimento ainda que
posteriormente nas relações internas a diferença de valor entre a prestação devida e a realizada
não possa ser oposta aos outros participantes na obrigação que não tenham dado o seu
assentimento à dação em cumprimento.

1.2. Forma da dação em cumprimento


A dação em cumprimento não é sujeita a forma especial, nos termos gerais do
art.219º, podendo ser celebrada verbalmente.
Excetua-se, porém, o caso de a dação em cumprimento abranger bens imoveis, caso
emq eu terko0a que ser celebrada por escritura publica ou documento particular autenticardo,

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

nos termos do art.22º do DL 116/2008, 4 de Julho. Esta exigencia é, porém, excetuada se as


partes recorrerem ao procedimento especial de transmissão, oneração e registo de imovies ,
constante do DL 263-A/2007, de 23 de julho e da portaria 794-B/2007, de 23 de julho, o qual
foi estendido à dação em pagamento pelo art.1º da portaria 1126/2009, de 1 de outubro.

1.3. Regime da dação em cumprimento

1.3.1. A extinção da obrigação

A dação em cumprimento determina em 1º lugar a extinção da obrigação que aquela visou


satisfazer, com a exoneração do devedor (art. 837.º). Sendo solidária aplicamos os arts. 523.º e
532.º.
Sendo o fim da dação extinguir uma dívida que não existiu efetivamente o autor da dação
tem o direito de recorrer à repetição do indevido (art. 476.º, nº 1).

1.3.2. Garantia contra vícios da coisa ou do direito transmitido

O autor da dação deve conceder uma garantia pelos vícios da coisa ou do direito transmirido
nos termos prescritos para compra e venda ao credor nos termos do art. 838.º. Assim, sempre
que a dação tenha conteúdo translativo, o seu autor responderá pela evicção (arts. 892.º e ss),
bem como por ónus e limitações existentes (arts. 905.º e ss) e pelos vícios da coisa (arts. 913.º
e ss). No caso da dação em cumprimento se referir a uma cessão de créditos parece porém que
o alienante apenas responderá pela veritas nominis, não garantindo a solvência do devedor (art.
587.º).
Em alternativa à garantia pelos vícios da coisa ou do direito transmitido nos termos da
compra e venda, o credor pode optar pela prestação primitiva e pela reparação dos danos
sofridos. Uma vez que a obrigação anterior se tenha extinto, esta opção do credor implicará um
verdadeiro renascimento da obrigação, com todas as suas garantias e acessórios.

1.3.3. Invalidade da dação em cumprimento

Verificando-se a invalidade da dação é manifesto que a relação obrigacional primitiva


continua a subsistir com todas as suas garantias, salvo se, entretanto, se tiver verificado um
facto extintivo autónomo (prescrição do crédito; restituição da coisa empenhada). Há uma
exceção à manutenção das garantias no art. 839.º. Esta solução compreende-se, uma vez que
se a invalidade da dação for da responsabilidade do credor (ex: simulação ou dolo), impõe-se o
renascimento da obrigação do devedor para evitar um seu enriquecimento injustificado, mas já
não se justifica lesar a confiança dos terceiros garantes que, ignorando o vício da dação,
deixaram de contar com a eventualidade de responder pela garantia que prestaram.

1.4. Natureza jurídica da dação em cumprimento


Tem sido bastante controvertido na doutrina qual será a natureza juridica da dação em
cumprimento:
a) Dação em cumprimento corresponderia a uma compra e venda ou a uma troca
Guilherme Moreira.
Esta tese parece dar algum apoio ao CC quando exclui expressamente a dação em
cumprimento, quando se refere às proibições de venda (art.876º e 581º/c)) e
atribui ao adquirente a garantia deste contrato, relativamente aos vícios da coisa
ou direito (art.838º)
b) Dação em cumprimento corresponderia a uma novação

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

O acordo do credor quanto à realização de uma prestação diferente da devida


implicaria uma novação tácita objetica, com a constituição de uma nova obrigação,
que depois seria imediatamente executada com a realização da prestação
oferecida. Mesmo que o oferecimento da prestação ocorresse simultaneamente
com a aceitação do credor, seria sempre possível distinguir entre a convenção
novatoria e a sua execução, pelo que ocorreria sempre, mesmo durante um
instante, a constituição de uma nova obrigação.
c) Dação em cumprimento corresponderia e um contrato modificativo da relação
obrigacional
Pessoa Jorge
A realização da dação em cumprimento não produziria assim a substituição da
obrigação antiga por uma nova, mas limitar-se-ia a alterar o objeto daquela
obrigação, que passaria a ser o aliud dado em pagamento, extinguindo-se depois a
obrigação por cumprimento
Pessoa Jorge sustenta existir na dação em cumrpiemnto “um acordo modificativo
da obrigação e um ato executitivo, mas estes dois elemntos aparecem
essencialmente interligados”
d) Dação em cumprimento corresponderia a um contrato de cumprimento.
Antunes Varela
A dação em cumprimento corresponderia a um contrato de cumprimento, já que
se realizaria por acordo entre devedor e o credor uma prestação diferente da
devida, com o fim de extinção da obrigação. O objeto desse contrato não seria, por
isso, a modificação da obrigação, mas antes o de que a prestação entregue valha
como cumprimento, podendo assim ser qualificado como um contrato de
cumprimento.

Menezes Leitão concorda com Menezes Cordeiro, quando recusa a integração da dação em
cumprimento noutras categorias, limitando-se a qualifica-la uma forma convencional de
extinção das obrigações atraves da realização de uma prestação diversa da devida.
Efetivamente, a dação em cumprimento pode ser definida como um contrato oneroso, pelo
qual se extingue uma obrigação atraves da realização perante o credor de uma prestação
diferente da devida como contrapartida da sua renuncia a receber a prestação primitiva. Só
esta explicação pode justificar o regime do art.838º, em que os vícios da prestação recebida
não apenas determinam a aplicação da garantia edilicia, mas também a possibilidade de
resolução da dação com esse fundamento, com a natural recuperação do direito à prestação
primitiva.

1.5. A dação pro solvendo

A dação pro solvendo ou dação em função do cumprimento, prevista no art. 840.º, consiste
na execução de uma prestação diversa da devida para que o credor proceda à realização do
valor dela e obtenha a satisfação do seu crédito por virtude dessa realização. Por isso na dação
pro solvendo o crédito subsiste até que o credor venha a realizar o valor dele (por ex: através
da venda do bem entregue).
A dação pro solvendo distingue-se da dação em cumprimento porque naquela a realização
da prestação diversa da devida não visa obter a imediata exoneração do devedor, mas antes
proporcionar ao credor uma forma mais fácil de obter a satisfação do seu crédito, através da
transformação em dinheiro da prestação que for realizada. Enquanto na dação em cumprimento
se verifica uma causa distinta de extinção das obrigações, na dação pro solvendo há apenas um
meio de facilitar o cumprimento das obrigações, podendo esta ser qualificada como um negócio

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

preparatório do cumprimento. Para além disso, na dação em cumprimento é a atuação do


devedor que vem a provocar a extinção da obrigação, enquanto na dação pro solvendo essa
extinção é desencadeada por atuação do credor, em cumprimento de um encargo que lhe é
conferido pelo devedor. A dação pro solvendo pode ser por isso qualificada como um mandato
conferido pelo devedor ao credor para proceder à liquidação da prestação realizada e se pagar
com o dinheiro obtido por essa via, mandato esse que, por ser conferido no interesse de ambas
as partes, não poderá ser normalmente revogado pelo devedor, salvo com justa causa (art.
1170.º, nº 2).
Se a dação tem por objeto a cessão de um crédito ou a assunção de uma dívida presume-se
igualmente feita pro solvendo (art. 840.º, nº 2). A entrega de um cheque para pagamento de
uma dívida também se enquadra aqui.

A consignação em deposito

1. Generalidades

Esta consiste na possibilidade reconhecida ao devedor nas obrigações de prestação de coisa


de extinguir a obrigação através do depósito judicial da coisa devida, sempre que não possa
realizar a prestação com segurança por qualquer motivo relacionado com a pessoa do credor,
ou quando o credor se encontre em mora (art. 841.º, nº 1).
Imagine-se que o vendedor se desloca a casa do comprador para entregar a encomenda
solicitada, mas verifica-se que ele se ausentou inesperadamente do seu domicílio. A lei não
considera justo que nestes casos o devedor fique indefinidamente vinculado ao cumprimento,
apenas em virtude do credor não prestar a colaboração necessária para o cumprimento, pelo
que confere ao devedor um meio de produzir a extinção da obrigação sem a colaboração do
credor. É uma faculdade que o devedor não é obrigado a exercer (art. 841.º, nº 2), pelo que é
lícita a atuação do devedor de não realizar a prestação nas hipóteses referidas no nº1 do mesmo
art.
A consignação em depósito é necessariamente judicial (arts. 1024.º e ss do CPC). Qualquer
depósito realizado extrajudicialmente não terá assim efeitos de extinção da obrigação.

a. Pressupostos da consignação em depósito


a) ter a obrigação por objeto uma prestação de coisa, podendo ser uma quantia
pecuniária, ou uma coisa de qualquer outra natureza;
b) não ser possível ao devedor realizar a prestação por um motivo relativo ao credor.

O primeiro requisito encontra-se referido no art. 916.º, nº1 do CPC e resulta da própria
natureza das coisas, já que as prestações de facto positivo são insuscetíveis de depósito e em
relação às prestações de facto negativo, ocorre o cumprimento da obrigação
independentemente da cooperação do credor.
O segundo requisito encontra-se referido no art. 841.º, nº 1 que discrimina 2 situações:
• Impossibilidade não imputável ao devedor de ele realizar a presação ou de o
fazer com seguranã. Por qualquer motivo relacionado com a pessoa do credor.
Como exemplo temos o facto de se ignorar o paradeiro do credor.
• A mora do credor, ou seja, a recusa do credor em receber a prestação ou
praticar os atos necessários ao cumprimento (813º)
Exemplo: os casos do credor recusar receber a prestação ou passar quitação
da dívida (art. 787,º nº 2).

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

1.1. Regime da consignação em depósito

i. Generalidades
A consignação em depósito apresenta uma eficácia complexa, dado que além de implicar o
surgimento de um processo judicial entre o consignante e o credor, regulado pelos arts. 926.º
e ss CPC, vai instituir uma nova relação substantiva, uma vez que o depósito da coisa devida
implica o surgimento de obrigações a cargo do consignatário. Para além disso, a consignação
em depósito tem efeitos sobre a obrigação, podendo eventualmente conduzir à sua extinção.
É possível distinguir 3 tipos de efeitos da consignação em depósito:
a) instituição de uma relação processual entre o consignante e o credor;
b) instituição de uma relação substantiva triangular entre o consignante, o consignatário e
o credor;
c) eficácia da consignação sobre a obrigação.

ii. Instituição de uma relação processual entre o consignante e o credor

Conforme se referiu, a consignação em deposito é necessariamente judicial, operando-se


atraves do processo referido nos art.916º e ss.
O processo judicial da consignação em deposito, para o qual é competente o tribunal do
lugar do cumprimento da obrigação, inicia-se com uma petição icnial, onde o devedor tem que
mencionar o motivo pelo qual requer o deposito (art.916º/1 CPC). O deposito é, em princípio,
realizado na CGD, salvo se a coisa não puder aí ser depositada, nomeando o juiz neste caso um
depositário, nos termos aplicáveis ao deposito de coisas penhoradas (art.916º/2 e 756º e ss.
CPC).
Após efetuado o deposito, credor é citada para contestar (917º CPC), levando a falta de
constestação, se a revelia for operante, a que o tribunal julgue extinta a obrigação (art.918º/1
CPC).
O deposito só pode, porém, ser impugnado por três fundamentos dispostos no art.919º
CPC.
No caso de o fundamento da impugnação imrpoceder, é declarada extinta a obrigação
com o deposito. No caso de a impugnação proceder, o deposito é considerado ineficaz para a
extinção da obrigação e, se o depositante for o devedor, ele é condenada a cumprir a
obrigação. Neste ultimo caso, o regime processual varia, porem,, consoante o fundamento da
impugnação seja o litifio relativo ao objeto da prestação (art.921º CPC) ou algum dos outros
dois fundamentos de impugnação (art.920º CPC).
Na primeira situação, o credor tem que deduzir em reconvenção o seu pedido, levando
a procedência deste à condenação do devedor em completar o depósito no caso de a
prestação devida ser de maior quantidade, ou a ineficácia do depósito, se a prestação foi
diversa, condenando-se o devedor no comprimento obrigação (art.921º/2 CPC). Pode, porém,
seguir-se logo a respetiva execução, caso o credor diponha título executivo (art.921º/3 CPC).
Na segunda situação, apesar de o devedor ser condenado ao cumprimento ia pagar as custas
do processo, O pagamento ao credor será efetuado pelas forças do depósito, correndo,
porém, por conta do devedor as depespesas que o credo tenha que suportar com o
levantamento (art.920º/2 CPC).

iii. Instituição de uma relação substantiva triangular entre o


consignante, o consignatário da coisa devida e o credor

Esta relação tem grandes semelhanças com o contrato a favor de terceiro (arts. 443.º e ss),
uma vez que através dela o credor adquire imediatamente um direito à entrega da coisa por
parte do consignatário (art. 844.º). Temos exatamente: uma relação de cobertura entre

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

consignante e consignatário; uma relação de atribuição, consistente na obrigação que o


consignante visa satisfazer; e uma relação de execução, através da qual o credor recebe o direito
sobre o consignatário.
O consignante será normalmente o devedor, mas a lei, à semelhança do que ocorre com o
cumprimento (art. 767.º), estende a legitimidade para a consignação em depósito a qualquer
3º, a quem seja lícito efetuar a prestação (art. 842.º).
À semelhança do que sucede no contrato a favor de terceiro (art. 444.º, nº 1), o credor
adquire imediatamente o direito de exigir a prestação do consignatário, independentemente da
aceitação (art. 844.º), podendo o devedor sempre que tenha a faculdade de não cumprir senão
contra uma prestação do credor, exigir que a coisa consignada não seja entregue ao credor,
enquanto este não efetuar aquela prestação (art. 845.º).
Também em termos idênticos ao contrato a favor de terceiro (art. 448.º, nº 2), o consignante
pode revogar a consignação (art. 845.º).
Este direito de revogação não parece poder ser exercido pelos credores do devedor através
da sub-rogação, uma vez que se trata de um direito pessoal do devedor (art. 606.º).

b. Efeitos da consignação sobre a obrigação

Durante o decurso do processo, a obrigação persiste recaindo, no entanto, sobre o credor o


risco da perda ou deterioração da coisa e deixando a dívida de vencer juros sempre que se
verifique ter o devedor motivo legítimo para proceder à consignação. No caso contrário, a
consignação não será eficaz pelo que não deverá alterar as regras relativas à distribuição do
risco.
Para além disso, a pendencia do processo de consignação atribui ao devedor uma exceção
dilatória, permitindo-lhe recusar a prestação, enquanto não for julgada definitivamente a ação,
podendo até lá o credor apenas exercer antes o seu direito sobre a coisa depositada.
Sendo a consignação aceite pelo credor ou declarada válida pelo tribunal segue-se o
disposto no art. 846.º. A eficácia extintiva da consignação em depósito retroage ao momento
do depósito, o que implica vir a ser a posteriori efetuada uma equiparação da realização da
prestação ao depositário com a realização da prestação ao credor, ficando o devedor liberado
com a realização dessa prestação a terceiro (art. 770.º e) ). O credor vê assim extinto o seu
direito de crédito adquirindo assim porém outro crédito à entrega da coisa por parte do
depositário.

A compensação

1. Generalidades

A lei admite nos arts. 847.º e ss outra forma de extinção das obrigações que consiste na
compensação, segundo a qual, quando 2 pessoas estejam reciprocamente obrigados a entregar
coisas fungíveis da mesma natureza é admissível que ambas as obrigações sejam extintas, total
ou parcialmente, pela dispensa de ambas de realizar as suas prestações ou pela dedução a uma
das prestações da prestação devida pela outra parte.
Assim, se 1 comerciante deve a outro 1000 € de 1 fornecimento que este lhe fez, mas tem
por sua vez 1 crédito de 1000€ sobre aquele, resultante de um empréstimo antigo, podem tanto
a dívida do fornecimento como a dívida do empréstimo ser declaradas extintas por
compensação entre elas, ficando os 2 comerciantes liberados de realizar a sua prestação.
A extinção das obrigações por compensação assegura 2 importantes vantagens: a primeira
é a de que se produz a extinção das obrigações dispensando a realização efetiva da prestação

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

devida, funcionando assim a compensação como forma de facilitação dos pagamentos; a


segunda é a de que a compensação permite ao seu declarante extinguir a sua obrigação, mesmo
que não tenha possibilidade de receber o seu próprio crédito por insolvência do seu devedor,
funcionando assim a compensação como garantia dos créditos.

a. Pressupostos da compensação

Os pressupostos da compensação encontram-se previstos no art. 847.º.

Existência de créditos recíprocos

Reside na existência de créditos recíprocos, o que significa que cada uma das partes tem
que possuir na sua esfera jurídica um crédito sobre a outra parte, e só pode operar a
compensação para extinguir a sua própria dívida.
O declarante só pode usar para efetuar a compensação créditos seus sobre o seu credor,
estando-lhe vedada a utilização para esse efeito de créditos alheios, ainda que o titular respetivo
dê o seu consentimento (art. 851.º, nº 2). Não é assim permitido ao fiador invocar a
compensação com um crédito do devedor, nem ao devedor solidário invocar o crédito de outro
codevedor sobre o credor. A não utilização de créditos alheios compreende-se uma vez que para
a disposição desse crédito seria sempre necessário o consentimento do respetivo credor, mas,
mesmo que ele o concedesse, a situação geraria uma desigualdade, uma vez que só o declarante
poderia recorrer à compensação, ficando ao declaratário vedada essa possibilidade.
Também só procedem para a compensação créditos do declarante sobre o seu credor,
não podendo este utilizar créditos seus sobre outras pessoas, ainda que ligadas por qualquer
relação ao credor. Não é assim permitido ao promitente, no contrato a favor de terceiro invocar
perante o terceiro a compensação com um crédito sobre o promissário (art. 449.º), nem ao
demandado por dividas à herança invocar a compensalao com o credito sobre um dos herdeiros.
Mas já é admissível, face ao art. 532.º, que o devedor de vários credores solidários invoque a
compensação dessa obrigação solidária com base no crédito de que disponha sobre qualquer
um dos credores.
Da mesma forma, o declarante não pode em principio, através da compensação com um
crédito seu extinguir uma dívida que outrem tenha com o seu devedor, mesmo que pudesse,
em razão da sua fungibilidade, realizar a prestação em lugar dele (art. 851.º, nº 1). Essa
possibilidade só lhe é reconhecida no caso de estar em risco de perder os seus bens em
consequência de execução por dívida de terceiro, o que sucede por ex na hipótese de ter
garantido esse cumprimento através da fiança, penhor ou hipoteca.

Fungibilidade das coisas objeto das prestações e identidade do seu género e


qualidade

As duas obrigações devem ter por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
A nossa lei não restringiu a compensação às dívidas em dinheiro, admitindo-a ainda em
relação a prestações de coisa fungíveis (art. 207.º), do mesmo género e qualidade. É, assim,
possível compensar obrigações relativas à entrega de quantidades de uma mesma mercadoria.
Não é admissível a compensação relativamente a prestações de facto, ainda que a atividade seja
idêntica.
Cabendo a uma das partes determinar o objeto da prestação só se poderá recorrer à
compensação se a escolha implicar prestações de coisas fungíveis homogéneas para ambos os
créditos.
Sendo necessária a identidade do género e qualidade das coisas objeto das prestações ,
já não se exige que a sua quantidade seja idêntica. Se as dívidas não forem de igual montante

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

segue-se o previsto no art. 847.º, nº 2, isto é, a compensação é parcial em relação à divida de


montante supeior. O facto de ainda não estar determinada a quantidade devida não impede
que se opere imediatamente a compensação (art. 847.º, nº 3), averiguando-se posteriormente
montante em que ela ocorreu.
A diversidade dos lugares de cumprimento vem prevista no art. 852.º, não constitui
um obstáculo à compensação, ainda que o declarante seja obrigado a reparar os danos
sofridos pela outra parte, em consequência de esta não receber o seu credito ou não cumprir a
sua obrigação no lugar determinado.
Nos casos em que as partes acordarem que o lugar do cumprimento ser diferente é
um aspeto essencial é renuncia tacita da compensasão – 852º/parte final e 853º/parte final

Existência, validade e exigibilidade do crédito do declarante

Para que a compensação se possa verificar é ainda necessário cumprir o requisito do art.
847, nº 1/a). Só podem ser assim compensados os créditos em relação aos quais o declarante
esteja em condições de obter a realização coativa da prestação.
Não podem ser compensados créditos de obrigação natural com dívidas respeitantes a
um obrigação civil. Também não pode ser feita compensação se o crédito ainda não estiver
vencido – mesmo que essa falta de vencimento decorra de moratória concedida gratuitamente
pelo credor (art. 849.º) – ou a outra parte poder recusar o cumprimento, por ex, as situações
dos arts. 428.º e ss e 300.º e ss. Para esta ultima exigem-se as condições do art. 850.º.

Existência, validade e possibilidade de cumprimento do crédito do declaratário

Da mesma forma que o declarante, também o declaratário tem que ser titular de um
crédito válido sem o que a compensação nunca poderia operar já que o declarante nem sequer
seria devedor. Para além disso, esse crédito do declaratário tem que estar na situação de poder
ser cumprido pelo devedor , uma vez que só nesse caso é legitimo ao declarante invocar a
compensação. Não pode assim o declarante pretender compensar uma dívida sua ainda não
vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor.
Já não constitui pressuposto da compensação que o declaratário esteja em condições
de poder exigir judicialmente o cumprimento, pelo que nada impede o declarante de compensar
dívidas ainda não vencidas, se o prazo correr em seu benefício, ou dívidas em relação às quais
pretenda recorrer. Pode igualmente o declarante utlizar a compensação para extinguir dívidas
naturais suas com créditos civis que tenha sobre o declaratário, uma vez que em relação a elas
se verifica a possibilidade de cumprimento, ao qual a lei atribui causa jurídica quando
espontaneamente realizado (art. 403.º).

b. Créditos não compensáveis

A lei elenca os critérios não compensáveis no art. 853.º.


O facto de não se poderem extinguir por compensação os créditos resultantes de factos
ilícitos dolosos resulta da lei pretender reprimir este tipo de comportamentos e retirar os
benefícios que deles poderiam resultar. Assim quem sendo credor de outra pessoa furtou o
dinheiro dela ou destruiu os seus bens não pode depois evitar a restituição das ou a
indemnização devida declarando a compensação do seu crédito com a obrigação em que se
constituiu. No entanto, nada impede que o lesado venha, nessas circunstâncias, invocar a
compensação para extinguir a sua dívida. Já se ambos os créditos resultam de factos ilícitos
dolosos nenhum dos seus titulares poderá invocar a compensação.
Também não é admitida a compensação de créditos impenhoráveis, exceto se ambos forem
da mesma natureza. Por razões humananitarias. Repugnaria-se que, por ex uma prestação de

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

alimentos, fosse suscetível de extinção por compensação com uma obrigação que não fosse de
idêntica natureza devido à especial importância que tem para o credor. Não haverá problema
se os créditos forem da mesma natureza.
Também se excluem de compensação os créditos do Estado ou de outras pessoas coletivas
públicas, exceto quando a lei o autorize. A razão para esta solução, reside essencialmente nas
dificuldades que a compensação poderia provocar na contabilidade pública.
Também excluída está a situação prevista no art. 853.º, nº 2. Assim se o crédito tiver sido
arrestado ou penhorado a compensação lesaria o terceiro que tinha adquirido aquele direito
sobre o crédito, pelo que a compensação só é admitida se os créditos se tivessem tornado
compensáveis antes da constituição deste último direito. A mesma solução vigora em caso de
insolvência do devedor, caso em que a compensação só pode ser decretada se os seus
pressupostos legais se tiverem preenchido antes da declaração de insolvência ou se o crédito
sobre a insolvência tiver preenchido antes do crédito os requisitos do art. 847.º.
Finalmente não é admitida a compensação sempre que o devedor a ela tenha renunciado.
A renúncia à compensação, que pode ser expressa ou tácita (art. 217.º) impede igualmente a
possibilidade dela ser declarada. Se as partes expressamente afastam a possibilidade de
compensação, ou se comprometem a realizar um efetivo pagamento, ou a entregar a
mercadoria num lugar e tempo determinado, a compensação será excluída devendo o
cumprimento ser realizado.

c. Regime da compensação

Para a compensação se tornar efetiva é necessária a declaração de uma das partes à outra
(art. 848.º, nº 1) a qual pode ser feita tanto judicial como extrajudicialmente. No 1º caso, a
compensação pode ser realizada quer em notificação avulsa (arts. 228.º, nº 2 e 261.º CPC), quer
no âmbito de ação judicial, em qualquer dos seus articulados. No 2ª caso, a declaração de
compensação não está sujeita a forma especial (art. 219.º), produzindo efeitos logo que chegue
ao poder do declaratário ou dele seja conhecida (art. 224.º)
A lei estabelece que a declaração de compensação é ineficaz se for fita nos termos do art.
848.º, nº 2. Justifica-se pelo grau de certeza que é necessário conferir à extinção da obrigação
que retroage ao momento da compensabilidade do crédito, não podendo por isso a declaração
de compensação deixar em aberto alguma incerteza sobre os seus efeitos. Não há, porem
obstáculos me que se conteste a existência da obrigação, mas se invoque subsidiariamente a
compensação, para a hipótese de a divida existir.
Pode suceder que existam vários créditos compensáveis de qualquer das partes, podendo a
qualquer deles ser referida a declaração de compensação. Neste caso, a escolha dos créditos
extintos pertence ao declarante (art. 855.º, nº 1). Na ausência de escolha seguimos o previsto
no art. 855.º, nº 2. A outra parte não terá assim a possibilidade de manifestar oposição à escolha,
salvo se esta se referir a uma dívida de capital, quando ainda existam juros, despesas ou
indemnização uma vez que nos parece que a norma do art. 785.º, nº 2 que determina que neste
caso a imputação só se pode realizar com o consentimento do credor, deve ser igualmente
extensiva à compensação.

d. Compensação convencional

Consiste esta na compensação que em lugar de ocorrer através de uma declaração


unilateral, resulta de um acordo realizado entre as partes (contrato de compensação). Sendo
este celebrado ao abrigo da autonomia provada, naturalmente que as partes já não estarão
sujeitas à maior parte dos pressupostos e limites estabelecidos para a compensação legal.
Parece que para esta compensação se exigirá apenas que as partes disponham de créditos
que pretendam extinguir através do contrato, não sendo necessário que se trate de créditos

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

recíprocos, nem que eles sejam exigíveis, nem sequer que tenham por objeto prestações
homogéneas. Também se admite a compensação convencional nos casos do art. 853.º a) e c),
e ainda de créditos para os quais tenha havido renúncia à compensação. Não se admitirá nos
restantes casos do art. 853.º.
A natureza do contrato de compensação tem vindo a ser controvertida na doutrina.
Alguma doutrina qualifica como um contrato pelo qual se procede a uma dupla remissão dos
créditos. Outros entendem tratar-se de uma dupla e reciproca dação em cumprimento.
Para o professor Menezes Leitão efetivamente, não existe no cotrato de compensação
qualquer remissão, porque nenhuma das partes renuncia à satisfação do seu direito de
crediro, mas antes a obtém por outra via. Mas, apesar de existir essa satisfação, também não
se está perante uma dação em cumprimento, uma vezz que nenhuma das partes recebe uma
prestação diferente da devida, mas antes é dispensada de realizar a sua popria prestação. O
contrato de compensação constitui um tipo contratual autónomo através do qual se vem
suprir reciprocamente o cumprimento de 2 obrigações.

Novação

e. Conceito e modalidades

Consiste na extinção de uma obrigação em virtude da constituição de uma nova, que a


substitui e que embora se identifique economicamente com a obrigação extinta, tem uma fonte
jurídica diferente.
Novação objetiva – nova obrigação se constitui entre os mesmos credor e devedor da obrigação
antiga (857º)
Novação subjetiva – mudança de algum dos sujeitos da obrigação (858º)

Novação objetiva pode representar tanto uma mudança no objeto da obrigação


(alguém se obrigar a entregar ao outro mercadorias em vez dos 1000 euros que devia) como
uma alteração na sua fonte (mandatário que devia restituir ao mandante 1000 euros derivados
do exercício do mandato, combina com ele conservar a quantia a titulo de mútuo).
Novação subjetiva pode ocorrer tanto por substituição do credor, o que se verifica
sempre que um novo credor é substituído ao antigo, vinculando-se o devedor para com ele por
uma nova obrigação (A, que deve 1000€ a B, contrai perante C uma nova obrigação em
substituição desta), ou por substituição do devedor, o que ocorre qunado um novo devedor,
contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor (A deve 1000€
a C, vindo B a contrair perante ele uma nova obrigação em substituição da de A).
Importa salientar que terá sempre que haver a intenção das partes de extinguir a anterior
obrigação, criando uma nova em sua substituição pois na ausência deste elemento, o que as
partes realizarão será apenas uma modificação ou transmissão da obrigação primitiva, e não
uma novação.

O que caracteriza a novação é assim a circusntancia de que o facto jurídico que desencadeia
a extinção da obrigação antiga ser simultaneamente o facto jurídico que cosntitui a nova
obrigação. Dessa circusntancia resulta uma dependência da causa juridica do facto extintivo da
obrigação antifa em relação ao facto constitutivo da nova obrigação e vice-versa. Efetivamente,
a antiga obrigação só se extinhue porque veio a ser cinstituida uma nova e a nova obrigação só
se constitui porque veio a ser extinta a antiga.

f. Pressupostos da novação

Declaração expressa da intenção de constituir uma nova obrigação em lugar da antiga

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

A novação tem que resultar de declaração expressa a determinar a contração de uma nova
obrigação em substituição da antiga (859º), logo não se pode inferir uma novação de simples
modificações da obrigação, como alterações do prazo de pagamento, taxas de juro, prestações
de garantia.
Também não cosntitui novação o reconhecimento da obrigação ou a sua confirmação
quando resulte de negocio anulável nem muito menos a transmissão do credito ou da divida.
Efetivamente nos termos legais, só há novação se as partes exteriorizarem diretamente o
animus novandi, o que implica não se admitirem presunções de novação, nem poder resultar
essa declaração tacitiamente atraves de factos conludentes.

Existência e validade da obrigação primitiva

Efetivamente, o negocio de constituituição da nova obrigação tem como pressuposto


fundamental a existência de uma obrigação antifa, que as partes visam precisamente extinguir
e substituir por uma nova. A novação é ineficaz sempre que a referida obrigação não existia ou
estava extinta ao tempo em que a segunda foi constituída, e ainda quando, embora não
existindo, essa obrigação vem a ser declarada nula ou anulada (860º/1). A novação não é, assim,
um negocio abstrato, uma vez que tem sempre como pressuposto a exisyencia previa de uma
obrigação, tornando-se ineffizac sempre que falte essa obrigação.
Caso não se tenha verificado o cumprimento, poderá o devedor recusar a sua realização,
invocando para tanto apenas a ineficácia da novação.
Caso o cumprimento já se tenha realizado, terá o seu autor uma pretensão restitória, cuja
fundamentação variará consoante a natureza da falta da obrigação primitiva. Efetivamente, se
se verificada a sua inexistência, regime da repetição do indevido (476º/1).Por outro lado,
verificada a sua invalidade, restituída com base no regime respetivo (289º e SS.).

Constituição válida da nova obrigação

A nova obrigação tem que ser validamente constituída (860º/2), uma vez que se tal não
ocorre, não se pode verificar a novação, subsistindo assim a obrigação primitiva, já que a sua
extinção apenas yinha sido determinada em razão da constituição de uma nova obrigação.
A subsitencia da obrigação primitiva pode, porém, afetar a situação de terceiros garantes,
que deixaram de contar, na sua planificação patrimonial, com a eventualidade de terem que
satisfazer essa obrigação. Assim a lei tutela essa situação de confiança, sempre que a invalidade
da nova obrigação seja imputável ao credor. Assim, se é por culpa do credor que a nova
obrigação vem a ser anulada, continuará ele sem poder dispor das garantias que existiam para
a obrigação primitiva.

g. Regime da novação

Da novação resulta a extinção da primitiva obrigação e a constituição de nova obrigação.


Uma vez que se verifica essa substituição de vínculos, não se vem a operar qualquer
continuidade entre eles, determinando, por isso, que salvo convenção em contrário, o novo
crédito não recebe as garantias relativas à obrigação antiga (861º) nem lhe podem ser opostos
os meios de defesa desta (862º).
Relativamente às garantias, a sua extinção compreende-se, quer estas tenham sido
prestadas pelo devedor, quer por terceiro, quer mesmo quando resultem da Lei (861º/1). A lei
admite, porém, a possibilidade às garantias serem reservadas para a nova obrigação, desde que
essa reserva seja efetuada por declaração expressa. No caso da garantia dizer respeito a
terceiro, é necessária também reserva expressa deste (861º). A reserva, quer do devedor, quer

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

do terceiro, pode, ser prestada previamente à novação, bastando para tal, por exemplo, que no
ato de constituição da obrigação primitiva ou da garantia se estabeleça que esta se manterá
para a obrigação que eventualmente fosse criada por novação.
Relativamente aos meios de defesa, a lei determina a sua extinção em consequência da
novação, a menos que as partes estipulem o contrário (862º). Isto justifica-se pela própria
natureza da novação que, ao extinguir a divida anterior, naturalmente que extingue igualmente
os meios de defesa que a ela respeitavam. Assim, se o devedor podia invocar perante a
obrigação primitiva a existência de um prazo ou a exceção do não cumprimento do contrato,
deixa de o poder fazer perante a obrigação nova, salvo convenção em contrário. Admite-se,
porém, que as partes convencionem a manutenção das exceções perante nova obrigação, desde
que tal seja claramente estipulado.

A remissão

h. Conceito

A remissão (863º e ss) consiste no que é vulgarmente designado por perdão de dívida e é
um acordo entre o credor e o devedor pelo qual aquele prescinde de receber deste a prestação
devida.
Por exemplo, o credor sabe que o devedor se encontra em dificuldades económicas e não
tem condições de cumprir pode acordar com ele em perdoar-lhe a divida, evitando assim uma
ação executiva que seria totalmente destituída de efeitos práticos. Da mesma forma, a remissão
pode ocorrer seu credor, por razões de amizade com o devedor, entende não lhe dever cobrar
dívida.

i. Pressupostos da remissão

a) Existência prévia de uma obrigação


b) Um contrato entre o credor e o devedor pelo qual aquele abdica de receber deste a
prestação devida (não apenas a declaração do credor de que abdica de receber a
prestação, mas também a aceitação dessa abdicação por parte do devedor)

Qaunto ao primeiro pressuposto, efetivamente a remissão consiste num negocio extintivo


de obrigações, pelo que a sua celebração depende da existência d aobrigação que visou
extinguir. Não é, por isso, remissão o denomindo reconhecimento negativo da divida, onde o
credor se limita a declarar perante determinada pessoa que não existe qualquer obrigação que
esta deva realizar
Quanto ao segundo pressuposto, entre nós a remissão reveste necessariamente caracter
contratual, exigindo-s, portanto, para que ocorra a extinção da obrigação, não apenas a
decalrçaão do credor de que abdica de receber a prestação, mas tmabém a aceitação dessa
abdicação por parte do devedor.
Uma vez que extingue o crédito, o contrato de remissão constitui sempre para o credor um
ato de disposição do seu direito, ao mesmo tempo que representa em relação ao devedor uma
atribuição patrimonial geradora de enriquecimento. Essa atribuição patrimonial será
normalmente realizada a titulo de liberalidade, mas pode ocorrer ainda por outra causa, como
na hipótese de o credor se ter comprometido a remitir a dívida, uma vez verificados certos
pressupostos. Não é concebível que a remissão seja efetuada como contrapartida da realização
de uma prestação ou da constituição de uma nova obrigação por parte do devedor, ou da
abdicação por ele de um crédito que tinha sobre o credor, pois nesse caso teríamos
respetivamente uma dação em cumprimento, uma novação ou uma compensação convencional
e não uma remissão

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

No caso de ser realizada a título de liberalidade, a remissão por negocio entre vivos é havida
como doação (863º/2), e sujeita ao regime dos artigos 940º e ss. Efetivamente, estão neste caso
preenchidos todos os pressupostos da doação já que este tipo de remissão constitui uma
atribuição patrimonial geradora do enriquecimento, que produz a diminuição do património do
doador, sendo efetuada por espírito de liberalidade.

j. Efeitos da remissão

Entre as partes a remissão produz a extinção da obrigação. No caso porem, de existir uma
pluralidade de partes, haverá que distinguir se a remissão foi concedida a todas ou por todas as
partes ou apenas por uma ou a algumas delas. No primeiro caso, a remissão refere-se a toda a
dívida (remissão in rem), produzir igualmente a sua extinção definitiva em relação a todos
sujeitos. No segundo caso, a remissão é apenas concedida por um ou em benefício de pessoa
específica (remissão in personam), pelo que a remissão apenas produzirá efeitos, em relação a
estas, mantendo-se a obrigação para as restantes.
A remissõa in personam tem efeitos distintos conoante o regime especifico de pluralidade
das partes na realção obrigacional aplicável.
Se o regime for o da dívida conjunta extinguem-se as frações da obrigação em relação às
partes em relação quais ocorreu a remissão, não sendo afetada a obrigação quanto aos seus
restantes sujeitos.
Se o regime for o da solidariedade passiva, e vem a ser remitida a divida de um dos
devores, a obrigação deste extingue-se, mantendo-se a dos restantes devedores, que ficam
liberados pela parte relativa ao devedor exonerado (864º/1). Mas pode no entanto suceder que
o credor declare reservar o direito por inteiro contra os outros devedores, sendo que estes
também conservam por inteiro o seu direito de regresso contra o devedor exonerado (864º/2).
Se o regime for o da solidariedade activa, e um dos credores concede a remissão, o devedor
fica exonerado, mas apenas na parte relativa a esse credor (864º/3).
Se for uma obrigação plural indivisível, a remissão concedida pelo credor implica que
aquele só pode exigir a prestação dos restantes se lhes entregar o valor da parte que compete
ao devedor exonerado (865º/1 e 536º). Da mesma forma, se a remissão for concedida por um
dos credores ao devedor, este não fica exonerado perante os restantes credores, mas este só
podem exigir-lhe a prestação se llhe entregarem o valor da parte que competia àquele credor
(865º/2)

A remissão produz igualmente efeitos em beneficio de terceiros (866º/1), considerando-se


extintas todas as garantias que asseguravam o seu cumprimento. Por razões de tutela de
confianã dos terceiros garantes, a extinção destas garatias mantém-se, alias no caso da remissão
vir a ser declarada nula ou anulada por causa imputável ao credor, salvo se o responsável pela
garantia conhecia o vicio, na data que teve conhecimento da remissão – 866º/3.
Pelo contrario, a renuncia às garantias da obrigação não faz presumir a remissão da divida.
Efetivamente, O devedor não pode aproveitar do benefício da renúncia concedido aos terceiros
garantes para dele inferir a remissão da sua obrigação, não so porque a remissão exige um
contrato com ele cebrado, mas tmabºem prque normalmente quem renúncia apnea s uma
garantia não o faz por pretender abdicar do credito. Assim, se o credor decidir remitir a
obrigação do fiador, não se considera extinta a obrigação do devedor. Sendo, no entanto, vários
fiadores, a remissão concedida a um deles aproveita os outros na parte do fiador exonerado;
mas, se os outros consentirem na remissão, respondem pela totalidade da divida, salvo
declaração em contrário – 866º/2.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

A confusão
k. Conceito

Consiste na extinção simultânea do crédito e da dívida em consequência da reunião, na


mesma pessoa, das qualidades de credor e devedor (868º), deixando de haver qualquer
necessidade jurídica de manter a obrigação. Por exemplo: hipótese de o devedor vir a adquirir
por cessão o credito que sobre ele tinha um credor anterior
Não constitui confusão em sentido técnico as situações em que se verifica a reunião na
mesma pessoa qualidades de proprietário e titular de um direito real menor ou a denominada
confusão imprópria, em que se reúnem na mesma apessoa as qualidades de devedor e garante
de obrigação. Em nenhum dos casos se verifica a extinção do direito de crediro, ocorrendo no
primeiro caso a recuperação da propriedade plena, e no segundo caso a extinção da garantia, a
menos o credor tenha ainda interesse na sua manutenção.

l. Pressupostos

a) Reunião na mesma pessoa das qualidades de credor e devedor


Isto naturalmente ocorrerá ou em virtude da aquisição por uma das partes da posição
que a outra ocupava no credito ou no débito (o credor vem a suceder no débito ou o
devedor a adquirir o credito) ou em virtude da aquisição conjunta por um terceiro das
posições que ambas as partes ocupavam na obrigação (o terceiro adquire o credito e
vem a assumir também o débito)
b) Não pertença do crédito e da dívida a patrimónios separados
Caso isso aconteça o art.872º determina a não verificação da confusão. Efetivamente, a
separação de patrimónios tem por consequência a impossibilidade de verificação da
confusão, uma vez que esta, a ocorrer poria em causa essa mesma separação, ao fazer
desaparecer valores ativos de um patrimonio em beneficio da extinção de
responsabilidades de outro patrimonio. Por esse motivo, se, por exemplo, a confusão
se verificar em consequência de o dever adquirir o credito por herança, continua ele a
responder pela sua obrigação até à liquisdação e partilha (2074º/1), altura em que se
extingue a separação de patrimónios.
c) Inexistência de prejuízo para os direitos de terceiro (871º/1)
Efetivamente, conforme se referiu, a confusão justifica-se, por não haver necessidade
juridica de manter a obrigação, como instrumento de colaboração inter-subjetiva, a
partir do momento em que se verifica a reunião das posições de credor e devedor. No
entanto, se o vinculo obrigacional se encontrar igualmente a funcionar em beneficio de
terceiro (ex: existência de usufruto ou penhor sobre o credito), esse vinculo subsite, na
justa medida em que o justique o interesse do usufrutario ou do credor pignoratícia
(art.871º/2).

m. Regime da confusão

A extinção da obrigação por confusão vem provocar a extinção de todos os acessórios do


crédito (sinal, cláusula penal, obrigação de juros), bem como de todas as garantias que
asseguravam o seu cumprimento (fiança, consignação de redimentos, penhor, hipoteca,
privilegio e o direito de retenção, quer essas garantias sejam prestadas pelo devedor, quer por
terceiro).
A lei admite a hipótese de a confusão se desfazer, renascendo a obrigação com os seus
acessórios, mesmo em relação a terceiro, quando o facto que a destrói seja anterior à própria
confusão (873º/1). Relativamente às garantias prestadas por terceiros, no entanto, e por razões

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

de tutela da confiança destes, a extinção destas garantias mantém-se no caso de a confusão se


disfizer por causa imputável ao credor, salvo se o responsável pela garantia conhecia o vicio, na
data em que teve noticia da confusão – 873º/2.
A semelhança do que sucede na remissão, é necessário acautelar quais as consequências da
confusão, no caso de se verificar uma pluralidade de partes, as quais também variarão
consoante o regime aplicável.
Se o regime aplicavel for o da conjução ou parciariedade, o que sucede e que se extinguem
as frações da obrigação em relação às quais ocorreu a confusão, não sendo afetada a obrigação
quanto aos seus restantes sujeitos.
Ex: Se A, B, C deviam parciariamente 900€ a D, o facto de este assumir a divida de C não
afeta a situação dos restantes devedores, aos quais, estando obrigados em termos iguais,
continua a ser apenas exigível a sua parte (300€).
Se o regime aplicavel for o da solidadriedade passiva, e vêm a ser reunidas as mesmas
pessoas as qualidades de devedor solidário e credor, a obrigação deste extingue-se nessa parte
da divida, ficando nesse âmbito os restantes devedores exonerados, os quais continuam, porém,
a responder solidarieamente pela restante obrigação (869º/1).
Ex: Assim, se A, B e C devem solidariamente 900€ a D, e este assume a divida de C, estando
os devedores obrigados em partes iguais, a divida extinguir-se-à nessa parte e D passsara a
poder exigir 600€ a qualquer um dos outros devedores
Se o regime aplicavel for o da solidariedade ativa, e se reunirem as posições de devedor e
credor solidário, o devedor fica exonerado, mas apenas na parte relativa a essa credor
(art.869º/2).
Ex: se A deve 900€ a B, C e D e posteriormente adquire o credito a D, cada um dos restantes
credores passa a só poder exiir do devedor a quantia de 600€
Se, porém, se tratar d euma obrigação plural indivisível com vários devedores, a reunião na
mesma pessoa da posição de credor e de codevedor implica que este só possa exigir a prestação
dos restantes codevedores se lhes entregae o valor da parte da posição que adquiriu (art.870º/1
e 536º).
Da mesma forma, trantando-se de uma obrigação plutal indivisível com vários credores, se
ocorrer a reunião na mesma pessoa da qualidade de devedor e co-titular do credito, este não
fica exonerado perante os restantes credores, mas estes só podem exigir-lhe a prestação se lhe
entregarem o valor da parte que competia àquele credor – art.870º/2 e 865º/2.

Cessação do vinculo obrigacional


Caducidade
Consiste na sua extinção em virtude da ocorrência de um facto jurídico stricto sensu (não
de um negocio jurídico ou, sequer, de um ato jurídico). O exemplo mais comum é o do decurso
do tempo. Outros exemplos são: a verificação da condição resolutiva; a morte ou extinção de
uma das partes nos contratos intuito personae e a extinção do objeto do contrato (lei expressa
a prepósito da locação art.1051º/b), d) e e)).
Apesar de referentes à caducidade como causa de extinção dos direitos, e não como causa
de extinção do próprio negocio, são igualmente aplicáveis à caducidade dos negócios jurídicos
os art.328º e ss:
• Os prazos de caducidade são contínuos, não se suspendendo nem interrompendo,
a não ser quando a lei o determine (art.328º).
• As partes podem estabelecer negócios pelos quais se criem casos especias de
caducidade, se modifique o regime legal desta ou se renunicie a ela, contanto que

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

não se trate de matéria subtraída à disponivibilidade das partes ou de fraude às


regras legais da prescrição – 330º/1
• São aplicáveis ao casos convencionais de caducidade, na duvida acerca da vontade
dos contraentes as disposições relativas à suspensão da prescrisção – 330º/2
A caducidade é de verificação automática, resultando imediatamente do facto juridico
stricto sensu que a desencadeia, pelo que não depende de declaração negocial das partes.
A caducidade é apreciada oficiosamente pelo Tribunal e pode ser declarada em
qualquer estado do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das
partes (art.333º/1), tendo no caso contrario que ser invocada judicial ou extrajudicialmente
por aquele a quem aproveita, tal como sucede com a prescrição – 333º/2.
A caducidade tem eficácia retroativa, apenas determinando a extinção do negocio
juridico para o futuro. Exceção: caducidade resultante da verficiação de uma condição
resolutuva, a qual é normalmente de eficácia retroativa (Art.276º). Sendo assim, normalmente
é retroativa, no entanto, as partes, salvo quando a lei o vede, podem estipular a eficácia
retroativa da caducidade – 330º/1

Em principio, se o contrato for celebrado por um determinado prazo, decorrido esse


período de tempo, o negocio juridico caduca. Todavia, no domínio laboral e no regime do
arrendamento, a regra aponta no sentido de, não obstante o cotnrato ser cebrado por um
determinado prazo, se decorrer esse lapso, haverá uma renovação automática, e o contrato
não caduca (art.149º CT e art.1054º/1). Mas nada obsta a que se celebre um contrato de
trabalho ou de locação por um prazo determinado não renovael, ai passado o prazo o contrato
caduca. Ou seja, a caducidade opera, então, automaticamente, não carecendo de uma previa
denuncia, porque o negocio juridico deixou de estar sujeito a renovação automática.

Fala-se igualmente em caducidade num sentido amplo se, tendo o contrato sido
celebrado com base em determinados pressupsotos, estes desaparecem.Verdadeiramente, no
rigor dos princípios, estas hipóteses em que deixam de existir os pressupostos nos quais as
partes se basearam para a celebração do contrato melhor se enquadram na impossibilidade
supervinente ou alterção de circusntancias.
Sempre que o contrato caducar por impossibilidade supervinente importa averiguar se
há ou não culpa de uma das partes.
• Há culpa – o responsável tem de indeminizar a contraparte por essa situação.
O contrato caduca, mas sobre o faltoso impenderá uma obrigação de
indeminziar a contraparte pelos prejuízos causados se tiver havido culpa no
que respeita à produção do facto que desencadeou a caducidade.
• Não há culpa – não há obrigação de indeminizar. Exceções: por exemplo no
caso de caducidade do contrato de trabalho motivado por morte, extinção ou
encerramento da empresa ou por inadaptação do trabalhador e na ipotese de
arrendamento de prédios rustiicso, se houver extinção motivada por uma
expropriação por utilizdade publica – a solução era a mesma no caso de
arrendamento urbano antes da alteração de 2006. Nestes casos, a caducidade
por causa não imputável determina a obrigação de compensar,
respetivaemnte, o trabalhador e o arrendatário.

Caducidade em sentido estrito – há caducidade se decorreu o prazo para o qual o contrato foi
celebrado. Em sentido improprio, alude-se igualmente à caducidade como forma de extinção
dos contratos em casod e imposisbildiade não imputável a uma das aprtes de efetuar a sua
prestaçãode facto, num contrato sinalagmático, se uma das partes não pode realizar a sua
prestação., a contraparte fica desobrigada da contraprestação (art. 795.v, n.º l ). Esta extinção
reciproca das prestações contratuais designa-se, impropriamente, por caducidade; é este o

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

sentido do art. 343.º, alínea b), do CT, que inclui entre as causas de caducidade do contrato de
trabalho a impossibilidade superveniente de prestar ou de receber o trabalho.
Caducidade em sentido amplo – forma de cessação do contrato que decorre de um facto a que
a lei atribui o efeito extintivo. Até porque, em ambas as situações, a cessação do contrato
advém de um facto jurídico não dependente de uma declaração de vontade; ou seja, o vínculo
contratual não cessa por força de declaração de vontade emitida com essa finalidade.
Não obstante a caducidade do contrato, a subsistência do vínculo contratual pode pressupor o
seu renascimento, ou seja, a renovação do contrato. Esta renovaçãodo contrato, porém, por
motivos lógicos, não pode valer para todas as hipóteses de caducidade; em certos casos em
que a extinção da relação contratual opera ipso iure não se justifica o seu renascimento.
Assim, no caso de morte do trabalhador (art. 346.º, alínea b), do CT) ou de perda da coisa
locada (alínea e) do art. 1051.º) não faz sentido aludir-se à subsistência do vínculo contratual.
Mas ainda que a caducidade opere automaticamente – não havendo, pois, renovação do
contrato – o cumprimento das prestações depois de o negócio jurídico ter caducado
determina a sua subsistência. É isso que prescreve o art. 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 17
8/86, a propósito da agência, e o art. 147.º, n.º 2, alínea e), do CT quanto ao contrato de
trabalho a termo incerto. No caso de contrato de trabalho a termo incerto (arts. 140.º, n.º 3,
do CT) há uma situação similar, em que a caducidade não se encontra na dependêneia da
comunicação que o empregador deve fazer ao trabalhador (art. 345º, n.º l , do CT), pois o
contrato caduca independentemente desta comunicação. Mas a caducidade do contrato de
trabalho a termo incerto é atípica, porque, apesar de verificados os seus pressupostos,
permite a conversão da situação jurídica temporária num contrato de trabalho sem termo; o
contrato de trabalho não caduca se o trabalhador, decorrido o prazo de aviso prévio ou depois
de verificado o termo ou a condição resolutiva, continuar ao serviço (art. 147.º, n.º 2, alínea e),
do CT). Dir-se-á, assim, que a caducidade do contrato é condicional, pois depende de o
trabalhador abandonar D serviço; deste modo, aos pressupostos comuns, a caducidade do
contrato de trabalho a termo incerto está dependente da condição de a atividade não
continuar a ser desenvolvida.
Nos casos mencionados (contrato de trabalho a termo incerto e contrato de agência), do
cumprimento das prestações do contrato caducado resulta uma vontade das partes no sentido
da sua manutenção. Estar-se-á, assim, perante uma hipótese de caducidade atípica, que, como
já se indicou, além dos pressupostos comuns da caducidade, se impõe que as partes não
tenham continuado a executar as prestações da relação jurídica que deveria caducar.

Revogação

A revogação consiste na extinção do negócio jurídico por virtude de uma manifestação da


autonomia privada em sentido oposto àquela que o constituiu. Se estiver em causa um contrato,
a revogação é necessariamente bilateral (art. 406.º, n.º1), assentando no mututo consenso dos
contraentes em relação À extinção do contrato que tinham celebrado. Se estiver em causa um
negócio jurídico unilateral, a revogação é igualmente unilateral, baseando-se unicamente numa
segunda declaração negocial do seu autor, contrária à primeira (por exemplo, art. 461.º,
revogação de promessa pública ou do testamento – 2311º e ss-).
Por via de regra, a revogação de um contrato naõ tem eficácia retroativa, pelo que a
extinção do vinulo obrigacional só produz efeitos ex nunc, mas a autonomia privada permite
que as partes acordem quanto ao efeito retroativo da revogação.
Como a revogação, salvo acordo em contratio, não abrange as prestações já efetuadas
assemelha-se à resolução nos contratos de execução continuada, mas distingue-se proque
pressupõe um acordo de dissolução, não sendo tomada pro decisão unilateral.

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Na revogação unilaterial, concede-se a uma das partes a possibilidade de, a todo o tempo,
revogar o contrato, mediante comunicação a enviar à contraparte ou atraves de declaração a
endereçar com uma antecedência minima (no arrendamento a antecedência é de cento e
vinte dias – art.1098º/1). Nestes casos, poderá questionar-se sse a designada revogação não
correponderá, antes, a uma denuncia. Ainda como situações atípicas é de referir a revogação
do acordo revogatório, emq eu uma das partes (o trabalhador) poe termo à revogação,
repristinando o contrato que havia cessado (art.350º CT), que corresponde a uma diferente
situação juridica.

O negocio juridico de revogação não está sujeita à forma do contrato a que se


pretende por termo, sendo inclunsive válida a revogação implicita – revogação tacita 1171º
Em determinadas circunstancias, essencialmente para proteção de uma das partes no
contrato, exige-se que a revogação seja feita por escrito (ex: 1082º/2) e até com
reconhecimento presencial por notário das assinaturas (art.350º/4 CT).

Denuncia

A denúncia do contrato, à semelhança da resolução, resulta igualmente de um negócio


unilateral, bastando-se, por isso, com a decisão de apenas das partes.
Ao contrário da resolução não se baseia em fundamento algum, sendo por isso, de exercício
livre. Há exceções, como seja, no contrato de arrendamento e no contrato de trabalho, em que
a denuncia está condicionada, só sendo possível ser invocada, respetivamente pelo senhorio e
pelo empregador, nos casos previstos na lei. Todavia, existem casos de liberdalide de deunica,
invocáveis por qualquer das partes; concretamente, admite-se a denuncia imotivada no
contrato de arrendamento de duração limitada. O campo de aplicação é limitado aos contratos
de execução continuada ou duradoura, em que as partes não estipulam um prazo fixo de
vigência. Como a vigência do contrato ilimitada no tempo seria contrária à liberdade económica
das partes, admite-se neste campo a denúncia a todo o tempo.
Apesar de a denuncia ser livre, para se exercer dever-se-á respeitar um prazo de
antecedência, ou seja tem de ser feita dando um lapso para a cessação produzir efeitos ou
previamente em relação à data do termo do período de vigência do contrato, em que a
renovação se verificaria (art.1055º/1). A antecendeica serve para que a parte destinatária dessa
declaração se possa precaver para o facto de o vinulo contratual se extinguir em breve.
O prazo de antecedência pode ser estabelecido pelas partes ou fixado supletivamente, por
via de regra com prazos mínimos. Ex: para o arrendamneot o art.1055º/1 faz referencia a vários
prazos, relacionados com o período de duração do vinculo.
Existem três modalidades:
• A denuncia como forma de cessação de relações contratuais duradoras,
estabelecidas por tempo indeterminado. Como, salvas raras exceções, não se
admite que as partes fiquem vinculadas por um longo período contra a sua vontade,
se de um contrato que se protela no tempo não cosnta o seu limite temporal,
qualquer das parte spode fazê-lo cessar, denunciando-o.
• A denucia como uma declaração negocial por via da qual se obsta à renovação
automática do contrato. Tendo o vinculo um prazo de duração limitado, renovável
automaticamrente, qualquer das partes pode inviabilizar a renvocaçõa por um novo
período, recorrendo à denuncia. Daqui fala-se em oposição à renovação/oposição à
prorrogação do vinculo. Neste caso, é pressuposto que o contrato, com um termo
final estabelecido, se renove automaticamente, em regra por igual período, tendo
em conta clausula contratual ou preciero legal que assim disponha.

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

• A denuncia como o meio de desvinculação, porque uma das partes, apesar de se


encontrar vinculada, desiste da execução do contrato. Trata-se de situações
excecionais em que se confere a uma das partes a possibilidade de desistir de
cumprir o acordo firmado atendendo a uma previsão legal especiica – conceito vago
de “desistência”
A denúncia caracteriza-se ainda por ser não retroativa, limitando-se a extinguir o contrato
para o futuro sem permitir a restituição das prestações entretanto realizadas com base nele.
A denúncia não se encontra regulada genericamente na lei, mas constitui um seu exemplo
a livre exoneração do sócio, quando a sociedade não é estipulada por tempo determinado (art.
1003.º), bem como a livre revogação do mandato (art. 1170.º, n.º1) e a denúncia do mandato
de crédito (art. 629.º, n.º2).

Em sentido técnico a denuncia corresponde ao meio de livre desvinculação em relações


contratuais constituídas por tempo indeterminado. Para evitar que as partes fiquem
vinculadas ao cumprimento de um contrato por um período indefinido.

Por via de regra, a denuncia não carece de qualquer forma. A denuncia é uma declaração
negocial recipienda sem forma especial estabelecida pela lei – 219º.
Todavia, em determinadas circusntancias exige-se forma escrita. É isso que se verifica no art.
26.º, n.º 1, do Decreto-Lei 294/2009 (arrendamento prédiosnísticos) em que, tanto o locador
como o locatário, para denunciarem o contrato de arrendamento rural, têm de o fazer por
escrito, no art. 344.º, n.º l, do CT, quando a denúncia do contrato de trabalho a termo é
exercida pelo empregador, e no art. 28º/1 do DL n.º 178/86, para a denúncia no contrato de
agência. Já no que respeita ao arrendamento urbano, a lei exige que a denúncia do senhorio,
nos casos previstos no art.1101º seja feita valer em ação judicial (art. 1103.°, n.º 1), contudo,
tratando-se de arrendamento urbano de duração limitada a denúncia deverá ser feiita
mediante comunicação dirigida ao inquilino com antecedência não inferior a um ano
(art.1097.º).

A cessação do contrato em razão da denúncia, em princípio, não implica qualquer


compensação para o destmatário da declaração. Se uma das partes pretende denunciar o
contrato, impedindo que se protele indefinidamente ou obstando a que se renove por um
novo período, não tem de indemnizar a contraparte. A denúncia é um direito que assiste a
qualquer das partes cujo exercício, mesmo que cause prejuízos à outra parte, não é fonte de
responsabilidade civil. Todavia além de previsões legais em contrário – p. ex., no mandato de
crédito (art. 629º/ 2), no arrendamento (art. 1102.º, n.º l), na agência por via da indemnização
de clientela ( art. 33.º do Decreto-Lei n.º 178/86) e no contrato de trabalho a indemnização
conferida ao trabalhador por cessação do contrato a termo (art. 344.º, n.º 2, do CT)-, podem
as partes acordar num montante indemnizatório em caso de denúncia.

Resolução

A resolução do contrato vem prevista nos arts. 432.º e ss. e consiste na extinção da relação
contratual por declaração de um dos contraentes, baseada num fundamento ocorrido
posteriormente à celebração do contrato.
A resolução processa-se sempre através de um negócio jurídico unilateral. A extinção do
contrato ocorre por decisão unilateral de uma das partes, não sujeita ao acordo da outra.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

A resolução caracteriza-se ainda por ser normalmente de exercício vinculado, no sentido de


que só pode ocorrer se se verificar um fundamento legal ou convencional que autorize o seu
exercício (art. 423.º, n.º1).
O resolução legal:
• Incumprimento
A resolução por incumprimento. Prevista no art. 801.º, tem concretizações
específicas em alguns contratos, nomeadamente no domínio laboral nos arts. 351º
e 394.º do CT. A resolução legal por incumprimento só pode efetivar-se nas
hipóteses tipificadas na lei, mas trata-se de uma tipicidade aberta na qual se inclui
uma multiplicidade de situações; em princípio, a violação de qualquer das
obrigações emergentes de um contrato viabiliza que o lesado recorra à resolução
do vínculo.
Todavia, em determinadas circunstâncias e por motivos de proteção de uma das
partes – concretamente do arrendatário rural-, o legislador tipifica as situações em
a contraparte pode recorrer à resolução do contrato. Nestes termos, em caso de
arrendamento rural só é possível recorrer à resolução nas situações de
incumprimento que o legislador tipifica, no art. 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
294/2009 (arrendamento prédios rústicos). Em suma, no arrendamento rural, por
motivos de proteção do locatário, estabeleceu-se um numerus clausus quanto às
situações de incumprimento que podem dar azo à resolução do contrato. A situação
era idêntica no arrendamento urbano, mas depois da reforma de 2006 estabeleceu-
se uma cláusula geral no art.1083.º. Mas no plano laboral, atenta a exemplificação
constante do n.º 2 do art. 351º do CT, não obstante se ter em conta a protecção do
trabalhador, a tipificação das hipóteses de justa causa é aberta, não se tendo
estabelecido um numerus clausus relativamente às situações de incumprimento
que viabilizam o recurso ao despedimento.
• Falta de equilíbrio
Em situações tipificadas, admite-se que, quebrado o equilíbrio contratual, a parte
lesada possa resolver o contrato. A situação encontra-se prevista no regime da
alteraçào das circunstâncias (art. 437.º), para onde se remete.
• Arrependimento
A resolução do contrato pode ter por fundamento a necessidade de uma das partes
ponderar a vinculação ajustada; a possibilidade de uma das partes resolver o
contrato num período breve após a sua celebração, porque se arrepende, é
conferida -para proteção de quem se considera mais fraco numa relação contratual,
nomeadamente consumidor. As hipóteses de resolução sem fundamento num curto
período, após celebração do contrato (entre sete e catorze dias) encontram
previsão, como se referiu, no âmbito da alienação do direito real de habitação
periódica, da venda financiada ou da venda celebrada fora do estabelecimento
comercial.

A resolução convencional:
A resolução convencional baseia-se num acordo, normalmente ajustado aquando da celebração
do negócio jurídico, nos termos do qual uma das partes pode pôr termo ao contrato por
qualquer motivo que as partes tenham aceitado. Atenta a liberdade contratual, é livre a inclusão
de uma cláusula de resolução, que é, contudo, limitada no âmbito de alguns contratos, corno o
contrato de trabalho.

Causas subjetivas vs. Objetivas


A resolução tem, normalmente um fundamento subjectivo (p.ex. incumprimen,o culposo da
contraparte), mas, em casos previstos na lei, pode basear-se em causas objectivas, alheias ao

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

comportamento de qualquer das partes (v. g., resoluçàococn base em alteração das
circunstâncias).
Não se pode, porém, entender que a extinção do vínculo contratual, prevista no art. 795. V, para
os casos em que não há culpa, seja idêntica à resolução, estabelecíd..-a no art. 801 .º. De facto,
neste último caso, para além do direito à indemnização, o credor que já tivesse realizado a sua
prestação tem direito a que a mesma lhe seja restituída por inteiro;
De modo diverso, não havendo culpa do devedor, o credor que tiver realizado a
contraprestação, tem direito a exigir a sua restituição, nos termos prescritos para o
enriquecimento sem causa (art. 795.º, n.º I).
Por outro lado, o argumento no sentido de que, com base no art. 793.v, n.º 2, a culpa não é
pressuposto da resolução, porque basta o inadimplemento, não colhe: pois o termo «resolução»
é usado, neste preceito, com significado idêntico ao de extinção do vínculo contratual, previsto
no art. 795.”, pelo que não se aplica a regra de repor a contraprestação por inteiro, própria da
resolução baseada na culpa.

Efeitos
A resolução, em qualquer das suas modalidades, tanto pode conduzir à extinção de contratos
de execução instantânea (ex:compra e venda), como de execução continuada ( v.g., locação,
contrato de trabalho). No contrato de execução instantânea, a resolução tem efeitos
retroativos, salvo se contrariar a vontade das partes. Ou a finalidade da própria resolução (art.
434.º, n.º 1), pelo que, por via de regra, como prescreve o art. 434º , quanto aos efeitos, a
resolução equipara-se à invalidade, não prejudicando os direitos entretanto adquiridos por
terceiros (art. 435.º). Tendo em conta o efeito retroativo, diferentemente da invalidade, a
resolução só pode ser invocada pela parte que estiver em condições de restituir o que houver
recebido (art. 432.º, n.º 2). Nos contratos de execução continuada, por via de regra, a resolução
não abrange as prestações efetuadas (art. 434.º, n.º 2), só produzindo efeitos para o futuro.
Como, quanto aos efeitos, a resolução é equiparada à nulidade ou à anulabilidade dos
negócios jurídicos (art. 433.º), ela tem efeito retroativo (arts. 289.º, n.º l, e 434.º n.º l ). As partes
devem ficar na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato; pretende-se,
pois, estabelecer o status quo ante.
A resolução não rem, todavia, eficácia retroativa no que diz respeito aos direitos de
terceiros (art. 435º, n.º I) e, quanto aos contratos de execução continuada, não abrange as
prestações já efetuadas (art. 434.º, n.º 2). Nas situações em apreço, esta última hipótese poder-
se-á verificar no caso de empreitadas de manutenção.
A resolução do contrato pressupõe a constituição de uma nova relação jurídica, derivada
da anterior, com obrigações de devolução recíprocas. Discute-se, porém, se os deveres de
restituição são sinalagmáticos e se funcionam de forma idêntica, mas de sinal contrário, aos da
relação precedente.
De facto, a resolução não dá origem a um novo contrato, pelo qual se pretende dissolver
o anterior; ela cria uma relação legal que obriga as partes a devolverem o que receberam. Mas
estas restituições não são totalmente independentes entre si, na medida em que advêm de uma
fonte comum. Daí ser possível opor a exceção de não cumprimento ao dever de restituir.
Imagine-se que, após ter sido efetivada a resolução, o vendedor é declarado falido. Como o
comprador passa a concorrer com os demais credores com o valor do seu direito à devolução
do preço e demais despesas e indemmzações, admite-se que ele possa opor-se à restituição do
bem, caso não seja ressarcido na totalidade dos seus prejuízos.
Tendo sido resolvido o contrato, a parte que recebeu uma prestação pecuniaria (p. ex.,
preço) é obrigada a devolvê-la, acrescida dos respetivos juros. Apesar de a lei estabelecer
somente o dever de restituir o que houver sido prestado (art. 289.º, n.º1), nessa quantia dever-
se-ão incluir os juros para assim se restabelecer o status quo ante.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Além do preço e dos juros, a parte inadimplente está adstrita a pagar à contraparte as
despesas contratuais, tais como transportes, seguros, etc. Estas despesas também não se pode
dizer que estejam diretamente previstas na frase «( ... ) devendo ser restituído tudo o que tiver
sido prestado( ... )» (art. 289.º, n.º l), mas só se restabelece o status quo ante, na medida em
que a parte lesada seja ressarcida destes prejuízos. Tal ressarcimento entra no campo da
indemnização pelo interesse contratual negativo.
A parte que recebeu uma coisa constitui-se no dever de a entregar, assim como todos
os direitos que dela tenha recebido. O problema está em saber se devem ser devolvidos todos
os direitos, ou só aqueles que tenham sido auferidos após a declaração pela qual se resolveu o
contrato. O art. 1270.”. n.º 1, ao estatuir que o possuidor de boa fé faz seus os frutos percebidos
aponta no segundo sentido.
Um outro problema que importa discutir é o do lugar do cumprimento das obrigações
de restituição. A estes deveres dever-se-ão aplicar, analogicamente, as regras vigentes para os
correspondentes contratos que foram alvo de resolução. Assim, por exemplo, o comprador tem
de restituir a coisa no lugar onde esta se encontrava ao tempo em que for efetivada a resolução
(art. 773.º, n. º I), devendo o preço ser devolvido no mesmo local (art. 885.º, n.º I), na medida
em que estas obrigações se encontram inter-relacionadas.
O risco, nos termos do art. 432.º,n.º2,corre por conta daquele que resolve o contrato
até à data em que a declaração é recebida pelo faltoso. Mas, a partir desse momento, o risco
passa a ser suportado por este último. De facto, o artigo mencionado constitui uma exceção ao
princípio res suo domino peru, mas esta restrição à regra geral, como se deduz do n.º 2 do art.
432.º, só é válida até ao momento em que se efetiva a resolução. A partir desse instante, a
nprma segundo a qual o risco é suportado pelo proprietário (art. 796.º, n.º 1) retoma plena
eficácia. Ora, com a resolução, a propriedade do bem reverte para a parte que o vem a receber.
Nestes termos, o devedor após ter resolvido o contrato, fica na situação de depositário,
com a obrigação de conservar e de entregar a coisa.
Por via de regra, a resolução dos contratos é total, mas, tendo sido entregue uma
pluralidade de bens, pode justificar-se que o lesado peça a resolução parcial do negócio.
O problema da admissibilidade da resolução parcial prende-se com as classificações de
coisas principais e acessórias, por um lado, e de universalidades de facto e conjuntos de coisas,
por outro.

Relativamente à forma de exercício da resolução do contrato, a nossa lei adotou o sistema


da resolução por declaração (art. 436.º, n.º1), embora com uma exceção relativa ao
incumprimento das obrigações por parte do locatário, que tem que ser declarada pelo tribunal
(art. 1047.º). Uma vez que, no entanto, a resolução tem por base um fundamento que a permita,
é sempre possível à parte que a pretende contestar, recorrer ao Tribunal para esse efeito. Neste
caso, no entanto, o tribunal será chamado, não a decretar a resolução, mas a verificar se
estavam preenchidas as condições necessárias para o seu exercício.
Uma vez verificado o fundamento resolutivo, a parte pode decidir livremente se exerce ou
não a resolução. Se essa parte não optar pelo exercício do direito de resolução ou pela renúncia
ao mesmo, a outra parte pode fixar ao titular do direito de resolução um prazo razoável para
que o exerça, sob pena de caducidade (art. 436.º, n.º2).

Prazo
O pedido de resolução do contrato não tem, em regra, de ser exercido num prazo curto, ou
seja, o princípio geral aponta no sentido de a resolução, como consequência”’ por exemplo do
incumprimento contratual, poder ser feita valer no prazo normal de prescrição; porém, a lei
estabelece um prazo de caducidade para o exercício do direito arrendamento, assim como no
contrato de trabalho. No urbano arrendamento urbano estabelece-se um prazo de um ano,
subsequente ao conhecimento do facto, para ser pedida a resolução do contrato pelo senhorio

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

(art.1085.º n. º I). Decorrido esse prazo de caducidade de um ano, não obstante a violação do
contrato, já não pode ser pedida a sua resolução; porém, se o facto gerador de resolução for
continuado ou duradouro, o prazo de caducidade só se conta a partir da data em que ele tiver
cessado ( art. I 085. º, n. º 2). A nível laboral, a resolução do contrato, sendo invocada pelo
empregador, tem de ser precedida de um procedimento disciplinar, sujeito aos prazos do art.
329.º do CT, e, no caso de ser pedida pelo trabalhador, está sujeita ao prazo do art. 395.º, n.º I,
do CT.

Particularidades na cessação de relações duradouras

Do princípio geral pacta sunt servanda ( art. 406.º, n.º 1) resulta que as partes não se Podem
desvincular dos contratos celebrados. O contrato deve ser pontualmente cumprido, pelo que
qualquer das partes, sem motivo, não se pode furtar à realização das suas prestações.
Como motivo para que uma das partes deixe de estar vinculada a cumprir as prestações a
que se obrigou é de invocar, em especial, o incumprimento da contraparte, que permite o
recurso à exceção de não cumprimento (art. 428.º) ou, inclusive, sendo o incumprimento
definitivo e grave, à resolução do contrato (art. 80l .º).
Mas nos contratos de execução duradoura é necessário atender a um princípio de não
vinculação indefinida de modo compulsório, com exceção no âmbito do arrendamento e do
contrato de trabalho.
Nas relações duradouras, que se protelam por tempo determinado ou indetenninado,
importa atender a certas particularidades, algumas já salientadas:
• Nos termos do art. 434.º, n.º2, a resolução não afeta as prestações realizadas, pelo
que o efeito extintivo só se produz para o futuro;
• A denúncia é exclusiva dos contratos com prestações duradouras·
• a liberdade das partes não se coaduna com a perpetuidade dos vínculos contratuais;
• A apreciação do motivo que Justifica a resolução (p. ex., o incumprimento da
contraparte) tem de ser sopesada no contexto global e não perante a situação
concreta
Quanto à não perpetuidade dos vínculos pode-se dizer que as partes não podem ser obrigadas
a permanecer indefinidamente adstritas às prestações a que se vincularam em determinado
momento. Mesmo na falta de uma alteração das circunstâncias que justificasse a resolução do
contrato, verificados os respetivos pressupostos (art. 437.º), contraria a liberdade uma
vinculação indefinida.
Em suma, independentemente de uma superveniente alteração das circunstâncias que
justificaria a modificação ou a resolução do contrato, não se admite que uma parte fique
vinculada indefinidamente a cumprir determinada prestação contratual, pelo que, nos contratos
de execução continuada se alude, frequentemente, à designada denuncia ad nutum ou
imotivada. Deste modo, nada obsta a que as partes se vinculem indefinidamente a cumprir as
prestações emergentes de um negócio jurídico, desde que qualquer delas possa livremente
denunciá-lo.
Contudo, o regime de livre denúncia nos contratos de execução duradoura está sujeito
a limites que decorrem tanto da natureza do vinculo assumido como da proteção que se
pretende conferir a uma das partes. Assim, não é admissível que o obrigado contratualmente
ao pagamento de uma renda vitalícia (na. 567.º, n.º 1) possa denunciar o contrato para se furtar
ao pagamento, pois isso opor-se-ia à natureza do vínculo. Por outro lado, no domínio do
arrendamento e do contrato de trabalho, atendendo à especial proteção conferida ao
arrendatário e ao trabalhador, não se admite, respetivamente, que o senhorio e o empregador
possam livremente denunciar o contrato. Porém, mesmo neste âmbito, como já se esclareceu,
excecionalmente, permite-se que o senhorio e o empregador possam recorrer à denúncia
discricionária nomeadamente no caso de arrendamento de duração limitada ( art. 1098 .º), no

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

período experimental do contrato de trabalho ( art. 111. º do CT) ou no contrato de trabalho em


regime de comissão de serviço ( art. 161 .º do CT).
No outro plano, nas relações duradouras, em razão da sua continuidade, impo .!
Atender a especificidades quanto à resolução.
Em princípio, só uma violação grave ou reiterada permite que a parte lesada possa
invocar a resolução do contrato. Nestes casos, é especialmente importante aferir se houve ou
não uma quebra na relação de confiança estabelecida entre as partes. Veja-se, p. ex., n.º 2 do
art. 351.º do CT, onde se exige um comportamento culposo que pela sua gravidade e
consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Existe o direito de resolver sempre quea violação, pela sua gravidade ou reiteração, quebre essa
relação de confiança.

Impossibilidade de cumprimento
Constitui igualmente uma causa de extinção das obrigações a impossibilidade da prestação,
que nos surge nos arts. 790.º e ss. No entanto, para que a impossibilidade da prestação possa
acarretar a extinção da obrigação ela tem que ser superveniente, objetiva (salvo nas obrigações
de prestação infungível), absoluta e definitiva.
Efetivamente, em primeiro lugar, a impossibilidade da prestação só extingue o vínculo
obrigacional se for superveniente, ou seja, ocorrer após a constituição da dívida, uma vez que,
se a impossibilidade for originária, o negócio considera-se nulo por impossibilidade do objeto
(arts. 401.º, n.º1 e 280.º, n.º1), pelo que a obrigação não chega sequer a constituir-se.
Pode, no entanto, o negócio ser válido se a obrigação é assumida para o caso de a prestação
se tornar possível, ou se, estando o negócio dependente de condição suspensiva ou de termo
inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou ao vencimento do termo
(art. 401.º, n.º2). A impossibilidade não deixa de ser superveniente e, por isso, não afeta a
validade do negócio, quando, sendo o negócio celebrado sob condição ou a termo, a prestação
é possível na data da conclusão do negócio, mas torna-se impossível à data da verificação da
condição ou do vencimento do termo (art. 790.º, n.º2).
Para produzir a extinção da obrigação, a impossibilidade tem igualmente que ser objetiva,
ou seja, dizer respeito à prestação em si, independentemente da pessoa que a realizar. Por
exemplo, se alguém se obriga a rebocar um barco e este entretanto naufraga, a prestação
impossibilita-se, uma vez que nem o devedor nem qualquer pessoa está em condições de
realizar a prestação. Se a impossibilidade for subjetiva, ou seja, disser respeito ao devedor, por
apenas este estar impossibilitado de prestar, em princípio não ocorre a extinção da obrigação,
já que, existindo uma legitimidade genérica para o cumprimento (art. 767.º, n.º1), o devedor
tem o dever de se fazer substituir por outrem nesse cumprimento. Assim, por exemplo, um
advogado que adoeça no dia do julgamento, deve providenciar a sua substituição por um colega,
podendo responder por incumprimento se o não fizer. Pode acontecer que o devedor não possa
fazer-se substituir por terceiro no cumprimento, ou porque a prestação é infungível (art. 767.º,
n.º2) ou porque o facto que impossibilitou o devedor de realizar a prestação o impossibilitou
igualmente de providencial pela sua substituição. Nestes casos extingue-se a obrigação (art.
791.º).
A impossibilidade a prestação tem igualmente que ser absoluta, no sentido de que a
prestação se torne efetivamente irrealizável, não bastando uma impossibilidade relativa,
correspondente à maior dificuldade de realização da prestação. A impossibilidade relativa não
importa a extinção da obrigação, embora possa desencadear a aplicação do instituto da
alteração das circunstâncias, verificados os respetivos pressupostos.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Finalmente, para provocar a extinção da obrigação a impossibilidade tem que ser definitiva.
A impossibilidade temporária é, porém, convertida em definitiva, logo que credor perca o
interesse na realização da prestação (art. 792.º, n.º2).
Se a impossibilidade revestir estas características, determina a extinção da obrigação (art.
790.º, n.º1), ficando em consequência o devedor exonerado e suportando o credor o risco,
através da perda do seu direito de crédito, pelo que deixa de poder exigir do devedor a
prestação. Pode, porém, suceder, no âmbito das obrigações divisíveis, que a impossibilidade
diga respeito, não à totalidade da prestação, mas apenas a uma parte dela. Neste caso, a lei
determina que o devedor se exonera mediante a prestação do que for possível, devendo, neste
caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a outra parte estiver vinculada
(art. 793.º, n.º1). No entanto, s eo credor não tiver justificadamente interesse na prestação pode
resolver o negócio – 793º/2.
A lei admite, porém, que se o devedor adquirir, em consequência do facto que tornou
impossível a prestação, um direito sobre certa coisa ou contra terceiro em substituição do
objecto da prestação, oc redor possa exigir a prestação dessa coisa, ou substituir-se ao devedor
na titularidade do direito que este tiver adquirido contra o terceiro (art. 794.º, n.º1). É o
denominado commodum de representação, que se destina a corrigir o enriquecimento do
devedor que obtém, através do facto que torna impossível a prestação, simultaneamente a
extinção da sua obrigação e outro benefício, determinando-se a atribuição desse benefício ao
credor.

1. Situações equiparáveis à impossibilidade da prestação: a frustração do fim da prestação


e a realização do interesse do credor por outra via

Qual o regime aplicável às situações em que ainda é possível realizar a conduta a que o
devedor se vinculou, mas já não é possível através desta a satisfação do interesse do credor,
uma vez ou a prestação se tornou inidónea para esse fim, ou o interesse do credor já se encontra
satisfeito por outra via (por exemplo, estou doente, telefono ao médico, ele diz que para passar
no seu consultório amanhã, entretanto fico bom). A conduta a que o devedor se comprometeu
ainda é possível, mas, uma vez que dela não pode resultar qualquer utilidade para o credor, não
faria qualquer sentido que o devedor a realizasse.
Vaz Serra – integração dos casos de frustração do fim no âmbito da alteração das
circunstâncias.
Antunes Varela – embora sustente que o conceito de prestação não pode abranger o
interesse do credor, defende que a prestação pode ser igualmente aferida em realção a
condicionalismos externos à conduta do devor, cuja falta geraria uma verdadeira situação de
impossibilidade
Menezes leitão - Estes casos não são impossibilidade da prestação, uma vez que a ação
abstrata de prestar se mantém como possível. No entanto, o facto de o credor não vir a retirar
qualquer benefício da acção do devedor torna disfuncional a realização da prestação, que deve
corresponder necessariamente a um interesse do credor (art. 308.º, n.º2). Justifica-se por isso a
equiparação desta situação à impossibilidade para efeitos de exoneração do devedor.

2. O risco nos contratos sinalagmáticos

2.1. A distribuição do risco em caso de verificação da impossibilidade da prestação

O regime da impossibilidade da prestação apresenta especialidades no caso dos contratos


bilaterais ou sinalagmáticos, uma vez que, em relação a eles, o princípio da interdependência
das prestações, que está na base do sinalagma funcional, impede que uma prestação possa ser
realizada sem que a outra o seja, o que implica uma distribuição do risco em termos diferentes

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

do que aqueles que resultariam da simples atribuição ao credor respetivo do risco do


perecimento da prestação que lhe era devida. Por força do sinalagma, a impossibilidade da
prestação vai afetar não apenas o seu credor, mas ambas as partes do contrato, o que implica a
solução prevista no art. 795.º: o credor fica desobrigado da contraprestação, e tem o direito, se
já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos previstos para o enriquecimento sem
causa.
Assim, nos contratos sinalagmáticos a impossibilidade de uma das prestações não é apenas
causa de extinção do direito do credor (art. 790.º), mas antes causa de extinção de todo o
contrato, acarretando a caducidade deste, sendo distribuído o risco por ambas as partes através
da extinção recíproca das suas obrigações. Neste caso, se uma das prestações já estivesse
realizada, poderia ser pedida a restituição por enriquecimento sem causa, com fundamento no
desaparecimento superveniente da causa para a receção da prestação (art. 473.º, n.º2).
A extinção do direito do credor à contraprestação não se verificará, porém, no caso em que
a impossibilidade da prestação determine o surgimento do commodum de representação (art.
794.º) e o credor pretenda exercer esse direito. Nesse caso, e uma vez que se mantém a
vinculação do devedor, ainda que com diferente objeto, não se pode considerar que o credor
fique exonerado da contraprestação. Como, porém, o credor não é obrigado a exercer o seu
direito ao commodum de representação, deve-se considerar que nestes casos o credor tem o
direito de optar entre a exoneração da sua obrigação ou o exercício do commodum de
representação mantendo a sua vinculação.
Pode, porém, suceder que a impossibilidade da prestação seja imputável ao credor. Neste
caso, não deixa de se verificar a exoneração do devedor em relação à sua obrigação, mas já não
pareceria correto que essa exoneração viesse a acarretar também a extinção da correspondente
obrigação do credor, uma vez que lhe é imputável a situação. Daí que a lei disponha que, quando
a prestação se torna impossível por causa imputável ao credor, este não fica desobrigado da
contraprestação, sucedendo apenas que, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração,
pode esse benefício vir a ser descontado na contraprestação (art. 795.º, n.º2).

2.2. O problema da frustração do fim da prestação ou da realização do interesse do credor


por outra via
Também no âmbito do contrato sinalagmático pode ocorrer a impossibilidade de obtenção
do fim visado com a prestação, ou a satisfação do interesse do credor por outra via, como na
hipótese de o credor contratar um pintor para pintar a sua casa, e esta vir a ruir. Nestes casos,
Antunes Varela sustenta que repugnaria ao espírito do art. 795.º a solução de obrigar o credor
a realizar a contraprestação, mas que também seria injusto deixar o devedor sem qualquer
compensação, pelo que propugna a aplicação analógica do regime da gestão de negócios,
reconhecendo ao devedor da prestação de serviços que, sem culpa sua, se tornou impossível, o
direito a se indemnização, quer das despesas que fez, quer do prejuízo que sofreu (art. 468.º).
O professor Menezes Leitão entende que a situação corresponde efetivamente a uma
lacuna da lei, havendo que proceder à integração analógica da regra cuja aplicação ao caso
omisso se apresente como mais adequada. Parece-nos, porém, que será mais correta a
utilização para o efeito do art. 1227.º, atento o carácter singular do instituto da gestão de
negócios.

2.3. O risco nos contratos reais de alienação

Nos contratos reais, é igualmente estabelecida uma distribuição do risco distinta do que a
que resultaria da aplicação do regime da impossibilidade da prestação, ou mesmo do regime
dos contratos sinalagmáticos. Efetivamente, não está aqui em causa apenas a distribuição do
risco pela impossibilidade de prestações, mas igualmente o risco pelo perecimento ou
deterioração da coisa que é o objecto de transmissão. Ora, a regra geral é a de que o risco pelo

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

perecimento ou deterioração da coisa cabe ao que for proprietário dela, no momento em que
tal evento se verifica. Daí que, se já houve transmissão da propriedade sobre a coisa objeto da
obrigação de entrega, o seu perecimento não possa importar a extinção do direito à
contraprestação, conforme resulta do art. 796.º, n.º1. O devedor fica assim exonerado da sua
obrigação, mas o credor, uma vez que suporta o risco, continua onerado com a sua
contraprestação.
Este regime explica-se em virtude de, após a alienação da propriedade, e mesmo que não
ocorra logo a entrega da coisa, a posição do devedor em relação à coisa se alterar, já que ele
passa a funcionar como mero depositário da mesma, não retirando qualquer benefício pela sua
guarda, pelo que não seria correto que suportasse o risco pela sua perda ou deterioração.
Efetivamente, o risco pelo perecimento ou deterioração da coisa é legalmente associado ao
proveito que dela se retira, o qual compete, em princípio, ao proprietário, que após a
transmissão passa a poder exigir do devedor a sua entrega.
A transferência da propriedade acarreta, assim, a transferência do risco pela perda ou
deterioração da coisa. Conforme se salientou, em relação a coisas determinadas a transferência
da propriedade ocorre com a celebração do contrato (art. 408.º, n.º1), pelo que neste caso o
adquirente suporta imediatamente o risco pela perda ou deterioração da coisa. Se, porém, o
contrato respeitar a coisas futuras, indeterminadas, frutos naturais ou partes componentes e
integrantes de uma coisa, a transferência da propriedade dá-se e momento posterior ao da
celebração do contrato (art. 408.º, n.º2), pelo que é também só nesse momento que ocorre a
transferência do risco. No caso de coisas futuras, esse momento consiste na aquisição da coisa
pelo alienante. No caso de coisas indeterminadas, esse momento verifica-se com a
determinação da coisa com conhecimento de ambas as partes, savo nas hipóteses da
sobrigações genéricas em que a transferenica ocorre com a concentração da obrigação (arts.
540.º e 541.º). No caso de frutos naturais ou partes componenetes ou integrantes, a
transferência da propriedade, e consequentemento do risco, ocorre no momento da colheita
ou da separação.
A lei regula ainda no art. 796.º, n.º2 e 3, bem como no art. 797.º, regras especiais de
distribuição do risco, que não deixam de corresponder ao princípio previsto no art. 796.º, n.º1.
Assim, o art. 796.º, n.º2 aplica-se em casos semelhantes a este: alguém vende um quadro,
mas estabelecer que a sua entrega só ocorrerá passado um mês, em virtude de o pretender
exibir numa exposição. Se o quadro vier a ser destruído fortuitamente dentro desse prazo, é o
vendedor que suporta o risco. Efetivamente, o facto de o termo ter sido estabelecido a favor do
alienante significa que este não se pode considerar como mero depositário da coisa, mas antes
que se encontra a utilizá-Já em seu próprio proveito, o que justifica que suporte o risco pela sua
perda ou deterioração. Se, apesar da trsnsíerêncía da propriedade, o alienante ainda se
encontra a tirar proveito da coisa, não faria sentido que a lei fizesse correr por conta do
adquirente o risco pela sua perda ou deteríeração. Assim, o risco só se transfere para o
adquirente, ou com o vencimento do termo- caso em que o alienante deixa de beneficiar do
prazo para a utilização da coisa, passando a funcionar como mero depositário da mesma – ou
com a entrega da coisa, caso em que passa a ser o adquirente a utilizar a coisa. Naturalmente
que, porém, se o alienante se constituir em mora quanto à obrigação de entrega, a mora
acarreta a inversão do risco, nos termos do art.807º.
O art. 796.º, n.º3 estabelece que «quando o contrato estiver dependente de condição
resolutiva, o risco do perecimento durante a pendência da condição corre por conta do
adquirente se a coisa lhe tiver sido entregue; quando for suspensiva a condição, o risco corre
por conta do alienante durante a pendência da condição». A primeira solução é facilmente
explicável, em virtude de a condição resolutiva, apesar da sua eficácia retroativa (art. 276.º),
não impedir a transmissão da propriedade durante a pendência da condição (art. 1307.º, n.º1),
o que, associado à entrega da coisa, faz supor que é o adquirente que se encontra a tirar proveito
dela, justificando-se assim que seja a suportar o risco. Já quanto à condição suspensiva, a sua

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

aposição ao contrato significa que a propriedade não se transmitiu, sendo apenas eventual a
possibilidade da sua transmissão, pelo que não se justifica que seja o adquirente a suportar o
risco pela perda ou deterioração da coisa, mesmo que esta lhe seja entregue, já que sem a
transmissão da propriedade, a situação corresponde à de mera detenção.
A lei prevê ainda o caso especial da promessa de envio no art. 797.º. Nos termos desta
disposição, «quando se trate de coisa que, por força da convenção, o alienante deva enviar para
local diferente do lugar do cumprimento, a transferência do risco opera-se com a entrega ao
transportador ou expedidor da coisa ou à pessoa indicada para a execução do envio». Esta
norma é manifestamente apenas aplicável às obrigações genéricas (art. 541.º), já que em
relação às obrigações que têm por objecto coisa determinada, a transferência do risco ocorre
com a celebração do contrato e, portanto, muito antes do envio. A norma dispõe que quando o
devedor se obriga a enviar a coisa para local diferente do local do cumprimento (dívida de
envio), a transferência do risco ocorre antes da entrega ao credor no destino, operando-se logo
que se efetua a sua entrega ao transportador.

Modalidades de não cumprimento culposo


O não cumprimento é a não realização da prestação devida por causa imputável ao devedor,
sem que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação. Abrange não apenas as situações
em que o devedor falte culposamente ao cumprimento da obrigação (798º ss.), mas também as
situações em que ele impossibilita culposamente a prestação (801º ss.).

O não cumprimento temporário


1. A mora do devedor
1.1. Pressupostos da constituição do devedor em mora

A mora do devedor consiste na situação em que a prestação, embora ainda possível, não
foi realizada no tempo devido, por facto imputável ao devedor (804º/1). É necessário que a
prestação ainda seja possível, se não estamos perante um impossibilidade definitiva de
cumprimento (790º ou 801º) ou de incumprimento definitivo (798º).
Para poder ocorrer uma situação de mora, é necessário que ainda seja possível realizar a
prestação em data futura. Por isso, em certo tipo de obrigações não se admite a ocorrência de
mora, levando a violação do vínculo obrigacional ao incumprimento definitivo, pois a não
realização da prestação no momento aprazado torna-a inútil para o credor (808º). Ex:
obrigações de conteúdo negativo, que são definitivamente violadas com a realização de
qualquer ação proibida
A regra é a de que a as obrigações são puras, ou seja, que não têm um prazo certo
estipulado, cabendo a qualquer das partes determinar o momento do cumprimento (777º/1),
só ficando o devedor em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado
(comunicação pelo credor ao devedor da sua decisão de lhe exigir o cumprimento da obrigação
a qual pode ser tácita ou expressa – 217º) para cumprir (805º).
A partir da receção o devedor entra em mora. É denominada mora ex persona, na medida
em que depende de um ato juridico de natureza não negocial (interretlação) a praticar pelo
credor.
Há casos em que a mora do devedor depende apenas de factos objetivos, tornando-se
irrelebamte a existenica ou não de interpelação pelo credor. Denomina-se neste caso a situação
de mora ex re:
a) A obrigação ter prazo certo (805º/2 - a) – A interpelação torna-se desnecessário, uma vez
que, o decutso do prazo acarreta, só por si, o vencimento das obrigações. Salvo no caso de

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renumeração de transações comerciais, a lei não estabelece normalmente um prazo certo para
o cumprimento das obrigações, pelo que cabe as partes estipular nesse prazo, sob pena de a
obrigação se ter que considerar pura. Mesmo se estivermos estipulado prazo certo, se
estivermos perante as obrigações de colocação, o simples decurso do tempo não basta para
constituir o devedor em mora, na medida que o cumprimento pressupõe uma atividade do
credor, que tem que se deslocar ao lugar em que deveria receber a prestação. Apenas nas
obrigações de entrega ou de envio, a simples omissão da prestação pelo devedor no decurso do
prazo determina a constituição em mora.
b) A obrigação provier de facto ilícito (805º/2 – b) – uma vez que o devedor praticou um facto
ilícito a regra é de que deve imediatamente proceder a reparação das suas cosnequencias,
independentemente de interpelação, contando-se a mora desde a data da prática do facto
ilícito.
c) O devedor impedir a interpolação (805º/2 – c) – para evitar que o devedor beneficie do seu
comportamento incorreto, determina-se que o devedor considera-se interpelado na data em
que normalmente o teria sido.
d) O devedor declarar que não tenciona cumprir a obrigação – é o que acontece quando o
devedor decalra ao credor que não tecina cumprir a obrigação. Esta declaração do devedor
torna a interpelação pelo credor absolutamente inútil, devendo, por isos, considerar que neste
caso aquela declaração do devedor acarreta como efeito a sua constituição imediata em mora.
Essa mora ocorre mesmo que a obrigação tenha prazo certo, já que uma declaração do devedor
desse teor também acarreta logo a perda do beneficio do prazo.
Para que ocorra uma situação de mora é necessário que a obrigação seja líquida, que o seu
quantitativo já se encontre determinado (805º/3), com a exceção:
• A falta de liquidez ser imputável ao devedor, caso em que não deixa de se considerar
verificada a mora para evitar que od evedor beneficie de uma situação que ele próprio
é responsável
• Tratar-se de uma situação de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, caso em
que, apesar da iliquidez, se condiera ocorrer mora a partir da citação para a ação de
responsabilidade, a menos que já ocorra mora com base em situação anterior

1.2. Consequências da mora do devedor

1. Obrigação de indemnizar os danos causados ao credor (804º/1)


Trata-se de um caso de responsabilidade obrigacional que, no entanto, concorre com o
dever de prestar, em virtude de oc redor conservar o direito à prestação originaria. O
credor tem assim direito a uma indeminização pelos danos sofridos com o atraso da
prestação. Esses danos poderão consistir, por exemplo, despesas, lucros cessantes,
prejuízos.
Nos termos gerais, a concessão de uma indeminização moratória depende da
demonstração de que a nãor elaização da prestação no tempo devido causou
efetivamente prejuízos ao credor. Caberá, pr isso, ao credor demonstrar que suportou
danos com a não realização pontual da prestação. No entanto, tratnado-se de
obrigações pecuniárias, a lei resolve fixar legalmente uma tarifa indeminizatoria por
considerar o dano como necessariamente equivalente à perda de renumeração habitual
do capitaldurante esse período, ou seja, o juro. Daí que o art.806 preve-já que no caos
das obrigações pecuniares, a indeminização corresponde aos juros desde a data da
constituição em mora (juros moratórios), não se permitindo ao credor a exigencia de
qualquer outra indeminização e dispnesando-o da prova dos requisitos do dano e do
nexo de causalidade entre o facto e o dano. No entanto, as partes podem ter estipulado
comor enumeração do capital um juro mais elevado ou um juro moratório diferente do
legal, sendo essa nesse caso a taxa aplicavel (art.806º/1).

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

No caso, porém de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, concede-se ao credor
a possibilidade de provar que a mora lhe causou dano superiro a estes juros e exigir a
indeminização correspondente (art.806º/3).

2. Inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa devida – a inversão do risco pela
impossibilidade superveniente da prestação resultante de causa não imputável ao
devedor. A impossibilidade causal da prestação provoca a extinção da obrigação (790º),
pelo que o devedor fica liberado com a sua verificação, cujo risco corre me principio por
conta do credor. Nos contratos reais, o risco pela perda ou deterioração da coisa por
causa não impitavel ao alienante corre por conta do adquirente (796º/1), pelo que o
devedor, em caso de prestações de coisa, fixa exonerado se se verificar a sua perda ou
deterioração, mantendo o credor o dever de efetuar a contraprestação.
No entanto se o devedor estiver em mora quando se verifica a impossibilidade
superveniente da obrigação corre por sua conta o correspondente risco (807º/1).
Assim, no caso de venda de determinado objeto, a lei faz correr o risco por conta do
comprador a partir da data da celrbração do contrato (art.796º/1 e 408º/1), pelo que,
se a coisa perecer ou se deterior casualmente, o vendedor fica exonerado de proceder
à sua emtrrega e o comprador continua a ter que pagar o preço correspondente.
Estando, porém, o vendedor em mora, o risco inverte-se, pelo que ele terá que
indeminziar o credor caso se verifique a perda ou deterioração do objeto que deveria
entregar – 807º/1 – a menos que demonstre que od ano se teria continuado a verficiar,
mesmo que a obrigação tivesse sido cumprida em tempo (art.807º/2). Neste caso, a
responsabilidade resulta da consideração de que a mora do devedor funcionou como
causa indireta dos danos sofriso pelo credor, pelo que, embora se trate de um caso de
responsabilidade objetiva, esta pressupõe uma culpa anterior do devedor na verificação
da mora. Como é comum nos casos de responsabilidade agravada, admite-se, porém, a
possibilidade de exoneração dessa repsosnabilidade com base na relevância negativa
da causa virtual. Daqui resulta, a responsabilidade do devedor pela perda ou
deterioração da coisa prescinde de qualquer juízo de adequação no nexo de causalidade
( 563º) bastando a conexão causal entre a mora e os danos.

1.3. Extinção da mora do devedor

a) Acordo das partes. Efetivamente, as partes podem acordar em diferir para momento
posterior o vencimento da obrigação, com a correspondente extinção da mora. Esse acordo tem
a designação de moratória, podendo ser ou não estabelecido com eficácia retroatica. No
primeiro caso, a mora considera-se retroativamente como não verificada. No segundo caso, a
extinção da mora apenas vigora para o futuro, conservnado o credor o direito à indeminização
moratória devida até esse momento.
b) Purgação da mora – quando o devedor se apresenta tardiamente a oferecer ao credor a
prestação devida e a correspondente indemnização moratória, extinguindo assim para o futuro
a situação de mora do devedor, mesmo que se verifique a sua não aceitação pelo credor. Essa
recusa do credor produz uma inversão da mora que deixa ex nunc de ser considerada mora do
devedor para passar a ser qualificada como mora do credor.
c) Transformação da mora em incumprimento definitivo – o que sucede nas hipóteses do artigo
808º/1, quando o credor vem objetivamente a perder o interesse na prestação, ou quando esta
não e realizada num prazo suplementar que razoavelmente seja fixado pelo credor.
No primeiro caso, o atraso verificado na prestação implica que esta deixe de ter interesse para
o credor, hipótese que deve ser apreciada em termos objetivos (808º/2). Ex: o caso de se
contratar um transporte para determinada zona, onde vai ter lugar um evento em que oc redor
necessita de estar presente, e o devedor atrasa-se por forma a que já não é possível chagar ao

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local do destino em tempo útil. Neste caso, é obvio que não é admissível a purgação da mora
pela realização tardia do transporte, podendo o credor legitimamente recusar a prestação e
solicitar uma indeminização por incumprimento definitivo.
Nos egundo caso, o credo mantém o interesse na prestação, não obstante a mora, mas apesar
disso não se considera justificado admitir a possibilidade de eternização da situação. O credor
tem, por isso, a faculdade de determinar a transformação da mora em incumpriemtno
definitivo, através da fixação, em termos razoáveis de um prazo suplementar de cumprimento,
com a advertência de que a obrigação se terá por definitavamente incumprida após o decurso
deste. Caso este aviso não seja respeitado pelo devedor, importará então o incumprimrnto
definitiva da obrigação.

2. A mora do credor
2.1. Pressupostos

Art.813º
a) Recusa ou não realização pelo credor da colaboração necessária para o cumprimento
b) Ausência de motivo justificado para essa recusa ou omissão.

Pode ser desnecessária uma intervenção do credor para a verificação do cumprimento da


obrigação, como acontece nas prestações de facto negativo e em certas prestações de facto
positivo. Assim, nas prestações de coisa, o credor tem sempre que aceitar a prestação, podendo
mesmo ter que ir ou mandar recebê-la, quando esta não é efetuada no seu domicilio. Em certos
casos de prestação de facto positivo, o credor pode ter que fornecer ao devedor os meios
necessários para que o devedor preste o serviço. Noutras situações, pode-lhe ser atribuída a
faculdade de determinar a prestação – 400º. Nestas aituaçoes em que o cumprimento da
obrigação pressupõe a colaboração do credor, a não realização dessa colaboração por parte dele
imporá a constituição do credor em mora – 813º, sempre que não tenha motivo justificador.
A lei já não exige que a mora do credor seja devida a culpa deste. Ao contrário do que sucede
com a mora do devedor (804º), os efeitos do credor são independentes de culpa. Em
consequência, caso se torne impossível ao credor prestar a colaboração necessária para o
cumprimento, não deverá ser aplicado o regime da impossibilidade da prestação (790º ss.), mas
antes o da mora do credor (813 ss.), não ficando assim o credor exonerado do dever de efetuar
a contraprestação. Só haveria impossibilidade, se mesmo com a colaboração do credor, fosse
impossível para o devedor realizar a contraprestação
O devedor ao se obrigar a prestar, não assume o risco de a sua prestação não se realizar por
ausência de colaboração do credor, mesmo que não deriva da de culpa deste. Não se justificaria
por isso exonerar nestas situações o credor do dever de efectuar a contraprestação, como
resultaria da aplicação do regime da impossibilidade.

2.2. Efeitos da mora do credor

a) Obrigação de indemnização por parte do credor (816º) – uma vez que não se pode
considerar que o credor tenha o dever de aceitar a prestação, esta obrigação de
indeminização não tem por fonte um facto ilícito por este praticado. Trata-se de
responsabilidade por ato lícito ou pelo sacrifício, uma vez que ao entrar em mora o
credor provoca o sacrifício de interesses do devedor, sujeitando-o a maiores despesas
de que aquelas que se vinculou a suportar ao assumir a obrigação.
b) Atenuação da responsabilidade do devedor (798º) – A partir do momento em que o
credor entra em mora, a responsabilidade do devedor atenua-se, determinando a lei
que este passa, em relação ao objeto da prestação, apenas a responder pelo seu dolo

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

(só é responsável se intencionalmente destruir ou deteriorar o objeto da prestação) e


em relação aos proventos da coisa apenas respoende pelos que efetivamente tenha
percebido – 814º/1. Para além disso, durante a mora ado credor, a divida deixa de
vencer juros, quer legais, quer convencionados – 814º/2.
A lei estabelece assim um padrão de diligencia quase nulo do devedor, em caso de mora
do credor, estabelencendo que ele não reponde por negligencia, mas apenas pela sua
atuação intencional. Por outro lado, parece não se aplicar a presunção do art.799º,
cabendo antes ao credor em mora demonstrar que o devedor atuou intencionalmente
na destruição ou detrioração do objeto da prestação.
c) Inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa quando este resulte de facto não
imputável ao dolo do devedor (815º) – o risco inverte-se, passando a correr sempre por
conta do credor, mesmo que a lei anteriormente o atribuísse ao devedor.
Para além disso o risco alarga-se e passa a ser considerado risco como risco da
prestação, a correr por conta do credor, as situações em que a impossibilidade
superveniente resulta da negligência do devedor (815º/1). Tratando-se de contrato
bilateral, a perda do crédito pelo credor em mora, em virtude da impossibilidade
superveniente, não o exonera da contraprestação, embora, caso o devedor tenha algum
beneficio com a extinção da sua obrigação, possa o valor desse beneficio ser descontado
na contraprestação (815º/2).

2.3. Extinção da mora do credor

• O credor, ainda que tardiamente, vir a prestar a colaboração necessária para o


cumprimento – o devedor devera realizar imediatmanete a prestação, sem o que
verficiara uma inversão da mora, que deixará ex nunc de ser mora do credor para passar
a representar mora do devedor.
• Prestação de coisas, através da consignação em depósito da coisa devida (841º) – a
obrigação considera-se extinta a partir da data do deposito se este não for impugnado
ou o tribunal julgar improcedente a impugnação.

Não realizando o credor nunca a prestação, fica o devedor eternamente vinculado à


prestação?
Por analogia com o artigo 808º e, especialmente com o 411º, deve-se admitir que o devedor
possa requerer ao tribunal que fixe um prazo para o credor colaborar no cumprimento, sob pena
de a obrigação se considerar extinta.
Ao se limitar a prestação temporalmente a um certo momento, atribui-se ao credor o risco
da sua não utilização naquele momento, pelo que a mora do credor acarreta automaticamente
a extinção do seu direito, mantendo naturalmente o devedor o seu direito à contraprestação
(815º/2), ainda que possa nela vir a ser eventualmente descontado um beneficio obtido com a
exoneração.

O INCUMPRIMENTO DEFINITIVO E O SEUS EFEITOS.


A RESPONSABILIDADE OBRIGACIONAL

1. Incumprimento e responsabilidade obrigacional


1.1. Generalidades

Verifica-se o incumprimento definitivo quando o devedor não a realiza no tempo devido por
facto que lhe é imputável, mas já não lhe é permitida a sua realização posterior, em virtude de

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o credor ter perdido o interesse na prestação ou ter fixado, após mora, um prazo suplementar
de cumprimento que o devedor desrespeitou (808º). Tem com consequência a constituição de
devedor em responsabilidade obrigacional pelos danos causados ao credor (798º). Como resulta
deste artigo a responsabilidade obrigacional tem pressupostos semelhantes aos da
responsabilidade delitual.

1.2. A ilicitude

Consiste na inexecução da obrigação que o artigo 798º define como falta de cumprimento.
Este atua ilicitamente sempre que se verifique qualquer situação de desconformidade entre a
sua conduta e o conteúdo do programa obrigacional
A ilicitude obrigacional pode ser excluída por uma causa de exclusão de ilicitude:
• exceção de não cumprimento do contracto (428º e ss.)
• direito de retenção (754º e ss.)
A lei confere ao devedor uma causa legitima para não cumprir a obrigação, excluindo a
ilicitude que resultaria do não cumprimento.

1.3. A culpa

Para que o devedor se constitua em responsabilidade, a sua falta de cumprimento tem que
ser culposa (art.798º), ainda que a culpa do devedor se presuma – art.799º/1.

Caberá ao devedor demonstrar que não teve culpa na violação do vínculo obrigacional, ou
seja, que não lhe possa ser pessoalmente censurável o facto de não ter adotado o
comportamento devido, o que acontecerá sempre que esse não cumrpiemtno seja devido a
facto do credor, de terceiro, ou a caso fortuito ou de força maior.
Também aqui a culpa pudera revestir as modalidades de dolo ou de negligência.
Haverá dolo se o devedor visar intencionalmente o incumprimento (dolo direto) ou quando
o devedor não visar diretamente o incumpriemtno,mas souber que ele será uma conseuqencia
necessária da sua conduta (dolo necessário) ou ainda quando o devedor atual, conformando-se
com a possibilidade da verificação do incumprimento (dolo eventual). Quanto à negligencia, ela
ocrrerá sempre que o devedor represente a possibilidade de ocorrência do incumpriemtno, mas
atue sem se conformar com a sua verficicação (negligencia consciente), ou nem sequer chegue
a representar essa posisbilidae (negligencia inconsciente).
Tanto o dolo como a negligência são regra geral suscetíveis de gerar a responsabilidade do
devedor. No entanto, em certos casos a lei limita a responsabilidade do devedor ao dolo, como
sucede na mora do credor (814º e 815º), ou nos contratos gratuitos (956º e 957º), do
comodante (1134º) ou do mutuante a título gratuito (1151º).
A lei vem impor a responsabilidade contratual a apreciação da culpa segundo a diligencia do
bom pai de família – 487º/2 em virutde da remissão do art.799º/2.

1.4. O dano
Tem de provocar danos ao credor
Deve-se efetuar primeiro a reconstituição natural (562º), apenas se realizando a
indemnização em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare
integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (566º). Compreender-
se-ão tanto os danos emergentes como os lucros cessantes (564º/1) bem como os danos
futuros, se forem previsíveis, devendo o tribunal remeter a fixação de indeminização para a
decisão ulterior sempre que não sejam determináveis – art.546º/2.
Na responsabilidade obrigacional a indeminização abrane o chamado interesse contratual
positivo ou de cumprimento, ou seja todas as utilidades que se frustaram em virtude da não

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

realização da prestação, devendo a indemnizar colocar o credor na situação em que estaria se a


obrigação tivesse sido voluntariamente cumprida.
Relativamente à limitação da indemnização com base na mera culpa, a maioria da doutrina
tem considerado que esta não deve ser transposta para a responsabilidade contratual, porque
o preceito se encontra colocado em sede delitual, e se afigurar pouco adequado às legitimas
expetativas do credor em relação à satisfação do seu credito admitir a limitação da
responsabilidade do devedor com base no art.494º. (Pessoa Jorge discorda, dizendo que não há
distinção essencial entre as duas responsabilidades)
Para o professor Menezes Leitão, o artigo 494º contraria um dos princípios fundamentais
da responsabilidade civil objetiva, que é o princípio do ressarcimento integral dos danos sofridos
pelo lesado. Por esse motivo essa disposição só deve ser utilizada em situações excecionais,
quando o grau de culpabilidade do agente, a condição económica deste e do lesado e as demais
circunstâncias do caso justifiquem que, em homenagem a valores superior, se deva prescindir
da reparação integral dos danos.
A maioria da doutrina e o professor Menezes Leitão são calramente favoráveis quanto à
ressarcibilidade do dano moral no âmbito da responsabilidade contratual.
Também não há quaisquer obstáculos à admissão dos danos resultantes da perda de
oportunidade na responsabilidade contratual, nos mesmos termos que na responsabilidade
delitual.

1.5. O nexo de causalidade


O art.798º vem exigir um nexo de casalidade entre o facto e o dano na responsabilidade
obrigacional, quando refere que o devedor só responde pelos danos que causa.
As regras são exatamente as mesmas que vigoram no âmbito da responsabilidade delitual
(563º).

1.6. O ónus da prova

O artigo 799º vem referir que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o
cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, o que implica o
estabelecimento de uma presunção de culpa em relação ao devedor de que o incumprimento
lhe é imputável, dispensando-se assim o credor de efetuar a prova correspondente (351º/1).
Relativamente aos outros pressupostos da responsabilidade obrigacional como o facto
ilícito, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, eles não se encontram referidos
na presunção do art. 799º o que levaria, em princípio, à aplicação do regime geral do art. 342º,
nº2 , já que sendo os restantes pressupostos da responsabilidade obrigacional factos
constitutivos do direito à indeminização, teriam que ser provados pelo credor para que o
tribunal julgue a ação procedente.
No entanto, tendo a responsabilidade obrigacional como pressuposto a violação de uma
obrigação, esta não se pode constituir sem a existência prévia de um direito de crédito, cuja
existência tem assim que ser provada pelo credor, nos termos do art. 342, nº1. Ora, o
cumprimento da obrigação aparece como facto extintivo desse direito de crédito, o que nos
termos do na. 342º, nº2, leva a que tenha que ser provado pelo devedor.
Mas, nestes termos, se o credor provar a existência do direito de crédito, parece que ficará
dispensado de provar a inexecução da obrigação, uma vez ;f é o devedor que tem que provar o
seu cumprimento. Se, no entanto, o facto ilícito não for :i mera inexecução da obrigação,
resultante da abstenção do devedor, mas antes uma sua conduta positiva, como o cumprimento
defeíruoso da obrigação, ou a violação de uma obrigação de prestação de facto negativo, já será
o credor a ter que provar esa conduta, uma vez que nesses casos a prova da inexecução da
obrigação não pode ser dispensada através da regra do art. 3422, n2

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Relativamente ao dano, parece claro que ele tem que ser demonstrado pelo credor, sem o
que não poderá obter judicialmente qualquer indemnização.
Já relativamente ao nexo de causalidade, tem havido algum controvérsia na doutrina.
Enquanto a maioria dos aurores propugna que a sua prova deve caber ao credor, à semelhança
do que sucede com o lesado na responsabilidade delitual, alguma doutrina tem vindo a
propugnar antes a sua atribuição do devedor. É o caso de MENEZES CORDEIRO que considerou
que o na. 799º, nº 1, estabeleceria. Na responsabilidade obrigacional uma presunção de faute,
a qual não consistiria numa simples presunção de culpa, mas antes numa presunção simultânea
de ilicitude, culpa e nexo de causalidade entre o facto e os danos, cabendo assim ao devedor a
demonstração que não foi por sua causa que o credor suportou os danos que alega ter sofridos.
O professor MENEZES LEITÃO, no entanto, que o art. 799º, nº 1, consagra não uma presunção
de faute, mas uma presunção de culpa nos termos gerais, pelo que a prova do nexo de
causalidade deverá caber naturalmente ao credor.

1.7. A responsabilidade do devedor pelos atos dos seus auxiliares ou representantes

A responsabilidade do devedor cessa sempre que este demonstrar que o facto é imputável
a terceiro – 799º/1. No entanto, não seria justo que o devedor não fosse responsável as pessoas
que estão por si comandadas, por isso, o artigo 800º/1 estabelece uma situação de
responsabilidade objetiva do devedor que assenta numa equiparação da conduta do auxiliar ou
representante legal à conduta do próprio devedor, por forma a evitar que este se pudesse
exonerar da responsabilidade, imputando àqueles o comportamento que conduziu à violação
da obrigação.
O risco é atribuído ao próprio devedor, em lugar de ficar a cargo do credor.
Os pressupostos de aplicação do na. 800º são bastante diferentes dos pressupostos do art.
500º.
Assim, em primeiro lugar, não se exige uma relação de comissão entre o devedor e o
representante legal ou auxiliar, bastando o próprio vínculo da representação legal ( que pode,
por exemplo,resultar do poder paternal, da tutela...)ou a mera utilização do terceiro para
realização da prestação debitória.
Para além disso, exige-se que a actuaçâo do representante legal ou auxiliar represente uma
violação do vínculo obrigacionaJ541. Rendo a doutrina discutido se nesta sede se abrange
apenas a violação do dever de prestar principal ou também os deveres acessórios que
acompanham o vínculo obrigacion . Parece que, visando esta norma evitar a irrespoasabilízaçâo
legal ou auxiliar, faria sennco aamitir que ela abrangesse todas as situações em que ocorra essa
reponsabilidade do devedor, incluindo a violação dos deveres acessórios de conduta. No
entanto, uma vez que a violação dos deveres acessórios pode corresponder à cutela de situações
jurídicas variadas, enquadráveis na denominada .. terceira via da responsabilidade civil’: e uma
vez que, entre nós, o art. SOOº, ao contrário do que sucede no direiro alemão, permite
igualmente estabelecer uma responsabilidade objetiva por facto de terceiro, parece preferível
considerar estar-se perante uma lacuna a integrar caso a caso, consoante o que pareça mais
adequado à situação em questão.
A nossa lei vem admitir no na. Soo11, n 2, que a responsabilidade do devedor por atos dos
seus representantes legais ou auxiliares possa ser convencionslrente limitada ou excluída
mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda
atos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública. Esta
exclusão, que se estende a qualquer comportamento do auxiliar, mesmo que doloso, é
admissível uma vez que não confere ao devedor a irresponsabilidade por factos próprios seus.
No entanto, a exclusão da responsabilidade por acres dos auxiliares não pode representar a
violação de deveres impostos por normas de ordem pública, como será o caso sempre que a

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

atuação do auxiliar possa implicar a lesão do direito à vida ou à integridade fisica ou psicológica
do credor

2. O não cumprimento nas obrigações de prestações reciprocas

O não cumprimento das obrigações recíprocas está sujeito a um regime especial, admitindo-
se ser licita a recusa de cumprimento, enquanto a outra parte não realizar a sua prestação
(excepção de não cumprimento do contrato) e que o incumprimento definitivo de uma das
prestações permite à outra parte a resolução do contrato (resolução por incumprimento).

2.1. Exceção de não cumprimento do contrato

Nos contratos sinalagmáticos, a lei permite a qualquer dos contraentes recusar a realização
da sua prestação enquanto não ocorrer a prévia realização da prestação da contraparte, ou a
oferta do seu cumprimento simultâneo. Encontra-se prevista no artigo 498º fazendo com que
seja lícita a recusa de cumprimento, o que impede a aplicação do regime de mora e
naturalmente do incumprimento definitivo.
Se as duas obrigações forem puras a exceção de não cumprimento é, assim, sempre
invocável, nem sequer podendo ser afastada mediante a prestação de garantias (art. 428º, nº2}
Tendo havido estipulação de prazos certos diferentes para o cumprimento das prestações,
um dos contraentes obriga-se a cumprir em primeiro lugar, o que implica uma renúncia da sua
parte à excepção de não cumprimento do contrato e a consequente constituição em mora pelo
decurso do prazo (805º/2 – a). nesta hipótese o contraente que esteja obrigado a cumprir em
segundo lugar continua a poder usa da exceção de não cumprimento, não entrando em mora
se não realizar a sua prestação enquanto a contraprestação não for realizadas%_ Também nesta
hipótese, a excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias. A limitação
constante da parte inicial do art. 428í!, n2 1, aplica-se, por isso, apenas ao contraente que esteja
obrigado a cumprir em primeiro lugar continuando a ser admissível para o outro o recurso à
excepção de não cumprimento.
Há, porém, uma situação em que, apesar de existirem prazos diferenres, a lei permite a
utilização da excepção de nâo cumprimento do contrato, mesmo ao contraente que esteja
obrigado a cumprir em primeiro lugar. A situação encontra-se prevista no art. 429º e reíerese à
hipótese de se verjficar, em relação à outra parte, alguma das circunstâncias que art 780º e
referem-se à hipótese de se verificar, em relação à outra parte, alguma das circunstâncias que
importem a perda do benefício do prazo. Essas circunstâncias constam do art 780º. No caso da
não prestação das garantias prometidas ou a diminuição destas, a exceção pode ser afastada
mediante a prestação de garantias de cumprimento.
Uma outra questão é a de averiguar se a excepção de não cumprimento do contrato pode
ser utilizada quando a outra parte cumpre a obrigação, mas o faz defeituosamente. A solução
deverá ser a de que a aceitação da prestação não deve predudir o recurso à exapt», se os
defeitos de que a prestação padece prejudicam a integral satisfação do interesse do credor. Já
não será, no entanto, de admitir o recurso à exaptio se os defeitos da prestação, atendendo ao
interesse do credor tiverem escassa importância (art. 802º, por analogia). O problema que
normalmente se colocará diz, porém, respeito à determinação de quem compete o ónus da
prova da relevância ou não dos defeitos para a adequada satisfação do interesse do credor.
Parece que a aceitação da prestação constituirá presunção da inexistência de defeitos, pelo que
caberá à parte que pretende utilizar a exceptio perante o cum11rimento defeituoso a
demonstração de que os defeitos existentes tornam inadequada a prestação em termos de
justificarem o recurso à exceptio.
Tem-se entendido que, para a excepção de não cumprimento do contrato poder ser
invocada sem que haja contrariedade à boa fé, se exige uma tripla relação entre o não

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

cumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte de quem invoca a excepçâo,
em termos de sucessão, causalidade e proporcionalidade entre uma e outra. A. relação de
sucessão tessul)õe que quem invoca a excepção não tenha sido o primeiro a cair em
incumprimemo, uma vez que a recusa em cumprir deve ser posterior e não anterior ao
incumprimento da outra parte. A relação de causalidade pressupõe que a invocação da exceção
vise exclusivamente compelir a outra parte à realização da sua prestação, sendo essa invocação
ilegítima quando seja determinada por outros fins. Finalmente, a relação de proporcionalidade-
pres que a legitima, não sendo admitido o recurso à exceção sempre que esse incumprimento
for de escassa importância.

2.2. Resolução por incumprimento


A outra consequência do não cumrpiemtnod as obrigações de prestações reciprocas é a
possibilidade de resolução do contrato por incumprimento.
Prevista no artigo 801º/2, relativo a possibilidade culposa da prestação, mas que é
naturalmente igualmente aplicável ao incumprimento definitivo. É uma alternativa existente no
contrato bilateral à exigência dessa mesma responsabilidade.
Nos contratos sinalagmáticos, o incumprimento definitivo e o cumprimento defeituoso da
prestação de uma das partes permitem que a contraparte resolva o contrato [art. 801º] –
condição resolutiva tacita, uma vez que se pressupõe que as partes, tacitamente, condicionam
os negócios que ajustam ao seu pontual cumprimento.
Para o professor Menezes Leitão: exercida a resolução do contrato, a indeminização fica
limitada ao interesse contratual negativo. Caso o contraente fiel quiser optar pela indeminização
pelo interesse contratual posistivo é manifesto que não pode resolver o cotnratoo.

2.3. A indemnização por incumprimento nos contratos sinalagmáticos

A indemnização por incumprimento significa que o credor deve ser colocado na mesma
situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (562º).
Será que o credor que ainda não tiver realizado a prestação, o facto de este pretender ser
indeminizado pelo interesse contratual positivo o obriga a realizar essa mesma prestação?
• De acordo com os defensores da teoria da sub-rogação, o nexo de correspectívídade
entre as prestações que caracteriza o sinalagma mantém-se, apesar da
impossibilidade culposa ou incumprimento definitivo da prestação, ocorrendo
apenas uma substituição desta pelo seu equivalente pecuniário, que o credor só
pode exigir se realizar a sua própria prestação. Assim, neste enquadramento, o não
cumprimento de uma das presrações nos contratos sinalagmáticos obriga o faltoso
a indemnizar a outra parte pela não realização da sua prestação, mas não prejudica
o seu próprio direito à contraprestação.
• Pelo contrário, de acordo com os defensores da teoria da diferençct. A
indemnização por incumprimento nos contratos sinalagmáticos corresponde a uma
indemnização pela frustração do próprio sinalagma contrarual Por isso, o credor não
tem que realizar a sua própria prestação, uma vez que as obrigações recíprocas de
ambas as partes se convertem num único crédito à indemnização pelo montante da
diferença de valor entre ambas as prestações. A indemnização é assim fixada
tomando em consideração o valor da prestação não cumprida, deduzido do
montante corresponderre à poupança de despesas pela não realização da própria
prestação.
O professor Menezes Leitão, defende a teoria atenuada da diferença, o que implica
considerar que o credor, quando não realizou ainda a sua prestação, pode optar pela sua não
realização, descontando-a na indemnização por incumprimento, ou pela sua realização nos caso
em que tenha interesse em o fazer, reclamando nesse caso a totalidade da indemnização.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

3. A impossibilidade culposa da prestação e a sua equiparação ao incumprimento

3.1. A indemnização por incumprimento

Se a impossibilidade da obrigação é devida a facto imputável ao devedor, a extinção da


obrigação em virtude da impossibilidade constitui o devedor na obrigação de indemnizar o
credor pelos danos causados, como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação
(801º/1).
Em termos de responsabilidade é idêntico o devedor não realizar culposamente uma
prestação possível ou não realizar uma prestação que culposamente tornou impossível,
A consequência da impossibilidade culposa da prestação é que o devedor fica da mesma forma
obrigado a indemnizar o credor pelos danos correspondestes à frustração das utilidades
proporcionadas com a prestação, desde que se verifiquem todos os pressupostos da
responsabilidade obrigacional.

3.2. O commodum de representação

A impossibilidade da prestação por facto imputável ao devedor pode implicar igualmente


que o devedor venha a obter um direito sobre certa coisa ou contra terceiro em substituição do
obíecto da prestação. Assim, por exemplo, se um agricultor por culpa sua não conseguiu a
colheita dos frutos necessários ao cumprimento da obrigação pode mesmo assim ter direito ao
seguro de colheitas. O artigo 803º/2 vem a determinar que o credor pode também nesses casos
exercer o commodum de representação, ou seja, exigir a prestação da coisa ou do direito que o
devedor obteve contra terceiro em substituição do objecto da prestação.
Caso o credor venha a exercer o direito ao commodum de representação terá igualmente
que manter a sua própria contraprestação, urna vez que a opção pelo commodum de
representação é manifestamente incompatível com a extinção da mesma. No entanto a
impossibilidade culposa da prestação permite ao credor exigir igualmente do devedor a
indemnização pelo seu interesse contratual positivo que, em virtude dessa manutenção se
exercerá de acordo com a teoria da sub-rogação. Daí que a solução legal tenha sido o permitir
ao credor a opção pelo commodum da representação, mas que, caso ele venha exercer essa
opção, a indemnização será reduzida na medida correspondente ao valor do commodum
(803º/2).

3.3. O regime da impossibilidade parcial

No caso de obrigações divisíveis admite-se que a impossibilidade da prestação possa ser


apenas parcial, Nesse caso o artigo 802º/1, determina que ao credor cabe a alternativa entre
resolver o negócio ou exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo nesse caso a sua
contraprestação, se for devida. Em qualquer dos casos o credor manterá o seu direito à
indemnização.
A solução que parece mais coerente perante a impossibilidade parcial é que esta apenas
determine uma extinção parcial do direito à prestação, não sendo assim a prestação
integralmente substituída por uma indemnização. Caso o contrato seja sinalagmatico, o nexo de
reciprocidade entre as prestações implicará que a extinção parcial de uma das prestações
acarrete a correspondente redução da outra, sem que o credor perca o direito à indemnização
que abrangerá o interesse contratual positivo, ou seja, todos os benefícios que o credor obteria
caso a prestação fosse integralmente realizada, naturalmente com o desconto correspondente
a redução proporcional da sua própria prestação.

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

O credor pode, perante a impossibilidade parcial, optar pela não realização de qualquer
parte da sua própria prestação, para o que tem que recorrer à resolução do contrato. Esta
destrói retroactsamente o negócio (art. 433º), pelo que ambas as partes ficam liberadas de
qualquer prestação, ficando apenas o credor com o direito de exigir indemnização pelo interesse
contratual negativo. Esta opção não será, no entanto, permitida, caso o não cumprimento
parcial, atendendo ao interesse do credor, tiver escassa importância, caso em que será antes
tutelado o interesse do devedor em realizar a parte não impossibilitada da prestação.

3.4. Cumprimento defeituoso da obrigação: violação positiva do contrato


Ainda que o legislador tenha sido omisso quanto a este tipo de inadimplemento [salvo breve
referência no art.799º-1 e indícios no art. 798º - “falta (...) ao cumprimento”], deve-se entender
que a divisão é tripartida: mora, incumprimento definitivo e cumprimento defeituoso.
A figura do cumprimento defeituoso [inexacto ou imperfeito] tem contornos anglo-
saxónicos [breach of contract] e designa as situações em que o devedor realiza a prestação a
que estava adstrito em violação do princípio da pontualidade do cumprimento [discrepância
entre o “ser” e o “dever ser”].
Por outras palavras, se o credor não fica satisfeito, o devedor não é liberado da sua
prestação. Depende do preenchimento de quatro condições:
• O devedor realizou a prestação em violação do princípio da pontualidade:
o Nove classes de hipóteses de cumprimento defeituoso:
1. Prestação realizada de modo distinto do acordado
2. Prestação realizada em tempo distinto do acordado, seja ela
antecipada ou retardada [arts. 804oss, mora do devedor]
3. Prestação de quantidade distinta da devida, seja para mais
[devedor exige que lhe seja devolvido] ou para menos [credor
exige o remanescente]
4. Prestação realizada em local diverso do acordado
5. Entrega de coisa diferente da acordada [direito de substituição]
6. Prestação de qualidade diversa da devida [relativa à conduta ou
ao objecto] – própria das prestações de facere
7. Prestação padece de um defeito de direito [ex: entrega de coisa
alheia]
8. Violação de deveres acessórios
9. Realização defeituosa da prestação, expressamente consagrada
na lei

• O credor procedeu à sua aceitação por desconhecer a desconformidade ou,


conhecendo-a, apondo uma reserva:
o Desconhecimento do credor: pelo facto de o defeito não ser detectável,
quando a prestação haja sido realizada sem carecer de aceitação ou quando
haja sido realizada a terceiro.
§ Aceitação da prestação em pleno conhecimento: não se pode
considerar esse cumprimento como defeituoso.
o Conhecimento da inexatidão do cumprimento, com reserva: o credor pode
aceitar o que lhe for prestado.
§ O credor tem interesse, apesar do defeito, em receber a prestação.
§ A boa fé impõe-lhe o dever de aceitar o que for prestado – vg defeito
pouco significativo, sem prejuízo de indemnização pelo devedor.

• O defeito é relevante:

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

o Não se justificaria que o credor demandasse a contraparte por um defeito


insignificante do cumprimento [bom senso e boa fé objetiva] – art. 762º/2
o Importância do defeito é apreciada em concreto, mas determinada
objectivamente à luz do interesse do credor.

• Foram causados danos típicos:


o Delimitação pela negativa: foram causados prejuízos distintos daqueles que
o credor poderia sofrer em caso de incumprimento definitivo ou de mora.
o Dever de eliminação do defeito ou de redução da contraprestação [vg
preço].
Excluem-se do âmbito do cumprimento defeituoso as situações em que a prestação é
efectuada tardiamente [arts. 804o ss] e quando a falta de quantidade não afecte a totalidade da
prestação [casos em que o incumprimento parcial implique uma correlativa satisfação do
interesse do credor].
Pela consequente satisfação parcial do interesse do credor, com o cumprimento defeituoso,
poder-se-ia defender que este seria um tipo de incumprimento parcial, seja ele definitivo ou
retardado/mora [vg quando a obrigação deficientemente cumprida é genérica]. Não segundo
ROMANO MARTINEZ, uma vez que a satisfação parcial do interesse do credor nem sempre se
verifica e, mesmo que tal suceda, os meios de que dispõe o credor [exigência da eliminação dos
defeitos, vg] excedem os meios legalmente previstos para as hipóteses de incumprimento
definitivo parcial ou de mora parcial. Por outro lado, o incumprimento definitivo parcial e a mora
parcial pressupõem que o credor só haja aceite uma parte da prestação. Por fim, o
incumprimento parcial corresponde a uma visão meramente quantitativa da insuficiência da
prestação, visão essa que não é contundente com o cumprimento defeituoso.
Ao cumprimento defeituoso aplicam-se os arts. 762o ss e 798oss pelos indícios
terminológicos explicitados supra, e só a partir do momento em que a prestação defeituosa é
aceite pelo credor.

São ainda de aplicar, analogicamente, as regras do incumprimento definitivo e da mora:


• Regras da impossibilidade culposa: aplicam-se quando a deficiência seja de tal ordem que
o credor não tenha qualquer interesse na prestação recebida e esta não possa ser realizada em
momento posterior.
• Regras da mora: aplicam-se quando a prestação possa ser executada mais tarde.
Finalmente, do regime da execução inexacta estabelecido em termos especiais para alguns
contratos [vg quanto à compra e venda - arts. 905o ss e 913o ss - e empreitada - arts. 1220o ss],
pode-se inferir um conjunto de princípios básicos:
• O credor pode exigir que o cumprimento defeituoso seja rectificado, lato sensu
• Se o defeito não for eliminável, o credor pode exigir que a prestação seja substituída.
• Enquanto o defeito não for eliminado, ou a prestação substituída, o credor pode invocar
a excepção do não cumprimento [arts. 428o ss] e recusar a sua contraprestação [vg pagar o
preço].
• Quando o cumprimento defeituoso implique uma perda de valor da prestação efectuada,
o credor pode reduzir a sua contraprestação, de modo a reequilibrar a relação contratual.
• O credor tem direito à resolução do contrato, verificados os pressupostos dos arts. 801o
e 808o.
• Para além disso, o credor tem o direito à indemnização por todos os danos que a prestação
defeituosa haja causado.

A REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO


1. Acção de cumprimento e a execução

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Ana Figueiredo
DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Qualquer credor tem, em caso de não realização da prestação, uma garantia judiciaria da
obrigação, consistente na possibilidade de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar
o património do devedor (817º).
Essa ação judicial de cumprimento efetua-se normalemente através da ação de condenção
onde, com base no pressuposto ou previsão da violação do direito, se exige a prestação de uma
coisa ou de um facto (art.10º/3/b) CPC).
Caso a condenção ddo devedor ao cumprimento não seja por este observada, a realização
coativa do direito do credor exige a instauração de uma ação executiva (art.10º/5). Onde se
define em que termos pode ser executado o património do devedor – 10º/5 CPC
Um dos títulos executivos é precisamente a sentença condenatória (art.703º/a) CPC). Assim,
quando o credor não disponha de outro titulo executivo, terá que instaurar contra o devedor
uma acção de condenação, só podendo executar o seu património após a obtenção da
correspondente sentença condenatória.
São igualemtnte títulos executivos os dispostos no art.703º/1/b), c) e d).

A ação executiva pode ter 3 fins diferentes (10º/6):


• Pagamento de quantia certa – o credor exige a orestação de uma quantia em
dinheiro
• Entrega de coisa certa – exige uma coisa determinada
• Prestação de facto – exige que o devedor pratique um facto, positivo ou enegativo.
A todos os três fins da ação executiva correspondem formas de processo especifica, previstas
respetivamente no art.712º e ss, 859º e ss e 868º e ss. CPC.
A forma de processo mais comum é a execução para pagamento de quantia certa.
Efetua-se a penhora de bens do executado (art.735º e ss CPC), que consiste numa apreensão
desses bens para, mediante eles, vir a ser satisfeito o direito do credor, que pode ser feito:
mediante a entrega do dinheiro, adjudicação dos bens penhorados, consignação dos seus
rendimentos ou pelo produtos a respetiva venda – 795º CPC. Normalmente, procede-se à venda
dos bens do devedor (art. 811º e ss. CPC), para, com o produto dessa venda, vir o credor a ser
pago. A venda é, porém, dispensada, no caso de a penhora ter abrangido quantias em dinheiro,
caso em que se efetua a sua entrega ao credor (art. 798º CPC); no caso de o próprio credor
requerer que lhe sejam atribuídos os próprios bens penhorados (art. 798 e ss. CPC); e no caso,
tratando-se de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, o credor requerer que lhe sejam afetos
os rendimentos desses bens (CPC, art. 879º e ss.)
Na execução para entrega de coisa certa, se esta é encontrada, faz-se a sua entrega ao
credor (CPC., arts. 861º e ss), havendo, no entanto, algumas especialidades para proteção do
devedor no caso de coisa imóvel arrendada (CPC, arts. 862º e ss.). Se a coisa não e encontrada,
o credor tem que exigir em seu lugar urna indemnização, convertendo-se neste caso o processo
em execução para pagamento de quantia cena (CPC, na. 867º)
Na execução para prestação de facto, tratando-se de facto positivo, o credor pode
requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória
a que tenha direito, ou indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação e a
quantia eventual\- mente devida a título de sanção pecuniária compulsória (CPC, na. 868º). No
caso de o credor optar pela indemnização, a execução é convertida em execução para
pagamento de quantia certa (CPC, arts. 869º e 867º).
Se se Tratar de um facto negativo, o credor pode requerer, em caso de violação, a demolição da
obra, a indemnização do pagamento sofrido e a quantia devida a título de sanção pecuniária
compulsória (CPC, art.876º). O juiz decidirá entre a demolição da obra e indemnização ao
exequente, ou apenas pela concessão de uma indemnização, quando não haja lugar a demolição
(art. 877º Nº1 CPC). Neste último caso, o processo converter-se-á igualmente em execução para
pagamento de quantia certa (877º/2, 869º e 867º CPC)
2. A execução específica das obrigações

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DIREITO DAS OBRIGAÇÕES II

Quando o credor vem obter a satisfação, por via judicial, do seu crédito na forma originaria,
através da produção do mesmo resultado que lhe proporcionaria o cumprimento voluntário da
obrigação.
O pressuposto da execução por equivalente é o incumprimento definitivo da obrigação
(808º). Já a execução específica pressupõe a manutenção, na esfera do credor, do seu direito à
prestação original. O seu pressuposto é apenas a simples mora (804º).
A execução especifica encontra-se prevista nos art.827º e ss., abrangendo:
• Casos da entrega da coisa determinada. O art.827º, na redação do DL. 30/2003, de
8 de Março, prevê que o credor pode requere, em tribunal, que a entrega lhe seja
feita, aplicando-se o processo de execução para entrega de coisa certa (CPC 859º e
ss). No entanto, esta faculade só pode ser utilizada emc asa de a coisa se encontrar
determinada, não se aplicando a coisas genéricas, onde o credor não pode suprir a
faculdade de escolha que compete ao devedor.
• Prestação de facto postitivo fungível, o credor pode requerer que o facto seja
prestado por outrem à custa do devedor (828º). O tribunal porcederá à venda em
execução dos bens do devedor para com o produto dessa venda contratar a
realização da prestação por terceiro.
• Não realização da obra, permite ai cdor, em caso de incumprimento, requere em
tribunal a sua demolição – 829º/1 – mas essa faculdade compreensovelmente cessa
se os prejuízos causados pela demolição para o devedor forem consideravelmente
superiores ao prejuízo sofrido pelo credor, havendo então apenas lugar a
indeminização (829º/2). Aplica-se neste caso o processo de execução para a
prestação de facto negativo (876º e ss. CPC).
• Obrigação de contratar, prevista no art.830º, que permite ao credor requerer em
tribunal, a emissão de uma sentença que produza efeitos de contrato que o devedor
se obrigara a celebrar. Neste caso, a execução especificia, realiza-se, não através do
processos executivo, mas por via de uma ação declarativa constitutiva – 10º/3/c)
CPC

3. Sanção pecuniária compulsória

Nos casos que não é possível o recurso à execução especifica, a lei admite ainda a
possibilidade de coagir o devedor ao cumprimento, através da sanção pecuniária compulsória
(829º-A). Nestes casos pode o tribunal condenar o devedor no pagamento de uma quantia
pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por infração, conforme for mais adequado
às circunstâncias do caso (829º-A/1), sendo que só é permitida em relação a obrigações de
prestação de facto infungível, positivo ou negativo, delas excluindo, porém, as prestações que
exigem especiais qualidades cientificas ou artísticas do obrigado.
O art.829º-A/2, determina que a sanção pecuniária será fixada segundo critérios de
razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar. Daqui resulta a independência
da sanção pecuniária compulsória em relação à indeminização, e a sua consequente
cumulabiliade com esta, mesmo que tenha sido fixada através da clausula penal.
Desta norma resulta a independência da sanção pecuniária compulsória em relação à
indemnização, e a sua consequente cumulabilidade com esta, mesmo que tenha sido fixada
através de cláusula penal.
Os beneficiários da sanção pecuniária compulsória são o credor o Estado, em partes iguais
(art. 829º-A, nº 3), solução que aparece justificada pelo facto de ela tutelar não apenas o
interesse particular de compelir à satisfação do crédito, mas também o interesse coletivo de as
obrigações serem regularmente cumpridas.

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O art.829-A acrescenta que em primeiro lugar, que nesta norma estão em causa obrigações
pecuniárias e que a sanção pecuniária compulsória aqui presente, que se reconduz a sendo
necessária qualquer decisão judicial a estabelecê-la. Sendo necessária qualquer decisão judicial
a estabelecê-la.

Cláusulas de limitação e exclusão de responsabilidade e clausula penal

1. Generalidades

A indeminização em caso de incumprimento pode se rregulado pelas partes antecipadamente


à sua verificação. Nesta situação podem ser distinguidas as situações dos seguintes pontos.

2. Clausulas de exclusão da responsabilidade

O art.809º vem proibir a sua estipulação. Ao credor é assim vedado renunciar


antecipadamente à indemnização por incumprimento da obrigação (798º), pela
impossibilidade de culposa de cumprido (801º) ou pela mora no cumprimento (art.804º), à
resolução por incumprimento (801º/2) ou ao commodum de representação (art.803º).
A lei não o prevê, mas parece claro que esta proibição abrange igualmente a renuncia do
direito de exigir o cumprimento (817º e ss.), a execução especifica da obrigação (827º e ss.,
com a exceção do art.830º/1/2), e ainda os direitos conferidos em caso de cumprimento
defeituoso.
Exceção: Pode ser apenas nos termos do art.800º/2 afastada a responsabilidade objetiva
do devedor pelos atos dos seus auxiliares, desde que tal exclusão não represente a violação
dos deveres impostos por normas de ordem publica.
Esta solução justifica-se uma vez que a renuncia antecipada à indeminização por
incumprimento se apresentaria como contrária à própria natureza da obrigação, praticamente
a convertendo numa obrigação natural.
• Pinto Monteiro, Mota Pinto, Almeida Costa – restrição do art.809º aos casos de
exclusão da responsabilidade por dolo ou culpa grave, admitindo, porém, as
clausulas de exclusão de responsabilidade por culpa leve. A celebração de
convenções de exclusão da responsabilidade com base na culpa leve corresponde
a um interesse legitimo, no âmbito da autonomia privada, não se justificando
impedir a sua celebração
• Antunes Varela, Ribeiro Faria e Menezes Leitão opõem-se.
Efetivamente, a função do art.809º é precisamente a de limitar a autonomia
privada, por forma a evitar a renuncia previa aos direitos do credor. Ora, se se
admitisse uma conveção de exclusão da responsabilidade do devedor pela culpa
leve, a posição jurídica do credor ficaria extremamente debilitado, ao mesmo
tempo que se permitiria ao devedor atuar com incúria no cumprimento das suas
obrigações, só o responsabilizando em caso de comportamentos intencionais ou
gravemente negligentes. Ora, essa situação apresentar-se-ia como contraditória
com o fim que preside ao vínculo obrigacional, enfraquecendo gravemente os
direitos do credor, pelo que se justifica que a lei venha afastar a possibilidade de o
credor renunciar a esse direito.

As partes podem celebrar clausulas de renuncia a uma indeminização que já tenham


adquirido, mas não podem efetuar essa renuncia antecipadamente, tornando licito o
comportamento do devedor que representasse uma infração da obrigação.

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3. Cláusulas de limitação de responsabilidade

Será admitida a sua estipulação, ao abrigo do principio da autonomia privada (405º), e por
argumento a contrario do art.809º.
A limitação convencional da indeminização a um limite máximo consiste numa clausula
que desempenha funções relevantes para efeitos de segurança na contratação.
A lei admite alias do art.602º, uma hipótese especifica, referente à limitação convencional
da responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens, a qual é admissível, salvo quando se
trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes (Ex: obrigação de alimentos)

4. Clausulas de fixação de responsabilidade: a clausula penal

São amplamente admitidas pelo art.810º - clausula penal.


A utilização da expressão “porém” indicia que esta permissão funciona como limitação à
proibição do art.809º, não sendo, por isso, fixar clausulas penais de montante meramente
simbólico, uma vez que elas não valeriam como cláusulas penais, mas sim como uma
derrogação dessa proibição.
A clausula penal tem que ser estipulada num determinado montante pecuniário. Caso
isto não aconteça a clausula será nula por indeterminabilidade do objeto – 280º/1, o mesmo
acontece por contrariedade dos bons costumes, se o montante ficasse na disponibilidade de
algumas das partes – 280º/2.
Este requisito destina-se a determinar as consequências do incumprimento ou da mora no
cumprimento de determinada obrigação. Daí que ela pressuponha a existência de uma
obrigação principal, sendo acessória em relação a esta. Essa acessoriedade exprime-se em
virtude de a clausula penal ter que seguir a forma estabelecida pela obrigação principal e ser
nula, se a nula for essa obrigação – 810º/2.
A clausula penal é transmissível para o adquirente do credito ou da dívida principal
(582º, 594º e 599º) e se extinguirá se ocorrer a extinção da obrigação principal.

Há dois tipos de clausula penal:


• Destina-se a estabelecer uma penalização por incumprimento, visando assim
incentivar o devedor a cumprir (penalty clause)
• Visa apenas liquidar antecipadamente os danos exigíveis em caso de
incumprimento (liquidated damages clause)

O art.811º, parece aproximar-se de uma conceção exclusiva da clausula penal como o


segundo tipo, na medida em que o nº1 proíbe o credor de exigir cumulativamente com base
no contrato o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da clausula penal, exceto
quando esta tenha sido estabelecida para o atraso da prestação (clausula penal moratória) e
no nº3 refere-se que o credor não pode em caso algum exigir uma indeminização que exceda o
valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.
A doutrina, tem vindo, no entanto, a afastar-se dessa solução:
o Galvão Telles – o art.811º/3 apenas se refere à convenção de indemnização
pelo prejuízo excedente à clausula penal, referida no art.811º/1, impedindo
que essa convenção pudesse incluir um montante indemnizatório superior ao
incumprimento da obrigação principal.
o Antunes Varela – esta disposição não pode ser aplicada exclusivamente à
convenção de ressarcibilidade do prejuízo excedente, sob pena de se colocar
em melhor posição o devedor que tivesse aceite essa convenção, sendo antes
aplicável genericamente, sempre que o credor se limite a exigir a clausula
penal, para permitir ao devedor a demonstração de que o valor dela excede o

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valor real dos bens. Esta restrição não seria, porém, aplicável à clausula penal
moratória, referida no art.811º/1 – Menezes cordeiro adere
o Menezes Leitão – o art.811º/3 é inaplicável à clausula penal estrita, sob pena
de o art.812º não fazer qualquer sentido. Há que fazer uma interpretação
restritiva e considerar aquela disposição como limitada aos casos em qeu as
partes tenham estipulado uma clausula de liquidação de danos e não uma
clausula penal estrita.

• Clausula penal compensatória – é estabelecida para o incumprimento definitivo da


obrigação. Não é cumulável com a exigência de cumprimento da obrigação principal, já
que o credor não poder exigir cumulativamente do devedor o cumprimento da
obrigação e a penalização estipulada para a falta definitiva de cumprimento.
• Cláusula penal moratória – é estabelecida para a simples mora no cumprimento. É
cumulável com a exigência de cumprimento da obrigação principal, uma vez que a
penalização não toma como referência a não realização da obrigação principal, mas
antes a sua não realização no tempo devido.

Do art.811º/2 retira-se que a estipulação da clausula penal vincula ambas as partes ao


montante acordado não podendo o devedor pretender a fixação da indeminização em
montante inferior, nem o credor num montante superior, mesmo que os seus danos sejam
mais elevados. A lei admite, porém, que as partes convencionem que a clausula penal não
prejudique a possibilidade de o credor reclamar a indeminização pelo dano excedente,
ocorrendo neste caso a fixação da responsabilidade do devedor apenas como uma
indemnização mínima.
O art.812º vem consagrar injuntivamente a possibilidade de a cláusula penal se reduzida
pelo tribunal de acordo com a equidade em duas ações dispostas no nº1 e 2º. Trata-se de uma
norma estabelecida por razões de tutela da parte mais fraca, destinando-se a evitar que esta
possa ser constrangida a ter de liquidar uma clausula penal que se encontre em manifesta
desproporção com prejuízo sofrido pelo credor.
Para que esta seja decretada não basta a desproporção e os prejuízos efetivamente
sofridos, exige-se uma desproporção manifesta, o que naturalmente terá que ser alegado e
provado pelo devedor. Efetivamente, e em paralelo o que se prevê nos art.282º e 437º não
parece concebível que o tribunal se pudesse substituir às partes, decretando oficiosamente a
redução da clausula penal sem que tal lhe seja solicitado.
No âmbito das cláusulas contratuais gerais, existe uma disposição especifica no art.19º c)
LCCG. Neste caso a lei permite considerar nulas as clausulas contratuais gerais que
estabeleçam clausulas penais desproporcionadas em relação aos danos sofridos pela parte
lesada, dispensado assim a reductio ad aequitatem, prevista no art.812º, no caso de os danos
serem muito inferiores à clausula penal, e funcionando como derrogação da limitação do
art.811º/2, quando os danos sejam muito superiores.

Não cumprimento (ESQUEMA simplificativo)

Não cumprimento imputável ao devedor


• Mora - violação temporária do direito de credito, em que se mantém a
possibilidade da prestação e o interesse do credor no cumprimento da
prestação

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• Incumprimento definitivo - O não cumprimento é definitivo, situações de


ilicitude irreversível. Desde logo apesar de se manter a possibilidade da
prestação, o credor perdeu objetivamente o interesse nela
• Situações híbridas - violação do direito de crédito, mas pela positiva. Ocorreu
prestação, mas só que a prestação que foi feita não cumpre o seu efeito útil -
incumprimento defeituoso - materialidade subjacente que decorre da boa-fé
Não cumprimento não imputável ao devedor:
• Situações imputáveis ao credor - mora do credor
• Situações cuja culpa é de terceiro
• Situações devidas a facto fortuito
• Situações devidas a uma causa de força maior

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