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FACULDADE DE DIREITO
DIREITO COMPARADO
1
DECLARAÇÃO DE ORIGINALIDADE E AUTORIA DO TRABALHO
Eu, ANA ISABEL GOMES FIGUEIREDO, declaro que este trabalho foi feito exclusivamente por
mim e que qualquer opinião de outro(s) autor(es) está devidamente assinalada em formato
de citação. Declaro igualmente que cumpri todas as regras científicas de autoria.
ASSINATURA
2
Índice
1. Introdução ................................................................................. 4
4. Conclusão……………………………………………………………………………..25
3
1. INTRODUÇÃO
Neste trabalho será feito um estudo mais detalhado sobre o instituto do enriquecimento sem
causa e respetivo regime jurídico, em Portugal e Inglaterra.
É certo que estamos a abordar países bastante distintos, tal como vimos em sede de aulas
teóricas e práticas, Portugal pertence à família jurídica1 Romano-Germânica, enquanto
Inglaterra integra a família jurídica de Common Law. Na primeira, a fonte primordial do
Direito é a lei, que tem “uma função nuclear na regulação da vida social”2, apela-se ao método
da subsunção do caso concreto à norma abstrata e, existe uma clara receção do Direito
Romano que influenciou também o instituto do enriquecimento sem causa, como veremos
mais à frente. Na segunda, o Direito Romano não teve qualquer receção e, além disto, a lei
tem carácter complementar da jurisprudência (“statutory law”)3. As normas legais no
Common Law têm carácter excecional e, quando existem, “revestem-se de um grau de
abstração notoriamente inferior ao das normas legais dos sistemas romano-germânicos”4. A
ratio decidendi constitui uma regra vinculativa para casos futuros iguais ou semelhantes e,
como o precedente5 é a fonte primordial de Direito, o que o juiz faz é comparar o caso anterior
com o novo e, se for semelhante aplica a mesma decisão, é necessário fazer uma comparação
(distinguishing)6. O Direito é assim tido como um “«conjunto de remédios jurídicos» criados
caso a caso pela jurisprudência”7.
Pretendemos fazer uma análise comparativa partindo da compreensão histórica desta figura
e, depois, seguir para uma análise mais funcional que nos possibilitará compreender melhor
a regulação do instituto em cada sistema jurídico.
1
“Conjunto de sistemas jurídicos dotados de afinidade técnico-jurídica, ideológica, e cultural, representativo
de determinado conceito de Direito” 1 Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1ª Ed.,
Coimbra, 2008, p.68
2
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1ª Ed., Coimbra, 2008, p.74-75
3
A “statutory law” serve para complementar ou emendar qualquer erro que a jurisprudência possa ter
cometido.
4
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1ª Ed., Coimbra, 2008, p.76
5
Referência ao “stare decisis”- ater-se àquilo que foi decido anteriormente- é o princípio do precedente
judicial vinculativo.
6
Quando se fala de distinguishing fala-se de uma operação de procura de semelhanças e diferenças entre
vários casos. A partir dos casos anteriores, o tribunal poderá encontrar um princípio que não estaria sequer
formalizado em casos anteriores. Críticos descrevem uma arbitrariedade judicial.
7
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1ª Ed., Coimbra, 2008, p.76-77
4
Não queremos aqui impor um método único comparativo porque, tal como o Professor DÁRIO
MOURA VICENTE refere, há hoje uma “pluralidade de métodos utilizados na comparação de
Direitos”8. Além disto, existirá uma maior complementaridade de informação entre métodos.
Esperamos que o estudo jurídico destes comparanda10,nos permita compreender melhor este
instituto jurídico, o enriquecimento sem causa, à luz de sistemas jurídicos tão distintos quanto
o de Portugal e Inglaterra. É esta, aliás, a função epistemológica11 do Direito Comparado. Além
desta, o Direito Comparado permite auxiliar o jurista “na descoberta de soluções para os
problemas postos pela regulação da convivência social”12, são as denominadas, funções
heurísticas e que pretendemos também alcançar com este trabalho.
8
A atividade comparativa não tem de obedecer a um único método de investigação. Atualmente são
realçados: “o que consiste na análise funcional das regras e institutos jurídicos; o que privilegia a investigação
das suas causas e origens históricas; o que coloca em primeiro lugar a análise económica dessas regras e
institutos (…); e o que procura integrá-los no seu contexto cultural em ordem a compreendê-los
devidamente.”( Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1.ª Ed., Coimbra, 2008, p.42).
9
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1ª Ed., Coimbra, 2008, p.43
10
“Os ordenamentos jurídicos a comparar” (Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1.ª Ed.,
Coimbra, 2008, p. 45)
11
A função epistemológica consiste resumidamente no conhecimento dos vários sistemas jurídicos e dos
diferentes problemas e soluções dos mesmos, é “um fator de enriquecimento cultural do jurista e de reforço do
espírito crítico que dele se requer” (Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1.ª Ed., Coimbra,
2008, p. 23)
12
Cfr. Ibidem, p. 24
5
1.1 OBJETO DE COMPARAÇÃO
Começámos por dizer que iria ser feita uma análise comparativa referente ao instituto do
enriquecimento sem causa, em Portugal e em Inglaterra. Reconhecemos a necessidade de
corrigir esta afirmação. Pretendemos, essencialmente, responder às perguntas: “Como
responde o Direito à situação em que uma pessoa adquire um benefício à custa de outrem?
Qual a consequência para quem vê o seu património enriquecido à custa de outrem supondo
que existe um desconhecimento de causa para o sucedido? Como é salvaguardado o
«empobrecido» numa situação destas?”. Estas são as perguntas-chave, que desejamos
responder à luz dos sistemas jurídicos português e inglês. Assumimos um critério funcional:
primeiro, “parte-se de um problema social e procura-se determinar quais as formas pelas
quais esse problema é resolvido em diferentes sistemas jurídicos”15. No entanto, e dado que
Inglaterra não possui no seu sistema jurídico o instituto do enriquecimento sem causa (que
visa responder a este problema no sistema jurídico português), teremos de averiguar a figura
que será funcionalmente equivalente a este: trata-se do “Unjust Enrichment”.
Finalizamos esta operação com a certeza de que iremos corresponder ao objetivo porque “a
comparação deve incidir sobre o modo como certas necessidades ou finalidades sociais são
satisfeitas ou prosseguidas por diferentes ordens jurídicas, independentemente de o serem
através de institutos jurídicos diversos”.16
2. ANÁLISE COMPARATIVA
13
Cfr. Ibidem, p. 43
14
Cfr. Ibidem, p. 43
15
Cfr. Ibidem, p. 44
16
Cfr. Ibidem, p. 44
17
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1ª Ed., Coimbra, 2008, p.45
6
específicos relativamente aos quais se indagarão depois as soluções consagradas nos sistemas
jurídicos considerados”18.
a) Qual o instituto jurídico19 que satisfaz o problema delimitado em 1.1 nos respetivos
sistemas jurídicos?
b) Qual a origem histórica do respetivo instituto para cada um dos sistemas e quando
surgiu efetivamente em cada ordenamento jurídico?
c) Em que consiste o instituto, quais os pressupostos jurídicos e respetivo regime jurídico
nestes sistemas?
d) Quais as modalidades, se existirem, para cada sistema jurídico em comparação?
e) O enriquecido está obrigado a indemnizar o empobrecido, como isto se procede? Qual
o valor a restituir?
Procuraremos, agora, dar resposta a estas perguntas para cada sistema jurídico de acordo
com o seu direito em vigor.
18
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1ª Ed., Coimbra, Almedina, 2008, p. 46-47
19
Podemos definir instituto jurídico como “um conjunto de normas, princípios, instituições ou organizações de
natureza jurídica que, numa dada ordem jurídica, possam ser tomados unitariamente sob certa perspetiva ou
critério” (Cfr. FERREIRA, CARLOS FERREIRA de, Introdução ao Direito Comparado, 2ª Ed., Coimbra, 1998, p. 11)
20
Expressão usada pelo professor Romano Martinez em “Apontamentos- Direito das Obrigações, Programa
2017/2018”, 5ª edição, AAFDL Editora, 2017, p. 53
21
Cfr. Ibidem, p.53
22
Digesto 50, 17, 206- «Por direito natural, é justo que ninguém se enriqueça com prejuízo e ofensa de
outrem»- cfr. MARTINEZ, PEDRO ROMANO, Apontamentos- Direito das Obrigações, Programa 2017/2018”, 5ª
edição, AAFDL Editora, 2017, p. 53
7
O enriquecimento sem causa e a sua adoção em Portugal realizou-se graças à receção do
pandectismo. Atualmente, este é um instituto maioritariamente alemão, consagrado no BGB
e alvo de um aprofundamento pandectístico dinamizado por Savigny. Esta é uma figura que
remonta, no entanto, às condictiones romanas23. Em termos europeus, o nome que releva é
o de Guilherme Moreira. Depois de imensos estudos aprofundados e preparatórios de Vaz
Serra, acolhemos a figura do enriquecimento sem causa no Código de 1966. Depois disso, o
tratamento científico desta matéria foi tratado por Pereira Coelho, Diogo Leite de Campos,
Luís Menezes Leitão e Júlio Gomes. Além deste desenvolvimento bastante vanguardista, a
aplicação prática fica aquém do mesmo. O enriquecimento sem causa apresenta-se num
“plano de elevada abstração, com distinções subtis, difíceis de discernir pela linguagem” 24,
sobressaindo assim pela sua dificuldade dogmática.
O “enriquecimento sem causa” vem previsto no Código Civil Português, Livro II, Título I- Das
obrigações em Geral, Capítulo II- Fonte das Obrigações, secção IV, nos seus artigos 473º a
482º. É autonomizada como uma fonte obrigacional. O princípio geral que rege esta matéria
vem previsto no artigo 473º/nº1 e estabelece que:
23
A condictio era uma fórmula técnica, precisa, do tipo processual, destinada a designar remédios diversos.
Depois, reportava-se a situações a reconstituir, visava reaver algo que tivesse sido prestado. Existiam 5 tipos
de condictiones: 1. A condictio indebiti; 2. A condictio causa data non secuta; 3. A condictio ob turpem vel
iniustam causam; 4. A condictio furtiva; 5. A condictio sine causa.
24
MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil VIII, Direito das Obrigações (Gestão de Negócios,
Enriquecimento Sem Causa, Responsabilidade Civil), 2ª Reimpressão da 1ª edição do tomo III da parte II de
2010, Almedina, 2016, p. 138
25
MENEZES CORDEIRO,Tratado de Direito Civil VIII, Direito das Obrigações (Gestão de Negócios,
Enriquecimento Sem Causa, Responsabilidade Civil), 2ª Reimpressão da 1ª edição do tomo III da parte II de
2010, Almedina, 2016, p. 204
8
“Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir
aquilo com que injustamente se locupletou.”
Pretende, assim, responder às situações em que uma pessoa enriquece à custa de outrem,
sem causa justificativa. O legislador português, adotou uma cláusula geral, seguindo assim a
linha da jurisprudência francesa, como nos informa o professor DÁRIO MOURA VICENTE.26 Os
pressupostos jurídicos do enriquecimento sem causa são três:
1. a existência de um enriquecimento;
2. obtenção desse enriquecimento à custa de outrem;
3. ausência de causa justificativa para o enriquecimento.
Seria fácil, a partir destes mesmos pressupostos, interpor uma ação contra o enriquecido e
exigir a restituição do enriquecimento sem causa. No entanto, e tal como afirma o professor
MENEZES LEITÃO, “estes pressupostos são tão amplos e genéricos que seria possível uma
aplicação indiscriminada desta cláusula.”27O professor Regente da cadeira explica-nos que “se
a cláusula geral do Direito Português fosse aplicada irrestritamente, em muitas situações ela
subverteria o regime legal das outras fontes de obrigações, pois sempre que não houvesse,
com base nelas, uma pretensão suscetível de ser exercida em juízo, (…), o interessado poderia
lançar mão do enriquecimento sem causa para atingir o mesmo objetivo.”28. Por esta razão,
o legislador português consagrou expressamente no artigo 474º, a natureza subsidiária do
instituto do enriquecimento sem causa: “Não há lugar à restituição por enriquecimento,
quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o
direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. O instituto do
enriquecimento sem causa seria então, a última opção do empobrecido para reaver o que
teria perdido. O professor MENEZES LEITÃO não considera que esta regra de subsidiariedade
tenha alcance absoluto.29
26
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017, p.563
27
Cfr. MENEZES LEITÃO, LUIÍS MANUEL TELES, Direito das Obrigações, vol. I- Introdução, Da Constituição das
Obrigações, 8ª Edição, Almedina, p. 410
28
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017, p.563- um
exemplo que o professor Dário Moura Vicente dá ,acerca de uma possível situação que poderia subverter o
regime legal das outras fontes de obrigações, prende-se com um caso em que por não ser possível a ação de
cumprimento do contrato em virtude de estar prescrito o crédito correspondente , o interessado poderia
recorrer-se do enriquecimento sem causa.
29
Para o professor Menezes Leitão, não existe uma verdadeira subsidiariedade do enriquecimento sem causa
porque a ação de enriquecimento não pressupõe que o empobrecido tenha perdido a propriedade sobre as
9
Passemos agora a referir categorias ou modalidades de enriquecimento. O artigo 473º/230
prevê três situações objeto de restituição:
coisas obtidas pelo enriquecido, o que lhe dá a oportunidade de recorrer à reivindicação das mesmas, pode
ainda concorrer com a responsabilidade civil, caso esta não lhe dê a proteção que o enriquecimento dará e,
além disso, o artigo 472º admite uma margem de escolha entre a aplicação do regime da gestão de negócios e
do enriquecimento sem causa. Existe, para este autor, uma incompatibilidade de pressupostos entre as
situações referidas e a ação do artigo 474º. (Cfr. MENEZES LEITÃO, LUIÍS MANUEL TELES, Direito das
Obrigações, vol. I- Introdução, Da Constituição das Obrigações, 8ª Edição, Almedina, p. 411).
30
“A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que foi
indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de
um efeito que não se verificou”- Código Civil Português ,11ª edição, AAFDL EDITORA, 2019
31
Cfr. MARTINEZ, PEDRO ROMANO, Apontamentos- Direito das Obrigações, Programa 2017/2018”, 5ª edição,
AAFDL Editora, 2017, p. 55
10
do professor Menezes Leitão). Como nos informa o professor SANTOS JÚNIOR, “haveria, pois,
que tratar o instituto de modo diferenciado, a partir de uma consideração de “tipologia de
categorias” “32- sendo estas, para o professor Menezes Leitão, quatro: o enriquecimento por
prestação, por intervenção, por despesas realizadas em benefício de outrem e por
desconsideração de um património. Uma outra posição é a do professor Menezes Cordeiro
que, além de considerar modalidades de enriquecimento, pretende contrapor, no âmbito do
enriquecimento em sentido amplo, a repetição do indevido e o enriquecimento stricto sensu.
A autonomização da repetição do indevido, para este autor, tem como fundamentos os
Códigos francês e italiano.33 Menezes Cordeiro considera esta categoria autónoma, com um
regime próprio e inserida apenas no enriquecimento em sentido amplo, diferenciando-se
assim do enriquecimento estrito, que teria as modalidades de enriquecimento por prestação,
por intervenção e por despesas.
Mas vejamos, mais precisamente, o regime que devemos seguir para cada uma destas
modalidades. No que toca às situações previstas no nº2 do artigo 473º do CC, todas se
inserem no enriquecimento por prestação. As outras modalidades não estão expressamente
dispostas na legislação portuguesa mas, integram casos de enriquecimento sem causa. Mas
o que é o enriquecimento por prestação? Essencialmente, trata-se de uma prestação
realizada por alguém a outrem sem que haja causa jurídica que legitime a receção da
prestação.34 A condictio indebiti35 prevista no nº2 do artigo 473º poderá ocorrer em duas
32
Cfr. SANTOS JÚNIOR, EDUARDO, Direito das Obrigações I- Sinopse Explicativa e Ilustrativa, 2ª Edição, AAFDL,
Lisboa 2012, p. 411
33
Cfr. MENEZES CORDEIRO, ANTÓNIO, Tratado de Direito Civil VIII, Direito das Obrigações (Gestão de Negócios,
Enriquecimento Sem Causa, Responsabilidade Civil), 2ª Reimpressão da 1ª edição do tomo III da parte II de
2010, Almedina, 2016, p. 257
34
O professor Menezes Leitão consagra quatro requisitos para o conceito de prestação para que este tipo de
enriquecimento aconteça: um elemento real consistente numa atribuição patrimonial que produza no recetor
um enriquecimento; dois elementos: um cognitivo e um volitivo, os quais se traduzem no facto de esse
incremento do património de outrem exigir uma consciência da prestação e a vontade de prestar; um
elemento finalístico, segundo o qual a atribuição tem que visar a realização de um fim específico (o
incremento do património alheio)- . (Cfr. MENEZES LEITÃO, LUIÍS MANUEL TELES, Direito das Obrigações, vol. I-
Introdução, Da Constituição das Obrigações, 8ª Edição, Almedina, p.422-423)
35
Existem cinco submodalidades desta condictio: indevido objetivo (artigo 476º/nº1), indevido subjetivo da
parte do credor (artigo 476º/nº2), indevido temporal (artigo 476º/nº3); indevido subjetivo da parte do
devedor com convicção de ser dívida própria (artigo 477º); indevido subjetivo da parte do devedor com
11
categorias de hipóteses: o cumprimento de uma obrigação inexistente, que reconduzimos ao
artigo 476º, sob a epígrafe “Repetição do indevido”; e o cumprimento de uma obrigação
alheia na convicção de que é própria ou de que se estava obrigado a cumpri-la, que
reconduzimos aos artigos 477º e 478º. O nº1 do artigo 476º estabelece que é possível o
“direito à restituição do enriquecimento, desde que não houvesse uma obrigação natural do
autor da prestação”.36 O nº2 do artigo 477º estabelece que aquele que, “por erro desculpável,
cumprir uma obrigação alheia, julgando-a própria, goza do direito de repetição, excepto se o
credor, desconhecendo o erro do autor da prestação, se tiver privado do título ou das
garantias do crédito, tiver deixado prescrever ou caducar o seu direito, ou não o tiver exercido
contra o devedor ou contra o fiador enquanto solventes”. Relativamente à situação prevista
no artigo 478º, o que acontece é que, se alguém cumpre uma obrigação alheia na convicção
de estar obrigado a cumpri-la, só há direito à restituição contra o credor se este conhecia o
erro; de contrário, o autor da prestação apenas pode exigir ao devedor exonerado aquilo com
que ele se enriqueceu injustamente. No caso do enriquecimento por prestação, e o critério
que normalmente o distingue, é o facto do empobrecido querer fazer uma prestação, é o
empobrecido que age em prol do enriquecimento o enriquecido. No entanto, a obrigação de
restituição surge, apesar dessa vontade e decorre de uma “falha na finalidade da prestação”,
ou seja: ou não existia a obrigação que se visava extinguir (condictio indebiti), ou deixa de
existir o fundamento em que assentava a prestação (condictio ob causam finitam), ou nunca
chega a ocorrer o facto futuro a que se destinava a prestação (condictio causa data). Falemos
agora das modalidades que não estão expressamente delimitadas nos preceitos. O
enriquecimento por intervenção, por exemplo, “ocorre quando alguém se enriquece à custa
alheia mediante uma ingerência não autorizada no património alheio”37, isto pode acontecer
através do uso, fruição ou disposição de bens alheios. Neste tipo de enriquecimento, e com
base na cláusula geral prevista no artigo 473º, pode constituir-se a restituição do mesmo,
através da verificação dos respetivos pressupostos. No entanto, existe um problema assente
numa razão histórica que se impõe: é o facto de não existir, nestes casos, um enriquecimento,
acompanhado de uma efetiva diminuição do património do empobrecido. O professor
convicção de se estar obrigado para com o devedor a cumprir (artigo 478º)- 35 Cfr. MARTINEZ, PEDRO
ROMANO, Apontamentos- Direito das Obrigações, Programa 2017/2018”, 5ª edição, AAFDL Editora, 2017, p.
55
36
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017, p.564
37
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017, p.565
12
ROMANO MARTINEZ defende que este problema “deve ter-se por ultrapassado”.38 Falemos
agora do enriquecimento por despesas. Este subdivide-se em duas situações: o
enriquecimento por incremento de valor de coisas alheias e o enriquecimento por pagamento
de dívidas alheias (que não está abrangido nos artigos 477º e 478º). O enriquecimento por
incremento de valor de coisas alheias acontece quando o enriquecido, sem que nada o
justifique, realiza uma despesa em bem alheio, que acrescenta valor a esse mesmo bem,
sendo que é de outrem (alguns exemplos: artigo 468º/nº2, artigo 1273º/nº2, entre outros).
No caso do enriquecimento por pagamento de dívidas alheias, o que acontece é que “o
empobrecido libera o enriquecido de determinada dívida que este tem para com um terceiro
sem visar realizar-lhe uma prestação, nem estar abrangido por qualquer uma das hipóteses
em que a lei lhe permite obter uma compensação por esse pagamento” 39. É discutido na
doutrina se nesta situação é admissível o recurso à ação de enriquecimento. Muitas vezes, no
enriquecimento por despesas, podemos estar numa situação de “enriquecimento forçado”40.
Falemos agora do objeto da obrigação de restituir. Este vem previsto no artigo 479º/nº1 e,
em princípio, a restituição deve ser “natural”42, deve compreender “tudo o quanto se tenha
obtido à custa do empobrecido”, caso “a restituição em espécie não seja possível, o valor
38
Cfr. MARTINEZ, PEDRO ROMANO, Apontamentos- Direito das Obrigações, Programa 2017/2018”, 5ª edição,
AAFDL Editora, 2017, p. 56
39
MENEZES LEITÃO, LUIÍS MANUEL TELES, Direito das Obrigações, vol. I- Introdução, Da Constituição das
Obrigações, 8ª Edição, Almedina, p.443
40
O enriquecimento forçado ou imposto, tem como objetivo tutelar o enriquecido em casos em que o mesmo
se vê obrigado a restituir o valor de um enriquecimento para o qual não contribuiu e, que, talvez nem
desejasse. Esta figura pretende contribuir ainda mais para a proteção do enriquecido quando, de acordo com
possíveis planos que o enriquecido pudesse ter para o seu património, o enriquecimento desaparece, ainda
antes do mesmo ter a possibilidade de aproveitá-lo. Esta proteção dependerá, essencialmente, da boa-fé do
enriquecido e prevê-se mais frequentemente nos casos do enriquecimento por despesas de outrem.
41 41
MENEZES LEITÃO, LUIÍS MANUEL TELES, Direito das Obrigações, vol. I- Introdução, Da Constituição das
Obrigações, 8ª Edição, Almedina, p.449
42
Expressão utilizada pelo professor Eduardo Santos Júnior (cfr. 42 Cfr. SANTOS JÚNIOR, EDUARDO, Direito das
Obrigações I- Sinopse Explicativa e Ilustrativa, 2ª Edição, AAFDL, Lisboa 2012, p. 420
13
correspondente”. Quando falamos do valor de “tudo o quanto se tenha obtido”, podemos
defini-lo com referência ao valor objetivo da aquisição, ou com a referência ao aumento
patrimonial por ele causado.43 A doutrina tradicional portuguesa tem interpretado este
preceito com a referência de que a extensão da pretensão de enriquecimento se encontra
duplamente limitada: pelo ganho obtido pelo enriquecido por um lado, e pelo
empobrecimento sofrido pelo empobrecido, por outro. Esta é a chamada teoria do duplo
limite.44 Neste caso, a medida de restituição está sujeita a um duplo limite: o enriquecimento
e o empobrecimento, apreciados em termos patrimoniais. Por isto mesmo, o empobrecido
não poderia receber mais que a valorização do património do enriquecido, nem mais do que
a desvalorização sofrida no seu património. Para o efeito, escolhia-se, de entre esses dois
valores, o valor mais baixo para a restituição. Com algumas mudanças a nível de regime, com
a receção de novas teorias como a teoria da ilicitude e a do conteúdo da destinação, surgiu
uma nova reformulação da doutrina. Mantiveram-se fixas as ideias quanto ao enriquecimento
mas, o limite do empobrecimento alterou-se, deixando alguns autores para trás a conceção
do mesmo em termos patrimoniais ou concretos. No caso de Pereira Coelho, o
empobrecimento deveria ser apreciado em abstrato (em sentido real, correspondente ao
valor de mercado de utilização do bem).45 Porém, a doutrina dominante46 afirma que “o
segundo limite abrangerá antes todos os proventos conseguidos a expensas do titular da
coisa, mediante o uso, fruição e consumo indevidos dela, e que poderão coincidir com o seu
valor objetivo, admitindo apenas que o enriquecido deduza ao lucro de intervenção a parte
que corresponda ao emprego de fatores que lhe pertençam”.47 O professor MENEZES
CORDEIRO sustenta ainda a existência de um triplo limite: o enriquecimento em concreto por
um lado, e o empobrecimento em abstrato ou em concreto, conforme o que for superior, por
outro lado. Ainda relativamente ao objeto de restituição, a maioria da doutrina defende que
o lucro auferido do infrator de direitos alheios absolutos, em princípio, não deveria ser
contabilizado porque isso advém da aptidão/competência de cada pessoa (por exemplo,
43
MENEZES LEITÃO, LUIÍS MANUEL TELES, Direito das Obrigações, vol. I- Introdução, Da Constituição das
Obrigações, 8ª Edição, Almedina, p. 463
44
Defendida por Galvão Telles, Antunes Varela, Almeida Costa.
45
MENEZES LEITÃO, LUIÍS MANUEL TELES, Direito das Obrigações, vol. I- Introdução, Da Constituição das
Obrigações, 8ª Edição, Almedina, p. 463
46
Antunes Varela, Almeida Costa, Rui de Alarcão e Leite Campos
47
MENEZES LEITÃO, LUIÍS MANUEL TELES, Direito das Obrigações, vol. I- Introdução, Da Constituição das
Obrigações, 8ª Edição, Almedina, p. 466
14
numa situação em que o enriquecido usa um barco alheio e consegue pescar imenso peixe. À
luz da doutrina maioritária, isto depende exclusivamente da sua aptidão e não do bem do
empobrecido, neste caso, o barco).O artigo 479º/nº2 estabelece ainda que, a obrigação não
pode exceder a medida do locupletamento existente à data da citação para a ação de
restituição (artigo 480º, alínea a)) ou no momento em que ele tem conhecimento da falta de
causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretendia obter com a prestação
(artigo 480º). Por fim, terminamos com a alusão ao artigo 482º, sob a epígrafe, “Prescrição”
que estabelece que o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três
anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da
pessoa do responsável”.
Até há bem pouco tempo (de um ponto de vista histórico), não existia, para o Direito Inglês,
propriamente, uma figura de enriquecimento sem causa que pudesse responder aos
problemas que suscitámos em 1.1. No entanto, depois de alguns séculos, foi finalmente
reconhecida a figura do “Unjust Enrichment”. Esta é, tal como os contracts e torts, parte
integrante das fontes de obrigações inglesas. O «enriquecimento injusto» pretende
responder às situações em que uma pessoa é obrigada a restituir um benefício adquirido às
custas de outrem, em circunstâncias consideradas injustas.48 Existe aqui a necessidade de
mencionar a decisão proferida pela Câmara dos Lordes em 1991 no caso Lipkin Gorman v.
Karpanale Ltd, com a opinião fundamental do Lord Templeman para a autonomização desta
figura:
“(…) the law imposes an obligation on the recipiente of stolen money to pay an equivalent sum
to the victim if the recipient has been "unjustly enriched" at the expense of the true
owner”. 49Esta foi considerada uma “landmark decision”50.
48
Este princípio já estaria consolidado no secção 1, da terceira edição do “American Restatement of
Restitution”de 1937 (hoje alargado ao “Unjust Enrichment”: “A person who has been unjustly enriched at the
expense of another is required to make restitution to the other”.
49
Lipkin Gorman v Karpnale Ltd [1988] UKHL 12 (6 June 1991)
50
“Landmark court decisions” ou, como é mais comumente usado no Reino Unido, “Leading cases”, significam
decisões proferidas nos tribunais dos sistemas jurídicos do Common Law que estabelecem precedentes que
determinam um novo princípio legal ou conceito jurídico ou, modificam substancialmente a interpretação da
lei existente.
15
Atualmente, podemos afirmar que o “enriquecimento injusto” é apenas o nome que é
normalmente utilizado para aludir a um princípio de justiça a que a lei reconhece e reconduz,
uma ampla variedade de situações deste tipo. Tal como nos informa o manual de GOFF e
JONES, “in a search for unifying principle at this level we should not expect to find any precise
"common formula", but rather an abstract proposition of justice which is "both an inspiration
and a standard for judgement".”51 Por fim, releva também a afirmação do professor regente
DÁRIO MOURA VICENTE que estabelece que o “ unjust enrichment constitui tão-somente um
conceito que permite agrupar uma série de distintas pretensões restitutórias.” 52
Impõe-se aqui uma breve menção histórica acerca da evolução desta fonte obrigacional. Tal
como defende o professor D.J. IBBETSON53, os ingleses surpreenderam-nos mais uma vez ao
chegarem ao século XX com a figura do enriquecimento injusto inequivocamente influenciada
pelo texto de Pompónio, presente no Digesto, com uma ideia que era consonante com a
justiça natural de que ninguém deveria enriquecer-se injustamente em detrimento do outro:
“Jure naturae aequum est, neminem cum alterius detrimento et injuria fieri locupletiorem”.54
A lei inglesa acabou por desenvolver bastante o enriquecimento com base nesta ideia do
“injusto”, o que nos leva às suas raízes romanas. Ao contrário dos sistemas continentais,
Inglaterra não estava preocupada em encontrar uma ausência de causa justificativa para o
enriquecimento da pessoa beneficiária, a lei inglesa forma-se com base numa ideia do
“injusto” e não do “injustificado”. 55
51
GOFF and JONES,”The law of Restitution”, Third Edition, LONDON SWEET & MAXXWELL, 1986, p.13
52 52
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017, p.?
53
Regius Professor of Civil Law, University of Cambridge
54
Cfr. D. 50.17.206, cfr. D.12.6.14
55
IBBETSON, D.J,” Unjust Enrichment and the Law of contract”- p. 33-53
56
Estas ações eram concedidas através dos “writs” que seriam típicos e permitiam a um sujeito ter uma
pretensão julgada num tribunal de condado. Este privilégio seria atribuído por uma autoridade régia- « no writ,
no right».
16
XIX57. As «forms of action» possuem uma semelhança com o processo formulário romano. É,
de facto, notória a opinião do professor DÁRIO MOURA VICENTE quando afirma que, tal
eventualidade, não despertou a vontade dos ingleses para a consagração de um instituto
unitário de enriquecimento sem causa58. Isto deveu-se em causa, ao facto de o Direito Inglês
ser adverso à privação de liberdade. Existiu um certo receio quanto à admissão de um modelo
de enriquecimento mais amplo e do impacto que o mesmo pudesse ter no modelo
económico inglês, assente na livre concorrência. Fazemos agora referência à declaração
proferida pelo Lord Diplock, na Câmara dos Lordes em 1977 que reforça o que foi referido
anteriormente:
“My Lords, there is no general doutrine of unjust enrichment recognised in English Law (…)
specific remedies in particular cases of what might be classified as unjust enrichment in a legal
system that is based upon the civil law.”59- a lei inglesa não consagra uma doutrina geral de
“enriquecimento injusto”, mas recorre a «remédios jurídicos» que possam solucionar casos
concretos classificados desta forma (“enriquecimentos injustos”).
1. “the defendant has been enriched by the receipt of a benefit “- ou seja, que o réu
tenha enriquecido através da receção de um benefício;
2. “he has been so enriched at the plaintiff's expense”- ou seja, que tenha enriquecido à
custa do autor;
3. "that it would be unjust to allow him to retain the benefit"- ou seja, que seria injusto
permitir que o benefício se mantivesse com ele.
Estas são três condições fundamentais para que deva ter lugar a restituição- fazemos agora
alusão ao caso Bank of Cyprus Uk Limited v. Menelaou61 julgado pelo Supremo Tribunal do
57
Existe uma clara similitude com a condictio romana que era uma fórmula técnica, precisa, do tipo
processual, destinada a designar remédios diversos. Depois, reportava-se a situações a reconstituir, visava
reaver algo que tivesse sido prestado.
58
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017, p.567
59
Câmara dos Lordes 4-Mai- 1977
60
Cfr. GOFF and JONES,”The law of Restitution”, Third Edition, LONDON SWEET & MAXXWELL, 1986, p.16
61
[2015] UKSC 66
17
Reino Unido em 2015 que denota a consagração recente destes mesmos requisitos62 pela
jurisprudência.
62
Paragrafe 18. “(…) the Supreme Court recognised that it is now well established that the court must ask itself
four questions when faced with a claim for unjust enrichment. They are these: (1) Has the defendant been
enriched? (2) Was the enrichment at the claimant’s expense? (3) Was the enrichment unjust? (4) Are there any
defences available to the defendant?”
63
GOFF and JONES,”The law of Restitution”, Third Edition, LONDON SWEET & MAXXWELL, 1986,p.16
64
Cfr. GOFF and JONES,”The law of Restitution”, Third Edition, LONDON SWEET & MAXXWELL, 1986,p.17
65
Conceito introduzido por Peter Birks no livro “An Introduction to the Law of Restitution”, cit. p-109: “It is an
argument based on the premiss that benefits in kind have value to a particular individual only so far as he
chooses to give them value. What matters is his choice. The fact that there is a market in the good which is in
question, or in other words that other people habitually choose to have it and thus create demand for that , it is
irrelevant to the case of any one particular individual.”
66
HARRIS and DAVENPORT, “Unjust Enrichment” ,cit. p- 37 “The determination of whether or not the
defendant has benefited from the receipt of services or goods is normally done in one of three ways:
1. by showing that the defendant requested the services or goods;
18
tido como benefício se a pessoa particular e no caso concreto, assim o considerar. Não
importará o valor que o mercado atribui ao mesmo bem ou que uma “pessoa média” lhe
atribuiria. Tal como foi mencionado antes, face ao momento de restituição, o autor não tem
necessariamente de ter sofrido uma “loss” para o réu obter um “benefit”.
Existem dois tipos de “restitutionary claims” a que se referem GOFF e JONES: “Personal or
Proprietary Claims”67. A maioria são pessoais e procuram impor ao réu uma “obrigação
pessoal” que assenta numa pagamento, numa quantia de dinheiro, ao autor. É importante
mencionar que, de todas as “restitutionary claims”, a restituição for “money had and
received” é a mais frequente. A “restitutionary property claim” pode ser concedida para que
seja assegurada a titularidade da propriedade do autor. Os mesmos autores seguem uma
classificação de “restitutionary claims”68:
(a) cases where the plaintiff has himself conferred the benefit on the defendant ( 4 tipos: 1.
Where the plaintiff was mistaken; 2. Where the plaintiff acted under compulsion; 3.
Where the plaintiff intervened as a matter of necessity; 4. Where the plaintiff conferred
a benefit under a ineffective transaction.);
(b) cases where the defendant has received the benefit from a third party;
(c) cases where the defendant has acquired the benefit through his own wrongful act.
Existe aqui uma subdivisão subsequente aos casos de enriquecimento em função do autor da
intervenção: (a) “empobrecido”; (b) terceiro, (c) “enriquecido”.
Já Peter Birks apela à “restitution for unjust enrichment (by subtraction)” e à “restitution for
wrongs”. Tal como menciona o professor DÁRIO MOURA VICENTE, nesta última hipótese, “ a
cause of action é, no entanto, o ilícito («wrong») e não o enriquecimento injusto. “69.
Não existe um regime uniforme da obrigação de restituir, este varia de acordo com o
conteúdo do caso em concreto. No caso de uma pessoa efetuar um pagamento de dívida
2. by showing that the defendant freely acepted the services or goods, having had an oportunity to reject
them, with the knowledge that they were to be paid for; or 3. by showing that the defendant incontrovertibly
benefited from the receipt of such services or goods.”
67
Cfr. GOFF and JONES,”The law of Restitution”, Third Edition, LONDON SWEET & MAXXWELL, 1986, p.55
68
Cfr. Ibidem, p.57-58
69
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017, p.?
19
alheia, não há qualquer princípio geral que confira o seu direito à restituição 70, além disso, é
exigido ao “solvens” que, para a sua obtenção, apele à demonstração de um «unjust factor».
O professor regente da cadeira faz menção numa nota de rodapé ao elenco atual dos unjust
factors no Direito Inglês:” mistake, duress, undue influence, exploitation of weakness,
incapacity of the individual, failure of consideration, ignorance or powerless, fiduciary’s lack
of authority, necessity, illegality e unlawful obtaining or conferral of benefit by a public
authority.” 71. No entanto, nos sistemas de Common Law, a obrigação de restituição é, por via
de regra, o valor pecuniário de enriquecimento. Impõe-se uma dúvida: “Poderá a obrigação
de restituição incluir o lucro auferido pelo infrator de direitos absolutos alheios, v.g. de
propriedade intelectual? Ou está a mesma limitada ao valor objetivo de mercado de utilização
desses bens, ou seja, o preço que normalmente se pagaria pela sua utilização? “ 72 O professor
DÁRIO MOURA VICENTE responde a esta questão fazendo referência ao “account of profits”
ou “disgorgement of profits” estabelecido no Direito Inglês: o titular de um direito intelectual
infringido pode reclamar em juízo a restituição do lucro auferido pelo respetivo infrator. O
“account of profits” foi também discutido em decisões jurisprudenciais, damos o exemplo
do Lord Keith no caso Attorney-General v. Guardian Newspapers Ltd. (Nº2): «O remédio
deve, em minha opinião (…) ser atribuído ao princípio conforme o qual ninguém deve
permitir-se que lucre com a sua própria infração. A sua aplicabilidade pode também, de um
modo geral, servir uma finalidade útil na medida em que atenua a tentação dos recetores de
informação confidencial de a utilizarem ilicitamente com o intuito de obterem vantagens
financeiras.» 73
Para concluirmos o estudo do sistema inglês, temos apenas de fazer uma alusão ao
“constructive trust”. Esta será, para os sistemas de Common Law (ainda que nos EUA se
desenvolva bem mais esta figura), outra sanção que poderá ser aplicada face a uma situação
de enriquecimento injusto, que não a obrigação de restituição. Os “Constructive Trusts”, no
Direito Inglês, seriam uma forma que o tribunais ingleses criaram, primeiramente, para
70
Cit.p-570 ” Trata-se aqui de outra manifestação da ideia de privity of contract: o contracto apenas vincula as
partes, pelo que, em princípio, ninguém pode tornar-se credor de uma delas pagando por sua iniciativa uma
dívida sua.”- VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017
71
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017
72
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017.
73
[1990] 1 AC 109; Informação retirada do manual do professor Dário Moura Vicente (Cfr. VICENTE, DÁRIO
MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017)
20
situações em que o réu teria lidado com a propriedade do dono de uma “unconsionable
manner” mas também para outras circunstâncias. A propriedade é assegurada numa
“constructive trust” para que a parte prejudicada possa obrigar o réu a cuidar dela. Os
principais fatores que estabelecem situações de “constuctive trusts” são atos desmedidos ou
até inconscientes para com a propriedade, considerados prejudiciais, lucros através de atos
ilícito, e lucros não autorizados pelo fiduciário. O Supremo Tribunal do Reino Unido, “admite
a constituição, a favor do principal, de um constructive trust sobre os benefícios ilicitamente
obtidos pelo agente em violação de deveres fiduciários que sobre si recaem.” 74 O professor
MENEZES CORDEIRO refere a importância significativa da divulgação do sistema alemão em
língua inglesa, para o acolhimento do Direito do Enriquecimento, pelo Common Law.75
74
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017
75
Cfr. Tratado de Direito Civil VIII, Direito das Obrigações (Gestão de Negócios, Enriquecimento Sem Causa,
Responsabilidade Civil), 2ª Reimpressão da 1ª edição do tomo III da parte II de 2010, Almedina, 2016, p.173
21
GRELHA COMPARATIVA
22
SÍNTESE COMPARATIVA
Passamos, agora, à última fase deste trabalho que será: “enunciar sistematicamente as
semelhanças e as diferenças entre os ordenamentos examinados”.76
É, desde logo, relevante, mencionar a diferenciação no que toca à figura que atende às
situações suscitadas em 1.1. No sistema jurídico português, falamos de “Enriquecimento
Sem Causa”. No sistema jurídico inglês, recorremos ao “Unjust Enrichment”. Além de ambas
as figuras responderem a uma situação em que uma pessoa se enriquece à custa de outrem,
os pressupostos divergem um pouco. Para o enriquecimento sem causa, pretendemos,
essencialmente, responder a uma situação de enriquecimento à custa de outrem sem uma
causa justificativa para o mesmo ter acontecido, estamos perante um “enriquecimento
injustificado”. Para o unjust enrichment, visa-se responder a uma situação de
enriquecimento à custa de outrem em circunstâncias consideradas injustas, reconduzimos
esta figura a um “enriquecimento injusto” e não injustificado. Outra consideração
diferenciadora entre ambos os sistemas, é o alto nível de abstração da figura do
enriquecimento sem causa e a sua dificuldade dogmática no sistema jurídico português,
face a uma utilização da figura do unjust enrichment mais específica e que se aplica de
acordo com o caso em concreto. Existe uma tipificação do enriquecimento sem causa no
Código Civil Português (artigos 473º ao 482º), enquanto o unjust enrichment é uma figura
que apenas tem fundamento em decisões jurisprudenciais, e não tem assento típico, tudo é
analisado a partir do caso concreto. A lei inglesa não consagra uma doutrina geral de
“enriquecimento injusto”, mas recorre a «remédios jurídicos» que solucionam casos
concretos classificados desta forma (“enriquecimentos injustos”). Outra característica que
afasta estes dois sistemas, é o facto do enriquecimento sem causa ter natureza subsidiária
(artigo 474º), sendo o último recurso para o empobrecido obter a sua restituição (parece-
nos ser o que a intenção do legislador) face ao sistema jurídico inglês, que reconduz o unjust
enrichment a um conceito que permite agrupar uma série de distintas pretensões
restitutórias.
76
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1ª Ed., Coimbra, 2008, p. 48
23
outrem e ao Direito Romano, com as suas condictiones. No entanto, e surpreendentemente,
além da recepção do Direito Romano em Portugal, o nosso sistema jurídico não manteve
esta influência e o enriquecimento sem causa é, atualmente, uma figura mais próxima do
código italiano. Já o Direito Inglês, além de adverso à receção do Direito Romano, no início
da integração (implícita) da figura do enriquecimento nas “forms of action,” aproximou-se
dos romanos, com o recurso a um método processual recorrendo aos “writs” (a concessão
de actiones para pretensões jurídicas). Uma outra semelhança, prende-se com a
consagração do enriquecimento como uma fonte obrigacional. Existem ainda modalidades
de enriquecimento no sistema jurídico português que se aproximam um pouco dos casos
das “restitutionary claims” inglesas dado que ambas se baseiam no sujeito que age, que
intervém na situação do enriquecimento (o empobrecido age no enriquecimento por
prestação, por exemplo/ o empobrecido age nos casos where the plaintiff has himself
conferred the benefit on the defendant, por exemplo).
Todas estas similitudes e diferenças são explicadas com a essência de cada sistema jurídico,
tal como verificámos em sede de aulas teóricas e práticas. Nos sistemas romano-
germânicos, onde se insere o português, a norma é que fornece ao julgador o ponto de
partida do iter conducente à solução do caso. No caso dos sistemas jurídicos de Common
Law, como o inglês, o ponto de partida é outro. A solução do caso nunca é encontrada sem
recorrer aos factos do caso singular e, por isto mesmo, as normas jurisprudenciais não se
encontram enunciadas de uma forma abstrata e geral, elas não existem à margem das
situações de facto que lhes estão na origem. Todas as características enunciadas em 1.
(INTRODUÇÃO) justificam a conceptualização do instituto do enriquecimento em cada
sistema jurídico. Além destas, é importante mencionar que existe um cuidado por parte do
Direito Inglês em preservar a segurança jurídica e a liberdade individual. Por esta razão, os
precedentes vinculativos afiguram-se como um meio de tutelar a confiança e também uma
condição do exercício da autonomia privada. «Like cases must be decidedalike».77
77
Cfr. VICENTE, DÁRIO MOURA, Direito Comparado, vol. I, 1ª Ed., Coimbra, 2008, p. 287
24
CONCLUSÃO
Esperamos que este trabalho tenha cumprido o seu objetivo, além de um tema que se
considera ser alvo de imensa discórdia entre a doutrina portuguesa, e de tão subtil aplicação
no sistema jurídico inglês.
25
4. BIBLIOGRAFIA E WEBGRAFIA
MENEZES CORDEIRO, António, Tratado de Direito Civil VIII, Direito das Obrigações (Gestão
de Negócios, Enriquecimento Sem Causa, Responsabilidade Civil), 2ª Reimpressão da 1ª
edição do tomo III da parte II de 2010, Almedina, 2016
MENEZES LEITÃO, Luís Manuel Teles, Direito das Obrigações, vol. I- Introdução, Da
Constituição das Obrigações, 8ª Edição, Almedina
VICENTE, Dário Moura, Direito Comparado, vol. II Obrigações, 3ª Ed., Coimbra, 2017,
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