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Governança

Corporativa de TI
Autor: Prof. Antônio Palmeira de Araújo Neto
Colaboradora: Profa. Christiane Mazur Doi
Professor conteudista: Antônio Palmeira de Araújo Neto

Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Paulista – UNIP (2013). Especialista em Gestão da Tecnologia
da Informação pelo Centro Universitário Uninassau, em Pernambuco (2010). Engenheiro de Telecomunicações pela
Universidade de Pernambuco (2008). Professor e coordenador geral do curso superior em Tecnologia em Gestão da
Tecnologia da Informação na UNIP, lecionando também em outros cursos na modalidade presencial e a distância.
Professor e coordenador do curso Técnico em Telecomunicações da Fundação Instituto de Educação de Barueri. Tem
mais de dez anos de experiência em gestão e governança de TI, bem como na prestação de serviços de TI a empresas
do segmento financeiro e a concessionárias de serviços de telecomunicações.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A663g Araújo Neto, Antônio Palmeira de.

Governança Corporativa de TI / Antônio Palmeira de Araújo


Neto. – São Paulo: Editora Sol, 2021.

172 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.

1. Governança. 2. Modelo. 3. Cobit. I. Título.

CDU 658.011.56

U512.06 – 21

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
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Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


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Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Elaine Pires
Willians Calazans
Sumário
Governança Corporativa de TI

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................9
INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................... 10

Unidade I
1 GOVERNANÇA CORPORATIVA..................................................................................................................... 11
1.1 Introdução, histórico e evolução da governança corporativa............................................ 11
1.1.1 Definição de governança corporativa..............................................................................................11
1.1.2 Fundamentos da governança corporativa..................................................................................... 13
1.1.3 Surgimento da governança corporativa........................................................................................ 14
1.1.4 Outros processos históricos que aperfeiçoaram a governança corporativa.................... 16
1.1.5 Stakeholders............................................................................................................................................... 19
1.2 Estrutura de poder, controle e administração........................................................................... 20
1.2.1 Estruturas e mecanismos da governança corporativa............................................................. 20
1.2.2 Assembleia geral e conselho fiscal.................................................................................................... 22
1.2.3 Conselho de administração................................................................................................................. 22
1.2.4 Comitê de auditoria, auditoria independente e auditoria interna...................................... 25
1.2.5 Direção executiva.................................................................................................................................... 26
2 PANORAMA DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NO BRASIL E NO MUNDO.............................. 29
2.1 Marcos da governança corporativa............................................................................................... 29
2.1.1 Influências de Robert Monks.............................................................................................................. 29
2.1.2 Relatório Cadbury.................................................................................................................................... 31
2.1.3 Princípios da OCDE.................................................................................................................................. 32
2.1.4 Lei Sarbanes-Oxley.................................................................................................................................. 35
2.1.5 Impactos da SOX na área de tecnologia da informação......................................................... 38
2.2 Modelos de governança corporativa............................................................................................. 41
2.2.1 Modelos de governança corporativa utilizados no mundo.................................................... 41
2.2.2 Governança corporativa no Brasil.................................................................................................... 43
2.2.3 IBGC............................................................................................................................................................... 45
2.2.4 Governança corporativa em empresas familiares...................................................................... 47

Unidade II
3 GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI......................................................................................................... 56
3.1 Conceitos básicos de governança corporativa de TI............................................................... 56
3.1.1 Diferenças entre governança de TI e gestão de TI..................................................................... 56
3.1.2 Definição e objetivos da governança de TI................................................................................... 58
3.1.3 Histórico da governança de TI............................................................................................................ 60
3.1.4 Motivadores da governança de TI..................................................................................................... 62
3.2 Fundamentos da governança corporativa de TI....................................................................... 66
3.2.1 Ciclo da governança de TI.................................................................................................................... 66
3.2.2 Papéis, funções e responsabilidades relacionados à governança de TI.............................. 67
3.2.3 O alinhamento estratégico da TI....................................................................................................... 69
3.2.4 Planejamento estratégico de TI.......................................................................................................... 70
4 A GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI E A TOMADA DE DECISÃO............................................... 73
4.1 Decisões em governança corporativa de TI................................................................................ 73
4.1.1 Tomada de decisão.................................................................................................................................. 73
4.1.2 Decisões em TI: princípios de TI e arquitetura de TI.................................................................. 76
4.1.3 Decisões em TI: infraestrutura de TI e necessidade de aplicações de negócios............. 77
4.1.4 Decisões em TI: investimentos e priorizações.............................................................................. 79
4.2 Arquétipos decisórios e ferramentas de tomada de decisão............................................... 81
4.2.1 Arquétipos de governança de TI........................................................................................................ 81
4.2.2 Matriz de arranjos da governança de TI......................................................................................... 83
4.2.3 Mecanismos para implementar a governança de TI................................................................. 85
4.2.4 Implementação do processo decisório e dos mecanismos de governança de TI.......... 86

Unidade III
5 MODELOS E PRÁTICAS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI.................................................... 93
5.1 Modelos e frameworks de governança de TI............................................................................. 93
5.1.1 Modelo e melhores práticas de governança de TI desenvolvidos pelo CISR do MIT...............93
5.1.2 Modelo baseado no ciclo de governança de TI........................................................................... 96
5.1.3 Modelo baseado na norma ISO 38500:2018..............................................................................101
5.1.4 Princípios e práticas da norma ISO 38500:2018.......................................................................103
5.2 Modelos que suportam a governança de TI.............................................................................104
5.2.1 A relação entre modelos de governança de TI e de suporte à governança de TI........104
5.2.2 Modelo Babok®.......................................................................................................................................105
5.2.3 Modelo BPM CBOK®.............................................................................................................................108
5.2.4 Modelo Togaf...........................................................................................................................................109
5.2.5 Modelos para a gestão de projetos de TI..................................................................................... 110
5.2.6 Modelos para a gestão de serviços de TI...................................................................................... 113
6 MODELO COBIT®.............................................................................................................................................115
6.1 Histórico e introdução ao Cobit®.................................................................................................116
6.1.1 Contexto histórico do Cobit®...........................................................................................................116
6.1.2 Evolução do Cobit®...............................................................................................................................117
6.1.3 Características do Cobit®....................................................................................................................119
6.1.4 Aplicação e benefícios do Cobit®................................................................................................... 120
6.2 Cobit® 4.1 e Cobit® 5.........................................................................................................................121
6.2.1 Cobit® 4.1..................................................................................................................................................121
6.2.2 Estrutura do Cobit® 4.1...................................................................................................................... 122
6.2.3 Cobit® 5.................................................................................................................................................... 124
6.2.4 Estrutura do Cobit® 5......................................................................................................................... 126
Unidade IV
7 COBIT® 2019: INTRODUÇÃO GERAL AO MODELO.............................................................................135
7.1 Princípios e práticas...........................................................................................................................135
7.1.1 Introdução............................................................................................................................................... 135
7.1.2 Princípios.................................................................................................................................................. 137
7.1.3 Componentes do sistema de governança.................................................................................. 138
7.1.4 Áreas de foco.......................................................................................................................................... 138
7.2 Fatores de desenho, cascata de objetivos e gerenciamento do desempenho............139
7.2.1 Fatores de desenho.............................................................................................................................. 139
7.2.2 Cascata de objetivos do Cobit® 2019........................................................................................... 144
7.2.3 Gerenciamento do desempenho do Cobit® 2019................................................................... 147
8 COBIT® 2019: OBJETIVOS DE GOVERNANÇA E GESTÃO.................................................................148
8.1 Objetivos de governança e gestão...............................................................................................148
8.1.1 Introdução............................................................................................................................................... 148
8.1.2 Propósitos dos objetivos de governança e gestão.................................................................. 149
8.1.3 Estrutura dos objetivos de governança e gestão..................................................................... 152
8.1.4 Componentes dos objetivos de governança e gestão........................................................... 153
8.2 Exemplos de objetivos de governança/gestão, desenho e implementação................156
8.2.1 Exemplo de objetivos de governança........................................................................................... 156
8.2.2 Os objetivos de governança/gestão e a cascata de objetivos............................................. 160
8.2.3 Desenhando um sistema de governança customizado..........................................................161
APRESENTAÇÃO

Prezado aluno,

A Tecnologia da Informação (TI) tem se configurado cada vez mais como um importante recurso
estratégico para praticamente todas as empresas. Muitos negócios foram totalmente transformados
com a chegada da TI e hoje não sobrevivem mais sem as ferramentas tecnológicas digitais e as facilidades
por elas proporcionadas.

A TI agregou muito valor aos negócios, e, de forma bem concreta, é possível citar diversos benefícios
entregues. Entre eles, podemos citar: a integração dos processos por meio dos sistemas Enterprise
Resource Planning (ERP); a melhoria no relacionamento com os clientes por meio dos sistemas Customer
Relationship Management (CRM); a adequada gestão da cadeia de suprimentos por meio de sistemas
Supply Chain Management (SCM); o suporte à tomada de decisão por meio de Sistemas de Informação
Gerencial (SIG); a infraestrutura de negócios otimizada a partir da infraestrutura de TI etc.

Com o olhar voltado para as tecnologias emergentes, podemos observar um grande favorecimento
a uma nova revolução industrial que gerou o que conhecemos por Indústria 4.0. Entre essas tecnologias
podemos mencionar: realidade virtual; realidade aumentada; Internet of Things (IoT); Internet of
Services (IoS); Big Data; Cloud Computing; Virtualização; Machine Learning, entre outras. Tomando
uma dessas tecnologias, podemos citar a Cloud Computing, também conhecida como Computação em
Nuvem, que revolucionou a forma de enxergar a infraestrutura de TI apresentando-a como um serviço
e com desdobramentos para plataformas e softwares.

Todo esse cenário associado a novas tecnologias e outras questões – como segurança da informação
e regulamentações de mercado – resultou em um aumento da preocupação com a TI por parte da
alta direção de muitas empresas. A atenção dos dirigentes começou a se voltar para o desempenho
da TI criando as bases do surgimento de um sistema de governo para ela por entregar mais valor e
competitividade aos negócios.

É importante também destacar que, antes mesmo da percepção da necessidade de governar em TI,
existe, desde o século passado, todo um processo de despertar para a chegada de uma governança
corporativa na empresa como um todo. Essa governança corporativa, uma vez implementada, tem como
consequência um desdobramento de práticas de governo para todos os ativos principais do contexto
organizacional. Um desses ativos é representado pela informação e por suas tecnologias relacionadas.

Assim, da percepção da importância da TI e do desdobramento das práticas da governança


corporativa, estabelece-se a ideia de dirigir, monitorar e controlar o uso das tecnologias da informação
nas organizações por meio de uma governança corporativa de TI.

Boa leitura!

9
INTRODUÇÃO

Esta disciplina tem como objetivo apresentar as práticas de governança corporativa de Tecnologia da
Informação (TI) aplicadas nas organizações. Como desdobramento desse objetivo principal, conheceremos
um pouco sobre governança corporativa, mencionando o panorama da governança corporativa no Brasil e
no mundo, os seus modelos, as suas práticas e as suas estruturas.

Ao ler este livro-texto, espera-se que você compreenda os fundamentos da governança corporativa e
da governança corporativa de TI, apresentando os seus motivadores e as práticas utilizadas no mercado,
bem como os frameworks mais comuns.

Este livro-texto foi dividido em quatro unidades. Na primeira unidade serão apresentados uma
introdução, histórico e evolução da governança corporativa. Ainda nessa unidade apresentaremos as
estruturas de poder e os marcos da governança corporativa, com ênfase na Lei Sarbanes-Oxley.

A segunda unidade tem como foco a governança corporativa de TI, apresentando os motivadores,
os fundamentos e o seu relacionamento com a estrutura de tomada de decisão relacionada à TI. Serão
apresentados, ainda, mecanismos de tomada de decisão em governança de TI.

Na terceira unidade avançaremos na mesma temática da unidade anterior, apresentando os


frameworks de governança e os frameworks que suportam a governança. Ainda vamos introduzir o
modelo Cobit® e os seus conceitos principais.

Na quarta unidade daremos continuidade à apresentação do modelo Cobit® por meio dos seus
princípios, práticas e forma de implementação na sua versão mais atual, que é de 2019.

Esperamos que você tenha uma boa leitura e se sinta motivado a ler e conhecer mais sobre governança
corporativa de TI.

10
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Unidade I
1 GOVERNANÇA CORPORATIVA

Já passou o tempo em que a área da TI era considerada uma estrutura organizacional isolada
das outras existentes em uma empresa. Há pelo menos três décadas, a TI tem feito um caminho de
aproximação dos negócios, por meio de práticas de alinhamento estratégico, de forma que as estratégias
corporativas cada vez mais foram assimiladas e desdobradas em estratégias de TI.

Todo esse processo de alinhamento estratégico tem ocorrido não somente na área de TI, mas em
diversas outras áreas (financeira, recursos humanos, comercial, operacional, dentre outras) graças à
ideia de Governança Corporativa (GC). Em um primeiro momento, pensou-se que a GC seria mais um
modismo que dominaria temporariamente o mundo da administração moderna. No entanto, desde a
década de 1980, o que observamos é um crescimento da relevância do tema e forte disseminação das
suas práticas nas empresas.

Neste primeiro capítulo, apresentaremos as bases da GC, passando pelo seu histórico e pela sua
evolução, além de apresentar os conceitos introdutórios que permitem entender como funcionam
os sistemas de governo nas empresas. Apresentaremos também as estruturas de poder, controle e
administração das organizações.

1.1 Introdução, histórico e evolução da governança corporativa

1.1.1 Definição de governança corporativa

Para compreendermos bem o conceito de GC, vamos partir de duas definições, sendo uma nacional,
oriunda do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e a outra internacional, originada na
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A primeira definição vem do IBGC (2015, p. 19):

Governança corporativa é o sistema pelo qual as organizações são


dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos
entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de
controle. As boas práticas de governança corporativa convertem princípios
em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de
preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos
e contribuindo para sua longevidade.

11
Unidade I

Guardando semelhanças com a definição anterior, a segunda pode ser encontrada nos princípios da
OCDE. Ela apresenta a GC como um sistema de direção e controle de forma a estabelecer os direitos de
decisão e responsabilidade nas organizações, envolvendo conselho de administração, direção executiva,
acionistas e diversas outras partes interessadas. Ainda a partir dos princípios da OCDE, é possível
compreender que a GC oferece o lastro para o estabelecimento dos objetivos empresariais, bem como a
forma de atingi-los (OCDE, 2004).

Observação

O IBGC e a OCDE possuem representatividade no Brasil e no mundo, e


liderança considerável na discussão dos temas que envolvem os sistemas
de governo nas empresas e as suas relações com os mercados nacionais
e internacionais.

Outros organismos multilaterais – organizações formadas por governos de diversos países – e diversos
autores acadêmicos apresentam muitas outras definições para a GC. Por isso, Silva (2016) agrupou essas
definições em quatro grandes grupos ou abordagens conceituais.

Sistema de
relações

Governança
Guardiã de corporativa Estrutura de
direitos Visão poder
conceitual

Sistema
normativo

Figura 1 – Abordagem relativa às conceituações do sistema de governança corporativa

Fonte: Silva (2016, p. 30).

A GC pode ser compreendida primeiro como uma guardiã de direitos de todos os stakeholders de
uma organização. Assim, a GC é responsável por garantir o ajuste dos interesses dos proprietários e da
direção executiva, zelando pela justiça e transparência nas ações dentro do contexto corporativo.

12
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Observação

Stakeholder é um termo muito utilizado em governança que quer dizer


pessoa ou parte interessada que tem interesse legítimo nas empresas.

Como um sistema de relações, a GC estabelece como se dá o relacionamento entre os diversos


stakeholders das organizações (conselho de administração, direção executiva, acionistas, auditoria
e conselho fiscal). Dessa forma, a GC estabelece-se como um campo da administração voltado para
relacionamentos entre estruturas de propriedade, controle e direção.

Partindo para o terceiro grande grupo de definições, a GC pode ser entendida como aquela que
lastreia os mecanismos e as estruturas de poder percebidas dentro das organizações. Essas estruturas
de poder exercem a liderança e a tomada de decisão, zelando pela perenidade dos negócios e pela
maximização dos benefícios esperados pelos proprietários.

Chegando ao último grande grupo de abordagens conceituais, a GC e as suas boas práticas apresentam‑se
a um sistema normativo responsável por gerir as relações internas e externas da organização.

1.1.2 Fundamentos da governança corporativa

Alguns conceitos e definições já mencionados em GC podem parecer pouco claros e outros até bem
distantes dos profissionais que têm pouca experiência com termos utilizados na administração moderna.
Algumas palavras-chave mencionadas nas definições de GC (por exemplo: relações) podem ter significados
diferentes em outras áreas do conhecimento. Por isso, convém conhecermos bem cada um desses termos
importantes. O quadro a seguir apresenta algumas expressões-chave mencionadas anteriormente.

Quadro 1 – Expressões-chave utilizadas em governança corporativa

Expressão-chave Conceito
Valores Sistema de valores que rege as corporações em suas relações internas e externas.
Sistema de gestão que visa preservar e maximizar o retorno total de longo prazo dos
Direitos proprietários, assegurando justo tratamento aos minoritários e a outros grupos de
interesse.
Práticas de relacionamento entre acionistas, conselhos e direção executiva que têm como
Relações objetivo maximizar o desempenho da organização.
Sistema de governo, gestão e controle das empresas que disciplina suas relações com
Governo todas as partes interessadas em seu desempenho.
Sistema e estrutura de poder que envolve a definição da estratégia, as operações, a
Poder geração de valor e a destinação dos resultados.
Conjunto de instrumentos, derivados de estatutos legais e de regulamentos, que tem
Normas como objetivo a excelência da gestão e a observância dos direitos dos stakeholders
afetados pelas decisões dos gestores.

Adaptado de: Andrade e Rossetti (2012, p. 117).

13
Unidade I

Depois de conhecermos as definições de GC e os termos mais importantes, passemos agora


a compreender o que vem a ser os princípios da GC. Esses princípios são os componentes que dão
sustentação às práticas e aos processos de alta gestão relacionados ao governo de empresas e que
direcionam a tomada de decisão corporativa.

Observação

É comum encontrarmos alguns autores chamando os princípios da GC


de valores da GC.

Os princípios da GC são:

• Equidade: também chamada pelo termo em inglês fairness, pode ser compreendida como senso
de justiça na tratativa com os acionistas, respeitando os direitos dos acionistas minoritários.

• Transparência: também chamada pelo termo em inglês disclosure, remete à necessidade de


transparência das informações, considerando a relevância e os impactos nos negócios.

• Prestação de contas: também conhecida pelo termo em inglês accountability, está relacionada
à necessidade de prestação de contas alinhada às melhores práticas contábeis e de auditoria.

• Conformidade: também conhecida pelo termo em inglês compliance, relaciona-se ao cumprimento


de normas e regulamentações existentes a partir dos estatutos sociais, nos regimentos internos e
na legislação do país.

Saiba mais

Para informações adicionais sobre as definições e os fundamentos da


GC, leia o capítulo 2 do livro a seguir:

SILVA, E. C. Governança corporativa nas empresas: guia prático de


orientação para acionistas, investidores, conselheiros de administração e
fiscal, auditores, executivos, gestores, analistas de mercado e pesquisadores.
4. ed. São Paulo: Atlas, 2016.

1.1.3 Surgimento da governança corporativa

Antes de chegarmos ao estágio atual de práticas de GC, a sociedade e as organizações de forma


geral passaram por muitas evoluções e transformações. Por isso, Andrade e Rossetti (2012) mencionam
a sucessão de seis processos históricos até que os conceitos e as ações de GC se firmassem nas empresas.
Veja a seguir:

14
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

• Processo 1: evolução do capitalismo e das corporações.

• Processo 2: o gigantismo e o poder das corporações.

• Processo 3: a dispersão do capital de controle.

• Processo 4: o divórcio entre a propriedade e a gestão.

• Processo 5: conflitos na relação de agência.

• Processo 6: o despertar da governança corporativa.

A figura a seguir apresenta esses processos interligados.

A formação, o desenvolvimento e a evolução


Do sistema capitalista Do mundo corporativo

O gigantismo e o poder das corporações

O processo de O divórcio entre a


diluição do capital de propriedade e
controle. a gestão.

Os conflitos e os custos da diluição do controle e a


ascensão dos gestores como novas figuras que
se estabeleceram no topo do mundo corporativo.

O despertar da governança corporativa

Figura 2 – Processos históricos que levaram ao despertar e ao aprimoramento da governança corporativa

Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 29).

O primeiro processo histórico que cooperou com o estabelecimento das ideias de GC foi a evolução
concomitante do capitalismo e das corporações. Essa evolução deu-se a partir de pelo menos oito
momentos marcantes na formação do sistema capitalista e no desenvolvimento das corporações, e
estão apresentados no quadro a seguir.

15
Unidade I

Quadro 2 – Momentos marcantes na formação do sistema


capitalista e no desenvolvimento das corporações

Momento Período Característica


– O calvinismo foi um movimento protestante que fazia contraponto à Igreja
católica em diversas questões, inclusive econômicas.
Séculos XVI – Os calvinistas não condenavam a riqueza, pelo contrário, aprovavam a
Ética calvinista e XVII promoção e o bom uso.
– Os calvinistas enxergavam a energia empresarial como inviolável e sagrada
determinação divina.
– Doutrina que diminuía a ação e a intervenção do Estado na economia.
– Os liberais acreditavam no surgimento da “mão invisível” do mercado e no livre
Doutrina liberal Século XVIII empreendimento.
– Eles davam ênfase à propriedade privada dos meios de produção.
– Essa revolução gerou mudanças substanciais nos modos de produção e nas
relações entre os agentes econômicos.
Revolução Século XVIII
Industrial – Estabeleceu as bases tecnológicas do desenvolvimento do sistema capitalista.
– Deu ênfase no desenvolvimento da indústria dos bens de capital.
Tecnologia, – Surgimento da produção em grande escala e em série.
escalas e Século XIX
produção em série – Diversificação industrial, gerando grandes benefícios para a sociedade.

Ascensão do – Ocorre a transposição histórica do poder da terra para o poder do capital


capital como fator Século XIX (máquinas, equipamentos, prédios, ferramentas e dinheiro).
de produção – Emerge uma nova classe dominante.
Surgimento – Surgem as sociedades em que a propriedade – ou seja, as ações – tem o seu
das sociedades Século XIX controle fragmentado na mão de inúmeros acionistas.
anônimas – Crescimento do sistema acionário e do mercado de capitais.
– A Bolsa de Valores de Nova York quebra, desencadeando uma crise econômica
Crash de 1929 Século XX devastadora.
Desenvolvimento – Surgimento das escolas clássicas e neoclássicas de administração.
da ciência da Século XX
administração – Surgimento das práticas japonesas de gestão.

Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 57).

Todos esses fatos e contextos mencionados em cinco séculos de capitalismo contribuíram para que
as corporações alcançassem grande importância na dinâmica econômica dos países e nos mercados.
Essa importância acarretou grande preocupação em administrar e governar as corporações, fazendo
nascer no século XX a governança corporativa, que evoluiu e se aperfeiçoou a partir de outros processos
históricos que se sucederam nesse mesmo século.

1.1.4 Outros processos históricos que aperfeiçoaram a governança corporativa

Conforme mencionado anteriormente, o primeiro processo histórico que fez surgir a GC foi a evolução
do capitalismo e das corporações. A partir dele se sucederam mais cinco processos: o gigantismo e o
poder das corporações; a dispersão do capital de controle; o divórcio entre a propriedade e a gestão;
conflitos na relação de agência; e o despertar da governança corporativa.

16
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

O gigantismo e o poder das corporações se deram a partir de um processo expansionista, que


ocorre pouco tempo depois do Crash da Bolsa de Nova York, em 1929. Vários fatores contribuíram
com essa expansão, entre eles: avanços tecnológicos; expansão demográfica; aburguesamento da
sociedade; evolução do mercado de capitais; fusões e aquisições de empresas; transnacionalização de
companhias etc.

A figura a seguir apresenta uma pequena ideia desse agigantamento das corporações, especificamente
nos Estados Unidos, em um corte temporal que vai de 1955 até 2013.

Dimensões consideradas Anos


(bilhões de US$ correntes) 1955 1960 1970 1980 1995 2010 2013
Produto nacional bruto (a) 395,9 518,9 1.012,9 2.725,4 7.325,1 14.582,4 16.800,0
Receitas operacionais. Totais das 149,1 197,4 469,3 1.436,0 4.228,7 10.634,6 12.210,5
500 maiores companhias (b)
% das receitas operacionais em 37,7 38,0 46,3 52,7 57,7 73,0 72,7
relação ao PNB: (b)/(a).100

Receitas operacionais das 500 maiores


80 corporações em relação ao PNB (%)
70 73,0 72,7
60
57,7
50 52,7
46,3
40
37,7 38,0
30
20
10
0
1955 1960 1970 1980 1995 2010 2013

Figura 3 – O gigantismo das corporações dos EUA, a maior economia mundial:


uma visão de sua expansão histórica

Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 61).

Todo esse gigantismo e o poder das corporações cooperaram para uma grande correlação entre o
mundo corporativo e as economias locais e mundial. Comprovamos isso quando observamos a figura
anterior, por exemplo, no ano de 2010, e verificamos que as quinhentas maiores corporações dos EUA
tinham propriedade sobre uma receita líquida equivalente a, pelo menos, 73% do Produto Nacional
Bruto do país.

Em última análise, esse cenário nos leva a crer que, necessariamente, problemas nas corporações
(por exemplo fraudes financeiras ou falências) podem ser propulsores de grandes problemas nas cadeias
produtivas globais. Tudo isso confere importância ainda maior na definição, difusão e adoção de boas
práticas de GC para prevenir problemas que poderiam atingir os mercados.

17
Unidade I

Outro processo histórico fundamental na evolução da GC é conhecido como dispersão do capital


de controle, e ocorreu praticamente no mesmo momento que o processo anterior. Impulsionado
pelas sociedades anônimas e pelo aumento do mercado de capitais pós-quebra de 1929, as empresas
começaram a abrir o seu capital na bolsa, e o número de acionistas aumentou de forma considerável.

Essa pulverização e despersonalização de propriedade gerou a figura do acionista despreocupado


com a gestão da corporação, cujos interesses se davam apenas no retorno de investimentos e no valor de
mercado das empresas. Esse cenário inaugurou o próximo processo histórico, conhecido como divórcio
entre a propriedade e a gestão.

O divórcio gerou a figura do proprietário passivo, ou seja, aquele que se interessava apenas pelo
usufruto do lucro da companhia e do aumento do seu valor de mercado. É interessante perceber
que a propriedade foi se afastando cada vez mais da gestão devido também à morte de muitos
proprietários-fundadores das empresas e porque havia grande pressão para que as empresas
estivessem integradas ao mercado de capitais.

Esse afastamento entre propriedade e gestão fez com que as atenções se voltassem para a relação
de agência e os seus conflitos. Na relação de agência, de um lado temos os proprietários acionistas, e,
do outro, temos os gestores (que não detêm propriedade da corporação), e cada um deles (proprietários
e gestores) tem os seus próprios interesses, às vezes distintos.

A figura a seguir apresenta a ideia do conflito na relação de agência, que é considerado um dos
processos históricos que cooperou com a evolução das práticas de GC e consagrou a teoria de agência.

Acionistas
• Principais • Recursos para capitalização
• Focados em: • Remuneração pelos serviços
– Decisões financeiras
– Alocação de recursos
– Máximo retorno
– Riscos e diversificação
Gestores
• Agentes
• Focados em:
– Decisões empresariais
• Serviços de gestão – Domínio do negócio
• Informações sobre oportunidades, – Conhecimento de gestão
resultados e riscos – Estratégia, operações

Figura 4 – Relação de agência

Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 85).

Andrade e Rossseti (2012) mencionam que as razões para os conflitos de agência são duas:
inexistência de contrato completo e a inexistência do agente/principal perfeito.

18
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Especificamente sobre a razão inexistência do contrato completo, podemos dizer que há,
normalmente, nas corporações, grande número de ocorrências imprevisíveis e uma multiplicidade
de reações a cada nova ocorrência. Tudo isso impossibilita um contrato de grande abrangência que
considere as situações de conflito em sua totalidade.

Sobre a inexistência de agente/principal perfeito, podemos afirmar que essa razão se sustenta em
dois pilares: o primeiro nos remete à força do interesse próprio, que as pessoas normalmente possuem;
e o segundo, à natureza humana e racional, que dificilmente faz os objetivos alheios moverem, em
primeiro lugar, as suas ações.

Chegamos, enfim, ao último processo histórico, o momento em que houve, de fato, o despertar
da GC que conhecemos nos dias de hoje. O quadro 3 apresenta as razões, de forma resumida, que
contribuíram para o despertar da GC em um contexto mais moderno.

Quadro 3 – Razões para o despertar da governança corporativa

Razões essenciais Razões adicionais externas Razões adicionais internas


– Mudanças societárias oriundas
– Mudanças macroambientais
– Relacionamento acionistas- de fusões, aquisições e processos
corporações cada vez mais conflituoso. influenciadas pela globalização. sucessórios.
– Mudanças no ambiente de
– Questionável constituição de – Realinhamentos estratégicos com
negócios com novas arquiteturas
conselhos de administração. resposta à análise do ambiente de
de poder. negócios.
– Atuação da direção executiva no dia a – Revisões institucionais forçadas
dia das corporações. – Reordenamentos organizacionais
por escândalos e regulamentações. internos.

Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 102).

Saiba mais

Para conhecer um pouco mais sobre os processos históricos que fizeram


surgir e aperfeiçoar a ideia que temos de GC nos dias de hoje, leia o capítulo 1
do seguinte livro:

ANDRADE, A.; ROSSETTI, J. P. Governança corporativa: fundamentos,


desenvolvimento e tendências. São Paulo: Atlas, 2012.

1.1.5 Stakeholders

Em administração, de forma geral, utilizamos o termo stakeholders para designar uma pessoa, uma
área ou um grupo com interesses legítimos nas empresas. Eles podem ser classificados de quatro formas
diferentes. Veja a seguir.

19
Unidade I

• Shareholders: primeiro e mais importante grupo de stakeholders, os shareholders são compostos


pelos proprietários e investidores. Seu interesse reside na maximização do retorno sobre os
investimentos e no aumento do valor de mercado da empresa.

• Internos: este segundo grupo é integrado pelo conselho de administração, direção executiva e
demais funcionários da empresa. Têm os seus interesses voltados para a remuneração, bonificações,
participação nos lucros, reconhecimento e eventuais oportunidades que venham a surgir dentro
do contexto corporativo.

• Externos: são formados pelos credores, fornecedores e clientes. O interesse dos credores reside
nos resultados positivos da empresa de forma que as dívidas sejam liquidadas. Já os fornecedores
desejam a regularidade nas relações comerciais e o desenvolvimento conjunto. Os clientes querem
preço justo e produtos de qualidade, em conformidade com o solicitado.

• Entorno: integram este grupo as organizações não governamentais (ONGs), o governo, a sociedade
e as comunidades locais.

Observação

Os stakeholders externos e os do entorno estão no contexto exógeno.


A principal diferença é que o externo está diretamente ligado à cadeia de
relações do negócio, já os do entorno não possuem essa relação.

1.2 Estrutura de poder, controle e administração

1.2.1 Estruturas e mecanismos da governança corporativa

Uma das abordagens conceituais mencionadas anteriormente apresentava a GC como responsável


pelo estabelecimento das estruturas de poder de uma empresa. Integram essas estruturas diversos
atores inseridos em ambientes específicos, que fazem os controles e a administração corresponderem
às expectativas dos proprietários.

Observação

A GC possui quatro abordagens conceituais: sistema de relações;


estrutura de poder; guardiã de direitos; e sistema normativo.

De forma geral, podemos dividir os ambientes dentro do governo de uma empresa em quatro:
ambiente de propriedade; ambiente de controle; ambiente de auditoria e fiscalização; e ambiente de
administração. É comum encontrarmos pessoas que transitam por mais de um ambiente, favorecendo o
vínculo entre as partes interessadas e contribuindo para a redução dos conflitos na relação de agência.

20
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

A figura 5 apresenta esses ambientes interligados e os seus mais diversos componentes, tais como
assembleia geral, conselho de administração, conselho fiscal e direção executiva.

Propriedade
Auditoria e
Acionistas fiscalização
preferenciais – Supervisão
– Pareceres
– Orientação
Acionistas
minoritários

Acionistas Controle
controladores
Conselho fiscal
Assembleia geral
ordinária/extraordinária Conselho fiscal
"turbinado"

Administração
Auditoria
independente
Conselho de administração
Comitê de
auditoria

Diretoria executiva Auditoria


interna

Unidades Unidades de
de serviços negócios
compartilhados

Outras partes com interesses


em jogo na companhia
Cadeia de negócios Entorno
Credores Governos
Comunidades
Fornecedores locais
Clientes ONGs
consumidores

Figura 5 – Ambiente da governança corporativa

Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 256).

O ambiente de propriedade é composto pelos acionistas, que são aqueles que possuem ações da
empresa, ou seja, são os proprietários. Eles se dividem em:

• Acionistas minoritários: têm posse de um número pequeno de ações, sem poder suficiente nas
decisões das organizações. Dividem-se entre aqueles que têm ações ordinárias (com direito a
voto) e ações preferenciais (sem direito a voto).

• Acionistas majoritários: detêm a maior parte das ações.


21
Unidade I

Mencionando os outros ambientes, podemos dizer que o ambiente de controle dentro das empresas
favorece a aderência das ações e os objetivos estratégicos às expectativas dos proprietários. Já o
ambiente de auditoria e fiscalização atua nos mais diversos níveis da corporação, principalmente na
área financeira, com o intuito de analisar os resultados e a sua integridade.

O ambiente de administração é um dos mais importantes e tem foco na excelência operacional e


eficácia estratégica a partir do planejamento, da direção e da organização das ações e da tomada de decisão.

1.2.2 Assembleia geral e conselho fiscal

A assembleia geral é um dos principais órgãos nas estruturas de GC, sendo considerado soberano em
suas decisões e deliberações. O poder é exercido de forma máxima por essa assembleia, que é formada
exclusivamente pelos acionistas da empresa, responsáveis por outorgar poderes para outras áreas e
pessoas dentro da organização.

De forma ordinária, uma vez por ano (até o dia 30 de abril, no máximo), a assembleia geral é
convocada com a responsabilidade de analisar a prestação de contas do ano anterior por meio de
relatórios e demonstrações financeiras. Quando ocorre lucro ao fim do resultado, os membros da
assembleia deliberam sobre o uso dele. É também na convocação ordinária que se dá a eleição dos
membros do conselho de administração e do conselho fiscal.

De forma extraordinária, a assembleia geral se reúne para deliberar sobre quaisquer outros assuntos
não relacionados aos anteriores, ou em algum momento de crise, em que cabe a ação dos proprietários
em assembleia. Ainda de forma extraordinária, é possível reformar o estatuto social da empresa, transferir
controles e remover membros da administração.

O conselho fiscal é outro órgão da GC de grande importância. Ele é normalmente composto de três
ou cinco membros, em sua maioria acionistas, eleitos pela assembleia geral. A sua responsabilidade
reside em examinar, fiscalizar e avaliar as ações da administração, principalmente no que tange às
questões financeiras e seus desdobramentos.

O conselho fiscal age independentemente do conselho de administração e, com o poder outorgado


pela assembleia geral, representa os acionistas na fiscalização da alta direção da empresa em seus atos.
Por isso, o conselho fiscal pode denunciar fraudes, erros e crimes diretamente para os proprietários,
acionando-os por meio de uma assembleia geral extraordinária.

O agrupamento constituído pelo conselho fiscal, comitê de auditoria, auditoria independente e


auditoria interna forma o ambiente de fiscalização e controle da corporação.

1.2.3 Conselho de administração

O conselho de administração é considerado o guardião dos interesses, valores e princípios dos


acionistas. Os seus membros são eleitos pela assembleia geral e recebem a outorga de poder para tomar
as decisões estratégicas e de controle dentro da corporação.
22
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

A ligação fiduciária entre os proprietários e a direção executiva da empresa se dá por meio do


conselho de administração. É responsabilidade desse órgão monitorar o conjunto de riscos de gestão e
os custos oriundos do conflito na relação de agência. No entanto, é importante colocar que algumas
decisões, consideradas de alto impacto na organização, precisam ser levadas pelos conselheiros para a
assembleia geral.

É uma das atribuições do conselho de administração instalar o comitê de auditoria e a contratação


da empresa responsável por fazer a auditoria independente da corporação. A destituição da empresa de
auditoria independente também é uma atribuição do conselho de administração.

O grau de envolvimento do conselho de administração em uma corporação varia de corporação


para corporação. Assim, podemos, de acordo com o grau de envolvimento, classificar os conselhos de
administração em cinco níveis diferentes.

• Conselho passivo: tem pouco envolvimento na corporação, limitando-se a ratificar decisões da


alta direção.

• Conselho certificador: trabalha na avaliação da gestão perante os acionistas.

• Conselho envolvido: tem grande envolvimento com a alta direção, atuando como parceiro da
diretoria executiva.

• Conselho interventor: tem profundo envolvimento na tomada de decisão, crucial para a


corporação.

• Conselho operador: atua de forma plena e envolvida na gestão, tomando as decisões e deixando
a diretoria executiva apenas executá-las.

Andrade e Rossetti (2012, p. 282) afirmam que:

Estes diferentes modelos sugerem que pode ser definido o grau de


envolvimento mais recomendável para a companhia, em função de suas
requisições essenciais e de seu estágio de desenvolvimento. E sugerem
mais: que o envolvimento pode mudar ao longo do tempo, para o melhor
ajustamento do Conselho de Administração às questões que exigem sua
participação ativa. No Brasil, os modelos mais praticados são o envolvido
(59,8% entre as 1.000 maiores empresas) e o certificador (26,8%).

A composição do conselho de administração precisa considerar representantes diretos dos


proprietários (acionistas controladores e minoritários) e representantes de outros stakeholders da
corporação. Deve também contemplar conselheiros independentes, de forma que o conselho de
administração não seja uma extensão do grupo de acionistas controladores.

23
Unidade I

O número de conselheiros deve ser sempre ímpar, com, no mínimo, três membros. Em tese não existe
um número máximo de conselheiros, no entanto, é comum encontrar nove conselheiros, no máximo. Os
membros do conselho de administração devem ter um envolvimento construtivo, focado em resultados
e comprometido com a corporação.

É de grande importância que todos os conselheiros sejam íntegros, éticos e com comprovada
experiência para exercer as suas funções. Eles devem ter abertura para ouvir considerações e capacidade
de analisar contextos, expressando de forma fecunda e franca os seus pontos de vista.

As boas práticas de governança corporativa trazem a ideia de um colegiado de iguais, ou seja,


onde todos têm o mesmo poder. O presidente do conselho de administração deve se comportar como
coordenador de iguais, de forma que o seu poder de voto seja utilizado apenas em caso de desempate.

Andrade e Rossetti (2012) apresentam uma síntese das boas práticas do conselho de administração
de empresas no quadro a seguir.

Quadro 4 – Síntese de boas práticas dos conselhos de administração

Aspectos destacados Boas práticas recomendadas


Órgão-chave do processo de governança corporativa, exercendo funções
deliberativas.
1. Razões de ser Atua como guardião dos valores corporativos, tangíveis e intangíveis.
Comprometimento com os interesses dos shareholders: retorno e valor da
companhia.
Assuntos estratégicos: visão, propósitos, direcionadores. Atento a riscos,
oportunidades/ameaças e questões críticas da companhia. Monitoramento
formal, crítico e construtivo de resultados e de desvios em relação a diretrizes e
2. Focos metas.
Orientação de políticas funcionais, compatibilizando-as com estratégia de
negócios.
Competências e funcionamento normatizados em Regimento Interno. Acesso
irrestrito a informações: desempenho, riscos, fatos relevantes, projetos
impactantes.
3. Funcionamento Busca do consenso em suas decisões. Constituição de comitês como
instrumentos de apoio à administração.
“Mini AG” permanente.
Nomeia, fixa a remuneração, avalia e destitui o CEO.
Orienta a auditoria interna quanto a seus propósitos.
4. Poderes Contrata a auditoria independente, bem como especialistas e peritos, para
embasamentos técnicos necessários às suas deliberações.
Outros que venham a ser estabelecidos nos estatutos sociais.
Constituição baseada na complementaridade dos conselheiros, quanto a seus
conhecimentos e experiências.
5. Dimensão e Constituição por insiders, outsiders relacionados e conselheiros independentes.
composição
Participação de membros da diretoria executiva limitada à apresentação de
resultados, políticas e projetos alinhados à estratégia.

Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 295).

24
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Também é possível encontrar, especificamente para o Brasil, um conjunto de boas práticas para os
conselhos de administração, apresentado pelo IBGC (2015). A seguir, algumas dessas recomendações.

• Conselheiros com mandato de, no máximo, dois anos e sem reeleição automática.

• Separação entre os cargos de presidente do conselho de administração e diretor executivo, ou


seja, não deve ser a mesma pessoa a ocupar os mesmos cargos.

• Conselhos compostos de cinco a 11 membros.

• A assembleia geral deve eleger, no mínimo, três membros, podendo destituí-los a qualquer momento.

• Deve-se evitar a existência de conselheiro suplente.

• Recomenda-se fortemente que existam apenas conselheiros externos e independentes para dar
maior isenção na atuação do colegiado.

• Deve-se evitar o pagamento de participação nos lucros para os conselheiros.

Exemplo de aplicação

Tomemos como exemplo a Petrobras, com suas estruturas de poder e controle que podem ser
vistas em Petrobras (2020). Nela encontraremos o conselho de administração da empresa, composto
de 11 membros, eleitos em assembleia geral ordinária para um mandato de até dois anos, admitidas,
no máximo, três reeleições consecutivas. De todos os membros do conselho de administração, o
presidente do conselho, o CEO e o representante dos empregados são não independentes. Todos os
outros são membros independentes não executivos.

O conselho fiscal da Petrobras é formado por cinco membros, com mandato de um ano, permitida
reeleição, sendo um indicado pelos acionistas minoritários, um indicado pelos acionistas titulares de
ações preferenciais e três indicados pela União, sendo um indicado pelo ministro da Economia, como
representante do Tesouro Nacional.

Tomando uma empresa de outro ramo da economia, pesquise sobre como é a composição do
conselho de administração.

1.2.4 Comitê de auditoria, auditoria independente e auditoria interna

Juntamente com o conselho fiscal, o comitê de auditoria, a auditoria independente e a auditoria


interna formam os órgãos de auditoria e fiscalização no processo de GC.

25
Unidade I

O comitê de auditoria é a estrutura mais tradicional no mundo corporativo nos Estados Unidos e na
Europa. Os seus membros são indicados pelo conselho de administração e recebem a incumbência de
supervisionar se as práticas contábeis e as demonstrações financeiras são íntegras. Com a autoridade
que lhe cabe, é sua a responsabilidade de verificar a legalidade dos atos da administração.

Observação

As legislações e os marcos históricos da GC atestam que o comitê de


auditoria é um dos órgãos do sistema de controle corporativo.

A auditoria independente é outro elemento fundamental de fiscalização importante e obrigatório


nas corporações. Esse trabalho é executado por uma empresa contratada de auditoria com competência
técnica atestada por órgãos externos de controle. Esse contrato deve ser por prazo determinado.

A empresa de auditoria externa não deve ter vínculo comercial com a empresa auditada, de
forma a existir uma isenção nos seus trabalhos. Assim, a auditoria independente deve verificar as
demonstrações financeiras geradas pela alta direção e fazer recomendações à administração sobre
problemas e erros. Deve também proceder a uma avaliação dos controles corporativos internos,
atestando ou não a sua confiabilidade.

Ainda sobre a auditoria independente, é importante mencionar a relação desta com a auditoria
interna da organização, que deve prestar todo suporte à empresa contratada quando necessário o
conhecimento sobre as estruturas de controles internos.

O último integrante do ambiente de fiscalização e controle é a auditoria interna, que é considerada


um serviço corporativo, muito mais que um órgão de GC, sendo subordinado à direção executiva. A auditoria
interna deve ter foco em compliance e verificar a efetividade da gestão de riscos operacionais, além de
gerenciar o ambiente interno de controle.

Observação

O exercício da auditoria consiste em analisar componentes da contabilidade


de uma corporação, buscando verificar a exatidão e a fidelidade nos relatórios
e procedimentos, tendo por base a legislação vigente.

1.2.5 Direção executiva

A direção executiva é a responsável pela gestão da organização, e os seus membros são escolhidos
pelo conselho de administração. Os diretores têm a obrigação de prestar contas e dar satisfações ao
conselho de administração, porque recebem dele o poder para tomar as decisões.

26
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Oliveira (2015, p. 78) menciona que:

A diretoria executiva representa o órgão que faz o meio de campo entre


as atribuições da governança corporativa e as unidades organizacionais
da empresa. Nesse contexto, a principal atribuição da diretoria executiva é
consolidar o otimizado processo decisório na empresa. E, para tanto, o ideal
é que a diretoria executiva atue como órgão colegiado, em que o processo
de apresentação, análise e consolidação das decisões seja da melhor
qualidade possível. Embora o ideal seja sua atuação como órgão colegiado,
cada diretor pode tomar suas decisões – conforme estabelece significativa
parte dos estatutos sociais – de forma isolada ou conjunta. Isso porque a
diretoria executiva não é um órgão deliberativo, conforme é o conselho
de administração.

É papel da direção executiva zelar pelo alinhamento da administração aos comportamentos


desejáveis pelos proprietários, buscando sempre a excelência operacional. Por isso, é necessária uma
integração constante e permanente com o conselho de administração.

Andrade e Rossetti (2012) mencionam que a direção executiva, o conselho de administração e os


proprietários são as três âncoras da governança corporativa.
• Máximo retorno total dos investimentos: • Representação fiduciária:
— Dividendos — Guardião dos valores corporativos
— Crescimento do valor da companhia Proprietários — Zelo pelos interesses dos investidores
(princípios e propósitos
• Capital empresariais alinhados) • Poder e
investido capacidade de
influência
• Expectativa de
Otimização do resultado
retorno total dos • Guidelines para
proprietários os negócios
• Formulação de
estratégias e políticas
Diretoria executiva • Relatórios confiáveis de desempenho Conselho de
(alinhamento • Direcionamento, homologação e administração
presidente‑gestores) monitoramento das estratégias e das (interação construtiva)
políticas corporativas
• Avaliação do desempenho

Figura 6 – Três âncoras da governança corporativa

Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 262).

Na figura é possível compreender os relacionamentos entre direção executiva e conselho de


administração, além de entender as interações entre a direção executiva e os proprietários.

27
Unidade I

Exemplo de aplicação

Tomemos como exemplo a Petrobras, com a sua direção executiva, que pode ser encontrada em
Petrobras (2020). A direção executiva é composta por um presidente e oito diretores executivos, eleitos
pelo conselho de administração, com mandato de até dois anos, permitidas, no máximo, três reeleições
consecutivas, podendo ser destituídos a qualquer tempo. Entre os membros da diretoria executiva, apenas
o presidente da companhia é membro do conselho de administração, sem, no entanto, presidir o órgão.

Escolha uma empresa de outro ramo da economia e pesquise sobre como é a composição da sua
direção executiva.

Espera-se dos principais executivos da direção que sejam extremamente comprometidos, com
capacitações técnicas, íntegros, além desempenhar uma liderança com inteligência emocional. Eles
precisam ter capacidade de escuta, tomar decisões assertivas e gerenciar adequadamente as pressões
do cargo que ocupam.

Saiba mais

Sobre as estruturas da GC, leia o capítulo 2 do seguinte livro:

OLIVEIRA, D. P. R. Estruturação do conselho de administração:


governança corporativa na prática – integrando acionistas, conselho de
administração e diretoria executiva na geração de resultados. 3. ed. São
Paulo: Atlas, 2015.

Exemplo de aplicação

A Renner é considerada a primeira corporação do Brasil. Tem sua origem no ramo industrial com
a criação do Grupo Renner, em 1912, em Porto Alegre. Em 1940 ela se transforma em uma loja de
departamentos, tornando-se Lojas Renner S.A. em 1965, com capital aberto na Bolsa de Valores brasileira
em 1967, quando a Bovespa não tinha nem sido criada. Como primeira corporação brasileira, criou um
manual de assembleia geral, que se configurou como um exemplo para outras companhias. Esse manual
foi indispensável para a Renner, devido ao fato de ter o seu capital muito pulverizado.

Para complementar os seus conhecimentos, pesquise mais um pouco sobre o histórico das Lojas
Renner S.A.

28
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Saiba mais

Mais informações sobre a história das Lojas Renner e outros casos de


GC no Brasil, você encontra no capítulo 7 do livro a seguir:

GONZALEZ, R. S. Governança corporativa: o poder de transformação


das empresas. São Paulo: Trevisan, 2012.

2 PANORAMA DA GOVERNANÇA CORPORATIVA NO BRASIL E NO MUNDO

Vimos parte considerável da base conceitual da GC e, sob uma perspectiva histórica, acompanhamos
a sua chegada nas organizações. Apresentamos também a estrutura de governo das organizações,
enfatizando o papel da assembleia geral, do conselho de administração e da direção executiva.

Agora vamos avançar mais um pouco, conhecendo o panorama da GC no Brasil e no mundo.


Primero, vamos apresentar os marcos recentes da governança corporativa: influências de Robert Monks;
Relatório Cadbury; Princípios da OCDE; e Lei Sarbanes-Oxley. Esses marcos têm forte relação com os
princípios e valores da GC. Em seguida, vamos abordar os modelos de GC existentes e dar ênfase no
Brasil, principalmente no papel do IBGC e das estruturas que regulamentam normas que implicam
diretamente os sistemas de governo das corporações.

2.1 Marcos da governança corporativa

2.1.1 Influências de Robert Monks

O primeiro marco moderno da GC que abordaremos será a influência exercida por Robert Monks.
A compreensão dos desdobramentos do ativismo de Monks remete a dois dos princípios da GC vistos
anteriormente: equidade (no que tange ao senso de justiça) e conformidade (no que diz respeito à
conformidade legal).

Lembrete

Os valores ou princípios da GC são: equidade, conformidade,


transparência e prestação de contas.

Robert Monks nasceu em 1933 e teve uma vida inteira dedicada ao mundo corporativo. Ainda bem
novo começa a trabalhar nos negócios da família e constrói o seu tino para negócios. Formou-se em
Direito pela Universidade de Harvard e acumulou considerável conhecimento prático em administração
financeira, fruto das vivências nas empresas da família.

29
Unidade I

Acumulou também certa experiência na vida pública, presidindo por um breve período o programa
de fundos de pensão do Departament of Labor do governo norte-americano (equivalente ao Ministério
do Trabalho no Brasil). A experiência no governo acumulada à da vida corporativa privada formou uma
mentalidade voltada para um ativismo em favor das boas práticas de governança corporativa.

Ao deixar a sua função pública no Departament of Labor, Monks mergulhou mais em negócios
privados, tornando-se um acionista combativo. Fortalecido pela convicção de que a presença do acionista
agrega valor aos negócios, ele defendia que o traçado estratégico de muitas corporações modernas era
cada vez mais transferido do proprietário para a direção executiva, gerando deturpações nos papéis
dentro dos sistemas de governo das empresas.

Lanzini (2020, p. 31) menciona que Monks:

Apontou a ineficácia do processo legal, as relações público-privadas, a


prevalência da inteligência organizada, ou seja, a gestão da empresa com
decisões que autopreservam seus administradores, inclusive com a devida
transparência e prestação de contas e talvez o principal dos problemas: o
conflito de interesses.

A ideias de Monks foram propagadas por alguns livros que ele escreveu. Dentre eles é possível citar
o Power and accountability (1992), que trata das ações dos proprietários no intuito de monitorar as
empresas, e outra obra de destaque foi Corporate governance (1995), publicada como um manual de
boas práticas de GC, apresentando casos práticos ocorridos nos Estados Unidos.

Outras obras de Monks estão ligadas à transformação do ambiente corporativo e à redefinição de


processos com o objetivo de equilibrar poder e liberdades ilimitadas em muitas empresas. Elas também
serviram para aproximar mais acionistas-conselhos-direção, ajudando e amenizando os conflitos na
relação de agência. Nesse sentido, todo o trabalho do ativista tinha como objetivo atingir resultados.

Quadro 5 – Resultados do ativismo de Robert Monks

Resultados visíveis Resultados de longo prazo


Institucionalização das práticas de governança
Revelação de desvios nas práticas corporativa.
corporativas. Refinamento da capacidade técnica dos
Definição de caminhos para a proprietários, especialmente dos institucionais,
prosperidade compartilhada. de influir positivamente na vida das empresas.
Exposição das falhas corrigíveis por Mais proposições normativas e mais
nova legislação. intervenções corretivas no mercado de
capitais, mais eficácia:
Mobilização de acionistas minoritários e
institucionais. - Das empresas, na geração de resultados.
Mais respeito pelos justos direitos dos - Do mercado, na alocação de recursos.
proprietários. - Da economia, na prosperidade gerada por
corporações confiáveis e justas.

Adaptado de: Andrade e Rossetti (2012).

30
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Esses resultados são alcançados à medida que os acionistas se conscientizam da importância de


participar das decisões corporativas e, de certo modo, se envolver um pouco mais na empresa. Tudo isso
pode gerar a maximização do valor corporativo e favorecer a perenidade das organizações.

É interessante perceber que, por experiência própria, Monk vivenciou situações em que conseguiu
demonstrar a importância dos acionistas nas organizações. Sobre isso, um fato curioso da biografia de
Monks é contado por Andrade e Rossetti (2012, p. 166):

Em 1991, de uma lista de “empresas candidatas”, Monks escolheu a Sears,


Roebuck & Co., corporação gigante do varejo, para exercer o seu direito
como acionista. Adquiriu 100 ações e candidatou-se para o conselho. O papel
então desempenhado parecia de um Dom Quixote. Não obteve votos
suficientes, mas mostrou “o absurdo que era não haver nenhuma forma de
mesmo alguém que havia sido presidente de um banco e diretor de uma
agência federal poder fazer parte do conselho de uma corporação, embora a
lei lhe assegure o direito de se candidatar”. No ano seguinte, em 1992, apoiou
um movimento bem-sucedido para reestruturação da Sears. Os acionistas se
conscientizaram de que a atuação do Dom Quixote, embora aparentemente
sem sucesso, não havia sido em vão: a corporação havia tomado decisões
equivocadas e a intervenção era necessária e, como a partir de então foi
admitida, revelou-se proveitosa. Pelos seus resultados, os desdobramentos
desta rumorosa intervenção foram muito além das fronteiras corporativas
da Sears.

2.1.2 Relatório Cadbury

Saindo dos Estados Unidos da América e “atravessando” o Oceano Atlântico, chegamos a um outro
marco recente para as práticas de GC: o Relatório Cadbury. A sua versão final foi publicada em 1992 e
as suas práticas guardam forte relação com os princípios de transparência e prestação de contas da GC.

O Relatório Cadbury foi fruto de um trabalho desenvolvido a partir de uma iniciativa do Banco da
Inglaterra em criar um comitê elaborador de um código de melhores práticas de GC. Esse trabalho teve
a sua coordenação confiada ao Sr. George Adrian Hayhurst Cadbury, que foi presidente da Cadbury
Schweppes (1965-1989) e conselheiro do Banco da Inglaterra (1970-1994).

Observação

Adrian Cadbury participou ativamente na elaboração do código de


melhores práticas de GC, mas não existia uma personificação de Cadbury
para o tema governança corporativa na Inglaterra, assim como existia para
Monks nos Estados Unidos.

31
Unidade I

Compunham o código de melhores práticas:

• Definições sobre responsabilidades de conselheiros e executivos nas organizações.

• Gestão das informações contábeis, abrangendo frequência, clareza e formato.

• Conselhos e seus papéis e constituições.

• Auditoria nas suas responsabilidades e atribuições.

• Elo entre acionistas, conselhos e auditores.

De forma prática, o Relatório Cadbury faz uma série de recomendações com o objetivo de separar
as responsabilidades do conselho de administração e da direção executiva. Dentre as recomendações, é
possível citar:

• Reuniões regulares do conselho de administração em vista do controle e monitoramento da


direção executiva.

• Os conselhos de administração precisam ter uma constituição mista, incluindo conselheiros


externos e independentes.

• Alguns conselheiros podem exercer cargos de direção, com remuneração claramente divulgada,
papéis e responsabilidades definidos, além da avaliação de desempenho previamente acordada.

• Os relatórios e controles devem retratar uma avaliação equilibrada e compreensível da situação


da companhia.

• Os conselheiros que não têm cargo na direção executiva devem predominar em número no
conselho de administração e exercer julgamento independente sobre estratégia, desempenho e
destino de recursos.

2.1.3 Princípios da OCDE

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é um organismo multilateral,


fundado em 1961, e congrega 37 países-membros. Dentre os principais países que são considerados
membros de origem da OCDE estão Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados
Unidos, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Reino Unido,
Suécia, Suíça e Turquia.

O principal objetivo da OCDE é impulsionar o progresso econômico e o comércio mundial, e as suas


políticas, segundo a OCDE (2004, p. 2), visam:

32
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

alcançar o mais elevado nível de crescimento econômico e de


emprego sustentável e uma crescente qualidade do nível de vida nos
países‑membros, mantendo a estabilidade financeira e contribuindo assim
para o desenvolvimento da economia mundial; contribuir para a expansão
econômica dos países-membros e dos países não membros em vias de
desenvolvimento econômico; contribuir para a expansão do comércio
mundial, numa base multilateral e não discriminatória, de acordo com as
obrigações internacionais.

As consequências positivas e negativas do elo ou tríade entre mercados, corporações e nações


despertou na OCDE interesses pelas práticas da GC. A figura a seguir apresenta as razões essenciais do
interesse da OCDE. Esses interesses provocaram a criação de um grupo de trabalho voltado para a GC
dentro da OCDE, agregando governos nacionais, mercado de capitais e grandes corporações privadas.

Mobilização do mercado
de capitais

Crescimento Desenvolvimento
das corporações das nações

Melhores práticas de governança corporativa

Figura 7 – Razões essenciais do interesse da OCDE pela GC

Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 174).

O resultado desse trabalho foi a criação de princípios, que seriam um suporte para os países-membros
sobre as boas práticas de GC. Em um primeiro momento, os princípios da OCDE aplicam-se a empresas
de capital aberto na Bolsa, mas podem se estender para empresas que não negociam ações no
mercado de capitais.

Segundo a OCDE (2004, p. 3):

Os princípios da OCDE sobre o governo das sociedades tornaram-se uma


referência internacional para decisores políticos, investidores, sociedades
e outros sujeitos com interesses relevantes em todo o mundo. Fizeram

33
Unidade I

progredir a calendarização de prioridades do governo das sociedades e


proporcionaram uma orientação específica para as iniciativas legislativas
e regulamentadoras tanto nos estados-membros da OCDE como em países
terceiros. O Fórum para a Estabilidade Financeira considerou os princípios
como uma das doze normas fundamentais para sistemas financeiros sólidos.
Os princípios servem também de base a um amplo programa de cooperação
entre os estados-membros da OCDE e países terceiros, além de justificarem a
vertente dos relatórios sobre o cumprimento de padrões e códigos do Banco
Mundial e FMI relacionada com o governo das sociedades.

Os princípios passaram por diversas revisões desde que foram criados, em 1999, e podem ser
sintetizados em oito pontos:

• As empresas devem promover os princípios da integridade e da transparência, em conformidade


com as leis e regulamentações, cooperando com a adoção das boas práticas de GC.
• Os direitos dos proprietários devem ser protegidos e deve ser garantida a sua participação ativa na
assembleia geral, elegendo e destituindo conselheiros, além de participar de decisões relevantes
na corporação.
• O tratamento dispensado aos acionistas majoritários e minoritários deve obedecer ao princípio da
equidade, além do acesso igual às informações de relevância na organização.
• É necessário o zelo pela participação de outras partes interessadas nas estruturas e ações de
governança, respeitando direitos consagrados, principalmente de empregados e credores.
• O desejo de transparência tem que se transformar em ações concretas, divulgando dados e
informações bem preparadas e auditadas no contexto contábil da organização.
• O sistema de governança estabelecido em uma organização deve especificar os papéis e as
responsabilidades do conselho de administração baseado em boas práticas de GC.
• Os riscos precisam ser bem gerenciados, de forma que exista identificação, classificação, mitigação
e plano de respostas, considerando matriz de probabilidade × impacto.
• Devem ser implementadas metodologias para avaliar os sistemas de governança da organização.

Lembrete

Compunham o código de melhores práticas da GC: definições sobre


responsabilidades de conselheiros e executivos nas organizações; gestão
das informações contábeis, abrangendo frequência, clareza e formato;
conselhos e seus papéis e constituições; auditoria nas suas responsabilidades
e atribuições; e elo entre acionistas, conselhos e auditores.

34
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

2.1.4 Lei Sarbanes-Oxley

Antes de entender a Lei Sarbanes-Oxley, é necessário conhecer bem todo o contexto em que se deu
a sua criação, nos Estados Unidos, no início dos anos 2000. Esse contexto caracterizou-se pela existência
de uma série de escândalos e fraudes envolvendo grandes empresas com ações abertas no mercado de
capitais, como a Enron, a Parmalat, a WorldCom e a Xerox, além de uma empresa de auditoria conhecida
como Arthur Andersen.

Das empresas envolvidas, a que ganhou maior destaque foi a Enron, que no início do ano 2001 era
considerada uma das maiores empresas do setor de energia do mundo e a sétima maior empresa dos
Estados Unidos. Sediada no Texas, a Enron tinha grande relação com o mundo privado e com o poder
público. Os seus negócios se espalharam por mais de quarenta países, inclusive no Brasil, especificamente
no Gasoduto Brasil-Bolívia e na Usina Termelétrica de Cuiabá.

O aumento vertiginoso do valor de mercado da Enron ocorreu devido à alta de preços no mercado
de energia e aos processos de desregulamentação incentivados pelo governo norte-americano nos EUA.
No entanto, próximo ao final do ano 2001, a Enron pediu concordata e, posteriormente, foi descoberta
uma série de fraudes cometidas pelos seus executivos nos balanços contábeis.

Observação

Estudos apontam que o endividamento da Enron atingiu aproximadamente


13 bilhões de dólares, sendo que várias de suas subsidiárias passaram
a assumir passivos que não eram contabilizados nas demonstrações
financeiras da empresa. A Enron ainda superestimou seus lucros em 600 milhões
de dólares, mascarando dívidas de 650 milhões de dólares.

Sobre o momento em que se deram os escândalos, Giacomelli (2017, p. 385) menciona que:

Em dezembro de 2001, o mundo, ainda abalado pelos atentados terroristas


ocorridos em 11 de setembro, foi surpreendido por outro evento com
proporções globais: a descoberta de manipulações contábeis em uma das
empresas mais conceituadas dos Estados Unidos: a Enron. Essa descoberta
deu início a um efeito dominó, com a constatação de práticas de manipulação
em várias outras empresas, não só norte-americanas, mas no resto do
mundo. Isso resultou em uma crise de confiança em níveis inéditos, desde
a quebra da Bolsa norte-americana em 1929; acarretou o enfraquecimento
do grau de confiança dos investidores, abalando o equilíbrio não apenas do
mercado daquele país, mas também dos demais mercados internacionais.

35
Unidade I

Todas as fraudes e escândalos cometidos pela Enron foram acobertados pela empresa responsável
pela auditoria: Arthur Andersen. Poucos meses depois, a Arthur Andersen, considerada uma das maiores
do mundo em seu setor, encerrou suas atividades e foi condenada pela Corte Federal de Houston no
Texas devido à obstrução de justiça no caso da Enron.

Saiba mais

Sobre a ascensão e a queda da Enron, incluindo o processo judicial no


Congresso norte-americano, assista ao documentário a seguir:

ENRON: os mais espertos da sala. Direção: Alex Gibney. EUA: Jigsaw


Production, 2005. 110 min.

Todo esse contexto gerou uma crise de confiança nos investimentos no mercado de capitais,
tradicionalmente considerado o mais desejado pelos investidores na sociedade dos EUA. Assim,
preocupado com essa situação, o Congresso norte-americano aprovou, em menos de um ano após o
início da crise, a Lei Sarbanes-Oxley, também conhecida como SOX, que marcou a história recente da GC.

A SOX recebeu esse nome porque foi assinada pelo senador democrata Paul Sarbanes, do estado de
Maryland, e pelo congressista republicano Michal Oxley, do estado de Ohio. A lei foi sancionada pelo
presidente George W. Bush, justamente um dos presidentes mais próximos da Enron e oriundo do estado
do Texas. George W. Bush foi governador do Texas no final da década de 1990. A lei promulgada abrange
os quatro valores da GC (conformidade, prestação de contas, transparência e equidade) e estabeleceu
uma extensa regulação na vida corporativa baseada em boas práticas de governança.

Considerando o valor conformidade da GC, a SOX estabeleceu que as empresas precisavam adotar um
código de ética para a alta direção, de forma a nortear a sua conduta em diversas situações envolvendo
conflitos de interesses e divulgação de informações. Uma cópia desse código deve estar em poder da
Securities and Exchange Commission (SEC).

Observação

A SEC exerce nos Estados Unidos o mesmo papel que a Comissão de


Valores Mobiliários (CVM) exerce no Brasil. Ela regulamenta e controla o
mercado de capitais.

Relacionado ao valor prestação de contas, a SOX estabelece que o Chief Executive Officer (CEO) e
o Chief Financial Officer (CFO) devem atestar que as informações financeiras são legítimas, além da
obrigatoriedade da existência de um comitê de auditoria. Esse comitê tem o objetivo de verificar os
números financeiros e o trabalho dos auditores.

36
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

No valor transparência, a SOX enfatiza a importância da comunicação de informações para a SEC.


Ainda relacionado a esse valor, a SEC pode requerer a divulgação imediata de informações relacionadas
aos negócios e que tenha certa influência no mercado de capitais.

Relativo ao último valor, que é a equidade, a SOX estabelece que o conselho de administração deve
determinar a remuneração do CEO. Sobre esse valor, a SOX também determina penas rígidas para as
fraudes que vierem a ocorrer nas corporações.

A SOX é composta de 11 capítulos, também conhecidos como títulos:

• Título 1: apresenta as bases para o estabelecimento do Órgão de Supervisão do Trabalho dos


Auditores Independentes, responsável por registrar auditorias e criar padrões para elas.

• Título 2: apresenta toda a ideia que cerca a independência que o auditor deve ter em seu trabalho.

• Título 3: voltado para as questões de responsabilidade corporativa atribuídas à alta direção


da organização.

• Título 4: está relacionado às regras que contribuem para o crescimento do nível de divulgação de
informações financeiras pertinentes.

• Título 5: apresenta as normas que minimizam a ocorrência de conflito de interesses de analistas


de corretoras de valores ou administração de fundos.

• Título 6: atribui autoridade à SEC (entidade que regula o mercado de capitais nos EUA) para
suspender empresas e profissionais de auditoria.

• Título 7: autoriza a SEC a analisar estudos e relatórios de mercado e das corporações.

• Título 8: estabelece regras e penalidades rígidas nos casos em que haja prestação de contas
fraudulentas.

• Título 9: estabelece o aumento das penalidades para crimes de colarinho branco.

• Título 10: estabelece que o CEO deve assinar o imposto de renda da pessoa jurídica.

• Título 11: define responsabilidade corporativa na ocorrência de fraudes e prestação de contas


adulteradas.

Observação

Todas as empresas que têm capital aberto na Bolsa de Valores dos


Estados Unidos são obrigadas a seguir a SOX e podem ser penalizadas pelo
seu descumprimento.

37
Unidade I

2.1.5 Impactos da SOX na área de tecnologia da informação

Já está bem claro para nós que um dos objetivos da SOX é estabelecer uma proteção dos investidores
no mercado de capitais americanos. Os mecanismos da SOX se fundamentam na implementação de
uma estrutura de controle interno sobre os relatórios e as informações financeiras. É justamente aí que
encontramos a relação e os impactos dessa regulamentação na área de TI.

Existem duas seções específicas da SOX que nos encaminham nesse entendimento das relações dos
sistemas de controle interno com a TI. A primeira seção é a 302, que menciona a responsabilidade do
CEO e do CFO na tratativa das informações financeiras, bem como o seu uso. A segunda seção é a 404,
bem mais clara sobre a importância dos relatórios de controle interno que contêm as informações.

O quadro a seguir apresenta um pequeno resumo das seções 302 e 404 que pode facilitar o nosso
entendimento.

Quadro 6 – Seções 302 e 404 da SOX

Seção 302 Seção 404


– O CEO e o CFO são responsáveis por manter e estabelecer – A administração tem a responsabilidade de
controles e procedimentos sobre a emissão de relatórios estabelecer e manter uma estrutura adequada de
financeiros e controles internos sobre tais relatórios, além controle interno e procedimentos para relatórios
de revisá-los. financeiros.
– Devem ser comunicadas mudanças nos controles internos – A administração deve avaliar a efetividade do
sobre relatórios financeiros, considerando o último ano sistema de controle interno sobre relatórios
fiscal. financeiros.
– Devem ser comunicadas as deficiências dos sistemas – Deve ser realizada uma auditoria externa
de controle interno que possam afetar a habilidade da específica sobre a avaliação interna da efetividade
empresa em registrar, processar, sumarizar e comunicar do sistema de controle interno feita pela
informações financeiras. administração.

Adaptado de: Fernandes e Abreu (2014).

É possível observar em trechos das seções 302 e 404 reproduzidos no quadro anterior uma
grande preocupação com as informações financeiras e os seus sistemas de controle, bem como as
responsabilidades sobre eles. Essas informações, conforme preconiza a SOX, devem ser apropriadas e
devem ter alta disponibilidade, integridade, além de ser as mais atualizadas possível e acessíveis às
partes interessadas.

Todos esses requisitos e necessidades impactam diretamente a área de TI. Isso ocorre porque as
informações financeiras, que são utilizadas pelos processos de negócios, estão inseridas e são trabalhadas
pelos sistemas de informação (sistemas de processamento de transações, sistemas ERP, sistemas de
informação gerencial, dentre outros).

É importante lembrar também que a maioria dos processos de negócio é executada a partir de
uma infraestrutura de TI (hardware, software, banco de dados e redes de computadores) estabelecida,
gerenciada e utilizada por toda a corporação.

38
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Dessa forma, temos a infraestrutura de TI, que é a base para o funcionamento dos sistemas de
informação. Estes auxiliam na automatização dos processos de negócio, que fornecem os relatórios e
as informações financeiras. A figura a seguir apresenta essa ideia.

Relatório e informações
financeiras

Processos de negócio
automatizados

Sistemas de informação

Infraestrutura de TI

Figura 8 – Influências da SOX na área de TI

Assim, a qualidade da informação entregue pelos sistemas de informação vai influenciar direta
ou indiretamente nos processos de TI, que precisam estar adequados ao atendimento dos requisitos
estabelecidos pela SOX. O próximo quadro apresenta uma relação entre os requisitos de qualidade da
informação (estabelecidos pelo SOX) e os processos de TI que são influenciados.

Quadro 7 – Requisitos de qualidade da informação e os processos de TI

Requisitos de qualidade Processos de TI que sofrem implicação da SOX


da informação
– Desenvolvimento de requisitos de software.
– Gerenciamento de requisitos de software.
– Métodos de engenharia de software.
O conteúdo da informação deve – Verificação (testes) e validação (aceitação pelos usuários).
ser apropriado
– Segurança da informação empregada nos aplicativos.
– Aceitação de produtos de terceiros.
– Gestão de mudança e configuração.
– Disponibilidade de aplicativos e infraestrutura.
– Gerenciamento de incidentes e problemas.
– Suporte aos usuários.
A informação deve estar
disponível quando for – Gestão de aplicativos e ativos de TI.
necessária
– Gerenciamento da infraestrutura.
– Gerenciamento de contingência.
– Gerenciamento de disponibilidade e desempenho.

39
Unidade I

Requisitos de qualidade Processos de TI que sofrem implicação da SOX


da informação
– Gerenciamento de dados.
A informação é atual ou pelo – Planejamento e gerenciamento da contingência e de desastres.
menos a última disponível
– Segurança da informação na infraestrutura.
– Controle de mudança e configuração.
– Gerenciamento de requisitos.
Os dados e as informações – Segurança da informação em aplicativos.
estão corretos – Segurança da infraestrutura de TI.
– Teste de software.
– Gerenciamento de dados.
Informação é acessível aos – Segurança da informação referente a controle de acessos e privilégios.
usuários interessados – Controle de autorizações.
– Avaliação de riscos de TI.
Há um sistema de controle
interno sobre relatórios – Gestão da qualidade.
financeiros
– Planos de desastres e recuperação.

Adaptado de: Fernandes e Abreu (2014).

Conforme visto no quadro anterior, são muitos os processos da TI impactados quando uma empresa
resolve adotar a SOX. E não só processos, mas outros habilitadores de TI também são influenciados,
fazendo com que a forma como a TI é governada seja também moldada a essas necessidades. Dentre os
aspectos de governança da área de TI impactados pelo SOX, podemos destacar:

• Necessidade de contemplar os requisitos de qualidade de informação no plano estratégico de TI.

• Implementação de um sistema de controle interno específico para a área de TI.

• Reformulação da maneira como se desenvolvem as aplicações de TI utilizadas pela área financeira.

• Implementação de uma gestão de riscos adequada ao negócio.

• Estabelecimento de um conjunto de indicadores que permitem monitorar constantemente o


desempenho dos processos de TI.

Saiba mais

Para conhecer a Lei Sarbanes-Oxley, leia:

SARBANES-OXLEY act of 2002. 2002. Disponível em: https://bit.ly/3hxg3Vv.


Acesso em: 18 maio 2021.

40
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

2.2 Modelos de governança corporativa

2.2.1 Modelos de governança corporativa utilizados no mundo

Ao observarmos o panorama mundial, encontramos diversas formas e sistemas de governança para


as corporações. Elas variam de país para país, de acordo com os fatores de diferenciação. Também são
perceptíveis fortes influências da cultura local e organizacional, além dos fatores e contextos históricos.

Segundo Rossetti e Andrade (2012), os fatores que diferenciam os modelos de governança


dos países são:

• tipo de financiamento predominante;

• relação entre a propriedade e o controle;

• relação entre a propriedade e a gestão;

• conflitos na relação de agência;

• estruturas de proteção legal aos acionistas minoritários;

• atuação do conselho de administração;

• grau de liquidez da participação acionária;

• origem das forças de controle mais atuantes;

• maturidade da governança corporativa;

• abrangência dos modelos de governança corporativa.

A partir desses fatores, encontramos pelo menos seis modelos de governança corporativa espalhados
pelo mundo. São eles:

• Modelo anglo-saxão: apresenta um padrão adotado em corporações da Inglaterra, do Canadá,


da Austrália e dos Estados Unidos. A principal característica desse modelo é a enorme dispersão
do capital de controle, implicando uma separação entre propriedade e gestão. Outra característica
interessante também é o financiamento predominantemente via mercado de capitais, que também
está relacionado à atuação de grandes forças externas no sistema de governo da corporação.
É comum afirmarmos que o modelo anglo-saxão é orientado para o mercado, por ser orientado e
guiado por ele.

41
Unidade I

• Modelo alemão: retrata as práticas de GC na Alemanha, que possui cruciais diferenças quando
relacionado ao modelo anglo-saxão. A primeira reside no tipo de financiamento, que, no modelo
alemão, é predominantemente bancário. Essa característica faz com que as relações entre empresas
e bancos sejam grandes e duradouras. Outra grande diferença é o capital acionário, que é muito
concentrado e tem os bancos controlando parte do capital. O modelo alemão é conhecido por ser
um modelo bank oriented, ou seja, orientado a Bancos.

• Modelo japonês: é muito parecido com o modelo alemão e é muitas vezes chamado de modelo
nipo-germânico. Ele é utilizado em empresas japonesas e se consolidou após a Segunda Guerra
Mundial, no processo de crescimento econômico japonês. A diferença em relação ao modelo
alemão reside na estrutura de propriedade e gestão (geralmente sobrepostas), na constituição e
na efetividade dos conselhos de administração (normalmente numerosos e com diversas funções)
e em questões centrais de governança (raros conflitos de agência, por exemplo).

• Modelo da Ásia emergente: é o praticado por corporações na Índia, em Taiwan, na Coreia do Sul,
na Malásia e na Indonésia. Diferentemente do Japão, que é caracterizado por práticas fortemente
distintas das adotadas no mundo ocidental, nos países da Ásia emergente encontramos
processos e sistemas de governança mais próximos dos europeus. As principais características
observadas nesses países são: conselhos de administração reduzidos; ausência de exigência
legal de separação entre os papéis de CEO e presidente do conselho de administração; e
nomeação de conselheiros independentes.

• Modelo latino-europeu: representa as práticas de GC encontradas em corporações da Itália,


Espanha, França e Portugal. Uma das principais características desse modelo é a propriedade
concentrada e controlada por consórcio de acionistas. Há de se acrescentar que, nesses países, há
um considerável número de empresas familiares, exigindo práticas específicas para governança
em empresas familiares.

• Modelo latino-americano: agrega as práticas de GC utilizadas na maior parte dos países


da América Latina, como o Brasil, a Argentina, o Chile, a Colômbia, o México e o Peru. Tem
características que guardam semelhanças com o modelo latino-europeu, no que tange às
empresas familiares e à propriedade concentrada. Outras características interessantes são:
baixa expressão no mercado de capitais; fortes influências político-econômicas; e conflitos
entre acionistas majoritários e minoritários.

O quadro a seguir apresenta um pequeno resumo das características dos modelos de governança
já mencionados.

42
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Quadro 8 – Características dos modelos de governança corporativa

Modelo Modelo Modelo


Características Modelo alemão Modelo japonês
anglo-saxão latino-europeu latino-americano
Propriedade e Concentração com Familiar
Dispersão Concentração Concentração
controle cruzamentos concentrado
Propriedade e gestão Separadas Sobrepostas Sobrepostas Sobrepostas Sobrepostas
Proteção legal de Forte Baixa ênfase Baixa ênfase Fraca Fraca
minoritários
Conselhos de Atuantes, foco Atuantes, foco em Atuantes, foco em Pressões para Vínculos com
administração em direitos operações estratégia maior eficácia gestão
Forças de controle Internas, migrando
Externas Internas Internas Internas
mais atuantes para externas
Governança
corporativa Estabelecida Adesão crescente Ênfase crescente Ênfase alta Embrionária

Abrangência
dos modelos Baixa Alta Alta Mediana Em transição
de governança
corporativa

Fonte: Andrade e Rossetti (2012, p. 344).

2.2.2 Governança corporativa no Brasil

Adentrando agora o contexto brasileiro, encontramos uma GC com práticas que começaram a se
disseminar no final da década de 1980, fortemente influenciadas por questões macroeconômicas e pela
cultura nacional. Esse movimento também se deu a partir dos crescentes investimentos de empresas de
fora do país e por meio dos processos de privatização das empresas estatais.

Observação

A década de 1970 foi caracterizada pela forte presença do Estado,


com suas empresas públicas. Na década de 1990, notadamente próximo
a seu fim, ocorreram as grandes privatizações dos setores de energia, de
telecomunicações, de siderurgia, dentre outros, que diminuíram a ideia
de “Estado-empresário”.

Outra característica histórica bem marcante nos sistemas de governo das empresas brasileiras é a
forte estrutura de propriedade familiar, favorecendo uma presença forte do acionista controlador na
administração da empresa. Em algumas situações, esse cenário resultou em gestões não profissionais
e em prejuízos na utilização de boas práticas de governança. No entanto, observou-se entre a década
de 1990 e início dos anos 2000 esforços na busca por boas práticas de GC. Dentre eles, é possível citar:
o surgimento do IBGC; a criação do Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo; a influência do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); a grande atuação da Comissão de
Valores Mobiliários (CVM); e a nova Lei das Sociedades Anônimas.

43
Unidade I

Dos esforços mencionados, vale a pena ressaltar o papel do Novo Mercado da Bolsa de Valores de
São Paulo, criado em dezembro de 2000 com segmento especial dedicado a empresas comprometidas
com a adoção de práticas efetivas de GC. O intuito era justamente relacionar a adoção séria de práticas
de GC ao aumento de valor de mercado da empresa.

Sobre esse marco, o BM&FBovespa (2008, p. 11) menciona que:

O Novo Mercado foi lançado em dezembro de 2000 como um segmento


especial de listagem do mercado principal da Bovespa. É uma seção destinada
à negociação de ações de empresas que adotem, voluntariamente, práticas
de governança corporativa adicionais às que são exigidas pela legislação
brasileira. A listagem nesse segmento especial implica a vinculação a um
conjunto de regras societárias que ampliam os direitos dos acionistas,
além da adoção de uma política de divulgação de informações mais
transparente e abrangente.

As regras para que as empresas integrem o Novo Mercado são bem mais exigentes que a legislação
em vigor, além de categorizá-las em três níveis distintos: Nível 1; Nível 2; e Novo Mercado. Os primeiros
dois níveis (1 e 2) preparam as corporações para as empresas aderirem ao nível máximo de Novo Mercado.
O quadro seguinte apresenta as características de cada um desses níveis.

Quadro 9 – Níveis do segmento de Novo Mercado

Nível 1 Nível 2 Novo Mercado


Cumprir todas as obrigações contidas no
Compromisso com a transparência Nível 1.
das informações do mercado e com a
dispersão acionária. Divulgação de demonstrações financeiras
de acordo com os padrões internacionais.
Publicação trimestral das demonstrações
financeiras consolidadas e da Conselho de administração com o mínimo Cumprir todas as obrigações
demonstração dos fluxos de caixa. de cinco membros e mandato unificado de contidas nos Níveis 1 e 2.
até dois anos, permitida a reeleição,
Realização de reuniões públicas com formado por, pelo menos, 20% de Emitir exclusivamente ações
analistas e investidores, ao menos uma conselheiros independentes. ordinárias.
vez por ano.
Direito de voto às ações preferenciais em Estender a todos os acionistas
Divulgação dos contratos firmados entre matérias relevantes como transformação, o direito de voto e iguais
a companhia e as partes relacionadas. incorporação, fusão, cisão da companhia condições obtidas pelos
Manutenção em circulação de uma e aprovação de contratos entre a controladores, quando
parcela mínima de 25% do capital social companhia e as empresas do mesmo da venda do controle da
da companhia (free float). grupo. companhia.
Realização de ofertas públicas Adesão à câmara de arbitragem do Divulgação simultânea, em
de colocação de ações por meio de mercado para resolução de conflitos inglês e português, de fatos
mecanismos que favoreçam a dispersão societários. relevantes, informações sobre
do capital. proventos e press releases de
Extensão, para todos os acionistas resultados.
Compromisso de não elevação do detentores de ações ordinárias, das iguais
percentual de ações preferenciais sobre a condições obtidas pelos controladores
totalidade do capital comparativamente quando da venda do controle da
ao percentual existente antes do ingresso companhia e de, no mínimo, 80%
no Nível 1. desse valor para os detentores de ações
preferenciais.

Adaptado de: Silva (2016).

44
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Saiba mais

Para conhecer as empresas listadas no Novo Mercado e os demais


segmentos da Bolsa de Valores, consulte:

B3. Ações. [s.d.]. Disponível em: https://bit.ly/2S5Bq5J. Acesso em:


19 maio 2021.

Convém também destacar o papel do BNDES e da CVM e as suas influências na governança corporativa.
O BNDES foi decisivo desde o ano 2000 para as pequenas e médias empresas por meio de operações com
capital de risco, estimulando a utilização de práticas de GC. Já a CVM, com uma capacidade ampliada de
intervenção, incentivou de forma diferenciada as melhores ações de GC nas empresas.

2.2.3 IBGC

Impossível abordar a temática da GC no Brasil e não falar no IBGC, que teve, ao longo dos últimos
25 anos, decisiva participação na adoção de boas práticas de GC. O IBGC é uma entidade sem fins
lucrativos com abrangência no território nacional que foi fundada em 1995, chamada inicialmente de
Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA). Inicialmente, o IBCA tinha por finalidade
promover a formação de profissionais para atuar em conselhos de administração, de forma a contribuir
para o desenvolvimento dos negócios e da gestão das companhias.

Com o intuito de promover as melhores práticas para os sistemas de governo das corporações, o IBGC
lançou, em 1999, o primeiro código de melhores práticas de governança produzido no Brasil. Em sua
primeira versão, o foco foi dado nas recomendações importantes para os conselhos de administração, mas
uma revisão, em 2001, possibilitou estender as recomendações para proprietários, alta administração,
auditorias e conselho fiscal. Hoje o código encontra-se em sua quinta edição, publicada em 2015.

Sobre o código, o IBGC (2015, p. 18) menciona que:

Este Código não tem o intuito de ser um modelo rígido de boas práticas de
governança, mas sim uma referência de consulta visando a uma reflexão e
aplicação em cada caso, sempre levando em conta o arcabouço regulatório
(compulsório e facultativo) a que a organização está submetida. Não se
trata de um conjunto de práticas a ser adotado exaustiva e mecanicamente.
A estruturação do texto em “fundamento” e “práticas” tem por fim estimular
o exercício de reflexão das práticas a serem adotadas, de maneira tal que se
adaptem à estrutura, à realidade e ao estágio do ciclo de vida da organização.
As motivações para adoção ou não de determinada prática devem estar
devidamente claras e fundamentadas pelos tomadores de decisão, de tal
modo que permitam avaliação por suas partes interessadas.

45
Unidade I

Assim, o código é estruturado em cinco partes bem definidas:


• Parte 1 (sócios): apresenta as práticas relacionadas aos sócios, envolvendo estatuto/contrato
social, mecanismos de proteção, acordos e práticas para a assembleia geral, dentre outras.
• Parte 2 (conselho de administração): apresenta atribuições, composição, papéis dos conselheiros,
disponibilidade de tempo, avaliação do conselho e dos conselheiros, dentre outros.
• Parte 3 (diretoria): apresenta atribuições e papéis da diretoria, além de questões envolvendo a
transparência, a remuneração e o relacionamento com as partes interessadas, dentre outros.
• Parte 4 (órgãos de fiscalização e controle): apresenta atribuições e papéis do comitê de
auditoria, do conselho fiscal, da auditoria independente, da auditoria interna e questões voltadas
para o gerenciamento de riscos, controle interno e conformidade.
• Parte 5 (conduta e conflito de interesses): apresenta os padrões de conduta e comportamento
aplicáveis a um ou mais agentes de governança corporativa, abrangendo código de conduta,
canal de denúncias, comitê de conduta, conflito de interesses, dentre outros.
As quatro primeiras partes referem-se ao sistema de governança das corporações, que, segundo o
IBGC (2015), situa-se no contexto e na estrutura descritos a seguir.

ent ação (compulsória e facu


ulam l t at
iva)
Reg

Sócios

Auditoria Conselho de
administração Conselho fiscal
independente
Secretaria de
Auditoria governança
interna
C. auditoria Comitês

Diretor-Presidente

Diretores
Administradores

Partes interessadas
Meio ambiente

Figura 9 – Contexto e estrutura do sistema de governança corporativa

Fonte: IBGC (2015, p. 19).

46
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Saiba mais

Para conhecer um pouco mais sobre o IBGC e sobre as melhores práticas


de GC aplicadas no Brasil, leia:

IBGC. Código das melhores práticas de governança corporativa. 5. ed.


São Paulo: IBGC, 2015.

2.2.4 Governança corporativa em empresas familiares

Percebemos que é uma realidade inerente ao Brasil e em muitos outros países do mundo a presença
de empresas consideradas familiares. Elas são caracterizadas por ter o controle e, muitas vezes, a gestão
executados pela família proprietária do negócio. No Brasil, bons exemplos de empresas familiares são:
Grupo Sílvio Santos; Grupo Votorantim; e Casas Bahia.

Moura (2020) menciona que uma das realidades mais desafiadoras nessas empresas é ter perenidade
diante da sucessão de gerações no comando e demais turbulências naturais que ocorrem nas famílias.
Estudos desde a década de 1980 mostravam que só 13% das empresas familiares duravam até a terceira
geração, configurando-se assim um desafio para as famílias proprietárias de empresas.

Adentrando especificamente a governança das empresas familiares, o IBGC conduziu uma pesquisa
em 2020 com um estudo qualitativo no qual é possível verificar várias temáticas presentes, tais como a
necessidade de transparência, o conflito de interesses e o plano de sucessão.

O IBGC também aponta – por meio de seu Caderno 15, que fala sobre a governança da família
empresária – desafios e recomendações para essas empresas. Encontramos em IBGC (2015) instruções
sobre o conselho de família. Esse conselho é perfeitamente reconhecido como parte integrante
da governança corporativa e é formado quando uma ou mais famílias tiverem propriedade sobre
a corporação.

O conselho de família pode atuar de duas formas distintas:

• Estabelecer-se como parte integrante do conselho de administração, apresentando como


vantagem o envolvimento da família na estratégia. A desvantagem dessa primeira forma reside
na enorme influência direta da família nas questões corporativas.

• Atuar como um órgão independente do conselho de administração, assumindo papéis específicos


e até atuando como contraponto ao conselho de administração. Nesse formato, o conselho de
família pode cooperar com a melhoria da qualidade no processo decisório.

47
Unidade I

Seja qual for a forma de atuação, o conselho de família deve se consolidar sempre no processo
sucessório e na perenidade da empresa familiar. Pode-se dizer também que o conselho de família precisa
zelar pela administração do patrimônio familiar relacionado à empresa.

A figura a seguir apresenta a ideia de interação entre o conselho de família, o conselho de


administração e a diretoria executiva.

Conselho de Conselho
administração de família

Diretoria
executiva

Figura 10 – Interação entre conselhos e a direção executiva

Fonte: Oliveira (2015, p. 81).

Em IBGC (2015, p. 36) encontramos algumas boas práticas para o conselho de família que podem ser
aplicadas em empresas brasileiras.

a) Organizações de controle familiar devem considerar a criação de


um conselho de família, grupo formado para discussão de assuntos
familiares e alinhamento das expectativas dos seus componentes em
relação à organização.

b) Cabe ao conselho de família:

I. a definição dos limites entre interesses familiares e empresariais;

II. a preservação dos valores familiares (ex.: história, cultura e visão


compartilhada) e o tratamento da organização como fator de união e
continuidade da família;

III. a definição de critérios para proteção patrimonial, crescimento,


diversificação e administração de bens da família;

IV. a criação de mecanismos (ex.: fundo de participação) para a aquisição de


participação de sócios que desejem se retirar da sociedade;

V. o planejamento da sucessão, a transmissão de bens e herança;

48
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

VI. o acompanhamento da preparação dos membros da família para a


sucessão na organização, considerando os aspectos vocacionais, o futuro
profissional e a educação continuada;

VIII. a definição de critérios para a indicação, se for o caso, de membros da


família para atuarem como colaboradores ou administradores.

Saiba mais

Para conhecer um pouco mais sobre a governança em empresas


familiares, leia:

MOURA, M. Supergovernança: um olhar ampliado sobre os desafios das


empresas familiares. São Paulo: Trevisan, 2020.

Resumo

Iniciamos esta unidade buscando compreender que a governança de TI


deve ser concebida a partir da governança corporativa, justamente porque é
dela que se desdobram as estratégias, práticas, comportamentos desejáveis
e sistemas de governo em todas as áreas do ambiente organizacional,
inclusive na própria área de TI.

Assim, apresentamos a governança corporativa como um sistema de


relações dentro de uma estrutura de poder, mas também como guardiã
de direitos, a partir do estabelecimento de um sistema normativo
fundamentado em quatro princípios: equidade; transparência; prestação
de contas; e conformidade. Esses princípios, também conhecidos como
valores, norteiam as ações e as melhores práticas de governança corporativa,
bem como o estabelecimento das estruturas e dos ambientes de poder,
envolvendo assembleia geral, conselho de administração, direção executiva
e demais comitês.

Buscamos situar o despertar e a chegada da governança corporativa dentro


de um horizonte histórico, considerando o desenvolvimento do capitalismo, o
gingantismo das organizações e o desenvolvimento da administração como
ciência. Ressaltamos também os marcos recentes, com ênfase maior para a
Lei Sarbanes-Oxley, pelo simples motivo de ser uma das regulamentações
que mais afeta a TI no mundo.

49
Unidade I

Avançamos ainda mais na temática de governança, apresentando modelos


praticados em diversas partes do mundo e no Brasil. Considerando especificamente
o território nacional, mencionamos a importância do surgimento do IBGC; a
criação do Novo Mercado da Bolsa de Valores de São Paulo; a influência do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); a grande atuação da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM); e a nova Lei das Sociedades Anônimas.

Apresentamos ainda diversas informações sobre o código de melhores


práticas do IBGC e encerramos esta unidade abordando o contexto de
empresas familiares, incluindo as boas práticas nos seus sistemas de governo.

50
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Exercícios

Questão 1. Leia o trecho do artigo a seguir, publicado na Revista Observatorio de la Economía


Latinoamericana.

O conceito mais difundido de governança corporativa no Brasil é definido pelo IBGC (Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa).

Segundo o IBGC, governança corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas,
monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, conselho de
administração, diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de governança corporativa convertem
princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar
o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para sua longevidade (IBGC,
2015, p. 19).

Silveira (2005) define a governança corporativa como o conjunto de mecanismos internos e


externos que buscam harmonizar a relação entre gerentes e acionistas, dada a separação entre controle
e propriedade.

Os conflitos de agência são um dos fatos que levam as empresas a discutir a necessidade
de implementação da governança corporativa. Os problemas de agência ocorrem quando os
executivos/gerentes tomam decisões com a intenção de maximizar sua utilidade pessoal, e não a
riqueza dos parceiros (SILVEIRA, 2005).

Andrade e Rossetti (2009) também destacam outros fatores que requerem mudanças nas práticas
de gerenciamento, como no caso da relação acionista-empresa, em que é possível destacar o abuso de
poder dos acionistas majoritários e a baixa participação dos acionistas minoritários.

Outro conflito é identificado na constituição dos conselhos de administração, em que há baixa


eficiência e conflito de interesses (as escolas arbitram para seu próprio benefício) e em que as
competências desses diretores não são critérios para sua eleição. Para resumir, os conflitos de interesse
não foram perfeitamente assimétricos, o que levou à aproximação da propriedade e da gestão, devido à
adoção de boas práticas de governança (ANDRADE; ROSSETTI, 2009).

Por outro lado, a governança trata da aquisição e distribuição de poder na sociedade, enquanto a
governança corporativa diz respeito à forma como as corporações são administradas. A governança
corporativa no setor público, por sua vez, refere-se à administração das agências do setor público, por
meio dos princípios de governança corporativa do setor privado, que são totalmente aplicáveis no setor
geral do Estado, em que as agências de serviços não públicos são agrupadas (BHATTA, 2003, p. 5-6).

51
Unidade I

Os fundamentos da governança pública estão apoiados nos estudos desenvolvidos no âmbito das
ciências econômica e política. A governança (governance), sob a ótica econômica, tem como foco o
estudo das modalidades de coordenação dos sistemas de negócios (WITHLEY, 1996). As pesquisas mais
relevantes da governança sob a perspectiva econômica estão apoiadas na teoria de custos de transação
(WILLIAMSON, 1991) e na teoria institucional (MEYER; ROWAN, 1992).

Na ótica da ciência política, a governança pública está associada a uma mudança na gestão política.
Nesse sentido, o enfoque da ciência política está orientado para as formas de interação nas relações de
poder entre o Estado, o governo e a sociedade, dedicando especial atenção aos processos de cooperação
e aos mecanismos para estimular as relações entre os principais atores envolvidos nesse esforço: governo,
setor privado e terceiro setor (MATIAS PEREIRA, 2009).

JESUS, M. R.; DALONGARO, R. C. Governança corporativa na administração municipal: uma análise do resultado
econômico da Secretaria de Fazenda de Ijuí (RS) – Brasil. Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, 2018.
Disponível em: https://bit.ly/34eOrws. Acesso em: 25 maio 2021. Adaptado.

Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas.

I – A aplicação das boas práticas de governança corporativa possibilita que ideais sejam efetivados
em indicações práticas, relações entre gestores e agentes externos sejam harmonizadas e interesses
diversos sejam alinhados.

II – A implantação dos princípios da governança corporativa tende, por exemplo, a resolver questões
relativas a problemas de desempenho dos conselhos administrativos e a solucionar impasses oriundos
de excessos praticados por acionistas de maior participação.

III – Podemos interpretar as práticas da governança pública como mecanismos empregados


para preservar os procedimentos já existentes e consolidados em determinada gestão política, o que
dispensa a consideração de processos cooperativos que possam ser negociados com o setor privado e o
terceiro setor.

É correto o que se afirma em:

A) I, apenas.

B) II, apenas.

C) III, apenas.

D) I e II, apenas.

E) I, II e III.

Resposta correta: alternativa D.

52
GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: segundo o texto, de acordo com o IBGC, “governança corporativa é o sistema pelo
qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre
proprietários, conselho de administração, diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de governança
corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade
de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para
sua longevidade (IBGC, 2015, p. 19)”. Além disso, Silveira (2005) define a governança corporativa como
“o conjunto de mecanismos internos e externos que buscam harmonizar a relação entre gerentes e
acionistas, dada a separação entre controle e propriedade”.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: segundo o texto, “os conflitos de agência são um dos fatos que levam as empresas a
discutir a necessidade de implementação da governança corporativa. Os problemas de agência ocorrem
quando os executivos/gerentes tomam decisões com a intenção de maximizar sua utilidade pessoal, e
não a riqueza dos parceiros (SILVEIRA, 2005)”. Além disso, “Andrade e Rossetti (2009) também destacam
outros fatores que requerem mudanças nas práticas de gerenciamento, como no caso da relação
acionista-empresa, em que é possível destacar o abuso de poder dos acionistas majoritários e baixa
participação dos acionistas minoritários”. Adicionalmente, “outro conflito é identificado na constituição
dos conselhos de administração, em que há baixa eficiência e conflito de interesses (as escolas arbitram
para seu próprio benefício) e em que as competências desses diretores não são critérios para sua eleição”.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: segundo o texto, “na ótica da ciência política, a governança pública está associada
a uma mudança na gestão política”. Além disso, “nesse sentido, o enfoque da ciência política está
orientado para as formas de interação nas relações de poder entre o Estado, o governo e a sociedade,
dedicando especial atenção aos processos de cooperação e aos mecanismos para estimular as relações
entre os principais atores envolvidos nesse esforço: governo, setor privado e terceiro setor (MATIAS
PEREIRA, 2009)”.

Questão 2. Leia o trecho do artigo a seguir, publicado na Revista Observatorio de la Economía


Latinoamericana.

De acordo com o código de boas práticas de governança corporativa, existem quatro princípios
básicos de governança corporativa, mostrados a seguir.

Transparência. A transparência refere-se à obrigação, ou ao desejo, da empresa de disponibilizar


às partes interessadas informações que lhes interessem. Isso resulta em um clima de confiança, tanto
interno quanto em relação a terceiros.

53
Unidade I

Equidade. A equidade é caracterizada pelo tratamento justo e equitativo de todos os parceiros e


outras partes interessadas. Qualquer tipo de discriminação é totalmente inaceitável.

Prestação de contas. Todos os envolvidos nas atividades relacionadas à governança (conselho


de administração, conselho fiscal e auditores) devem ser responsáveis por suas ações, assumindo as
consequências de suas ações e de suas omissões.

Responsabilidade corporativa. A responsabilidade corporativa está relacionada à ética. A empresa


deve, além de respeitar as leis de seu país, ter uma definição clara de seus valores e princípios éticos, por
isso, deve garantir a sustentabilidade da empresa, com vistas à sua longevidade.

JESUS, M. R.; DALONGARO, R. C. Governança corporativa na administração municipal: uma análise do resultado
econômico da Secretaria de Fazenda de Ijuí (RS) – Brasil. Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, 2018.
Disponível em: https://bit.ly/34eOrws. Acesso em: 25 maio 2021. Adaptado.

Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas.

I – De acordo com o princípio da equidade, cada um dos participantes das tarefas vinculadas à
governança corporativa responde por seus atos e por suas eventuais negligências.

II – De acordo com o princípio da transparência, a organização deve oferecer às pessoas o que lhes
é devido em termos de informações.

III – De acordo com o princípio da responsabilidade corporativa, a clareza com que a organização
define seus princípios e seus valores assegura-lhe estabilidade e tende a prolongar sua existência.

É correto o que se afirma em:

A) I, apenas.

B) II e III, apenas.

C) III, apenas.

D) I e II, apenas.

E) I, II e III.

Resposta correta: alternativa B.

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GOVERNANÇA CORPORATIVA DE TI

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: conforme o texto, segundo o princípio da prestação de contas, “todos os envolvidos nas
atividades relacionadas à governança (conselho de administração, conselho fiscal e auditores) devem ser
responsáveis por suas ações, assumindo as consequências de suas ações e de suas omissões”.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: conforme o texto, o princípio da transparência “refere-se à obrigação, ou ao desejo, da


empresa de disponibilizar às partes interessadas informações que lhes interessem”. Adicionalmente, “isso
resulta em um clima de confiança, tanto interno quanto em relação a terceiros”.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: conforme o texto, o princípio da responsabilidade corporativa está vinculado à ética.


Além disso, “a empresa deve, além de respeitar as leis de seu país, ter uma definição clara de seus valores
e princípios éticos, por isso, deve garantir a sustentabilidade da empresa, com vistas à sua longevidade”.

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