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Bacharel em Comunicação Social pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo,
pós-graduado em Marketing de Serviços pela Universidade Paulista (UNIP) e mestre em Administração pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Profissional de marketing, possui vinte anos de experiência executiva
em empresas nacionais e multinacionais dos ramos de embalagens, equipamentos, gráfico, financeiro e de serviços.
CDU 65.012.2
U515.31 – 22
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Unip Interativa
Material Didático
Comissão editorial:
Profa. Dra. Christiane Mazur Doi
Profa. Dra. Angélica L. Carlini
Profa. Dra. Ronilda Ribeiro
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista
Profa. Deise Alcantara Carreiro
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Vitor Andrade
Lucas Ricardi
Sumário
Administração Estratégica
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 CASO DA IBM........................................................................................................................................................9
2 ENTENDENDO O QUE É A ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA............................................................. 12
2.1 Evolução histórica da estratégia..................................................................................................... 14
2.1.1 Período de 1900 a 1950........................................................................................................................ 19
2.1.2 A matriz produto/mercado de Ansoff............................................................................................. 21
2.1.3 Período das décadas de 1950 e 1960.............................................................................................. 24
2.1.4 Matriz BCG................................................................................................................................................. 25
2.1.5 Matriz GE/McKinsey................................................................................................................................ 29
2.1.6 Michael Porter e estratégia.................................................................................................................. 32
2.1.7 Década de 1980 em diante.................................................................................................................. 39
2.1.8 Mintzberg e estratégia........................................................................................................................... 40
2.1.9 A vantagem competitiva de Ghemawat e Rivkin ...................................................................... 43
2.2 O processo de administração estratégica.................................................................................... 45
2.3 Níveis de decisão estratégica........................................................................................................... 46
Unidade II
3 ANÁLISE DO AMBIENTE EXTERNO E DO AMBIENTE INTERNO....................................................... 53
3.1 Análise do Ambiente Externo........................................................................................................... 53
3.2 Análise do Ambiente Interno............................................................................................................ 59
4 A INTEGRAÇÃO DAS ANÁLISES – SWOT.................................................................................................. 62
Unidade III
5 CASO HAVAIANAS............................................................................................................................................ 69
5.1 Formulação estratégica de nível corporativo............................................................................ 76
5.1.1 Estratégia de crescimento.................................................................................................................... 76
5.1.2 Estratégia de estabilidade.................................................................................................................... 80
5.1.3 Estratégia de retração............................................................................................................................ 81
5.2 Formulação estratégica de nível de negócio............................................................................. 82
5.2.1 Liderança de custo.................................................................................................................................. 82
5.2.2 Diferenciação............................................................................................................................................. 85
5.2.3 Foco............................................................................................................................................................... 86
5.3 Formulação estratégica de nível funcional................................................................................ 89
5.3.1 Estratégia de RH....................................................................................................................................... 89
5.3.2 Estratégia de vendas/marketing........................................................................................................ 90
5.3.3 Estratégia de produção/operação..................................................................................................... 95
5.3.4 Outras estratégias funcionais............................................................................................................. 97
6 CAMPOS E ARMAS DA COMPETIÇÃO: NOVO MODELO DE ESTRATÉGIA.................................... 97
6.1 Campos de competição...................................................................................................................... 98
6.2 Armas de competição........................................................................................................................102
Unidade IV
7 CASO MASTERCARD......................................................................................................................................113
7.1 Implementação das estratégias.....................................................................................................115
7.2 Balanced Scorecard (BSC)................................................................................................................121
7.2.1 Perspectiva financeira......................................................................................................................... 124
7.2.2 Perspectiva do cliente......................................................................................................................... 126
7.2.3 Perspectiva de processos internos................................................................................................. 127
7.2.4 Perspectiva de aprendizagem e crescimento............................................................................ 128
7.3 Design Thinking....................................................................................................................................128
7.4 Controle...................................................................................................................................................133
8 APRENDIZADO ESTRATÉGICO....................................................................................................................137
APRESENTAÇÃO
Esta disciplina trata do processo estratégico para a formulação das estratégias organizacionais
(corporativas, de negócios e funcionais) a partir de ferramentas e métodos de análise dos ambientes
e informações relevantes que afetam o negócio. Trata da implementação das estratégias por meio da
definição dos objetivos estratégicos e respectivos indicadores de desempenho, metas e planos de ação,
bem como do controle e aprendizado do processo estratégico.
Serão discutidos aspectos importantes, como níveis de decisão, estratégia versus estrutura, análise
de ambiente competitivo, matriz BCG, formulação de estratégias, campos e armas de competição,
Balanced Scorecard (BSC) entre outros.
Para exemplificar o conteúdo abordado, serão estudados casos de empresas com descrição
de estratégias.
Bons estudos!
INTRODUÇÃO
Você certamente está observando as mudanças que ocorrem no mercado empresarial desde a
virada do século.
• O Waze for criado em 2008 em Israel, cresceu rapidamente e foi comprado pelo Google em
2013 por quase 1 bilhão de dólares. É um modelo de negócios cujos principais inputs são dados
gratuitamente pelos usuários quando usam o aplicativo, mostrando sua velocidade na via. Esses
dados são consolidados e vendidos para anunciantes. Fonseca (2019) afirma que o Waze tem 115 milhões
de usuários ativos em 185 países.
• A Uber foi criada em 2009 na Califórnia, cresceu pelos EUA e cruzou o Atlântico, sendo lançada em
Londres em 2012. O resto do mundo foi recebendo o serviço nos anos seguintes. Em 2019 abriu seu
capital na Bolsa de Nova York e foi avaliada em US$ 82 bilhões, mesmo sem nunca ter registrado
lucro. Parece um contrassenso, mas o valor de mercado de uma empresa tem muito a ver com as
perspectivas de ganhos futuros – o que no caso da Uber é uma aposta bastante razoável.
E o que dizer de segmentos de mercado sendo abandonados em um país, por exemplo, a Ford
Caminhões? O fato é relevante, pois o Brasil depende muito do modal rodoviário para transporte de
cargas (o modal ferroviário é incipiente pelo volume, e o aéreo é caro demais). Em 2019, a unidade
de negócios da Ford que fabricava caminhões no Brasil foi fechada e a marca saiu do setor no país.
O motivo principal foi a necessidade de altos investimentos para adequar os produtos às exigências
legais do Proconve P8 (emissões de poluentes e adequação a testes mais rigorosos de consumo), além
da existência de mercados mais promissores em outros países.
Recentemente, muitas empresas líderes mundiais abandonaram seus negócios. No início deste
século, a empresa finlandesa Nokia foi líder em celulares. Provavelmente você lembra de alguns
modelos, pois eram extremamente comuns no Brasil. Por conta de decisões estratégicas equivocadas
(que discutiremos neste livro-texto), quase faliu. Abandonou o ramo de celulares por vários anos e há
pouco voltou ao mercado, porém sem grande representatividade.
Observe que destacamos uma pequena parte das profundas mudanças no ambiente competitivo.
O ambiente é turbulento e pode quebrar tanto empresas pequenas quanto organizações bem estruturadas.
Por outro lado, é desafiador por permitir rápido crescimento. Cada vez mais fica claro que é preciso ter
foco estratégico e olhos atentos para ameaças e oportunidades.
Este livro-texto pretende contribuir para o aumento de seu conhecimento sobre esse foco estratégico
tão necessário no mundo globalizado e competitivo em que vivemos. Serão acentuados vários exemplos
para esclarecer aspectos teóricos, com tabelas, ilustrações e gráficos, a fim de facilitar seu aprendizado.
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ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Unidade I
1 CASO DA IBM
A IBM é uma multinacional americana de informática. Como os mercados mudam com o tempo,
a estratégia também deve ser adequada. A empresa foi líder mundial de fabricação de computadores
de grande e médio porte durante décadas no último século. Hoje é uma das líderes mundiais de TI em
nuvem. A IBM abandonou a fabricação de computadores que a fez famosa, ou seja, a estratégia mudou
com o tempo.
Fundada em 1911 por meio da fusão de três empresas, o nome original da IBM era CTR (Computing
Tabulating Recording Company) e fabricava registradores mecânicos de tempo para máquinas industriais,
instrumentos de aferição de peso, relógios e máquinas de cartões perfurados para tabulação (precursores
dos computadores). Eram centenas de produtos das três empresas originais que eram vendidos somente
para empresas, e não pessoas físicas.
Em 1914, passou a fabricar caixas registradoras e outras máquinas, mantendo o foco inicial de
atender empresas. Sua primeira filial fora dos EUA foi no Brasil, em 1917, onde vendia máquinas que
tabulavam o censo demográfico de 1920. De fato, tem presença centenária no Brasil.
9
Unidade I
Em 1924, a empresa mudou o nome para International Business Machines Corporation (IBM), utilizado
até hoje. O novo nome estabelece claramente o foco em produzir máquinas que auxiliam negócios.
1924-1946 1947-1956 1956-1972 1972-present
Na década de 1930, a IBM lançou com sucesso vários modelos de calculadoras mecânicas. Na
Segunda Guerra (1939-1945), criou novas calculadoras e colocou todas as fábricas americanas à
disposição do governo americano para compensar a nacionalização da filial alemã pelo governo
nazista, que utilizou suas máquinas de cartões perfurados e outros equipamentos no esforço de
guerra contra os Aliados.
Na década de 1950, a IBM lançou o primeiro computador de grande porte feito em linha de produção:
o IBM 650. Foram cerca de 2 mil unidades em cinco anos. Ainda criou calculadoras eletrônicas
programáveis (que pesavam 600 quilos e não tinham teclado, só cartões perfurados) e máquinas para
contabilidade. Na década de 1960, a IBM tornou-se a maior fabricante de computadores de grande
porte do mundo e também passou a fabricar máquinas de escrever elétricas.
10
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
A) B)
C) D)
Figura 4 – Máquina contábil IBM 632 (A); calculadora eletrônica programável IBM 604 (B);
computador IBM 650 (C); máquina de escrever elétrica IBM Selectric (D)
Anos depois, a IBM lançou o disquete flexível (originalmente de 8”), as máquinas automáticas de
banco e o terminal de caixas de supermercados, destacados a seguir.
A) B) C)
Figura 5
Em 1981, a IBM lançou o primeiro modelo de computador pessoal feito em massa, o PC-XT, e passou
a ser uma das maiores empresas do mundo. Fabricou vários modelos, inclusive de computadores
portáteis (que pesavam 15 kg), com grande sucesso.
11
Unidade I
A) B)
Nos anos 2000, tudo mudou. Assim, a IBM começou a se desfazer das unidades de negócio de
produtos físicos como hard disks (HDs), periféricos, computadores etc. Deixou de fabricar hardware após
quase cem anos. O foco concentrou-se em serviços, patentes e desenvolvimento de tecnologia. Hoje, a
empresa tem 350 mil funcionários no mundo e fatura mais de US$ 77 bilhões.
Recentemente, novos concorrentes menores surgiram, sobretudo, por meio de aplicativos: Nu Bank,
PIC PAY, Banco Original etc., além do crescimento de corretoras como XP e Rico. Esses novos concorrentes
passaram a tomar parte do mercado. Neste livro-texto, vamos discutir sobre a força competitiva de
novos entrantes.
A) B) C)
A competição cria a necessidade de fazer as organizações serem melhores, mais eficientes e mais
baratas que os concorrentes: o objetivo é que o cliente não escolha outra marca. É necessário que haja
vantagens competitivas para permanecer no mercado – e para crescer, mais ainda.
13
Unidade I
De acordo com Ansoff (1965), a vantagem competitiva procura identificar propriedades específicas
e combinações individuais de produtos e mercados que dão à empresa uma forte posição concorrencial.
Numa outra definição:
Ou seja, para competir é necessário adotar estratégias que os concorrentes não tenham condições
de copiar. Para adotar essas estratégias, é preciso entender a administração estratégica:
Na Grécia Antiga, período histórico compreendido entre os séculos XV e III a.C., a palavra strategía
significava “a arte de ser general” liderando exércitos e derrotando inimigos. Você provavelmente assistiu
a filmes ou leu livros sobre guerras e conflitos armados. Pois é exatamente esse o ponto de partida: a
estratégia é necessária quando há competição! Quando exércitos se enfrentam, estão competindo por
algo: terreno, recursos, poder etc. Quando empresas se enfrentam no mercado, estão competindo
por algo também: o cliente.
14
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Muito embora pareça estranho à primeira vista, sob o ponto de vista da teoria econômica, empresas
que atuem de forma idêntica para atingir os mesmos clientes são redundantes: bastaria uma existir.
Pense numa pequena cidade no agreste. Poucos habitantes, a maioria espalhada na região rural, baixa
renda, uma única escola e um só mercadinho. Sob a ótica de utilidade econômica, não faz sentido abrir
outro mercadinho, a não ser que o novo negócio tenha diferenciais e acabe sobrepujando o outro.
Dois mercadinhos de atuação semelhante vão dividir o mesmo mercado e a rentabilidade dos dois será
sofrível – talvez ambos quebrem.
Em mercados grandes o suficiente para acomodar dois ou mais competidores, quando a atuação de
um é percebida como diferente e positiva, este naturalmente se sobrepõe aos outros e conquista espaço,
crescendo mais rapidamente. Como vimos, esse é o papel da estratégia: criar vantagens competitivas
dificilmente copiáveis pelos concorrentes.
Observação
O fator cópia é extremamente comum nos negócios. E não estamos
falando de produtos falsificados, e sim de cópia de ideias sem proteção
de registro oficial. Por exemplo, a Record tentou anos atrás copiar
declaradamente (a própria emissora noticiou) a grade de programação
da Globo. No início da noite, por décadas, a grade da Globo era: novela I
(inicialmente às 18h, foi mudando para 18:20); jornalismo local (SP TV, RJ
TV etc.); novela II (inicialmente às 19h, foi mudando para 19:30); jornalismo
nacional (Jornal Nacional); novela III (inicialmente às 20h, foi mudando
para 21:30); e variedades (filmes, programas e séries que variavam por
noite). A Record copiou exatamente a mesma grade de programação e
após anos acabou desistindo da cópia, pois não foi bem-sucedida como
desejava: a audiência não mudou de canal em quantidade suficiente. O
que se percebe é que a vantagem competitiva da Globo não é somente essa
grade de programação: há inúmeros elementos exclusivos que a Record
não conseguiu copiar.
[...] o livro cobre todos os aspectos de como se fazer uma guerra e fornece
grandes quantidades de conselhos estratégicos e filosóficos que ainda
estão sendo usados como uma fonte de inspiração para políticos e líderes
empresariais (AURIK; JONK; FABEL, 2014, p. 5).
A obra em questão é um texto derivado daquilo que se concebia na época como guerra na China.
Ou seja, há toda uma contextualização social, histórica e comportamental cujo conteúdo foi apropriado
pela área da administração como uma metáfora: negócios são guerra.
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Unidade I
Tzu (2006) considera o conhecimento como o recurso mais importante, pois permite que o general
consiga calcular os fatores vitoriosos na batalha.
A apropriação do conteúdo pela área da administração é compreensível: esses trechos podem ser
utilizados para abordar a importância da análise de pontos fortes e fracos do inimigo e assim poder
sobrepujá-lo. Depois, estudaremos a análise SWOT e você poderá traçar suas próprias conjecturas
a respeito.
De maneira direta e utilizando o linguajar da época, Tzu (2006) descreve o que se pode interpretar
como conceitos e aplicações de:
• oportunidades;
• ameaças;
• eficiência e eficácia;
• disciplina;
• táticas.
Saiba mais
16
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Avancemos alguns séculos e passemos para a época do descobrimento do Brasil. Nicolau Maquiavel
(Niccolò Machiavelli, originalmente, em italiano) foi filósofo, historiador, dramaturgo, diplomata e
escritor. É considerado o precursor da teoria política, pois procurava descrever o Estado e os meios de
governar de maneira direta e clara. Tanto é assim que um de seus livros, O príncipe, publicado em 1532,
é editado e estudado com afinco até hoje pelos interessados em ciências políticas.
Contudo, em nosso resgate histórico, foi outro livro de Maquiavel, coincidentemente intitulado
A arte da guerra, que trouxe grandes contribuições para entender estratégia. São sete volumes
descrevendo “a organização do exército, a hierarquia de comando, a formação de soldados, o
Estado‑maior e os códigos de leis militares” (DAROS, 2017, p. 88). Para Maquiavel, a guerra deve
ser um assunto de Estado e de responsabilidade do poder maior: o rei.
Veja que é possível discutir conceitos estratégicos como ameaças e oportunidades, bem como sigilo.
Nenhum método é melhor do que aquele que o inimigo não percebe até o
adotarmos. Na guerra, reconhecer a oportunidade e aproveitá-la vale mais
do que qualquer outra coisa. A natureza não faz muitos homens bravos; a
aplicação e o exercício, sim. Na guerra, a disciplina pode mais que o ímpeto
(MAQUIAVEL, 2007, p. 127).
A questão de recursos humanos treinados e disciplinados também é abordada, como pode ser visto
no trecho anterior.
Algumas décadas depois, o famoso samurai japonês Musashi escreveu suas ideias sobre guerra
e estratégia:
Três séculos após, em 1832, um general prussiano chamado Carl Von Clausewitz publicou o livro
Da guerra, conteúdo obrigatório para os estudantes de teoria militar em todo o mundo. Para nós, o que
interessa é o conjunto de contribuições que ele deu para que possamos compreender estratégia.
[...] o estrategista deve definir, portanto, uma meta para todo o aspecto
operativo da guerra, que deverá estar de acordo com o seu propósito. Em
outras palavras, ele esboçará o plano de guerra, e o propósito determinará
a série de ações pretendidas para atingi-lo [...] (CLAUSEWITZ, 2010, p. 199).
Observe que nesse trecho ele está descrevendo como uma estratégia se desdobra em planos de ação
para atingir um objetivo.
18
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Assim, podemos perceber que tanto o conceito quanto a aplicação de estratégia ficaram restritos ao
campo militar durante séculos. Pense nas guerras travadas pelo Império Romano, ou por Marco Polo, ou
por Napoleão Bonaparte: todas implicavam a adoção de estratégias para derrotar o inimigo.
Saiba mais
TROIA. Direção: Wolfgang Petersen. EUA: Warner Bros, 2004. 163 min.
Na primeira metade do século XX, a evolução dos negócios se deu mais por crescimento de demanda
do que por concorrência pelos mesmos mercados. Pode-se dizer que na época qualquer coisa produzida
tinha demanda certa. Assim, a maioria das empresas estava mais ligada a políticas de negócios voltadas
para melhoria de procedimentos, aumento de produção e geração de retorno para os acionistas, sem se
preocupar muito em ser melhor que a concorrência: havia mercado para todos, de certa forma. No caso
de Europa e EUA, quando o mercado doméstico apresentasse dificuldade concorrencial, nada melhor
que exportar os excedentes e dominar novos mercados em outros países. Estratégia em termos de ser
melhor que o concorrente ainda não era uma necessidade clara para a maior parte dos negócios, por
assim dizer. Isso foi comum na maioria dos ramos de negócio até a Segunda Guerra.
Obviamente, nem sempre era tão fácil assim. Alguma concorrência naturalmente iria surgir com o
tempo. Desde o início, já havia alguns setores bem competitivos, a exemplo do setor de automóveis.
Você provavelmente conhece a história do Ford modelo T, que em 1913 foi o primeiro produto feito em
linha de montagem de manufatura seguindo os ditames da administração científica de Taylor. O sucesso
de Henry Ford foi enorme, e ele dizia que você poderia escolher qualquer cor para o Ford T, desde que
fosse a cor preta, pois a padronização era total.
19
Unidade I
A) B)
Em razão do aspecto apresentado, a Ford perdeu a liderança para a General Motors (GM) na década
de 1920. Em 1923, o novo presidente da GM, Alfred Sloan, estudou os métodos da Ford e achou um
ponto fraco: oferta de uma única cor. Lançou modelos diferentes com várias cores e foi um sucesso.
Parece simples e mágico, mas foi um processo bastante complicado. Sloan, sem ser um teórico, mostrou
a possibilidade de tomar decisões estratégicas baseadas na análise da concorrência para atingir objetivos.
O resultado foi a conquista da liderança da GM no mercado americano, e a liderança do mercado
mundial na década de 1950, quando Sloan saiu da presidência da companhia.
No Brasil, a IRFM (Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo) foi a maior organização empresarial
da América Latina. Baseado em São Paulo, o grupo chegou a ter 350 empresas de vários ramos, como
têxtil, químico, bancário e alimentício. Surgiu em 1891 e faliu na década de 1980. O principal motivo
foi a concorrência. Enquanto não tinha concorrente, vendia tudo o que fabricava. Ou seja, não tinha
vantagem competitiva sustentável.
Vamos voltar aos militares por um instante. O maior conflito armado do século passado, a Segunda
Guerra (1939-1945), além das tragédias humanas e econômicas, criou uma circunstância inusitada
após o seu término: a desmobilização da maioria dos combatentes. Imagine haver milhares de oficiais
experientes em estratégia militar perdendo o emprego nas forças armadas ao mesmo tempo em que a
Europa precisava de reconstrução e os EUA se consolidavam como a maior potência econômica. Uma
boa parte do alto oficialato americano foi contratada por grandes conglomerados industriais americanos
em altos cargos (inclusive na GM). E isso não era necessariamente uma ação de agradecimento ou de
relações públicas: a visão estratégica desses ex-oficiais poderia contribuir muito para o crescimento das
empresas. Tenha em mente que um dos aspectos da estratégia é a gestão de recursos. E, sob o ponto
de vista de características pessoais, haja disciplina e respeito à hierarquia.
Essa circunstância fortuita trouxe para muitas organizações a aplicação prática de conceitos
estratégicos. Naturalmente, esse aspecto atraiu a curiosidade de acadêmicos.
20
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Observação
A presença militar nas empresas gerou massa crítica de aplicação de estratégias, nem todas
bem-sucedidas, é evidente. Esse fato gerou curiosidade intelectual na academia, o que abriu espaço nas
pesquisas de administração. Assim, na década de 1950, um russo radicado nos EUA chamado Igor Ansoff
publicou suas ideias sobre estratégia empresarial que culminaram na matriz Ansoff, também chamada
de matriz produto/mercado. Essa matriz é uma ferramenta que auxilia executivos a tomar decisões
estratégicas até hoje e traz as primeiras definições sedimentadas de estratégia empresarial.
Igor Ansoff, executivo de topo da empresa americana de aviões militares Lockheed Corporation,
era também um acadêmico brilhante que observou e mapeou as distintas realidades das grandes
empresas e percebeu o valor da estratégia como um meio de fazer as empresas crescerem. Ansoff (1965)
postulava que estratégia só tinha aplicação para empresas que queriam crescer. Hoje sabemos que
estratégia não atende somente objetivos de crescimento (estudaremos neste livro-texto), mas na época
pós-Segunda Guerra, com tantas oportunidades de crescimento no mercado americano, a observação
de Ansoff ficou restrita a esse objetivo. Mesmo assim, foi um início formidável, já que a matriz
produto/mercado pode ser utilizada por qualquer empresa até hoje em qualquer lugar do mundo com
razoáveis possibilidades de sucesso.
É preciso entender melhor a ideia conceitual de estratégia de crescimento. Pela visão de Ansoff,
caso a empresa continuasse a fazer o que sempre fazia, não teria crescimento, faturando basicamente o
mesmo valor do período anterior. Caso adotasse uma estratégia, cresceria x% sobre o período anterior
(se a estratégia fosse bem-sucedida, claro).
Veja o gráfico a seguir. Ansoff dizia que, sem estratégia de crescimento, a tendência seria a empresa
permanecer com o mesmo faturamento após um período (cor azul). Se adotasse uma estratégia de
crescimento bem-sucedida, teria faturamento “azul + laranja”, sendo laranja o acréscimo de vendas
advindo da estratégia bem-sucedida.
21
Unidade I
Ano 1 Ano 2
Claro que é uma visão reducionista, pois no mundo real nada garante que o faturamento permaneça
o mesmo. Mas entenda que na época a economia americana, campo de estudo de Ansoff (1965), estava
em franco desenvolvimento, assim, mesmo sem muito esforço, a maioria das empresas americanas
reuniam condições de continuar faturando.
Produtos
Existentes Novos
Existentes
Penetração Desenvolvimento
de mercado de produtos
Mercados
Novos
Desenvolvimento Diversificação
de mercado
Ansoff (1965) postulava que há duas variáveis para a empresa escolher ao definir sua estratégia,
cada uma com duas escolhas:
• Mercados: a empresa escolhe em atender aos novos clientes ou atender aos clientes existentes
(atuais). Os novos clientes podem ser de outras praças (regiões geográficas), de outra classe
econômica (A, B, C, D ou E), de outro gênero (masculino ou feminino) etc. Ou seja, são pessoas
ou empresas que não são atendidas pelo produto e que reúnem condições para virarem
compradores. O esforço para atrair novos clientes é sempre maior que o esforço para manter os
clientes atuais.
22
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Ao observar o quadro anterior, as duas variáveis estão lá: mercados e produtos. Mercados conta com
duas divisões, “novos” e “existentes”, o que ocorre também com produtos. O cruzamento dessas variáveis
traz quatro estratégias: penetração de mercado, desenvolvimento de mercado, desenvolvimento de
produto e diversificação.
• Se a empresa opta por continuar vendendo os produtos existentes para os mercados (clientes)
existentes, estará realizando a estratégia de penetração de mercado. O crescimento que se espera
dessa estratégia é oriundo do aumento do tíquete médio (valor médio de compra por cliente).
A cor laranja no gráfico de crescimento é fruto do aumento do tíquete médio. Por exemplo, uma
papelaria de bairro opta por atender aos clientes habituais com novas promoções e ofertas dos
produtos que sempre vendeu ou uma empresa de cartão de crédito incentiva o uso mais frequente
de seus cartões. A ideia é aumentar a compra média de cada cliente.
• A última estratégia de crescimento postulada por Ansoff (1965) é a mais arriscada: diversificação.
Note que as estratégias anteriores sempre partem de ao menos uma “âncora” que a empresa
conhece (ou mercado, ou produto, ou ambos). Aqui o território é inteiramente novo. O crescimento
vem da venda de novos produtos para novos mercados. Ou seja, vou vender algo que nunca
vendi para um cliente que não me conhece: eis o risco inerente a essa estratégia. Porém, uma
regra básica de negócios diz o seguinte: quando o risco é alto, os ganhos também devem ser.
Assim, essa estratégia, quando bem-sucedida, pode ser mais rentável que as outras três. Como
exemplo, em 1999 o Bank of America investiu na criação do Econ Supermercados, uma rede de
23
Unidade I
supermercados de bairro em São Paulo focada em perecíveis e produtos de limpeza voltada para as
classes C e D. Veja que o público é novo (o Bank of America era focado em grandes empresas) e
o produto também (o Bank of America vendia produtos financeiros). A ideia era fazer o negócio
crescer e depois vender toda a operação. Com efeito, cinco anos depois o negócio foi vendido
para o Grupo CBA com excelente retorno.
Peter Drucker, considerado o maior gênio da administração, escreveu mais de trinta livros de rigor
intelectual e, ao mesmo tempo, de fácil compreensão. Uma de suas contribuições à estratégia foi o livro
The practice of management, de 1954, obra em que defende que o negócio é determinado pelo cliente
e suas necessidades. Veja a linha de pensamento inovadora para a década de 1950: não é o dono (ou
acionista) do negócio quem determina sua existência: é o cliente. Drucker (apud GHEMAWAT, 2002, p. 39)
argumentava que o comportamento do gestor não é simplesmente passivo e adaptativo diante do
ambiente, e sim ativo e propositivo, realizando ações que permitam atingir os objetivos estratégicos.
Para Drucker (1954, p. 22), “estratégia é a análise de situação atual e de mudanças, se necessárias.
Incorpora-se a essa análise os recursos disponíveis e os que precisam ser adquiridos”.
Drucker também desenvolveu na década de 1950 a APO (administração por objetivos), em que
gestores e subordinados estabelecem objetivos comuns e definem suas áreas de responsabilidade com
foco nos resultados. Assim, todos perseguem objetivos desdobrados em metas verificáveis e controláveis.
24
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Chandler (1962) estudou as mudanças históricas de grandes organizações dos EUA (GM, Du Pont,
Standard Oil e Sears, entre outras) sob o ponto de vista da estrutura de negócios. Percebeu que a maioria
utilizava um modelo descentralizado de gestão, com várias unidades de negócios sendo controladas
por um escritório central, e que as mudanças estruturais (fábricas, recursos etc.) eram guiadas pelos
objetivos de longo prazo. Nessa discussão sobre estratégia e estrutura empresarial, formularam-se as
bases do planejamento estratégico: “É a determinação de metas e objetivos de longo prazo de uma
empresa, e a adoção das linhas de ação e aplicação dos recursos necessários para alcançar essas metas”
(CHANDLER, 1962, p. 23).
George Steiner (apud MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000) definiu em 1969 o modelo de planejamento
estratégico como uma sequência de etapas:
• Fixação de objetivo: métodos e procedimentos para estabelecer metas que, somadas, atendem
a objetivos.
Schneider (2013) comenta que a década de 1960 viu surgir duas das mais famosas empresas de
consultoria ligadas à estratégia: Boston Consulting Group (BCG) e a McKinsey & Company. Ambas
desenvolveram métodos de análise de mercado que são largamente utilizados até hoje, como a matriz BCG
e a matriz GE (também chamada matriz McKinsey).
25
Unidade I
Crescimento Pontos de
de mercado interrogação
Estrelas
24
Longal
Dorian 21
Energan
Xantax
18
Pentrix
Bendac Braviton
11
Zodial
Eviron
Lotran
8
Vacas-leiteiras Abacaxis
A posição dos círculos na vertical no gráfico obedece a uma métrica específica: quanto mais para o
alto, maior a taxa de crescimento do mercado do produto. Não é a taxa de crescimento do produto em
si, mas a taxa de crescimento de todo o mercado desse produto. A linha divisória é a taxa de crescimento
do país (do PIB). O motivo é simples: a taxa de crescimento de PIB é, resumidamente, a média de
crescimento de todos os mercados do país. Portanto, produtos cujo mercado crescem mais que o PIB
têm alto crescimento (cresceram mais que a média de tudo no Brasil), e mercados com crescimento
inferior ao PIB têm baixo crescimento (pela mesma lógica). Por exemplo, o crescimento do PIB brasileiro
de 2019 foi de 1,1%. O mercado brasileiro de computadores em 2019 foi de 1,2%. Portanto, numa
matriz BCG de qualquer fabricante de computadores seus produtos estariam acima da linha divisória.
No gráfico, o mercado de produtos equivalentes ao Pendrix cresceu mais que o de Bendac e menos que
o de Dorian, e tanto o mercado de Pendrix quanto o de Dorian cresceram mais que o PIB. Lembre-se de
que se trata da taxa de crescimento do mercado do produto, e não do produto em si.
26
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
A posição na horizontal também tem uma métrica específica: quanto mais para a esquerda,
maior a participação relativa de mercado. Quanto mais à direita, menor a participação relativa. Essa
métrica compara a participação de mercado do produto e de seu principal concorrente (quando
o produto é líder, o principal concorrente é o segundo colocado; quando o produto não é líder, o
principal concorrente é o líder). O resultado é participação relativa de mercado. Por exemplo, se
meu produto tem 30% de participação e meu principal concorrente tem 20%, logo, 30/20 = 1,5.
Como a linha divisória assume sempre o valor 1, meu produto (o círculo) estará localizado à
esquerda da linha divisória na localização 1,5. No gráfico, vemos que Dorian, Pendrix, Bendac,
Eviron e Lotran são líderes de seus respectivos mercados, uma vez que todos estão à esquerda da
linha divisória. Os outros produtos do gráfico não são líderes de seus mercados, e quanto mais à
direita estiverem, mais distantes estarão da participação do líder.
Quadro 2
Produtos
Alto Baixo
Crescimento do mercado-produto
Ponto de
Alto
Estrela interrogação
Baixo
Vaca-leiteira Abacaxi
• Estrela: alto crescimento de mercado com alta participação relativa de mercado. Ou seja, dentro
desse quadrante entram os produtos que são estrelas de Hollywood: lideram um mercado que
cresce mais que o PIB. Produtos nesse quadrante são naturalmente atacados pelos concorrentes,
pois o mercado é atrativo e o líder é normalmente o alvo. Exemplo: Amazon.com é uma empresa
americana líder em comércio eletrônico que, em função da pandemia de 2020, atuou num
mercado com altas taxas de crescimento. Outro exemplo são os produtos alimentícios de moda
passageira como empadas gourmet, brigadeiros gourmet, paleterias (sorvetes estilo mexicano) etc.
Durante alguns poucos anos, enquanto está na moda, algum player é líder de um mercado que cresce
a taxas assombrosas, ficando na posição de estrela. Depois de a moda passar, esses produtos enfrentam
queda de venda até praticamente deixarem de existir, mudando de local na matriz BCG.
27
Unidade I
• Ponto de interrogação: alto crescimento de mercado com alta participação relativa. Produtos
que não são líderes de um mercado que cresce bastante. Assim, esse mercado atrai novos
players e os players atuais aproveitam a taxa de crescimento alta, disputando entre si. O ponto
de interrogação surge em função da dúvida, isto é, se a empresa vai manter um produto em
mercado tão disputado, pois naturalmente são necessários investimentos pesados para manter a
participação. Exemplo: concorrentes da Netflix, como Amazon Prime Video, HBO Go, iTunes Store
etc. Não são líderes em um mercado que cresce muito e cuja disputa envolve altos investimentos.
No exemplo anterior de produtos gourmet, exceto o líder, todos os players ficam na posição de
ponto de interrogação enquanto a moda persistir.
• Vaca-leiteira: toda organização deveria ter ao menos uma. São produtos líderes cujo mercado
apresenta baixa taxa de crescimento, portanto não atrai novos players. A metáfora da
vaca-leiteira é precisa: dá leite todo dia e não dá muito trabalho. Ou seja, gera mais recursos do
que exige para se manter. O exemplo clássico é a VW Kombi no Brasil, que desde o lançamento,
em 1957 (foi o primeiro produto da VW no Brasil), foi líder, e nos últimos anos de vida esteve num
mercado com baixas taxas de crescimento. Os executivos da VW Brasil diziam que a Kombi era
dinheiro em caixa: não se investia praticamente nada (exceto na produção e transporte) e cada
unidade nas concessionárias encontrava comprador sem problemas. Em 2014 a legislação exigiu
airbags em todos os carros, e o custo de adaptar na Kombi era proibitivo, criando uma situação
incompreensível para quem está de fora do mercado: líder que gera lucro permanente sendo
descontinuado. Outro exemplo clássico de vaca-leiteira é o Bombril. Líder inconteste há décadas
do mercado de palha de aço, gera receita na venda em altos volumes, com lucro unitário pequeno,
mas não exige muitos recursos para se manter.
• Abacaxi: produtos que não são líderes e cujo mercado apresenta baixa taxa de crescimento.
A metáfora do abacaxi é essa: vale a pena descascar esse abacaxi? A primeira coisa a avaliar
é a rentabilidade. Se não estiver num patamar aceitável para os objetivos da organização,
provavelmente valerá a pena descontinuar o produto. A posição do círculo no gráfico também deve
ser analisada. Se estiver muito para baixo e muito para a direita, significa que a taxa de crescimento
do mercado é muito baixa e que o produto tem participação de mercado muito distante do líder,
e talvez valha a pena descontinuar. Um exemplo de abacaxi é dos tablets Samsung, Huawei,
Lenovo e outros. A liderança do mercado mundial de tablets é da Apple, e a taxa de crescimento
de mercado é negativa (vai caindo ano após ano). Na matriz BCG da Samsung, Huawei e Lenovo,
seus produtos estão no quadrante de abacaxi, pois não são líderes de um mercado que cresce
pouco (no caso, diminui).
28
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Saiba mais
Você mesmo pode montar uma matriz BCG se tiver os dados em mãos.
O site indicado a seguir ensina o passo a passo para elaborar o gráfico
utilizando o MS-Excel.
Essa ferramenta de análise, por ter métricas internas claras e por permitir analisar vários fatores
externos em conjunto das métricas definidas, é bastante utilizada por empresas cujos mercados são
auditados externamente, pois tem acesso a todos os dados requeridos para fazer a matriz. No Brasil, as
duas empresas que fazem regularmente auditoria de dados de mercado são a Nielsen, para produtos de
consumo, e a Close-Up, para produtos farmacêuticos.
A Nielsen é uma multinacional de pesquisa e inteligência de mercado que atua em mais de cem
países. No Brasil, há décadas é o principal fornecedor de dados de mercado (participação, preços,
locais de distribuição etc.). Seu levantamento de dados abrange mais de 150 categorias de produto de
alimentos, higiene/limpeza, eletroeletrônicos. Canais varejistas como supermercados, mercearias, bares,
farmácias, perfumarias e papelarias fornecem dados de vendas e estoque à Nielsen para serem inseridos
numa base de dados que gera relatórios variados. O varejo que participa cedendo dados tem acesso
gratuito aos relatórios. A indústria paga pelos relatórios. A Nielsen é a fonte para os dados que você lê
regularmente na mídia, como a participação de mercado da Coca-Cola ou o crescimento do mercado
de papel higiênico.
A matriz GE (ou McKinsey) é uma ferramenta de análise de unidades de negócio e foi criada
originalmente pela consultoria McKinsey para atender à empresa General Electric. Os dados de análise
levam em consideração o nível de atratividade do ramo de atividade e a força competitiva da unidade
de negócio.
29
Unidade I
Ghemawat (2002) comenta que em 1968 o presidente da General Electric contratou a consultoria
McKinsey & Company para examinar a estrutura corporativa da organização, que na época era composta
de 145 departamentos dispostos em dez diretorias. A lógica do arranjo organizacional era de controle
financeiro. Os consultores da McKinsey consideraram esse arranjo inadequado, pois os departamentos
eram voltados para dentro (controles financeiros internos), e propuseram uma estrutura baseada em
linhas de estratégia alinhadas com as condições externas (de mercado). A nova estrutura teria divisões
em unidades estratégicas de negócios e, de fato, foi implementada.
Alguns anos depois, a GE contratou novamente a McKinsey para auxiliar na avaliação das estratégias
das unidades de negócio recém-criadas. Após usar a matriz BCG, a GE sentiu necessidade de ir além
das variáveis básicas taxa de crescimento de mercado e participação relativa de mercado, que geravam
somente quatro possibilidades na matriz (estrela, vaca-leiteira, ponto de interrogação e abacaxi). Assim,
encomendou uma nova ferramenta mais adequada para suas necessidades. O resultado foi uma matriz
de nove quadrantes que utilizava dez variáveis para análise aprofundada.
Por ter sido criada para a uma demanda específica da General Electric, a matriz é voltada para analisar
unidades de negócio, e não para produtos em si (muito embora seja possível adaptar). A ferramenta
permite que sejam tomadas decisões de investimento, colheita e retração.
A matriz parte de dois eixos: atratividade da indústria e força da unidade do negócio.
• tamanho do mercado;
• preço atual e projetado;
• oportunidades de crescimento;
• rentabilidade;
• distribuição e logística.
A força da unidade de negócio mede o quanto a unidade de negócio reúne de vantagens competitivas
defensáveis. Trata-se de um cálculo econométrico que cria três intensidades de força (baixa, média ou alta)
a partir dessas variáveis:
• força da marca;
• força da empresa;
• capacidade de inovar.
30
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Alta
Atratividade da indústria
cauteloso seguro prioritário
Investimento Investimento
Média
Colheita cauteloso seguro
Investimento
Baixa
A análise da matriz pronta consiste em entender o significado da posição em cada um dos nove
quadrantes. Cada unidade de negócio estará posicionada em um desses quadrantes:
Assim, a alta direção da GE teve condições de analisar metodicamente suas unidades de negócio e
tomar decisões estratégicas de investimento a partir de então.
31
Unidade I
As discussões acadêmicas sobre estratégia das décadas de 1980 e 1990 são notavelmente dominadas
por Michael Porter por meio de três livros: Competitive strategy, de 1980, Competitive advantage, de
1986, e The competitive advantage of nations, de 1990.
Suas contribuições são inestimáveis: modelo das cinco forças competitivas, modelo das estratégias
genéricas e vantagens competitivas das nações.
A primeira, o modelo das cinco forças competitivas, postula que não são somente os concorrentes
que afetam a competitividade de uma organização.
Veja que, pelo senso comum, ao se falar de competitividade há uma tendência a considerar somente
a força contrária dos concorrentes disputando mercado como importante. Entretanto, Michael Porter
apresentou outras quatro forças que também afetam a capacidade competitiva das organizações:
Poder de
barganha dos
fornecedores
Poder de
barganha dos
clientes
A rivalidade entre concorrentes é a primeira força, e a mais óbvia pelo senso comum. Alguns
ramos de atividade são compostos de empresas que disputam espaço com alta rivalidade. Bancos e serviços
de celular, por exemplo, vivem tentando convencer clientes da concorrência a mudar de fornecedor.
Há, entretanto, alguns ramos com baixa rivalidade. Padarias e lanchonetes de bairro não fazem muitos
esforços para atrair fregueses dos concorrentes: cada player toca seus negócios. Observe que o nível
de rivalidade afeta as capacidades competitivas de uma empresa, pois quando há alta rivalidade é
necessário ter mais investimentos em qualidade, operações, marketing etc. para superar o rival. Em baixa
rivalidade ocorre o contrário. Ou seja, o nível de rivalidade afeta a rentabilidade, já que é preciso investir
mais para se contrapor a concorrentes mais agressivos.
32
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
• Nível de cartelização: mercados com poucas empresas de porte podem incentivar acordos de
não agressão, isto é, cartel. A competição é localizada e sem invadir os espaços combinados
entre os players. Mesmo o cartel sendo ilegal pela lei da livre concorrência, há alguns setores
nessa situação. Veja o caso de pequenas cidades com somente dois ou três postos de gasolina.
Frequentemente, há acusações de cartel, com preços altos combinados e ausência de esforços
competitivos.
• Taxa de crescimento de mercado: a Teoria de Ciclo de Vida de Produto estabelece que produtos e
empresas são como seres humanos: nascem, crescem, atingem a maturidade e entram em declínio
em fases sequenciais. No caso de produtos e empresas, sempre é possível adotar estratégias que
alonguem o tempo do ciclo ou que recomecem o ciclo em caso de relançamentos. Em geral, a
rivalidade é baixa em fase de crescimento (quando a taxa de crescimento de mercado é alta),
pois se o mercado cresce não há custo-benefício positivo em investir para conquistar clientes do
concorrente. Por outro lado, na fase de maturidade a rivalidade é alta, pois a taxa de crescimento
de mercado é baixa/nula e os players tendem a investir para roubar clientes dos concorrentes.
Vendas
Lucros
Vendas
Lucro
33
Unidade I
Claro que a lista não se esgota aqui. Há outros fatores que afetam a rivalidade, até mesmo escolhas
pessoais. Destaca-se a centenária rivalidade entre Coca-Cola e Pepsi-Cola no mercado americano. Desde
a década de 1930 que essas empresas se digladiam para conquistar o espaço uma da outra. Promoções
agressivas de preços, disputas por espaço no varejo e exclusividade em lanchonetes eram ações comuns
ao longo dos anos. Nas décadas de 1980 e 1990, especialmente, a mídia passou a acompanhar o que
denominou “Guerra das colas”, em que todos os movimentos de uma contra a outra eram noticiados com
interesse. Os investimentos publicitários de ambas alcançaram recordes na época, contratando a peso de
ouro estrelas como Michael Jackson e Madonna para estrelar comerciais de TV. Um comercial da Pepsi
da década de 1980 é emblemático: estudantes de arqueologia com trajes futuristas estão escavando as
ruínas de uma civilização antiga (claramente a nossa). Ao encontrar uma lata amassada de Coca-Cola,
um estudante pergunta ao professor: O que é isso? E ele responde: Não faço ideia. E abre uma lata de
Pepsi! Ou seja, a Pepsi existe no futuro, e a Coca é esquecida. Essa rivalidade extrema foi estudada pela
academia, e D’Aveni (1994) calcula que o preço de uma caixa de bebida sabor cola, com preço ajustado
pela inflação para compensar, caiu de US$ 6.19 para US$ 3.99 em vinte anos, demonstrando um dos
efeitos deletérios da alta rivalidade.
Exemplo de aplicação
A internet dá acesso a vários comerciais da “Guerra das colas”. Digite “coke versus pepsi commercial”
(em inglês, mas vários são simples de entender) e divirta-se!
A segunda força de Porter, ameaça de novos entrantes, tem uma peculiaridade. Trata-se da
possibilidade de alguma empresa entrar no seu mercado. Não é o concorrente atual, e sim a chance de um
concorrente potencial. Para analisar esse risco de alguém vir a competir no seu mercado, é preciso entender
as barreiras de entrada, que são os fatores que podem impedir/atrapalhar (ou facilitar/incentivar) a entrada
de uma empresa em determinado setor. Por exemplo, o setor de siderurgia tem uma barreira de entrada que
limita muito qualquer entrante: necessita de altíssimos investimentos em estrutura (imagine quanto custa
construir um alto-forno siderúrgico e os maquinários de corte, processamento e distribuição) e alto volume
de capital de giro, o que torna o ramo pouco atraente para a grande maioria de investidores. É o mesmo
caso do ramo de aviação comercial: é preciso muito capital para constituir frota/manutenção, maquinário,
pessoal, permissões nos aeroportos etc. Por outro lado, o setor de salões de beleza/cabeleireiros/barbeiros
não tem praticamente nenhuma barreira de entrada: qualquer um pode criar um salão na garagem de casa
sem problemas. Porter (1980) cita algumas barreiras de entrada comuns:
• Economias de escala: quanto maior o volume de produção, menor o custo unitário. Em mercados
de massa, para um entrante se estabelecer de forma competitiva, é necessário ter escala de produção,
sob pena de ter custos unitários muito altos. Imagine um entrante no mercado de smartphones:
iniciar já com alta produção é fator mandatório. Huawei e Xiaomi iniciaram suas operações já
grandes para poderem competir. Mas normalmente essa barreira acaba desestimulando a entrada
em alguns mercados.
34
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
• Capital de entrada: como vimos, o setor siderúrgico exige um capital inicial altíssimo. Alguns
setores de atividade apresentam essa barreira. Claro que os valores são relativos: o investimento
necessário para criar um e-commerce pequeno é bem menor do que o necessário para um
e-commerce de altos volumes. O volume de capital necessário para entrar em um ramo é uma
barreira bastante comum.
• Acesso a fornecedores ou distribuidores: na maior parte dos mercados não há muita dificuldade
em negociar com fornecedores ou canais de distribuição, pois já atendem normalmente
as empresas existentes e não vão evitar um novo cliente. Porém, há casos em que os players
atuais exercem poder sobre fornecedores ou distribuidores; assim, forma-se uma barreira. Seja
por lealdade, seja por pressão econômica, fornecedores-chave e atacadistas/varejistas podem ser
exigentes além da conta com o entrante. Essa situação é típica no setor de produtos militares
como armas, aeronaves e veículos, com as empresas atuais pressionando seus fornecedores a
adotar contratos de exclusividade, atrapalhando novos entrantes. Em outra situação, fornecedores
de autopeças no mercado japonês são ferozmente leais aos fabricantes como Toyota e Honda,
e é difícil obter sua atenção.
• Curva de experiência: quem atua há mais tempo no mercado detém a vantagem da experiência
consolidada. Sua força de trabalho está treinada e operando há tempos. O know-how oriundo da
experiência é utilizado de maneira corriqueira. Muitas vezes, isso é uma barreira para um novo
entrante. Imagine o problema de uma nova empresa para entrar no mercado de relógios de luxo,
por exemplo. O nível de experiência e precisão exigido para a força de trabalho (praticamente
artesãos) pode dificultar enormemente uma nova empresa nesse ramo. Claro que isso pode ser
evitado ao se adquirir uma empresa já estabelecida: compra-se junto a curva de experiência
acumulada. A Volvo, tradicional montadora de automóveis sueca reconhecida mundialmente pelo
know-how em segurança automotiva, foi comprada pela Geely, grande fabricante chinesa de
automóveis, por US$ 1,8 bilhão há aproximadamente dez anos. Foi uma maneira eficiente
de entrar em mercados que reagiam mal aos produtos Geely. De maneira análoga, a Lenovo,
multinacional chinesa de tecnologia, comprou a unidade de negócio de computadores pessoais
da IBM em 2005 (já comentamos sobre a venda pela IBM anteriormente) e depois comprou a
unidade de negócios de servidores, também da IBM. Essa compra trouxe, entre outros benefícios
mais tangíveis, curva de experiência em projetar, fabricar e vender hardware de computadores em
escala mundial.
• Marco legal: trata-se de uma barreira imposta por governos locais que podem fazer restrições a
novos entrantes (normalmente estrangeiros). Podem ser de ordem fiscal (impostos, inclusive de
importação), exigência de documentações, proteção de patentes e exigência de contrapartidas.
Depois estudaremos como o governo chinês exige contrapartidas para empresas estrangeiras se
instalarem na China.
pensam em investir no ramo de automóveis de alto luxo. Rolls-Royce, Bentley e Maserati têm
altíssima percepção de valor.
Essas são as barreiras mais comuns, mas pode haver muito mais em casos específicos. De qualquer
forma, se há muitas barreiras de entrada, a capacidade competitiva de quem já está no setor é alta, pois
os riscos de um concorrente novo aparecer dividindo mercado são bem baixos.
A terceira força é a ameaça de produtos substitutos e também envolve a possibilidade, mas nesse
caso não é de um novo concorrente no seu mercado, e sim de um produto ou serviço que possa tornar
seu produto obsoleto ou sem atrativos. Por exemplo, locomotivas a vapor foram fabricadas até meados
do século XX, sendo substituídas por locomotivas a diesel ou elétricas. Os fabricantes que não mapearam
a ameaça de substituição certamente perderam mercado.
Você deve lembrar dos aparelhos toca-discos, que já foram uma indústria enorme em todo o
mundo. Foram substituídos pela tecnologia do CD. Alguns fabricantes de toca-discos quebraram por
isso (outros migraram para a nova tecnologia, claro). O CD foi substituído pela tecnologia de música
MP3 com players de todos os preços (e a pirataria de MP3 depois quebrou a indústria fonográfica em
larga escala). Agora a música é ouvida principalmente em smartphones através de aplicativos gratuitos
(com anúncios) ou pagos. Em outro ramo, o Uber substituiu o táxi tradicional – nesse caso, acabaram
dividindo mercado. Veja que empresas devem estar atentas a uma força competitiva que pode levá-las
à falência: a possibilidade de um know-how inovador pode tornar seu negócio obsoleto.
A) B)
C)
36
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Impõe condições
comerciais
Impõe condições
comerciais
A quinta força, poder de barganha dos clientes, é exatamente igual, mas em outro sentido, pois
guarda relação com os clientes da empresa. O mais forte continua mandando na negociação. Imagine
de novo o pequeno laticínio mineiro do exemplo anterior. Na negociação com o Carrefour, ele perde
competitividade, mas na negociação com mercadinhos de cidades próximas talvez ele tenha mais poder
de barganha. Pense no mercadinho de bairro lidando com sua freguesia da vizinhança: se não houver
muitos outros mercadinhos, ele impõe preços. Ou será que o único posto de gasolina numa pequena
cidade não aproveita para aplicar preços altos? Veja como o poder de barganha dos clientes também
pode afetar a competitividade e, consequentemente, a rentabilidade de uma empresa.
Impõe condições
comerciais
Impõe condições
comerciais
37
Unidade I
Vantagem estratégica
Unicidade observada Posição de baixo custo
pelo cliente
Apenas um No âmbito
segmento de toda a
indústria
Alvo estratégico
Diferenciação Liderança em custo
Foco
Saiba mais
Há vários estudos de caso sobre o Habib’s. Leia a reportagem a seguir:
MENDES, A. et al. O sucesso do Habib’s no Brasil. BH1, 12 abr. 2018.
Disponível em: https://bit.ly/3Nh7cDR. Acesso em: 16 maio 2022.
maneira possível. A ideia é oferecer algo único e liderar esse segmento/nicho. Ou seja, a empresa
escolhe um segmento específico e faz o melhor produto possível, praticamente inviabilizando
a concorrência.
Em uma terceira contribuição, na década de 1990 Porter ampliou o escopo das vantagens
competitivas das nações para uma visão macroeconômica e geográfica que analisava as forças e
fraquezas de Estados nacionais como parte da análise da atuação de organizações multinacionais:
estratégia empresarial aplicada à geopolítica através do uso de indicadores de competitividade. O livro
The Competitive Advantage of Nations (1990) foi amplamente utilizado como base para planejamento
de muitas empresas internacionalizadas e também por vários governos para atrair investidores, inclusive
com a consultoria do próprio Michael Porter.
Andrews (apud GHEMAWAT, 2002, p. 41) argumenta que toda organização, suas divisões e mesmo
funcionários devem ter um conjunto claramente definido de propósitos ou metas que a faz se mover
numa direção deliberadamente escolhida e previne que vá para direções indesejadas. Nesse âmbito, em
1981 Andrews estabeleceu as bases para a criação da análise SWOT, ferramenta que compara pontos
fortes e fracos de uma organização com as ameaças e oportunidades do ambiente externo. A expressão
SWOT é um acrônimo formado pelas seguintes palavras: strenghts (pontos fortes); weaknesses (pontos
fracos); opportunities (oportunidades); e threats (ameaças).
39
Unidade I
O fato de a estratégia ser conhecida pelo mercado não significa que seja fácil copiá-la: imagine uma
rede de fast-food que queira copiar a estratégia de custo do Habib´s.
Lembrete
Para copiar essa estratégia, o pretenso concorrente precisaria comprar (ou criar) seus próprios
fornecedores e, ao mesmo tempo, oferecer produtos com preço bem baixo. Não é viável sob o ponto de
vista de retorno do investimento. Até ter massa crítica de faturamento e rentabilidade, certamente teria
muitos anos de prejuízo. Além da face visível, essa estratégia tem uma face sigilosa: qual é realmente o
custo do produto? Quais processos garantem qualidade razoável com custo baixo? E assim por diante.
Lembrete
Chaffee (1985) analisa as teorias de estratégia e as agrupa em três modelos de estratégia: o linear,
o adaptativo e o interpretativo. A estratégia linear tem uma perspectiva funcional por ser metódica,
sequencial e por ser baseada em um planejamento formal com análises estruturadas, sendo característica
de empresas de médio e grande porte. A estratégia adaptativa se ajusta ao ambiente competitivo e é
multifacetada com ajustes e mudanças, sendo mais comum em empresas de pequeno e médio porte
com visão mais avançada. Já a estratégia interpretativa tem caráter informal e deriva do contexto,
sendo mais comum em empresas de pequeno porte.
Peter Drucker aprimorou suas ideias sobre estratégia na década de 1990 e abraçou um escopo
mais amplo:
Mintzberg (1987) discute cinco significados ou dimensões para entender o conceito de estratégia:
plano, pretexto, padrão, posição e perspectiva.
40
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
• Plano: a estratégia é um guia ou curso de ação para lidar com a situação, é feito antes de agir
e é desenvolvido racionalmente. Muitas vezes, é documentado formalmente. Nessa dimensão,
entende-se que estratégia é um plano unificado, abrangente e integrado, apresentando objetivos
e as formas de atingi-los.
• Pretexto: a estratégia é um movimento intencional, como um truque ou manobra que visa
sobrepujar um concorrente. É derivado de condições dinâmicas da competição e tem funções
táticas. A empresa ilude a concorrência com movimentos que dão falsa percepção.
• Estratégia como padrão: a estratégia é um fluxo rotineiro de ações. Após algum tempo seguindo
uma estratégia, a empresa adota como rotina algumas ações que se provaram eficientes.
O comportamento constante das áreas gera resultados. Se um conjunto de ações repetidamente
traz os resultados esperados, a tendência é que vire comportamento padrão.
• Estratégia como posição: a estratégia é a maneira como a organização se posiciona no meio
competitivo. É a busca de um posicionamento vantajoso para crescer através das oportunidades e
para se manter ou se defender diante das ameaças. Define como a organização é percebida pelo
ambiente competitivo.
• Estratégia como perspectiva: a estratégia é uma abstração que está na mente dos líderes que
as concebem, e é difundida coletivamente em função de valores, ideologias e cultura uniformes.
É uma forma de ver o mundo, a competição e o mercado, interpretar as visões, projetar o futuro
da organização e atuar para atingir os objetivos.
Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) denominam as estratégias pretendidas que foram realizadas
como estratégias deliberadas. Porém, nem todas as estratégias conseguem ser realizadas. Estas são, na
visão dos autores, estratégias não realizadas. Por fim, há estratégias que surgem em função de uma
contingência ou situação não prevista e que são realizadas mesmo que não tenham sido planejadas
antecipadamente. Trata-se de estratégias emergentes.
Estratégia Estratégia
pretendida Estratégia deliberada realizada
41
Unidade I
• As estratégias realizadas dificilmente serão fruto 100% da estratégia deliberada. Assim, a estratégia
realizada é naturalmente um mix de estratégias deliberadas e estratégias emergentes. Sempre
ocorrerão fatos imprevistos para a aplicação de estratégias emergentes.
Por mais que se planeje, a realidade sempre exerce influência. O que realmente ocorre nas organizações
é uma combinação do planejado com ações que foram realizadas, mas não foram planejadas.
Como exemplo, imagine uma torrefadora de cafés de qualidade (preço premium) que estabelece
para os próximos anos uma estratégia de crescimento por aquisição de outras torrefadoras de qualidade,
tendo por objetivo adquirir ao menos duas por ano. Essa é a estratégia pretendida. Porém, no decorrer
do período, surge a oportunidade de adquirir a melhor rede de cafeterias premium do país, o que não
estava planejado, mas que pode agregar muito valor à operação como um todo. Decide-se comprar a
rede e também outra torrefadora. A estratégia pretendida não foi 100% implementada (compra de duas
torrefadoras virou compra de uma), e uma estratégia emergente acabou sendo executada (verticalizou um
canal de distribuição). Veja que essa empresa adaptou sua linha de ação em função de uma oportunidade
que surgiu e que foi aproveitada. A seguir, destaca-se outro exemplo interessante.
Exemplo de aplicação
Na década de 1990, Flávio era gerente de marketing de uma das maiores empresas gráficas do
Brasil (na época), a IBF Formulários. Os produtos eram para o mercado B2B: formulários contínuos
pré-impressos para computador, talões de cheques, passagens aéreas etc. A empresa era composta
de várias gráficas regionais que foram compradas pelos controladores ao longo dos anos, cada uma
com sua marca conhecida localmente. Havia unidades em Curitiba, São Bernardo, São Paulo, Rio de
Janeiro, Fortaleza etc. Os controladores contrataram um executivo de renome no mercado gráfico, que
desenvolveu várias estratégias para consolidar as unidades em uma só marca nova: Indústria Brasileira
de Formulários (IBF). Após dois anos padronizando procedimentos industriais, comerciais e financeiros
para que a estrutura fosse de uma só empresa com várias unidades industriais trabalhando em conjunto,
o marketing começou a atuar com mais força. A marca nova não era reconhecida pelos clientes, pois
ainda havia a força da imagem residual da marca regional anterior que os atendia. Uma das tarefas
de Flávio como gerente de marketing era divulgar e consolidar a imagem da marca IBF, e as estratégias de
comunicação foram desenvolvidas nesse sentido. Portanto, havia uma estratégia pretendida. Algumas
partes dessa estratégia acabaram não dando certo (estratégia não realizada), e outras, envolvendo
propaganda e relacionamento com imprensa, foram executadas (estratégia deliberada). Porém, surgiu
uma oportunidade única de ser o patrocinador oficial de um time de futebol, o São Paulo. Por força das
circunstâncias, o antigo patrocinador rompeu o contrato e, mesmo fora dos planos traçados, entrou
em negociação, pois o clube daria uma enorme visibilidade à marca. Foi a estratégia emergente que,
junto da estratégia deliberada, resultou na estratégia realizada. Uma vez que o São Paulo venceu
vários campeonatos na época, a visibilidade da marca IBF nas camisetas foi expressiva e os objetivos
de reconhecimento da nova marca foram atingidos. Foi uma rara ocasião de patrocínio esportivo em
time de futebol de primeira linha feito por empresa que não atuava no mercado de consumo, e sim no
mercado corporativo.
42
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Ghemawat e Rivkin (2006) aprofundaram os conceitos de vantagem competitiva a partir das estratégias
genéricas de Porter (1986). Os autores definem vantagem competitiva como criação de valor superior aos
concorrentes diretos, considerando a diferença entre a disposição a pagar e o custo de oportunidade da
empresa. É um pensamento econométrico que ajuda a pensar sobre as vantagens competitivas.
• Disposição a pagar: é o valor monetário que em média os clientes aceitam pagar pelo produto
ou serviço. Claro que há grande elasticidade: a cerveja gelada na praia durante o verão tem um
valor diferente da mesma marca de cerveja no supermercado. O que interessa na discussão é o
conceito da média, e não os valores absolutos.
43
Unidade I
• A empresa que optar pela estratégia de diferenciação terá um custo de oportunidade um pouco
maior, mas em compensação a disposição a pagar será muito maior. Ou seja, é mais caro trabalhar
a diferenciação, mas a possível margem de lucro é bem maior.
• A empresa que optar pela estratégia de baixo custo terá um custo de oportunidade consideravelmente
menor, o que compensa a disposição a pagar um pouco menos. Ou seja, perseguir o baixo custo
gera menor percepção de valor por parte do cliente. Contudo, a margem de lucro pode compensar,
pois o volume de vendas é bem maior.
• A empresa que optar pela estratégia de foco (chamada pelos autores de dupla vantagem) terá um
custo de oportunidade um pouco menor e uma disposição a pagar um pouco maior.
Entendendo que essas diferenças gráficas são conceituais, e não de valores absolutos, podemos
inferir que:
• Todas as estratégias podem se constituir em vantagem competitiva, mas somente o efeito conjunto
causado pelas estratégias concorrentes é que pode determinar qual a mais vantajosa. Assim, se
estamos nos baseando em comparação com a média do ramo, basta que vários competidores
persigam a mesma estratégia para alterar a média. Por exemplo, se vários perseguirem a estratégia
de custo baixo, forçosamente a média da indústria será menor nas duas variáveis (disposição a
pagar e custo de oportunidade), privilegiando quem adota a diferenciação. Por outro lado, se
vários adotarem diferenciação, a média da indústria subirá, privilegiando o baixo custo.
• A empresa que realmente se posicionar bem à frente dos competidores em uma das estratégias
terá vantagem competitiva substancial. A Apple, com o iPhone, conseguiu ser realmente líder em
diferenciação por uma década, justificando preços bem mais altos e rentabilidade espetacular.
Nos últimos anos, o esforço constante em desenvolvimento de produto e marketing da Samsung,
e de outros players, vem conseguindo diminuir a distância de diferenciação com o iPhone.
Tanto é assim que nos dois últimos lançamentos (iPhone X, em 2018, e iPhone 11, em 2019)
não se verificou um estrondoso sucesso de vendas nas primeiras 24 horas, fato que aconteceu
em todos os lançamentos de iPhone anteriores. O produto continua sendo um grande sucesso,
mas os diferenciais competitivos atuais estão perdendo força. Desse modo, fica claro que mesmo
estratégias vencedoras não são garantia de sucesso ao longo do tempo: é preciso evoluir e adaptar.
O fato é que tanto a organização quanto os concorrentes se esforçam para oferecer valor aos
clientes, criando um ambiente de competição. A estratégia de cada um é que vai diferenciá-los através
de vantagens competitivas únicas.
44
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Clientes
Valor Valor
Estratégia
Organização Concorrentes
Competição
Há uma sequência lógica de passos para a execução do processo, incluindo planejar, implementar
e controlar.
Por planejar, entende-se fazer um diagnóstico da situação atual da empresa, analisar dados internos
e externos e formular a estratégia a ser adotada. Implementar significa executar as ações previstas com
eficiência e eficácia. Controlar, por sua vez, significa avaliar os resultados obtidos em comparação com o
planejado e propor correção de rumo quando necessário.
Análise
ambiental
Análise
interna
45
Unidade I
Sobral e Peci (2013) definem como três os níveis de decisão estratégica, deixando claro que há
variações e adaptações no mundo corporativo.
Estratégia de nível corporativo
Corporação
Estratégia de nível de negócio
Recursos
Marketing P&D Operações Finanças humanos
46
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Com foco no longo prazo, é nesse nível de decisão estratégica que ocorre a definição dos negócios
mais atrativos e a correspondente alocação de recursos disponíveis. Estabelecidas as prioridades, a
organização pode investir para aproveitar oportunidades e para reduzir o risco de ameaças. Por exemplo,
comprar ou vender operações produtivas, fazer fusões com outras organizações ou mesmo realizar
joint-ventures.
Veja o exemplo do Grupo Votorantim, multinacional brasileira de controle familiar com operações
em mais de vinte países. Suas unidades de negócios estão nos setores de cimento, celulose, mineração,
siderurgia, energia e outros. A estratégia de nível corporativo em 2017 levou a empresa a vender
o controle acionário da unidade de negócios Votorantim Siderurgia para outra organização, a
ArcelorMittal, permanecendo no negócio somente como acionista. Os recursos financeiros dessa venda
foram direcionados para outras unidades de negócio, fortalecendo posições estratégicas do grupo e sem
abandonar o negócio de siderurgia.
A estratégia de nível funcional, como o próprio nome sugere, é aplicada em cada área funcional
da organização: RH, vendas/marketing, produção/operações etc. Os responsáveis (normalmente
diretorias ou gerências) desenvolvem estratégias restritas à sua área e alinhadas com as estratégias
de negócio. Por exemplo, caso a estratégia de negócio de uma empresa seja voltada para liderança de
custo, as áreas funcionais deverão formular estratégias voltadas para o atendimento desse quesito.
Nesse caso, a área funcional de produção poderia focar em processos de alta escala de produção para
reduzir custo unitário.
47
Unidade I
Resumo
48
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
49
Unidade I
Exercícios
Questão 1. O ano de 2020 entra para a história como o ano em que a pandemia de coronavírus
alterou o dia a dia dos cidadãos e das empresas. Muitos produtos apresentaram quedas nas vendas, e os
administradores devem formular estratégias para reverter a situação.
Quadro 5
?
Alto
Crescimento do mercado
Estrela Interrogação
Baixo
Vaca-leiteira Abacaxi
I – O quadro mostra uma representação da matriz BCG, em que são considerados quatro quadrantes,
definidos por dois eixos: crescimento do mercado e participação relativa no mercado.
III – Um produto é considerado “abacaxi” quando, apesar da baixa participação de mercado, tem
faturamento estável e perspectivas de crescimento.
50
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
A) I e III, apenas.
B) I e IV, apenas.
C) I e II, apenas.
D) I, II e III apenas.
E) II e IV, apenas.
Análise da questão
A imagem mostra a representação de uma matriz BCG, que considera dois eixos para avaliar a
situação de um produto. O posicionamento não é estático, ele é determinado em dado momento.
O produto considerado “abacaxi” não tem faturamento estável e pode não ter boas perspectivas.
O franchising permite que o franqueador aumente sua base de atuação com maior intensidade do
que seria possível se dependesse apenas de recursos próprios para instalar, operar e gerir novas unidades.
O fenômeno ocorre porque o franqueador faz uso daquilo que os estadunidenses denominam O.P.M.
(“other people’s money”, ou seja, “o dinheiro dos outros”), situação em que os franqueados bancam os
custos de implantação, operação e de gestão das respectivas unidades. Em segundo lugar, o franchising
reduz a necessidade de o franqueador recrutar, selecionar e contratar pessoal, em particular gerentes que
sejam capazes de administrar essas novas unidades, muitas vezes geridas pelos próprios franqueados.
Por meio do franchising, o franqueador pode, adicionalmente, ingressar em mercados nos quais
dificilmente entraria se dependesse de seus recursos próprios, sejam financeiros ou humanos. Para isso,
conta com a presença física e o conhecimento do franqueado sobre os hábitos e a cultura da região
onde vive e trabalha.
51
Unidade I
Quadro 6
Produtos
Existentes Novos
Desenvolvimento Diversificação
de mercado
Suponha que uma empresa franqueadora do setor de lanchonetes deseje ampliar negócios sem
modificar os princípios negociais habitualmente praticados. Com baser no texto e nos quatro quadrantes
da matriz de componentes do vetor de crescimento apresentada, qual das alternativas de crescimento
seria a mais pertinente ao caso?
Análise da questão
No caso em estudo, a empresa não está buscando crescimento por meio da ampliação de portfólio
de produtos, mas, sim, por meio da modificação e do desenvolvimento de produtos já existentes. A
ampliação dos negócios está centrada:
• na expansão do mercado pelo aumento de participação nos mercados existentes, o que indica
penetração no mercado;
• na expansão geográfica para os produtos fabricados pela empresa, o que indica desenvolvimento
de mercado.
52
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Unidade II
3 ANÁLISE DO AMBIENTE EXTERNO E DO AMBIENTE INTERNO
As organizações devem monitorar os fatores relevantes do ambiente externo, uma vez que estes
influenciam a performance empresarial sem que a própria organização tenha condições de influenciar
o ambiente em troca. Em suma: os fatores que acontecem além dos muros da empresa afetam seus
resultados, e a contrapartida é praticamente nula: a empresa afeta muito pouco (ou nada) esses fatores.
O ambiente externo é incerto, e é preciso ter capacidade de resposta aos principais fatores. Veja
como a taxa de juros ou do dólar afeta de diversas maneiras as organizações, e dificilmente as atividades
dessas empresas irão afetar significativamente esses mesmos fatores. Uma indústria que tem muitos
componentes importados sofrerá com a alta da taxa do dólar: as importações ficarão mais caras. Essa
mesma indústria não afeta a taxa: basicamente, reage a ela. Claro que grandes players reúnem mais
força para afetar fatores externos, mas mesmo assim a força do fator na empresa é sempre maior
que a força contrária da empresa para afetar o fator externo. Por exemplo, o Bradesco, um dos dois
maiores bancos do Brasil, é fortemente afetado pela taxa Selic do Banco Central (taxa de juros básica da
economia), mas suas ações afetam comparativamente pouco a taxa em si.
• Concorrência: o que os concorrentes são e o que fazem afeta a empresa. Observe a questão
da capacidade produtiva: alguns concorrentes podem ter processos produtivos mais modernos
e eficientes, o que reduz seus custos, enquanto outros têm processos defasados. E que tal o
know-how? Alguns possuem patentes exclusivas e têm vantagens com isso. Se pensarmos na
força comercial, alguns têm equipes de vendas fracas e sem coesão, enquanto outros têm um
time mais afiado. Há inúmeros fatores ligados à concorrência que afetam a empresa.
• Força dos canais de distribuição: alguns ramos de atividade apresentam canais de distribuição
muito poderosos. Por exemplo, alimentos. A Nestlé tem razoável poder de negociação com uma
grande rede como o Pão de Açúcar, mas um pequeno fabricante de chocolates não. Se o varejo é
mais forte que o fornecedor, o poder de barganha é maior para o varejo. Esse fator deve sempre
ser levado em consideração, como já vimos no modelo das cinco forças de Porter. A concentração
observada em alguns ramos do varejo diz muito sobre a força deste nas negociações com
fornecedores. Um varejo extremamente pulverizado no Brasil é o de material de construção.
As maiores redes somadas não chegam a 15% do mercado. A revista Anamaco traz o ranking
nacional das lojas de material de construção de 2020:
53
Unidade II
— Telhanorte/Tumelero: 3,5%;
— Sodimac: 2,9%;
— C&C: 2,6%.
Saiba mais
É possível ler gratuitamente a revista. Consulte a referência a seguir:
21º RANKING nacional das lojas de material de construção. Revista
Anamaco, a. 29, n. 315, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3Lxl63L.
Acesso em: 16 maio 2022.
Lembrete
O poder de barganha dos clientes afeta a capacidade competitiva da
empresa. No caso de um fabricante de bens comercializados no varejo,
esses canais de distribuição são os clientes e podem ter mais ou menos
força que a empresa.
• Ciclo econômico: como está a economia no ramo de atividade? Está em recessão, estabilidade
ou crescimento? Esse fator afeta os investimentos futuros: será que vale a pena aumentar a
produção e a força de vendas quando o ramo de atividade está com vendas caindo? Note que
mesmo quando o país está em recessão alguns setores estão em crescimento. Na crise econômica
gerada pelo coronavírus em 2020 a economia brasileira apresentou grande queda, mas o setor de
entregas domiciliares cresceu de maneira significativa.
• Legislação: leis e normas afetam empresas. Há leis que beneficiam somente empresas brasileiras,
por exemplo. Há leis que inibem a comercialização de produtos como armas de fogo. Há normas
da Vigilância Sanitária que aumentam o custo de operar restaurantes e lanchonetes. Vários setores
têm um marco legal para atuar: telecomunicações, financeiro, brinquedos etc. Por exemplo, no
Brasil a lei obriga os fabricantes de automóveis a vender seus produtos através de intermediários
como concessionárias ou revendedoras. Ford, GM, Fiat e outros não podem vender carros zero
km diretamente para pessoas físicas. Para pessoas jurídicas a lei permite. Assim, o dono de uma
empresa só pode comprar seu carro pessoal numa concessionária da marca ou numa loja de
automóveis. Já sua empresa pode comprar um carro de frota diretamente com o fabricante.
Esse é o motivo pelo qual você acessa o site de uma montadora no Brasil, configura seu carro
novo e obrigatoriamente precisa indicar uma concessionária para retirar o veículo. Num mundo
com e-commerce tão difundido, essa lei antiga impede fabricantes de vender carros zero km
diretamente às pessoas interessadas!
54
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
• Tecnologia: não se trata somente de computadores, e sim de know-how. Algumas empresas têm
acesso mais fácil à tecnologia e podem ter vantagem. Por outro lado, há inovações desenvolvidas
por pequenas empresas que as faz crescer vertiginosamente. Pense nas empresas inicialmente
chamadas de startups, como Uber e Waze (já citadas). Outro exemplo é o de patentes de
medicamentos. Patente é o direito de uso exclusivo de uma tecnologia ou invenção e tem prazo
de validade variável por país. No ramo farmacêutico, as patentes protegem as empresas de cópias
não autorizadas de medicamentos. Pois bem, a Pfizer, uma das maiores empresas farmacêuticas
do mundo, lançou em 1998 o Viagra, medicamento para disfunção erétil cuja patente já havia
registrado anos antes. O sucesso foi tremendo e ninguém podia copiar, pois estava protegido pela
patente em todos os países do mundo. Em 2001, as vendas do Viagra superaram US$ 1 bilhão,
e nos anos seguintes não foi muito diferente. Durante anos, mais de 50% do lucro da Pfizer era
resultado das vendas do Viagra (em alguns anos alcançou 60%). Porém, em 2010 a patente perdeu
a validade no Brasil (nos EUA durou até 2012) e a concorrência entrou com tudo nesse mercado,
copiando legalmente o princípio ativo do medicamento, derrubando as vendas do Viagra.
Esses são apenas alguns exemplos. Há uma enorme quantidade de fatores externos que afetam (para o
bem e para o mal) as empresas. E nem todos os fatores afetam todas as empresas: a alíquota de importação
(taxa cobrada pelo governo para a entrada de produtos importados) de um componente qualquer só afeta
as empresas ligadas a produtos que usam esse componente. Os governos nacionais, quando aumentam
a alíquota de importação de algum produto, na prática, beneficiam as empresas instaladas no país que
fabricam o mesmo tipo de produto, uma vez que o preço da versão importada vai aumentar.
Scholes, Johnson e Whittington (2002) citam vários fatores que ajudam a pensar na influência
possível do ambiente externo:
55
Unidade II
Não ter informação sobre fatores externos relevantes pode ser fatal para as organizações. Sem
informação não há planejamento!
Certo e Peter (1993, p. 35) afirmam que análise do ambiente externo é “monitorar o ambiente
organizacional para identificar os riscos e as oportunidades presentes e futuras que possam influenciar
na capacidade da empresa em atingir objetivos”.
Note que riscos e oportunidades se revelam no dia a dia do ambiente externo das empresas. Por
exemplo, na década de 1990 houve um período de instabilidade da indústria automobilística brasileira
e o governo brasileiro aprovou uma lei que reduzia o Imposto sobre Produtos Industriais (IPI) de carros
com motor 1.0 para a insignificante taxa de 0,1%. Era uma redução brutal de imposto que permitia
reduzir bastante o preço final do veículo. A única montadora no Brasil que tinha condições de aproveitar
imediatamente essa redução era a Fiat, adaptando seu modelo Fiat Uno, que já era fabricado com
motores maiores no Brasil, com um motor 1.0 que já existia e era usado pelo mesmo modelo na Itália.
Em poucos meses a linha de montagem iniciou a fabricação do Fiat Mille, nome dado ao Uno com
motor 1.0, com preço bem mais baixo que a concorrência. As outras montadoras não tinham projetos
de motores 1.0 na mão e seus modelos eram mais pesados que o Uno, o que prejudicaria o desempenho
com esse motor de menor potência. Assim, demoraram para poder aproveitar a oportunidade do imposto
baixo e perderam muito mercado.
Porter (1990), como vimos, propôs utilizar as vantagens competitivas das nações como parte das
análises do ambiente externo. O chamado diamante de Porter permite buscar os motivos para algumas
nações serem mais competitivas (e adequadas para investimentos da empresa) do que outras.
56
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Estratégia,
estrutura e
rivalidade da
organização
Características
específicas do Características da
país demanda
Indústrias
relacionadas e
de suporte
• Estágio avançado de automação bancária. O mercado bancário brasileiro é um dos mais avançados
do mundo em tecnologia. As razões remontam ao período de altíssima inflação que o Brasil
enfrentou entre as décadas de 1980 e 1990. As margens de lucro dos bancos eram muito mais altas
que em qualquer lugar do mundo, e esses lucros foram investidos nas tecnologias emergentes da
época para ganhar eficiência operacional e reduzir custos ao longo do tempo. Já se projetava que
a fase de lucros fabulosos iria terminar em algum momento futuro (o que realmente aconteceu,
muito embora permaneçam bem altos até hoje), então os principais bancos foram se preparando e
as condições competitivas do setor se desenharam ao redor da tecnologia. Só como comparação, o
mercado bancário americano sempre foi muito mais atrasado que o brasileiro. Até alguns poucos
anos atrás, qualquer transferência de valores entre bancos nos EUA podia levar dias por não haver
interconexão equivalente à brasileira.
• Alta regulação governamental. As normas e regulações oficiais são barreiras de entrada para
novos bancos. Ou seja, de certa maneira, há uma reserva de mercado no Brasil. Em contraposição,
nas Ilhas Cayman é fácil criar um banco e começar a operar, pois a regulação é baixíssima.
O Bradesco e outros bancos têm filial lá.
• Taxas de juros compostos. O mercado bancário brasileiro utiliza a lucrativa modalidade de juros
compostos para empréstimos e financiamentos, sendo que em vários países os juros são da
modalidade simples, bem menos lucrativa. Usos e costumes diferem.
57
Unidade II
Pense na diferença de leis trabalhistas de diversos países: nações que protegem muito os trabalhadores
naturalmente geram o incentivo à automação. Os motivos para a Alemanha ser tão avançada em
automação industrial é o alto custo de sua mão de obra.
Outras diferenças podem ser: nível educacional, recursos naturais, infraestrutura de transportes,
carga fiscal etc. São características específicas que devem ser levadas em consideração nas análises.
Por exemplo, a estratégia que a China adotou muitos anos atrás para absorver know-how
competitivo foi simples. Uma vez que a mão de obra chinesa era muito mais barata e as obrigações
trabalhistas eram praticamente inexistentes, o que tornava a China um atraente local para manufatura,
o governo instaurou uma regra restritiva para joint-ventures. Empresas estrangeiras que quisessem se
instalar na China precisavam ter um sócio local, apontado pelo governo, que teria 50% do negócio
– sem investir nada e sem interferir nas operações. O sócio seria um observador com livre acesso à
empresa, e com uma equipe que faria o mesmo. Note que, mesmo parecendo um absurdo, foi aceito por
milhares de empresas estrangeiras, que perceberam que o custo da operação era ótimo, compensava
“dar de graça” 50% de participação. Essa estratégia do Estado gerou uma onda de aprendizado com
custo “zero” e trouxe inúmeros benefícios para ambas as partes: Estado e empresas estrangeiras.
58
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Toda organização tem recursos à disposição. Sejam financeiros, humanos, produtivos ou mercadológicos,
os recursos internos afetam a capacidade da empresa em competir no ambiente externo.
• Os fatores que, cotejados com a concorrência, representam vantagem operacional são chamados
de pontos fortes. Quais são as forças impulsoras internas que representam vantagem diante da
concorrência?
• Por outro lado, os pontos fracos são fatores que se traduzem em uma desvantagem operacional
diante da concorrência, sendo limitações que restringem a atuação organizacional.
Claro que nem tudo representa ponto forte ou fraco. Há os chamados pontos neutros, que são
fatores em equilíbrio com a concorrência e não trazem nem vantagens nem desvantagens.
Vamos listar alguns dos elementos internos que devem ser analisados e que podem ser pontos fortes
ou fracos. Se forem neutros, não precisam ser citados na análise da empresa.
• Canais de distribuição utilizados: Las Casas (2006) explica que os canais de distribuição existem
para facilitar o processo de transferência de produtos e serviços do produtor ao consumidor.
Trata-se dos meios utilizados na distribuição. Por exemplo, a Chocolates Garoto usa diversos canais
como supermercados, padarias, lojas de doces, atacados etc. Essa análise é útil para encontrar
possibilidades de distribuição. Se um concorrente distribui em determinado tipo de loja, vale a
pena verificar as condições.
• Linhas de produtos: quais são os produtos e serviços oferecidos ao mercado e como a empresa
os agrupa? Por exemplo, a Nestlé tem chocolates, lácteos, cafés, cereais matinais etc. A Hering,
por sua vez, tem as linhas (chamadas coleções) Hering, Hering Kids, Hering POP, Hering Intimates
e Hering Pets. Essa análise permite comparar com as linhas dos concorrentes e localizar eventuais
oportunidades não aproveitadas.
59
Unidade II
• Satisfação dos clientes: diversas empresas medem periodicamente o nível de satisfação de seus
clientes. Pense nas pesquisas de satisfação que o varejo faz no caixa, ou nas pesquisas feitas após
um atendimento por telefone ou internet. Sendo possível comparar com os concorrentes, pode-se
perseguir mais qualidade verificando as ações tomadas pelos melhores do mercado.
• Processos produtivos e operacionais: quão eficientes e eficazes são os processos que geram os
produtos e serviços oferecidos? São automatizados e geram baixo custo unitário de produção?
São artesanais e geram alta qualidade? Pense em fábricas de automóveis com robôs industriais
que produzem com o mesmo nível de qualidade todos os produtos. Pense também em fábricas de
automóveis com baixa (ou nenhuma) automação, mas com artesãos especializados fabricando as
peças manualmente com altíssima qualidade.
Saiba mais
• Recursos humanos: a qualificação das pessoas que trabalham na empresa pode ser um ponto
forte (ou fraco). Tempo de experiência, habilidades, competências, comprometimento etc. são
itens a serem analisados. Pense nos vendedores de uma joalheria de bom nível: certamente há um
bom nível de qualificação. Agora compare com os vendedores de uma loja popular de bijuterias:
a qualificação será outra. O ponto é que a qualificação deve estar alinhada com os objetivos da
empresa. Comparações com a concorrência permitem verificar pontos fortes e fracos da estratégia
de RH da empresa.
60
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
• Rentabilidade: quanto o negócio rende realmente? Note que não estamos falando de faturamento
(também um fator a ser analisado), e sim de rentabilidade, que é uma medida da eficiência da
empresa na alocação de recursos (SOLOMON, 1969). As empresas mais rentáveis de um ramo de
atividade podem, ao longo do tempo, ganhar força para defender suas posições estratégicas e
se distanciar mais ainda dos concorrentes. Menor rentabilidade significa menor poder de fogo
contra os concorrentes.
• Força dos sindicatos: a pressão sindical pode significar maiores custos de RH. Sindicatos fortes
exercem maior influência nos custos de pessoal que sindicatos fracos. Como exemplo, veja a
questão da vinda da Fiat para o Brasil na década de 1970. Na época, o polo fabril de veículos no
Brasil era localizado em São Paulo, região do ABC (cidades de Santo André, São Bernardo do Campo
e São Caetano do Sul), onde os sindicatos de metalúrgicos eram muito fortes. Independentemente
de sua crença política, você deve saber que o ex-presidente Lula foi líder sindical em São
Bernardo. Pois bem, a montadora italiana Fiat, ao se instalar no Brasil, escolheu ficar longe da
região, mesmo diante das facilidades apresentadas: existência de mão de obra treinada, centenas
de fornecedores de autopeças por perto, dezenas de transportadoras de veículos à disposição etc.
O motivo? A força dos sindicatos, que propunham greves e pediam aumento salarial com frequência.
A Fiat escolheu a cidade mineira de Betim para instalar sua fábrica, local onde nem sequer havia
sindicato de metalúrgicos ou equivalente, e arcou com o investimento de treinar mão de obra
para iniciar a operação. Note que não se critica ou elogia a existência de sindicatos em geral:
destaca-se a questão de custos associados à ação sindical e que esses custos devem ser levados
em consideração nas análises.
Sobral e Peci (2013) contribuem citando outros exemplos de fatores que podem ser analisados:
• inovações tecnológicas;
• grau de centralização;
• capacidade laboratorial;
• qualificação de equipamentos;
61
Unidade II
• grau de endividamento;
• liquidez;
• acesso às matérias-primas;
• solvabilidade;
• produtividade e eficiência;
• estrutura de custos;
• satisfação no trabalho;
• controle de qualidade;
• absenteísmo;
Tendo em mãos as avaliações de dados internos e externos, uma das ferramentas mais utilizadas
para integrá-las é a análise SWOT, muito usada desde a década de 1970, como já comentamos.
S W
(organização)
Interna
Forças Fraquezas
Origem do fator
O T
(ambiente)
Externa
Oportunidades Ameaças
• recursos financeiros;
• reconhecimento de marca;
• domínio tecnológico;
63
Unidade II
• fidelidade à marca;
• direção estratégica;
• custos;
• modernidade de instalações.
Por sua vez, as oportunidades são os fatores externos que podem afetar positivamente a
competitividade e resultados, e as ameaças são o oposto: fatores externos que podem contribuir
negativamente. Ambos são fruto da análise do ambiente externo. Churchill (2000) acentua alguns
exemplos de fatores que podem ser analisados como ameaças ou oportunidades:
• força da concorrência;
• leis e regulamentações;
• novas tecnologias/know-how;
Para fazer a aplicação da análise, Tarapanoff e Gregolin (2001) recomendam que os fatores
selecionados sejam classificados por ordem de importância, do mais alto ao mais baixo.
Com essa forma hierarquizada, a leitura fica fácil, pois o que tem mais relevância aparece primeiro.
64
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Resumo
Não ter informação sobre fatores externos relevantes pode ser fatal
para as organizações. Sem informação não há planejamento.
65
Unidade II
Exercícios
I – A análise SWOT busca garantir uma visão abrangente acerca dos fatores internos e externos
que podem auxiliar ou prejudicar a venda de um produto.
II – O atrativo “trilha no Parque Nacional Serra de Itabaiana” deve ser colocado no quadrante das
ameaças, pois se trata de uma atividade que envolve riscos.
III – A análise SWOT não pode ser utilizada no caso apresentado, pois o setor turístico oferece
bens intangíveis.
A) I e II.
B) I e III.
C) I.
D) II.
E) II e III.
Análise da questão
A análise SWOT considera pontos fortes e pontos fracos como fatores internos e oportunidades e
ameaças como fatores externos. Ela pode ser usada para produtos tangíveis ou intangíveis. A trilha
é um ponto forte.
Questão 2 (Enade 2018, adaptada). Preocupado com a crise mundial na economia, o gerente comercial
de uma empresa procurou mapear as contingências ambientais e os seus impactos na estratégia da
organização para os próximos anos. Sua conclusão é a de que haverá redução na demanda por seu
produto no mercado externo, com consequente redução nas exportações. Logo, ele está prevendo que,
no curto prazo, a empresa terá que se adaptar a essa realidade a partir das seguintes ações:
Considerando essa situação hipotética, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas.
Porque
67
Unidade II
I – Asserção verdadeira.
Vale destacar que o ambiente é o contexto que envolve externamente a empresa, ou seja, refere-se
à situação na qual uma organização está inserida. Considerando que toda organização faz intercâmbio
com o ambiente, tudo o que ocorre no ambiente tem influência no que ocorre dentro da organização.
Portanto, para que uma empresa tenha o desempenho esperado, ela deve fazer um mapeamento
ambiental, a fim de encontrar o melhor posicionamento dentro do ambiente (CHIAVENATO, 2014).
Pode-se dizer, então, que as organizações são sistemas abertos sujeitas às incertezas que provêm das
contingências externas impostas pelo ambiente (CHIAVENATO, 2014).
II – Asserção falsa.
Justificativa: o mapeamento ambiental é feito para que se tenha uma visão de futuro do ambiente.
Não é possível considerar que haja uma natureza cíclica para as contingências.
68
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Unidade III
5 CASO HAVAIANAS
As sandálias Havaianas, produzidas pela empresa São Paulo Alpargatas, trazem um exemplo histórico
de estratégias que se adaptam aos tempos, resultando em alguns fracassos e muitos sucessos.
Gomes (2005) explica a evolução estratégica das Havaianas na forma de ondas. A primeira onda, que
o autor denomina onda das commodities, durou de 1962 até 1994.
Em 1962 a Alpargatas lançou um produto cuja inspiração era uma tradicional sandália de dedo
japonesa chamada Zori, feita com tiras de tecido e sola de palha de arroz.
A) B)
69
Unidade III
Originalmente lançada para a classe média, em pouco tempo foi adotada pelas classes mais populares,
pois era confortável e barata. Portanto, a Alpargatas adotou com sucesso a estratégia de menor custo
de Porter (1986) através do binômio padronização e alta escala. A estratégia consistia em padronizar
a oferta em um único modelo com tamanhos de pé diferentes fabricados massivamente, reduzindo
o custo unitário de produção. Com o tempo, foram acrescentadas poucas cores nas tiras (verde, azul,
amarelo e preto), sempre com foco em produção em massa.
Nas décadas de 1970 e 1980, as Havaianas eram um produto barato e amplamente usado pelas
classes C e D. Era bastante comum ver operários de construção, pedreiros, pintores e vendedores
ambulantes usando-as para trabalhar. A distribuição feita através de atacados fazia o produto chegar a
lojas populares em todo o Brasil, que vendiam o produto encostado em qualquer lugar. Era comum o uso
de caixas de sabão (ou qualquer outra caixa de papelão velha) com tamanhos de pé e cores misturados.
Os clientes procuravam e faziam o par que queriam. Feiras livres e camelôs vendiam sandálias Havaianas
em grande quantidade.
Entretanto, havia um problema. Mesmo tendo um diferencial único (a secreta formulação da borracha
do solado e tiras que não deformava, não soltava as tiras e não retinha cheiro), a percepção geral era
de produto “comoditizado” (massificado e não diferenciado pelo cliente) e extremamente popular. Para
as classes A e B, as Havaianas estavam associadas à falta de elegância. Para o restante da população,
eram um produto confiável e barato. Percebendo esse ponto fraco, a concorrência avançou ao longo da
década de 1980 com sandálias (ou chinelos) de borracha com melhor imagem.
Na época, a Alpargatas percebeu que a estratégia de menor custo não mais trazia vantagem
competitiva. Ao contrário, na prática o produto perdia volume de vendas ano após ano e a economia
de escala estava perdendo eficiência, reduzindo, por conseguinte, as estreitas margens de lucro. Era
necessário adotar outra estratégia.
Gomes (2005) e Serralvo, Prado e Leal (2006) citam 1994 como o início da onda da redefinição da
estratégia. Para isso, a Alpargatas teve por base pesquisas que indicavam que muitas pessoas das
70
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
classes A e B também usavam Havaianas, porém restringindo o uso para as próprias casas. Afinal de
contas, eram confortáveis. Não era aceitável para a classe alta e média ser vista usando o produto nas
ruas, praias e piscinas, pois o preconceito de imagem pobre dominava. Mas era aceitável usar Havaianas
em casa, longe dos olhos dos pares sociais. Essa hipocrisia de fazer no ambiente privado o que não
se faz em ambiente público por questões meramente sociais deu o ponto de partida para redefinir
a estratégia.
Podemos ver que a estratégia de diferenciação de Porter (1986) emergiu a partir daí. Sem abrir
mão do produto básico e popular que continuava a vender dezenas de milhões de pares por ano (apesar
da queda continuada de vendas), a decisão foi de lançar um novo produto, com nova embalagem,
com distribuição e comunicação diferentes e com significativa alteração no preço (mais caro). Perceba
que, nesse caso, também podemos citar a visão de Ansoff (1965) e afirmar que era uma estratégia de
desenvolvimento de produtos.
Assim, a linha de produtos de Havaianas passou a ter duas opções: Tradicional, sem alterações nas
políticas de produção e marketing, e Top, com 30% a mais na espessura da sola, cores diferentes e a
marca Havaianas gravada em relevo na tira, além de outras ações estratégicas.
Uma dessas ações dizia respeito à embalagem. Para ter baixo custo no produto final, a embalagem
das Tradicionais era no máximo um saco de pano com barbante, isso quando não era vendida no varejo
sem embalagem alguma com os pares amontoados em caixas de papelão de outros produtos, fazendo
o cliente procurar o pé direito e esquerdo do mesmo tamanho. Já a Havaianas Top vinha em pares
dentro de uma embalagem cartonada colorida e de bom gosto, diferenciando a oferta e a percepção de
qualidade. Não era um produto de luxo, mas era perfeitamente aceitável pelas classes A e B.
Outra ação foi a escolha de varejos não populares para vender a Top. O canal de distribuição
tradicional das Havaianas, o atacado, abastecia feiras livres, mercadinhos, lojas de roupas populares,
posto de gasolina etc. A Alpargatas não ofereceu a Havaianas Top aos atacados e focou a oferta
diretamente no varejo de calçados masculinos e femininos, lojas de material esportivo, lojas de moda
jovem em shoppings etc. A ideia era de mostrar ao público classe A e B que o novo produto não seria
encontrado nos locais populares.
O preço da Havaianas Top era mais alto e com rentabilidade maior. Porém, a lógica de preço relativo
era a mesma da Havaianas Tradicional, que era considerada acessível para as classes C e D. Assim, o preço
mais alto da Top também foi posicionado para ser acessível para as classes A e B.
A comunicação também foi alterada. Antes, os anúncios focavam nas qualidades do produto (o slogan
tradicional). Para a Havaianas Top, o foco mudou para quem usava o produto, no clássico formato
testemunhal, mas de maneira leve e divertida. A mensagem era: as celebridades que apareciam usando
Havaianas nos comerciais realmente as usavam no seu dia a dia na vida real. A atriz Malu Mader estrelou
o primeiro comercial, que sempre seguiu uma linha de humor e descontração até os dias de hoje.
Cabe ressaltar que a linha de comunicação de 1994 permanece a mesma até hoje. Sempre há
celebridades como atores, atrizes e esportistas em situações de uso do produto, falando sobre o produto
ou comprando o produto em cenas cheias de humor e descontração. Exemplos: há Cauã Reymond e seu
cão Bolota, que só roía sandálias Havaianas; Rubinho Barrichello comprando o produto diante de uma
vendedora que imita Galvão Bueno; Deborah Secco na praia usando o produto para atrair a atenção.
Há cenas domésticas, na praia, na rua ou em lojas reforçando a ideia de que essas celebridades usam
Havaianas no dia a dia.
Lembrete
72
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Exemplo de aplicação
O sucesso das Havaianas Top incentivou a Alpargatas a desenvolver mais modelos, alguns em edição
limitada e com preço alto. Por exemplo, para o réveillon do ano 2000, foi lançado um modelo que brilhava
no escuro. Em 2001 foi lançada a Special Collection, com cristais e malhas de metal costuradas à mão
por artesãos nordestinos. Em 2004 foi criada uma edição limitadíssima de Havaianas com acabamento
em ouro com parceria da Joalheria H.Stern. Ao longo de todo esse tempo, houve modelos com preços e
escalas de produção normais, como Floral, Fit, Baby e Flat.
Serralvo, Prado e Leal (2006) denominam a terceira onda como internacionalização, que ocorreu a
partir de 2001. A exportação começou em 1994 lentamente para alguns países vizinhos da América do Sul.
Esse aprendizado gerou frutos, pois em 2001 as vendas externas começaram a crescer significativamente.
A cuidadosa seleção dos pontos de venda onde seriam vendidas as Havaianas fez com que grandes
redes de varejo fossem bloqueadas. Wal Mart e Carrefour, por exemplo, ficaram de fora. Porém, lojas
de alta moda foram escolhidas e a escala de preço chegou em alguns casos a 50 euros. Também foram
usadas vending machines (máquinas de venda automática), que eram colocadas em locais de circulação
do público High End como shoppings sofisticados e áreas comerciais com lojas de produtos de luxo.
A marca e o produto, visivelmente presentes nesses locais, reforçavam a imagem de produto para um
público selecionado.
73
Unidade III
A comunicação era focada em relações públicas e as ações com as revistas de moda europeias
fizeram as Havaianas aparecerem em editoriais de moda sem custo de veiculação. A imagem trabalhada
foi de status e de “ser fashion” para quem usasse as sandálias.
Por exemplo, nos EUA, em 2003, as havaianas foram distribuídas gratuitamente para as celebridades
que iriam ao Oscar e ao Grammy. Foi um trabalho de relações públicas muito bem coordenado, com
excepcional relação custo-benefício. A mídia nacional e internacional noticiou o uso descolado das
sandálias nos pés de Brad Pitt, Angelina Jolie e de dezenas de outras celebridades no tapete vermelho.
Como mais um exemplo de uma ação promocional que reforça a imagem de produto descolado, em
2012 a Alpargatas criou um evento no Australia Day (dia da independência australiana) com a venda de
mil pranchas infláveis em formato de sandália em uma grande praia e ampla divulgação para a imprensa.
A marca apareceu gratuitamente em TVs, internet, revistas e jornais e reforçou a imagem positiva.
A) B)
74
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Claro que esse sucesso todo não se traduziu em volume de vendas de milhões de pares no exterior.
Eram volumes bem menores, porém altamente rentáveis. O principal benefício foi o reflexo dessa
imagem de produto descolado no exterior nas vendas aqui no Brasil. Tudo o que acontecia na Europa
(e depois nos EUA e em outros países) era informado para a mídia brasileira, com farta distribuição de
press release com fotos e imagens. A área de relações públicas buscava imagens jornalísticas na Europa
e nos EUA com pessoas usando Havaianas e as distribuía para a mídia, que muitas vezes publicava
sem custo algum para a companhia. Observe a seguir uma foto de pessoas comuns com o presidente
americano George W. Bush em 2005 e perceba a identificação dos pés usando as sandálias:
Revistas, jornais e até a televisão noticiavam com razoável frequência celebridades estrangeiras
usando o produto em festas, desfiles, restaurantes e casas noturnas de alto padrão. Era comum a mídia
destacar que os preços eram muito mais altos que os brasileiros. A imagem de produto descolado
alavancou as vendas no Brasil em volumes bem mais altos e permitiu adotar preços mais altos também
(em menor escala, claro). Era possível usar a sandália dos famosos nacionais e estrangeiros pagando pouco.
Note que a estratégia mudou e se adaptou com o tempo. Hoje a Alpargatas continua com as
Havaianas à venda no Brasil e no exterior com estratégias distintas e bem-sucedidas.
75
Unidade III
Tendo em mãos o conjunto de análises de fatores internos e externos, faz-se necessário optar por
um caminho estratégico adequado. Como já vimos, Sobral e Peci (2013) definem três níveis de decisão
estratégica: nível corporativo, nível de negócio e nível funcional. Estudaremos esses aspectos a seguir.
Wright, Kroll e Parnell (2000) delimitam três tipos de estratégias corporativas: crescimento,
estabilidade ou retração. Cada unidade de negócio deve adotar a mais adequada para que haja sinergia
e complementariedade nos objetivos organizacionais. Assim, organizações podem ter unidades de
negócio com estratégias de crescimento simultaneamente com outras adotando estratégias de retração
ou estabilidade, balanceando os investimentos e maximizando os resultados gerais.
Adotada quando a unidade de negócio tem acesso a recursos suficientes para aumentar o volume de
operações com benefícios superiores aos custos envolvidos. É o caso de mercados em fase de crescimento
ou de concorrentes em situação vulnerável que não vão reagir à tomada de participação de mercado.
Lembre-se que o início da discussão acadêmica sobre estratégia por Ansoff, na década de 1960, foi
delimitada para estratégias de crescimento.
Desde Ansoff, a teoria evoluiu e se desdobrou, mostrando que há várias maneiras específicas de crescer.
Wright, Kroll e Parnell (2000) desdobram essa estratégia em diversos tipos: interno; integração horizontal;
diversificação horizontal relacionada; diversificação horizontal não relacionada; integração vertical; fusões;
e alianças estratégicas.
permanece. Isso gera crescimento do faturamento pela sinergia comercial das duas operações
fundidas numa só, sem contar os ganhos de sinergia operacional da retaguarda, fazendo crescer a
rentabilidade. Pense na grande quantidade de fusões e aquisições de empresas nos últimos anos.
Muitas delas são do mesmo ramo. O mercado farmacêutico faz isso com frequência.
Integração horizontal
Saiba mais
Empresa Empresa
relacionada Empresa relacionada
ao ramo ao ramo
77
Unidade III
Saiba mais
78
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Fornecedor
Integração
Empresa vertical
Distribuidor
• Fusões: união de duas ou mais empresas em uma nova para ganhar competitividade por sinergia e
compartilhamento. Por exemplo, em 1999 as duas maiores cervejarias brasileiras, Antarctica
e Brahma, se fundiram numa só empresa chamada Ambev, unificando as operações fabris e
comerciais. Eram concorrentes que disputavam o mesmo mercado há mais de cem anos. No mesmo
exemplo, em 2004 a Ambev se fundiu com a cervejaria belga Interbrew, formando uma nova
empresa chamada Inbev. Em 2008 a Inbev se fundiu com a Anheuser-Busch, a maior cervejaria
americana, tornando-se o maior fabricante de cerveja do mundo: a AB-Inbev.
Interbrew AmBev
1987 1999
InBev
1999
• Alianças estratégicas: parcerias em que duas ou mais empresas diferentes cooperam entre si
buscando vantagens competitivas em determinado negócio. Por exemplo, empresas de logística
de localidades diferentes fazem parcerias entre si para aproveitar o retorno de caminhões vazios
após fazer entregas em outros estados/cidades. O caminhão da empresa paulista A que sai de São
Paulo para Manaus iria retornar vazio, mas a empresa amazonense B vende o frete de Manaus
79
Unidade III
para São Paulo, gerando ganhos e redução de custos para ambas as empresas. Quando a parceria é
institucionalizada e faz parte da estratégia de ambas as empresas, temos uma aliança estratégica.
Outra parceria estratégica envolve as lojas de móveis e decoração Etna (que já comentamos) com
o Grupo Pão de Açúcar, um dos líderes do ramo de supermercados e hipermercados no Brasil.
A parceria consiste na abertura de espaço dentro dos hipermercados Extra e supermercados
Pão de Açúcar para vender produtos das lojas Etna. No caso do Extra, uma grande área da loja
contém várias gôndolas e prateleiras só para produtos Etna. Isso é denominado shop in shop
ou loja dentro da loja. Não se pode confundir essa modalidade com as lojas que ficam além dos
caixas do hipermercado (farmácias, lotéricas, cafés etc.). No caso da parceria com a Etna, o espaço
é dentro da área de vendas do hipermercado e os produtos são pagos nos mesmos caixas,
havendo um acerto de contas posterior entre as duas empresas.
Na prática, trata-se de definir que os movimentos estratégicos não serão muito diferentes dos atuais,
mantendo-se as operações como estão sem grandes alterações.
Observação
Pense nos restaurantes por quilo perto de regiões comerciais. A maioria, após conseguir se estabelecer
com um volume suficiente de clientes por dia, dificilmente mudará suas atividades. Você provavelmente
conhece empresas que atuam do mesmo modo ano após ano. Se a situação de mercado não se alterar,
uma boa parte vai continuar existindo fazendo o que sempre fez.
Contudo, há outros motivos além do conformismo para adotar essa estratégia. Por exemplo, o Grupo
Votorantim atua nos setores de cimento, mineração, siderurgia, energia e outros. A unidade de negócio
de cimento adota a maior parte das vezes essa estratégia, pois é um ramo pouco atrativo para novas
empresas (preço comoditizado, altos investimentos para manutenção e bastante onerado pelo custo de
distribuição) e a liderança em um mercado de crescimento razoavelmente estável garante uma posição
confortável. Ou seja, não vale a pena investir para crescer nessa unidade de negócio, e o grupo utiliza
seus recursos para investir nas outras unidades de negócios. Se fosse feita uma matriz BCG, a unidade
de negócio de cimento seria certamente uma vaca-leiteira.
80
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Observação
Na prática, essa estratégia reduz as operações visando sair total ou parcialmente do mercado. Veja
que o ponto é tentar converter os ativos em recursos para serem investidos em outros setores/negócios.
Quando bem executada, a saída parcial reduz, naturalmente, o faturamento e ao menos procura
manter os percentuais de rentabilidade por um prazo definido. Por exemplo, a crise econômica trazida
pelo coronavírus fez com que vários negócios decidissem por reduzir suas operações. Redes de varejo
fecharam parte das lojas, unidades fabris reduziram turnos ou encerraram linhas de produção etc.
81
Unidade III
Outras vezes, essa estratégia significa o abandono total do mercado. É o caso da Ford Caminhões,
unidade de negócios da Ford no Brasil que encerrou suas operações em 2019. Veja que outras unidades
de negócio da Ford Brasil (automóveis, serviços financeiros, jipes Troller etc.) continuaram a operar, cada
uma com sua estratégia de nível corporativo.
Cada unidade de negócio traça suas estratégias alinhadas com a estratégia corporativa. Porter (1986)
as define como estratégias competitivas: liderança de custo, diferenciação e foco.
Como vimos anteriormente, a liderança de custo define que as atividades da organização devem ter
como preocupação obter o menor custo unitário de produção do mercado. Quem tem o menor custo
obtém vantagens competitivas.
Ou seja, não é a qualidade superior do produto ou serviço o fator de atração, e sim um preço menor.
Claro que a percepção de valor por parte do cliente deve ser positiva, uma vez que produtos percebidos
como de qualidade ruim dificilmente terão vendas ao longo do tempo. Assim, o valor percebido deve ser
maior que o custo percebido, e esse custo, na estratégia de liderança em custo, deve ser necessariamente
menor que o da concorrência.
Perseguir essa estratégia significa entender o conjunto de atributos essenciais para a oferta do produto
ou serviço, abrindo mão dos atributos acessórios que aumentam o custo.
Atributos essenciais são as características de um produto ou serviço que os clientes não abrem mão
em hipótese alguma. Um atributo essencial de uma máquina produtiva para uma fábrica é confiabilidade:
deve funcionar sem quebras por longos períodos.
82
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Por sua vez, atributos assessórios são as características que os clientes até podem apreciar, mas
não fazem questão, ou características que não agregam valor algum. Um atributo assessório de uma
máquina produtiva para uma fábrica pode ser a cor externa: não afeta em nada a produtividade, a não
ser em casos específicos, em que a estética das máquinas for considerada essencial.
Por exemplo, a rede Accor de hotéis tem uma unidade de negócios chamada Ibis Budget, composta
de hotéis em localizações estrategicamente próximas a estações de metrô, ônibus e trens, com quartos
básicos e limpos, normalmente sem restaurante (esqueça o café da manhã!), sem carregador de
malas, com recepção funcionando em horário limitado, sem lavanderia etc. O foco é localização com
limpeza e conforto básicos em troca de diárias mais baratas que a concorrência. Não há luxo, somente
funcionalidade. Os atributos essenciais que a Accor oferece são localização e limpeza com conforto
suficiente. Por considerar atributos acessórios, não oferece recepção 24 horas, serviços de carregador de
mala, restaurante e lavanderia. Em troca, oferece preços mais baixos que os concorrentes, perseguindo
a liderança em custo.
O ramo do turismo tem, em seus diversos mercados, empresas que perseguem essa estratégia. A Ryanair
é uma companhia aérea irlandesa líder de baixo custo na Europa. A operação se restringe a um serviço
standard de qualidade reduzida, sendo que qualquer item extra é pago à parte. Despacho de bagagem,
bebidas e comidas (tanto na sala de espera quanto a bordo) e acesso a entretenimento (e internet) a
bordo são oferecidos mediante pagamento, resultando numa tarifa de transporte atraentemente baixa.
O foco é apenas o transporte aéreo. O atributo essencial que é ofertado é o transporte aéreo do ponto
A para o ponto B em rotas e horários pré-definidos.
83
Unidade III
Motéis como Motel 6 (EUA) são extremamente simples e limpos e atendem basicamente viajantes
para pernoite ou estada curta. Motéis nos EUA são hotéis simples de beira de estrada, muitas vezes com as
portas dos quartos voltadas diretamente para o estacionamento, e mesmo nesse segmento há maneiras
eficientes de reduzir custos. A rede Motel 6 é considerada a mais barata da América, e ainda assim é
recomendada em sites de avaliação, pois entrega qualidade básica de serviço. As unidades têm quartos
de leiaute padronizado, com a menor área possível para ter razoável conforto, são administradas por
franqueados (preferivelmente famílias) que executam todos os serviços, com poucos ou, de preferência,
sem nenhum funcionário. Unidades com até dez quartos podem ser operadas por uma família com
quatro pessoas, por exemplo, dispensando o custo de funcionários. Localizam-se perto de restaurantes,
lanchonetes, cafeterias e lavanderias, uma vez que, por padrão, essas unidades não têm esses serviços.
Os poucos serviços extras são todos pagos, como o acesso a internet. É um modelo de negócios focado
no menor custo operacional possível, e o franqueador tem processos precisos de aferição da qualidade
mínima aceitável.
84
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Observação
5.2.2 Diferenciação
O que atrai é a característica diferente, que se traduz em percepção positiva. Percepção de qualidade
superior, quando efetivamente sustentada pelo projeto do produto, normalmente é reforçada na comunicação
para criar o diferencial. Pense em bebidas de qualidade comparadas com bebidas mais baratas.
Não é só a qualidade em si que é comparável para criar a percepção de valor superior. Por
exemplo, no Brasil a margarina Becel há anos é considerada “amiga do coração” porque em sua
composição há óleos vegetais com ômega 6, que é considerado por cardiologistas bom para o
coração, pois contribui para manter um nível de colesterol saudável no sangue. É comum que
esses cardiologistas sugiram para pacientes com alto colesterol que passem a consumir Becel. Essa
informação sobre a fórmula do produto é insistentemente divulgada na estratégia de comunicação
da marca, e anos atrás até mesmo propagandistas farmacêuticos foram usados para divulgar o
produto com médicos.
Outro exemplo de diferenciação é o da linha Ekos, da Natura, com produtos feitos de castanhas,
andiroba, ucuuba, pitanga e outras matérias-primas naturais da Amazônia. As fórmulas de sabonetes,
loções, desodorantes, xampus, hidratantes etc. são enriquecidas com manteigas e puros óleos extraídos
de bioativos da Amazônia, e as embalagens têm o diferencial de serem feitas com plástico 100%
reciclado. Tudo está alinhado com o posicionamento de empresa social e ambientalmente responsável.
Em serviços, a diferenciação pode ser oferecida na forma de tempo extra, se esse tempo for percebido
como valor. A Movida, empresa brasileira de locação de veículos com mais 110 mil carros na frota e mais
85
Unidade III
de 190 pontos de atendimento, oferece a diária de 27 horas na devolução. São três horas de cortesia
na diária de devolução, o que é valorizado principalmente para quem aluga carros em aeroportos e têm
horários de voos que atrapalham a devolução padrão de veículos.
No varejo, um bom exemplo de diferenciação é o Grupo CRM, detentor da fábrica e das lojas
Kopenhagen e Brasil Cacau de Chocolates e sócio da joint-venture das lojas Lindt de chocolates no
Brasil. A Kopenhagen era uma rede de lojas de padrão superior de chocolate fundada em 1928 e foi
vendida para o Grupo CRM em 1996, que reforçou a aura de exclusividade e diferenciação e abriu mais
lojas. Na época, era a fábrica de chocolates com lojas mais cara do mercado. Estrategicamente, o grupo
criou uma rede de varejo de chocolates mais voltados para a classe média, a Brasil Cacau, em 2009.
Assim, a empresa ficou na confortável posição de líder de diferenciação, com a Kopenhagen na faixa de
preços top (não há concorrente relevante), e de player atuante da faixa de preços média, com a Brasil
Cacau. Em 2014, num movimento surpreendente, se associou à Lindt, fabricante belga de chocolates
de alta qualidade muito conhecida pelas classes A e B brasileira, e passou a ter lojas dessa marca no
Brasil. Assim, o grupo blindou sua posição: maior rede de chocolates top importados e maior rede de
chocolates top nacionais, tendo ainda uma rede atuante na faixa de preços médios.
De qualquer modo, não basta criar um diferencial. É necessário que este seja percebido como algo
de valor.
5.2.3 Foco
realmente entregar a performance superior que os clientes exigem. Note que, apesar de ter uma fórmula
equivalente à de diferenciação, nessa estratégia o alvo é restrito a um segmento específico. Muitas
vezes, por ser muito pequeno, é até um nicho de mercado.
Vale a pena entender os conceitos de segmento e nicho de mercado. Lembra-se das aulas de
geometria, quando estudamos que uma reta é a menor distância entre dois pontos? Um segmento de reta é
qualquer pedaço dessa reta.
Assim, em um dado mercado (de xampu, por exemplo), um segmento seria o mercado de xampu
anticaspa, um pedaço específico do mercado com características próprias.
Quando falamos em nicho de mercado, estamos nos referindo a um pedaço bem mais específico e
menor. Numa metáfora, ao entramos numa catedral (o mercado), há pequenas reentrâncias nas paredes
com vasos, imagens e estátuas: são os nichos.
Sabendo dessas definições, a estratégia de foco visa dominar um nicho de mercado, conquistando
liderança e inibindo outros competidores de atuar dentro dele.
87
Unidade III
Por exemplo, a British Motor Heritage Limited é uma empresa inglesa que, em 1975, comprou do
fabricante inglês de automóveis Mini Morris todas as prensas e ferramentas para fazer carrocerias de
dois modelos que iriam sair de linha. A intenção era fabricar peças de reposição de carroceria exatamente
iguais às originais. Hoje a companhia tem prensas e ferramentas originais para oito modelos de carros
de outras fabricantes inglesas que descontinuaram modelos ou que faliram (como Triumph, MGB,
Austin-Healey). Os clientes são entusiastas desses modelos antigos que compram carros originais em
mau estado para serem restaurados com peças exatamente iguais às originais, ou proprietários dos
modelos que sofreram acidentes e precisam de peças de reposição. O negócio é especializado em peças
de carroceria com certificado de originalidade e a concorrência não consegue atingir o mesmo padrão de
qualidade. Uma carroceria completa de um Mini custa aproximadamente 12 mil libras esterlinas.
A) B) C)
Figura 44 – Automóveis ingleses Mini Morris, Triumph TR6 e Austin-Healey Sprite, cujas
peças de carroceria são comercializadas pela British Motor Heritage Limited
Saiba mais
88
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Cada área funcional traça sua estratégia alinhada com a estratégia de nível de negócio.
A estratégia de nível funcional, como o próprio nome sugere, é aplicada em cada área funcional da
organização: RH, vendas/marketing, produção/operações. Os responsáveis (normalmente diretoria ou
gerência) desenvolvem estratégias restritas a sua área e alinhadas com as estratégias de negócio. Por
exemplo, caso a estratégia de negócio de uma empresa seja voltada para liderança de custo, as áreas
funcionais deverão formular estratégias voltadas para o atendimento desse quesito. A área funcional
de produção poderia focar em processos de alta escala de produção para reduzir custo unitário e assim
atender a liderança em custo, nesse exemplo.
5.3.1 Estratégia de RH
Devem ser derivadas da estratégia de nível de negócio, integrando a função do RH aos objetivos
organizacionais. Chiavenato (2014) afirma que é necessária a tradução entre os objetivos e as
características organizacionais em objetivos e estratégias de recursos humanos.
89
Unidade III
Para ocorrer esse alinhamento do RH estratégico, é preciso clareza no que a organização espera dos
funcionários. Assim, é necessário:
O público-alvo das estratégias mercadológicas pode ser pessoa física ou pessoa jurídica. São
chamados de mercado B2C (Business to Consumer), cujo alvo são pessoas físicas, e de mercado B2B
(Business to Business), cujo alvo são pessoas jurídicas (empresas). No caso de pessoas físicas, o mais
comum é definir seu público-alvo em função de diversas variáveis demográficas como sexo, idade e
estado civil. Por sua vez, a classe econômica (antigamente chamada de classe social) tem um papel
muito importante nessa definição.
Mazzon e Kamakura (2016) propõem uma atualização do Critério Brasil de Classificação Econômica,
metodologia de estratificação econômica utilizada há décadas no Brasil. De responsabilidade da Abep
(Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), estratifica (divide) em sete classes os domicílios urbanos
e estima a renda média em cada um. Classe econômica é uma variável expressa nas classes A1, A2, B1,
B2, C1, C2, D/E, sendo a classe A1 a mais alta e a classe D/E a mais baixa em termos de renda. Por meio
de um questionário padronizado, é possível determinar a classe econômica do domicílio do respondente.
Veja que o Critério Brasil não determina a classe da pessoa, e sim de seu domicílio.
90
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Voltando aos 4 Ps, qualquer organização processa insumos e os transforma em produtos cujas
características são definidas internamente (decisões de produto) para serem comunicadas aos clientes
(decisões de comunicação) e, posteriormente, esses produtos são oferecidos por meio de canais de
distribuição (decisões de distribuição) numa transação de troca de valores (decisões de preço).
Decisões de produto são referentes àquilo que a organização oferece aos clientes para atender a suas
necessidades/demandas. As estratégias envolvem decidir características (tamanho, peso, embalagem,
durabilidade), benefícios (funcionais, de status), serviços adicionados (pós-venda, garantia, instalação,
upgrades) e outros.
91
Unidade III
Por exemplo, a Apple adota como estratégia de produto oferecer a melhor experiência de usabilidade
do mercado com design diferenciado e exclusivo. Não são necessariamente os equipamentos mais
potentes em termos de processamento (muito embora existam na oferta de topo de linha), e sim de fazer
com que o usuário se sinta gratificado com a facilidade de uso. Não é piada: qualquer pessoa letrada,
mesmo sem experiência com dispositivos digitais, consegue aprender sozinha a usar um smartphone ou
um computador da Apple. O mesmo não ocorre tão facilmente na concorrência. O projeto de interface
está à frente da concorrência, embora o Android e a Microsoft estejam se aproximando. Outro motivo
para essa vantagem competitiva é uma decisão de produto tomada em 2001: qualquer software, app,
filme, música etc. para ser instalado ou usado num dispositivo Apple deve ser comprado na própria
Apple (iTunes e AppStore). A empresa garante o conteúdo dos usuários e controla com mão de ferro as
compatibilidades. Como o sistema operacional é da própria Apple, o ambiente de uso é 100% controlado
pela empresa, pois não é possível instalar algo “de fora”. É um ecossistema completo que traz controle
e garante faturamento. Essa estratégia de produto consegue certificar que a usabilidade segue padrões
próprios cuidadosamente desenvolvidos para dar a sensação de gratificação e facilidade. Nenhum
concorrente controla o ambiente/ecossistema: é possível para instalar conteúdo sem aprovação da
Android em smartphones Samsung, LG, Huawei etc.
Estratégias de preço comuns são estabelecer faixas de preço diferentes para produtos da linha.
Por exemplo, pense na tabela de preços de uma barbearia: “Cabelo R$ 60, Barba R$ 50, Cabelo + Barba R$ 90”.
Você certamente já viu tabelas equivalentes. Qual o motivo para cabelo e barba, juntos, custarem ao
cliente R$ 20 a menos se ele fizesse em separado? Vamos comparar as duas operações – só cabelo ou
barba versus cabelo e barba:
92
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Separa Separa
ferramentas e ferramentas e
materiais materiais
Paga
Há vantagens nesse fluxo operacional do serviço duplo. O tempo gasto com cliente sentando na
cadeira e sendo coberto com o avental é otimizado, sendo feito uma só vez para dois serviços. Ocorre
o mesmo para as tarefas de tirar avental, levantar da cadeira e pagar. O tempo otimizado reduz o
custo unitário e, no caso, o preço final. No exemplo anterior dos produtos Apple, a estratégia de preço
adotada no ecossistema iTunes/Appstore traz uma comissão de 15 a 30% cobrada para qualquer
coisa que entre nos produtos da companhia. Quer instalar um game? De 15 a 30% do valor pago fica
retido pela Apple, idem para filmes, serviços etc. A Apple ganha mesmo que não tenha produzido o
produto/serviço: ela age como canal de distribuição cativo, uma vez que só a Apple pode vender
conteúdo para seus produtos. Essa estratégia de preço explica os resultados excelentes ao longo dos
anos até agora.
Decisões de distribuição têm relação com os meios pelos quais os produtos ficam disponíveis para
compra. A questão envolve processos logísticos de transporte e armazenagem, colocação no ponto de
venda, negociação de espaços etc.
93
Unidade III
Decisões de comunicação têm a ver com os meios e mensagens para que algo relevante seja
comunicado ao mercado.
94
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Outro exemplo é a brasileira Natura, um dos três maiores grupos do mundo no segmento de beleza.
A Natura atua com mais de duas mil consultoras (vendedoras de porta em porta) e lojas físicas no Brasil,
além de Nova York e Paris. Nos últimos anos comprou a rede britânica The Body Shop e a americana Avon.
Sua estratégia de comunicação é voltada para o conceito de “Bem Estar Bem”, cuja mensagem é focada
nas relações harmoniosas que um indivíduo estabelece consigo mesmo, com os outros e com a natureza.
Esse conceito é aplicado não só para os clientes, mas para o público interno também. Seus funcionários
contam com saúde física (assistência médica e odontológica, checkup), saúde financeira (seguro de
vida, auxílio-creche, empréstimo consignado), saúde emocional (licença-paternidade e maternidade,
para acompanhamento de gestante) e saúde social (produtos com desconto, eventos frequentes com
colaboradores e familiares, clube, academia). A matéria-prima natural vem em boa parte da Amazônia,
com inclusão social e geração de renda para as comunidades ribeirinhas (cerca de 500 famílias) que
produzem sementes e raízes de forma sustentável. Ou seja, a estratégia de comunicação está integrada
às atividades operacionais do dia a dia.
95
Unidade III
Compra
componentes
Separa
Paga componentes
comprados
Envia
Estoca componentes
componentes comprados
Fabrica
computadores
Estoca Compra
computadores computadores
Vende Compra
computadores computadores
Veja que os fabricantes da época compravam componentes (placas, memórias, monitores, teclados),
estocavam e aí entravam em linha de produção. Os produtos acabados iam para o estoque aguardando
os pedidos do varejo.
Contrariando esse fluxo, a Dell eliminou etapas que representavam custo e com isso ganhou uma
vantagem competitiva:
Cliente Dell Fornecedores
Configura
computador
Compra
Paga componentes
Separa
Paga componentes
comprados
Envia
Produz componentes
computador comprados
Envia
Recebe computador
computador pronto
96
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
O esquema funcionava assim: o cliente configurava o produto antes (no início por telefone 0800,
depois por internet), pagava, e aí a Dell fabricava e enviava para o comprador. Note as vantagens dessa
estratégia de produção:
• Não há custo de estoque de componentes, pois só se compra o que já estiver vendido e pago antes.
• Não há custo de estoque de produto acabado, pois os produtos já têm destino definido: o cliente
que pagou.
No fluxo normal da indústria, se o cliente pagava U$ 1,000 para o varejo, a indústria receberia algo
com R$ 700, pois há margem de lucro do canal de distribuição.
No fluxo da Dell, se o cliente pagava U$ 1,000, esse valor era 100% da Dell, pois não havia canal de
distribuição intermediando a venda.
Esse modelo trouxe para a Dell uma enorme vantagem competitiva, muito difícil de ser imitada
pelos players existentes na época (HP, Compaq, IBM), pois todos já tinham processos estabelecidos
baseados no fluxo normal, e o custo de mudança foi considerado proibitivo. Assim, o custo unitário
de um computador Dell era menor que de todos os concorrentes, e o preço final era equivalente ao da
concorrência. Resultado: maiores margens de lucro ao longo dos anos.
Cada área funcional, além das citadas, deve contribuir com sua própria estratégia. Por exemplo,
organizações com grande quantidade de maquinário de produção/operação precisam ter estratégias
para a área funcional de manutenção. A área funcional de finanças precisa adotar estratégias de
investimento de recursos líquidos, estratégias de funding e outras. O ponto é que cada área precisa ter
estratégias funcionais alinhadas com a estratégia de nível de negócio.
Contador (2008) postula que a definição da estratégia competitiva é resultado da escolha dos
campos de competição para depois determinar as armas mais adequadas. Essa metáfora, explicitada
num modelo replicável, é fortemente lastreada na lógica militar que historicamente formou a base do
pensamento estratégico.
Seu modelo é prático e replicável por qualquer empresa, seguindo essa lógica: campo da
competição é relacionado ao que interessa ao cliente (custo, performance, benefícios etc.), enquanto
arma da competição é o conjunto de meios que a organização utiliza para ter vantagem no campo
selecionado (preço, qualidade). Pode-se entender como uma metáfora: se o campo de batalha é o mar,
as armas deverão envolver embarcações. Claro que a aplicação é bem mais detalhada que isso, como
veremos a seguir.
97
Unidade III
O autor afirma que, no modelo campos e armas da competição (modelo CAC), uma boa estratégia
exige a definição de um ou dois campos principais e um ou dois campos coadjuvantes. É vital que os
campos não contradigam um ao outro (não dá para ter preço baixo e altíssima qualidade, por exemplo).
A vantagem do CAC é que não há a obrigação de perseguir excelência em muitas áreas, bastando ser
realmente boa nas armas que dão vantagem competitiva.
Essa característica torna o modelo CAC especialmente atraente para a elaboração de planos de
negócio voltados para empreendedorismo. Racionalmente, escolhe-se em qual campo se vai disputar
o mercado, bem como com quais armas se buscará a excelência operacional. Isso facilita muito para
empreendedores, pois naturalmente as armas serão adequadas ao perfil e expertise de cada um.
De qualquer forma, o modelo CAC pode ser utilizado por qualquer tipo de empresa, seja nova, seja
antiga.
Macrocampo Campo
Em menor preço
Em guerra de preço
Competição em preço
Em promoção
Condições de pagamento
Em projeto
Em qualidade
Competição em produto
Em variedade de modelos
Em novos produtos
Menor prazo de cotação e negociação
Competição em prazo
Menor prazo de entrega
Antes da venda
Competição em assistência Durante a venda
Após a venda
Do produto, marca e empresa
Competição em imagem Preservacionista
Cívica
98
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
sensíveis a preço e os clientes conhecem (ou pensam conhecer) os produtos de todos os ofertantes.
Pode-se intuir que é necessário ter menores custos que os concorrentes, o que discutiremos quando
tratarmos de armas de competição. Esse macrocampo é derivado da estratégia de liderança em custo.
• Feito de maneira pontual, pois não é sustentável ao longo do tempo, o campo “guerras de preços”
só é escolhido quando houver real liderança de custo. Trata-se de manter o preço menor que a
concorrência mesmo diante da redução de preço de um deles, ou seja, não permitindo que outro
tenha preço menor. Essa dinâmica é danosa se não for possível manter as operações com lucro
muito baixo, ou mesmo possível prejuízo.
Já é possível perceber a aplicabilidade prática do modelo CAC, não é mesmo? Ao optar competir em
preço, já está definido um rol de possibilidades de linhas de ação a serem tomadas. Cada player vai se
adequar às suas características e conveniências.
• O campo “em projeto” se refere aos diferenciais obtidos no projeto do produto: performance,
tamanho, vantagens, benefícios, design, embalagem etc. Assim, uma impressora a laser pode ter
como vantagem o menor custo por página impressa, pois o projeto faz com que o consumo de
toner seja o mais baixo do mercado.
• O campo “em qualidade” tem relação com a qualidade percebida do produto por parte dos clientes.
Há diferentes percepções de qualidade de produtos como eletrodomésticos, celulares, calçados.
Ser líder em qualidade normalmente significa poder oferecer produtos com preços superiores à
concorrência. Pense nos iPhones, Rolls-Royce, cursos em Harvard.
• O campo “em variedade de modelos” tem referência à oferta da maior variedade de tipos, cores,
sabores, modelos. Por exemplo, as sandálias Havaianas oferecem centenas de modelos e tipos
divididos em kids, masculino e feminino. A Nespresso, divisão de máquinas e cafés em cápsulas
99
Unidade III
da Nestlé, oferece praticamente uma centena de opções de sabores de cafés divididos em três
tamanhos: Ristretto, Expresso e Lungo.
• Quando se busca liderança no campo “em novos produtos”, a empresa consistentemente opta por
ter alta frequência de lançamento de novos produtos ou modelos. A busca por novidades por parte
do público é crescente, então é preciso ter políticas rigorosas de desenvolvimento de produtos.
Quantos modelos de smartphone a Samsung lança por ano? Veja que um modelo (base) tem
variações de tamanho de tela, de cores externas, de capacidade de memória etc.
• Competir no campo “menor prazo de cotação e negociação” implica ser a empresa mais rápida
para fazer orçamento e para negociar alternativas. Não basta prometer ser a mais rápida: é preciso
cumprir. E, no caso de rapidez na cotação, muitas vezes é necessária a visita para avaliação técnica
(como um profissional que avalia as condições de um piso para orçar sua troca). Essa etapa de
visita técnica também deve ser a mais rápida para quem escolhe esse campo.
• O campo “menor prazo de entrega” se traduz em deter operações logísticas mais eficientes que
as da concorrência. Prometer o menor prazo para colocar o produto na mão do cliente (e cumprir
sistematicamente) pode ser uma boa vantagem competitiva.
Para competir no macrocampo de assistência, a empresa precisa prestar auxílio antes da venda, na
utilização do produto e após a venda.
• O campo “durante a venda” envolve ser capaz de criar a melhor experiência de compra em
comparação com os concorrentes. Atendimento superior, facilidade de acesso (inclusive
estacionamento) e treinamento de pessoal de linha de frente fazem parte da melhor entrega de
valor ao cliente. Veja como o McDonald´s facilita o processo de compra em alguns locais: é possível
comprar pela internet ou por quiosques de autoatendimento e retirar no balcão sem passar na fila.
E, se a fila do caixa for grande, um funcionário aborda os clientes e gera um pré‑pedido para ser
rapidamente finalizado só com pagamento no caixa, aumentando a velocidade de atendimento.
• Na competição no campo “após a venda”, o foco é fazer o cliente se sentir seguro para usar o
produto e recomprá-lo no futuro. Assistência técnica perfeita, acesso a informações de uso e
consumo, facilidades de troca ou devolução são maneiras importantes para se diferenciar. Quantas
vezes as pessoas deixam de comprar algo por não terem confiança na assistência técnica?
• Da Costa et al. (2007) ampliou o modelo CAC acrescentando o campo “cívica”, que aborda a
liderança de imagem de empresa socialmente responsável.
101
Unidade III
Lembrete
Considerando o conteúdo estudado, a organização já definiu seus campos de competição, agora será
preciso definir as armas.
Saiba mais
Por outro lado, o McDonald´s não precisa ser tão excelente na arma realização de projetos
comunitários, pois isso não agrega valor suficiente à operação. Tanto é assim que o calendário
promocional do McDonald´s define somente um dia por ano para doar a renda das vendas de um único
sanduíche do cardápio (McDia Feliz, com o sanduíche Big Mac) para a assistência social. Note que todos
os outros produtos nesse dia continuam gerando receita, mas espertamente a ação social domina a ação.
102
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
103
Unidade III
104
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Lembre-se de que o modelo CAC prevê a escolha das armas mais adequadas e que a escolha é
limitada a poucas, pois a ideia é dominar o manejo em nível de excelência. Assim, a empresa vai focar
em ter excelência em poucas armas, não tendo de se esforçar especificamente nas outras: basta o
básico delas.
Claro que as armas não se restringem à lista que destacamos. Várias podem ser desdobradas em
outras mais precisas em aplicação, e outras naturalmente podem ser criadas. Tanto é assim que Lopes
(2002) compilou uma lista de quarenta armas voltadas para o ramo de serviços.
105
Unidade III
Contador (2003) reforça que é preciso alinhar as armas aos campos escolhidos. Ou seja, definir quais
são as armas relevantes que permitem focar adequadamente os objetivos. Para isso, sugere a utilização
da matriz de priorização das armas.
A matriz criada por Contador e De Sordi (2004) realiza a classificação das armas por métodos
estatísticos de atribuição de pesos. O resultado é uma lista de armas relevantes (classe A), armas
neutras (classe B) e armas irrelevantes (classe C). Fica claro que armas irrelevantes, nessa avaliação, não
contribuem para a vantagem competitiva e não devem ser motivo de preocupação. As armas neutras
devem ser utilizadas de maneira protocolar, e as armas relevantes devem ser dominadas e usadas em
grau de excelência.
Cabe ressaltar que a grande vantagem do CAC é a possibilidade de escolher quais são os focos mais
importantes de atuação para obter vantagem competitiva.
Exemplo de aplicação
O autor do modelo CAC criou uma simulação em computador que pode ser acessada livremente
em: www.estrategiacac.com.br
106
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Da Costa et al. (2007) sugerem que para formular a estratégia deve-se seguir esses passos:
Uma das grandes vantagens de adotar o método CAC consiste na possibilidade de focar os recursos
somente nas armas relevantes. Os recursos que seriam utilizados nas armas irrelevantes podem ser
destinados para as armas relevantes, aumentando seu poder de fogo.
Veja que após séculos de utilização de estratégia no campo militar, a metáfora continua sendo
aplicada e com método.
107
Unidade III
Resumo
108
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
109
Unidade III
Exercícios
Figura 51
Figura 52 – Sandálias com temas dos pintores modernistas Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral
110
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
I – A criação das sandálias com temas dos pintores modernistas contraria o novo posicionamento
adotado pela marca, pois não faz parte do universo cultural do público consumidor.
II – A estratégia de dialogar com a arte brasileira do início do século XX atribui ao produto tons de
modernidade e brasilidade.
A) I, II e III.
B) II e III, apenas.
C) I e III, apenas.
D) III, apenas.
E) II, apenas.
Análise da questão
As sandálias Havaianas tiveram seu posicionamento alterado a partir da década de 1990, passando
a atingir também as classes A e B.
I – As armas de competição são ferramentas que uma empresa pode utilizar para obter vantagem
no seu campo.
II – Segundo o modelo CAC, que parte de uma analogia com o universo militar, uma boa estratégia
envolve a seleção de campos principais e de campos coadjuvantes.
III – O modelo CAC considera campos agrupados em macrocampos como preço, produto, prazo,
assistência e imagem.
111
Unidade III
A) I, II e III.
B) I e II, apenas.
C) II e III, apenas.
D) I e III, apenas.
E) I, apenas.
Análise da questão
O modelo CAC visa à obtenção de vantagens competitivas. Parte de uma analogia com a guerra para
propor que a empresa deve, primeiro, escolher os campos, principais e coadjuvantes, em que pode se
destacar para depois escolher as armas.
112
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Unidade IV
7 CASO MASTERCARD
Segundo Mano (2015), Ajay Banga é o CEO (Chief Executive Officer) mundial da Mastercard desde
2010. Nascido na Índia e naturalizado norte-americano, Banga está transformando a companhia
numa empresa de tecnologia, abandonando aos poucos o modelo de negócios adotado há mais de
cinquenta anos.
Você talvez tenha um cartão de crédito. A ideia por trás desse produto financeiro é simples: o cliente
compra em um estabelecimento credenciado para pagar em até trinta dias sem juros numa fatura que
totaliza as compras do mês. Se o cliente atrasar o pagamento, ou se pagar um valor menor que o total
faturado, fica devendo juros e taxas para pagar na próxima fatura.
Um banco ou agente financeiro emite o cartão para o cliente após analisar o cadastro realizado. A análise
de risco de crédito determina o limite mensal máximo que o cliente pode atingir em compras.
Os estabelecimentos comerciais, para aceitar o cartão, devem ter previamente um contrato com uma
empresa denominada tecnicamente acquirer (ou bandeira), que captura o valor da transação nas maquininhas
(ou terminais de transação), as quais transmitem eletronicamente os dados para o emissor (o banco ou
agente financeiro), que por sua vez verifica eletronicamente se está tudo em conformidade e libera a compra.
Por meio das maquininhas ou de outro dispositivo habilitado como smartphones, tudo ocorre em segundos.
As bandeiras mais conhecidas são Mastercard, Visa, American Express e Elo, mas há outras bandeiras
regionais em todo o mundo. Seu papel é credenciar estabelecimentos comerciais para terem acesso às
maquininhas e com isso viabilizar transações de compra.
As lojas pagam uma comissão percentual sobre cada transação, além de outras possíveis taxas menos
frequentes. Esse valor é o que remunera a rede acquirer. Assim, uma compra de R$ 100 terá uma taxa
entre 2% e 7%, dependendo da negociação com a bandeira, e a loja receberá o valor líquido (menos a
taxa) em um prazo que varia de 2 a 30 dias. No pior dos casos, a loja vende um produto de R$ 100 e
recebe R$ 92 em trinta dias. E ainda assim pode ser um bom negócio para o varejo, tanto é que o ramo
de compras por cartão cresce no mundo inteiro.
Um detalhe importante é que, mesmo que o cliente não pague a fatura, o estabelecimento comercial
recebe os valores pactuados. O motivo é simples: quem assume o risco de crédito é o emissor. Tanto a
bandeira quanto o lojista vão receber sua parte sem risco de inadimplência. Observe a atratividade no
processo para um estabelecimento comercial: pode-se vender a crédito (inclusive parcelado, dependendo
da bandeira e do contrato) sem assumir risco de inadimplência. Para isso, basta aceitar pagar de 2% a 7% da
transação e assumir algumas taxas.
113
Unidade IV
A loja ganha dinheiro ampliando suas vendas através da facilidade do cartão. O emissor ganha
dinheiro quando o cliente atrasa o pagamento, ou quando paga um valor menor que o total da fatura
(os juros de cartão de crédito são extremamente elevados). A bandeira ganha dinheiro cobrando as taxas
de transação. Não é ao acaso que o modelo é bem-sucedido no mundo inteiro.
Claro que esse modelo de negócio é mais complexo que a descrição resumida, mas serve para
entender o papel das bandeiras Mastercard, Visa e Elo. Trata-se de redes que têm o papel de capturar
transações no varejo, que pode ser uma barraca de cachorro-quente, um hotel cinco estrelas, uma
lanchonete, McDonald’s etc. e são remuneradas por isso.
A tecnologia vem mudando o panorama das bandeiras. O plástico do cartão sendo substituído por
cartões virtuais, pagamento entre smartphones e transferência de valores eletrônicos em qualquer
dispositivo naturalmente afetam o negócio. Além disso, a tecnologia cada vez mais barata incentiva a
entrada de novos players no negócio, aumentando a concorrência. Se pensarmos nas forças competitivas
de Porter, a força da ameaça de novos entrantes está afetando a competitividade dos players atuais de
forma acentuada.
O faturamento mundial da Mastercard em 2019 foi da ordem de US$ 16,9 bilhões, e o CEO Ajay
Banga pretende mudar a operação e a estratégia. Mano (2015) aponta que uma das ações estratégicas
foi criar o Mastercard Labs, um laboratório de inovação localizado em Dublin, Irlanda, com ramificações
nos EUA e Singapura, que tem a missão de desenvolver novos meios eletrônicos de pagamento e novas
aplicações que tragam inovação de processos. Por exemplo, foi feita uma parceria com a Whirlpool
Corporation, maior fabricante de eletrodomésticos do mundo (faturamento de US$ 18 bilhões) e
que no Brasil é dona da Brastemp e da Consul. Essa parceria é voltada para as lavanderias automáticas
presentes em vários lugares do mundo (que no Brasil nunca deram certo), em que há uma série
de máquinas de lavar/secar alinhadas numa loja e o cliente coloca sua roupa, pagando com
cartão de crédito (ou dinheiro, dependendo do equipamento) na própria máquina e aguarda o ciclo
completar para retirar a roupa da máquina. Você talvez já tenha visto isso em filmes. A parceria foi o
desenvolvimento de um app para smartphone que reserva uma máquina a distância, evitando filas
e permitindo o pagamento com cartões Mastercard.
114
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Outra ação é o investimento em startups promissoras em qualquer lugar do mundo, uma vez que
trazem ideias inovadoras. Muitas delas usam a metodologia do Design Thinking em seus projetos.
A visão estratégica da Mastercard para o longo prazo é a de substituir em maior escala o uso de
papel-moeda, que é considerado por Banga o maior concorrente da companhia.
Saiba mais
Para reduzir o risco de insucesso na implementação, Porter (1999) sugeriu a aplicação de um conjunto
de três testes para avaliar outros aspectos da estratégia.
Testes Definição/Execução
Procura avaliar qual o grau de atratividade do setor. Os setores
Teste da atratividade escolhidos devem ser estruturalmente atrativos ou capazes de
se tornar atrativos
A ideia de Porter é: se a estratégia elaborada for bem avaliada nos três testes, poderá ser executada.
Segundo Sobral e Peci (2013), implementar a estratégia é uma das etapas mais complicadas
do processo. Você certamente pode intuir que colocar em prática tudo o que foi planejado é uma
tarefa difícil.
Vamos dar um exemplo. No caso das Havaianas apresentado anteriormente, um aspecto operacional
não foi discutido: a mudança da estratégia de produção em função da mudança da estratégia de nível
de negócio.
115
Unidade IV
Lembrete
Coloque-se no lugar dos gerentes e supervisores de produção da Alpargatas naquela época. Durante
anos, você se acostumou a produzir milhões de pares das Havaianas tradicional em grande escala.
Eram dias a fio produzindo sandália branca tamanho 39, parava, mudava os moldes, passava a produzir
por dias o tamanho 38 e assim por diante. O processo de estocagem era simples, pois os lotes de
produção eram muito grandes e do mesmo modelo/tamanho. Em 1994, vem a ordem da diretoria: parte
da capacidade produtiva vai perder escala, pois um novo modelo com solado diferente e várias cores
vai entrar em linha, e serão alguns milhares de cada cor por tamanho em vez de centenas de milhares.
E ainda será necessário embalar cada par em uma caixa cartonada colorida fazendo a marcação da cor
e do tamanho. Ou seja, acabou a prática costumeira e agora é preciso ter outra estratégia de produção.
O problema é que o ser humano, por padrão, é avesso a mudanças. A implementação dessa nova
estratégia certamente deu trabalho na Alpargatas, pois é difícil mudar hábitos e práticas em andamento.
E nem foi uma mudança tão grande assim, pois a maior parte do processo produtivo continuou voltada
para os milhões das Havaianas tradicionais.
Agora assuma o papel de funcionário da IBM, de qualquer setor, na época da mudança de negócio
de venda de hardware para negócio de venda de serviços.
Lembrete
Nos anos 2000 a IBM deixou de fabricar hardware após quase cem anos
e começou a focar sua operação em serviços.
Por mais que tenha sido escalonada, a mudança foi profunda e alterou todos os parâmetros de
trabalho. Setores inteiros foram eliminados, resultando em demissão ou realocação de pessoas. Áreas
produtivas foram desativadas ou até mesmo vendidas (lembre-se que a chinesa Lenovo comprou a
unidade de negócios de microcomputadores e depois a de servidores). Profissionais cuja expertise
era valorizada perderam relevância. É natural que a implementação da estratégia tenha encontrado
resistência de uma grande quantidade de funcionários acostumada com o jeito anterior de trabalhar.
Esse é um dos motivos pelos quais excelentes estratégias públicas, criadas por governos de qualquer
esfera, não dão certo pelos olhos da população. Os objetivos podem ser nobres, a estratégia e o
planejamento podem ser excelentes, mas para executar mudanças o funcionalismo pode apresentar
empecilhos. Não se trata de crítica aos funcionários públicos: isso ocorre também em organizações
privadas, com a diferença de que nestas há mais liberdade para gerenciar funcionários.
116
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Para obter sucesso na implementação, é preciso que haja alinhamento entre os processos da organização
e a estratégia. A quantidade de pessoas afetadas, para o bem e para o mal, pode ser muito representativa. E a
qualificação pessoal e profissional dessas pessoas afeta o ritmo e a eficiência da implementação.
Melo (2013) cita um estudo da Project Management Institute (PMI) com a publicação inglesa The Economist
feito em 2013, em que 587 executivos globais seniores foram entrevistados para identificar os problemas
oriundos das estratégias organizacionais. Foi utilizada a técnica de entrevista em profundidade sem
revelar os nomes dos respondentes, garantindo confidencialidade. Destes, 88% reconheceram a
importância dos resultados do plano estratégico, mas 44% admitiram não terem conseguido atingir
os objetivos. Quanto à implementação, 61% destacaram que há problemas práticos para realizá-la. As
causas, segundo o estudo, são claras.
• 28% dos executivos sentiram falta de engajamento da alta cúpula no processo de implementação.
Ou seja, é preciso que o topo organizacional seja mais atuante na alocação de recursos e na
definição de prioridades das ações planejadas.
• Somente 41% afirmaram ter pessoal qualificado para implementar as ações previstas. Assim, não
deve haver só treinamento, mas processos de gestão de talentos na empresa.
• 45% citaram a falta de maturidade para lidar com mudanças (o fator humano avesso a mudanças).
Assim, as teorias administrativas consolidadas podem contribuir para uma melhor experiência de
implementação. Tópicos como estrutura organizacional, liderança, controle e outros devem dar suporte
à estratégia escolhida.
Noble (1999) pontua que enquanto a formulação da estratégia é feita nos mais altos níveis
hierárquicos, a implementação acaba sendo responsabilidade direta dos níveis intermediários de
gerências, e estes dependem da estrutura que a organização dispõe.
Aqui cabe uma discussão interessante. A estrutura da organização define a estratégia ou a estratégia
escolhida define a estrutura necessária? Muitos tendem a pensar que é necessário escolher uma
estratégia adequada à estrutura da empresa. Contudo, isso é um fator limitante.
Chandler (1962) afirmou que a estrutura seguiu a estratégia, por ter observado que o crescimento e
a mudança de estratégia alteravam a estrutura das empresas.
Por exemplo, citamos anteriormente o caso da rede de joalherias Vivara, que criou uma nova
unidade de negócios voltada para móveis e decorações, as lojas Etna. Se fossem depender da estrutura
existente das joalherias, os controladores da Vivara jamais iriam se aventurar num ramo novo.
Chandler (1962) analisou a evolução histórica das empresas americanas e verificou que no início
as grandes corporações eram basicamente uma operação de fabricar e vender algo em um único lugar.
Conforme as condições do ambiente se alteravam, ocorriam mudanças na estrutura.
Ao crescerem, ocorreu uma expansão do volume de produção e vendas sem sair do ramo de negócio,
alterando a estruturação de funções administrativas para disciplinar e controlar as operações de modo
mais eficiente.
Para crescer mais, essas organizações se expandem geograficamente (pela teoria de Ansoff, é
estratégia de crescimento por desenvolvimento de mercado) no mesmo ramo de negócio e criam filiais,
tanto produtivas quanto comerciais, o que as leva a alterar a estrutura com administração centralizada.
Chandler (1962) ainda observou que, para essas corporações analisadas, o próximo passo para
crescer foi a integração vertical, no mesmo ramo de negócio, criando (ou comprando) estruturas de
fornecimento e operações de distribuição. Em termos de estrutura corporativa, essa mudança traz a
necessidade de gerenciar diversas operações interdependentes através da organização por funções.
O próximo caminho para crescer, na observação de Chandler (1962), foi diversificar e investir em
novos ramos de negócio. Os motivos apontados são: declínio de negócios no ramo inicial, atratividade
no novo ramo, oportunidades não prevista etc. Assim, os recursos disponíveis são alocados em novos
ramos de atividade e com isso surgem novos problemas administrativos para serem resolvidos através da
alteração da estrutura corporativa. Foi observado que era frequente a adoção de controle centralizado e
operações descentralizadas, com executivos do escritório central definindo estratégias e acompanhando
os resultados sem se envolver com aspectos operacionais. Veja que as observações de Ansoff fazem
sentido nesse acompanhamento histórico, bem como as teorias de Wright, Kroll e Parnell (2000),
discutidas anteriormente.
118
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
De qualquer modo, Chandler (1962) deixou claro que estratégia e estrutura organizacional devem
estar alinhadas, e a estratégia é que vai definir a estrutura necessária.
A cadeia de comando tem relação com a distribuição de autoridade, indicando quem está subordinado
a quem. Num exemplo padrão, uma cadeia de comando teria o presidente comandando diretores, que
comandam gerentes e assim por diante. Um organograma tradicionalmente mostra a linha de comando.
Presidência
Gerente Líder
Projetos Comercial
Cargos e departamentos são parte da estrutura que realizam funções organizacionais. Os funcionários
assumem esses cargos e suas respectivas tarefas. Um departamento de marketing, por exemplo, tem os
cargos de gerente de marketing, gerente de produtos, assistente de marketing e assim por diante.
Observação
Cargo e função não são a mesma coisa. Mesmo sem ter um cargo de
gerente de marketing, uma empresa tem funções de marketing que devem
ser executadas por alguém. Por exemplo, alguém define as características
dos produtos que serão produzidos, ou os veículos que receberão verba
publicitária na forma de anúncios.
119
Unidade IV
Centralização de poder é o quanto um cargo concentra o poder para tomar decisões. Quando há
delegação de poder para subordinados, ocorre a descentralização do poder.
Nesse instante, deve-se discutir o papel crucial da função de direção: liderar e motivar os integrantes
da organização.
Não confunda a função organizacional de direção com o nível hierárquico de diretoria. A função de
direção é feita por qualquer gestor, de qualquer nível hierárquico. Supervisores de operação também
lideram e motivam seus subordinados, por exemplo.
Para transformar a estratégia em realidade, é preciso entender os estilos de liderança dos gestores,
bem como os métodos utilizados para motivar os trabalhadores. Em última análise, busca-se o
comprometimento dos funcionários com visão e estratégia.
O terreno fértil para implementar a estratégia é a crença nos objetivos e valores associados. Isso traz
como benefício uma onda de motivação.
variável ou taxas de sucesso. Por ser mais complexo e envolver alterações da estrutura, tem um
tempo de maturação maior. Esse modelo também discrimina pensadores e executantes.
• Modelo colaborativo: como o próprio nome indica, esse modelo prevê um esquema participativo
envolvendo os níveis de gestão (gerenciais) na tomada de decisão da estratégia e dos passos da
implementação. A complexidade e profundidade aumentam bastante, pois é preciso ponderar
diversos estilos e pontos de vista. Técnicas comuns como dinâmicas de grupo, brainstorming e
discussões de grupo são utilizadas. Esse modelo é mais avançado, certamente, por incorporar as
percepções e visões dos gestores, mas deve ser cuidadosamente conduzido para evitar influências
políticas dos grupos de poder que normalmente surgem nas empresas. Também discrimina
pensadores e executantes, muito embora a quantidade de pensadores aumente.
• Modelo cultural: de alta complexidade, visa ter unicidade e identidade comum à estratégia.
A premissa é criar cultura corporativa de decisões compartilhadas por todos os integrantes, não
apenas o corpo gestor. O alto executivo na pirâmide hierárquica busca comprometer todos os
funcionários e gestores com os objetivos e estratégias. Esse modelo não discrimina pensadores de
executantes, uma vez que todos participam.
Há várias ferramentas metodológicas que podem facilitar boa parte do processo de implementação,
como o Balanced Scorecard e o Design Thinking.
Na década de 1980, várias organizações de grande porte foram prejudicadas pelo foco dos gestores
no retorno em curto prazo. Isso ocorria por causa dos métodos adotados de remuneração variável.
Os executivos poderiam receber bônus milionários se contentassem os acionistas através de grandes
margens de lucro. Pagar mais aos executivos que trazem mais lucros não é a grande questão. O problema
é que essa situação amarrava as decisões dos executivos no curto prazo, e não no longo prazo.
Imagine uma grande corporação reduzindo brutalmente os custos através da oferta de produtos
com menos qualidade, da troca de funcionários caros e experientes por novos funcionários baratos e
inexperientes, da diminuição dos investimentos em novos produtos (pois só dariam lucro após anos) etc.
121
Unidade IV
Na prática, essas organizações não estavam seguindo estratégias de longo prazo: estavam confinadas
a estratégias de curto prazo que beneficiavam os executivos, e não os acionistas. Notícias da época
mostram altos executivos recebendo milhões de dólares por terem, na verdade, travado as possibilidades
futuras das empresas que dirigiam. É uma discussão clássica: autointeresse dos gestores versus interesses
dos acionistas.
Saiba mais
Em 1992, os teóricos acadêmicos Robert Kaplan e David Norton propuseram uma abordagem
inovadora para reduzir os danos causados por executivos focados no autointeresse: o BSC. O ponto
de partida para o desenvolvimento dessa ferramenta foi a conclusão de um estudo que indicava a
inadequação dos métodos de avaliação do desempenho empresarial, pois eram baseados somente em
indicadores contábeis/financeiros. Como o desempenho era medido apenas em indicadores financeiros,
os executivos focavam no resultado de curto prazo para embolsar grandes bônus ao final do exercício.
Saiba mais
Claro que após alguns anos o valor de mercado dessas organizações cairia, pois não havia estratégia
de longo prazo. Ou, caso houvesse, a implantação era delimitada aos resultados de curto prazo que
interessavam aos executivos. Muitos desses executivos acabavam sendo demitidos após alguns
anos, com gordas compensações financeiras, e se recolocavam em outras empresas porque “traziam
resultados para os acionistas”, mantendo o modus operandi. O BSC veio como uma resposta a esse
modelo, procurando privilegiar os interesses dos acionistas e incentivar o pensamento estratégico de
longo prazo dos executivos.
122
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
• Incentiva a comunicação e o alinhamento dos funcionários e gestores para poder balancear o uso
dos recursos da organização dentro da estratégia formulada.
• Acompanha as relações de causa e efeito entre as quatro perspectivas trazendo sinergia nas ações
tomadas, tanto de curto quanto de longo prazo.
Assim, passou a ser possível adotar formas de avaliar estratégias além dos tradicionais indicadores
financeiros.
De acordo com Sousa e Rodrigues (2002), o BSC foi criado inicialmente como uma simples ferramenta
de medição e avaliação de desempenho, tanto que a formação original de Kaplan era contabilidade
gerencial. Porém, sua característica multidimensional fez com que fosse adotado cada vez mais como
um sistema de comunicação e alinhamento da empresa com a estratégia. Assim, o BSC passou a ser
considerado uma metodologia de implementação da estratégia.
Kaplan e Norton (1997) enfatizam que o BSC permite o acompanhamento do desempenho financeiro
imediato e, ao mesmo tempo, o monitoramento do progresso na construção de capacidades e na
aquisição dos ativos intangíveis necessários para o crescimento futuro.
Lembrete
Formulada a estratégia, o BSC define quatro pontos focais (as chamadas perspectivas) e estabelece
objetivos, indicadores, metas e ações de curto, médio e longo prazo. Observe sua estrutura:
123
Unidade IV
Financeiro
Para ter sucesso
financeiramente, como nós
devemos aparecer para os
nossos investidores
Processos
Cliente internos do negócio
Para alcançar nossa Visão e Para satisfazer os
visão, como devemos estratégia clientes, em quais
ser vistos pelos
processos devemos
clientes?
nos sobressair?
Aprendizado e
crescimento
Para alcançar nossa visão,
como sustentar a habilidade
de mudar e progredir?
A perspectiva financeira é naturalmente a que mais atrai a atenção do acionista. Dentro do tradicional
horizonte de tempo – curto, médio e longo prazos –, toda estratégia precisa atender essa perspectiva.
Note que é possível projetar baixo retorno no curto prazo, desde que a estratégia permita maximizá-lo
no médio e no longo prazo.
Assim, finanças são o ponto focal inicial na elaboração do BSC, dividindo a estratégia em objetivos
financeiros de curto, médio e longo prazo. Ou seja, é facultado ao acionista entender que a estratégia
formulada pode trazer recursos financeiros caso seja bem-sucedida em todo o horizonte temporal.
Com objetivos financeiros claros, deve-se selecionar os indicadores de desempenho que permitam o
acompanhamento da execução. Os mais comuns são:
124
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
• Retorno sobre o patrimônio (Return on Equity – ROE): indicador que mede a capacidade de uma
empresa para gerar valor a partir dos recursos que a empresa possui.
• Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização (EBITDA – Earning Before Interest,
Taxes, Depreciation and Amortization). Indicador financeiro com o lucro antes de ser descontado
o que a empresa gastou em juros e impostos e perdeu em depreciação e amortização.
• Retorno sobre o investimento (ROI): de acordo com Farris et al. (2007), é uma métrica que descreve
como os ativos estão sendo utilizados. Consiste na razão entre lucro líquido e investimentos.
Quadro 14
Note que não é simplesmente um plano que fica mofando na gaveta. É uma metodologia que
amarra as pontas e desenha um conjunto de ações que devem ser tomadas e que especifica como será
feito o controle. No exemplo anterior, para reduzir custos operacionais os responsáveis devem buscar
novos fornecedores mais baratos, e o controle da execução será um indicador numérico que mostra
o valor dos pagamentos aos fornecedores, que deverá diminuir. Em paralelo, em outra perspectiva,
deverá surgir um indicador de qualidade dos materiais fornecidos, balanceando a decisão de troca de
fornecedor por um mais barato.
125
Unidade IV
O foco é acompanhar indicadores não financeiros, voltados para o lado externo da empresa, visando
identificar o nível de satisfação dos clientes. Kaplan e Norton (1997) estabelecem três categorias:
Essa perspectiva se inicia com a definição dos segmentos de mercado a serem atendidos com
alinhamento aos objetivos da perspectiva financeira. Cada segmento tem características a serem
consideradas na elaboração das metas, indicadores de resultado e ações.
Lembrete
• Frequência é uma métrica de quantidade de transações por período. Clientes com alta frequência
de compra são clientes satisfeitos.
• Recência é uma métrica que indica o tempo decorrido desde a última transação. Ou seja, quão
recente é a última compra.
Observação
• Retenção é a capacidade de manter um cliente na base. Alto índice de retenção significa que
poucos clientes abandonam a empresa. É típico de negócios com base cadastral, como bancos,
serviços de telefonia e internet, clubes.
• Captação é a capacidade de aumentar a base de clientes. Alto índice de captação significa sucesso
em atrair clientes.
126
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
A lógica permanece a mesma: objetivos desdobrados em metas que desenham ações controladas por
indicadores. Todo o processo deve estar articulado com as outras três perspectivas.
Nesse exemplo, além de entrar em novos canais de distribuição, a empresa quer manter os canais
antigos satisfeitos. Para tal, define as ações e os indicadores de controle.
Nesse caso, por estarem ligados aos processos internos, há uma gigantesca quantidade de indicadores,
pois cada tipo de negócio tem suas especificidades. Indicadores de desperdício de insumos em função
de ajuste de máquinas são comuns na indústria gráfica, mas não fazem sentido em empresas de varejo.
127
Unidade IV
Essa perspectiva tenta otimizar o potencial intelectual e operacional da organização. Assim, busca
identificar como os funcionários devem aprimorar suas atividades. Trata-se de aprendizagem com
erros e acertos.
O procedimento é o mesmo das outras três perspectivas: estabelecer objetivos alinhados com a
estratégia, definir indicadores e desdobrar em metas e ações.
Portanto, o BSC é uma ferramenta útil para implementação e controle de estratégias organizacionais
focadas no curto, médio e longo prazos.
Você certamente já ouviu elogios ou críticas ao design de produtos. Um automóvel Ferrari com
design arrebatador, um clássico relógio Rolex e uma mesa de jantar inovadora são expressões fáceis de
ser entendidas.
Design é idealizar, criar, conceber e especificar produtos normalmente produzidos em série, o que
exige padronização num desenho técnico que será usado na replicação. O desenho técnico é a base para
a reprodução em massa do produto.
128
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Note que essa definição permite entender que alguém (ou um conjunto de pessoas) desenhou o
modelo e as peças da Ferrari, do Rolex e da mesa de jantar. São os chamados designers, profissionais
do design.
Contudo, qual a relação entre design e estratégia? Torquato, Willerding e Lapolli (2015) afirmam que
“o Design Thinking pode ser definido como uma abordagem centrada no ser humano para inovação
que integra as necessidades individuais, as possibilidades tecnológicas e os requisitos para o sucesso”.
Ou seja, gente criando inovações para ter sucesso. No mundo globalizado de rápidas mudanças em
que vivemos, inovação é uma necessidade, e não um diferencial. A ideia da abordagem do Design
Thinking é experimentar novos caminhos sem temer o erro, pois o erro cria aprendizado que é usado
para melhorar o projeto.
Um designer de produto não cria um design na primeira tentativa. Na verdade, ele pensa e refaz o
pensamento criando alternativas, eliminando algumas, refinando outras até ter um projeto completo.
E se essa lógica difusa fosse usada na criação de estratégias? Torquato, Willerding e Lapolli (2015) dizem
que o Design Thinking é uma abordagem centrada no ser humano que possibilita a geração de ideias
em diversos contextos. Assim, essas ideias podem ser focadas em inovação e estratégia em vez de
simplesmente em produtos.
Coutinho e Penha (2015) vão além. Descrevem três possibilidades de futuro para serem levadas
em consideração na estratégia: o futuro provável, o futuro possível e o futuro desejável. Este terceiro
é proposto pelos autores como algo que as organizações podem, por meio do Design Thinking, moldar
com ideias e conceitos consubstanciados em protótipos e produtos.
Por exemplo, a GoPro foi fundada em 2002 por um surfista e esquiador que queria filmar a si mesmo
durante a prática esportiva. No início a tecnologia era cara, mas com o tempo o custo da câmera caiu
exponencialmente, aumentando a escala de produção. Hoje é uma empresa multinacional com mais de
26 milhões de câmeras GoPro vendidas em mais de cem países. A GoPro está na lista das 50 empresas
mais inovadoras do mundo pela Fast Company, revista americana sobre tecnologia e informação que
anualmente ranqueia as empresas inovadoras.
129
Unidade IV
A Nokia, empresa finlandesa, já foi o maior fabricante de celulares do mundo. Em 2008, no auge
da liderança, investiu U$ 8 bilhões na compra da Navteq, uma empresa de navegação por mapas em
GPS, que coletava dados por sensores físicos fixados em esquinas de grandes cidades, além de sensores
alocados em carros de frota própria. A ideia era ser a principal fornecedora de dados de trânsito, e a
estrutura seria de milhões de sensores espalhados pelo mundo. Porém, no mesmo ano a empresa Waze
foi criada em Israel, que oferecia o mesmo serviço sem necessitar de investimentos em sensores, pois
os smartphones coletavam os dados e os apresentavam ao mesmo tempo. Observe a diferença! Uma
empresa ajudou a moldar o futuro criando uma ruptura nos negócios de mapeamento, e a outra foi
relegada ao passado. A Nokia quase quebrou na época.
A) B)
Na verdade, o Design Thinking está incentivando projetos inovadores e disruptivos por parte de
quaisquer organizações, mesmo as que estão fora dos ramos de atuação originais.
130
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Assim, o designer de negócio (ou designer social, caso a lógica não seja ligada a business) capta
fatos, evidências e percepções para criar inovações em busca do futuro desejável.
Por meio da iniciativa Pictures of the Future (Pof), a Siemens reúne a cada
seis meses dezenas de especialistas de várias áreas em todo o mundo para
discutir o futuro e suas implicações nos próximos 20-30 anos. No Brasil, a
Siemens lançou em 2012 o Pictures of the Future Rio de Janeiro + 20 em
virtude da Copa 2014 e das Olimpíadas 2016. Visões como “Fique bem no
Rio” (referente à saúde e bem-estar) ou “Tudo deve fluir” (40 minutos de
qualquer ponto no Rio ao centro da cidade) são fonte de inspiração para a
própria Siemens, que vem trabalhando em pelo menos dez novas soluções
pensando no Rio do futuro (COUTINHO; PENHA, 2015, p. 1).
A Google X Lab, divisão do Google voltada a novas tecnologias e negócios de futuro, desenvolveu
vários projetos, alguns dos quais foram lançados. Você provavelmente já ouviu falar do carro autônomo
do Google, bem como de seus acidentes no trânsito. É um futuro desejável. O Google X Lab também
desenvolveu o Google Glass, que estudaremos neste capítulo. Outro projeto é chamado de Loon, que
consiste em dar acesso à internet em áreas rurais e remotas através de balões colocados na estratosfera
a uma altitude de 20 km. Não há medo de errar, pois há projetos que nunca foram divulgados por
terem sido abortados. O investimento é alto, e as perspectivas de ter em mãos tecnologias e produtos
disruptivos e altamente lucrativos é maior ainda.
Se você pesquisar sobre o papel de startups no desenho do futuro, ficará surpreso. Há milhares de
empresas pequenas, voltadas para tecnologia e suas aplicações sendo criadas, e há outros milhares já
em operação. Certamente a maioria não vingará, mas algumas darão certo e umas poucas realmente
trarão mudanças para o futuro.
Brown (2010) contribui com uma ponderação: designers tradicionais, por assim dizer, sabem que
não existe uma maneira ideal de criar algo. A cada projeto, os métodos e estilos variam. Na verdade, os
designers não solucionam problemas, e sim trabalham através deles. E isso faz a diferença na formulação
da estratégia: pensar como um designer e assumir que no processo de formular e implementar vão
ocorrer erros e adaptações que geram um resultado melhor.
131
Unidade IV
• A terceira etapa é a ideação. Ideias e soluções são geradas a partir das descobertas e interpretações.
É uma boa iniciativa envolver pessoas de perfis diferentes, pois da variedade surgem múltiplos
insights. “Os insights são estímulos ou pequenas partes de uma informação maior coletada por um
indivíduo”. Assim, “quando há um conjunto de insights, é possível montar cenários, compreender
relações, hábitos e crenças” (RECHE; JANISSEK-MUNIZ, 2018, p. 88).
• A última etapa é a da evolução, que parte da aceitação das ideias e de sua implementação.
Trata-se do feedback da implementação da estratégia. Dentro da lógica de melhoria contínua,
são observados os aspectos positivos e negativos, sendo que estes servem como ponto de partida
para melhorias.
Como exemplo de erro, citemos o caso do Google Glass. A maior parte das pessoas já esqueceu
desse produto, lançado pelo Google em 2014 por U$ 1,500 para o grande público e descontinuado
dois anos depois. O Google Glass era um dispositivo semelhante a um par de óculos com uma pequena
tela visível por um dos olhos. Através do movimento dos olhos, era possível “navegar” na tela e acessar
mapas, imagens, músicas etc. O dispositivo tinha câmera, microfone e saída de áudio (junto a uma
orelha), podendo gravar vídeos, fotos e sons para o usuário, além de fazer e receber ligações telefônicas.
A intenção era ter um produto de alto consumo de massa, podendo substituir os smartphones.
132
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Lembrete
Uma das forças competitivas de Porter é a ameaça de produtos
substitutos. Imagine o panorama de mudanças no mercado de smartphones
caso o Google Glass tivesse sido um sucesso como produto de consumo!
Vários motivos levaram o Google Glass ao fracasso: a interface era cansativa; pessoas que não usavam
reclamavam de invasão de privacidade, pois estavam sendo gravadas o tempo inteiro; o preço era muito
alto; atrapalhava a visão. Todavia, dentro do conceito de Design Thinking, o produto saiu de linha para
pessoas físicas e continuou sendo desenvolvido nos bastidores até ser relançado para pessoas jurídicas
em uso profissional, como médicos em cirurgias, funcionários de chão de fábrica, pilotos de avião etc.
O erro gerou aprendizado e se transformou em um acerto: de acordo com as estratégias genéricas de
Porter, a estratégia mudou de diferenciação para foco. E nada impede que seja desenvolvida uma versão
mais adequada ao grande público. Completando o ciclo, há rumores de que a Apple está desenvolvendo
um produto equivalente.
A) B)
7.4 Controle
133
Unidade IV
O controle estratégico também tem por função gerar feedback que serve tanto de aprendizado
quanto de estímulo a ações corretivas que se façam necessárias.
O início consiste em ter os parâmetros de desempenho das diversas ações previstas na estratégia. Esses
parâmetros são os objetivos corporativos, das unidades de negócio e os de nível funcional desdobrados
em metas para os níveis funcionais.
A seguir, deve-se medir o desempenho comparando o planejado (os parâmetros) com o realizado.
Duas possibilidades surgem: ou o desempenho está dentro de limites ou margens aceitáveis de desvio
ou não está. Se estiver dentro do estabelecido, não é necessário fazer correção alguma, prosseguindo a
execução como definido e retroalimentando a informação de conformidade para prosseguir o ciclo. Se
o desempenho diferir dos parâmetros especificados além dos limites aceitáveis (ou seja, se o resultado
for julgado significativamente diferente dos objetivos e metas), será necessária uma ação corretiva.
• Revisar os parâmetros: ocorre quando se conclui que os parâmetros são inadequados. Ou seja, os
objetivos foram super ou subdimensionados. Assim, devem-se revisar os objetivos de acordo com
os resultados julgados insatisfatórios. Essa forma só é adotada quando se verifica que realmente
não é possível cumprir os objetivos, mesmo se forem feitos ajustes no desempenho.
Uma das ferramentas mais utilizadas pelas grandes organizações para o controle é denominada
Indicador-Chave de Desempenho (KPI – Key Performance Indicator).
134
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Daft (2013) comenta que em meados de 1990 as ferramentas tradicionais de avaliação de desempenho
foram sendo paulatinamente substituídas por outras. Essa década testemunhou profundas mudanças
tecnológicas, sociais e ambientais, o que levou à criação de novos indicadores.
Lembrete
135
Unidade IV
Em nossa aplicação, dashboards são agregadores de KPIs para apresentação visual na forma de
gráficos e tabelas que devem ser acessados pelos funcionários ligados à atividade mensurada.
Os KPIs permitem que os gerentes percebam a necessidade de mudança de rota, caso os indicadores
mostrem resultados abaixo do projetado.
136
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
8 APRENDIZADO ESTRATÉGICO
De acordo com Fernandes e Berton (2014), a estratégia de uma empresa nunca será totalmente
conhecida em seus mínimos detalhes, uma vez que o processo competitivo é dinâmico. As estratégias
realizadas são o resultado de estratégias deliberadas e estratégias emergentes, como vimos anteriormente.
Hábitos de consumo mudam, o ritmo econômico se altera, concorrentes atuam no sentido contrário
e os humores da política governamental interferem na vida da sociedade. Autores como Quinn, Senge e
Mintzberg defendem a ideia de que durante a implementação ainda não é possível conhecer a estratégia
total. Somente após os fatos é que se pode saber do todo.
Essa visão de estratégia como aprendizado parte da disposição em experimentar e aprender com a
experiência da implementação, seja de acertos, seja de erros.
Mintzberg (apud FERNANDES; BERTON, 2014, p. 218) estabelece premissas para o aprendizado:
137
Unidade IV
e caminhões começou a se estabelecer (tratamos do assunto sobre Henry Ford e Alfred Sloan
anteriormente) e cresceu de maneira estupenda. O modelo mental de transportes ferroviários
permaneceu arraigado em vários acionistas e investidores, os quais perderam fortunas à medida
que as estradas de rodagem foram sendo construídas de costa a costa. Outros acionistas mudaram
seu modelo mental e passaram a investir além de ferrovias.
• Aprendizagem em grupo: a força de um grupo é superior à soma das forças individuais. Aprendizado
em grupo também é superior. Quando o aprendizado é só do funcionário, sem compartilhamento,
ele pode ser contratado pelo concorrente e levar o aprendizado junto. Quando ocorre aprendizagem em
grupo, o resultado é da organização e não pode ser copiado de fora.
• Raciocínio sistêmico: é a base da teoria sistêmica o fato de ser possível entender um sistema
observando-o como um todo, e não por suas partes. Qualquer organização é um sistema aberto
que interage com o ambiente. Assim, a organização deve ser analisada como um todo. De acordo
com Senge (1990), raciocínio sistêmico é uma estrutura de conhecimentos e instrumentos que
permite observar e intervir nesse todo com vistas a aprimorá-lo. Essa disciplina cria a integração
das outras quatro porque observa o conjunto integral da organização.
• O ditado “em time que está ganhando não se mexe” deve ser rejeitado, uma vez que as estratégias
e sua implementação merecem ser reexaminadas frequentemente.
• As empresas devem ir além das próprias fronteiras do seu conhecimento e buscar mais, sem se
darem por satisfeitas. Ou seja, há muito a aprender na concorrência, com os fornecedores e com
os clientes.
Visando contribuir para o processo, Mumford (2001) postula que as pessoas adotam estilos de
aprendizagem em função de suas características pessoais.
138
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Ativista
Realizando
experiência
Pragmático Reflexivo
Planejando as Reavaliando a
próximas etapas experiência
Teórico
Concluindo
a partir da
experiência
Cada um tem um pouco de cada estilo, variando de intensidade. A maior parte tem um estilo
dominante e um secundário, ficando outros dois em menor escala. De qualquer modo, os gestores
de uma organização focada no conhecimento devem identificar os estilos de seus colaboradores para
otimizar o processo.
[...] O estilo teórico – são mais dotadas desse estilo as pessoas que se adaptam
e integram teses dentro de teorias lógicas e complexas. Enfocam problemas
de forma vertical, por etapas lógicas. Tendem a ser perfeccionistas; integram
o que fazem em teorias coerentes. Gostam de analisar e sintetizar. São
profundos em seu sistema de pensamento e na hora de estabelecer princípios,
teorias e modelos. Para eles, se é lógico é bom. Buscam a racionalidade e
objetividade; distanciam-se do subjetivo e do ambíguo.
139
Unidade IV
Resumo
O BSC foi criado em 1992 pelos teóricos acadêmicos Robert Kaplan e David
Norton para reduzir os danos causados por executivos focados no curto prazo
para ter direito a bônus no final do exercício. Um estudo da época mostrava
que os métodos de avaliação do desempenho empresarial eram inadequados
por serem baseados somente em indicadores contábeis/financeiros. Se o
desempenho era medido apenas em indicadores financeiros, os executivos
focavam no resultado de curto prazo para embolsar grandes bônus e
deixavam de lado a estratégia de médio e longo prazo. Claro que após
alguns anos o valor de mercado dessas organizações cairia, pois não
havia estratégia de longo prazo. Muitos desses executivos eram demitidos
após alguns anos e se recolocavam em outras empresas porque traziam
resultados rápidos para os acionistas. O BSC procurava privilegiar os
interesses dos acionistas e incentivar o pensamento estratégico de longo
prazo dos executivos.
141
Unidade IV
142
ADMINISTRAÇÃO ESTRATÉGICA
Exercícios
Questão 1. A estratégia BSC (Balanced Scorecard) estabelece quatro pontos focais: financeiro,
cliente, aprendizado e crescimento e processos internos do negócio.
I – As finanças são o ponto inicial para a elaboração do BSC. Esse ponto diz respeito aos objetivos
financeiros e aos indicadores de desempenho da execução desses objetivos.
III – A perspectiva de processos internos diz respeito aos fatores financeiros internos à empresa, como a
identificação e a avaliação de oportunidades e a satisfação dos clientes.
A) I e II, apenas.
B) II e III, apenas.
C) I, II e III, apenas.
D) I, II e IV, apenas.
Análise da questão
143
Unidade IV
Questão 2. Segundo Brown (2010), o processo de Design Thinking deve ocorrer em cinco etapas:
descoberta, interpretação, ideação, experimentação e evolução.
I – Na descoberta, a equipe levanta dados buscando encontrar padrões que auxiliem no entendimento
do contexto do mercado e dos objetivos da empresa. Em seguida, na etapa da interpretação, essas
descobertas são interpretadas levando em conta ideias, percepções e experiências.
II – Na terceira etapa, da ideação, são geradas potenciais soluções para problemas e questões que
surgiram nas etapas anteriores. É recomendado que esse processo seja feito por uma equipe especializada,
em que todos compartilhem dos mesmos conhecimentos e experiências.
III – A quarta etapa é a experimentação, em que são realizados protótipos e testes para identificar
as melhores soluções.
A) I e II.
B) II e III.
C) I, II e IV.
E) I e III.
Análise da questão
Na etapa de ideação, é recomendado que haja variedade e diversidade na equipe, para que as ideias
também sejam diversificadas. Na etapa da evolução, não é necessário descartar completamente o
processo diante do feedback negativo, pois é possível repensá-lo e adaptá-lo.
144
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