Você está na página 1de 10

VENDA A PRESTAÇÕES

A venda a prestações vem regulada nos artigos 934o e ss. do Código Civil: na verdade, não se
tratam

de várias prestações, há só uma prestação; na verdade, a realização desta é que é feita em
parcelas. Podem, no entanto, destrinçar-se regimes especiais:

1. a) Dividas: artigo 791o do CC - a não realização de uma das prestações importa o


vencimento de todas as outras.
2. b) Compra e venda: 886o (casos de não pagamento do preço pelo credor –
inadmissibilidade de resolução do contrato), 934o (afasta-se da solução prevista no artigo
781o) e 935o.

a) Artigo 934º:

i. vendida a coisa a prestações com reserva de propriedade, e feita a sua entrega

ao comprador, a omissão de uma prestação cujo valor excede a oitava parte do preço
(todas as quantias pagas ou a pagar pelo comprador ao devedor) ou de duas ou mais
prestações, independentemente do seu valor, dá ao vendedor o direito de resolver o
contrato de compra e venda;

1. Preço: noção alargada – engloba todos os valores


2. Apenas em relação à resolução:
1. Vasco da Gama Lobo Xavier/Nuno Pinto de Oliveira – uma interpretação
literal comportaria uma solução excessivamente gravosa.
2. Pedro Albuquerque: não segue a posição anterior, logo, entende que se
deve aplicar tanto quando se verifique tradição, como quando naõ se
verifique tradição.
ii. a falta de pagamento de uma prestação, com ou sem reserva de propriedade, a falta de
pagamento de uma prestação de montante inferior a um oitavo do preço não determina a
perda de benefício do prazo.

A propósito do regime previsto no artigo 781º, tem-se colocado a questão de saber se se trata de

(1) vencimento antecipado ou

(2) exigibilidade antecipada.

Pedro Albuquerque entende que se está perante (2) exigibilidade antecipada: o credor passa a
ter a faculdade de exigir ou não exigir o pagamento imediato e enquanto não o fizer o devedor
não está em mora. A mesma solução vale para o artigo 934º: faltando uma prestação superior a
1/8, o vendedor poderá interpela-lo – só a partir desse momento estará constituído em mora
relativamente a todas as prestações em mora (artigo 808o).

A respeito do artigo 934º: Pedro Albuquerque entende que a falta de pagamento se refere a mora;
no entanto, nos casos em que esteja em hipótese o exercício do direito de resolução, há que se
verificar a situação de incumprimento definitivo.

A propósito do artigo 934o debate-se, ainda, a natureza imperativa ou supletiva.

(a) No sentido da imperatividade: Pedro Albuquerque, Menezes Cordeiro, Pires de Lima e


Antunes Varela, Pedro Romano Martinez.
a. Argumentos: caracter restritivo em relação ao regime geral e o objetivo de defesa do comprador
perante o vendedor, dos perigos e seduções da venda a pretaçõs.

Outro problema, a propósito do artigo 934o: havendo venda sem reserva de propriedade, a falta
de pagamento de uma das prestações poderá permitir o vendedor resolver o contrato, nos termos
do artigo 886o?

DIREITO DOS CONTRATOS I PÁGINA 20 DE 60 MAFALDA MALÓ ∙ TURMA A

(b) Baptista Lopes, Teresa Anselmo Vaz, Lobo Xavier: não havendo reserva, ainda que haja
entrega da coisa, as partes podem convencionar uma clausula resolutiva para a hipótese de o
comprador faltar ao pagamento de alguma prestação (ainda que o valo da prestação seja igual ou
inferior a 1/8 parte do preço).

(c) Romano Martinez: defende a imperatividade do artigo 934o CC, logo, discorda da posição
anterior.

(d) Nuno Pinto de Oliveira: entende, criticando Romano Martinez, que o artigo deve ser
interpretado no sentido de o vendedor só não ter o direito potestativo de resolução quando a
coisa tiver sido entregue ou se o comprador faltar ao pagamento de uma fração do preço que não
exceda a oitava parte (este é o sentido útil da imperatividade); entende que se aplica
analogicamente quando não haja reserva de propriedade.

(e) PedroAlbuquerque:entendeainterpretaçãodePintodeOliveiramuitorestritaeentendeque este


autor esquece o requisito da reserva de propriedade.

1. Quanto à possibilidade de aplicação analógica aos casos de ausência de reserva: apesar de


ser uma norma excecional; não concorda, aparentemente, que as normas excecionais
sejam insuscetíveis de analogia.
2. Entende que o sentido normativo é: mesmo a compra e venda com reserva de
propriedade está sujeita às condicionantes impostas pelo artigo 934o (argumento por
maioria de razão?).
3. Conclusão: inadmissibilidade da convenção de uma clausula de resolução na compra e
venda a prestações, com entrega da coisa, mas sem reserva de propriedade, para a
hipótese de o incumprimento não respeitar a uma prestação superior à oitava parte do
preço ou à falta de duas, independentemente do valor.

Venda a prestações

Noção, exigibilidade antecipada e resolução

Venda a prestações- arts. 934o e ss.

A expressão venda a prestações não retrata de modo rigoroso esta modalidade de


compra e venda. A prestação é uma só, como uma só dívida. A realidade a que se
dá o nome de prestações traduz antes parcelas de uma prestação. Deste modo, as
vendas a prestações não passam de negócios dotados de prestação dividida ou
fracionada.

O princípio geral regulador das dívidas liquidáveis em prestações está presente


no art. 781º. Por força desse preceito, se uma obrigação puder ser liquidada em
duas ou mais prestações a não realização de uma delas importa o vencimento de
todas.
Existem, porém, regras especiais para a compra e venda arts. 886º, 934º e 935º
CC.

O art. 886º vale, de uma forma geral, para todos os cenários de não pagamento do
preço pelo comprador. Estabelece, em desvio ao art. 801º CC, não poder o
vendedor, transmitida a propriedade da coisa, e feita a sua entrega, resolver o
contrato por falta de pagamento.

O art. 934º do CC, afastando-se da solução vertida no art. 781º, vale


especificamente para as hipóteses de falta de pagamento de uma das prestações
relativas ao preço em contratos de compra e venda a prestações:

 → Vendida a coisa a prestações com reserva de propriedade, e feita a sua


entrega ao comprador, a omissão de uma prestação cujo valor exceda a
oitava parte do preço, ou de duas ou mais prestações independentemente
do seu valor, dá ao vendedor o direito de resolver o contrato de compra e
venda;
 → Em qualquer dos cenários- com ou sem reserva de propriedade- a falta
de pagamento de uma prestação de montante inferior a um oitavo do
preço não determina a perda do benefício do prazo.

Preço: abrangidas todas as quantias a pagar pelo comprador ao


vendedor como efeito da alienação, mesmo se se tratar apenas de
despesas, juros ou outras importâncias.

Depois, o art. 934º parece absolutamente perentório no sentido de a


limitação, seja da resolução, pelo vendedor, seja da perda do benefício do
prazo, dado ao adquirente, depender da entrega da coisa. A solução não
pode ser criticamente aceite.

Para PA: tendo ou não havido entrega da coisa, não há lugar à resolução
nem ao vencimento antecipado, porque:

Argumento 1: Faz sentido a restrição do art. 934 tratando-se de resolução.


Numa situação dessa natureza o desapossamento (falta de posse) do
comprador poderia trazer para ele resultados especialmente penosos e
mesmo vexatórios. Mas a distinção de regime em razão de a coisa ter sido
ou não, entregue parece mostrar-se pouco apropriada se em jogo estiver
apenas o vencimento antecipado.

Argumento 2: Uma interpretação literal, neste ponto, do art. 934


desprotegeria, sem se vislumbrar razão para a diversidade de tratamento, o
comprador – na eventualidade de não ter beneficiado da tradição da coisa
– no confronto com o adquirente favorecido pela traditio. Este seria na
verdade tutelado de forma mais eficaz. Isto apesar da sua omissão por
estar já avantajado pela entrega, ter, nesta perspetiva, uma natureza mais
censurável.

Argumento 3: Ao mesmo tempo, uma interpretação deste teor


estabeleceria, de forma arbitrária e sem fundamento plausível, ou não, à
entrega da coisa ao comprador.

Tem se debatido o problema de saber se apurados os pressupostos do art. 781 se


está perante uma verdadeira situação de vencimento antecipado ou, ao invés,
perante uma simples situação de exigibilidade antecipada.

Pedro de Albuquerque: deve preferir-se o segundo termos da alternativa. De


outro modo, poder-se-ia chegar a resultados desrazoáveis na perspetiva do
credor: impor-se- lhe-ia a aceitação de todas as prestações em falta, atribuindo-
lhe um “benefício” porventura por ele não pretendido. O credor deve dispor da
faculdade de exigir ou de não exigir o pagamento imediato. Enquanto o não fizer
o devedor não está constituído em mora.

O mesmo princípio vale para o art. 934. Ou seja: faltando o comprador a uma
prestação superior a 1/8 do preço, ou a duas prestações, independentemente do
seu valor, o vendedor pode interpelá-lo, exigindo o pagamento das prestações
vincendas. A partir desse momento, o comprador estará em mora relativamente a
todas as prestações não pagas, podendo ele transformar-se em incumprimento
definitivo nos termos do art. 808º.

O art. 934 refere-se apenas à falta de pagamento. Não obstante, deve entender-
se ter a expressão normativamente dois sentidos.

- Basta a mora para se considerara “falta de pagamento” se se tratar da exigência


do cumprimento da totalidade das prestações.

-Estando, porém, em jogo o exercício do direito de resolução apenas após o


incumprimento definitivo, operado nos termos do art. 808, pode ele ser atuado.

Debatido é o problema de saber se a exigência de 1/8 do preço ou de duas ou


mais prestações acumuladas parece representar sempre um incumprimento
grave, para efeitos dos arts. 802/2.

Se o for mostrando-se definitivo, não tem de passar por nenhum outro crivo. Em
certa perspetiva dir-se-ia estar a chave para a resolução deste assunto no exato
entendimento da relação entre o art. 934, de um lado, e os arts. 801/2 e 802, do
outro.
Ora, afirma-se o art. 934 é restritivo dos dois primeiros. Na verdade, da
conjugação destes dois preceitos resulta não ter, na eventualidade de o
comprador faltar ao cumprimento de uma só prestação não superior a 1/8 parte
do preço, o vendedor o direito de resolver o contrato. Isto é: a possibilidade de
resolução fica liminarmente afastada, não havendo lugar a nenhuma indagação
sobre a importância do incumprimento para efeitos do art. 802/2.

Na eventualidade de o comprador faltar ao pagamento de uma prestação superior


à oitava parte do preço ou duas ou mais prestações acumuladas,
independentemente do seu valor, deixa de funcionar a restrição do art. 934,
passando a valer o regime geral do art. 801/1 e 802. Deveria então, dizer-se-ia,
averiguar se o cumprimento assume, ou não, para efeitos do art. 802/2,
importância suficiente.

Pedro de Albuquerque: todo este debate terá, porém, de ser relativizado, para não
se dizer mostrar-se ele despropositado. Dado, perante a falta de pagamento de
uma prestação superior a 1/8 do preço ou duas ou mais acumuladas,
independentemente do seu montante, o credor ter o direito de exigir
antecipadamente o valor de todas as prestações (art. 781 e 934). Se pretender
resolver o contrato fixa um prazo para o comprador pagar a totalidade da dívida.
Se este não cumprir passa a existir um inadimplemento que não é parcial, mas
sim total e, destarte, não sujeito à regra do art. 802/2.

Em que moldes deve o vendedor, numa situação de inadimplemento por parte do


comprador, harmonizar o seu direito de exigir o cumprimento do contrato com a
possibilidade de resolução.

O prof. regente manifesta-se, no sentido de resolvido o contrato não ser mais


possível exigir-se o inadimplemento, mas não obstar o pedido de execução
pontual à resolução.

Debate-se a natureza supletiva ou imperativa do art. 934, atento o facto de na


parte final do preceito se estatuir de forma ambígua, ser a regra aí definida
aplicável sem embargo de convenção em sentido oposto.

→A imperatividade do preceito tem sido defendida, de forma esmagadora a nível


doutrinal. O facto de o art. 934 ter um sentido restritivo do regime geral e de
visar defender o comprador perante o vendedor dos perigos e seduções da venda
a prestações.

Surge ainda o problema de saber se vendida a coisa sem reserva de propriedade a


falta de pagamento de uma das prestações pode permitir ao vendedor a
possibilidade de resolver o contrato, nos termos do art. 886.

Pires de Lima e Antunes Varela: Não havendo reserva de propriedade, mesmo


perante a entrega da coisa, julgam nada obstar a que os contraentes insiram no
acordo negocial uma cláusula resolutiva para a hipótese de o comprador faltar ao
pagamento de alguma prestação, mesmo se de valor igual ou inferior a uma
oitava parte do preço.

Pedro Romano Martinez: manifesta-se em sentido inverso por entender, dada a


imperatividade do art. 934, não parecer poder ser ajustada uma compra e venda
sem reserva de propriedade, mas com entrega da coisa, com cláusula de resolução
para a hipótese de falta de pagamento pelo comprador.

Pedro de Albuquerque: julgamos não fazer realmente sentido não aplicar a


limitação do art. 934 às situações de ausência de reserva de propriedade.

Pode, porém, convocar-se por analogia a regra nele presente para resolver as
hipóteses de resolução de uma compra e venda a prestações em que não é
estipulada a reserva de propriedade?

A pergunta legitima-se pelo facto de a norma surgir como uma limitação, isto é,
com caráter restritivo, dos arts. 801, 802 e 886. Donde dizer-se representar ela
uma norma excecional. Tudo, num passo suscetível de levar à afirmação da
impossibilidade de haver analogia para sujeitar a resolução da venda a prestações,
sem reserva de propriedade, às limitações do art. 934. Isto, pois, nos termos do
art. 11 as normas excecionais não permitiriam aplicação analógica.

Nuno Pinto Oliveira ultrapassa o impedimento lembrando não poderem os


problemas de realização do direito ser resolvidos por uma prescrição do
legislador e, 57

mesmo se isso fosse viável, in casu as razões de excecionalidade não erguem um


estorvo à aplicação analógica do art. 934 à resolução do contrato de compra e
venda a prestações sem reserva de propriedade.

O prof. regente entende que, não se pode deixar de seguir, neste ponto a posição
do autor. Na verdade, tem vindo a manifestar-se de modo sistemático de forma
adversa à ultrapassada orientação no sentido de vedar (liminarmente) a analogia
perante normas excecionais.

Haverá, porém, verdadeira necessidade de se ponderar a existência de uma


lacuna a preencher com recurso a processos integrativos como defende Nuno
Pinto Oliveira?

→Julgamos não haver.

Poder-se-ia dizer estar-se, na hipótese em presença diante de uma lacuna a


preencher segundo os critérios de integração. In casu, a analogia revelada pelo
reconhecimento da falta de um preceito onde se enuncie um regime de exceção
exigido normativamente pela hipótese singular.
Mas superado o escrito formalismo interpretativo a favor da intenção prático-
normativa do pensamento jurídico e da sua metodologia a distinção entre
interpretação e analogia, no sentido tradicional, mostra-se afetada.

Na verdade, a analogia não é senão a explicitação normativa ou o decisivo modo


de explicitação do autêntico sentido normativo-jurídico da norma. A própria
validade da distinção da interpretação em declarativa, restritiva ou extensiva está
hoje posta em causa pela metodologia de ponta.

O art. 934 limita o direito de resolução do vendedor a prestações, se existir


reserva de propriedade, no confronto com o determinado pelos arts. 801, 802 e
886. Isto é: não obstante o vendedor reservar para si a propriedade ou
titularidade da coisa, ele está impedido de pôr termo ao contrato, resolvendo-o.

Não pode, por, nessa medida, fazer valer a propriedade por ele mantida, a não ser
se se assistir a um incumprimento de uma prestação de valor superior a um
oitavo do preço ou duas ou mais de qualquer valor.

Mas se o vendedor, dotado da propriedade de um bem, não pode resolver, por


força do art. 934, o contrato, a não ser perante as situações de inadimplemento
qualificadas por este preceito, então, a aceitação da possibilidade de o alienante,
já desprovido da propriedade, proceder à resolução do contrato em razão de
falhas de menor relevância envolveria uma profunda contradição valorativa.

Na verdade, observados certos pressupostos, estaria em melhor situação para


resolver o contrato e reaver o objeto vendido quem já não é proprietário do que
quem reservou para si a propriedade justamente de forma a poder reaver o bem
vendido na hipótese de não cumprimento.

Dir-se-á, destarte, ter a relevância material do caso, da venda a prestações sem


reserva de propriedade, um sentido intencional nuclearmente assimilável à
relevância material da norma.

Na realidade, afigura-se não ser o sentido normativo da referência, no art. 934, à


reserva de propriedade, o de tornar a resolução da venda a prestações sem
reservatio dominii isenta das restrições nele impostas.

Trata-se, antes, de dizer estar, mesmo a venda com reserva de propriedade,


sujeita às condicionantes por ele impostas, numa ideia depois repisada e
sublinhada na segunda parte do art.

Mas, mesmo se assim não fosse, mesmo se não se pudesse entender existir uma
assimilação por concretização, sempre se deveria afirmar, o que de resto se refere
por simples facilidade, dar-se uma assimilação por adaptação extensiva.

Chegamos, pois, com fundamentação diversa, a resultados iguais aos propostos


por Pedro Romano Martinez e Nuno Pinto Oliveira, no sentido a
inadmissibilidade da convenção de uma cláusula de resolução na compra e venda
a prestações, com entrega da coisa, mas sem reserva de propriedade, para a
hipótese de se não se assistir a um incumprimento de uma prestação superior à
oitava parte do preço ou à falta de duas independentemente do seu valor.

➔ Cláusula Penal:

O art. 935 define o regime da cláusula penal na eventualidade de o comprador


não cumprir, a estipulação de uma cláusula penal é admitida para os diversos
contratos, e de forma geral, no art. 810, como meio prévio de fixação de uma
indemnização pelo não cumprimento de obrigações.

Por força do disposto no art. 935, a indemnização estabelecida em cláusula penal,


por o comprador não cumprir, não pode exceder metade do preço – salvo a
faculdade de as partes ajustarem a ressarcibilidade de todos os prejuízos sofridos.
Se o referido limite for ultrapassado, a indemnização estipulada em montante
superior a metade do preço será reduzida a essa metade (art. 935/2).

Se se tiver estipulado perder o comprador, na eventualidade de incumprimento,


as prestações já pagas e estas excederem metade do preço não poderá o vendedor
fazer seu o excedente.

Se os prejuízos forem superiores a metade de preço e as partes não tiverem


estipulado a ressarcibilidade de todos os danos o vendedor será compensado até
ao limite da indemnização pactuada pelos contraentes, mesmo se ultrapassar
metade do preço. Isto exprime passar a cláusula penal superior a metade do preço
depois de reduzida, a funcionar como um teto ou limite máximo de
indemnização de todos os prejuízos sofridos pelo vendedor.

Assunto debatido é o de saber se a limitação estabelecida no art. 935 vale para


toda a situação de incumprimento ou apenas para as situações de resolução pelo
vendedor.

A favor da ideia de o art. 935 limitar tão-só a cláusula penal na eventualidade de


se resolver o contrato pronunciou-se, em termos impressivos, Vasco da Gama
Lobo Xavier. Sublinha este autor, em primeiro lugar, o facto de estarmos agora
diante de obrigações pecuniárias. Ora, para estas, o art. 806 preceitua
corresponder a indemnização aos juros devidos. E se é certo dizer esta norma
diretamente respeito à mora, ela valeria, também e de forma igualmente
imperativa, para o inadimplemento definitivo.

A interrogação estaria, apenas, em saber se o regime do art. 935 viria derrogar,


para a venda a prestações, o regime geral do art. 806.

E a esta interrogação responde Vasco Lobo Xavier negativamente. Alega, em


primeiro lugar, o facto de não parecer aceitável ser, o vedado na venda comum –
a sujeição, do contraente em falta na obrigação de satisfazer o preço, a pagar uma
indemnização diversa da traduzida na remuneração dos juros respetivos –,
admitindo na venda a prestações, exatamente onde se legitima uma especial
proteção do comprador.

Em segundo lugar, o autor lembra o facto de o art. 935/2 mostrar, pelo seu
contexto, como ao invés do prima facie sugerido, o subjacente à norma é apenas a
indemnização na eventualidade de resolução do contrato.

Na verdade, o art. 935/2 alude à hipótese de a indemnização fixada na cláusula


penal se traduzir na não restituição das prestações pagas. Ora, pareceria obvio só
poder falar-se de não reembolso como pena se o vendedor insatisfeito resolver o
contrato, em vez de efetivar o respetivo direito ao preço em dívida e a
competente indemnização.

Pedro de Albuquerque: sucede não ser a norma do art. 806, imperativa. Na


verdade, ela é supletiva como manifestamente resulta do facto de este preceito
permitir às partes estipularem um juro moratório diferente do legal. Donde, a
possibilidade de a cláusula penal levar, eventualmente, a uma indemnização
superior à resultante da aplicação da taxa legal de juros, a que supletivamente
apela o art. 806 para o comum das obrigações pecuniárias, não sentencia a
solução. Além de outras razões porque, também no art. 806 se prevê a
possibilidade de os contraentes, nos moldes do art. 810, terem estabelecido um
juro moratório mais elevado.

O segundo argumento citado por Vasco Lobo Xavier é pertinente. Mas, por si só,
mostra-se insuficiente para resolver o assunto de saber se o art. 935 apenas é
aplicável às situações de resolução do contrato ou se, ao invés, também abrange
as hipóteses de exigência de cumprimento.

Menezes Leitão: o art. 935 deveria ser objeto de uma interpretação restritiva por a
respetiva letra ir além do seu espírito. Na realidade, afirma, a indemnização em
virtude de o comprador incumprir, nos termos dos arts. 798 e 801/2, poderia
respeitar tanto ao interesse contratual negativo, como ao interesse contratual
positivo, segundo o vendedor proceda, ou não, à resolução do contrato. Estando
em jogo o interesse contratual positivo, por não se ter optado pela resolução do
contrato não haveria motivo para limitar a indemnização a metade do preço.
Deveria assim, inferir-se no sentido de o art. 935 apenas valer para as cláusulas
penais relativas à indemnização a pedir na hipótese de resolução do contrato.

60

Pedro Romano Martinez: posiciona-se a nível intermédio. Numa primeira linha,


pugna por uma orientação semelhante à defendida por Vasco Lobo Xavier. A
aplicação do art. 935 só se legitimaria perante a resolução do contrato. A
propósito do dano positivo estaria em jogo a aplicação do art. 806, sendo devidos
juros e não a indemnização do art. 935. Mas levanta duas salvaguardas. Desde
logo, o dano positivo pode, nalguns senários, não ser ressarcido pelos juros de
mora, como sucede havendo danos morais. Além disso, por outro lado, os juros
de mora podem ser suscetíveis de excederem metade do preço e nessa hipótese
voltaria a ter sentido apenar o art. 935 para o dano positivo.

Independentemente da finalidade ou natureza da cláusula penal e, quer o


vendedor deseje optar pela manutenção, quer prefira a resolução, podem as
partes convencionar a ressarcibilidade do dano excedente, mesmo se ele
ultrapassar os limites do art. 935. Da mesma forma pode recorrer o comprador ao
art. 812 com vista a obter uma redução equitativa do montante da pena, seja qual
for a via seguida pelo alienante e a função e natureza da cláusula penal, e mesmo
se a pena se situar dentro dos parâmetros do art. 935.

Observe-se ainda, só valer o regime do art. 935 para a cláusula penal destinada a
acautelar falhas do comprador. As falhas do vendedor ficarão sujeitas aos arts. 810
e ss.

➔ Aplicação do regime da compra e venda a prestações a outros contratos:

Segundo o art. 936, o regime da compra e venda a prestações vale para todos os
contratos pelos quais se pretende obter um resultado semelhante. Note-se ir esta
disposição para além da presente no art. 939. Isto traduz valer também o regime
da venda a prestações em relação a contratos donde não resulte a transmissão
onerosa de bens, como sucede na empreitada.

Não isenta de embaraços é a aplicação do regime de venda a prestações. Negócios


que visam finalidades idênticas, como o aluguer de longa duração e a locação
financeira. Ainda assim parece-nos de sujeitar esses negócios também ao disposto
nos arts. 934 e 935.

Você também pode gostar