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3º) Encontro.

Modalidades das obrigações: dar, fazer e não fazer

1. Obrigação de dar

As obrigações de dar se subdividem em obrigações de dar coisa certa e obrigações de dar coisa incerta.

1.1. Obrigação de dar coisa certa

Consiste em uma obrigação positiva, onde o sujeito passivo (devedor) se compromete a dar (entregar,
restituir ou transferir)1 uma coisa certa (específica)2 ao sujeito ativo (credor). Há uma intenção de
transmitir a propriedade de uma coisa móvel ou imóvel. Esta obrigação se faz presente, por
exemplo, no contrato de compra e venda, em que o comprador tem a obrigação de pagar o preço e
o vendedor de dar a coisa.

1.1.1. A obrigação de dar gera um crédito

No ordenamento jurídico brasileiro, a obrigação de dar gera um crédito e não um direito real, ou
seja, a mera celebração de um acordo não faz do credor, o proprietário da coisa 3. Por exemplo, no
contrato de compra e venda de um bem móvel, o credor só passa a ser dono da coisa quando ocorre
a entrega – tradição (Art. 1.226, CC); caso o objeto seja um bem imóvel, o credor só passa a ser dono
da coisa quando realiza o registro do título no Cartório de Registro de Imóveis (Art. 1.227, CC)4.

1.1.2. O credor não é obrigado a receber coisa diversa

Na obrigação de dar coisa certa, o credor não é obrigado a receber outra coisa, ainda que mais valiosa
(Art. 313, CC)5.

1
O verbo “dar” assume um sentido amplo. Ele pode significar: a) entregar – o devedor dá a coisa ao credor para usar,
gozar ou guardar, devendo restitui-la ao final da relação jurídica, por isso, afirma-se que o credor fica na posse ou detenção
da coisa; b) transferir – o devedor transfere a propriedade da coisa ao credor, institui-se um direito real, muda-se a
titularidade da coisa, ou seja, o credor pode gozar, reaver, usar e destituir-se da coisa; c) restituir – o devedor devolve
a coisa ao proprietário, cujo direito de estar com a coisa se fundava num título, por exemplo, no contrato de locação, o
locatário tem o dever de restituir a coisa ao locador quando terminar o contrato (art. 569, IV, CC).
2
A coisa certa é aquela que foi individualizada segundo a quantidade, a qualidade e o gênero.
3
Isso significa que a obrigação de dar proporciona ao credor o direito de exigir do devedor uma conduta voltada à entrega,
restituição ou transferência da posse ou propriedade do bem, mas, não transforma o credor dono da coisa apenas por ter
realizado o acordo.
4
Isso gera consequências práticas no direito. Por exemplo, imagine que o VENDEDOR (devedor) tenha celebrado um
contrato de compra e venda de um apartamento com o COMPRADOR 1 (credor), porém este não realizou o registro da
aquisição no Cartório de Registro de Imóveis. Alguns dias depois, o VENDEDOR vende o mesmo imóvel para
COMPRADOR 2 (credor), que promove tal registro. Neste caso, COMPRADOR 1 não poderá opor o seu contrato ao
COMPRADOR 2 para exigir a propriedade do imóvel, ainda que tenha sido anterior e que o VENDEDOR tenha agido
de má-fé. Quem adquiriu o direito real de propriedade foi COMPRADOR 2, restando ao COMPRADOR 1 apenas o
direito de exigir do VENDEDOR a reparação pelos danos materiais e morais sofridos.
5
Em 2011, por meio da Apelação 9196895-34.2007.8.26.0000, o TJSP examinou um caso que versava sobre uma rescisão
contratual que envolvia a compra e venda de um imóvel. Na ocasião, o imóvel acabou sendo desapropriado pelo poder
público o que inviabilizou a entrega do mesmo. Em razão disso, o vendedor propôs entregar outro lote o que não foi aceito
pelo comprador. Segundo o TJSP, o comprador não é obrigado a aceitar outro lote, ainda que mais valioso, conforme o
artigo 313 do Código Civil; portanto, faz-se necessária restituição integral e imediata das parcelas pagas, retornando
as partes ao status quo ante. Em relação à multa pela inadimplência, o referido tribunal entendeu ser descabida já que o
motivo do inadimplemento decorreu de caso fortuito.
1
1.1.3. Princípio da gravitação jurídica

De acordo com o art. 233, CC, a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios6, salvo se o
contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso. Esse dispositivo consagra o princípio pelo
qual o acessório segue o principal ou princípio da gravitação jurídica.

Veja uma decisão judicial:

Ϯ Em 2019, por meio do Processo nº 0057767-64.2018.8.19.0000, o TJRJ analisou um caso que envolveu um
acordo estabelecido em ação de divórcio. Na ocasião, ajustou-se que o marido ficaria com o barco adquirido
durante o casamento; contudo, no ato da entrega, a esposa se recusou entregar o motor e a carreta, ao
argumento de que não foram incluídos no acordo. Valendo-se do artigo 233, CC, o TJRJ manteve a decisão
de primeira instância que obrigava a entrega do motor e da carreta, por considerar ser acessório do barco.7

1.1.4. Perda da coisa8

a) Sem culpa do devedor

Se a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição ou pendente a condição suspensiva9,
fica resolvida a obrigação para ambas as partes. Isso porque a coisa perece para o dono (res perit
domino). A expressão resolver, significa que as partes voltam à situação primitiva, anterior à
celebração da obrigação, sem outras consequências jurídicas10.

b) Com culpa do devedor

Se a coisa se perder, com culpa do devedor, antes da tradição ou pendente a condição suspensiva,
responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos. Entre os danos incluem-se os danos
materiais: danos emergentes (aquilo que a pessoa efetivamente perdeu) e os lucros cessantes (aquilo
que a pessoa razoavelmente deixou de lucrar)11; e os danos morais.

6
Consideram-se acessórios os frutos (toda utilidade que um bem produz de forma periódica e cuja percepção mantém
intacta a substância do bem que a produziu, ex. frutas de uma árvore), os produtos (são bens que se retiram da coisa
principal desfalcando a sua substância e diminuindo a sua quantidade, ex. os minerais extraídos de uma jazida), as
benfeitorias (é toda espécie de despesa ou obra realizada em um bem, com o objetivo de evitar sua deterioração
(benfeitoria necessária), aumentar seu uso (benfeitoria útil), ou dar mais comodidade (benfeitoria voluptuária).
Observação: em regra, as pertenças (bens que, não constituindo partes integrantes, se destinam, de modo duradouro, ao
uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro) não seguem o principal, conforme art. 94 do CC.
7
Disponível em: http://www4.tjrj.jus.br/EJURIS/ImpressaoConsJuris.aspx?CodDoc=3798862&PageSeq=0
8
CC, Art. 234. Se, no caso do artigo antecedente, a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, ou pendente
a condição suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor, responderá
este pelo equivalente e mais perdas e danos.
9
Consiste num evento futuro e incerto a que fica subordinada a eficácia de um negócio jurídico, obrigação ou contrato.
Utiliza-se os termos SE ou ENQUANTO. Ex.: SE passar no vestibular dou-lhe o carro que foi do meu avô.
10
Observação: em algumas situações, a pessoa responde pelo caso fortuito e pela força maior, a saber: a) devedor em
mora, a não ser que prove ausência total de culpa ou que a perda da coisa, objeto da obrigação, ocorreria mesmo não
havendo a mora (art. 399 do CC); b) havendo previsão no contrato quanto à responsabilização por tais eventos (art. 393
do CC); c) havendo previsão legal quanto à responsabilização por tais fatos, em casos específicos.
11
CC, Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além
do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.
2
1.1.5. Deterioração da coisa
a) Sem culpa do devedor12

Se a coisa estiver deteriorada ou desvalorizada, sem culpa do devedor, o credor tem duas opções: (i)
resolve a obrigação, sem o direito a perdas e danos, já que não houve culpa genérica da outra parte;
(ii) fica com a coisa, abatido do preço o valor correspondente ao perecimento parcial.

b) Com culpa do devedor13


Se a coisa estiver deteriorada ou desvalorizada, com culpa do devedor, o credor tem duas opções:
(i) exige a devolução do preço pago, sem prejuízo das perdas e danos; (ii) aceita a coisa deteriorada
ou desvalorizada, sem prejuízo de perdas e danos.

1.1.6. Melhoramentos e acréscimos da coisa antes da tradição

Nos termos do art. 237, CC, até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus melhoramentos
e acréscimos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o credor não anuir, poderá o devedor
resolver a obrigação. Isso ocorre porque o ordenamento veda o enriquecimento sem causa14.
Ademais, até a entrega do bem, os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os
pendentes. Mas, quanto aos frutos percipiendos – aqueles que deveriam ter sido colhidos, mas não
o foram – passarão a pertencer ao credor, que se tornou novo proprietário do bem principal. Isso
porque não se pode valorizar a conduta da parte que não colheu os frutos quando deveria fazê-lo.

1.1.7. Perda da coisa em obrigação de restituir

a) Sem culpa do devedor15


Se a coisa se perder, sem culpa do devedor, antes da tradição, o credor sofrerá a perda, e a obrigação
se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda.

Exemplo: Contrato de locação de imóvel. Imagine que tenha ocorrido um incêndio causado por caso
fortuito ou força maior e que destrua o apartamento, o locador (credor da coisa) não poderá pleitear um
novo imóvel do locatário (devedor da coisa) que estava na posse do bem, ou o seu valor correspondente,
mas terá direito aos aluguéis vencidos e não pagos até o evento danoso.

b) Com culpa do devedor16


Se a coisa se perder, com culpa do devedor, antes da tradição, este responderá pelo equivalente, mais
perdas e danos.

Exemplo: Contrato de locação de imóvel. Imagine que tenha ocorrido um incêndio causado por culpa do
devedor que destrua o apartamento, o locador (credor da coisa) poderá pleitear um novo imóvel do locatário
(devedor da coisa) ou o seu valor correspondente, terá direito aos aluguéis vencidos e não pagos até o evento
danoso, ainda pode exigir perdas e danos.

12
CC, Art. 235. Deteriorada a coisa, não sendo o devedor culpado, poderá o credor resolver a obrigação, ou aceitar a
coisa, abatido de seu preço o valor que perdeu.
13
CC, Art. 236. Sendo culpado o devedor, poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se
acha, com direito a reclamar, em um ou em outro caso, indenização das perdas e danos.
14
CC, Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente
auferido, feita a atualização dos valores monetários.
15
CC, Art. 238. Se a obrigação for de restituir coisa certa, e esta, sem culpa do devedor, se perder antes da tradição,
sofrerá o credor a perda, e a obrigação se resolverá, ressalvados os seus direitos até o dia da perda.
16
CC, Art. 239. Se a coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais perdas e danos.
3
1.1.8. Deterioração da coisa em obrigação de restituir17
a) Sem culpa do devedor
Se a coisa restituível se deteriorar, sem culpa do devedor, o credor deverá recebê-la, da forma como
ela se ache, sem direito a indenização.

b) Com culpa do devedor


Se a coisa restituível se deteriorar, com culpa do devedor, este responderá pelo equivalente, mais
perdas e danos.

1.1.9. Melhoramentos e acréscimos em obrigação de restituir


a) Sem despesa para o devedor18
Se, no momento de restituir a coisa, tiver havido melhoramento ou acréscimo a esta, sem despesa ou
trabalho do devedor, lucrará o credor, desobrigado de indenização.

b) Com despesa para o devedor19


Se, no momento de restituir a coisa, tiver havido melhoramento ou acréscimo a esta, com despesa ou
trabalho do devedor, adota-se o mesmo em relação às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-
fé ou de má-fé.

- possuidor de boa-fé: tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis,


podendo exercer o direito de retenção até que seja indenizado. Em relação às
benfeitorias voluptuárias, se não lhe forem pagas, pode levantá-las, quando isso for
possível sem danificar a coisa (art. 1.219, CC).
- possuidor de má-fé: será ressarcido somente em relação às benfeitorias necessárias;
não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as
voluptuárias (art. 1.220, CC).

A Lei nº 8.245/1991 (lei de locações de imóveis) segue a mesma lógica nos artigos 35 e 3620.

1.1.10. Frutos em obrigação de restituir

- possuidor de boa-fé: tem direito aos frutos percebidos; os frutos pendentes ao tempo em
que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e
custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação (art. 1.214,
CC).

17
CC, Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se ache, sem direito
a indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239.
18
Art. 241. Se, no caso do art. 238, sobrevier melhoramento ou acréscimo à coisa, sem despesa ou trabalho do devedor,
lucrará o credor, desobrigado de indenização.
19
Art. 242. Se para o melhoramento, ou aumento, empregou o devedor trabalho ou dispêndio, o caso se regulará pelas
normas deste Código atinentes às benfeitorias realizadas pelo possuidor de boa-fé ou de má-fé. Parágrafo único. Quanto
aos frutos percebidos, observar-se-á, do mesmo modo, o disposto neste Código, acerca do possuidor de boa-fé ou de má-
fé.
20
Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo locatário, ainda
que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício
do direito de retenção.
Art. 36. As benfeitorias voluptuárias não serão indenizáveis, podendo ser levantadas pelo locatário, finda a locação, desde
que sua retirada não afete a estrutura e a substância do imóvel.
4
- possuidor de má-fé: responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos
que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé.
Todavia, tem direito às despesas da produção.

1.2. Obrigação de dar coisa incerta

É a obrigação que tem por objeto uma coisa indeterminada, pelo menos inicialmente, sendo ela
somente indicada pelo gênero e quantidade, restando uma indicação posterior quanto à sua
qualidade que, em regra, cabe ao devedor (art. 244)21. Mas, é importante entender que o devedor
não tem total liberdade para escolher, pois, apesar de não ser obrigado a dar a melhor coisa, ele
também não pode dar a coisa pior, em razão do princípio da equivalência das prestações.

1.2.1. Perda, deterioração, melhoramentos da coisa

Após a escolha feita pelo devedor, e tendo sido cientificado o credor, a obrigação genérica é
convertida em obrigação específica, passando a ser aplicada todas as regras previstas para a
obrigação de dar coisa certa22. Ademais, antes da concentração, em regra, não há que se falar em
inadimplemento da obrigação genérica23.

1.3. Obrigação de fazer24

Consiste em uma obrigação positiva, onde o sujeito passivo (devedor) se compromete a realizar um
serviço ou uma tarefa (conduta comissiva) ao sujeito ativo (credor). Esta obrigação não se resume à
entrega, restituição ou transferência da propriedade de um bem, ela envolve uma atividade
desenvolvida em benefício do credor.25

(i) Obrigação de fazer infungível

São obrigações personalíssimas ou intuito personae, pois apenas o devedor contratado pode realizar
a prestação, já que suas qualidades são essenciais para a atividade, inclusive, foi isso que despertou
no credor a vontade de estabelecer o vínculo jurídico. Portanto, outra pessoa não poderá substituir o
devedor e praticar a conduta objeto da prestação26.

→ Inadimplemento da obrigação de fazer infungível

Em regra, o inadimplemento desta obrigação gera para o sujeito passivo (devedor) o dever de
indenizar o credor pelas perdas e danos sofridos27.

21
O momento da escolha é denominado concentração.
22
Art. 245. Cientificado da escolha o credor, vigorará o disposto na Seção antecedente.
23
Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que por força maior ou
caso fortuito.
24
O procedimento é definido nos artigos 814 ao 823 do Código de Processo Civil.
25
Por exemplo: quando um pintor se obriga a pintar o muro de uma casa; quando o cantor se obriga a realizar um show;
quando um professor se obriga a ministrar aulas; quando um médico se obriga a realizar uma cirurgia em um paciente.
26
Ninguém é obrigado a receber prestação diferente da pactuada, ainda que mais valiosa (art. 313, CC).
27
CC, Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou
só por ele exequível.
5
Exemplo: suponha que os noivos (credores) tenham contratado uma banda (devedor) para tocar em seu
casamento. Se a banda não comparecer na data e hora avençados porque, por descuido, acabou agendando
outro show para o mesmo dia e horário, deverá reparar as perdas e danos sofridos pelos noivos .

Todavia, caso a prestação do fato se torne impossível, sem a culpa do devedor, a obrigação é
resolvida sem a necessidade de reparação dos danos28.

Exemplo: suponha que no exemplo anterior, a banda não compareceu na data e hora avençados porque, foi
sequestrada a caminho do evento, a obrigação não será cumprida por uma questão imprevisível causada
pelo ser humano, um caso fortuito.

(ii) Obrigação de fazer fungível

São obrigações impessoais, pois o devedor pode ser substituído por outra pessoa, sem prejuízo da
satisfação do interesse do credor29. É óbvio que, preferencialmente, caberá ao devedor contratado a
realização da atividade ajustada, porém, se outra pessoa o fizer, o credor ficará igualmente satisfeito30.
O que é mais importante na obrigação de fazer fungível é o resultado da atividade, e não as
qualidades pessoais do devedor.

→ Inadimplemento da obrigação de fazer fungível

Por se tratar de obrigação impessoal, caso a atividade não seja realizada pelo contratado, nasce para
o credor o direito de ajuizar uma ação para que o juiz mande outra pessoa executá-la à custa do
devedor, sem prejuízo da indenização cabível. 31

Exemplo: Uma pessoa contrata os serviços de outra para, em um mês, construir um muro de arrimo para
proteger a sua casa de praia do movimento da maré. Passado o prazo estabelecido e não cumprida a
obrigação, o credor poderá mover ação com obrigação de fazer em face do devedor para que ele construa
o muro ou para que o órgão jurisdicional autorize que outra pessoa faça a obra, com as despesas pagas pelo
devedor.

1.3.1. O caso da autotutela civil32

Sendo caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou


mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.33

Exemplo1: Considerando o caso acima, suponha que a meteorologia tenha avisado que no mês seguinte a
maré irá subir em proporções anormais, fato que pode comprometer a estrutura da casa do credor, se o muro
de arrimo não for logo construído. Nesse caso, o credor poderá, no exercício da autotutela, mandar construir
o muro e depois cobrar as despesas do devedor.

28
CC, Art. 248. Se a prestação do fato se tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por
culpa dele, responderá por perdas e danos.
29
Isso prestigia o princípio da conservação negocial que mantém íntima relação com o princípio da função social dos
contratos.
30
Por exemplo: suponha que o CONTRATANTE celebre com o CONTRATADO uma obrigação de fazer para consertar
um aparelho telefônico, se a assistência técnica a que o credor levou o aparelho não fizer o reparo, outra pessoa capacitada
poderá fazê-lo às expensas do devedor.
31
CC, Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor,
havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.
32
É normal encontrar a expressão “justiça com as próprias mãos” para se referir à autotutela.
33
CC, Art. 249. Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar
ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.
6
Exemplo2: Suponha que o ENGENHEIRO “A” tenha contratado a EMPRESA “Y” para fazer a laje de
concreto de um prédio. Considere que este procedimento requer planejamento, tempo e época precisos.
Neste sentido, a recusa ou a mora caracterizam a urgência, pois aguardar uma decisão judicial, ainda que
liminar, no caso concreto, poderá causar prejuízo de difícil reparação à própria estrutura do imóvel. Nesses
casos, justifica-se a autotutela.

Exemplo3: Suponha um contrato de seguro. A SEGURADA notificou à SEGURADORA sobre um sinistro


que danificou o seu caminhão utilizado para transporte de cargas, sendo certo que este é utilizado para
sua subsistência. Todavia, a SEGURADORA demora injustificada em proceder ao conserto do veículo.
Neste caso, a SEGURADA está autorizada a providenciar, por conta própria, o conserto do caminhão em
outra oficina.34

A autotutela é medida de exceção, razão pela qual não pode ser exercida de maneira abusiva,
devendo o credor comprovar a urgência.

1.3.2. Astreintes35

Consiste na multa aplicada pelo Judiciário ao devedor que não cumpre seu dever obrigacional. Tem
por finalidade, não a indenização do credor pelos eventuais prejuízos sofridos, mas sim constranger
ou persuadir o devedor a adimplir a obrigação. Na jurisprudência brasileira, o STJ entende que a
multa deve ser fixada em valor suficiente ao seu caráter intimidatório e coercitivo, sem, contudo,
superar o valor da obrigação principal.

Exemplo: Suponha que uma pessoa possua um plano de saúde e precise realizar uma cirurgia urgente, sob
risco de perder um dos rins. Porém, a operadora do plano de saúde indevidamente nega o pedido. Neste
caso, a solução mais adequada é que o plano de saúde cubra as despesas do paciente, pois o que ele
realmente deseja é o restabelecimento de sua saúde, e não a indenização pecuniária pelas perdas e danos
que vier a sofrer. Mas, como ninguém pode usar de força física para obrigar o devedor a cumprir a
sua obrigação, o direito civil prevê a possibilidade da fixação de multas aplicadas pelo juiz (astreintes),
cujo objetivo é forçar o devedor a cumprir com a sua obrigação.

No exemplo acima, o Judiciário pode impor ao devedor multa diária até que a cirurgia seja realizada
ou determinar que a cirurgia seja realizada por outro profissional/hospital, com as despesas pagas
pela operadora.36

1.3.3. Distinção entre obrigação de dar e obrigação de fazer

Aparentemente, a distinção entre obrigação de dar e obrigação de fazer parece simples: a obrigação
de dar envolve a prestação de uma coisa, enquanto a obrigação de fazer envolve a prestação de uma
atividade (tarefa ou serviço). A realidade, porém, é mais complexa, pois há zonas cinzentas entre as
duas modalidades das obrigações que por vezes dificultam a classificação.

Exemplo: suponha que o CONTRATANTE “A” tenha realizado um negócio jurídico com o
CONTRATADO “X”, cuja prestação seja a confecção de um quadro (fazer) para depois entregá-lo ao
credor (dar).

34
Caso similar a este foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja decisão está no Acórdão
70015650724. Disponível em: http://www.tjrs.jus.br/site/busca-solr/index.html?aba=jurisprudencia. Coloque o número
do acordão no campo “número do processo” e clique em buscar.
35
Essa expressão vem do direito francês.
36
Caso similar a este foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.186.851-MA. O item VI da decisão (páginas
09/10) trata da compatibilidade da fixação de astreintes com a obrigação de fazer. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/
processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1258338&num_registro=201000560971&data=2
0130905&formato=PDF
7
É possível observar no exemplo acima que há tanto um fazer quanto um dar. Em casos assim, deve
ser analisado qual o dever que prepondera na obrigação, ou seja, se o “dar” pressupõe um fazer, a
obrigação é de fazer. Pode-se, a princípio, afirmar que, se antes de entregar o bem, o devedor tiver
que elaborá-lo, confeccioná-lo, então a obrigação é de fazer. Portanto, no caso antes mencionado, a
solução é simples: ora, se o pintor, antes de entregar o quadro encomendado, precisa pintá-lo, a
obrigação é de fazer.

Em alguns casos, a obrigação de dar é uma consequência da obrigação de fazer, independe se o


devedor tem que confeccionar previamente a coisa. Nesses casos, a prestação da atividade prepondera
sobre o de dar coisa.

Exemplo: os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) tem obrigação de fornecer
gratuitamente medicamentos aos cidadãos vulneráveis. Esta prestação decorre da obrigação de prestar o
serviço de saúde adequado aos cidadãos, conforme determina o art. 196, da Constituição Federal37. Ela
inclui atendimentos médicos, ambulatoriais, realização de exames, internações e, também, o fornecimento
de medicamentos.

É possível notar no exemplo acima que a obrigação de dar medicamento, além de ser uma
consequência da prestação do serviço de saúde, independe de que a produção dos medicamentos tenha
sido realizada pelo hospital público.

Portanto, não é correto dizer que sempre que houver tradição da posse ou da propriedade, a obrigação
é de dar, eis que muitas vezes haverá tradição também em obrigações de fazer. O critério a ser
observado é se a prestação de dar é consectário lógico da obrigação de fazer ou não.

1.4. Obrigação de não fazer

Consiste em uma obrigação negativa, onde o sujeito passivo (devedor) se compromete a abster-se de
realizar uma atividade (conduta omissiva) em razão do vínculo obrigacional. Por isso, costuma-se
dizer que, em regra, as obrigações de não fazer são quase sempre, infungíveis, personalíssimas e
indivisíveis.

1.4.1. Obrigação de não fazer por determinação legal

Consiste em uma obrigação que tem origem na Lei, cuja prestação tem por objetivo uma abstenção
do devedor.

Exemplo1: O código civil preconiza que, na zona urbana, é proibido abrir janelas, fazer terraço ou varanda,
a menos de um metro e meio do terreno vizinho (art. 1.301) e, na zona rural, não será permitido levantar
edificações a menos de três metros do terreno vizinho (art. 1.303).

Exemplo2: O art. 22, III, “a”, da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), autoriza que o juiz proíba o
agressor de se aproximar da ofendida, seus familiares e testemunhas, podendo inclusive fixar limite mínimo
de distância entre estes e o agressor.

1.4.2. Obrigação de não fazer convencional

Consiste em uma obrigação ajustada pelas partes, cuja prestação tem por objetivo uma abstenção do
devedor.

37
Art. 196, CRFB/1988. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.
8
Exemplo: Suponha que o proprietário tenha desmembrado um terreno de praia para vender a parte dos
fundos. O comprador tinha a pretensão de construir uma casa de dois andares. Nesse sentido, foi feito um
contrato de compra e venda, onde uma de suas cláusulas previa que o proprietário da parte da frente deveria
se abster de construir imóvel de dois andares, pois isso inviabilizaria a vista para o mar da casa dos fundos.
No direito civil, essa configuração é chamada de servidão predial de vista 38.

1.4.3. Inadimplemento de obrigação de não fazer

O inadimplemento ocorre no exato momento em que o devedor pratica a conduta que tinha o dever
de não praticar.39

Exemplo: Considere que no exemplo acima, o proprietário tenha descumprido o acordo e esteja construindo
um segundo pavimento no imóvel da frente. Neste caso, o credor pode exigir judicialmente que o devedor
desfaça o ato. Caso ele não desfaça, o credor pode desfazer à sua custa, sendo ressarcido pelo culpado pelas
perdas e danos.40

1.4.4. Inadimplemento sem culpa do devedor

Caso se torne impossível de o devedor se abster do ato que se obrigou a não praticar, sem sua culpa,
a obrigação é resolvida sem a necessidade de reparação dos danos.41
Exemplo: Um famoso perfumista foi contratado para desenvolver uma nova fragrância pela Companhia
dos Perfumes. Foi pactuado entre o perfumista e a empresa que ele jamais revelaria a fórmula da nova
fragrância a terceiros. No dia aprazado, reuniu-se com os representantes da Companhia e entregou a fórmula
como avençado. Contudo, ao sair da reunião, o perfumista teve o seu veículo e acessórios roubados, dentre
os quais o notebook que utilizou para elaborar a fórmula. Dias depois, descobre-se que outra empresa de
perfumes teve acesso à fórmula em razão de os assaltantes terem conseguido acessar os dados do notebook
do perfumista. Observem que neste exemplo consta uma cláusula de confidencialidade, que foi
descumprida sem culpa do devedor, razão pela qual deve ser resolvida sem reparação de danos.
Exemplo: Considere que uma pessoa tenha se obrigado com outra a não demolir determinado imóvel
localizado próximo de uma encosta. Todavia, em razão de um deslizamento de terra, o imóvel fica
completamente destruído. Nesse sentido, em razão do fenômeno da natureza, o cumprimento da obrigação
se tornou impossível, sem a culpa do devedor.

1.4.5. O caso da autotutela civil

Sendo caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, desfazer ou


mandar desfazer o ato sem prejuízo do ressarcimento devido42.
Exemplo: O FEIRANTE 1 se compromete com o FEIRANTE 2 a não instalar uma barraca de pastéis na
feira que ocorreria no dia 05 de fevereiro, desde que o FEIRANTE 2 lhe pagasse R$ 500,00. O acordo foi
celebrado corretamente, todavia, no dia em que a feira se realizaria, o FEIRANTE 2 verifica que o
FEIRANTE 1 iniciou a instalação de sua barraca de pastéis para funcionar no mesmo local. O caso revela
a urgência, pois não existirá tempo de obter intervenção judicial e os danos correspondentes a seu lucro
naquele dia serão de difícil reparação, já que o FEIRANTE 1 era insolvente. Neste caso, o credor da
obrigação pode tomar as providências a seu alcance para impedir a infração contratual, por exemplo, pode
pedir para a administração da feira que imponha a abstenção ao dono da barraca de pastéis.

38
A servidão é considerada direito real, conforme art. 1.225, III do CC.
39
Art. 390. Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se
devia abster.
40
CC, Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o desfaça, sob
pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos.
41
CC, Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne impossível abster-
se do ato, que se obrigou a não praticar.
42
CC, Art. 251, Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente
de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido.
9

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