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RESUMO DE DIREITO CIVIL

OBRIGAÇÕES

PARTE III

DAS OBRIGAÇÕES DE DAR

1 - Conceito

“Obrigação de dar é aquela em que o devedor compromete-se a entregar uma


coisa móvel ou imóvel ao credor, quer para constituir um novo direito, quer para
restituir a mesma coisa a seu titular.” 1

Cumpre esclarecer, inicialmente, que a obrigação de dar não se constitui


especificamente na entrega efetiva da coisa, mas num compromisso de entrega da
coisa. A obrigação de dar gera apenas um direito à coisa e não exatamente um direito
real. A propriedade dos imóveis ocorre, quando derivada de uma obrigação, pela
transcrição do título no Registro de Imóvel; os móveis adquirem-se pela tradição, isto
é, com a entrega da coisa. Pelo sistema brasileiro, o vínculo obrigacional por si
só não tem o condão de fazer adquirir propriedade.

Como já estudado, quanto ao objeto a obrigação classifica-se em: obrigação de


dar, de fazer e de não fazer (duas positivas e uma negativa). A obrigação de dar
divide-se em: obrigação de dar coisa certa e de dar coisa incerta.

2- Das Obrigações de Dar Coisa Certa

O verbo dar deve ser entendido como ato de entregar. O devedor obriga-se a dar
coisa individualizada, que se distingue por características próprias, móvel ou imóvel.
Por essa razão, o credor de coisa certa não pode ser obrigado a, receber outra, ainda
que mais valiosa. Princípio pelo qual os contratos devem ser cumpridos tal qual foram
ajustados – pacta sunt servanda

CC Art. 313 – O devedor não pode, assim, modificar unilateralmente o objeto da


prestação. A recíproca também e verdadeira: o credor não pode exigir coisa diferente,
ainda que menos valiosa. Entretanto, pode haver concordância do credor em
receber una coisa por outra. A dação em pagamento (entrega de um objeto em
pagamento de dívida em dinheiro) - depende do expresso consentimento do credor
(CC. art. 356). CC Art. 373, II – vedada a compensação nos casos de comodato e
depósito.

CC. Art. 481 – Como já se afirmou, a obrigação de dar coisa certa confere ao
credor simples direito pessoal, e não real. Aperfeiçoado o contrato de compra e venda,
por exemplo, o vendedor não transfere desde logo o domínio: obriga-se apenas a
transmiti-lo. Não cumprida a obrigação, não pode o adquirente reivindicar a coisa, por
não ter-lhe o domínio. Terá de contentar-se com a ação de perdas e danos e com a

1
VENOZA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria
geral dos contratos. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. (Coleção direito civil; v.2)
p.58.
resolução da avença (CC. arts. 389 e 475).

CC. Art. 233 – "a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela
embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias
do caso". O acessório segue o principal. Nada obsta a que se convencione o contrário.
No silêncio do contrato quanto a esse aspecto, a venda de um terreno com árvores
frutíferas inclui os frutos pendentes; a de um veículo abrange os acessórios colocados
pelo vendedor etc. Pode o contrário resultar não só de convenção como de
circunstâncias do caso. Por exemplo: locação de imóvel que necessariamente não
abrange também a cesso de linha telefônica, salvo se expressamente exposto no
contrato; embora o alienante responda pelos vícios redibitórios, certas circunstâncias
podem excluir tal responsabilidade, como o conhecimento do vício por parte do
adquirente.

2.1. Obrigação de Restituir

“A obrigação de restituir, englobada pela lei dentro das obrigações de dar coisa
certa, é aquela que tem por objeto uma devolução de coisa certa, por parte do
devedor, coisa essa que, por qualquer título, encontra-se em poder do devedor, como
ocorre, por exemplo, no comodato (empréstimo de coisa infungível), na locação e no
depósito.” 2

As obrigações de entregar e de restituir serão estudadas em suas peculiaridades


nos tópicos a seguir.

2.2. Perda ou Deterioração da Coisa

Neste tópico é importante identificar:

A) Perda (perda total) ou Deterioração (perda parcial)


B) O momento da tradição da coisa - se antes ou depois;
C) A culpa – com ou sem;
D) Se pendente condição suspensiva.

Perecimento sem culpa:

CC. Art. 234 primeira parte e Art. 238 - Em caso de perecimento (perda total) da
coisa antes da tradição, é preciso, primeiramente, verificar se o fato decorreu de culpa
ou não do devedor. Não tendo havido culpa deste, ou pendente a condição
suspensiva, fica resolvida a obrigação para ambas as partes, que voltam à primitiva
situação, tanto na obrigação de entregar como na de restituir (CC. arts. 234, 1 a parte,
e 238). Assim, se o vendedor já recebeu o preço da coisa, que veio a perecer sem
culpa sua (em razão do fortuito ou da força maior, p. ex.), deve devolvê-lo ao
adquirente, em virtude da resolução do contrato, não estando obrigado a pagar perdas
e danos. Ex.: se o devedor se obrigou a entregar um cavalo e este vem a falecer por
ter sido atingido por um raio, no pasto, desaparece a obrigação, sem ônus para as
partes, devendo ambas voltar ao estado anterior. Se o cavalo já fora pago pelo
comprador, evidentemente deve ser devolvido o preço, com atualização da moeda. Se
o perecimento ocorreu pendente condição suspensiva, não se terá adquirido o direito
a que o ato visa (CC, art. 125), e o devedor suportará o risco da coisa.

2
VENOZA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral
dos contratos. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. (Coleção direito civil; v.2) p.64/65.
LEMBRE-SE: O alienante é proprietário até a tradição.

Na obrigação de restituir coisa certa ao credor, porém, prejudicado será este, na


condição de dono (res perit domino). Assim, se o animal objeto de comodato não
puder ser restituído, por ter perecido devido a um raio, resolve-se a obrigação do
comodatário, que não responderá por perdas e danos (exceto se estiver em mora, cf.
art. 399). suportando a perda o comodante, "ressalvados os seus direitos até o dia da
perda" (art. 238).

Perecimento com culpa:

CC. Art. 234 segunda parte e art. 239 – neste caso, havendo perecimento do
objeto, tem o credor direito a receber o seu equivalente em dinheiro, mais as perdas e
danos comprovadas, tanto na obrigação de entregar como na de restituir.

LEMBRE-SE: A culpa acarreta a responsabilidade pelo pagamento de perdas


e danos. E o que são perdas e danos???
Segundo Carlos Roberto Gonçalves3, perdas e danos “compreendem o dano
emergente e o lucro cessante, ou seja, além do que o credor efetivamente
perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”

Deterioração sem culpa:

CC. Art. 235 e Art. 240 primeira parte

Na obrigação de entregar, poderá o credor resolver a obrigação, por não lhe


interessar receber o bem danificado, voltando as partes, neste caso, ao estado
anterior; ou aceitá-lo no estado em que se acha, com abatimento do preço,
proporcional à perda.
Na obrigação de restituir, recebe-o no estado em que estiver, sem direito a
qualquer indenização.

Deterioração com culpa:

CC. At. 236 e Art. 240 segunda parte

Na obrigação de entregar - resolver a obrigação, exigindo o equivalente em


dinheiro, ou aceitar a coisa, com abatimento, mas com direito, em qualquer caso, à
indenização das perdas e danos.
Na obrigação de restituir – o credor também poderá exigir o equivalente em
dinheiro, mais perdas e danos.

2.3. Melhoramentos, acréscimos e frutos

Neste tópico é importante identificar:

A) O momento da tradição da coisa - se antes ou depois;

3
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume 2: teoria geral das
obrigações. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 55.
B) Boa-fé ou má-fé.

CC. Art. 237

Enquanto não ocorrer a tradição, a efetiva entrega da coisa, esta pertence ao


devedor e, por conseqüência, os melhoramentos e acrescidos pertencerão a eles.

“Art. 237. Até a tradição pertence ao devedor a coisa, com os seus


melhoramentos e acrescidos, pelos quais poderá exigir aumento no preço; se o
credor não anuir, poderá o devedor resolver a obrigação.

Parágrafo único. Os frutos percebidos são do devedor,


cabendo ao credor os pendentes.

LEMBRE-SE: se o devedor promoveu acréscimo ou melhoramento com


evidente má-fé, para tumultuar o negócio, ou dele obtiver proveito, é claro
que o princípio não poderá prevalecer.

Na obrigação de restituir: CC. Art. 241 – como a coisa já pertence ao credor,


aumentado de valor, lucrará o credor, se não concorreu para o acréscimo o devedor.
Ex.: Na Locação a casa que, em razão da localidade, aumenta de valor.
CC. Art 242 – caso a coisa sofra melhoramento ou aumento em decorrência de
trabalho ou dispêndio do devedor, o regime será o das benfeitorias (CC. Art. 92).
Estando de boa fé – o devedor terá direito aos aumentos e melhoramentos
necessários e úteis. Os voluptuários se não for pago o respectivo valor, poderá o
devedor levantá-los, desde que não haja detrimento da coisa. Direito de retenção, o
que detém a coisa, legitimamente, pode manter essa retenção até que seja indenizado
das despesas e acréscimos que fez. Estando de má fé – só terá direito à indenização
pelos acréscimos necessários, não devendo ser ressarcido pelos melhoramentos
úteis, nem podendo levantar os acréscimos voluptuários (Art. 1.220).

Assim, por exemplo, se o objeto da obrigação for um animal, e este der cria, o
devedor não poderá ser constrangido a entregá-la. Pelo acréscimo, tem o direito de
exigir aumento do preço, se o animal não foi adquirido juntamente com a futura cria.
Também os frutos percebidos são do devedor, cabendo ao credor os pendentes.

3- Das Obrigações de Dar Coisa Incerta

Neste tópico é importante identificar:

A) Concentração - ato unilateral de escolha;


B) A quem compete a escolha, credor ou devedor;

CC. Art. 243 - A coisa incerta será indicada, ao menos, pelo gênero e pela
quantidade. É, portanto, indeterminada mas determinável. Falta apenas determinar
sua qualidade.

LEMBRE-SE: se faltar também o gênero, ou a quantidade, a indeterminação


será absoluta, não gerará obrigação.

CC. Art. 245 - a determinação dá-se pela escolha. Feita esta, e cientificado o
credor, acaba a incerteza, e a coisa torna-se certa, vigorando, então, as normas das
obrigações de dar coisa certa.

Para que a obrigação se concentre em determinada coisa não basta a escolha.

LEMBRE-SE: é necessário que a escolha se exteriorize pela entrega, pelo


depósito em pagamento, pela constituição em mora ou por outro ato jurídico
que importe a cientificação do credor (Código de Processo Civil arts. 629,
630 e 631).

Escolha:

CC. Art. 244 – compete ao devedor se o contrário não resultar do título da


obrigação. Só competirá ao credor se o contrato assim dispuser. Sendo omisso,
pertencerá ao devedor. Se convencionado poderá ser por terceiro estranho à relação
obrigacional.

Limites da escolha - não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a prestar a
melhor. Deve guardar o meio-termo entre os congêneres da melhor e da pior
qualidade.

LEMBRE-SE: deve o devedor colocar a coisa à disposição do credor, pois só


assim, o devedor se exonera da obrigação, caso haja perda da coisa.

CC. Art. 246 - antes da escolha (a definição somente se completa com a


cientificação do credor), "não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa,
ainda que por força maior ou caso fortuito", pois o gênero nunca perece (genuns
nunquam perit).

Gênero limitado, ou seja, circunscrito a coisas que se acham em determinado


lugar (animais de determinada fazenda, cereais de determinado depósito etc.). Neste
caso o perecimento sem culpa de todas as espécies que o componham acarretará a
extinção da obrigação.

BIBLIOGRAFIA

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume 2:


teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2004.
VENOZA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações
e teoria geral dos contratos. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. (Coleção
direito civil; v.2).

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito civil: teoria


geral das obrigações. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v.2.

MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, v.4:


direito das obrigações, 1ª Parte: das modalidades, das obrigações,
dos efeitos das obrigações, do inadimplemento das obrigações.
32.ed. atual. Por Carlos Alberto Dabus Maluf. São Paulo: Saraiva,
2003.
ANEXO I

JURISPRUDÊNCIA TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS

EMENTA: AÇÃO RESSARCITÓRIA - ACIDENTE DE TRÂNSITO -


PROPRIE-TÁRIO DO VEÍCULO - ALIENAÇÃO DO BEM ANTES DO
EVENTO DANOSO - AUSÊNCIA DE TRANSFERÊNCIA JUNTO AO
DETRAN - ILEGITI-MIDADE PASSIVA AD CAUSAM. - Embora a
presunção juris tantum de ser proprietário do veículo causador do
acidente milite contra aquele em cujo nome está re-gistrado o bem no
Detran, será este tido como parte ilegítima para figurar no pólo passivo
da ação ressarcitória, se comprovou nos au-tos ter ocorrido a
TRADIÇÃO do veículo para aquele que foi qualifi-cado como
comprador, antes da data do evento danoso. Recurso não provido.
(TJMG processo: 2.0000.00.370559-5/000).

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