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Compra e venda de bens onerados – artigo 905º do CC

O vendedor, tanto no caso de alienação de coisa genérica, como específica, está adstrito a
efetuar uma prestação sem defeito, a entregar uma coisa conforme ao disposto no contrato, pois
só desse modo se satisfaz o interesse do comprador.

Ideia da lei é que quando alguém celebra contrato que implique a transmissão de um direito
que se encontre onerado ou com limitações desconhecidas pelo comprador, este comprador tem
uma série de direitos.

O que caracteriza a venda de bens onerados é a existência de ónus ou limitações no direito


transmitido. Esses ónus ou limitações constituem vícios do direito, afetando assim a situação
jurídica (e não as qualidades fácticas da coisa) por excederem os limites normais inerentes aos
direitos da mesma categoria.

Não é qualquer ónus ou limitação existente que permite a aplicação deste regime, apenas
aqueles que normalmente não se verificam aquando da transmissão deste tipo de direitos.

Compreendem-se direitos reais de gozo menores ou de garantia sobre a coisa vendida. Não
se enquadram aqui as restrições normais derivadas das relações de vizinhança (art. 1346º e ss.).

Efeitos da Venda de Bens Onerados

Baseia-se na atribuição de sucessivos remédios ao comprador.

1. Anulabilidade do Contrato por Erro ou Dolo

Primeiro direito do comprador é o de se considerar não vinculado ao contrato – anulação do


contrato, dando-se por não celebrado o contrato nos termos gerais da anulabilidade. ➢ Solução
destrutiva que muitas vezes não interessa ao comprador – mas faz sentido que seja uma
alternativa dada ao comprador.

Artigo 905º do CC

A. “ónus ou limitações” – produto da aplicação de regras jurídicas que, de alguma forma,


comprimem o conteúdo do direito adquirido pelo comprado.

ÓNUS = resulta de direitos adquiridos sobre outros direitos (ex: usufruto sobre a
propriedade). No caso dos direitos reais menores que oneram o direito real maior são, sem
dúvida ónus. Mas também há direitos pessoais de gozo que podem onerar (ex: posição do
arrendatário permanece e a do senhorio é transmitida para o novo adquirente, que tem de
respeitar o contrato de arrendamento).

LIMITAÇÕES = regras jurídicas que comprimem ou limitam o direito transmitido. Há juízo


adicional para perceber se estamos perante regra geral que delimita o conteúdo do direito, mas
feito em termos normais, que devem ser esperados pelo comprador, ou uma limitação anormal
(ex: transmissão da propriedade sobre imóvel; pagamento de IMI é limitação ao direito de
propriedade, mas tal não é anormal e não fundamenta a conclusão de compra e venda de bens
onerados).

B. Quando é que a compra e venda de bens onerados atribui ao comprador o direito de


requerer judicialmente a anulação do negócios?

Caso de erro – essencialidade e cognoscibilidade dessa essencialidade para o declaratário


(art. 251º e 257º). Tem de demonstrar que sem aquele erro não se celebraria o negócio; ou não
se celebraria naqueles termos.

Caso de dolo – basta que tenha sido determinante da vontade do declarante (art. 254º/1)
salvo se provier de terceiro, caso em que se exige igualmente que o destinatário conhecesse ou
devesse conhecer a situação (art. 254º/2).

C. Têm de se verificar os requisitos legais da anulabilidade para que seja anulado o contrato
não é preciso que comprador demonstre que não celebraria aquele negócio. Basta
demonstrar que não compraria por aquele preço.

Convalescença eventual do contrato

Lei permite convalescer o negócio – art. 906º. Aplica-se independentemente da vontade das
partes (art. 906º/1) – desvio da ideia geral do regime do erro do negócio jurídico. O art. 906º/1
desvia-se da regra do art. 288º, que estabelece que a extinção do vício não sana
automaticamente a anulabilidade, apenas permite ao interessado confirmar o negócio se assim o
entender.

Posterior extinção retira ao comprador o interesse em solicitar a anulação do negócio, pelo


que estabelece automaticamente a sua convalescença, em caso de ocorrer a extinção dos vícios
do direito. Solução artificial que depende de a posição do comprador não ter sido afetada em
consequência dos vícios do direito.

Por isso a lei estabelece que a anulabilidade persiste nos casos de haver prejuízo ou já ter
sido pedida a anulação (art. 906º/2). Solução automática pode acabar por prejudicar o
comprador – como nos casos em que já pôs em marcha a solução da destruição do negócio – aí
permanece anulável (art. 906º/2).

2. Convalescença Obrigatória do Contrato e Cancelamento de Registos – art. 907º

Comprador, perante contrato inválido tem 2 grandes opções:

 Ou o anula e destrói;
 Ou mantem-no, exigindo ao vendedor a obrigação de fazer CONVALESCER o
contrato

Comprador pode requerer, em lugar da anulação do contrato, a expurgação dos ónus ou


limitações. Só é possível se tiver existido erro do comprador relativamente à existência desses
ónus ou limitações – se tivesse conhecimento, tal significaria que o bem tinha sido vendido
nessas condições e o preço fixado tomando em consideração a desvalorização que os ónus ou
limitações implicam.

Nos casos de ónus ou limitações que não dependem unilateralmente da vontade do vendedor
para cessar, jurisprudência e doutrina entendem que nesse caso não há obrigação de fazer
convalescer o contrato.

Só há obrigação de convalescença quando o vendedor o possa fazer voluntaria e


unilateralmente: Vendedor não pode fazer convalescer o contrato que não depende dele e
Vendedor não fica sujeito à indemnização do art. 910º.

3. Indemnização

Legislador estabelece 3 fundamentos para uma indemnização

A. Indemnização em caso de dolo – art. 908º

• Dolo no sentido do art. 273º que significa “má-fé” – não pressupõe apenas ilícito
intencional mas também o praticado com negligência consciente.

i. Dissimulação pelo vendedor dos ónus ou limitações existentes na coisa através do emprego
de sugestões ou artifícios com o fim de enganar ou manter em erro o comprador.

• Indemnização pelos danos que não ocorreriam se o contrato não tivesse sido celebrado –
interesse contratual negativo que é solução típica da culpa in contrahendo (art. 227º).
i. Permite abranger tantos os danos emergentes como os lucros cessantes (incluindo os
prejuízos causados pela privação do capital, correspondente ao pagamento do preço, na
aplicação de uma opção mais vantajosa.

B. Indemnização em caso de simples erro – art. 909º

• Responsabilidade objetiva do vendedor

i. Fundamento desta responsabilidade é o pressuposto de que o vendedor, no momento em


que procede à venda do bem, dever garantir, independentemente de culpa sua, que o bem
vendido se encontra livre de ónus ou encargos, respondendo pelos danos causados se tal não se
verificar.

• Responde pelos danos emergentes apenas, não pelos lucros cessantes.

i. Considera-se que os danos emergentes abrangem as despesas voluptuárias.

C. Indemnização por incumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato – art. 910º

• Art. 907º estabelece obrigação (art. 397º) estando sujeito ao art. 798º e ss., 801º e ss., 804º
e ss.

• Comprador pode manter o contrato e exigir que o vendedor elimine o ónus ou limitação e
enquanto vendedor não fizer, comprador pode exigir indemnização.

• Como se calcula o valor da indemnização devida em caso de incumprimento? nos termos


gerais, interessa contratual positivo. Se se optar por anulação: art. 908º e 909º. Se se optar por
convalescer: art. 910º.

Redução do Preço – art. 911º

Aparece como alternativa à anulação do contrato em consequência do erro ou do dolo (art.


905º) – alternativa é imposta ao comprador sempre que se possa comprovar que os ónus ou
limitações não influiriam na sua decisão de adquirir o bem, mas apenas no preço que ele
pagaria.

Cabe ao vendedor, pretendendo a subsistência do contrato, o ónus da prova de que o


comprador teria igualmente adquirido os bens por preço inferior. Comprador pode solicitar
imediatamente a redução do preço, caso esteja apenas interessado nesta e não na anulação do
contrato, podendo também fazê-la a título subsidiário.

Art. 905º/2 implica que a redução do preço vai excluir a anulação (art. 905º), a obrigação de
fazer convalescer (art. 907º).
Escolhendo a redução, comprador terá direito à própria redução do preço e à indemnização,
que terá conteúdo variável, consoante exista dolo do vendedor (art. 908º) ou simples erro (art.
909º). Também é opção conservatória, mas, é conservatória modificando o contrato.

A compra e venda de bens onerados

A venda de bens onerados aplica-se às situações em que incidem, sobre o bem transmitido,
ónus que excedam os limites normais de direitos da mesma categoria (exemplos: servidão de
passagem; contrato-promessa com tradição da coisa, contrato de locação, hipoteca, etc.).

Nestes casos, aplica-se o regime previsto nos artigos 905º e ss. Esta modalidade corresponde,
genericamente, a um cumprimento defeituoso. Este regime, tem, no entanto, restrições:

a) O ónus tem de ser concomitante com a celebração do contrato.


b) Não se aplica quando os ónus ou limitações estiverem dentro dos limites normais
inerentes a direitos daquela categoria.

A função da regulação desta perturbação é proteger o adquirente, com vista a que este não
fique sujeito a limitações provenientes de direitos de terceiro. Só se aplica, assim, em caso de
desconhecimento do comprador – ou seja, não se aplica se houver comunicação por parte do
vendedor.

As consequências jurídicas – a resolução

O regime 905º prevê: anulabilidade do contrato, fundada em erro ou dolo. O prof. Romano
Martinez entende, no entanto, que não se trata de uma remissão para o regime geral do erro ou
do dolo (247º e ss.) nem para o regime da anulabilidade (285º e ss.) – antes se deve remeter para
a resolução. Porquê?

1. Ao regime do erro e do dolo não se aplica as consequências previstas na Secção em


causa (expurgação do ónus, redução do preço ou pedido de indemnização – estas
coadunam-se com o regime geral do incumprimento).
a. O regime do erro não se coaduna com a eliminação, substituição, redução ou
indemnização.
b. O cumprimento defeituoso, enquanto regime, procura reequilibrar as partes: não
sendo possível, então poder-se-á por termo ao contrato.
2. Não se está perante um problema de invalidade negocial: antes perante um cumprimento
defeituoso.
3. A errónea representação da realidade (erro ou dolo) não se harmoniza com a
convalescença do contrato: a possibilidade de convalidação está prevista para o erro e
para o dolo, mas depende do errante (288º) e não do que causou o erro (como ocorre na
venda de bens onerados).
4. O regime do erro não se coaduna com a perda do direito de anulação, se o vicio se
houver sanado.
5. Se a coisa for genérica: não há erro, mas só cumprimento defeituoso.

Assim o artigo 905º deve ser interpretado em duas vertentes: (1) o comprador não pode pôr
termo ao contrato com base em defeito de que tenha, ou pudesse ter tido conhecimento, no
momento da celebração do contrato; (2) só se justifica a cessação do vínculo se a violação for de
tal modo grave que não permita a manutenção do negócio.

As consequências jurídicas - Convalescença do contrato

A convalescença vem prevista no artigo 906º: pretende-se sanar o vício através da sua
remoção. Esta obrigação recai sobre o vendedor que, sem dar conhecimento à outra parte,
vendeu um bem onerado. Em termos gerais:

1. O pedido de resolução não está dependente da exigência do dever de eliminar o defeito


não satisfeita (905º).

2. Sanado o vício (feita de acordo com o art. 907º), pode ser requerida a resolução, se o
prejuízo derivado do ónus ou limitação já tiver sido causado (906º/2).

3. O incumprimento desta obrigação conduz a responsabilidade civil, impondo o pagamento


de indemnização (art. 910º).

As consequências jurídicas – redução do preço

O pedido de redução do preço vem previsto no artigo 911º: regula-se pelo disposto no artigo
884º.

As consequências jurídicas – obrigação de indemnizar

A obrigação de indemnizar pode assentar em duas causas:

(1) culpa do vendedor, nos termos do art. 908º do CC;


(2) responsabilidade objetiva, nos termos do art. 909º do CC.

Quando derive da culpa (1), é importante ter em conta que a noção de dolo tem por
referência uma forma agravada de erro, ou seja, abarca, quer o dolo em sentido próprio, quer a
negligência. Para além disto, esta indemnização engloba todos os danos que integram o
interesse contratual negativo.

Quando derive de responsabilidade objetiva (2), a indemnização só abrange os danos


emergentes, incluindo as despesas voluptuárias (artigo 909º e artigo 899º).

Nota: estas obrigações de indemnização podem ser cumuladas com a que resulta do não
cumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato.

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