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Uma das formas de transformar em dinheiro determinado bem móvel ou imóvel, no curso do
processo de execução ou fase de cumprimento de sentença e, após concluída a respectiva
avaliação, reside na alienação, a qual pode ser realizada judicialmente por meio de leilão.
Em outras palavras, por vezes ao exequente não lhe interessará adjudicar o bem penhorado e,
por outro lado, necessário se faz encontrar alguém disposto a adquirir referido bem
judicialmente por meio de leilão, a depositar nos autos o valor do lance vencedor, observadas
as regras previstas nos arts. 879 a 903 do CPC.
Tal ato processual por vezes praticados por um terceiro contribui para a satisfação da tutela
executiva ao dar liquidez a um bem que não interessaria ao credor adjudicar, tudo isso em
procedimento coordenado pelo juízo que preside a execução. Assinado o auto de
arrematação, será expedida carta de arrematação ao terceiro que, depositando em juízo o
valor do lance vencedor e comissão do leiloeiro, tornar-se-á o novo proprietário de referido
bem.
Ocorre que, por vezes, não obstante a arrematação perfeita e acabada, (i) pode emergir
controvérsia acerca de eventual nulidade do leilão em desrespeito ao procedimento previsto
nos arts. 879 a 903 do CPC ou, ainda, (ii) o reconhecimento de nulidade anterior a tal
procedimento e reconhecida posteriormente, a exemplo de nulidade de citação ou outros
vícios processuais. Ainda, poderia ocorrer a situação de julgamento de procedência dos
embargos do devedor com o intuito de extinguir a execução ou cumprimento de sentença,
muito embora já ultimada a arrematação do bem expropriado em favor de um terceiro, que
inclusive já havia depositado em juízo o valor de referido bem.
O CPC/73 previa que assinado o auto de arrematação, esta tornar-se-á perfeita e acabada,
ainda que julgados procedentes os embargos do devedor.
Por sua vez, o CPC/2015, não obstante prever disposição semelhante (e desde que não
provocado o juízo em dez dias após a arrematação ou suscitado vício inerente ao
procedimento de leilão)1, foi além, para também assegurar a irretratabilidade da arrematação
não obstante reconhecido, a posteriori, eventuais vícios aptos a invalidar a arrematação já
consolidada.
Com isso, não obstante emergir o reconhecimento de vício processual, tal ato não tem o
condão de macular a arrematação, a prejudicar o arrematante, estranho a lide e que, tão-
somente contribuiu para transformar determinado bem em dinheiro no seio da tutela
executiva. O quadro abaixo bem elucida o comparativo do CPC/2015 com o regime previsto no
CPC/73:
Art. 694. Assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou
leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a
ser julgados procedentes os embargos do executado.
III - quando o arrematante provar, nos 5 (cinco) dias seguintes, a existência de ônus real ou de
gravame (art. 686, inciso V) não mencionado no edital;
Art. 903. Qualquer que seja a modalidade de leilão, assinado o auto pelo juiz, pelo
arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será considerada perfeita, acabada e irretratável,
ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma
de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos
sofridos.
III - resolvida, se não for pago o preço ou se não for prestada a caução.
§ 2º O juiz decidirá acerca das situações referidas no § 1º, se for provocado em até 10 (dez)
dias após o aperfeiçoamento da arrematação.
§ 3º Passado o prazo previsto no § 2º sem que tenha havido alegação de qualquer das
situações previstas no § 1º, será expedida a carta de arrematação e, conforme o caso, a ordem
de entrega ou mandado de imissão na posse.
I - se provar, nos 10 (dez) dias seguintes, a existência de ônus real ou gravame não
mencionado no edital;
III - uma vez citado para responder a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, desde
que apresente a desistência no prazo de que dispõe para responder a essa ação.
"O Novo Código de Processo Civil extinguiu, pois, a figura dos embargos de segunda fase
(embargos à arrematação, alienação e adjudicação), previstos no art. 746 do CPC/73 e, no seu
lugar, previu essa ação autônoma que, por expressa disposição do caput, mesmo que bem
sucedida, não terá o condão de refletir no desfazimento da arrematação, alienação ou
adjudicação. Nesse passo, após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega,
não será mais admitida a discussão da arrematação, alienação ou adjudicação dentro do
processo executivo. Eventual vício terá de ser arguido em ação autônoma. Trata-se de técnica
que, a nosso ver, visa a conferir mais segurança e atratividade às formas de expropriação."
(WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Primeiros comentários ao novo código de processo civil:
artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, grifos nossos)
"O caput do art. 903 tem por escopo dar efetividade e segurança às hastas públicas, dispondo
que 'assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo leiloeiro, a arrematação será
considerada perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os
embargos do executado ou a ação autônoma de que trata o § 4º deste artigo, assegurada a
possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos'.
(...)
Correta a posição do legislador porque ao Estado compete preservar a regularidade das
alienações judiciais, não podendo o arrematante, em relação ao bem arrematado, ficar à
mercê do resultado dos embargos do devedor ou pior, de interminável ação autônoma em que
se pretende a invalidade da arrematação. Na verdade, ao licitante interessa adquirir o bem
anunciado livre e desembaraçado, e dar-lhe a destinação econômica que lhe aprouver, não se
tornar proprietário de um bem sub judice, objeto de processo judicial, de resultado incerto, e
que ordinariamente envolve custos elevados. Na medida em que, às vezes, é inevitável que se
instaure uma demanda acerca da arrematação, compete ao Estado, no mínimo, preservar a
alienação judicial, resolvendo-se eventual direito reconhecido em reparação de danos.
(...) depois de fluído o prazo de dez dias para impugnação (§ 2º), ou resolvidas
conclusivamente as objeções suscitadas em tal prazo, entregue o bem (se móvel), ou imitido
na posse o arrematante (se imóvel), e expedida a correspondente carta, é que a arrematação
estará efetivamente concluída. Não obstante, o sossego do arrematante pode não terminar aí,
porque o § 4º estabelece que 'após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de
entrega, a invalidação da arrematação poderá ser pleiteada por ação autônoma, em cujo
processo o arrematante figurará como litisconsorte necessário'. O resultado dessa ação, no
entanto, não afetará a validade e eficácia da arrematação, que subsistirá incólume, ficando
apenas assegurada a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos, como está na parte
final do caput."
(SANTOS, Silas Silva [et al.]. Comentários ao código de processo civil: perspectiva da
magistratura. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 903/904, grifos nossos)
"Com isso, se ao final dos embargos à execução for verificado que o título não era hábil a
iniciar a execução, a arrematação já realizada é preservada, resolvendo-se a questão em
perdas e danos."
(BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao código de processo civil - volume 3. São Paulo:
Saraiva, 2017, p. 765, grifos nossos)
"Ocorre que, em relação a quaisquer vícios que não sejam aqueles intrínsecos ao
procedimento do leilão judicial, seu reconhecimento não autorizará o desfazimento da
arrematação, como estabelece de forma explícita o art. 903, caput, restando ao interessado a
indenização por perdas e danos, à semelhança do que se verifica para os casos de acolhimento
superveniente da impugnação ao cumprimento de sentença e dos embargos do executado. Em
síntese, portanto, quaisquer matérias não apreciadas com cognição exauriente na execução
poderão ser veiculadas mediante ação autônoma, mas unicamente os vícios intrínsecos ao
procedimento do leilão judicial (v. item 6, supra) autorizam o desfazimento excepcional da
arrematação."
(GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Execução e recursos: comentários ao CPC 2015. 1 ed., São
Paulo: Método, 2017, p. 454, grifos nossos).
"Uma vez assinado o auto pelo juiz, pelo arrematante e pelo serventuário da justiça ou
leiloeiro, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, 'ainda que venham a
ser julgados procedentes os embargos do executado ou a ação autônoma' prevista no § 4º do
art. 903, assegurando-se, contudo, 'a possibilidade de reparação pelos prejuízos sofridos' (CPC,
art. 903, caput).
(GIANNICO, Maurício. Comentários ao código de processo civil: volume XVIII. São Paulo:
Saraiva Educação, 2018, p. 150, grifos nossos)
E, a luz da inovação posta, o tratamento da questão pelo Poder Judiciário não foi diferente, a
imprimir maior segurança ao terceiro de boa-fé, arrematante de bem em leilão judicial, de
sorte a impedir seja este prejudicado por ulterior nulidade ou fato que macule o
prosseguimento da perseguição do crédito pelo então exequente:
(...)
Com efeito, o respeito ao ato jurídico perfeito e à segurança jurídica do adquirente de boa-fé,
se impõe, uma vez que o imóvel foi arrematado por terceiro de inequívoca boa-fé e proferida
decisão convalidando a arrematação (fls. 189), determinando o respectivo registro na
matrícula do bem e expedido o mandado de imissão de posse.
Assim, não é admissível que uma venda realizada com autorização expressa do Poder
Judiciário e por ele próprio levada a efeito (inclusive com força de permitir a averbação na
matrícula do bem para que passe a constar o adquirente como efetivo proprietário da coisa),
possa ser desfeita em manifesto prejuízo a terceiro de boa-fé.
Se o autor, em tese, sofreu algum indevido prejuízo por ato que possa ser imputado ao
condomínio-réu, cabe a ele, a esta altura dos acontecimentos, buscar seu ressarcimento
apenas em face da credora, mediante a comprovação da existência de perdas e danos.
Não se afigura razoável, para dizer o mínimo, que seja agora violada a segurança jurídica que
naturalmente decorre da arrematação judicial, sendo inclusive a sua razão de ser, e,
especialmente, prejudique-se a boa-fé que ampara o terceiro adquirente."
(TJSP; Apelação Cível 1027502-50.2017.8.26.0405; Relator Des. Claudio Hamilton; 25ª Câmara
de Direito Privado; j. 14/11/2018; grifos nossos)
Não se nega a pretensão do devedor, prejudicado por uma execução infundada - e tornada
nula após a arrematação - valer de seus direitos contra o açodamento do ato executivo
praticado pelo exequente. Todavia, ao terceiro arrematante, alheio à lide e que somente
adquiriu o bem judicialmente (mercê em procedimento de leilão coordenado pelo próprio
Poder Judiciário), a este deve ser preservado os efeitos da arrematação e direito de
propriedade pela qual depositou o respectivo valor em juízo ao sagrar-se vencedor no
certame.
__________
1 A rigor do quanto previsto no § 2º, do art. 903 do CPC/2015. Caso o vício inerente ao
procedimento de leilão não seja suscitado em dez dias após a arrematação, caberá a
propositura da ação prevista no § 4º, do art. 903, do CPC/2015.
link: https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na-pratica/313238/o-art--903-do-cpc-2015-e-
a-arrematacao-perfeita-e-acabada