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i. Decisão de punir
Devemos decidir face às finalidades da punição.
ii. Escolha da pena
A culpa tem uma função restritiva: A culpa como censura da pessoa do agente (censura da sua
vontade ou da sua conduta) não justifica a pena nem a sua medida judicial, apenas impede que
razões preventivas justifiquem uma pena não proporcionada à da culpa do agente.
Em 1982 a culpa era o princípio unificador do sistema, existindo uma ideia de culpa na formação
da personalidade e existindo uma “pena indeterminada”. Esta pena indeterminada esvaziou o
pensamento político-criminal.
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AUTONOMIZAÇÃO DA PENA DE MULTA RELATIVAMENTE À PENA DE
PRISÃO
A pena de multa é agora uma multa principal alternativa à pena de prisão num grande
número de tipos legais.
i. Desaparecimento das penas cumulativas de prisão e multa.
ii. Introdução de penas de multa alternativas nos crimes contra o património.
iii. É suprimida a condenação em prisão sempre que seja aplicada uma multa.
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REFORÇO DA PREFERÊNCIA PELAS MEDIDAS NÃO PRIVATIVAS DA
LIBERDADE EM ALTERNATIVA À PENA DE PRISÃO ATÉ SEIS MESES
(PRINCÍPIO DA EQUIVALÊNCIA ENTRE A MULTA E OUTRAS PENAS NÃO
PRIVATIVAS DE LIBERDADE)
Art. 44º/1: A rejeição de penas curtas de prisão é acentuada pela inclusão de outras medidas
alternativas.
Todavia, a equivalência entre a multa e outras penas não restritivas da liberdade suscita vários
problemas de concretização:
A pena de prisão até seis meses que deva ser substituída por uma medida não privativa da
liberdade é preferencialmente substituída mediante multa ou prestação de trabalho?
O facto de a prestação de trabalho poder ser requerida pelo condenado no processo de
substituição da multa (alternativa à prisão até 6 meses) implica que a prestação de trabalho seja
prevalecente.
Por outro lado, a recomendação da substituição de pena até 1 ano por prestação de trabalho
reforça a ideia de que na prisão até 6 meses a prestação de trabalho prevalece.
Assim, a revisão de 1995, tendeu para uma elevação das penas (abrangendo a própria pena
de prisão). Em 82, o pensamento jurídico-criminal mantinha uma perspetiva cética relativamente
à pena de prisão e apostava antes numa redução dos seus limites.
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A preferência pelas penas não restritivas da liberdade, quando estiverem satisfeitas as
finalidades preventivas da punição, revela que o sistema se tem reconstruindo, afirmando
agora duas tendências inconciliáveis:
i. Agravação das penas.
ii. Preferência pelas penas não privativas da liberdade.
Como se supera estas duas ideias? Reserva da pena de prisão para situações
justificadas por razões preventivas. Porém, a prevenção não parece englobar um
pensamento de limites de eficácia da pena de prisão (como acontecia em 82).
Art. 65º nº2: Proibição do exercício de direitos e profissões como pena desde que tal se adeque
à natureza do ilícito.
Dá-se um novo passado no sentido de abrir o sistema a novas modalidades punitivas e reforça-
se o critério legitimador da adequação da espécie de pena à natureza do ilícito.
iii. Preferência pela multa ou outra pena não privativa de liberdade face às penas de
prisão até um ano.
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Art. 70º: A falta de hierarquização entre a prevenção geral e a prevenção especial
demonstra um modelo de decisão flexível sobre as penas. Esta flexibilidade deverá ser
disciplinada pelo pensamento valorativo do sistema, de modo a não permitir uma regulação
arbitrária pelos aplicadores do Direito.
Note-se que um modelo preventivo orientado pela eficácia do sistema tem dificuldades
em compatibilizar-se com os princípios de justiça (igualdade na punição, merecimento ético da
pena e a mitigação da responsabilidade individual pela responsabilidade social).
iii. A pena não privativa tem de ser condicionada pela igualdade na medida em que não
punir com a pena de prisão quem menos condições teve de escolher alternativas de
conduta, investido em meios de reintegração social, seja entendido como uma
discriminação positiva coberta pelo princípio constitucional (art. 13º) e um modo
próprio de a sociedade assumir a sua responsabilidade, suportando as exigências de
penas não privativas de liberdade.
A decisão sobre a pena pressupõe uma relação não linear entre a pena e a prevenção
do crime. Esta perspetiva não significa uma distinção de classes de agentes e uma abstração da
pessoa que justificaria a opção pela pena não privativa da liberdade par as pessoas mais
desfavorecidas e a insistência da pena de prisão para as pessoas mais favorecidas socialmente, A
medida da igualdade e da ajustiça no que diz respeito à censura do comportamento criminoso
só pode radicar no conhecimento e compreensão da pessoa.
Mas o sistema funcionará deste modo? O sistema não deve funcionar como um “sistema-
máquina”, mas sim um sistema que substitui o crime pela justiça.
Note-se que um “sistema-máquina” (à partida, mais eficiente) não discute meios alternativos não
punitivos para a redução da criminalidade, diminuindo as garantias do processo penal.
A ausência de uma hierarquia clara entre modalidades de prevenção de pequena criminalidade e
o enaltecimento da prevenção geral (sem a sua harmonização valorativa com a igualdade e
responsabilidade social) permite à decisão judicial uma larga margem de subjetividade perante
os valores.
A não afirmação do dever de reintegração/recuperação dos infratores conduzirá a uma
prevenção geral economicista (“sistema-máquina”).
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A eficácia preventiva procurada pelo legislador não é separada de uma aceitação da dialética da
culpa como princípio restritivo, de modo que não existirá, por força do art. 40º, uma verdadeira
predominância da prevenção.
Fundamento da punição:
i. Punição como última ratio.
ii. Punição eticamente justa.
Mas este modelo preventivo limitado pela culpa tem validade e eficácia normativa?
i. O modelo sugerido pelo art. 40º é o que resulta das normas segundo os processos
de interpretação jurídica (interpretação objetiva e sistémica)?
O modelo sugerido pelo art. 40º é o que resulta das normas segundo os processos de interpretação
jurídica (interpretação objetiva e sistémica)?
O papel restritivo da culpa não tem de ser afastado da decisão de punir e apenas remetido por
razoes sistemáticas para a medida da pena. Assim, na decisão de punir, não funciona,
necessariamente, o princípio da culpa imposto pela Parte Geral?
Exemplo da adequação dos critérios de responsabilização à culpa: Art. 14º/3 (dolo eventual).
Mesmo que se admitam versões preventivas dos conceitos em que assenta a definição de infração
criminal, a tipicidade (primeiro pressuposto da decisão de punir) é condicionada por
critérios de culpa.
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Por outro lado, os próprios arts. 71º e 72º não excluem os critérios de culpa na
fundamentação da medida da pena.
A referência à culpa como princípio restritivo poderá significar apenas uma fundamentação em
que a culpa e a prevenção se viabilizam reciprocamente.
MFP: A ideia de uma pura prevenção limitada pela culpa na decisão de punir é uma “simbologia”
alheia ao princípio da legalidade, na medida em que desconhece o papel da culpa na tipificação
legal.
A segunda questão exige ainda a avaliação sobre o modo como um modelo estritamente
preventivo limitado pela culpa decorre da CRP. Na verdade, o princípio da necessidade
da pena (art. 18º/2) pode contemplar a máxima de que “só a pena de culpa é necessária e
adequada” sendo aí também a culpa como pressuposto da fundamentação preventiva.
Por outro lado, podemos entender ainda que o art. 18º/2 da CRP apenas estabelece um critério
de ponderação de valores, em que os direitos das pessoas só são restringíveis na
medida necessária e adequada à salvaguarda de outros direitos.
A culpa estabelece um limite à restrição de direitos e não como critério de fundamentação da
responsabilidade penal. A responsabilidade penal fundamentada na culpa é que não pode
ultrapassar aquele limite, mas a opção pela culpa como fundamento da responsabilidade penal
pode ser a medida adequada (e por isso necessária) à salvaguarda de outros direitos.
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O modelo pode funcionar como critério de decisão judicial, na fundamentação da decisão de punir, na
escolha da pena e na determinação da medida da pena?
Caso a prevenção (positiva e negativa) tenha um conteúdo abstrato, seja um conceito vazio
“nada feito”. Sem um conteúdo fornecido por critérios de justiça, prevenção e culpa, a
decisão judicial é aquela que o juiz quiser.
Exemplo: Uma professora de escola primária é apanhada a furtar num supermercado, deverá
sofrer pena de prisão ou multa?
5. A admoestação (advertência) basta para que as expectativas sobre a validade das normas
jurídicas sejam salvaguardadas porque a imagem social da professora foi afeta e isso já é
“pena” bastante.
6. Não é legitimo punir com pena de prisão só para intimidar qualquer potencial
delinquente quando a admoestação for suficiente para dissuadir certo tipo de potenciais
autores de furto.
7. A prática de furto pela professora tem de exprimir uma deficiência ao nível da inibição,
não justificando agravamento da censurabilidade e conclui-se que a natureza da culpa
justificava apenas uma medida não privativa de liberdade.
Nas três primeiras alternativas: a lógica preventiva e a retributiva coincidem nos resultados e a
prevenção positiva e a retribuição assemelham-se.
Nas últimas, também a prevenção e retribuição coincidem nos resultados e a prevenção positiva
e a retribuição são formuladas restritivamente.
O que permite decidir não é somente a lógica preventiva ou retributiva, mas sim o
tipo de factos que são escolhidos como critérios de decisão.
Na escolha desses factos que são eleitos como critérios de decisão, intervêm pontos de vista de
justiça e razoabilidade que ultrapassam as fórmulas da prevenção e da retribuição.
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A prevenção geral positiva é um critério cujos fundamentos factuais são controláveis?
A prevenção geral positiva pode ser utilizada como etiqueta para decidir segundo critérios como
a “imagem pública dos tribunais” ou a “revolução das populações” e permite assimilar
a prevenção a sentimentos de vingança da população.
Exemplo retirado da jurisprudência: Decisão do STJ por ter optado pela aplicação de pena
de pena de multa num homicídio negligente, em atenção a critérios estritamente preventivos,
contra a corrente jurisprudencial dominante que cria obstáculos às alternativas à prisão em
nome da gravidade da culpa.
Argumentos dados pelo STJ: Irá ser aplicada uma multa dado que o agente não conduzia
habitualmente daquela forma e a falta de precaução não correspondia a uma sua linha normal de
conduta.
Podemos dizer que o STJ abstraiu, no caso, da responsabilidade do facto e da capacidade de culpa e
que se orientou por razões preventivas?
A argumentação do STJ era focada na menor densidade da culpa do agente revelada no facto.
A chamada “culpa da pessoa” na aceção de Figueiredo Dias é o tópico essencial da argumentação
que justifica a opção pela multa.
No fundo, continuamos a pretender qualificar como prevenção factos que se adequam
explicitamente a uma lógica de culpa.
Se o senhor B decidisse praticar o mesmo facto, ou seja, revelasse desatenção e ainda indiferença
pelos bens alheios, não demonstraria uma necessidade menor preventiva do que a do agente
que revelasse só desatenção.
Uma pena de prisão seria sempre desproporcionada a uma grave falta de cuidado que não
resultou de uma “ira” contra a ordem jurídica.
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A ideia de culpa não é um entrave (retributivo) à necessidade da pena se for meio de
concretização de uma ideia mais ampla de justiça punitiva.
Por outro lado, a prevenção geral negativa e a prevenção especial modelam o conteúdo do
Princípio da necessidade da pena, dando-lhe direção apenas através da dinâmica dessa lógica de
eficácia.
i. Necessidade da pena pressuposta pela prevenção especial: lógica de defesa
de bens jurídicos apenas a partir do efeito da sanção criminal sobre o delinquente.
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AS FINALIDADES DA PUNIÇÃO NA REVISÃO DO CÓDIGO PENAL –
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O art. 40º do Código Penal prescreve que as finalidades da proteção são a proteção de
bens jurídicos e a reintegração social do delinquente.
Noutros preceitos do Código, as finalidades da punição aparecem como critérios
orientadores ou corretores das soluções.
O legislador refere-se também às finalidades da punição nos artigos 45º, 48º, 58º, 59º nº6, 60º
nº2 e 70º. Em todos estes casos, as finalidades da punição são critérios de controlo da aplicação
de penas alternativas à prisão e, nessa medida, surgem formuladas como condições de aplicação
de tais medidas.
Se a resposta fosse sim, tal implicaria que a substituição da medida alternativa nunca seria
justificada pela culpa. Pelo contrário, onde a prevenção exigisse a aplicação de pena de prisão
(sobretudo a prevenção especial) uma culpa diminuta ainda poderia justificar a renúncia à pena
de prisão. A culpa determinaria os limites da própria prevenção.
Esta perspetiva utiliza a culpa como critério preventivo e tem um a ideia de adequação da punição
ao caso concreto.
Esta lógica é concretizável, mas apenas em certas áreas menos graves de pequena criminalidade
e a agentes que agem fortemente condicionados por motivações psicológicas e difíceis de
controlar. Por exemplo, o furto da professora.
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