Você está na página 1de 200

Introdução

Noção de Direito Real

Não é fácil dar uma noção de direito real. Muito debatida é a questão sobre qual é essa
noção. Ao longo da história vemos que houveram várias tentativas de conceptualizar o direito
real, temos as teorias clássica, moderna, e mista, sendo a última um “mix” entre as duas
primeiras.
Este problema vê-se desde logo na estruturação do Código Civil, normalmente no ínicio
de cada livro do Código há uma parte geral, no entanto tal não acontece no Livro III. O
legislador entendeu ser preferível dar um enquadramento geral deste livro nos artigos sobre a
posse1, mas a posse não configura porém o enquadramento disciplinador da matéria.
Desenvolveremos sobre esta temática neste caderno após tratarmos da questão das três teorias
que existem sobre o conceito de direito real.

Teoria Clássica

A Formulação ou Teoria Clássica dos direitos reais diz-nos, resumidamente que o direito
real é visto como um poder directo e imediato sobre uma coisa. Traduz-se numa relação
que existe entre uma pessoa e uma coisa, que não é uma relação intermediada por outra pessoa.
Este direito serve para satisfazer as necessidades de uma pessoa, mediante o aproveitamento
das utilidades de uma coisa: usar, fruir e dispor; satisfazer o crédito; estar afectada para a
constituição potestativa de outro direito.
Poder “directo” pois o titular tem o domínio ou o senhoria sobre a coisa. Poder
“imediato” pois há desnecessidade da colaboração de um terceiro no aproveitamento das
utilidades de uma coisa2. Para Henrique Sousa Antunes estas duas noções, “directo” e
“imediato” são muitas vezes confundidas numa só, na opinião deste professor erradamente,
sendo também para este professor esta a teoria que hoje se deve usar para definir direito
real.

O professor Henrique Sousa Antunes entende por isso que a concepção clássica é
suficientemente virtuosa para explicar o direito real, não sendo no entanto esse o
entendimento geral da doutrina portuguesa.
Um dos argumentos do Professor para defender esta teoria prende-se com o facto de ser
da opinião que muitos não entendem a diferença entre “directo” e “imediato”. É entendimento
do Professor Henrique Sousa Antunes que o poder directo se traduz na ideia de domínio e
que o poder imediato se traduz na desnecessidade da colaboração de terceiro para o
aproveitamento das utilidades da coisa.
Assim o poder directo tem expressão na susceptibilidade de opor o direito real a
qualquer terceiro que interfira com esta titularidade, com este domínio, com esse
senhorio, sendo que estará então na parte directa do poder a intersubjectividade, o lado

1
Vamos estudar a posse mais adiante.
2
Ler parágrafo seguinte.
externo do direito real.
A vertente imediata será por isso o lado interno do direito real, a relação com a coisa
apenas.

Assim, para Henrique Sousa Antunes, a definição de direito real será: “O poder
atribuído pela ordem jurídica para a satisfação dos interesses de uma pessoa determinada
mediante o aproveitamento direto e imediato das utilidades de uma coisa corpórea.”
O contraste com o direito de crédito será que este é excercido sobre uma prestação e não
uma coisa.

Teoria Moderna

A conceção clássica perdurou durante um largo período da história do pensamento


jurídico, no entanto com a pandectística alemã afirmou-se uma nova teoria.
Esta teoria defende que não há uma relação entre uma pessoa e uma coisa. Defende que a
relação jurídica tem de ter uma dimensão intersubjectiva, tem de se estabelecer entre
pessoas. Diz esta concepção que o Direito real se traduz numa relação absoluta que tem
como sujeito activo o titular do direito, e como sujeito passivo todos aqueles que possam
interferir no exercício desse direito real. Assim, por esta teoria, a relação jurídica de um
direito real a todos vincula, há um dever geral de respeito. Assim, para esta teoria, será a
natureza erga omnes que define o direito real.

Esta concepção esquece a dimensão coisa. A coisa corpórea fica apagada da concepção de
direito real, porque parece que direito real é uma relação entre pessoas. Isto é visto como uma
crítica a conceptualização do direito real pois se assim é podemos admitir que todos os direito
devem ser respeitados. Ou seja, não é a apenas defensável o dever geral de respeito seja apenas
um traço do direito real, o resto dos direitos que existem devem também ser alvos de um
dever de respeito geral por parte do resto do mundo. Todos os sujeitos devem ser
respeitados por todos os sujeitos. Esta é a maior crítica à Teoria Moderna, falha pois o que é
atribuído como característica única/principal do direito real pode também ser dito como
característica dos restantes direitos.
São críticas como esta que levaram a uma terceira formulação. A Teoria Mista.

Teoria Mista

Defende-se aqui que o direito real tem duas dimensões, não pode ser construído
apenas na ideia da relação da pessoa com a coisa, mas também não pode ser apenas construído
na ideia da oponibilidade erga omnes. Tem de ser um misto. Portanto, o direito real teria um
lado interno que consiste no aproveitamento imediato das utilidades da coisa e um outro
lado externo que se refere à oponibilidade erga omnes. A doutrina portuguesa em geral
prefere esta teoria mista.
A teoria mista diz-nos então que o direito real é um poder direto e imediato sobre a
coisa exercido num contexto relacional de natureza absoluta.

Sendo a concepção que a doutrina portuguesa segue, Henrique Sousa Antunes discorda
dela pois entende que existe alguma obscuridade na doutrina face à definição do conteúdo
do poder direto e imediato, sendo que como já vimos, para Henrique Sousa Antunes, o lado
externo, intersubjectivo, dado pela Teoria mista e Moderna já está precavido pela Teoria Clássica
no facto de estar dar o direito real como um poder direto.3
No entanto, Menezes Cordeiro e Paulo Cunha indicam que dizer que um poder é “direto”
e “imediato” é um pleonasmo, que a designação “direto e imediato” é fundamentalmente a
mesma realidade. Estes autores dizem que o poder em causa atinge a coisa pela simples
vontade do seu titular, independentemente de qualquer colaboração de terceiros.

Verdade seja dita a posição de Henrique Sousa Antunes de que com “direto” se está a
englobar o lado externo no conceito de direito real pode ser vista quase como uma interpretação
muito extensiva da Teoria Clássica ao ponto de roçar numa Teoria Mista. Isto pois a definição
dada pelo Professor Henrique Sousa Antunes é “O poder atribuído pela ordem jurídica para a
satisfação dos interesses de uma pessoa determinada mediante o aproveitamento direto e imediato
das utilidades de uma coisa corpórea” e pela defesa que este professor faz à interpretação que
“direto” deve ter poderíamos dizer que a sua definição é equivalente a dizer “O poder atribuído
pela ordem jurídica para a satisfação dos interesses de uma pessoa determinada mediante o
aproveitamento oponível a qualquer terceiro que interfira com o mesmo e imediato das
utilidades de uma coisa corpórea”.
Vemos por isso que, se é verdade que as Teorias Mistas misturam a vertente clássica da
relação com coisa e da vertente moderna da relação com os terceiros, o mesmo é verdade na
definição de Henrique Antunes. Por isso, no nosso entender, das duas uma: ou a posição da
Teoria Mista sempre foi a mesma que a Clássica e a Clássica é que é mal interpretada, ou então a
interpretação de Henrique Antunes alarga a Teoria Clássica ao ponto de estar ser uma mista,
qualquer que seja a escolha, o resultado é que Henrique Antunes afinal de contas não se afasta
assim tanto da maioria da doutrina Portuguesa.

Categorização de Direitos Reais

Há três tipos de direitos reais, que se distinguem pela sua função, isto é, têm finalidades
diferentes. No entanto, em todos eles temos uma oponibilidade erga omnes e uma coisa envolida:

1)Temos os Direitos Reais De gozo – São direitos que atribuem ao sujeito a faculdade
de uso, fruição e disposição da coisa. Ilustrativo disto é o artigo 1305º.

2)Os Direitos Reais De Garantia – Neste caso a coisa não é perspectivada


propriamente no seu sentido físico, como vemos nos direitos reais de gozo (ex: eu uso o
casaco, a pasta etc..), mas sim com um alcance estimativo porque o direito real de
garantia é um direito que permite a um credor fazer-se pagar com preferência sobre
os demais credores pelo valor de uma coisa ou pelo valor dos rendimentos dessa
coisa. Esta distinção entre o valor da coisa ou rendimentos dessa coisa prende-se com as
modalidades de direitos reais de garantia. Portanto, a coisa há sempre, pode é ser tida
de forma diferente, por exemplo a hipoteca de um terreno, não para que seja utilizada
pelo credor, mas sim para garantir a satisfação do crédito. Para garantir como? No
momento em que a dívida deva ser cumprida, se o devedor não tiver bens suficientes

3 Ver o disposto a este respeito quando falamos da Teoria Clássica.


para satisfazer o cumprimento dessa divida, o credor tem um meio prioritário em
relação aos demais credores, para fazer satisfazer o seu crédito. A coisa não é
tratada na sua perspetiva física, mas no seu alcance estimativo, enquanto valor.
Ocasionalmente, como veremos, a lei reconhece faculdades de uso e de fruição sobre a
coisa ao titular, mas esses poderes são funcionalizados ou, pelo menos, secundarizados
em relação ao principal que a coisa neste contexto desempenha. Exemplo, artigo 604º.

3)Direito Real de Aquisição –É um poder jurídico que é atribuído pela ordem jurídica,
mas o interesse do sujeito que recebe esse poder não é o de usar a coisa ou de fruir dela,
ou utilizar a coisa como satisfação de crédito, mas sim o de poder vir a constituir
sobre a coisa um outro direito, sendo essa possibilidade um direito potestativo. Ou
seja, não é possível haver oposição ao exercício desse poder que é atribuído pela ordem
jurdica. Assim, quando alguém é titular de um direito real de aquisição, esse titular
beneficia de um direito potestativo de aquisição de poderes reais ou pessoais sobre
a coisa. Exemplo: contrato promessa com eficácia real ou direito de preferência de
natureza legal ou convencional com eficácia real, nestes casos o direito é oponível erga
omnes e o titular desse direito pode perseguir a coisa de modo a tornar-se titular de um
direito sobre essa coisa tendo prevalência sobre outros que tenham adquirido
posteriormente ou sem ser por direito real4. Portanto, o titular do direito real de
aquisição pode ir atrás da coisa para se tornar titular de um outro direito, que será em
principio um direito real de gozo.

Portanto, quando falamos de Direitos reais podemos nos estar a referir a três tipos de
direitos, no entanto vamos concentrar o nosso estudo nesta cadeira apenas na categoria dos
direitos reais de gozo5.

Generalidades

Dito isto, a partir daqui vamos procurar o que há de comum a estas várias categorias
para que possamos agrupa-las num grupo mais genérico que é o grupo dos direitos reais. Muito
do que vai ser dito aqui agora será desenvolvido posteriormente sendo que o que vai ser
explicado é a mero título introdutório.
Há normas do Código Civil, que não tendo sido expostas como sendo uma parte geral dos
direitos reais, pois como já referimos, não há parte geral dos direitos reais, no entanto
funcionam como parâmetro da generalidade dos direitos reais, o que nos vai permitir aliás fazer
um ensaio de uma parte geral dos direitos das coisas mais adiante neste caderno. Como exemplo
destas normas temos:

Os artigos 1251º e seguintes tratam da matéria da posse, não é aí que vamos


encontrar regras gerais, regras aplicáveis à generalidade dos direitos reais. Portanto, o
legislador decidiu abrir o regime das coisas no Livro III com o regime da posse, mas não é aí que
vamos encontrar disposições gerais.

4 Ver matéria de Obrigações. O Incumprimento de um direito legal de preferência, tem que a forma de reacção
é a ação de preferência, esta que está disciplinada no artigo 1410º.
5 Direitos reais de aquisição já foram trabalhados em obrigações, agora em Cumprimento e Não Cumprimento

vamos trabalhar os direitos reais de garantia


Vamos é encontrar no direito de propriedade algumas normas que podemos dizer que
serão de carácter geral, direito que está tratado no artigo 1302º e seguintes.

Nesses artigos vamos detectar duas situações:

1)Indicações expressas do legislador de normas que se aplicam ao direito de


propriedade são aplicáveis a todos os direitos reais que tenham uma natureza
correspondente ao direito de propriedade,

2)Omite, mas nos entendemos que está lá uma disposição generalizável.

Porque é que é no direito de propriedade que encontramos algumas regras de


conteúdo generalizado?
Pelo facto de o artigo 1306º estabelecer uma regra de tipicidade dos direitos reais
tomando por referência o direito de propriedade. Ou seja, o direito de propriedade é a
matriz, é através desse que se constroem os outros direitos reais de gozo mais especificamente.

O artigo 1305º não é uma disposição generalizável, não é replicável em relação aos
outros direitos. A lei diz expressamente que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo, daí
não ser replicável porque os direitos reais menores não são direitos em que o titular goze de
modo pleno e exclusivo das faculdades de uso, fruição e disposição da coisa.
Quando a lei fala em plenitude está a falar de algo que não é replicável nos demais
direitos reais, e não o é porque a lei também diz que esse direito é exclusivo. A exclusividade
significa que não se pressupõe nenhum outro direito para existir outro determinado direito. Ao
contrário do usufruto por exemplo, que também dá a possibilidade de usar plenamente uma
coisa de uma forma temporária, mas ao contrário do direito de propriedade não é um direito
exclusivo pois pressupõe que exista um direito de propriedade. Sem um direito de propriedade
não pode existir um direito de usufruto.

O direito de propriedade é o único direito exclusivo. Portanto, em bom rigor todos


os outros direitos reais são menores, estão a onerar o direito de propriedade. A limita-lo,
pressupõem sempre a sua existência.

O artigo 1305º 2º parte já é replicável, porque se ao direito de propriedade se aplicam


determinadas restrições, então também aos direitos reais menores com base nele se irão aplicar.
Quando falamos nas limitações, não temos apenas a do abuso de direito (norma geral), a
lei no livro das coisas apresenta um conjunto de limitações ao direito de propriedade que se
englobam nesta 2º parte do 1305º e que se aplicam aos restantes direitos reais.6

Os artigos 1311º e seguintes –Tratam da defesa da propriedade. Isto é um “como ir


atrás da coisa”, a sequela, de que falaremos adiante. Nos direitos reais de aquisição temos dois
meios de ir atrás da coisa, de atuar a sequela:

1)Execução específica

2)Acção de preferência

Nos direitos reais de garantia atua a sequela vendendo a coisa, para depois se poder
pagar em satisfação do meu crédito, vimos isto na cadeira de Direito das Obrigações no semestre
passado e veremos melhor este semestre na cadeira de Cumprimento e Não Cumprimento das
Obrigações.

6
Exemplo disso é o artigo 1346º. Iremos estudar adiante as limitações aos direitos reais (de gozo).
Já nos direitos reais de gozo, a sequela atua através da acção de reivindicação que está
prevista no artigo 1311º. Este artigo tem uma dupla vertente, o tribunal reconhece que a pessoa
é titular do direito de propriedade e ordena ao detentor da coisa a devolver a coisa ao
proprietário. A ação de reivindicação é imprescritível, mas tem limites. Pode acontecer que do
lado de lá esteja um sujeito que ilegitimamente se apossou sobre a coisa, mas que a veio a
adquirir a mesma por usucapião, iremos estudar isso adiante.

O Artigo 1315º é o exemplo de uma norma generalizada pelo próprio legislador, o


legislador vem regular a acção de reivindicação no que diz respeito ao direito de propriedade, no
entanto é o próprio legislador que vem dizer que este regime é aplicável à defesa de
qualquer direito real de gozo menor. Portanto, não é aplicável apenas à defesa do direito de
propriedade. Logo, apesar de estar disposta para o direito de propriedade, é aplicável a qualquer
direito real de gozo porque o direito de propriedade é a matriz dos direitos reais.

Portanto, é a partir do direito de propriedade que o sistema dos direitos reais de gozo é
construído e é construído a partir do princípio da tipicidade. Isto é, existe o direito de
propriedade e se as partes pretenderem constituírem direitos diferentes daqueles que a lei
prevê a partir do direito de propriedade construiu, então esses não podem ter mais do que
natureza obrigacional. Veremos isto melhor, mas uma coisa é então certa: os particulares não
podem construir direitos mais amplos do que de propriedade. O direito de propriedade é o
direito real rei e só poderá ter súbditos, isto é, só é possível haverem direitos menores ao de
propriedade nos direitos reais7.

Logo, se nós queremos encontrar algum sítio para encontrar normas de alcance geral
para os direitos reais de gozo é no direito de propriedade.

Direito Real e Direito de Crédito

A distinção dos direitos reais dos direitos de crédito é feita com o recurso ao que já
falamos aqui anteriormente e ao que estudamos em várias cadeiras de Direito Civil nos anos
anteriores. Pegando na diferença dada pelo professor Henrique Antunes entre o poder direto e o
poder imediato podemos dizer que o direito de crédito não é um poder direto, o poder de
crédito é um direito relativo, não há oponibilidade erga omnes. Além disso, não há poder
imediato, o crédito depende sempre da colaboração de um terceiro. É um direito relativo, que
depende da prestação do colaborador.

Ao longo da história, houve orientações que tiveram uma perspectiva diferente, que
procuraram olhar para as duas realidades e ver pontos de contactos de forma a ser possível
dizer que ambos participariam das mesmas características. Haveria uma única realidade que
seria a dos direitos patrimoniais. A esta teorias chamam-se Teorias Monistas. Temos em
especial duas teorias monistas.
O Monismo realista de Gaudemet e o Monismo pessoalista Demogue. Em comum
têm o facto de ser monismos, isto é, ao comparar duas realidades chegarem à conclusão que

7Como já foi dito, aqui nesta cadeira trataremos dos direitos reais de gozo. Por isso ao referir-mos apenas
“direitos reais” estamos a referir os direitos reais de gozo. Ter por isso em atenção o contexto em que se usa a
expressão “direito/s real/is”.
estas não se distinguem. Portanto serão parte de uma única categoria. Ainda assim a perspectiva
dos autores e respectivos seguidores é diferente.
Gaudemet considera que não há distinção entre direitos reais e direitos de crédito pois
encontramos em ambos um poder imediato e direto sobre a coisa; o direito de crédito seria
considerado um direito real.
Demogue defende que não há distinção porque nos direitos de crédito encontramos
também uma obrigação universal de respeito que, de acordo com a doutrina
moderna/pessoalista, caracteriza também os direitos reais, há uma dimensão pessoalista nos
direitos de crédito que os aproxima dos direitos reais.

Teoria Realista de Gaudemet

Ambas teorias monistas mas com perspetivas diferentes. Sobre estas teorias há a dizer
que, embora tenham mérito, não apresentam uma resposta correta para o problema da
distinção entre direitos de crédito e direitos reais, como hoje é assente na lei e doutrina e
jurisprudência.

Para a teoria realista como quando há um incumprimento de uma obrigação é o


património do devedor a responder por esse incumprimento, não sendo a pessoa do devedor a
responder conclui-se que, em última instância, o que satisfaz o direito de crédito é uma
coisa do património do devedor, à semelhança do que acontece nos direitos reais, em que as
necessidades do titular são satisfeitas através da afetação das utilidades de uma coisa.
No caso dos direitos de crédito é uma coisa genérica e indeterminada. Poder-se-ia
dizer que, no nosso direito, é isso que acontece, ao invés de ser a própria pessoa do devedor, mas
quando falamos em direitos reais falamos em coisas corpóreas determinadas, específicas. Por
isso é que vamos descobrir nos direitos reais características que não podemos descobrir nos
direitos de crédito, mesmo quando dizemos que o direito de crédito tem como objeto o
património do devedor.
Essas caraterísticas são a inerência e a sequela, isto é, o direito é um poder que é
atribuído para satisfação das necessidades do titular mediante a afetação das utilidades de uma
coisa. Esse poder vai acompanhar a coisa onde quer que ela esteja. Para nós podermos dizer
que os direitos de crédito e os direitos reais são iguais então teríamos de ver na coisa que é
objeto dos direitos de crédito a mesma ligação que vemos nos direitos reais. Ou seja, o direito
estaria de tal forma ligado à coisa que acompanharia a coisa onde quer que ela estivesse.
Intuitivamente vemos que não, pois quando falamos da inerência e da sequela, estamos a falar
em coisa específicas. Por exemplo, é precisamente por eu falar no direito de propriedade sobre
uma pasta que eu posso defender o meu direito onde quer que ela se encontre. Isto porque não
há dependência de nenhum comportamento de terceiro, ao passo que nos direitos de crédito,
como nos sabemos do que estudamos noutras cadeiros, aquilo que os carateriza é o
comportamento de um terceiro, de um devedor, ou seja, não há relação direta.
Precisamente porque o património não é uma coisa determinada mas sim genérica,
mesmo que não houvesse regulamentação legal, poderíamos concluir que falta a especificação
que justifica a inerência e a sequela, isto é, estas são justificadas porque a coisa é especificada. Se
não o for há sempre um elemento pessoal que fará com que a inerência e a sequela não ocorram.
Temos aqui a falha da teoria monista realista.

No entanto é preciso dizer que a lei pode perturbar este raciocínio. Apesar da ideia de
que, nos direitos de crédito, não há inerência e sequela, há um instituto que permite descobrir os
direitos de crédito, na relação que eles têm com o património do devedor, essa ideia da
perseguição e da ligação. Trata-se da impugnação pauliana, presente nos artigos 610º e
seguintes. Em termos simples o instituto é um meio conservatório da garantia patrimonial. Serve
para conservar o património do devedor para que o credor possa satisfazer o seu crédito. Um
exemplo será quando A é credor de B e este começa a fazer doações a C,D e E pode acontecer que
B, devedor, na data prevista para o cumprimento não tenha património para satisfazer o crédito
de A. Assim a lei concebe um instituto que permite que o credor possa ir atrás dos bens que são
transferidos para garantir que, no momento da obrigação, o devedor tem património suficiente
para satisfazer o seu crédito. Poder-se-ia dizer que isso é o contrário do que se disse no início, e
em bom rigor até seria verdade. Mas se atentarmos ao regime da impugnação pauliana
verificamos que há fortes limitações e que não existe a sequela que identificamos nos
direitos reais. As limitações são: não se pode atacar qualquer ato do credor, tem de haver
certos requisitos (ao contrário do que se verifica no direito real, pois em principio pode sempre
ir-se atrás da coisa), estando esse requisitos previsto desde logo no artigo 610º:

a) Ser o crédito anterior ao ato ou, sendo posterior, ter sido o ato realizado dolosamente
com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

b) Resultar do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu


crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.

Destaque para o último elemento da alínea b), pois o devedor pode fazer o que quiser
desde que tenha património suficiente para satisfazer o crédito. Não se pode impedir o devedor
de praticar atos, apenas se estes puserem em causa o crédito. Acrescenta-se ainda que mais
facilmente se admite mais facilmente uma impugnação pauliana de atos gratuitos (pois não
entra nada no património) do que atos onersos. Daí a lei entender acrescentar que, no caso dos
atos oneroso, é preciso haver má-fé de terceiro e devedor (612º nº1), enquanto, nos casos de
atos gratuitos, procede independentemente da estarem de boa-fé. Este direito caduca ao fim de 5
anos contados da data do ato impugnável, como diz o artigo 618º.

Quando referimos a ação de reivindicação, o meio utilizado para a defesa de qualquer


direito real de gozo, retirou-se um facto importante para a distinção entre direitos reais e
direitos de crédito: precisamente porque o titular tem o direito ligado a coisa a possibilidade do
titular reagir não prescreve.

Estes vários factos demonstram que a relação credor-património não é igual à relação
detentor do direito real/coisa pois esta ultima relação é tão intensa que justifica a possibilidade
de ir atrás da coisa sem limitações, como estabelece para o crédito. Estas limitações existem
pois, em bom rigor, o objecto do direito do credor é a prestação e não o património, o objeto
central é a prestação. Há alguma relação entre a coisa genérica mas não é suficientemente forte
para que não se distinga o direito real do direito de crédito. Consideramos pois esta teoria
errada.

Teoria Pessoalista de Demogue

Para a teoria pessoalista as duas realidades não se distinguem pois no direito de


crédito há também uma obrigação passiva universal. Esta teoria está em linha com a conceção
moderna/pessoalista, que diz que, em relação ao direito real, o direito só se pode definir
mediante uma relação entre sujeitos, pelo que não se pode dizer que há uma relação jurídica
entre uma pessoa e uma coisa. Assim, se no direito real temos uma relação entre pessoas, esta é
construída à luz da obrigação passiva universal, um dever de respeito.
Demogue diz que os direitos reais e de crédito são iguais pois há esta obrigação passiva
universal e que, nos direitos de crédito, vamos ter não apenas um dever de prestar de devedor
mas também um dever geral de respeito. Claro que as consequências para violação do dever
podem ser diferentes para os direitos reais e para os direitos de crédito, isso cabe ao legislador.
A ideia de Demogue é que todo o direito deve ser respeitado, são ambos direitos
fundados no dever geral de respeito, não se distinguindo de um ponto de vista conceptual-lógico
mas apenas por determinação do legislador. Aqui a análise crítica vai neste sentido: é verdade
que temos um dever geral de respeito em relação ao direito de crédito mas as consequências
desse dever são diferentes. Enquanto nos direitos reais a violação leva a que seja possível ir
atrás da coisa no caso dos direitos de crédito se houver colaboração de terceiro na violação de
direitos de crédito poderá haver lugar a indemnização. Por exemplo: Se A promete vender a B e
depois vende a C já sabemos que se houver eficácia real nesta promessa B pode ir atrás da coisa
(direito real de aquisição) mas se não tiver eficácia real é apenas um direito de crédito, sendo C,
de acordo com a teoria clássica, obrigado a indemnizar B se houver abuso de direito. Uma
orientação mais generosa, fundada no artigo 483º permite que haja uma obrigação de
indemnizar não só quando há abuso de direito mas também quando há culpa. Assim se destrói a
ideia monista: a violação do direito real leva a que se possa ir atrás da coisa, a passo que no
direito de crédito garante indemnização no caso do terceiro colaborar. A meu ver o direito
de crédito tem a capacidade de ir mais longe e permitir que o credor faça sua a coisa que era
objecto do seu crédito se tiver agido com dolo direto ou dolo necessário, tem de ser um
comportamento particularmente grave/censurável, um estado subjetivo do terceiro. É uma
visão minoritária, mas é a minha e permite que o titular do credito possa ter os mesmos
benefícios do titular do direito real com uma diferença: se o titular de direito de crédito
prepuser uma ação de reivindicação contra um terceiro para que o tribunal reconheça o direito
de propriedade o credor só tem de provar que é titular do direito e não tem de provar culpa,
nenhum estado subjetivo de terceiro. Mesmo que a consequência possa ser a mesma os
caminhos para lá chegar são diferentes.

Chegamos à conclusão de que, embora haja traços comuns que levaram à construção de
teóricas monistas, nos direitos reais existe a inerência (o titular satisfaz o seu interesse
mediante o aproveitamento das utilidades dessa coisa) e sequela (acompanha-a onde quer que
ela esteja), por isso não se pode igualar aos direitos de crédito.

Obrigações reais e Ónus reais

Convém dizer que há algumas figuras que têm relevância e que permitem também
relacionar os direitos reais com os direitos de crédito: obrigações reais, ónus reais e
pretensões reais. De comum a estas figuras existe a relação entre direitos reais e direitos de
crédito.
Quando falo em obrigações e ónus reais falo do seguinte: o legislador determina que em
razão da titularidade de certo direto real esse titular tenha deveres de prestar. É muito simples,
aqui a relação entre direitos reais e direitos de crédito é o facto de alguém ser titular de um
direito real determina por isso que esse tem deveres de prestar determinada conduta em
benefício de terceiro. O direito real determina o dever de prestar que nasce na esfera
jurídica do próprio titular do direito real. Por exemplo, se A é comproprietário ele tem, por
isso mesmo, deveres de prestar. Aqui o titular do direito real é um devedor da prestação. O
aspeto que importa destacar em relação a estas obrigações é que estas nascem da titularidade do
direito real, que está ligado à coisa, e se isso é assim o direito está onde a coisa está tudo o que
estiver ligado a esse direito está também ligado à coisa, o que significa que essas obrigações
estão também ligadas à coisas. Por exemplo, se A empresta a B uma bicicleta. Se A vender a C
este tem de respeitar o contrato de comodato anteriormente feito? Classicamente dir-se-á que
não pois o seu direito prevalece, o que significa que a obrigação não acompanhou a transmissão
da titularidade não acompanhou o direito real (o comodato não acompanhou a transmissão)
pois as obrigações são estabelecidas na relação entre duas pessoas e não acompanham o direito
que justificou esse mesmo dever. No caso das obrigações e ónus reais são obrigações não
autónomas, que nascem da titularidade de um direito real, e se assim é é normal que participem
de uma caraterística especial: são obrigações ambulatórias, ou seja, acompanham a
transmissão do direito real.

Se, em geral, as obrigações nascidas permanecem na relação credor /devedor, no caso


das obrigações e ónus reais a transmissão desse direito transmite também a obrigação que
nasceu na sua esfera jurídica visto que são ambulatórios. Exemplos de obrigações reais são, no
regime da compropriedade, o 1411º nº1. É um dever de prestar que nasce do facto da pessoa
ser comproprietária, o mesmo se verifica na propriedade horizontal com o pagamento do
condomínio, artigo 1424º.

Há situações em que se considera que a obrigação não deve acompanhar a transmissão


do direito real, por exemplo se o terceiro adquirente não tiver forma de conhecer essa obrigação
Por isso é que vão ouvir falar de obrigações não ambulatórias, que já se aproximam das
obrigações em geral.

Os ónus reais merecem menção autónoma pois têm a particularidade de agregar a


obrigação propter rem8 uma garantia real imobiliária. Se o A é o credor da obrigação real e tem
um B, devedor em razão da titularidade do direito real e B transmite o direito real a C já sabemos
que C tem a obrigação que B tinha e, se for um ónus real (tem de ser a lei a dizê-lo) acontece que,
se o C não cumprir, credor A tem o direito de se fazer pagar com preferência sobre os outros
credores pelo valor da coisa que foi transmitida.
Um ónus real distingue-se da obrigação real pois se for uma mera obrigação real A
vai ter de atacar o património do C como um qualquer credor que C possa ter, património
de C vai ter de satisfazer todos e A vai receber apenas uma parcela. Se for um ónus real A
pode exigir a satisfação do crédito a C e porque é um ónus real A pode receber a
totalidade pois tem preferência. Ambas são obrigações propter rem mas no ónus o credor
tem preferência.
Um exemplo de ónus real classicamente dado está no artigo 2018º, chamado apanágio
do cônjuge sobrevivo. Se um cônjuge falecer o cônjuge viúvo tem direito a ser alimentado pelos
rendimentos dos bens deixados pelo falecido, os herdeiros estão obrigado a prestar alimentos ao
viúvo. Porque eu sou herdeiro eu tenho o dever de prestar (obrigação real) mas é também um
ónus real porque a lei diz que tem de ser registado, e olhando para a historia vemos que, no
código civil anterior, estava aí uma hipoteca. Se os herdeiros não cumprissem o viúvo podia
atacar o património do herdeiro e tem, relativamente às coisas transmitidas em herança um
privilégio que resulta da existência de uma hipoteca. Apesar de isso não estar aqui previsto
através do 2018º nº3 vemos que isto só é compaginável com a existência de uma garantia senão
tudo se trataria no plano dos direitos de crédito, temos de dar devido conteúdo à referência do
registo. O cônjuge sobrevivo tem um ónus real.

8 Nota: quando falamos em obrigações reais é também costume dizer obrigações propter rem (em razão da
titularidade da coisa)
Pretensões Reais

Quando falamos em pretensões reais também estamos a falar de uma relação entre
direitos reais e direitos de crédito na medida em que, em razão da titularidade de um direito
real, vai nascer um dever de prestar na esfera jurídica de um terceiro. Aqui o titular do direito
real é credor. O que acontece é que nós apuramos a existência de uma violação de um direito
real. Dessa violação resulta o “ ter de responder” ou “estar obrigado para com o titular” é a dita
pretensão real, que se traduz em, por exemplo, exigir a restituição da coisa através de uma ação
de reivindicação. Pela sua violação o titular do direito real tornou-se também credor da
recomposição da situação anterior e isso pode traduzir-se numa ação de reivindicação, numa
indemnização. São também direitos de crédito associados a direitos reais mas aqui beneficiam o
próprio titular do direito real, que passa a ser credor em razão da violação do seu direito real. É
a reação que existe à interferência do seu direito

Apesar de vermos que há uma distinção entre direitos reais e direitos de crédito estes
andam “de mãos dadas”, desde logo porque são direitos patrimoniais mas também pois o direito
real pode justificar a existência de direitos de credito em benefício de terceiros (ónus e
obrigações reais) ou do próprio (pretensões reais) quando há violação do direito de crédito.

Características dos Direitos Reais

Explicados os conceitos do direito real vamos agora ver as características destes.


Podemos distingui-las entre características tendenciais e essenciais. As primeiras são aquelas
que não se verificam sempre e as segundas são as que se verificam em todos os direitos reais
sempre.

Características Tendenciais

As características tendenciais, que como já referimos chamam-se assim pois não existem
sempre nos direitos reais são:

1) A afetação total da coisa - queremos dizer que o direito real respeita à coisa e aos
seus elementos componentes ou partes integrantes e abrange todas as coisas que com aquela se
vierem a unir ou que nela se vierem a incorporar. Esta característica é apenas tendencial.
O exemplo mais comum de uma excepção é a propriedade horizontal. Aqui acontece que
o condómino é titular exclusivo da habitação e comproprietário das partes comuns. O titulo
constitutivo pode afetar algumas partes comuns a certos condóminos, sendo que o exemplo
clássico são os terraços de cobertura. Embora seja parte comum está afetada a uso exclusivo
daquele condómino, significando que há parte da coisa que não pode ser utilizada pelo titular do
direto real. Aqui o direito real não afeta a totalidade da coisa
Outro exemplo é a hipoteca, a lei permite hipotecar separadamente partes de um prédio
sucetiveis de propriedade autónoma sem perda da sua identidade imobiliária como resulta do
artigo 688º nº2. Outros exemplos são: o direito de superfície, os direitos de uso e de habitação.
2) A permanência - podemos distinguir dois sentidos: perpetuidade, não se extinguem
pelo decurso do tempo nem por nenhum evento a que a lei associasse a extinção do direito.
Neste sentido direito como o usufruto, a habitação e a superfície podem ser ou são
necessariamente temporários (não há usufruto para além da vida do usufrutuário), e aqui vê-se
logo que a permanência como perpetuidade é característica tendencial. O outro sentido é de que
os direitos reais não se extinguem pelo seu não exercício. Quando alguém é titular de um
direito de crédito e o exerce este extingue-se, nos direitos reais não é assim. Se usar ou fruir não
estou a extinguir o meu direito. Mas a verdade é que se olharmos para os direitos reais de
garantia ou direitos reais de aquisição esses extinguem-se pelo seu exercício, pois estes estão lá
para garantir ao credor a satisfação do seu crédito com preferência sobre os outros credores. O
direito real de garantia vai ser exercido através da venda executiva, e se vende a coisa esse
extingue-se pois o credor é satisfeito. Embora se pode dizer que os direitos reais de gozo não se
extinguem pelo seu não exercício o mesmo não se pode dizer dos direitos reais de aquisição e de
garantia. Daí a permanência ser tendencial.

3) A posse e a usucapião - quando falamos em posse, em regra, falamos de apreensão


material da coisa. Se é assim há direitos que estão excluídos. Retomando o exemplo da hipoteca,
nesse caso quem está a utilizar materialmente a coisa é quem lá vive mas o banco é que tem o
direito real de garantia, sem precisar de apreensão material da coisa. A posse valerá em relação
aos direitos reais de gozo mas não vale em relação aos direitos reais de garantia e de aquisição.
A usucapião dá-se quando alguém possui, e se alguém tem de possuir não há usucapião
nos direitos reais de garantia e de aquisição. Mas isso também se verifica em alguns direitos
reais de gozo: direitos de uso e habitação; servidões prediais não aparentes. Isto está
determinado na norma do artigo 1293º.

Características Essenciais dos Direitos Reais

1) A Inerência – A inerência é uma característica dos direitos reais que permite ao seu
titular a satisfação de interesses determinados pelo aproveitamento imediato das utilidades de
uma coisa corpórea. Ou seja o titular do direito pode satisfazer interesses determinados, sem
que estes sejam intermediados por ninguém, das utilidades de uma coisa corpórea. O direito está
ligado à coisa, e a inerência é isso mesmo, é a razão pela qual o ordenamento jurídico teve de
construir um sistema que permitisse ao titular defender o seu direito contra intervenções
alheias podendo por isso mesmo exercer-se sempre sobre a coisa que é seu objecto. Daí que a
segunda característica dos direitos reais que vamos referir seja a manifestação dinâmica da
inerência, a chamada sequela.

2) A Sequela – A sequela traduz-se na tutela dada pelo ordenamento jurídico nos termos
da qual o titular pode acompanhar a coisa onde quer que esta se encontre. Isto faz com que a
sequela tenha traduções diferentes consoante o direito real em causa, por exemplo nos direitos
reais de aquisição a acção de preferência e a execução específica são as formas de o titular
poder acompanhar a coisa que é objecto do seu direito, já por exemplo nos direitos reais de
garantia a sequela manifesta-se através da venda executiva9. No fundo, o ordenamento jurídico
dá aos titulares de direitos reais outros direitos reais ou direitos de crédito de modo a que este
possa acompanhar a sua coisa de forma potestativa.
Nos direitos reais de gozo a sequela manifesta-se através da acção de revendição,
regulada nos artigo 1311º e seguintes, e este tipo de acção é a expressão mais visível e
relevante da sequela nos direitos reais pois permite ao titular obter a restituição daquilo que lhe
pertence. Apesar disto há outras formas da sequela fazer valer os direitos reais de gozo como os
meios de defesa possessórios, os meios de defesa possessórios são instrumentos previstos na
lei que têm muita relevância prática pois não obrigam à demonstração do direito de
propriedade correspondente permitindo a restituição da coisa mais facilmente. Neste
ponto do estudo interessa fundamentalmente saber que a lei prevê a respeito da posse nos
artigos 1276º e seguintes três meios de defesa: 1) Acção de Prevenção 2) Acção de
Manutenção 3) Acção de Restituição. Pelos nomes das acções enumeradas percebemos desde
logo que são meios que pretende defender um controlo material da coisa que já está
estabelecido. Por exemplo se tenho um terreno que possuo e cada vez que vou lá apanhar
batatas o meu vizinho me atira pedras posso propor uma acção de manutenção que pretende
parar com o comportamento do meu vizinho de modo a que este pare de atirar pedras, ou ainda
uma acção de restituição se chegar ao ponto de já não conseguir sequer entrar no terreno
ficando privado da coisa.10
No entanto, a sequela não é uma característica absoluta, isto é não é ilimitada. Não se
pode dizer sem mais que o titular do direito real possa sempre acompanhar a coisa onde quer
que ela se encontre sem que a lei tenha previsto limitações para esse efeito, ou seja, a sequela
também tem limitações. Estas limitações são diversas mas temos desde já quatro:

a) Aquisição por usucapião

b) Aquisição Registal

c) Inoponibilidade a terceiros de negócio jurídico ou registo inválidos

d) Tutela do Possuidor de boa fé sobre coisas móveis

Sendo que falaremos de cada uma destas limitações individualmente mais tarde, vamos
agora focar-nos na quarta limitação dando apenas uma breve introdução às restantes.

a) Aquisição por usucapião como limitação à sequela: Se A é proprietário de um


terreno porque emigrou para França e não utiliza o terreno durante 23 anos ele não
perde o direito de propriedade por isso, se alguém, passados 18 anos de ele viver em
França começar a usar o seu terreno A pode reagir através de uma acção de
revindicação, mas se B ocupa11 o terreno desde que A foi embora já adquiriu por
usucapião (prazo máximo é 20 anos), se isso aconteceu é aí que o titular do direito
deixa de poder propor com êxito um meio de defesa possessório ou uma acção de
revindicação pois o terceiro já adquiriu por usucapião.

b) Aquisição registal: Neste caso estamos a focar-nos no artigo 5º do CRP12. Este


artigo vem exigir uma certidão de registo, para se perceber em nome de quem é eu
9
Se o devedor não pagar o credor pode promover a venda judicial do bem para que com isso satisfaça o seu
crédito.
10
Às situações em que o possuidor perde a coisa ilegitimamente chamamos esbulhar
11
Só a posse é que leva à aquisição por usucapião, mas veremos isso mais adiante. E depende da classificação
da posse haverá períodos de tempo diferente para que se dê essa aquisição.
12 Código do Registo Predial
está registado o bem e quem é que tem por isso legitimidade. Isto significa que se A
vender a B e este não registar A pode depois vender a C e este pode registar, se C
registar cumpre o artigo 9º do CRP logo o notário pode celebrar a escritura pública
de venda. Logo apesar de ter havido uma transmissão de propriedade em favor do B
segundo 408º do Código Civil, o que é facto é que é perfeitamente possível
realizar uma segunda venda. Veremos melhor a seu tempo, mas para haver um
“terceiro” aos olhos do artigo 5º do CRP é preciso que haja um registo. Entende a
doutrina de Lisboa que para que haja aqui um “terceiro” não basta haver uma
situação jurídica incompatível (neste caso entre B e C), é preciso registo, aquisição
a titulo oneroso e boa fé e só assim é que se pode aplicar o artigo 5º do CRP
derrogando o artigo 408º do Código Civil. No fundo a norma diz que o direito de
propriedade (erga omnes) não é oponível se não tiver registado e aparecer um outro
sujeito (registando +em boa fe + a titulo oneroso), iremos depois ver a rácio da
ordem jurídica em ter uma norma como a do artigo 5º mas resumidamente esta
norma existe para compelir os proprietários a registarem os seus bens imoveis de
modo a tornar seguro o comercio imobiliário. Daí este caso ser uma limitação à
sequela, pois embora por força do artigo 408º haja transmissão de propriedade o
titular desse direito não o vai poder defender nos termos expostos limitando a
sequela. Temos aqui 3 planos: o plano do direito substantivo, o plano do direito
possessório e o plano registal. Embora no plano substantivo B seja proprietário o
plano registal vai-se sobrepor ao plano substantivo e C vai ser considerado
proprietário.

c) Inoponibilidade a terceiros do negócio jurídico ou registo inválidos: Aqui


interessa termos presente a norma do artigo 17ºnº2 do CRP e a norma do artigo
291º do Código Civil. Aqui há muita divisão doutrinal que veremos a seu tempo,
mas por agora o que há a explicar é que aquilo que no artigo 17 nº2 existe é a
protecção de um terceiro contra um registo que é nulo. Por exemplo: A é titular de
um direito de propriedade sobre um terreno, aparece senhor B que forja uma
escritura publica como se A lhe tivesse vendido um terreno o que acontece é que ele
vai conseguir registar a aquisição, mas o artigo 16º do CRP vai considerar este
registo nulo, mas o que acontece se entretanto B vender a C? Quem o ordenamento
jurídico vai tutelar por força do artigo 17º nº2 é C. Como iremos ver Henrique Sousa
Antunes tem uma opinião muito própria a este respeito e acha que A não deve ficar
sem mais desprotegido, mas veremos isso a seu tempo. Neste caso no plano do
direito substantivo temos A enquanto proprietário e no entanto pelas regras do
Código do Registo Predial o proprietário é C, e por tanto cá temos a limitação à
sequela, A não a vai poder usar contra C se este tiver adquirido a propriedade a titulo
onereso + boa fé + registado. A ratio disto é proteger o comercio jurídico no entanto
criticas há sobre isto ser um desrespeito pela regularidade dado que a situação nasce
de uma falcatrua de B. O artigo 291º trata da inoponibilidade de um negocio jurídico
invalido a um terceiro de boa fé: A vende a B que vende a C, e o negócio jurídico entre
A e B é nulo ou anulável. Tipicamente a nulidade e anulabilidade tem consequência
retroactivas e A viria então a ser o proprietário, mas o que o 291º faz é que se C tiver
adquirido a propriedade a titulo oneroso + em boa fé + registado a mesma + prazo de
3 anos posterior ao decurso deste negócio nesse caso C vai ser protegido em
detrimento de A, e é aqui que há a limitação à sequela.

d) Tutela do Possuidor de Boa Fé sobre coisas móveis: Ordenamentos jurídicos


existem próximos do nosso, como o Alemão, que vêm prever no seu direito um
princípio chamado “Posse vale título”. Este princípio só se aplica a coisas móveis.
Basicamente se houver um terceiro que venha a adquirir uma coisa móvel a
comerciante que negoceia em coisas desse género ou de género semelhante a essa
coisa e esteja de boa fé (o terceiro) esse terceiro adquire a posse do relógio e a sua
propriedade. Exemplo: A tem um relógio e B esbulhou esse relógio e vendeu a C
comerciante de jóias em segunda mão. D entra na loja e compra o relógio, neste caso
a partir do momento da compra D é considerado proprietário, ou seja a posse do
relógio vale título de propriedade e por isso A não pode propor nem uma acção de
revindicação nem outro meio contra D, e então a sequela do direito de propriedade
de A deixou de existir. Em Portugal contudo este princípio da Posse Vale Título
não se aplica, mas há outras normas que dão resultados semelhantes e que limitam
também a sequela e protegem o terceiro. Em especial temos a norma retirada do
artigo 1301º do Código Civil. O que se extrai deste artigo é que afinal, apesar do
“Posse Vale Título” não se aplicar o proprietário vai poder ir atrás da coisa que
ilegitimamente perdeu desde que pague pelo preço. A limitação à sequela está desde
logo que deste preceito em conjugação com os meios de defesa possessórios resulta a
imprudência de uma acção de restituição da posse13 em razão da boa fé do terceiro14,
dado que a acção de restituição tem uma prova mais complicada do que a acção de
reivindicação da posse fica já aqui sequela mais limitada. No caso do relógio acima
dado a acção de restituição da posse não vai poder ser feita, como é determinado
pelo artigo 1281º nº2, e por isso A vai ter uma tarefa complicada de provar a
propriedade para depois poder finalmente usar a acção de revindicação. O artigo
1281º nº2 na sua parte final com “tenha conhecimento do esbulho” quer referir-se
evidentemente à má fé, e portanto a acção de restituição só pode ser intentada contra
terceiro de má fé. Ora, como já vimos o pressuposto de aplicação do artigo 1301º é
que o terceiro esteja de boa fé. A sequela está ainda fortemente limitada porque
mesmo que até se consiga provar a acção de revendição tem-se ainda de pagar o
preço que o terceiro pagou, ou seja, até podem existir casos em que terei de pagar
mais do que dei originalmente por um bem que é supostamente meu.

3) A Prioridade15 – A característica da prioridade significa que o direito real


prevalece sobre os direitos de crédito e que entre os direitos reais prevalece aquele que

13 Para compreender agora melhor, agora de forma simples, a diferença entra uma acção de revindicação e
uma acção de restituição da posse é que se eu propuser uma acção de revindicação para a tutela da
propriedade ou eu beneficio de uma presunção do direito de propriedade ou vou ter de fazer prova da
minha propriedade o que é difícil de provar, chamada até de “diabolica probacio”, é preciso fazer prova de
uma aquisição originária (que não esteja viciada por nenhum vicio anterior) designadamente esta prova pode
ser feita por aquisição originária pelo usucapião que será a hipótese mais fácil dentro desta prova difícil. Já na
acção de restituição da posse, apesar de não se reconhecer o direito de propriedade mas apenas a posse,
(que também é no fundo o que está aqui em causa pois o objectivo prático é que o objecto retorne ao meu
controlo material, e a posse é conseguida quer pela acção de revindicação quer pela acção de restituição da
posse) o cenário é mais simples, pois só é preciso provar que eu era a pessoa que controlava materialmente a
coisa e não que era proprietário, só preciso de provar que foi esbulhado.
14
Ver artigo 1281º nº2
15 Nos direitos reais de garantia, temos também a regra da prioridade temporal, e, por isso, se o legislador

não disser nada, o direito que se constituiu em primeiro lugar prevalece sobre o direito que se constituiu
em segundo lugar. Mas aqui, prevalecer não significa necessariamente uma condição de existência, como
acontece nos direitos reais de gozo, mas é sim uma prioridade com uma condição de exercício.
Portanto, a hipoteca, que se constituiu em primeiro lugar, não afasta a hipoteca, que se constituiu em
segundo lugar, mas a primeira é exercida em primeiro lugar. Mas, por vezes, é o próprio legislador a dizer
tiver mais data, ou seja, que mais cedo se tenha constituído.
Há discussões doutrinais teóricas sobre esta característica, Luís Pinto Coelho diz que não
se pode falar em prevalência ou prioridade de um direito contra o outro porque na realidade
não há outro direito constituído, ou pelo menos não o poderá haver em bom rigor, quando já
existe um direito sobre essa coisa. Para este professor só existirá prevalência num campo
específico dos direitos reais, os direitos reais de garantia. Por exemplo, nas hipotecas é
perfeitamente possível A hipotecar a casa a B e a C e o direito de B e C coexistir, simplesmente
quem terá prioridade caso os dois usem a hipoteca será o credor que primeiro tenha constituído
o seu direito com o devedor A. Assim, se B tiver constituído um direito sobre a hipoteca de A
antes de C, este tem prioridade sobre C, mas o direito de C existe na mesma para a visão de Luís
Pinto Coelho, pois C continua a ter prevalência sobre os outros credores ou sobre futuros
credores, não há por isso um “não direito” como acontece nos outros casos.
O Professor Henrique Antunes dá no entanto razão à visão de Mota Pinto. Diz Mota Pinto
que em bom rigor há que distinguir na prevalência dois tipos de prevalência (ou
prioridade): uma é prevalência como condição da existência de um direito e outra é
prevalência como condição de exercício. Neste ultimo caso está Carlos Alberto Mota Pinto a
falar naquilo que Pinto Coelho refere quando fala sobre os direitos reais de garantia, primeiro
tem prevalência o direito que se constituiu mais cedo e só depois os outros por ordem
cronológica. A divergência entre Mota Pinto e Pinto Coelho está naquilo que o primeiro chama
de prevalência como condição de existência do direito, porque enquanto Pinto Coelho diz que
não há prevalência nem deixa de haver porque na verdade há é um “não direito” Mota Pinto
pensa que só se pode falar num “não direito” depois de ter feito actuar o primeiro direito. No
fundo Mota Pinto diz que Coelho Pinto só pode julgar sobre a existência de um direito ou “não
direito” depois de ter usado regras de prevalência, às quais chama para esses casos de
prevalência das condições de existência.
A segunda temática sobre esta característica da prevalência é a compatibilidade, pois
há direitos reais em que a questão da prevalência nem se deve por pois os direitos são
compatíveis entre si, como é o caso do direito usufruto vs. direito de (nua) propriedade. É
preciso que haja um conflito entre os direitos em questão para que a definição de preferência
entre eles seja sequer falada.

4) A Publicidade – A publicidade é natural aos direitos reais. Os direitos reais por


definição têm publicidade, designadamente os direitos reais de gozo, que são publicitados de
forma espontânea ao usar a coisa.
A publicidade espontânea acontece por exemplo na roupa, o facto de usar uma camisa
anuncia, à partida que a camisa é nossa. No entanto, por segurança jurídica do comércio, o
legislador entendeu que certas coisas, em especial as imóveis, requeriam publicidade de outra
forma, a publicidade provocada, e foi então que nasceu o registo predial.
A questão da publicidade não se esgota aqui, é preciso saber se há ou não efeitos
substantivos entre haver publicidade provocada e espontânea comparando-as.
Para começar ambas as formas de publicidade têm um efeito presuntivo, o que
significa que quem for beneficiário de uma das duas formas de publicidade é presumido como o
titular do direito de propriedade sobre essa coisa. O artigo 1268º fala sobre isto mesmo, se
estiver a ser discutido um direito de propriedade a pessoa que tiver posse sobre esse objecto

que, independentemente da constituição dos direitos reais de garantia, pela natureza dos direitos reais de
garantia, há um que prevalece sobre o outro. Temos, como norma exemplificativa, o artigo 759º nº2, que
trata do conflito entre um direito de retenção e uma hipoteca, sendo que a lei diz que prevalece o direito
de retenção.
estará já em vantagem por ter esta presunção causada pela publicidade espontânea. O mesmo
acontece no registo, o artigo 7º do CRP, dá esta presunção de titularidade do direito de
propriedade na publicidade provocada.
Em termos processuais/substantivos isto é muito importante porque quem quiser
provar que tem o direito de propriedade terá o ónus, como já vimos em certos casos complicado,
de afastar a presunção.
No caso de a publicidade causada pela posse ir contra a publicidade provocada
pelo registo, no conflito de presunções, temos a regra do 1268º que diz a presunção
proveniente do registo é mais forte prevalecendo sobre a da posse, desde que o registo seja
anterior à data do inico da posse. Se forem duas presunções nascidas na mesma data
prevalece a presunção possessória.
A publicidade será um grande tema da nossa cadeira, em especial o funcionamento do
artigo 5º do CRP com o 17º do mesmo código e com o 291º do Código Civil, bem como em
respeito a matéria da posse. De seguida iremos pois tratar das nuances do registo, isto é, da
publicidade provocada.
O Registo

Efeitos da Publicidade

Efeito Constitutivo

Começando sobre a possibilidade de a publicidade ter ou não um efeito constitutivo dos


direitos. Vamos ver se a constituição de um direito real é independente da publicidade, no
fundo saber se a publicidade é um elemento contemporâneo à constituição de um direito, isto é
sem publicidade não se dá a constituição do direito real, ou se a publicidade é apenas alguma
coisa que acresce ao direito depois de ele nascer num momento anterior.
O efeito constitutivo está presente nos dois tipos de publicidade, tanto na publicidade
espontânea como provocada serão produzidos efeitos constitutivos, porém em medidas
diferentes como iremos ver de seguida. Assim a publicidade terá efeito constitutivo dependendo
de caso para caso.

Se olharmos para o regime da publicidade provocada logo no artigo 4º do CRP do nº1


extrai-se que o direito real nasce independente do registo, embora só possa ser invocado
entre as “próprias partes ou os seus herdeiros”, ou seja é um direito que não vai produzir
plenamente os seus efeitos, mas vai nascer independentemente de haver registo. Retira-se
então do artigo 4º nº1 do CRP que a publicidade provocada não tem em regra um efeito
constitutivo, mas isto não quer dizer que haja situações em que a publicidade provocada tenha
efeito constitutivo como resulta do nº2 do artigo 4º do mesmo código, que diz que por
exemplo no caso da hipoteca o registo tem efeito constitutivo, sem registo não haverá direito,
mas isto é uma excepção à regra do nº1.

Já no caso da posse, da publicidade espontânea, o efeito constitutivo também é


detectável e à semelhança do que acontece na publicidade provocada não é o efeito
substantivo principal16. Dito isto na publicidade espontânea o efeito constitutivo é bastante
mais amplo do que na publicidade provocada pois no caso da publicidade espontânea pode
dizer-se que há pelo menos dois planos em que a posse tem efeito constitutivo:

1) Nos negócios reais quod constitutionem onde como a perfeição do negócio


depende da entrega da coisa então depende do controlo material, leia-se, depende da
posse, o que quer dizer que sem posse da coisa o negócio não está perfeito logo o
direito não surge, logo a posse tem aqui efeito constitutivo. Exemplo clássico é o
penhor (666º e seguintes) e o mútuo (1142º e seguintes)

2) Usucapião, como já vimos brevemente a usucapião traduz-se numa forma de


aquisição de direitos reais que tem natureza originária pela prática reiterada de
actos materiais correspondestes ao conteúdo de um certo direito alguém adquire
esse direito sobre uma coisa, e se assim é significa que a posse produz efeito

16
Como iremos ver de seguida ambos os tipos de publicidade têm vários efeitos sendo que têm efeitos
considerados “principais”. Mas nem na publicidade provocada nem na espontânea temos o efeito constitutivo
como o principal efeito.
constitutivo relativamente ao direito que nasce. A posse tem um efeito constitutivo
através do instituto da usucapião.

Haveria ainda um terceiro plano em que se podia falar de publicidade espontânea com
efeito constitutivo, era o caso de se no nosso ordenamento jurídico acolhêssemos o princípio
“Posse Vale Título”. Se assim fosse, sempre que ocorresse a situação que está descrita no artigo
1301º do Código Civil como vimos anteriormente.

Efeito Enunciativo

Efeito principal da publicidade espontânea que é um efeito que também está presente
na publicidade provocada embora de forma excepcional. O principal efeito da posse é o
enunciativo, quando eu exerço posse estou a declarar aos outros que tenho um direito sobre
uma coisa, mas estou apenas a declarar que sou titular de um direito.

O principal efeito da publicidade provocada é o efeito consolidativo, mas esta tem


também em alguns casos efeito enunciativo. Estes casos estão previstos no artigo 5º nº2, nos
casos dados pelo nº2 não é preciso que haja registo para que o direito produza efeito em relação
a terceiros. Nestas situações o registo não tem então efeito consolidativo tendo então um efeito
enunciativo.
E porque é que será que é nestas situações do das alíneas do nº2 que o legislador
dispensou a necessidade de registo de forma a consolidar o direito? Por que o direito já será
público nos casos previstos pela alíneas. Por exemplo se se adquirir uma coisa por usucapião já
se adquiriu de forma pública e por isso o registo não traria nada de novo, pois esse direito já será
conhecido por terceiros dado que a pessoa que adquiriu já tinha posse da coisa durante vários
anos. Nas servidões aparentes17 também o registo não trará nada de novo pelas mesmas razões:
o direito já é conhecido por todos, logo o registo trará apenas um efeito enunciativo.

Efeito Consolidativo

Principal efeito da publicidade provocada, esta vem consolidar, tornar mais sólido,
aperfeiçoar um direito. Isto percebe-se pelo artigo 5º nº1 do CRP de onde se extrai que um
facto sujeito a registo que não tenha sido registado não vai produzir efeitos contra terceiros e
portanto padece de uma incompletude.
Se A vende a B e B não regista e posteriormente A vende a C e C regista, B não vai poder
opor o seu direito a A apesar de pelo plano do direito substantivo a propriedade já se ter
transmitido para B por força do artigo 408º. No fundo é este efeito de tornar um direito mais
forte que já vimos várias vezes que é o efeito consolidativo, B ao não registar não consolidou o
seu direito e caso tivesse registado esse registo teria então o efeito consolidativo no seu direito e
B poderia então opor-se a C.

Na publicidade espontânea não encontramos o efeito consolidativo.

17
Figura que iremos estudar, mas por agora ficam as breves notas: as servidões são direitas reais de gozo, de
onde se distinguem as servidões aparentes e as servidões não aparentes, sendo que as aparentes são aquelas
que se distinguem por serem públicas e notórias para os outros.
Efeito Aquisitivo

O efeito aquisitivo tal como o efeito consolidativo também é exclusivo da publicidade


provocada não ocorrendo na espontânea. É chamado pelo Professor Henrique Sousa Antunes
como o “outro lado da moeda” do efeito consolidativo e traduz-se no efeito que só poderá
operar quando não se verifica o efeito consolidativo. Se A vender a B e B e não registar e
posteriormente A vender a C, o registo pela parte de C vai ter efeito aquisitivo. C vai
adquirir uma coisa alheia aos olhos do direito substantivo. C, como já aqui falámos e
falaremos melhor, por ter adquirido uma coisa de boa fé e a título oneroso ao registar irá
adquirir a coisa. É a isto que se chama o efeito aquisitivo, pois o ordenamento jurídico dará a
propriedade a C, e isto só acontece se B não registar, ou seja se não houver efeito consolidativo.

Este efeito não se verifica na publicidade espontânea e tal faz sentido uma vez que não
há hipótese de operar também o efeito consolidativo que é necessário ter lugar para que se dê o
efeito aquisitivo.

Artigo 5º do Código do Registo Predial

Sem prejuízo do estudo que vamos fazer na usucapião onde a posse tem um efeito
constitutivo vamos agora olhar para os efeitos aquisitivo e consolidativo da publicidade
provocada no registo predial dada a importância prática desta temática.

O contraste que vamos agora estudar entre os dois efeitos é feito à luz de três normas:
artigo 5º e artigo 17º nº2 do CRP e artigo 291º do Código Civil.

A primeira restrição que temos que fazer no artigo 5º é que quando a lei neste artigo diz
“terceiros” tem de ser terceiros interessados, ou seja, terceiros que invoquem uma situação
jurídica que é incompatível com a situação jurídica que não foi registada. Por exemplo A é
proprietário de um apertamento mas não o registou após aquisição e arrendou o apertamento a
B, supondo agora que A por razões de incumprimento do contrato pretende despejar B, B não
pode usar o facto de A não ter registado como defesa, isto é assim porque o registo da
propriedade nada tem a ver com o arrendamento, B aqui não é um terceiro aos olhos deste
artigo, desde logo porque a situação de B não é incompatível com a situação não registada.
Mas, além disso, como já temos vindo a referir não basta que o terceiro esteja apenas
interessado e numa situação incompatível, é preciso ainda ter registado pois se isso não
acontecer não faz sentido falar na aplicação do artigo 5º nº1.

Há ainda um ponto de relevo muito grande, a doutrina, em especial a academia de


Lisboa, por interpretação sistemática e analógica com o artigo 17º do CRP e o artigo 291º do
Código Civil vem dizer que neste artigo 5º não se pode ser mais benevolente nos critérios de
admissão ao terceiro impondo que este, para ser terceiro aos olhos deste artigo, além de
registado esteja de boa fé no momento da aquisição do direito e que o terceiro tenha
adquirido tal direito a título oneroso que são duas condições encontradas nos artigos 17º e
291º. Portanto em Lisboa a doutrina diz que para aplicação do artigo 5º do CRP é necessário
que haja registo + boa fé + aquisição a título oneroso.
No entanto a problemática não se fica por aqui na aplicação deste artigo, pois o que até
agora foi falado foi sobre uma relação dita “triangular”: A vende a B e A vende a C
posteriormente18 este regista, há um mesmo autor comum, o A, e a propriedade por força de
aplicação do artigo 5º, se C tiver adquirido de boa fé e a título oneroso. Se no entanto C
adquirisse o bem a título gratuito ou em má fé nesse caso, para a doutrina da escola de Lisboa,
não estariam preenchidas as condições de aplicação do artigo 5º, e C não será um terceiro
protegido mas sim B mesmo que não
tenha registado. Até aqui é fácil de
perceber o esquema, o problema está
relativamente às situações em que
saímos desta relação “triangular”
como é o caso típico do artigo 291º em
que A vende a B e B vende a C, aqui há uma relação “horizontal” e não triangular. É esta
existência de relações não triangulares que metem em causa o conceito de “terceiros” visto até
aqui, pois quando falamos na relação triangular, ainda que falemos do título oneroso e da boa fé,
estamos a pensar num conceito restrito de “terceiros.”

Vamos supor agora outra relação em que A tinha uma dívida com C
e não a pagou. C, como já sabemos, tem o património do devedor como
garantia geral, e vamos supor que o que está no património do devedor é
um terreno que A vendeu a B, pois B não registou tal terreno, e por isso
quando for promovido o registo da penhora19, C regista sobre os bens que
existem no património de A que inclui o terreno vendido a B, o que pode
acontecer pois no registo não se encontrará a propriedade em nome de B pois este não a
registou. B verá um bem que é seu a ser penhorado. A questão que se coloca é se se deverá
aplicar a concepção restrita de “terceiros” e consequentemente o artigo 5º nestas situações que
não são relações “triangulares” e é uma questão muito debatida na doutrina e jurisprudência,
havendo até muita jurisprudência contraditória.
Neste caso da penhora temos então a opção de aplicar a concepção restrita de
“terceiro” ou não, e se escolhermos essa opção, “terceiros” são apenas aqueles que
adquirem a coisa de um autor comum e por isso quem ficará com a coisa será B pois C não
é terceiro e não pode opor o seu registo a B ficando C prejudicado. Já se seguirmos a opção de
não aceitar apenas a concepção restrita mas aceitar uma concepção mais ampla de
“terceiro” incluindo então C aí este já ficaria com a coisa pois teríamos duas situações
jurídicas incompatíveis entre si e C tinha registado e B não.

Concepção Ampla e Restrita de Terceiro

O que se extrai deste exemplo da penhora é que no artigo 5º para além do facto
registado, adquirido em boa fé e a título oneroso temos de determinar com que “terceiro”
estamos a lidar, com um de uma concepção ampla ou de uma concepção restrita, clássica
defendida por exemplo por Manuel de Andrade.

Por esta matéria ser alvo de tantas opiniões divergentes o Supremo Tribunal de Justiça
veio proferir um acórdão de uniformização de jurisprudência, o acórdão 15/97 onde vai ser

18Exemplo que tem sido dado anteriormente. Ver supra.


19
Acção judicial em que se apreendem os bens do devedor para que sejam vendidos e paguem a divida do
credor. Está sujeita a registo pelo artigo 2º n) do CRP
recebido um conceito amplo de terceiros. Na decisão do acórdão pode ler-se “Terceiros, para
efeitos de registo predial, são todos os que tendo obtido registo de um direito sobre
determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior
não registado ou registado posteriormente.” Neste acórdão vemos adoptado um conceito
amplíssimo de “terceiro”, aplicando este acórdão ao exemplo dado da penhora C seria o
protegido pois seria um terceiro20.
Esta concepção é no entanto uma que casa mal com a realidade portuguesa, em especial
à da época do acórdão onde o registo ainda não era obrigatório e era apenas um ónus, como é
dito no acórdão seguinte do Supremo Tribunal de Justiça sobre a temática: as pessoas
compravam, sobretudo nos meios menos informados e ficavam com a sensação que bastava ir ao
notário e depois de celebrar a escritura ficavam definitivamente proprietárias do imóvel, o que
aconteceu é que começaram a haver muitos casos em que penhoravam bens que eram de outras
pessoas pois estas não tinham registado.

Foi então que logo dois anos depois veio outro acórdão do Supremo mudar o rumo da
questão, o acórdão 3/99. Diz o acórdão, adoptando a concepção restrita de “terceiro”, são
“para efeitos do disposto no Código do Registo Predial são os adquirentes de boa fé de um
mesmo transmitente comum21”.
O legislador reagiu a este acórdão e no mesmo ano veio consagrar um preceito que
parece acolher o conceito restrito de “terceiros”, o artigo 5º nº4 protegendo os titulares do
direito22 contra os credores que tenham registado uma penhora.

Neste preceito verificamos a necessidade de confirmar um “autor comum” para que


alguém seja terceiro. Apesar de semelhante o preceito não é igual à decisão do acórdão, no
acórdão é referenciado o “transmitente comum” e no artigo lê-se “autor comum”, podíamos estar
perante um mero preciosismo, mas o Professor Henrique Sousa Antunes não entende que assim
o seja, pois 9 anos mais tarde, em 2008, o legislador veio introduzir um princípio de
obrigatoriedade registal, ou seja, o registo deixou de ser um mero ónus para uma
obrigação. Se o registo passa a ser obrigatório, parece que a teleologia dessa medida é que o
registo ganhe mais certeza e gere maior segurança no comércio, no fundo o objectivo é aumentar
a confiança no registo. Ora, para Henrique Sousa Antunes esta medida só é compatível se
concebermos um conceito amplo de “terceiros” onde aquele que registou é beneficiado. É por
este entendimento que há doutrina tenta ler “autor comum” como algo diferente de
“transmitente comum” de modo a tentar afastar-se do conceito restrito dado pelo Supremo.

No entendimento do Professor Henrique Antunes há então um “terceiro” para efeitos do


artigo 5º do CRP quando estejamos perante sujeitos que legitimam direitos total ou
parcialmente incompatíveis no registo de um mesmo autor comum. O que significa que em
bom rigor o Professor acha que devemos interpretar o nº4 no sentido de o fazer compatível
com a obrigatoriedade registal, não com o conceito restrito de terceiros mas com o conceito
amplo de terceiros.
Isto porque se é verdade que B não regista o direito também há uma obrigação de o fazer
num certo prazo e se não o faz terá então essa sanção de perder a propriedade. O problema é
que a realidade é mais complexa, pois a obrigatoriedade do registo não foi feita de modo a que o

20 Desde que, aplicando a doutrina de Lisboa, tivesse também de boa fé. (Venda judicial só implica título
oneroso se o crédito que B devia a C tivesse sido adquirido a título oneroso, pois foi em função desse crédito
que houve lugar à penhora.)
21
Temos aqui então de ter uma relação “triangular”.
22
Neste caso da penhora o B.
sujeito que tem o dever de registar possa garantir que assim aconteça a 100%, pois na realidade
quem vai realizar o registo é o advogado/notário que autentica o documento particular. Isto
quer dizer que em bom rigor prático quem tem a obrigatoriedade de registar é o
notário/advogado e ficamos numa situação quase esquizofrénica de desconfiança, pois se o
notário/advogado não o fizerem a tempo e entretanto outro sujeito registar esse bem teremos
aqui um problema grave de desconfiança no ordenamento, no caso dado da penhora B ficaria
nas mãos do notário/advogado que poderia por desleixo não registar antes de C e B ficaria a
perder.
Para ultrapassar isto, Henrique Antunes dá a solução de que o ordenamento vai ter de
dar importância à publicidade espontânea mediante a posse. No caso da penhora, se B tem
o controlo material da coisa, pode usar o bem e dar a conhecer a terceiros, por isso isto poderá
ser um meio de defesa contra C, ficará sobre o efeito da presunção possessória e que como já
vimos anteriormente quando contemporânea ao registo é até mais forte que a presunção
registal. Assim Henrique Antunes acha que se deve proteger B apesar de seguir o conceito amplo
de terceiro pois se este não pode publicitar através do registo (porque o advogado não registou a
tempo) pode publicitar através da posse.
Além disto, em termos práticos se C quiser registar além ter de ir ao Registo Predial para
o fazer vai ter também de ir ao local, ir ao bem imóvel e lá vai verificar que lá está alguém, e se C
não se abastem de comprar depois disso podemos entender que está em má fé. Por estar em má
fé podemos dizer que o terceiro não adquire pois o artigo 5º como, já vimos, só funciona se C
tiver adquirido de boa fé.

O que estamos aqui a dizer é que a consagração da obrigatoriedade registal aponta


no sentido de que a conceção que se deve adotar é a conceção ampla de terceiros, talvez
não uma amplíssima como o Tribunal deu, mas uma ampla. Porque, a obrigatoriedade promove
a confiança no comércio jurídico, e, como tal, os terceiros em geral devem poder ser protegidos
pela ordem jurídica.
Dito isto, se queremos olhar para o artigo 5º nº4 em conjugação com o princípio da
obrigatoriedade registal, a conclusão a que chegamos é que essa norma tem de ser lida de uma
forma actualista e por isso não terá o CRP adotado um conceito restrito mas amplo.
Isto pois a intenção do acórdão era clara de se protegerem as pessoas num tempo em
que o registo era só um ónus, ora as coisas mudaram com o princípio da obrigatoriedade
que veio trazer esse dever de registar, não para o titular do direito, mas sim em bom rigor
para as entidades que titulam os fatos jurídicos. Isto é, não é o adquirente que tem de
registar, mas o advogado, o notário. Isto significa, retirar das mãos do titular do direito o
controlo da publicidade provocada.
Se assim é, o Professor Henrique Antunes acredita que, embora a concepção ampla de
terceiros seja aquela que é congruente com o princípio da obrigatoriedade registal, ainda assim
é necessário dar alguns instrumentos de tutela ao titular do direito de quem não registou,
apesar da adoção do conceito amplo. Ou seja, o Professor defende um conceito amplo, mas
depois limita esse conceito, não sendo por isso amplíssimo como tribunal dizia.

Recapitulando:

2 acórdãos em sentidos diferentes:

1º Acórdão de 1997 – adota um conceito amplo de terceiros: Terceiros são todos


aqueles que tendo obtido registo de um determinado facto, viriam o direito
correspondente ser arredado por um facto jurídico anterior não registado ou registado
posteriormente.
2º Acórdão de 1999 – Vem adotar um conceito restrito de terceiros: Terceiros são todos
aqueles que adquirem de um mesmo transmitente comum, sendo que este acórdão
acrescenta ainda a boa fé como um elemento de tutela do terceiro.

Ver a este respeito a hipótese 4 e hipótese 6 neste caderno.

Terceiro de Boa Fé e adquirente a Título oneroso

O professor Henrique Antunes, com a doutrina de Lisboa, assenta os seguintes


“instrumentos” ou requisitos para que alguém possa ser considerado terceiro para aplicação do
artigo 5º do CRP: Reconhecimento que o terceiro só é protegido em face deste titular do direito,
se esse apresentar uma aquisição a titulo oneroso e de boa fé, elementos retirados de uma
interpretação sistemática com os artigos 17º do CRP e 291º do Código Civil. Vejamos cada um
destes elementos:

Boa fé – Alguma doutrina em Coimbra refere que introduzir a boa fé como requisito de
tutela do terceiro, é trazer um fator de incerteza à ordem jurídica. No entanto, na opinião do
Professor Henrique Sousa Antunes isto é respondível sobre duas perspetivas:

1º- Não deve haver um prémio a quem age de forma consciente violando um direito de
terceiro, daí a boa fé dever ser um requisito de tutela do terceiro

2º - Não há assim tanta incerteza porque se havia posse anterior ao registo, nós temos aí
a possibilidade de fundar uma presunção inilidível de má fé, que torna as coisas mais
certas para o juiz.23 Se existir uma posse anterior a um registo de terceiro, para o este
professor há uma presunção inilidível de má fé, que faz com que a tutela do terceiro não
ocorra. A publicidade espontânea, a publicidade fundada na posse pelo titular do direito,
veio excluir a existência da boa fé de que depende a tutela do terceiro. Aliás, na prática,
ao registar, tem de ser ir ao terreno e ao ir-se a terreno se houvesse posse veria-se que
estava lá alguém tomando conhecimento da situação só se poderia estar de má fé.

Título oneroso - Também alguma doutrina põe em causa a aquisição a título oneroso,
porque também não está no artigo 5º do CRP, está apenas no artigo 291º do CC e 17º nº2 do
CRP. Como é que se justificará então?
Ex: A vendeu a B, e depois A doou a C, B não registou.
Esta doutrina diz que a aquisição a título oneroso não é necessária para a tutela do
terceiro, porque embora B tendo pago pela aquisição do seu direito e C tenha recebido em
doação C merece proteção, porque B tinha o ónus de registar e não o fez. Isto é, a ideia de que o
terceiro pudesse ser protegido apesar de ter sido uma aquisição gratuita, está casada com a ideia
de que o titular do direito tem o ónus de registar e não registou.
Portanto, embora um terceiro receba alguma coisa sem dar nada em contrapartida, o que
acontece é que esse terceiro deve ser protegido em detrimento do titular do direito que deu

23
Ver referencias ao efeito presuntivos que já aqui falámos
alguma coisa para adquirir o direito, porque esse tinha a possibilidade de ter registado e não
registou.

No entanto, a resposta a esta doutrina é que, como já vimos, a obrigatoriedade não


foi construída dando a possibilidade de registar ao titular do direito, mas sim retirando o ónus
ao titular do direito. Se assim é, se há uma obrigatoriedade do notário, do advogado, nós não
podemos fazer um juízo de censura a B porque não registou.
Como tal, deixa de haver razão para distinguir o artigo 5º do 17º nº2 e do 291º, em
que a aquisição a título oneroso é uma condição necessária para que a tutela do terceiro ocorra.
O artigo 5º vai ter de ser interpretado beneficiando a aplicação analógica daquilo que resulta
dos outros dois artigos.

Em Suma:
1º- Nós temos uma sucessão jurisprudencial, que conduziu o legislador em 99 a adotar a
conceção restrita de terceiros. Porém a obrigatoriedade registal, deve levar-nos a interpretar o
artigo 5º nº4 não no sentido da concepção restrita, mas sim no da concepção ampla.
2º - Temos de proteger o titular do direito em virtude dos termos em que a
obrigatoriedade registal foi consagrada e como é que protegemos? Exigindo ao terceiro que
tenha adquirido de boa-fé e a título oneroso. E na boa fé, joga um papel fundamental a existência
ou não, antes do registo, de uma posse do titular do direito. Se essa posse existir haverá má fé do
terceiro.

Os artigos 17º nº2 do CRP e 291º do Código Civil

O artigo 17º nº2 protege o terceiro relativamente à declaração de nulidade do registo.


Este artigo fala de nulidade do registo, quais são os casos de nulidade do registo? São os pré-
indicados no artigo 16º, só posso aplicar este artigo 17 nº2 se se verificar alguma das situações
artigo 16º

Artigo 16 a), exemplo: A proprietário de um terreno é prejudicado pela acção de B que


falsifica uma escritura pública de compra e venda entre A e B. Portanto, temos um título
falsificado, e com base nesse título B consegue registar a aquisição da propriedade sobre o
terreno. B, entretanto, aliena esse mesmo terreno a um C, esse que é um sujeito que adquire de
boa fé e adquire a título oneroso, e, por outro lado, registou a aquisição antes que o A tivesse
sabido o que tinha acontecido24, antes do A propor uma ação de declaração de nulidade do
registo. Verificam-se as condições de aplicação do artigo 17º nº2 do CRP. Coloca-se a questão
de saber quem deve ser protegido à luz da nossa ordem jurídica nesta hipótese? Temos o
A que tem um título de propriedade sobre a coisa, não tendo transmitido essa propriedade. Vê-
se confrontado com a falsificação de uma escritura pública, e
há um registo subsequente e uma alienação a terceiro.
Estando em conflito A e C. O ordenamento jurídico fez uma
opção em favor de C, este defende-se com base no artigo 17º nº2.
24
Como se vê na imagem, agora estamos numa relação dita horizontal e não triangular: não houve dupla
alienação
No artigo 291º também temos um A, mas neste caso esse participa na aquisição do
direito por parte do B. Participa celebrando um negócio jurídico com B que padece de uma
invalidade, é um negócio jurídico nulo ou anulável, B depois transmite o direito a C.
Requisitos deste artigo:

1º - Negócio jurídico que seja nulo ou anulável

2º- Objecto do negócio jurídico tem de respeitar a bens imoveis, ou bens moveis sujeitos
a registo

3º - Título oneroso e Boa fé

4º - C tem de ter registado a sua aquisição antes do registo da acão de declaração de


nulidade ou de anulação deste negócio ou registo do acordo das partes acerca da
invalidade do negócio. Portanto, se esse registo for anterior ao registo que tem por base
a invalidade do negocio, nesse caso o terceiro de boa fé vai ser protegido.

Substancialmente é o mesmo que no artigo 17º nº2, porque temos um titular do direito
(A) que de acordo com as regras do direito substantivo continuaria titular do direito porque o
negócio jurídico que celebrou é anulável ou nulo.
O 291º é uma norma de inoponibilidade da invalidade a terceiros de boa fé. Isto significa,
que o A não pode opor a invalidade do negócio jurídico obtendo os efeitos da retroactividade da
invalidade, a terceiros de boa fé. Se eu tiver um terceiro que regista antes do registo de
invalidade do negócio entre A e B, adquiriu a título oneroso e de boa fé. Prevalece a posição
jurídica de C. Parece que as condições de tutela do terceiro no 17º nº2, com interpretação
baseada no elemento sistemático e 291º são sempre as mesmas: Registo, titulo oneroso e boa fé.
Embora as condições de aplicação sejam distintas:

1º - 17º nº2 Pressupõe um registo que é nulo

2º - 291º Pressupõe um negócio jurídico nulo ou anulável

O 291 nº2º diz anda que a acção de declaração de nulidade, ou de anulação do negócio
jurídico, for proposta nos três anos posteriores à conclusão do negocio, mesmo que o terceiro
tenha registado, adquirido a titulo oneroso e de boa fé, a posição jurídica que vai prevalecer é a
de A (titular originário), ou seja o terceiro não prevalece.
Isto não é assim no 17ºnº2 onde temos o terceiro mais protegido, porque a aquisição
dele é imediata. Não tem de esperar três anos anos, é uma aquisição que não está dependente de
nenhum prazo em que a possa perder como no 291º. A situação de A é mais desprotegida pelo
17º nº2.
No artigo 17º nº2 temos casos em que há título falso, não há nenhuma vontade de A
nem sequer uma vontade viciada, já no 291º a declaração de nulidade é fundada na falta de
forma ou em vícios de A. Isto levanta questões, pois os vícios são mais graves no previsto
pelo 17ºnº2 mas é no 17º nº2 que o terceiro será mais protegido, o que parece
contraditório.
A doutrina pronuncia-se sobre a questão:
O Professor Oliveira Ascensão diz que o artigo 291º não exige no seu texto nenhum
registo de B (intermediário). Isto é, C poderia adquirir de um B que não beneficiaria de um
registo. No entanto, só tem razão de ser proteger um terceiro, quando ele beneficia da
confiança que o registo anterior lhe dá, não podemos proteger C, que foi adquirir de B que
não tem registo em seu favor. Nem poderíamos falar de boa fé do C, se não há registo a favor
de B, porque ou foi ao registo e sabe que não registo a favor de B ou nem se deu ao trabalho de o
fazer, não cumpriu aquilo que é um mínimo. Depois aplica o prazo de três anos ao 17º nº2.
Assim o Professor Oliveira Ascensão diz duas coisas que são importantes:

1º - Só pode haver tutela do terceiro, se houver uma confiança fundada num


registo anterior. Por isso, embora o artigo 291º nada diga, este artigo pressupõe o
registo intermédio, isto decorre da boa fé.

2º - Defende que o prazo de 3 anos que vem estabelecido no 291º nº2, é aplicável
analogicamente por maioria de razão ao 17 nº2, porque se o vício no 17º nº2 é mais
grave, por maioria de razão então o terceiro tem de esperar três anos para poder
adquirir sem que o titular originário lhe possa “retirar” a coisa.

Depois temos o Professor Carvalho Fernandes que defende que no artigo 291º não
tem de existir registo intermédio, e o facto de não exigir faz com que tenhamos nesse artigo
um negócio jurídico nulo ou anulável.
O Professor Carvalho Fernandes defende que os três anos estão lá, precisamente porque
o terceiro adquiriu a quem não tem registo a seu favor, não pode invocar a seu benefício a
confiança que o registo lhe daria, por isso os três anos estariam lá para tornar mais exigente a
aquisição do terceiro que fundou essa aquisição em coisa diversa da existência de um
registo.
Para Carvalho Fernandes as situações em que o 291º se aplica, são as situações em que
não há um registo intermédio, assim se justificando a espera de três anos.
Mas, isto cria um problema, seguindo Carvalho Fernandes exemplo: imaginando que B
registou, o 291º não exige registo, mas também não afasta a existência do registo. Como o B
registou, o Professor Carvalho Fernandes já não pode dizer que os três anos são razoáveis,
pois para ele os três anos só se aplicam na falta de registo.

Portanto o Professor Carvalho Fernandes, e também o Professor Menezes Cordeiro


propõem que:

1º - Artigo 17º nº2 aplica-se quer às situações de invalidade registal isto é às do artigo
16º do CRP, quer às situações de invalidade substantiva em que existe um registo
intermédio.

2º - Aplicam o 291º às situações de invalidade substantiva, em que não existe um


registo intermédio. Os três anos estão lá para dificultar a aquisição.

Assim se A com negócio jurídico nulo ou anulável transmite a B, que regista a aquisição e
depois esse transmite a C, que regista também a aquisição. Nesta hipótese, que é a única que o
Professor Oliveira Ascensão admite no artigo 291º, para Menezes Cordeiro e Carvalho
Fernandes esta situação é regida não pelo 291º, mas sim pelo 17º nº2 do CRP.
O Professor Henrique Sousa Antunes observa que não se encontra referência à
situação de A, que é o verdadeiro titular do direito em nenhuma destas doutrinas. Ninguém fala
se o A registou ou não. Ou seja, que ninguém olha para o “início” da cadeia de suposta
transmissão.
Se A registou ao fazê-lo consolidou o seu direito, tornou o seu direito plenamente
oponível a qualquer terceiro. Não há aplicação do 17º nº2, e não há aquisição do terceiro. Não
há inoponibilidade do direito, esse é plenamente oponível ainda que o terceiro apresente as
condições que o 17º nº2 exige.
Não faz sentido, dizer-se que o 17º nº2 se aplica, sem mais às hipóteses em que A
nada fez e registou, mas aparece um título falso de transmissão a favor de B, que depois regista,
e depois B aliena a C. Neste tipo de hipóteses, para Sousa Antunes, quem é protegido é A, apesar
de C reunir os 3 requisitos para ser protegido: titulo oneroso, registo e boa fé.
Quanto ao artigo 291º o Professor defende que este artigo pressupõe um registo
intermédio, discordando do Professor Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro. Para Sousa
Antunes o artigo 291º aplica-se às situações em que há um negócio jurídico nulo ou
anulável, há um registo intermédio, e depois há um registo de boa fé, oneroso tendo em
conta o prazo de três anos
Qual a diferença entre a situação do 17º nº2 em que A registou e, portanto, o terceiro não
é protegido e a situação do 291º em que A registou, e, no entanto, o terceiro é protegido nos
termos em que o 291º permite? É que nas hipóteses do 291º, o A tem vontade. O A quer
transmitir o seu direito, este A fez algo para por em causa o seu direito, alienou-o. Mesmo que o
vício fosse incapacidade acidental, há uma vontade mínima. Se se aplicar o 291º a esta
hipótese vamos tutelar o terceiro, mas atenção, o titular do direito vai ter em seu benefício os
três anos.

Assim a posição de Henrique Sousa Antunes é:

1º– o artigo 17º nº2 só se pode aplicar quando A25 (o titular do direito) não
registou, quando A não operou o seu efeito consolidativo. Só se aplica também quando
há nulidade do registo (que B faz), e quando temos registo do terceiro a título oneroso e
de boa fé.

2º - O 291º pressupõe registo intermédio, como Oliveira Ascensão defende.

3º - Se houver um registo do A e estamos perante uma situação do 291º o terceiro


pode adquirir, desde que passe o prazo dos três anos.

4º - Se A não tiver registado, aplica-se o 17º nº2 que vai ter de ser aplicável
analogicamente por maioria de razão, às hipóteses em que havendo um negócio jurídico
nulo ou anulável A não registou e ainda por cima participou num negócio com B. Por
essa razão não deve beneficiar dos três anos, ele nem consolidou o seu direito.

A diferença do artigo 17º nº2 e do 291º é que o 291º mesmo que o A tenha registado o
terceiro pode adquirir. No 17º nº2, se o A registou o terceiro não adquire. Mas, para
Henrique Antunes se tivermos perante um caso do 291º e o A não tiver registado, o
regime que aplico é do 17º nº2.

25Estamos a usar o exemplo A-»B-»C, mas claro que se generaliza o que está ser dito: titular-»intermediário-
»terceiro
Qual a razão para a posição do professor Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro não
ser a melhor? Os professores Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro estão a por em causa o
principio da legitimação registal e o principio do trato sucessivo. Não pode haver negócio
jurídico celebrado entre B e C, nem pode haver registo a favor de C, se não houver registo a favor
de B.
Mas, esta mesma crítica pode ser feita à tese do Professor Henrique Sousa Antunes, pois,
o professor esta a sugerir que o 17º nº2 se possa aplicar a um caso onde tenho o A que não
registou e o B consegue por títulos falsos registar, e depois alienar ao terceiro que regista. No
entanto aqui é menos criticável porque há títulos falsos. Portanto, entre A e B o título foi
falsificado, por isso haveria uma impossibilidade de acordo com o princípio do trato sucessivo
(não havia impossibilidade com o principio da legitimação registal). Assim a posição de
Henrique Antunes é menos criticável pois não mete tanto em causa a legitimação registal pois
esta está a ser, nos casos em que aplica o 17º nº2, aldrabada por alguém.

A posição do titular do direito perante o efeito aquisitivo do registo

Coloca-se agora a questão de saber o que acontece ao direito do titular nas relações
triangulares quando há dupla alienação. Isto o que acontece quando se aplica o artigo 5º do
CRP. Exemplo da dupla alienação26: C registou, titulo oneroso, boa fé.
A dúvida que se coloca, é se o C for protegido pelo artigo 5º, o que é
que acontece à situação jurídica de B? Temos várias posições na
doutrina:

O Professor Oliveira Ascensão defende que quando o terceiro (C) é protegido em face
das regras do registo predial, o titular do direito (B)27 vê o seu direito extinguir-se porque
opera um facto resolutivo desse direito. Se C voltasse a vender a A ou alienasse a um terceiro
que está de má fé, o B podia dizer que já não há razões para a tutela do registo predial, só
que segundo Oliveira Ascensão B não pode fazer isto porque o seu direito extinguiu-se.

Os seguintes professores discordam, mas com teses diferentes:

Os Professores Menezes Cordeiro e Henrique Sousa Antunes falam num direito real
inoponível. Dizem que há dois direitos, o de C e B. Só que o de B é inoponível.

O Professor Carvalho Fernandes fala de numa situação de expectativa jurídica. Há


um direito de C, B tem uma expectativa jurídica só. Para o professor Carvalho Fernandes a
partir do momento em que há uma aquisição registal B o direito de B desaparece.

Qual a consequência destas posições? Se a coisa voltar ao A, ou for vendida a um


terceiro. B pode opor o seu direito a eles, porque deixaram de existir as razões que a ordem

26 Relação triangular
27 Estamos a assumir que segundo o plano substantivo o direito passou de A para B legitimamente e
eficazmente. Assim o titular é agora B no plano substantivo.
jurídica registal considerava para que o terceiro fosse protegido. Portanto, a diferença entre a
posição do Professor Oliveira Ascensão e estas últimas é:

1)Para o Professor Oliveira Ascensão a partir do momento em que há aquisição registal,


B “desaparece” do ponto do plano registal.

2)Para os Professores Henrique Sousa Antunes, Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro


a situação de B merece tutela quando C aliena a outro, mesmo depois da dupla alienação
se ter dado.

Mas há uma coisa diferente na posição do Professor Henrique Antunes, ao contrário


Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro não acha que se possa dizer que esta situação perdure
indefinidamente. Estes autores não estabelecem nenhum limite temporal para a situação de B.
O Professor Henrique Sousa Antunes acha que mesmo que não haja aquisição por usucapião a
favor de C28, o direito de B se vai extinguir porque o nosso ordenamento jurídico, quando
há uma impossibilidade de exercício por 20 anos, isto pois é o tempo da prescrição, e o B vai
perder o direito de agir.

Há ainda a dizer que Menezes Cordeiro dá quatro exemplos em que para ele há
revivescência do direito de A:

1) reintegração do direito real na esfera jurídica do primitivo alienante

2) direito real adquirido por terceiro de má fé,

3) entrega voluntária da coisa que o terceiro titular do registo faz em favor do


verdadeiro proprietário,

4) renúncia do direito por parte do terceiro a quem o registo dava protecção jurídica

28
Aqui já estamos a falar do plano possessório, não é a temática aqui, porque ai o direito de B extingue-se sem
dúvida.
Tipicidade

Encontra se assente no artigo 1306º do Código Civil. A sua letra não é isenta de
dúvidas. A sua epígrafe “numerus clausus” denota que estamos aqui no âmbito de uma categoria
fechada. Este artigo vem fechar as categorias de Direitos Reais que são admissíveis na ordem
jurídica Portuguesa, as partes não têm por isso a liberdade para criar Direito Reais
diferentes daqueles que o legislador prevê em qualquer diploma. O legislador reserva
para si a atribuição de eficácia real privando os particulares dessa escolha.

Este artigo 1306º diz então que a constituição com carácter real de direitos não
previstos na lei não é permitida, ficando esses com natureza obrigacional se forem criados. O
artigo fala em restrições e figuras parcelares do Direito, sendo que estabelece na parte final esta
conversão legal, dizendo que se as partes tiverem criado por negócio jurídico uma restrição
que não esteja nestas condições29, essa figura que tenha sido criada pelas partes por negócio
jurídico terá carácter obrigacional e não real. É uma conversão legal por isso não tem de
obedecer aos pressupostos da conversão comum do 293º.
Este artigo é também utilizado como argumento para defender a eficácia relativa dos
Direitos de crédito30, dizendo que aqui está a demonstração de que a natureza obrigacional é
diversa da natureza real.

Esta conversão legal é uma primeira fonte do problema que vamos tratar porque
refere-se apenas a restrições, sendo que a primeira parte da norma se refere a dois tipos de
criação: 1)às figuras parcelares, 2) às restrições.
O problema que se coloca agora em primeiro lugar é então se esta conversão legal se
aplicará quer à restrição quer à figura parcelar do Direito, pois na segunda parte da norma
lê-se “toda a restrição resultante do negócio jurídico, que não esteja nestas condições tem
natureza obrigacional” e não “toda a restrição ou figura parcelar resultante do negócio jurídico,
que não esteja nestas condições tem natureza obrigacional”.

Figura Parcelar

Uma figura parcelar significa dividir e dar poderes idênticos a pessoas. Estamos a pensar
em figuras que por referência ao direito de propriedade, dão ao seu titular poderes idênticos aos
do proprietário. Um exemplo histórico é da enfiteuse.
Exemplo: O Direito de Superfície consiste na faculdade de construir ou manter uma
obra em solo alheio ou de nesse solo, plantar e manter plantação. Quando olhamos para o artigo
1524º, que nos dá a noção de Direito de Superfície, e para o seu regime jurídico, percebemos
que o que acontece é que o solo pertence a uma pessoa, por exemplo o Sr. A, que aí podia
perfeitamente ter construído, mas que este deu em benefício do B, o Direito de construir nesse
solo. O Sr. B vai por isso construir determinada obra no solo do Sr. A, sendo que sobre esse

29
Nesta condições diga-se: previstas na lei.
30
Como vimos o semestre passado em Direito das Obrigações.
edifício que ele constrói em solo alheio, ele vai ter os mesmos poderes de um proprietário.
Ou seja, ele não depende da autorização de ninguém para agir sobre a construção que ele fez.
Sobre o edifício, ele pode agir como bem entender, o solo é de uma pessoa, o edifício é de outra.
Por isso se diz que neste direito vamos ter uma figura parcelar do Direito de
Propriedade. É atribuído a um terceiro os mesmos poderes que um proprietário teria (gozar,
fruir e dispor) com plenitude da coisa que é objeto do seu Direito, embora se deva considerar
que se trata de um Direito Real menor, já que não é um Direito exclusivo.
No Usufruto também se diz que o usufrutuário tem o Direito de gozar temporariamente
de uma coisa ou Direito alheio. Mas também se diz que nesse gozo não se pode alterar a forma
ou substância da coisa. O que significa que esta sua atuação é limitada, por respeito devido ao
Direito de Propriedade.
Ora, o superficiário na relação com a coisa pode alterar a sua forma ou substância. Ou
seja, ele tem em relação à coisa poderes de um proprietário, e daí estarmos a falar de uma
figura parcelar porque há destaques de faculdades próprias de um Proprietário em benefício do
terceiro.
No Usufruto talvez tenhamos a restrição mais importante ao direito de
propriedade. Já não é contudo, uma figura parcelar deste direito de propriedade porque
não estamos a destacar poderes de um proprietário, porque os usufrutuários não pode agir
relativamente à coisa como se fosse dele. Tem uso e fruição plenos, mas não pode alterar a
forma e a substancia, coisa que se fosse proprietário podia fazer. Daí que se diga que
quando há um usufruto, o proprietário tem um Direito de nua propriedade, ou seja, existe aqui
uma propriedade despida porque os poderes de uso e fruição foram atribuídos a terceiros, o
usufrutuário não pode deitar a baixo um edifício, coisa que um superficiário já pode.

Alcance

A pergunta que se coloca é se a conversão legal se aplica quer à restrição, coisa que
está prevista expressamente no artigo 1306 nº1 parte final, quer também à figura
parcelar.
Ou seja, se as pessoas quiserem parcelar o direito de propriedade em termos tais que
não seja configurável como um Direito Real típico, será que a conversão vale também para a
figura parcelar ou valerá apenas para a restrição?

A este respeito, os Professores Pires de Lima e Antunes Varela vêm dizer que a
conversão legal apenas é compatível com a restrição, e por isso quando na lei se diz que toda
a restrição resultante de negócio jurídico que não esteja prevista tem natureza obrigacional,
essa letra está de acordo com o seu espirito, isto é, na referência à restrição, temos o
âmbito exclusivo31 de aplicação da conversão legal, sendo assim se duas partes tentarem
fazer um negócio de que resulte uma figura parcelar o sanção será o 294º, com a possibilidade
de conversão mas nos termos do 293º. Este é também o entendimento do Professor Carvalho
Fernandes, apesar de não concordar com a possível aplicação do 293º.
Henrique Sousa Antunes acha que a referência da parte final do artigo 1306º não
abrange apenas a restrição mas também as figuras particulares.

31
As figuras parcelares estão excluídas, podem ser criadas sem estar previstas.
Os primeiros três autores referidos dizem que havendo uma figura parcelar, a coisa
que foi desmembrada passará a ser própria. Por isso, qual será o sujeito passivo da obrigação?
Por exemplo no Direito de Superfície a relação que o superficiário tem no exercício do Direito é
uma relação com uma coisa. Ele tem o poder de alterar, modificar ou destruir a coisa. O que a
conversão faz é alterar uma relação que as partes pretenderam que fosse real, numa relação
obrigacional... O que dizem este Professores é que tal não é possível em relação às figuras
parcelares, porque quando existe este parcelamento existem dois direitos que convivem
paralelamente, mas em que não é possível estabelecer uma relação obrigacional32, pois a
relação ou relações que existem são entre os respectivos titulares e a coisa, e se assim é,
não seria possível operar uma conversão legal numa figura de natureza obrigacional, porque
sendo uma figura parcelar os poderes não são entre pessoas, mas entre o titular e a coisa.

Já o Professor Henrique Sousa Antunes acha que não é bem assim já que se olharmos
para o regime da superfície é verdade que existe um Direito de agir sobre a coisa como se fosse o
proprietário, mas este direito de superfície não deixa de ser um direito real menor, ou seja, não
se trata de um direito exclusivo, e pressupõe um direito prévio para que ele possa existir33. Se
assim é, é evidente que a lei ou as partes teriam que disciplinar os direitos e obrigações
recíprocos34. Por exemplo no caso do direito de superfície, não pode o proprietário do solo
interferir com o exercício do direito de superfície, há lugar ao pagamento de uma quantia por
cada período de utilização do direito de superfície. Tal como consta do regime do direito de
superfície35, onde está pensada uma relação de natureza obrigacional. Estamos a tratar de uma
figura parcelar na qual existem direitos e obrigações. Estas figuras não vivem à margem de uma
relação obrigacional.
Embora num direito real tenhamos um poder directo e imediato sobre uma coisa,
o direito real menor é ainda uma realidade intersubjectiva por estar a afetar um direito que
é exclusivo e não apenas uma relação entre a pessoa e a coisa. A ideia de que não se pudesse
aplicar a conversão legal às figuras parcelares porque nelas nunca poderemos ter uma relação
de natureza obrigacional é errada para Henrique Antunes por isto mesmo. Precisamente porque
existe sempre uma relação intersubjetiva entre o proprietário e o titular do Direito parcelar, é
possível estabelecer uma relação obrigacional.
Na opinião de Henrique Sousa Antunes então: a parte final do 1306º quando se refere
à conversão legal, e a associa à restrição, deve ser interpretada não só abrangendo a restrição
mas a figura parcelar do Direito de propriedade.

Numerus Clausus

A tipicidade parte da ideia de que os direitos reais têm uma natureza absoluta, e os de
crédito são reltiva. Por isso, o 1306º opera a conversão legal num direito que as partes
pretenderam que fosse real, num direito de natureza obrigacional.
Será mesmo assim? Todos os direitos de crédito são de natureza relativa, e portanto, não
é possível identificar neles a natureza absoluta dos direitos reais?

Não se pode extrair deste princípio da tipicidade a conclusão de que todos os


direitos de crédito têm eficácia relativa. Existe uma categoria de direitos de crédito que tem

32
As relações obrigacionais sendo necessariamente entre pessoas
33
O direito de superfície por exemplo sem direito de propriedade alheio não poderia existir
34
Que encontramos no Direito de Superfície
35
1524º e seguintes 1530 a 1535 em especial
uma característica idêntica à dos Direitos Reais, a natureza absoluta.
Esta característica da natureza absoluta está também presente nos direitos pessoais de
gozo. Exemplo: Comodato, o Sr.A emprestou ao Sr.B uma casa. Trata-se neste caso de um Direito
de crédito ou pessoal de gozo, porque embora haja uma relação entre credor e devedor, os
poderes desse credor são exercidos diretamente e de imediato sobre uma coisa corpórea, que é
aquela que é emprestada ao titular desse direito. No nosso Direito até existe uma figura em que a
natureza absoluta do Direito Pessoal de gozo está perfeitamente clara, que é a locação. Diríamos
que por ser um Direito pessoal, seria um Direito de crédito e que por força do Princípio da
tipicidade nunca poderia ter a força de um Direito Real de gozo. No entanto, no regime da
locação, nos artigos 1057º e 1037º resulta que, se por exemplo: O Sr. A arrendou uma casa ao
Sr. B e depois vendeu essa casa ao Sr. C. Se o direito de crédito não tivesse necessariamente
natureza absoluta, diferente de um direito real, este direito de crédito seria um direito relativo, e
assim sendo valia apenas na relação entre as partes. Por isso, a partir do momento em que A
vende a casa ao C o contrato de locação cessaria. No entanto, o que este artigo 1057º diz é que o
arredamento acompanha a transmissão da propriedade da coisa. Ou seja, o adquirente do
Direito (C) com base no qual foi celebrado o contrato, vai suceder nos Direito e Deveres do
locador (A), sem prejuízo das regras do registo. Isto significa que C vai suceder a A na relação de
locação que este tinha estabelecido com B. Não há aqui por isso a ideia de que o direito real
prevalece sobre o direito pessoal. Porque o direito pessoal de gozo foi constituído em tempo
anterior, vai prevalecer sobre o direito real, ou seja, vai acompanhar o direito de propriedade.

Já no artigo 1037º nº2, ainda em matéria de locação, diz que “ O locatário que for privado
da sua coisa ou que perturbar o exercício dos seus Direitos, pode usar mesmo contra o locador dos
meios facultados ao possuidor”.
Vamos supor que o Sr. B verifica que o Sr. G se tinha instalado na sua casa e mudado a
fechadura. Se não houvesse este artigo 1037º ele (B) teria que ir ao Sr. A e dizer que alguém
tinha entrado na casa e que o tinha impedido de poder utilizar e fruir aquilo que lhe foi dado em
arrendamento. E por isso, ele teria que reagir contra esse sujeito, propondo uma ação de
reivindicação ou de restituição da posse. Era isto que resultaria de uma dimensão relativa do
Direito de crédito, que só valeria entre A e B. No entanto, o que diz a lei é que o próprio
locatário pode gozar de uma ação de restituição da posse contra um terceiro que o proíbe do
exercício do seu Direito. Está a permitir que este Direito seja oponível a terceiros.

A doutrina, observando o regime da locação, nomeadamente estas duas normas


referenciadas, percebe que existe uma dependência em relação ao contrato que lhe deu
origem36, que faz com que o direito não possa deixar de ser considerado como um direito
pessoal. Exemplo: O proprietário não pode fazer obras na coisa locada a seu belo prazer, já que
isso depende da autorização do locador. E se incumprir alguns dos seus deveres, o contrato
cessará. Isto significa que há uma dependência em relação ao contrato que faz com que seja
difícil ver neste direito, um direito real, que estaria sobretudo centrado num poder direto e
imediato sobre uma coisa, que lhe permite viver à margem de um contrato.
Se a locação é um direito pessoal de gozo e se tem esta realidade de natureza
absoluta/oponibilidade, será que não é possível dizer o mesmo também em relação a outros
direitos pessoais de gozo?
No comodato também existe esta possibilidade de defender a coisa nos termos do artigo
1133º nº2. Mas já não há o princípio de que se houver transmissão do direito de propriedade, o
direito pessoal acompanha essa transmissão. É verdade que o comodatário pode gozar de meios
de defesa possessórios, o que já é um sinal da oponibilidade, mas não há nenhuma norma que

36 Ao arrendamento
diga que se o Sr. A emprestou ao Sr. B e depois vendeu ao Sr. C e que o C esteja obrigado a
respeitar o contrato de comodato. Assim, C pode desrespeitar este direito anterior e prevalece
este direito real posterior sobre o comodatário.

A primeira conclusão Henrique Sousa Antunes a que chega é por isso a de que o
Princípio da Tipicidade não nos pode levar a dizer que não hajam direitos de
crédito/pessoais que não possam ter a mesma natureza absoluta.
Com isto não se quer dizer que os direitos de crédito sejam direito reais, não se está a
dizer que é possível adquirir por usucapião um direito de locação ou de comodato, isso não é
possível porque essas características são reservadas aos Direito Reais.
Mas também não equivale a dizer que estes direitos são de tal forma distintos que os
direitos pessoais são necessariamente direitos relativos.
O que o Professor Henrique Sousa Antunes propõe é que quando estejamos a falar de
direitos pessoais de gozo, eles acompanham a transmissão da coisa desde que o exercício desse
direito já ocorra, havendo por isso publicidade desse direito. Para defender que os direitos
pessoais de gozo participam da natureza absoluta dos Direitos Reais o Professor utiliza alguns
argumentos:

1) O artigo 406º nº2 é um dos argumentos que se utiliza normalmente para afastar a
ideia de que se pudessem reconhecer aos Direitos pessoais de gozo uma natureza
absoluta idêntica à dos direitos deais de gozo. Um primeiro argumento é dizer que de
acordo com este artigo, o contracto só produz efeitos relativamente a terceiros nos
casos e termos especialmente previstos na lei. Assim, se por exemplo, no comodato
não existe norma alguma a dizer que este acompanha a transmissão coisa isso
significa que o comodato não acompanhará a transmissão da coisa. Há no entanto
que perceber a distinção entre o contrato e o direito que nasce desse mesmo
contrato, e aqui está-se a falar de um direito que já nasceu do contrato e a
pergunta é em que medida é que esse direito tem de ser respeito por terceiros. Não
se fala do contrato, mas sim do direito pessoal de gozo que nasce do contrato. A ideia
de que o artigo 406º nº2 inviabilizaria falar da oponibilidade do Direito a
terceiros é errada, porque este artigo apenas fala do contrato que nada mais é
do que uma fonte das obrigações e não se trata do direito propriamente dito.

2) Depois há um segundo argumento que diz que na verdade nunca se pode deixar de
fazer a diferença, porque os direitos pessoais de gozo, ainda que não sejam um
contrato, estão sempre dependentes dele, os termos que as partes definiram para a
utilização da coisa, ou seja, é sempre a relação entre duas pessoas. Assim, não se
pode dizer que o direito acompanha a coisa porque não existe aqui um direito sobre
a coisa, mas sim sobre uma pessoa nos termos em que com ela foi definido. Ao
passo que os direito reais nascem e libertam-se da sua fonte, não havendo uma
relação intersubjetiva, entre partes. Isto é errado, porque os direito reais têm
também uma dimensão obrigacional e intersubjetiva. Não se trata apenas de
uma relação entre uma pessoa e uma coisa, embora seja essa a característica
dominante. Exemplo: Os direitos reais extinguem-se pelo não uso, tal como consta
do artigo 298º nº3. Mas este artigo remete depois para cada direito real em especial,
pedindo que cada um deles se pronuncie sobre isto: Se se extingue ou não pelo não
uso. Depois encontramos uma série de normas37, o artigo 1476º por exemplo diz
que este usufruto se extingue pelo seu não uso durante 20 anos qualquer que seja o

37 Exemplo: em regime de usufruto


motivo. O não uso é uma forma de extinção dos direitos reais porque se pretende
libertar a coisa para um aproveitamento mais útil, designadamente em benefício de
quem tem o direito de propriedade da coisa. Ou seja, esta distinção por não uso, é
conferida por Lei, em virtude da relação existente entre as partes, e não tem que ver
com a relação com a coisa. Outro exemplo: O proprietário e o usuário38 podem ser
estabelecidos entre as partes, por contrato. O que significa que estes Direitos e
obrigações que as partes no momento do uso definiram, vão reger as relações entre
eles, sendo que essas relações vão estar sempre dependentes de um Direito Real. Ou
seja, o direito nasce mas vai estar sempre dependente da sua origem, dos Direitos e
obrigações definidos por contrato. Assim, dizer-se que os direitos reais nascem e
libertam-se do contrato não é verdade, não existe uma emancipação plena do
contracto, seja porque o não uso é uma causa de extinção dos direitos reais, seja
porque os direitos e obrigações são definidos pelo próprio contrato. Depois até
encontramos normas, como as do artigo 1130º nº2, que diz que é aplicável ao
comodato constituído pelo usufrutuário o disposto pelo artigo 1052º. Vamos
imaginar que o usufrutuário A deu em comodato ao Sr B uma determinada coisa. A
lei diz que se o usufrutuário alienar o seu direito a outra pessoa, o contrato só caduca
pelo tempo normal do usufruto. Se o comodato foi constituído a favor de B0, e depois
o usufruto constituído a favor de B1, o que legitimou o comodato foi o usufruto. Se a
propriedade for transmitida, o novo proprietário está obrigado a respeitar o
comodato apesar deste ter uma natureza creditícia. Encontra-se outro exemplo
paralelo nas remissões deste artigo para o 1052º b) porque o comodato foi
constituído com base no usufruto que foi transmitido, e a lei diz que o comodato só
cessa quando cessar o usufruto o que significa que o comodato acompanhou a
transmissão do usufruto.

3) Outro argumento que o Professor utiliza para justificar que o direito pessoal deve
acompanhar a transmissão da coisa, é, como já referido, o facto de haver publicidade.
Se há um direito pessoal existe um poder direto sobre a coisa, ainda que esse direito
tenha uma natureza pessoal porque existe uma forte dependência do contrato, a
verdade é que as pessoas o conhecem. Na jurisprudência temos muitos destes
casos, em que as pessoas estão em comodato e depois com a transmissão da
propriedade a terceiro são obrigadas a restituir a coisa. O Professor não concorda e
prefere tomar os direitos pessoais, como direitos de natureza absoluta. Até se podia
prever alguma forma de publicidade para lá da espontânea no seu entender. O
registo tem grandes potencialidades e até pode estender-se á descrição de direitos
que por incidirem sobre a coisa justifica que sejam inscritos no registo, embora
sejam qualificáveis pela doutrina como meros Direitos Pessoais. Em relação a vários
Direitos Reais, encontramos a menção que no registo têm de lá estar qualificados os
direitos e obrigações que existem entre as partes, para que toda a gente o saiba,
nomeadamente para quando a coisa seja vendida. O Professor acha que chegamos à
conclusão que apenas por razões históricas estamos a dizer que se é direito real é
“assim” se for pessoal é “assado”

38
E as obrigações e Direitos entre eles
Deveres

Existe a ideia de que o Princípio da Tipicidade seria de tal forma fechado que só
admitiria os direitos e deveres que estejam escritos na Lei, ou em relação aos quais a lei
permitisse a autonomia das parte.
Ao falar de tipicidade devemos distinguir entre tipos abertos e tipos fechados39.
Será que posso construir uma servidão como um direito real? Uma servidão, para que seja um
direito real, tem de ser uma servidão predial40. O Sr.A e B são vizinhos e o Sr.A para chegar à
estrada precisa de passar pelo prédio do Sr.B, posso conceber a constituição de um direito real,
que é um direito de servidão predial porque para que o prédio A possa ser utilizado vai
beneficiar da afectação das utilidades do prédio B, que é a passagem por este primeiro.
Mas se o Sr. A gostar muito da vista na casa do seu vizinho B, e com ele contratar um
direito real de servidão, por virtude do qual todos os dias tem direito a ir ver o pôr-do-sol a casa
do vizinho a partir das 18h, diríamos que não pode este contrato ser considerado válido,
porque a lei só prevê como Direito Real a servidão predial41. A servidão predial não é em
benefício de uma pessoa mas sim da utilização de um prédio. Ou seja, se estamos neste caso
apenas a falar da vontade que ele tem de ir ver o pôr-do-sol, isso é um direito que pode valer na
relação entre as partes, mas por força do artigo 1306º terá natureza obrigacional, não terá
uma natureza real. A tipicidade serve para excluir do catálogo dos direitos reais aquilo que
o legislador queria que fosse apenas obrigacional.

Mas dito isto, os tipos legais podem ser fechados42 ou abertos como é a regra no
sistema jurídico Português no entender de Henrique Antuens. Ou seja, trata-se de um tipo e por
isso têm de lá estar estipulados os elementos característicos do Direito Real, mas depois
os direitos, as obrigações e as vicissitudes são abertas. Basicamente, pode haver ali a
definição em concreto pelas partes dos termos em que o direto real vai ser exercido.
O professor Henrique Sousa Antunes acha que no nosso ordenamento, os tipos são em
regra abertos, existindo uma liberdade das partes para definir o conteúdo desde que não
descaracterizem esse direito. Acha que mesmo para lá dessa liberdade das partes, o Princípio
da Tipicidade não veda que possam ser estabelecidas obrigações ou deveres propter rem43
em razão da titularidade do Direito Real, desde que não descaracterizem o direito real.
O Professor diz isto porque na base de todas estas reflexões considera que a tipicidade
de nada serve. Poder-se-ia dizer que esta existia para garantir que as pessoas saibam qual a
situação jurídica de um determinado prédio, e para conter as partes sabendo efectivamente
aquilo que pode ou não ser criado. No entanto, Henrique Sousa Antunes acha que o que
cumpre esta função será a publicidade sendo que a tipicidade não tem uma função útil como
tinham antigamente.
O nosso ordenamento jurídico poderia por isso aderir a um princípio de atipicidade
em que as pessoas criariam direitos reais a seu belo prazer, já que não há nada que
justifique que este princípio da tipicidade continue consagrado.
Mais ainda, em muitos ordenamentos jurídicos assistimos ao regresso da enfiteuse,

39
Nos tipos fechados as partes não têm autónima para definir o conteúdo do direito real
40
Como havemos de estudar adiante.
41
Que aqui não seria o caso, pois não tínhamos uma servidão predial como está prevista na lei.
42
Ou seja, em que lá está tudo previsto: quais são só Direitos e obrigações das partes, casos de extinção, etc..
43
É uma obrigação real, que decorre da relação entre o devedor e a coisa. Difere das obrigações comuns
especialmente pelos modos de transmissão. Propter rem significa “por causa da coisa”. Assim, se o direito de
que se origina é transmitido, a obrigação segue-o, seja qual for o título translativo. A transmissão é automática,
independente da intenção específica do transmitente, e o adquirente do direito real não pode recusar-se a
assumi-la.
que no nosso ordenamento tem apenas uma dimensão histórica. Porque é que não há-de
regressar de novo ao sistema Português se porventura for conveniente para a exploração de um
determinado prédio? O que tínhamos de garantir é que os terceiros que estão no comércio
jurídico, conheçam a situação jurídica do prédio, mas isso é feito pela publicidade e não pela
tipicidade. Assim, na opinião de Henrique Sousa Antunes mesmo sem tocar no princípio da
tipicidade tal como ele existe é possível prever deveres para lá daqueles que a lei prevê,
desde que não se descaracterize o direito real, já que se assim for existe uma violação do
princípio da tipicidade. Assim o é porque existe o CRP.

Analogia

Impedirá a tipicidade a analogia? É evidente que está impedida a analogia no que


respeito diz à criação de direitos reais, que são apenas aqueles que estão definidos na Lei.
Mas posso utilizar a analogia para as vicissitudes dos Direito Reais, isto é, para a
constituição, modificação ou extinção, posso utilizar a analogia entre os direito reais para as
vicissitudes.
Existe, no entanto, um importante limite que é o que consta do artigo 1305º. Deste
artigo retira-se a ideia de que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo, dentro dos limites
da lei e com observância das restrições por ela impostas. Retira-se daqui que quando for aplicar
a analogia para as vicissitudes, eu só o posso fazer de modo a que não esteja a restringir o
direito de propriedade. Posso aplicar analogia relativamente às vicissitudes desde que essa
analogia faça uma extensão do direito de Propriedade.
Exemplo: Se formos às causas de extinção do direito de superfície, não está la o não uso.
Será que posso aplicar a norma do usufruto que diz que este se extingue por não a uso a este
direito de superfície? Isto para o direito de propriedade significaria uma ampliação e por isso, eu
poderia aplicar analogicamente esta causa de extinção.
Exemplo 2: Quando a pessoa adquire por usucapião, esta não está obrigada a pagar nada
à pessoa que perde o direito, porque apenas existe enriquecimento sem causa quando não existe
uma causa justificativa, que existe nestes casos. Mas será isto justo? Uma pessoa de má fé
adquirir por usucapião sem compensar ao anterior proprietário? No artigo 1269º, esta norma
diz que “o possuidor de boa fé só responde pela perda ou deterioração da coisa se tiver precedido
com culpa”. Basicamente esta norma diz que uma pessoa que não é proprietária da coisa, pode
ser alguém que se apodera de um automóvel julgando que era seu proprietário e que o utiliza, a
lei diz que quando esta pessoa tiver que devolver o automóvel ao proprietário, apenas terá que
pagar alguma coisa ao seu proprietário em relação a perda ou deterioração se tiver precedido
com culpa. O desgaste normal do automóvel não é algo que deva ser compensado ao
proprietário. À contrário, a norma diz então que um possuidor de má fé responde pela perda
material ou deterioração da coisa mesmo que não tenha tido culpa. Será que esta norma não
pode ser aplicada analogicamente á usucapião? Em ambos os casos esta norma trata de
sancionar o comportamento de devedor de má fé e com isso proteger-se o titular do direito de
propriedade. Por isso o Professor acha que será possível aplicar esta norma à perda jurídica
por usucapião de má fé, obrigando a pessoa que assim adquire, esteja obrigada a indemnizar
nos mesmos termos prescritos para o enriquecimento sem causa aquele que perdeu o Direito.
Esta aplicação analógica mais uma vez estende o direito de propriedade, porque a
pessoa que adquire por usucapião adquire o direito de propriedade.
Em suma

A lei consagra o princípio da tipicidade cuja sua primeira dimensão a respeita à


diferença entre a figura parcelar e a restrição.
Já vimos que a conversão legal parece aplicável não apenas à restrição mas à figura
parcelar. O Princípio da Tipicidade tem um alcance clássico que nos diz que não podem ser
criados direitos Reais que não nos termos em que a Lei os admite. Também sabemos que os
tipos podem ser fechados e abertos, e aí há uma certa margem de manobra das partes na
definição do conteúdo do direito real.
O Princípio da Tipicidade não pode ser interpretado de forma tal que os direitos pessoais
não sejam absolutos. Henrique Sousa Antunes dá alguns argumentos a favor desta posição. Este
Princípio também não impede que se criem alguns deveres para lá daqueles que a lei preveja,
porque a publicidade serve de garante.
O Princípio da Tipicidade não impede a analogia nas vicissitudes, apenas na criação de
novos Direitos Reais, desde que essa analogia apenas implique o alargamento do direito de
propriedade e não uma restrição. Sob pena de ser proibida pelo artigo 1305º.

Conclusão final de Henrique Antunes: Mais vale deixar cair o Princípio da Tipicidade e
por isso, no plano do Direito a constituir há que estabelecer a garantia de que a publicidade seja
suficiente para que todos os terceiros que estão no comércio jurídico conheçam a situação
jurídica do prédio.

1) O princípio da tipicidade é delimitado pela eficácia absoluta dos direitos pessoais de


gozo.
2) O princípio da tipicidade resguarda a liberdade de as partes criarem obrigações
propter rem, desde que não descaracterizem o direito real e sejam dotadas de
publicidade, pelo menos espontânea.
3) O princípio da tipicidade é compatível com a aplicação anológica das normas sobre
as vicissitudes do direitos reais, desde que ampliem a propriedade.
4) O princípio da tipicidade deve ser repensado de jure constituindo
Ensaio de uma Parte Geral dos Direitos Reais

Não há uma parte geral dada pelo legislador para o Livro III como acontece por exemplo
no Livro II do Código Civil. Assim a construção pela doutrina e pela jurisprudência de uma parte
geral é várias vezes tentada, e aqui vamos fazer o mesmo. O que queremos saber é até que
medida certas disposições do Código Civil são generalizáveis.
Podemos dividir de acordo com as seguintes classificações as disposições gerais:

1.Limitações ao exercício dos direitos reais;

2.Vicissitudes dos direitos reais.

Estas são as áreas em que a doutrina e a jurisprudência se movimentam para a


construção de uma parte geral dos direitos reais.

Limitações

Já sabemos que o princípio da tipicidade está construído à luz do direito de propriedade


e, como assim é, é neste direito que vamos encontrar um conjunto de normas que nesta primeira
parte da parte geral dos direitos reais nos servem de orientação.
Os artigos 1344º e seguintes do Código Civil estabelecem limitações ao exercício do
direito de propriedade, e limitações com razoes diversas, nomeadamente relações de vizinhança.

É o próprio legislador a dizer que, embora o direito de propriedade seja o direito real
máximo, se reconhece que é preciso estabelecer algumas limitações ao exercício deste direito de
propriedade.
Mas porquê descobrir as imitações ao exercício dos direitos reais olhando ao direito de
propriedade? Devido ao que já vimos principio da tipicidade. Se estas limitações se
aplicam ao direito de propriedade não poderão deixar de se aplicar aos direitos reais
menores. Os direitos menores são todos baseados na propriedade, a propriedade é o direito
real44 por excelência, por isso se descobrirmos os limites a este direito descobrimos os limites
gerais aos restantes direitos reais.

Quando falamos em limitações interessa distinguir dois grandes tipos de limitações ao


exercício dos direitos reais:

a. Limitações intrínsecas
b. Limitações extrínsecas

44
Relembramos que nesta cadeira estamos a estudar os direitos reais de gozo acima de tudo, e por isso ao
referirmos “direitos reais” estamos a referir estes direitos.
a. Intrínsecas:
i. Confluência de direitos da mesma natureza e espécie sobre uma coisa;
ii. Função social do direito;
iii. Especificidade do conteúdo do direito real.

b. Extrínsecas:
i. Em razão do interesse publico;
ii. Por razoes de interesse particular:

1) Sobreposição de direitos de natureza ou de espécie diversa sobre a


mesma coisa;
2) Relações de vizinhança (professor Henrique Antunes chama a estas
“limitações que derivam do respeito pelos direitos reais relativos a
prédios vizinhos”);
3) Tutela de direitos ou interesses alheios que têm fundamento
autónomo (diverso) das relações de vizinhança.

Limitações Intrínsecas

Têm a ver com o próprio conteúdo do direito em causa, não é uma limitação que vem de
fora, vem de razões internas, é o direito que é limitado por ser de uma certa forma e não há uma
limitação externa a restringir esse direito, simplesmente o direito não chega a um certo âmbito
porque não faz parte do próprio direito chegar a esse âmbito. Se quisermos fazer uma
comparação básica, as limitações intrínsecas são as limitações “genéticas” do direito. O direito
nasceu de uma certa forma e há certas coisas que não pode mudar, se quisermos, é o mesmo que
um corpo humano de um atleta, a sua estrutura óssea, genes, e altura são limitações intrínsecas,
por muito que o atleta treine não consegue mudar nenhuma das características referidas, está
limitado pela como nasceu.

Vamos ver as três situações referidas de limitações intrínsecas, onde nos deparamos log
como a confluência de direitos da mesma natureza e espécie sobre uma coisa, onde como
veremos, apesar de termos direitos autónomos não estamos em limitações extrínsecas, pois a
actuação individual sobre uma coisa é, geralmente, dependente da concordância ou ausência
de discordância dos demais titulares, deliberando por maioria ou por unanimidade, e da
contribuição de todos para a conservação e fruição da coisa comum. É o que acontece no regime
da compropriedade.

i. Confluência de direitos da mesma natureza e espécie sobre uma coisa:

Não é frequente encontrarmos a compropriedade como uma limitação intrínseca


ao direito como o professor Henrique Sousa Antunes indica.
Quando falamos em compropriedade, estamos a falar de vários direitos sobre a
mesma coisa, mas, mesmo por isto, o legislador estabeleceu um regime que tem em atenção a
natureza humana, sabendo que estes direitos da mesma natureza e espécie sobre a mesma coisa
geram vários conflitos.
A compropriedade aplica-se à contitularidade de quaisquer direitos e está disciplinada
nos artigos 1403º e seguintes do Código.
O artigo 1404º é expresso a este respeito: quando falamos em compropriedade não
estamos apenas a falar da existência de vários direitos de propriedade sobre a mesma
coisa mas sim de vários direitos reais de gozo, da situação em que existem vários direitos da
mesma natureza e espécie a incidir sobre a mesma coisa. Mais do que dizer o que cada um pode
fazer, o que se disciplina é a dependência que cada um tem em relação aos demais. O que nos
apercebemos é que o legislador não está preocupado em identificar as faculdades que cada um
tem sobre a coisa porque essas são dadas pela natureza do próprio direito que é exercido, mas
sim dizer que essas faculdades têm de ser exercidas de forma coletiva. O que se trata é de
limitar, restringir, inibir o exercício das faculdades que cada pessoa tem, em razão de
haver sobre a mesma coisa, direitos da mesma natureza e espécie.

Quais são estas manifestações de coletividade? Podemos dizer que esta dimensão
coletiva, estas limitações de confluência de direitos da mesma natureza e espécie sobre uma
coisa ao exercício dos direitos que, sendo da mesma natureza e espécie, incidem sobre a coisa,
aparecem em três planos:

1) No uso da coisa comum;

2) Na fruição da coisa comum;

3) Dimensão colectiva revelada pela quota45, dimensão colectiva que tem por base a
quota.

1) No uso da coisa comum: Poder-se-ia aqui pensar exactamente o oposto, uma vez que no
artigo 1406º até se diz que este é um exercício isolado, diz-se que qualquer pessoa pode
utilizar a coisa de que é comproprietária sem necessidade do conhecimento dos demais.
Mas a verdade é que após melhor analise, vemos que não podemos interpreta-lo assim.
Começa por dispor “Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer um dos
comproprietários é licito servir-se dela...”, o que significa que este poder está subordinado
à inexistência de um acordo. O professor Henrique Sousa Antunes defende que
aqui, ao contrário dos professores Pires de Lima e Antunes Varela que entendem
que haveria necessidade de um acordo unanime, quanto ao uso da coisa comum, isto é
uma matéria de administração da coisa, logo de artigo 1407º, e por isso este acordo está
subordinada à maioria. Claro que neste acordo da maioria não pode o comproprietário
ficar privado totalmente do direito de usar, tendo de ser compensado se isso acontecer,
sob pena do acordo ser invalido. Há, portanto, uma subordinação à coletividade na
medida em que esta dispõe, por maioria, sobre o uso da coisa comum. Contudo,
mesmo que não haja acordo sobre o uso da coisa comum, há outra dimensão colectiva

45
Quando nós temos uma situação de compropriedade, por ex. se sobre determinado prédio, incidem dois
direitos de propriedade, o de A e o de B, não se pode dizer que o A tem direito à parte Norte e o B tem direito
à parte Sul (como se fosse 50/50 para cada um). O que nós queremos saber é qual é a medida da participação
de cada um dos comproprietários nessa propriedade. Isso está expresso no arigo 1403º e no nº2 do mesmo
artigo que diz que os direitos são “qualitativamente iguais” ou seja, as faculdades que as pessoas têm sobre as
coisas são iguais porque são direitos da mesma espécie; mas é preciso não desconhecer que podem as pessoas
ter uma participação diferente. Isto vai ter importância para determinar o poder que o comproprietário tem
sobre a coisa. O que a lei diz, todavia, é que as quotas se presumem quantitativamente iguais na falta de
indicação em contrário do titulo constitutivo (quando se constitui a situação de compropriedade).
muito importante que resulta da parte final do artigo 1406º nº1 (“...contanto que a não
empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros
consortes do uso a que igualmente têm direito."), ou seja, quando se diz que não pode usar
a coisa para um fim diferente daquele a que se destina, significa que, se quiser alterar o
destino, vai ter de colocar a questão aos outros proprietários novamente segundo a
regra da maioria, de acordo com a visão do professor Henrique Sousa Antunes.

2) Fruição da coisa comum: A dimensão colectiva está na fruição, uma vez que resulta do
regime da propriedade, artigo 1405º nº1, a fruição é determinada por critério
quantitativo, 1403 nº2, que eu não posso fruir da coisa na integralidade, visto estar
numa situação de contitularidade.

3) Dimensão coletiva revelada pela quota: A dimensão colectiva do direito é revelada


pela quota, porque há varias matérias que respeitam ao núcleo da compropriedade que
nos remetem para a quota, sendo uma destas matérias a da administração. Iremos ver
dentro desta dimensão revelada pela quota 3 planos: a administração, a disposição da
quota e a renúncia liberatória que vamos agora ver.

Diz o art 1407º:

“ 1. É aplicável aos comproprietários, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 985º;


para que haja, porém, a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles representem,
pelo menos, metade do valor total das quotas.”

Remete por isso para o artigo 985, que dispõe:

“ 1.Na falta de convenção em contrário, todos os sócios têm igual poder para administrar.”

Isto significa que, quando o artigo 1407º remete para o 985º está a dizer-nos que cada
proprietário, na falta de convenção em contrário, pode sozinho, administrar a coisa: gerir
a coisa, fazer contratações para reparação, fazer o pagamento de despesas relativa à reparação
da coisa etc…

Só que o artigo 985º nº2 já vem dispor que:

“Pertencendo a administração a todos os sócios ou apenas a alguns deles, qualquer dos


administradores tem o direito de se opor ao ato que outro pretenda realizar, cabendo à maioria
decidir sobre o mérito da oposição.”.

Ou seja, a ideia que se retira é que cada um pode administrar na ausência de convenção
em contrário, porém, um outro comproprietário pode opor-se a este ato praticado e aí quem iria
decidir sobre o mérito da contratação era a maioria, isto obviamente é um fenómeno de
colectivização.
É importante ainda ter atenção à última parte do artigo 1407º acerca da maioria que
diz que a maioria tem que representar, pelo menos, metade do valor total das quotas.
46Exemplo: Um comproprietário (A) que queria contratar a empresa X, tem 75% e os outros

dois (B e C) teriam cada um 12,5%. Mesmo que eles se queiram opor à contratação da empresa
X, que o comproprietário A pretende, de acordo com o artigo 985º, a maioria tem de

46À maioria acresce a maioria do valor das quotas, assim é preciso que: 1) sejam a maioria dos consortes 2)
essa maioria tenha mais de metade das quotas.
corresponder também a uma maioria de quotas, segundo o artigo 1407º. Portanto estes dois
que seriam a maioria dos comproprietários, mas não têm a maioria das quotas, não conseguem
impedir a contratação da empresa A. O mesmo acontecia vice-versa, se B e C quisessem
contratar uma empresa Y, A não poderia opor-se pois apesar de ser maioria do valor das quotas,
não faz maioria do número de comproprietários (2>1). Temos aqui uma dupla maioria.

O artigo 985º dá ainda, contudo, outra hipótese: haver convenção em contrario47.

Resumindo, temos sempre, na compropriedade, de:

1) Distinguir se a administração é entregue a todos os administradores em alternativa


(forma disjunta) ou se é entregue em termos conjuntos;

2) Saber que não basta a maioria dos consortes, mas é ainda necessário que essa
maioria corresponda a, pelo menos, metade do valor total das quotas.

A respeito da administração, há outro aspecto importante. Temos de saber se quando


falamos em administração falamos apenas de administração ordinária ou também
administração extraordinária, ou seja, atos de inovação (transformação material da coisa,
alteração do destino económico da coisa...).
Há uma opinião muito importante no sentido de considerar que os atos de inovação
estão fora da administração e, portanto, não estarão sujeitos à regra da maioria, mas à
regra da unanimidade.
O professor Henrique Sousa Antunes, considera no entanto que, à semelhança do que
refere para o uso da coisa, cabem aqui também os atos de administração extraordinária,
atos de inovação. Porquê? Para evitar o bloqueio. Se for necessária a unanimidade, isto pode ter
um prejuízo económico muito elevado para a compropriedade porque basta um opor-se para
não poder ser possível rentabilizar a coisa, para se perder o benefício que o uso da coisa podia
trazer para os comproprietários. Claro que a isto, poderia ser contraposto que, na eventualidade
de apenas um comproprietário impedir tirar benefício da coisa, podemos invocar que há uma
situação de abuso de direito. Mas o professor acha que é mais simples partimos do princípio
inverso: de que pode ser a maioria que está a abusar do seu direito do que esse sozinho a
bloquear o exercício dessa maioria. É também uma forma de fazer com que a propriedade tenha
menos efeitos nefastos.
Portanto, de acordo com a orientação do professor Henrique Sousa Antunes, as
situações de inovação caem também na regra da administração do artigo 1407º.
Reconhece, contudo, que há uma norma, artigo 102448, utilizada pelo professor
Henrique Mesquita, como argumento para dizer coisa diferente: a ideia de que, quando
estamos perante uma inovação, é necessário a unanimidade. Mas o professor Henrique Sousa
Antunes acha que este artigo não é uma expressão do artigo 1407º mas sim uma

47
Esta convenção em contrario não é no sentido de impedir que a maioria decida mas no sentido de dizer que
a administração deve ser feita conjuntamente por todos ou alguns administradores, decidindo-se que a
administração da coisa comum pertence aos comproprietário A e B, por ex. Neste exemplo, A não pode sozinho
realizar um ato de administração, tem de ser A e B. Neste caso não é já um ato de oposição, mas uma
legitimação para a ação, só se pode agir com maioria.
48
Diz o artigo que a casa está vaga, é preciso que todos os comproprietários concordem no arrendamento.
Para o professor Henrique Mesquita estaria assim provado que quando estamos a alterar o destino
económico da coisa (inovar) é exigido o consentimento de todos. Seria este artigo uma regra geral aplicável a
todos os atos de inovação.
expressão do que está no artigo 1408º
O artigo 1408º é uma norma que se refere à disposição e alienação da quota. Quando se
tem uma quota, há uma expressão em abstrato, uma expressão intelectual, do seu direito sobre a
coisa. Se cada um tem 50% da coisa, o que cada um pode vender sozinho, livremente, é a sua
quota, não está dependente do consentimento dos outros comproprietários para alienar a sua
quota. Mas não pode hipotecar o terreno, nem poderia vender todo o terreno a terceiro, porque
o direito dele não é um direito sobre uma coisa específica, apenas a uma quota relativamente a
essa coisa corpórea. Ele pode alienar a quota mas não pode estar a alienar uma parte específica
da coisa comum e muitos menos pode alienar a coisa comum que não pertence só a ele. O
professor Henrique Sousa Antunes conclui que, quando a lei exige o consentimento de todos os
comproprietários no 1024º, é porque a locação, em bom rigor, não deixa de ser um ato de
oneração. Esta norma do 1408º é a que vem assim legitimar o artigo 1024º: é necessário
unanimidade porque estamos a onerar a coisa comum e não porque o 1024º é um
argumento a favor de que todos os atos de inovação requerem unanimidade.

A permissão de disposição da quota significa poder de exercício livre, isolado, não


coletivizável? O artigo 1408º é muito importante porque diz que qualquer comproprietário
pode dispor da sua quota. Não será então este um poder de exercício livre, não
coletivizável?
O professor Henrique Antunes considera que aqui ainda podemos também falar de
colectivização. Porque acabamos por ver no 1408º que qualquer pessoa pode livremente dispor
da sua quota mas vai ter sempre de dar uma preferência aos seus comproprietários, e isto é
uma limitação. O direito de preferência existe para diminuir as situações de litigiosidade
presente na compropriedade, o legislador que favorecer a unificação da propriedade num só
titular. Também existe um outro direito plenamente individual, onde temos de reconhecer que
estamos a falar de uma manifestação de vontade exclusiva do titular do direito, não deixando
de haver toda a expressão de coletivização que justifica ver sempre a compropriedade
como uma limitação intrínseca. É o direito de exigir a divisão da coisa presente no 1412º. É
de exercício livre, pode fazê-lo quando quiser, excepto, como diz o artigo, quando existir uma
cláusula de indivisão convencionada pelas partes.

Acabamos de ver a disposição e antes disso vimos a administração. Vamos agora ver a já
referida renúncia liberatória. O artigo 1411º do Código Civil diz que “os comproprietários
devem contribuir, em proporção das respetivas quotas, para as despesas necessárias à conservação
ou fruição da coisa comum, sem prejuízo da dificuldade de se eximirem do encargo renunciando ao
seu direito”. Portanto:

- qualquer comproprietário tem de contribuir para as despesas comuns;

- para não pagar, como nasceu esta obrigação e o comproprietário se quer eximir ao
pagamento desta quantia, ele pode extinguir o seu direito por vontade própria, exclusiva.

Como justifica Henrique Antunes que isto esteja liga à coletivização? Resulta do nº2
deste artigo que “a renúncia, porém, não é válida sem o consentimento dos restantes
consortes, quando a despesa tenha sido anteriormente aprovada pelo interessado, e é revogável
sempre que as despesas previstas não venham a realizar-se”. Portanto se o interessado tiver
aprovado uma certa despesa já não pode renunciar a não ser que haja o consentimento dos
restantes consortes.

Isto é uma forma de estudar a compropriedade. Para o professor, o que está presente
no regime de compropriedade é claramente um fenómeno de colectivização. Em bom rigor
então, não se pode ver a compropriedade como forma de limitar o exercício de um direito.
Exemplo: Se, havendo dois comproprietários, B vender a coisa. O que acontece? Artigo 1408º
nº2 diz que é havida como disposição de coisa alheia. Negócio é considerado nulo. O professor
Carvalho Fernandes diz que, quando há uma venda nestes termos, a venda é nula mas por
recurso à conversão e, eventualmente, à redução podemos aproveitar o negócio. Quem tem
interesse em aproveitar este negócio é o outro comproprietário porque se operarmos
simultaneamente com a redução e conversão (no caso reduzia-se para 50%, não se vendia a
totalidade, e convertia-se para quota, porque não se pode vender parte especifica da coisa
corpórea) pode exercer o seu direito de preferência em relação à alienação que o B fez para
terceiro.

Em suma:

1) Podemos concluir que existem aqui vários direitos diferentes, autónomos, mas sobre
a mesma coisa.
2) No entanto Henrique Antunes, considera que temos uma limitação intrínseca e não
extrínseca, pois os direitos encontram-se amplamente interdependentes, e por isso
temos de olhar para a compropriedade como um macro direito, isto é, apesar de
serem vários direitos autónomos, o referencial para a limitação intrínseca é como se
fosse apenas um direito, um “macro” direito.

ii. Função social do direito

O direito de propriedade foi-se funcionalizando ao longo dos tempos, está hoje ao serviço
de uma determinada função diferente da que estava em tempos anteriores. No Código Civil de
1867 o direito de propriedade servia os interesses do titular, “faculdade que o homem tem, de
aplicar à conservação da sua existência e ao melhoramento da sua condição, tudo quanto para esse
fim adquiriu e de que, portanto, pode dispor livremente”.
Hoje dificilmente poderia ser defensável uma definição destas, há muitas limitações ao
direito de propriedade e limitações ditadas em razão da sua função social. Exemplo: O direito
de propriedade não pode ser exercido de tal forma que venha a interferir com o ambiente ou
com direitos de personalidade alheios ou com o direito de propriedade de outrem.
Em bom rigor temos uma expressão muito importante da função social do direito que
está no artigo 334º.

Não existem normas específicas que digam que o direito de propriedade tem uma função
social, retira-se esta função de diferentes regimes:

 Artigo 1376º e seguintes: É claramente um interesse económico-social de carácter


geral que explica o que está aqui. No artigo diz-se que não se pode fraccionar um terreno
de forma tal que estejamos a afectar a produtividade, porque sabe-se que quanto maior o
terreno, podemos ter uma produção mais rentável, o que tem interesse económico e
social. Poder-se-ia dizer “se eu sou proprietário, posso fazer o que eu quiser”, mas o
legislador entende que não, que não se pode fraccionar o terreno numa parte menor que
x, que a lei vem estabelecer como unidade de cultura. Esta unidade de cultura não é
fixada em razão do interesse de outra pessoa, mas em razão de um interesse social:
garantir a produtividade agrícola, garantir que os terrenos têm uma dimensão
suficientes para serem rentáveis, com isso beneficiando toda a população. Há um
conjunto de benefícios de caracter social e publico que justificam que o legislador
imponha esta restrição tao relevante.

 Artigo 1380º: Direito de preferência para proprietários de terrenos confinantes.

 Artigo 1382º: Permite agrupar pequenos terrenos num grande terreno, para com isso
melhorar a produção agrícola.

iii. A especificidade do conteúdo do direito real

Mais fáceis de verificar e unanimes são as restrições que a definição específica do tipo
determina. São limitações intrínsecas. O usufrutuário tem de respeitar a forma ou substância do
objecto no exercício do seu direito de gozo temporário e pleno sobre a coisa ou direito alheio,
artigo 1439º. O usuário não pode não pode fazer seus os frutos que excedam a medida das suas
necessidades ou do seu titular, artigo 1484º. As servidões prediais são inseparáveis dos prédios
a que pertencem, artigo 1545º. Entre outros exemplos que podíamos dar.

Limitações Extrínsecas

i. Por razões de Interesse público

Quando falamos em limitações extrínsecas de interesse público estamos a pensar


desde logo nas duas figuras que o Código Civil prevê nas disposições gerais relativas à
propriedade, os artigos 1302º e seguintes, onde encontramos duas normas que atribuem
duas limitações extrínsecas ao direito de propriedade e que por isso, como já foi explicado
em anteriormente referem-se então à generalidade dos direitos reiais: o artigo 1308º que
trata das expropriações e o artigo 1309º que trata das requisições. Tanto num caso como no
outro vai haver direito a uma indemnização como resulta do artigo 1310º 49 50.

Na expropriação encontramos um ato administrativo pelo qual uma determinada


entidade, dita a entidade expropriante, prosseguindo um fim de interesse público
extingue um direito real sobre uma coisa imóvel em benefício da construção de um
direito novo em proveito dessa entidade.

49
E como resulta também aliás do texto Constitucional.
50
Aliás como vamos ver também o direito de indemnização não se fica só por estes dois casos de limitações em
razão do interesse público, alargando-se até à generalidade das limitações extrínsecas.
A distinção da expropriação comparativamente à requisição faz-se em primeiro lugar
pelo seu objecto, sendo que a expropriação diz respeito a bens imóveis, enquanto a
requisição pode ter por objecto tanto as coisas imóveis como móveis.
Depois temos também uma diferença relativamente aos seus efeitos na ordem jurídica, a
expropriação estingue o direito privado do titular da coisa imóvel (o expropriado). Já na
requisição esta destina-se fundamentalmente a permitir o uso da coisa por uma
determinada entidade pública (entidade requisitante) mas não extingue o direito que
existia antes, isto é, o direito real que existia sobre a coisa mantêm-se, sendo que na requisição
o que acontecerá será apenas que se suspende durante um determinado período de tempo o
direito real para que a coisa possa ser utilizada pela entidade requisitante para prosseguir o
interesse público.

Mas a verdade é que as limitações extrínsecas dos direitos reais em razão do interesse
público não se limitam à expropriação e requisição havendo outras figuras dentro deste tipo
de limitação. É o caso das figuras do confisco, da nacionalização, da colectivização e das
servidões administrativas, estas figuras prosseguem também fins de interesse público daí
serem limitações extrínsecas em razão do interesse público. Analisando agora cada uma destas
figuras:

1) O confisco - à semelhança do que acontece na expropriação também há a


extinção de um direito real existente, mas ao contrário desta o titular desse
direito real não receberá em contrapartida uma indemnização. Como se percebe
pela tutela Constitucional existente o confisco não é acolhido na nossa ordem
jurídica na esmagadora maioria dos casos. Se alguém for privado do seu direito real
deverá receber uma indemnização. Mas há casos em que se dá o confisco de uma
coisa é o exemplo do confisco feito pelo estado em função do Direito Penal aos bens
que alguém roubou ou adquiriu de forma criminal.

2) A nacionalização – Também é um modo de apropriação pública de bens que faz


extinguir os direitos reais que existiam sobre esse bem, aproximando-se por isso
também da figura da expropriação. A distinção entre a nacionalização e a
expropriação prende-se com o facto da nacionalização contrariamente ao que
acontece com a expropriação não resultar de ato administrativo mas da lei.

3) A colectivização – Distingue-se das demais figuras em função do beneficiário,


na colectivização o beneficiário, ao contrário do que acontece nas figuras até
aqui vistas, é uma pessoa diferente do Estado. É uma pessoa que não o Estado. Na
colectivização também há uma apropriação pública de bens com extinção dos
direitos reais que sobre estes existiam no entanto quem vai beneficiar dessa
apropriação não é o Estado mas outra entidade.

4) Servidões Administrativas – Este conceito prende-se com o de servidão predial.


Numa servidão predial o que acontece é que há dois prédios, um serviente e um
dominante51, o dominante é o que beneficia das utilidades do prédio dito serviente52,
mas esta relação de servidão tem de ser entre dois prédios. Nas servidões
administrativas temos a mesma lógica, temos uma servidão também, só que esta
será constituída em razões de interesse público e não particular. Além disso, ao
contrário do que acontece nas servidões prediais, as servidões administrativas
abrangem ainda situações em que as utilidades de um prédio não vão ser

51
Vamos ver estes conceitos melhor adiante.
52
Essas utilidades podem ser as mais diversas: por exemplo se no prédio dominante houver um curral de vacas
e no prédio serviente um pasto e se constituir uma servidão predial em que as vacas podem ir ao prédio
serviente pasta. Outro exemplo é o exemplo da servidão de passagem.
necessariamente destinadas a outro prédio, podendo ser destinadas a uma
coisa ou a uma entidade. Portanto ao falar de servidões administrativas estamos a
falar da afectação das utilidades de um prédio em benefício de uma coisa ou de uma
entidade por razões de utilidade pública como a segurança, a celeridade, higiene
etc… É de referir também que ao contrário do confisco, da expropriação e da
colectivização esta servidão não extingue direitos reais limitando apenas o seu
exercício.

ii. Por razões de interesse particular

As limitações extrínsecas podem não ser apenas em razão de um interesse público. Há


também, como já referido anteriormente, razões de interesse particular que limitam
externamente os direitos reais.
É preciso ter presente a norma do artigo 1344º que define, em sentido positivo, quais
são as limitações, as áreas, em que o direito de propriedade pode ser exercido. As normas que se
seguem a este artigo 1344º são no entanto normas que em vez de continuar a ampliar o exposto
neste artigo vão estabelecer limitações de interesse particular ao sentido positivo que este
dá.
Assim, as normas dos artigos 1346º e seguintes vêm estabelecer limitações extrínsecas
aos direitos reais em razão de interesses particulares sendo que versam sobre as relações de
vizinhança e sobre a tutela de direitos ou interesses alheios que têm fundamento
autónomo diverso das relações de vizinhança, mas antes de olharmos a estas normas vamos
ainda falar sobre a sobreposição de direitos de natureza ou de espécie diversa sobre a
mesma coisa como limitação aos direitos reais de carácter extrínseco por razões de interesse
particular.

Já sabemos que, quando estamos perante uma situação de sobreposição de direitos da


mesma natureza e espécie não estamos perante uma limitação intrínseca que configura a
compropriedade, isto é, no fundo há aqui uma compressão interna porque os direitos têm todos
a mesma natureza e espécie, e portanto quando estamos a falar de uma
sobreposição/confluência de direitos da mesma natureza e espécie sobre a mesma coisa
estamos perante uma limitação intrínseca.
Porém, se os direitos forem da mesma natureza mas de espécie diferente ou se
forem direitos de natureza diversa, nesse caso estamos perante limitações extrínsecas:
direito vs direito.
Dentro das limitações extrínsecas por sobreposição podemos depois distinguir
dois planos, isto é, dois tipos de sobreposições de direitos, isto pode configurar-se em dois tipos
de relações diferentes:

1) Relação de Hierarquia – Acontece quando há um direito que encontra o seu


fundamento noutro direito mas que em razão da sua intensidade exclui o exercício
das faculdades do direito legitimador. Exemplo: Direito de Propriedade e Direito de
Usufruto, dois direitos da mesma natureza mas de espécie diferente limitando por
isso extrinsecamente, que confluem/se sobrepõe na mesma coisa resultando por isso
numa sobreposição de direitos de natureza ou de espécie diversa sobre a mesma
coisa, porquê é que estamos perante um relação de hierarquia? Porque o direito de
usufruto encontra o seu fundamento no direito da propriedade mas a sua
intensidade53 exclui os poderes de uso e fruição do direito de propriedade sobre
coisa em questão.

2) Relação de Prevalência – Na Relação de Prevalência o exercício dos direitos que


estão em sobreposição não é excludente, isto é, não é pelo facto de existir um que o
outro não pode ser exercido (como acontece na relação de hierarquia), mas os
direitos vão concorrer segundo um critério de prevalência/prioridade, isto é, há um
direito que prevalece relativamente a outro. Exemplo: Direito de Uso54 e Direito de
Propriedade. O direito de uso não exclui do direito de propriedade o poder de fruir
da coisa (como aconteceria no usufruto) pois no direito de uso há o direito de usar e
fruir “na medida das necessidades” e isto quer dizer que tudo o exceda esta medida
de necessidades pertencerá então ao proprietário, o proprietária continuará a ter a
faculdade de fruição mas esta estará limitada pelas necessidades dadas pelo direito
de uso.6

Analisemos agora o segundo motivo que existe como limitação extrínseca por razões de
interesse particular: as relações de vizinhança.
Nas relações de vizinhança temos dois proprietários de direitos reais que são vizinhos, o
que leva a que, pela proximidade a que estão os vizinhos deva existir boa convivência entre
estes. O legislador podia ter-se ficado pela norma do artigo 334º para resolver estas questões,
mas optou por não o fazer.
Exemplos de problemas que se podem dar neste âmbito são por exemplo: a árvore de um
terreno deixar cair frutos para o terreno vizinho e o dono da árvore querer ir lá apanha-los ou
por exemplo as raízes da árvore começarem a entrar pelo terreno do vizinho, pode o vizinho
corta-las? O legislador quis regular várias destas situações concretas não se ficando pelo 334º, e
isto não foi só legislador português, mas também os legisladores dos restantes países de civil law
da Europa Ocidental.
Assim temos desde logo uma norma que tem forte aplicação nas áreas urbanas do país e
que diz respeito à emissão de fumo, de ruídos, de trepidação e de factos semelhantes, o artigo
1346º. É óbvio que este artigo está muito preso a casos de violação de direitos de personalidade,
mas nestes casos não é necessário haver uma violação de um destes direitos. As várias
situações do dia-a-dia da vizinhança e a sua amplitude fazem com que este seja muitas vezes
aplicado na nossa ordem jurídica, mas há aqui duas notas relativamente à interpretação que
deve ser feita ao artigo 1346º:

1ºnota “prédio vizinho” – o que é que é um prédio vizinho? Pires de Lima e Antunes
Varela consideram que esta expressão se refere a prédios contíguos, o que não é a
orientação dominante na doutrina nem parece ao Professor Henrique Antunes a
mais adequada. Para o resto da doutrina e para o Professor Henrique Antunes o outro
prédio até pode estar a quilómetros de distância, desde que um prédio for seja afectado
pelas trepidações, pela emissão de ruídos, pelo fumo etc… então o “prédio vizinho”
aplica-se aqui. Por isso para esta segunda parte da doutrina basta que a produção de um
dos factos enumerados prejudique outro prédio para estarmos perante um “prédio
vizinho”. Fazendo um parênteses nesta nota interpretativa, não quer esta noção ampla de
“prédio vizinho” dizer que não haja limitações que só se aplicam nos prédios

53
Que resulta da lei:, o direito de usufruto é o poder de usar plenamente a coisa sem poder alterar esta no
entanto. Artigo 1439º
54
Artigo 1490º
contíguos. Temos o exemplo do direito de demarcação previsto no artigo 1353 e
seguintes, e dos artigos 1366º e seguintes que trata da plantação de árvores e
arbustos e da apanha dos frutos desta.

2ª nota “sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do
imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam” – O
professor Menezes Cordeiro propõe que esta parte final da norma seja interpretada
não no sentido alternativo que a norma sugere mas sim num sentido cumulativo ou
seja que onde se lê “.. imóvel ou não resultem…” se lesse “…imóvel e não resultem…”. Para
o professor este artigo está por isso condicionado por dois requisitos: a utilização
anormal55 + prejuízo substancial. Menezes Cordeiro baseia a sua interpretação em
direito comparado, olhando sobretudo ao Direito Alemão, mas usa também o argumento
de se não houvesse este elemento cumulativo isso significaria que alguém podia usar
este artigo contra alguém que utilizasse um prédio de forma anormal mesmo que dessa
utilização não resultasse um prejuízo para os vizinhos, e é óbvio porque é que isto não
seria razoável. O mesmo podia acontecer se alguém comprasse um prédio perto de uma
fábrica já ali construída há muito tempo e de forma legitima, se não aplicássemos a
interpretação de Menezes Cordeiro qualquer pessoa que ali perto construísse ou
comprasse casa poderia opor-se à emissão de fumo da fábrica, suspendendo por isso a
laboração da fábrica, baseando-se simplesmente no prejuízo substancial deste, isto seria
também desrazoável, pois a pessoa ao comprar/construir/adquirir a casa já sabia ou
devia saber que a fábrica existia ali e emitia fumo. O Professor Henrique Antunes acha
que o Professor Menezes Cordeiro não tem razão, pegando neste caso da fábrica por
exemplo, diz que qualquer juíz não iria dar satisfação à pretensão do adquirente do
terreno por esta ser uma tentativa de um comportamento abusivo, sendo por isso
ultrapassável com o 334º. Quanto ao primeiro exemplo, relativo à utilização anormal,
Henrique Antunes concorda com Menezes Cordeiro, apesar de achar que não preciso
adoptar uma regra de cumulação (“e”) mas ler o artigo adequando-o ao seu espírito, isto
é ler o artigo para que deste resulte que quando se fala de uma “utilização normal” só
pode o vizinho opor-se se essa utilização importar um “prejuízo substancial”. Seguindo
esta ordem de ideias de Henrique Antunes então nos casos de “utilização anormal” já só
se poderá opor com a “apenas a existência de prejuízo”. A crítica de Henrique Sousa
Antunes a Menezes Cordeiro neste caso é que se seguisse a regra de cumulação
então nos em que exista apenas uma utilização normal com prejuízo grave não se
poderia opor a essa utilização um vizinho prejudicado, e Henrique Antunes acha que este
resultado, além de fugir demasiado à letra da lei, vai resultar em situações injustas pois
alguém vai ficar prejudicado (gravemente).

Resumindo esta 2ª nota, só se deve aplicar o 1346º nos seguintes requisitos:

- A letra da lei diz só que é factos que importem um prejuízo substancial E


resultem da utilização anormal

-MC: acha que é preciso que haja um prejuízo substancial + utilização anormal

-Henrique Sousa Antunes: Quando há utilização normal + prejuízo substancial OU


utliziação anormal + mero prejuízo

55
Não estar a prosseguir a finalidade económica do prédio do qual o sentido se retira ao observar prédio.
Mas além desta norma do artigo 1346º há outros exemplos de normas que são limites
extrínsecos aos direitos reais em razão de interesse particular por causa de relações de
vizinhança que agora vamos continuar a ver.
É o caso dos artigos 1347º, 1348º e 1349º onde encontramos três títulos de
comportamentos que o legislador fortemente limita de modo a não prejudicar prédios vizinhos.
Aqui a lei permite realização de escavações, passagens forçadas momentâneas e instalações
prejudiciais desde que não prejudiquem o vizinho destas formas, prevendo que se tal acontecer
haverá responsabilidade civil. Assim, estamos perante casos de responsabilidade civil sobre
casos lícitos.
Entre outros exemplos de relações de vizinhança temos ainda o 1351º e 1352. Mas
talvez mereçam particular destaque, além do destaque já dado aos artigos supra, os artigos
1360º a 1365º. Estas normas prevêem regras técnicas, como distâncias mínimas a existir entre
prédios ou parte de prédios, para evitar tanto o devassamento como o gotejamento56 para
outros prédios.
Mas e se alguém ao construir prédio ou parte deste não respeitar as regras dadas? Por
exemplo não respeita o metro e meio exigido no artigo 1360º nº1? Nesse caso ocorre um
fenómeno de servidão de vistas que tem por consequência, por exemplo, a inversão da
limitação de um vizinho para o outro como se observa no nº2 do 1362º. Coisa semelhante
acontece relativamente ao gotejamento, se não se respeitar a distância de 5 decímetros imposta
pelo 1365º nº1, diz o nº2 do mesmo artigo que se constitui então uma servidão de estilicídio
invertendo também a limitação. Exemplo: Construção em desrespeito ao 1360º nº1 a situação
permanece sobre anos e anos, a pessoa não cumpre o metro e meio de distancia na construção
então constitui-se uma servidão de vistas, artigo 1362º quando há uma servidão de vistas
então se A desrespeita a distancia em relação a B então o ónus de respeitar esse metro e meio
recai sobre este último, a limitação passa de um proprietário para outro. O mesmo acontece nas
servidões de estilicídio, o prédio que foi construído em desrespeito, a água vai cair sobre o
prédio vizinho, se passar algum tempo constitui-se a servidão.

iii. Limitações que se determinam pela tutela de direitos ou interesses alheios que
têm um fundamento diverso (autónomo segundo Henrique) das relações de vizinhança

O exercício do direito da propriedade é, certamente, limitado pela salvaguarda das


situações jurídicas que apresentem proximidade física com o prédio utilizado, mas ao
proprietário é, também, exigido que, em certas circunstâncias, permita acesso para resgate de
bens próprios ou para satisfação de interesse legítimos.
Nos artigos 1322º e 1349º nº2 encontramos clara evidência da legitimidade da
actuação de terceiros para a recuperação de bens próprios que se encontrem em prédio
pertencente a outrem. Temos ainda o 1383º e 1384º neste contexto.

Se acidentalmente, uma bola, saco, etc, for parar a prédio alheio, diz a Lei que a pessoa
que é proprietária dessa coisa que acidentalmente vai parar a terreno alheio, pode apoderar-se
da sua coisa, embora o proprietário desse prédio possa impedir a entrada fazendo ele próprio a
entrega da coisa que no seu prédio acidentalmente se encontra. Uma vez mais, não se trata de
dirimir um conflito quanto ao exercício de um direito de propriedade sobre prédios que sejam
vizinhos, isso é matéria que diz respeito às limitações extrínsecas que tenham por fundamento
razões de vizinhança, tratasse antes de restringir ou limitar o exercício do direito de
propriedade para permitir que o proprietário de uma coisa alheia ou que o titular de

56
Isto é, por exemplo, a água da chuva por bater num prédio cair sempre noutro indo para este
outro Direito Real sobre coisa alheia, possa ir buscá-la a um prédio onde ela
acidentalmente se encontra
Portanto, quer no artigo 1322º, quer no artigo 1349º nº2, encontramos situações em
que o direito de propriedade é limitado, não porque se trate de regular relações de vizinhança
entre prédios, mas para permitir que alguém vá buscar uma coisa que é sua e que está em prédio
alheio.

Uma das limitações principais que existia em relação ao direito de propriedade, e por
isso aos direitos reais menores, que se enquadrava neste contexto das limitações extrínsecas
com fundamento nas razões de vizinhança, era o regime dos atravessadouros, dos já referido
1383º e 1384º. Ou seja, a possibilidade de se passar por prédio alheio para se chegar a
determinado destino. Historicamente estes atravessadouros eram uma limitação
importantíssima ao direito de Propriedade com um fundamento que se desprendia das relações
de vizinhança. Era, no fundo, uma zona de passagem que não podia ser impedida pelo
proprietário.
Sucede que se olharmos hoje para o regime dos atravessadouros, o artigo 1383º veio
aboli-los, o Código estabelece um princípio geral de que passar por prédio alheio (aí caminhar)
para chegar a um certo destino, deixou de ser possível pois aquilo que a lei reconhece é apenas a
possibilidade de passar por prédio alheio em razão de uma servidão predial. Ou seja, para que
se possa passar sobre prédio alheio é necessário que essa passagem se mostre constituída em
favor de um prédio determinado, e nesse caso constituindo uma servidão predial.

Mas ainda importa dizer a este respeito duas coisas: Há alguns atravessadouros
(passagens por prédio alheio) que a Lei continua a reconhecer, sem ser sob a forma de uma
servidão predial, ou seja, um atravessadouro que não tem por fim satisfazer a utilização de
determinado prédio. Mas a sua finalidade também está bem identificada, já que não se destina a
ser uma simples passagem sem mais… Não se destina a permitir a utilização de certo prédio, que
se mostre estabelecida a favor de outro, e não pode ser uma qualquer passagem. A este respeito
diz o artigo 1384º que “São, porém, reconhecidos os atravessadouros com posse imemorial, que se
dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade, enquanto não existirem vias públicas destinadas à
utilização ou aproveitamento de uma ou outra, bem como os admitidos em legislação especial.” Se
olharmos para este artigo, admite-se que a passagem pelo atravessadouro, mesmo não
constituindo uma servidão predial, possa ser considerada pela Lei como uma limitação ao direito
de propriedade, mas é necessário que essa posse seja imemorial57, mas que tenha um objetivo,
isto é, é um caminho que leve a uma ponte ou fonte de manifesta utilidade, e desde que não
exista via publica para o efeito. Diz ainda o legislador que também podem haver disposições
legais expressas que reconheçam atravessadouros que não constituam servidões prediais.

Encontramos um outro conceito que também se engloba nesta categoria das


limitações extrínsecas aos Direitos Reais com fundamento autónomo nas relações de
vizinhança, e que são os caminhos. Um problema relevante é exactamente a distinção entre os
caminhos e os atravessadouros, já que os primeiros não são proibidos em razão desta regra de
proibição dos atravessadouros. Na lei civil, encontramos esta proibição dos atravessadouros que
apenas são admitidos aqueles que constituam uma servidão predial ou então nos termos do
artigo 1384º.
No entanto, existe este outro conceito, o conceito de caminho, que têm natureza pública
e que é uma das limitações ao exercício dos Direitos Reais, que não estão cobertos pela proibição

57
mais de 50 anos até
dos atravessadouros, o que quer dizer que também não têm de ter a utilidade que o artigo
1384º exige. Não se destinam apenas a permitir o acesso a uma fonte ou ponte de manifesta
utilidade, colocando-se então a questão de qual a sua diferença em relação aos atravessadouros.
Neste contexto, embora esta tenha sido uma tarefa bastante complicada na jurisprudência, existe
um Acórdão da relação de Coimbra que referindo um acórdão do STJ diz que “no conceito
tradicional, os atravessadouros ou atalhos são caminhos pelos quais se faz passagem com o fim
essencial de encurtar o percurso entre determinados locais. Os caminhos públicos, por sua vez,
destinam-se a estabelecer ligações de maior interesse, em geral entre povoações”.
Na prática, pode um proprietário reagir contra o facto de haver ali uma zona em que
existe uma passagem regular de pessoas e onde é normal que ele a tente enquadrar essa
passagem nos atravessadouros para pode beneficiar da sua proibição e assim libertar o prédio
da limitação que estes constituíam. É verdade que alguns atravessadouros são admitidos, mas
também é verdade que eles têm finalidades específicas, e portanto, o mais desejável para este
proprietário era que aquele percurso fosse qualificado como um atravessadouro e portanto,
proibido. No entanto, se vier a ser classificado como um caminho, e de acordo com a
Jurisprudência, para que o seja, tem que se tratar de uma passagem que tenha como
finalidade ligar localidades58, ou seja, ligações de maior interesse, em geral, entre povoações,
já não pode o proprietário reagir contra essa passagem, precisamente pela natureza publica do
caminho e pela ausência de proibição relativa aos atravessadouros.

As Vicissitudes dos Direitos Reais

Trata-se da vida dos Direitos Reais. Será que conseguimos encontrar alguns traços que
sejam comuns aos vários direitos reais de modo a criar uma lista de vicissitudes dos
direitos reais em geral?
Quando olhamos para os direitos reais menores, às vezes percebermos que existem
divergências quanto às causas invocadas, nomeadamente para a extinção, porque encontramos a
respeito do usufruto, do direito de superfície e das servidões, e outros, normas que nos dizem
quais as causas de extinção desses Direito Reais e a pergunta que se coloca é em relação a um
desses Direitos Reais não existir uma causa que está identificada em relação aos outros Direitos
Reais menores. Por exemplo, a respeito do direito de superfície não se prevê a extinção pelo
não uso, mas esta é normalmente uma causa de extinção dos Direitos Reais menores se eu
for usufrutuário e não utilizar o meu usufruto durante 20 anos, o meu direito real extingue-se
fazendo com que haja uma extensão do Direito de propriedade. Será que isto valerá também
para o Direito de superfície?
Outro exemplo: Não há também nenhuma norma no Código que diga que o Direito de
Propriedade sobre coisas imoveis se pode extinguir por renúncia, ou seja, por vontade do seu
próprio titular. No entanto, quando vamos aos Direito Reais menores, vemos que a renúncia59 é
uma forma de extinção dos direitos reais menores muito comum. Mas será que isso se pode
aplicar ao Direito de propriedade?
58
e não apenas encurtar percursos
59
Dita abdicativa
Isto são dois exemplos que beneficiariam em muito da construção de uma teoria geral no
que toca a vicissitudes. Vamos então analisar a questão e ensaiar uma teoria geral.

É preciso não perder que a escolha do legislador pode ser criticável, mas que no entanto,
o que se encontra consagrada na nossa lei civil, em conjugação com a norma anterior, faz com
que haja aqui uma perspectiva que não podemos perder quando construímos a nossa teoria
geral: está-se aqui a referir o artigo 1306º a propósito do princípio da tipicidade.
Significa que o legislador, ao consagrar o princípio da tipicidade tomou por referência o
Direito de Propriedade dizendo que o sistema dos Direitos Reais é baseado nele, que é a
matriz/referência. Este facto, conjugado com o artigo 1305º a propósito do conteúdo do
Direito de Propriedade vai-nos dar um critério/orientação para o caminho que vamos seguir
nas próximas páginas. O critério é que o direito de propriedade só pode ser restringido nos
termos em que a lei o preveja. Isto significa que eu não posso criar direito reais menores
diferentes daqueles que a Lei preveja.

Mas, a forma como este princípio da tipicidade foi construído faz com que nós tenhamos
ainda que considerar que não se trata apenas desta proibição, porque a Lei diz ainda que o
proprietário tem de poder e usar e fruir plenamente do seu Direito excepto quando a Lei
disponha diversamente. Assim sendo, não podemos no processo interpretativo, ou seja,
quando estivermos a interpretar as normas relativas e aplicáveis às situações jurídicas reais,
utilizar a analogia quando ela restrinja o direito de propriedade60. O que significa que eu
não posso estar a aplicar analogicamente factos constitutivos ou modificativos de sentido
ampliativo dos direitos Reais menores, pois a consequência disso é a restrição do direito de
propriedade. Ou seja, se olhar para um direito real menor se perceber que existe aí uma norma
que não prevê determinado facto constitutivo ou modificativo no sentido de ampliar o conteúdo
desse Direito Real menor, eu não posso por analogia ir buscar instrumentos aos outros direitos
reais menores, já que ao fazê-lo eu estarei a restringir o direito de propriedade para lá daquilo
que a Lei permite. Mas já posso fazer uma aplicação de normas que prevejam causas de
extinção de direito reais menores. Se considerar que por analogia a um determinado Direito
Real, se aplica a causa de extinção que identifico em outros Direito Reais menores, o que
estou a fazer é a permitir que este Direito Real menor se extinga e ao fazê-lo, estou a
alargar o Direito de Propriedade. Assim no entender de Henrique Antunes é a própria
conjunção dos artigos 1306º e 1305º que vai permitir esta analogia que alargue o direito de
propriedade.

As vicissitudes obrigam-nos a falar da constituição, modificação, da transmissão, da


defesa e da extinção dos Direitos Reais. Vamos começar por tratar da constituição, a este
respeito temos que olhar para um conjunto de normas que tratam da constituição dos
direitos reais e ver nelas aquilo que há de comum e de diferente.

Constituição

Em relação ao artigo 1316º, que trata da constituição de um ponto de vista subjectivo


(da aquisição) este diz que “O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte,

60 Algo que já tínhamos visto neste caderno na “tipicidade”


usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.”. Ou seja, fala-se em ocupação e
acessão, para além de contrato, sucessão por morte e usucapião. Estes modos aqui referidos,
são modos específicos de aquisição do direito de Propriedade. Ou seja, não os vamos
encontrar nos restantes Direitos Reais de gozo.
É certo que alguma doutrina, como a de Menezes Cordeiro, propõe que a acessão, seja
uma forma de aquisição dos Direitos Reais menores. Henrique Sousa Antunes entende que à
luz do princípio da tipicidade, não se pode aplicar analogicamente factos que
determinassem a limitação do direito de propriedade, portanto, se eu fosse admitir que a
acessão sirva também para a constituição de direito Reais menores e que não seja uma forma
especifica do direito de propriedade, o que estou a fazer é limitar o direito de propriedade.

Continuando a percorrer estas normas, encontraremos a disposição do artigo 1417º,


que trata da constituição do direito de propriedade horizontal encontramos aqui uma
referência comum à usucapião, outra que é mais abrangente, o negócio jurídico (no direito de
propriedade fala-se em contrato), e depois encontramos ainda a referência a decisão
administrativa ou judicial, o que não encontrámos na norma do artigo 1316º

No artigo 1440º, sobre a constituição do usufruto. Temos aqui de novo a reiteração


do contrato, à semelhança do que acontece no 1316º, a referência à lei, temos a menção ao
testamento, sendo que no 1316º existe uma referência mas genérica da sucessão por morte, e
ainda há a indicação da usucapião.

No artigo 1485º a propósito dos Direitos de Uso e de Habitação, os Direito de uso e


habitação seguem o usufruto, com exceção do constante do artigo 1293º b), que é uma
norma que exclui a possibilidade de adquirir por usucapião os direito de uso e de
habitação. O que significa que estes Direitos de Uso e de Habitação, ao contrário daqueles que já
vimos, não podem ser adquiridos por usucapião. Quanto aos mais seguem as formas de
constituição do usufruto.

O artigo 1528º em relação ao Direito de Superfície, temos o que já em Direitos


anteriores vimo: a referência ao contrato, testamento ou usucapião.

Por fim, o artigo 1547º sobre a constituição das servidões prediais.

Olhando para todos este modos de constituição dos Direitos Reais, sem prejuízo de
algumas menções particulares que aparecem em alguns deles, ocupação e acessão no direito
de Propriedade, a destinação do Pai de Família nas servidões prediais, sem prejuízo de
algumas menções particulares que aparecem em alguns direito Reais, podemos extrair em
tom de teoria geral, que há desde já 3 modos que são inequivocamente comuns ainda que
possa um deles não estar presente em todas as formas de constituição dos Direitos Reais.
Aqueles que são generalizáveis são desde logo o contrato, o testamento e a usucapião. Vamos
então olhar para estas formas de constituição:

Antes de começarmos a ver o contrato, o testamento e a usucapião, há uma forma


de constituição que é comum a todos os direitos reais mas que não se encontra na letra
dos artigos que vimos: A sentença judicial.
A sentença judicial também pode ser uma forma de constituição de Direitos Reais,
tal como vimos no artigo 1417º, neste caso fala-se de sentença judicial como forma de
constituição da propriedade horizontal. Como se pode trazer esta sentença judicial para a
elaboração de uma teoria geral? Podemos, dizendo que se pensarmos em fenómenos que já
estudamos como sejam a execução específica ou ação de preferência, ambas permitem a
aquisição de direitos reais sobre a coisa. Se o Sr.A promete vender ao Sr.B, e depois vendeu ao
Sr.C, esta promessa que tinha uma eficácia real, permite ao Sr.B que recorrendo à execução
específica, vir a receber na sua esfera jurídica receber o direito de propriedade sobre a
coisa, sendo que a execução específica está aqui a servir como título último de
constituição/transmissão do direito real. O mesmo se diga face à acção de preferência e nos
moldes em que esta funciona.
Isto significa que estes instrumentos, que são sentenças judiciais, estão a servir
para a transmissão ou constituição de direitos reais, e aqui não é apenas a propriedade
horizontal, porque se está a falar do direito de propriedade mas também se poderia estar a falar
de outros direitos. Imaginemos que se trata da promessa de constituição de usufruto que é
incumprida, esse incumprimento poderia levar a que o promitente beneficiário recorresse à
execução específica adquirindo o usufruto sobre a coisa.
Assim, apesar de só vermos no artigo 1417º a referência à decisão judicial, o que é
certo é que por conjugação com outras matérias, não podemos deixar de considerar que a
sentença judicial configura uma forma genérica de constituição/ transmissão de direitos reais.

O contrato foi identificado nos vários Direitos Reais, mas em alguns deles, vimos a
referência somente ao negócio jurídico (propriedade horizontal). Será que só se pode construir
Direito Reais por negócio jurídico bilateral em que existe acordo de vontades ou de forma mais
abrangente devia ter a Lei falado apenas de negócio jurídico, abrangendo contratos e negócio
jurídico unilaterais? Na verdade, quando na propriedade horizontal se fala em negócio jurídico,
há uma razão de ser, porque a propriedade horizontal, em regra, a prática mais frequente de sua
constituição é a declaração unilateral de vontade do seu proprietário.
Ou seja, enquanto o prédio está a ser construído e o edifício é propriedade de um sujeito,
esse sujeito, terá de constituir sobre o edifício a propriedade horizontal, só que esta pressupõe
uma coisa para existir, que é que haja mais do que um proprietário. O que acontece é que a
teoria, e sobretudo a prática, têm admitido que a propriedade horizontal possa ser adquirida
por declaração unilateral do proprietário, em regra, na fase de construção do edifício, e
depois, a constituição do regime da propriedade horizontal já verificada, vai ficar com os efeitos
em suspenso até à alienação de uma das fracções.
Sendo assim, percebe-se que no artigo 1417º a Lei faça referência a negócio jurídico e
não a contrato, admitindo este negócio jurídico unilateral.61

A questão está em saber se onde a Lei não preveja e fale apenas de contrato, como no
direito de superfície e nas servidões prediais, será possível dizer que o que queria a Lei dizer era
que incluía negócio jurídico unilateral? A Henrique Sousa Antunes parece que não. Vimos o
ano passado que os negócios jurídicos unilaterais estão sujeitos a uma regra de tipicidade.
Ora, uma razão importante para que os negócios jurídicos unilaterais sejam típicos, é para evitar
que alguém por manifestação unilateral de vontade fique irrevogavelmente vinculado a essa
mesma manifestação, quer-se por isso proteger a pessoa contra atitudes que ela possa ter e que
a façam ficar irrevogavelmente a ela vinculada. Henrique Sousa Antunes acha que esta ideia que
existe face à produção dos efeitos obrigacionais, é ainda mais premente para a produção de
Direitos Reais. A ideia de que se admitisse que por vontade exclusiva do sujeito em causa, ele
pudesse vincular-se à constituição de um Direito Real que tem uma natureza mais perene do que

61
Esta forma de constituição é também admitida em relação a um Direito Real que está em diploma autónomo
que é o Direito Real de habitação periódica.
a obrigação, parece de facto de rejeitar. E por isso, na opinião de Henrique Sousa Antunes,
quando o legislador falar em contrato, fá-lo de um modo intencional.

É também preciso ter presente que a Lei fala no fenómeno da transmissão mortis
causa, empregando ora a expressão de sucessão por morte, ora a de testamento e há que ter
presente que estas expressões não se confundem.
Na maioria das formas de constituir direitos reais menores o legislador fala em
testamento, e no entanto, no artigo 1316º fala-se em sucessão por morte. Porque é que o
legislador faz esta distinção? Quando nós falamos em sucessão por morte, estamos a falar quer
da sucessão por Testamento, que é uma forma voluntária do de cujus dispor dos seus bens para
depois da sua morte, quer de se não houver testamento a distribuição do património faz-se de
acordo com a Lei, havendo uma sucessão que é a chamada sucessão legítima.62 No fundo,
quando falamos de sucessão por morte podemos estar aqui a pensar em dois caminhos,
na vontade do falecido que dispôs sobre os seus bens, ou se ele nada dispuser ou dispondo,
havendo uma parte do património em relação a qual ele não pode dispor, porque há sucessores
que a existirem fazem com que a sua vontade não possa ir tão longe (sucessores legitimários),
mas quando haja esse testamento e até onde esse possa a ir, a sucessão por morte dá-se pela
vontade do falecido, mas pode também dar-se por Lei. Isto é, na ausência de disposição do de
cujus ou quando ele disponha sobre uma parte em relação à qual não pode dispor, é a Lei a
intervir e a dizer como é que se faz a distribuição do património.
Por isso, a referência à sucessão por morte, abrangendo testamento e sucessão
fundada na Lei, aparece consagrada no 1316º, e no entanto, no caso do usufruto só aparece o
testamento. Mas porquê? Será que no usufruto não será admitida a sucessão fundada na Lei? A
resposta é afirmativa porque diz o artigo 1443º que: “Sem prejuízo do disposto nos artigos
anteriores, o usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário, sendo constituído a favor de
uma pessoa colectiva, de direito público ou privado, a sua duração máxima é de trinta anos.”
Quando o titular morrer esse Direito extingue-se, só se fala em testamento para se constituir
e não para transmitir, por isso não fala na Lei, porque não seria esta a constituir mas a
transmitir. O usufruto não pode ser transmitido mortis causa, e por isso, é evidente que a única
forma de constituição de usufruto há-de ser o testamento, porque é uma forma de
constituição e não de transmissão.

Quando se encontra na lei referências genéricas a sucessão por morte, ou específicas a


testamento em vez de haver uma referência genérica a sucessão por morte, essa opção é
intencional, porque há uma razão de ser que se prende com a natureza dos direitos reais. É
acidente que a sucessão por morte é uma causa genérica de constituição/transmissão de direitos
reais mas há direitos reais em relação aos quais isso não sucede. Embora se possa depois
discutir se é sempre assim ou não, se existe uma intencionalidade que seja sempre de
acompanhar

Falta-nos então a usucapião. Aparece regulada nos artigos 1287º e seguintes: “A posse
do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo,
faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício
corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.”
Já sabemos que esta é uma forma genérica de constituição de Direitos Reais, uma

62
Ver matéria de sucessões
vez que só relativamente aos Direitos de uso e habitação esta foi afastada (1293º b)), sendo
certo que há uma forma de servidão predial que também não pode ser adquirida por
usucapião. Este artigo 1293º diz quais os direitos reais que estão excluídos da usucapião: as
servidões prediais não aparentes. Temos depois dois outros aspectos que importam destacar
em relação anda a este artigo:

1) Em primeiro lugar, estamos aqui a falar de direitos reais de gozo e por isso a
usucapião não aparece referida nos demais direitos reais, nos de garantia ou de
aquisição.
2) Em segundo lugar, a Lei fala em posse. Tal como vamos ver adiante no estudo, a
Lei fala em posse do Direito de Propriedade, e o que vamos ver é qual a
diferença entre a posse e a detenção. Ou seja, se eu emprestar o meu Código
Civil, a outra pessoa fica com o controlo material sobre esse meu Código Civil, só
que não é possuidora do meu Código Civil e não o vai poder adquirir por
usucapião, porque se começou logo por dizer que se emprestou o Código Civil. A
outra pessoa não tem um direito real sobre a coisa mas apenas um direito
pessoal, e assim sendo, está excluída a ideia da posse. Se por exemplo, uma
pessoa está a cultivar um terreno, fazendo-o no interesse do dono do negócio, tal
como existe na gestão de negócios, não é possuidora de forma tal que o venha a
adquirir por usucapião, ele é apenas um mero detentor. Ele tem o controlo
material da coisa sendo que esse controlo vai durar por algum tempo, mas não é
possuidor. E por isso, a distinção entre posse e detenção é fundamental, desde
logo para efeitos de usucapião. Porque o possuidor pode adquirir por usucapião
o Direito correspondente à sua atuação e o detentor já não.

Casado com isto é interessante olhar para o artigo 1291º que diz que: “A usucapião por
um compossuidor relativamente ao objecto da posse comum aproveita igualmente aos demais
compossuidores.” Esta norma deve ser trata em conjunto com outra norma, a do artigo 1406º
nº2 que diz que: “ 2. O uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse
exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título.”
Ou seja, vamos supor que o prédio A é uma coisa que está em compropriedade entre os
Senhores A, B e C, e vamos supor que durante 25 anos só o B é que utiliza a coisa. O que diz a Lei
no 1406º nº2 é que o uso da coisa comum não constitui posse exclusiva. Isto é, o facto de ele
utilizar a coisa sozinho sem os outros comproprietários não significa que ele tenha
adquirido por usucapião a propriedade exclusiva do terreno, porque ele é possuidor do
seu Direito, mas é detentor dos Direitos de A e de C. A Lei diz que ele pode usar sozinho mas
ainda assim, o que ele fizer é algo que respeita à compropriedade e não algo que lhe aproveite
exclusivamente, excepto se tiver havido inversão do titulo, aí ele considera-se como exclusivo
possuidor da coisa. Isto é, tem de haver alguma vontade de oposição. Só assim se poderia
considerar que ele seria possuir em exclusivo. Não tendo havido, isto significa que ele está a
fazê-lo em beneficio de todos e não em beneficio de si próprio. Ele é possuidor da sua
quota mas detentor da quota dos demais e quando assim o é, não pode adquirir por
usucapião o resto das quotas.
Diz o artigo 1291º que se o possuidor agir sozinho, o seu comportamento aproveita
igualmente aos demais compossuidores. É a mesma lógica porque a pessoa ao agir está a fazê-lo
em seu nome mas também em representação dos outros, beneficiando todos. O que acontece é
que se ele estiver a agir sozinho, supondo que há alguém que age sozinho numa situação de
contitularidade, o que diz este artigo 1291º é que ao agir sozinho esse alguém vai permitir a
aquisição por usucapião em benéfico dos três. Se ele estiver a agir de boa-fé, mesmo que
alguém esteja de má fé63, o prazo que se utiliza é o de boa fé porque está tudo centrado na
pessoa que age, e essa está a agir não apenas em seu beneficio mas em beneficio de todos, isto é
o que se extrai do artigo 1291º.

No entanto, em relação a usucapião, não está tudo nos artigos 1296º e seguintes,
designadamente não estão lá as classificações da posse. Este certo lapso de tempo, é uma
referência às classificações da posse. Porque este tempo é variável em função das classificações
que vamos estudar, e vamos estudar quatro classificações legais e quatro doutrinais, e em função
disso vamos ver que os prazos para adquirir por usucapião são diferentes.
Importa reter agora que à usucapião se aplicam os direitos da prescrição, por força
do artigo 1292º, o que significa que esta tem de ser invocada em processo judicial. Já que se
assim não for, a pessoa não se pode valer dela.

Outro aspeto importante é que a usucapião tem efeito retroativo, o que resulta do
artigo 1288º. Ou seja, quando a pessoa adquire legitimou o seu comportamento desde o
início da posse e portanto, se porventura o titular do direito lhe viesse pedir uma restituição de
frutos, ele poderia dizer que seria considerado proprietário não 20 anos depois do início
da posse mas desde o seu início.

O artigo 1290º reitera aquilo que foi dito entre a posse e a detenção.

Constituição: Factos Específicos do Direito de Propriedade

Vimos quais são os modos em geral de aquisição de direitos reais, sendo que vamos
agora ver os factos específicos à aquisição do direito de propriedade. Em bom rigor vamos
falar de dois fenómenos:

1º OCUPAÇÃO e 2º ACESSÃO

A ocupação é o modo de aquisição imediata da propriedade por mero facto voluntário


da apropriação de animal ou de coisa móvel sem dono. Assim, a ocupação refere-se a um
animal ou coisa móvel que não tenha dono.
No artigo 1318º que há um sentido mais abrangente já que a norma depois da revisão
do estatuto jurídico dos animais de 2017 passou a ter como epigrafe “suscetibilidade de
ocupação”, sendo verdade que a norma não se refere apenas a coisas que não tenham
dono. Embora haja uma referência a coisas que não tem/tiveram dono o que é certo é que a lei
ainda abrange o fenómeno de ocupação como modo de aquisição de direito de
propriedade, as coisas que tenham sido perdidas ou escondidas pelos seus proprietários.
Em bom rigor, nós não estamos perante coisas sem dono, neste caso diz o legislador que a
ocupação abrange coisas perdidas ou escondidas, e por isso, ocupação abrange o fenómeno do
achamento.

Há normas específicas relativamente ao modo de ocupação de animais, designadamente


os artigos 1319º ao 1322º, sendo que são regimes que não carecem de grandes esforços
interpretativos. Contudo, há que chamar a atenção para o facto da lei 8 de 2017 revogar o
artigo 1321º do código civil que se refere a animais ferozes fugidos. A possibilidade de se
ocupar, de se adquirir o direito de propriedade relativamente a animais ferozes e maléficos que

63
Como vamos ver na posse interessa a boa ou a má fé para os tempo do usucapião
estava anteriormente neste artigo acabou. A lei legitimava a destruição dos animais ferozes,
maléficos e a ocupação desses animais. Com a revogação não se está dizer que a pessoa não
poderá reagir, porque isso está coberto desde logo pelo regime de auto tutela que a nossa lei
prevê. Por ventura quererá dizer é que não haverá o reconhecimento do direito de
propriedade por ocupação. Mas a verdade é que essa é uma forma de garantir a segurança, isto
é, se se conseguisse efetivamente enclausurar o animal, a circunstancia de a propriedade ser
atribuída, seria com certeza um estimulo para a defesa da segurança de todos, mas na verdade
esta norma já não esta em vigor.

Quando se trata de uma coisa que tem dono mas que está perdida ou escondida pelo seu
dono, por exemplo, se eu encontrar uma concha na praia e levar, ela é minha por ocupação,
temos de ter em conta que este é uma forma de aquisição do direito de propriedade
relativamente a uma coisa que nunca teve dono ou foi abandonada pelo antigo dono, e nesse
caso há uma ocupação em sentido estrito.

Temos ainda de ter presentes os artigos 1323º e 1324º que determinam alguns casos
específicos de ocupação. A lei vai exigir que o anunciador anuncie o achado pelo modo que se
considere mais conveniente.
Para o artigo 1323º nº1 e para o artigo 1324º nº2, o segundo passo para se poder falar
do direito de propriedade relativamente a uma coisa achada (achamento), é, se o achador não
souber a quem pertence o animal ou coisa móvel perdida ou escondida, anunciar o achado ou
avisar as autoridades. Neste segundo momento também ainda não há aquisição do direito de
propriedade.

Relativamente ao artigo 1323º nº6 a primeira parte: goza de direto de retenção


permite ao achador reter a coisa ou animal até ao pagamento da indemnização prevista na
norma anterior. Esta norma não aparece no artigo 1324º mas Henrique Sousa Antunes acha
que para garantir o pagamento deve ser aplicada analogicamente aos casos do 1324º

Artigo 1324: Se olharmos para o regime do artigo 1324º vemos uma diferença
importante entre os dois regimes, isto é, se eu estiver no âmbito do artigo 1323º o achador faz
seu o direito de propriedade de forma integral de forma completa, no caso do regime dos
tesouros, das coisas que tenham sido escondidas, a lei estabelece que metade é para o
achador e a outra metade pertence ao proprietário da coisa móvel ou imóvel onde o
tesouro estava escondido ou enterrado.

Depois vamos encontrar disposições que não estão no artigo 1324º, mas também são
aplicáveis analogicamente em regime de tesouros, e quais são essas disposições? Olhando para o
artigo 1323º na hipótese em que o achador não fique com o direito de propriedade sobre a
coisa, em que o achador restitua a coisa porque sabe quem é o dono ou restitui porque fez o
aviso ou fez o anuncio e o dono apareceu, se ele tiver que restituir a lei diz que ele tem o
direito à indemnização do prejuízo havido e das despesas realizadas.
Na verdade este regime é o regime que estava também na versão anterior do artigo
1323º nº3, só que também estava outra coisa que também desapareceu em 2017, e a nosso
entender não se consegue perceber o porquê, porque no regime anterior, além da indemnização
pelo prejuízo que o achador tivesse tido e a compensação das despesas que tivesse feito, a lei
estabelecia ainda um prémio. Assim, o achador entregaria um premio, já que este não fez seu o
direito de propriedade, teve de entregar, restituir a coisa ao seu dono, e por isso, a lei estabelecia
o premio e definia como esse se calculava. Isto era uma forma de incentivar à restituição da
coisa, sendo um pouco aquela lógica da promessa pública quando o proprietário pede alguma
coisa e anuncia alguma coisa para que a coisa seja entregue, não se consegue perceber o porquê
da actualização da norma neste sentido de ficar sem prémio.

Com a revisão de 2017 aparece uma coisa nova e estranha ainda no nº7. A crítica que o
Professor Henrique Sousa Antunes faz ao legislador, está no facto de falar em retenção,
porque tratar esta faculdade que se dá como um direito de detenção não tem qualquer sentido
tendo em conta a noção de detenção, e tendo em conta a ausência de qualquer relação deste
fenómeno como o fenómeno do direito de retenção. Mais valia que o legislador tivesse usado
outra expressão em vez de “reter”, poderia ter utilizado por exemplo: “pode conservar o animal”
ou eventualmente pudesse até ter ido mais longe e ter permitido a ocupação. Para o professor
falar aqui em detenção não parece apropriado.

Quanto à acessão, é definida no Código pelo legislador no artigo 1325º Este é um tema
altamente complexo. O que é que acontece no fenómeno da acessão?
Basicamente nós temos duas coisas que pertencem a proprietários distintos, mas por
uma razão natural ou industrial, isto é, por razão da natureza ou por razão do homem vem
unir-se ou incorporar-se noutra. Exemplo: Alguém constrói num terreno alheio, está a unir, está
a incorporar em terreno alheio, coisas que não pertencem ao proprietário desse terreno ou
vamos supor que alguém se apropria de um objecto de outro e o funde com outros objectos.
Naturalmente que a coisa perde a sua autonomia e é unida a outras, e estamos por isso a falar de
fenómenos que há como diz a lei no artigo 1325º uma “união ou incorporação”. Qual é o
problema que se coloca? Se alguém constrói em terreno alheio, a pergunta que se vai colocar é: o
que é que acontece relativamente a propriedade do edifício, relativamente à propriedade do
terreno? Isto é, será que a pessoa que é proprietária do terreno vai também ser proprietária do
edifício dado que o edifício foi construído no seu terreno? Ou uma pessoa que construiu o
edifício poderá vir a adquirir a propriedade do terreno visto ter construído o edifício?

Na verdade, existe um principio “superfícies solo servi”, que nos diz que todo o que se
viesse a incorporar na coisa inicial passaria a integrar o direito de propriedade sobre
essa coisa inicial sem ter de olhar para as características dessa incorporação. Esse
princípio é um principio clássico que tem tradução no nosso organismo na norma do artigo
1327º.
Por força do artigo 1327º, quando uma coisa inicial se vier a juntar uma outra, o
proprietário da coisa inicial passaria a ser proprietário também da coisa que foi incorporada.
Tudo aquilo que fisicamente se incorporasse na coisa inicial seria integrada no direito de
propriedade, sem que estivéssemos a olhar para as características do ato de incorporação.
Se na verdade o legislador tivesse estabelecido este principio nós tínhamos o nosso
problema resolvido, isto é, sempre que houvesse um fenómeno de acessão nós concluíamos pela
atribuição do direito de propriedade ao dono da coisa onde essa união ou incorporação veio a
ocorrer relativamente à coisa que veio a ser unida ou incorporada. A questão estaria fechada.
Mas a verdade é que há vários fenómenos de acessão e o legislador não veio a
estabelecer este princípio, senão em termos pontuais. Em primeiro lugar é interessante
olhar para a classificação que o legislador estabelece relativamente aos fenómenos de acessão e
relativamente aos fenómenos de acessão, a acessão pode ter expressões muito diversas, a
acessão em primeiro lugar pode ser natural ou industrial.

A acessão natural, nos termos do artigo 1326º nº 1, é aquela que resulta


exclusivamente das forças da natureza, ou seja, dá-se uma união ou incorporação de uma coisa
com outra, por ação exclusiva das forças da natureza. Já se essa união ou incorporação tiver por
origem não um fenómeno da natureza mas antes a intervenção do homem, estaremos perante
um fenómeno de acessão industrial. A acessão industrial pode depois ser qualificada como
Acessão Imobiliária (em relação a coisas imóveis) ou Mobiliária (em relação a coisas
móveis).
A especificação integra-se na acessão industrial mobiliária, estando regulada nos
artigos 1336º a 1338º. O 1338º faz uma listagem de casos de especificação, não sendo uma
norma taxativa. Neste artigo a legislador pronuncia-se sobre casos de especificação tais como: a
pintura, gravura, escrita, entre outros.

Diferença entre acessão natural e industrial quanto ao regime: o disposto no artigo


1327º não acontece na acessão industrial, ou seja, a ideia de que a pessoa seja proprietária da
coisa onde outra vai ser incorporada, adquirira o objecto dessa incorporação sem mais pelo
simples fenómeno da acessão. Na acessão industrial existem 2 factores que temos de ter em
conta:

1) Boa ou má fé do agente
2) Saber em que medida é o agente acrescentou, apreciar o valor relativo das coisas: O
que existia e o que foi trazido para conseguir determinar quem é que se vai tornar
proprietário da coisa modificada.

Podemos ver isto no artigo 1340º por exemplo.

Na acessão natural os regimes que dela constam tomam por referência um


elemento da natureza, que é a água. O que não significa que os fenómenos de acessão natural
se esgotem na água, podemos ter outros fenómenos tais como o vento e tremores de terra, que
podem ter como efeito a união ou incorporação de coisas.
Há que distinguir a este respeito entre o fenómeno de aluvião e avulsão, artigos
1328º e 1329º, em bom rigor só há aquisição do direito de propriedade por acessão
natural, quando o fenómeno é de aluvião. Este parte do contexto de uma união ou depósito,
que seja feito ao longo do tempo de forma sucessiva e imperceptível. Exemplo: Depósito
sucessivo de terras por movimento de águas prolongado no tempo, de acordo com o princípio do
1327º essa aquisição do solo alheio dá-se por acessão natural. Já se esse depósito ou união não
ocorrer por um fenómeno que se prolonga no tempo de forma sucessiva e imperceptível,
mas por um ato violento nesse caso tem aplicação a avulsão, artigo 1329º e não o 1328º.
Embora tenhamos o princípio beneficius solo cedit, se o fenómeno for de avulsão,
que não se aplica apenas os fenómenos de água mas a qualquer outro fenómeno de natureza, diz
a lei que o proprietário da coisa transportada pode exigir que a coisa lhe seja entregue e
portanto não há aquisição do direito de propriedade por acessão, embora a lei estabeleça
um prazo de 6 meses para o fazer. Se não o fizer durante esses 6 meses, adquire a propriedade
por acessão natural o dono do terreno onde a coisa está.

Se já estivermos no âmbito da acessão industrial, isto é, se houver uma intervenção


do homem e portanto, a união e incorporação resultar dessa ação do homem a lei determina
várias coisas:

1) A pessoa que é proprietária da coisa onde outra foi construída adquire a construção
se se seguir o princípio do artigo 1327º, mas isso nem sempre se verifica. Pode a
pessoa que construiu adquirir, e não a que é proprietária da coisa onde o edifício foi
construído. O que contraria a ideia de haver uma expansão do direito de propriedade
da pessoa que é proprietária da coisa onde a outra foi construída.

2) Portanto, podemos ter que o agente, a pessoa que constrói o edifício pode vir a
adquirir a propriedade do solo. Isto só acontece se:

a) O agente tem de ter agido de boa fé, assim, exclui-se que uma pessoa de má fé
que constrói em terreno alheio possa adquirir esse terreno mas que o valor
que esse traga ao terreno seja superior ao valor que o terreno tem. Porém, se
a pessoa tiver agido de boa fé e se tiver trazido um valor superior ao que a
coisa inicialmente tinha, então a pessoa que construiu o edifico adquire a
propriedade do solo. O artigo 1340º nº 4 dá-nos a ideia do que se trata de
boa fé para efeitos de acessão, é aplicável a outros regimes de acessão.

3) Ao contrário do que acontece na acessão natural, em que a pessoa que seria


proprietária do solo, adquiria o que se visse a construir ou a incorporar nesse solo,
aqui é diverso, o agente de boa fé em princípio adquire sendo necessário um
segundo requisito: artigo 1340º nº1, aplica-se aos casos em que a pessoa age de
boa fé e traz valor superior ao que a coisa inicialmente tinha, sendo que nesse
caso, a pessoa que construiu o edifício, adquire a propriedade do solo.

Na base de tudo está a ideia de que o proprietário tem o direito de decidir o que quer
fase com as suas coisas, e portanto, a ideia de que ninguém pode interferir na minha
propriedade. Se alguém vem e constrói e com isso cria um dever de prestar para mim, há aqui
alguma coisa estranha e é ainda mais estranho quando no regime da acessão industrial
mobiliária vemos que existem dois regimes aplicáveis por analogia a fenómenos de acessão
imobiliária e que pretendem salvaguardar a hipótese do dono do terreno dizer que não quer
adquirir a propriedade sobre a coisa unida ou incorporada. Ou seja, tem de haver esta
possibilidade, tenho um problema de haver uma intervenção alheia numa coisa que me pertence,
e portanto tenho dois agentes a querer reivindicar o direito de propriedade. Porém, de base o
que acontece é que a incorporação foi feita no terreno, e portanto houve uma intervenção no
direito de propriedade, por isso, ele tem que ter oportunidade, mesmo que segundo o 1340º
adquirisse a propriedade, de se pronunciar.
A este respeito quando vamos ao regime da acessão industrial mobiliária, nos regimes
dos artigos 1333º nº4 e 1336º, vemos que:

1) 1333º nº4: Trata da união ou confusão de boa fé “Nos casos previstos nos números
anteriores” (são casos que têm por base a boa fé e o que varia é a o valor relativo da
coisa). Ou seja, se o valor da coisa onde houve essa intervenção for maior que o valor
trazido, a ideia é que a pessoa está de boa fé, mas não trouxe mais, portanto, a
propriedade pertence à pessoa que vê o seu objecto transformado e no 1333º nº3
isto está claro. O que diz este artigo 1333 nº4, é que nesta hipótese, o autor da
confusão fica com a coisa adjunta, se o dono da coisa inicial onde essa intervenção
foi feita preferir ficar com a indemnização em vez de ficar com a propriedade da
coisa alterada, então a propriedade é atribuída por vontade do dono da matéria
transformada, ao outro e será esse que tem que indemnizar o dono da matéria. Esta
mesma ideia é replicada no artigo 1336º.
2) Se o dono da matéria tem uma matéria que vale tanto ou mais que o valor da
especificação, nesse caso o dono da matéria fica com a coisa. Mas não é isto que
não se quer? A expressão empregue neste artigo é: “tem direito a ficar com”. Isto é,
ele pode escolher, tem a faculdade de optar diversamente. A lei não diz que fica com
a coisa, não lhe atribui o direito de propriedade como resulta no artigo 1340º nº3,
a lei diz que pode ficar com a coisa. Se ele tem o direito de optar é ai que encontro o
fundamento para divergir do estipulado no 1333 nº4

O principio que se extrai é que: para alem da boa fé e valor relativo da coisa é
ainda critério para a atribuição do direito de propriedade a vontade do titular da coisa
transformada, o proprietário da coisa onde houve união e incorporação.

Na doutrina e jurisprudência pergunta-se se a aquisição por acessão é potestativa


(quando é preciso que o interessado manifesta vontade no sentido de adquirir por acessão) ou
automática. A doutrina, em geral, e também a jurisprudência, defendem que na acessão a
aquisição é potestativa, e que por isso depende de uma manifestação de vontade facultativa do
interessado.
Segundo Henrique Antunes, o proprietário da coisa intervencionada tem o direito de se
pronunciar se quer ou não adquirir a propriedade da coisa agora intervencionada. Mas no
tocante à pessoa que intervencionou, já que se interfere no direito de propriedade alheia,
esse terá que adquirir de imediato a propriedade da coisa, e portanto, segundo Henrique
Sousa Antunes a aquisição é potestativa no tocante à propriedade do intervencionado,
mas a aquisição do interventor é automática (se o favorecer). Esta posição não vai no
sentido da doutrina maioritária, que defende o que já foi exposto supra.

Há um outro problema importante: O da distinção entre acessão e benfeitorias.


Aplicar o regime ou outro instituto tem consequências diversas. A principal das quais talvez seja
que que quando aplico o regime das benfeitorias, em momento algum a pessoa que realiza a
benfeitoria não vai adquirir a propriedade da coisa onde intervém. Já quando o fenómeno da
intervenção é qualificado como de acessão, pode vir-se a adquirir a propriedade da coisa onde a
intervenção ocorreu.
Critérios de distinção entre benfeitoria e acessão:

1) Pires de Lima e Antunes Varela - dão um critério subjectivo: Aplica-se o


regime da acessão quando não haja nenhum vinculo jurídico entre o
interventor e a coisa alheia, quando esse vinculo exista então aplicar-se-ia o
regime das benfeitorias. Exemplo: pessoa que intervém na coisa alheia é
usufrutuário, locatário, comodatário ou apenas mero possuidor, o regime
seria o das benfeitorias porque existe um vinculo jurídico entre a pessoa que
intervém e a coisa alheia. Limita em muito o regime da acessão.

2) Vaz Serra- Critério objectivo: O que caracteriza as benfeitorias é a


conservação ou melhoria da coisa. Já quando ocorre uma alteração da
substância, construindo uma coisa nova, o regime aplicável será o da acessão.
Olha-se aqui à natureza da intervenção.
3) Menezes Cordeiro - critério objetivo mas traz indícios: Se o que se traz
tem mais valor do que o que lá estava, então aplica-se o regime da acessão
porque já estamos a inovar.

4) José Alberto Viena Critério – Critério Pragmático: O Código tem algumas


normas, a respeito de alguns direitos, que remetem para o regime das
benfeitorias, são situações em que alguém tem um direito e age sobre a coisa
alheia, e quando age sobre essa coisa, essa ação qualifica-se como uma
benfeitoria. Este professor diz que quando haja normas que sejam aplicáveis
ao caso porque a pessoa que intervém tem qualidade para tal, então temos o
regime das benfeitorias. Mas em regra, o regime aplicável fora dos casos em
que a lei para tal remeta é o da acessão. Este é um critério pragmático porque
atende aquilo que a Lei diz. Se a Lei remete para as benfeitorias será esse o
regime aplicável, se remete para a acessão então é no âmbito do regime da
acessão que o problema vai ser tratado. Este Professor diz ainda que é
verdade que os artigos 1273º a 1275º estão previstos para a matéria da
posse, mas estes artigos são os únicos que não podem ser tidos em conta
para a classificação deste critério. Ou seja, todas as outras normas que
remetem para o regime das benfeitorias são consideradas, excepto os regimes
destes artigos. Isto para permitir que quando uma pessoa não é usufrutuária,
locatária, porque aí existe uma norma no regime do usufruto ou da locação
que remete para o regime das benfeitorias e nestes casos estes professor acha
que se deve aplicar a acessão.

5) Opinião de Henrique Sousa Antunes - critério relacional: O Professor acha


que esta ideia de termos que à priori definir a aplicação de um critério
fechado, parece não ser uma ideia muito correta e talvez nem seja necessária.
Adota a aplicação do critério relacional, sendo que com isto vai buscar um
pouco de todos os outros critério. O Professor diz assim que, em bom rigor, a
distinção entre acessão e benfeitorias apenas importa quando, havendo boa
fé do interventor, o valor da coisa que ele traz é um valor maior. Em bom
rigor, essa é a única situação em que distinguir entre benfeitorias e acessão é
relevante, porque se ele agir de má fé também não vai adquirir a
propriedade… Se ele agir de boa fé mas trouxer menos, também não adquire a
propriedade ou se o fizer não é por vontade sua, mas sim do outro. Assim,
pegando naquilo que vimos nos critérios anteriores, sendo esta a única
situação em que é relevante distinguir entre benfeitorias e acessão, se o
valor que ele traz é superior ao valor inicialmente existente, então, isto está
necessariamente a remeter para o regime da acessão, por isso, esta é a
única situação em que é relevante a distinção entre ambos os conceitos e onde
eu vou aplicar regras, em geral, do regime da acessão. Só assim não será, se
quando se demonstrar que apesar do maior valor (sendo esta uma presunção
que funciona contra a aplicação do regime da acessão), aquilo foi feito
apenas para conservar ou melhorar a coisa, estando assim no contexto
da benfeitoria. De outra forma aplica-se o regime da acessão. Na prática, o
que acontece é por isso que se irá aplicar o regime da acessão, por defeito, e só
supletivamente o regime das benfeitorias.
Modificação

Podem os direitos reais modificar-se? A modificação pode analisar-se em duas


perspectivas:

a) Conteúdo: São vários os direis reais em que o legislador confere às partes a


possibilidade de alterar o seu conteúdo na sua origem e por isso quando estivermos
perante tipos abertos como acontece na propriedade horizontal, usufruto, ou seja
direitos reais em que o legislador ainda que tipifique o direito (características
fundamentais para que estejam perante esse direito real) permite modificar essa
realidade e como essa liberdade é conferida às partes então isto significa que os
direitos reais podem ver o seu conteúdo modificado ao longo da sua vida.

b) Objecto: É possível substituir a coisa que é objecto do direito real sem que com isso
se extinga o direito real? 1545º servidões prediais: não podem ser separadas dos
prédios a que pertencem ativa ou passivamente. O principio geral aplicável aos
direitos reais: se a coisa for substituída por outra o direito extingue-se sem
prejuízo da constituição de um novo direito da mesma natureza, a alteração da
coisa termina a extinção do direito em razão da substituição do objecto. Assim
o 1545º é a expressão deste principio geral sem prejuízo, porém, de encontrarmos
regimes em que o legislador veio reconhecer a manutenção do direito apesar da
substituição do objecto: Situações de substituição do objecto do direito por
determinação da lei, sub-rogação real, casos em que por estipulação da lei o objecto é
alterado e nesses casos a consequência vai ser a manutenção do direito apesar da
substituição do objeto. Um exemplo típico é artigo 1536º quando a respeito do
direito de superfície o legislador diz que admite que a coisa inicial possa ser
substituída por uma obra coisa sem que o direito e extinga, modificação do objecto
sem conduzir à extinção do direito.
Transmissão

O princípio que vigora e que importa na construção de uma teoria gral dos direitos reais
é que os direitos reais pela sua patrimonialidade são transmissíveis e essa
transmissibilidade é afaimada em vários momentos:

a) Propriedade Horizontal
b) Usufruto: Artigo 1444º o legislador diz que o usufruto é transmissível. O direito de
usufruto extingue-se coma morte só usufrutuário portanto não se pode extingue por
morte e isto significa que não é transmissível sem restrições.
c) Superfície: Artigo 1534º É um direito que é transmissível sem restrições Existem, no
entanto, direito não transmissíveis: direitos de usos e habitação não são
transmissíveis nem por morte nem inter vivos.

Defesa

Já vimos alguns deles e outros vamos ver na Posse tratada neste caderno. Temos a
defesa de direitos reais:

1)Acção de reivindicação

2)Meios de defesa possessórios

3)Acções de simples de apreciação – Instrumento de processo civil, que são ações que
se limitam a declarar a existência, ação de declaração no sentido positivo; ou inexistência do
direito, acção de declaração no sentido negativo.

4)Acção de demarcação - 1353º e seguintes: Não é uma ação que tenha por propósito
afirmar ou não a existência de um direito. É uma acção de defesa, mas destina-se apenas a
fazer uma delimitação dos prédios que estejam envolvidos no caso, basicamente quer que
se faça o estabelecimento de uma demarcação entre prédios, sem que essa acção tenha como
objectivo a afirmação da existência de um direito de propriedade sobre os terrenos. Isto é,
pressupõe essa propriedade, e em função dessa demarca-se o terreno, determina-se a fronteira.
Não se discute o título, mas a medição dos prédios a que os títulos respeitam.

Extinção dos Direitos Reais

Chegando ao fim das vicissitudes vamos concluir com o “final da vida” dos direitos reais.
Quais são então essas formas de extinção dos direitos reais?

Para começar a perda da coisa. A lei reconhece em relação a alguns direitos reais, a
perda da coisa como forma de extinção desses direitos. Exemplo: Usufruto; Direito de superfície.
No entanto, na opinião do Professor Henrique Sousa Antunes o silêncio do legislador
quanto aos demais direitos reais é irrelevante porque obviamente o direito real só existe
quando a coisa permanece, ou seja, faltando a coisa, o direito perde o seu objecto, e,
necessariamente, extingue-se. Se a coisa se perde, que objecto poderia ter o direito real?
Nenhum, como tal, o facto da lei não falar da perda da coisa relativamente aos outros direitos
reais, não significa que a perda da coisa não seja uma forma de extinção genérica dos direitos
reais. Estamos a falar da perda total, casos em que a coisa se perde na sua integralidade. Se
a coisa se perder parcialmente, então o direito não se extingue: Artigo 1476º nº1 alinea d) e
1478, o legislador reconhece a perda das coisas como forma de extinção do direito de usufruto,
mas se a perda for parcial o direito permanece. Isto é valido para os restantes direitos reais.

Depois temos a caducidade. Estamos aqui a falar da superveniência de um facto


jurídico stricto sensu, como o decurso do tempo ou a morte. Nestes casos o direito cessa. Há
direitos reais temporários: Exemplo usufruto é um direito necessariamente temporário, e que,
como tal, caduca, quer em razão do tempo, quer em razão da morte. Em relação às pessoas
singulares, o que pode extinguir o usufruto é o decurso do tempo, ou a morte do seu titular.
Temos mais direitos temporários por definição: direito de uso e direito de habitação, por
definição porque a estes direitos se aplicam as normas relativas ao usufruto. Portanto, sem
prejuízos das especificidades que o legislador estabeleça, isto significa que a nível da extinção
também acompanham o usufruto.

Há direitos que não são necessariamente temporários são direitos que podem ser
perpétuos ou temporários. Por exemplo direito de superfície, artigo 1524º, retiramos da
noção que é um direito que pode ser perpétuo ou temporário.

Portanto, a caducidade é uma forma de extinção dos direitos reais, relativamente


àqueles que sejam temporários, seja por fixação de um prazo, seja pela própria natureza desse
direito que não pode exceder a vida do seu beneficiário.

Em terceiro lugar temos a caducidade do direito legitimador. Isto significa que há


um direito real menor que vai encontrar a sua legitimidade num direito anterior. Exemplo:
Supondo que existe uma servidão predial que é constituída por um usufrutuário, a servidão
predial vai encontrar o seu fundamento no usufruto. O que acontece à servidão predial se o
usufruto se extinguir? Não existe um regime geral em relação a esta questão, mas no direito de
superfície vamos encontrar um regime, que na opinião do professor Henrique Antunes, é um
regime geral: 1539 + 1541 são normas que podem ser utilizadas como enunciadoras de
um principio geral, apesar de estarem previstas para o Direito de Superficie.

1539 nº1: Daqui retiramos que em razão da caducidade do direito legitimador,


extinguiu-se o direito que foi por ele legitimado(Exemplo 1), mas se não for em razão do prazo,
for por outra causa, diz o artigo 1541º que o direito legitimado sobrevive(Exemplo 2)

Exemplo: Se eu tiver construído um edifício em direito de superfície e depois constitui, o


superficiário, propriedade horizontal sobre esse edifício. A partir do momento em que a
propriedade horizontal foi constituída, as fracções autonomizam-se, podendo o superficiário
vender as frações como frações autónomas. Mas, se o direito de superfície for constituído por 99
anos, ao fim desse prazo, o que acontece relativamente à propriedade horizontal? O que a lei
vem dizer é que extinguindo-se o direito de superfície, extinguem-se os direitos reais que
tenham sido constituídos sobre a coisa que é objecto o direito de superfície. Portanto,
extinguindo-se o direito de superfície, extingue-se também a propriedade horizontal, isto fará
com que o prédio venha ingressar na esfera jurídica do proprietário do solo. Sem prejuízo de
uma compensação que seja devida aos proprietários das frações, por enriquecimento sem causa
do proprietário do solo.
Exemplo 2: Mas e se o direito de superfície se tivesse extinguido por confusão (aqui
temos a reunião na mesma pessoa das duas qualidades de proprietário do solo/superficiário),
aqui o que é que vai acontecer à propriedade horizontal? A propriedade horizontal vai manter-
se pelo prazo que tinha sido previsto para o direito de superfície, ou seja, durante 99 anos a
propriedade horizontal vai manter-se.

Em quarto lugar como causa de extinção dos direitos reais temos a constituição
originária de um direito totalmente incompatível com o direito existente. Basta pensar no
exemplo da usucapião, sendo este exemplo replicável para a expropriação de utilidade pública,
ou acessão. Todos eles fenómenos de constituição originária de um direito que poderá ser
incompatível com o direito anterior.
Exemplo: A lavrou o terreno do senhor B durante 20 anos, mesmo sabendo que o
terreno pertencia ao senhor B. Posse pacifica, publica e efectiva ao fim de 20 anos, mesmo sendo
de má fé, adquire por usucapião, a consequência para o direito anterior é que se extingue
pela constituição originária de um direito totalmente incompatível com o direito
anterior.

Em quinto lugar, a confusão. Direito real extingue-se pela comunhão do direito real
menor e do direito de propriedade na esfera da mesma pessoa. Quando o direito real menor vem
ingressar na esfera jurídica do proprietário, ocorre a sua extinção (do direito real menor), pelo
facto de na mesma esfera jurídica o proprietário receber o direito real menor.

Em sexto lugar, a impossibilidade de exercício do direito: Aparece referida no artigo


1571º, sendo a única norma nos direitos reais que se refere a esta questão. Este artigo fala
da impossibilidade de exercício como sendo um fenómeno autónomo, e depois remete para o
prazo do artigo 1569º nº1 b) que é um prazo de não uso.
Há uma outra norma em que a impossibilidade de exercício também aparece, mas não é
referida com autonomia. Em matéria de usufruto 1476º nº1 c), o usufruto extingue-se pelo não
exercício durante 20 anos, qualquer que seja o motivo.
Poder-se-á dizer que o legislador no usufruto está a integrar a impossibilidade de
exercício no não uso, porque “qualquer que seja o motivo”, mas parece que por este artigo a
impossibilidade de exercício não tem autonomia, será apenas uma das formas do não uso.

Estamos aqui a falar de uma impossibilidade temporária, impossibilidade relativamente


à qual não podemos dizer que é definitiva, porque se for definitiva, nesse caso o direito real
extingue-se de imediato, nesses casos não faz sentido continuar a falar de um direito real,
esperando que decorra o prazo de 20 anos para que se possa falar de extinção, se na verdade há
uma impossibilidade definitiva. Exemplo: servidão de de pasto em terreno que fica venenoso.

Maioria da doutrina – considera que a impossibilidade de exercício não tem autonomia


relativamente ao não uso.

Professor Henrique Sousa Antunes – acha que tem autonomia relativamente ao não
uso, e isso é claro no artigo 1571º que trata autonomamente a impossibilidade de exercício
relativamente ao não uso. Nas servidões prediais também se prevê o não uso como forma
de extinção da servidão, 1569º d), no entanto, o legislador veio distinguir o não uso da
impossibilidade no 1571º. Isto só é dito nas servidões prediais e parece contrariar o que é dito
em matéria de usufruto, mas a ver do professor é um princípio geral.

Mas qual a relevância prática de dizer que é tratado autonomamente? Se a


impossibilidade de exercício for tratada autonomamente, não segue o regime do não uso.
O regime do não uso é o da caducidade, isto significa que não se aplicam as causas de
suspensão ou de interrupção que estão previstas para a prescrição. O que significa que a
contagem do prazo é contínua, sem que se possa suspender ou interromper. Portanto,
quando há não uso os 20 anos são sem paragens, ao passo que se tivermos a falar de
impossibilidade de exercício o regime que se vai aplicar é o da prescrição e nesse caso
poderemos ter a aplicação de causas de suspensão ou interrupção.

Como justificar que o prazo de impossibilidade de exercício não seja contínuo e o prazo
de não uso seja contínuo? Porque o não uso – é não quero, e a impossibilidade – é não posso.

Outra coisa a notar é que Henrique Antunes defende que a propriedade não se
extinguem pela impossibilidade de exercício do direito.

Em sétimo lugar, temos a Vontade e aqui interessa distinguir 3 fenómenos:

1) Abandono: Ocorre quando o titular se separa da coisa que constitui o objecto do seu
direito, mediante um acto voluntário com o objectivo de fazer extinguir o direito.
Exemplo: Se estiver farto de um objecto e mandar para o lixo, haverá extinção do
direito de propriedade, estou a separar-me por acto voluntário de uma coisa, que
tem como objectivo extinguir o direito traduzindo-se na separação entre o titular e a
coisa. Segundo a lei parece que o abandono é uma forma de extinção do direito de
propriedade sobre coisas moveis ou animais. O Professor Henrique Antunes acha
que também deve ser uma forma de extinção de direitos reais menores porquê?
Artigo 1267º nº1 a), sabemos que a posse é um direito autónomo, mas tem as
características do direito que corresponde ao seu exercício. A posse em termos de
propriedade, usufruto etc… se pode ser tudo isto, e, uma vez que a lei não distingue, e
diz que a posse vai se sempre extinguir por abandono, independentemente do direito
a que essa posse se refira. Em relação ao usufruto, por exemplo, que pode ter como
objecto coisas moveis, é possível abandonar e fazer extinguir o direito do usufruto
assim? Se o legislador diz que o abandono é uma forma de perda da posse. Se eu
abandonar a coisa de que sou usufrutuário, estou a extinguir a posse correspondente
ao usufruto. Será legitimo dizer-se que nesse caso a posse se extingue, mas o direito
de usufruto correspondente se mantém? O professor acha que não, parece-lhe
que coerente é que quando uma pessoa faça extinguir a posse, faça extinguir
também o direito correspondente a essa mesma posse. Se o 1267º não distingue
em relação a que direitos se aplica, então isto significa que o abandono é aplicável
não apenas ao direito de propriedade, mas também aos direitos reais menores
desde que o objecto seja coisa móvel ou animal.

2) Renúncia: Aqui temos de distinguir 2 modalidades:

a. Renúncia abdicativa – negócio jurídico unilateral fundado na declaração de


vontade dirigida à extinção de um direito real pelo seu titular. Prevista a
respeito dos direitos menores. Tem por objecto coisas moveis ou imoveis, ao
passo que o abandono tem como objecto coisas móveis ou animais. Está
prevista a respeito dos direitos reais menores, ao passo que o abandono está
previsto a respeito do direito de propriedade, embora o professor
Henrique Antunes considere que é também aplicável aos direitos reais
menores, não se confundem as duas quando são referidas aos direitos reais
menores, porque o negócio do abandono é de actuação da vontade, ao passo
que o da renúncia é de declaração da vontade.

b. Renúncia liberatória – negócio jurídico unilateral fundando numa


declaração de vontade, mas que tem como objectivo extinguir uma obrigação
real mediante a disponibilização do direito correspondente em proveito do
credor.

Renuncia é diferente de abandono, em ambas temos negócios unilaterais, mas: O


abandono é um negocio de actuação da vontade, ou seja, aqui vontade exprime-se
por um comportamento, sendo o comportamento no abandono a tal separação, já a
Renúncia é um negócio jurídico unilateral produz-se por uma declaração e não
comportamento, tem de haver uma manifestação de vontade destinada à produção
dos efeitos que foram referidos.
Renúncia abdicativa e liberatória exemplo: Usufruto, artigo 1476º nº1 e) prevê a
renúncia, aí trata-se da renúncia como forma de extinção do direito real,
abdicativa. Exemplo 2: Compropriedade, artigo 1411º, este permite que a pessoa
renuncie ao direito que tem para não pagar a obrigação correspondente ao direito
que tem. A declaração de vontade não tem por objectivo a extinção do direito, mas
sim da obrigação real, simplesmente isso acontece mediante a disponibilização do
direito que a pessoa tem em benefício do credor.

Como distinguir estas duas renúncias?

Abdicativa – aqui não queremos continuar a ser titular do direito, portanto,


mediante declaração de vontade(se for coisa imóvel é preciso forma) eu faço
extinguir o meu direito.

Liberatória – Temos uma obrigação, eu vou fazer extinguir essa obrigação mediante
a entrega do meu direito real a um terceiro.

Isto não vai dar ao mesmo, uma vez que estamos a fazer extinguir o direito? Não,
porque eu posso extinguir a obrigação real sem necessariamente estar a
extinguir o direito real porque algumas das obrigações têm como credor um
terceiro que não é titular do direito real maior relativamente à coisa, em
relação à qual eu tenho essa divida.

1567º nº 1 + nº4, Exemplo: Prédio dominante – B, é o que utiliza a servidão de


passagem, e fica combinado que o senhor A, que é o titular do prédio serviente, que
ficou obrigado a custear as obras relativamente à servidão. O obrigado a custear
pode eximir-se desse encargo pela renúncia ao seu direito de propriedade. Vai-se
eximir pela renúncia dirigida à extinção da obrigação real, pelo facto de ser
proprietário de um prédio onde existe uma servidão predial, ele tem uma obrigação
de custear as obras (nº1). Da parte final do nº4 resulta que ao fazer uma renúncia
liberatória, eu estou a extinguir a minha obrigação, e estou a disponibilizar o
meu direito em benefício do credor, que neste caso é o proprietário do prédio
dominante. Mas, B não tem necessariamente de aceitar esse direito de propriedade,
isto significa, que a renuncia produziu o seu efeito, o de extinguir a obrigação real, no
entanto não produziu a extinção do direito real. Extraímos deste artigo que a
renúncia abdicativa extingue o direito real, já a renúncia liberatória só
extingue o direito real se o credor aceitar. E mesmo que o proprietário do prédio
dominante aceite a renúncia, o que temos é uma transmissão da propriedade do A
para o B, em bom rigor não há uma extinção. Portanto só haverá extinção do
direito real na renuncia liberatória se o credor aceitar, mas para que haja extinção é
necessário que seja uma norma que admita a renuncia liberatória para fazer
extinguir a obrigação real quando o credor é titular de um direito real maior, porque
nesse caso o titular do direito real menor renuncia para fazer extinguir a obrigação,
põe à disposição do credor, titular do direito real maior, que pode aceitar.

Sintese:

1º - Renuncia liberatória pressupõe uma obrigação real, uma vez que se destina a
extinguir essa; Renúncia abdicativa é independente de uma obrigação real.

2º - Renuncia abdicativa a vontade do beneficiário dessa renúncia é irrelevante; Na


renuncia liberatória a vontade do beneficio é relevante, pois nesta há um efeito
extintivo da obrigação real, mas relativamente ao direito real poderá haver uma
extinção, mas essa fundar-se-á num contrato porque é preciso que o credor aceite
esse direito que lhe está a ser transmitido para fazer extinguir a obrigação real. E a
extinção só se dá quando o credor é titular de um direito real maior, porque se não
for esse o caso o direito real vai ser transmitido e se não aceitar o direito real
mantém-se na esfera do renunciante.

3º - Renuncia abdicativa é um negocio gratuito; Renuncia liberatória será um


negocio oneroso porque compensa a divida com a transmissão de um direito real.

4º - Renuncia abdicativa é um negocio não recipiendo, não depende da comunicação


a terceiro para produzir os seus efeitos(não é irrelevante essa não comunicação
porque pode produzir danos – a comunicação é necessária para evitar a
responsabilização do renunciante); Renuncia liberatória é por definição recipiendo
porque quanto ao direito real há uma proposta de transmissão.

5º - Na renúncia liberatória a comunicação é submetida às regras gerais aplicáveis à


validade e eficácia da proposta negocial.

Em oitavo lugar temos a usucapio libertatis. Descrito a propósito da servidão predial,


artigo 1574º. Trata-se de uma aquisição que tem efeito extintivo, liberta. Neste instituto, o
que temos é fenómeno de oposição do titular do direito de propriedade relativamente ao direito
real menor. Esta oposição a que a lei se refere no artigo 1574º nº1 tem que ser eficaz, ou seja,
tem de ser uma oposição de tal ordem que o titular do direito real menor não conseguiu
repelir o impedimento que lhe foi imposto pelo proprietário do prédio onerado. Ou seja, o
titular do direito real menor não afastou com êxito a oposição por parte do proprietário.
Este fenómeno está previsto a respeito da servidão predial e por isso se fala na aquisição
da liberdade do prédio por parte do proprietário do prédio serviente. O que é que é o prédio
serviente? É aquele que está onerado pela existência de servidão predial64 em benefício de outro
prédio.

O que nos diz o artigo 1574º é que o proprietário do prédio está onerado com essa
servidão pode opor-se ao exercício da servidão e, com isso, adquirir a liberdade do seu prédio
(aquisição derivada restitutiva). O que acontece é que ao extinguir-se direito real menor, em
virtude da elasticidade da propriedade, a propriedade fica desonerada. Assim, o proprietário do
prédio serviente impede o titular da servidão do exercício do seu direito real menor e, assim,
consegue fazer extinguir esse direito real menor. E consegue fazer extinguir quando? Por
exemplo, tratando-se de uma servidão de passagem, vamos supor que o titular do prédio
serviente fecha o acesso do prédio dominante a um prédio serviente, a partir desse momento dá-
se a extinção da servidão? No artigo 1574º trata-se de aquisição por usucapião, mas, atenção, o
proprietário não vai adquirir um novo direito, é um fenómeno de aquisição derivada restitutiva
porque ele readquire a totalidade/ plenitude da propriedade. Pois, até então, esta estava
onerada com a servidão. Assim, há semelhança com a usucapião, ele adquire alguma coisa/ a
plenitude do direito que já tinha. Quando a lei diz que se dá a extinção pela usucapio libertatis, a
lei diz é que: a partir do momento em que há oposição vamos ter de começar a contar o prazo
para efeitos deste fenómeno. E que prazo é este? São os prazos que encontramos nas normas
relativas à usucapião. Muitas vezes, aplicaremos a norma do artigo 1296º porque a oposição
não é fundada no titulo e registo correspondente e, muitas vezes, será feita de má fé porque não
se desconhece a existência do direito existente.
Assim sendo o prazo para efeitos de usucapio libertatis será, em regra, o de 20 anos.
Assim, quando falamos em oposição eficaz falamos de uma oposição que se prolonga por 20
anos, ao fim de 20 anos dá-se extinção do direito real menor que onerava direito de propriedade
por usucapio libertatis.

Porque é que a lei veio estabelecer a usucapio libertatis se, na verdade, é um fenómeno
que extingue o direito om o decurso do prazo (na maioria das vezes) de 20 anos?! Ou seja,
porque é que a lei não silenciou o fenómeno da usucapio libertatis e não deixou cair isto no
fenómeno do Não Uso65?
Reparemos, o que acontece quando há usucapio libertatis (quando temos uma oposição
eficaz): o titular do direito real menor não consegue exercer o seu direito porque há uma
oposição eficaz. Então, se há um não uso do direito porque é que se prevê uma outra forma de
extinção que é a usucapio libertatis? É que, embora falemos do não exercício durante 20 anos, o
facto de ser uma oposição e portanto, o facto de a lei remeter para as normas usucapião, faz com
que as regras a aplicar sejam as da prescrição; diferentemente, ao não uso se aplicam as regras
da caducidade. Diferença disto: se aplicarmos da prescrição então aplica-se também as
regras da suspensão e interrupção da prescrição, logo, o tal prazo de 20 anos pode não
ser suficiente para extinguir por usucapio libertatis. Assim, não é a mesma coisa estarmos
perante a usucapio libertatis e o não uso porque as normas aplicáveis a uma e a outra são
diferentes.

Henrique Sousa Antunes defende que esta norma aplicável às servidões prediais é
generalizável; é transformável numa forma geral de extinção dos direitos reais menores.

64
Servidão predial é atribuir a um prédio as utilidades de outros prédios- passagem, vistas, água. Estas
utilidades não esta descritas na lei – há um atipicidade- é preciso é que haja uma relação de forma tal que um
dos prédios esteja a servir outro prédio com as suas utilidades.
65
O não uso também é uma forma de extinção dos direito s reais menores.
Não parece que se restringe às servidões prediais e esta aplicação analógica não viola o principio
da tipicidade porque este está estruturado para a defesa do direito de propriedade. Ora, ao
falarmos de extinção de direito s reais menores, no fundo, estamos a falar ampliação dos
fenómenos de recuperação da plenitude do direito de propriedade.

O Não Uso

Previsto no artigo 298º nº3, não é esta a norma que diz que estes direitos se extinguem
por não uso porque, como a própria norma indica “podem extinguir-se nos casos previstos na lei”.
Assim, é apenas uma lei habilitadora.

Então se relativamente a um direito real menor indicado no artigo 298 não existir
uma norma que indique o não uso como forma de extinção dos direito s reais, então,
estamos impedidos de dizer que esse direito se extingue pelo não uso?

Relativamente ao direito de superfície, não encontramos nenhuma norma que preveja o


não uso, ao contrário do que acontece no usufruto, artigo 1476ºnº1 c). Henrique Sousa Antunes
não acha que a tal norma especial a que o artigo 298º se refere seja sempre necessária.
Porquê? Porque a exigência de disposição especial da lei relativamente ao não uso tem razões
diferentes consoante falemos de direitos de propriedade ou de direitos reais menores.

Quanto ao direito de propriedade, o artigo 298º nº3 não é suficiente para permitir falar
de extinção do direito de propriedade pelo não uso. Porquê? Porque da leitura do artigo
1305º e 1306º, sabemos que só podemos afetar o direito de propriedade quando essa
afetação esteja especificamente prevista na lei. Assim, não posso dizer que direito de
propriedade se extinga por não uso se no houver norma que o diga. Relativamente ao
direito de propriedade, só há uma norma que prevê a extinção desse direito pelo não uso:
o artigo 1397º em matéria de águas. Logo, posso ficar sem usar o que sou proprietário durante
50 anos sem que o perca. Só posso ficar sem ele, se houver um direito, através de usucapião por
exemplo, que se constitua e seja incompatível com o meu.

Não podemos dizer o mesmo quanto aos direitos reais menores. Estes são direitos que
oneram o direito de propriedade. Logo, se eu admitir que, mesmo no silêncio de norma especial,
esse direito real menor se extinga por não uso, a consequência vai ser de o direito de
propriedade ser ampliado/ adquirir a sua plenitude.
Aplicar analogicamente a norma aos outros direito s reais menores não ofende o
princípio da tipicidade porque ele está estruturado em defesa do direito de propriedade.

Quando o artigo 298º nº3 , referindo-se aos direitos reais menores, diz que tem de haver
disposição especial, essa disposição especial só interessa para direito de propriedade? Não,
também tem interesse para os direitos reais menores. Qual, qual é o interesse da exigência de
uma disposição especial do artigo 298º nº3 relativamente aos direito s reais menores? Fixação
de prazo. Porque o artigo 298º nº3 fala em extinção por não uso, mas a pergunta que surge é:
não uso ao fim de quanto tempo/ ao fim de quanto tempo é que se extingue?
Se é verdade que 298/3 pode ser interpretado no sentido de exigir uma disposição
especial da lei a respeito dos direito s reais menores para a fixação de prazo para a extinção por
não uso, a verdade é que, para direitos reais menores em relação aos quais o legislador se
pronuncia pela extinção pelo não uso, o legislador fixa sempre o mesmo prazo, que é de 20
anos. Porque é que a coisa deve ser diferente quanto ao direito de superfície por
exemplo? Logo, em bom rigor, a disposição especial da lei é inexigível porque havendo normas
que estabelecem a extinção pelo não uso ao fim de 20 anos para os direitos reais menores,
estas normas têm vocação de aplicação analógica às situações em que essa norma inexista em
razão, precisamente, do facto de essa extensão analógica não brigar com o principio da
tipicidade.

Assim, a exigência de fixação de disposição especial para os direitos real menores


prende-se com a fixação do prazo. Mas como o prazo é sempre de 20 anos, se não houver uma
norma que em relação a um dado direito real menor nos diga que esse se extingue pelo não uso,
a verdade é que o não uso durante 20 anos justifica a extinção daquele direito no caso concreto.
Não faz sentido estar a onerar o direito de propriedade com um direito real menor quando ele
deixou de ter utilidade. Aplicamos as regras da caducidade, o prazo é continuo por
disposição do artigo 298º nº3.

Desnecessidade

A única norma que se refere à desnecessidade como forma de extinção dos direitos
reais diz respeito à servidão predial. Vamos à servidão predial buscar a norma para a
generalizar aos direitos reais menores.
Está prevista no artigo 1569º nº2 e 3. O número 3 para agora não importa porque
refere-se ao tipo de servidões que são as legais, estudaremos isto depois. Mas a norma do nº2
tem interesse agora e essa sim tem uma vocação generalizável.

Deste preceito resulta que não estamos a falar de um direito real menor que tenha
constituído voluntariamente. Estamos a falar de um direito real menor que foi imposto através
de uma aquisição por usucapião contra a vontade do proprietário. Contra a vontade do
proprietário porque, se houvesse colaboração do proprietário/ se fosse um direito real menor
constituído pela vontade do proprietário, não seria legítimo que ele viesse invocar a
desnecessidade porque ele aceitou limitar o direito de propriedade. No fundo, se ele abdicou
voluntariamente, devia desinteressar-se sobre o que se passa do “lado de lá”/ das faculdades na
medida do direito real que foi constituído. Portanto, quando estamos a falar da constituição
voluntária do direito real menor, não faz sentido que haja a desnecessidade como forma de
extinção dos direitos reais.

Mas, quando estamos a falar de uma constituição por usucapião, a lei vem, relativamente
às servidões prediais, dizer que se o direito real menor foi constituído por usucapião,
quando o proprietário conseguir demonstrar que a servidão já não tem necessidade para
o prédio dominante, essa servidão deve extinguir-se. Ou seja, a usucapião está associada à
tutela de interesses com relevância colectiva, isto é, não se está a pensar especificamente
naquele sujeito, mas sim no sistema, o proprietário desinteressou-se no exercício de faculdades
sobre a sua coisa e houve alguém que veio ocupar esse espaço vazio, contra aquilo que o sistema
determinaria, e criando uma aparência, ao fim de um dado tempo a lei tutela essa aparência, ora
bem, a verdade é que está fundado na ideia de que, estamos com isso, a permitir a utilidade da
coisa, ou seja, se o proprietário se desinteressou da coisa e alguém vem utilizar essa coisa, então,
haja reconhecimento dessa utilidade e, por isso, do direito correspondente à utilidade que se
está a extrair da coisa. Por isso, a partir do momento em que deixa de haver utilidade, deixa
de fazer sentido que se mantenha.

Logo, esta causa que aqui está quanto às servidões prediais é generalizável aos direitos
reia menores. Assim, é possível demonstrar-se que havendo falta de utilidade no exercício do
direito real menor deixou de fazer sentido que a propriedade continue onerada pelo direito
constituído por usucapião. Mas, atenção, isto só acontece porque estamos a falar de constituição
forçada do direito real menor por usucapião.
A Posse

A posse impõe-se como uma situação jurídica autónoma, é, na perspetiva do professor


Henrique Sousa Antunes, configurável como um direito real autónomo, pois em suma a lei diz
que a posse prossegue a satisfação de interesses pessoais mediante a concessão de poderes
diretos e imediatos sobre uma coisa corpórea. É verdade que a posse é definida no artigo 1251º
como o “poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do
direito de propriedade ou de outro direito real”, mas não é por causa desse outro direito que
beneficia dos poderes de gozo. Os poderes vêm da posse. O outro direito real que a posse
acompanha dá-lhe apenas como que uma “veste” que a posse toma.
A posse tem na sua base uma determinada configuração. Refere-se a um outro direito
real, isto é, assume a roupagem de um outro direito real, é diferente consoante o direito real
que veste. Há três razoes fundamentais pelas quais a posse merece tutela:

1. Defesa da paz púbica: se, um individuo a quem é furtado um automóvel, só pudesse


pedir a restituição do veiculo, provando a propriedade desse mesmo veiculo, o individuo
provavelmente iria era recorrer à autotutela, iria buscar o veículo pelas próprias mãos,
pois pode ser complicado provar propriedade.

2. Dificuldade de prova do direito correspondente ao exercício do possuidor: em


muitas situações o que acontece é que o titular do direito correspondente à posse não
consegue demonstrar, convencer o tribunal de que se é titular do direito correspondente
à posse que faz. Como se criou uma aparência, essa é um instrumento que tem para ver o
seu direito tutelado apesar de não conseguir provar a titularidade.
Mas assim não poderíamos estar a proteger pessoas que não têm legitimidade? O
que vamos ver é que quando falamos em posse não estamos sempre a falar numa posse
correspondente à efectiva titularidade do direito. A posse pode ser causal
(acompanhada da efetiva titularidade do direito) ou formal (não acompanhada da
titularidade do direito).
Reconhece-se que, defender esta tutela jurídica autónoma da posse, pode significar
eventualmente defender a situação de alguém que não tem o direito
correspondente ao exercício que faz, alguém que não tem legitimidade para atuar da
forma como o faz. Mas é um preço a pagar, pequena desvantagem em comparação à
vantagem que se retira da circunstância de se dispensar o efetivo titular do direito de ter
de provar esse direito, em razão da dificuldade de prova.

3. Valor económico que a posse tem enquanto realidade autónoma: (valor económico
intrínseco da posse, independentemente do direito correspondente). O facto de haver
um regime que tutela a posse permite trazer uma vantagem económica que se traduz no
reconhecimento de que a circunstância da coisa estar a ser utilizada tem um
benefício económico claro em relação às situações em que o bem não é explorado.
Por isso, vamos encontrar normas em que, independentemente da pessoa ser o titular ou
não do direito correspondente à posse que faz, vai beneficiar da circunstância de ter
posse.
Exemplo: regime dos frutos, a lei vai fazer com que alguém que age de boa fé (está
convencido que tinha legitimidade para atuar assim) seja beneficiário dos produtos mesmo que
não seja o titular do direito correspondente, porque agiu de boa fé.
O que significa que aqui a lei está claramente a dissociar o direito correspondente à
posse, da própria posse. É a própria posse (mesmo que desacompanhada do direito) que tem
vantagem: permitiu que o em fosse explorado e não ficasse inutilizado.

O professor Henrique Antunes considera que a posse é um direito real autónomo 66.
Defende que, ao percorrer o regime da posse, encontramos aí a satisfação de interesses
pessoais mediante a concessão de poderes diretos e imediatos sobre uma coisa corpórea.
O possuidor pode usar a coisa, pode fruir da coisa, pode defender a sua situação, pode
dispor da coisa que é objeto dessa posse. Tudo isto são faculdades que demonstram que na
posse temos um direito configurável como autónomo.

Concepção de Posse

Quando estamos perante uma situação possessória? Quando é que há posse? Estamos a
falar de uma realidade que é protegida autonomamente, mas que assume sempre a roupagem de
outro direito e, portanto, esta ambivalência torna o estudo da posse mais difícil.

Historicamente conseguimos identificar duas concepções, a objetiva atribuível a


Jhering e a subjetiva atribuível a Savigny.

Segundo a concepção da posse objetiva há posse quando há uma coisa que é


utilizada em proveito de uma pessoa e a lei não descarateriza essa utilização como posse.
Ou seja, a lei não diz que aquela situação não é posse.
Em termos positivos, o que pretendemos ver é se há essa utilização da coisa em
proveito de uma pessoa, ou seja, se alguém está a usar, a controlar materialmente a coisa,
chama-se a esta utilização material corpus.
Havendo um corpus, para a conceção objetiva isto será suficiente para estarmos perante
uma situação possessória. Quando alguém utiliza uma coisa, extraindo dessa coisa utilidades em
seu benefício, haveria posse, desde que a lei não dissesse que aquela situação não poderia ser
qualificada como posse. O que se requer é que se prove que alguém esta a utilizar uma coisa
para extrair daí proveitos, satisfazendo as suas necessidade.
Isso significaria que, de acordo com esta abordagem lata de posse, haveria posse em
situações que nós hoje não classificamos como de direitos reais.
Por exemplo no comodato aqui também alguém recebe em empréstimo uma coisa e
utiliza essa coisa para a satisfação das suas necessidades, na locação também há alguém recebe
uma coisa e utiliza a coisa para satisfação das necessidades.

Temos depois a concepção subjectiva, segundo a qual também tem de haver corpus,
também tem de haver a utilização de uma coisa para satisfação de interesse pessoais. Mas isso

66
Podemos encontrar noutros autores uma orientação diferente, considerando que a posse não assume a
natureza de um direito real autónomo.
não basta. Tem de haver um animus, isto é uma intenção. Não basta demonstrar o controlo
material, é preciso demonstrar ainda uma intencionalidade.
Esta é uma intencionalidade, uma vontade correspondente ao exercício de direitos reais.
Ou seja, alguém tem de demonstrar que controla materialmente a coisa e que se comporta
como sendo proprietário67.

Na prática, o que vemos na concepção subjetiva é que a pessoa que quer demonstrar que
tem posse, tem de provar que, além de usar a coisa, o faz de forma correspondente ao
exercício de um direito real68, que se comporta como um titular de um direito real, o que
significa que aqueles exemplos do comodato e da locação, que nos permitem dizer que há posse
de acordo com uma concepção objetiva, já não nos permitiriam dizer que houvesse posse de
acordo com uma concepção subjectiva, porque tem de haver a intenção de se agir como se fosse
titular de um direito real, impossível nos casos precisamente porque estamos perante direitos
de natureza obrigacional.

Assim:

1) De acordo com a concepção objetiva, posse = corpus (utilização da coisa em


proveito ou satisfação de determinadas pessoas).

2) De acordo com a concepção subjetiva, posse = corpus + animus (intenção de


agir como se fosse titular de um direito real)

No ordenamento português

Qual a conceção adotada no ordenamento jurídico português? No nosso ordenamento é,


como já referido, com a posse que se abre o Livro III logo no artigo 1251º. O artigo 1251º do
Código Civil aponta num sentido, a uma primeira vista parece que foi consagrada a concepção
subjectiva, parece ter-se que demonstrar que:

1) Atua

2) Essa atuação se dá de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de


outro direito real, ou seja, que tem uma intencionalidade dirigida ao exercício de um
direito propriedade ou de outro direito real69.

No entanto, a conclusão a que o professor Henrique Sousa Antunes chega é que o


legislador português adota uma concepção subjetiva mitigada. Ou seja, estamos aquém
daquilo que seria a exigência de uma conceção subjetiva mas também não é a conceção objetiva.
Se nós estivéssemos apenas perante uma concepção objetiva, ao olhar para o direito
português teríamos de dizer que o animus era irrelevante e que bastava o corpus, portanto a

67A História alargou depois o animus de propriedade para os demais direitos reais de gozo.
68Ver nota de rodapé anterior.
69 Há alguma controvérsia doutrinal na questão de saber se estamos aqui a falar de direitos reais de gozo

apenas. No tocante a usucapião a questão está resolvida porque é a própria lei a dizer que estamos a falar de
direitos reais de gozo, no artigo 1287º. Mas a posse não se esgota na usucapião. O professor Henrique Sousa
Antunes considera que, na medida em que seja compatível a posse aplicar-se a outros direitos reais, não vê
nenhum impedimento a fazê-lo. Há direitos reais de garantia, por exemplo, em que o titular controla
materialmente a coisa (penhor, direito de retenção...) e a verdade é que a lei não distingue.
intenção de exercer um direito real seria irrelevante. Mas pelo próprio artigo 1251º
percebemos que não é isto que acontece.

Há vários argumentos para defender uma concepção subjectiva mitigada:

O artigo 1253º é uma norma que desqualifica. Vem dizer quais são os casos em que
não estamos perante uma situação de posse, apesar de podermos estar, num primeiro
momento, vocacionados para identificar naquele caso uma situação de posse. Vem dizer que
quando estivermos numa das situações que a norma descreve, não estamos perante uma
situação de posse mas sim de detenção, que não conduz à aplicação do regime da posse.
Há uma referência à intenção na alínea a). À primeira vista está claro que a lei atribui
relevância à intenção, ao animus. Porque diz que são meramente detentores os que agem sem
ter intenção de agir como beneficiários. Seríamos levados a retirar daqui que o animus é um
elemento necessário para haver posse. Parece que poderíamos dizer que o animus está na
norma para dizer que se não houver animus, não há posse, mas sim detenção.
Porque se falaria então de uma perspetiva subjetiva mitigada? Temos de atentar a
como é que o animus está configurado. Está configurado de uma forma negativa.
Ou seja, quando alguém quer ser qualificado como possuidor, tem de provar não só o
corpus, como também o animus? Não porque na nossa lei, havendo prova de um corpus,
presume-se a existêncpia de posse, porque o artigo 1253º no fundo serve como afastamento
desta presunção70. No fundo estamos a ler a norma ao contrário para retirar essa conclusão. O
animus está presente mas não o está como determinava a concepção subjetiva. De acordo com
a nossa lei basta a demonstração do corpus para que alguém possa ser qualificado como
possuidor. Portanto o animus é trazido como um elemento a comprovar que não há posse.

Na prática, a logica da conceção objetiva está aqui ser seguida, basta a prova do
corpus para haver posse e basta que a lei diga que não há posse para se afastar. Uma das
formas da nossa lei desqualificar a posse é precisamente a intenção, quando diz que não há
posse quando não há animus. Por isso é que não podemos dizer que o ordenamento jurídico
português consagrou uma concepção objetiva, porque para esta o animus é irrelevante e
como estamos a ver, para o direito português não é irrelevante.
Logo o Código Civil adopta uma concepção subjectiva de posse com a nuance de que
basta termos corpus para provar posse pois o animus presume-se.

O animus simplesmente não é relevante da forma como a concepção subjetiva o


determinava, não se precisa de provar, demostrar o animus, que possuiu a coisa com a intenção
de agir como beneficiário de um direito real. Ou seja, em tribunal alguém pode valer-se do
regime possessório (para adquirir por usucapião, por exemplo) demonstrando apenas que
controlou materialmente a coisa durante 20 anos, não precisa de demonstrar que o fez com
uma certa intenção. É a outra pessoa que tem de demonstrar que ela não teve animus, que o fez
sem ter intenção de agir como titular de um direito.

Exemplo: Gestão de Negócios71. Se o A lavrar a terra durante 20 anos mas lavra a terra
no interesse e por conta do respectivo dono do negócio. Pode agora por usucapião adquirir o
terreno? Ele tem corpus porque lavrou a coisa durante 20 anos mas não tem posse porque o
outro vai conseguir demonstrar que ele não agiu para interesse próprio, como titular de

70 Ao dizer que são havidos como detentores ( = não são possuidores) aqueles que se demonstre que agiram
sem intenção de ser beneficiados pelo direitoo de propriedade ou outro direito real.
71 Ver matéria de direito das obrigações.
um direito real mas apenas como gestor de negócios. Como a intenção não está presente a sua
acção é qualificada como de um mero detentor, e não há aquisição por usucapião.

A concepção subjectiva é mitigada porque a demonstração de ausência de animus


é que vai servir para dizer que não há posse.

Há um acórdão nesta matéria que vai usar este raciocínio, mas a respeito de uma outra
norma, que o professor Henrique Sousa Antunes acha desnecessário, porque entende que a
leitura conjugada dos artigos 1251º e 1253º é suficiente para perceber que há aqui uma
presunção de posse quando há o controlo material da coisa.
Existe ainda um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 14 maio de 199672
que vem sendo utilizado pela jurisprudência para fundamentar esta presunção possessória
quando existe um poder de facto, quando existe um corpus. Vem dizer que podem adquirir
por usucapião se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto
sobre uma coisa, aqueles que controlam materialmente a coisa. Conclui-se que:

1) Há uma presunção que deriva de um corpus (de um controlo material da coisa).


Quando há corpus mas se consegue demonstrar que estamos perante uma situação do
artigo 1253º então é mero detentor e não há posse.

2) Presunção possessória é suficiente para a produção dos efeitos da posse,


nomeadamente o mais importante que é a aquisição por usucapião.

Depois no artigo 1253º temos os casos da alínea b) Quando há tolerância do titular do


direito? Considera-se que tal acontece em três hipóteses:

1. Quando alguém, sendo titular de um direito, renuncia a defende-lo porque a violação


do seu direito tem um alcance pouco relevante. Exemplo: se um vizinho usa uma
pequena parcela do terreno de alguém para conseguir lavrar melhor o seu terreno e
o proprietário do terreno, em virtude disso, nada faz.
Será que pode adquirir por usucapião se esse comportamento durar por 25 anos?
Claro que há uma presunção de situação de posse, porque controla materialmente
aquela pequena parcela do terreno, mas é afastada se eu conseguir demonstrar
que o proprietário tinha conhecimento disto e que renunciou por uma questão
de boa vizinhança, de cortesia, a ir lá impedir o vizinho. O juiz vai decidir que,
embora exista presunção de posse estamos no âmbito da b) do 1253º e por isso não
vai haver lugar a aquisição por usucapião.

2. Aqui não é apenas um “silenciar”, é uma situação em que o titular do direito concede
permissão para a utilização de uma coisa que é sua. Mas é uma permissão concedida
no contexto de relações de cortesia, de amizade, familiares, etc. Tem relevância
jurídica mas não se traduziu na atribuição de um direito à outra parte. É dada apenas
por relações de vizinhança, cortesia, familiares, portanto livremente revogáveis.

72 Aparece citado na nota 498 das Lições do professor Henrique Antunes


3. A situação em que alguém se aproveita das utilidades sobrantes da outra pessoa.
Utilidades que não têm interesse para o seu titular e, portanto, são utilizadas pelo
sujeito que é presumido possuidor. Exemplo: água sobrante do prédio vizinho.

Por último temos a c) do artigo 1253º. É a que tem maior aplicação prática.
Há um poder de facto que é exercido sobre uma coisa e esse poder de facto é legitimado.
Não é legitimado pelo direito real correspondente ao poder de facto mas por um direito real
que está na esfera jurídica de um terceiro. A pessoa tem o direito de agir mas esse direito de
agir sobre a coisa advém de uma legitimação dada por alguém alheio, algum terceiro que é o
titular de um direito real. Exemplo: O A é locatário de B. A é detentor. Ele exerce um poder de
facto sobre a coisa, podia ser presumido possuidor (porque há corpus, logo há posse). Porém,
como já sabemos, deixaremos de ter posse onde se verifica uma situação do artigo 1253º. Ele
pode agir sobre a coisa (porque tem um poder de facto autorizado por alguém que é titular do
direito de propriedade sobre a coisa). A é detentor porque possui em nome do proprietário,
exerce um poder de facto, não em nome próprio, mas em nome do titular (que é um terceiro).O
comodatário, o depositário, etc, são pelas mesmas razões apenas detentores.
Mas não se fala apenas em poderes de facto que se traduzam em direitos pessoais,
também podemos falar de direitos reais.
Aqui tem de haver outro direito real que legitime esse poder de facto assente num
determinado direito real. Exemplo: Se A for usufrutuário de uma coisa que pertence a B, ele é
detentor nos termos do artigo 1253º c) mas quando falamos de alguém que exerce um poder de
facto sobre a coisa sendo esse correspondente ao exercício de um direito real podemos estar
perante uma situação mais complexa. Ele é possuidor do direito de usufruto (ele age sobre a
coisa de forma correspondente ao exercício de um direito real). Por isso não há nada que
desqualifique a sua situação possessória. É possuidor do direito de usufruto mas em relação à
propriedade é um detentor. Ele controla materialmente a coisa em nome do proprietário. Mas
controla materialmente a coisa enquanto usufrutuário em nome próprio e controla
materialmente a coisa enquanto proprietário em nome de outrem. O usufrutuário é
simultaneamente possuidor do direito de usufruto e detentor do direito de propriedade.
Conclui-se então que qualquer titular de um direito real menor é possuidor do seu
direito real menor e detentor do direito de propriedade.
A relevância disto é enorme. Supondo que alguém está durante 25 anos a comportar-se
como usufrutuário, esse alguém não adquire o direito de propriedade porque o comportamento
dele correspondeu ao direito de usufruto e não ao direito de propriedade. O que ele poderá
adquirir por usucapião é o direito de usufruto porque em relação ao direito de propriedade é
apenas detentor.
Pode acontecer, contudo, como estudaremos adiante, que alguém que é detentor possa
tornar-se possuidor. Exemplo: um titular de uma servidão (possuidor da servidão e detentor da
propriedade) pode tornar-se possuidor da propriedade, com inversão do título da posse.

Classificações da Posse
A lei estabelece quatro classificações e a doutrina identifica outras quatro. Temos por
isso oito classificações possíveis de posse.

Classificações Doutrinais

a) posse efetiva vs posse não efetiva: Posse efetiva é aquela que é acompanhada da
prática de atos materiais sobre a coisa. Se não houver a prática de atos materiais sobre a
coisa, podemos estar em presença de posse mas essa é não efectiva.

b) posse civil vs posse interdital: Posse civil é boa para todos os efeitos de direito civil,
inclusivamente para a possibilidade de adquirir por usucapião o direito correspondente
à posse. A posse interdital é boa apenas para alguns efeitos, designadamente em matéria
de meios de defesa da posse. Se estivermos perante uma situação de posse interdital não
se produzem todos os efeitos possessórios mas apenas parte dos efeitos, por exemplo
não se pode adquirir uma coisa por usucapião.

c) posse causal vs formal: Posse causal é aquela que é acompanhada da efetiva


titularidade do direito e é formal quando não é acompanhada da efectiva titularidade do
direito.

d) posse registada vs posse não registada: Posse é registada se o título de aquisição ou a


mera posse beneficiarem do registo. É não registada quando não há registo nem do
título de aquisição nem de mera posse.

Classificações Legais

a) posse titulada vs não titulada, artigo 1259º:A posse titulada é a que se funda num
modo legítimo de adquirir, mesmo que o transmitente não o tenha feito com
legitimidade ou que o negócio jurídico seja substancialmente invalido. Exemplo: A vende
coisa alheia a B. B tem posse titulada. Exemplo: negocio jurídico praticado com coação
moral. Ainda assim dir-se-á que à luz do 1259º estamos perante uma posse titulada73.
Mesmo que o negócio seja afectado por erro, incapacidade acidental, ou porque de facto
a pessoa não tem legitimidade para transmitir, a posse que se adquire é uma posse
titulada. Para que a posse seja titulada é preciso que haja uma regularidade formal do
título. Ou seja, se o A vendeu ao senhor B um terreno de que até é proprietário mas essa
venda foi por documento particular (não preenche a forma que a lei exige), o B adquire
uma posse não titulada. A lei no 1259º prescinde da legitimidade do transmitente,
prescinde da validade substancial do negócio jurídico, mas não prescinde da aparência.
(aparência que só é dada pela regularidade formal)

73
O professor Henrique Sousa Antunes diz que isto é dificilmente entendível porque a posse que ele tem ate
pode ser qualificada como uma posse titulada, mas, em bom rigor é uma posse violenta.
b) posse de boa fé vs posse de má fé, artigo 1260º: A posse titulada presume-se de boa fé
e a não titulada de má fé. Esta presunção é ilidível. A posse é de boa fé quando o
possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem, nº1 do artigo
mencionado. A presunção do nº3 também é relevante. Significa que quando vimos que
A exerce coação moral sobre o B para adquirir uma coisa, a posse pode até ter posse
titulada mas é uma posse violenta e portanto, é considerada de má fé (esta
presunção já é inilidível).

c) posse pacifica vs posse violenta , artigo 1261º: Há posse violenta quando o


interessado para obtê-la utilizou coacção física ou coacção moral. O professor Henrique
Antunes considera que, enquanto o conceito de coação moral está claro, porque é a
própria lei que o dá noutro momento, quanto à coação física já há dúvidas, acha que o
que o legislador quer dizer é que há posse violenta quando o interessado para
adquirir o poder de facto, pratica atos de destruição ou de deterioração material. A
posse violenta é como já dissemos, considerada posse de má fé. Exemplo: quando
alguém parte a janela de uma casa para ter a posse de um relógio.

d) posse pública vs posse oculta, artigo 1262º: Publica é aquela que é exercida de modo
a poder ser conhecida pelos interessados. Oculta é a que é escondida dos interessados.

Consequências das Classificações Possessórias no Contexto dos Efeitos


da Posse

Uso

No contexto da posse, o beneficiário da posse usa a coisa. Será que a qualificação dessa
posse tem consequência nessa faculdade de usar a coisa?
Sim. A respeito do uso há uma disposição importante que é o artigo 1269º.
Aqui temos uma das primeiras consequências das classificações possessórias: em
matéria de uso, a lei estabelece que o possuidor de boa fé74 tem o direito de usar, pois, nos
termos do artigo 1269º, as desvantagens/ prejuízos associados ao uso da coisa só são
ressarcidos na medida em que o possuidor tenha agido com culpa. Exemplo: A (titular do
direito) e B (possuidor desse direito), B, usando coisa alheia, fazendo-o de boa fé , não responde
pela desvalorização normal associada à utilização da coisa. Exemplo: Se A usa o automóvel
alheio, convencido de que é seu, a perda de valor do automóvel durante esse tempo não gera
para o possuidor de boa-fé o deve de o ressarcir. Claro que ficam ressalvadas as situações em
que haja culpa do possuidor.
Do artigo retira-se que o possuidor de má fé tem então de ressarcir o proprietário da

74Associada a esta distinção “ boa fé VS. Má fé”, estão as classificações dadas anteriormente das quais tiramos
presunções de boa ou má fé (por exemplo, posse titulada presume-se de boa fé; posse não titulada presume-se
de má fé OU a posse violenta gera uma presunção inilidível de má fé. Aqui temos uma primeira consequência
prática dessas distinções.
coisa, isto retira-se de uma leitura pela negativa do artigo. Exemplo: Se o A usa, de má fé, um
automóvel alheio, a desvalorização desse automóvel é um prejuízo que tem de ser compensado
pelo utilizador pelo simples facto de estar de má fé, mesmo que não haja culpa na origem dos
danos / mesmo que os danos não são sejam causados por um comportamento culposo do
utilizador. A simples utilização é, só por si, gerador do dever de indemnizar para o possuidor de
má-fé.

Frutos

Mais uma vez releva a distinção posse de boa fé vs. posse de má fé, pois o possuidor de
boa fé faz seus os frutos percebidos , segundo o artigo 1270º nº1, os frutos naturais ou civis que
a coisa produza durante o tempo em que a possui ficam seus, ao passo que o possuidor de má fé
deve restituir os frutos ou valor correspondente ao titular do direito.
Estamos a falar de situações em que a posse é formal, ou seja, não é acompanhada da
efetiva titularidade do direito.

Além disso, o possuidor de má fé até está obrigado a mais nos termos do artigo 1271º,
além da restituição dos frutos, o possuidor de má fé responde pelo valor daqueles que um
proprietário diligente poderia ter obtido o pagamento do valor correspondente aos frutos
que o proprietário conseguiria obter.

As normas seguintes, artigo 1270º nº2 e seguintes tratam de hipóteses em que há


ainda uma pendência, ou seja, situações em que a posse de boa fé termina, a pessoa percebe
que está a usar direito alheio numa altura em que os frutos ainda não foram colhidos:

1) nº1 - Se os frutos já tiverem sido percebidos, os frutos são do possuidor;


2) nº2 - Se tiverem pendentes são do titular do direito, embora o titular do direito deva
compensar o possuidor de todas as despesas que este tenha tido, com o limite do
valor dos frutos colhidos.
3) nº3 - Se o possuidor alienou os frutos antes da colheita e antes de cessar a boa fé, a
alienação subsiste, mas o produto da colheita pertence ao titular do direito, ainda
que com dedução do nº2. Extrai-se do nº3 a lógica do nº2: o possuidor só fica com os
frutos se os frutos já tiverem sido efetivamente percebidos. Assim se isso não
acontecer, o rendimento da colheita pertence ao titular do direito, ainda com a
dedução da indemnização a que o nº2 se refere.

Benfeitorias

Uma vez mais, a classificação da boa fé/ má fé é relevante, mas só é relevante em relação
a um dos tipos de benfeitorias. Quando interpretamos as normas relativas às benfeitorias, vemos
que há um momento em que esta distinção é relevante, mas apenas num dos tipos.

Distinguimos no artigo 216º entre as benfeitorias: Necessárias (conservar a coisa),


Úteis (trazem valor económico), Voluptuárias (aquelas intervenções que não se destinam a
conservar, mas também não trazem um aumento do valor económico, recreio do
benfeitorizante).
Em matéria de posse, a relevância da boa/ má fé é relevante apenas nas benfeitorias
voluptuárias, o artigo 1275º diz que o possuidor de má fé, mesmo que não se desse o
detrimento da coisa, perde as benfeitorias / não as pode levantar. O possuidor de má fé perde,
em todos os casos, as benfeitorias voluptuárias.
Em matéria de benfeitorias necessárias ou úteis a distinção já não é relevante. Nas
normas anteriores, o artigo 1273º não dá distinção entre boa e má fé. No artigo 1273º no
seu nº2 é dito que quando para evitar o deterioramento da coisa não haja lugar ao levantamento
das benfeitorias, o titular do direito restituirá ao possuidor, independentemente de este ser de
boa ou má fé o valor delas calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa75.

Meios de Defesa Possessórios

Bem, porventura, o legislador não tinha necessidade de fazer referência à autotutela76


mas, ainda assim, o legislador voltou a tratar desse tema nesta matéria. Assim, no artigo 1277º,
admite que possa haver uma ação direta, mas é claro que no sistema jurídico de qualquer estado
democrático que se reja pelo direito o que prevalece é a heterotutela, ou seja, onde prevaleça o
direito na sua dimensão mais ajustada, a prevalência é dada à heterotutela. Então, quais são os
meios de tutela pública (heterotutela) em matérias possessórias:

1) Ação de prevenção - Na prevenção, reage-se de fora a prevenir que haja uma


perturbação no exercício da posse ou de modo a prevenir o esbulho da posse. Prevista no
artigo 1276º

2) Ação de manutenção – Artigo 1278º quando falamos em manutenção significa que


alguém está a possuir, quer continuar a possuir mas tem de ter condições para isso.
Exemplo: alguém esta a usar dada coisa, móvel ou imóvel, e há outro sujeito que
prejudica a utilização dessa coisa, alguém que quer descansar em casa e há um vizinho a
perturbar a utilização da coisa porque está a martelar constantemente OU alguém que
está a lavrar o terreno e há um vizinho que acaba por o perturbar com o arremesso de
pedras. Isto significa perturbar a posse. Aqui a pessoa está a possuir, mas está a ser
perturbado. O instrumento é a ação de manutenção.

3) Ação de restituição - Artigo 1278º, são situações mais graves em que a pessoa foi
privada da posse. Aqui temos a ação de restituição da posse.

4) Restituição provisória da posse - Quando o esbulho foi praticado com violência, pode
ser pedida a intervenção do tribunal para que a coisa seja, até saber se há ou não direito
à restituição, que seja destituída provisoriamente. Esta providência, por ter sido
regulada especificamente pelo legislador, foge à regra de que quando se decreta uma
providência cautelar ouve-se sempre a outra parte. A ideia desta providência é ser
decretada sem que a outra parte seja ouvida, artigo 1279º diz mesmo “sem audiência do
esbulhador” precisamente porque se trata de uma situação grave. Quando dizemos “a
pessoa é esbulhada, se o esbulho tiver sido violento, pode recorrer-se à restituição
provisória da posse sem audiência do esbulhador”. Então, se a pessoa é esbulhada,
porque é que não é imediatamente decretada a restituição? Porque é que o
procedimento não é mais rápido? Porque quando estamos a falar da posse, estamos a
falar de um instrumento que pode ser útil a quem seja efectivamente titular do direito
correspondente à posse; de facto, provar a propriedade é uma diabolica probatio. Assim,
muitas vezes, os proprietários preferem recorrer aos meios de defesa possessórios

75 Matéria de obrigações
76 Porque sabemos que existe um regime geral que é aplicável sem distinção das matérias, ver matéira de IED
porque são mais expeditos. Isto tudo porque quem tem posse pode não corresponder a
quem tem titularidade do direito e é preciso não perder isso de vista.

5) Embargos de Terceiro – Forma que o possuidor tem de se defender contra uma ofensa
à sua posse praticada pelo tribunal. Ou seja, se há uma medida judicial que interfere no
exercício da posse pelo seu titular, o titular tem um instrumento para ir a tribunal dizer
que essa ofensa não é legítima, artigo 1285º.

Mas estes meios de defesa possessórios não estão acessíveis apenas à pessoa que é
efectivamente proprietária. Se o A for esbulhado pelo B e o B esbulhado pelo C. Pode o B por
uma ação de restituição da posse contra o C? Sim, porque o que ele está a defender é a posse e,
na verdade, B adquiriu posse, a forma de adquirir é o apossamento. Quando esbulhou adquiriu
posse através do apossamento. Tem posse porque tem um corpus, do qual se extrai a posição de
animus. Se ele é possuidor, tem o direito de defender a sua posse, ainda que a sua posse seja
formal.

No entanto, pode acontecer que o C se venha defender dizendo que, entretanto, adquiriu
por usucapião. Assim, o C faz prova que, apesar de ter esbulhado o B, já pode haver usucapião77.
Se o Tribunal chegar à conclusão que C é proprietário, a ação de restituição de B vai improceder
porque se demonstra que há uma razão legítima para que C mantenha a coisa na sua esfera
jurídica. Logo, a ação de restituição serve para proteger a posse, mas é vencida pelo direito
correspondente quando ele está na esfera da pessoa contra quem a ação foi proposta. Por isso se
diz, no artigo 1278º nº1, que se o tribunal perceber que o direito correspondente à posse que
se exerce não corresponde à pessoa que pretende a manutenção/ restituição da posse, então, a
ação vai improceder porque a titularidade do direito é determinante para o sucesso desse meio.

Em que medida as classificações são importantes, na matéria dos meios de defesa


possessórios?

Em matéria de ação de restituição da posse, coloca-se o problema da legitimidade


passiva, ou seja, contra quem é que pode ser proposta esta ação? No artigo 1281º nº2 a lei
diz, claramente, que pode ser proposta contra terceiro de má fé. Logo, também aqui a distinção
da boa/ má fé é relevante.

Além disso, no artigo 1282º, na letra da lei se diz que se a posse é uma posse oculta a
caducidade da ação de manutenção ou restituição da posse só começa a correr/ o prazo
de 1 ano para a caducidade da ação só começa a correr a partir do momento que haja
conhecimento do esbulho.
Ou seja, se a posse for oculta, em vez de começar a correr 1 ano a partir da perturbação
ou esbulho, para que a ação caduque, esse 1 ano só começa a contar a partir do momento em que
a pessoa esbulhada tenha conhecimento que foi esbulhada.
O artigo 1282º silencia um aspeto, mas uma interpretação sistemática leva-nos a uma
norma artigo 1267ºnº2 que equipara à posse oculta a posse violenta. Neste artigo, também se
estabelece que a quanto à posse violenta, o prazo de perda da posse só ocorre quando a violência
cesse. Esta lógica que está no artigo 1267º nº2 tem de estar no artigo 1282º, ou seja, quando

77PODE haver, é preciso atentar se a posse é civil ou interdital, pois se for esta ultima a posse não dá aquisição
por usucapião. Ver o que vai ser dito a seguir neste caderno e ver artigo 1297º
falamos de caducidade das ações de manutenção ou restituição, estamos a dizer que só se
começa a contar o prazo quando a posse é oculta a partir do conhecimento da perturbação ou
esbulho, mas, embora a norma não o diga, também está lá que: se a posse for violenta. Por
exemplo, A perdeu a posse para B porque B esbulhou com violência A, nesse caso, imaginemos
que temos um contrato de compra e venda celebrado sob ameaçada/ coação moral, aí A pode
reagir e não se aplica a regra de 1 ano a contar do esbulho porque, embora o 1282º nada diga,
deve ser interpretado no sentido de que, 1 ano para que caduque a acção de restituição só
começa a correr a partir do momento em que cessa a violência (exemplo: quando B morrer).
Quando B morrer, numa ação proposta contra os herdeiros, esse prazo de caducidade só começa
a contar a partir da morte e não do esbulho.
Logo, temos aqui um regime em que a posse oculta/ publica e pacifica/ violenta
releva.

O artigo 1284º diz que o possuidor mantido ou restituído tem direito a indemnização.

O artigo 1283º dá um efeito muito relevante da ação de restituição ou manutenção que


tenha sucesso, ficciona que quem foi esbulhado nunca o foi. Suponhamos que A foi esbulhado
por B e B por C. B propõe com êxito uma ação de restituição da posse contra C. Por força do
artigo 1283º, há uma ficção, é como se todo o tempo em que a coisa estivesse no C estivesse
estado, em bom rigor, no B. Isto é relevante para efeitos de usucapião, é uma ficção, apesar de
ter sido esbulhado/apesar de ter estado nas mãos de terceiro, se ação de restituição tiver
sucesso é como se a coisa estivesse sempre na posse do esbulhado.

Usucapião

Quando falamos em usucapião, temos de perceber que tipo de posse está em causa. Nas
regras da usucapião, percebemos que o registo é relevante78. O Registo é relevante porque
contribuirá para reduzir os prazos de aquisição por usucapião, porque nesse caso temos
duas publicidades, a da posse, publicidade espontânea e a do registo, publicidade provocada.
Sendo certo, no entanto, que o registo, só por si, pode não ser relevante.
Designadamente, há outra caracterização da posse que anda naturalmente associada ao registo,
a da posse titulada. Portanto, quando pensamos numa posse registada, esta contribuirá
para a redução dos prazos mas, com excepção que se prevê no artigo 1295º, que trata do
registo da mera posse, ou seja, é uma situação em que se permite que o seja registado seja
apenas o mero facto de possuir e, por isso, não se fala em título de aquisição. O registo de mera
posse é a publicidade dada à simples situação de a pessoa estar a possuir.

Mas, quando falamos em posse registada, na maior parte dos casos, estamos a pensar no
registo do direito correspondente àquele que se possui, no registo do título de aquisição.
Imaginemos que A vende um terreno ao B e B regista a aquisição da propriedade. Este registo
que B foi fazer não é o registo da mera posse, ele está a registar é a propriedade que adquire pela
compra e venda. Ora, este registo de B é relevante, só por si, para usucapião? Não, este
registo é relevante sendo acompanhado por uma pose titulada, artigo 1294º.
Neste artigo, temos a conjugação de 3 classificações: 1) posse titulada e registada e de
boa fé então a aquisição é dada em 10 anos 2) posse titulada e registada e de má fé então o prazo
é 15 anos.

78 Uma das classificações doutrinais que vimos foi a Posse Registada e Posse não registada
Então, o que é que acontece se faltar o título? Ou o que acontece se faltar o registo
da mera posse? A consequência será que, em vez de aplicarmos artigo 1294º, somos
transportados automaticamente para o artigo 1296º. É uma norma subsidariamente aplicável.

Aplicando o artigo 1296, ou seja, numa situação em que falta o registo ou o título, os
prazos aumentam: por exemplo , o 1294º dá 10 anos para a boa fé e o 1296º dá 15 anos para a
boa fé. O 1294 dá 15 anos para a má fé e o 1296º dá 20 anos para má fé. Temos assim um
exemplo em que a distinção entre Posse titulada/ Não titulada E Posse registada/ Não
registada E Posse Boa fé/ má fé é relevante.

Mas, indo mais longe, há duas classificações extremamente importantes em matéria de


usucapião: se a posse for oculta ou violenta, há contagem do prazo para a usucapião? Ou
seja, se a posse não tiver visibilidade ou for exercida com violência, isso tem efeitos relevantes
para efeitos de usucapião?
O artigo 1297º diz os prazos só começam a contar desde que cesse a violência ou a
posse se torna pública. Logo, posse oculta ou violenta não são boas para adquirir por
usucapião, são o que a doutrina chama de posse interdital. Logo, a distinção entre oculta/
publica e violenta/ não violenta são relevantes.

Vicissitudes

Aquisição Originária

Podemos ter uma aquisição originária da posse por apossassamento, artigo 1263º a)
Quando é que estou a falar de apossamento? Se o A furta o B ou se o A assalta a casa do B para
lhe roubar o quarto, evidentemente, o A vai ser considerado possuidor pois exerce um poder de
facto sobre a coisa. Assim, não havendo nada que permita destruir a presunção de que ele se
quer comportar como proprietário da coisa, tem posse. Portanto, sendo ele possuidor vamos
ver as consequências desta posse em matéria de uso, frutos, benfeitorias, usucapião nos termos
falados anteriormente neste caderno.

Mas, do ponto de vista da aquisição, é importante percebermos que o seu modo de


aquisição é uma forma de aquisição originária designada de apossamento. Mas qual é a
relevância prática de dizer que é apossamento? É certo que, no apossamento, não há aquisição
derivada/ não há transacção, mas, um aspeto muito importante em termos práticos é que: se o A
vender ao B um dado terreno, sendo que esse terreno pertence ao C. o B porque adquire através
de uma aquisição derivada (vontade do anterior possuidor) vai poder recorrer à acessão da
posse, artigo 125679. O “sucedido na posse” do artigo referido revela que a aquisição derivada
permite a acessão da posse. Já a aquisição originária não permite.

79 Possibilidade do possuidor de juntar à sua posse a posse do anterior. A importância da junção de posses é
relevante para efeitos de usucapião: vamos supor que B só possuiu durante 10 anos. Ora, supondo que
estamos no contexto do artigo 1296º (para efeitos de usucapião a Posse registada anda de mãos dadas com a
Posse titulada; assim, se ele não registar, o regime que lhe é aplicável é o do 1296º), ele só adquire passados 20
Essa junção, a acessão, dar-se-á em que termos? No caso em nota de rodapé, foi
relevante classificar as posses de A e B porque 10 + 15 dá 25 e o prazo máximo para se adquirir
por usucapião é 20. Mas as classificações podem ser relevantes para efeitos de acessão da posse
porque posso estar perante um prazo inferior ao máximo e preciso de determinar qual o
prazo aplicável àquele prazo para efeitos de aquisição por usucapião. Neste caso, como é que
determino o prazo que deriva da acessão da posse?
Não é só juntar o tempo de um e do outro. Porquê? Porque quando chego às regras da
usucapião, estas vão-me perguntar o tipo de posse. No caso de acessão o que vou fazer para
classificar aquilo que resulta da acessão das 2 posses é aplicar o artigo 1256º nº2, a posse
pior80 é aquela que irá ser predominante, a que irá determinar o regime aplicável.

A acessão da posse só está acessível à aquisição derivada. Assim, se tivéssemos um


esbulho/ se B furtasse o relógio de A podia B juntar à sua posse a de A? Não, sendo uma forma
de aquisição originária, a acessão de posse não é possível.

O apossessamento é dado pela formulação da lei, mas esta é algo equivoca: “prática
reiterada de atos materiais”, mas então, quando é que se adquire? O que significa Reiterada? Mas
quando é que se adquire? A partir de 1 mês de praticas reiteradas? Ou 2 meses?
É preciso de saber quando começa a posse porque é a partir daí que se pode começar a
contar o prazo para a aquisição por usucapião. Logo, este regime tem de ser interpretado de
forma inteligente. Isto é, em bom rigor, porque estamos a falar da constituição, o que a lei exige,
em bom rigor é a materialidade (controlo material da coisa), sendo que para a posse civil
é necessária publicidade ( controlo com publicidade) pois só aí tenho uma posse civil/
boa para todos os efeitos que será útil para usucapião.
Então, quando a lei fala em “reiteração”, quer dizer o quê? Isto diz respeito a outra coisa.
Diz respeito ao que está no artigo 1267º nº1 d). Este artigo está casado com o artigo 1263º a).
No fundo, é isto: o B furtou a A, o B adquiriu a posse por apossamento. O que acontece a A? A
perdeu a propriedade? Não, só perderá a propriedade quando o B adquirir por usucapião. E a
posse (como a nosso ver é um direito real autónomo), perdeu-a? O artigo 1267º diz a posse do
A mantém-se durante 1 ano; quando passe 1 dia e um 1 ano, a posse de A extingue-se. Assim,
podemos ter situações em que há uma sobreposição de posses.
Qual a consequência pratica dessa extinção? O A já não pode recorrer a meios de
defesa possessório como a ação de restituição da posse porque deixou de ser possuidor apesar
de poder ainda ser o proprietário.

Henrique Sousa Antunes considera que a “reiteração” que o artigo 1263 a) refere diz
respeito à perda da posse posterior e não à constituição da nova posse. Henrique Sousa Antunes
considera que a “reiteração” é relevante para dizer que se a posse for exercida de forma pública,
com reiteração, então sim começa a contar o prazo de 1 ano.
Logo, em bom rigor, Henrique Sousa Antunes acha que não se pode falar da perda da
posse do A pelo simples decurso do prazo de 1 ano se a nova posse não for uma posse que,
além de tomada publicamente, se continue a exercer publicamente.
Assim, a “reiteração” que está no artigo 1263º não se refere à constituição da nova
posse, mas sim à perda da posse anterior. Isto faz sentido porque, em bom rigor, o outro tem que
perceber que, como o sujeito que lhe furtou o relógio está a atuar publicamente como dono, o A

anos. Então, se ele só possui 10 anos, não conseguiria ser proprietário por usucapião. Mas, se a acessão da
posse for permitida, se o antecedente já estiver a possuir há 15 anos; 10+15=25 , logo, B pelo facto de ter
beneficiado de uma aquisição deriva e de assim poder ter recorrido á acessão da posse, vai adquirir por
usucapião.
80 Diga-se, a que requerir maior prazo
tem a possibilidade de reagir e conhece essa necessidade de reagir. Assim, é um elemento
relevante para a perda da posse.

O que foi dito até agora foi dito a respeito da a) do artigo 1263º da aquisição originária
da posse por apossessamento. Mas há ainda outra forma de aquisição originária. A inversão
do título da posse, prevista na d).

No artigo 1265º vemos que a inversão do título de posse pode dar-se por um de dois
fenómenos:

1) Por um lado, por oposição do detentor do direito contra àquele em cujo nome
possuía.81

Exemplo: um arrendatário de uma casa decide transformar a casa/ aparecer nas


assembleias de condóminos como proprietário, pagar o condomínio etc… inequivocamente, ele
comporta-se como proprietário.
Ora, se ele é arrendatário, ele é possuidor de algum direito sobre a casa? Não, ele tem
um direito pessoal. Neste caso, o arrendatário/ os comodatários como já aqui dissemos caem
todos no artigo 1253º d). Eles são detentores.
Mas, ele passou a comportar-se como proprietário. Isto tem relevância? Para a lei tem. A
partir do momento em que ele passa a tratar-se como possuidor (poder de facto, acompanhado
de animus), dá-se o fenómeno de inversão do título da posse.

Antunes Varela e Pires de lima dizem que não basta haver a exteriorização de um
comportamento que desqualifique a situação anterior, ou seja, não basta exteriorizar
comportamentos que denunciem a posse. Porquê? Porque a inversão do título da posse é um ato
recipiendo, isto é, é uma vontade que tem de ser comunicada ao anterior possuidor. Não basta
comportar-se daquela forma, é preciso que haja uma comunicação, que pode ser extrajudicial,
para que haja oposição. “ Opor-se” significa comunicar ao anterior possuidor que afinal, agora a
posse passou a estar na esfera deste, até então, detentor.

2) Por outro, ato de terceiro capaz de transferir a posse.

Por outro lado, a inversão pode dar-se por ato de terceiro, é um ato de terceiro, não um
ato do anterior possuidor. Se A (proprietário da casa onde está o B como arrendatário), se o A
vender a casa ao B (arrendatário), eu não estou perante uma forma de inversão do título de
posse/ aquisição originária. Aqui estou perante uma transmissão, logo, tenho uma forma de
aquisição derivada. Tem de ser um terceiro a transmitir ao detentor e nunca o anterior
possuidor para que possamos estar num caso de aquisição originária por inversão do título da
posse.
Exemplo: Imaginemos que aparece o C, com títulos falsos, a dizer que o A morreu e
vende-lhe a casa. Tenho uma inversão do título da posse por ato de terceiro, porque não é o
possuidor que transmite a posse. Então, o detentor passa a comportar-se como possuidor por
um ato de terceiro.

81 Ele possuía em nome de alguém, daí ser um detentor e não “possuir” em bom rigor.
Aquisição Derivada

Temos uma aquisição derivada nos casos das alíneas b) e c) do artigo 1263º. Esta pode
ser feita pela tradição ou por constituo possessório. Considera-se ainda uma aquisição
derivada os casos previstos no artigo 1255º, a sucessão. Nas aquisições derivadas é onde há
possibilidade de acessão da posse nos termos do 1256º. Tal já não acontece nas
originárias nem na aquisição por sucessão em que em bom rigor a posse é a mesma.

A b) trata da tradição.
Podemos ter uma tradição material, uma entrega da coisa (se o H vende o relógio à V, o
que esta aqui a acontecer é uma transmissão da posse por tradição material da coisa82).

Podemos ter também uma tradição simbólica, uma traditio brevimano. Esta é uma das
formas que tem relevância prática. Nesta, ocorre um fenómeno, o detentor passa a possuidor por
ato do anterior possuidor. Exemplo: proprietário e arrendatário, aqui há fenómeno de tradição
simbólico, quando o proprietário vende a casa ao arrendatário, o arrendatário vai adquirir a
posse através de um traditio brevimano, ele já está a controlar materialmente a coisa, ele já é
detentor da coisa e vai tornar-se possuidor por ato do anterior possuidor, já houve uma entrega
da coisa e só agora posteriormente se vai transmitir a posse.

A d) do artigo 1263º e o artigo 1264º dão-nos outra forma de aquisição derivada, o


chamado constituto possessório.

Exemplo: O A compra uma jóia para a mulher, mas para evitar que a mulher descubra,
combina com o joalheiro que a jóia fica guardada na loja 1 mês, até à data do evento que
justificou a compra. Aqui, houve um contrato de compra e venda, mas quem continua a controlar
materialmente é o vendedor. No entanto, ocorreu um fenómeno de constituto possessório
porque o anterior possuidor transmitiu a posse, apesar de continuar a controlar
materialmente a coisa.

No fundo esta figura do constituto possessório é o contrário da traditio brevi manu, como
se percebe com a leitura do artigo 1264º. Neste há um possuidor que passa a ser detentor
enquanto na traditio há um detento que passa a ser possuidor.

Há uma Polémica doutrinal. O Professor Henrique Sousa Antunes tem uma posição
minoritária.
A lei diz “ por qualquer causa continue a deter a coisa”. O Professor considera que a
“causa” não é em sentido técnico jurídico, mas pode ser tão simplesmente uma condição
negocial do contrato. Por exemplo: A vendeu a B e combinou o prazo de entrega de 15 dias.
Durante aquele prazo, a doutrina maioritária diz que, apesar de a propriedade ter sido
transmitida, enquanto não entregar a coisa, como não há outra causa, o possuidor é o vendedor.
Diversamente, Henrique Sousa Antunes considera que se o contrato foi celebrado e a
propriedade transmitida, a simples circunstância de não haver uma outra causa, mas haver uma
cláusula que estabelece que a coisa permanece na esfera do vendedor até ser entregue, essa
cláusula é suficiente para estarmos perante um Constituto Possessório. No exemplo que demos
de A comprar uma jóia para a mulher no joalheiro a discussão não se abria pois o que havia
como causa era um contrato de compra e venda seguindo de um contrato de depósito.

82 Ver matéria de TGN.


Por fim, como aquisição derivada, temos a sucessão, como prevista no artigo 1255º,
por morte do possuidor, a posse continua nos sucessores.

Exemplo: A morreu, B é o herdeiro. Como é que B adquire a posse? Sucessão na posse.


Na sucessão na posse, o sucessor recebe a posse do de cujus, ou seja, a posse do sucessor é a
posse do de cujus. Logo, se a posse do de cujus de má fé, a posse do sucessor também é de má fé.
Se é uma posse violenta no de cujus é recebida como violenta pelo herdeiro. A posse é
transmitida por sucessão tal e qual como é. Sendo que é essa posse que vai ser relevante para
aquisição por usucapião.

A Perda

Acerca da perda da posse dispõe o artigo 1267º. São fenómenos com o efeito da perda
de posse os inumerados nas alíneas desse artigo.

A a) pressupões um ato de vontade material, mediante o qual o possuídos demonstra,


inequivocamente a intenção de cessar o seu poder de facto sobre a coisa.

Na b) entende-se que por perda se quer dizer o desaparecimento que impossibilita, de


modo definitivo, o exercício dos poderes que a lei reconhece ao possuidor. Claro é o sentido de
destriuição material da coisa, pressupondo a lei a destruição integral.

A c) fala sobre a cedência, a perda da posse é, nesse caso, o efeito correspondente à


tradição ou constituto possessório na esfera do transmitente. Há uma aquisição derivada do
outro lado.

Já tocámos na d). A nova posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor
se tiver durado por mais de um ano extingue a antiga posse perdendo-se esta. A alínea
compreende os casos em que o esbulhador conserva a posse, adquirida em virutde de
apossessamento ou inversão do título da posse.
Propriedade Horizontal

Tipo autónomo, vem regulada na lei no capítulo VI, artigos 1414º e seguintes. No
entanto, a propriedade horizontal não deixa de ser tratada como um capítulo de um título, e o
capítulo tem por epígrafe “direito de propriedade”. Isto significa que a propriedade horizontal
é uma propriedade especial, é uma propriedade que é exclusiva, mas é uma propriedade
em que a plenitude tem características particulares.83

Ou seja, quando Henrique Sousa Antunes fala de autonomia, está a referir-se ao regime.
Porque, de facto, a propriedade horizontal não deixa de ser uma forma da propriedade, uma
forma do tipo que é o direito de propriedade
“Uma forma de um tipo que é o direito propriedade”? Importa ficar claro que quando
falamos em direitos reais menores e em direitos de propriedade, quando falamos em
propriedade horizontal estamos a falar do direito propriedade, mas não deixa de ser uma
propriedade especial. Daí que Henrique Sousa Antunes tenha falado em “tipo autónomo” não
em sentido técnico porque, em bom rigor, é uma propriedade especial. Logo, é um direito
exclusivo, ainda que a plenitude tenha características especiais.

Mas, porque é que a plenitude reveste características especiais/particulares? Porque a


propriedade horizontal, em termos simples, tem dois grandes segmentos:

-Frações autónomas

-Partes comuns.

Ou seja, na propriedade horizontal encontramos um direito que se estrutura nestas duas


dimensões. Sendo certo que, importa, desde já ter presente que, ainda assim, as partes comuns
estão funcionalizadas as frações autónomas.
As partes comuns existem para servir as frações autónomas, logo, o elemento mais
caracterizador da propriedade horizontal é a fração autónoma.

Artigos 1420º nº1 e 1422º nº1: Se falamos em fração autónoma e em partes comuns,
no fundo, estamos a falar em:

1) Regime da propriedade singular (fração autónoma) e


2) Regime da compropriedade (partes comuns).

Quando estudamos a propriedade horizontal, uma das formas de a abordar é a partir do


facto de saber que é uma propriedade especial pois, o que sucede é que temos um direito
exclusivo, mas não é pleno porque, embora sobre frações autónomas eu possa em grande
medida exercer a minha plenitude; ela é muito mais limitada no tocante ao que são as partes
comuns. Mesmo sobre as frações autónomas o direito não é exercido com a mesma plenitude
como exercemos o direito de propriedade sobre uma coisa de que sou exclusivamente
proprietário fora do contexto da propriedade horizontal.

Tenho propriedade especial porque é um direito exclusivo, mas é um direito cuja


plenitude reveste características especiais. Ou seja, é exclusivo porque aquilo que é central na
propriedade horizontal é a fração autónoma. Pois, embora existindo partes comuns, esta estão
funcionalizadas à fração autónoma. Mas, atenção que não é pleno porque, mesmo em relação à

83
Não é um direito real menor.
propriedade horizontal, os poderes que condomínios têm não são plenamente idênticos aos que
o proprietário de coisa tem (sendo em exclusivo).

Especificidades na Compropriedade

Na compropriedade há conjunto de regimes que determinam um conjunto de deveres do


comproprietário relativamente à coisa, mas também um conjunto de direitos.
Resta saber se esse regime é importável, em bloco, à propriedade horizontal, dado que o
artigo 1420º manda aplicar o regime da compropriedade às partes comuns.

Ora, se o central é a parte autónoma e as partes comuns estão afectas ao exercício que se
tem sobre a fracção autónoma, então, dificilmente se pode dizer que haja uma importação em
bloco do regime da compropriedade. Porquê?

Artigo1423º: na compropriedade, o comproprietário, quando alienasse a sua quota a


terceiro, tinha de dar preferência aos demais comproprietários. Ora, se se aplicasse o regime
da compropriedade à propriedade horizontal, o “comproprietário” seria o condómino. O
condómino tem a fracção autónoma e poderes sobre as partes comuns.
O que são partes comuns? O terreno onde o edifício se implanta, as escadas, os
telhados, estrutura material do prédio no geral… Ora, a lei vem dizer que os condóminos não
gozam do direito de preferência na alienação das fração autónoma. Esta é a primeira grande
diferença relativamente ao regime da compropriedade que é fundado nessa logica da
preferência, na compropriedade, a preferência existe para evitar uma litigiosidade que poderia
advir da circunstância da entrada de um terceiro que fosse incompatível com os demais
comproprietários e, ao mesmo tempo, contribui para a extinção da situação de compropriedade
que é, em si mesma, uma fonte de litigiosidade. Porque é que não existe aqui esta ideia da
preferência? Porque, na verdade, as partes comuns são funcionalmente afetadas à fração,
logo, o que é relevante é a fração e não a parte comum.

Além disto, o condómino não pode pedir a divisão das partes comuns, diversamente,
no regime da compropriedade, o comproprietário pode pedir a divisão, na lógica de que a
compropriedade tende para sua extinção. Aqui não há divisão de partes comuns porque elas não
existem por si só, elas estão funcionalizadas as frações autónomas. Logo, não posso dizer que
1/10 do terreno ou 3 degraus passam agora a ser meus, o terreno e as escadas estão lá,
pertencendo a todos, de forma a garantir que ninguém, em exclusivo, possa usar o terreno,
podendo com isso afetar o exercício dos outros. Assim, a lei diz: não há divisão. Na
impossibilidade de divisão temos a segunda “machadada” no regime da compropriedade.

Artigo 1420º nº2: o condómino não se pode desonerar das despesas necessárias à
conservação ou fruição renunciando à parte comum.
Já o artigo 1411º, acerca da renúncia liberatória, permite que comproprietário possa
desonerar-se das despesas que tenha com a propriedade, renunciando à sua quota na parte
comum84. Aqui no regime da propriedade horizontal, como vimos nos outros pontos, não há
preferência, não há divisão e agora vemos que não há renúncia. Porque é que não há renúncia?
Mais uma vez, a funcionalização.
De onde é que está essa funcionalização/ essa acessoriadade das partes comuns? Há
alguma tradução jurídica disso? Artigo 1420º nº2, 1º parte: nenhum dos direitos pode ser
alienado separadamente. O que é que, na prática, isto significa?! Posso alinear uma quota na
parte comum sem alienar direito que tenho sobre fração autónoma? Não porque o conjunto
dos direitos é incindível. O inverso é verdade. Não posso fazer isto por causa da fração
autónoma.

Exemplo: casa da porteira. O artigo 1421º nº2 c) a casa da porteira é


considerada/presumida parte comum, logo pertence a todos os condóminos enquanto parte
comum da propriedade horizontal. Então, vamos supor que os condomínios, estando de acordo,
querem vender a casa da porteira. Podem faze-lo? Enquanto for parte comum, não podem,
mesmo havendo acordo de todos, porque violavam artigo 1420º nº2 1ª parte.
Porque, no fundo, os condóminos estariam a alienar a sua quota na parte comum, sem
alienar a respectiva fração autónoma. Isto não pode ser porque, na verdade, enquanto for
comum, é porque se reconhece que essa parte está ao serviço das frações autónomas e, assim
sendo, está ao serviço de todos. Quem são esses todos? No prédio não vive apenas os
condóminos, pode viver também um arrendatário e, mais, a propriedade horizontal existe num
dado momento histórico, mas, daí a 10 anos, as pessoas que estão lá a viver pode ser outras e,
portanto, o legislador parte do seguinte princípio: o edifício para ser bem utilizado depende
da existência de frações autónomas, mas também das partes comuns que as servem. Logo,
enquanto não houver pronunciamento para parte comum ser considerada fração
autónoma ou parte integrante de uma fração autónoma/ enquanto não houver uma
decisão no sentido de transformar em coisa diversa, ela é uma parte comum, não pode ser
alienada em separado; nem eu posso vender a minha casa dizendo que a pessoa que a
comprar não tem o direito de usar as escadas do prédio.

Podíamos dizer que se aplicam as regras de uso e administração da coisa previstas


na compropriedade; mas também aqui há exceção: o legislador vem disciplinar a
administração das partes comuns.
Existem 2 órgãos de administração nos prédios: Assembleia de Condóminos e o
Administrador (que executa as decisões da assembleia). Ora, para a propriedade horizontal,
o legislador veio disciplinar a forma de, em bom rigor, usar e administrar a coisa. Então, posso
aplicar as regras da compropriedade? Em princípio, elas estão prejudicadas pelo facto de
haver órgãos administrativos regulados, muito detalhadamente, pelo legislador, em
matéria de propriedade horizontal.

Vendo bem, aproveita-se muito pouco do regime da compropriedade. Ora, dizendo


tudo isto, Henrique Sousa Antunes reconhece que como as limitações da compropriedade
são aqui menores, a plenitude pode não ser tão afetada como é no regime da
compropriedade.
Portanto, existe uma situação de contitularidade que se traduz em várias coisas: o

84
Renúncia liberatória: ato de vontade destinado a extinguir a obrigação real que existe e que tem como efeito
a transmissão do direito do comproprietário
que falamos nos pontos atrás é o que não se aplica do regime da compropriedade, mas
extrai-se do facto de haver compropriedade, por exemplo:

1) As despesas com a coisa, seja de conservação seja de inovação e estas têm de ser
pagas pelos condóminos;
2) Extrai-se do Regime da Compropriedade o facto de, como as partes são comuns,
haver pronunciamento colectivo sobre elas quando se quer, por exemplo, fazer uma
alteração material às partes comuns.

Assim, não é um direito verdadeiramente pleno relativamente às partes comuns, aliás, a


maior expressão da afetação dessa plenitude está precisamente no facto de haver uma
assembleia de condóminos e um administrador que gera essas partes comuns.

Partes Comuns

As partes comuns estão no artigo 1421º. No nº1 estão as partes que são
imperativamente comuns. Ou seja, quanto a estas, o título constitutivo da propriedade
horizontal não pode trata-las como fração autónoma ou partes integrantes de fração
autónoma. Estas não podem ter outra qualificação que não a de “partes comuns”. Estas estão
sujeitas à administração da propriedade horizontal.
O nº2 estabelece as partes presumidamente comuns. Isto significa que, no momento
da constituição da propriedade horizontal ou em alteração subsequente do título constitutivo, é
possível mudar esta qualificação e as partes que são presumidas comuns podem vir a ser
qualificadas como fração autónoma ou parte integrante de fração autónoma.

No nº3, em qualquer dos casos (nº1 e nº2), o legislador permite que o título constitutivo
da propriedade horizontal possa afectar ao uso exclusivo de um condómino uma parte
comum. Ou seja, o título constitutivo pode dizer que uma dada parte comum está afectada ao
uso exclusivo de um certo condómino. Aliás, podemos até dizer que não é preciso que seja o
título constitutivo a dizer isto, pode ser a própria estrutura material do edifício que nos obrigue
a dizer que há uma parte comum que está afectada ao uso exclusivo de um dado condómino.
Exemplo: os terraços no último piso/ terraços de cobertura. Esse terraço é uma parte este
terraço é uma parte imperativamente comum, artigo 1421º nº1 b). Ou seja, quando compro a
fração autónoma que comunica com o terraço, o terraço pertence a todos. É assim porque, em
bom rigor, é um elemento material do edifício e é importante que pertença a todos para evitar
que o proprietário da fração autónoma do último andar se comporte relativamente a essa parte
autonomamente/ tomo decisões sobre ela autonomamente. Impedindo-o, assim de, por
exemplo, decidir retirar a cobertura do terraço e levar a infiltrações em todo o prédio, afetando a
utilização das frações dos outros proprietários. É por razões desta ordem que a lei diz que é uma
parte imperativamente comum.

Ora, se é parte comum, seria suposto que pudesse ser utilizado por todos. Todos podem
usar uma coisa que é comum. Isto significa que os proprietários das restantes fração autónoma
podem bater à porta todos os finais de tarde para assistirem aos finais de tarde do terraço,
invocando que este é uma parte imperativamente comum? Não, e se o titulo constitutivo nada
disser? Se o titulo constitutivo não disser que o terraço é de uso exclusivo da última fração.
Pois, se o título constitutivo nada disser, além dele, temos de valorizar a própria estrutura
material da coisa e é evidente que é um espaço que só tem acesso através da última fração (da
fração do 6º piso no prédio com 6 andares).
É de se notar que continuar a considerar o terraço parte autónoma é de toda a relevância
prática: que se proprietário decidir intervir sobre o terraço? Pode fazê-lo? Como o terraço de
cobertura é uma parte imperativamente comum, embora o terraço possa estar afetado ao uso
exclusivo do proprietário da 6º fração autónoma, será sempre parte comum. Assim, a alteração
que se faça, nunca é uma alteração livre. Para intervir materialmente no terraço, ele está
dependente da autorização da Assembleia de Condóminos porque neste caso, o que acontece é
que há uma inovação, nos termos do artigo 1425º.

Especificidades para propriedade singular

Quando estou a atuar sobre a fração autónoma, não há limitações? Mesmo quanto às
frações autónomas não há forma de agir tão plena, comparativamente quando ajo com
propriedade plena relativamente a uma coisa onde não haja propriedade horizontal.

Em sede de propriedade horizontal, também se aplicam as limitações de relações de


vizinhança (fumo, ruídos, factos semelhantes), o artigo 1422º nº1 manda aplicar também
as normas aplicáveis à propriedade exclusiva.
No fundo, o que está previsto para o proprietário que está fora da propriedade
horizontal, mas que tem uma propriedade singular aplica-se também à propriedade horizontal.

Só que à propriedade horizontal aplicam-se mais limitações, o que faz todo o


sentido porque as coisas estão fisicamente muito próximas. As frações autónomas estão ligadas
materialmente/muito próximas e, por isso, quando olhamos para o artigo 1422º nº2 , temos
uma expressão relevantíssima das especificidades que legislador estabelece, no que respeita a
propriedade singular, afetando por isso a plenitude do direito que o condómino tem sobre a
fração autónoma. As alíneas do referido artigo (todas problemáticas) têm em comum o facto de
constituírem limitações ao direito de propriedade sobre frações autónomas.
Por exemplo, se eu vivesse numa moradia poderia usá-la para um fim ofensivo dos bons
costumes (desde que isso não caísse em nenhuma das limitações gerais ao direito propriedade);
mas numa fração autónoma não a posso usar para um fim ofensivo dos bons costumes, na
propriedade horizontal, o legislador diz-nos “mesmo sobre aquilo que é teu, tu não podes agir de
forma tal que venhas a prejudicar os demais”.

Quanto ao artigo 1422º nº3, há distinção entre alínea a) do nº2, que se refere a
prejuízo, e este nº3. Assim, quando a intervenção do condómino sobre a fração autónoma
constitui prejuízo nos termos do disposto no nº2 a), essa ação é proibia. Diferentemente, se for
modificação sem prejuízo, pode faze-lo, mas esta dependente de aprovação da Assembleia
nos termos do artigo 1422º nº 3. No nº4 temos mais uma demonstração de que, mesmo
tratando-se de propriedade exclusiva, há limitações.
Vicissitudes

Vamos agora analisar as vicissitudes: constituição, modificação da propriedade


horizontal, e ainda a matéria da administração.

Constituição

Para a constituição da propriedade horizontal, há requisitos relativos ao objecto e


relativos ao procedimento.

Quanto ao objeto: O artigo 1415º determina que, para que se possa constituir
propriedade horizontal, é preciso que existam fracções que constituam unidades
independentes e sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte
comum do prédio ou para a via pública.

Quando olhamos para esta norma, percebemos que temos de identificar pelo menos
duas unidades que sejam independentes, distintas e isoladas. Isto significa coisas
diferentes:

a. Fracções independentes - falamos de unidades com aptidão para a satisfação de


interesses sociais, ou seja, são unidades com aptidão autónoma para a satisfação de
interesses sociais.

b. Unidades distintas e isoladas – acrescentamos que não basta esta aptidão para a
satisfação de interesses sociais, essas unidades têm que ser delimitadas fisicamente, ou
seja, são distintas. E ainda, como a lei diz, têm de ser isoladas, têm de ser separadas
materialmente, tem de haver um ato de separação material dessas unidades.

Só poderemos ter verdadeiras frações autónomas quando esses espaços estejam


divididos com paredes, ou boxes para carros. Portanto, o que a lei exige para que possamos
constituir propriedade horizontal, é que existam frações autónomas que reúnam estas 3
características: que sejam unidades independentes, que se distinguem e que são isoladas
entre si.

Se se constituir propriedade horizontal sem haver, pelo menos duas frações que tenham
estas características, a falta destes requisitos legalmente exigidos implica a nulidade do título
constitutivo da propriedade horizontal e a sujeição do prédio ao regime da
compropriedade, artigo 1416º nº1. Extrai-se deste artigo que, se a propriedade horizontal for
constituída sem que os requisitos do artigo 1415º estejam preenchidos então o que acontece é
que o título constitutivo da propriedade horizontal é nulo e a lei opera conversão legal
determinando que o prédio fica sujeito ao regime da compropriedade, podendo o titulo
constitutivo servir como acordo do uso da coisa comum.

Quanto ao procedimento: O artigo 1418º refere que o título tem de ter dados requisitos
para que, do ponto de vista do conteúdo, seja considerado válido. Portanto, quando
constituímos a propriedade horizontal, temos de olhar para o objecto, ver se temos as frações
autónomas independentes, distintas e isoladas entre si, e se o título constitutivo preenche os
requisitos que o artigo 1418º define:

1) Menções obrigatórias, artigo 1418º nº1: No título constitutivo serão especificadas


as partes do edifício correspondentes às varias fracções, por forma que estas fiquem
devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso
em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio. Estas menções são
obrigatórias, o título constitutivo tem de ter estas indicações: tem de
individualizar as frações, e de definir, para cada fração um valor relativo, um valor
dentro da propriedade horizontal que será expresso em percentagem ou permilagem
do valor total do prédio. Isto é importante porque determina a medida da
participação de cada proprietário em regime de propriedade horizontal nos
encargos da coisa comum. A fixação do valor relativo de cada fração é essencial.

2) Menções facultativas artigo 1418º nº2: São referências que não têm de estar no
título constitutivo, mas que podem integrar este título85:

a) Menção do fim a que se destina cada fração ou parte comum;

b) Regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e


conservação, quer das partes comuns, quer das frações autónomas;

c) Previsão do compromisso arbitral para a resolução dos litígios


emergentes da relação de condomínio.

Não é uma lista exaustiva, a lei diz “designadamente”.

Mesmo sendo menções facultativas há uma consequência que o legislador estabelece


e é comum à falta de menções obrigatórias nos termos do artigo 1418º nº1. Podíamos
pensar que só quando falávamos da falta de menções obrigatórias é o que o titulo seria nulo, mas
se houver uma menção facultativa ao fim de uma fração e esse fim não corresponder ao que
foi fixado no projecto aprovado pela entidade publica competente também há nulidade do
título constitutivo, à semelhança do que ocorria no artigo 1416º.
Mas há diferença entre o artigo 1416º e o 1418º nº3: neste caso do 1418º nº3 não há
uma conversão legal. A lei prevê a nulidade do título constitutivo, mas não estabelece a
conversão deste titulo constitutivo na constituição de compropriedade. Mas isto não prejudica a
aplicação do regime da conversão comum, não há é conversão legal, o prédio não fica constituído
em regime de compropriedade. Pode haver uma conversão em compropriedade mas apenas
seguindo o regime da conversão comum, 293º.

85
Quando pensamos na constituição da propriedade horizontal, podemos estar a pensar nos vários modos que
o artigo 1417º prevê - negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial – mas, em regra,
pensamos em negócio jurídico.
Uma situação típica em que de facto, o proprietário do edifício (o individuo que decide promover a construção
de um determinado edifício), mesmo antes de haver já outros proprietários, acaba por constituir a propriedade
horizontal, por escritura.
E aí é uma constituição em que ele está sozinho, apesar de se tratar da constituição de um regime que
pressupõe, pelo menos, dois proprietários. Este negocio de constituição de propriedade horizontal irá ficar
condicionado até à aquisição por um terceiro (não há aqui ainda a pluralidade de indivíduos que depois vai
caracterizar a propriedade horizontal).
Modificação

Uma vez constituída a propriedade horizontal, não havendo nenhum problema de


invalidade, o que acontece à propriedade horizontal? Há imutabilidade ou é possível que o
regime aprovado inicialmente mude?

O artigo 1419º, que tem por epígrafe “modificação do título” denuncia que o regime não
é imutável: a propriedade horizontal, uma vez constituída, pode sofrer modificações. Pode sofrer
modificações de vários tipos, algumas modificações estritamente jurídicas e outras têm uma
base física.
Há um regime geral, que não surpreende. Uma vez que foi constituía a propriedade
horizontal, parece claro que a modificação do regime que estrutura essa propriedade careceria
do acordo de todos os condomínios.
As deliberações não são tomadas, em regra, por unanimidade, a unanimidade é
excepcional. A regra é de que a deliberação é pela maioria do capital investido, ou seja, somar
o valor relativo de cada fração e perceber se a deliberação é tomada por uma maioria desse
capital, artigo 1432º nº3. Embora se preveja também, no número seguinte deste artigo, que,
se não houver o número de condomínios suficientes, convoca-se nova reunião para uma semana
depois, se outra data não tiver sido fixada, na mesma hora e local, podendo neste caso a
assembleia deliberar por maioria de votos dos condomínios presentes desde que representem
pelo menos 1/4 do valor total do prédio. Portanto, a regra é de que:

-em primeira convocatória é necessário a maioria do capital investido;

-em segunda convocatória, a deliberação pode ser tomada com o voto dos condóminos
presentes que representem 1/4 do valor total do prédio.

Contudo, se estivermos a falar numa modificação do título constitutivo, diz a lei, no


artigo 1419º que é necessária a unanimidade. Sendo certo que a lei determina, no artigo
1432º nº5 que, quando seja necessário tomar deliberação por unanimidade, essa não
significa que todos têm de estar presentes e aprovar a deliberação, a lei diz decisão que
pode ser aprovada por unanimidade dos condóminos presentes desde que sejam 2/3 do
capital investido, embora depois seja preciso que os demais (os que não estiveram
presentes) aprovem a deliberação.
Não significa que os demais tenham de se pronunciar em sentido favorável a essa
deliberação. No nº6 diz-se que as deliberações são comunicadas aos não presentes e nº8
acrescenta que, se eles não se pronunciarem, então essa atitude é tomada pela lei como
aprovação da deliberação.

Depende sempre a modificação do título constitutivo de unanimidade? Não, desde


logo o nº1 do artigo 1419º ressalva o disposto no artigo 1422º-A nº3, que diz que a divisão de
frações em novas frações autónomas não é permitida, exceto se houver alteração do título
constitutivo ou se a assembleia de condóminos aprovar sem qualquer oposição. Pode haver
divisão de frações em novas frações autónomas se a assembleia de condóminos aprovar essa
divisão sem oposição.
Isto significa uma modificação do título constitutivo, porque nele está a
especificação das frações que existem e agora vão surgir novas frações a especificar.
Aprovada sem oposição é o mesmo do que aprovação unanime? Não, também na
assembleia de condóminos há abstenção
Falamos de vários tipos de maioria para deliberar. Além do que fala do nº3 do artigo
1423 A há outras alterações do título constitutivo que não obedeçam a unanimidade? Há.
O artigo 1422º nº2 b) diz que condomínios não podem praticar atos/atividades
proibidos no titulo constitutivo ou depois por deliberação da assembleia de condóminos
aprovados sem oposição. Neste caso também não há unanimidade, e há alteração do título
constitutivo, mais um exemplo em que não há referência à unanimidade.
O próprio artigo 1422º-A nº1 diz que se juntar a fração A e B que me pertencem,
implica modificação do título constitutivo porque implica com as especificações lá referidas, a lei
diz que não é preciso autorização dos restantes condomínios. Modificação do título constitutivo
por iniciativa exclusiva do proprietário das frações.

Os exemplos podiam repetir-se.

Administração

Falemos de administração das partes comuns do edifício. É assim que abre a secção IV,
que no artigo 1430º, estabelece que a administração compete à assembleia e ao
administrador.

Será possível uma assembleia de condóminos deliberar sobre o uso que se faça de fração
autónoma? Exemplo: pode deliberar que não é permitido haver cães nas casas do edifício? Se
falo de uso da fração (ter um cão numa fração), estou a dizer que a assembleia está a tomar
uma iniciativa que diz respeito não a parte comum, mas a fração autónoma, e essa deliberação
não pode deixar de ser inválida.

É deliberação que em bom rigor não deve ser apenas anulável, porque as deliberações
da assembleia de condomínios que são contrárias a lei são anuláveis como resulta do
artigo 1433º, mas as que incidam sobre as frações autónomas e não sobre as partes
comuns, são nulas. Caso contrario, poderia haver convalidação da deliberação anulável, seja
por decurso do tempo, isto é não foi arguida a anulabilidade durante período em que podia ter
sido feito, seja porque houve confirmação do ato.

Não quer isto dizer que não se possa ter uma regra sobre os usos na propriedade
horizontal mas esta regra tem de constar do título constitutivo. Pode haver
regulamentação do uso das frações autónomas, impedindo ao condómino uma certa
utilização, mas essa limitação tem de constar sempre do título constitutivo artigo 1418º
nº2, al b).
Então, no fundo, isso é permitir que os condóminos possam intervir na utilização
das frações? A verdade é que este regulamento, que pode disciplinar o uso das frações
autónomas, está no título constitutivo. Logo, está ab initio, ou seja, a propriedade horizontal
começou assim. Se eventualmente, os condóminos quiserem alterar o titulo constitutivo para
introduzir no regulamento uma proibição como esta, essa deliberação é de modificação do título
constitutivo, e obedece à regra da unanimidade. Sendo uma modificação por unanimidade, o
título pode ser alterado e o regulamento passar a disciplinar de forma diferente o uso das
frações autónomas.

O regulamento do artigo 1418º está na escritura pública, daí a lei dizer que pode
disciplinar o uso das partes comuns e das frações autónomas. Já o artigo 1429º-A diz que o
regulamento só pode disciplinar uso, fruição e conservação das partes comuns, o que
significa que está confirmada a ideia que a assembleia de condomínios pode deliberar pela regra
da maioria do capital investido quanto as partes comuns, mas não quanto as frações autónomas,
a não ser que seja para alterar titulo constitutivo (aí a regra tem de ser da unanimidade).
Usufruto

É um direito real autónomo com características próprias.

a. Gozo de coisa ou direito alheio: É um direito menor, ou seja, pressupõe a existência


da propriedade sobre uma coisa corpórea ou a titularidade de um direito em esfera
jurídica alheia, é um direito sobre uma coisa ou sobre outro direito que pertencem a
pessoa diversa

b. Natureza temporária: O direito de usufruto pode ser constituído em benefício de


pessoas singulares ou colectivas, mas em qualquer dos casos é sempre um direito de
natureza temporária:

 for constituído em beneficio de pessoa singular, não pode exceder a vida


do usufrutuário

 se for em beneficio de pessoa colectiva, não pode exceder 30 anos, artigo


1443º.

c. Tem alcance pleno. O problema do gozo pleno, é que há autores, como o professor José
Alberto Vieira, que entendem que, como a lei diz que o usufruto é direito de gozo pleno,
não é possível restringir as faculdades que o usufrutuário tem, ou seja, não seria possível
dizer que a fruição seria limitada ou não existiria mesmo de todo. Qualquer diminuição
dos poderes que o usufrutuário tem de uso/fruição/transformação seria inválida em
razão do princípio da tipicidade. Henrique Antunes discorda. Apesar do professor José
Alberto Vieira admitir que, com alcance obrigacional, a diminuição possa existir o que
estamos a falar aqui é da alteração com efeito real, Henrique Antunes diz que o que a lei
quer é impedir que possa haver afetação dessas faculdades sem o concurso da
vontade do usufrutuário. Mas isto não será uma imposição do direito, apenas uma
faculdade que pode depois ser modelada pelos interessados. Ou seja, quando a lei fala em
plenitude não quer dizer que o usufruto tenha de ser necessariamente pleno, trata-se de
permitir, com o concurso da vontade do usufrutuário, definir em termos
concretos, qual o alcance dessa plenitude.

Quando José Alberto Vieira fala de tipicidade, Henrique Antunes considera que está a
dar-lhe um instrumento para poder defender coisa diversa. Repara-se, o princípio da
tipicidade foi consagrado à luz do direito de propriedade, a ideia é que não podemos
restringir o direito de propriedade se não nos termos em que a lei o prevê. Quando
estou a diminuir o direito de usufruto o que estou a fazer é a alargar o direito de
propriedade86. Se não houver convenção das partes a limitar a plenitude do usufruto,
então o uso e fruição pertenceriam de forma plena a um usufrutuário. O proprietário
conservaria na sua esfera jurídica apenas o direito de propriedade, mas sem
qualquer poder material sobre a coisa. Na verdade, se admitirmos que pode haver
convenção entre usufrutuário e proprietário para reservar parte dos frutos, por exemplo
86
Não esquecer que o direito de usufruto é um direito menor e, por isso convive sempre com o direito de
propriedade. Quando está a onerar o direito de propriedade passa a designar-se direito de nua propriedade.
ao usufrutuário estou a alargar o direito de propriedade, e não se fere o principio da
tipicidade (que pretende proteger o direito de propriedade).

Esta é também a opinião do professor Carvalho Fernandes. Contudo, o professor


Carvalho Fernades chama a atenção para algo importante: admite-se que seja possível
constituir usufruto com uma afetação de parte das faculdades do usufrutuário em
benefício do usufrutuário, porém, não se pode com isto estar a defraudar o regime
jurídico, ou seja, não se pode prosseguir um fim diferente do direito de usufruto,
submetendo esse objetivo ao regime do usufruto. Exemplo: Vamos supor que
proprietário e usufrutuário acordaram em restringir a fruição do usufrutuário, e essa
restrição é tão grande, que corresponde, em bom rigor, apenas às suas necessidades e às
necessidades da sua família (ele ficou apenas com 60% da fruição). Ora, se se chegar à
conclusão que os 60% que ele tem de fruição não são mais que aquilo que é necessário
para o usufrutuário e família vivam de forma digna, então no fundo estão a chamar
usufruto a uma realidade que a lei chama de direito de uso. No direito de uso, como
iremos ver nas páginas seguintes deste caderno permite-se usar e fruir na medida das
necessidades do titular e da sua família. E isto é mais do que um problema puramente
conceptual, é relevante porque o regime do direito de usufruto é diferente do direito de
uso: O direito de usufruto é um direito transmissível, posso alienar o direito de
usufruto, onera-lo, mas o usuário já não pode fazer isso. Se eu estivesse a chamar
usufruto a isto, quando na realidade o que as partes definiram foi um direito de uso,
estaria a permitir a transmissibilidade de um direito que a lei não permite.

d. Respeito pela forma/substância. O usufruto não pode alterar a forma ou


substância da coisa ou direito alheio. Temos uma determinada orientação que
procura distinguir os conceitos dizendo que quando estamos a falar em forma, falamos
do destino económico da coisa ou do direito87. A substância é quase intuível,
substância é a materialidade da coisa. Se for por exemplo um edifício, José Alberto Vieira
diz que a forma é já o destino económico da coisa, usufrutuário não pode destruir
prédios ou alterar o destino da coisa, a fração que era para habitação não pode agora ser
para comércio. Esta referência não é ausente da lei, está no artigo 1446º a respeito
do uso, fruição e administração do direito. Também o artigo 1450º distingue
forma, substância e destino económico.

Olhando para estas duas normas posso perceber que há aqui alguma coisa que não bate
certo. O professor Alberto Vieira diz que o destino económico é a expressão da forma do
artigo 1439º mas a verdade é que o artigo 1439º não fala em destino económico mas
apenas em forma e o 1450º já vem distinguir forma e destino económico. Além de que o
artigo 1446º vem na sequência de uma outra norma, é uma norma supletiva. Diz que é
o título constitutivo do usufruto que regula direitos do usufrutuário, e só na insuficiência
deste se aplicam essas disposições. É uma norma supletiva e assim estaríamos a usar o
que resulta de norma supletiva para caracterizar o tipo (que tem de ser uma norma
imperativa).

Henrique Antunes diz que forma não é destino económico, o destino económico é
supletivo, ou seja, posso acordar com o proprietário que a coisa tem destino
económico diferente. Acrescenta Henrique Antunes que, se percorrermos o regime do

87 Posição seguida pelo prof. José Alberto Vieira


usufruto, encontramos normas que dizem que o usufruto se mantem apesar do destino
económico se alterar.

i) Artigo 1478º nº2, que tem como epígrafe “perda parcial”, o nº2 diz que o
disposto no numero anterior (a ideia de que usufruto continua) é
aplicável quando a coisa se transforma noutra, que ainda tenha valor,
embora com finalidade distinta. Portanto, vamos supor que o usufruto
era sobre uma manada de vacas. As vacas morreram, podemos aproveitar
para vender a carne, fazer produtos de cabedal, etc. O usufruto mantem-
se? Diríamos então (como o prof. Alberto Vieira) que, se o destino
económico é uma característica do tipo, então o direito de usufruto
extinguir-se-ia com a morte das vacas. No então, a lei vem dizer que se a
coisa se transforma noutra com valor, embora finalidade distinta, o
usufruto continua.
ii) Artigo 1479º. Se o usufruto for em prédio urbano e ele se destrói, tem o
usufrutuário direito a desfrutar o solo e os materiais restantes. Aqui já
não está em causa o destino económico do prédio urbano mas o destino
económico dos materiais e do solo.

Segundo Henrique Antunes, o que a lei pretende é que a substância seja mantida, ou
seja, que a materialidade da coisa seja mantida. O que se pretende é que o objecto, tal
como ele existe no momento em que se constitui o usufruto, seja mantido. Henrique
Antunes diz que forma e substancia não são coisas diversas. O legislador utiliza,
portanto, ambos porque o usufruto pode ter objeto duplo, pode ser coisa corpórea ou
um direito. Aliás, tendo por objeto um direito, o que acontece é que não estamos
verdadeiramente perante um direito real, mas apenas perante um direito de crédito. A
lei fala de coisa ou direito, daí, segundo Henrique Antunes, a lei falar de forma ou
substância, falamos de contornos do objeto, a forma refere-se à coisa, e a substância
ao direito, contrariando Menezes Cordeiro que pretende ver no artigo 1439º apenas
destino económico88.

Sabemos que o direito de usufruto é um direito transmissível. Então se A é


proprietário, constitui usufruto em favor de B e B transmite o direito de usufruto a C. C morre, B
ainda está vivo. O que acontece ao usufruto? Há três soluções possíveis:

1. Haveria reversão, ou seja, havia regresso do usufruto ao B.

2. O direito de usufruto extingue-se, ou seja, o usufruto termina e portanto, o direito de


propriedade expande-se (readquire a sua forma original). Carvalho Fernandes adere a
esta tese, argumentos:

a. Diz que a lei admite que o direito se extingue quando morre o usufrutuário.
Quando o usufruto é transmitido só temos um usufrutuário que é C, e portanto,
como a lei diz que o usufruto se extingue com a morte do usufrutuário, com a
morte de C, o direito de usufruto extingue-se e o direito de propriedade expande-
se.

88 que, como já vimos, para o prof. Henrique Antunes trata-se apenas de uma realidade supletiva
b. A lei prevê ainda, no artigo 1444º nº2 que quando há trespasse de usufruto a
terceiro, o usufrutuário responde pelos danos que as coisas padecerem por culpa
da pessoa que o substituir. Ou seja, se B transmitiu o usufruto ao C, o B responde
conjuntamente com C pelos danos que C venha a causar na coisa que é
propriedade de A.

Carvalho Fernandes diz que não é razoável que B viesse a responder pelos danos
causados por D, E e F na coisa (herdeiros de C) se admitíssemos a tese de que há
transmissão do usufruto para herdeiros. (3.)

3. Direito de usufruto transmite-se aos herdeiros de C (supomos que seria D, E e F).


Henrique Antunes adopta esta, seguindo a orientação de Pires de Lima e Oliveira
Ascensão. Resposta do professor Henrique Antunes aos argumentos de Carvalho
Fernandes:

a. Quando há transmissão do usufruto de B para C será legítimo o proprietário


dizer que espera que o seu direito readquira a forma inicial, que espera que o seu
direito se vá expandir? Não, porque o A admitiu constituir o direito usufruto,
onerar o seu direito de propriedade em benefício de B, com as características de
B. B ainda está vivo, não morreu. Logo A não pode esperar mais do que aquilo
que ele próprio já se sujeitou, A sujeitou-se a ver o seu direito de propriedade
onerado enquanto a vida de B permanecer. A ideia de que seria razoável que este
direito se extinguisse, expandindo o direito de A, e que haveria aqui alguma
legitimidade fundada no facto de que o usufruto se extingue com a morte o
usufrutuário tem de ser analisada com cautela. É verdade que se extingue com
a morte do usufrutuário mas o usufrutuário a que a lei se refere não é
aquele a quem o usufruto tenha sido transmitido mas sim o usufrutuário
que foi escolhido pelo próprio proprietário, com as características que ele
tem89.

b. A ideia do artigo 1444º nº2 é proteger o A (e não o B), e portanto, o direito até
podia ser retransmitido, se C retransmitisse o direito de usufruto a D, por
exemplo, e B teria de continuar a responder conjuntamente pelos danos. Logo, a
solução razoável para Henrique Antunes é a da transmissão sucessória.

Sobre constituição e extinção não há nada de novo a dizer. Não vamos falar dos modos
de aquisição, e extinção do usufruto porque já estudámos na teoria geral dos direitos reais.

No usufruto a única coisa nova agora é a questão do mau uso. Uma das obrigações que o
usufrutuário tem é a de administrar a coisa que tem, a coisa que lhe foi entregue vai ter de se
manter com os contornos com que lhe foi entregue e portanto, ele vai ter de atuar de forma que
a coisa se mantenha, artigo 1472º e artigo 1473º. Tem um conjunto de deveres que se
destinam a que, no final do usufruto, a coisa que vá ser restituída ao proprietário seja a coisa que

89
Se B tem 20 e C tem 90, e se ao fim de 2 ano C morre, a solução do prof. CF será a que o direito de
propriedade expande-se, readquire a sua forma inicial.
Mas A constitui o usufruto em favor de B que tem 20 anos e é isso que tem de ser visto, de acordo com HSA.
foi entregue, sem prejuízo que o usufruto também possa ter como objecto coisas deterioráveis e
coisas consumíveis, como veremos.

Se o usufrutuário deu mau uso à coisa, não fez despesas necessárias para que a coisa se
conservasse em bom estado. O mau uso não é uma forma de extinção do usufruto. É uma
razão para se tomarem providências, mas não é forma de extinção do usufruto.
Henrique Antunes discorda que não seja nunca uma forma de extinção. Também é
essa a orientação do professor José Alberto Vieira. Não será forma de extinção quando não foi
feita, por exemplo, a administração correta, mas apenas quando falamos de situações em que há
a violação do tipo. Exemplo: usufrutuário partiu/destruiu parte do edifício. Em vez de ter
edifício de dois andares, queria um edifício plano, alterou forma da coisa e já sabemos que
usufrutuário não pode alterar forma da coisa. Isto é mau uso. A solução aqui deve ser apenas a
do artigo 1482º, em que se pressupõe a manutenção do usufruto ou deve ser a extinção do
usufruto? Henrique Antunes diz que a lista de causas de extinção do usufruto não é exaustiva, e
se se altera da forma da coisa ou a substanciado direito então está a alterar-se o tipo e há mau
uso. Mau uso este que é forma de extinção de usufruto para Henrique Antunes.
Direitos de Uso e da Habitação

Hoje em dia estes direitos têm muita relevância por serem direitos pelos quais se
tutelam, por via de regra, os casados ou unidos de facto aquando de separação. Não são direito
que tenham apenas uma sobrevivência histórica, são direitos que são impostos pela lei em
benefício de determinados interesses muitas vezes, como é este caso das separações, tendo por
isso uma grande actualidade.

Podemos caracterizar os direitos de uso e de habitação por confronto com o direito de


usufruto, aliás é o próprio legislador que nós da indicação para tal fazermos, o artigo 1485º
manda aplicar aos direitos de uso e habitação no que diz respeito à constituição, à extinção e ao
regime as normas relativas ao usufruto embora fazendo aí ressalvas, designadamente uma
ressalva ao disposto na b) do artigo 1293º, segue o mesma orientação o disposto no artigo
1490º.
O que resulta destas duas normas é que os direitos de uso e habitação são direitos que
acompanham o direito de usufruto embora se distingam dos destes.
Estes direitos apesar de serem muito juntos, devem ser tratados de forma autónoma,
uma coisa é o direito de uso, outra é o de habitação. Sendo certo no entanto que o artigo 1484º
dá a noção e da noção se vê que o direito de habitação resulta do direito de uso aplicado a casas
de morada, no fundo a distinção entre os dois é o objecto sobre o qual versa o direito de
uso.

Traços que distinguem os direitos de uso e de habitação dos direitos


de usufruto

Os traços que distinguem são em primeiro lugar o facto de o direito de usufruto poder
beneficiar tanto pessoas físicas como colectivas, os direitos de uso e de habitação, por sua
própria natureza, só podem beneficiar pessoas físicas. Isto porque, como resulta da lei, estes
direitos são direitos de conteúdo limitado, definidos pelas necessidades do titular e da sua
família. Quando olhámos para o artigo 1486º, na conjugação com o 1484º percebemos que de
facto estamos perante um universo restringindo desde logo porque a lei nesses artigos se reger à
família do titular e depois diz-nos a lei que os direitos são em função das necessidades pessoais
do usuário fixadas segundo a sua condição social. Estas duas características são obviamente
características que só podem ter as pessoas físicas, estando por isto aqui o argumento de
estes direitos não se aplicarem às colectivas.90

O usufruto é um direito real de gozo pleno, confere a plenitude de gozo ao seu titular.
Nos direitos de uso e de habitação, além do uso está incluída a faculdade de fruir, no entanto o
que é certo é que de modo nenhum os poderes atribuídos pelo uso e habitação são tão amplos
como os que são atribuídos aos direitos de usufruto, e isto resulta do artigo 1484º e também

90 As pessoas colectivas não têm família nem necessidades fixadas pela condição social, como é lógico.
um pouco do 1486º, norma da qual parece resultar que os direitos terão conteúdos diferentes
consoante a classe social da pessoa que sejam titular. No fundo há uma ideia de limite de
necessidade destes artigos.
Contudo, para o Professor Henrique Sousa Antunes, esta “condição social” do artigo
1486º não pode ser interpretada se não como um limiar mínimo, isto é, a imposição de que do
direito de uso e habitação tem de resultar condições que tornem a vida do titular dignas. A partir
daí, o direito ser melhor, isto é, beneficiar uma pessoa de classes social mais baixa, não afectará a
validade dos direitos de uso e habitação. O Professor Henrique defende isto por força do
Princípio Constitucional da Igualdade, se assim não fosse as classes sociais inferiores seriam
sempre prejudicadas face às outras superiores no que toca a este tipo de direitos.

Os direito de uso e de habitação são intransmissíveis, para além daquilo que resulta das
aplicações das regras do usufruto que se aplicam aqui, que nos dizem que o direito não é
transmissível mortis causa, também temos ainda nos direitos de uso e habitação o artigo 1488º
que diz que estes são intransmissíveis inter vivos.

Em suma podemos apontar 4 grandes diferenças entre o direito de habitação e de


uso e o direito de usufruto apesar de estarem estes algo ligados:

1ª Os direitos de uso e habitação só beneficiam pessoas físicas

2ª Direitos de uso e de habitação são direitos de gozo limitados ao contrário do que


acontece no usufruto que é pleno embora não seja exclusivo

3ª Os direitos de uso e habitação não são adquiríveis por usucapião, 1293º

4ª Os direitos de uso e habitação não são transmissíveis


Direito de Superfície

Em bom rigor aqui temos de ver três “momentos” essenciais: a questão do objecto do
direito, uma referência aos direitos obrigações das partes91, e as especificidades das vicissitudes
do direito de superfícies.

O direito de superfície só foi recebido no direito português por volta do ano 1948, apesar
de ser um direito do tempo do Direito Romano. Foi instaurado no ordenamento português com
fim de beneficiar o Estado (e das autarquias locais e demais pessoas colectivas de utilidade
pública administrativa) em relação a terrenos privados. Assim quando vem a ser regulado ao
tempo no direito português tem um alcance limitado. No entanto o direito de superfície tornou-
se mais lato com o Código Civil de 1946, sendo desde então um direito que é tratado como um
direito real de gozo de alcance geral, não apenas beneficiando entidades colectivas públicas
mas qualquer entidade colectiva ou física que esteja interessada na constituição de direito de
superfície.

Questão do Objecto do Direito de Superfície

Temos aqui várias dimensões que importam considerar. Em primeiro lugar podemos
dizer que o direito de superfície pode consistir na faculdade de construir uma obra sendo que
essa pode ser feita em terreno alheio ou em edifício alheio.
O artigo 1524º dá uma noção de direito de superfície. Pela leitura deste artigo vamos
encontrar o objecto, construir uma obra em terreno alheio. No entanto isto não esgota toda a
dimensão do direito de superfície. Do 1524º conseguimos retirar também que o direito de
superfície é um direito real menor, pois pressupõe sempre uma propriedade (alheia), não
é por isso um direito exclusivo. É verdade é que o titular do direito de superfície vai ter os
poderes próprios de um verdadeiro proprietário sobre a obra, vai poder usar fruir e dispor da
coisa que é objecto do seu direito tal com um proprietário pode fazer. No entanto o direito de
superfície não deixa de ser um direito menor pois tem sempre de nascer num direito de
propriedade sobre um terreno. 92
Extrai-se ainda do preceito referido que o direito de superfície pode ser perpétuo ou
temporário.
Porém, vemos no artigo 1526º que a obra não se limita a precisar de estar num terreno
alheio, pode tratar-se de construção feita em edifício alheio93. Esta construção pode ser feita na
lógica do direito de superfície como resulta do 1526º.94
Por outro lado diz o 1524º que o direito de superfície consiste ainda na faculdade de
plantar. Aqui já estaremos a falar necessariamente da existência de um terreno alheio. Para
Henrique Antunes, aqui cabem apenas as plantações com carácter mais durador, como as

91 Isto é entre o fundeiro e o superficiário. Sendo o primeiro o proprietário do terreno e o segundo o


proprietário do implante que foi feito nesse mesmo solo.
92
Não tem de ser sempre sobre um terreno como iremos já ver.
93
Por exemplo, já existe um edifício e acrescenta-se mais um andar.
94
No entanto ao fazer isto é preciso seguir as restrições da propriedade horizontal. Ver artigo 1415º. No fundo
a construção tem de ser independente, distinta e isolada.
árvores, sendo que sobre plantas que vivem pouco já não se poderia constituir direito de
superfície.
Mas o objecto do direito de superfície não se esgota aqui. É ainda objecto deste direito,
como resulta ainda do 1524º, manter plantações ou uma obra. Temos por isso o objecto de
manter ainda. Manter sugere desde logo que a obra ou a plantação já existem no terreno alheio.
Aqui cabem os casos em que já existe uma coisa num terreno e uma pessoa se torna
posteriormente superficiário dessa coisa que já existe. Exemplo: Eu tenho uma quinta com um
laranjal e vendo o direito de superfície sobre as laranjeiras ao Gonçalo. O Gonçalo passará a ser
superficiário dessas laranjeiras, não terá em bom rigor a faculdade de construir nem plantar,
mas poderá manter as plantações.
É por isso comum aos autores de direitos reais falarem em um direito com dois
momentos: o momento de construir e o momento de manter. Temos no primeiro os casos em
que se vende o direito de superfície, sendo que depois se poderá construir e depois manter-se
o que se construiu enquanto tal direito se manter, assim temos aqui os dois momentos falados.95
É perfeitamente possível termos direitos de superfície só com o segundo momento como visto
no caso das laranjeiras.

Há um outro objecto no direito de superfície: a faculdade de manter ou de construir uma


obra sob solo alheio. O Código Civl na sua versão original não admitia esta possibilidade de
construir uma obra sob solo alheio, apenas permitia o direito de superfície a obras sobre solo,
desde de 1991 já não é assim, sendo hoje em dia possível o direito de superfície sob solo alheio.

Em suma, temos como objectos do direito de superfície:


-faculdade construir uma obra sob ou sobre terreno alheio
-faculdade de fazer uma plantação em terreno alheio
-faculdade de manter uma obra ou plantação sobre ou sob terreno alheio
-faculdade de construir ou manter uma obra sobre ou sob solo alheio
A estas quatro dimensões do direito de superfície que já vimos chamamos as dimensões
centrais.

Há mais uma dimensão do objecto do direito de superfície, mas que não se apresentam
normalmente como sendo uma dimensão “central”, pois diz respeito aos objectos acessórios
do direito de superfície. Nestes casos temos o artigo 1529º, esta norma no fundo vem
estabelecer uma servidão: o solo está onerado pelas condições necessárias para a utilização do
edifício, nomeadamente, será preciso passar pelo solo96 para chegar ao edifício por exemplo,
quando se constitui um direito de superfície é necessário constituir também as servidões
necessárias.
Este artigo prevê uma oneração imposta num prédio pela própria lei, isto é, o título
constitutivo desta oneração é a lei, é a lei que diz que quando se constitui o direito de
superfície terá de ser constituída uma servidão. Temos aqui uma verdadeira e própria
servidão legal.97
Não nos ficamos por aqui no entanto no que diz respeito a estes “objectos acessórios” do
direito de superfície. Além das servidões temos o artigo 1525º que prevê que possa o direito de
superfície abranger uma parte do solo que não sendo necessária à sua implantação, tenha
utilidade para o uso da obra.

95 No fundo o primeiro momento é a construir e o segundo é gozar e usar a construção que se fez.
96
Literalmente é preciso andar em cima do solo até chegar à porta do edifício.
97
Veremos quando estudarmos as servidões prediais que as servidões legais não são definidas como sendo
servidões constituídas pela lei apesar da terminologia “servidões legais”. Daí estarmos aqui a ressalvar que
temos uma verdadeira e própria servidão legal.
Temos por isso aqui dois objectos acessórios que alargam em certa medida aquilo que à
primeira vista parecia ser o âmbito do direito de superfície.

Há ainda uma questão que tem sido tratada mais do ponto de vista teórico do que prático
no que diz respeito ao direito de superfície. Na prática, construir um edifício sobre terreno
alheio permite colocar no mercado habitações a preço mais baixo, porque em vez de se comprar
o terreno todo compra-se apenas o direito de superfície. Isto aconteceu muito na zona de
Telheiras em Lisboa. Quando tal acontece, na prática também acontece muito que se queira
depois constituir propriedade horizontal sobre os edifícios para que depois se possa alienar as
fracções autónomas do edifício98.
O problema que se coloca mais na teoria é se saber se se pode constituir propriedade
horizontal sobre um edifício que está sobre terreno alheio, que está em superfície. Isto levanta
problemas desde logo porque se é um edifício implantado em solo alheio isto parece não ser
conjugável com o que resulta do regime da propriedade horizontal em que se diz que o solo é
uma parte necessariamente comum. Neste caso não poderá haver compropriedade99 do solo
porque a propriedade do solo não pertence a quem vendeu o edifício (dono do edifico
implantado) não poderá por isso o dono do edifício implantado vender uma coisa que não é sua
(o solo). Se pensarmos nos casos em que temos um edifício que não esteja sobre o regime do
direito de superfície100, em que sejam constituídas fracções autónomas o terreno em que está
esse edifício será sempre parte comum dos condóminos, para que se faça algo no terreno será
preciso que tal seja aprovado e passe pela Assembleia dos Condóminos. Não se mete aqui este
problema. O que a doutrina tem entendido é que quando a lei fala de parte necessariamente
comum no regime da propriedade horizontal não fala necessariamente de compropriedade:
pode ser que os condóminos sejam superficiários relativamente ao solo e portanto não ser
comproprietários do solo, são no fundo “consuperficiários”.
Ao contrário desta doutrina, Henrique Sousa Antunes defende que se considera que
temos “consuperficiários” temos de aplicar o artigo 1533º, e o uso e a fruição do subsolo
pertencem ao proprietário do solo. Isto é para Henrique Antunes incompatível, porque
quando a lei estabelece partes comuns no regime de propriedade horizontal fá-lo para evitar que
a decisão sobre essas partes sejam aprisionada por alguém que não pertença à comunhão dos
condóminos, e pelo 1533º vemos que os condóminos não poderiam nestes casos fazer
absolutamente nada em relação ao subsolo pois este ainda pertence ao fundeiro101. Para
Henrique Antunes deveria haver aqui um alteração legislativa que permitisse atribuir aos
condóminos de um edifício em direito de superfície o poder de decidir sobre o subsolo, ao
contrário do que acontece no 1533º.

98
Se tal não fosse o que se podia vender num prédio eram quotas, e ao vender quotas estar-se-ia a entrar
numa situação de compropriedade, o que afastaria compradores por tudo o que a compropriedade implica.
99
Entre as pessoas que detém a titularidade da propriedade das várias fracções autónomas do prédio.
100
O dono do edifício e do terreno é a mesma pessoa.
101
O fundeiro é o dono do solo em que é constituído direito de superfície.
Obrigações das Partes

A constituição de um direito de superfície pode requerer que quem o adquire o adquira


por pagamento de um preço, isto resulta do 1530º. É preciso também ter presente que, se esse
preço não for pago tal não determina a inversão do título da posse, não é pelo facto de um
superficiário deixar de pagar que a partir do incumprimento se torna possuidor.

Temos depois a questão da fruição do solo antes do início da obra, artigo 1532º, até a
obra ser construída, diz o artigo mencionado que o solo pode ser fruído e usado pelo seu
proprietário.

O subsolo pode ser também usado e fruído pelo proprietário, como acabámos aliás de
ver no 1533º, pelo proprietário mesmo depois a obra estar implantada ou a árvore plantada.

Estas normas têm no intento de ser lidas de forma actualista, pois como vimos, em 1991
numa revisão ao Código Civil o direito de superfície passou a ter como objecto também a
possibilidade de implantar obra no subsolo, hipótese que não parece estar incluída ao ler artigos
como 1533º, e do 1532º que parece pressupor que a obra será implantada sobre o solo e não
sob o solo, temos de ler esta norma do 1532º no sentido de permitir o uso e a fruição do
subsolo antes da construção da obra, o mesmo acontece no 1533º onde caso a obra seja
construída sob o solo devemos ler como se tivéssemos a tratar do solo, ou seja, que o 1533º
nesses caso de direito de superfície no subsolo permite é o uso e a fruição do solo.102

Quanto à transmissibilidade dos direitos, isto é a transmissibilidade do direito de


superfície e do fundeiro, podem os direitos ser alienados. Isto quer inter vivos quer mortis causa,
como resulta do 1534º.

Há ainda um direito de preferência envolvido nos direitos de superfície, que segundo o


artigo 1535º assiste ao fundeiro na alienação da superfície.

Vicissitudes do Direito de Superfície 103

O não uso não está previsto como uma forma de extinção do direito de superfície, apesar
disso é uma das formas de extinção do direito de superfície porque o artigo 298º nº3 enumera
direitos reais pelos quais é possível haver extinção por não uso nos caso especificados na lei.
Este artigo quer por isso dizer que para o direito de superfície104 basta haver uma norma que
permita que este se extinga pelo não uso e que o objectivo dessa norma fosse indicar o prazo
para a extinção por não uso, o prazo é normalmente de 20 anos, logo não é necessário que para
direito como o de superfície haja uma norma que faça a indicação explicada, logo o direito de
superfície pode se extinguir por não uso por 20 anos pois apesar do silêncio da lei, deve

102
No fundo o 1533º é lido de forma actualista como se fosse “fruição do solo” em que se lê, na forma
actualista: “O uso e a fruição do solo pertencem ao proprietário; este é, porém, responsável pelo prejuízo
causado ao superficiário em consequência da exploração eu dele fizer.”
103
Ver matéria das vicissitudes dos direitos reais, aqui vamos só dizer algumas coisas específicas.
104
E para os outros direitos reais menores.
fazer-se a aplicação analógica do prazo de 20 anos consagrado para todos os outros direitos
reais menores que se extinguem pelo não uso.

Outra forma de extinção é a renúncia. A renúncia é uma forma de extinção, como já


vimos, do direito de propriedade sobre coisas imóveis, apesar da lei não o dizer, no entender do
professor Henrique Antunes, sendo que nesses casos a coisa renunciada passa a integrar o
património do Estado. Se isto é assim, por coerência, o Professor Henrique Antunes defende
também que a renúncia seja forma de extinção do direito de superfície dado este ser um direito
real menor e o facto de existir o princípio da tipicidade.105

Quando decorre o prazo de duração do direito de superfície o mesmo extingue-se,


caduca, e quando tal acontece o proprietário do solo (fundeiro) adquire a propriedade das
implantações, mas sem prejuízo de que se apliquem as regras de enriquecimento sem causa, isto
é o que resulta do artigo 1538º.
Coisa diferente acontece quando o direito de superfície se extingue por uma causa
diversa do decurso do prazo pelo qual foi constituído, ou seja, quando o direito de superfície se
extingue antes do prazo estipulado para o seu fim, como é o caso se alguém renunciar a um
direito de superfície ou nos casos em que o direito se extingue por uma das razões do 1536º.
Nestes casos aplica-se o 1541º, e os direitos reais constituídos sobre a implantação
continuam a onerar as duas parcelas separadamente. Assim, se tiver sido constituída
propriedade horizontal sobre um prédio essa propriedade continuará a onerar o prédio mesmo
que o direito de superfície tenha desaparecido. O proprietário do solo não receberá nestes casos
por isso o direito de propriedade sobre o prédio, até que o prazo que tinha sido previsto acabe.

105
O professor invoca este princípio pois se se permitisse que não fosse possível renuncia estriar-se-ia a fugir a
tipicidade no sentido em que era permitido fazer algo que na lei não prevê.
Servidões Predias

Artigos 1543º e seguintes. Quando se fala de servidões prediais está se a querer falar
de uma transferência de utilidades de um prédio, em benefício de outro prédio, ou seja, estamos
a falar de um gozo que é efeito através de um prédio.
Não é possível estabelecer transferência de utilidades de um prédio para uma pessoa
procurando atribuir a essa transferência a natureza de direito real.

Ao abrigo da liberdade contratual, as partes podem estabelecer que em benefício de uma


pessoa, haja um aproveitamento de um prédio ou das utilidades de um prédio. Mas esse direito
será sempre um direito de natureza pessoal, será sempre um direito de crédito, não é possível
configura-lo como direito real. Ou seja, se as partes pretendem de facto dar a natureza de direito
real à transferência de utilidades de um prédio em benefício de uma pessoa por força do
princípio da tipicidade o que nós temos é um contrato que é nulo, sem prejuízo da conversão que
é possível fazer da parte final do 1306º nº1 num direito de natureza obrigacional.

Traços essenciais deste tipo

Artigo 1543º, está clara neste artigo a relação entre prédios, portanto quando falamos
de servidões prediais, estamos a falar de encargos impostos a um prédio, a benefício de outro
prédio. Quando se refere que os prédios têm de pertencer a donos diferentes. Se pertencerem ao
mesmo dono, não poderemos falar da constituição de uma servidão predial.

Qual o conteúdo da servidão predial? Será que esse encargo imposto num prédio
em benefício de outro prédio, sê-lo-á nos termos descritos pela lei. Isto é, o encargo que o 1543º
descreve é um encargo que aparece descrito na lei?

Nos artigos 1550º e seguintes vemos dois grandes grupos de encargos, as servidões de
passagem, que têm dois tipos: a passagem de um terreno para se conseguir chegar à via publica
e 1556º, a passagem que tem como propósito chegar à água para poder utiliza-la em gastos
domésticos e depois a partir do artigo 1557º encontramos as servidões de águas,
aproveitamento de aguas para gastos domésticos, agrícolas e industriais.

Uma coisa é certa no artigo 1544º, apesar de haverem estas várias servidões que
aparecem reguladas nos artigos 1550º e seguintes, é o próprio legislador no 1544º a dizer que
podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades.
Ora, isto permite formular uma característica essencial que consiste na atipicidade
do conteúdo.
Ou seja, o conteúdo não é típico, as partes apenas têm de criar uma servidão que revele
algum tipo de utilidade. Temos de verificar a existência de um proveito, agora esse
proveito/utilidade não tem de assumir nenhuma forma descrita na lei.
Essas que nem têm de ser utilidades presentes como retiramos do 1544º. Mas, enquanto
essas utilidades não surgirem (utilidades futuras) haverá contagem do prazo de não uso para
a extinção da servidão predial106

Exemplo: A e B celebram uma servidão predial, mediante da qual, o prédio de B se


aproveita da agua do prédio de A, para usar numa fonte ornamental desse mesmo prédio.

Portanto, a lei permite que havendo utilidade, mesmo que ela não aumente o valor do
prédio, mesmo que não tenha uma repercussão económica, seja suficiente para a validade da
constituição da servidão predial.

Artigo 1545º diz que as servidões não podem ser separadas dos prédios a que
pertencem, ativa ou passivamente, ou seja, não posso transmitir o direito da servidão para outro
prédio, e também esse encargo não pode ser transferido para outro prédio.
O que a lei fala é de uma separação jurídica, é consagrado aqui um princípio da
inseparabilidade jurídica. Não se pode separar juridicamente a servidão predial, seja pelo lado
activo ou pelo passivo, dos prédios a que pertence. Não é transmissível para outros prédios.

Mas, isto não significa que não possa haver uma separação material, discutiu-se o que é
que aconteceria às chamadas servidões de fruição. São servidões em que a utilidade consiste na
recolha material de utilidades do prédio serviente para essas utilidades serem utilizadas no
prédio dominante. Dir-se-á que como a lei fala de inseparabilidade que não seria possível retirar
essas utilidades do prédio serviente. Será que o principio da inseparabilidade impede que se
possa retirar as utilidades do prédio serviente e leva-las para serem usadas diretamente no
prédio dominante? Não. O que a lei refere é à separação jurídica, não à separação material.
Portanto, podemos ter uma servidão predial onde as utilidades são retiradas do prédio serviente
e levadas para o prédio dominante para serem gozadas por esse.

Artigo 1546º, Indivisibilidade das servidões. A servidão mantém-se apesar da divisão


dos prédios, e mantém-se exactamente com as mesmas características que tinha como quando
foi constituída. Isto é, se o prédio serviente for dividido (for parar a outras titularidades), se o
prédio dominante for dividido (for parar a outras titularidades), então a servidão predial
mantém-se nos mesmos termos que foi constituída. Olhando para estes vários traços podemos
dizer que a servidão predial se caracteriza por ser uma relação jurídica entre prédios,
mediante a qual um prédio fica sujeito a um encargo em beneficio de outro prédio. Os prédios
pertencem a donos diferentes. O conteúdo é atípico, as partes escolhem o conteúdo que querem
dar àquela servidão. As servidões são inseparáveis dos prédios a que pertencem. E as servidões
não são divisíveis, apesar da divisão dos prédios.

106
Professor Henrique Sousa Antunes . Essas utilidades nem têm de aumentar valor, podemos estar a falar de
benfeitorias voluptuárias.
Conteúdo das servidões

Mais específico no que diz respeito à forma de exercício. À semelhança do que nós
viemos a dizer a respeito do usufruto, e também por isso a respeito do uso e habitação. A lei
estabelece de uma forma clara no 1564º que: Compete às partes definir quais são os direitos e
obrigações emergentes da servidão, e só na insuficiência dessa estipulação é que a lei disporá.
Mas, parece que o artigo 1565º não pode ser entendido como uma norma supletiva. É uma
norma imperativa, as indicações legais que encontramos neste artigo não podem ser de natureza
supletiva, estamos a falar de juízos de proporcionalidade que estão relacionados com as
caracterizações das servidões prediais, e que, por isso, não podem ser tratados como
juízos supletivos.
Ao contrário do que acontece de facto, com as normas seguintes:1566º a 1568º. Destes
artigos conseguimos fazer algumas conclusões:

1) A lei permite que o proprietário do prédio dominante faça obras no prédio serviente.
Essas obras serão custeadas pelo proprietário do prédio dominante, embora
outro regime possa ser convencionado.

2) Do 1567º: podemos concluir que a lei reconheceu a existência da possibilidade de


uma renuncia liberatória do nº2. Temos nesse nº2 uma renúncia liberatória,
partindo daquele principio de que o proprietário do prédio serviente pode fazer
obras no prédio dominante, as despesas serão suas, se forem vários os prédios
dominantes então todos os proprietários devem contribuir, mas podem eximir-se do
encargo renunciando à servidão.

3) 1567º nº 4: Imaginando que as obras têm de ser custeadas pelo proprietário do


prédio serviente. Temos aqui uma outra forma de renúncia liberatória, aqui em
benefício do proprietário do prédio serviente. Daqui se extrai um princípio geral a
respeito da renúncia liberatória, que é uma forma de extinção dos direitos reais, mas
cujo objectivo é extinguir a obrigação real que existe. O que a lei diz é que quando a
pessoa formula essa vontade, quando renuncia, a sua obrigação extingue-se, e
associada a essa extinção, há uma proposta de transmissão do direito de propriedade
sobre o prédio serviente para o proprietário do prédio dominante. Eu com a renuncia
liberatória, extingo a obrigação e proponho ao proprietário do prédio dominante
ficar com a propriedade do prédio serviente. Mas, se o proprietário do prédio
dominante não aceitar a renuncia, não fica por isso dispensado de custear as obras. O
proprietário do prédio dominante pode recusar a proposta que lhe é feita de
transmissão de propriedade do prédio serviente, mas como o propósito da renuncia
liberatória é fazer extinguir a obrigação, então o proprietário do prédio dominante
vê na sua esfera jurídica o dever de pagar as obras, que até então eram obrigação do
proprietário do prédio serviente.

4) 1568º - Esta norma tem de ser conjugada com a característica da inseparabilidade. O


facto de se dizer que as servidões não podem ser separadas dos prédios a que
pertencem, não significa que não possa haver uma mudança de servidão nos termos
do 1568º isso pode ocorrer quando? O proprietário do prédio serviente pode
exigir para sítio diferente, demonstrando:
a. Que a mudança é conveniente
b. Não prejudica os interesses do proprietário do prédio dominante.

Essa mudança pode dar-se para sítio diferente do primitivamente assinado. Portanto
o titular do prédio serviente pode exigir a mudança da servidão de passagem de sul
para norte, mas pode até exigir a mudança para outro prédio. Associado a isto vem a
parte final do 1568º nº1, podemos chegar à conclusão que nos termos do nº1
porque o proprietário do prédio serviente veio demonstrar que a mudança lhe é
conveniente e não prejudica os interesses do proprietário do prédio dominante, pode
a servidão ser mudada para outro prédio. Nestes casos termos uma exceção à
inseparabilidade das servidões, aqui está a ser separada do prédio que pertence
passivamente para um outro prédio, mas apenas quando a mudança é conveniente
para o proprietário do prédio serviente e quando se prove que não há prejuízo para
os interesses do proprietário do prédio dominante. Esta mesma faculdade é atribuída
ao proprietário do prédio dominante nos termos do 1568º nº2.

Prevê se ainda que a servidão possa ser alterada quanto ao modo e tempo de
exercício, desde que se verifiquem os requisitos exigidos nos artigos anteriores –
1568º nº3 ( Aqui não estamos a afectar a inseparabilidade das servidões).

Classificações das servidões

Há normas das quais se podem extrair a existência de vários tipos de servidões prediais:

Servidões voluntárias vs Servidões Legais

1547º nº2 – Deste extraímos que: A servidão legal é uma servidão que pode ser
imposta, instituída de forma coativa, mesmo que não haja colaboração do proprietário do prédio
serviente.
Chamamos servidões legais, mas o título constitutivo não é a lei, o que estamos a
dizer é que a lei vai identificar os casos de servidões que podem ser constituídas sem o
concurso da vontade do proprietário do prédio serviente, mas o título constitutivo será ou
uma sentença judicial ou decisão administrativa. Exemplo: Prédio A e dentro desse o prédio B. O
prédio B está encravado, então é preciso arranjar alguma maneira do seu proprietário chegar à
via pública. A lei prevê a possibilidade de constituir uma servidão de passagem, que por sua vez
é uma servidão legal, artigo 1550º. Porque é prevista pela lei e pode ser imposta coativamente,
caso o proprietário do prédio serviente não colabore voluntariamente. As servidões legais têm
a especificidade clara da constituição, porque podem ser constituídas coactivamente se não
houver colaboração do proprietário do prédio serviente. Mas têm também especificidades a
respeito da extinção porque nos termos do 1569º nº2 e nº3, as servidões legais podem ser
declaradas extintas pelo tribunal, desde que se demonstre a desnecessidade dessas servidões.
Se se conseguir demonstrar que a servidão deixou de ser necessária para o prédio dominante a
consagração da servidão legal, e, por isso, podem ser declaradas extintas. Isto para as servidões
legais e constituídas por usucapião. O mesmo não se passa com as servidões voluntárias, para
estas a desnecessidade não é causa de extinção, pois houve uma participação da vontade
nessa mesma servidão.

1569º nº4: As servidões para aproveitamento de águas para gastos domésticos ou fins
agrícolas, quando o prédio dominante não tem agua para os gastos domésticos ou para os fins
agrícolas. Este artigo diz que aqui há uma outra forma de extinção que é particular das servidões
legais, e muito em especial é particular destas duas servidões legais.
Depois há a Remição, que traduz-se no facto do proprietário do prédio serviente
demonstrar ao tribunal que pretende fazer daquela água um aproveitamento que é justificado,
precisa daquela agua. Nesse caso pode a servidão legal extinguir-se por remição. Só pode ser
exigida decorridos 10 anos da constituição da servidão.

Servidões prediais aparentes e não aparentes

Artigo 1548º nº2. As servidões aparentes são as que se revelam por sinais visíveis e
permanentes, as servidões não aparentes não se revelam por sinais visíveis e permanentes.

Quando a lei fala em sinais visíveis estará a falar da publicidade que identificamos a
respeito da posse, têm de se tratar de traços que sejam susceptíveis de conhecimento pelos
interessados. Sinais permanentes, não é apenas comportamento reiterado, implica mais do que
isso, implica uma ligação física entre os prédios que garanta essa estabilidade. Não é uma ligação
feita pela reiteração do comportamento, mas pela ligação que eu sei que é permanente em
relação dessa ligação física ou material que existe entre os prédios.

A importância prática desta distinção deve-se ao facto de: 1) só as servidões aparentes


podem ser constituídas de por usucapião, 1548º; 2)Relativamente ao registo das servidões
aparentes, este tem um efeito meramente enunciativo. Em relação às não aparentes, tem um
efeito consolidativo

Servidões ativas e passivas

Artigo 1460º nº1 resulta que:

1)Servidão ativa – estamos a falar das faculdades de que beneficia o titular do direito,
isto é, uma servidão ativa é uma servidão que é vista do lado do prédio dominante.

2)Servidão passiva – É vista na perspetiva do encargo, na perspectiva do prédio contra


quem esse encargo é constituído. Estamos a falar do prédio serviente.

Esta distinção é relevante porque onde haja distinção por referência a servidão ativa ou
passiva, aí está a demonstração da importância da classificação.

No 1460º o usufrutuário pode constituir servidões ativas, ou seja, servidões que vão
beneficiar o seu prédio. O usufrutuário vai constituir uma servidão, o prédio que está em
usufruto é o prédio dominante. Não lhe é licito onerar, constituir um encargo, relativamente ao
prédio sobre o qual tem direito de usufruto que exceda a vida do usufruto, aqui estamos a olhar
para a servidão passiva, e a olhar para o prédio do usufrutuário como sendo o prédio serviente.
Servidões positivas, negativas e desvinculativas

1)Positivas – são aquelas em que o beneficiário pratica actos materiais sobre o prédio
onerado. Exemplo: Imaginando que há um prédio dominante, e o seu proprietário cria gado
nesse prédio. Constitui com o proprietário doutro prédio, a possibilidade de levar o seu gado
apascentar no outro prédio. Tem uma servidão positiva, pois vai praticar atos materiais sobre o
outro prédio. Servidão de passagem também é uma servidão positiva.

2)Negativa – titular tem o direito de exigir uma abstenção do proprietário do prédio


serviente. Exemplo: A que é proprietário de um prédio, que se abstém de construir para lá de
uma determinada altura para não privar de vistas um determinado prédio. O prédio B não vai
praticar nenhum ato material sobre o A, temos uma servidão negativa. O titular do prédio
dominante pode exigir uma abstenção de uma conduta por parte do titular do prédio serviente.

3)Desvinculativas – Há uma inversão da posição relativa das partes numa relação


jurídica real, passando o sujeito ativo a passivo, e o passivo a ativo. Exemplo: Servidão de
vistas, alguém estava vinculado a um determinado comportamento, e em razão da constituição
da servidão por usucapião libertou-se dessa limitação.

Servidões continuas e Servidões descontinuas

1)Contínuas – são servidões em que o aproveitamento é tendencialmente incessante


porque está liberto do comportamento humano. Exemplo: Servidão de vistas, as utilidades estão
lá sempre.

2)Descontínuas – A transferência de utilidades pode ser irregular, depende do


comportamento humano. Não é uma transferência incessante, mas sim irregular porque
depende do comportamento humano. Exemplo: servidão de passagem: as utilidades só são
apreendidas em razão do comportamento.

É relevante devido ao 1570 nº1 quando diz “servidões para cujo o exercício não é
necessário o facto do homem” está a falar das servidões continuas.

Vicissitudes das Servidões Prediais

1º - Usucapio libertatis – já analisámos a respeito da teoria geral dos direitos reais

2º - Constituição por destinação do pai de família, 1549º - Trata-se de uma


constituição que pressupõe:

a) A existência de prédios, ou 2 frações de 1 prédio pertencentes ao mesmo


proprietário.
b) É preciso que haja sinal ou sinais visíveis e permanentes que revelem serventia de 1
prédio para outro ou de 1 fração para outra, ou seja, transferência de utilidades.

c) Haja uma separação do domínio dos prédios ou das frações em causa, ou seja, tem de
haver um acto de separação do domínio/propriedade dos prédios ou frações.

d) Não pode haver uma declaração em contrário à constituição da servidão no


documento que titula a separação da propriedade.

Exemplo: Entre prédios A e B existe uma relação de serventia. Se estes prédios


pertencerem ao mesmo dono, não tenho uma servidão predial, porem se o prédio A for vendido
e se se preencherem estes requisitos do 1549º a servidão predial tem se constituída por
destinação do pai de família, isto é, não é preciso fazer mais nada. Basta que tenha havido a
separação do domínio, que haja 2 prédios que pertencendo ao mesmo dono no fundo tivessem
relação de serventia entre eles, que essa relação de serventia se revelasse por sinais visíveis e
permanentes e que nada se dissesse no momento em que se separou a propriedade em contrário
à constituição da servidão.
Hipóteses Práticas

Hipótese I

“Em Junho deste ano, A vendeu a B a sua carteira Birkin por 5.000,00 euros. Dois dias
depois, A vendeu a mesma carteira a C, que ofereceu 6.000,00 euros por esta. Tanto B como
C pagaram o preço acordado a A e a carteira foi entregue a C. Quem é hoje a proprietária da
carteira?”

Este exercício é muitíssimo introdutório, vamos por isso tocar em vários pontos de
matérias que estudaremos a fundo no seu devido tempo:

Temos de saber se B terá adquirido o direito de propriedade uma vez que não foi
entregue a coisa ou se o direito foi adquirido por C direito a coisa foi entregue a coisa. Com base
no 408º, que consagra o princípio do consensualismo a propriedade ter-se-ia transmitido
pelo mero acordo das partes. Portanto, quem é hoje o proprietário da carteira é B.

O que acontece a C no plano dos direitos reais? Compra e venda entre A e C é nula por
venda de bens alheios. B pode ir atrás da coisa. Não vale no nosso direito o princípio posse vale
título. O direito português nega o direito propriedade pelo simples facto de possuir. O artigo
1301º permitiria a posse vale título e só assim é que C adquiriria (não teve tempo para se
verificar usucapião “junho deste ano” teriam de ter passado 3 anos). Como o princípio “posse
vale título” não foi consagrado na lei, C não pode ficar com a coisa. Mas, para o 1301º se aplicar
A teria que ser comerciante e ainda comercializar coisas do mesmo género, no caso uma carteira.

O 1268º nº1 fala sobre a presunção de propriedade de C, mas é vencida esta presunção
pelo facto do direito de propriedade estar em B. O proprietário é B, adquiriu a propriedade nos
termos do 408º. A entrega da coisa não implica a transferência da propriedade (a posse não vale
título no nosso ordenamento jurídico). Por isso, mesmo que C estivesse de boa fé, e para valer o
1301º A teria que ser comerciante, o que não se verifica. Para além de que, B estaria limitado na
sequela se o 1301º se aplicasse e teria que pagar o que 3º tivesse dado para a aquisição desta
coisa (pagar duas vezes). Como o 1301º não se aplica, B não tem limitações. C tem a posse
titulada, daí se poder supor a boa fé. A posse titulada de acordo com a lei, presume-se de boa fé.
Portanto, hoje o proprietário da carteira é B.

Hipótese 2

“2. A, com inscrição no registo, em seu nome, de um facto aquisitivo do direito de


propriedade, alienou um prédio urbano a B. A aquisição não foi registada.

2.1. Um mês depois, A vendeu o mesmo imóvel a C. O registo desta compra e venda foi
efetuado. Quid iuris?
2.2. A morreu e sucede-lhe C. O registo é efetuado em proveito de C. Quid iuris?

2.3. A constituiu a favor de C um direito de superfície sobre o imóvel. A constituição do


direito foi registada. Quid iuris?”

2.1 Neste caso, temos uma relação claramente triangular. Temos de olhar para este
problema segundo três planos: o plano possessório, o plano registal e o plano substantivo.
Do ponto de vista do direito substantivo, temos B como proprietário da coisa imóvel.
Nos termos do artigo 408º nº1, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa
determinada dá-se por mero efeito do contrato. Isto significa que a propriedade do prédio
urbano pertence a B, que a adquiriu por contrato de compra e venda (874º e seguintes). Segundo
o artigo 892º, quando A vende o mesmo bem a C, estará em causa uma venda de bens alheios
(venda ineficaz), e, como tal, nula. Conclusão: O proprietário é B no direito substantivo.
Do ponto de vista do direito registal, nos termos do artigo 2º, nº1 do Código do
Registo Predial, a compra e venda está sujeita a registo, sob pena de ser inoponível
relativamente a terceiros, nos termos do artigo 5º, nº1 e 4 do CRP. A legitimação registal é
uma limitação à sequela (B não podia ir atrás da coisa, uma vez que C registou).

Principal efeito da publicidade provocada é o efeito consolidativo: Artigo 5º nº1 do CRP,


um facto sujeito a registo que não tenha sido registado não vai produzir efeitos contra terceiros
e, portanto, padece de uma incompletude.
Mas: não podemos interpretar à letra (B não poderia, em nenhuma circunstância, opor o
seu direito a C), temos de circunscrever o âmbito do conceito de terceiros àquilo que é razoável
fazer-se, e de alguma forma admitindo a oponibilidade do direito de propriedade ainda que ele
não tenha sido registado. Portanto, não podemos dizer que um direito não registado é um direito
não oponível. Só será um direito inoponível se não estivermos perante um terceiro, diga-se
alguem com as características que são exigidas. Precisamos de verificar se neste caso se
aplica o artigo 5º CRP, ou seja, se C é terceiro.

Assim os requisitos para a aplicação do artigo 5º , diga-se para o direito ser oponível a
um “terceiro” são:

1) Situações jurídicas incompatíveis: neste caso, podemos verificar que são


totalmente incompatíveis pelo facto de serem direitos da mesma natureza e espécie. 107

2) Existência de registo (facto jurídico registado): neste caso, há um registo em benefício


de C

3) Aquisição a título oneroso: verifica-se, uma vez que se trata de uma compra e venda e
de Boa-fé (subjectiva ética), se assim entendermos consoante a doutrina que adoptarmos. O
professor Henrique Antunes entende que aqueles que propõem a aplicação analógica dos
requisitos da aquisição a título oneroso e da boa-fé, artigos 291º do CC e 17º do CRP, têm razão.
Ou seja a onerosidade e a boa-fé são requisitos. Já o professor Carvalho Fernandes considera
que, para efeitos do artigo 5º, a aquisição a título gratuito é bastante.

107a) Direitos da mesma natureza: refere-se às categorias (direitos reais, direitos de crédito…)
b) Direitos da mesma espécie: dentro da categoria de direitos reais, são, neste caso, ambos direitos reais
de gozo e ambos direitos de propriedade
Resta saber se C, que registou, adquiriu de boa-fé. Como nada é dito na hipótese, até
poderíamos assumir que C agiu de boa-fé. E, de facto, na prática, a boa-fé basta-se com o facto de
ele ter consultado o registo.

Quando há uma compra e venda, há uma transmissão do direito de propriedade e uma


transmissão da posse. E a compra e venda é um título, é um modo legítimo de adquirir. Sendo
assim, há duas normas relevantes a este propósito: o artigo 1259º: Diz o que é uma posse
titulada (é uma posse celebrada em qualquer modo legítimo de adquirir) e o artigo 1260º: A
posse titulada presume-se de boa-fé, presunção ilidível.

Conjugando as duas coisas, podemos dizer que o C estava de boa-fé, uma vez que
adquiriu a posse com base num modo legítimo de adquirir- compra e venda- (e atenção que
estamos a falar da posse e não da propriedade, sendo que a posse é para nos considerada como
um direito autónomo, podendo ser uma posse tutelada independentemente do direito do
transmitente ou da validade substancial do negócio jurídico, e, portanto, tratando-se de uma
posse titulada, presume-se de boa-fé. Logo, de facto, verificados os pressupostos, C adquire.

Falta analisar melhor a questão de saber se, do ponto de vista da análise de um


conceito restrito ou amplo de terceiro, esta situação cabe no conceito que está no artigo
5º, nº4. Como se trata de uma relação triangular, e como o legislador, quando alterou o artigo 5º
nº4 disse “pretende-se, com isto, consagrar uma noção restrita de terceiros, tal como concebida
pelo Professor Manuel de Andrade” na noção restrita de terceiros está esta dupla alienação, está
esta relação triangular. Assim, e tendo sido preenchidos todos os requisitos, não há dúvida
nenhuma de que C é um terceiro para efeitos do artigo 5º nº4. Não há nada que conteste C como
um terceiro protegido. Não há nada que conteste a sua protecção no plano registal, como
proprietário da coisa.

Conclusão: Ou concluímos que C não é terceiro para efeitos de registo significa que B
pode validamente opor o seu direito em relação a ele por não se verificar a previsão do artigo 5º
do CRP. Ou concluímos que C é terceiro e por isso B não pode opor o seu direito.

2.2. Está em causa a venda de um bem imóvel. Nos termos do artigo 408º nº1 do
Código Civil, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por
mero efeito do contrato. Isto significa que de acordo com as regras substantivas, a propriedade
do imóvel pertence a B. Neste caso, não se verifica uma aquisição, porque quando C sucede a
A, assume a sua posição e temos uma relação entre partes.
O artigo 4º nº1 do CRP prevê que os factos sujeitos a registo, ainda que não registados,
podem ser invocados pelas próprias partes e os seus herdeiros. É o artigo 4º nº1 que
resolve esta hipótese. Não há espaço para nenhum efeito consolidativo do registo neste
caso. C coloca-se na posição de A, portanto, temos a relação entre C e B. Nos termos do artigo 4º
nº1, B pode opor ao herdeiro de A, o seu direito de propriedade mesmo não o tendo registado.
O facto sujeito a registo, ainda que sem registo, desde que seja anterior, prevalece sobre essa
aquisição. Não é terceiro quem é parte ou quem é herdeiro da parte108. B pode opor o seu
direito a C.

108 Porque no nosso direito esse herdeiro passou a ser parte.


A venda feita por A a B é ainda válida, sendo que, quando C adquire a posição jurídica de
A no contrato com B, fica também vinculado aos seus direitos e obrigações na mesma em que,
apesar de não ter registado, nos termos do artigo 4º, nº1, tal não porá em causa a oponibilidade
dos atos entre as partes. Se olharmos para o regime da publicidade provocada logo no artigo 4º
do CRP do nº1, extrai-se que o direito real nasce independente do registo, embora só possa ser
invocado entre as “próprias partes ou os seus herdeiros”, ou seja é um direito que não vai
produzir plenamente os seus efeitos, mas vai nascer independentemente de haver registo.
Retira-se então do artigo 4º nº1 do CRP que a publicidade provocada não tem em regra um
efeito constitutivo, mas isto não quer dizer que haja situações em que a publicidade espontânea
tem efeito constitutivo como resulta do nº2 do artigo 4º do mesmo Código.
O artigo 4º mostra que, no nosso ordenamento jurídico, o efeito principal do registo é
um efeito consolidativo. Curiosamente, o artigo 5º não trata do efeito consolidativo, mas trata
daquilo que ocorre quando o efeito consolidativo não se verifica. É o artigo 5º que permite
fundamentar o efeito consolidativo, mas o artigo 5º, em bom rigor, permite o efeito aquisitivo
do registo, e se houvesse consolidação, o efeito consolidativo não teria ocorrido.

2.3. Este caso prático versa sobre o tema do direito de superfície, sujeito a registo
consoante o artigo 2º nº1 a) do CRP. Como a própria lei indica no artigo 1524º do Código
Civil, este corresponde à faculdade que é atribuída a uma pessoa de construir e/ou manter uma
construção em terreno alheio.
Nesta hipótese, temos direitos da mesma natureza (são ambos direitos reais) mas de
espécie diferente (são ambos direitos reais de gozo, mas um é direito de propriedade e o outro é
um direito de superfície). Trata-se de uma incompatibilidade entre direitos parcial e não
total, uma vez que se mantém o direito de propriedade. B vai continuar a ser proprietário.

A questão está desde logo relacionada com o princípio da prevalência, saber de que
maneira o direito de propriedade de B, transferido nos termos do artigo 879º do CC, é
incompatível com o direito de superfície, nos termos do artigo1524º, que onera a propriedade.
O problema estará em saber de que maneira é que C poderá ser considerado terceiro para
efeitos de registo, nos termos do artigo 5º nº4 do CRP, sendo que, no caso em questão, C
adquire um direito incompatível com o de B, porque a propriedade deste se encontra onerada,
do mesmo autor, estando C de boa fé e tendo registado esse direito de superfície. Deste modo, a
posição de C prevalece, na medida em que apenas A figura no registo como titular do
direito, e tendo sido o direito de superfície registado, A é ainda o proprietário do imóvel,
nos termos do direito registal, prevalecendo o mesmo sobre o direito substantivo. Vamos
averiguar se C é um terceiro, ou seja, se cabe no conceito de terceiro abrangido pelo artigo 5º
nº4. Esta é uma norma excepcional, onde há uma excepção à regra do direito substantivo. Para
que se aplique, é preciso que os requisitos estejam verificados. Não estando todos verificados,
então o terceiro não é protegido. Deste modo, B é protegido e tem a propriedade do imóvel
livre de ónus e encargos. Se C fosse protegido, B não deixava de ter a propriedade, mas
seria uma propriedade onerada com um direito de superfície. Depende a resposta da
consideração de incompatibilidade ou não do direito de superfície com o de propriedade.
Hipótese 3

“A constituiu em favor de B um direito de usufruto sobre um apartamento. A constituição do


direito não foi registada. Três meses depois, A doou a C o mesmo imóvel. C registou a
aquisição. Quid iuris?”

O problema suscitado nesta questão é que temos a constituição de um direito de


usufruto sobre um apartamento, a favor de B. Sobre o mesmo apartamento, A vai efectuar uma
doação a B. A questão coloca-se porque B não registou a constituição do direito, e C registou.
Temos por isto uma relação triangular.
Além disto, o artigo 2º nº1 do CRP a) determina que B estava obrigado a registar e
não o fez. Como tal, de acordo com o artigo 5º do CRP, esse facto sujeito a registo (a
constituição de um direito de usufruto sobre o apartamento) não produz efeitos contra
terceiros que tenham efectuado tal registo. Necessário é no entanto para interpretar o artigo
5º do CRP desde já referir que se os “terceiros” são apenas terceiros interessados, isto é,
terceiros que invoquem uma situação jurídica que é incompatível com a situação jurídica que
não foi registada. Na nossa hipótese temos um terceiro interessado, e que registou a sua
aquisição.
Se o primeiro direito de usufruto prevalecer, esse não é um direito totalmente
incompatível com o direito de propriedade, pois o direito de propriedade é um direito mais
extenso. Portanto, há uma incompatibilidade quase total mas, são apenas direitos
parcialmente incompatíveis como vimos na hipótese anterior, assim sendo temos de
tocar neste ponto e saber se há ou não incompatibilidade antes partir para os demais
requisitos. Dito isto, se concluirmos que o direito de B prevalece, o C não perde o direito de
propriedade porque o direito de B não é totalmente incompatível com o de C.

Em relação a este artigo, discute-se ainda se estaremos perante um conceito restrito


de terceiros ou um conceito amplo. O legislador adopta uma conceção restrita no artigo 5º nº4
em relação a esta hipótese não faz sentido desenvolver esta discussão doutrinária, uma vez que
estamos perante uma relação triangular, nas quais estamos sempre a pensar num conceito
restrito de terceiros “tenham adquirido de um autor comum”.

Dito isto, e uma vez que estamos perante um verdadeiro terceiro para efeitos do artigo
5º do CRP. É importante referir, que este artigo tem de ser interpretado em conjugação com o
artigo 17º nº2 do CRP e 291º do CC segundo a doutrina de Liosboa, pois, esses dois artigos
vêm estabelecer duas condições: que o terceiro tenha adquirido de boa fé e a titulo oneroso. De
acordo com a doutrina da escola de lisboa, que me parece a mais correcta, que efectua uma
interpretação analógica e sistemática com os artigos referidos, além de ser preciso ter registado,
o terceiro tem de estar de boa fé no momento da aquisição do direito e tem de ter adquirido tal
direito a titulo oneroso. Por isso, para a doutrina de lisboa, não se encontrariam preenchidas as
condições de aplicação do artigo 5º, e C não será um terceiro protegido, por isso será B quem
é protegido pelo ordenamento jurídico, mesmo que não tenha registado.

Assim:
1) Se o direito de B prevalecer, temos C, proprietário, com o seu direito onerado
com usufruto, fica com o seu direito amplamente limitado, é um direito que se
reduz apenas à nua propriedade.

2) Se fosse C quem merecesse tutela aqui os direitos não seria compatibilizáveis


porque o direito do C é um direito de propriedade pleno, é um direito que não é
onerado. O direito de usufruto não poderia ser exercido, qual seria a
consequência do não exercício?

Professor Oliveira Ascensão – Seria um facto resolutivo, extinguindo o direito


de usufruto.
Professores Carvalho Fernandes, Menezes Cordeiro e Henrique Sousa
Antunes – Direito permaneceria, a situação jurídica permaneceria à espera de se
poder exercer outra vez

Hipótese 4

“Analise os Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência n.ºs 15/97 e 3/99.


Identifique as principais diferenças entre o conceito de terceiros para efeitos de registo
constante do primeiro Acórdão e o conceito formulado pelo segundo”

Acórdão de 25-11-2008 STJ – A vendeu a B, B não registou. A é devedor de D, e D não


viu o seu crédito satisfeito, como tal, o credor vai registar uma penhora, pede ao tribunal que
apreenda os bens para os vender. B adquiriu for vontade do A, o
C, sem vontade do A, adquiriu na sequência de uma venda
executiva para D satisfizesse os seus créditos. Este tribunal
considerou que C não era terceiro para efeitos do registo, isto
significa que B pode opor o seu direito, C só não pode opor o
seu direito a terceiro, C não é terceiro, então B pode opor o seu
direito.

1º Acórdão de 97 – Adotou um conceito amplo de terceiros – “Terceiros são todos


aqueles que tendo obtido registo de um determinado direito, viriam esse direito ser arredado por
um facto jurídico (incompatível com esse direito) anterior não registado ou registado
posteriormente.” C de acordo com este acórdão, com a concepção ampla, seria considerado
terceiro. Seria terceiro porque obteve registo de um direito, que seria arredado por um facto
jurídico anterior não registado. Sendo C terceiro, B não pode opor direito.

2º Acórdão de 99 – Vem adotar um conceito restrito de terceiros: Terceiros são todos


aqueles que adquirem direitos incompatíveis, de um mesmo transmitente comum, sendo que
este acórdão acrescenta ainda a boa fé como um elemento de tutela do terceiro.
“Mesmo transmitente comum” pressupõe que houvesse da parte do A alguma ação,
e não existindo tal ação, não teríamos transmitente comum. Consequentemente, C não seria
um terceiro. Não beneficia de uma ação praticada pelo A. O credor que tenha uma penhora ou
uma hipoteca, sobre um bem que está registado em nome do A não é terceiro para efeitos do
registo, de acordo com o conceito restrito de terceiros.
Uma coisa é A que estar passivamente, não está a transmitir nada nem a vender, é um
poder autónomo do tribunal que obriga à transmissão, portanto não C é terceiro. Como tal,
o B pode fazer valer a sua posição.
Outra coisa é quando A vende, mesmo que essa venda seja contra a sua vontade,
porque ele aí já está a transmitir. O conceito restrito de terceiros englobaria também o C no
caso de venda judicial. Seria terceiro em face das duas concepções, e B não poderia opor o seu
direito. Mas será mesmo assim? Será que a alienação por venda judicial está no Acórdão
3/99? O conceito amplo de terceiros determinará que C seja terceiro, mas parece que o conceito
restrito aponta para o sentido inverso. O Professor Manuel de andrade compara a alienação
forçada à alienação voluntária, e este acórdão continua nessa linha. Defende o professor e
também este acórdão, que a alienação voluntária ou forçada têm a mesma eficácia para efeitos
do conceito de terceiro.
Portanto, voltando à questão, se terceiro é aquele que adquire de transmitente comum.
Se transmitente é aquele que transmite o que quer voluntariamente, quer coercivamente,
há transmitente comum, e para efeitos do conceito restrito de terceiros tal como ele foi adoptado
pelo acórdão de 99 C é terceiro, e B não pode opor o seu direito. O 824º nº2 do CC vem dizer
que não tem registo, foi vendido, extinguiu-se. Como tal, B não poderia opor o seu direito a C.
Logo, este artigo é entendível de acordo com o conceito restrito de terceiros tal como ele foi
interpretado pelo Acórdão de 99. Ou seja, este artigo é um argumento a favor do que vem
disposto no acórdão de 99.

A diferença entre a concepção ampla e restrita, não está no adquirente que venha
a adquirir por venda forçada. O que faz com que com dificuldade se consiga perceber a decisão
do STJ de 2008. O supremo em 2008 veio dizer que o conceito restrito de terceiros é aquele que
determina que o C não seja terceiro porque adquiriu com base numa alienação forçada. Já o
acórdão de 99 vem dizer que C é terceiro, numa concepção restrita, mesmo tendo adquirido
numa alienação forçada.

O professor Henrique Sousa Antunes defende que hoje em dia o ordenamento jurídico
tem de ser interpretado acolhendo a concepção ampla de terceiros e foi por isso que
aconteceu no acórdão não se considerar C um terceiro, ou seja, fazer uma interpretação que
actualize aquilo que foi opção do legislador tomada em 99. Porque, 9 anos depois
introduziu-se a obrigatoriedade registal e essa só é compatível com um conceito amplo de
terceiros, pois este dará mais peso ao registo e o fim principal do registo é a segurança do
comércio jurídico, logo dar mais peso ao registo faz todo o sentido.
Daí o professor tentar depois arranjar métodos para proteger o titular do direito,
através da exigência da boa fé, do titulo oneroso, e da relevância da posse que ele tenha tido
antes do registo, de modo a depois limitar um pouco esta força que alguns poderiam dizer
“bruta” do registo. Por isto tudo é que Henrique Antunes acha que é relevante a diferença entre
“autor comum” e transmitente comum, autor comum é mais abrangente, inclui todos os casos,
transmitente não, faz uma interpretação actualista.
Hipótese 41

Resolvemos as hipóteses práticas sempre em três planos. O substantivo, o registal e o


possessório.

No plano substantivo quem tem a coisa é B, por força do 408º.

No plano registal já não é assim tão simples.


Se assumirmos que C merecia tutela, isto é que C registou + a título oneroso+ de boa fé,
se entendermos que estes requisitos são aplicáveis ao artigo 5º do CRP como a escola de Lisboa
escolhe fazer , nesse caso, C tinha adquirido. B não vai poder opor o seu direito a C, pois B não
usou o seu efeito consolidativo, logo o registo de C teve efeito aquisitivo.

Houve uma doação, nesse caso, parece desequilibrado que uma pessoa que recebe sem
nenhum sacrifício económico possa ter prevalência sobre quem tinha adquirido a título oneroso
(ainda que não tenha registado). Porquê? Porque o Legislador diz que para haver tutela no
artigo 291º e no artigo 17ºnº2 é preciso que haja aquisição a titulo oneroso. Logo, se houve uma
doação a terceiro e não uma compra e venda, esse terceiro não vai ser tutelado pelo 17º nº2 e
291º, logo D não cabe nestes artigos.

Temos a possibilidade de resolver esta hipótese de acordo com a orientação do Professor


Oliveira Ascensão, o direito de B extingue‐se e como se extingue, a partir do momento em que C
é considerado proprietário, qualquer transmissão que C faça posteriormente não traz qualquer
problema e B não se poderá opor, isto seria a via mais rápida de resolver a questão.

Não adotando esta orientação temos de ver o que resta a B fazer. Importa agora analisar
a situação de B em face de D. Voltamos então à questão: qual é a norma que poderá impedir o
direitoo de B produzir plenamente os seus efeitos, considerando que ele adquiriu por força do
artigo 408? Qual a norma (registal) que permitirá dizer que D merece tutela em detrimento de
B? B não pode defender‐se com base no artigo 5º CRP porque, mesmo adotando um
conceito amplo, nunca estaremos a falar de pessoas que estão em conflito porque
acreditaram no mesmo registo, não há uma relação triangular entre B e D, B funda o seu
direito na legitimidade registal de A, ao passo que D funda o seu direito na legitimidade registal
de C. Quando fundam em registos diferentes, isto nunca poderá caber no artigo 5º do CRP. Logo,
em teoria, só resta a B ou o 17º nº2 ou o 291º.

Mas o 17º nº2 e o 291º exigem que haja uma aquisição a título oneroso, o que não
aconteceu aqui. Logo, D não vai ser protegido no plano registal. B vai, pois B prevalece em
relação a terceiro C.

No plano possessório: Para lá do registo, há também a abordagem da posse.

Se do ponto de vista registal chegamos à conclusão de que o direito de B prevalece do


ponto de vista possessória, porventura, podemos chegar a uma solução diferente. É verdade que
D só adquiriu em 2014, poderá ter adquirido por usucapião? Pode ocorrer junção de posses e D
podia juntar à sua a posse do antecessor (2017‐2006) + (2017‐ 2014) = 11 anos de posse. No
entanto, para a figura da usucapião, tratando‐se de uma coisa imóvel, para adquirir por
usucapião era preciso que o artigo 1294º a) se aplicasse. É verdade que a data do registo é
2014, mas conjugando isto com a norma do artigo 1256º (acessão da posse/ junção de posses)
e da junção de posses resulta que : D só adquiriu em 2014, mas adquiriu de quem já possuía
desde 2006. Dessa junção vai resultar um prazo continuo. A posse de C é titulada ou não?
Sim. É registada? Sim. Titulada? Logo presume-se de boa fé. Logo, o prazo aplicável seria 10
anos. Logo, vou contar a partir de 2006. Logo, em 2016, D adquiriu por usucapião.

Assim, se víssemos a hipótese no plano possessório, D seria protegido; no entanto, de


acordo com as regras registais, seria B o titular. B não poderia exigir a restituição do prédio, mas
já seria discutível se não podia exigir os frutos/o valor dos frutos do mesmo até ter perdido a
propriedade (2016.)

Hipótese 44

Análise deve ser feita em 3 planos: substantivo, registal e possessório.


Na analise registal e possessória, o que se deve fazer é olhar para a pessoa que está no
ultimo lugar da cadeia, que neste caso seria E, sem prejuízo da analise da situação de E, implique
que tenhamos de olhar para trás e analisar quem está no percurso, designadamente a situação
de D. Porque, percebemos que quem está em conflito em 2016 é B e E, por isso é nesse contexto
que nos vamos ter de mover.

No plano substantivo pelo artigo 408º, a propriedade transmitiu-se para B, por mero
efeito do contrato, pois o registo não tem efeito constitutivo. Mesmo não havendo registo a
propriedade já entrou na esfera jurídica de B.

No Plano registal, nós adotamos uma concepção ampla de terceiros, em resultado do


princípio da obrigatoriedade registal e, de acordo, com uma concepção ampla de terceiros, o
credor que obtém o registo de uma penhora é terceiro para efeitos do registo. Esta questão
tem pertinência quando ainda não se promoveu a venda. A penhora está a decorrer e ao
processo chega um individuo que diz que isto tem de parar, não pode continuar porque ele é que
é o proprietário. E aí, vamos ter de analisar se efectivamente o processo para ou não, e é nesse
contexto que a concepção restrita ou ampla é relevante. Se adoptarmos a concepção ampla, o
tribunal vai dizer que o processo continua porque o credor que obtém o registo da penhora é
terceiro para efeitos do registo, logo o proprietário porque não registou não pode opor o seu
direito ao credor

Não é isto que se passa aqui, o C porque a penhora já levou ao resultado final que é a
venda. Digamos que o C já não interessa na hipótese porque o C não tem nenhuma posição que
se pudesse autonomizar que justificasse a sua inserção no esquema, o resultado final da
penhora foi a venda a D.

Não podemos analisar a situação de E sem mais, porque como vimos há um autor que
sustenta que quando há protecção por força das regras registais, essa protecção leva à extinção
do direito no plano substantivo, o Professor Oliveira Ascensão.
Embora eu saiba que a situação de E é uma situação que eventualmente carece de tutela,
se porventura, houver antes da aquisição do direito pelo E, uma extinção do direito de B, é
evidente que E não tem de invocar as normas do 17/2 ou 291 porque já está protegido em
resultado da extinção prévia do direito de B. D é a única pessoa que podia ter posto em causa
a existência do direito de B, de acordo com a tese do Professor Oliveira Ascensão. Se D fosse
protegido, B via o seu direito extinguir-se.
De acordo com a tese do Prof.MC e CF, haverá uma paralisação do direito de B, mas tal
não significa que não possa haver renascer este direito quando um terceiro não tenha melhor
posição que B.

Será que D é tutelável pelas regras registais, de forma tal que pudesse o Prof.OA dizer
que o direito de B se extinguia? D está de má fé, e embora não haja nenhuma referencia há
necessidade da boa fé do terceiro, a verdade é que de acordo com a orientação dominante em
Lisboa, a boa fé é um requisito da tutela do terceiro. Portanto, falhando 1 dos requisitos, deixa de
haver a possibilidade de tutelar o 3º. Logo, por esta posição D não merece tutela e não haverá
extinção do direito de B, pela situação do D.

Mas, se D estivesse de boa fé, continuaria a não merecer tutela? Mesmo que não se
considerasse que fosse possível ter uma concepção ampla, mesmo numa concepção restrita, o
terceiro que adquire na sequência de uma venda executiva, é terceiro para efeitos do registo
predial.

Quais são os fundamentos para esta afirmação?

Argumento 1: 824º nº2 CC – argumento favorável há inclusão no conceito restrito de


terceiros destes adquirentes. Quando se promove a venda, se houver um direito real anterior
que não tem um registo anterior à penhora (1º fase da venda) então a venda é efectuada com
extinção dos direitos reais anteriores não registados.

Argumento 2: A concepção restrita de terceiros, é fundada na formulação clássica do


Prof.Manuel de andrade, e o próprio admitia que em situações como esta, tínhamos um terceiro
para efeitos do registo predial. Reconhece que também uma transmissão forçada, leva à
relevância registal nos casos de dupla alienação.

Argumento 3: Acórdão de uniformização de jurisprudência, que vem dizer que os


terceiros que adquirem na sequência de uma venda forçada são terceiros para efeitos do registo
predial.

Em termos práticos, há má fé, como tal, se entendemos que a boa fé é requisito de tutela
do terceiro, havendo má fé, D não é tutelado.
Qual a consequência de D não ser tutelado? Nunca se pode por em causa a posição de B,
mesmo que acompanhássemos a posição do Prof.OA. Não há extinção do Direito de B, este
permanece, a não ser que seja paralisado por alguma norma que tutela o direito de E. Resta
saber se há alguma norma que tutela ou não o interesse de E.

Há ou não alguma norma que tutela ou não o interesse de E?

Prof.OA – Diria que com base no artigo 291º este mereceria tutela porque a hipótese diz
respeito a um bem imóvel. O E adquiriu a titulo oneroso, registou, está de boa fé e finalmente
não houve a propositura de uma ação de declaração de nulidade do nj celebrado entre A e D no
prazo de 3 anos – D adquiriu em 98. A aquisição com registo de E dá-se em Abril de 2008,
portanto, 3 anos já passaram e também essa condição está verificada.

Prof.MC e CF – artigo17/2, embora estejamos perante uma invalidade substantiva, o


artigo291º é reservado para as hipóteses em que não há registo intermedio, justificando assim o
prazo de 3 anos.

Prof.Henrique Sousa Antunes – Aplicaria o artigo 17/2, uma vez que não há registo,
não consolidou o seu direito. A pessoa que utilizaria como referencia para a norma a aplicar
seria B, pois é B que pretende defender a sua propriedade. O A praticou um acto de má fé, e
alienou aquilo que já não é seu. Mas, o professor admite que nós falemos do A, desde que
saibamos concluir que se este tivesse registado seria 291º, não registando 17/2. O professor
admite que se fale do A porque o paradigma é tomado como um esquema horizontal. Entre A e B
o negócio jurídico nulo ou anulável, ou A nada fez e B a títulos falsos.

Verdadeiramente temos de tomar por referência é o B, este é que está a invocar o


seu direito de propriedade para defender. B merece a tutela dos 3 anos? Não, porque não
registou o seu direito. Como tal não merece a esfera dos 3 anos, pelo que o artigo que se aplicaria
seria o 17/2.

Do ponto de vista registal a questão está resolvida – teríamos:

Prof.OA – 291º

Prof.CF e MC – 17/2

Prof.Henrique Sousa Antunes – 17/2

Logo, do ponto de vista registal poderíamos dizer que E merece tutela.

Falta justificar porque é que há boa fé . Posse titulada, que ele adquire na sequencia de
uma compra e venda, modo legitimo de adquirir, posse titulada de boa fé, logo está de boa fé.

Adquirido por vias do registo, não produz os mesmos efeitos que adquirido por via da
posse. Basta pensar: Se E tivesse adquirido pela via do registo, só o Prof.OA é que defende que o
direito de B se extinguiria. Se E adquirir o direito por via de usucapião, o direito de B extinguir-
se-ia, e permite uma aquisição por efeito retractivo, dando se a aquisição na data do início da
posse.

No Plano possessório vamos analisar a situação de E, só se tivermos de ir atrás é que


analisamos a dos outros.

1º- E é possuidor? O sujeito comprou, a propriedade é logo transmitida, sendo está um


dos direitos que a posse pode revestir. Não havia aqui dúvida em relação à sua posição
possessória.

2º- Como é que ele adquire a posse? Por forma de Tradição simbólica – alguém que é
detentor e passa a possuidor. E era detentor, pois era arrendatário, e passou a possuidor por
transmissão do anterior possuidor. Será que podemos dizer que D não é possuidor, mas um 3º?
Nós para fundamentarmos esta resposta que demos, vamos ter de demonstrar que D é
possuidor. D é possuidor porque comprou o terreno, como tal, é possuidor – Se é, o que faz é
transmitir a posse ao E – Tradição simbólica.
3º - Classificar a posse do E – Posse civil, posse registada, posse formal (o direito
está em B), posse efectiva, posse titulada (se há registo, há titulo, logo se há titulo há posse
titulada. Isto é verdade em grande medida, mas há a possibilidade de o conservador estar
desatento e ter registado uma posse que não é titulada. Neste caso é de facto titulada porque
temos uma CV e nada se fala quanto à sua falta de forma), posse presumida de B.fé.

Adquire por usucapião?artigo1294º - o prazo seria de 10 anos, porque posse titulada,


registada e de boa fé. Mas, estes 10 anos remetem nos para 2008, pois a venda deu-se em abril
de 2008, como tal não teria havido aquisição por usucapião. A única forma de adquirir por
usucapião será através da acessão da posse. O que resulta dessa junção da posse?

Começamos a contar a partir de quando? A lei manda contar a partir da data do registo,
mas isto é presumir que nessa data a posse já é efectiva. Por isso, se a posse for efectiva apenas
em momento posterior, só a partir daí. Por isso, Março de 98 é quando se dá o registo, mas a
posse efetiva só começa em maio de 1998.

E nestes casos, em que há este aproveitamento do tempo da posse que antecede a lei
impõe que fiquem também sujeitos às características da posse que antecede. Portanto, E
tem uma posse de má fé. Juntou à sua uma posse de má fé, passando a sua a ser de má fé –
1256/2 “menor âmbito”.

A norma aplicável é 1294º alínea b – A exigência agora é de 15 anos, como tal,


adquiriu por usucapião.

E adquiriu por via registal, e adquiriu por usucapião, pondo assim em causa um
direito que no plano substantivo era de A.

E foi esbulhado por F, e foi interrompida a posse – de acordo com o artigo 1283º, é
ficcionado como se não tivesse sido esbulhado porque houve judicialmente restituição da
coisa

Hipótese 5

“A, com inscrição no registo, em seu nome, de um facto aquisitivo do direito de propriedade,
vendeu um prédio urbano a B. O referido contrato foi outorgado por celebração da
escritura pública em que esteve presente C, amigo de A. A aquisição não foi registada.
Aproveitando-se da falta de registo de B, A alienou, de seguida, a mesma coisa a C. O registo
desta compra e venda foi efectuado. Quid iuris?”

O caso em questão trata um problema relativo a uma dupla alienação de direitos, temos
uma situação triangular. Temos de olhar para este problema segundo três planos: o plano
possessório, o plano registal e o plano substantivo.
Do ponto de vista do direito substantivo, temos B como proprietário da coisa imóvel. Nos
termos do artigo 408º nº1, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa
determinada dá-se por mero efeito do contrato. Isto significa que a propriedade do prédio
urbano pertence a B, que a adquiriu por contrato de compra e venda. Segundo o artigo 892º,
quando A aliena o mesmo bem a C, estará em causa uma venda de bens alheios (venda ineficaz),
e, como tal, nula. Assim neste plano de direito substantivo o proprietário é B.

Do ponto de vista do direito registal, a compra e venda de imóveis está sujeita a


inscrição no registo, nos termos do artigo 2º, nº1, alínea a) do CRP. Contudo, B não registou a
aquisição do imóvel em causa. Consequentemente, B não consolidou o seu direito, o que o
impede de opô-lo a terceiros, artigo 5º nº1 do CRP. Deste modo, coloca-se a questão de saber se
poderá C não ser considerado terceiro para efeitos do registo, nos termos do artigo 5º do CRP,
não lhe sendo por isso oponível o ato celebrado entre A e B. No entendimento do Professor
Henrique Antunes há um “terceiro” para efeitos do artigo 5º do CRP quando estejamos perante
sujeitos que legitimam direitos total ou parcialmente incompatíveis no registo de um mesmo
autor comum. Desde logo, seria importante verificar quatro requisitos:

- a existência de direitos incompatíveis, entre B e C (neste caso verifica-se uma


incompatibilidade total)

- Aquisição de um mesmo transmitente comum (A),adquiridos de autor comum, ou seja, A


(sujeito activo);

- Registo do direito pelo terceiro, C;

- Aquisição a título oneroso;

- Boa-fé do terceiro: Mas C não está de boa fé- esta boa fé aqui em causa é uma boa fé
subjetiva ética, ou seja, o desconhecimento, sem culpa, por parte do terceiro da primeira
alienação. Deste modo, C, sendo amigo de A e estando presente na escritura pública do NJ
celebrado com B, conheceria a primeira alienação. Deste modo, não se advinha razoável
que a tutela de C, quando de má fé, se revele maior do que a de um sujeito que é o
verdadeiro titular do direito, não devendo o não registo ser visto aqui como uma
negligência menos tutelada do que a do terceiro de má fé.

Deste modo, nos termos do artigo 5º não poderia ser considerado terceiro, sendo-lhe por
isso oponível a primeira alienação, e sendo B o verdadeiro titular do direito. É sobretudo a
respeito do requisito aqui em apreço que existem várias divergências doutrinais sobre o que se
tem de verificar para que C seja tutelado no âmbito do artigo 5º nº1 do CRP.
Para o Professor Carvalho Fernandes, assim como para Escola de Lisboa, mesmo
discordando acerca da necessidade da aquisição ser ou não a título oneroso, entendem que a boa
fé é um requisito exigível na aplicação do regime decorrente do artigo 5º nº1 do CRP. Assim o,
defendem, porque admitir que quem conheça uma realidade diferente daquela de que está no
registo, possa valer-se desse registo, é premiar quem pela ordem jurídica em regra não merece
tal benesse. Para reforçar esta posição também se pode invocar o constante dos acórdãos de
uniformização de jurisprudência, sendo que o de 3/99 exige esta mesma boa fé. No que ainda a
respeito deste requisito se pode dissertar, é de referir que apenas a Escola de Coimbra entende
que o registo e a aquisição a título oneroso são suficientes para que C venha a ser tutelado. No
entendimento da Escola de Coimbra, o requisito da boa fé cai de modo a garantir a segurança
jurídica do comércio imobiliário. O que acaba por colidir com algumas das opções do legislador
em sede de registo predial, nomeadamente com o consagrado nos artigos 17º nº2 do CRP e
291º do C.C. onde não se faz cair a boa fé.
Seguindo o entendimento do Professor Carvalho Fernandes e da Escola de Lisboa, e
estando C de má fé, não se aplica o artigo 5º nº1 do CRP, e o direito de C não é oposto ao direito
de B. Consequentemente, aplicam-se as regras de Direito Substantivo segundo as quais, a venda
entre A e C é uma venda de bens alheios, que é nula nos termos do artigo 892º do CC. Já se
seguirmos o entendimento da Escola de Coimbra, sabendo que C registou e adquiriu a título
oneroso, este seria tutelado. E por isso, o direito de B não poderia ser oposto ao direito de C,
operando em favor de C um efeito aquisitivo deste registo.

Hipótese 6

“A, com inscrição no registo, em seu nome, de um facto aquisitivo do direito de propriedade,
alienou um prédio urbano a B. A aquisição não foi registada. Posteriormente, C, credor de A,
no decurso de acção executiva movida contra este, obtém registo de penhora sobre o bem
alienado a B. Quid iuris?

A resposta seria a mesma se C, na sequência de uma acção executiva pendente contra A,


tivesse adquirido por venda judicial o bem alienado a B, tendo a aquisição sido registada?”

O Acórdão 15/97 diz nos que terceiro para efeitos do registo predial são todos aqueles
que tendo obtido o registo do direito sobre determinado prédio, viram esse direito ser arredado
por qualquer facto jurídico anterior registado posteriormente ou não registado. C será terceiro
e B não poderá opor a sua posição com base no 5º nº1. Não é necessário que haja
transmitente comum, pois A pode ser um sujeito passivo relativamente à forma como C adquire
o seu direito e B não será protegido.

Já o acórdão 3/99 diz que a concepção de terceiros é diferente, são terceiros os


adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum de direitos incompatíveis sobre a
mesma coisa. A não e transmitente comum pela situação passiva. Então C não é terceiro e B
pode opor o direito.

No entanto a jurisprudência é só fonte mediata de direito como sabemos, e


posteriormente aos acórdãos em questão a lei veio dizer no artigo 5º nº4 terceiros são aqueles
que adquiriram de autor comum direitos incompatíveis entre si. Pela parecença com a letra do
segundo acórdão o nº4 parece adoptar um conceito restrito de terceiro, caso em que B
poderia opor o seu direito pois C não seria terceiro dado que A não era transmitente
comum.

Temos aqui uma diferença apenas, “autor” e “transmitente”, a lei não seguiu a mesma
escolha de conceito. Será que há diferença? Para Henrique Sousa Antunes uma interpretação
actualista à luz da obrigatoriedade registal diz que sim. Vejamos.
Autor vs Transmitente: transmitente é dinâmico e activo, mas autor é ainda mais
activo por pressupor vontade, tomando-se como causante de uma ação. Logo, não se
pressupõe a vontade de A, então B pode opor o seu direito a C por este não ser terceiro,
prevalece o direito de propriedade sobre o direito do credor.
Esta diferença do 3/99 para a lei é importante para a conclusão do caso pois
transmitente e autor seria um sujeito com vontade de transmitir/ transmissão activa. Síntese:
Por ser adoptado o conceito restrito de terceiros reconhece que a posição de B prevalece sobre
C, o credor poderá em tribunal invocar e o direito de propriedade prevalecerá sobre a penhora.
Logo, na lei está uma concepção restrita.

Se adoptar-mos uma a concepção ampla por ser qualquer pessoa com direito
incompatível com B, C neste caso seria terceiro, logo B não poderia opor o seu direito em razão
da adoção da obrigatoriedade registal de 2008. Deve prevalecer o credor sobre B, mesmo com
base na lei actual. Admite-se tutela do credor, porque estamos perante o mesmo “autor” comum.
Autor é mais abrangente que transmitente.

Na verdade, 9 anos depois da introdução do artigo 5º nº4 surgiu a obrigatoriedade


registal que mudou o paradigma das coisas pois já não e só um ónus de registar mas sim uma
obrigação. Traduz-se numa mensagem de confiança, já não é um registo formado em ónus
mas sim em obrigatoriedade, a lei não distingue quem merece mais ou menos confiança,
todos têm o mesmo grau máximo de confiança. Todos os factos devem ser levados a registo,
logo, se lá consta que a propriedade é de A não há que considerar que há direito em B.
Devemos estar presos a lei ou actualizar a interpretação? No sistema de ónus a confiança
é limitada, mas no sistema de obrigatoriedade a confiança é alargada, daí que a
interpretação deva ser feita no sistema, sistema esse que inclui a obrigatoriedade.
Porém artigo 5º nº4 na interpretação que estamos a seguir de Henrique Antunes
permite a concepção ampla de terceiro, parece que o legislador quis abranger mais situações ou
deixar a questão não tão limitada à concepção restrita, “autor” e “transmitente” são coisas
diferentes, mas autor implica algo mais que transmitente, de forma a englobar pessoas que só
são terceiras numa concepção ampla.
Isto pois a acepção da palavra “Autor” que se segue é de causa, de fundamento, logo o
que no artigo 5º nº4 o que se tem de perguntar é quem é o causante, portanto, quem tem o
registo. É precisamente por A ter o registo em seu nome que surgiram direitos incompatíveis 1º
a venda e 2º a penhora. Ele e o seu registo são a “causa”.

Se não houvesse princípio da obrigatoriedade registal não seria discutível, porque é dito
no preâmbulo da lei que trouxe o nº4 que se invoca a concepção restrita, porém foi introduzido
este princípio posteriormente, o que significa confiança e revela o que e obrigatório no registo,
envolve sanções e tutela se a confiança. Logo autor não pode ser meramente o transmitente no
conceito restrito, mas sim causante no que toca ao surgimento de direitos incompatíveis.
Enquanto o legislador não fizer nada à interpretação do autor como causante não é
incompatível. Não se quer com “autor” dizer necessariamente uma ação, mas a causa de toda a
situação, autor pode não ter ação voluntária, logo deve, depois da obrigatoriedade, ser adoptado
um conceito amplo de terceiro. O que é impossível fazer é invocar esta interpretação sem referir
a introdução do princípio obrigatoriedade registal, senão nada se teria alterado desde a
introdução do artigo 5º nº4, a interpretação defendida não é incompatível com a letra lei.

Assim:

Antes da obrigatoriedade: conceito restrito e não haverá razões para não aplicar este
conceito e B prevaleceria e não haveria razões para interpretar de maneira diversa à que o
legislador defende.
Depois da obrigatoriedade: sistema só é compatível com um conceito amplo de
terceiros e o artigo 5º nº4, mais concretamente, “autor” não pode ser o transmitente, tem de ser
a razão, causa e fundamento para na existência dos direitos incompatíveis, adoptando portanto
um conceito amplo de terceiros. Isto porque se o registo passou a ser obrigatório então passou a
ter mais peso e a ter maior confiança e é dito no artigo 1º que o registo predial se destina à
segurança jurídica do comércio imobiliário, algo que só se terá com a clareza do registo, e
que por isso quem regista deva prevalecer sobre quem não regista, isto é C prevalece
sobre B pois registou.

No entanto para Henrique Antunes o princípio da obrigatoriedade foi mal introduzido


porque é obrigado quem titula e não quem adquire é o notário e o advogado ou outro.
Passamos de um ónus para nada do ponto de vista do adquirente, já que ele confia em quem
promove o registo, apesar de tudo temos de dar relevância a uma posse anterior ou
contemporânea do registo. Então B tem um meio para se proteger, relativamente à sobreposição
do direito de C, a posse. Se A causa é a culpa do notário? O que tem o C a ver com isso? Nada.
Nem o B. Mas o C confiou no registo, e o sistema é o da obrigatoriedade, por isso por culpa do
notário podemos desprotegê-lo? Não. Assim sendo, depois da obrigatoriedade a solução tem de
ser um meio termo, temos de dar um instrumento a B neste contexto para se defender. Henrique
Antunes defende então a publicitação do direito de B pela posse e isso ser oponível a C.
Aliás porque para registar é preciso ir ao imóvel e se este estiver sobre posse ver-se-á tal coisa e
a boa fé de C não será possível se este prosseguir para registo, logo não terá um dos três
requisitos: boa fé + título oneroso + registo.

Quanto à segunda parte da resposta: Adquirente de uma venda judicial é terceiro para
efeitos de registo mesmo num conceito restrito de terceiros? Sim, apesar de haver
jurisprudência a dizer que não a reposta tem que ser sim porque o aritog 5º nº4 dá o conceito
restrito de terceiros como Manuel de Andrade desenhava abrangendo transmissão voluntária e
transmissão forçada. Artigo 824º diz que a venda executiva é feita livre dos direitos reais que
não tenham sido registados anteriormente, se é livre os direitos de B extinguiram-se B não pode
opor a C. Cabe na concepção restrita e o 824º dispõe neste sentido.

Hipótese 7

“Com base em títulos falsos, A obtém inscrição, a seu favor, no registo predial, de um facto
aquisitivo do direito de propriedade sobre a coisa imóvel X, que, no plano do direito
substantivo, pertence a B. Aproveitando-se da circunstância de figurar no registo como o
titular do direito de propriedade sobre a coisa imóvel X, A alienou-o a C, que registou a
aquisição. Quid iuris?”
Estamos perante um caso de aplicação do artigo 17º nº2 do CRP, e por isso não há
que falar nas propostas dos Professores Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro quanto à
delimitação do âmbito de aplicação do 291º do CC e do 17 nº2 nem referir o conceito amplo
vs. conceito restrito de terceiros no artigo 5º do CRP, dado que a relação é horizontal e não
triangular. É sim de se referir a proposta do Professor Oliveira Ascensão na aplicação
analógica do prazo de 3 anos (291º) ao 17ºnº2.

É muito importante referir também a posição tomada pelo Professor Henrique Antunes
no que toca à distinção entre haver ou não haver registo do B. Para o Professor Henrique
Antunes só há possibilidade de tutelar o terceiro (C) pelo artigo 17º nº2 se B, titular inicial
não tiver consolidado o seu direito mediante o registo.
O Professor Henrique Antunes não vai por isso ao ponto de defender, como as
Professoras Clara Sottomayor e Mónica Jardim, que o terceiro nunca poderá adquirir com base
numa situação originada por títulos falsos, pois na verdade se B adquiriu e consolidou,
mediante registo, o seu direito e depois não teve qualquer vontade na saída deste direito da sua
esfera jurídica, sendo esta da vontade exclusiva de A mediante o uso um título falso, então C
jamais poderá adqurir com base no artigo 17º nº2. No fundo para o Professor Henrique
Antunes o artigo 17º nº2 parte do pressuposto que B não consolidou o seu direito, pois se
tiver consolidado não se aplicará este artigo que tutelará C. A ideia por trás desta proposta do
Professor Henrique Sousa Antunes é no fundo de que se B não registou então expôs-se a esta
desvantagem, pois devia ter cumprido a obrigatoriedade de registar o seu direito, e C,
adquirindo a título oneroso, de boa fé e registado não tem responsabilidade de A ter falsificado e
a responsabilidade de A é perante B e não C, daí que C mereça ser tutelado.

Se assumirmos que B não registou, e que por isso, seguindo a proposta do Professor
Henrique Anuntes, C possa ser tutelado, é preciso que C além de registar tenha adquirido o bem
a título oneroso e de boa fé. Na hipótese nada diz, mas podemos partir do princípio que os dois
pressupostos estão verificados, em especial em relação à boa fé, onde como temos uma posse
titulada de A109 presume-se de boa fé.
Assim, a resposta depende do registo ou da falta de registo de B.

Hipótese 8

“A, com inscrição no registo, em seu nome, de um facto aquisitivo do direito de propriedade,
alienou um prédio urbano a B, que registou a aquisição, padecendo o negócio de um vício
substantivo. Posteriormente, B alienou o mesmo prédio a C. A compra e venda entre B e C foi
registada. Quid iuris?”

Aqui estamos perante uma situação de aplicação do artigo 291º pois temos um
negócio inválido que remete para este artigo não havendo razões para excluir a tutela do
terceiro, designadamente pelo facto de existir um registo intermédio.

109 Presunção legal que vêm do facto de A ter um registo.


O artigo 291º aplica-se nos casos em que se trata de um negócio nulo ou anulável e há
um registo intermédio, o que acontece nesta hipótese. A diferença desta hipótese para a VII é
que A participa em negócio com B, há uma vontade deste. O facto de A participar em negócio
com B justifica que possa eventualmente um terceiro constituir uma situação que lhe é oponível
embora esta oponibilidade seja condicionada ao prazo dos 3 anos. A razão por detrás do prazo
de 3 anos do 291º, que não existe no 17ºnº2, é que o 291º aplica-se a situações em que há
um registo inicialmente110, e por isso, para vir a perder o direito existe este requisito
reforçado do tempo.
Assim, o terceiro, C, aqui vai adquirir, mas vai adquirir apenas o decurso dos 3 anos,
distinguindo-se esta situação da hipótese anterior pois A aqui vai participar no negócio com B.111

Há autores que nesta hipótese aplicariam não o artigo 291º mas o 17º nº2,
acabamos de aplicar apenas uma das doutrinas sobre o tema, e por isso vale a pena ao
responder a este tipo de questões explicar o porquê da delimitação da aplicação do artigo 17º
em detrimento do 291º. Para isso devemos explicar a resolução da hipótese à luz das diferentes
doutrinas que existem sobre o tema, tendo 3 abordagens diferentes :

1) Professores Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro – Defendem quem os 3 anos


têm justificação no facto de o terceiro adquirir de quem não beneficia de um registo.
Neste caso da hipótese há um registo intermédio em B, logo para estes autores o
291º não se aplicaria112. Mas estes professores admitem a aplicação do artigo 17º
nº2 estendendo o seu âmbito de aplicação para lá dos casos de nulidade do registo
aos de cancelamento de registo, que é o caso, pois o cancelamento de registo de C
seria precedido pelo cancelamento do registo de B porque o registo de B é fundado
no negócio jurídico que é nulo ou anulável, portanto, não é o registo em si que é
nulo. Por isso seriam as situações de cancelamento do registo, como esta,
equiparáveis às situações de nulidade registal por desconformidade com a
realidade substantiva. Por isso, nesta hipóteses o Professor Carvalho Fernandes e
Menezes Cordeiro aplicariam o artigo 17 nº2, C merecia tutela sem a espera do 3
anos.

2) Professor Oliveira Ascensão – Considera, que independentemente da situação do A


a norma a aplicar seria a norma do artigo 291º, porque esta norma exige o artigo
intermédio. Por isso, se há um registo intermédio e os restantes requisitos do 291º
estão verificados aplica-se este artigo. Se B não tivesse registado, o Professor
Oliveira Ascensão não daria qualquer tutela a C no caso da hipótese, porque C
só pode ser protegido se tiver existido um registo anterior

3) Professor Henrique Sousa Antunes – Também defende a aplicação do 291º, mas


não é pela mesma razão do Professor Oliveira Ascensão, também defende que tem de
haver um registo intermédio, se existe existir C não merecerá tutela. Mas a razão

110 A primeira pessoa na “sucessão” da transmissão da propriedade tinha registo. Isto acontece nesta
hipótese em que A tinha sido o primeiro a ter registo.
111 Há hipóteses de fronteira entre as duas situações. Isto é hipóteses em que a vontade do titular inicial de

propriedade é escassa no negócio, e nesses casos há que abrir a dúvida entre se vamos aplicar o 17ºnº2
ou 291º. Mas um caso típico em que não há falta/pouca vontade de negociar é caso do vício de forma,
onde em princípio a vontade é plena à partida.
112 Pois é neste artigo que se exige o prazo de 3 anos.
para defender a aplicação do 291º é o facto de A ter registado, pois se o A não tivesse
registado seria admitida a tutela de C, mas ao contrário do que faria o Professor
Oliveira Ascensão que determinaria a aplicação do 291º por haver um registo em B,
a tutela de C é determinada por existir registo em A, porque se não houver registo em
A mas B tiver registado a norma que se aplicaria era o 17º nº2, pois como A não
consolidou o seu direito não faria sentido que beneficiasse do prazo de 3 anos. Assim,
na visão de Henrique Antunes, este caso seria resolvido com base no 291º por haver
um registo em C e em A, já se não houvesse um registo em A113 então a norma a
aplicar era a do artigo 17º nº2, e se não houvesse registo em B não haveria qualquer
tutela de C, nem pelo 17º nem pelo 291º

Assim, com os dados que a hipótese fornece teríamos três soluções possíveis: 1)
Professores Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro, onde se aplicaria o artigo 17º nº2 porque
há registo em B; 2) Professor Oliveira Ascensão aplicaria o 291º porque há um registo em B; 3)
Professor Henrique Antunes defende a aplicação do 291º porque há registo em A (sendo preciso
haver também em B, mas o que determinará a norma a aplicar será o registo de A)

Hipótese 9

“A, com inscrição no registo, em seu nome, de um facto aquisitivo do direito de propriedade,
alienou um prédio urbano a B, padecendo o negócio de um vício substantivo. A aquisição
não foi registada. Posteriormente, B alienou o mesmo bem a C. Esta compra e venda foi
registada. Quid iuris?”

Temos três soluções possíveis, sendo que esta hipótese é igual à anterior com diferença
em quem registou e não registou:

1) Para Professor Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro aplicariam o artigo 291º


porque o artigo pressupõe precisamente o não registo intermédio como aconteceu
neste caso, por isso imporiam o prazo de 3 anos para a tutela de A.

2) Para o Professor Oliveira Ascensão a posição protegida seria a do A, pois como não
há um registo intermédio C não terá qualquer tutela.

3) O Professor Henrique Antunes defende que só a tutela do terceiro quando há registo


intermédio, logo também não há aqui tutela do terceiro C

113 O professor Oliveira Ascensão continuaria a aplicar o 291º


Hipótese 10

“A vendeu a B um prédio urbano de que é proprietário. A aquisição não foi registada.


Aproveitando-se da falta de registo de B, A alienou, de seguida, a mesma coisa a C. O registo
desta compra e venda foi efetuado. Precisando de um financiamento para pagar o preço
acordado, C constituiu uma hipoteca sobre o referido imóvel para
garantia de pagamento da quantia mutuada a favor do Banco X, que
procedeu ao registo da referida hipoteca. Não tendo C pago a quantia em
dívida na data convencionada, o Banco X propôs uma ação executiva
contra aquele, onde fez valer a sua hipoteca. Em sede de venda judicial, A
apresentou uma proposta em carta fechada e adquiriu o prédio,
registando a aquisição. Ao tomar conhecimento dos factos, B pretende
invocar contra A a sua aquisição. Quid iuris?”

Esta hipótese é diferente das vistas até agora, porque o que está aqui em causa é saber
se, quando há um registo, este registo faz com que a primeira alienação, feita a favor de B , se
extinga ou se permanece na ordem jurídica. Ou seja, pretende saber-se qual em que estado fica o
direito de B.

No plano substantivo, e de acordo com o artigo 408º, não há dúvida de que quem é
titular do direito é B. No entanto já sabemos que este plano não é o único a que olhamos, temos
de verificar o plano registal e possessório.
Do ponto de vista registal, verificamos que C registou, e presumindo que este registo
tenha sido feito a título oneroso e de boa-fé. Estarão então verificados os requisitos para que
possa haver tutela do terceiro, C, nos termos do artigo 5º nº4 do CRP. Assim sendo, o direito de C
é protegido. Resta saber qual o efeito disto relativamente a B, será que B ao não ser protegido vai
ficar sem direito? A questão é d relevo para saber o que acontecerá em casos em que C transmite
de novo ou perde a coisa como nesta hipótese. Temos várias doutrinas sobre esta questão:

Professor Oliveira Ascensão: Fala num efeito resolutivo. Quando C regista, estamos
perante um facto resolutivo do direito de B. Extingue-se a posição jurídica/direito anterior de B.
A partir do momento em que há aquisição registal e efeitos aquisitivos, B desaparece do ponto
de vista dos direitos reais. Ou seja, o direito de B tinha-se extinguido quando C adquiriu o prédio
urbano por força do artigo 5º. Nesse caso a situação de B deixa de ser oponível porque se
extinguiu.
Se o direito de B se extinguiu, tudo o que se passe daí para a frente não sofre qualquer
invalidade, tudo o que venha a suceder não tem qualquer vício. São tudo actos praticados com
legitimidade.
Assim, de acordo com a tese do Professor Oliveira Ascensão, quem seria protegido
seria A, pois o direito de B extinguiu-se na ordem jurídica.

Professor Menezes Cordeiro e Professor Carvalho Fernandes: A situação de B


merece tutela. Posição jurídica do B permanece. O Professor Menezes Cordeiro diz que há 2
direitos (o de C e B), só que o direito de B é inoponível a C. Portanto, há um direito real que
permanece, mas é inoponível.
O Professor Carvalho Fernandes diz que B tem apenas uma expectativa jurídica.
Expectativa jurídica, como vimos em Fundamentos do Direito Civil no 1º ano é o interesse
juridicamente tutelado ou protegido na pendência de um facto complexo de produção
sucessiva. Neste caso, o registo de C é o tal facto complexo de produção sucessiva. Para o
Professor Carvalho Fernandes a partir do momento em que há uma aquisição registal, B
desaparece. Assim, enquanto houver um registo de C, não há direito real de propriedade de B, há
uma situação semelhante à expectativa jurídica.
Portanto, para estas duas doutrinas mesmo havendo uma tutela registal, o direito do
plano substantivo continua a subsistir, embora privado dessa eficácia (inoponibilidade ou
expectativa jurídica). Há uma revivescência do direito porque o direito foi adquirido pelo
A. Neste caso visto que A está de má fé, não se aplica o artigo 17º nº2, logo, a nulidade do
negócio entre A e C é oponível a A, havendo uma revivescência do direito de B. C foi protegido
porque C registou, adquiriu a título oneroso e adquiriu de boa fé. C é protegido, mas já B pode
opor o seu direito a A por força do artigo 4º do CRP.

O Professor Henrique Sousa Antunes defende que a situação de B merece tutela. O


Professor tende a concordar com o Professor Menezes Cordeiro, mas acha que a tese é
muito excessiva. Para Henrique Sousa Antunes, o direito real de B subsiste mas não é
inoponível, uma vez que continua a produzir alguns efeitos, nomeadamente na relação com o A,
como indica o artigo 4º do CRP.
No entanto, ao contrário destes autores, não acha que se possa dizer que isto
perdure indefinidamente, estes autores não estabelecem nenhum limite temporal para a
situação de B. O Professor acha que mesmo que não haja aquisição por usucapião a favor de C
porque aí o direito de B extingue-se no plano possessório, o direito de B se vai extinguir, pois no
nosso ordenamento jurídico, a impossibilidade de exercício por 20 anos é uma das causas
de extinção dos direitos reais.
Independentemente do caminho Carvalho Fernandes, Menezes Cordeiro e Henrique
Antunes concordam que, na hipótese figurado, contrariamente ao que diz o Professor Oliveira
Ascensão, há revivescência do direito de B. Carvalho Fernandes, Menezes Cordeiro entendem
que a situação ou do direito de B não desaparece. Menezes Cordeiro tem razão quando diz que
não podemos, pura e simplesmente, ignorar o que vem a surgir posteriormente. O que diz
Menezes Cordeiro é que, em bom rigor, não só a lei não fala em extinção do direito de B,
como o direito é colocado numa situação em que pode vir a produzir efeitos. Portanto,
dizer-se que a situação de B deve desaparecer da ordem jurídica não só não acompanha a letra
da lei, como significa desconhecer hipóteses em que se deve reconhecer que a situação jurídica /
direito de B pode vir a produzir efeitos no futuro. Carvalho Fernandes diz que não faria sentido
falar em dois direitos reais simultâneos, um oponível e outro inoponível. Logo, Carvalho
Fernandes diz que em B existe uma situação tutelável, mas não como direito, como expectativa
jurídica ou um facto semelhante a expectativa jurídica, mas a situação de B não desaparece.
Menezes Cordeiro diz que o direito continua lá e que existe mesmo um direito. Henrique Sousa
Antunes também considera que existe mesmo um direito e não uma expectativa. Em rigor,
esse direito não é plenamente inoponível, ele até produz efeitos segundo o artigo 4º do CRP
produz efeitos entre as partes, e esses efeitos são quer efeitos obrigacionais, quer reais.

O Professor Menezes Cordeiro Professor descreve ainda as 4 situações em que o


direito de B revive: 1. Reintegração na esfera do alienante. 2. Transmissão a terceiro de má fé.
3. Entrega voluntária ao titular do direito. 4. Renúncia
Hipótese 11

“A vendeu a B um prédio urbano de que é proprietário. A aquisição não foi registada.


Aproveitando-se da falta de registo de B, A alienou, de seguida, o mesmo imóvel a C, que
registou a aquisição e, posteriormente, o vendeu a D. D,
ao contrário de C, conhecia o negócio celebrado entre A e
B. O registo desta compra e venda foi efetuado. Quid
iuris?”

No presente caso A vendeu a B um prédio urbano. Nos termos do artigo 408º a


constituição de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato. Logo,
no plano substantivo, o direito de propriedade pertence a B. Contudo, tal aquisição está sujeita a
registo nos termos do artigo 2º nº1 alínea a) do CRP. Uma vez que B não registou, o seu direito
não foi consolidado.
Logo, nos termos do artigo 5º nº1, tal facto não poderá ser oponível a terceiros, e tão-só
entre as partes ou herdeiros, artigo 4º nº1.
Ora, neste caso temos um terceiro que adquire a título oneroso e estando de boa fé de
um autor comum (A) o prédio urbano em causa. Consequentemente, o direito de B não poderá
ser oponível a C, operando a favor deste um efeito aquisitivo registo poder dar o direito que o
direito substantivo não atribui. C é terceiro para efeitos do artigo 5º, sendo assim, C é protegido
nos termos do artigo 5º do CRP.
A questão aqui será saber saber se B poderá opor o seu direito a D, tendo D registado
mas estando de ma-fé. Neste caso, os direitos de B e D estão em conflito.
Há duas orientações relevantes:

1) Para o Professor Oliveira Ascensão: Efeito resolutivo. Havendo uma aquisição


registal a favor de C, o direito de B extingue-se porque o efeito aquisitivo do registo é
um facto resolutivo. A ordem jurídica destrói a situação substantiva anterior de B.
Então vamos ter de olhar para o C. Na cadeia pode ter havido uma aquisição registal,
extinguindo-se o direito de B. Se o direito de B se extingue, então não interessa o que
se passa daí para a frente. Tendo C tutela, tudo o que se passa para a frente acontece
já legitimamente no plano substantivo. Quando C vende a D, ninguém pode reclamar
nada de D. D vai ser protegido porque o artigo 5º do CRP, faz extinguir o direito
de B, por isso D é o único proprietário, mesmo tendo adquirido de má fé. O que o
Professor Oliveira Ascensão não quer é que se criem situações de incerteza. D é
proprietário porque o direito de B se extinguiu. Mas note-se que, neste caso, não é a
má-fé de D a prevalecer, mas a boa fé de C a prevalecer.

2) Para os Professores Carvalho Fernandes e Menezes Cordeiro: Enquanto houver


uma tutela registal, o direito anterior de B não se pode exercer, um defende que há
um direito inoponível ou o outro que há uma expectativa jurídica. O direito de B está
lá. Vou ter de analisar a situação de D. Não temos de olhar para trás disso, porque
para trás o máximo que aconteceu foi o direito ficar paralisado. Consequentemente
temos de abordar a questão do ponto de vista de D. Analisando a situação entre B e
D, vejo como D adquiriu. Temos de analisar a situação de B perante D não como
uma questão que se encaixa nas situações de revivescência de direito. As hipóteses
de revivescência do direito não abrangem apenas as 4 hipóteses referidas pelo MC. A
tutela do B pode existir em situações que vão para lá destas 4 situações de
revivescência. Ou seja, não temos de olhar para isto do ponto de vista da
revivescência do direito. Só tem sentido falar em revivescência do direito
quando se trate de uma hipótese não coberta pelas normas do artigo 17º nº2 e
artigo 291º. Não é para falarmos em revivescência, mas que encaremos isto na
perspectiva do 17º nº2 e 291º, a não ser que a hipótese aí não caiba. Professor
Menezes Cordeiro descreve 4 situações em que o direito de B revive:

1. Reintegração na esfera do alienante

2. Transmissão a terceiro de má fé

3. Entrega voluntária ao titular do direito

4. Renúncia

As hipóteses de revivescência não podem ser as únicas que o Professor Menezes


Cordeiro refere, mas sim todas aquelas em que não haja uma tutela em detrimento
do direito substantivo. Só se pode falar em revivescência do direito nos termos em
que a lei o permita. Os demais casos são situações em que não se verificam os
requisitos a que a tutela do terceiro obedece nos artigos 17º nº2 e 291º.Como não há
nenhuma referência ao registo de A, presumimos que não tenha registado. D não vai
ser tutelado em face do artigo 5º porque D e B não adquiriram de autor comum.
Por isso, só pode ser tutelado ou em face do artigo 17º nº2 ou de acordo com o
artigo 291º. Se D merecer tutela, B nada pode fazer. Mas se D não merecer tutela,
tenho uma situação de revivescência do direito. E porque é que vou ter aqui uma
revivescência do direito? Porque a lei fala de tutela de terceiro exigindo sempre boa-
fé. Como D está de má-fé, tenho uma situação de revivescência do direito. O
direito só é penalizado quando há boa-fé, por causa das normas, pois as regras
jurídicas assim o determinam. Nem o 17º nem o 291º se aplicam aqui, não há
tutela de D.

Hipótese 12

“B comprou um terreno a A. No mesmo ato, B onerou o


referido imóvel com uma servidão de passagem a favor de
um terreno confinante pertencente também a A. Apenas a
aquisição do direito de propriedade foi registada. Um ano
depois, B vendeu o terreno, livre de ónus ou encargos, ao
seu filho C que tinha conhecimento do direito constituído a
favor do terreno de A. Um ano depois, C vende o imóvel a
D. A deseja, agora, utilizar a servidão de passagem, mas D
opõe-se. Tanto a aquisição de C como a de D foram
registadas. Quid iuris?”
Há aqui dois factos que devem ser realçados: primeiro é C quando comprou a B ter
conhecimento da servidão de passagem que tinha sido constituída em favor de A, e que D não
tinha conhecimento dessa situação. Aqui chegados, o D é proprietário legítimo do imóvel, e
quanto a isso não há dúvidas. O imóvel pertencia a A, A vendeu e tinha legitimidade para o efeito,
a B, o mesmo a C e o mesmo a D. Está registado e consolidado na esfera jurídica de D. Segundo
ponto, a questão que agora se coloca é saber se o D tem o seu direito real onerado com a tal
servidão de passagem que um dos proprietários a certa altura nesta sucessão interrupta
de alienações constitui em favor de A. Temos de saber se o D, proprietário, está ou não
obrigado a deixar que o A exerça os direitos que adquiriu pelo primeiro contrato celebrado.
É evidente que há uma nulidade. Do ponto de vista do direito substantivo, A pode
destruir o negócio de B e C, e, fazendo-o, pode o negócio de C e D cair também. A servidão que B
constituiu a favor de A, não foi registada, e quem tinha de registar era o interessado, o próprio A.
Deveria ter registado? Depende se é servidão aparente ou não. O conceito de servidão aparente
está no artigo 1548, e é aquela que se revela por sinais visíveis e permanentes. Portanto, das
duas uma, ou a servidão é aparente e nessa circunstância a resolução da hipótese é simples pois
o facto de A não ter procedido ao seu registo não significa que esteja impedido de opor o seu
direito em relação a C e a D. O caso de não ter registado não significa que não pudesse opor o seu
direito a C e D.
Se a servidão não for aparente, então aí o facto continua a ser sujeito a registo e, não
tendo sido registado, não podia ser oponível a terceiros para efeitos de registo. Portanto, temos
de saber se C e D são ou não terceiro para efeitos de registo. C não é terceiro pois estava de má fé
e D não é pois não adquiriu por autor comum. Outro caminho, A podia também, como B vendeu
algo a que não tinha direito, pedir a nulidade de venda de B a C. Se o fizesse, mas não parece que
tivesse interesse em fazê-lo, poderia suceder que o D viesse a ser considerado protegido, não já
por força do artigo 5º mas por força do artigo º 17º nº2.

Uma hipótese como esta coloca a questão de se terá, ou não, havido extinção do direito
de A. O Professor Oliveira Ascensão defende que quando há tutela registal há extinção do direito
de A. Mas aqui vamos sempre concluir em sentido negativo, mesmo defendendo a posição do
Professor Oliveira Ascensão, ou seja que não haverá extinção do direito de A pois C está de má
fé.

Na posição de Henrique Sousa Antunes precisamos de olhar neste caso para o A, ou seja,
ao resolver a hipótese o nosso centro de referência deverá ser o A. O critério de Henrique Sousa
Antunes é o seguinte: quando há uma invalidade substantiva e no início da cadeia não há um
registo então aplicamos o 17º nº2. Para o professor Henrique Antunes se em vez de tomarmos
por referência o A tomássemos o B a resposta já não seria tão certa, aí olhando para a tese de
Henrique Sousa Antunes já aplicaríamos o artigo 291º. Por isso ao usar a tese deste Professor
temos de tomar o A por referência.
Aqui era também de relevo referir que há direitos incompatíveis, mas que não são da
mesma natureza e espécie. O que torna aqui os direitos incompatíveis é o simples facto de um
direito restringir o outro (direito a servidão de passagem restringe o da propriedade), se a
hipótese dissesse que o terreno não tinha sido vendido livre de ónus e encargos aí já não
existiria este problema de incompatibilidade entre os direitos. Se a hipótese lesse “terreno
onerado” já haveria compatibilidade e não havia problema nenhum.
Hipótese 13

“A vendeu a B um prédio rústico. B, apesar da ausência de registo a seu favor, começou a


cultivar o prédio. Posteriormente, A alienou o terreno a C, que registou a aquisição e
emigrou para a Austrália durante 25 anos. Em todo este tempo, B continuou a cultivar o
prédio. C regressa e quer pôr termo à situação. Quid iuris?”

A pergunta chave nesta hipótese é, assumindo que há aqui um problema de usucapião,


saber se quando há um conflito entre uma aquisição por usucapião e uma aquisição por
registo qual é que prevalece.
A solução depende de se a posse é ou não anterior ao registo, isto por causa da
presunção do artigo 1268º do Código Civil. Mas se por exemplo, depois de A vender a B e este
tiver registado, e quando B vai para Austrália C começar a cultivar no terreno durante 25 anos,
neste caso C já poderia adquirir por usucapião, mesmo sendo a posse de C posterior ao registo.

Assim, a questão não é uma questão de presunção mas fáctica. O nosso sitema está
fundado na usucapião, para ver isto basta olhar ao artigo 5º nº2 a) que é uma consagração
muito clara do princípio usucapo contra abulas, isto é a usucapião prevalece sobre a aquisição
registal. Podemos extrair isto de vários artigos, a começar pelo artigo 5º nº2 a). O registo tem
em regra efeito consolidativo mas a usucapião faz com que o registo tenha efeito
meramente enunciativo. Do 1268º também se extraí esta ideia, pois se existir registo contra
posse, o registo só prevalecerá se for anterior ao início da posse.
B tem o que se chama uma posse causal, adquiriu por compra e venda mas não
registou, uma posse que vem por uma compra e venda. Mas aqui B não está a invocar a compra
e venda contra C, está sim a invocar a sua posse por usucapião, isto levanta algumas dúvidas na
doutrina: uma pessoa que adquire por compra e venda (já tendo adquirido a propriedade de um
modo) pode invocar outro modo de aquisição de propriedade a seu favor (também adquiriu por
usucapião)?114 O Professor Henrique Sousa Antunes entende que obviamente que sim, mal seria
que uma pessoa que não adquire por compra e venda não pudesse beneficiar da usucapião mas
outra que não tivesse comprado pudesse. Assim uma pessoa que tenha adquirido um imóvel
de duas formas pode invocar a que quiser.

Hipótese 14

“A, convidado para visitar o atelier de B, famoso pintor, apodera-se, durante uma falha de
energia, de algumas telas que estavam enroladas a um canto do espaço artístico, levando-
as ocultamente para sua casa. Pergunta-se:

a) Qual a situação de B?

114Repare-se que isto tem toda a relevância prática pois se B invocar a compra e venda não prevalecerá
uma vez que não a registou e o registo nesse caso tem efeito consolidativo, por isso resta-lhe invocar a
usucapião.
b) As telas foram furtadas a A por D. Quid iuris?

c) As telas foram vendidas por A a E, terceiro de boa fé. Quid iuris?

d) A morre antes de vender as telas, deixando como herdeiros, F, G e H. Quid iuris?”

Antes de começarmos por resolver a a) vamos fazer um alínea “extra”: Qual é a situação
de A?

A esbulhou, logo tornou-se possuidor por apossessamento, tendo posse. Sabemos que A
é possuidor pois teve o apossessamento material da coisa, podemos presumir isto dado o artigo
1252º, onde é ditado quem a posse se presume naquele que exerce o poder de facto sobre a
coisa. Assim o que se diz nesta norma é que quando há corpus o animus se presume.
O nosso sistema é subjectivo, logo para a posse é necessário que haja tanto um corpus
como um animus, mas o animus não tem de ser provado, presume-se. O que acontece no
nosso sistema jurídico é que se pode provar a inexistência de animus e nesse caso então prova-se
a inexistência de posse.
Se se verificar uma situação das descritas nas alíneas do artigo 1253º então não há
posse, pois o controlo material vai levar a uma situação de mera detenção, também chamada
de posse interdital. A posse interdital pode levar a que nasçam direitos ou ter efeitos no nosso
direito, mas uma coisa que quem tem esta posse dita interdital não adquire é bens por
usucapião. A posse interdital não serve para a aquisição por usucapião.
No entanto, o apossessamento exige dois requisitos, um dele é a materialidade e outro
é a publicidade. Neste caso não há publicidade, pois é dito que ele levou as telas para sua casa
de forma oculta, por isso como é que se pode dizer que A adquiriu por apossessamento?
O 1263º quando fala de aquisição da posse está a referir uma posse que releve para
todos os efeitos do direito civil, assim não podemos em bom rigor dizer que houve
apossessamento pois o 1263º não fala em posse interdital. Assim, só podemos dizer que houve
apossessamento por parte de A de uma posse interdital, isto é, uma posse que não poderá
legitimar todos os efeitos da posse civil, sendo eficaz apenas para alguns efeitos do direito civil, e
podemos dizer isto pelo artigo 1297º. Uma posse oculta não é então uma posse “boa” para os
efeitos de direito civil pois não permite a aquisição por usucapião, assim a não é uma posse
civil, é uma posse interdital.
A situação jurídica de A é então de posse, mas de posse interdital. Podemos por isso
dizer que A adquiriu por apossessamento, mas temos de clarificar que é uma posse interdital
que este adquire.

Alínea a): A situação de B é a de presumido possuidor da coisa apesar de já não ter o


controlo material da mesma. Artigo 1267º alínea d), B pode intentar uma acção de restituição
da posse de acordo com o artigo 1278º. Assim, enquanto não tiver passado um ano há uma
sobreposição de posses de A e B, (sendo que como já vimos a posse de A é interdital) o
esbulhado B só vai perder a posse ao fim de 1 ano e 1 dia.
Nos termos do 1278º é importante ver quem tem a melhor posse. Para isto temos de ver
se a posse de B era titulada e se não for temos de comparar com a posse de A e ver se esta é mais
antiga, e por estas regras vemos que a melhor posse seria sempre a posse de B. A acção de
manutenção não caducou pois a posse foi tomada ocultamente, de acordo com o artigo 1282º, e
por tanto só se começa a contar o prazo de 1 ano para a caducidade da acção de restituição
quando a posse oculta se tornar pública.

Alínea b) Posse de D tem corpus porque há controlo material da coisa. É uma posse não
titulada, em contraposição ao 1259º, isto é, não se funda em modo legítimo de adquirir, logo
presume-se de má fé 1260º nº2. É pacífica, o 1261º diz nos que é assim porque não houve
roubo, senão há elementos na hipótese para depreender o carácter violento ou oculto da posse,
tratamos a posse como sendo pacífica e pública e é pública 1262º.

Em relação às classificações doutrinais, temos uma posse que é civil, boa para todos os
efeitos. É efetiva porque há prática de atos materiais sobre a coisa que é objeto da posse e é
formal porque exercida sem a titularidade do direito correspondente.
Portanto, temos 3 possuidores: A, B e D. Os meios de defesa disponíveis para B seria ação
de restituição da posse contra D, 1281º nº2 e 1282º. A também pode recorrer a uma ação de
restituição da posse contra D 1278º nº2.

Nestes casos, devemos primeiro classificar a posse do B, porque a aquisição originária de


direito totalmente incompatível é um factor de extinção do direito real anterior. Ou seja, se D
adquire por usucapião o direito de propriedade sobre a coisa faz extinguir o direito de
propriedade de B. Daí que seja importante analisar as duas situações.
Pode B propor ação de restituição contra D? Muitas vezes os prazos presentes nestas
hipóteses levam-nos a concluir que relativamente a B este se pode manter como proprietário,
mas passado 1 ano perde a posse. Os prazos são equacionados para saber se D adquire por
usucapião.

Ora 2 anos é superior a 1 ano, se o prazo mínimo de usucapião excede o prazo da perda
da posse a situação de B nestes casos é de quem já perdeu a posse pelo que não poderá
intentar uma ação de restituição, mas sim uma ação de reivindicação. A posse que
realmente interessa nestes exercícios é a de D, as outras apenas completam a resposta.
Ambos A e B podem propor ação de restituição da posse porque D está de má fé. Porém,
há aqui um problema. A ação de restituição 1281º nº2 pode ser contra o esbulhador ou contra
quem tenha conhecimento do esbulho, D tem conhecimento do esbulho que fez a A, mas D não
conhece o esbulho que A fez a B. A norma interpreta-se não relevando apenas conhecimento
do esbulho, mas sim situações em que se está de má fé porque é esbulhador de um
esbulhador, logo o esbulhado inicial pode propor ação ainda que este não tenha
conhecimento do esbulho inicial que é invocado.

Quanto à sobreposição de posses, no 1278º há duas normas que se aplicam em que a


posse não tenha mais do que 1 ano e, no caso, não sabemos há quanto tempo é que A tem a
posse. Se a posse de A tiver mais do que um ano, a consequência é que B deixava de poder pedir
a restituição da coisa, porque perdeu a posse. B só pode pedir a restituição da posse se a de A
tiver menos de um ano. Se a posse tem menos de um ano aplicam-se o 1278º nº2 e nº3.

Só se aplicam estas normas se a posse do esbulhado não tiver mais do que um ano.
1278º nº2 este terceiro está de má fé. D adquiriu a posse por apossamento, é uma posse não
titulada presumida de má fé, logo contra ele pode ser proposta uma ação de restituição da posse.
Alínea c) 3 possuidores possíveis: A, B e E. Posse de E: civil, efetiva, não registada.
titulada, boa fé fundada num modo legitimo de adquirir, tradição simbólica, pacífica e pública.

Conclui-se que E é um terceiro de boa fé, e na verdade este E em razão da aquisição


é terceiro de boa fé. A perdeu a posse porque vendeu a E, perdeu a posse por cedência. Mas,
B manteve a propriedade e pode propor ação de reivindicação contra E, embora tenha que
pagar o valor que E pagou pela aquisição das telas, artigo 1301º. A nada faz contra E porque
perdeu a posse e B pode intentar ação de reivindicação defendendo o direito de propriedade
pagando o valor que E deu por elas.
Na relação entre E e B só há a defesa do direito de propriedade e não a posse? B pode
propor ação de restituição da posse? Não pode, porque B está de má fé, não se sabe se este tem
ou não posse. Pode porém exercer ação de reivindicação? A não é comerciante, logo o 1301º
não se aplica. Por isso a ação de reivindicação é precedida sem limitações. O proprietário esse
sim pode exercer a ação de reivindicação sem ter que pagar o preço de comerciante por não se
aplica 1301º, só se aplica se o vendedor fosse comerciante, mas não é o caso.115

Alínea d) 1281º nº2, uma ação de restituição pode ser proposta contra o esbulhador ou
seus herdeiros. E Se esta norma não existisse? Tinhamos o artigo 1255º há apenas uma posse,
a posse continua nos sucessores. O sucessor recebe a posse do de cujus com o tempo e
características dessa posse. Isto não significa que não haja impacto no facto de ter havido esta
transição física, na medida em que a lei atribua relevância à alteração das características
sucessórias.

Não há relevância desta alteração das circunstâncias para efeitos da usucapião 1294º
em conjugação com o 1260º nº1, só releva o momento da aquisição que foi de boa fé, não
há um regime misto de contagem dos prazos, pois esta alteração não é relevante. Se a posse
passar de violenta para pacífica já será relevante para usucapião. Se há mais que uma pessoa a
exercer a posse, posse do sucessor é a do de cujus mas na medida em que se admite relevância
das alterações na posse esta releva para certos efeitos.

A má fé de um dos herdeiros aproveita aos outros? Para efeitos de usucapião a lei dá


relevância ao impacto de um nos outros, se isso é assim para efeitos de posse em frutos,
Henrique Sousa Antunes diria que não. Há uma posse que há contitularidade mas a expressão
desta contitularidade se define por uma quota e assim consigo separar aquilo a que cada um
tem direito, pelo que não posse estender a má fé de uns aos outros.

Hipótese 15

“A foi acumulando dívidas ao longo dos últimos anos. Estando agora a ser pressionada
pelos seus credores e não tendo como pagar, furtou a B um quadro original de Graça
Morais, que entregou a C, com vista a solver uma dívida. Esta última, dona de uma galeria
de arte, vendeu-o em menos de uma semana a D, que, muito satisfeita com a aquisição,
decidiu dar uma festa para o mostrar aos seus amigos e conhecidos. A festa foi amplamente

115 É claro que o terceiro poderá agir em relação ao vendedor.


divulgada nos meios de comunicação social. Tomando conhecimento do facto, B pretende
reaver o seu quadro. Quid iuris?”

A adquiriu por apossamento. C adquire por tradição material da coisa e D também, a


posse de B é civil, não efectiva, causal, não registada, titulada, de boa fé, pacífica e pública, a
posse de D é civil, efectiva, formal, não registada, titulada, pacífica e pública. É questionável se a
posse de B é titulada, como sei se é titulada ou não? Se tivesse sido fundada num modo legítimo
de adquirir. Nesta hipótese não sei, a hipótese não diz. B também poderia ser um esbulhador,
não sabemos. Logo também não podemos presumir a boa fé.
Não é suposto qualificarmos a posse de B de qualquer forma, a hipótese requer apenas a
classificação da posse de D: civil, efectiva, formal, não registada, titulada. É uma venda e por isso
presume-se também de boa fé, pacífica e pública. Sendo posse de boa fé está meio caminho
andado para resolver a hipótese, porquê? Para impedir a ação de restituição da posse, logo só
nos resta a ação de reivindicação 1311º. Logo, B só tem a seu favor a ação de reivindicação,
que neste caso tem um limite porque C é comerciante, dona de uma galeria de arte, logo
aplica-se o artigo 1301º. Assim sendo, B teria que pagar o valor que D deu na aquisição da
coisa. B terá depois direito de regresso contra aquele que culposamente provoca o prejuízo,
neste caso A. Logo, B paga ao D mas tem o direito de reembolso contra A.
No plano substantivo esta relação entre A e C considera-se aplicável o regime do
838º. Do ponto de vista real D tem posse de boa fé só resta a ação de reivindicação com a
limitação do 1301º.

Hipótese 16

“A é proprietário de um automóvel de coleção que emprestou a B, em julho de 2007, a fim de que este
o usasse, com a sua mulher, durante as férias. Uma vez regressado, B não devolveu o automóvel ao
proprietário, passando a utilizá-lo como veículo de aluguer para turistas. Quanto instado por A a
restituir o veículo, B ameaçou-o com a prática de atos de violência física se aquele promovesse
qualquer ação judicial contra si. Atemorizado, A nada fez. Em junho de 2017, A morreu. C, seu único
herdeiro, pretende agora saber que direitos lhe assistem quanto à propriedade do automóvel, aos
rendimentos de que B beneficiou e aos danos sofridos com a deterioração do veículo. Quid iuris?”

Quando A empresta o automóvel a B nesta altura, B já é de facto possuidor ou é ainda um mero


detentor? Se olharmos para esta situação como um contrato de comodato, o comodatário que recebe a
coisa que vai utilizar, exerce um controlo da coisa de forma correspondente a um direito de propriedade
ou outro direito real? Não, e assim sendo o comodatário não é possuidor, pois cai no âmbito do artigo
1253º alínea c), controla a coisa de facto mas não como titular de um direito real, mas sim como titular
de um outro direito, e assim sendo em relação a um direito real está a possuir em nome do titular desse
direito real. Em termos práticos até podíamos ter outra hipótese de detenção, 1253º alínea b), mas em
qualquer dos casos, vence-se a presunção de posse pois não há nenhum controlo material que seja
feito de forma correspondente ao exercício de um direito de propriedade ou outro direito real.

Quando B se recusa a entregar o carro A há aqui aquisição da posse, e de que forma? Será que
pode ser inversão do titulo da posse 1265ºCC? Para haver inversão do título da posse tem de existir um
detentor, e isso já sabemos que acontece. Mas não basta isso, tem de haver uma oposição. Neste caso
concreto, há três situações que em abstracto poderiam configurar uma oposição:

 Não devolveu o automóvel ao proprietário – este facto não pode ser considerado como um ato
de oposição pois quando se fala em oposição estamos a falar de uma demonstração de uma nova
vontade do detentor, este passa a comportar-se em relação à coisa não apenas como detentor mas
assumindo um comportamento equivalente ao de um possuidor. Esta não devolução do
automóvel não é um facto do qual eu possa extrair uma nova vontade – a única coisa que extraio é
que existe uma obrigação que está a ser incumprida.

 Passou a utilizar o veículo como veículo de aluguer a turistas – de facto denuncia a vontade,
mas a doutrina diverge quanto a saber se existe aqui de facto uma oposição ou não. O professor
Menezes Cordeiro diz que basta B passar a utilizar o veiculo como veiculo de aluguer a turistas
porque há publicidade e dá-se a cognoscibilidade da oposição. Já os professores Pires de Lima e
Antunes Varela consideram que só há oposição quando essa vontade é comunicada ao anterior
possuidor – por exemplo, quando alguém tem um terreno, e emigra ou desloca-se para outra
localidade e deixa de vigiar a situação em que o terreno está, nós sabemos que se alguém vier
lavrar o terreno durante 20 anos, ainda que proprietário do terreno jamais tenha sabido disso,
perde o direito pela aquisição originaria por usucapião daquele que lavrou o terreno – mas aqui
há um abandono do terreno, o indivíduo assume o risco. Quando empresto algo a alguém, eu
confio que essa coisa vai ser utilizada no contexto dos poderes que eu lhe atribuí, não assumo
qualquer risco. Por isso o professor Henrique Sousa Antunes considera que a pessoa que
empresta uma coisa não deve ser colocada na mesma posição daquela que simplesmente
abandona, pelo que para haver uma inversão do titulo da posse é preciso que o detentor em quem
confiei me dê a saber que a minha confiança já não é merecida, ou seja, concorda com os
professores Pires de Lima e Antunes Varela quando estes dizem que para haver oposição é
preciso que a vontade seja comunicada.

 B ameaça A com a pratica de atos de violência física após A o ter instado para restituir o
veículo – aqui, seguindo a visão dos professores Pires de Lima e Antunes Varela, já termos de
facto uma oposição e portanto, há uma inversão do titulo da posse – B passa neste momento a ser
possuidor. Aliás, se não seguíssemos esta visão colocava-se um problema que era: se a oposição se
desse num momento anterior a esta ameaça, significa que a violência seria apenas posterior, ou
seja, não teríamos uma violência originária mas sim superveniente. Por força da letra da lei, a
violência superveniente nem sequer conta para a classificação da posse como violenta, no
entanto, podemos tentar equiparar a violência superveniente à violência originária (ainda assim
não resolveria todos os problemas). Imagine-se uma situação em que temos 2 anos de posse
pacifica, 11 anos de violência posterior e ao fim dos 11 anos cessa a violência – quanto tempo tem
o titular do direito para reagir de acordo com o regime da usucapião? Poderia reagir no prazo de
8 anos (1297º CC).

Considerando que a posse só passou a existir com a ameaça, quando é que esta cessa? Com a
morte de A.

C é possuidor? Sim, pois nos termos do artigo 1267º/1 alínea d) conjugado com o número 2 do
mesmo artigo, e por força do artigo 1255º.
O prazo só se começa a contar a partir do momento em que cessa a violência, logo, A podia
intentar uma acção de restituição 1281º. Mas e quanto à propriedade? Como a posse é violenta, não
começou logo a contar o prazo 1297ºCC para B adquirir por usucapião, começando apenas a contar a
partir da morte de A, logo, B ainda não adquiriu o direito de propriedade sobre o automóvel por
usucapião.

Quanto aos rendimentos, B tem uma posse de má-fé e portanto os frutos vão ter de ser
restituídos a A, 1271º e quanto à deterioração aplica-se o artigo 1269º a contrario logo também teria de
responder por uma eventual deterioração da coisa.
1311º a acção de revindicação é ainda indicada neste caso para reconhecer a propriedade do
interessado e ordenar à restituição do que lhe pertence

Hipótese 17

“Em janeiro de 1999, H vendeu a I um imóvel. Em junho de 1999, I emprestou a J o referido


imóvel. Em abril de 2000, H, aproveitando-se do facto de ainda figurar no registo como
proprietária, convenceu J de que era a verdadeira proprietária do imóvel. H vendeu o
imóvel a J. O referido contrato foi outorgado por escritura pública, mas J também não
procedeu ao registo da sua aquisição. I, emigrante na Austrália, decidiu passar o Natal de
2015 em Portugal e exige que J lhe entregue o imóvel emprestado. Esta recusa-se, alegando
ser proprietária do referido prédio. Quid iuris?”

No plano substantivo há uma compra e venda entre H e I, e sendo este um negócio


consensual o artigo 408º estabelece que a transferência dos direitos reais se dá por mero efeito
do contrato, ou seja, celebrado o contrato I passou a ser titular do direito de propriedade sobre o
imóvel. J nunca chega de facto a adquirir este direito uma vez que o negócio celebrado entre este
e H se trata de uma compra e venda de bens alheios que nos termos do artigo 892º é nula, ou
seja, não produz nenhum dos efeitos típicos da compra e venda.

Quando analisamos o plano registal é apenas para ver se interfere no o plano


substantivo, sendo que neste caso não interfere uma vez que não é por H ter um registo em seu
favor que este adquire a propriedade, logo também neste plano é I quem tem a propriedade.

No Plano possessório nesta hipótese não é necessário analisar a posse de I, mas


apenas a de J pois só este pode usar a posse como forma de adquirir o direito de
propriedade.
Inicialmente, temos um contrato de comodato celebrado entre I e J, o que significa que
em Junho de 1999 J é ainda um mero detentor nos termos do artigo 1253º alínea c). Em Abril
de 2000, J passa de detentor a possuidor por uma inversão do titulo da posse por ato de
terceiro, mas como é que H é considerado terceiro? Só posso dizer que H é terceiro se não for
possuidor, e de facto não é pois transferiu a posse para I, perdendo a posse por cedência,
1267º/1 alínea c). Logo temos de facto uma inversão do titulo da posse por ato de terceiro e
não uma traditio brevi manu e isto tem uma importância prática muito importante, no primeiro
caso não se pode aplicar o regime da acessão da posse, 1256º, enquanto no segundo já é
possível.

Assim sendo, J tem posse e esta foi adquirida por inversão do titulo da posse por
ato de terceiro. Quanto à classificação, pode-se dizer que esta é uma posse:

 Civil

 Não registada

 Efetiva

 Formal
 Titulada

 Presumida de boa-fé

 Pacifica

 Pública

Da classificação da posse, passamos a analisar se J adquiriu o direito de propriedade por


usucapião. Desde logo, o artigo 1294ºCC não se aplica porque J não registou, logo caímos no
âmbito da norma do 1296ºCC. A aquisição dá-se no prazo de 15 anos se for de boa fé, começando
esta a ser contada a partir do momento em que comprou o imóvel (Abril de 2000), logo, visto
que estamos a analisar a hipótese por referencia à data de Dezembro de 2015, J adquiriu o
direito de propriedade por usucapião.

Hipótese 18116

“Em janeiro de 1992, e após a celebração de um contrato-promessa de compra e venda, A,


promitente-comprador, passou a habitar no apartamento que B lhe prometera vender. Foi
entregue um terço do preço a título de sinal e de antecipação de pagamento, tendo ficado
acordado que, no momento da escritura pública, A pagaria o remanescente. A celebração do
contrato definitivo foi sendo sucessivamente adiada por A não conseguir, junto do Banco X,
o financiamento necessário. Em junho de 1994, A emprestou o imóvel ao seu amigo C por
um período de três anos, tendo A vendido o imóvel a C, em janeiro de 1997. O contrato foi
celebrado verbalmente e a aquisição não foi objeto de registo. C passou, contudo, desde essa
data, a pagar todos os impostos devidos pela propriedade do imóvel. Em janeiro de 2002,
em virtude de C não ter pago o valor das obras feitas por D no imóvel, este reteve as chaves
do apartamento até ao pagamento da dívida, que teve lugar em janeiro de 2003. Em janeiro
de 2004, C morreu, sucedendo-lhe como seu único e universal herdeiro E. Supondo que a
situação descrita se mantém inalterada, diga quem e quando poderá adquirir, por
usucapião, a propriedade do imóvel.”

Há uma tradição antecipada da coisa. Esta tradição antecipada da coisa dá ao promitente


comprador um direito pessoal de gozo atípico - não há nenhuma norma que preveja (e não um
direito real). O promitente comprador é o detentor, porque? Há uma presunção de posse, há um
sujeito que está a controlar materialmente a coisa. Isto faz nascer uma presunção possessoria.
Mas nós sabemos que o nosso direito consagra uma posição subjectiva mitigada. O animus não é
irrelevante, na medida que o artigo 1253º o determine. Se houver algum facto que se enquadre
neste artigo, aquilo que é a presunção passa a ser uma mera detenção. Estamos perante o
contexto do 1243º, al. c) parte final. Isto dá-se quando alguém está a tutelar materialmente a
coisa num contexto de um direito que tem mas exercendo simultaneamente um direito real que
legitima o seu próprio direito. Ou seja, é a pessoa que recebe o apartamento na consequência do
contra promessa que celebrou.

116 Atenção a esta resolução: não foi revista ao escrever o caderno.


Tem um direito pessoal legitimado por um direito de propriedade do promitente
alienante. Portanto, quando a pessoa está a controlar materialmente a coisa está a fazê-lo em
termos creditícios para seu interesse, mas não deixa de estar a exercer um direito alheio de
propriedade. Por isso, cai no artigo 1253º, al. c). De um modo geral, todos os que possuem em
nome de outrem. O prof. Menezes Cordeiro faz uma abordagem para situações que são de
direitos pessoais atípicos de gozo, mas tomando como referência os casos relativos ao
promitente-comprador, ou comprador com contrato de c/v com reserva de propriedade. De
facto, estamos perante situações de detenção, porque relativamente à propriedade é indiscutivel
que a propriedade não está a ser exercida em nome próprio por este indivíduo que controla
realmente a coisa. A propriedade está no promitente alienante (reserva de propriedade). Não
obstante, para responder a algumas questões que são colocadas, nomeadamente, se podem
recorrer a meios de defesa possessórios - não é que possam adquirir por usucapião, porque esta
posse nunca poderá ser uma posse civil, artigo 1253º, só poderá ser uma posse interdital - não
será possível tratar juridicamente estes casos? Prof. Menezes Cordeiro diz que sim. Porquê? Na
verdade, encontramos dois regimes jurídicos paradigmáticos: comodato - gozo da coisa sem
contrapartida económica; locação - recebo uma coisa, estou a gozar a coisa, mas estou a pagar
por essa coisa. Estes são direitos pessoais de gozo típicos. artigo 1133º - comodato (nº2). Nós
vamos ao regime da locação, vamos ao artigo 1087º - o legislador quis dar a pessoas que estão
em posição de detenção, a possibilidade de beneficiarem por parte do regime da posse, em
particular os meios de defesa possessórios. Depois discute-se se se pode beneficiar dos frutos…
Prof. Menezes cordeiro: olhamos para a situação do promitente-comprador ou olhamos para a
situação do comprador num contrato com reserva de propriedade. Se eles beneficiaram da
entrega da coisa sem nenhuma contrapartida económica, ou com uma contrapartida económica
irrisória, eles devem ser equiparados a comodatários. Mas o comodatário beneficia dos recursos
aos meios de defesa possessórios. Ou se eles receberam a coisa e beneficiaram dessa coisa mas
com isso tendo de prestar uma contrapartida económica, estão numa situação parecida com a da
locação e também vão poder beneficiar dos meios de defesa possessórios porque a lei prevê essa
possibilidade do regime da locação. Eles são detentores/possuidores em termos de posse
precária ou como nós qualificamos em termos de posse interdital. A é como se fosse locatário. A
pagou 1/3 do preço. Aqui não há a reiteração da contrapartida económica. Mas a verdade é que
se recebe a coisa com uma contrapartida. Portanto, há aqui uma situação semelhante à situação
da locação. Mas foi entregue 1/3 do preço a título de sinal. Se calhar, ficávamos mais vacilantes
se, à semelhança do que acontece na hipótese seguinte, se tivesse dito que beneficiou da coisa
depois de ter pago, vamos supor, 85% do preço. Isto é, o contrato definitivo não foi celebrado.
Ele recebeu a coisa em entrega antecipada e antecipou ele próprio o correspondente a 85% do
preço. Neste caso, o prof. acha que vacilaríamos porquê? Porque, no fundo, é como se tivessemos
a olhar para duas pessoas que são titulares da propriedade sobre a coisa. Não são. Actualmente
só há um, que é o promitente alienante. São duas pessoas que de alguma forma reclamam algum
poder de propriedade sobre a coisa. No fundo, o alienante agora só pode reclamar o poder de
propriedade correspondente a 15%, porque é a única coisa que falta receber. Ao passo que o
outro pode reclamar o poder de propriedade sobre a coisa correspondente a 85% do preço. isto
é, o sacrifício económico correspondente à propriedade já não está do lado do alienante. Está do
lado do promitente adquirente. E qual é o impacto que isto em? Nestas situações, diz o professor
Menezes Cordeiro , diz a doutrina em geral e diz a jurisprudência que, embora haja uma
presunção que seja vencida pelo artigo 1253º, al. c), que é possível esquecer que estamos ainda
perante o sistema que adoptou uma concepção subjectiva. É verdade que está mitigado que há
uma presunção, mas subjectiva. Se é subjectiva diz a doutrina e a jurisprudência: apesar de
haver uma coisa que levaria a aplicar o artigo 1253º, al. c), se se demonstrar/provar o animus
(não tem de ser demonstrado para haver posse, mas pode ser demonstrado para haver posse).
Posso utilizar a presunção mas posso, provando o animus, chegar lá sem ir pela presunção. O
que diz a doutrina e a jurisprudência é: quer no caso do promitente adquirente, quer no caso do
adquirente com reserva de propriedade, se o sacrifício económico que já tiveram de fazer
relativamente à coisa é equivalente àquilo que se exige para a aquisição da propriedade, nesse
caso, deve o promitente adquirente ou o adquirente com reserva de propriedade, ser
considerado como possuidor. Ou seja, sempre que o preço tenha sido pago na integralidade, ou
próximo disso (denunciador de um grande sacrifício económico) e portanto, a pessoa não se
sente relativamente à coisa como apenas um beneficiário, ou um mero locatário. O sentimento
que ele tem é de já um proprietário. E nesses casos, ele não pode dizer que reconhece que a
propriedade do outro. Ao fim de 20 anos do contrato-promessa: o alienante vai dizer que não há
aquisição por usucapião, e o promitente adquirente vai dizer que pagou o preço e age sobre a
coisa como um proprietário (p.e. demonstrando que paga os impostos, que participa nas
reuniões de condomínio, etc.). O que desencadeia o problema é a pessoa já ter pago quase todo o
preço mas tem de demonstrar mais qualquer coisa para ser considerado possuidor em termos
de propriedade. No fundo, pede-se que se comporte como se fosse efectivamente proprietário.
Mas, em termos simples, para aquilo que agora nos interessa, o professor Menezes Cordeiro
acaba por sistematizar a situação de detenção que ocorre nesta hipótese, bem como na hipótese
19 e estabelece 3 planos: Plano em que recebe uma coisa e nada paga - situação próxima do
comodato “ ” algum montante pagou - situação próxima da locação pagou parte significativa do
preço - tenho verdadeiramente posse, foi demonstrado o animus relativo ao exercício do direito
de propriedade (há uma nota nas lições que trata este problema e como é que a jurisprudência
vem trabalhar nesta matéria) Porque é que isto não é um problema? A passou a controlar a coisa
mas só pagou 1/3 do preço. É portanto um mero preceptor. Portanto, estamos de acordo com o
que diz a Carlota. mas há um momento em 94, que o A empresa o imóvel ao seu amigo e depois
vende-o a C. A pergunta que se pode colocar é se nesta hipótese, estes comportamentos não têm
relevância jurídica. A Carlota, ao ver do professor e bem, disse que ele está a opor-se ao
proprietário. Mas essa oposição tem de ser uma oposição comunicada ao possuidor, sito é, é uma
oposição que tem de ser transmitida ao possuidor, explícita. Ou seja, este acto de oposição é um
acto recipiendo. Tem de ser levado ao conhecimento do anterior possuidor para que estejamos
efectivamente perante essa oposição. Ora, isto não acontece. Mas porque é que é necessário que
a oposição seja explícita? Porque é que é necessário que o antigo possuidor tenha
conhecimento? Até podíamos dizer, quando uma pessoa abandona a terra que tem e vai para
outro lado qualquer, expõe-se a que venha uma pessoa que comece a lavrar a terra e que venha a
adquirir por usucapião. Ninguém diz que a pessoa só vem adquirir por usucapião se deu
conhecimento ao antigo proprietário do terreno. Então podíamos pensar que está em
contradição com o que o que o prof. AV defende. Não, não há contradição porque há uma
diferença: uma coisa é, A abandonar a coisa e assumir o risco que, de facto, alguém possa vir a
controlá-la num futuro próximo. A assume esse risco e não pode ser a lei a ter uma posição
paternalista e no fundo, a defender A desse risco. Coisa diferente é quando A entrega em
comodato ou em locação, ou na sequência de um contrato promessa, alguém que eu confio e que
vai utilizar a coisa num contexto da causa que deu origem a essa entrega. E a lei não pode exigir
que eu esteja a indagar se ele se está a comportar como comodatário ou como proprietário. Há
uma confiança que a lei tem de tutela, confiança essa que é gerada pela própria causa. Portanto,
quando é que pode haver inversão do título da posse? Só quando eu tomar conhecimento que a
pessoa que lá estava se passa a comportar como titular do direito que eu tenho. Isto é, em razão
da confiança que se gera, é preciso que essa confiança seja destruída pela declaração do
possuidor faça ao detentor da sua nova intenção. Mas se eu digo que A não adquiriu a posse,
também é verdade que C adquiriu a posse. E C adquiriu a posse por inversão do titulo da posse
por acto de terceiro. 1º tenho de pressupor que C já estivesse a controlar a coisa quando adquire
a posse e, na verdade, é isso que está dito na hipótese. A emprestou o imóvel ao seu amigo C,
portanto, C já está a controlar materialmente a coisa. E depois, A vende o imóvel a esse C. Nunca
reconhecemos ao A a qualidade de possuidor, e se ele não é possuidor, o que é que ele é
relativamente à posse? Um mero terceiro. Transmite a posse sem ser possuidor, ao detentor.
Aquilo que dissemos relativamente à inversão do titulo da posse por oposição não deve valer
também para a inversão do titulo da posse por acto de terceiro (ser comunicado ao antigo
titular)? O prof. Henrique Antunes acha que não: a antigo possuidor está descansado porque
confia, mas aqui o detentor está de má-fé, em regra. Na inversão por acto de terceiro, o detentor
confia no terceiro que aparece. Há aqui uma tutela que tem de ser feita também ao novo
possuidor. Em bom rigor, a pessoa adquire porque confia. Se confia, então, desconhece que haja
um outro que seja o titular da posse. Estaria, no fundo, a ser privado da posse quando em bom
rigor estará a confiar na situação que lhe foi apresentada.

Em suma: na inversão do titulo da posse por oposição tem de haver comunicação da


intenção; na inversão do titulo da posse por acto de terceiro, não tem de haver comunicação.
Portanto, o que é que isto significa? C adquiriu a posse em Janeiro de 1997 por inversão do título
da posse por acto de terceiro. Há aqui um comportamento correspondente ao exercício do
direito de propriedade, ou seja, há posse, C é possuidor. C adquire a posse por inversão do título
da posse por acto de terceiro e depois qualificamos a posse do C: posse não registada, civil (boa
para todos os efeitos, inclusive para a aquisição por usucapião), formal, efectiva (há um controlo
material da coisa), não titulada (contrato celebrado verbalmente), pública, pacífica e presume-se
de má-fé. Isto leva a que a aquisição por usucapião se dê segundo os termos do artigo 1296º CC.
Aplicação de um prazo de 20 anos. A aquisição dar-se-ia em Janeiro de 2017. É relevante que
quem vai invocar a aquisição por usucapião é o E, pode fazê-lo pelo fenómeno de sucessão da
posse. Sucede na posse do C. Ao descrever a posse do C estamos a descrever a posse do E. E só
fica por esclarecer a questão do prazo entre 2002 e 2003 - poder-se-ia questionar se não teria
havido aqui uma paragem do tempo que seria relevante para efeitos de usucapião. Porquê? A
aquisição por usucapião pressupõe uma posse efectiva continuada no tempo. Ora, entre 2002 e
2003, não terá havido um controlo material da coisa por parte de C. As chaves ficaram com D.
Que implicações da situação do D tem na posse do C? Qual a norma que me permite resolver este
problema? artigo 1252º/1 porque a posse pode ser exercida pessoalmente como por intermédio
de outrem. Este outrem sendo também possuidor do próprio direito, ou sendo apenas um
detentor porque não tem nenhum direito real. O D está a possuir em nome do proprietário o
direito de propriedade. D está a possuir em nome do C a título de posse de direito de
propriedade. C adquire por usucapião em Janeiro de 2017 pelo artigo 1296º CC

Hipótese 19 117

“Em janeiro de 1990, A celebrou com B um contrato de compra e venda de um apartamento


deste último, com reserva de propriedade, tendo havido entrega da coisa. O pagamento do
preço foi dividido em três prestações, a primeira e a última correspondentes, cada uma, a
5% da totalidade do montante devido e a segunda prestação equivalente aos restantes 90%

117 Mesma coisa que na nota de rodapé anterior.


do preço. A terceira prestação, que deveria ter sido realizada em março de 1990, não
chegou a ser efetuada. O apartamento foi abusivamente ocupado por C, cunhado de A que
regressara do Brasil, desde abril de 1990 a janeiro de 1991, quando foi decretada a
restituição da posse a pedido de A. Em dezembro de 1996, A celebrou com D, por documento
particular, um contrato de compra e venda do apartamento, tendo o imóvel sido arrendado
ao alienante. D faleceu em maio de 1997. Em maio de 2010, B pediu o reconhecimento do
direito de propriedade, a restituição do que lhe pertence e a devolução das rendas pagas
por A. E, único herdeiro de D, invocou a aquisição por usucapião. Quid iuris?”

Temos duas pessoas em conflito: B e E. Isto faz com que tenhamos de analisar a situação
destes. Situação de B, não parece haver grande dúvida. O apartamento pertence a B. E o contrato
é feito com cláusula de reserva de propriedade. Mesmo após a c/v, o imóvel permanece na
propriedade de B. Há toda uma sucessão de eventos, o A já estava a habitar a casa, pagou um
montante do preço, entretanto vendeu a D e o comprador de A morre sucedendo-lhe E. É preciso
procurar as pessoas que estão em conflito. E depois olhamos para trás para perceber o que é
determinante para este conflito. Para E adquirir por usucapião, tem de usufruir do regime da
posse. Como é que a coisa se processa a este respeito? E é possuidor? Temos de ver qual a sua
situação concreta. A de alguém que é herdeiro de um sujeito anterior. Para alguém adquirir a
posse por sucessão é preciso que a pessoa que tenha morrido seja possuidora. O que resulta da
hipótese é que D celebrou contrato de c/v com A. Logo, não há nada que pudesse destruir a ideia
de que há u controlo de propriedade a título do proprietário. Estamos de facto perante um
possuidor. Como é que D adquire a posse? Vamos ter um problema: tenho de classificar também
a situação de A, pois foi este que lhe vendeu. A é um possuidor? Se é um possuidor, teria havido
uma cedência. E até poderíamos equacionar se não haveria aqui um constituto possessório -
fenómeno que alguém, sendo possuidor, transmite a sua posse, apesar de continuar a controlar
materialmente a coisa. A celebrou contrato de c/v com B, mas o imóvel foi arrendado ao próprio
A. A vende mas continua lá - fenómeno de constituto possessório.

Quando alguém é possuidor e passa a detentor - constituto possessório. Mas este


pressupõe várias coisas: já sabemos que A não é titular do direito real. É B, que é proprietário.
Constituto possessório tal como está tipificado na lei não poderia haver. Mas poderá haver
cedência - tradição (não material) simbólica. Qual a relevância disto? É podermos recorrer ao
regime da acessão da posse. Juntar a posse anterior para efeitos de usucapião. Para poder falar
de tradição simbólica é preciso que ocorra uma coisa: que A seja possuidor. Não está ainda
demonstrado que A é possuidor. É, ou não é possuidor? Contrato de c/v com reserva de
propriedade logo, A é detentor. Doutrina e jurisprudência, quando uma parte do preço é pago,
deve considerar-se possuidor. B é aqui considerado possuidor. Em bom rigor, é o E que pretende
opor-se ao B. A posse do E é a posse do falecido.

Entre A e B houve a tal transição simbólica. Agora vou classificar a posse de B: civil. É
posse não registada (não há referência ao registo). É uma posse por intermédio de A, posse
efectiva. Posse formal ou causal? É ou não acompanhada de titularidade do direito? Não, posse
formal. Posse não titulada, a forma não está preenchida. Posse presumida de má-fé, passiva e
pública. Resumindo: qual o prazo para que E possa adquirir por usucapião? 20 anos - é a pior das
posses, não titulada e de má-fé. 20 anos a contar do início da posse do D. Deu-se em Dez de 1996
quando A lhe transmite a posse. A questão está a ser colocada em 2010, ainda não adquiriu por
usucapião. Porém, pode haver acessão. O sucessor está a juntar a sua posse o antecessor do
decuius. A posse do A. Será necessário qualificar a posse do A? Não há posse que possa ter piores
características do que a do E? Não, então não é preciso qualificar a posse do A. Começou quando
pagou a segunda prestação, mais ou menos em Março de 1990. Ao A adquirir a posse, começa a
contar o prazo para a aquisição por usucapião. Até 2010 passaram 20 anos, logo adquiriu por
usucapião. Só há um problema: entre Abril de 90 e Janeiro de 91 esteve ocupado. Só em 91 a
posse foi restituída. Há alguma norma para esta preocupação de interrupção da posse? Saber se
efectivamente não terá havido uma paragem que perturba a aquisição por usucapião? Quando
abusivamente ocupa está a possuir em seu nome, 1252º não se pode invocar. Pode se invocar
1283º. Desde que tenha havido esbulho e tenha sido restituída a coisa, é como se a pessoa a
quem se restitui não conta a paragem é como se a posse tiver sido continuada. B perdeu a
propriedade porque A adquiriu por usucapião. E as rendas? Norma que justifique que entre 96
celebração do arrendamento e 2010 aquisição por usucapião, as rendas pertencem ao novo
proprietário e não ao antigo proprietário. Como é que eu posso justificar que as rendas
pertencem ao novo? 1288º - a usucapião é retroactiva.

Pág. 334 Manual - entendimento do prof. Henrique. E se as rendas não eram de 96 mas
de 92 em diante. Qual o problema que se coloca? 96 é a data que começa a posse do D. E é
também a data do contrato de arrendamento. Retroage a usucapião à data do início da posse. A
posse do D começou em 96. E se o contrato de arrendamento começa em 92. Contamos o início
da posse do 1288 desde o início da posse do A, antecessor? A retroactividade é desde a posse da
pessoa que beneficia por usucapião? ou desde a posse que se juntou? Desde D ou desde A? O
prof. defende que a posse deve ser apenas desde D. Deve contar desde a posse daquele que
beneficia da aquisição por usucapião.

Hipótese 45

“A vendeu a B um terreno, de que era proprietário, situado em Setúbal. A escritura pública


foi celebrada em dezembro de 1998 e, de imediato, B começou a lavrar o terreno. A
aquisição não foi registada. Dois anos depois, B recebeu um convite para dirigir uma
grande exploração agrícola na Austrália. Aceitou a oferta e partiu, sem tomar qualquer
providência a respeito da utilização do prédio. Conhecendo o sucedido, A ocupou o terreno e
dois meses depois, em maio de 2000, vendeu esse prédio a C, que desconhecia a alienação e
a posse anteriores. Esta compra e venda foi registada e, desde logo, o comprador iniciou o
cultivo de beterraba. Em junho de 2009, necessitado de financiamento em virtude de
dificuldades económicas entretanto surgidas, C vendeu o prédio a D e este constituiu em
benefício daquele um direito de uso sobre o terreno. Os dois factos foram registados. B,
entretanto regressado, pretende reagir, exigindo o reconhecimento do seu direito de
propriedade, a restituição do prédio e uma indemnização pelos frutos que a coisa produziu
até então. Quid iuris?”

No Plano substantivo: Pertence a B.

No Plano registal: Quem está no final da cadeia é D, que pretende ter um direito que é
totalmente incompatível com o direito de B. A ida ao C só tem importância porque há um autor
que defende que quando há aquisição registal, o direito de B extingue-se.
Vamos analisar a posição de D, reconhecendo porém que no percurso há um C que
poderá ter sido protegido pela ordem jurídica num plano registal, e, como há doutrina, Professor
Oliveira Ascensão que defende que a aquisição registal provoca a extinção do direito no plano do
direito substantivo, então podemos analisar a situação de C.
Analisando a situação de C, este adquire a titulo oneroso, de boa fé e registou, é um
terceiro tutelado, e pelo Professor OA o direito de B extingue-se. Todos os actos praticados por C
a partir daí são actos legítimos, plenamente válidos. Os Professores Menezes Cordeiro, Carvalho
Fernandes e Henrique Sousa Antunes consideram que a tutela registal paralisa o direito num
plano substantivo, mas não o extingue. Temos de ver qual a posição do D. Será a posição de D
vista à luz do arigo 5º do CP? Não, esse adquire de C, enquanto B adquire de A. Logo, a posição de
D nunca pode ser vista à luz do artigo 5º. A posição de D tem de ser vista à luz do 291º ou 17º
nº2. Portanto no plano registal teria adquirido também, e ao ter adquirido, estava legitimado
ainda ao direito de uso. Se o direito de propriedade está tutelado pelas regras registais, o direito
de uso também o está. Ao proteger o D, estamos a proteger o direito de uso.

Plano possessório: Aqui ter em conta que se D for considerado proprietário tem
legitimidade para a constituição do uso, a situação do uso perde autonomia, aqui no plano
possessório a situação do uso perde totalmente autonomia, por maioria de razão.

Porquê? Porque o direito de uso não pode ser adqurido por usucapião, como tal, não
vamos analisar a situação possessória do C relativamente ao direito de uso. C só vai ser no plano
possessório indiretamente protegido através da aquisição do direito de propriedade de D. O D
enquanto proprietário é protegido, e o C enquanto usuário pode valer-se dessa pretensão
registal do D? Imaginando que C não registo, ou estava de Boa fé.
D tem um direito de propriedade onerado com um direito de uso, que está a opor a B, B
iria opor a sua situação para ficar com pelo menos um direito de uso sobre a coisa.

Se reconhecemos que há o direito de propriedade em beneficio do D, que é protegido


pelas regras registais, então estou a reconhecer legitimidade ao uso que foi constituído por esse
proprietário, o que tem razão de ser.
Estou a reconhecer que num primeiro momento ele não adquire um direito onerado com
uso, mas sim o direito de propriedade pleno, e é ele proprio que constitui um direito de uso. Por
isso, em termos sequenciais ele primeiro adquire a propriedade – e adquire-a onerosamente,
registando-a(tem de registar o facto correspondente à aquisição do direito de propriedade) e
boa fé. Ele está a opor ao B este direito de propriedade, o direito de uso é apenas uma
consequência dessa aquisição que ele faz.
Portanto, o direito de uso é apenas uma consequência dessa aquisição que ele faz, por
isso no plano possessório, sabemos que o direito de uso não tem autonomia, vamos considerar
apenas a situação de D.

D é ou não tutelado no plano possessório?

1º - É possuidor? Sim, comprou

2º - Adquiriu como a posse? Temos uma tradição simbólica, e não temos constituto
possessório – pode parecer porque alguém está a possuir, e vai continuar a controlar
materialmente a coisa, mas perde a qualidade de possuidor e passa a ser um detentor – Isso
acontece a C, que passa a ser usuário. Constituto possessório está pensado para que o titular do
direito real transmita o direito real, ora, C não é um titular do direito real. Para ser constituto
possessório, tudo isto tinha de ser feito por quem é titular do direito real, e C não é titular do
direito real.

3º - Como é que classificamos a posse? Posse civil, registada, formal, efetiva(1252/1


pode ser exercida por intermedio de outrem); Posse titulada, por isso presumida de boa fé.

Qual o prazo que vai adquirir de usucapião? 1294 nº1 a) – 10 anos

Desde julho de 2009 não passaram 10 anos. Por isso temos de recorrer à acessão, quem
tem a posse anterior é C, desde Maio de 2000, adquiriu a posse de tradição material.

Como é que classificamos a posse do C? Posse civil; Posse registada; Efectiva; Formal;
Titulada; Boa fé; pacifica e publica. Continuamos no 1294 a) com prazo de 10 anos, e o prazo
começa a contar a partir de 2000, como tal já adquiriu por usucapião.

No entanto a hipótese diz ainda “B entretanto regressado....” O reconhecimento do


direito de propriedade está vedado pela aquisição registal e também pela aquisição por
usucapião. Logo, está também impossibilitada a restituição do prédio. Quanto à indemnização
dos frutos, ele está a pedir frutos desde Maio de 2000.

Como as duas posses são de boa fé, porque o regime dos frutos na posse da boa fé
determina que o possuidor de boa fé faça seus os frutos percebidos até ao dia em souber que
está a lesar o direito de outrem. Não pode B pedir uma indemnização pelos frutos.

Nota-se que se C tivesse de má fé(2000 e 20009) e D de boa fé – Então B teria direito a


uma indemnização correspondente ao valor dos frutos.

Correção do teste de 2017, por Henrique Antunes.

1º - Plano substantivo – B é o proprietário da coisa, pois adquiriu por CV, o registo não
tem efeito constitutivo, tem apenas um efeito consolidativo. A transmissão do direito real dá se
por mero efeito do contrato, nos termos do artigo408º do CC + 892º + Doação alheia

2º - Plano Registal – B está em conflito com D, mas dado ter havido uma primeira
relação, importante perceber se C não terá adquirido por via do registo, visto que há doutrina
que diz que havendo uma aquisição registal, produz-se no plano substantivo a extinção do
direito existente. Como tal temos de recorrer ao artigo5º para ver se se encontram preenchidos
os seus requisitos, e, consequentemente C é protegido.

Tendo em conta que de acordo com uma interpretação sistemática e analógica do


artigo5º com o artigo17/2 e 291º sabemos que não basta registar para que se adquire por
registo, é ainda preciso que essa aquisição seja de boa fé e a titulo oneroso. Faltando aqui 2 dos 3
requisitos.
Como tal, não é protegido pelo artigo5º, logo não se coloca o problema da extinção do
direito de B. Mas C transmitiu o seu direito a D, logo importa ver à luz das regras registais, qual a
posição de D, que pode ser defendido pelo artigo17/2 ou 291º. Aqui temos 3 orientações:

1)Prof.OA – Tratando-se disto de uma nulidade substantiva, aplicar-se-ia o artigo291º,


pois há NJ que é nulo por falta de legitimidade do A (doação de uma coisa alheia). Mas havendo
um registo intermédio, que é uma condição de aplicação do artigo291º, então este art poderá
servir os interesses de D. Aquisição a titulo oneroso; Boa fé, pois há posse titula de D; Já passou o
prazo de 3 anos do negocio entre A e C. Logo, D seria tutelado por este artigo.

2)Prof.CF e MC – Procuram dar sentido aos 3 anos do 291º, dizem que esses se
justificam pela inexistência de um registo intermedio. Havendo registo intermédio, aplicam o
artigo17/2.

3)Prof.HSA – Professor defende que a justificação dos 3 anos do 291º deve-se ao facto
da pessoa que é tutelada no plano substantivo ter registado. Uma vez que B não registou, não
merece beneficiar do prazo de 3 anos do 291º, como tal aplicaria o 17/2.

3º - Plano possessório – Vamos olhar para a posição de D. É possuidor? Sim porque a


sua situação jurídica vem de um CV, que transmite a propriedade, porque o comportamento
material que D tem quanto à coisa não pode deixar de ser um comportamento correspondente a
um exercício do direito de propriedade. Como é que adquiriu a posse? C era o possuidor
anterior, e C transmitiu a posse, logo há uma aquisição da posse por tradição material.

Classificar a posse de D – é uma posse civil, registada, efectiva e formal. No plano legal é
uma posse titulada, presumida de boa fé, publica e pacifica.

Qual o prazo para adquirir por usucapião? 1294 a) há titulo e registo e boa fé, logo
10 anos. Mas, esses não seriam suficientes porque são contados a partir de fevereiro de 2009.
Como tal, se D se vier a opor com a aquisição por usucapião vai ter de recorrer à posse do
antecessor, o que nos obriga a qualificar a posse de C, e pode recorrer à acessão porque a sua
aquisição é derivada.

Como adquiriu C? A vendeu a B, como tal perdeu a posse, por isso quando A doa a C,
temos aqui tradição? Não parece, A não tem posse por isso não a pode transmitir. Também não
se pode falar de inversão da posse, mas pode haver a qualificação disto como uma forma de
apossamento.

Mas, se for apossamento estamos fora de uma posse titulada, de um modo legitimo de
adquirir. Um modo legitimo de adquirir, é um modo que se refere não à posse, mas ao direito
correspondente à posse.

Exemplo: Se o sujeito furta outro, adquire a posse por apossamento, mas não há uma
posse titulada por um modo legitimo de adquirir, pois esse modo não se refere à posse, mas ao
direito correspondente e a propriedade não se adquire por furto.

Mas D adquiriu por doação, por isso será que pode haver apossamento e posse titulada?
Não, quando qualificamos a posse titulada, estamos a assumir que se trata de um acto
que em abstracto transfere o direito real e concomitantemente a posse correspondente, ora, este
acto é um acto que em abstracto pode transferir o direito real, mas não transfere a posse, pois
essa não está no A, esse já perdeu a posse por cedência em relação ao C.

Nota: O Professor admite que se faça com tradição; Pode haver apossamento de boa fé
Como tal, tendo C adquirido por apossamento, este tem uma posse não titulada e de má fé –
1296º - 20 anos.

Tradição material vs simbólica - Pode haver tradição material relativamente a coisas


imoveis? Prof.HSA defende que sim. 1256/2 – “natureza diferente” o menor âmbito refere-se à
natureza que abrange tudo, fazemos uma avaliação global.

Acessão da posse – pag.364 do Manual – “se as posses respeitarem direitos da mesma


natureza, julga-se que a agregação combina as piores características dessa posse”. C registo, má
fé e posse titulada; D registo, posse não titulada – aqui como há um fenómeno de unificação,
vamos juntar tudo, vamos ter 1 só posse que vai ter as piores características. O D vai ter uma
posse não titulada e de má fé para efeitos da usucapião.

A acessão não se faz por confronto de 2 regimes (regime que seria aplicado ao C VS
regime que seria aplicado ao D), mas sim pela junção das piores características.

“dá-se nos limites da posse que tiver menor âmbito” – juntar as 2 posses, ver quais são as
piores características de uma e de outra, e depois determinar o prazo a aplicar.

Hipótese 20

“A vendeu a B, em maio de 2003, um prédio rústico por 50.000 euros, mediante documento
particular. O preço foi, desde logo, pago, passando B a cultivar o prédio. No mês seguinte, B
iniciou a construção no prédio de um edifício de apoio à atividade agrícola. As obras
findaram em novembro de 2003, tendo B, para esse efeito, gasto 60.000 euros. Em março de
2004, A morreu, pretendendo, agora, C, seu único herdeiro, exigir de B a entrega do terreno
e do edifício ai construído, o valor de todos os frutos colhidos por B e os frutos pendentes. B,
por seu turno, diz ter adquirido o direito de propriedade sobre o prédio. Quid iuris?”

Temos um contrato de compra e venda nulo por falta de forma, falta escritura
pública, como tal B não vai adquirir o direito de propriedade. No entanto, B alega que adquiriu o
direito de propriedade.

Podemos ter uma aquisição com base no usucapião: temos uma posse não titulada por
parte de B, porque o negocio é formalmente invalido, como tal, não havendo titulo teria de ser
aplicada o 1296º. Mesmo que se conclua que ele está de boa fé porque já pagou a integralidade
do preço, este 1296 determina que o prazo é de 15 anos. Tendo ele começado a posse em Maio
de 2003 não passou o prazo para adquirir por usucapião.
Poderia B juntar à sua posse a posse do A para adquirir por usucapião? Temos aqui uma
forma de aquisição derivada, mas não o pode fazer claramente...não pode juntar à sua a posse do
antecessor para invocar aquisição por ususcapião contra quem lhe transmitiu a posse. Qual era
então a outra forma que restava de aquisição do direito de propriedade?

Coloca-se a questão de saber se esta construção de um edifício de apoio à


actividade agricola, não é um fenómeno de acessão.
A acessão é um modo de aquisição do direito de propriedade, que se pode dar por força
da natureza, ou por força da acção do homem. Em ambos os casos há aquisição do direito de
propriedade pela incorporação de uma coisa noutra, e essa sendo feita por ação da natureza
ou do homem. Havendo também o fenómeno atípico de acessão, o fenómeno da especificação
relativamente às coisas moveis.
Aqui estaríamos perante uma acessão industrial e imobiliária, sendo esta uma forma de
aquisição do direito propriedade. No entanto, temos de responder a uma questão prévia, se
isto não é apenas um fenómeno de benfeitorias, porque se este comportamento resultar
numa benfeitoria, então, não há aquisição do direito de propriedade.

Para sabermos se estamos perante uma acessão ou benfeitoria temos 4 critérios:

1)Critério subjetivo – Professores Pires de Lima e Antunes Varela, dizem-nos que


haverá benfeitoria quando a ação do homem se deu no contexto de uma relação ou de um
vínculo jurídico prévio. Exemplo: Usufrutuário, a acção que efetuar será qualificada como
benfeitoria Neste caso houve uma compra e venda nula tendo havido apenas transmissão da
posse, há uma relação possessória, isto é, o A transmitiu a posse ao B. Logo, B é possuidor, por
isso, tem relativamente à coisa que intervém um direito prédio, que é o direito que deriva da sua
qualificação como possuidor. Portanto, esta intervenção é feita à luz da existência de uma
situação possessória. Dizem estes Professores que o facto de haver posse, já é suficiente para
dizermos que é uma intervenção que conduz à aplicação do regime das benfeitorias. Não
haverá aquisição do Direito de Propriedade exatamente porque havia uma situação possessória
anterior. Este é o critério seguido maioritariamente pela jurisprudência.
Este critério faz surgir um problema que é o facto de dificilmente existirem situações
que quando alguém intervém não seja já possuidor, porque pode ser possuidor por
apossamento. Sendo assim a maioria das vezes estaremos perante uma benfeitoria e não uma
acessão.

2)Critério objetivo – Professor Vaz serra: O que caracteriza as benfeitorias é a


conservação ou melhoria da coisa. Já quando estou a construir uma coisa nova alterando a
substancia da coisa que já existe, estamos perante uma acessão. Neste caso, temos um terreno
que vai ser alterado porque sobre ele vai ser construído um edifício. Por isso, a coisa prévia vai
ser alterada na sua substancia com a construção de uma coisa nova. logo regime da
acessão.
Menezes Cordeiro propõe alguns indícios para podermos dizer que estamos perante a
acessão, um deles é que quando a coisa incorporada tenha valor superior à coisa
incorporadora. Ou então, quando essa incorporação vá modificar o espirito económico da coisa.
Neste caso temos 2 indicios, o facto que haver a construção de uma coisa nova que altera a
substancia da anterior e o facto da coisa que é construída ter um valor superior à coisa sobre a
qual a construção ocorre.

3)Critério pragmático – José Alberto Viena: Será sempre o regime da acessão o


aplicável, a não ser quando a lei mande aplicar o regime das benfeitorias. Exemplo: Locação
Casa arrendada a X, e X faz obras na casa de valor superior ao próprio valor da casa. 1046º esta
norma refere-se a benfeitorias, equiparando as intervenções na casa como sendo benfeitorias.
No entanto relativamente às normas que remetem para as benfeitorias, exclui o regime da posse
tem os artigos 1273º e seguintes que tratam das benfeitorias, ora, este regime da posse dado
que há normas que tratam das benfeitorias, levar-nos-ia a dizer que se houver uma situação
possessória, a intervenção que se passa nesse contexto, deve ser qualificado como benfeitorias.
No entanto, o professor José Alberto trata esta situação à margem das benfeitorias, aplica o
regime da acessão.
Neste caso, temos uma intervenção que é feita no contexto possessório, como tal, aplica-
se o regime da acessão.

4)Critério relacional – Professor Henrique Sousa Antunes, em bom rigor, a distinção


entre benfeitorias e acessão é relevante, quando haja uma actuação de boa fé que traga um
valor acrescentado maior do que o próprio valor da coisa incorporadora. Aí é relevante
porque se estiver de boa fé e o valor for superior, eu posso adquirir por acesso a propriedade é o
nossos caso. Ao passo que, se eu estiver de boa fé, mas trago um valor inferior, ou de má fé, não
vou adquirir o direito de propriedade.
Então como é que é feita a distinção? Sendo a atuação de boa fé e maior valor, o facto
de eu trazer um maior valor, é um forte indicio que eu estou perante um fenómeno de acessão(é
o que diz o critério objectivo), no entanto há 2 excepções que permitem vencer este forte indicio:

a)Quando concluímos que embora sendo de maior valor, essa intervenção é feita para
conservar a coisa, e aí eu estarei perante uma benfeitoria.

b)Quando a intervenção funcionalmente dependente, isto significa, que a intervenção


que se faz não altera o destino económico da coisa, trata-se apenas de potenciar as
características que a coisa já tem.

No nosso caso foi construído um edifício de apoio à actividade agrícola, construído num
terreno destinado à actividade agrícola. Logo, a intervenção é de maior valor, mas é
funcionalmente dependente, logo o regime a aplicar-se deve ser o das benfeitorias.

Se estivéssemos a falar de um edifício para habitação, aí sim haveria acessão, porque


trago maior valor, não se trata de conservar e não se trata de uma construção funcionalmente
dependente da coisa inicial.

Hipótese 21

“A deixou cair inadvertidamente o seu porta-moedas na rua. Tendo B descoberto a carteira


e ficado com ela, pretende ter adquirido, desse modo, o direito de propriedade. Quid iuris?”

Forma específica de aquisição do direito de propriedade: ocupação. A ocupação é o


modo de aquisição imediata da propriedade por mero facto voluntário da apropriação de
animal ou de coisa móvel sem dono. São susceptíveis de aquisição por ocupação os animais e
as coisas que nunca tiveram dono (res nullius) ou foram abandonados (res derelictae). O
legislador associou, porém, a estes bens os animais e as coisas que foram perdidos ou
escondidos pelos seus proprietários. Artigo 1318º A ocupação refere-se às primeiras
realidades.
Em relação aos bens perdidos ou escondidos, verifica-se, em sentido mais apropriado,
um achamento.

A ocupação, embora seja definida nestes termos, a verdade é que foi tratada pelo
legislador abrangendo não só o fenómeno de ocupação em sentido estrito, isto é, relativamente
aos animais e coisas moveis que não têm dono, mas também abrangendo o fenómeno que nós
designamos de achamento, ou seja, coisas que tem dono, mas foram perdidas ou
escondidas. Estamos perante uma situação de possível aquisição do direito de propriedade,
artigos 1316º e 1317º.

Com o facto de A ter deixado cair a carteira e B a ter descoberto e ficado com ela, deu-se
o fenómeno da ocupação. Dá-se pela apreensão material de coisa móvel que não tenha dono, ou
que foi abandonada, perdida ou escondida pelo seu proprietário. No caso das coisas perdidas
não há um acto intencional do seu proprietário em demitir-se da titularidade do direito em
causa. Neste caso, estamos perante um achamento.

• Artigos 1323º e seguintes.

• Se B souber quem é o dono, deve restituir a carteira

• Se não conhecer o dono, tem o dever de anunciar o achado através do meio mais
conveniente tendo em conta o valor da coisa.

Portanto, de acordo com o artigo 1323º nº1, B teria de ter anunciado que havia
encontrado a carteira e esperar que alguém a reclamasse. Se o achador não souber quem é o
dono, existe um dever de anunciar o achado. Ao anunciar o achado, o achador faz sua a coisa
perdida se não for reclamada pelo dono no prazo de 1 ano (artigo 1323º nº2).
Se ninguém reclamar, efectuando o anúncio e mantida a posse durante 1 ano: dá-se a
aquisição do direito de propriedade. De acordo com o regime do artigo 1323º nº2, há aquisição
do direito de propriedade, no entender do Professor Henrique Sousa Antunes, de acordo com
aplicação analógica do regime dos tesouros, e por isso, a aquisição do direito de propriedade
dá-se quando tiver passado 1 ano a contar do anúncio ou aviso, se a coisa não tiver sido
reclamada pelo seu dono.

Ou seja, o achador fez o anúncio ou o aviso, decorreu o prazo de 1 ano, e o proprietário


da coisa perdida ou escondida ou o proprietário do animal não apareceu… Nesse caso, diz a lei
que a coisa se torna sua no fim do prazo de 1 ano. Atenção que este regime referido como sendo
o do Nº2, é agora o regime do nº 4 do artigo 1323º após a lei 8/2017.

Se alguém reclamar, esse alguém tem um direito de crédito sobre a coisa, e o achador
tem um direito real de garantia, o que significa que pode reter a coisa enquanto a indemnização
não for paga. Se A reclamar dentro do prazo, há um prémio de achamento

Nos termos do artigo 1323º nº3, caso a coisa seja restituída, o achador tem direito a
uma indemnização do prejuízo havido e duas despesas realizadas, bem como a um premio
dependente do valor do achado, no momento da entrega.
Para garantia do pagamento referido, o achador beneficia de um direito de retenção e de
irresponsabilidade, no caso de perda ou de deterioração da coisa, excepto havendo dolo ou culpa
grave da sua parte artigo 1323º nº4.

Menezes Cordeiro “Se encontrar coisa perdida e não anunciar o achado pode-se estar
perante um crime de furto e decorrendo o prazo de usucapião adquire-se a coisa”;
Hipótese 23

“A, dono de um prédio urbano em risco de ruir e destinado a ser demolido, anuncia no
jornal a intenção de vender, pelo melhor preço, todas as cantarias do edifício. O melhor
preço foi oferecido por B, a quem A vendeu as cantarias. Ficou acordado que as mesmas
seriam levantadas dois dias antes de se iniciar a demolição. Entretanto, na sequência de
uma intempérie, soltou-se um bloco de cantaria que caiu na estrada. Na manhã seguinte, C,
escultor, ao dirigir-se à sua oficina, apoderou-se do bloco e fez com ele uma escultura, que
vendeu a D. Tendo tomado conhecimento deste facto, A diz ter direito à escultura, mas B
afirma que esse direito a ele lhe cabe. C e D pretendem saber se lhes assiste algum meio de
defesa. Quid iuris?”

A questão da qualificação de um comerciante, aceitamos à primeira vista que há uma


atividade exercida para obter lucro através da venda do produto resultado dessa atividade,
portanto damos com boa a qualificação do escultor como comerciante. Seja uma separação
intencional seja uma separação acidental, mas havendo conhecimento do credor podendo por
isso operar os seus efeitos, porque se considera o conhecimento do credor relevante? Sem
conhecimento da separação não faz sentido que a propriedade se transmita para quem vendeu a
coisa se quem quer vender não sabe que a coisa se separou.

O regime de transferência de propriedade explica que de fato se exige conhecimento da


transferência do risco que, em regra, acompanha a transferência de propriedade. Isto indica que
o prejuízo correspondente à perda ou deterioração da coisa pertence ao proprietário porque o
proprietário deve conhecer que a propriedade já entrou na sua esfera jurídica para que possa
precaver-se contra a perda da coisa. É precisamente pelo o risco acompanhar a transferência de
propriedade, o artigo 408º deve ser lido no sentido em que a separação tem que pressupor,
para que o efeito artigo 408º nº2 se produza, o conhecimento do credor.

É essencial que o credor tome conhecimento que a separação se deu, agora que a
separação se dê nos exactos termos que tinham sido acordados pelas partes, não é de facto
exigível.Há uma coisa que é certa na hipótese aparece claro que a separação de dá sem
referência ao conhecimento do credor, portanto nesse aspeto concluímos que propriedade está
na esfera jurídica do vendedor portando é o vendedor que vai estar agora em litígio com D que
adquire a escultura.

O que nos permite dizer que estamos perante um comportamento de má fé? Sabemos
que está de má fé porque não indagou a quem pertenceria a pedra, mas é preciso um
enquadramento jurídico. Está de má fé pelo 1340º nº4, porque nós não temos mais nenhuma
norma que nos diga o que é boa ou má fé em matéria de acessão, e a verdade que o conceito de
boa ou má fé é relevante para aplicar o regime de acessão, porque só se pode adquirir a
propriedade se houver boa fé.
Por isso, doutrina e jurisprudência utilizam o artigo 1340º para lá do estatuto da
acessão industrial imobiliária aplicando também à mobiliária.

Das duas uma, ou de facto nós chegamos à conclusão que ele não sabe que o bloco
pertence ao sujeito A e nessa medida podemos dizer que desconhece, ou então somos mais
exigentes e dizemos que não ele só desconhece quando tenha cumprido aquilo que é aplicável às
coisas perdidas (por natureza uma pedra que apareça no meio da rua e tem o tamanho suficiente
para ser esculpida não será uma coisa que a ninguém pertença). Supondo que há uma hipótese
em que alguém encontra um determinado objecto e o utiliza e altera a forma desse objeto, há o
risco que ele assume porque a coisa que ele encontra na rua poderá ter uma de três natureza:
poderá nunca ter tido dono, poderá ser abandonada ou uma coisa perdida.

Se for uma coisa perdida ele tem um caminho a fazer e se ele não cumprir esse caminho a
propriedade não se extinguiu do lado de lá e não se adquiriu deste lado e, portanto, só podemos
chegar à conclusão que ele não desconhecia que a coisa era alheia, porque ele não fez tudo aquilo
que estava obrigado para poder chegar à conclusão que efetivamente não há ninguém que seja
dono daquilo. Logo, à luz do artigo 1340º ele está de má fé.118

Do ponto de vista da aquisição da propriedade a distinção entre benfeitorias e acessão só


tem relevância quando existe boa fé do agente e quando essa actuação é uma atuação que
traz um valor superior ao valor da coisa existente. Neste caso se está de má fé e cairia logo
por terra a possibilidade de se adquirir a propriedade por acessão, o que faria com que a própria
distinção acabasse por ser irrelevante para efeitos de aquisição da propriedade.

Mas vamos supor até que estava de boa fé e que trouxe um valor maior do que a cantaria
tinha inicialmente, o que poderá levar-nos dizer que não poderá deixar de ser um fenómeno de
acessão? A cantaria tinha um determinado destino económico que é alterado pela
transformação em escultura, aqui não se está simplesmente a melhorar a coisa, mas a dar-lhe um
destino económico diferente. Posto isto, essa exceção acaba por não ter aplicação, não se trata de
conservar a coisa, também não é uma intervenção funcionalmente dependente, então não há
nada que vença a lógica de que havendo boa fé e trazendo maior valor será uma acessão e não
uma benfeitoria.

Mas há uma norma que diz, que é especificação, ou seja acessão industrial imobiliária,
isto e outros factos semelhantes, pelo que não seria necessário este percurso para chegar à
conclusão que se aplica o regime, porque é um facto semelhante.
Se já não se tratar do direito de propriedade, mas da lógica da compensação, saber se é
benfeitoria ou acessão é relevante, porque temos uma norma que vai dizer que se o escultor
estiver de má fé dando nova forma ao bloco de cantaria, o bloco vai pertencer com esta nova
forma ao dono do bloco e o dono do bloco só está obrigado a indemnizar o escultor naquilo que
exceda em um terço o próprio valor do bloco de cantaria.

O que diz o artigo 1337º é que é uma compensação limitada, porque o dono só está
obrigado a indemnizar o especificador naquilo em que a especificação tiver aumentada em mais
de um terço do valor da coisa especificada. Como isto não se aplica em matéria de benfeitorias a
distinção torna-se relevante.

Vamos supor que está de boa fé e vamos supor que ele trouxe o valor superior ao valor
da coisa inicial, isto é, o valor da especificação excede o valor da matéria.

Bloco de cantaria=500€

Escultura =1000€

Outros caminhos podiam ser a utilização do 1323º ou o a posse neste caso ser adquirida por
118

apossamento, logo é não titulada e presume-se de má fé


Então a lei determina que havendo boa fé e o resultado da intervenção tem um valor
superior ao valor da matéria, então nesse caso a coisa pertence ao especificador. E se o valor da
especificação não exceder o valor da matéria?

Vamos supor que, uma acessão industrial imobiliária, portanto A é proprietária dum
terreno e B de boa fé julgando que aquele terreno é seu por qualquer razão decide construir aí
um edifício, mas é um edifício com dois andares, cujo o valor fica aquém do valor do próprio
terreno, uma área que o solo tem o preço elevado. Nesse caso havendo uma atuação de boa fé
sendo a obra o valor inferior ao valor do terreno, a quem vai pertencer a propriedade do
conjunto: terreno com o edifício implantado? Se o valor acrescentado for menor as obras
pertencem ao dono do terreno, ao proprietário do solo, 1340º nº3 se o valor acrescentado for
menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de
indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação. A recebe na sua
propriedade o edifício mas está obrigada a pagar à B o valor que a obra tinha ao tempo da
incorporação. O que resulta do art 1340º nº3 no fundo é uma aquisição imperativa, a pessoa
recebe a propriedade e não tem possibilidade de se manifestar em sentindo diverso, A nunca
quis que B interviesse no seu solo, nunca quis que construísse um edifício, vai adquirir o edifício
mas vai ser obrigada a paga-lo.

Na matriz de tudo isto está o direito de propriedade que é um direito exclusivo e pleno e
por isso A teria todo o direito de se pronunciar sobre aquilo que quer ou não quer que aconteça
no seu solo, no entanto vê-se confrontada com um intervenção alheia que vai permitir o direito
de propriedade correspondente à intervenção, mas obrigando-a a pagar o valor correspondente
a essas obras. Ora será que a solução mais justa é esta? O 1340º nº3 não nos dá abertura a outra
hipótese, diz que se o valor acrescentado for menor então a obra pertence ao dono do terreno
com a obrigação de indemnização. Será que é assim na especificação ou será que é assim na
acessão industrial imobiliária em geral? Será que na especificação também se o valor que eu
trago for menor a pessoa que era dona da matéria vai ter que ficar com a matéria alterada com a
obrigação de a indemnizar o especificador ou se for uma confusão será que o dono da matéria
inicial vai ter de ficar com a coisa quando o valor trazido é inferior com a obrigação de
indemnizar o interventor?

No artigo 1336º nº1 a lei diz tem o dono da matéria o direito de ficar com a coisa, se o
valor da especificação não excedeu o da matéria, o valor da especificação é inferior ao da matéria
(menor ou igual), logo, a pessoa que é dona da matéria tem o direito de ficar com a coisa, mas
pode renunciar o que significa que poderia na verdade não adquirir essa coisa e, portanto, não
estava obrigado a pagar a indemnização em função do valor criado pela especificação.
Esta norma é acompanhada por outra norma em que esta lógica está presente e são estas
duas normas que permitem consagrar o princípio geral de que tem que ser dada a liberdade ao
proprietário da coisa transformada de decidir se quer ou não ficar com a coisa alterada. A
outra norma que acompanha esta lógica da vontade é o artigo 1333º nº4. Em qualquer dos
casos previstos nos números anteriores, o autor da confusão é obrigado a ficar com a coisa
adjunta, ainda que seja de maior valor, se o dono dela preferir a respectiva indemnização. O
autor da confusão é obrigado a ficar com a coisa adjunta ainda que seja de maior valor se o dono
dela, ou seja, da coisa adjunta com a qual outra coisa foi unida ou na qual outra coisa foi
incorporada, no fundo é a matéria inicial, o dono da coisa adjunta ainda que a coisa adjunta
tenha maior valor, o que vem de fora é de menor valor, portando se tem menos valor a pessoa
que recebe esse valor ficaria proprietária, mas a lei diz “ainda de maior valor o dono pode
preferir não ficar com a coisa e preferir receber uma indemnização “ pelo facto de ficar privado
da propriedade da coisa inicial.
Então, concluindo, o A diz ter direito à escultura resta saber se D adquiriu o direito à
escultura. Nós sabemos que o artigo 1301º não é uma norma que garanta o direito de
propriedade, mas é uma norma que limita o exercício de propriedade.

O facto de C vender a D nada releva para a extinção da propriedade de A? Qual o facto


que poderia relevar para a extinção do direito de A? A posse não vale o titulo, logo, não é pelo o
facto de haver um terceiro de boa fé algures na cadeia que a propriedade seria adquirida por
esse terceiro em detrimento do direito do A, portanto A mantem a propriedade. Até que ocorra
um facto extintivo do direito de propriedade de A, isto é a usucapião. Dado que isto é uma coisa
não registável, porque se fosse uma coisa registável também teríamos outra forma de extinção
do seu direito que seria através das regras registais (portanto não é o facto de haver vendas
sucessivas que perturba em algum momento a ideia que o A é proprietário). No entanto há uma
limitação que é por o escultor ser comerciante, se assim entendermos, uma proteção que
devemos dar a D, o D não é o proprietário, só que o A vai ter que restituir ao terceiro o preço que
ele deu pela escultura, portanto é um ação de reivindicação que vai ser procedente mas está
limitada, porque a pessoa vai ter que pagar o preço que o terceiro deu pela escultura para
conseguir reaver o bloco de cantaria, isso provavelmente vai fazer com que ele se sinta
demovido de o fazer. Sendo certo que ele também próprio vai ter direito a uma compensação.

Cálculo: O A paga o preço que o D deu pela aquisição da escultura, mas o A tem direito a
alguma coisa! (o 1301º não chega para resolver o problema com o direito de regresso)

-Bloco 500€

-Escultura 1000€

-Ele pagou 1000€ para reaver o valor o bloco de cantaria sobre a forma de escultura.

Há uma norma que implica no exercício desse direito de regresso, que diz que parte do
prejuízo vai ter que ser assumido pelo próprio proprietário porque fica com a escultura. Ele
pagou 1000€ reembolsando o adquirente, mas esses 1000 não vão poder ser repercutidos na
sua integralidade na esfera jurídica do escultor que é o especificador. Por causa do artigo 1337º
que diz que o escultor também tem direito a uma indemnização que é paga pelo dono da matéria
embora não seja uma indemnização integral, só tem direito a indemnização quando o aumento
tiver excedido em mais de um terço o valor da coisa especificada, portanto aqui mais de um
terço será cerca de 166,.....€ logo, 500+166,.... esse é o valor do dono da matéria por tanto só tem
o especificador direito a receber o equivalente que fique entre 600 e tal e 1000. Quando ele
perde o reembolso de 1000 ele no fundo só consegue reembolso de 660...(já que 300 e tal
pertencem ao especificador) no fundo é um reembolso que não poderá ser pedido na
integralidade porque o próprio especificador embora esteja de má fé contribuiu para aquele
valor. O dono fica com a escultura também não ficará prejudicado.

Em suma: A dono da escultura por causa do art 408º nº2; A especificação de má fé não
atribui o direito de propriedade ao escultor; A venda a D que não lhe atribui o direito de
propriedade sendo, no entanto que A terá que revindicar do contexto de regime do art 1301º e
depois no exercício de direito de regresso é preciso ver que o escultor tem direito a uma certa
indemnização a reduzir ao valor que ele tem que pagar ao dono da matéria.

Hipótese 24

“A e B são proprietários de dois terrenos contíguos separados por um muro. Em janeiro de


1994, B elevou uma construção no seu terreno e abriu duas janelas que deitam diretamente
para o prédio de A. Em 2008, B, tendo-se reformado e sentindo-se sozinho, passou a sentar-
se durante as tardes numa dessas janelas, entretendo-se a ver a família de A. Em 2010, B
decidiu construir, junto ao muro, um churrasco onde todos os fins-de-semana assa
sardinhas. Incomodado com o cheiro das sardinhas e por sentir a sua vida devassada, A
pretende, agora, reagir. Quid iuris?”

Para o professor Menezes Cordeiro, só se utiliza o artigo 1346º quando os factos


importem um prejuízo essencial para o proprietário do imóvel ou não resultem da utilização
normal do prédio (prejuízo substancial + utilização anormal).

Será que o professor Menezes Cordeiro não estará a interpretar demasiado de forma
literal o artigo? De facto, olhando para a letra da lei, temos aqui uma de duas hipóteses: quando
os factos constituem um prejuízo substancial para o imóvel haverá a aplicação do 1346º; quando
os factos não resultem da utilização normal, também haverá aplicação do 1346º.

Mas a norma propõe-nos outra coisa: utilização anormal + prejuízo, mal seria se se
admitisse que, alguém que compra um terreno para construir uma casa de repouso, impedir o
funcionamento de uma fábrica de construção civil que já lá existia ao pé há muito tempo. No
fundo, alguém iria prevalecer-se da norma do 1346º, mesmo que a utilização desse imóvel fosse
anterior. Aqui a pessoa escolhe voluntariamente o sítio onde vai construir a casa de repouso.
Que argumento é que temos para impedir que o artigo 1346º seja utilizado assim? Abuso do
direito.

O Professor Henrique Antunes acha que a norma pode ser interpretada tal como a lei
nos sugere, isto é, em sentido alternativo. Ou há uma utilização anormal, e nesse caso
basta o mero prejuízo; ou há um utilização normal e, nesse caso, é necessário um prejuízo
substancial. O que eu tenho de saber neste caso concreto é se isto é uma utilização
anormal ou uma utilização normal. Para que esta norma se pode aplicar no caso temos de
saber se isto é um prejuízo substancial. Não, não é um prejuízo substancial.

Quanto às janelas e das servidões de vista, 1362º. A não sente a sua intimidade
devassada no momento da construção da janela mas apenas depois, ao momento da reforma de
B. Faz sentido a autonomia de um direito de propriedade? O professor Henrique Antunes acharia
legitimo que se pudesse dizer que se o direito for afectado de uma forma relevante que isso
vença a aquisição por usucapião da servidão de vistas do 1362º. artigo 1261º, o professor retira
da hipótese que as janelas deitam directamente, mas não considera que isto indique o
desrespeito pelo intervalo de metro e meio. Se foi respeitado, não se coloca nenhum problema
(excepto o dos direitos de personalidade acima referido). Se não for respeitado, é que se
colocam os problemas. Pode haver aquisição por usucapião da servidão de vistas e tem de ser
falar da posse deste beneficiário, posse não titulada, presumida de má-fé, 1286º, 20 anos já
passou, há uma servidão de vistas. A outra parte não pode reagir/mandar fechar as janelas.

Hipótese 25

“A e os seus sobrinhos, B e C, são comproprietários de uma vivenda degradada, que fora, em


tempos, um casino. Atingida a maioridade, os dois rapazes decidiram recuperar o imóvel e
reutilizá-lo como casa de jogos, para o que se propõem despender com as obras cerca de
30.000 euros. A, que considera que os jogos de fortuna e azar são pouco recomendáveis, não
está disposta a gastar as suas economias nos devaneios dos sobrinhos. O que pode fazer?”

Sem prejuízo dos prejuízos teóricos que o 1407º pode levantar, isto não é um acto de
inovação porque já foi em tempos um casino, ou seja, criar um salão de jogos nada mais é do que
um acto de administração ordinária. Neste caso, a maioria decidirá. Decidida a maioria a senhora
A está vinculada. Resta-lhe exigir a divisão da coisa, porque o acto ainda não foi praticado, ou
então, a faculdade de renunciar do seu direito, faculdade do 1411º nº1. Quando a lei fala, no
1411º, em benfeitorias necessárias, será que está apenas a referir-se apenas a benfeitorias
necessárias? Na verdade, quando vamos a este conceito, 216º evitar a perda, destruição ou
deteorização da coisa. Mas fala-se de outra coisa no 1411º: despesas necessárias à conservação
ou fruição da coisa. O conceito não é totalmente idêntico, este último abrange mais do que o
216º. Abrange as benfeitorias úteis.

Podemos ter casos de fronteira, este é um caso de fronteira: era um casino e agora é uma
casa de jogos. Não haveria dúvida se antes se tratasse de uma habitação e se quisesse
transformar numa casa de jogos, aí seria claramente uma inovação. Não era apenas uma
benfeitoria necessária/útil, mas sim inovação, uma alteração do destino económico da coisa.
Poderíamos estar aqui numa zona cinzenta entre administração ordinária e inovação ou
administração ordinária e administração extraordinária. O artigo 1024º nº2 é usado pelo
professor Henrique Mesquita para argumentar a unanimidade: coisa móvel ou imóvel que está
em compropriedade. A lei diz que se os administradores decidirem arrendar a coisa que está em
compropriedade têm de conseguir o acordo dos restantes compropriedades, de forma unânime.
Quando se aluga ou quando se arrenda, está-se a inovar , o destino económico é diferente, agora
a casa, ou o automóvel, darão uma rentabilidade que deriva deste acto jurídico que se pratica.
Quando se altera o status quo do ponto de vista económico, eu tenho de obter o consentimento
de todos. A regra é a unanimidade: vale para o arrendamento mas vale para todas as situações. O
conflito será mais unanime aprisionando uma maioria a uma minoria? Que é o que resulta do
princípio da unanimidade. Ou aprisionando a minoria à maioria? Que é o que resulta da
aplicação da maioria.
O professor Henrique Antunes acha que é preferível aprisionar a minoria à maioria, do
que o contrário. Mas também pode haver recurso à figura do abuso do direito. Vamos supor
que haveria um comproprietário que se opunha sem motivo nenhum, claro que também
poderíamos aqui aplicar o instrumento do abuso do direito. Mas implica sempre um juízo feito
pelo tribunal. Considera Henrique Antunes que para evitar uma apreciação pela lógica do abuso
do direito, deve-se seguir a utilização da maioria. Mas há aqui um facto: o artigo 1024º diz
que a regra é a da unanimidade. Então como é que daqui não se extrai o regime geral? Então e
agora como se justifica que o artigo 1024º/2 exija o consentimento de todos não se podendo
extrair daí um princípio geral? No manual do professor, diz, a certa altura, que o 1024º/2 é a
expressão do 1408º/1, é um acto de oneração e o 1408º trata de uma oneração
especificamente. A oneração da coisa não tem de ser a vinculação a direitos reais, pode ser a
vinculação a direitos de crédito. A oneração da coisa sem o consentimento de todos os
condóminos é tida como disposição de coisa alheia. Ou seja, no fundo o arrendamento sem o
consentimento de todos é havido como oneração de coisa alheia. Por isso, o 1024º/2 exprime, no
fundo, o que já resulta do artigo 1408º/2, por isso, não é transponível para uma regra geral. Está
apenas a replicar o que diz no 1408º/2. Portanto, fora dos actos de disposição ou oneração,
onde o artigo 1024º/2 cai, volto a ter apenas uma norma potencialmente aplicável, a norma de
administração da coisa, que é a norma do 1407º CC. Mesmo que isto fosse inovação, ou
administração extraordinária, para o professor Henrique Antunes isto caía no artigo 1407º. A
pessoa vai estar vinculada pela deliberação da maioria, logo vai estar obrigada a pagar. O que
pode fazer? Pode pedir a divisão da coisa antes do acto ser praticado; ou, depois do acto ser
praticado, pode renunciar ao seu direito para não ter que pagar as benfeitorias, para não ter que
contribuir para as despesas de tranformação da coisa. É uma forma de proteger o seu interesse
sem prejudicar a vontade da maioria. Há aqui um problema de delimitação do artigo 1407º em
relação a um princípio geral que se extrairia do artigo 1024º/2. O que é a maioria do artigo
1407º? Assumindo que estamos no artigo 1407º, o que é esta maioria? Poderia perfeitamente
chegar a conclusão que, mesmo estando eles de acordo, eles sozinhos não conseguem vincular a
senhora.

Portanto o acto não é um acto válido. Se fossem só os três, apenas um terço das quotas
não estaria de acordo. Vamos ver: primeiro, a remissão para o 985º não me fala em quotas; o
que é que resulta do 985º? Na falta de convenção em contrário todos os sócios tem igual poder
para administrar. Poder individual de administração. Cada comproprietário pode por si só agir.
Não tem de pedir o consentimento dos outros - artigo 1407º remete para o 985º.
Qualquer acto de administração, vamos supor que queremos atacar a validade do acto
jurídico que tenha sido praticado por um condómino no contexto da administração e o que
dizemos é que o acto é válido apesar de não ter o consentimento dos outros. Vamos supor que se
tratava da compra de tinta para pintar a casa. Pode essa compra ser anulável por falta de
consentimento da maioria? Não é anulável porque qualquer comproprietário tem poder para
administrar sozinho. Esta é a regra - administração disjunta. Mas ainda há uma dependência da
maioria, mas não é uma maioria prévia. Mas antes do acto ser praticado, se se tomar
conhecimento que um comproprietário pretende agir num determinado sentido, artigo 985º/2
CC. Alguém com conhecimento que o outro pretende fazer a compra, opõe-se. Aqui o que é
necessário para que o acto seja válido é que haja uma deliberação por maioria. Mas isto é antes
do acto. Mas podemos ter um outro modelo de administração - administração conjunta: as
pessoas já não agem individualmente mas conjuntamente, artigo 985º/3. Entende-se que antes
da compra é necessário uma deliberação por maioria. Já não pode levar a cabo o acto sozinho.
Temos dois modelos: administração que é exercida de forma individual e a administração que é
exercida de forma conjunta. No entanto, a pergunta a pouco era outra: neste momento, ainda não
foi praticado o acto, por isso não é relevante saber se têm o poder de administrar
individualmente ou não porque mesmo que tenha esse poder de administrar individualmente,
neste momento a questão foi colocada perante todos porque há um comproprietário que se
opõe, o que leva a que se tenha de tomar esta decisão por maioria. E portanto,
independentemente do tipo de administração que esteja em causa, vai ter sempre que haver
uma deliberação por maioria. Mas que maioria é essa? Foi a pergunta do professor. Se não se
disser mais nada parece uma maioria de cabeças. O 1407º não se basta por maioria de cabeças -
de facto, este artigo nº 1, manda aplicar não só a maioria de cabeças, mas essa maioria tem de
corresponder a metade do valor total das quotas. E como é que eu sei que neste caso
corresponde a mais de metade do valor total das quotas? artigo 1403º/2 - cada um tem 1/3,
neste caso. Neste caso, tenho 2/3 contra 1/3, logo, a maioria está preenchida. A maioria poderia
decidir nesse sentido. Maioria do 1407: maioria de cabeças + pelo menos metade da
maioria do valor total das quotas. A coisa avançaria pois em conjugação das normas do
1403º/2 e 1407º tenho a maioria de cabeças e a maioria do valor total de quotas. Segundo o
professor Henrique, a solução a que chegamos seria a aplicação do artigo 1407º, que nestes
termos estaria vinculada A a contribuir para as despesas podendo, não obstante, renunciar ao
direito para não pagar as despesas, em resultado do 1411º, que abrange também as benfeitorias
úteis e não apenas as benfeitorias necessárias.

Hipótese 26

“A, B e C são comproprietários da «Quinta das Rosas». B, em outubro de 2009, vendeu a D a


casa dos caseiros que integrava a referida quinta e que correspondia, sensivelmente, a 1/3
da sua área, sem que essa venda tivesse sido comunicada aos restantes comproprietários. D
começou, desde aí, a cultivar o terreno. Tendo tido conhecimento da venda, A e C intentaram
uma ação de preferência em Tribunal contra D. Entretanto, nas férias de Natal de 2010, A
descobre humidade na cozinha da casa e decide contactar um empreiteiro para proceder à
reparação urgente do telhado. C não pretende pagar o custo de obras que não aprovou.
Quid iuris?”

Como a casa dos caseiros corresponde a 1/3 da sua área e 1/3 é aquilo que vem previsto
no 1403º/2, então estamos a falar da alienação da quota e por isso mesmo havendo
direito de preferir. Porquê? No fundo, para que seja legítimo o que a Inês diz, teria de estar me
causa a alienação da quota. É uma quantidade que eu vendo. A lei diz que se se tratar uma parte
especificada da coisa comum, esse negócio é nulo. É havido como uma venda de coisa alheia.
Porque ele vende a casa dos caseiros, ele não pode vender a casa dos caseiros. Só pode alienar a
sua quota correspondente a 1/3 dessa compropriedade. Como ele vende uma coisa específica da
compropriedade, a casa dos caseiros, esse negócio será nulo. Será possível e desejável que esse
negócio seja aproveitável para uma acção de preferência? É evidente que o A e o C, os outros
comproprietários, tem interesse em preferir esta alienação, em adquirirem esta alienação. Mas o
tribunal vem dizer que isto é uma alienação de quota e há um direito de preferir, que se violado
justifica a acção de preferência.

Mas como é um negócio jurídico nulo, não há legitimidade para uma acção de
preferência, não houve a alienação de uma quota mas sim de um parte do terreno, uma
casa na quinta. Mas estes negócios podem ser aproveitados pelo instituto da conversão, a
quem interessa, naturalmente aos outros proprietários, convertido em alienação de quota.
Pode ainda exigir uma outra coisa, como diz o professor Carvalho Fernandes, que é a aplicação
conjugada de dois institutos: conversão e redução. Se eu vender a coisa toda, ou vender uma
parte especificada que é superior à minha quota, vou ter de aplicar simultaneamente a redução,
reduzindo o negócio ao valor da minha quota e depois vou ter de o converter à alienação de
quota. Na prática, o que eu tenho é uma situação facilitada: aqui neste caso ele está a alienar 1/3
(casa dos caseiros) que corresponde à sua quota, não será necessário a redução. Apenas terá de
converter o negócio em alienação de quota. Se é alienação de quota, os comproprietários têm
preferência. Assim sendo, o direito de preferência foi violado e A e C actuam através de uma
acção de preferência.

Quando à questão da humidade: Sabemos que o 985º diz que pode ser a
administração feita individualmente ou em conjunto, onde é necessária maioria. Ele não
participou e portanto não havendo maioria, aliás, passavam a ser apenas os dois, não havendo
maioria não pode o acto ser praticado.
Há aqui duas coisas a dizer: primeiro, a regra nem é essa. A regra é a de que qualquer
comproprietário é administrador e pode praticar os actos de administração que bem
entender. Pode é, antes da prática do acto, ser impedido dessa prática, mas qui o acto já foi
praticado. Mas aqui a acção dele é legítima o que resulta do 985º/1. Mas mesmo que
houvesse uma administração conjunta e antes da prática de cada acto de administração, tinha de
haver deliberação por maioria, há uma norma que resolve a questão: 985º nº5, era urgente. C
estava obrigado a pagar as obras. Se não quiser pagar, renuncia ao direito.

Hipótese 27

“Do título constitutivo do prédio X consta como parte comum do edifício uma unidade,
constituída por duas divisões, destinada à realização de atividades festivas de qualquer dos
condóminos. Em assembleia de condóminos, convocada nessa tarde por um condómino, foi
deliberado, por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, alienar o
espaço. Quid iuris?”

Estamos perante uma hipótese que se prende com a matéria da propriedade


horizontal, regulada nos artigos 1414º e seguintes. A propriedade horizontal caracteriza-se
como o conjunto, incindível, de poderes que recaem sobre uma fracção autónoma de um edifício
constituído em propriedade horizontal e sobre as partes comuns do mesmo. Neste caso, a
questão é saber se uma parte comum de um edifício constituído em propriedade horizontal pode
ser alienada, após deliberação em assembleia de condóminos. Sendo a parte em questão uma
parte comum, deve-se remeter para o regime da compropriedade, contido nos artigos 1403º e
seguintes.

Quanto à convocação da assembleia: de acordo com o artigo 1431º nº2, a assembleia


deve ser convocada pelo administrador, ou por um condómino, caso este representasse 25%
do capital investido.
Em segundo lugar, de acordo com o artigo 1432º nº1, a assembleia deve ser
convocada por meio de carta registada enviada com 10 dias de antecedência. Nenhum
destes requisitos é verificado na hipótese, visto que a assembleia foi convocada no próprio dia
por um condómino que não o administrador. O não cumprimento destas regras procedimentais,
traduzido num conjunto de vícios procedimentais, conduziria à anulabilidade da deliberação.
Quanto à deliberação relativa à alienação: Há situações em que é possível que o
condómino aja sozinho, mas no entanto, e tendo em conta os dados da hipótese, este é um ato
que requer a unanimidade dos condóminos, e assim sendo, pretendendo-se a alienação
da parte comum, nos termos do artigo 1408º nº1, a regra não é a da maioria, como sucede no
caso, mas sim da unanimidade. Portanto, quanto à alienação, sendo uma fracção autónoma que
é propriedade de todos os condóminos, aplicamos o regime da compropriedade, ou seja, é
necessário o consentimento de todos para que a alienação possa ocorrer (artigo 1408º).

Artigo 1432º nº5: «As deliberações que careçam de se aprovadas por unanimidade dos
votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes
representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da
deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.»
Mas, mesmo que houvesse unanimidade, a deliberação seria inválida, e essa invalidade
conduziria à nulidade, por haver uma violação de uma norma imperativa. O acto que viola uma
norma imperativa é ferido de nulidade, o que acontece neste caso, uma vez que há a
ofensa de um elemento nuclear da propriedade horizontal. Não é possível alienar a
unidade/espaço (parte comum), sem alienar a fracção autónoma, pois o conjunto dos dois
direitos é incindível (artigo 1420º/2, 1ª parte). Há a violação do artigo 1420º/2.

«artigo 294º: Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são
nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.»

Portanto, a existência ou não de unanimidade era irrelevante, pois a deliberação seria


nula por interferir com o conteúdo de uma norma imperativa e estruturante do regime da
propriedade horizontal – artigo 1420º nº2.

Verificando-se a existência de anulabilidade quanto à violação das regras procedimentais


previstas em primeiro lugar, e verificando-se a nulidade pela violação da regra imperativa do
artigo 1420º/2, 1ª parte, e uma vez que o vício mais grave consome o vício menos grave, a
conclusão seria a de que a deliberação seria nula.

Se a violação desta norma imperativa fosse meramente anulável, teríamos um problema:


a convalidação por confirmação do decurso do prazo. Não faz sentido que uma deliberação que
viola o ‘’coração’’, o cerne, da propriedade horizontal pudesse convalidar-se porque passou o
prazo para anular essa deliberação ou porque essa deliberação foi confirmada por uma nova
unanimidade da assembleia de condóminos. Para que seja legítimo, ou seja, para se poder
alienar a parte comum, o que é que tem de acontecer?
Para que haja alienação da casa da porteira por exemplo, é necessário que a unidade
comum passasse a ser uma fracção autónoma, sendo que aí já não haveria violação do artigo
1420º nº2, através da modificação do título constitutivo, havendo o acordo de todos os
condóminos (1419º).

1) O espaço parece preencher os requisitos do artigo 1415º (requisitos para se ter uma
fracção autónoma e, assim uma propriedade horizontal). Esta unidade só pode ser
fracção autónoma se, além de ser independente, for indistinta e isolada entre si.

2) 1419º: Modificação do título constitutivo: Teria de haver, nos termos do artigo


1419º/1 do CC, uma modificação do título constitutivo, passando a parte comum a ser
uma fracção autónoma.
3) 1432º: Portanto, para se transformar isto numa fracção autónoma pode fazer-se pela
modificação do título constitutivo, com a necessidade do acordo de todos os condóminos.
Esse acordo de todos os condóminos não pode deixar de ter presente aquilo que a lei
estabelece para as deliberações unânimes, pois estas podem bastar-se com a maioria
representativa de 2/3.

4) 1408º: Teria de haver a vontade de todos os comproprietários em alienar, e teria de ser


um consentimento expresso e não o silêncio. Não se extrai do silêncio uma aprovação.
Está a aplicar-se o regime da compropriedade e não da assembleia de condóminos.

Portanto, se passar a ser fracção autónoma, essa alienação deixa de violar o artigo
1420º/2, 1ª parte, pois, nesse caso, está a alienar-se a fracção autónoma e o direito à utilização
das parte comuns correspondente a essa fracção autónoma. Ou seja, no fundo, estão, eles todos,
enquanto comproprietários, a alienar a fracção autónoma e e parte correspondente nas zonas
comuns.

Porque é que é legítimo aplicarmos o regime da compropriedade?

1º Momento: Houve uma deliberação da assembleia, com o acordo de todos os


condóminos, nos termos do artigo 1432º, que transformou a parte comum numa fracção
autónoma.
2º Momento: Já estamos perante uma fracção autónoma. Significa que houve uma
escritura pública, na modificação do título constitutivo, e essa escritura foi levada ao
registo para que toda a gente saiba que existe uma fracção autónoma. Quando tenham a
fracção autónoma registada, já podem vender.
3º Momento: No momento da venda, segue-se o regime da compropriedade (artigo
1408º do CC). E porquê? Não estamos no domínio do condomínio (na relação entre os
condóminos), mas no domínio da compropriedade (na relação entre comproprietários), pois
todos são proprietários daquela fracção autónoma. Não estamos perante um assunto que diga
respeito a partes comuns. Isto agora é uma fracção autónoma. Não estamos perante uma
assembleia de condóminos quanto a uma parte comum. Estamos perante uma deliberação de
disposição de uma fracção autónoma, que diz respeito ao proprietário, e neste caso, temos
vários comproprietários. Não se aplica o artigo 1432º mas o artigo 1408º do CC.

Resumindo: Em termos objectivos, esta deliberação era inválida por razões formais e
substanciais, e como a deliberação deve ser considerada nula por violação da norma imperativa,
o vício mais grave consome o vício menos grave.

Nota final: Aqui temos uma parte presumidamente comum, e não imperativamente
comum, e por isso é que podemos falar da alteração do título constitutivo para que passe a ser
uma fracção autónoma. Aliás, só podemos falar em modificação do título constitutivo neste
sentido de transformação de partes comuns em fracções autónomas quando essas partes
comuns o são, ou por força do próprio título constitutivo (que declare que aquele é um
espaço comum) ou então por força da lei, desde que se trate de uma parte presumidamente
comum, porque se fosse imperativamente comum, nunca poderia ser transformada em
fracção autónoma (também aí haveria uma deliberação nula por violação de uma norma
imperativa).

Hipótese 28

“A comprou a B uma fracção autónoma correspondente ao primeiro andar direito de um


prédio situado em Lisboa. Na escritura de constituição da propriedade horizontal não foi
especificado o fim de cada fracção autónoma, tendo o adquirente decidido aproveitar a
unidade para aí abrir um cabeleireiro. Para aproveitar o espaço, António decidiu fechar a
varanda da sala, demolir algumas paredes internas do apartamento e pregar uma placa no
exterior do prédio para publicitar a abertura do estabelecimento comercial. Quid iuris?”

Está em causa a compra e venda de um prédio urbano, que está constituído em


propriedade horizontal. A propriedade horizontal é um direito exclusivo, ainda que a
plenitude tenha características especiais.

A hipótese em análise prende-se com a matéria da propriedade horizontal, cujo regime


se encontra regulado nos arts. 1414º e seguintes. Concretamente, a primeira questão está em
saber se A pode fazer da sua fracção autónoma um cabeleireiro, tendo em conta que no título
constitutivo nada dizia quanto ao fim atribuído a cada fracção autónoma.

Temos de convocar várias normas:

 Artigo 1421º nº1 a) «1. São comuns as seguintes partes do edifício: a) O solo, bem como
os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem
a estrutura do prédio;»

 Artigo 1422º nº2 alínea a): «2. É especialmente vedado aos condóminos: a) Prejudicar,
quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou
o arranjo estético do edifício;»

 Artigo 1425º: «ARTIGO 1425º (Inovações) 1. As obras que constituam inovações


dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar
dois terços do valor total do prédio. 2. Nas partes comuns do edifício não são permitidas
inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto
das coisas próprias como das comuns.»

Quanto às obras: Se a demolição da parede interferir com a segurança do edifício,


aplica-se o art. 1422º/2 a). Diz a alínea a) que não pode o condómino prejudicar com obra
nova a segurança do edifício. Estamos a falar das paredes internas. Se a demolição da parede
interna prejudicar a segurança do edifício, não pode ocorrer.
Se a obra prejudica, a obra não cai no nº3. O nº3 permite que a obra que modifica a linha
arquitectónica ou o arranjo estético do edifício seja realizada se houver uma assembleia que
delibere com uma maioria representativa de 2/3 do valor total do prédio. Nunca poderia
haver uma deliberação da assembleia que aprovasse uma coisa que vai prejudicar o
prédio pondo em causa a sua segurança. A deliberação seria nula por violar uma norma
imperativa — “é especialmente vedado aos condóminos”.
Se, no entanto, a demolição da parede não interferir com a segurança do edifício, aí é
relevante saber se a parede é comum ou se é própria.

 Se a parede for uma parte comum (mestra), a alteração e inovação depende de uma
deliberação da assembleia nos termos do art. 1425º (inovações em partes comuns).

 Se for uma parede interna que não é mestra, ou seja, se for parte própria, e se não se
trata de uma demolição que prejudica a segurança do edifício, a demolição pode ser feita
por simples vontade do próprio condómino.

Atenção: Pode ser parte própria e mesmo assim não ser possível demolir essa parede
se isso prejudicar a segurança do edifício.

Fechar a varanda da sala: a varanda da sala é uma parte própria; só é parte comum os
terraços de cobertura. Não parece que prejudique o arranjo estético do edifício. No entanto, vai
haver uma modificação do arranjo estético do edifício. Assim sendo, de acordo com a lei, esta é
uma obra que cai no âmbito de aplicação do nº3 do art. 1422º, que requer a aprovação pela
assembleia de condóminos (aprovada por maioria representativa de 2/3 do valor total do
prédio). Se não suceder, o administrador pode ordenar a demolição da obra.

Assim: Atendendo ao art. 1422º nº3, as obras que modificam a linha arquitectónica ou
o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da
assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do
prédio. Ou seja, A teria de pedir a aprovação da assembleia de condóminos. Se fosse uma parte
comum, aplica-se o art. 1425º/1 do CC.

Placa no exterior do prédio para publicitar a abertura do estabelecimento


comercial: No que toca à colocação de uma placa no exterior do prédio para publicitar a
abertura do estabelecimento comercial e às varandas, atendendo ao art. 1422º nº3, as obras
que modificam a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se
para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria
representativa de dois terços do valor total do prédio. Ou seja, A teria de pedir a aprovação da
assembleia de condóminos. Pode estar em causa um prejuízo. Se a placa for feia, já estará
presente um prejuízo que diz respeito a quem utiliza o prédio e nele habita, e portanto, nem
mesmo com assembleia de condóminos será possível aprovar a colocação da placa (art.
1422º nº2 a)). Se a placa é um prejuízo não pode ser colocada legitimamente na fachada.

Questão do uso/finalidade: Quanto à utilização da fracção para abrir um


cabeleireiro: de acordo com o disposto no art. 1418º nº2 a), a menção do fim a que se destina
cada fracção ou parte comum do prédio é facultativa. Tendo em conta que o título era omisso
quanto a este aspecto, atendemos ao art. 1422º nº4, que nos diz que caso o título constitutivo
seja omisso quanto ao fim de cada fracção, a alteração do seu uso carece da autorização da
assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do
prédio. Por isso, A deveria ter levado esta questão para aprovação em assembleia de condómino.
Não se aplica o artigo 1422º nº4. Neste caso, não podemos concluir que houve uma
alteração ao uso, a ideia que dá é que a fracção ainda não teve uso nenhum, não podemos
aplicar o art. 1422º nº4. Temos de ir ao projeto aprovado pela entidade pública competente. Se
a finalidade for coincidente com aquela que a entidade pública prevê, então não é preciso uma
deliberação da assembleia a aprovar essa utilização. Só é preciso a deliberação da assembleia se
houver uma alteração do fim.

 Cabeleireiro (fim industrial)

 Restauração (actividade industrial)= transformação do produto através da acção


humana, oferecendo esse produto transformado

Mas quer dentro da actividade industrial, quer dentro da actividade comercial, podemos
ter diversos usos. Também é verdade que o elememento determinante nisto tudo é o projecto
aprovado pela entidade pública competente, ou seja, o que é que a entidade pública permitiu que
pudesse ser feito a respeito da utilização das fracções do edifício que autorizou, ou seja, quais os
fins que podem ter as fracções desse edifício.

Art. 1418º/3: Extrai-se uma certa hierarquização. Acima de tudo está o projecto
aprovado pela entidade pública constitutivo. Ele é que vai determinar qual é o fim que cada
fracção pode ter. E não há título constitutivo ou vontade de condóminos que possa alterar aquilo
que está definido no projecto aprovado pela entidade pública competente. Este é determinante
da finalidade que pode ser dada a cada fracção. O título constitutivo não pode contrariar o
projecto aprovado pela entidade pública competente. Por isso é que o silêncio do título
constitutivo é irrelevante, pois aplica-se aquilo que resulta do projecto aprovado pela entidade
pública competente. A menção é facultativa e não obrigatória, mas é evidente que é necessário
saber qual o fim. Mas este projecto aprovado pela entidade competente é de consulta pública.

Nesta hipótese específica, não foi especificado o fim de cada fracção autónoma. Mas isso
não é necessário, pois sabemos que é uma menção facultativa e não obrigatória. Mas é evidente
que é preciso saber o fim. Vamos buscar isso ao projecto aprovado pela entidade pública
competente.
Exemplo: Vamos imaginar que para esta fracção era possível um fim industrial. Então,
para a actividade de cabeleireiro, era perfeitamente legítima. Apesar do silêncio constitutivo, se
não houver uma alteração do uso, a utilização da fracção para este fim é livre. O condómino não
precisa de pedir autorização a ninguém. É o projecto aprovado pela entidade competente que lhe
dá a possibilidade de utilizar a fracção para o fim industrial.
Exemplo: Se houver uma panificadora, temos uma actividade industrial, e se agora passa
a haver um cabeleireiro, há uma alteração do uso, mas dentro do mesmo fim. Vamos cair no art.
1422º/3. Se o título constitutivo é omissivo quanto ao fim, e resulta do projecto aprovado pela
entidade pública competente que o fim é industrial, e se houve uma alteração ao uso, é
necessária uma autorização da assembleia de condóminos aprovada pela maioria
representativa de 2/3 do valor total do prédio. Mas não é o caso. Aqui temos apenas uma
fracção e apenas referência a um uso. Se for permitido o fim industrial pelo projecto aprovado
pela entidade pública competente, a utilização é possível, não sendo necessário pedir qualquer
autorização à assembleia de condóminos. Se o projecto aprovado pela entidade pública
competente permitir o fim industrial, a fracção já tiver um determinado uso industrial e agora
houver uma alteração do uso, já se aplica o art. 1422º/4.

Outro Exemplo: Vamos agora supor que o projecto aprovado pela entidade pública
competente oferece uma alternativa: ou comercial ou industrial. Aí, o título constitutivo é
relevante, porque o título constitutivo pode vir a definir, dentro dos fins que são permitidos pelo
projecto aprovado pela entidade pública competente, qual é o fim que efectivamente aquela
fracção autónoma terá, sendo que pode dizer ‘’comércio’’ ou apenas ‘’indústria’’. O que acontece
se o título constitutivo disser ‘’comércio’’ e agora a pessoa pretender abrir um restaurante ou um
cabeleireiro? Se tivesse já uma actividade comercial, e agora se alterasse para um uso diferente
comercial, aplica-se o art. 1422º/4 (o fim é possível, mas o fim é diferente). Mas se pretender
abrir um restaurante ou cabeleireiro, é possível ou não? De acordo com o título constitutivo, não,
mas o projecto permite um fim industrial.

 Título constitutivo: Não

 Projecto aprovado pela entidade pública competente: Sim

Resposta:

1) Não temos uma desconformidade entre o título constitutivo e o projecto, pelo que não
temos de olhar para o art. 1418º/3. O título constitutivo moveu-se dentro da margem de
liberdade promovida pelo projecto, e fez uma opção que é legítima. Não há um problema
de validade (e nulidade) do título constitutivo por falta de conformidade com o projecto,
pois este refere em alternativa duas opções.

2) Era necessário modificar o título constitutivo para que a finalidade industrial fosse
permitida, passando assim o título a prever um fim comercial ou industrial.

3) Mas qual é a norma que diz que a pessoa não pode utilizar a fracção para o cabeleireiro?
Art. 1422º/2, c)- Trata-se de um caso em que A estaria a dar um fim diverso ao fim a
que a fracção estava destinada.

Outro exemplo: Imaginemos que temos um projecto aprovado pela entidade pública
competente que não tem nenhum título constitutivo a dizer qual é o fim que especificamente é
desenvolvido por aquela fracção, e a fracção não está preparada para outro fim. Esta é uma
questão que tem surgido na jurisprudência, e que é a configuração natural da fracção. Se a
fracção tiver uma configuração que não é compatível com determinado uso, o que acontece?

Vamos supor que o projecto aprovado pela entidade pública competente diz ‘’comércio’’
ou ‘’indútria’’, e o título constitutivo nada diz. Aplica-se o que diz o porjecto aprovado pela
entidade pública competente. Vamos imaginar que A quer abrir um restaurante, o que está
dentro dos fins aprovados pelo projecto. Porém, a extracção dos fumos é levada para uma outra
fracção. Não tem a configuração natural que permite instalar um restaurante. Neste caos, o que a
jurisprudência tem vindo a dizer é o seguinte: no silêncio de título constitutivo, pode
desempenhar o papel de título constitutivo a configuração natural. Se a configuração
natural da fracção impedir um determinado uso, apesar do projecto aprovado pela
entidade competente permitir um certo fim, a configuração natural vedará essa
utilização, pois não é possível.
Hipótese 29

“Do Regulamento do Condomínio Alto da Torre, aprovado em 2005, costa a proibição de os


condóminos tocarem instrumentos de música entre as 20h00 e as 8h00. A, que adquiriu a
sua fração em 2010, considera não estar obrigado a cumprir o Regulamento por não ter
sido por si aprovado. Quid iuris?”

A hipótese em análise prende-se com a matéria da propriedade horizontal, cujo regime


se encontra regulado nos artigos 1414º e seguintes. Concretamente, a primeira questão está
em saber se A, tendo adquirido a sua fracção autónoma em 2010, terá de respeitar a proibição de
tocar instrumentos de música contida num regulamento de 2005 por si não aprovado.
De acordo com o disposto na alínea d) do nº2 do art. 1422º, os condóminos são
vedados de praticar quaisquer atos ou atividades que tenham sido proibidos no título
constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem
oposição. Caso consideremos que o regulamento integrava o título constitutivo do prédio em
questão, A terá de se abster de tocar instrumentos musicais. Por outro lado, se considerarmos
que o regulamento não integra o título constitutivo do prédio, os vizinhos poder-se-ão defender
invocando o disposto no artigo 1346º119.

Se não fosse o regulamento a prever isto mas antes uma assembleia de condóminos que
sem oposição que deliberou não se poderem tocar instrumentos entre as 20h e as 8h, e o
condómino novo não se considerasse abrangido por esta deliberação por ter ido para o prédio
posteriormente, o artigo 1422 nº2 d) não faz com que seja necessário que A estivesse presente,
o que parece daqui parece resultar que das duas uma: ou é proibido a título constitutivo ou os
condóminos reúnem-se e na deliberação surge a proibição independentemente do A estar ou
não presente. Será assim? Será que o 1422 nº2 d) autoriza uma assembleia de condóminos a
deliberar sobre fracções autónomas desde que a deliberação seja aprovada sem oposição? Na
assembleia só se pode deliberar sobre partes comuns, só o título constitutivo do 1418º é que
fala sobre partes comuns e fracções autónomas, por isso parece que esta deliberação da
Assembleia não é aprovada em unanimidade, “aprovada sem oposição” não é a mesma coisa que
acordo de todos os condóminos do 1419 nº1, pois podem desde logo haver abstenções na
assembleia, e uma abstenção apesar de não ser oposição não é acordo, não conta para a
unanimidade, e só por unanimidade ser modificado o título.
Portanto, o 1422º nº2 d) só pode ser interpretado como referindo-se a partes
comuns e não às fracções autónomas, para as fracções autónomas só há uma forma de
modificar a sua utilização: o título constitutivo, que só pode ser alterado por unanimidade
como acabou de referir. Assim ou o título constitutivo está ab-initio com esta restrição da música
ou então alterasse o título por unanimidade.
Podíamos também aplicar a Lei do Ruído, que limita perturbações deste tipo em fracções
autónomas, mas que interferências tem essas lei neste caso? Quando estudamos as limitações
aos direitos de propriedade estudamos que há que distinguir as normas que estabelecem
restrições em resultado de relações de vizinhança das normas que têm como objectivo
interesses gerais (como matéria ambiental), e o que dizem a doutrina e jurisprudência é que as
normas que têm como objectivo interesse gerais têm uma invocabilidade limitada. Por isso no
caso da Lei do Ruído podia ser discutível se estávamos num caso de normas que têm objectivos

119 Aplicação das limitações para o direito de propriedade à propriedade horizontal


gerais ou que resulta das relações de vizinhança.
Assim, neste caso, para Henrique Antunes, antes de irmos à Lei do Ruído como meio de
justificação seria de se passar primeiro pelo artigo 1346º do Código Civil que contém
limitações aplicáveis ao exercício de direito de propriedade neste caso.
Em suma:

1) Se o regulamento constasse do título constitutivo estaria A vinculado, caso contrário


só poderia ser vinculado por deliberação unanime da assembleia de condóminos
posterior.
2) A poderia estar vinculado a não tocar instrumentos pelo 1346º
3) Usar a Lei do Ruído se aqui considerarmos que cabe a sua aplicação, isto é se
considerarmos que a Lei tem por objecto regular as relações de vizinhança

A considerar é ainda o facto de a Lei do Ruído poder ajudar na interpretação do 1346º, o


1346º utiliza critérios gerais, assim a Lei do Ruído vem de certa forma concretizar e balizar o
1346º, vai permitir dizer quando é que estamos a falar de um uso normal ou anormal da fracção
autónoma.

Hipótese 30

“F é proprietária de uma fração autónoma de um imóvel constituído em propriedade


horizontal composto por dez frações correspondentes a cinco andares, direito e esquerdo. O
valor relativo das frações do lado esquerdo é de 50/1000 e das do lado direito 150/1000.
Pretendendo demolir uma das paredes-mestras do imóvel em que habita, F convoca, por
carta deixada na caixa de correio de cada um dos restantes condóminos, uma assembleia
para o sábado seguinte. Comparecem todos os proprietários das frações com exceção dos
condóminos do terceiro, quarto e quinto andares direitos. A assembleia autorizou a obra
por unanimidade dos votos dos condóminos presentes. Ao tomar conhecimento da
deliberação, G, proprietário do quarto direito, pretende opor-se. O que poderá fazer?”

Quanto à convocação da reunião for F: de acordo com o disposto no artigo 1431º exige-
se que F seja administradora do prédio, ou então que represente 25% do capital investido, para
que possa convocar a assembleia de condóminos. Assim sendo e presumindo que F não era
administradora do prédio, seria necessário que a mesma detivesse uma fracção autónoma com o
valor de 250/1000, e de acordo com os dados referidos na hipótese, só poderia ser titular de
uma fracção autónoma com o valor de 150/1000. Em segundo lugar, tendo a reunião sido
convocada para o sábado seguinte, não se encontra verificado o pressuposto contido no nº1 do
art. 1432º, que exige que a carta seja enviada com 10 dias de antecedência. Posto isto, atendendo
ao disposto no art. 1433º nº1, G poderia requerer a anulação das deliberações da assembleia.

Se a demolição desta parede mestra implicar a segurança do prédio diz o artigo 1422º
nº2 a) que os condóminos não podem permitir a destruição. Assim nem com uma deliberação
unanime seria permitido fazer tal destruição.
Se no entanto se a destruição não prejudicar a segurança do edifício a deliberação,
segundo o artigo 1421º nº1 a) diz que a parede mestra é uma parte comum, e sendo uma parte
comum qualquer inovação em parte comum implica uma deliberação em Assembleia de
Condóminos tomada em maioria de 2/3 do valor total do prédio. Há que pensar também que na
hipótese apenas se diz que G, tomando conhecimento da deliberação, pretende opor-se, não se
falando da oposição de mais ninguém, o que significa que a maioria de 2/3 até tenham sido
obtida, não em reunião da assembleia, mas posteriormente por falta de oposição. Assim , em
bom rigor, se se tratar de uma parede mestra cuja demolição não afecta a segurança do edifício ,
caiando no regime do artigo 1425º, a deliberação por 2/3 do capital investido teria sido
tomada.

Há regras que prevêem uma certa maioria de condóminos presentes, por exemplo, o
artigo 1432º nº4, temos por isso de ter em atenção que dentro desta matéria há quóruns e
maiorias diferentes em função dos cenários que temos.

Estaremos, com a falta de 2/3, perante uma deliberação anulável? Esta assembleia não
foi convocada regularmente, por carta registada nem com a antecedência que a lei prevê e à
partida nem terá o condómino em questão legitimidade para convocar a assembleia, temos aqui
vários vícios, será anulável a deliberação? Sempre que estejamos perante vícios procedimentais
estamos perante casos em que a sanção é a anulabilidade. O 1422º nº1 a) e o 1425 nº1
justificaram a nulidade da deliberação, só justificaria a anulabilidade da deliberação a
violação do 1432º nº1. Evidente é depois que o vício mais gravoso consume o vício menos
gravoso.

Hipótese 31

“A constituiu a favor de B usufruto vitalício de um prédio rústico. Em março de 2005, B


trespassou o seu direito a C, que morreu em maio de 2006. A partir dessa data, D, única
herdeira de C passou a usar e fruir o prédio. Só quando B morreu, em agosto de 2010, é que
A veio a ter conhecimento dos factos acima descritos, escrevendo, então, a D para esta lhe
devolver o prédio e todos os frutos por ele produzidos desde a morte de C. D recusa-se a
satisfazer os pedidos de A, dizendo que, como titular do usufruto ou, ao menos, como
possuidora a título de proprietária, nada tem a devolver. Quid iuris?”

O usufruto vem regulado nos artigos 1439º e seguintes, é um direito real autónomo,
que tem características próprias, sendo que elas se traduzem no facto de o usufruto ser o direito
de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou
substância. Pode ser constituído para pessoas colectivas ou singulares.
Aqui temos de olhar ao artigo 1444º que refere que o usufruto pode ser trespassado a
outrem. Quando o direito é alienado de modo definitivo pergunta-se o que sucede ao direito
quando o beneficiário que trespassou morre antes do prazo do em vida do trespassante.
Nestes casos temos três opiniões sobre o que sucede ao direito:
1) Regressão do direito e o direito regressaria a B. Esta é uma solução que não recolhe
apoio de ninguém, porque não faz sentido que o direito regresse à esfera do
trespassante (B); em rigor, não há nenhum fundamento legal nem contratual para
que isto aconteça, a não ser que isso tenha sido convencionado pelas partes.

2) Extinção do direito que é o que defende o Professor Carvalho Fernandes, o


argumento aqui é que a morte do usufrutuário sem mais reservas constitui uma
causa extintiva do direito fundada na lei, em concreto no artigo 1443º tanto como
no 1476º nº1 a) . Além disso temos o 1444º nº2. Por esta via o direito de usufruto
extinguia-se e A teria o direito à propriedade plena sem oneração, o que faz com que
B tivesse de devolver o prédio e todos os frutos desde 2006, ano em que C morre. Há
um outro argumento de Carvalho Fernandes que é a norma da qual se podia extrair
ideia de que o usufruto não se extingue com a morte, e o Professor Carvalho
Fernandes usa essa norma rebatendo-a, ou seja, usa uma norma que poderia ser
contrária ao que defende argumentando por cima dela para mostrar que está certo.
Essa norma é a norma do artigo 1442º que se prende com o fenómeno de usufruto
simultâneo.120 Carvalho Fernandes ultrapassa esta ideia dizendo que o que temos
nestes casos que são no fundo de usufruto simultâneo é vários usufrutos diferentes
sobre a mesma coisa, e por isso é que se fala em direito a acrescer, uma quota do
usufruto passa para o outro. Cada um tem o seu próprio direito que acrescerá para os
outros se morrer.

3) Opinião do Professor Henrique Antunes que é que o direito de usufruto se transmite


aos herdeiros. Isto porque a confiança do proprietário relativamente à expansão do
seu direito tem de ser nos termos da constituição do direito de usufruto e tem de ter
por referência a vida do usufrutuário inicial, ele não pode esperar mais nem menos
do que esperava quando o usufruto foi constituído. Antunes Varela, Pires de Lima e
Oliveira Ascensão vão também neste sentido. Por esta via o direito transmite-se B
que é o herdeiro de C, mas apenas durante a vida de B, o que faz com que B não tenha
de devolver os frutos desde 2006 mas sim apenas desde 2010 porque era até aí que
estava estabelecido o direito de usufruto. O problema com esta tese seriam os
artigos referidos em 2).

Hipótese 32

“A e B são titulares de um direito de usufruto sobre uma vinha. Para regularem o exercício
dos seus direitos, combinaram entre si que A teria direito à produção da vinha nos anos
ímpares e B nos anos pares, suportando cada um no respectivo ano todas as inerentes
despesas. Em 1987, A exerceu o seu direito, conforme acordado. Em 1988, estando B
impedido de cultivar a vinha por motivo de doença, A tomou a seu cargo fazê-lo,
depositando o produto da venda das uvas, deduzidas as correspondentes despesas, na conta
bancária de B. No entanto, a partir de

120 Artigo 1441º


1990, mantendo-se o impedimento de B, A passou a cultivar a vinha e a fazer seus os
respectivos rendimentos. Em Janeiro de 2010, A vendeu a vinha a C, declarando ser seu
único proprietário. B entende que o negócio é nulo. Tem razão?”

Estamos perante um direito de usufruto sobre uma vinha alheia, situação de


contitularidade/usufruto simultâneo (não há prazo – extingue-se com a morte do
usufrutuário), artigos 1439º, 1441º e 1443º.

De 1988 a 1990, A usou o direito de usufruto em nome de B (durante estes 2 anos, o A


depositou o dinheiro na conta de B). A partir de 1990 começou a fruir do direito em nome
próprio (passa a depositar o dinheiro na sua própria conta).
De acordo com o art. 1476º nº1 c), o direito de usufruto de B extingue-se pelo não
uso («pelo seu não exercício durante 20 anos, qualquer que seja o motivo»). No entanto, o
direito de usufruto de B era apenas relativamente aos anos pares, logo, não teriam passado 20
anos.

Art. 1442º: Há direito de acrescer da esfera jurídica/do direito de A. Aplicação


analógica do art. 1570º/2:« Nas servidões exercidas com intervalos de tempo, o prazo corre
desde o dia em que poderiam exercer-se e não foi retomado o seu exercício» Nota: esta seria uma
servidão descontínua por acção do homem, há uma transferência que é intervalada no tempo em
razão de um facto humano. O prazo é continuado, e não intervalado – o exercício poderia ter sido
retomado a 1 de janeiro de 1990, o que significa que a partir dessa data temos um prazo que vai
decorrer de forma continuada até 2010.

Em Janeiro de 2010, A vende a vinha. O acto configuraria uma venda de bens alheios (art.
892º), sendo, por isso, um negócio jurídico nulo, porque A não tem qualquer legitimidade para
efetuar a venda. Mas poderíamos entender que este direito se tinha adquirido por usucapião.
Deste modo, a questão prende-se em saber se pode haver uma inversão do título da posse que
leve à aquisição do título da posse por usucapião.
Nos termos do art. 1406º/2, o usufrutuário é um mero detentor relativamente à
quota do outro e, por isso, é necessária uma inversão do título da posse. Mas, para haver
inversão do título da posse, é preciso haver uma comunicação da oposição, o que não
acontece.
Segundo o Professor Pires de Lima, Antunes Varela e Henrique Sousa Antunes, é preciso
haver uma comunicação expressa efectuada aos interessados. Aqui trata-se apenas de depositar
o produto da venda das uvas na conta bancária. Não há nenhuma comunicação feita ao B. Era
preciso que ele se opusesse ao proprietário. Não há nenhuma relação com o proprietário que nos
leve a dizer que tinha havido alguma aquisição por usucapião. Nota: esta acção de A de cultivar a
vinha e fazer seus os rendimentos está dentro do seu direito usufruto de A. Mas não em 1990
(ano par)! Há uma mera detenção de A. B continua a ser usufrutuário, pois está a exercer o seu
direito de usufruto por intermédio de A. No fundo, é uma posse por intermédio de outrem. Mas
ele não está a não usar. Ele está a usar, só não está é pessoalmente a fazê-lo, mas está a exercer o
direito de uso com uma posse por intermédio de outrem (A).

Só se coloca a questão da contagem do prazo do art. 1570º (20 anos), na verdade, a


partir de 1990, pois não há nenhuma intervenção de B relativamente à vinha. Começa a correr
o prazo no dia 1 de Janeiro de 1990, independentemente de ele só usar nos anos pares.
São 20 anos e não 40. Não vamos só olhar para os anos pares. Vamos contar a partir do
momento em que ele podia voltar a exercer o usufruto e não o exerceu.
Não haveria aquisição por usucapião, pois o prazo não estava preenchido. O art. 1296º,
estabelece o prazo de 20 anos a contar da data da colheita das uvas (final de 1990), prazo
esse que não se verificou. Art. 1296º: «Não havendo registo do título nem da mera posse, a
usucapião só pode dar-se no termo de 15 anos, se a posse for de boa-fé, e de 20 anos, se for de má-
fé»

A questão está em saber se, porventura, não podemos utilizar este negócio, através do
regime da conversão, naquilo que é possível. O que é que ele pode vender? Ele pode vender a sua
quota de usufruto. A única coisa que pode fazer é a conversão do negócio de transmissão da
propriedade num trespasse do usufruto. Resta saber se ele pode trespassar plenamente o
usufruto ou só pode trespassar a sua quota de usufruto. Para trespassar plenamente o usufruto
era preciso chegar à conclusão de que ele adquiriu a plenitude do usufruto, e para isso: 1) ou
teria havido inversão do título da posse 2) ou teria havido extinção por não uso. O negócio
não pode ser convertido num negócio de transmissão do direito de usufruto pleno a C.

O Professor Henrique Antunes tem dificuldade em ver aqui um não uso. O Professor
questiona-se se o que não está aqui em causa é uma impossibilidade temporária de exercício.
O Professor considera importante a lei distinguir entre impossibilidade de exercício e não uso
nas servidões prediais. Podemos dizer que impossibilidade de exercício e não uso são a mesma
coisa, mas o Professor considera que não. A lei diz, aliás, que a impossibilidade de
exercício não importa a extinção enquanto não decorrer o prazo da alínea b), do nº1, do
art. 1569º. Ora, esta alínea fala do não uso. No fundo, a impossibilidade de exercício segue o
prazo do não uso. Portanto, esta distinção não parece ter relevância, mas para o Professor esta
distinção é muito importante.

 Impossibilidade de exercício= situações em que o não uso ocorre por factos que são
alheios à vontade do titular

 Não uso= situações em que o não uso que ocorre por factos que são, de alguma forma,
imputados à vontade do titular.

E, nesse caso, dado que não é um não uso, aplicam-se as regras da prescrição e não as
regras da caducidade. E as regras da prescrição determinam que, na verdade, possa haver
suspensão e interrupção, pelo que o prazo pode, porventura, ser mais lato do que o prazo
dos 20 anos.

Exemplo de impossibilidade de exercício: casos de força maior: a pessoa não exerce ou


não actua em razão de um impedimento de força maior: Art. 321º do CC: «A prescrição suspende-
se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de
força maior, no decurso dos últimos 3 meses do prazo». Isto pode significar que não haveria a
contagem, sem mais, dos 20 anos para a extinção. Haveria uma suspensão do prazo.

Questão proposta para reflexão: Não causa estranheza dizer, por um lado, que não há
uma inversão do título da posse por não haver comunicação ao co-usufrutuário, e por outro lado,
admitir-se que haja uma extinção pelo não uso? Isto é, no fundo, estamos a dizer que não há uma
extinção por aquisição por usucapião em benefício do A, mas há uma extinção por não uso
de B, sendo que os factos são exactamente os mesmos: o não uso de B corresponde ao uso
de A. Não causa algum incómodo que, concluindo que não há inversão do título da posse,
portanto, não haverá possibilidade de adquirir por usucapião, fazer no fundo que se chegue à
mesma conclusão? A conclusão é de que, por não uso, extingue-se o direito de B. Esta quota que
B tem acresce ao direito de A por direito de acrescer (art. 1442º). Portanto: não há inversão do
título da posse (e, portanto, não adquire por direito de usucapião a quota de B). Para perceber
esta questão, vamos desenvolver o raciocínio que foi feito.

Partimos agora de um raciocínio elaborado que o legislador ainda assim procurou


esclarecer no art. 1406º/2 («o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui
posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título da
posse»). Falámos de inversão do título da posse relativamente à quota de B porque assumimos
logo o que constava deste artigo. E isto porque sabemos que ao usufruto simultâneo, que é uma
situação de contitularidade de direitos, vamos aplicar as regras da compropriedade (art.
1404º). Quando ele está a usufruir, no ano par, fazendo seus os respectivos rendimentos, está,
no fundo, a invadir a esfera do outro, a quota do outro. E, portanto, relativamente à quota do
outro só pode ser um possuidor, não pode ser um detentor. E só se tornará possuidor se tiver
havido inversão do título da posse, convertendo-se detentor a possuidor. Se a pessoa usa o
direito comum para lá da sua quota, isto não significa que tem uma posse de quota superior à
que ele tem, a não ser que tenha havido inversão do título relativamente à outra quota. Mas, para
haver inversão do título, é preciso haver uma comunicação, que neste caso não existiu. O A é um
mero detentor relativamente à quota de B. A não vai adquirir a quota de B por usucapião. No
entanto, admite-se que ele venha a adquirir a quota de B por não uso.

Voltando à hipótese, há aqui qualquer coisa de estranho. A inversão do título da posse


não ocorre porque ele não comunicou, pelo que ele não vai adquirir a quota de B. Estamos a
querer sancionar o seu comportamento, estamos a querer corrigir o outro. Como não
comunicou, o B não sabe, e, portanto, deve ser protegido. Mas, depois, estamos a dizer que
apesar de tudo, não usou, e, como não usou, vai extinguir-se o seu direito, não em benefício do
proprietário, mas, como é um usufruto simultâneo, vai extinguir-se em benefício do outro
usufrutuário (A), que não tinha feito inversão do título da posse. Este é um aspecto de reflexão.
Não conseguimos encontrar nenhuma salvaguarda?
Resposta para reflexão: Art. 1570º/3: «Se o prédio dominante pertencer a vários
proprietários, o uso que um deles fizer da servidão impede a extinção relativamente aos demais».

O que é que se extrai desta norma? Esta norma é pensada para que a relação não se
extinga com o proprietário do prédio serviente. Mas se aplicarmos a norma analogicamente, a
conclusão a que chegamos é que o usufruto não se irá extinguir na esfera do B porque A fez
uma utilização desse direito sempre em nome do usufruto conjunto (ele nunca foi
possuidor das duas quotas, foi apenas possuidor da sua quota), pelo que o Professor acha que
este artigo permite-nos dizer se o A usou, então não haverá extinção relativamente aos
demais usufrutuários (B). Esta norma não está pensada para esta situação, mas permite-nos
dar uma resposta adequada a este problema. Desta norma extrai-se a ideia de que, quando se
está numa contitularidade de direitos, tudo o que um faz aproveita aos outros, na relação com
terceiros, e não pode de deixarse de aproveitar na relação entre eles próprios.

O que a lei diz é que o que um comproprietário fizer, aproveita a todos. E, portanto, quem
fica onerado é o prédio serviente. O prédio serviente continua onerado, apesar de nem todos os
proprietários do prédio dominante terem agido. Quem fica prejudicado com o comportamento
exclusivo de um proprietário é o proprietário do prédio serviente. A servidão mantém-se em
benefício de quem também nada fez para a manter. Ora, se isto acontece, por maioria de razão,
não deverá o usufruto manter-se em benefício de quem nada pôde fazer, evitando o proveito de
quem tudo fez para que o usufruto se extinguisse? Isto é, não será, por maioria de razão, que a
norma, numa situação como estas, se deve aplicar, evitando o co-usufruto e o direito de acrescer
venham a beneficiar aquele que ocupou o espaço alheio, sem ter havido inversão do título da
posse? Esta questão não é uma resposta fechada. É uma questão aberta à discussão.

O que o Professor acha é que uma coisa não pode estar dissociada da outra. Se não
há inversão do título da posse, dificilmente haverá extinção por não uso e direito de
acrescer. Se se admitir que adquiriu a plenitude do usufruto, então pode vender a plenitude do
usufruto e, nessa medida, o negócio convertido já não seria nulo.
Também podemos encontrar outras normas e outros princípios (ex: princípio do abuso
de direito). Há vários caminhos:

 Abuso de direito

 Art. 1570º/3

 Distinção da impossibilidade de exercício e não uso e consequente aplicação das regras


da prescrição

Mas, para o Professor, a solução da extinção não é razoável. A conclusão final não
pode deixar de ser a manutenção do co-usufruto e, por isso, qualquer alienação que ele tentasse
fazer do usufruto na sua plenitude seria uma alienação nula por causa das regras da
compropriedade (art. 1404º, art. 1408º, remissão para a venda d coisa alheia).

Hipótese 33

“A A foi concedido o usufruto de toda a produção de tomate do terreno Y do ano de 2015.


Depois da colheita, e antes da venda, uma praga de insectos inutilizou 2/3 daquela
produção. O proprietário pede a A o pagamento integral do valor entre eles convencionado.
Quid iuris?”

A questão colocada remete para a matéria do usufruto, cujo regime se encontra nos
arts. 1439º e seguintes. De acordo com este preceito, o usufruto é o direito de gozar
temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância.
Concretamente, estamos perante um usufruto de coisas consumíveis, nos termos do art. 208º,
regulado no art. 1451º. Art. 208º: «São consumíveis as coisas cujo uso regular importa a sua
destruição ou a sua alienação.»
De acordo com o nº2 do art. 1451º, o usufruto de coisas consumíveis não implica a
transferência da propriedade, logo o risco está na esfera do proprietário, o que significa que
se a coisa perecer, o prejuízo resultante é assumido pelo proprietário. Posto isto, o
proprietário não poderá pedir a A o pagamento integral do valor entre eles convencionado,
tendo ele próprio de suportar esse custo.

Este regime interfere com a noção de usufruto. Por isso é que se qualifica o usufruto de
coisas consumíveis como um quase-usufruto. O usufruto exige que a forma da coisa seja
respeitada. Portanto, se a coisa consumível pode implicar a destruição da coisa, a forma não é
respeitada. Logo, isto interfere com a noção de usufruto.

Porque é que, ainda assim, o legislador o veio consagrar? Porque o regime que poderia
servir o mesmo propósito é um regime que não cumpria alguns requisitos que o legislador
considerou aplicáveis à matéria do usufruto. Que regime é esse? O regime do mútuo. Ex: Se A
empresta a B 5 mil euros, estas notas que deu no montante de 5 mil euros são coisas cuja
propriedade é transferida no acto da entrega. A consequência é a transferência da propriedade
das coisas mutuadas para o mutuário. E, por força do princípio do art. 796ºdo CC, acompanha
a transferência da propriedade/ do domínio sobre a coisa a transmissão do risco. Isto significa
que se as notas entregues a B perecerem no incêndio em casa de B, B vai continuar obrigado a
pagar os 5 mil euros, pois é, por força do regime do mútuo, proprietário dessas notas e, por isso
mesmo, assume o risco de perecimento dessas notas, pelo que continua obrigada a restituir o
montante de 5 mil euros.

Ora bem, o legislador entendeu, desde logo, o seguinte: preservar a propriedade da


coisa consumível entregue, em usufruto, na esfera do proprietário, é adequado, ao
contrário do que decorre do regime do mútuo. E porquê? Art. 1451º/2: «O usufruto de
coisas consumíveis não importa transferência da propriedade para o usufrutuário». Isto significa
que o proprietário, relativamente à coisa que foi entregue em usufruto, conserva a propriedade.

Agora imaginemos que o usufrutuário tinha uma série de credores e não satisfez as suas
dívidas. O que é que os credores vão fazer? Os credores vão penhorar bens do usufrutuário. Ora,
o que é que não está lá? A propriedade da coisa. O que lá está é única e exclusivamente o
usufruto dessa coisa. O que significa que o proprietário da coisa não vai concorrer com os
demais credores relativamente ao valor da própria coisa, porque a propriedade continua a ser
sua.

Portanto, o legislador entendeu que há, desde logo, uma razão, para que a propriedade
fique na esfera do proprietário.

Além disso, é razoável entender-se que em compensação, dado que a propriedade permanece na
esfera do proprietário, o risco de perecimento das coisas corra por sua conta e não onerando a si
o usufrutuário. Ou seja, na prática, o que está a fazer é um juízo diferente daquele que faz no
mútuo (a ideia de que no mútuo há uma demissão do mutuante relativamente à coisa que foi
emprestada e, por isso, transferindo-se a propriedade, transfere-se o risco), pois no usufruto não
haverá uma demissão, não se desliga da coisa que é dada em usufruto, sendo que,
consequentemente, conserva a propriedade e conserva o risco da coisa que dá em usufruto.

Assim, o legislador previu um regime especial para o usufruto de coisas consumíveis, que
interfere com a noção de usufruto.
Hipótese 34

“A constituiu em favor de B o direito de colher, mensalmente, do seu pomar as frutas de que


esta necessitasse para si e para a sua família. B trespassou este direito a C. Quid iuris ?”

Neste caso, estamos no âmbito de um direito de uso, regulado nos arts. 1484º e
seguintes. Nos termos do nº1 do art. 1484º, o direito de uso consiste na faculdade de se servir
de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular
quer da sua família.

Essas necessidades seriam fixadas ou determinadas de acordo com a condição social do


usuário (art. 1486º), sendo que existe alguma controvérsia, pois duvida-se da
constitucionalidade desta norma. O âmbito da família encontra-se no art. 1487º.

Ao contrário do que acontece com o direito de usufruto, o direito de uso não pode ser
trespassado, de acordo com o disposto no art. 1488º, os direitos de uso são intransmissíveis,
quer inter vivos quer mortis causa. Art. 1488:« O usuário e o morador usuário não podem
trespassar ou locar o seu direito, nem onerá-lo por qualquer modo»

Esta é uma norma imperativa, pelo que não pode ser derrogada por disposição diversa
de título constitutivo.
Assim sendo, B não poderia ter trespassado o seu direito a C, sendo esse negócio
nulo por violação de uma norma imperativa.

Hipótese 35

“A constituiu em benefício de B, pelo prazo de cinquenta anos, um direito de superfície sobre


umas cavalariças construídas na sua quinta. B explorava um picadeiro nas proximidades. A
pretende, agora, vender a sua quinta, sem a limitação daquele direito real de gozo, sabendo
que há, pelo menos, vinte anos, B não usa as cavalariças por ter, desde essa altura, fechado
o picadeiro. Quid iuris?”

A questão colocada prende-se com a matéria do direito de superfície, cujo regime se


encontra regulado nos artigos 1524º e seguintes. De acordo com o disposto no art. 1524º, o
direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou
temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações.

As cavalariças já existiam, pelo que estamos perante uma situação de uma alienação de
uma obra separadamente da propriedade do solo. É uma obra que é alienada separada do solo. É
um direito de superfície na modalidade da manutenção de obra já existente.
O direito de superfície pode ser perpétuo ou temporário. Neste caso, é um direito de
superfície temporário, pois a própria hipótese aponta para o prazo de 50 anos. O que queremos
saber é, havendo a não utilização durante 20 anos, ou seja, um período inferior ao prazo
de 50 anos, se isso implicará ou não a extinção. Portanto, o direito de superfície pode
extinguir-se pelo não uso?

Não está previsto no art. 1536º. À partida, a conclusão seria a de que não podia
extinguir-se pelo não uso.

Porém, podemos considerar outra solução, se entendermos que o direito de superfície é


um direito real menor e não um direito de propriedade especial (como a propriedade
horizontal). A solução diverge. E isto vai ter consequências para o artigo 298º/3.

Art. 298º/3: «Os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e
servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos
na lei, sendo aplicáveis nestes casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade».

Como já vimos, o Professor Henrique Sousa Antunes defende que é um direito real
menor, pois há várias normas que demonstram que este direito é tratado como um direito real
menor. Sabemos que não é um direito exclusivo porque pressupõe a propriedade e o solo na
esfera alheia. Eu só posso constituir um direito de superfície sobre propriedade alheia. E logo
isto faz-nos pensar que estamos fora da propriedade, que isto não é uma propriedade especial,
como é a propriedade horizontal (que é um direito pleno e exclusivo). O direito de superfície tem
de ter uma utilidade social presente e concreta, ao contrário do direito de propriedade.

É verdade que, num segundo momento, quando a obra já está construída, o superficiário
faz quilo que bem entender, podendo, inclusivamente, destruir. Mas, se ele destruir, pode
acontecer uma coisa. Se ele destruir, não se extingue o direito de superfície de imediato.

Artigo 1536º nº1 b): «Se, destruída a obra ou as árvores, o superficiário não reconstruir a
obra ou não renovar a plantação, dentro dos mesmos prazos a contar da destruição». Quais são os
prazos? Os prazos da alínea a). Art. 1536º/1, a): «Se o superficiário não concluir a obra ou não
fizer a plantação dentro do prazo fixado, ou na falta e fixação, dentro do prazo de dez anos».

Isto demonstra que há uma relação que não é de equivalência. Há um a relação de


maioridade/ menoridade entre o direito de propriedade e o direito de superfície. O
proprietário do solo pode beneficiar da extinção da obra que foi destruída não for renovada. O
mesmo acontece na alínea a).

Nada disto acontece no plano da propriedade. O proprietário pode ficar indefinidamente


sem construir, sem renovar a construção.

Temos outro argumento que é o direito de preferência (art. 1535º). Os dois direitos
são transmissíveis. Quem tem o direito de preferência é o proprietário do solo (fundeiro). Se o
proprietário do solo o vender, o superficiário não pode preferir, pois não é tratado da mesma
forma que o proprietário do solo.

A superfície não é mais do que uma oneração da propriedade. É um direito real menor. É
uma oneração da propriedade. É um típico específico, não é uma propriedade especial (como na
propriedade horizontal).
Porque é que isto é relevante a respeito do não uso? Por causa do princípio da
tipicidade. O artigo 1306º está configurado para protecção da propriedade. Não se pode
restringir a propriedade se não nos casos previstos na lei. Logo, não se pode aplicar
analogicamente a extinção por não uso da propriedade. E aí sim, o art. 298º/3, quando prevê
uma norma especialmente indicada para a extinção por não uso da propriedade, está apenas a
duplicar o que diz o art. 1306º do CC, por força do princípio da tipicidade.

O mesmo vale para os direitos reais menores? Não. Porque se eu extinguir um direito
real menor não se está a ofender o princípio da tipicidade. Logo, a exigência de uma norma
especial, relativamente aos direitos reias menores, não tem razão de ser da exigência de uma
norma especial para o direito de propriedade. Para os direitos reais menores, essa norma
especial tem de ter outro fundamento. Porque é que o art. 298º/3 prevê essa norma especial? É
preciso definir qual é o prazo. Não há nenhuma norma que diz qual é o prazo para a extinção
pelo não uso do direito de superfície. Ora, a analogia é possível quanto aos direitos reais
menores. Podemos aplicar analogicamente o prazo dos 20 anos para a extinção dos direitos
reais menores (que existe para o usufruto, para a servidão…).

Aplica-se sempre o mesmo prazo de 20 anos para os restantes direitos reais menores,
logo, não há razão para tratar de forma diferente o direito de superfície. Considerando
que é uma causa geral de extinção de direitos reais, o princípio da tipicidade não veda a
aplicação do não uso ao direito de superfície, não sendo também necessária a aplicação do
regime quanto ao prazo, uma vez que este é sempre de 20 anos para todos os direitos reais
menores. Assim sendo, o direito extinguia-se pelo não uso.

Conclusão: pode vender de forma desonerada a propriedade.

Hipótese 36

“A, que padecia de graves problemas de coluna, a conselho do médico propôs ao seu vizinho
B que este o deixasse nadar todos os dias na sua piscina, mediante o pagamento de 5.000
euros. Para o efeito, A celebrou, por documento particular autenticado, um acordo com B.
Passados seis meses, este último decide doar a moradia ao seu afilhado C que pretende
impedir A de utilizar a piscina. Quid iuris?”

Se as partes pretenderam constituir uma servidão pessoal com carácter real, isso é nulo
por força do princípio da tipicidade sendo que o artigo 1306º opera uma conversão legal para
uma figura de natureza obrigacional. O que significa que, respondendo a pergunta, quando se diz
que o B de decide doar a sua moradia a C, que pretende impedir A de utilizar a piscina o C tem
toda a legitimidade de impedir A de utilizar a piscina porque o direito de A é de natureza
relativa. Embora que, ao ver do professor Henrique Sousa Antunes, os direitos pessoais de gozo
são direitos de natureza absoluta. Mas olhando apenas para a divisão clássica, se é uma servidão
pessoal direito de natureza obrigacional é um direito com eficácia relativa, e C não está
vinculado por esse direito e pode impedir A de utilizar a piscina. O professor acha que ao
olharmos para esta hipótese, a primeira coisa que temos de dizer é que não sabemos qual a
natureza do direito que foi constituído pelas partes. Porque as partes podem constituir direitos
pessoais de gozo para lá do que a lei descreve, ao abrigo do princípio da liberdade contratual.
Nós não sabemos se este acordo não foi no sentido de criar uma servidão pessoal no sentido de
ter natureza obrigacional. Para podermos dizer que há uma conversão, tínhamos de chegar à
conclusão que o que eles pretendiam era um direito de natureza real.

Tínhamos de dizer que este direito é um direito que vincula terceiros o é um direito real,
ou oponível erga omnes - permitissem ao intérprete concluir que o qua as partes pretendiam era
um direito de natureza real. Na hipótese, há um elemento que leva a este raciocínio de um
direito real. Qual é o elemento da hipótese? A formalidade, documento particular autenticado.
Este é a forma que é exigida para ser constituído um direito real. Para apenas a natureza
obrigacional, não é exigível essa formalidade. As partes na verdade criaram um direito de
natureza real.
Índice
Introdução.............................................................................................................................................................................1
Noção de Direito Real ..................................................................................................................................................1
Teoria Clássica ...........................................................................................................................................................1
Teoria Moderna.........................................................................................................................................................2
Teoria Mista ................................................................................................................................................................2
Categorização de Direitos Reais ..............................................................................................................................3
Generalidades ............................................................................................................................................................4
Direito Real e Direito de Crédito .............................................................................................................................6
Teoria Realista de Gaudemet...............................................................................................................................7
Teoria Pessoalista de Demogue ..........................................................................................................................8
Pretensões Reais .................................................................................................................................................... 11
Características dos Direitos Reais ....................................................................................................................... 11
Características Tendenciais .............................................................................................................................. 11
Características Essenciais dos Direitos Reais ............................................................................................ 12
O Registo ............................................................................................................................................................................. 18
Efeitos da Publicidade .............................................................................................................................................. 18
Efeito Constitutivo ................................................................................................................................................ 18
Efeito Enunciativo ................................................................................................................................................. 19
Efeito Consolidativo ............................................................................................................................................. 19
Efeito Aquisitivo..................................................................................................................................................... 20
Artigo 5º do Código do Registo Predial............................................................................................................. 20
Concepção Ampla e Restrita de Terceiro..................................................................................................... 21
Terceiro de Boa Fé e adquirente a Título oneroso .................................................................................. 24
Os artigos 17º nº2 do CRP e 291º do Código Civil ........................................................................................ 25
A posição do titular do direito perante o efeito aquisitivo do registo.................................................. 29
Tipicidade........................................................................................................................................................................... 31
Figura Parcelar ............................................................................................................................................................ 31
Alcance............................................................................................................................................................................ 32
Numerus Clausus .................................................................................................................................................... 33
Deveres ...................................................................................................................................................................... 37
Analogia ..................................................................................................................................................................... 38
Em suma .................................................................................................................................................................... 39
Ensaio de uma Parte Geral dos Direitos Reais .................................................................................................... 40
Limitações ..................................................................................................................................................................... 40
Limitações Intrínsecas ........................................................................................................................................ 41
Limitações Extrínsecas........................................................................................................................................ 47
As Vicissitudes dos Direitos Reais ....................................................................................................................... 54
Constituição ............................................................................................................................................................. 55
Constituição: Factos Específicos do Direito de Propriedade ............................................................... 60
Modificação .............................................................................................................................................................. 67
Transmissão ............................................................................................................................................................ 68
Defesa ......................................................................................................................................................................... 68
Extinção dos Direitos Reais ............................................................................................................................... 68
O Não Uso.................................................................................................................................................................. 75
Desnecessidade ...................................................................................................................................................... 76
A Posse................................................................................................................................................................................. 78
Concepção de Posse .................................................................................................................................................. 79
No ordenamento português .............................................................................................................................. 80
Classificações da Posse ............................................................................................................................................ 83
Classificações Doutrinais.................................................................................................................................... 84
Classificações Legais ............................................................................................................................................ 84
Consequências das Classificações Possessórias no Contexto dos Efeitos da Posse ........................ 85
Uso ............................................................................................................................................................................... 85
Frutos ......................................................................................................................................................................... 86
Benfeitorias.............................................................................................................................................................. 86
Meios de Defesa Possessórios .......................................................................................................................... 87
Usucapião.................................................................................................................................................................. 89
Vicissitudes ................................................................................................................................................................... 90
Aquisição Originária............................................................................................................................................. 90
Aquisição Derivada ............................................................................................................................................... 93
A Perda....................................................................................................................................................................... 94
Propriedade Horizontal................................................................................................................................................ 95
Especificidades na Compropriedade.................................................................................................................. 96
Partes Comuns ........................................................................................................................................................ 98
Especificidades para propriedade singular ..................................................................................................... 99
Vicissitudes ................................................................................................................................................................ 100
Constituição .......................................................................................................................................................... 100
Modificação ........................................................................................................................................................... 102
Administração...................................................................................................................................................... 103
Usufruto ........................................................................................................................................................................... 105
Direitos de Uso e da Habitação ............................................................................................................................... 110
Traços que distinguem os direitos de uso e de habitação dos direitos de usufruto.................... 110
Direito de Superfície ................................................................................................................................................... 112
Questão do Objecto do Direito de Superfície ............................................................................................... 112
Obrigações das Partes ........................................................................................................................................... 115
Vicissitudes do Direito de Superfície ............................................................................................................. 115
Servidões Predias......................................................................................................................................................... 117
Traços essenciais deste tipo ............................................................................................................................... 117
Conteúdo das servidões........................................................................................................................................ 119
Classificações das servidões ............................................................................................................................... 120
Servidões voluntárias vs Servidões Legais .............................................................................................. 120
Servidões prediais aparentes e não aparentes....................................................................................... 121
Servidões ativas e passivas............................................................................................................................. 121
Servidões positivas, negativas e desvinculativas .................................................................................. 122
Servidões continuas e Servidões descontinuas ..................................................................................... 122
Vicissitudes das Servidões Prediais................................................................................................................. 122
Hipóteses Práticas ....................................................................................................................................................... 124
Hipótese I.................................................................................................................................................................... 124
Hipótese 2................................................................................................................................................................... 124
Hipótese 3................................................................................................................................................................... 128
Hipótese 4................................................................................................................................................................... 129
Hipótese 41 ................................................................................................................................................................ 131
Hipótese 44 ................................................................................................................................................................ 132
Hipótese 5................................................................................................................................................................... 135
Hipótese 6................................................................................................................................................................... 137
Hipótese 7................................................................................................................................................................... 139
Hipótese 8................................................................................................................................................................... 140
Hipótese 9................................................................................................................................................................... 142
Hipótese 10 ................................................................................................................................................................ 143
Hipótese 11 ................................................................................................................................................................ 145
Hipótese 12 ................................................................................................................................................................ 146
Hipótese 13 ................................................................................................................................................................ 148
Hipótese 14 ................................................................................................................................................................ 148
Hipótese 15 ................................................................................................................................................................ 151
Hipótese 16 ................................................................................................................................................................ 152
Hipótese 17 ................................................................................................................................................................ 154
Hipótese 18 ................................................................................................................................................................ 155
Hipótese 19 ............................................................................................................................................................... 158
Hipótese 45 ................................................................................................................................................................ 160
Correção do teste de 2017, por Henrique Antunes. .................................................................................. 162
Hipótese 20 ................................................................................................................................................................ 164
Hipótese 21 ................................................................................................................................................................ 166
Hipótese 23 ................................................................................................................................................................ 168
Hipótese 24 ................................................................................................................................................................ 172
Hipótese 25 ................................................................................................................................................................ 173
Hipótese 26 ................................................................................................................................................................ 175
Hipótese 27 ................................................................................................................................................................ 176
Hipótese 28 ................................................................................................................................................................ 179
Hipótese 29 ................................................................................................................................................................ 183
Hipótese 30 ................................................................................................................................................................ 184
Hipótese 31 ................................................................................................................................................................ 185
Hipótese 32 ................................................................................................................................................................ 186
Hipótese 33 ................................................................................................................................................................ 190
Hipótese 34 ................................................................................................................................................................ 192
Hipótese 35 ................................................................................................................................................................ 192
Hipótese 36 ................................................................................................................................................................ 194

Você também pode gostar