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SOS PRATICOS
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CASOS PRATICoS
Contratos Civis
CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

Maria OIinda Garcia' Sandra Passinhas


2013 . 2ª Edição

\Im.
ALMEDINA
Os casos práticos apresentados repartem-se pelo regime dos seguintes contratos: compra e venda
(incluindo a venda de bens de consumo). doação, locação (em especial o arrendamento urbano, com as
alterações introduzidas pela Lei n. º 31/2012), comodato, mútuo, mandato, depósito e empreitada. Cada
caso concreto enuncia e sugere soluções para específicos problemas de regime, seguindo, em geral, a
sequência apresentada pelo regime legal dos contratos abordados.
Embora tenha sido estruturada com finalidades essencialmente didácticas, auxiliar os estudantes
na sua preparação para os exames, a presente colecção de casos práticos também tem interesse para
juristas que pretendam obter informação prática, sucinta, e actualizada, sobre as matérias abordadas.

COLEÇÃOCASOS PRÁTICOS

I
iONTIlATOS CIVIS - CASOS PRÁTIC
~r.itoCMI
'8;724051000

GRUPOALMEDINA
Contratos Civis
Casos Práticos Resolvidos

Maria Olinda Garcia


Sandra Passinhas

2013 . 2ª edição

\Im.
AI.MEDINA
CONTRATOS CIVIS
CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS
2~edição
EDITOR

EDIÇÕES ALMEDlNA, S.A. APRESENTAÇÃO DA 2ª EDiÇÃO


Rua Fernandes Tomás, n.'" 76, 78 e 80
3000-167 Coimbra
AI' edição desta obra, publicada em Maio de 2011, esgotou rapidamente.
Te!.: 239 851 904 . Fax: 239 851 901
www.almedina.net·editora@almedina.net Os alunos transmitiram-nos o seu apreço por poderem contar com este elemento
DESIGN DE CAPA de estudo e nós pudemos constatar que dele fizeram bom uso, pois tal refletiu-se nos
FBA. bons resultados que alcançaram, tanto nas avaliações escritas como orais.
IMPRESSÃO I ACABAMENTO
A publicação da Lei n.' 31/2012 (que alterou significativamente o regime do
PAPELMUNDE, SMG, LDA.
V. N. de Famalicão arrendamento urbano) fez com que o livro ficasse parcialmente desatualizado, pelo
que se tomou necessário proceder à atualização e reformulação dos casos práticos
Março,2013 sobre arrendamento urbano.
DEPÓSITO LEGAL
Assim, para que os alunos pudessem continuar a contar com este elemento de
356951/13
estudo em tempo útil, optámos por não proceder a outras alterações de fundo além
Apesar do cuidado e rigor colocados na elaboração da presente obra, das que se impunham em matéria de arrendamento urbano.
devem os diplomas legais dela constantes ser sempre objecto de
confirmação com as publicações oficiais.
Coimbra, Fevereiro de 2013
Toda a legislação contida na presente obra encontra-se acrualizada
de acordo com os diplomas publicados em Diário da República,
independentemente de terem já iniciado a sua vigência ou não.
Toda a reprodução desta obra, por fotocópia ou outro qualquer
processo, sem prévia autorização escrita do Editor, é ilícita e passível
de procedimento judicial contra o infractor.

\Jtít I
ALMEDINA
GRUPOALMEDINA

BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL - CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

GARCIA, Maria Olinda, 1963-, e outro

Contratos Civis: Casos Práticos Resolvidos


Maria Olinda Garcia, Sandra Passínhas
2~ ed. (Casos práticos)
ISBN 978-972-4{)-5100-0

I -PASSINHAS, Sandra

CDU 347
APRESENTAÇÃO DA 1ª EDiÇÃO

A presente publicação tem como primeiros destinatários os alunos da unidade


curricular de Contratos Civis, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
e foi motivada pelas particularidades do funcionamento da unidade curricular no ano
lectivo de 2010/2011 (elevado número de alunos inscritos e redução do número de
aulas práticas),
No ensino do Direito em Portugal não existe a tradição de incluir Case Books entre
os elementos de estudo, diferentemente do que se regísta no Direito Anglo-Saxóníco,
embora se encontrem já publicadas algumas colectâneas de Casos Práticos Resolvidos,
cujos autores são docentes universitários. Esta nossa colectânea mais não visa do que
ser um elemento complementar dos demais meios de aprendizagem, e tem como
principal função auxiliar os alunos na sua preparação para os exames.
Os casos práticos apresentados repartem-se pelo regime dos seguintes contratos:
compra e venda, doação, locação (em especial arrendamento urbano), comodato,
mútuo, mandato, depósito e empreitada. Cada caso concreto enuncia e sugere solu-
ções para específicos problemas de regime, seguindo, em geral, a sequência apresen-
tnda pelo regime legal dos contratos abordados, Quanto às respostas dadas, estas não
pretendem ser exaustivas, por isso não são aprofundadas divergências doutrinais e
jurisprudenciais, e tentámos adequá-las ao tempo que os alunos dispõem para res-.
ponder aos casos práticos nos exames escritos. Por último, o modo como são dadas
as respostas aos casos apresentados tem natureza indicativa; sugere-se apenas uma
metodologia de resposta, Os alunos podem (e devem) desenvolver o seu próprio
estilo na explanação das respostas aos casos práticos.
Apesar de esta publicação ter sido determinada por circunstâncias pedagógicas
específicas, cremos, todavia, que a presente colecção de casos práticos resolvidos tam-
bém tem utilidade didáctíca para outros estudantes, e interesse para juristas que pre-
tendam obter informação prática, sucinta, e actualizada, sobre as matérias abordadas.

olmbra, Maio de 2011


iN O IC E

I. COMPRA E VENDA

Caso 1 - Efeitos da compra e venda ,, ," ,, 15


Caso 2 - Proibições de venda I , , , .. , , '" , , 18
Caso 3 - Proibições de venda 11 ,,, , " ,,. 20
Caso 4 - Legitimidade para vender bens do casal. , , , , , , , , , ,,, ,,, ,,, .. 22
Caso 5 - Venda de bem alheio "" .. "" .. "",., .. ", .. ,,,,,,.. 24
Caso 6 - Venda de bem onerado " " .. , . , , , , , , . , .. , " , " . . 26
Caso 7 - Venda a retro , . , , , .. , , , , .. , , , .. , , , , , , , , , " ... 29
Caso 8 - Venda a contento ,,,,,, ,, ,,.,,,,,,, "". . . 31
Caso 9 - Venda com reserva de propriedade , " " .... 33
Caso 10 - Vendas ao domicilio " ".".,. 35
Caso II - Envio de bens não solicitados ,,, 37
Caso 12 - Venda de coisas defeituosas I , , , . . .. . .. . . . . . .. .. .. .. . . . 39
Caso 13 - Venda de coisas defeituosas 11 " ',... 42
Caso 14 - Venda a prestações , , , .. , , ,, " _.. , . . . . . 45

11. COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO

Caso 1 - Direitos do comprador .. , . , . , , ,,, 51


aso 2 - Imperatívidade do regime , " . " , , .. , " , .. " ,. 54
aso 3 - Venda com instalação, .. , ,.,,, 56
aso 4 - Transmissão do bem a terceiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . S8
aso 5 - Termo do prazo de garantia em caso de substituição do bem. , ... , , , 60
aso 6 - Resolução do contrato I ,, , , , .. . . . 62
aSO 7 - Resolução do contrato 11 _.. _ : " _.. . . 64
lI!. DOAÇÃO Caso 3 - Caducidade, , , , , , , , .. , ,,,,," " ,,,,,,,,," 139
69 Caso 4 - Precário""", .. " .. ,,,,,,, .. ,, ,, ", , 141
Caso 1 - Doação a incapazes e cláusula de reversão .
Caso 2 - Doação modal , , , , , ., .,,,,,, . 71
Caso 3 - Incapacidade superveniente do doador . 73
75 VIII, MÚTUO
Caso 4- Revogação da doação por ingratidão do donatário I , . , .. , , , , , .
Caso 5- Revogação da doação por ingratidão do donatário II .. , , , , , .. 77 Caso 1 - Vício de forma """, """ , , 145
Caso 6- Proibições de doação , ,, , , , , , , .. 79 Caso 2 - Não pagamento dos juros"" "' ",,, 147
Caso 7- Condição contrária à lei , __ ,, , , , , , , , .. 81

IX. MANDATO
IV. SOCIEDADE
Caso 1- Não cumprimento do mandato ,.... 151
Caso 1 - Uso das coisas sociais . 85 Caso 2- Mandato conjunto. , , , _., __.' '" , , , , ., 153
Caso 2 - Mudança do objecto social e concorrência desleal. ,, . 87 Caso 3- Livre revogabilidade , , . ", ,, ,,,,,,,,,," 155
Caso 3 - Responsabilidade por dívidas e repartição dos lucros ,,, . 89
Caso 4- Responsabilidade do mandatário .,."," ,., .. """""" 157
Caso 4 - Morte e exoneração dos sócios . 92 Caso 5- Mandato sem representação ,,," , , , " , , , , .. " 160
Caso 5 - Caducidade e liquidação da sociedade ,, ,, . 95 Caso 6- Mandato para vender .. , , , , , , . , , , , , , , .. " , , , .. , . , . .. 162

V, LOCAÇÃO
X. DEPÓSITO
Caso 1 - Aluguer: uso para fim diverso, , , ,, . 99
Caso 1 - Desaparecimento do bem , _.' '''' , , 167
Caso 2 - Deterioração do bem, , " , , , .. , , . , ., 169
Caso 3 - Retribuição, , , , , , . , .. , " , , '" "" , , , , , , .. , , , , ,. 171
VI, ARRENDAMENTO

Caso 1-Prazo, ", ", , ,.,.,." " . 103


Caso 2 - Legitimidade para dar de arrendamento , , , __, .. _ ,, . 105 XI. EMPREITADA
Caso 3 - Oposição à renovação/denúncia , -", , . 107
aso 1 - Obra intelectual. ,, , , .. " ,,., 177
Caso 4 - Denúncia ,,, , , _ _ , , . .. 110
aso 2 - Obra nova, , , . , , , , , , , , , .. , , , " 180
Caso 5 - Transmissão por morte , .. 113
Caso 3 - Deveres de informação do empreiteiro , , , , , , , , , , .. , , ,. 182
Caso 6 - Resolução do contrato I .. , , , , , .. " " ,,,,,,,, , , 116
aso 4 - Defeitos da obra e subempreitada,., , 184
Caso 7 - Resolução do contrato II , , , , , , . , .. , , , .. 119
Caso 5 - Vícios nas partes comuns de um edifício em propriedade horizontal., 186
Caso 8 - Resolução do contrato III .. , ,.,.,." ", .. 122
Caso 6 - Transmissão da propriedade da obra e risco, , , " ., , , .. , , .. , , , ,. , " 189
Caso 9 - Resolução do contrato/trespasse ,,, ,,, . 126
Caso 7 - Abandono da obra" " ,.", " ; , "'" "'" 193
Caso 10 - Aumentos de rendas nos arrendamentos antigos , . 129
Caso 8 - Desistência da empreitada ,.", ", , "" ",.,. 195
Caso 9 - Nova construção, , , , , , ,.,,,,, ,,,,,.,,,,,,,,,,," 197
Caso 10 - Protecção do consumidor no contrato de empreitada I , .. , . . . . . . .. 199
VI!. COMODATO
Caso Ll - Protecção do consumidor no contrato de empreitada II . . . . . . .. . .. 201
Caso 1 - Responsabilidade por vícios da coisa, , , , .. , ,.,,,, , .• ' . , 135 Caso L2- Reparação urgente ,,,,,,,,,," ,, , . , .. , . , , , , , , 203
Caso 2 - Uso para fim diverso e cessão a terceiro , . 137
Compra e Venda
) COMPRA E VENDA

CASO!

No dia 1 de Março de 2011, Abel vendeu o seu automóvel a Bento, verbal-


mente, pela quantia de 10 000 Euros, Nesse mesmo dia, Abel entregou o automó-
vel a Bento. Este comprometeu-se a entregar um cheque a Abel, no dia seguinte,
para pagamento do preço.
No dia 30 de Março, Bento ainda não tinha procedido ao pagamento, apesar
de vários telefonemas de Abel para que pagasse o montante em dívida, mas con-
tinuava a conduzir o automóvel, comportando-se como seu proprietário.
- Poderá Abel, nesta data, resolver o contrato-e, consequentemente, reaver o
automóvel que entregou a Bento?

RESOLUÇÃO
'2'L· Qf'Otl d2 PJ1mpQj'cnooho

15
COMPRA E VENDA
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA Assim, como Abel, quando entregou o automóvel a Bento, não convencionou
com este que essa entrega não afastaria o seu direito de resolver o contrato por
O caso em apreço suscita questões que respeitam aos efeitos do contrato de falta de pagamento do preço, fica inibido de poder exercer esse direito.
compra e venda, Para que um contrato de compra e venda produza a plenitude Abel deverá, assim, recorrer à acção de cumprimento, prevista no artigo 817.º
dos seus efeitos terá de ser, antes de mais, um contrato válido e eficaz. do CC (e leis de processo) para exigir judicialmente o cumprimento da obrigação
Assim, em primeiro lugar, deverá ser brevemente analisada a validade do con- em falta.
trato celebrado entre Abel e Bento, Quanto à validade substantiva do negócio,
nada, no enunciado sugere que as partes não tivessem plena capacidade negociai
ou que não tivessem legitimidade para celebrar o contrato ou ainda que se tivesse
registado alguma patologia que afectasse a sua vontade de contratar, Devemos
concluir, assim, que o contrato é substancialmente válido.
E estaremos também perante um contrato formalmente válido? Diz-se no
enunciado que a venda do automóvel foi realizada de modo verbal. A regra geral
em matéria de validade dos contratos encontra-se consagrada no artigo 219,'
do CC (liberdade de forma), Assim, quando não exista disposição legal que
expressamente exija forma como condição de validade, o negócio celebrado
verbalmente será válido, Pelo contrário, a inobservância da forma legalmente
exigida tem como consequência a nulidade do negócio, nos termos do artigo nQ,º,
No que respeita à venda de automóveis (mesmo tratando-se de bem móvel
sujeito a regísto), a lei não exige forma como condição de validade, pelo que o
negócio celebrado verbalmente entre Abel e Bento é válido. As formalidades
necessárias para efeitos de regísto do automóvel (declaração de venda assinada
pelos contratantes) não são condição de validade formal do negócio.
Tendo, assim, sido celebrado um contrato de compra e venda formal e subs-
tancialmente válido, importa considerar os efeitos produzidos por este contrato.
O artigo 879,' indica quais são os efeitos essenciais do contrato de compra e
venda, Estes podem ser divididos em: efeitos reais - a transmissão da proprie-
dade do automóvel; e efeitos obrigacionais - a obrigação de entregar a coisa (que
Abel cumpriu) e a correspondente obrigação de pagar o preço (que Bento não
cumpriu).
O efeito real (a transmissão da propriedade do automóvel vendido) produ-
ziu-se, imediatamente, por mero efeito do contrato, nos termos do artigo 408.º,
n,' 1 do CC (dado que Abel não reservou a propriedade - artigo 409,').
Nestes termos, Bento é o actual proprietário do automóvel, apesar de não ter
pago o seu preço (não ter cumprido a respectiva obrigação).
Face a este incumprimento de Bento, Abel pretende saber se pode resolver o
contrato e, assim, voltar a ser proprietário do veículo. Todavia, o artigo 886,º não
lhe dará razão, Dispõe este artigo: "transmitida a propriedade da coisa, ou o direito
sobre ela, efeita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver
o contrato por falta de pagamento do preço",

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'6
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÂTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA

CASO 2 RESPOSTA

Em Janeiro de 2009, através de documento particular, Anastácia vendeu um o caso concreto respeita a um contrato de compra e venda celebrado entre
relógio de ouro com diamantes à sua neta Bárbara-de 20 anos de idade, por 5000 avó e neta:
Euros. Nessa altura, Carlota, de 17 anos de idade, irmã de Bárbara, tomou conhe- Sendo a compradora maior de idade, não havendo informação sobre a existên-
cimento do negócio mas não manifestou qualquer oposição porque Bárbara, por cia de qualquer vício na formação do contrato, e não sendo exigida qualquer forma
vezes, lhe emprestava o relógio, como condição de validade, pareceria, numa primeira abordagem, não existirem
No jantar de Natal de 2009; Daniel, tio de Bárbara reparou que esta usava o razões de ordem substantiva ou formal para que o contrato não fosse válido.
relógio que pensava ser de Anastácia (mãe de Daniel) e tomou, então, conheci- Todavia, a relação familiar entre as partes deste contrato suscita a questão de
mentodo negócio, saber se, em concreto, se verifica a proibição de venda prevista no artigo 877'.
- Diga se, em Janeiro de 2011; alguém poderá reagir- contra o negócio cele- Nos termos desta norma, Anastácia não podia vender o relógio a Bárbara sem
brado entre Anastácia e Bárbara, sabendo que o pai de Bárbara (Edmundo), filho que o filho (Daniel) e a outra neta (Carlota) dessem o seu consentimento, Sendo
de Anastácia, já tinha falecido', Carlota menor, o seu consentimento poderia ser judicialmente suprido,
Como a venda se realizou sem consentimento daquelas pessoas, o contrato é
RESOLUÇÃO anulável, nos termos do artigo 877,', n." 2,
O regime de invocação desta invalidade é, porém, diferente do regime geral
" da anulabilidade, previsto no artigo 287,', As díferenças-respeitam tanto ao
âmbito dos sujeitos legitimados para o efeito como à contagem do prazo para
essa invocação.
Assim, no caso concreto, não é qualquer interessado que pode invocar a anu-
labilidade do negócio, mas apenas o filho e a outra neta, ou seja, aqueles cujo
consentimento era necessário para a validade do negócio.
O prazo para invocar esta invalidade é de um ano a contar do conhecimento
da venda ou do termo da incapacidade (quando se trata de um incapaz).
No caso concreto, Daniel (que se supõe ser maior de idade) teve conhecimento
do negócio em Dezembro de 2009, mas até Janeiro de 2011 não reagiu, pelo
que, tendo passado mais de um ano, o seu direito de arguír aquela invalidade já
caducou.
Quanto a Carlota, que era menor (tinha 17 anos) à data em que teve conhe-
cimento do negócio, só quando completar 18 anos começa a correr o prazo de )
lImanoparaarguirainvalidadedonegócio,g>\'1! 0'2,;'r'N... (i23: i",~p. m.<oo",\

'8 '9
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRAncos RESOLVIDOS COMPRA E VENDA

CASO 3
RESPOSTA

Arlindo e Belarmino, proprietários de dois prédios rústicos contíguos, entra- o caso em análise coloca o problema de saber se estaremos perante uma
ram em conflito por causa das áreas desses prédios, alegando Arlindo que uma proibição de venda,
parte do terreno ocupado por Belarmino era sua propriedade, O princípio da liberdade contratual, que (na sua vertente de liberdade de
Para ver solucionado o conflito, Arlindo propôs acção em tribunal contra contratar) permite a livre celebração de qualquer contrato e com qualquer pes-
Belarmino. soa, sofre algumas limitações legais. As proibições de venda estão entre essas
Antes da marcação da audiência de discussão e julgamento do processo, limitações,
Arlindo vendeu o dito terreno à mulher do juiz do tribunal de família e menores O artigo 876.' proíbe a venda de coisa ou direito litigioso, Dispõe o n.? 1 deste
daquela comarca, artigo que: "não podem ser compradores de coisa ou direito litigioso, quer directamente,
Quid iuris? quer por interposta pessoa, aqueles a quem a lei não permite que seja feita a cessão de créditos
ou direitos litigiosos, conforme se dispõe no capítulo respectivo".
RESOLUÇÃO A sanção para a venda realizada em desrespeito por esta proibição é a nulidade
do negócio (artigo 876', n." 2), mas tal nulidade não poderá ser invocada pelo
comprador (artigo 876', n,· 3).
Como o n." 1 do artigo 8760 remete para o capítulo respeitante à cessão de
créditos ou direitos litigiosos, é lá que encontraremos a identificação dos sujeitos
que não podem ser compradores de coisa litigiosa,
A coisa terá natureza litigiosa, nos termos do artigo 579' nO 3, quando "o direito
tiver sido contestado emjuízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer dos interessados",
Quanto aos sujeitos abrangidos pela proibição, dispõe o artigo 579,·, n' 1,
que: "a cessão de créditos ou outros direitos litigiosos feita, directamente ou por interposta
pessoa, ajuízes ou magistrados do Ministério Público, funcionários dejustiça ou manda-
tários judiciais é nula, se o processo decorrer na área em que exercem habitualmente a sua
actividade ou profissão; é igualmente nula a cessão desses créditos feita a peritos ou outros
auxiliares dajustiça que tenham intervenção no respectivo processo".
No caso concreto, o terreno em disputa não foi vendido a nenhum dos sujeitos
expressamente referidos nesta norma. A compradora do terreno é mulher do juiz
do tribunal de família e menores da comarca onde corre o processo.
Todavia,o nO2 do artigo 5790 determina que a venda é feita a interposta pessoa
quando é feita (entre outros) ao cônjuge do inibido, Assim, caso se entenda que
O juiz do Tribunal de Família e Menores daquela comarca está inibido, também
o estará o seu cônjuge,
O juiz do Tribunal de Menores não tem, na realidade, qualquer hipótese teórica
de poder influenciar o sentido da decisão naquele processo, porque tal processo
corre no tribunal comum. Todavia, quando o artigo 579.2, n.2 1 se refere à "área
onde exercem habitualmente" parece estar a prever a área geográfica ( a comarca),
pelo que, nesta interpretação, a mulher do juiz do tribunal de família e menores
estará inibida de comprar aquele terreno; essa venda será nula, Porém, como
decorre do n,' 3 do artigo 876', a compradora não pode invocar essa nulidade,

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CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA

CASO 4 RESPOSTA
r ,U1,;'
Em Janeiro de 2008, Américo, casado em regime de comunhão geral de bens Coloca-se, no caso em apreço, o problema de saber se o contrato de compra
com Zulmira, vendeu a Bernardo; verbalmente, por 100000 Euros, um quadro e venda celebrado entre Améríco e Bernardo será um contrato válido.
de Kandinsky, que a sua tia Felisberta havia deixado em testamento ao casal. Do ponto de vista formal, apesar de o objecto do contrato ser um bem de
Américo entregou, de imediato, o quadro a Bernardo e este pagou-lhe o preço, elevado valor, trata-se da venda de um bem móvel simples, pelo que vale neste
Cerca de um ano depois, Bernardo vendeu esse quadro a Carlota, pessoa domínio a regra da liberdade de forma, prevista no artigo 219,', sendo, portanto,
conhecida de Zulmira. válido o contrato verbalmente celebrado.
No Natal de 2010, Zulmira foi convidada para uma festa em casa de Carlota Do ponto de vista da validade substantiva do contrato, importa desde logo
e viu o quadro exposto na saia, tendo, então, ficado a saber que tanto Carlota, notar que o objecto vendido é um bem comum do casal, já que são casados no
como Bernardo ignoravam que ela fosse casada com Américo. regime da comunhão geral de bens (artigo 1732' e seguintes).
Quid iuris? Nos termos do artigo 1682,' n." 1, a alienação de móveis comuns cuja admi-
nistração caiba aos dois cônjuges carece do consentimento de ambos, salvo se essa
RESOLUÇÃO alienação constituir um acto de administração ordinária.
No caso concreto, dado o elevado valor do bem vendido, facilmente se conclui
que não se trata de um acto de administração ordinária, pelo que Américo não
tinha legitimidade para vender o quadro sem o consentimento de Zulmíra,
Consequentemente, aquela venda é anulável, nos termos do artigo 1687.', a
requerimento de Zulmira, no prazo de seis meses a partir da data em que teve
conhecimento do negócio, mas desde que ainda não tenham decorrido mais de
3 anos sobre a celebração do negócio. Assim, como o negócio foi celebrado em
Janeiro de 2008, Zulmira poderia agir até Janeiro de 2011,
Todavia, o n." 3 do artigo 1687.' estabelece um desvio a esta regra na hipótese
de venda de bens móveis não sujeitos a regísto, Nesta hipótese, estando o adqui-
rente de boa fé a anulabilidade do negócio não lhe pode ser oposta pelo cônjuge
que não deu o consentimento.
No caso concreto, tanto Bernardo como Carlota ignoravam que Américo fosse
casado, pelo que havendo boa fé tanto do adquirente inicial como da segunda
adquirente, Zulmira nada poderá fazer.

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CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS
COMPRA E VENDA

CASOS
RESPOSTA

Em Janeiro de 2009, Adriano vendeu a Beltrão um automóvel, que costumava o caso concreto suscita o problema da validade do contrato de compra e venda
conduzir mas que pertencia à sua avó Zulmira. Adriano informou Beltrão de que celebrado entre Adriano e Beltrão.
o automóvel ainda não lhe pertencia mas que esperava adquiri-lo em breve, já Adriano vendeu um automóvel do qual não era proprietário, Era mero detentor
que Zulmira estava gravemente doente e Adriano sabia que era contemplado no desse veículo, já que a proprietária lhe permitia que o conduzisse. Como tal, não
seu testamento.
tinha legitimidade para vender um bem alheio,
Adriano entregou o automóvel a Beltrão e este entregou-lhe o preço con- Todavia, ao vender o automóvel, Adriano informou Beltrão de que tinha a
vencionado.
expectativa de vir a ser proprietário do veículo. Deste modo, não vendeu coisa
Em Maio de 2009, morreu Zulmira mas, contra a expectativa de Adriano, alheia como própria, mas sim como coisa que esperava adquirir.
aquela legou o dito automóvel ao seu prímoic.arlos. Consequentemente, não ter:l!aqui aplicação o disposto no artigo 892,' conju-
Quid iuris?
gado com o artigo 904.' (regime da venda de bens alheios), mas sim o disposto
no artigo 893,·,ficando aquela venda sujeita ao regime da venda de bens futuros.
RESOLUÇÃO
O contrato não é nulo. É, sim, um contrato válido.
Nos termos do artigo 880' n.? 1, o Adriano fica obrigado a exercer as dili-
gências para que Beltrão adquira a propriedade do automóvel, nomeadamente
procurando convencer o seu primo Carlos avender-lhe esse veículo, Caso Adriano
venha a adquirir O automóvel, a propriedade transfere-se para Beltrão, nos termos
do artigo 408' n.? 2, no momento dessa aquisição (sem necessidade de qualquer
acto translativo adicional),
Caso Adriano não consiga adquirir o automóvel (nomeadamente por Carlos
não lho querer _vender), haverá impossibilidade de cumprimento imputável a
Adriano, pelo que Beltrão poderá resolver o contrato, nos termos do artigo 801.0,
nO 2 e, consequentemente, exigir a devolução do preço pago,
Quanto a Carlos, actual proprietário do imóvel, aquela venda é ineficaz, Assim,
como a venda hão roduz efeitos em reIa ão a e ,Carlos pode reivindicar o
automóvel a Beltrão, caso este não lho devolva voluntariamente.

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CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA

CASO 6 RESPOSTA

Em Agosto de 2009, Asdrúbal vendeu a Belchior (emigrante em França) uma Coloca-se, no caso concreto, o problema de saber que direitos assistem a Bel-
moradia por 200 000 Euros. chior, comprador de um imóvel que se encontrava arrendado, e que desconhecia
Em Dezembro de 2009, Belchior regressa definitivamente a Portugal e pre- a existência desse arrendamento.
tende passar a viver naquela moradía, Porém, constata que ela se encontra habi- O arrendamento a Casimiro, que vigorava desde Agosto de 2006, não é afec-
tada por Casimiro, que a tinha tomado de arrendamento a'Asdrubal em Agosto tado na sua subsistência pela venda do imóvel a Belchior, em Agosto de 2009,
de 2006, pelo prazo de 6 anos. pois, nos termos do artigo 1057,', Belchior sucede necessariamente na posição
Quid iuris? de locador de Asdrubal, já que adquiriu o direito (de propriedade) com base no
qual o contrato tinha sido celebrado,
RESOLUÇÃO Deste modo, o direito de propriedade apresenta uma limitação (nos seus
poderes de gozo) que não cabe nos limites normalmente inerentes a este tipo
de direito. Belchior não pode habitar O imóvel porque este se encontra habitado
pelo arrendatário, cujo direito subsiste e não era do seu conhecimento prévio,
Caso Belchior tivesse conhecimento prévio dessa limitação, muito provavel-
mente não teria adquirido aquela moradia; pois pretendia passar a viver nesse
imóvel após regressar definitivamente a Portugal.
Verifica-se, assim, uma situação de venda de bem onerado, regulada no
artigo 905. Q e seguintes, sendo o contrato anulável por erro (do comprador) ou
dolo (do vendedor).
Assim, caso o vendedor tenha intencionalmente ocultado a existência do
contrato de arrendamento ou o compradors por lapso, não se tenha apercebido
da existência desse contrato (sendo esta informação essencial para a decisão de
contratar - artigo 247,·), verificar-se-ão os requisitos para a anulabilidade do
negócio,
O regime desta invalidade apresenta, porém, algumas particularidades, Uma
delas consiste na obrigação que sobre o vendedor impende de fazer convales-
cer o contrato, eliminando os ónus ou limitações existentes, como determina o
artigo 907,·,
Caso os ónus ou limitações venham a desaparecer (seja pelo cumprimento da
obrigação de convalidação do vendedor, seja por algum outro facto), fica sanada
a anulabilidade do contrato - artigo 906',
Nem todos os tipos de ónus ou limitações são susceptíveis de ser eliminados
por acto de vontade unilateral do vendedor. Se o ónus é, por exemplo, uma hipo-
teca, basta que o vendedor cumpra a obrigação que assim se encontra garantida,
para que esse ónus possa ser eliminado.
Porém, se a limitação consiste na existência de um direito de terceiro, emer-
gente de um contrato do qual o vendedor já não é parte (porque a sua posição
se transmitiu nos termos do artigo 1057"), nada poderá fazer para eliminar essa
limitação,

26 27
COMPRA E VENDA
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

o contrato de arrendamentosfoi celebrado em Agosto de 2006, pelo que CASO 7


poderá terminar em Agosto de 2012; caso Belchior (novo senhorio) se oponha à
sua renovação, nos termos do artigo 1097.º, com um ano de antecedência. Em 2 de Maio de 2007, Aniceto vendeu a sua casa a Belarmino, por 100 000
Assim, caso Belchior tivesse outra casa-onde pudesse viver até à extinção do Euros. No contrato foi inserida uma cláusula nos termos da qual Aniceto poderia
contrato de arrendamento, e se demonstre que ele sempre teria adquirido aquela resolver o contrato, a todo o tempo, dentro do prazo de 6 anos, desde que pagasse
moradia, embora por preço inferior, haverá redução do preçõ (em vez de anulação a Belarmino 120 000 Euros. Esta cláusula foi inscrita no Regísto Predial.
do contrato), nos termos do artigo 911.'. Em 3 de Abril de 2011 Belarmino vendeu a casa a Constantino, ..,
Não se verificando esta hipótese; e decidindo o comprador invocar a anula- Quid iuris?
bilidade do negócio, terá direito a ser indemnizado pelos danos emergentes do
contrato, na hipótese de ter havido apenas erro (nos termos do artigo 909,º?, ou RESOLUÇÃO
por todos os prejuízos que não teria sofrido se a compra não tivesse sido celebrada,
no caso de ter havido dolo do vendedor (nos termos do artigo 90S').

29
28
COMPRA E VENI)A
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA CASOS

o contrato de compra e venda em análise configura a modalidade de venda a Aníbal dirigiu-se à ourivesaria do seu amigo Belmíro a fim de comprar uma
retro, regulada no artigo 927,' e seguintes, jóia para presente de aniversário da sua mulher Zélia,
Esta modalidade de venda apresenta a particularidade de regime que se traduz Receando que Zélia pudesse não gostar da jóia escolhida, Aníbal pediu permis-
na faculdade conferida ao vendedor de livremente resolver o contrato e, assim, são a-Belmiro para levar a jóia. Assim, caso Zélia dela gostasse, Belmiro efectuaria
reaver a coisa vendida (devolvendo o preço recebido). o pagamento no dia seguinte, até ao meio-dia; caso contrário, devolveria a jóia
Para que o vendedor tenha a faculdade de resolver o contrato, tal hipótese dentro do mesmo prazo,
terá de ser expressamente convencionada pelos contratantes; e para que produza Passou mais de uma semana sem que Aníbal devolvesse a jóia ou pagasse o
efeitos em relação a terceiros, tratando-se da venda de imóveis ou de móveis preço.
sujeitos a regísto, essa convenção terá de ser registada (artigo 932,Q), Quid iuris?
O prazo para o exercício do direito de resolução pelo vendedor será livremente
convencionado pelas partes, mas não poderá exceder os prazos máximos fixados RESOLUÇÃO
pelo artigo 929,Q,que são de 2 anos para a venda de coisas móveis e de 5 anos
para a venda de imóveis,
Caso esses prazos sejam convencionalmente alargados, será o contrato nulo"
por haver violação de uma norma imperativa?
A resposta é negativa, O contrato não será afectadà pela invalidade da cláusula,
pois, nos termos do n.? 21do artigo 929,', passarão a aplicar-se os prazos legais
previstos no seu n." 1. Assim, no caso concreto, como as partes convencionaram
um prazo de 6 anos) esse prazo será automaticamente reduzido para 5 anos, já.
que se trata da venda de um imóvel.
Por outro lado, as partes haviam ainda convencionado que Aniceto teria de
pagar 120 000 Euros a Belarmino para poder exercer o direito de resolução, ou
seja, 20 000 Euros além do preço da venda.
Nos termos do n.? 2 do artigo 928,Qesta cláusula é nula, quanto ao excesso,
ou seja, quanto aos 20 000 Euros. Deste modo, Aniceto apenas terá de devolver
o que receber de Belarmino como preço da venda: 100 000 Euros,
Aniceto pode, assim, exercer o direito de resolução até 2 de Maio de 2012,
devolvendo os 100 000 Euros a Belarmino.
Todavia, Belarmino já não é proprietário do imóvel, pois vendeu-o, a Cons-
tantino, em 23 de Abril de 2011.
A venda do imóvel a terceiro em nada afecta os direitos de Aniceto, pois a
cláusula que conferia ao vendedor o direito de resolver o contrato tinha sido
regístada, pelo que produzia efeitos em relação a terceiros! Constantino, ao com-
prar aquele imóvel, tinha, assim, conhecimento de que Aniceto poderia exercer
aquele direito até 2 de Maio de 2012, Esta venda é ineficaz em relação a Aniceto.

30
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA

RESPOSTA CASO 9

a acordo celebrado entre Aníbal e Belmiro configura a modalidade de venda Em Maio de 2010, Anacleto vendeu a Berenice um automóvel, por
a contento, prevista no artigo 923.º. 10 000 Euros, reservando para si a propriedade até integral pagamento do preço,
Quando Aníbal entrega a jóià a Belmiro ainda não se encontra celebrado; entre A cláu-sula de reserva de propriedade foi regístada.
eles, um contrato de compra e venda. Existe apenas uma proposta de venda; e a a preço do automóvel deveria ser pago em duas prestações de igual valor,
entrega da jóia destina-se a que Belmiro a examine e possa tomar a decisão de vencendo-se a primeira no último dia de Junho e a segunda no último dia de
contratar, caso esse objecto lhe agrade Cou agrade à pessoa a quem a pretende Dezembro de 2010. Berenice passou, de imediato, a conduzir o automóvel.
oferecer), Após o pagamento da primeira prestação, Berenice vendeu e entregou o
A proposta de venda de Aníbal considerar-se-á aceite por Belmiro caso este automóvel a Constança. Ao tomar conhecimento de tal facto, Anacleto vendeu
não se pronuncie dentro do prazo da aceitação, o automóvel a Dário que o pretende reivindicar a Constança.
No caso concreto, esse prazo terminava ao meio-dia do dia seguinte, Assim, Quid iuris?
ultrapassado esse prazo, o contrato considera-se concluído e produz os efeitos
que lhe são ínerentes-Iartígo 879,2), nomeadamente o dever de pagar o preço RESOLUÇÃO
por parte de Belmiro.
O silêncio de Belmiro é, assim, valorado como vontade de aceitar a proposta
de venda e, portanto, como vontade de comprar a jóia, pelo que este não poderá
posteriormente dizer ao vendedor que, afinal, a jóia não lhe agrada,
Esta primeira modalidade de venda a contento, prevista no artigo 923,',
não se confunde com a segunda modalidade de venda a contento, prevista no
artigo 924S.
Na segunda modalidade de venda a contento, regulada no artigo 924.º, existe já
celebração do contrato de compra e venda quando o bem é entregue ao comprador
para que este o possa examinar e decidir se pretende adquiri-lo em definitivo,
Nesta modalidade de venda, o vendedor permite ao comprador invocar a
resolução do contrato, num prazo que as partes convencionem, caso a coisa não
agrade ao comprador.
a comprador não terá de apresentar justificações objectivas para exercer o seu
direito de resolução. Basta informar o vendedor, dentro do prazo convencionado,
que, afinal, a coisa comprada não é do seu agrado.
Em consequência do exercício do direito de resolução, o comprador devolverá
a coisa' ao vendedor e este devolverá o preço que havia recebido,

32 33
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA

RESPOSTA CASO 10

o caso concreto coloca vários problemas que, em comum, suscitam a questão Adelaide foi contactada, na sua residência, num fim-de-semana, por Ber-
da importância da reserva de propriedade, nardino, que se apresentou como vendedor-da firma "Café-Expresso" e tentou
A admissibilidade da cláusula de reserva de propriedade nos contratos de persuadi-la a comprar uma máquina de café',
alienação encontra-se prevista no artigo 409,', Segundo Bernardino, o preço de mercado dessa máquina seria de 300 Euros,
Havendo reserva de propriedade do automóvel a favor de Anacleto até integral mas caso Adelaide comprasse a máquina nesse momento, pagaria apenas 180
pagamento, verifica-se, no caso concreto, uma excepção à regra do artigo 408.º, Euros. Convencida dessa vantagem, Adelaide decidiu; então, comprar a máquina
n,' 1, segundo a qual a propriedade daquele bem se transferiria por mero efeito de café, pagando de imediato os 180 Euros. O contrato foi meramente verbal
do contrato, tendo Bernardino dito que o recibo seria, posteriormente, enviado pelo correio.
A reserva de propriedade tem uma função de garantia, pois em caso de falta Poucos dias depois, a máquina foi enviada efectivamente para casa de Adelaide.
de pagamento do preço o vendedor poderá invocar a resolução do contrato, não Cerca de duas semanas depois de ter recebido a máquina, Adelaide viu, num
funcionando, nesta hipótese, o limite ao direito de resolução estabelecido pelo centro comercial, o mesmo modelo de máquina à venda por 100 Euros.
artigo 886,0. Por outro lado, o bem vendido não poderá ser penhorado por outro," Poderá Adelaide extinguir o contrato e devolver a máquina de caféê
credores do adquirente, pois a propriedade ainda não lhe pertence.
Quando Berenice vende o automóvel a Constança e lho entrega, ainda não é RESOLUÇÃO
proprietária desse bem; é apenas sua detentora, Deste modo; Berenice vendeu
coisa alheia, Se vendeu esse bem como próprio (sem informar a compradora de
que ainda não era proprietária), a venda será nula nos termos do artigo 892,º
(conjugado com o artigo 904,'). Caso Berenice tenha informado Constança da
sua qualidade de compradora com reserva de propriedade e, portanto, da fundada
expectativa de vir a adquirir esse bem, haverá venda de coisa alheia como futura
(artigo 893º), sendo o negócio válido, mas tendo a vendedora o dever de exercer
as diligências necessárias para adquirir a coisa alienada (artigo 880,º),
No caso concreto tais diligências traduzlr-se-ão no pagamento da parte res-
tante do preço a Anacleto. Efectuado tal pagamento, a propriedade transferir-se-á
automaticamente, nos termos do artigo 408.2, n.2 2.
Quanto à venda feita por Anacleto a Dário, quando ainda estava em vigor o
contrato com Berenice, não pode ser considerada uma venda válida, Apesar de
Anacleto manter a propriedade, a cláusula de alienação com reserva encontra-se
registada pelo que pode ser conhecida por terceiros.
Depois da venda a Berenice, Anacleto não mantém a plenitude dos poderes
de um normal proprietário, nomeadamente os poderes de alienação. A reserva
da propriedade cumpre uma função de garantia, pelo que se deve entender que
Anacleto não tem legitimidade para alienar a coisa, Consequentemente, tal hipó-
tese deverá ser equiparada à venda de coisa alheia como própria, sancionando-se
tal venda com a nulidade,

3'
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA

RESPOSTA CASOU

o contrato de compra e venda em análise foi celebrado entre uma consumidora Adalberto recebeu, em sua casa, pelo correio, o l.º volume de uma enciclopé-
(Adelaide) e um comerciante (a empresa Café- Expresso) representado pelo seu dia jurídica (composta por 10 volumes), acompanhado por uma carta da empresa
vendedor Bernardino. Todavid, o contrato foi celebrado fora do estabelecimento editora Ficção Presente, que lhe solicitava o pagamento de 75 Euros, correspon-
comercíal'do vendedor, revestindo'concretamente a modalidade de "contrato ao dente ao preço desse volume e lhe oferecia um desconto de 20%, caso pagasse
dornícílío'" os 10 volumes no prazo de 8 dias,
Esta modalidade de contrato encontra-se regulada-nos artigos 13,' a 20.' do - Diga como deverá Adalberto proceder, sabendo que não encomendou qual-
Decreto-Lei n.? 143/2001, de 26 de Abrík alterado pelo Decreto-Lei n,? 82/2008; quer volume dessa enciclopédia" e até desconhecia a sua existência.
de 20 de Maio: e caracteriza-se por ser um contrato que tem por objecto O for-
necimento de bens ou serviços) sendo proposto e concluído no domicílio do RESOLUÇÃO
consumidor (ou local equiparado), pelo fornecedor ou seu representante, sem
que tenha havido prévio pedido expresso por parte do consumidor (artigo 13.'),
Nos termos do artigo 16.' n.'1 e n.? 4, este contrato teria de ser celebrado por
escrito, sob pena de nulidade, já que o valor da compra foi superior a 60 Euros.
Como o contrato foi celebrado verbalmente, Adelaide pode invocar a respectiva
nulidade" com as consequências previstas no artigo 289.' do CC, ou seja, o dever
de restituir a máquina de café ao vendedor e o correspondente dever, por parte
deste, de lhe restituir O preço pago.
Caso'o contrato tivesse sido reduzido a escrito, sendo, portanto, válido, Ade-
laíde ainda poderia arrepender-se de ter praticado esse acto, invocando o direito
de resolução que lhe é conferido pelo artigo 1S:' daquele diploma, Teria, para o
efeito, o prazo de 14 dias a contar da data em que recebeu a máquina de café
em sua casa. Para exercer este direito Adelaide não terá de apresentar qualquer
justificação ou razão objectiva para não manter o contrato.
Uma vez invocado o direito de resolução do contrato, o vendedor deverá res-
tituir o preço no prazo máximo de 30 dias-e Adelaide deverá restituir a máquina
de café, Caso o vendedor não devolva o dinheiro dentro desse prazo, passa auto-
maticamente a ter o dever de restituir o dobro, no prazo de 1S dias (artigo 19.',
n.? 1 e n.? 2)'.

37
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS
COMPRA E VENDA

RESPOSTA CASO 12

Na situação em apreço não foi celebrado qualquer contrato de compra e venda Adalberto comprou ao seu vizinho Beltrão, coleccionador de relógios, um
entre Adalberto e a editora da enciclopédia, Consequentemente, não poderá essa relógio de parede que, no momento da compra, estava parado, Nesse momento,
editora fazer valer os efeitos próprios de um contrato que as partes não celebra- Adalberto pensou que o relógio apenas teria falta de pilhas,
ram, nomeadamente exigir o pagamento do volume enviado, Porém, quando Adalberto instalou o relógio na parede de sua casa, após ter-lhe
Ao enviar aquele volume pelo correio, solicitando o respectivo pagamento, colocado pilhas novas, constatou que, afinal, o relógio não funcionava,
a editora está a socorrer-se de uma prática comercial desleal na relação com um - Que direitos pode Adalberto fazer valer contra Beltrão?
consumidor, procurando, desse modo, forçá-lo a comprar um bem que ele não
tinha encomendado. RESOLUÇÃO
O Decreto-Lei n.? 57/2008, de 26 de Março; estabelece o regime [urídíco
aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os con-
sumidores ."
O artigo 5," deste diploma define como sendo desleal, em geral, qualquer
prática comercial desconforme à diligência profissional, que distorça ou seja
susceptível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico
do consumidot; e determina o artigo 14,', do mesmo diploma, que os contratos
celebrados sob influência de prática comercial desleal são anuláveis, nos termos
gerais (para além de o consumidor poder invocar a responsabilidade civil da
empresa por danos'que lhe tenham sido causados, como dispõe o artigo 15,'),
No caso concreto, Adalberto não terá de invocar esta sanção porque nem
chegou a existir contrato.
Não tendo havido solicitação dos bens enviados, tem aplicação o disposto no
artigo 13.' desse diploma, que expressamente nega a obrigação de pagar o preç(\
ou de devolver os bens em causai
O silêncio do consumídor'que recebe os bens não pode, assim, ser valorado
como vontade de contratar, E também não se verifica aqui uma situação de enri-
quecimento sem causa, já que é a própria lei que nega esse efeito, determinando
que o destinatário dos bens os pode fazer seus a título gratuito,
Se) apesar desta protecção, Adalberto decidir devolver o livro à editora, tem
direito de ser reembolsado, no prazo de 30 dias, das despesas feitas com essa
devolução (por exemplo, despesas de correio), nos termos do n.' 31:10artigo 13,',

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39
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA

RESPOSTA Se, entretanto, Adalberto e Beltrão não chegarem a acordo no sentido de cada
um devolver o que havia recebido do outro: o preço da venda e a coisa comprada,
o caso em análise suscita um problema de venda de coisa defeituosa, já o comprador tem o prazo de seis meses a contar do momento em que efectuou
que Adalberto não comprou o relógio como simples peça decorativa, mas sim a denúncia do defeito, para intentar acção em tribunal destinada a fazer valer a
esperando que esse objecto pudesse cumprir a função própria? de um relógio anulabilidade do contrato com base em erro (artigo 917').
(dar horas).
Trata-se de um contrato de compra e venda entre dois particulares, pelo que a
soluçãõ para o problema deverá procurar-se no Código Civil (e não no regime do
Decreto-Lei n,' 67/2003, que pressupõe uma venda efectuada por um profissional
a um particular, que destina o bem comprado a uso particular),
Como o defeito já existia no momento da compra (não se trata, assim, de
defeito superveniente), as normas convocáveis serão os artigos 913,' a 917.P
do CC,
O artigo 913,' remete para o regime da venda de bens onerados (artigo 905,'
e ss.) naquilo em que os artigos seguintes (914,' a 917,') não disponham em con-
trário, Assim, nos termos do artigo 905,' (aplicável pela remissão do artigo 913,'),
o comprador pode anular o negócio por erro (seu) ou dolo (do vendedor).
Antes de fazer valer essa solução, poderá o comprador, nos termos do
artigo 914,', pedir ao vendedor que repare o relógio ou o substitua por outro
(caso tenha natureza fungível, ou.seja, se o vendedor tiver outro relógio idêntico),
Todavia, o comprador não pode exigir ao vendedor'que repare ou substitua o
relógio se desconhecia, sem culpa)(se, por exemplo, o tinha acabado de adquirir a
terceiro, sem se ter apercebido de qualquer defeito) que o relógio estava avariado.
Nesta hipótese, o comprador também não pode exigir índernnízação com base,
em simples erro (artigo 915,'),
Resta, assim, ao comprador invocar a anulabilidade do negócio com base.
em erro, pois a coisa comprada já era defeituosa no momento da compra, mas o
comprador não se apercebeu desse defeito (pensou que o relógio estava parado
por falta de pilhas e não por estar avariado), Supondo que o vendedor também
desconhecia esse defeito, não haverá dolo da sua parte (pois não usou qualquer
artifício para tentar enganar o comprador).
O comprador terá, ainda, de observar determinados procedimentos, dentro
de determinados prazos, para ver o seu interesse tutelado, Assim, logo que tome
conhecimento de que a coisa comprada é defeituosa, começa a contar o prazo
de um mês para comunicar tal facto ao vendedor (denunciar o defeito). Esta
denúncia do defeito deve ter lugar dentro de seis meses após a entrega da coisa
(artigo 916,', n,' 1 e n.? 2). Assim, se Adalberto, após adquirir o relógio, o guardou
numa caixa e só mais de seis meses depois constata que o relógio está avariado,
já não pode invocar a anulabilidade do negócio por erro, pois não denunciou o
defeito dentro desses seis meses.

40
"
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA

CASO 13 RESPOSTA

Zacarias, advogado, comprou à livraria juridicaMondego Editora os dez volumes o caso concreto coloca um problema de venda de coisa defeituosa, pois os
da primeira edição do "Novo Código Civil Anotado", que ainda se encontrava em livros adquiridos sofrem de vicio que os desvalorizam e impedem a cabal satisfação
produção (e seria posto à vendas dois meses mais tarde), tendo pago, de imediato, do fim a que se destinam,
a totalidade do preço. Trata-se de um contrato de compra e venda entre dois profissionais, pelo que
Dois meses depois, Zacarias recebe, no seu escritório, os livros adquiridos, as normas aplicáveis ao caso concreto se encontrarão no Código Cívíl (e não no
mas constata que alguns volumes têm várias páginas em branco (que deveriam Decreto-Lei n.? 67/2003, porque este se aplica apenas a vendas efectuadas entre
estar impressas) e outros têm deficiente impressão, não sendo possível a correcta um vendedor profissional e um comprador particular que destina o bem adquirido
leitura de algumas páginas, a uso particular, ou seja, um consumidor),
- Que direitos assistem a Zacarias? No momento em que Zacarias compra os livros, realiza uma compra de coisa
futura, pois os livros ainda não tinham sido produzidos, Sendo assim, não se pode
RESOLUÇÃO afirmar que tivesse havido erro de Zacarias sobre as qualidades dos livros, pois à
data da compra eles ainda não existiam (pelo que não tem aplicação o disposto
no artigo 913,"do CC),
Os defeitos que aqueles livros apresentam são, assim, tratados como defeitos
supervenientes; aplicando-se, portanto, O disposto no artigo 918,' do Cc. Nos
termos desta norma, são aplicáveis ao caso as regras relativas ao não cumprimento
das obrigações.
Entre as normas que disciplinam o não cumprimento das obrigações,
destaca-se o artigo 799,' (que presume a culpa do devedor), segundo o qual
"incumbe ao devedor provar que afalta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da
obrigação não procede de culpa sua".
A Mondego Editora terá, assim, de provar que o cumprimento defeituoso
(a entrega de livros com defeitos) não é da sua responsabilidade (nem respon-
sabilidade das pessoas que usou para cumprir essa obrigação - artigo 800').
Caso não consiga elidir tal presunção" a vendedora será responsabilizada pelo
não cumprimento do contrato, podendo o comprador resolver o contrato),
nos termos do artigo 801.º n." 2; e receber uma indemnização por prejuízos
sofridos '(artigo 798.'). Como a resolução do contrato tem efeitos retroactivos
(artigo 434'), cada uma das partes tem que restituir à outra aquilo que dela
havia recebido"
Por outro lado, como no caso concreto o vendedor é um profissional, poderá
ser invocada a "garantia de bom funcionamento", prevista no artigo 921',º, Assim,
embora no caso concreto não tivesse havido um acordo das partes no sentido de
"vendedora garantir o "bom funcionamento" (a boa qualidade) dos bens ven-
didos, ainda poderá entender-se que'essa garantia decorre dos usos comerciais,
Oeste modo, poderia Zacarias pedir a substituição dos livros defeituosos Oá que
s~o bens de natureza fungível), sem ter de invocar culpa da vendedora ou erro
seu, Para este efeito, deveria denunciar os defeitos no prazo de 30 dias após o
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRATICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA

seu conhecimento (artigo 921.', n." 3) e dentro do prazo de seis meses a contar CASO 14
da data em que recebeu os livros,
Caso a vendedora não substituísse os livros voluntariamente, Zacarias teria Em Janeiro de 2010, Raimundo, empresário, vendeu à sociedade de advogados
seis meses, a contar da data em que fez a denúncia, para propor acção em tribunal Calado, Sisudo eAssociados um mobiliário de escritório, com reserva de propriedade
contra a vendedora para alcançar esse resultado (artigo 921.', n.? 4),. (até integral pagamento do preço), pelo preço de 10 000 Euros, a pagar em 40
prestações mensais (de 250 Euros cada), no primeiro dia de cada mês.
A sociedade compradora pagou as prestações regularmente até Dezembro de
2010, mas não pagou as prestações de Janeiro nem de Fevereiro de 2011.
- Poderá Raimundo resolver o contrato por falta de pagamento daquelas duas
prestações?

RESOLUÇÃO

4"
'15
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA

RESPOSTA Deste modo, entendendo-se que a lei admite uma só falha (não admitindo
a reiteração do incumprimento), a sociedade compradora, como já falhou duas
o caso em análise coloca um problema de falta de pagamento parcial do preço prestações, perde a protecção contra a resolução, ainda que o resultado económico
numa venda feita a prestações e com reserva de propriedade a favor do vendedor. desse incumprimento seja inferior a um oitavo do preço.
Como houve reserva de propriedade (artigo 409,'), até integral pagamento Pelo contrário, caso se entenda que o elemento determinante na fixação do
do preço, não se produziu o efeito real do contrato (transmissão da propriedade) alcance normativo do artigo 934.º é o valor em falta: não ser superior a um oitavo
aquando da sua celebração (havendo, assim, um desvio à regra consagrada no do preço (e não o número de prestações não pagas), o vendedor, no caso concreto,
artigo 408', n.? 1). Deste modo, não está o vendedor inibido de invocar a reso- não poderia resolver o contrato. Só o poderá fazer se os compradores deixarem
lução do contrato por falta de pagamento do preço (como estaria, por força do de pagar prestações cujo valor total ultrapasse um oitavo do preço.
artigo 886:2, caso não tivesse havido reserva de propriedade, nem convenção em
contrário).
Todavia, como se trata de uma venda cujo preço é pago em prestações (por
convenção das partes), o artigo 934,' estabelece regras' específicas sobre as
consequências da falta de pagamento do preço. Deste modo, não é qualquer
incumprimento parcial que faz o comprador perder o benefício do prazo, ou
seja, a vantagem de o vendedor não lhe poder exigir o pagamento das prestações
antes do tempo convencionado e de, consequentemente, não poder invocar a
resolução do contrato (não havendo pagamento imediato de todas as prestações
vencidas).
A lei permite ao vendedor um pequeno incumprimento, que não tem, assim,
como consequência a perda do benefício do prazo nem a resolução do contrato"
A exacta medida deste "pequeno incumprimento" suscita algumas dificuldades
interpretativas, o que leva a diferentes entendimentos doutrinais. Trata-se de
estabelecer o alcance do artigo 934,' na parte em que se afirma" afalta de paga-
mento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução
do contrato".
Assim, se o comprador falha o pagamento de uma prestação e o valor da presta-
ção em falta é superior a um oitavo do preço, o vendedor pode resolver o contrato.
Pelo contrário, se o valor da (única) prestação em falta não excede um oitavo de
preço] o vendedor-não tem o direito de resolver o contrato; tem que tolerar esse
incumprimento parcial' (até, eventualmente, à data em que tenha de ser paga a
última prestação, para que, então, deixe de haver reserva de propriedade),
A questão doutrinalmente discutida é a de saber quais as consequências do
incumprimento na seguinte hipótese: o devedor não paga duas (ou mais) presta-
ções mas o valor das prestações em falta não excede um oitavo do preço, Deverá
ser determinante a expressão "uma só prestação"? Ou a expressão "que não exceda
a oitava parte do preço"?
No caso concreto, a sociedade compradora tem duas prestações em falta, o que
totaliza 500 Euros (já que cada prestação é de 250 Euros). Todavia, 500 Euros
não atingem um oitavo do preço (que é de 1250 Euros).

'6 ,"
11

Compra e Venda de Bens de Consumo


COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO

CASO 1

Em Junho de 2012, André, estudante, comprou, numa loja da especialidade,


um computador portátil que, alguns dias depois, começou a desligar subitamente,
Quando se dirigiu à loja, foi-lhe sugerido o envio do computador "para reparar na
marca", mediante o pagamento das despesas de envio para o fornecedor.
- Quais os direitos que assistem a André?

RESOLUÇÃO
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO

RESPOSTA a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada


sem grave inconveniente para o consumidor. Sendo essa a vontade de André, o
o Decreto-Lein,' 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo produtor só pode opor-se ao exercício desse direito nas situações previstas no
Decreto-Lei n,' 84/2008, de 21 de Maio, regula a protecção dos consumidores na n,' 2 do artigo 6',
compra de bens de consumo. No caso concreto, o comprador é um consumidor, Quanto ao facto de ter sido exigido a André que pagasse as despesas de envio
tal como definido pelo artigo l.º-B, alínea a), deste decreto-lei, porque lhe foi do computador para o produtor, deve ter-se em atenção que o artigo 4', n.? 1,
fornecido um computador destinado a uso não profissional, por um lojista, um estabelece que a conformidade do bem deve ser reposta sem encargos. O n." 3
profissional que vendeu o computador no âmbito da sua actividade económica da mesma norma estabelece que a expressão "sem encargos" se reporta às despe-
(cfr. alínea c) do mesmo artigo), Assim sendo, André goza da garantia contra sas necessárias para repor O bem em conformidade com o contrato, incluindo,
defeitos da coisa instituída por aquele decreto-lei. designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material. Por isso,
Tendo detectado um defeito no computador, André deve denunciá-lo ao André tem direito a que o computador seja reparado pelo produtor sem ter que
vendedor no prazo de dois meses (cfr. artigo 5,'-A, n.? 2), No caso de falta de pagar qualquer despesa de envio,
conformidade do computador, que se presume na medida em que se manifestou
no prazo de dois anos a contar da data da entrega do computador (artigo 3,',
n.? 2), o artigo 4.' do Decreto-Lei n.? 67/2003, confere ao comprador os seguin-
tes direitos: a que a falta de conformidade do bem com o contrato seja reposta
sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada
do preço ou à resolução do contrato, A lei não estabelece qualquer hierarquia
entre estes direitos; o consumidor pode exercer qualquer deles, salvo se tal se
manifestar impossível ou constituir abuso de direito. A referência ao abuso de
direito deve, no entanto, ser concretizada com uma ideia de desproporcionalidade
(numa interpretação conforme ao artigo 3,', n.? 3, da Directiva 1999/44/CE, do
Conselho e do Parlamento Europeu, de 25 de Maio de 1999), assente numa pon-
deração de custos para ambas as partes', No caso de André optar pela reparação
do computador, esta deve ser realizada num prazo de 30 dias (artigo 4,', n,' 2), e
o vendedor tem direito de regresso contra o profissional a quem adquiriu a coisa,
nos termos dos artigos 7,' e 8'.
Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o artigo 6',
n.? 1, permite que o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa opte por
exigir do produtor, à escolha deste, a reparação ou a substituição da coisa. O pro-
dutor é, nos termos do artigo l,2-B, alínea d), o fabricante de bem de consumo,
o importador de bem de consumo no território da União Europeia, ou qualquer
outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome,
marca ou outro sinal identificador no produto,
Assim, André pode optar por exigir do produtor a reparação ou substitui-
ção do computador, salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado
tendo em conta O valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade,

I Cfr. L. MENEZES LEITÃO, Direito das Obngações III, Contratos em Especial, 7 .! ed., Almcdina,
Coimbra, p. 158.

52
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO

CASO 2 RESPOSTA

Em Março de 2012,João comprou, no StandAuto Viatura, um automóvel usado. a contrato de compra e venda em apreço está sujeito ao regime previsto no
a preço original do automóvel era de 10000 Euros, mas o vendedor fez saber a Decreto-Lei n.? 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo
João que o preço seria de apenas 9000 Euros, se este assinasse um documento Decreto-Lei n.? 84/2008, de 21 de Maio, visto ter sido celebrado entre um parti-
em que declarasse comprar o automóvel uno estado em que se encontrava", o que -cular, João, e um profissional, o stand de automóveis. Assim, o vendedor é respon-
efectivamente veio a acontecer. Algumas semanas depois, o carro começou a sável perante João por qualquer falta de conformidade que exista no momento
perder água e a manifestar problemas no sistema eléctrico. João queixou-se das em que o bem lhe é entregue, presumindo-se essa falta se o vício se manifestar
avarias no stand de automóveis, pretende que o automóvel seja reparado, mas o num prazo de dois anos (cfr. artigo 3,', n,' 2).
vendedor declina qualquer responsabilidade. No caso em análise, João assinou um documento em que declarou aceitar O
Quid iuris? veículo no estado em que se encontrava, o que leva o vendedor a declinar qualquer
responsabilidade quanto aos defeitos que entretanto se manifestaram. Todavia,
RESOLUÇÃO a protecção conferida pelo Decreto-Lei n.? 67/2003, de 8 de Abril, é imperativa,
sendo nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual, antes da denúncia da falta
de conformidade ao vendedor, se excluam ou limitem os direitos do consumidor
aí previstos (artigo 10'). A renúncia de João à protecção que lhe é conferida
legalmente é, pois, nula, Nos termos do disposto nos n.'" 2 e 3 do artigo 16,' da Lei
n,' 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), a nulidade apenas pode
ser invocada pelo consumidor ou seus representantes, e o consumidor pode optar
pela manutenção do contrato quando algumas das suas cláusulas forem nulas.
Assim, João deve denunciar os defeitos ao vendedor no prazo de dois meses a
contar da data em que os detectar (artigo 5,º-A, n." 2), tendo direito à reparação
pretendida no prazo de trinta dias, sem grave inconveniente para si (artigo 4.',
n.'2)
Note-se, por último, que o prazo de garantia para as coisas móveis é de dois
anos a contar da data da entrega do bem (artigo 5°, nO 1), ou seja, prolonga-se
até Março de 2014, Todavia, como estávamos perante a venda de um automóvel
usado, ° artigo 5.2, n.º 2, permitiria que o prazo de garantia, por acordo das partes,
tivesse sido reduzido a um ano.

54 55
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS
COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO

CASO 3
RESPOSTA

Alice comprou a Carlos, comerciante de electrodomésticos, uma máquina A compra e venda em análise está sujeita ao regime previsto no Decreto-
de lavar roupa, Carlos instalou a máquina no dia seguinte, mas, por ter sido mal -Lei n' 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-
instalada, a máquina transbordou, provocando danos no chão da cozinha no valor -Lei n' 84/2008, de 21 de Maio, visto ter sido celebrada entre um particular,
de 1000 Euros. Alice dirigiu-se a Carlos, pedindo a correcção da instalação e uma Alice, e um profissional, Carlos, Assim, Carlos é responsável perante Alice por
indemnização pelos danos causados, mas este declina qualquer responsabilidade, qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é
Quid iuris? entregue, presumindo-se essa falta se o vicio se manifestar num prazo de dois
anos Ccfr, artigo 3.', n.? 2).
RESOLUÇÃO O artigo 2,', n.? 4, equipara a falta de conformidade resultante de má instalação
do bem de consumo a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação
fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor,
como aconteceu no caso concreto. Nesta situação, o objecto da garantia abrange
O bem vendido C a máquina de lavar roupa) e a prestação de serviços conexa com
esse bem (a sua instalação), Assim sendo, Alice tem direito a que seja eliminada
n falta de conformidade através de reparação da instalação (artigo 4,', n.' 1), sem
encargos, e num prazo máximo de trinta dias (artigo 4,', n." 2),
Quanto aos danos causados pela inundação, Alice tem direito, nos termos
do artigo 12', da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.? 24/96, de 31 de Julho,
na redacção do Decreto-Lei n' 67/2003, de 8 de Abril), à indernnização pelos
danos patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestação de serviços
defeituosos.

S6
57
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO

CASO 4 RESPOSTA

Em Novembro de 2011, Nuno comprou, numa loja da especialidade, uma A venda a Nuno é uma venda de bens de consumo, já que este comprou uma
bicicleta de cicloturismo para os seus passeios de fim-de-semana, Porque no Natal bicicleta para uso particular numa loja da especialidade, ou seja, a quem faz da
os pais lhe ofereceram uma bicicleta de montanha, em Janeiro de 2012, Nuno venda de bicicletas a sua actividade profissional. Assim, esta compra e venda está
vendeu a bicicleta de cicloturismo ao seu amigo Miguel. Passado algum tempo, sujeita ao regime previsto no Decreto-Lei n.? 67/2003, de 8 de Abril, com as
a bicicleta começou a revelar problemas nos travões e Miguel dirigiu-se à loja, alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n,' 84/2008, de 21 de Maio, que institui
onde Nuno a havia comprado, para ser reparada, O vendedor recusa-se a reparar uma garantia de conformidade do bem a favor do comprador.
a bicicleta, por não a ter vendido a MigueL A venda feita por Nuno a Miguel, por outro lado, já é uma relação entre dois par-
Quid iuris? ticulares, No âmbito da vigência da versão original do Decreto-Lei n,' 67/2003, era
controverso se esta venda estaria sujeita ao regime da venda de bens de consumo
RESOLUÇÃO ou antes ao regime do Código Civil (caveat emptor), O Decreto-Lei n,' 84/2008,
de 21 de Maio, porém, aditou ao artigo 4,º do Decreto-Lei n,? 67/2003, um n.? 6,
que estabelece que "os direitos atribuidos pelo artigo 4,º transmitem-se a terceiro adqui-
rente do bem". Assim, é agora claro que os direitos que a lei confere a Nuno são
transferidos para Miguel, dentro do período legal de garantia - dois anos para os
bens móveis (cfr, artigo 5,º) - que se conta a partir da entrega do bem, ou seja,
Novembro de 2011.
O vendedor da bicicleta é, pois, responsável por qualquer falta de confor-
midade que exista no momento em que o bem é entregue, presumindo-se já
existente nessa data a falta de conformidade que se manifeste num prazo de dois
anos a contar da data da entrega (artigo 3,', n,' 2),
Se Miguel tiver denunciado o defeito ao vendedor no prazo de dois meses
depois de O ter detectado (artigo 5,º-A, n.' 2), tem direito a que a conformidade
seja reposta através dos meios indicados no artigo 4.º, n.º 1, nomeadamente, a
reparação da bicicleta, sem qualquer encargo, e num prazo de 30 dias (artigo 4,',
n.' 2).

5H 59
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO

CASOS RESPOSTA

Ana, enfermeira, comprou um telemóvel numa loja situada num Centro O Decreto-Lei n.? 67(2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas
Comercial, em Junho de 2010, Passado algum tempo, o telemóvel começou a pelo Decreto-Lei n,' 84(2008, de 21 de Maio, aplica-se aos contratos de compra
fazer ruídos que impediam as conversas telefónicas, e a sofrer de oscilações da e venda celebrados entre profissionais e consumidores. No caso concreto, Ana é
rede, que impediam a feitura de chamadas ou provocavam a interrupção das uma consumidora, a quem foi vendido um telemóvel para uso não profissional,
chamadas em curso, Ana dirigiu-se à loja, em Dezembro desse ano, e o telemóvel por um lojista no âmbito da sua actividade económica, um profissionaL Assim
foi reparado, em Janeiro de 2011, sendo, o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de confor-
Ao fim de alguns meses, o telemóvel voltou a apresentar problemas, desta midade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, sendo que a falta
vez ao nível do ecrã, Ana dirigiu-se novamente à loja, e o telemóvel foi reparado de conformidade que se manifeste no prazo de dois anos se presume já existente
e restituído em Outubro de 2011. Como as deficiências persistiram, o telemóvel no momento da entrega (cfr, artigo 3,'),
foi substituído por outro, da mesma marca e modelo, em Abril de 2012. Como no caso apresentado o telemóvel apresenta várias deficiências, nome-
Em Julho de 2012, o novo telemóvel começa também a apresentar problemas, adamente, ruídos, oscilações de rede, problemas no ecrã e no encaixe da bateria,
nomeadamente, o centro de SMS ficava desconfigurado ao desligar o telemóvel, Ana tem o dever de denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo
e o encaixe da bateria deixou de fechar, Ana dirige-se à loja e pretende terminar de dois meses a contar da data em que as tenha detectado (artigo 5,'-A, n.? 2),
o contrato. O vendedor recusou-se a restituir-lhe o preço do telemóvel, alegando Nos termos do artigo 4.', do Decreto-Lei n.? 67(2003, da leitura conjugada dos
que o prazo de garantia do telemóvel havia terminado em Junho de 2012 (2 anos n.2S 1 e 4, o consumidor tem direito à reparação da coisa ou à sua substituição, à
após a compra do primeiro telemóvel). redução do preço ou à resolução do contrato, salvo se tal se manifestar impossível
Quid iuris? ou constituir abuso de direito, No caso concreto, o telemóvel foi reparado em
Junho e Outubro de 2011, e substituído em Abril de 2012, Como o novo telemóvel
RESOLUÇÃO também apresenta defeitos, Ana pretende resolver o contrato, o que o vendedor
não aceita por considerar que o prazo de garantia do telemóvel- no caso de bens
móveis, dois anos a contar da entrega do bem (artigo 5,', n,' 1) - já terminou.
Todavia, não tem razão. O artigo 5', n.? 6, estabelece que havendo substituição
do bem, como aconteceu, o bem sucedâneo goza de um prazo de garantia de dois
anos a contar da data da sua entrega. Assim sendo, o prazo de garantia do novo
tclemóvel só terminaria em Abril de 2014,
Quanto ao facto de Ana querer a resolução do contrato, não se pode considerar
que o pedido seja desproporcionado, já que nem a reparação nem a substituição
do telemóvel se revelaram meios adequados para repor a conformidade do bem,

("
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO

CASO 6 RESPOSTA

António comprou um aquecedor eléctríco num hipermercado, em Outubro Sendo António um consumidor, pois comprou o aquecedor para seu uso par-
de 2012, Passados alguns dias, o aparelho começou a sobreaquecer, e Antônio ticular, a um profissional, num hipermercado, esta compra e venda está sujeita
dirigiu-se ao hipermercado. O vendedor identificou a deficiência como sendo ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações
resultante de uma avaria do termóstato e reparou o aquecedor. Alguns dias depois introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio. Como este regime
da reparação, o aparelho sobre aqueceu novamente e incendiou-se. António institui a favor do comprador uma garantia de conformidade do bem vendido, o
dirigiu-se ao hipermercado pedindo a restituição do preço pago, O vendedor vendedor é responsável perante o consumidor por qualquer falta de conformi-
recusa-se a restituir o preço, alegando que não aceita a devolução do aquecedor dade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, sendo que essa falta
por este estar destruído. se presume se o vício se manifestar num prazo de dois anos (cfr. artigo 3,º, n.? 2),
Quid iuris? No caso em apreço, o aquecedor tinha um defeito no termóstato, que provo-
cava o sobreaquccírnento, Tendo o defeito sido atempadamente denunciado ao
RESOLUÇÃO vendedor (nos termos do artigo 5.º- A, n,? 2, o prazo era de dois meses a contar da
data em que o defeito houvesse sido detectado), Antônio tinha direito à reparação
ou substituição do bem, à redução do preço ou à resolução do contrato (artigo 4.º,
n." 2), O artigo 4,º, n.? 5 estabelece que o consumidor pode exercer qualquer dos
direitos referidos no n." 2, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso
de direito, nos termos gerais, No caso em pareço, o vendedor começou por propor
a reparação do aquecedor, que António aceitou, Essa reparação manifestou-se
insuficiente e assim que António levou o aquecedor para casa, este incendiou-se.
Agora António quer resolver o contrato, o que nos leva, em primeiro lugar, a per-
guntar se o comprador tem direito a exercer a medida mais drástica, que conduzirá
" destruição do contrato, Parece-nos que sim. Face ao incêndio provocado pelo
sobreaquecimento do aparelho, é natural que Antônio não queira a substituição
do aquecedor, por ter perdido a confiança no aparelho e na marca, Também não
tem interesse em manter a propriedade do aquecedor, ainda que com redução do
preço. Em suma, deve considerar-se proporcional, face à leitura conjugada dos
n,ll 1 e 4 do artigo 4.º, a resolução do contrato de compra e venda.

A resolução do contrato deve ser feita mediante declaração à outra parte


(artígo 436,º, 1, do Código Civil), A regra do artigo 432,º, n." 2, que estabelece
que a parte que 'por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em
condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato" não se
aplica nesta situação, já que o artigo 4,º, n.? 4, do Decreto-Lei n.? 67/2003, esta-
helece que o perecimento ou a deterioração da coisa, por motivo não imputável
uo comprador, não impede a resolução do contrato.

62 ld
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMPRA E VENDA DE BENS DE CONSUMO

CASO 7 RESPOSTA

Em Agosto de 2010, Paulo comprou uma moradia, por 350 000 Euros, a uma No caso em apreço, um particular, Paulo, comprou um imóvel para uso parti-
empresa do ramo imobiliário. Em Novembro desse ano, Paulo detectou vários pro- cular, uma moradia, a um profissional, uma empresa do ramo imobiliário, pelo que
blemas na moradia, nomeadamente fendas e fissuras profundas, que resultavam esta compra e venda está sujeita ao regime previsto no Decreto-Lei n.' 67/2003,
de uma grave deficiência na estrutura do imóvel. Em Fevereiro de 2011, surgiram de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.? 84/2008, de
várias infiltrações nas paredes e o soalho começou a levantar, Em Maio de 2011, 21 de Maio, Este regime institui uma garantia edílícía contra defeitos da coisa,
houve uma inundação na moradia, causada por uma ruptura nas canalizações, sendo o vendedor responsável por qualquer falta de conformidade que exista no
que se deveu à instalação defeituosa desses materiais. momento da entrega do bem (presumindo-se já existente nessa data a falta de
Paulo foi-se queixando dos defeitos ao vendedor e, em Junho de 2011, conformidade que se manifeste no prazo de cinco anos a contar da data da entrega
escreveu-lhe uma carta registada, com aviso de recepção, a elencar todos os do imóvel, nos termos do artigo 3,', n' 2).
defeitos detectados até então, e a informá-lo de que vive no momento na casa Assim sendo, a empresa imobiliária é responsável por qualquer falta de con-
dos seus pais, em virtude de a moradia não estar habitável. O vendedor já ínspec- formidade do imóvel que se manifestar no prazo de 5 anos a contar da entrega
cionou a moradia, lamenta os incómodos causados, mas até agora não fez nada. da moradia (cfr. artigo 5,', n.? 1). O comprador, por seu lado, deve denunciar
- Como é que Paulo pode reagir? os defeitos no prazo de um ano a contar da data em que os tenha detectado
(artigo 5,'-A, n.? 2), o que Paulo fez, Tendo efectuado atempadamente a denún-
RESOLUÇÃO cia da desconformidade, nos termos do artigo 4,', n.? 1, Paulo tem direito a que
a falta de conformidade da moradia com o contrato seja reposta sem encargos,
por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à
resolução do contrato, Nos termos do n.' 5, do mesmo artigo, o consumidor pode
exercer qualquer destes direitos, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir
abuso de direito. Esta referência ao abuso de direito tem implícita uma ideia de
desproporcionalidade, assente numa ponderação de custos para ambas as partes
(numa interpretação conforme ao artigo 3,', n.? 3, da Directiva 1999/44/CE, do
Conselho e do Parlamento Europeu, de 25 de Maio de 1999)2,
No caso em apreço, Paulo, apesar da gravidade das deficiências, pediu ao
vendedor a reparação da moradia, que deveria ter sido efectuada num prazo
razoável, sem grave inconveniente para O consumidor (cfr, artigo 4.', n,? 2). Toda-
via, até agora o vendedor ainda não reparou o imóvel, nem mandou proceder a
essa reparação, mesmo sabendo que Paulo já não habita a moradia, por esta não
apresentar condições de segurança,
Paulo tem agora duas opções, A primeira consiste em exigir judicialmente
n reparação da moradia, nos termos do artigo 817,' do Código Civil e, havendo
condenação, pode pedir em execução que as obras sejam efectuadas por um
terceiro, à custa do vendedor (artigo 828,'). Mas Paulo tem uma segunda opção,
I!m virtude de o artigo 4,', n." 1, do Decreto-Lei n' 67(2003, dentro dos limites
da possibilidade e do abuso de direito, não estabelecer nenhuma hierarquização

~ err. L. MENEZES LI_\I'I'A:o,Dtrcíto das Obrigaçóes 111, Contratos em Especial, 7.i ed., Almedlna,
(:olmbrll, p. 158.
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

dos meios colocados à disposição do comprador, Paulo pode resolver o contrato,


Estando Paulo a viver em casa dos pais por falta de condições de habitabilidade e
de segurança da moradia, e perante a demora do vendedor em proceder à repara- •
ção, apesar de conhecer e lamentar os prejuízos causados, o exercício da resolução
do contrato não deve ser considerado abusivo (artigo 5", n.? 5).
Por último, note-se que, nos termos do artigo 5.º-A, n.? 3, os direitos conferidos
a Paulo, por este decreto-lei, caducam no prazo de três anos a contar da data da
denúncia, ou seja, em Junho de 2014.

111

Doação

6(1
DOAÇÃO

CASO I

Em 1984, Amália doou, por escritura pública, à sua filha Beatriz, interdita por
cegueira, um apartamento, tendo estipulado na altura uma cláusula de reversão.
Beatriz, solteira, faleceu no passado mês de Janeiro, tendo deixado uma filha,
Carolina, Amália pretende agora saber qual o destino do apartamento,
Quid iuris?

RESOLUÇÃO
DOAÇÃO
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA CASO 2

Estamos perante um contrato de doação, definido no artigo 940' como o Em Agosto de 2010, Alberto doou ao seu filho Jorge, com reserva de usufruto,
contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu a sua casa de habitação, com a obrigação de este "o acompanhar na saúde e tratar na
património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma doença", Desde o Natal do ano passado, as relações entre os dois deterioraram-se
obrigação, em benefício do outro contraente. Embora tenha sido titulado por e Jorge nunca mais falou com o pai, recusa-se a acompanhá-lo ao médico e ao
escritura pública, actualmente, o artigo 947.º, n.? 1, na redacção do Decreto-Lei hospital, e nunca mais lhe fez as compras no supermercado, Alberto sente-se
n,' 116(2008, de 4 de Julho, estabelece que a doação de coisas imóveis é válida amargurado com a situação, depende da ajuda da sua sobrinha e vizinha Marga-
se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado, rida, e pretende extinguir a doação,
Cabe ainda referir que a cláusula de reversão que respeite a coisas imóveis deve - Pode fazê-lo?
ser regístada, nos termos dos artigos 960.', n.? 3, do Código Civil, e 2,', alínea u),
do Código do Registo Predial. RESOLUÇÃO
No caso concreto, estamos perante uma doação feita a incapaz, já que Beatriz
é interdita por cegueira, nos termos dos artigos 138,' e ss. A capacidade passiva
para receber doações está regulada no artigo 950,' do Código Civil, não se
estabelecendo aí qualquer desvio às regras gerais sobre capacidade contratual.
O artigo 951.' estabelece, todavia, que as doações puras feitas a incapazes
produzem efeitos independentemente da aceitação em tudo o que aproveite aos
donatários, Significa isto que a doação feita a incapazes é um negócio unilateral
e não um contrato, produzindo todos os seus efeitos, incluindo a transmissão
da propriedade para o donatário, independentemente de aceitação, com base
apenas na declaração negociai do doador. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes
Varela-, esta solução "é juridicamente anómala, na medida em que permite a
celebração dum contrato unilateralmente; mas é perfeitamente compreensível,
desde que as doações puras não podem trazer prejuízos para os donatários.
Tudo se passa, por conseguinte, como presumindo a lei a aceitação por parte
dos representantes legais dos incapazes, visto não haver razões económica que
justifiquem a recusa, nem ser provável a existência de razões de ordem moral que
se oponham à aceitação".
O artigo 960.' permite que o doador estipule a reversão da coisa doada (clause
de retour), no caso de o doador sobreviver ao donatário, ou a este e a todos os
seus descendentes. Como, no caso apresentado, nada foi estipulado, entende-se
que a reversão só teria lugar no caso de Amália sobreviver a Beatriz e a todos os
seus descendentes (artigo 960,', n.? 2, a final), Assim, a reversão não tem lugar, já
que Beatriz deixou uma filha, Carolina, permanecendo o apartamento na estirpe
familiar.

3 Código Civil Anotado, vol. 11,Coimbra Editora, p. 275.

?() ?I
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS DOAÇÃO

RESPOSTA CASO 3

Estamos perante um contrato de doação, em que Alberto, por espírito de libe- Em Outubro de 2010, Álvaro escreveu uma carta à sua sobrinha Noérnia,
ralidade, dispôs gratuitamente, e à custa do seu património, da nua propriedade oferecendo-lhe uma colecção de peças antigas, mas esta, não tendo onde as
de uma casa de habitação, a favor de Jorge. Este contrato está sujeito a escritura guardar, disse ao tio que só as aceitarias se arranjasse um sítio seguro onde colocá-
pública ou a documento particular autenticado, nos termos do artigo 947,·, n,· 1, -las. Entretanto, em virtude de se ter agravado substancialmente o seu estado
na redacção dada pelo Decreto-Lei n.? 116/2008, de 4 de Julho, de saúde, Álvaro foi declarado inabilitado, nos termos dos artigos 153,' e ss. e o
O artigo 963,' prevê que o doador possa impor ao donatário um ónus ou seu filho Henrique nomeado seu curador. Recentemente, Noémia veio buscar as
encargo, que o obriga à realização de uma determinada prestação no interesse do peças, mas Henrique opõe-se.
autor da liberalidade, de terceiro, ou do próprio beneficiário, e não carece de um Quid iuris?
conteúdo patrimonial. Nos contratos gratuitos, os encargos impostos ao benefi-
ciário, sendo meras cláusulas acessórias, funcionam como simples limitações ou RESOLUÇÃO
restrições à prestação do disponente (liberalidade) e não como seu correspectivo,
Daí que O donatário não seja obrigado a cumprir os encargos "senão dentro dos limites
do valor da coisa ou do direito doado", nos termos do artigo 963.', n.? 2,
O artigo 966,· estabelece que o doador ou os seus herdeiros podem pedir a
resolução da doação, fundada no não cumprimento de encargos (já não quando
o encargo se torna impossível por facto não imputável ao donatário), A resolução
não opera ipso iure, sendo necessário que o doador ou os seus herdeiros peçam a
resolução judicial da doação, Segundo Pires de Lima e Antunes Varela", a reso-
lução auctoritate judieis explica-se pelo carácter pessoal do modo, que não afecta a
essência da liberalidade, podendo o doador querer mantê-la, mesmo que o modo
não tenha sido cumprido, Todavia, o donatário apenas pode pedir a resolução do
contrato quando esse direito lhe seja conferido pelo contrato, o que não parece
ter acontecido no caso concreto.
Resta, pois, a Alberto exigir o cumprimento do encargo, nos termos do
artigo 965·, Note-se que, como na doação modal qualquer interessado tem legiti-
midade para exigir do donatário o cumprimento dos encargos, também Margarida
tem legitimidade para o exigir a Jorge o cumprimento do dever de "acompanhar
opai na saúde e tratá-lo na doença".

4 Código Civil Anotado, vol. 11,Coimbra Editora, p. 293.

1,1
DOAÇÃO
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA CASO 4

A doação é um contrato (invito beneficium non datur), exigindo para a sua Carlos doou à sua sobrinha Daniela um automóvel, em Janeiro de 2007, Desde
perfeição a proposta do doador e a aceitação do donatário, A proposta de doa- essa altura, Daniela deixou de visitar o tio e raramente lhe telefona. Carlos consi-
ção não caduca nos prazos estabelecidos no artigo 228,', mas apenas se não dera que a sobrinha é uma ingrata e pretende O automóvel de volta,
for aceite em vida do doador, nos termos do artigo 945,º, n." I. Enquanto não Quid iuris?
houvesse sido aceite a doação, nos termos do artigo 969, n.? 1, Álvaro poderia
livremente revogar a sua declaração negociai, desde que observasse as formali- RESOLUÇÃO
dades exigidas, ou seja, o fizesse por escrito. Como tal não aconteceu, a proposta
de doação mantém-se eficaz e, assim, Noémia ainda está a tempo de aceitar a
doação, que nos termos do artigo 947,º, n.? 2, por força do artigo 945,', n,º 3,
deve ser feita por escrito.
Henrique, agora nomeado curador de Álvaro, alega a incapacidade do seu
pai e pretende evitar que a doação se venha a consumar. Mas não tem razão.
O artigo 948,º estabelece que a capacidade para fazer doações é regulada pelo
estado em que o doador se encontra ao tempo da declaração negociaI. Como
no momento em que fez a proposta de doação, Álvaro estava na sua plena
capacidade de agir, a proposta é válida e Henrique não se pode opor à perfeição
do contrato.
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRATICOS RESOLVIDOS
DOAÇ~O

RESPOSTA CASOS

Carlos fez uma doação a Daniela já que, por espírito de liberalidade, e à custa Pedro, um famoso jogador de futebol, doou à sua irmã Mónica um aparta-
do seu património, dispôs gratuitamente de um automóvel a favor de Daniela, mento, em Janeiro de 2007, Em Dezembro de 2011, Pedro descobriu que Mónica
Este contrato de doação deve ser celebrado por escrito; ou, tratando-se de uma o tinha burlado, causando-lhe um prejuízo de mais de um milhão de Euros, Em
doação verbal, a tradição da coisa é condição formal do contrato (cfr, artigo 947,', Junho de 2012, Mónica foi condenada a uma pena de 3 anos de prisão.
n,' 2), tomando-se a doação um contrato real quoad constituttonem. A tradição para _ Pedro pretende revogar a doação do apartamento à irmã, Quid iuris, sabendo
o donatário da coisa móvel doada é ainda havida como aceitação, nos termos do que Mónica vendeu o referido prédio a Eduardo, no passado mês de Agosto?
artigo 945", n.? 2,
O artigo 974.' estabelece que a doação pode ser revogada por ingratidão, RESOLUÇÃO
quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou
quando se verifique alguma das ocorrências que justificam a deserdação, Fora
destes casos, a doação não pode ser revogada por ingratidão do donatário,
As causas de ingratidão do donatário constam do artigo 2034.', que estabelece
que carecem de incapacidade sucessória por motivo de indignidade: o condenado
como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra
o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, descendente, ascendente, adoptante
ou adaptado; o condenado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as
mesmas pessoas, relativamente a crime a que corresponda pena de prisão superior
a dois anos, qualquer que seja a sua natureza; o que por meio de dolo ou coacção
induziu o autor da sucessão a fazer, revogar ou modificar o testamento, ou disso o
impediu; o que dolosamente subtraiu, ocultou, inutilizou, falsificou ou suprimiu
O testamento, antes ou depois da morte do autor da sucessão, ou se aproveitou
de algum desses factos.
As causas de deserdação dos herdeiros legitimários estão indicadas no
artigo 2166.': ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso cometido
contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou de
algum descendente, ascendente, adoptante ou adaptado, desde que ao crime
corresponda pena superior a seis meses de prisão; ter sido o sucessível conde-
nado por denúncia caluniosa ou falso testemunho contra as mesmas pessoas; ter
o sucessível, sem justa causa, recusado ao autor da sucessão ou ao seu cônjuge
os alimentos devidos.
Como O comportamento de Daniela não se subsume a nenhuma das hipóteses
enunciadas, Carlos não pode revogar a doação por ingratidão de Daniela, nem
reaver o automóvel.

77
76
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS DOAÇAO

RESPOSTA CASO 6

Estamos perante um contrato de doação, já que, por espírito de liberalidade, Fátima, doente do serviço de nefrologia do Hospital do Sul, enquanto estava
e à custa do seu património, Pedro dispôs gratuitamente de um apartamento a internada à espera de ser novamente operada, doou à sua médica, Leonor, um
favor de Mónica, Este contrato de doação está sujeito a escritura pública ou a valioso conjunto de jóias, composto por gargantilha, brincos e pulseira, Só alguns
documento particular autenticado, nos termos do artigo 947.!.!,n.!.!1, na redacção dias depois de Fátima ter regressado a casa, já plenamente recuperada, é que a
dada pelo Decreto-Lei n. º 116/2008, de 4 de Julho. sua sobrinha Sónia soube da doação e espantada, já que sabia do apreço da tia
O artigo 974,' estabelece que a doação pode ser revogada por ingratidão, pelas referidas jóias, pretende reagir,
quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou Quid iuris?
quando se verifique alguma das ocorrências que justificam a deserdação,
Entre as causas de deserdação dos herdeiros legitimários indicadas no RESOLUÇÃO
artigo 2166,º, está ter sido o sucessível condenado por algum crime doloso come-
tido contra a pessoa, bens ou honra do autor da sucessão, ou do seu cônjuge, ou
de algum descendente, ascendente, adoptante ou adoptado, desde que ao crime
corresponda pena superior a seis meses de prisão. Ora no caso concreto, Mónica
cometeu um crime de burla contra Pedro que, nos termos do artigo 218.º, n' 2,
do Código Penal, é punido com pena de prisão de dois a oito anos, tendo esta
sido efectivamente condenada numa pena de 5 anos.
Nos termos do artigo 976.', a acção de revogação da doação por ingratidão do
donatário caduca ao cabo de um ano, contado desde o facto que lhe deu causa ou
desde que o doador teve conhecimento desse facto, Assim, na medida em que
o facto que dá causa à revogação da doação, in casu, é a condenação de Mónica,
Pedro pode intentar a acção até Junho de 2013,
Em consonância com a eficácia ex nunc da revogação, os efeitos da revogação
da doação retrotraem-se à data da proposição da acção. Revogada a liberalidade,
os bens doados são restituídos ao doador ou aos seus herdeiros, no estado em que
se encontram (cfr. artigo 978,', n." 1 e 2), Todavia, Mónica alienou o apartamento
onerado. Nesta situação rege o artigo 978.º, n.º 3, segundo o qual Mónica deverá
entregar o valor que este tinha ao tempo em que foi alienado, acrescido dos juros
legais a contar da proposição da acção. Se em vez de alienação do apartamento,
Mónica tivesse constituído a favor de Eduardo o um direito real limitado, aplicar-
-se-ia o artigo 979,', e Mónica teria de indemnizar Pedro pela diminuição do
valor da coisa.

78 79
DOAÇolO
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA CASO 7

Fátima dispôs gratuitamente, e à custa do seu património, de um conjunto Em 2009, Luís doou, por escritura pública, à sua sobrinha e afilhada, Maria
de jóias a favor de Leonor, pelo que estamos perante um contrato de doação, Luísa, uma moradia, com a condição de ela ficar a viver para sempre na terra e de
nos termos do artigo 940,' e ss, Este contrato de doação deve ser acompanhado nunca vir a casar, Entretanto, Luísa ganhou uma bolsa de estudo para uma escola
da tradição da coisa doada, ou ser feito por escrito, nos termos do artigo 947.', de arte, e pretende mudar-se para Londres,
A capacidade passiva para receber doações não se desvia das regras gerais Quid iuris?
sobre capacidade contratual, mas o Código Civil estabelece algumas inibições,
Em particular, o artigo 953' manda aplicar às doações os artigos 2192' a 2198.', RESOLUÇÃO
que enumeram uma série de situações de indisponibilidade relativa, No caso con-
creto, interessa-nos, em especial, o artigo 2194.2, que sanciona com a nulidade a
disposição a favor de médico que trate o testador, "se o testamento for feito durante a
doença e o autor vier afalecer dela", A razão de ser desta proibição resulta da situação
de especial fragilidade em que o doente se encontra perante o médico e aplica-se,
com as necessárias adaptações, às doações. Vejamos se se aplica no caso concreto.
O testamento a favor de médico que trate o testador só é nulo se, cumulati-
vamente, for feito durante a doença e o autor vier a falecer dela, O requisito de
o testador falecer da doença justifica-se pelo facto de o testamento poder vir a
ser revogado, até à morte do testador, só produzindo efeitos após esse momento
(cfr, artigos 2311.' a 2316.'), Só se o testador falecer é que se verificará a devo-
lução sucessória, e o legatário pode vir a receber o bem. Mas nas doações, O
regime é diferente, A doação produz efeitos logo após a aceitação e não pode
ser posteriormente revogada, a não ser com base em ingratidão do donatário
(artigo 970,' e ss). Por essa razão, a doutrina,' na aplicação do artigo 2194.' às
doações, defende a nulidade de todas as doações realizadas durante o período de
doença a favor do médico, independentemente de o doador vir ou não a falecer
da doença, Seguindo esta posição, a doação feita por Fátima a Leonor deve ser
considerada nula,
Note-se, porém, que após a cura do doador, a doação já será válida, pelo que
nada impede que Fátima reitere a liberalidade, celebrando novo contrato de
doação após a sua cura.

SCfr. L. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrígaçdes lII, Contratos em Especial, 7.1 ed., Almedina,
Coimbra, p. 212 e 213. .

80 H'
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA

Estamos perante um contrato de doação, já que, por espírito de liberalidade,


e à custa do seu património, Luís dispôs gratuitamente de uma moradia a favor
da sua sobrinha Luísa. Este contrato de doação foi titulado por escritura pública,
mas poderia ter sido efectuado através de documento particular autenticado, nos
termos do artigo 947,', n.? 1, na redacção dada pelo Decreto-Lei n." 116/2008,
de 4 de Julho,
As doações podem ser sujeitas a condições, mas o legislador sujeita-as a
um regime diferente do previsto em geral nos artigos 270.' e ss, em especial o
artigo 27l,', Esta norma estabelece a nulidade dos negócios jurídicos subordi- IV
nados a uma condição contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensivas dos bons
costumes, O artigo 967,', todavia, manda aplicar às doações as regras estabe-
lecidas em matéria testamentária, nomeadamente nos artigos 2230.º e ss e no
Sociedade
artigo 2168,', ou seja as condições impossíveis, contrárias à lei ou à ordem pública
ou ofensivas dos bons costumes, consideram-se como não escritas, e não afectam
a validade da doação.
O legislador enumerou entre as condições contrárias à lei a condição de residir
(artigo 2232.') e a condição de não casar (artigo 2233,'), Assim sendo, ainda que
Maria Luísa vá para Londres frequentar a escola de arte, a doação da moradia feita
pelo seu tio mantem-se válida e eficaz,
sOCllmAI)I(

CASO I

Ana, Bruna e Carlota, amigas de longa data, decidiram desenvolver em con-


junto uma actividade de entrega de flores ao domicílio, Para tal, compraram uma
carrinha e criaram um sítio na internet onde divulgaram a sua nova actividadc.
Ao fim de algum tempo, Bruna e Carlota descobriram que Ana usava frequen-
temente a carrinha para levar os filhos à escola durante a semana e para passear
ou ir à praia durante o fim-de-semana,
Quid iuris?

RESOLUÇÃO

R!
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS SOCIEDADE

RESPOSTA CASO 2

As três amigas celebraram entre si um contrato de sociedade, já que se obri- Rita, Sara, e Tiago, alunos do Conservatório, decidiram ganhar algum dinheiro,
garam a contribuir com bens e serviços para o exercício em comum de certa criando uma banda para tocar música ao vivo em casamentos, aos fins-de-semana.
actividade económica (a entrega de flores ao domicílio), a fim de repartirem os Ao fim de algum tempo, descobriram que Rita colocou um anúncio no jornal,
lucros resultantes dessa actividade (artigo 980,'). Os requisitos essenciais do oferecendo os serviços da banda para todo o tipo de eventos, e durante todos os
contrato de sociedade, tal como resulta da definição legal, são: a contribuição dias da semana, e os seus serviços individuais como Df para casamentos. Sara e
dos sócios, o exercício em comum de certa actividade económica (que não pode Tiago não querem dedicar a esta actividade mais do que os fins-de-semana, e
a mera fruição), e a repartição dos lucros" pretendem manter os seus serviços apenas para casamentos. Também acham que
O artigo 989. e proíbe o sócio, sem consentimento unânime dos outros, de " conduta de Rita ao fornecer os seus serviços como Df não é leal.
se servir das coisas sociais para fins estranhos à sociedade. Na medida em que o Quid iuris?
destino dos bens atribuídos à sociedade pelo contrato social, no caso concreto,
a carrinha, não é o de serem fruídos ou gozados em comum, mas o de servirem RESOLUÇÃO
de base ao exercício da actividade económica própria da sociedade, a entrega
de flores ao domicílio, estamos perante uma limitação à actividade pessoal dos
sócios, O consentimento de Bruna e Carlota não estaria sujeito a nenhuma forma
especial, aplicando-se as regras dos artigos 217,' e ss. Todavia, como, no caso em
análise, Ana usou a carrinha para ir buscar os filhos à escola e para os ir passear,
sem consentimento das suas sócias, ocorreu numa violação das regras que regem
o contrato de sociedade, em particular do artigo 989,',
A violação do dever de não usar as coisas importa para o sócio a obrigação
de indemnizar os outros pelo prejuízo causado (por exemplo, com o gasto de
combustível) e pode importar a sanção de exclusão do sócio nos termos do
artigo 1003,', alínea a), se o seu comportamento for considerado uma violação
grave das suas obrigações para com a sociedade,

6 Alguma doutrina exige um quarto elemento, a organização. Ver, por todos, L. MBNIlZIlSLIlITÃO,
Direito das Obrigações IIl, Contratos em Especial, 7.i ed., Almcdina, Cotmbm, p. 259.

R6
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS SOCIEDADE

RESPOSTA CASO 3

Os três amigos celebraram entre si um contrato de sociedade, nos termos do Daniel, Edmundo e Fernando, estudantes universitários, decidiram unir os
artigo 980', já que se obrigaram a contribuir com bens e serviços para o exercício respectivos esforços para explorarem, em conjunto, um local de venda de bebi-
em comum de certa actividade económica (fornecer música ao vivo em casamen- das e fornecimento de refeições ligeiras, durante a semana da Queima das Fitas,
tos), a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actívídade. Para o efeito, adquiriram, num estabelecimento comercial, bebidas e produtos
A contribuição dos sócios para o exercício da actividade social constitui um nlimentares, a crédito, e contrataram Guilhermina, cozinheira, para confeccionar
elemento essencial do contrato de sociedade. Todavia, não é necessário uma datio as refeições,
rei, pois os sócios podem contribuir apenas com a prestação de uma determinada a) Supondo que o resultado final é negativo, quem será responsável pelo paga-
actividade, como acontece no caso apresentado, em que Rita, Sara e Tiago são mento dos produtos adquiridos naquele estabelecimento comercial e pelo salário
todos sócios de indústria, O artigo 980,' fala na obrigação de contribuir, O que de Guilhermina?
significa que a contribuição não tem de ser imediata. Também não exige a lei, de b) Supondo que a actividade desenvolvida deu um lucro de 10 000 Euros,
inicio, um fundo patrimonial comum, embora ele venha depois necessariamente diga como deverá esse montante ser repartido, sabendo que Daniel e Edmundo
a constituir-se com os lucros da sociedade e enquanto eles não forem partilhados. trabalharam todos os dias no local de venda enquanto Fernando se divertia na
Rita decidiu, por sua própria iniciativa, divulgar a oferta de música ao vivo para Queima das Fitas.
todo o tipo de eventos e durante toda a semana, diversamente do que tinha sido
acordado entre os três amigos, Todavia, nos termos do artigo 982,· (esta regra con- RESOLUÇÃO
siste numa explanação do princípio geral do artigo 406,', n." 1, sobre modificação
dos contratos), as alterações do contrato requerem o acordo de todos os sócios,
excepto se o próprio contrato o dispensai'; e não estão, em princípio, sujeitas a forma
especial. Como Sara e Tiago não acordaram na modificação do objecto da socie-
dade, este continua a ser apenas tocar música em casamentos ao fim-de-semana.
Quanto ao facto de Rita ter oferecido os seus serviços como D] para casamen-
tos, estamos perante uma situação de violação da proibição de concorrência, esta-
belecida no artigo 990,' Segundo Pires de Lima e Antunes Varela,? pretende-se
evitar com a proibição "que o sócio se aproveite dos seus conhecimentos e da sua acção
dentro da sociedade para obter lucros para sipróprio, em prejuízo dos outros sócios,"Violando
esta obrigação, Rita fica responsável pelos danos que causar à sociedade e pode
ser excluída se se verificarem os requisitos do artigo 1003,', alínea a), ou seja, se
lhe for imputável uma violação grave das suas obrigações para com a sociedade,
Nos termos do artigo 1005,', a exclusão depende do voto da maioria dos
sócios, não incluindo no número destes o sócio em causa, e produz efeitos decor-
ridos trinta dias sobre o data da respectiva comunicação ao excluído, A exclu-
são não isentará Rita da responsabilidade em face de terceiros pelas obrigações
sociais contraídas até ao momento em que a exclusão produzir os seus efeitos
(artigo 1006,', n,' 1),
O artigo 1021.' regula a líquidação da quota no caso concreto. O valor da
quota de Rita será fixado com base no valor do património decorridos trinta dias
sobre a comunicação da sua exclusão (artigo 1005.', n.? 1),

1 Código Civil Anotado, vaI. 11, Coimbra Bdltora, P: 324.

88 R9
CONTRATOS CIVrs - CASOS PRÁTICOS RESOLVrDOS SOCIEDADE

RESPOSTA Se um dos sócios pagar a totalidade dos débitos da sociedade a terceiro, poderá,
depois exercer direito de regresso contra os demais. O montante em que cada um
o acordo celebrado entre os três colegas configura um contrato de sociedade, dele participa nas perdas da sociedade, será, salvo convenção em contrário, o da
regulado no artigo 980,º e seguintes do Código Civil. proporção da respectiva entrada, como decorre do artigo 992,·, Assim, supondo
O contrato de sociedade é definido, pelo artigo 980·, como" aquele em que duas que todos são sócios de indústria, ou seja, que entraram apenas com o seu trabalho
ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum e todos se comprometeram a contribuir em partes iguais (presumindo o n.' 2 do
de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, afim de repartirem os lucros artigo 983,' que as entradas são de igual valor), as perdas serão suportadas em
resultantes dessa actividade". partes iguais por todos.
No caso concreto verificam-se estes requisitos, pois existe uma pluralidade Neste ponto, o n· 2 do artigo 992,' deverá ser adequadamente interpretado,
de sujeitos que se obrigam a desenvolver em comum a actividade de venda de Dispõe esta norma que "no silêncio do contrato, os sócios de indústria não respondem,
bebidas e comidas que é, pela sua natureza, uma actividade susceptível de geral nas relações internas, pelas perdas sociais",
lucros, cuja repartição é o objectivo último daquele projecto comum. Trata-se de uma norma supletiva, que tem em vista a hipótese de uma socie-
Como se conclui do disposto no artigo 981.º, o contrato celebrado no caso dade ser constituída por sócios de capital e por sócios de indústria e que pressupõe
concreto não necessita de forma escrita como condição de validade; basta o acordo a maior fragilidade económica destes últimos face aos primeiros.
verbal. Deste modo, se todos são sócios de indústria, a razão de ser daquela norma
O contrato de sociedade pode ser celebrado por tempo indeterminado, por não se verifica, pelo que não existe obstáculo legal a que as perdas da sociedade
um prazo certo (mais ou menos longo) ou para prosseguir um objectivo que se sejam suportadas por todos os sócios em partes iguais.
esgota num determinado lapso de tempo, como se verifica no caso concreto. Efec- Os sócios poderiam sempre convencionar que as perdas fossem suportadas
tivamente, tendo os sujeitos do contrato convencionado que a actividade comum em partes diferentes, mas não poderiam isentar completamente um deles de
seria prosseguida durante a semana da queima das fitas, quando essa semana suportar uma parte das perdas. Tal constituiria um pacto leonino, que é proibido
terminar concluir-se-á que se esgotou o objecto social, pelo que a sociedade de pelo artigo 994,',
dissolve nos termos do artigo 1007,º, alínea c), A 2,' questão suscita o problema de saber como distribuir o lucro pelos três
Por vontade dos seus sujeitos, o contrato de sociedade poderá ter uma confi- sócios, sabendo que um contribui significativamente menos do que os outros
guração estrutural e de organização relativamente simples que, em certos aspec- para a actividade da sociedade,
tos, quase não se distingue da pessoa dos seus sócios, como se verifica no caso Vale também aqui a regra fixada pelo n.s 1 do artigo 992,º, nos termos da qual
concreto; ou pode surgir com uma configuração mais complexa e, ainda, evoluir cada um dos sócios participa nos lucros segundo a proporção da sua entrada,
para a aquisição de personalidade jurídica, observando os requisitos de forma e Como, no caso concreto, as entradas não foram realizadas em capital mas sim em
publicidade próprios para esse efeito. trabalho, e como um dos sócios trabalhou menos que os outros, caso não exista
A 1.' questão que se coloca no caso concreto é a de saber quem suporta as acordo entre eles quanto ao modo de repartir os lucros, o quinhão de cada um
perdas da actividade societária, que são, simultaneamente, débitos a terceiros será fixado pelo tribunal segundo juízos de equidade, como determina o n.? 3 do
(o salário de Guilhermina e o pagamento dos produtos adquiridos a crédito num artigo 992.º.
estabelecimento comercial).
Decorre do artigo 997. " n.º 1 e n,º 2, que, pelas dívidas da sociedade, respon-
dem (em primeiro lugar) os bens da SOciedade(por exemplo, equipamentos que,
no caso concreto, tivessem adquirido especificamente para o desenvolvimento
daquela actividade) e, pessoal e solidariamente, os seus sócios,
Deste modo, sendo a responsabilidade solidária, e não sendo os bens da
sociedade suficientes para o pagamento das dívidas, tanto Guilhermina como O
titular do estabelecimento comercial podem demandar qualquer um dos sócios
exigindo-lhe (nos termos do artigo 519,') o pagamento ela totnlldnde do crédito,

'JI
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS SOCIEDADE

CASO 4 RESPOSTA

Mário, Nuno, Orlando e Pedro, amigos e conterrâneos, decidiram ganhar Estamos perante um contrato de sociedade, regulado pelos artigos 980,' e ss, já
algum dinheiro através da venda de artesanato da sua região. Assim, combinaram que se encontram reunidos os requisitos essenciais desse contrato: a contribuição
trabalhar juntos todas as noites, e aos fins-de-semana e feriados, para pesquisarem dos sócios (vão trabalhar juntos), O exercício em comum de certa actividade econó-
as técnicas tradicionais da terra e rnanufacrurarem eles próprios peças artesanais, mica (a venda de artesanato), e a repartição dos lucros, O fim comum deve consistir
que depois seriam vendidas ao público, Para tal, arrendaram um espaço no Centro numa actividade económíca, o que significa que dela deve resultar um lucro patri-
Paroquial para exporem e venderem o artesanato, tendo acordado o pagamento monial, não bastando o mero escopo cultural. No caso concreto, os quatro amigos
de uma renda mensal de 100 Euros, cumprem este requisito, já que têm como objectivo a repartição de lucros, através
No passado mês de Janeiro, Mário morreu, e Orlando manifestou agora a da venda de artesanato da sua região, manufacturado segundo técnicas tradicionais.
intenção de emigrar, O contrato de sociedade não está sujeito a forma especial, à excepção da que
Quid iuris? for exigida pela natureza dos bens com que os sócios entram para a sociedade
(artigo 981.'),
RESOLUÇÃO Falecendo um sócio, no caso Mário, rege o artigo 100 L', que estabelece várias
alternativas: a sociedade pode líquídar a sua quota em benefício dos herdeiros;
os sócios supérstítes podem optar pela dissolução da sociedade; ou podem optar
pela continuação da sociedade com os herdeiros, se chegarem a acordo com eles
(negócio de continuação),
A liquidação da quota do falecido e a continuação com os sócios supérstites
é a que melhor se coaduna com O intuitus personae da natureza da sociedade civil.
Note-se que esta solução só é possível no caso de a sociedade ter mais de dois
sócios, como acontece no caso apresentado. Se a sociedade tivesse apenas dois
sócios e um deles morresse, a opção que se punha seria entre a dissolução da
sociedade e a continuação dela com os herdeiros do falecido.
Quanto a Orlando, que pretende emigrar, pode ceder a sua quota a um ter-
ceiro ou pedir a exoneração da sociedade. A transmissão da quota a um terceiro
depende do consentimento dos outros sócios (artigo 995,'), o que se justifica pela
natureza pessoal do vínculo associativo. Faltando o consentimento, a cessão será
ineficaz em relação aos outros sócios.
A exoneração da sociedade, que é o abandono da sociedade por vontade uni-
lateral do sócio, está regulada no artigo 1002,', O direito de exoneração exerce-se
por meio de uma declaração de Orlando feita aos outros sócios, Como se trata
da revogação unilateral de um contrato, contrária à regra geral do artigo 406,',
a exoneração só é admitida quando se verifiquem os requisitos previstos no
artigo 1002,', nomeadamente, só se torna efectiva no fim do ano social- que
corresponde ao ano civil, não havendo estipulação em contrário (artigo 988,',
n,' 2) -, mas nunca antes de decorridos três meses sobre a declaração. A exo-
neração, todavia, não isenta Orlando da responsabilidade em face de terceiros
pelas obrígações sodals contraídas até ao momento em que vier a produzir os
NClIscfcllOS(.'IIH" IOO(,,',n,' I)

(),'
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS SOCIEDADE

o artigo1021.º estabelece que na liquidação de quota, no caso de morte, CASOS


exoneração ou exclusão de um sócio, o valor da quota é fixado com base no estado
da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da Alda, Beatriz, Carla, Diana, e Estela, decidiram juntar-se para fazer doces e
liquidação. No caso de exoneração, será fixado com base no valor do património salgados para venderem na Feira de Abril, de modo a angariarem dinheiro para
no fim do ano social em que é comunicada a vontade de abandono da sociedade pagarem a viagem de fim-de-ano dos filhos, Alda cedeu o uso de uma máquina
(mas nunca antes de decorridos três meses sobre esta comunicação); no caso de registadora e as cinco compraram, em conjunto, uma arca frigorífica, que lhes
morte, atender-se-á ao momento em que ela se verificou. custou 700 Euros.
Na avaliação da quota observar-se-ão, com as necessárias adaptações, o No final da feira, tinham em caixa 3500 Euros, mas deviam 200 Euros à orga-
artigo 1018.º, n.~1a 3, na parte em que forem aplicáveis. Assim, deve proceder-se, nização da feira e 300 Euros a fornecedores. Entretanto, conseguiram vender a
em primeiro lugar, à dedução do passivo. Deve, depois, atender-se aos lucros e às arca frígorífica por 600 Euros.
perdas que competem ao sócio que morreu ou deixou de pertencer à sociedade Quid iuris?
(note-se que pode ser exigida do sócio exonerado ou excluído, ou dos herdeiros
do sócio falecido, a sua quota nas perdas da sociedade). A liquidação da quota é RESOLUÇÃO
feita em dinheiro, a não ser que por acordo entre a sociedade e o sócio lhe seja
entregue esse valor em espécie. Por fim, o pagamento do valor da liquidação deve
ser feito, salvo acordo em contrário, dentro do prazo de seis meses, a contar do dia
em que tiver ocorrido ou produzido efeitos o facto determinante da liquidação
(cfr. artigo 1021.º),

{)II 9'
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA

As cinco amigas celebraram entre si um contrato de sociedade, já que se


obrigaram a contribuir com bens e serviços para o exercicio em comum de certa
actividade económica (a venda de doces e salgados), a fim de repartirem os lucros
resultantes dessa actividade (artigo 980,°), com os quais pretendiam pagar a
viagem de fim-de-ano dos seus filhos,
A sociedade dissolve-se pela realização do objecto social (artigo 1007,', c)),
que funciona, assim, como um termo. Na medida em que a sociedade entre Ana,
Beatriz, Carla, Diana e Estela, tenha por fim a repartição dos lucros provenientes
do exercício em comum de uma certa actividade (a venda de doces e salgados na
Feira de Abril), ela deve logicamente caducar quando cessa a actividade.
v ( ,
Dissolvida a sociedade, deve proceder-se à liquidação do seu património, ou
seja, pagar o passivo e atribuir aos sócios o resíduo do património, nos termos do locação
artigo 1016,° e ss. A liquidação do património social compete aos sócios liqui-
datários (artigo 985,' ex vi 1012·, n.? 1), a quem cabe praticar todos os actos
necessários, ultimando os negócios pendentes, cobrando os créditos, alienando
os bens e pagando aos credores (artigo 1015,°),
Nos termos do artigo 1017,', os sócios que tiverem entrado para a sociedade
com o uso e fruição de certos bens têm o direito de os levantar no estado em que
se encontram, Assim, Ana tem direito a levantar a caixa registadora. As sócias
têm ainda o dever de pagar aos credores as quantias em dívida, nomeadamente
os 200 Euros à organização da feira e os 300 Euros aos fornecedores, Finalmente,
poderão realizar a partilha, que deverá ser feita nos termos do artigo 1018,',

1)(,
LOCAÇAO

CASO 1

No dia 1 de Agosto de 2010, Edmundo deu de aluguer a Felizardo, verbal-


mente, um veículo automóvel, tipo autocaravana, pelo prazo de 2 meses, pelo
valor mensal de 150 Euros, para que Felizardo o usasse nas suas férias, fazendo
um percurso turístico pelo norte de Portugal.
No dia 15 de Agosto, Edmundo ficou a saber que, afinal, Felizardo tinha par-
queado o veículo junto a uma praia da Figueira da Foz e o usava como local de
confecção e venda de "bolas de Berlim".
Quid iuris?

RESOLUÇÃO

'lt)
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA

No caso concreto foi celebrado um contrato de locação, na sua variante de


aluguer, pois o contrato versa sobre coisa móvel (artigo 1023"), Diferentemente, a
locação assume o nome de arrendamento quando tem por objecto um bem imóvel.
A disciplina legal do contrato de aluguer encontra-se na denominada parte
geral da locação, ou seja, do artigo 1022.' ao artigo 1063,' (ressalvadas algumas
normas que aí de encontram e se destinam exclusivamente ao contrato de arren-
damento).
O contrato em causa é formalmente válido, já que a lei não faz qualquer exi-
gência de forma para o contrato de aluguer. Vale,portanto, a liberdade de forma VI
(artigo 219,'), Supondo que ambos os contratantes têm capacidade negociai e
legitimidade para celebrar o contrato em análise, conclui-se que este contrato
também é substancialmente válido. Arrendamento
A concreta situação em análise não suscita, assim, qualquer problema de
validade do contrato; suscita, sim, um problema do seu incumprimento por parte Actualizado segundo a Lei n,º 31/2012, de 14 de Agosto,
do locatário,
As obrigações do locatário encontram-se previstas, essencialmente, no e o DL n,º 1/2013, de 7 de Janeiro
artigo l038.º. No caso concreto, assume particular importância o cumprimento
do disposto na alínea c) "não aplicar a coisa afim diverso daqueles a que ela se destina",
Na realidade, o aluguer do veículo destinou-se a um fim particular: um fim de
lazer ou turístico, Não se destinou a servir uma actividade comercial ou industriaL
Assim, usando o veículo para nele confeccionar e vender "bolas de Berlim", o
locatário está a dar à coisa locada um uso diferente do convencionado.
Acresce que também poderá haver violação do disposto na alínea d) do
artigo 1038,', que impõe ao locatário o dever de não fazer da coisa um uso impru-
dente, pois o desenvolvimento daquela actividade implicará o uso de equipamen-
tos que podem constituir risco de incêndio ou de degradação do veículo,
O incumprimento dos deveres do locatário constitui violação do contrato
e tem como consequência a responsabilização do locatário nos termos gerais
(artigo 798.'), conferindo ao locador o direito de resolver o contrato (artigo 80 L',
n,' 2),
Nos termos do artigo 1047.º, o locador pode resolver o contrato tanto por via
judicial como extrajudiciaL
Em conclusão, podia Edmundo resolver imediatamente o contrato, por via
extrajudicial (por exemplo, através de cartaregistada com aviso de recepção), exi-
gindo a consequente restituição do veículo (artigo 433, '), não tendo que restituir
a renda a Felizardo, dado que nos contratos de execução continuada a resolução
não tem efeito retroactivo (artigo 434.º, n.? 2). E poderia ainda exigir uma indcm-
nização, nos termos gerais, caso o locatário tivesse causado danos 110 veiculo.

Ino
ARRENDAMENTO

CASO 1

Em 3 de Dezembro de 2012, Carlota deu de arrendamento a Daniela, um


apartamento, para habitação, pela renda mensal de 300 Euros. O contrato foi
reduzido a escrito mas as partes não convencionaram o seu prazo de duração.
Quid iuris?

RESOLUÇÃO

11M
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS ARRENDAMENTO

RESPOSTA CASO 2

Tendo as partes celebrado um arrendamento para habitação, podiam ter Em Janeiro de 2012, Carlota, casada em comunhão de adquiridos com Zefe-
adotado a modalidade temporal de contrato com prazo certo (regulada no artigo rino, deu de arrendamento a Dalila um apartamento que havia herdado de seus
1095.' e ss) ou de contrato de duração indeterminada (regulada no artigo 1099,' pais, O contrato foi celebrado pelo prazo de 5 anos, pela renda mensal de
e ss). 300 Euros e destinou-se a habitação de Dalila,
No caso concreto, como as partes não convencionaram a modalidade tempo- Zeferino apenas tomou conhecimento do contrato em Janeiro de 2013,
ral do contrato (prazo certo ou duração indeterminada), coloca-se a questão de Quid iuris?
saber como solucionar este problema já que todo e qualquer contrato de arren-
damento urbano deve revestir uma modalidade temporal, que determinará RESOLUÇÃO
certos aspetos do seu regime, nomeadamente os modos de extinção (oposição à
renovação ou denúncia).
A resposta encontra-se no n.? 3 do artigo 1094,' que fornece a regra supletiva
nos termos da qual o contrato se considera celebrado com prazo certo, pelo
período de dois anos,
Depois da entrada em vigor da Lei n,' 31/2012 (que introduziu significativas
alterações no Código Civil e a Lei n.? 6/2006), deixou de existir qualquer impo-
sição legal no sentido de o contrato de arrendamento para habitação com prazo
certo ter um prazo de duração inicial mínimo, As partes gozam, agora, de plena
liberdade para estabelecerem o prazo de duração inicial bem como de renovação
que entenderem, O único limite a essa liberdade é o que consta do n.? 2 do
artigo 1095,', do qual decorre que as partes não podem convencionar um período
de vigência inicial superior a 30 anos, Tal não significa, porém, que uma concreta
relação de arrendamento não possa vigorar por período muito superior, quando
resulte de sucessivas renovações do contrato. Apenas o convencionado período
de duração inicial não pode exceder aquele prazo,
O estabelecimento de um prazo de duração inicial (bem como do prazo de
renovação) mais curto ou mais longo irá determinar o prazo de pré-aviso
(correspondentemente mais curto ou mais longo) que tanto o senhorio como O
arrendatário terão de observar quando pretendam opor-se à renovação do
contrato (nos contratos com prazo certo, artigo 1097,' e 1098,') ou proceder à
sua denúncia (nos contratos de duração indeterminada, artigo l l Oü." eLl Ol ,").

Na hipótese de o arrendamento se destinar a fins não habitacionais e as partes


não convencionem a modalidade de duração do contrato, já não se aplica o n.? 3
do artigo 1094,', Nessa hipótese vale o n." 2 do artigo III O, º, considerando-se o
contrato celebrado com prazo certo por um período inicial de 5 anos,

lO!
ARRENDAMENTO
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA CASO 3

o caso concreto
coloca um problema de legitimidade para dar de arrenda- Em 1 de Dezembro de 2012, Celestino deu de arrendamento a Deolinda um
mento. Embora, nos termos do artigo 1024,', n,' 1, dar de arrendamento seja um apartamento, para habitação, pelo prazo de 3 anos e pela renda mensal de
ato de administração ordinária (exceto quando o prazo inicial do contrato for 400 Euros,
superior a 6 anos), existem, porém, disposições que estabelecem particularidades No dia 1 de Fevereiro de 2013, Deolinda viu um apartamento para arrendar,
de regime nessa matéria. Assim acontece no caso concreto, pois o artigo 1682.2-A, por um preço muito inferior ao que pagava e com uma localização mais conve-
~, alínea~, exige o consentimento de ambos os cônjuges (não casados em niente, pelo que pretende extinguir, de imediato, o arrendamento celebrado com
Separação de bens), para dar de arrendamento imóveis próprios ou comuns, Celestino,
A sanção para a violação desta norma encontra-se prevista no artigo ~º, Quid iuris?
sendo, assim, o contrato de arrendamento anulável. A legitimidade para invocar
a anulabilidade do negócio pertence a Zeferino, mas tem um regime próprio (que RESOLUÇÃO
se desvia do regime geral previsto no artigo 287.º), já que o prazo para invocar
tal invalidade é apenas de 6 meses a contar da data em que Zeferino teve conhe-
cimento do negócio (artigo 1687,', n.? 2), Todavia, Zeferino já não poderá exer-
cer esse direito se, à data em que teve conhecimento do negócio, já tiverem
passado 3 anos sobre a sua celebração, A invalidade do negócio fica, assim, sanada
pelo decurso do tempo, ficando o arrendatário protegido após o decurso do prazo
de 3 anos a contar da celebração do contrato.

I()(J 107
ARRENDAMENTO
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

que já tenha decorrido um terço do prazo de duração inicial, comunicando a sua


RESPOSTA
intenção ao senhorio com, pelo menos, 120 dias de antecedência em relação ao
momento em que pretende ª extinção do contrato dado que o prazo deste é
O caso coloca um problema de saber se o contrato pode ser extinto por ato
superior a um ano, como decorre do disposto no artigo 1098,·, n,· 3 a!. a), Assim, -1> 'H."\;;,,
de vontade unilateral de um dos contratantes, o arrendatário. Como decorre do
só no final de Novembro de 2013 pode o contrato ser denunciado, Todavia, caso tt.:.",,,
artigo 406.2, fl.º 1, em regra, os contratos só podem extinguir-se por mútuo con-
sentimento dos contraentes, a não ser que a lei forneça uma solução diferente.
Deolínda queira mudar de casa durante o mês de Fevereiro, antecipando o efeito ~;c..(:~;~o,n\
extintivo do contrato, terá aplicação o disposto no n." 6 do artigo 1098.', pelo que • 'I'. 'fi
No caso concreto, como se trata de um arrendamento para habitação, com
a arrendatária terá de pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período d<~."'. (
prazo certo, encontra-se na lei um regime próprio para a extinção deste tipo de
contrato por vontade unilateral de qualquer um dos contratantes. Este modo de de pré-aviso em falta,
O modo de comunicar ao locador que não pretende a renovação do contrato
extinção é a oposição à renovação do contrato, prevista no artigo 1097,' para o
ou pretende denuncia-lo é o previsto no artigo 9,', n.? I, da Lei n.? 6/2006, ou
senhorio e no artigo 1098,' para o arrendatário,
Caso nenhuma das partes exerça esse direito, o contrato renova-se automati- seja, carta registada com aviso de receção.
camente, no fim do prazo convencionado, nos termos do artigo 1096,',
O direito de oposição à renovação deve ser exercido com determinado prazo
de antecedência em relação ao momento em que se deva produzir a extinção do
contrato (o fim do prazo inicial ou de cada uma das renovações subsequentes).
Assim, o senhorio tem de exercer o seu direito (comunicando ao arrendatário
que não pretende a renovação do contrato) observando os prazos de antecedên-
cia previstos no artigo 1097.', que serão mais curtos ou mais longos conforme O
prazo do contrato em curso (inicial ou de renovação) seja mais curto ou mais
longo, O arrendatário também deve exercer o seu direito em termos semelhantes
(comunicando ao senhorio que não pretende a renovação do contrato) com a
antecedência concretamente adequada prevista no n." 1 do artigo 1098,',
Na hipótese concreta, caso Deolinda pretendesse exercer o seu direito de
oposição à renovação do contrato teria de comunicar a sua vontade ao senhorio
com, pelo menos, 90 dias de antecedência em relação à data em que se deveria
produzir o efeito extintivo, nos termos do artigo 1098º, n.' 1 a!. b) pois o prazo
de duração do contrato é superior a um ano mas inferior a seis anos. O contrato
extinguir-se-ia, assim, no final de Novembro de 2015.
Todavia, esta solução não interessa a Deolinda pois não pretende esperar até
essa data; pretende, sim, extinguir o contrato em Fevereiro de 2013,
Sendo assim, o modo de extinção do contrato que serve o concreto interesse
de Deolinda não será a oposição à renovação mas sim a "denúncia" do contrato,
prevista no n.? 3 do artigo 10982
Em rigor, o legislador não deveria usar a expressão "denúncia" nesta norma,
já que a denúncia é o modo de extinção próprio dos contratos de duração inde-
terminada (artigo 1100,' e artigo 1101.'), O termo mais rigoroso teria sido
"revogação unilateral" do contrato.
Continuando a analisar a solução do caso concreto, vemos que, nos termos do
artigo 1098,', n,' 3, Deolinda pode denunciar o contrato, a todo o 1('1111'0, desde

IOH
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS
ARRENDAMENTO

CASO 4
RESPOSTA

Em I de Agosto de 2006, Constança deu de arrendamento a Delfina o rés-


-do-chão de um ediflcío, para instalação de uma livraria, por tempo indeterminado
o caso concreto coloca a questão de saber como pode a senhoria extinguir,
por ato de vontade unilateral, um contrato de arrendamento celebrado por tempo
e pela renda mensal de 500 Euros. O contrato foi reduzido a escrito e Constança
indeterminado e para fim não habitacional.
autorizou Delfina a realizar no local as obras necessárias para O adaptar à atividade
de livraria. Este contrato foi celebrado já na vigência da Lei n.? 6/2006, pelo que os seus
possíveis modos de extinção são os previstos no Código Civil.
Atualmente Constança pretende extinguir o Contrato de arrendamento,
Quid iuris? Por se tratar de um arrendamento de duração indeterminada, o modo de
extinção do contrato por vontade unilateral de qualquer um dos sujeitos, por não
pretender a sua continuação (não havendo incumprimento atribuíve1 à contra-
RESOLUÇÃO
parte), é a denúncia. Sendo um arrendamento para fim não habitacional, nos
termos do artigo 1110', n.' I, as partes têm liberdade para fixar as regras respei-
tantes à denúncia do contrato, Caso não usem tal liberdade, aplicar-se-á, suple-
tivamente, o disposto quanto ao arrendamento para habitação,
Como no caso concreto as partes não convencionaram prazos para o exercício
do direito de denúncia da senhoria, deverá ser tomado em consideração o disposto
no artigo 1101.',
No n' I do artigo 1101.' encontram-se previstas duas hipóteses de denúncia
justificada: alínea a) necessidade de habitação do senhorio ou de um filho; alí-
nea b) pretender o senhorio demolir O imóvel ou nele realizar obras de remode-
lação ou restauro profundos.
Além destas duas hipóteses de denúncia justificada, na alínea c) do
artigo 1101.' encontra-se prevista uma hipótese de denúncia livre (sem necessi-
dade de indicação de qualquer fundamento) por parte do senhorio.
Esta denúncia é feita mediante carta registada com aviso de receção (nos
termos do artigo 9,' da Lei n.? 6/2006), devendo o senhorio comunicar a sua
vontade ao arrendatário com, pelo menos, 2 anos de antecedência em relação ao
momento em que se deva produzir o efeito extintivo. A denúncia livre seria, assim,
a via mais adequada para a extinção do contrato no caso concreto, pois ainda que
o senhorio tivesse fundamentos para invocar alguma das hipóteses de denúncia
motivada, teria de indemnizar o arrendatário em montante equivalente a um ano
dc renda (artígo l Iüê.s, n.? I e artigo 11 03', n.' 6,').
[É de notar que a denúncia livre, prevista na alínea c) do artigo 1101.' não
pode ser invocada, em princípio, pelo senhorio nos arrendamentos celebrados
antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.' 257/95, por força do disposto no
artigo 28', n'Zda Lei n.v 6/2006. Em princípio, o senhorio só poderá denunciar
esses arrendamentos caso se verifiquem os pressupostos de algumas das hipóte-
ses dc denúncia Justificada, previstas nas alínea a) e b) do artigo 1101.'. Todavia,
Caso o nrrcndnuirlo trespasse o estabelecimento comercial ou se verifique alguma
dus demais hlpótcs('S p,'('vl'ln, nns ulíncas a) c b) do n,' ~Io artigo 28,', O senhorio
• 'I
ttO
111
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS
ARRENDAMENTO

passa a ter o direito de livre denúncia, devendo respeitar um prazo de pré-aviso CASOS
de, pelo menos, 5 anos em relação ao momento em que o efeito extintivo deva
produzir-se]. Em 1 de Setembro de 2006, Cremilde deu de arrendamento a Demétrio um
Resta ainda considerar, no caso concreto, O facto de a senhoria ter autorizado apartamento para habitação, com duração indeterminada e pela renda mensal
a arrendatária a fazer obras no local arrendado. Assim, nos termos do artigo 1074,', de 400 Euros, Demétrio era viúvo e com ele passaram a viver a sua sogra Ermelinda
n. Q 5, à data da extinção do contrato, a arrendatária tem direito a ser compensada e os seus sobrinhos Francisco e Gonçalo,
pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por No dia 1 de Fevereiro de 2013, morreu Demétrio e tanto a sua sogra como os
possuidor de boa fé, já que no contrato as partes não excluíram este direito da seus sobrinhos estão interessados em assumir a posição do arrendatário.
arrendatária. 1. s Questão - Diga se o arrendamento se extingue ou se o direito se transmite
a alguma das pessoas que viviam com Demétrio,
2. e Questão - A resposta seria a mesma caso o arrendamento tivesse sido
celebrado em Setembro de 200S?

RESOLUÇÃO

112
11,1
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS ARRENDAMENTO

RESPOSTA 2,' Questão


Caso o arrendamento tivesse sido celebrado em Setembro de 2005, ou seja,
l.·Questão antes da entrada em vigor da Lei n.? 6/2006, e ocorrendo a morte do arrendatá-
Coloca-se, no caso concreto, a questão de saber que consequências contratu- rio no presente momento, não teria aplicação o artigo 1106.º do CC, mas sim o
ais resultam da morte do arrendatário no arrendamento habitacional. Trata-se artigo 57,' da Lein' 6/2006 (com a redação que lhe foi dada pela Lei n.? 31/2012),
de apurar se a morte do arrendatário conduz à extinção do contrato, por caduci- Nos termos desta norma, o arrendamento não poderá transmitir-se nem para
dade, ou se o contrato sofre uma modificação subjetiva por via mortis causa, a sogra nem para os sobrinhos do arrendatário, já que estas categorias de pessoas
traduzida na substituição do arrendatário por alguma das pessoas que com ele não estão contempladas nas diversas alíneas do artigo 57º da Lei n.? 6/2006,
viviam. Consequentemente, o arrendamento caduca por morte do arrendatário e as
Trata-se de um arrendamento para habitação celebrado depois da entrada em pessoas que com ele viviam têm o prazo de seis meses para desocuparem a casa
vigor da Lei n.? 6/2006, pelo que a norma aplicável é o artigo 1106,º (com a (artigo 1053').
redação que lhe foi dada pela Lei n." 31/2012), Decorre desta norma que, em
regra, a morte do arrendatário, conduz à caducidade do contrato, em sintonia
com a regra geral da locação prevista no artigo 105l,2, alínea d). Porém, o contrato
não caduca se com O arrendatário vivia alguma das pessoas apontadas nas alí-
neas a) e b) do artigo 1106º.
No caso concreto, supondo que a sogra e os dois sobrinhos do arrendatário
viviam com ele em economia comum há mais de um ano e viviam há mais de
um ano no local arrendado (relativamente ao momento em que o arrendatário
morre), todas estas pessoas se encontram na classe de potenciais beneficiários
da transmissão da posição contratual do arrendatário, prevista na alínea b) do
artigo 11 06, º,
Todavia, como todos os sujeitos estão interessados em assumir aquela posição
contratual, é necessário atender a um critério de individualização do efetivo
beneficiário daquela transferência, já que a lei não autoriza a transferência plural
do direito para todos os interessados em simultâneo. Assim, nos termos do n.? 3
do artigo 11 06, º, a posição do arrendatário será transmitida para Ermelínda, já
que tem prioridade o parente ou afim mais próximo. No caso de esta não preten-
der assumir a posição de arrendatária o arrendamento transmitir-se-ia para o
sobrinho mais velho, dado que ambos os sobrinhos se encontram em idêntico
grau de proximidade.
Na hipótese de aquelas pessoas viverem com o arrendatário há menos de um
ano no local arrendado, o arrendamento caducaria e o imóvel teria de ser resti-
tuído no prazo de 6 meses, como decorre do artigo 1053º.
A Lei n.? 31/2012 veio acrescentar o n,' 4 do artigo 1106.º do qual resulta
que, ainda que em concreto exista alguém em condições de poder suceder na
posição do arrendatário, a transmissão não se verificará caso essa pessoa tenha
uma alternativa de alojamento no mesmo concelho ou também em concelhos
limítrofes quando se trate de Lisboa ou Porto,
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS ARRENDAMENTO

CASO 6 RESPOSTA

Em Janeiro de 2009, Ludovina, proprietária de um apartamento, deu-o de o caso concreto suscita o problema de saber se Margarida violou os seus
arrendamento a Margarida, para habitação, pelo prazo de 5 anos, pela renda deveres de arrendatária e se, consequentemente, Ludovina pode invocar a reso-
mensal de 300 Euros. lução do contrato,
Em Agosto de 2010, Margarida foi trabalhar para Macau (aí permanecendo Supondo que o contrato não enferma de qualquer vício substancial, e que
até ao presente) e permitiu que, na sua ausência, a sua amiga Zélia passasse a também é formalmente válido (supondo que foi reduzido a escrito como deter-
viver no apartamento gratuitamente. Zélia é baterista de um grupo musical e usa mina o artigo 1069.º), dele emergem, para ambos os contratantes, determinados
O apartamento para ensaios musicais, sobretudo à noite. direitos e deveres.
- Supondo que, atualmente, Ludovina toma conhecimento destes factos, terá Na fixação do âmbito legal dos deveres da arrendatária deveremos atender
algum fundamento para extinguir o contrato? tanto ao disposto no artigo 1038.', sobre as obrigações do locatário em geral,
como ao disposto nos artigos 1071.' e ss (normas específicas do arrendamento
RESOLUÇÃO de prédios urbanos),
Começando por analisar o facto de a arrendatária se ter ausentado do local
arrendado em Agosto de 2010 e de ter permitido que a sua amiga Zélia aí passasse
a viver, vamos convocar a aplicação do artigo 1072.º, que impõe ao arrendatário
O dever de uso efetivo do local arrendado. Assim, como Margarida tomou aquele
Imóvelde arrendamento para sua habitação permanente, tinha o dever de efetiva-
mente aí viver, não deixando de o usar para este fim por prazo superior a um ano.
Margarida está, aparentemente, a violar este dever porque não vive no local
arrendado há mais de um ano.
Todavia, o n.? 2 do artigo 1072.º estabelece algumas exceções, nos termos das
quais o não uso do imóvel por mais de um ano não constitui infração contratual.
Como a ausência da arrendatária não é motivada por caso de força maior ou
doença, não tem aqui aplicação o disposto na alínea a) daquele número; e ainda
que ela tivesse ido para Macau no cumprimento de deveres profissionais, tal
ausência já perdura há mais de 2 anos, pelo que também não cabe na hipótese da
alínea b).
Resta considerar a hipótese prevista na alínea c), já que a utilização do imóvel
foi mantida por Zélia, Resta, então, saber se Zélia tinha direito de usar o locado
e desde quando O fazia,
Para saber se Zélia tinha ou não esse direito, há que ter em conta as disposições
específicas do arrendamento para habitação, Assim, nos termos do artigo 1093.',
n.' 1, podem residir no local arrendado todas as pessoas que vivam com o arren-
datário em economia comum.
No caso concreto, Zélia passou a viver no local arrendado quando Margarida
se ausentou para Macau, pelo que, a essa data, não viviam em economia comum.
Acresce que, para ter aplicação a exceção prevista na alínea c) do n.? 2 do artigo
1072,' era ainda neccss~rlo que," data em que Margarida vai para Macau, já Zélia
vivesse no local "' ""Hindu, ,'111 economia comum, há mais de um ano,

111, li'
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRATICOS RESOLVIDOS ARRENDAMENTO

Conclui-se, assim, que existe violação do dever de uso efetivo do local CASO 7
arrendado,
Por outro lado, como Zélia não vivia em economia comum com a arrendatária, Em Janeiro de 2010, Raimundo deu de arrendamento a Salomé uma moradia
existe também violação do disposto na alínea f) do artigo 1038.·, pois conclui-se para habitação, pelo prazo de 5 anos e pela renda mensal de 700 Euros.
que Margarida cedeu o gozo do local arrendado a Zélia, por meio de comodato, Em Setembro de 20 ll, Salomé passou a dar hospedagem a três estudantes
sem consentimento da senhoria. universitários e, em Janeiro de 2012, passou a desenvolver no local arrendado a
Ainda que, por mera hipótese, Zélia tivesse direito de viver no local arrendado, atividade de confeção de doces e sobremesas, que vende para cafés e restaurantes,
sempre haveria violação do disposto na alínea(t:»do artigo 1038,', já que o local empregando dois assalariados nessa atividade,
arrendado estava a ser usado de forma imprudente por Zélia, que aí realizava os l.! Questão - Supondo que Raimundo, atualmente, toma conhecimento
seus ensaios de bateria. Embora, literalmente, o artigo 1038.' fale em obrigações destes factos, terá algum fundamento para extinguir o contrato?
do locatário, estas obrigações estendem-se também a todas as pessoas que vivem 2.' Questão - Supondo que não se verificava a hipótese da questão anterior e
no local arrendado (tratando-se de arrendamento para habitação), Os ensaios de que, em Dezembro de 2012, Raimundo vendeu o imóvel a Zacarias, que direitos
bateria, pelo inerente ruído, constituiriam também uma violação dos limites assistiriam a Salomé?
impostos pelas relações de vizinhança, previstos no artigo 1071.',
Vejamos, agora, em que medida estas violações contratuais podem constituir RESOLUÇÃO
fundamento de resolução do contrato face ao previsto no artigo 1083,·, n." 2,
Nos termos desta norma, é fundamento de resolução o íncumprímento que,
pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção
do arrendamento, Esta cláusula geral é exemplificada, quanto à resolução pelo
senhorio, com as hipóteses previstas nas cinco alíneas do nº 2 do artigo 1083'.
Nos termos da alínea d) deste número, constitui fundamento de resolução o
não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.2 2 do
artigo 1072.2. Vimos já que, no caso concreto, não se verifica nenhuma destas
exceções, pelo que se conclui que existe fundamento de resolução.
Por outro lado, o facto de arrendatária ter cedido o gozo do imóvel à sua amiga
Zélia, sem que a lei tal lhe permitisse e sem que a senhoria a tivesse autorizado,
constitui, igualmente, fundamento de resolução, nos termos da alínea e) do n,' 2
do artigo 1083'.
Caso estes fundamentos não existissem, poderia ainda, eventualmente, haver
fundamento de resolução por violação das regras de sossego, dado que Zélia usava
o local para ensaios de bateria, desde que tal violação, pela sua gravidade, tornasse
inexigível ao senhorio a manutenção do contrato de arrendamento.
Tendo fundamento para invocar a resolução do contrato, como deverá o
senhorio exercer esse direito?
Decorre do n.? 1 do artigo 1084,', que a resolução, tendo como fundamento
aquelas hipóteses, é decretada nos termos da lei de processo, O meio processual
adequado é a ação de despejo, prevista no artigo 14,' da Lei n.? 6/2006, tendo a
senhoria o prazo de um ano para propor essa ação (nos termos do artigo 1085,·),

li" 11IJ
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS ARRENDAMENTO

RESPOSTA Assim, no caso concreto, se do contrato não consta uma cláusula a excluir a pos-
sibilidade de o local arrendado ser também usado para o desenvolvimento de
L'Questão qualquer indústria doméstica, não existirá por parte da arrendatária qualquer
A primeira questão em análise suscita o problema de saber se Salomé violou violação dos seus deveres,
os seus deveres de arrendatária e quais as respetivas consequências, nomeada- Em resumo, se o contrato não contivesse cláusulas que excluíssem quer a
mente se, com base nos factos praticados, a senhoria poderá invocar a resolução indústria doméstica, quer a hospedagem, nenhuma infração contratual teria sido
do contrato. cometida pela arrendatária,
Trata-se de um arrendamento para habitação com prazo certo, com a duração Pelo contrário, sendo convencionalmente excluída a hospedagem, haveria
inicial de cinco anos. Supondo que foi observada a forma legal, como exige o violação do dever previsto na alínea f) do artigo 1038.', o que relevaria para
artigo 1069,', e que não existe qualquer vicio substantivo na formação do negó- efeitos de resolução do contrato por iniciativa do senhorio, sendo convocada a
cio jurídico, para ambas as partes nascem determinados direitos e deveres, quer aplicação do artigo 1083.', n.? 2, alínea e),
decorrentes do estatuto legal do contrato, quer da vontade das partes expressa De igual modo, se tivesse sido excluída a indústria doméstica, a arrendatária
nas cláusulas desse contrato. estaria a violar o dever que lhe era imposto pelo artigo 1038.', alínea c), o que
Analisemos a questão de saber se Salomé podia dar hospedagem a três estu- poderia constituir fundamento de resolução nos termos do artigo 1083,', n." 2,
dantes universitários. Entre as obrigações que o artigo 1038,' impõe ao locatário, alínea c),
encontra-se, na sua alínea f), a obrigação de não proporcionar a outrem o gozo, Em ambas as hipóteses deverá o julgador concluir que, face às circunstâncias
total ou parcial, da coisa locada, a não ser que a lei o permita ou o locador o do caso concreto, o comportamento de arrendatário é grave ou tem tais conse-
autorize. quências que não será exigível ao senhorio manter aquele contrato até ao fim do
Como se trata de um arrendamento para habitação, nas disposições especiais prazo convencionado.
destinadas a esta modalidade encontra-se o artigo 1093.', n.? 1, alínea b) que Em ambas as hipóteses o senhorio deverá invocar a resolução por via judicial,
permite que com o arrendatário residam até três hóspedes. como dispõe o artigo 1084.', n.? 1, socorrendo-se da ação de despejo, prevista no
O hóspede não deve ser confundido com O subarrendatário parcial, pois a artig014,'daLein,'6j2006.-I lD&S{lc &.\...o elo f~"" .k { or,o
S'.._~ \"'" ÓI ....c.\.v...;,dc:... "l ...
hospedagem é um contrato misto, no qual, para além de ser proporcionado o
gozo do imóvel, são também prestados serviços (como, por exemplo, de limpeza 2,'Questão
do local) ou são fornecidas refeições, como decorre do n.? 3 do artigo 1093,', Trata-se, nesta questão, de saber se a arrendatária tinha direito de preferência
Todavia, tal permissão legal pode ser afastada mediante cláusula em contrário, da aquisição do local arrendado,
Assim, caso do contrato não conste uma cláusula que afaste a possibilidade de a Como Salomé já vivia no local arrendado há mais de três anos, já tinha adqui-
arrendatária dar hospedagem, o facto de com Salomé viverem os três hóspedes rido direito de preferência, nos termos do artigo 1091.', n.? 1, alínea a).
não constitui qualquer violação dos seus deveres de arrendatária. Para que Salomé pudesse exercer este direito, o senhorio deveria ter-lhe
Quanto ao facto de a arrendatária desenvolver no local arrendado a atividade comunicado o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato, como deter-
de confeção de doces e sobremesas que vende para cafés e restaurantes, empre- mina o artigo 416,' (aqui aplicável ex vi artigo 1091.', n." 4).
gando dois assalariados nessa atividade, suscita-se, numa primeira análise, a ques- Como Raimundo violou esse dever, e Salomé é titular de uma preferência
tão de saber se existe violação do dever imposto ao locatário pelo artigo 1038,', legal, poderá recorrer à ação de preferência, prevista no artigo 1410,',
alínea c), de não aplicar a coisa a fim diverso daquele a que ela se destina. Assim,
se o local é destinado a habitação, exercer nele aquela atividade parece configurar
um desvio de fim,
Todavia, o artigo 1092.º (que se encontra entre as normas especiais do arren-
damento para habitação) permite o exercício de indústria doméstica no local
arrendado, podendo essa atividade ocupar até três auxiliares assalnríados. Esta
permissão legal pode, porém, ser afastada mediante convenção el11 contrário,

IJI
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS ARRENDAMENTO

CASO 8 (Novo) RESPOSTA

Em janeiro de 2012, Ramiro deu de arrendamento a Sérgio um apartamento, A hipótese em análise suscita o problema de saber quais as consequências do
para habitação, pela renda mensal de 500 Euros. comportamento do arrendatário (que não cumpre O seu dever principal de pagar
Sérgio não pagou as rendas dos últimos dois meses, alegando ter ficado desem- a renda mas pretende manter o gozo do imóvel) e quais os meios facultados ao
pregado e não ter meios económicos para efetuar esse pagamento, mas recusa senhorio para reagir contra esse comportamento.
desocupar o local arrendado. A disciplina legal desta problemática foi significativamente alterada pela Lei
Quid iuris? n,' 31/2012, tanto em matéria de direito substantivo como de direito processual
(tendo imediata aplicação às relações já constituídas antes da sua entrada em
RESOLUÇÃO vigor, ex vi do artigo 12,', n,' 2 do Código Civil).
A falta de pagamento das rendas constitui violação do dever principal do
arrendatário, previsto no artigo 1038.', alínea a),
Se no prazo de 8 dias, após entrar em mora, o arrendatário pagar a renda, acres-
cida de 50~ do valor em atraso, cessam as consequências do seu incumprimento,
como decorre do disposto no artigo 1041.', n' 1 e n,' 2. Caso o senhorio se recuse
a receber estes montantes, pode o arrendatário proceder à consignação em depó-
sito, junto de uma instituição bancária, como lhe permite o artigo 1042,·, n' 2.
No caso concreto, como a mora da arrendatária dura já há dois meses, é ine-
xigível ao senhorio a manutenção do contrato, podendo, portanto, invocar a sua
resolução nos termos do artigo 1083.', n.? 3 (com a nova redação dada pela Lei
n.' 31/2012),
Nesta hipótese, o senhorio pode invocar a resolução do contrato por viaEili]-
judicial, nos termos do artigo 1084,', n.? 2. O modo de operar encontra-se previsto
no artigo 9.', n." 7, da Lei n,' 6/2006, podendo traduzir-se numa notificação
avulsa; num contacto p~ss~aldo arrendatário, levada a cabo por um advogado,
solicitador ou solicitador de execução, devendo O arrendatário notificado assinar
o documento que lhe é entregue; ou numa carta registada com aviso de receção,
quando exista expressa convenção de domicílio.
Nas hipóteses de notificação avulsa ou de contacto pessoal, caso o arrenda-
tário se recuse a receber ou assinar os documentos que lhe são apresentados, o
sujeito incumbido de efetivar a comunicação do senhorio lavra nota do incidente
c a comunicação presume-se efetuada nesse dia. Não conseguindo aquele sujeito
localizar o arrendatário (nomeadamente quando este abandonou o local arren-
dado), a comunicação do senhorio passa a poder ser enviada através de carta
rcgtstada com aviso de receção, decorridos 30 a 60 dias sobre a data em que não
101 possível localizar o arrendatário (salvaguardando-se, assim, a hipótese de O
.irrcndarárto se encontrar ausente em férias). Estas soluções foram introduzidas
pela Lei n' 31/2012, que acrescentou o n.' 5 do artigo 10.' da Lei n' 6/2006.
Todavia, mesmo após a Invocação extrajudicial da resolução do contrato, ao
ut rcndmárro ainda ~ (lll'l 01I111111
n possibilidade de pagar as rendas em atraso, no

1).1
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTiCOS RESOLVIDOS ARRENDAMENTO

prazo de um mês seguinte à notificação, como permite o artigo 1084,', n,' 3, onde será realizada audiência de julgamento e proferida sentença que apreciará
ficando, assim, sem efeito a resolução do contrato, Esta faculdade do arrendatário a pretensão do arrendatário.
é, porém, írrepetível, pois nos termos do n,' 4 do artigo 1084,' (com a redação No caso concreto, como o arrendatário alega carência de meios para pagar a
dada pela Lei n." 31/2012), só pode ser usada uma única vez em cada contrato renda, poderia pedir o diferimento do despejo, nos termos do artigo 15,'-N, n.? 2,
em concreto. alínea a), podendo a desocupação vir a ser adiada pelo prazo máximo de 5 meses
Tem também aplicação nesta hipótese o disposto no artigo lQ1l,', n.? 1, (artigo 15.'-0, n,' 4,') e sendo a renda paga, durante esse tempo, pela Segurança
devendo o arrendatário pagar ainda 50% do valor em mora para que a pretensão Social (vd. artigo 15,'-N, n.? 3).
resolutiva do senhorio seja efetivamente neutralizada, Na hipótese de o arrendatário não ter deduzido oposição à pretensão do
Assim, se o arrendatário pagar o valor das rendas em atraso acrescido de 50%, senhorio, dentro do prazo de 15 dias, ou na hipótese de essa oposição ter sido
dentro do prazo de um mês a contar da notificação do senhorio, fica sem efeito a considerada improcedente (em fase judicial), passa a existir título para imediata
pretensão resolutiva do senhorio (desde que nunca tenha feito uso dessa facul- desocupação do local arrendado (vd.artigo 15,'- E e 15.'- J), que será levada a cabo
dade relativamente ao concreto contrato de arrendamento em vigor), pelo que por um agente de execução ou por um notário (ou ainda por um oficial de justiça,
a relação de arrendamento seguirá o seu curso normal. na falta dos anteriores), inicialmente designado pelo senhorio ou designado de
Caso o arrendatário !!!Q. proceda ao pagamento destes montantes, dentro modo automático pelo BNA (nos termos do artigo 22,' da Portaria n,º 9/2013),
do prazo de um mês, o contrato considera-se resolvido, devendo o arrendatário Se o local a desocupar constituir domicílio do arrendatário, o sujeito respon-
~r O imóvel, no prazo de um mês a contar da resolução, como dispõe o sável pela execução do despejo terá de ter autorização judicial para entrar nesse
artigo !.QllL' (com a redação dada pela Lei n." 31/2012), local, socorrendo-se, eventualmente, do auxílio das forças policiais (nos termos
~ havendo restituição voluntária do imóvel dentro desse prazo, o senho- do artigo 15,'-L e 15,'-J, n,' 3),
rio terá de recorrer ao .Erocedimento Especial de ~espejo (criado pela Lei
n.? 31/2012) para alcançar a efetiva desocupação do local arrendado, dado que,
nos termos do artigo 15,', n." 2, aI. e) da Lei n.? 6/2006 (com a redação dada pela
Lei n,' 31/2012), tem um titulo especifico para recorrer a esse meio processual.
Para usar o Procedimento Especial de Despejo (abreviadamente PED) o
senhorio deverá dirigir-se ao Balcão Nacional do Arrendamento (abreviada-
mente BNA), previsto no artigo 15,'bem como nos artigos 15.'-A a 15,'-5 da Lei
n.? 6/2006, com a redação dada pela Lei n,' 31/2012 (instalado pelo Decreto-
-Lei n." 1/2013 e regulamentado pela Portaria n.' 9/2013), não necessitando de
patrocínio judiciário (pelo menos nesta fase) .
Apresentado o requerimento de despejo, com observância de todos os requi-
sitos previstos no artigo 15,'-B, o BNA procede de imediato à notificação do
arrendatário (nos termos do artigo 15.'-0) para, no prazo de 15 dias, desocupar
o local arrendado ou para se defender, apresentando oposição à pretensão do
senhorio (nos termos do artigo 15.'-F a 15,'-1) ou, tratando-se de arrendamento
para habitação, pedindo o diferimento da desocupação do local por razões sociais
atendíveis (nos termos do artigo 15,'-N e 15,º-0),
Tanto na hipótese de apresentar oposição à pretensão do senhorio como na
hipótese de pedir o diferimento da desocupação do local arrendado, o arrcn-
datário tem de se fazer representar por advogado (artigo 15,'-5, n,' 3 e n' 4),
pois o BNA terá de apresentar os autos a distribuição no tribunal da situação do
local arrendado (artigo 15.'-5 n,' 6 e n,' 7), seguindo-se, nsslm, umn fase judicial

Il.~
CONTRATOS CrVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS ARRENDAMENTO

CASO 9 RESPOSTA

Em Setembro de 2009, Teodoro deu de arrendamento a Vitalino o rés-do-chão l.'Questão


de um prédio, para instalação de um restaurante, com duração indeterminada e Nesta questão coloca-se, em primeiro lugar, o problema de saber se as obras
pela renda mensal de 1000 Euros. realizadas por Vitalino podem constituir uma infração contratual e, consequen-
Em Janeiro de 2010, Vitalino fez obras no local arrendado, construindo uma temente, fundamento de resolucão pelo senhorio.
rampa de acesso e uma casa de banho para pessoas portadoras de deficiência O contrato de arrendamento em análise destina-se a fim não habitacional,
física, dando cumprimento a uma exigência de uma autoridade administrativa pelo que a sua disciplina legal será integrada pelas disposições especiais previstas
que fiscalizou o restaurante. nos artigos 1108· a 1113.', bem como pelas disposições gerais do arrendamento
Recentemente, Teodoro ficou a saber que Vitalino está em negociações com de prédios urbanos e pelas normas gerais da locação.
Xavier, que lhe pretende adquirir o restaurante e tornar-se arrendatário daquele A realização de obras no imóvel, sem autorização do senhorio, constituirá, em
local. regra, violação da obrigação prevista no artigo 1038,' alínea d), de não fazer uma
L' Questão - Tomando conhecimento destes factos, terá Teodoro algum utilização imprudente da coisa locada,
fundamento para extinguir o contrato? , Nas normas gerais do arrendamento de prédios urbanos, o artigo 1074.', n· 2
~"\.sdQ 2,' Questão - Supondo que o contrato de arrendamento tinha sido celebrado diz que o arrendatário apenas pode executar obras quando o contrato o faculte
:DL 2 <;~/qS, <J- em 1990, ao abrigo do regime geral vigente, que consequências jurídicas resul- ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio,
~D ~4. tariam do facto de Vitalino trespassar o restaurante a Xavier, incluindo o direito No caso concreto, o arrendatário não pediu qualquer autorização ao loca-
~ ao arrendamento nesse negócio? dor para realizar aquelas obras, pois o locador nem sabia que elas tinham sido
~r""'''''o
~,,~ 1\0""'(,\
3' Questão - Supondo que o arrendamento tinha sido celebrado em 1990, realizadas. Todavia, não se pode daqui concluir que exista fundamento para
o senhorio invocar a resolução do contrato, pois o artigo 1111. º, n. º 2, como
tM,.....
..;h:),,\o. ~ que consequências se verificariam, caso morresse Vitalino?
norma especialmente aplicável aos arrendamentos para fins não habitacionais,
"''O'''''
..,,-,
~I,
I;.l.."~t\>'c",, e.o RESOLUÇÃO autoriza o arrendatário a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo
fim do contrato,
Consideremos, agora, o segundo problema da I' questão, ou seja, o de saber
se o arrendatário pode transmitir o seu estabelecimento a Xavier com inclusão
do direito ao arrendamento, sem necessidade do consentimento do senhorio.
A resposta, afirmativa, encontra-se no artigo 1112.º, n.? 1. Assim, havendo
trespasse do estabelecimento comercial que se encontra instalado no local arren-
dado, pode ser transmitida a posição de arrendatário ao adquirente do estabele-
cimento, sem necessidade do consentimento do senhorio.
Todavia, caso não tenha existido convenção em contrário, o senhorio tem
direito de preferência na aquisição do estabelecimento comercial, como estabe-
lcce o n. 4 do artigo 1112,', O arrendatário tinha, assim, o dever de comunicar
Q

:10 senhorio o projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato, dando cum-

primento ao disposto no artigo .±l§.,


Caso o arrendatário trespasse o estabelecimento a Xavier, com cedêncía do
direito ao arrendamento, sem ter informado o senhorio para que este pudesse
exercer aquele direito, pode o senhorio propor ação de preferência, prevista no
urtlgo L41O,',

In
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS ARRENDAMENTO

2.' Questão CASO 10 (Novo)


A segunda questãQ respeita a um a~endamento celebrado antes da entrada
Ou t."!:(,(O<' "'::01_ ""~~
em vigor do NRAU, concretamente em 990, destinado a comércio, e celebrado Em janeiro de 1980, Zacarias deu de arrendamento a Anastácia um aparta-
ao abrigo do regime geral então vigente, ° denominado "regime vínculístíço", mento para habitação,
A disciplina legal dos arrendamentos "antigos" que ainda subsistem encon- Atualmente, Anastácia paga 40 Euros de renda, tem 66 anos de idade, é
tra-se, parcialmente, no regime transitório, ou seja, as pormas previstas nos reformada e tem como único rendimento uma pensão de 490 Euros mensais,
artigos 26.' e seguintes da Lei n,' 6/2006, 2-811> ( •• 2)' ~tli".v • M)"'" I. UAA") Zacarias pretende atualizar a renda para 300 Euros mensais. Como deverá
No n." 4 deste artigo 26,' estabelece a correspondência entre o regime ao proceder?
abrigo do qual o contrato foi celebrado (o regime vinculístico) e as atuais moda-
lídades temporais do contrato de arrendamento, determinando que lhe sejam RESOLUÇÃO
aplicadas as regras dos contratos de duração indeterminada, naquilo em que não
exista disposição específica.
Uma das disposições específicas destes arrendamentos mais significativa é a
que se encontra no n.º 2 do artigo 28.º, ou seja, a norma que não permite ao
senhorio denunciar livremente o contrato nos termos do artigo 1101.º, alínea c).
Todavia, esta especificidade de regime deixa de ser verificar, nos arrendamen-
tos para fins não habitacionais, quando ocorra trespasse do estabelecimento
comercial instalado no local arrendado, como estabelece o n.? 3 do artigo 28,',
Assim, caso Vitalino, atualmente, trespasse o restaurante a Xavier, pode fazê-lo
sem necessidade do consentimento do senhorio (porque também se aplica o
artigo 1112,' aos arrendamentos antigos), mas o arrendatário perde a estabili-
dade que lhe era conferida pela manutenção do antigo regime. O senhorio pode,
assim, após O trespasse, denunciar o arrendamento, nos termos do artigo 1101.2,
alínea c), com um pré-aviso de cinco anos.

3,' Questão
Nesta questão continuamos a considerar a hipótese de o arrendamento ser
antigo, Já vimos, na resposta à questão anterior, qual o regime que lhe corresponde.
O concreto problema em análise é o de saber quais as consequências da morte
do arrendatário num arrendamento "antigo" para fim não habitacional.
A resposta a esta questão encorítra-se no artigo 58' do regime transitório,
Nos termos desta norma, aqueles arrendamentos, em regra, caducam com a morte
do arrendatário, "salvo existindo sucessor que, há mais de três anos, explore, em
comum com o primitivo arrendatário, estabelecimento a funcionar no local".
Assim, no caso concreto, supondo que não se verificaria esta exceção, o arren-
damento caducaria por morte de Vitalino.
Trata-se de uma solução legal de sentido oposto àquela que se encontra consa-
grada no artigo 1113' para os novos arrendamentos, nos quais a morte do arrenda-
tário, num arrendamento para fins não habitacionais, não tem como consequêncía
a caducidade do contrato. O direito transmite-se sempre aos seus sucessores,
os quais, não pretendendo continuar o arrendamento, tl ele podem renunciar.

12N 129
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS ARRENDAMENTO

RESPOSTA ao artigo 30,' e seguintes da Lei n.? 6/2006, No atual modelo, o senhorio tem a
faculdade de propor ao arrendatário o aumento de renda que livremente enten-
A hipótese em análise suscita a questão de saber se o senhorio pode exigir um der, enviando-lhe carta registada com aviso de receção (artigo 9,', n.' 1 da Lei
aumento de renda, introduzindo, assim, uma modificação objetiva do contrato n.? 6/2006) contendo os documentos referido no artigo 30,', podendo também
por ato de vontade unilateral. propor a passagem do contrato para o novo regime dos contratos a prazo ou de
Embora do artigo 406,', n." 1 do Código Civil resulte a regra de que os con- duração indeterminada (o que lhe conferirá o direito de posteriormente se opor
tratos só podem modificar-se por acordo das partes, a disciplina legal do arren- à renovação do contrato ou proceder à sua livre denúncia). O arrendatário tem
damento urbano consagra exceções a essa regra, suprindo a ausência de acordo o prazo de 30 dias para responder, aceitando ou não a proposta do senhorio ou
das partes em matéria de alterações da renda inicialmente convencionada, fazendo uma contraproposta (nos termos do artigo 31.').
Tratando-se de um contrato tipicamente duradouro, é expectável que o decurso Caso o arrendatário não aceite a proposta do senhorio, este pode agora denun-
do tempo conduza a uma desvalorização relativa do montante da renda estipulado ciar o contrato, nos termos do artigo 33.º, n,? 5.º, aI.a), pagando ao arrendatário uma
no momento da celebração do contrato, Esta hipótese encontra-se prevista no n,? 2 indemnização correspondente a 5 anos de renda (tendo por base o valor médio das
do artigo 1077,' do CC, que permite ao senhorio exigir ao arrendatário um aumento propostas apresentadas pelo senhorio e pelo arrendatário ). Todavia, esta solução
anual da renda segundo os coeficientes de atualização anualmente publicados. não terá aplicação se o arrendatário, na sua resposta, informar O senhorio de que
Todavia, a aplicação desta regra a contratos antigos, como o do caso concreto, se encontra em alguma das situações em que a lei lhe confere particular proteção,
não permite, por si só a atualização de rendas que se encontram muito abaixo por ter idade igualou superior a 65 anos ou deficiência com grau de incapacidade
dos atuais valores de mercado, O facto de estes contratos antigos terem ren- inferior a 60% (artigo 36') ou ainda por ter baixos rendimentos (artigo 35,'),
das baixas é justificado por razões históricas que se traduzem na existência de o que deverá ser documentalmente comprovado (nos termos do artigo 32,'),
legislação muito protetora do arrendatário (e particularmente do arrendatário No caso concreto, Anastácia é uma arrendatária protegida, pois tem 66 anos e
habitacional), pois até 1990 (com a entrada em vigor do RAU aprovado pelo o seu rendimento mensal é apenas de 490 Euros. O senhorio não poderá denun-
Decreto-Lei n.? 321-B/90) só existia uma modalidade temporal de contratos de ciar o contrato mediante o pagamento de uma indemnização, como decorre do
arrendamento (denominados doutrinalmente como contratos "vinculísticos"), disposto no artigo 36,', n.? 6,
nos quais o senhorio não tinha o direito de denunciar livremente o contrato, pelo Supondo que Anastácia não pretende pagar a renda mensal de 300 Euros,
que tais contratos tendiam a durar, praticamente, pelo tempo que o arrendatário pedida por Zacarias, deverá responder, no prazo de 30 dias após o recebimento
quisesse (desde que não houvesse nenhuma infração contratual da sua parte que da carta do senhorio, manifestando o seu desacordo quanto ao valor pedido (não
permitisse ao senhorio resolver o contrato através de ação de despejo) , Por outro tendo de fazer qualquer contraproposta), juntando documento que comprove a
lado, também não existia legislação que permitisse ao senhorio exigir um aumento sua idade (por exemplo, cópia do seu cartão de cidadão) bem como documento
anual de rendas (como existe no atual artigo 1077', n.? 2 do CC). Só com a entrada comprovativo dos seus rendimentos mensais (que deverá pedir ao serviço de
em vigor do RAU de 1990 foi admitida a celebração de contratos habitacionais a finanças),
prazo (com um prazo inicial mínimo de 5 anos). Todavia os contratos anteriores Face a esta resposta de Anastácia, o critério para aumento da renda terá de ser
(denominados "vinculístícos") continuaram protegidos. o previsto no artigo 35', n." 2 (como determína o artigo 36,', n,' 7), Nestes termos,
Com a entrada em vigor da Lei n' 6(2006 foi mantida a proteção da estabilidade o valor máximo de referência será o correspondente a 1/15 do valor do local arren-
dos contratos antigos, ou seja, o senhorio continuou a não ter direito de denunciar dado (que o senhorio deverá requerer ao serviço de finanças), dividido por 12
livremente esses contratos. Porém, essa lei conferiu ao senhorio o direito de exigir (para se encontrar o valor mensal), Todavia, tal não significa que Anastácia tenha
um aumento extraordinário de rendas dos contratos celebrados antes do RAU de de pagar esse valor, Supondo que, pelo critério acabado de enunciar o valor men-
1990, desde que o imóvel não se encontrasse degradado (ou seja em más condi- sal da renda seria de 200 Euros, a arrendatária não terá de pagar esse valor, pois
ções de habitabilidade), de forma gradual por períodos de 2, 5 ou 10 anos, em fun- tem aplicação O disposto no artigo 35', n.' 2, aI. c) iii), nos termos do qual a nova
ção dos maiores ou menores rendimentos do arrendatário e seu agregado familiar, renda não poderá exceder lO% do rendimento de Anastácia, ou seja, 49 Euros.
. . .u. ~~/oe
Com a entrada em Vigor da LeI n,' 31/2012, este modelo de correção das Em conclusão, no cnso concreto, o aumento de renda será apenas de 9 Euros
rendas antigas foi significativamente alterado, tendo sido dado novo redação (pnssará de 40 plllll 'I') )1,111'11,,),

110 'li
VII
Comodato
COMODATO

CASO I

No dia 2 de Janeiro de 2011, Gabriel, proprietário de um camião frigorífico,


emprestou-o a Henrique, pelo prazo de 10 dias, para que este efectuasse trans-
portes de produtos alimentares.
Dois dias depois de Henrique ter passado a usar o veículo, o sistema de refri-
geração avariou e os produtos que transportava estragaram-se.
Quid iuris?

RESOLUÇÃO
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMODATO

RESPOSTA CASO 2

Gabriel emprestou a Henrique uma coisa infungível (que este deverá restituir Gustavo emprestou a Hugo uma bicicleta, para que este a utilizasse na Travessia
no final do prazo convencionado), pelo que o contrato celebrado toma o nome de da Ponte Vasco da Gama em Bicicleta, a realizar em Junho de 2013,
comodato (artigo 1129,'), Diferentemente, o empréstimo de dinheiro ou outra Ao fim de algum tempo, Gustavo descobriu que Hugo usa a bicicleta para as
coisa fungível, toma o nome de mútuo (artigo 1142,'), suas actividades quotidianas, nomeadamente para ir para o trabalho, e empresta-a
O comodato é, necessariamente, um contrato gratuito, Se aquele que cede o com frequência a um amigo, também ciclista. Gustavo quer a restituição imediata
gozo temporátio da coisa infungível receber alguma retribuição por essa cedência, da bicicleta,
já não estaremos perante um contrato de comodato mas sim de locação. Quid iuris?
A lei não faz qualquer exigência de forma como condição de validade do
contrato de comodato. Vale aqui a regra da liberdade de forma (artigo 219.'). RESOLUÇÃO
O caso concreto coloca a questão de saber se o comodante responde perante
o comodatário pelos vícios da coisa comodatada,
A resposta decorre do disposto no artigo 1134,', nos termos do qual: "o como-
dante não responde pelos vícios ou limitações do direito nem pelos vícios da coisa, excepto
quando se tiver expressamente responsabilizado ou tiver procedido com dolo", Assim, se
Gabriel assegurou a Henrique que o sistema de refrigeração do veículo estava
em perfeitas condições, sabendo que tal não correspondia à realidade, será res-
ponsável pelos prejuízos que este sofreu em consequência da deterioração dos
produtos que transportava,
Pelo contrário, se Gabriel ignorava que o sistema de refrigeração tinha algum
defeito ou se sempre tinha funcionado bem, não terá qualquer responsabilidade
pelos danos sofridos por Henrique,
Por outro lado, logo que detectou aquele problema do veículo, Henrique tinha
o dever de informar o comodante, em cumprimento do dever que lhe é imposto
pela alínea g) do artigo 1135.'.
Se, na sequência desse aviso, Gabriel tivesse autorizado Henrique a reparar
o veículo, para poder continuar a usá-lo até ao fim do prazo convencionado, este
teria direito a ser indemnizado pelas benfeitorias necessárias feitas no veículo,
nos termos dos artigos 1138,', n,? l,'e 1273,', n.? 1.
Caso Gabriel se recusasse a indemnizar Henrique, podia este invocar direito
de retenção, nos termos da alínea e) do artigo 755'. Com este fundamento,
poderia o comodatário não cumprir o dever que lhe é imposto pela alínea h) do
artigo 1135.Q: "restituir a coisafindo o contrato", como garantia até efectivo cumpri-
mento da obrigação pecuniária devida por Gabriel.

L\1
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMODATO

RESPOSTA CASO 3

No caso concreto, Gustavo entregou a Hugo uma bicicleta para que este a Paulo, casado com Marta, emprestou um apartamento de que é proprietário,
utilizasse e a restituísse, pelo que estamos perante um contrato de comodato, ao seu amigo João, que se estava a divorciar, para ele aí residir durante dois anos.
nos termos do artigo 1129,', O contrato de comodato é um contrato real quoad Combinaram que este pagaria as despesas de condomínio enquanto lá vivesse,
constitutionem, já que é necessária a entrega da coisa para a perfeição do contrato. Se João falecer entretanto, a sua nova companheira, Lúcia, tem algum direito
Como as partes convencionaram que a bicicleta era para ser utilizada na prova a ficar na casa?
que decorre na Ponte Vasco da Gama, em Junho, este fim constitui um limite aos
poderes de Hugo, que não a pode utilizar para fim diverso (cfr. artigo 1135.', RESOLUÇÃO
alínea c», Assim, não é lícito a Hugo utilizar a bicicleta para as suas tarefas
quotidianas.
A alínea f) do artigo 1135,' também proíbe a Hugo proporcionar a terceiro
o uso da coisa, excepto se O comodante o autorizar. O uso da coisa, pela própria
natureza intuitu personae do contrato, deve pertencer, continuadamente, ao como-
datário. O empréstimo da bicicleta ao amigo, que constitui um subcomodato,
consubstancia, pois, uma violação dos deveres de Hugo.
Porque há violação dos deveres contratuais por parte de Hugo, Gustavo
pode resolver o contrato, mediante comunicação a Hugo, nos termos gerais do
artigo 432,' e ss, Este, por seu lado, incorre em responsabilidade contratual
perante o comodante, nos termos gerais do artigo 798,', Se em consequência da
utilização da bicicleta para um fim não permitido ou da utilização não autorizada
por terceiro, tivesse ocorrido a perda ou deterioração da bicicleta, o artigo 1136.Q,
n.? 2, estabelece que o comodatário responderia objectivamente pelos danos
causados, !!_alvoprovando que ela [a perda ou deterioração 1 teria igualmente ocorrido
sem a sua conduta ilegal" (relevância negativa da causa virtual),

13H
'"
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS COMODATO

RESPOSTA CASO 4

O comodato é o contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra uma Carlos emprestou a Daniela, filha do seu amigo Vítor, um apartamento de que
certa coisa, móvel ou imóvel, com a obrigação de a restituir (artigo 1129.'). No é proprietário, em Faro, em virtude de esta ir para essa cidade trabalhar,
caso concreto, Paulo entregou a João um apartamento para que este o utilizasse Passados alguns meses, Carlos pediu a Daniela que saísse do apartamento,
e restituísse no prazo de dois anos. porque queria fazer férias. Daniela recusa-se a sair, dizendo que ainda não tem
Sendo um contrato gratuito, não há a cargo do comodatário prestações que um sítio definitivo onde ficar,
constituam o equivalente ou o correspectivo da atribuição efectuada pelo como- Quid iuris?
dante. A gratuitidade, todavia, não impede que o comodante imponha a João
certos encargos modais, como o das despesas de condomínio, desde que o encargo RESOLUÇÃO
não seja de valor a fazer desaparecer o benefício do comodatário como razão
determinante do contrato",
Note-se, ainda, que sendo Paulo casado, a constituição de direitos pessoais de
gozo sobre imóveis, ainda que próprios, exige o consentimento de Marta, salvo
se entre eles vigorar o regime da separação de bens (cfr. artigo 1682.º-A, n." 1,
alínea a»,
O comodato é um contrato intuitu personae, em que o comodante concede
o direito de uso da coisa em consideração da pessoa do comodatário e não de
terceiro, Devido a este carácter pessoal do uso concedido, o comodato caduca
com a morte do comodatário (artigo 1141.'), mesmo tendo sido estipulado um
prazo de vigência do contrato e que este ainda não tenha decorrido. Assim sendo,
falecido João, Lúcia não tem qualquer direito a permanecer na casa de Paulo.

8 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vai. Il, Coimbra Edttoro, p. 661.
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA

Estamos perante um contrato de comodato sem prazo, que é o contrato gra-


tuito pelo qual uma das partes entrega à outra uma certa coisa, móvel ou imóvel,
com a obrigação de a restituir logo que lhe seja exigida. (cfr, artigos 1129,'
e 1137').
O comodato sem prazo corresponde à figura do precário, qualificado pela
doutrina como um subtipo do contrato de comodato" No precário alguém
cede a outrem o gozo de uma coisa conservando o direito de cessação ad nutum.
Entende-se que, enquanto no comodato, o comodatário tem um direito autó-
nomo, porque o comodante se vinculou à prestação do gozo da coisa ao comoda- VIII
tário, no precário, o concedente limita-se a considerar legítimo, por consentido,
esse mesmo gozo, Assim sendo, o precarista não dispõe de tutela judiciária para
o gozo da coisa, que lhe foi apenas tolerado. Mútuo
Daniela está, pois, obrigada a restituir a coisa, nos termos do artigo 1135,', h),

c -

9 [úr.ro GOMES,"Do Contrato de Comodato", CDP, 17,2007, p. 7 e 8.

142
MÚTUO

CASO 1

No dia 2 de Janeiro de 2010, Guilherme emprestou a Humberto 28000


Euros, que este deveria restituir até ao final de Dezembro de 2010, O contrato
foi celebrado de forma meramente verbal e Guilherme entregou, de imediato,
o dinheiro a Humberto, tendo sido convencionado que este pagaria ao primeiro
5% de juros ao ano,
Chegado o final de Dezembro de 2010, Humberto recusa-se a pagar os juros
a Guilherme,
Quid iuris?

RESOLUÇÃO

141\
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS MÚTUO

RESPOSTA CASO 2

Guilherme e Humberto celebraram um contrato de mútuo, já que o emprés- Em Fevereiro de 2010, Ivone emprestou a Julieta 20,000 Euros, através de
timo de dinheiro ou outra coisa fungível toma o nome de mútuo (artigo 1142.'). documento particular assinado por ambas, Convencionaram que [ulieta pagaria
Diferentemente, o empréstimo de coisa infungível, toma o nome de comodato juros à taxa de 6% ao ano, mas que se venceriam mensalmente. Não foi conven-
(artigo 1129.'). cionada data para a restituição do capital mutuado.
O contrato em causa estava sujeito a forma como condição de validade, Dis- Em Novembro de 2010, Julieta deixou de pagar os juros que se venciam men-
põe o artigo 1143,' que o contrato de mútuo de valor superior a 25 000 Euros salmente.
só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular Quid iuris?
autenticado e o de valor superior a 2500 Euros se o for por documento assinado
pelo mutuário. RESOLUÇÃO
Nos termos do artigo 220,', a declaração negociaI que careça da forma legal-
mente prevista é nula.
O contrato celebrado entre Guilherme e Humberto é, assim, nulo por vício
de forma, pois, dado o valor mutuado, o contrato deveria ter sido celebrado por
escritura pública ou por documento particular autenticado.
Humberto tem, assim, razão quando se recusa a pagar os juros convencionados,
pois o contrato, sendo nulo, não produziu efeitos, E a obrigação de pagar juros
pressupunha a validade do contrato, Todavia, o facto de o contrato não ser válido
não permite a Humberto apropriar-se do dinheiro mutuado, Terá de o restituir a
Guilherme por força do disposto no artigo 289', já que a invocação da nulidade
tem, neste caso, efeito retroactivo.

14(Í 147
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA

o contrato de mútuo celebrado entre Ivonc e Julieta é um contrato formal-


mente válido, já que as partes observaram a forma legalmente exigida para o
efeito, Conclui-se do disposto no artigo 1143 .. que o mútuo de valor superior a
2500 Euros e inferior a 25 000 Euros só é válido se for celebrado por documento
assinado pelo mutuário. Bastava, assim, um documento. particular assinado por
[ulieta para garantir a validade formal do contrato,
Sendo o contrato válido, dele emergiram direitos e deveres para os contra-
tantes, nomeadamente o dever de Julieta pagar os juros mensalmente vencidos,
Entrando Julieta em mora quanto ao pagamento dos juros, deveria Ivone fixar-lhe IX
um prazo razoável para o pagamento em falta, sob pena de, por perda do interesse,
resolver o contrato, nos termos do artigo 808,' e 1150,', Por força do efeito retro-
activo da resolução (artigo 434", n.? 1), Julieta teria de devolver imediatamente
Mandato
o capital mutuado e pagar os juros vencidos, apesar de as partes não terem fixado
um prazo de duração do contrato, Caso não existisse este incumprimento, sempre
qualquer das partes poderia extinguir este contrato, por denúncia comunicada à
outra parte com uma antecedência mínima de 30 dias em relação à data em que
se deveria verificar o efeito extintivo (artigo 1148,', n" 2).

I'~
MANDATO

CASO I

Em Janeiro de 2011, de forma verbal, Avelino incumbiu Bernardo, perito em


arte, de lhe comprar os melhores quadros do pintor X que fossem postos à venda
até final de Abril de 2011, tendo-lhe conferido, para o efeito, acesso a uma conta
bancária.
Em Março de 2011, Avelino tomou conhecimento de que Bernardo se encon-
trava de férias no Brasil, por um mês, e que tinha incumbido a sua secretária de
proceder à aquisição dos quadros.
Quid iuris?

RESOLUÇÃO

101
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS MANDATO

RESPOSTA CASO 2

Nos termos do contrato em análise, Bernardo obrigou-se a praticar vários Em Janeiro de 2011, Herculano celebrou um acordo com os advogados Ivo
negócios jurídicos (compra de quadros) por conta de Avelino, pelo que se verifi- e Joel, colegas de escritório, para que estes, no prazo de 3 meses, vendessem um
cam os requisitos do contrato de mandato, previsto no artigo 1157,' e seguintes, conjunto de jóias de familia, pelo preço que, por comum acordo, entendessem ser
O contrato celebrado no caso concreto não está sujeito a qualquer exigência o mais adequado, porquanto Herculano não queria que se soubesse que aquelas
de forma, pelo que é válido tendo sido celebrado verbalmente, jóias lhe pertenciam, Convencionaram que Ivo e Joel receberiam 1% do valor das
Supondo, assim, que o contrato é formal e substancialmente válido, dele vendas como remuneração da sua actívidade.
nascem, para ambas as partes, direitos e deveres. Questão central do problema Em Fevereiro de 2011, Ivo faleceu num acidente de viação, mas Joel continuou
em apreço é a de saber se Bernardo cumpriu as suas obrigações de mandatário, aquela actividade, tendo vendido mais algumas jóias e depositado o dinheiro na
Incumbe ao mandatário "praticar osactos compreendidos no mandato, segundo as sua conta bancária.
instruções do mandante", como determina a alínea a) do artigo 1161.', O mandatário - Supondo que Herculano toma conhecimento destes factos em Março de
só poderá deixar de seguir as instruções do mandante em face de circunstâncias 2011, quando Joel ainda tem em seu poder algumas jóias para vender, diga como
que pelas partes não haviam sido ponderadas, quando se possa razoavelmente poderá reagir.
supor que o mandante aprovaria a sua conduta caso tivesse sido possível informálo
em tempo útil (por exemplo, vender ou comprar algo por um preço muito van- RESOLUÇÃO
tajoso, que só era possível alcançar decidindo celebrar o negócio num espaço de
tempo muito curto), O mandatário desvia-se do cumprimento programado, por
pensar ser esse comportamento o que melhor serve o interesse do mandante.
No caso concreto, porém, Bernardo não cumpriu as instruções do mandante
porque decidiu ir de férias,
Por outro lado, Bernardo incumbiu a sua secretária de praticar os actos que a
si lhe competiam, adquirindo os quadros do indicado pintor,
O artigo 1165,' permite que o mandatário se faça substituir por outrem ou
se socorra de auxiliares na execução do mandato, nos mesmos termos em que °
procurador o pode fazer,
Assim, Bernardo só poderia incumbir a sua secretária de comprar os quadros
caso se verificassem os requisitos do artigo 264·, Deste modo, não tendo havido
consentimento do mandante para que o mandatário se pudesse substituir por
outrem este não poderia enviar a sua secretária para negociar e decidir sobre
a aquisição dos quadros, Acresce que, mesmo considerando que a secretária
desempenhava apenas uma função de auxiliar na execução do mandato (o que,
em princípio, seria admitido pelo n,' 4 do artigo 264.'), a natureza do acro a pra-
ticar dificilmente se coaduna com a execução por quem não tem as qualidades
de perito em arte. E foi pelo facto de Bernardo ter essa qualidade que Avelino o
mandatou para escolher e adquirir os melhores quadros,
Conclui-se, assim, que o mandatário violou as suas obrigações, podendo O
mandante revogar livremente a procuração, nos termos do artigo i 170.',

'~2 I~,'
MANDATO
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA CASO 3

No caso concreto está em análise uma situação de mandato plural, já que Em Outubro de 2007, António acordou com Margarida, estudante do curso
Herculano incumbiu duas pessoas da prática dos mesmos actos jurídicos. de Direito, que esta ficaria responsável por, em seu nome, praticar todos os actos
O mandato plural pode ser disjunto ou conjunto (artigo 1160,'). Na primeira de gestão.referentes aos imóveis de que é proprietário, nomeadamente, receber
hipótese existem tantos mandatos quantas as pessoas designadas; na segunda as rendas e depositá-las numa conta bancária de António, e pagar as despesas
hipótese existe apenas um mandato, devendo os mandatários agir conjuntamente, de condomínio e de IMI relativas a esses mesmos imóveis. Combinaram que
harmonizando os seus comportamentos perante o mandante e perante terceiros Margarida receberia por mês ISO Euros.
como se de um só mandatário se tratasse. Em Maio de 2012, António comunicou a Margarida que, apesar de reconhecer
Na situação concreta, como O mandante incumbiu os mandatários de ven- a qualidade dos seus serviços, prescindia deles a partir de Junho desse ano,
derem as jóias pelo preço que de comum acordo entendessem ser o mais justo, - Quais os direitos que assistem a Margarida?
devemos concluir que se trata de um mandato conjunto,
Por outro lado, como Herculano não quer que terceiros saibam que as jóias RESOLUÇÃO
lhe pertencem, conclui-se que, no plano das relações externas, se trata de um
mandato sem representação (previsto no artigo U80,').
Deste modo, ao venderem as jóias, os mandatários devem agir em nome pró-
prio, devendo, de seguida, transferir para Herculano os direitos adquiridos em
execução do mandato, ou seja, o preço recebido com a venda das jóias (como
dispõe o artigo U81.'). .
Como [oel depositou o preço das jóias na sua conta bancária, verifica-se a
violação da obrigação que lhe é imposta pela alínea e) do artigo 1161.', ou seja,
de entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato,
Não concordando com a actuação de [oel, Herculano poderá revogar o man-
dato, a todo o tempo, nos termos do artigo 1170,',
No caso concreto existia, porém, outro fundamento para a extinção do man-
dato. Como faleceu um dos mandatários, o mandato caducou em relação a ele,
nos termos do artigo 1176,', Todavia, como se tratava de um mandato conjunto,
apesar de a causa de caducidade respeitar apenas a um deles, o mandato caduca
em relação a todos, nos termos do artigo 1177,', Assim, após o falecimento de
Ivo, Joel deixou de ter poderes para representar Herculano e consequentemente
para vender as jóias, Nesse momento deveria ter cumprido a obrigação de prestar
contas que lhe era imposta pela alínea d) do artigo 1161,',
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS MANDATO

RESPOSTA CASO 4

Nos termos do artigo 1157.', o mandato é o contrato pelo qual uma das par- Diogo, residente em Coimbra, tendo recebido por legado dois apartamentos
tes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra. No caso situados no distrito do Porto, pediu a Bernardo, seu amigo e residente nessa
concreto, António conferiu a Margarida poderes para a realização de qualquer cidade, que os vendesse, Diogo indicou a Bernardo que queria receber pelos dois
acto relativo à gestão de um conjunto imobiliário, pelo que estamos perante um imóveis um valor não inferior a 300 000 Euros, sendo-lhe indiferente o preço
mandato geral, que compreende apenas os actos de administração ordinária pelo qual cada um deles seria vendido individualmente, Em Março de 2011,
(artigo 1159,', n,' 1). Estamos, também, perante um mandato oneroso, na medida foi outorgada procuração a favor de Bernardo, pela qual Diogo lhe conferiu os
em que foi fixada uma remuneração a Margarida, necessários poderes de representação.
O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante con- Bernardo vendeu, no passado mês de Abril, um dos imóveis a Eduardo, pelo
venção em contrário ou renúncia ao direito de revogação (artigo 1170,', n.? 1), preço de 180000 Euros, e o outro a Fernando, pelo preço de 130000 Euros.
A revogação ad nutum justifica-se pelo cariz intuitu personae deste contrato, É certo Todavia, Eduardo ainda não pagou o preço, Diogo está profundamente aborrecido
que se o mandato tiver sido conferido no interesse do mandatário, não pode ser com a situação e pretende responsabilizar Bernardo,
revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo havendo justa causa Quid iuris?
(artigo 1170,', n.? 2), Porém, um contrato de mandato não se considera celebrado
também no interesse do mandatário só pelo facto de ser oneroso, A retribuição RESOLUÇÃO
é apenas uma remuneração pelo esforço do mandatário, enquanto o interesse
juridicamente relevante do mandatário há-de consistir num direito subjectívo":
Assim sendo, António poderia livremente revogar o mandato, estando apenas
obrigado a indemnizar Margarida se o tivesse feito sem a antecedência conve-
niente, nos termos do artigo 1172,', alínea c), a final (responsabilidade por factos
lícitos). Findo o mandato, Margarida, nos termos do artigo 1161.', tem a obrigação
de prestar contas, se houver em relação a ambos créditos e débitos recíprocos
(alínea d), e tem ainda a obrigação de entregar ao mandante o que recebeu em
execução do mandato ou no exercício deste (dinheiro que recebeu de terceiro,
documentos, etc.).

10 Cfr. por todos, o Acórdão do ST}, de 15 de Abril de 20 IO,e o Acórdão de Rt'I"çno de t.ísbon, de
30 de Novembro de 20 IO, in www.dgsi.pt.

Iti6 '~7
MANDATO
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA a execução do mandato, e, nos termos da alínea e), a entregar tudo o que, na
execução do mandato, recebeu dos compradores ou de terceiros, como dinheiro
o mandato é um contrato de prestação de serviços que tem por objecto a prá- ou documentos.
tica de actos jurídicos (cfr, artigo II 57,'), No caso concreto, Bernardo obrigou-se a Quanto ao facto de Eduardo ainda não ter pago o preço do imóvel, que é
vender dois imóveis pertencentes a Diogo, pelo que estamos perante um mandato uma obrigação resultante do contrato de compra e venda (cfr. artigo 879,', c)),
especial, que abrange, nos termos do artigo 1159.', n.? 2, além da venda propria- o artigo 1183.º estabelece que, salvo estipulação em contrário, o mandatário não
mente dita, todos os demais actos necessários à sua execução, como, por exemplo, é responsável pela falta de cumprimento das obrigações assumidas pelas pessoas
receber o preço convencionado e dar quitação. Estamos, também, perante um com quem haja contratado. A posição de Bernardo é, assim, de irresponsabilidade
contrato gratuito, já que não foi fixada nenhuma retribuição a Bernardo. pelas dividas do terceiro, Eduardo, com quem contratou por conta do Díogo.
No contrato de mandato, o acto jurídico deve ser praticado por conta do
mandante, mas não necessariamente em seu nome. Assim, o mandatário age em
nome do mandante se houver mandato com representação (artigo 1178,'), mas
pode realizá-lo em seu próprio nome, se for um mandato sem representação
(artigo 1180.'). No primeiro caso, o acto produz os seus efeitos na esfera jurídica
do mandante (contemplatio domini); no segundo, na esfera jurídica do mandatário.
Na situação em apreço, Diogo passou uma procuração a favor de Bernardo, logo
estamos perante um mandato com representação. As duas figuras não se podem
confundir, O mandato é um contrato, a procuração é um acto unilateral: o primeiro
impõe a obrigação de celebrar actos jurídicos por conta de outrem; a segunda
confere o poder de os celebrar em nome de outrem,
No contrato de mandato, rege o princípio da liberdade de forma (artigo 219.'),
mas a procuração deve revestir a forma exigida para o negócio que o procurador
deva realizar. Assim, nos termos do artigo 262,', n." 2, conjugado com O 875.'
(na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.? ll6/2008, de 4 de Julho), a
procuração deverá ter sido feita por escritura pública ou documento particular
autenticado.
Tendo Bernardo recebido poderes para agir por conta e em nome do man-
dante, os negócios realizados por ele produzem imediatamente os seus efeitos na
esfera jurídica do Diogo, sem necessidade de actos posteriores de transmissão,
No contrato de mandato, a determinação e a vontade do próprio mandatário
têm um papel preponderante na obrigação de negociar e dar execução a um
acto jurídico, ou a conjunto de actos [urídícos!'. Todavia, o mandante não está
impedido de dar instruções ao mandatário, quer no momento em que o mandato
é constítuído, quer em momento posterior, durante a execução do contrato. No
caso concreto, Diogo deu instruções sobre o valor mínimo pelo qual deveriam ser
vendidos os apartamentos, que Bernardo é obrigado a seguir (cfr, artigo 1761.', a),
Tendo Bernardo vendido os apartamentos a Eduardo e a Fernando, está obri-
gado, nos termos do artigo 1161.2, c), a comunicar ao mandante, com prontidão,

11 PIRns DB LIMA C ANTUNES VAR.ELA, Código Civil Ancíndo, vol. 11, Colmlu 11 1\111111111, p, 715,
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS
MANDATO

CASOS RESPOSTA

Álvaro, emigrante na Suíça, escreveu uma carta ao seu primo Eugénio, em O mandato é um contrato de prestação de serviços, pelo qual uma das partes
que lhe pediu para arranjar um comprador para um apartamento situado em se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (artigo 1157.').
Viana do Castelo, de que era proprietário e que estava interessado em vender, No caso concreto, Eugénio comprometeu-se a arranjar comprador para o imóvel
Eugénio respondeu-lhe que não se preocupasse, que iria tratar do assunto o mais de Álvaro, Este acto jurídico deve ser praticado por conta do mandante, mas não
depressa possível. tem necessariamente de ser praticado em seu nome. Assim, o mandatário age
Depois de contactar com alguns amigos e conhecidos, Eugénio contratou em nome do mandante se houver mandato com representação (artigo 1178.'),
com Carlos a venda do apartamento por 120 000 Euros, mas até agora ainda não mas pode realizá-lo em seu próprio nome, se for um mandato sem representação
entregou esse dinheiro a Álvaro, (artigo 1180,'), Como Álvaro não outorgou a procuração a Eugénio, estamos
Quid iuris? perante um mandato sem representação, Este executa em nome próprio o negócio
de que está incumbido, tomando-se o sujeito dos direitos e obrigações resultantes
RESOLUÇÃO da actividade exercida, embora os deva transferir ao mandante. Álvaro, no inte-
resse de quem a actividade foi exercida (cfr. artigo 1181.'), pode, pois, intentar
uma acção para o cumprimento.
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS MANDATO

CASO 6 RESPOSTA

Carolina incumbiu Filipe de proceder à venda de um imóvel seu, "pelo preço o mandato é um contrato de prestação de serviços que tem por objecto a
e condições que entender, outorgar a escritura pública e receber os preços", A necessária prática de actos jurídicos, e encontra-se regulado nos artigos 1157' e ss.
procuração foi outorgada, Com base nos poderes que lhe foram conferidos, Filipe No caso concreto, Filipe obrigou-se a vender um imóvel pertencente a Caro-
celebrou com Raquel um contrato promessa de compra evenda do imóvel. lina, pelo que estamos perante um mandato especial. Nos termos do artigo 1159.',
Carolina, entretanto, revogou a procuração conferida a Filipe, disse-lhe que n.? 2, este mandato abrange, além da venda propriamente dita, todos os demais
tinha perdido a confiança nele, e recusa-se a cumprir o contrato-promessa cele- actos necessários à sua execução, como, por exemplo, receber o preço conven-
brado com Raquel. cionado e dar quitação.
Quid iuris? Tendo sido outorgada a necessária procuração (artigo 262, n." 1), através
de escritura pública (nos termos do artigo 262,', n,' 2, conjugado com o 875,'
RESOLUÇÃO - na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n,' 116/2008, de 4 de Julho-
a procuração poderia ter sido feita por escritura pública ou documento particular
autenticado), estamos perante um mandato com representação e os negócios
realizados por Filipe produzem imediatamente os seus efeitos na esfera jurídica
de Carolina (contempla tio domini).
É discutível se uma procuração para venda atribui poderes para celebrar um
contrato-promessa do mesmo bem. Há quem defenda que não, já que o contrato
promessa não é acessório da venda, não é um acto necessário à execução do man-
dato, para efeitos do artigo 1159,', n.? 212, Para estes autores, o negócio é ineficaz
em relação ao mandante se não for por este ratificado, Todavia, parece-nos que a
posição mais defensável é aquela que entende que o mandato para vender inclui
o poder de celebrar um contrato-promessa de compra e venda, que se apresenta
como uma forma normal de assegurar a realização do contrato definitivo.
Como o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, (artigo 1170,',
n' 1), dado O carácter intuitu personae deste contrato, Carolina pode revogá-lo
ad nutum. Todavia, tem de cumprir o contrato-prometido por Filipe, que é plena-
mente eficaz e que produz efeitos na sua esfera jurídica, sob pena de responder
pelo seu não cumprimento.

12 Cfr., por rodos, L. MBNliZliS LBlThO, Direito das Obrigações lI!, Contratos em Especial, 7.' ed.,
Almcdlna, Colmbnl.!l 11'1(,r 11 17.
1

111 i
X
Depósito
DEPÓSITO

CASO I

Rodrigo foi jantar a um conhecido restaurante no centro da cidade. Deixou


no balcão Atendimento ao Cliente o seu casaco e o guarda-chuva, tendo recebido
na altura uma chapa de metal com um número que identificava o lugar onde os
bens ficavam guardados.
À saída, Rodrigo dirigiu-se ao referido balcão, para pedir de volta os seus objec-
tos, mas o casaco havia desaparecido, O dono do restaurante declina qualquer
responsabilidade, alegando que guardar o casaco foi um favor que fez a Rodrigo,
já que este nada pagou pelo serviço,
Quid iuris?

RESOLUÇÃO
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS DEPÓSITO

RESPOSTA CASO 2

Estamos perante um contrato de depósito, objecto de uma convenção autó- Camila deixou a sua mala no Dep6sito de Bagagem de uma estação ferroviária,
noma, entre o dono do restaurante e o cliente. O contrato de depósito, tal como por quatro horas, tendo pago 3 Euros.
vem definido no artigo 1185.', é o contrato pelo qual uma das partes entrega à No momento que que foi buscar a mala, esta estava manchada, O funcionário
outra uma coisa para que a guarde e a restitua quando for exigida, É um contrato da estação declinou qualquer responsabilidade pela guarda da mala, alegando
real quanto à constituição, ou seja, a entrega da coisa é necessária para a perfeição que não sabe como é que a mancha apareceu,
do contrato, Quid iuris?
O objecto do contrato de depósito é a guarda (custódia) de uma coisa
(artigo 1187,', a)), o que compreende o dever de a conservar materialmente, RESOLUÇÃO
ou seja, mantê-la no estado em que foi recebida, defendendo-a dos perigos de
subtracção, destruição ou dano!'. O dono do restaurante tinha a obrigação de
defender a coisa dos perigos de subtracção e de restituir a coisa (artigo 1187.'),
quando o depositante a exigisse, Violou, pois, o dever de guarda e o dever de
restituição, Não cumprindo as suas obrigações, é responsável nos termos gerais
da responsabilidade civil.

13 PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. li, ColmhlR HdllC1ln, p. 759.
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS DEI'ÓSITO

RESPOSTA CASO 3

Tendo Camila entregue a mala para ser guardada e restituída, estamos perante Francisco, que iria estar fora para participar num torneio internacional, pediu
um contrato de depósito, tal como vem definido no artigo 1185.'. No caso con- a Joaquim que guardasse nos seus estábulos um cavalo, Escolheram a box a ocupar
creto, as partes estipularam uma retribuição, o que torna o contrato de depósito pelo animal, e combinaram que Joaquim deveria alimentar o cavalo com uma
em causa um negócio oneroso. Camila pagou antecipadamente, mas se nada se ração específica (a mesma que já utilizava normalmente com os seus cavalos), que
tivesse convencionado, a remuneração devetia ter sido paga no termo do depósito o treino diário do cavalo seria o treino normal de manutenção, sem exigências
(cfr, artigos 1199,·, a) e 1200,'), ou seja, no momento da restituição, especiais, e que Joaquim receberia pela guarda 40 Euros por dia. Como Francisco
Nos termos do artigo 1187', são obrigações do depositário: guardar a coisa estaria fora 30 dias, a retribuição total seria de 1200 Euros.
depositada; avisar imediatamente o depositante, quando saiba que algum perigo Ao fim de 2 dias, o cavalo começou a ter problemas de saúde, por causa da
ameaça a coisa ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o alimentação, o que obrigou Joaquim a mudar imediatamente de ração, do que
facto seja desconhecido do depositante; e restituir a coisa com os seus frutos. Ora informou Francisco por telefone,
no caso concreto, não há dúvida de que o depositário não conservou a coisa no Entretanto, como Francisco teve um acidente que o impediu de participar no
estado em que foi recebida, permitindo a sua deterioração, torneio, regressou ao fim de 5 dias, Quando foi buscar o cavalo, Joaquim exigiu-lhe
Havendo violação de um dever contratual, que se presume culposa, O depo- o pagamento dos 1200 Euros, mas Francisco só quer pagar 200 Euros. Joaquim
sitário é responsável pelos danos causados, nos termos gerais da responsabili- recusa-se a restituir o cavalo.
dade civil. Quid iuris?

RESOLUÇÃO

170 171
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS DBI'ÓSITO

RESPOSTA pelo depositante, apenas seria devida a retribuição correspondente à duração


do depósito, Não foi o que aconteceu na situação em apreço, já que Francisco
Como Francisco entregou a Joaquim um cavalo para que ° guardasse e ° regressou por ter sofrido uma lesão. Assim sendo, Francisco é obrigado a pagar
restituísse ao fim de 30 dias, estamos perante um contrato de depósito, tal como ao depositário a retribuição devida (artigo 1199,', a)), ou seja, os 1200 Euros
vem definido no artigo 1185.'. acordados pelas partes,
A obrigação de guarda, que é a obrigação fundamental do depositário O depositário goza quanto a este crédito do direito de retenção sobre a coisa
(cfr, artigo 1187,', a)), tem um conteúdo elástico e variável, dependendo, em con- depositada (artigo 755, n.? 1, alínea e)), e por isso a recusa de Joaquim em restituir
creto, da natureza da coisa 14. Embora no desempenho da sua missão, O depositário O cavalo a Francisco é legitima.
não esteja subordinado às ordens ou direcções do dono da coisa, de acordo com a
natureza de contrato de prestação de serviços, no contrato podem ser estabeleci-
das regras quanto ao modo ou meios de guardar a coisa. Foi o que aconteceu no
caso concreto, em que Francisco e Joaquim acordaram especificamente quanto
ao habitáculo a ser utilizado pelo cavalo, a alimentação e o treino diário deste,
Quanto ao facto de Joaquim ter mudado a ração a administrar ao cavalo, em
contravenção do que tinha sido acordado, devemos ter em atenção que o depo-
sitário deve agir com a diligência exigivel, em abstracto, a um bonus paterfamilias,
Nos termos do artigo 1190,', o depositário pode guardar a coisa de modo diverso
do convencionado, quando haja razões para supor que o depositante aprova-
ria a alteração se conhecesse as circunstâncias que a fundamentam; mas deve
participar-lhe a mudança logo que a comunicação seja possível. Joaquim não terá
conseguido comunicar antecipadamente a Francisco a necessidade de mudança
de ração, já que esta foi determinada por circunstâncias urgentes, mas informou-o
telefonicamente assim que pôde. Se não o tivesse feito, Joaquim responderia pelo
não cumprimento esta obrigação, que é autônoma. No entanto, Joaquim nunca
responderia pela violação da obrigação de guardar a coisa no modo acordado, já
que houve razão para a mudança de ração,
O segundo problema colocado prende-se com O facto de Francisco ter
regressado antes dos 30 dias acordados pelas partes para a duração do contrato,
O artigo 1194,' estabelece que o prazo de restituição da coisa tem-se por estabele-
cido a favor do depositante, por isso, este pode exigir o cavalo de volta a qualquer
momento. A natureza especial do contrato de depósito - o seu carácter fiduciário
e a sua instituição no exclusivo ou predominante interesse do depositante - jus-
tifica plenamente o desvio à regra geral do artigo 779.', segundo a qual o prazo
se tem estabelecido a favor do devedor, Todavia, nos termos da segunda parte
do artigo 1194,', sendo o depósito oneroso, o depositante satisfará por inteiro a
retribuição do depositário, mesmo quando exija a restituição da coisa antes de
findar o prazo estipulado, salvo se para isso tiver justa causa, que tem de ser apre-
ciada segundo o critério do julgador, Nesse caso, que equivaleria a uma resolução

1<4PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Ctvtí Anouuto, vol. li, Cohnhlll 11111111111, p 759.

172 17,4
XI
Empreitada

.,.(
EMPRBrTAI)A

CASO I

Anastácio, professor de Direito, celebrou com Kerstin (professora de alemão


desempregada) um contrato nos termos do qual esta devia traduzir o código civil
alemão (BGB) para português, no prazo de três meses e pelo preço de 5000 Euros,
que seria integralmente pago na data da entrega da tradução.
Seis meses depois da entrega da tradução e pagamento do respectivo preço,
Anastácio usou, pela primeira vez, o código traduzido, para fundamentar um
parecer. Como tinha alguns conhecimentos de alemão, facilmente constatou que
algumas expressões estavam erradamente traduzidas.
Por tal facto, Anastácio pediu a Klaus, professor de alemão jurídico, que verifi-
casse a qualidade da tradução de Kerstin. Algum tempo depois, Klaus confirmou
que a tradução tinha erros graves que alteravam completamente o sentido de
algumas normas traduzidas.
- Que direitos cabem a Anastácio?

RESOLUÇÃO

171
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS
EMPREITADA

RESPOSTA
direitos). Feita essa denúncia, o dono da obra pode exigir a eliminação dos defei-
tos, nos termos do artigo 1221'.
O caso concreto suscita o problema de saber como deve ser qualificado o Não sendo eliminados os defeitos (dentro de um prazo razoável!", atendendo
contrato celebrado entre Anastácio e Kerstin. Terão estes sujeitos celebrado um
à manutenção do interesse do dono da obra), pode Anastácio resolver o contrato,
contrato de empreitada? nos termos do artigo 1222,',
Dispõe o artigo 1207' do CC: "Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes A redução do preço, sendo uma solução teoricamente possível, não seria
se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço", no caso concreto uma solução alternativa, já que os defeitos tornavam a obra
A dúvida quanto à natureza do contrato decorre do tipo de "obra" em causa,
inadequada para o fim a que se destinava (e não se vê que outra utilidade o livro
Trata-se de saber se traduzir um livro jurídico poderá ser considerado uma obra pudesse ter).
no sentido em que ela é prevista no artigo 1207,', Por outras palavras, trata-se Caso as partes não cheguem a acordo, Anastácio terá de propor acção em
de concluir se aquela norma prevê apenas a hipótese de produção de uma obra tribunal contra Kerstin, no prazo de um ano a contar da denúncia e enquanto não
corpórea (uma mesa, uma casa) ou se também pode caber no seu âmbito de passarem mais de dois anos sobre a entrega da obra, nos termos do artigo 1224.2,
aplicação a produção de uma obra intelectual. n,22,
Esta questão não é doutrinalmente pacífica e também se encontra discutida Apesar de Anastácio ter alguns conhecimentos de alemão, não se pode con-
em decisões jurísprudencíaís".
cluir que os defeitos eram aparentes, pelo que não devem presumir-se conhecidos
A maioria da doutrina e a jurisprudência entendem que o objecto da emprei- para efeitos do disposto no artigo 1219,', n,2 2,
tada deve ser uma obra material ou corpórea, Argumento determinante nesse
sentido será o regime dos "defeitos da obra" (artigo 1218' a 1226'), que dificil-
mente se poderia aplicar a uma obra intelectual, dada a dimensão de liberdade
criativa própria de uma obra intelectual.
No caso concreto, apesar de O objecto do contrato ser um trabalho intelectual,
não é permitida qualquer margem de apreciação subjectiva ou de criatividade da
autora (empreiteira) na tradução de um texto jurídico, Deste modo, os defeitos
da tradução (uso de expressões erradas ou inapropriadas) são objectivamente
controláveis, pelo que não existem obstáculos à aplicação do regime do contrato
de empreitada no caso concreto.
Fazendo esta distinção quanto às obras intelectuais, não defendemos a aplica-
ção do regime do contrato de empreitada quando a obra encomendada constitui
o resultado da liberdade criativa, da imaginação, das qualidades artísticas do
contratante que a executa.
Constatando-se no caso concreto que a obra produzida por Kerstin tem defei-
tos, vamos ver que direitos cabem ao dono da obra.
Como se trata de empreitada de coisa móvel, nos termos do artigo 1220,'
do CC, Anastácio tem que denunciar os defeitos no prazo de 30 dias seguintes
à tomada de conhecimento desses defeitos (sob pena de caducidade dos seus

15 Sobre esta problemática, vd. Acórdão do ST), de 03.11.83, in Boletim doMi"istérlo dllfllstlça; FERRHR
16 No regime da empreitada previsto no CC não se encontra previsto um prazo máximo para n
CORREIA e HENRlQUE MESQUITA, "Anotação ao Acórdão do ST}, 3/11/1983", Rc\.IIflI dll Ordem dos
eliminação dos defeitos. Diferentemente, o artigo 4.", n.e 2 do Decreto-Lei n." 67/2003 (alterado
Advogados, 1985, pág. 129 e segs; ANTUNES VARELA. "Parecer sobre a prcstnçâo de obm Intclccrunl",
pelo Decreto-lei n," 84/2008) estabelece o prazo máximo de 30 dias, para esse efeito, quando o
Revista da Ordem dos Advogados, 1985, pág. 159 e segs.
contrato de emprCltlldllIlPI("WllIl' ns cnmctertstícns de uma relação de consumo.

178
IPI
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS EMPREITADA

CASO 2 RESPOSTA

Em Março de 2008, José e David celebraram entre si um contrato de emprei- José e David celebraram entre si um contrato de empreitada, regulado nos
tada, pelo qual o primeiro se obrigou à concepção e construção de um jardim com artigos 1207,' e ss, pelo qual José se obrigou a construir um jardim, mediante
20 OOOm' no hotel do segundo, tendo sido acordada como contrapartida dessa o pagamento de 100 000 Euros. Coloca-se, no entanto, a questão de saber se o
obra a quantia de 100 000 Euros, a pagar no momento da entrega do jardim. acordo entre José e David, para a instalação de um sistema de rega e fornecimento
José entregou a David um orçamento para execução dos trabalhos que incluía, de duas bombas para os lagos, representa uma alteração ao contrato inicialmente
para além do trabalho de ajardinamento do espaço, o fornecimento de materiais celebrado, ou se é uma obra nova, objecto de uma estipulação contratual
e plantas, autónoma.
Em Maio de 2008, já no decurso dos trabalhos, José e David acordaram que As alterações ao plano convencionado entre as partes (seja por iniciativa do
o primeiro instalaria um sistema de rega e forneceria duas bombas de água para empreiteiro, por iniciativa do dono da obra, ou sejam alterações necessárias) estão
colocar nos lagos do jardim, reguladas nos artigos 1214,' a 1216º. O artigo 1217.', por seu lado, considera que
No momento do pagamento, José apresentou a David uma factura de 100 000 são obras novas as que tenham autonomia relativamente às previstas no contrato.
Euros, tal como haviam convencionado, e uma de 20 000 Euros, pelos trabalhos A jurisprudência aceita o critério proposto por Vaz Serra, segundo o qual as
acordados em Maio, por entender que a instalação do sistema de rega e o forneci- simples alterações à obra convencionada limitam-se a alterar alguma ou algumas
mento das bombas não estavam incluídas no contrato inicial. David, por seu lado, das suas modalidades (v, g" quanto ao tipo, qualidade ou origem dos materiais,
entende que aquelas obras tinham que ser consideradas como um aditamento ao à forma da obra, à sua estrutura, dimensões ou funcionamento, ao seu tempo ou
contrato inicial, uma vez que não tinham qualquer autonomia em relação à obra lugar de execução), e por isso cabem ainda no plano de execução da obra con-
principal, a construção de um jardim, vencionada, apresentando-se como necessárias ou, ao menos, como oportunas
Quid iuris? para a realização dela, As obras novas, pelo contrário, são os trabalhos que, tendo
embora alguma relação, alguma conexão, com a obra originária, todavia, não só
RESOLUÇÃO não são necessários para a realizar, como não podem considerar-se partes dela."
Ora, no caso em apreço, José obrigou-se a executar os trabalhos constantes de
um orçamento apresentado e que contemplava uma obra de concepção e constru-
ção de um jardim com 20000 m2, bem como a fornecer os elementos e materiais
aí descritos. Por isso, o fornecimento de um sistema de rega e a instalação das
bombas de água para os lagos, embora em conexão com a construção do jardim,
não se podem considerar incluídos no plano de execução da obra. Trata-se de
obras novas, autônomas em relação ao plano acordado, Como estas obras só por
via contratual podiam ter sido acordadas, não há subordinação ao preço estipulado
inicialmente, José tem, pois, direito a receber os 20000 Euros pela instalação do
sistema de rega e fornecimento das bombas para os lagos.

17 Ver, por todos, O Ac()rdRo do S'I'J, de 24 de Fevereiro de 2011, in www.dgst.pt.

IRI) "I
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS EMPREITADA

CASO 3 RESPOSTA

Em Agosto de 2010, Augusto e Bruno acordaram que o segundo colocaria, Estamos perante um contrato de empreitada, pela qual Bruno se obrigou a
num armazém do primeiro, portas, rodapés, apainelados e soalhos, pelo preço colocar portas, rodapés, apainelados e soalhos num armazém de Augusto, pelo
global de 3000 Euros, o que foi feito por Bruno durante o mês de Setembro do preço de 3000 Euros. Todavia, o soalho nunca deveria ter sido aplicado num solo
mesmo ano. com tais níveis de humidade, pelo que importa, em primeiro lugar, indagar se
Em Novembro, o soalho colocado por Bruno começou a apresentar-se muito sobre Bruno impendia a obrigação de, previamente à realização da obra, averiguar
ondulado em toda a casa, e a levantar em alguns pontos, Em Janeiro de 2011, dois da situação da impermeabilização do solo onde c soalho iria ser implantado,
trabalhadores de Bruno efectuaram medições de humidade da madeira e do solo De acordo com o disposto no artigo 1208. º, "o empreiteiro deve executar a obra em
na moradia e aperceberam-se de que o problema estava no solo, que apresentava conformidade com o quefoi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela,
níveis anormais de humidade, o que causara o levantamento do soalho, Para o ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato". Esta norma, segundo a
nivelamento do soalho é necessário o levantamento do existente e a colocação de qual o empreiteiro deve realizar a obra segundo as legis artis, é uma concretização
um novo, mas só após a eliminação das humidades provenientes do solo, Bruno do princípio da boa-fé no cumprimento das obrigações, plasmada no artigo 762,',
declina qualquer responsabilidade, recusa-se peremptoriamente a fazer qualquer n.º 2. Do contrato de empreitada emergem, pois, deveres de esclarecimento, de
reparação no soalho, e nem deu qualquer resposta à notificação judicial avulsa conselho, de cuidado e de segurança 18 para o empreiteiro, O empreiteiro, como
que Augusto lhe fez, perito que é, deve avisar o dono da obra dos defeitos que note no projecto ou no
Quid iuris? caderno de encargos, quer antes de iniciada a obra, quer durante a execução dela,
podendo "mesmo, independentemente da culpa dos autores do projecto, responder pelos
RESOLUÇÃO defeitos que não descubra, mas que lhe incumbisse descobrir e apontar, nos termos rigorosos
em que a nossa lei aceita a culpa do devedor?".
A par do cumprimento da obrigação principal, da entrega do soalho e da sua
colocação, cumpria a Bruno, previamente, informar-se se com a colocação do
soalho naquele solo em concreto, a obra cumpriria a função a que se destinava, e
avisar Augusto, o dono da obra, dos perigos que corria com a colocação daquele
soalho naquele solo, Não o fazendo, Bruno violou os chamados deveres secun-
dários, acessórios da prestação príncípal".
Assim, Augusto teria direito a exigir do empreiteiro a colocação de um novo
soalho (cfr, artigo 1221,'). Em face da recusa de Bruno e da não resposta à noti-
ficação judicial avulsa que lhe foi feita, Augusto pode resolver o contrato, res-
peitando o iterimposto pela sequência legal prevista nos artigos 1221.' e 1222'.
A resolução opera ex voluntaiis, por meio de declaração unilateral do credor ao
devedor (cfr, artigo 436, '), e confere a Augusto o direito a receber por inteiro o
preço (cfr. artigo 289.', n.? 1, ex vi artigo 433,'),

18 PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito das Obrigações, Parte Especial, 2.i ed., Almedina, Coimbra,
p. 385 e 386.
19 Pires de Lima e Antunes Varela, C6digo Civil Anotado, vcl. 11, Coimbra Editora, p. 792.
20 António Pinto Monteiro, Erro e Vinculação Negociai, Almedina, Coimbra, 2002, p. 42, "do contrato
fazem parte não só as obrigações que expressa ou tacitamente decorrem do acordo das partes, mas
também, designadamente, lodos os deveres que se fundam no princípio da boa-fé e se mostram
necessários a illlcgnu' n In~'llnll COIHruw:lI".

182 ,.,
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS EMPRElTAI)A

CASO 4 RESPOSTA

A empresa Construções do Mar é uma sociedade comercial, dedicada ao ramo da Raul e a empresa Construções do Mar celebraram entre si um contrato de
construção civil, o que faz com carácter habitual e fim lucrativo, No exercício da empreitada, pelo qual a empresa se obrigou a construir uma moradia, pelo preço
sua actividade, acordou com Raul, em Abril de 2008, construir-lhe uma moradia de 100 000 Euros. No caso concreto, Raul é um conswnidor, tal como definido
unifamiliar, mediante o pagamento de 100 000 Euros, pelo artigo 1.'-B, alínea a), do Decreto-Lei n.? 67/2003, de 8 de Abril, com as
No decurso da obra, a Construções do Mar acordou com Sebastião na cons- alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n." 84/2008, de 21 de Maio, e a empresa
trução, colocação e envernizamento das portas no interior da moradia. Todavia, Construções do Mar, um profissional, que construiu a moradia no âmbito da
a empresa nunca pagou a Sebastião, tendo sido o preço, no valor de 2000 Euros, activídade económica (cfr, alínea c) do mesmo artigo), Assim sendo, Raul goza
suportado por Raul. da garantia edilícia contra defeitos da coisa instituída por este Decreto-Lei
Poucas semanas depois da conclusão da obra, e de Raul ter passado a viver na (cfr, artigo 1.'-A, n,' 2),
moradia, algumas portas interiores e os respectivos aros apresentam o enverni- A Construções do Mar celebrou com Sebastião um contrato de subempreitada,
zamento áspero, manchado, e com diferentes tonalidades. Raul pretende que a que vem definido no artigo 1213,' do Código Civil como o contrato pelo qual um
Construções do Mar repare as deficiências e que lhe pague os 2000 Euros adiantados terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra
pelo serviço de Sebastião. vinculado, ou uma parte dela, Do contrato de subempreitada não resulta nenhum
Quid iuris? vínculo directo entre o dono da obra, Raul, e o subempreiteiro, Sebastião. Da
independência entre o contrato de empreitada e de subempreitada, resulta,
RESOLUÇÃO em primeiro lugar, que o dono da obra não é devedor do subempreiteiro e, em
segundo lugar, que, no caso da obra subempreitada apresentar defeitos, o dono
da obra apenas pode reclamá-los do empreiteiro,
Assim, quanto ao pagamento, Sebastião apenas poderia exigir o pagamento
do preço da subempreitada à empresa Construções do Mar. Raul pagou a quem
não era seu credor e, em princípio, pode apenas pedir a restituição do indevida-
mente pago, nos termos do artigo 473.'. Note-se, todavia, que a jurisprudência
já entendeu que o empreiteiro teve um enriquecimento injustificado na exacta
medida do empobrecimento do dono da obra e condenou-o a pagar essa quantia,
com base no instituto do enriquecimento sem causa".
Quanto à reparação dos defeitos, o dono da obra não pode, em princípio, agir
directamente contra O subempreiteiro, visto que este se obrigou apenas perante o
empreiteiro e se trata de uma relação puramente obrigacional. Assim, Raul deve
exigir à empresa Construções do Mar« eliminação dos defeitos da obra", nos termos
do artigo 4,', n,' 1 do Decreto-Lei n.? 67/2003, A reparação deve ser efectuada
num prazo razoável e sem grave prejuízo para Raul (cfr, o n. s 2 do mesmo artigo).

21 Cfr. Acórdão do STJ, de 27 de Maio de 2010, in www.dgsi.pt.


22 A doutrina admite, contudo, que o dono da obra recorra, em caso de necessidade, li. sub-rogação
do credor ao devedor pnrn exlgtr o cumprimento da subempreitada, nos termos do artigo 606.a,
I e 2. Cfr. P,RUS OIlI,IMI!. 'I ANIIINIIS Vt\ItELA, eMigo C/vi/A"otado, vol.fl, Coimbra Editora, p. 804.

UI!'!
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS EMPREITADA

CASOS RESPOSTA

Alberto construiu um prédio, que sujeitou ao regime da propriedade hori- O artigo 1225,' regula os vícios na construção, modificação ou reparação de
zontal, dividindo-o em 4 fracções autónomas, destinadas a comércio e serviços. edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração. Esta-
As escrituras de compra e venda das fracções A e B foram celebradas em Abril belece esta disposição que, se no decurso de cinco anos a contar da entrega, a
de 2006, e as relativas às fracções C e D, em Maio e Dezembro do mesmo ano, obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros
respectivamente. A primeira assembleia realizada pelos cond6minos ocorreu em na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o
Outubro de 2008. empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro
O prédio, por deficiências de construção, apresenta fendas em várias partes adquirente. Esta norma do regime da empreitada aplica-se também ao vendedor
do exterior do edifício, e, no terraço, a tela de revestimento, por ter sido mal de imóvel que o tenha construido, modificado ou reparado (cfr, artigo 1225.',
aplicada e sem a adequada sobreposição, está levantada, permitindo infiltrações n,? 4), pelo que se aplica no caso concreto,

de água, Além disso, duas portas corta-fogo apresentam oxidação, por não terem Assim, quando a coisa vendida seja um imóvel, edificado pelo vendedor, a
sido observados os tratamentos adequados para a sua protecção e pintura, denúncia será feita por aquele que o comprou, dentro do prazo de um ano, após
O administrador do edifício demandou o construtor, que se defendeu alegando o conhecimento dos defeitos (artigo 1225,', n." 2), e a acção instaurada, igual-
que o prazo de garantia do imóvel já terminou e que sempre seriam os proprietá- mente, dentro de um ano, a contar dessa denúncia, e tudo isto, dentro do prazo
rios das fracções autónomas que teriam legitimidade para o demandarem, de cinco anos, a partir da entrega do imóvel, sob pena de caducidade, O não
Quid iuris? cumprimento da denúncia tempestiva dos defeitos importa a caducidade dos
direitos conferidos ao comprador.
RESOLUÇÃO A questão que se coloca no caso em apreço prende-se com o prazo de cinco
anos, que se deve contar a partir do momento da entrega do imóvel, para sabermos
se os direitos dos condóminos já caducaram,
Entende-se que o momento da entrega das partes de um prédio sujeito ao
regime da propriedade horizontal, para o efeito de determinar o início da con-
tagem do prazo de denúncia dos defeitos - ou seja, o dies a quo - quando estes
respeitam às respectivas partes comuns, acontece no momento da constituição da
administração do condomínio, isto é, logo que o empreiteiro vendedor procede à
entrega da gestão dos interesses relativos às partes comuns aos compradores e a
quem os represente (ao contrário do que sucede com as fracções autónomas que
constituem a propriedade horizontal, cuja entrega ocorre normalmente no acto
da celebração da escritura pública de compra e venda, por força dos artigos 874,'
e 879,', b»,
O momento decisivo do início do dies a quo, no que respeita às partes comuns
do condomínio, é, assim, a data em Alberto procedeu à transmissão dos poderes
de administração das partes comuns, O que só poderia suceder verificando-se
um acto expresso dessa transmissão ou, quando tal não acontecesse, quando os
cond6minos constituíssem a sua estrutura organizativa, ou sejam, no momento
em que a assembleia de condóminos eleger o administrador do condomínio, O
que, no caso em apreço, aconteceu em Abril de 2008. Assim sendo, o prazo de
cinco anos, dentro do qual devem ser exercidos os direitos dos condóminos, s6
termina em Abril de 2013,

,"1
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRATICaS RESOLVIDOS BMPRHI'I'/\I)/\

Quanto à legitimidade do administrador, a denúncia dos defeitos verificados CASO 6


nas partes comuns do edifício é, seguramente, um acto conservatório que visa
defender o direito de propriedade horizontal, garantindo aos condóminos a uti- Bonifácio, Contente e Associados, sociedade de advogados, celebraram um con-
lização do prédio, e cabe no âmbito das suas competências, tal como definidas trato com o fabricante de mobiliário Quatro Pernas, Lda, nos termos do qual esta
no artigo 1436', alínea f), empresa assumiu a obrigação de, no prazo de um mês, executar seis estantes, por
Não tendo terminado o prazo de garantia pelos vícios da coisa, e tendo sido medida, e em madeira de cerejeira, para oescritório dos primeiros, O preço total
atempadamente denunciados os defeitos nas partes comuns, os condóminos têm, convencionado foi de 2000 Euros,
pois, direito à eliminação dos defeitos, nos termos do artigo 1221.', e a serem Um mês depois, as estantes foram entregues, por uma empresa de transpor-
indemnizados nos termos gerais (artigo 1223,'). tes, no escritório daqueles advogados, Algum tempo depois, estes constataram
que uma das estantes apresentava significativas manchas no seu verniz e, após
uma observação mais cuidada, puderam concluir que, afinal, as estantes eram de
madeira de pinho e não de cerejeira,
1.' Questão - Poderão os advogados exigir, imediatamente, a devolução do
preço pago?
2,' Questão - Supondo que, no caminho entre a fábrica do segundo outorgante
e o escritório dos primeiros, a camioneta onde as estantes eram transportadas
se despistava, incendiando-se em seguida e perecendo as estantes, diga se os
advogados podiam reaver o preço que já haviam pago.

RESOLUÇÃO

IH" 1"9
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS EMPRElTAl)A

RESPOSTA Assim, tratando-se de defeitos elimináveis (como, por exemplo, as manchas


de verniz que uma das estantes apresenta), deverá ser essa a primeira solução. No
L' Questão caso concreto, porém, essa via não seria suficiente nem adequada para eliminar
Entre a sociedade de advogados e a sociedade fabricante de mobiliário foi cabalmente os defeitos da obra, já que as estantes foram executadas numa madeira
celebrado um contrato de empreitada, regulado no artigo 1207.' e seguintes, de qualidade inferior àquela que a as partes tinham contratado, Deste modo, a
nos termos do qual a segunda assumiu a obrigação de realizar uma obra de coisa dona da obra deverá, nos termos do artigo 1221.º exigir uma nova construção.
móvel, pelo preço de 2000 Euros e no prazo de um mês, Consequentemente, a empreiteira terá de executar, num prazo razoável que para
Entre as obrigações do empreiteiro assume particular importância a obrigação o efeito lhe seja fixado pela dona da obra, novas estantes em madeira de cerejeira,
de executar a obra em conformidade com o quefoi convencionado, e sem vícios que excluam tal como inicialmente convencionado.
ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, Se as despesas com a nova construção forem desproporcionadas em relação
como dispõe o artigo 1208.', ao proveito (artigo 1221.', n,? 2), não terá a empreiteira que eliminar os defeitos,
Os materiais com os quais a obra das estantes deveria ser executada, não tendo mas a dona da obra poderá invocar a redução adequada do preço (hipótese em
havido convenção em contrário, deveriam ser fornecidos pela empreiteira, como que aceitará ficar com as estantes, embora por preço inferior ao convencionado)
decorre do artigo 1210,', ou a resolução do contrato se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a
No caso concreto, constata-se que a empreiteira não executou a obra em que se destina (artigo 1222.'), Esta inadequação da obra não deve ser entendida
conformidade com o que havia sido convencionado, pois as estantes deviam ter apenas num sentido de estrita inaptidão funcional; deverá incluir-se também a
sido executadas em madeira de cerejeira e não numa madeira menos valiosa como inadequação estética da obra.
a madeira de pinho, o que reduz o valor da obra, Também o mau acabamento Em resumo, a dona da obra teria de seguir este caminho e demonstrar que
de uma das estantes, que apresenta visíveis manchas de verniz, contribui para a a resolução do contrato era a única solução idónea à satisfação do seu interesse,
redução desse valor, Consequentemente, devolveria as estantes à empreiteira e esta, por sua vez, teria
Constatando-se, assim, que a obra apresenta vícios, coloca-se a questão de de devolver o preço recebido,
saber que direitos assistem à sociedade de advogados, dona da obra, e mais con- Para alcançar a satisfação do seu interesse, a dona da obra, após denunciados
cretamente a questão de saber se esta sociedade pode, de imediato, invocar a os defeitos dentro do prazo de 30 dias, tem o prazo de um ano para recorrer a
resolução do contrato, tribunal, exercendo os seus direitos judicialmente, caso as partes não tenham
Importa, para o efeito, referir que este contrato de empreitada não configura conseguido solucionar as suas divergências extrajudicialmente, como decorre
uma relação de consumo, porque se trata de um contrato celebrado entre dois do artigo 1224,', Todavia, esses direitos caducam se o dono da obra não propôs
profissionais, destinando-se a obra a uso profissional da sociedade de advoga- acção em tribunal antes de decorrerem 2 anos sobre a entrega da obra.
dos, dona da obra. Assim, o regime dos defeitos da obra não será o previsto no
Decreto-Lei n." 67/2003 (aplicável apenas às relações de consumo), mas sim O 2,' Questão
previsto no Código Civil. Na segunda questão trata-se de saber por conta de quem corre o risco do
Nos termos do artigo 1220.', a sociedade de advogados deverá começar por perecimento da obra, já que a destruição da mobília não foi imputável a nenhuma
denunciar os defeitos da obra à empreiteira, Dispõe, para o efeito, do prazo de das partes,
30 dias, a partir da data em que toma conhecimento dos defeitos, Nos termos do artigo 1228.' n." 1, o risco corre por conta de quem é proprie-
Feita a denúncia dos defeitos, assistem à sociedade dona da obra os direitos tário da obra no momento da sua destruição,
enunciados nos artigos 1221.' e 1222,': exigir a eliminação dos defeitos; exigir As regras sobre a propriedade da obra encontram-se definidas no artigo 1212,',
nova construção; redução do preço e resolução. No caso concreto, como se tratava de coisa móvel construída com materiais for·
Da interpretação conjugada destas duas normas conclui-se que elas estabe- necidos pela empreiteira, a propriedade da obra só se transferia para a sociedade
lecem uma hierarquia entre estes direitos, pelo que, no caso concreto, a dona de advogados com a sua aceitação.
da obra não pode arbitrariamente e injustificadamente optar, de lrncdtato, pela Como a obra foi destruída antes da sua entrega e, consequentemente, antes
resolução do contrato. da sua aceitação pelo sociedade de advogados, a propriedade das estantes ainda

1'11
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS EMPRliITÁI)Á

pertencia à sociedade empreiteira quando ocorre a sua destruição, pelo que será CASO 7
esta quem deverá suportar tal risco.
Assim, como já tinha recebido o preço, deverá restituir o montante recebido Em Janeiro de 2008, Filipe e Rute celebraram entre si um contrato de emprcí-
ou proceder à construção de novas estantes, caso se mantivesse o interesse da tada, pelo qual o primeiro pintaria a moradia da segunda, pelo preço de 5000
credora no recebimento dessa prestação, Euros. Acordaram que Filipe forneceria os materiais, a mão-de-obra e os equipa-
mentos necessários à execução do trabalho, e que Rute pagaria o preço em duas
prestações de 2500 Euros, uma aquando da celebração do contrato (o que fez)
e outra no final da obra.
Até ao momento, Filipe já executou o reboco da moradia e dos muros de
vedação, mas ainda não iniciou os trabalhos de pintura.
Desde Junho de 2008 que Filipe, alegando dificuldades financeiras, não rea-
liza qualquer trabalho na casa. Em Março de 2009, Rute escreveu-lhe uma carta
instando-o a pintar o prédio e a acabar a obra, mas não obteve qualquer resposta,
Rute quer resolver o contrato.
Quid iuris?

RESOLUÇÃO
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS EMPRBITAI)A

RESPOSTA CASOS

Rute e Filipe celebraram entre si um contrato de empreitada, regulado nos Em Janeiro de 2011, Alice mandou Emília fazer um vestido de noiva para O
artigos 1207.' e ss, pelo qual Filipe se obrigou a pintar uma moradia, pelo preço seu casamento. Concordaram que O vestido deveria ficar concluído uma semana
de 5000 Euros. antes do casamento, a realizar em 10 de Agosto, e que o preço, 4000 Euros, seria
Até ao momento, todavia, Filipe não terminou a pintura da moradia, apesar pago em duas prestações: 1000 Euros aquando da celebração do contrato e 3000
de Rute o ter instado a tal por uma carta datada de Março de 2009. O artigo 808.' Euros aquando da entrega.
estabelece que se o credor, "em consequência da mora, perder o interesse que tinha com a Em Junho, Alice comunicou a Emília que já não iria casar e que não queria
prestação, ou esta não forrealizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, o vestido,
considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação': Resulta desta norma que o Quid iuris, sabendo que Emília já havia comprado todos os materiais necessários
incumprimento da obrigação pelo empreiteiro se torna definitivo se a obra, não para a feitura do vestido, e até já haviam realizado a primeira prova?
tendo sido realizada, já o não puder ser, por o dono da obra ter perdido o inte-
resse ou por não ter sido realizada dentro do prazo que este tiver razoavelmente RESOLUÇÃO
fixado, A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente, nos termos
do n.? 2 daquele artigo,
Em situação semelhante à do caso em apreço, decidiu a jurisprudência que o
facto de o empreiteiro se ter remetido ao silêncio durante tanto tempo, sem sequer
responder à carta do dono da obra, configura um nítido abandono da obra":
"Em caso de paragem da obra, pelo empreiteiro, pelo período de dois anos,
sem que se prove que o mesmo prestou ao dono da obra qualquer informação
explicativa para tal paragem, é lícito concluir-se que existe um incumprimento
definitivo, pois tal traduz-se num comportamento inequívoco de quem não quer
ou não pode cumprir."
Considerou ainda o mesmo Acórdão que o mero facto de o empreiteiro ter ale-
gado' dificuldades financeiras' não é uma justificação para o incumprimento contra-
tual das obrigações assumidas, O não cumprimento pelo empreiteiro presume-se
culposo (cfr, artigo 799.') e confere ao credor O direito a ser indemnizado e a
resolver o contrato, nos termos do artigo 801.2, n.2 2. Assim sendo, Rute pode
resolver o contrato e exigir a restituição da prestação já cumprida,

n Cfr. Acórdão do ST}, de 9 de Dezembro de 20 IO, In www.dgai.pt.

J!I,'i
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS EMPREITADA

RESPOSTA CASO 9

Alice e Emília celebraram entre si um contrato de empreitada, pela qual a Coimbrobra, empresa do ramo da construção civil, celebrou com Alfredo,
segunda se obrigou a fazer um vestido de noiva, pelo preço de 4000 Euros. Alice, empresário da restauração, um contrato de empreitada, pelo qual se obrigava a
todavia, já não quer casar e desistiu do vestido. O artigo 1229,' dispõe que o construir uma casa de chá, mediante o preço de 150000 Euros.
dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido A casa de chá foi construída, mas apresentava defeitos de construção que
iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos Alfredo denunciou à Coimbrobra. Apesar das reparações efectuadas pelo empre-
e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra. A desistência é, assim, uma sário, a obra continuou a apresentar defeitos, já que as fissuras, infiltrações e
faculdade de que dispõe Alice, que não tem de ser fundamentada, não carece manchas voltaram a surgir. Alfredo apurou, entretanto, que a causa desses vícios
de pré-aviso, e tem eficácia ex nunc, embora seja condicionada à índemnízação a era a deficiente concepção e execução do projecto da casa de chá, e que esses
Emília dos "seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra" (artigo 1229· defeitos, com repercussões preocupantes na segurança do edifício, não podem
do Código Civil, in fine), Está aqui em causa uma indemnízação por interesse ser eliminados. Impõe-se, por isso, a sua demolição e a construção de outra.
contratual positivo, co-envolvendo, além do lucro cessante, os gastos e o custo A empresa recusa-se a fazê-lo e Alfredo está a pensar contratar uma outra empresa
da actividade desenvolvida, Visa-se com a reparação colocar Emília na situação para a reconstrução.
que teria se o contrato tivesse sido cumprido, ou seja, o que poderia ter obtido Quid iuris?
no caso de ter concluído a obra acordada,
O montante da indemnização será, assim, o correspondente à parte do preço RESOLUÇÃO
acordado que Emília ainda não recebeu, ou seja, os 3000 Euros.
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS EMPREITADA

RESPOSTA CASO 10

Estamos perante um contrato de empreitada, celebrado entre a Coimbrobra e No exercício da sua actividade profissional, André, obrigou-se perante Carlos
Alfredo, pelo qual a primeira se obrigou a construir para o segundo uma casa de a construir uma piscina na casa de campo deste, com a dimensão de 12x7xl,70rn,
chá, pelo preço de 150000 Euros. Este contrato é regulado pelos artigos 1207.' em betão armado, com acabamento em mosaicos de vidro, dotada de uma escada
e ss do Código Civil. interior feita de acordo com o modelo romano, de uma escada exterior, e de três
O caso concreto configura uma situação de cumprimento defeituoso do con- projectores de luz,
trato de empreitada, já que houve uma deficiente concepção e execução da obra, A piscina ficou concluída em Julho de 2009, e Carlos pagou o preço de 60 000
de que resultaram vícios que excluem ou reduzem a sua aptidão para o previsto Euros. Todavia, a piscina executada por André não era estanque, registando
no contrato, Detectados os defeitos por Alfredo, este tem de os denunciar no perdas de água que, pelo seu volume, exigiam o seu constante enchimento. Carlos
prazo de um ano, tal como estabelecido pelo artigo 1225.', n.? 2, comunicou, imediatamente, essa anomalia a André e exigiu-lhe, repetidamente,
O artigo 1221.' determina que se os defeitos puderem ser supridos, o dono a sua eliminação.
da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não pude- Embora André tivesse reconhecido a anomalia em causa, tardou em dar início
rem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção. No caso concreto, para aos trabalhos de reparação, pelo que Carlos lhe enviou uma carta, em Setembro
além das fissuras, fendas, infiltração de água, e manchas, a casa de chá apresenta de 2009, instando-o, mais uma vez, a reparar a piscina. André não respondeu
anomalias estruturais importantes com implicações preocupantes na segurança a essa missiva e nunca mais contactou Carlos. Por isso, por carta regístada com
da moradia. Alfredo pode pois exigir à Coimbrobra uma nova construção da casa aviso de recepção, em Outubro de 2010, Carlos comunicou a André que consi-
de chá, já que os defeitos da obra não podem ser eliminados. Como escrevem derava resolvido o contrato de empreitada celebrado entre ambos, reservando-se
Pires de Lima e Antunes Varela", trata-se "de uma nova obrigação de prestação de o direito de exigir judicialmente a indemnização que lhe fosse devida.
facto, que surge como consequência de o empreiteiro não ter executado a obra nas condições Quid iuris?
convencionadas". A Coimbrobra só não terá de proceder a uma nova construção se,
nos termos do artigo 1921. º, n. º 2, as despesas se mostrarem desproporcionadas RESOLUÇÃO
em relação ao proveito.
Note-se que Alfredo não tem direito de, por si ou por intermédio de terceiro,
reconstruir a obra à custa do empreiteiro. Terá, pelo contrário, de instaurar uma
acção para o cumprimento da obrigação de substituir a obra (artigo 817.' do
Código Civil), e só em execução, após uma condenação prévia da Coimbrobra, é
que Alfredo, credor de uma prestação de facto fungível, poderá requerer que a
obra seja efectuada por outrem à custa do empreiteiro (cfr. artigo 828, '), Por fim,
Alfredo tem ainda direito a indemnização nos termos gerais (cfr, artigo 1222,'),
por exemplo a ser ressarcido pelo prejuízo sofrido com o retardamento da aber-
tura da casa de chá,

24 PIRES I)E LIMA C ANTUNES VARE LA, Código Cjvil Allotado, vcl. 11I, CnllllhHI l\d[HIIII, P. 820.
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS EMPREITA DA

RESPOSTA CASOU

Estamos perante um contrato de empreitada que tem por objecto a construção Em Janeiro de 2011, Carolina acordou com Miguel, que se dedica à actividade
de uma piscina, pelo preço de 60 000 Euros, Como o contrato foi celebrado entre de fabrico e comercialização de móveis e de estofos, que este colocaria novos
um profissional, André, no âmbito da sua actividade económica, e um consumidor, estofos em pele sintética, num conjunto de 2 sofás e 2 cadeiras, pelo preço glo-
Carlos, que pretende a piscina para a sua casa de campo, e portanto para uso não bal de 2500 Euros, Três meses depois de entregues os móveis, a pele começou a
profissional, aplica-se ao caso concreto o regime do Decreto-Lei n.? 67/2003, rachar e a perder o brilho,
de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n,' 48/2008, de - Que direitos assistem a Carolina?
21 de Maio (cfr. artigo l'-A, n.? 2).
O Decreto-Lei n.? 67/2003 institui uma garantia edilícia contra defeitos da RESOLUÇÃO
coisa, Assim, André é responsável por qualquer falta de conformidade existente
no momento da entrega da obra, presumindo-se existentes já nessa data as faltas
de conformidade que se manifestem num prazo de cinco anos (cfr. artigo 3').
A Carlos caberia, pois, denunciar o facto de a piscina não ser estanque, no
prazo de um ano a contar da data em que o detectou (artigo 5,'-A, n.? 2), o que
terá feito, tal como resulta do enunciado do caso prático.
O artigo 4,' do Decreto-Lei n.? 67/2003 enuncia os direitos que assistem a
Carlos: o consumidor tem direito a que a conformidade seja reposta através de
reparação ou substituição, sem encargos, à redução do preço ou à resolução do
contrato. Nos termos do n.º 5 desta norma, o consumidor pode exercer qual-
quer destes direitos, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de
direito nos termos gerais. A referência ao abuso de direito assenta num juízo
de desproporcionali-dade (numa interpretação conforme ao artigo 3.', n.? 3, da
Directiva 1999/44/CE, do Conselho e do Parlamento Europeu, de 25 de Maio
de 1999), tendo em conta uma ponderação de custos para ambas as partes>,
Carlos pediu a reparação da piscina, que deveria ter sido realizada por André
num prazo razoável e sem grave inconveniente para Carlos (cfr, artigo 4,', n.? 2),
Não tendo André cumprido a sua obrigação de reparar a obra, e perante a
patente recusa em fazê-lo, Carlos pode intentar uma acção para o cumprimento,
nos termos do artigo 817' do Código Civil. Mas o Decreto-Lei n.? 67/2003, ao
não estabelecer nenhuma hierarquia entre os meios ao dispor do consumidor,
permite a Carlos optar pela resolução do contrato, que neste caso não deve ser
considerada desproporcionada, visto já ter passado mais de um ano sem que André
tivesse reparado a piscina. A resolução faz-se mediante declaração à outra parte
(artigo 436.', n' 1), devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado pelas
partes contratantes (artigo 289, 1.', ex vi artigo 433, '),

25Cfr. L. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações JJJ, Contratos em Bspeclltl, 7.1 ed., Almedlnn,
Coimbra, p. 158.

201
200
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS EMPREITA[)A

RESPOSTA CASO 12

Estamos perante um contrato de empreitada celebrado entre um profissional, João, empresário da construção civil, foi contratado por Tomás, que se dedica
Miguel, que no âmbito da sua actividade económica se comprometeu a colocar à actividade de tipografia, para a construção e colocação de um novo telhado, no
estofos em vários móveis, e uma consumidora, Carolina, pelo que se aplica a este seu armazém, A obra ficou concluída em Agosto de 2010, e Tomás pagou nessa
caso O Decreto-Lei n." 67/2003, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas altura a totalidade do preço acordado, 7000 Euros.
pelo Decreto-Lei n.? 84/2008, de 21 de Maio (cfr. artigo l.°-A, n,o 2), Em Outubro, começaram a surgir infiltrações e humidade nas paredes do
Miguel é responsável por qualquer falta de conformidade existente no armazém, Em Novembro, o telhado começou a deixar passar a água da chuva,
momento da entrega da obra, presumindo-se existentes já nessa data as faltas o que impede Tomás de trabalhar com as máquinas situadas no armazém, e o
que se manifestem num prazo de dois anos (cfr. artigo 3,°), Tendo a pele rachado obrigou a tapar todos os livros que aí guarda, que, todavia, continuam em risco
e perdido o brilho, Carolina deve denunciar a falta de conformidade num prazo de deterioração devido à humidade que se faz sentir.
de dois meses a contar da data em que a tenha detectado (artigo s'-A, n' 2), ou Contactado João, este declina qualquer responsabilidade, alegando que o
seja, até Junho de 2011, sob pena de caducidade dos seus direitos. defeito deve ser do material das telhas, mas que, de qualquer maneira, e por ter
O artigo 4' estabelece que Carolina tem direito à reposição da conformidade, todos os seus funcionários ocupados numa outra obra, só em Janeiro pode ir ver
sem encargos, por meio de reparação ou substituição da coisa, à redução do preço o que se passa. Tomás, que está a ter prejuízos avultados, e em vias de se tomar
ou à resolução do contrato, A lei não estabelece qualquer hierarquização entre impossibilitado de cumprir um contrato de impressão a que se obrigou, pergunta
estas faculdades, estabelecendo apenas como limite a sua impossibilidade ou que como deve agir,
a escolha constitua abuso de direito, Os direitos atribuídos a Carolina devem ser Quid iuris?
exercidos no prazo de dois anos a contar da denúncia, sob pena de caducidade
(artigo s,º-A, n." 3), RESOLUÇÃO
Sendo os sofás e as cadeiras bens móveis, a reparação ou a substituição deve
ser feita num prazo máximo de 30 dias (artigo 4', n' 2) e sem encargos para
Carolina (artigo 4', n' 3).

lOJ lO I
CONTRATOS CIVIS - CASOS PRÁTICOS RESOLVIDOS

RESPOSTA

Tomás e João celebraram um contrato de empreitada, pelo qual o segundo se


obrigou a construir e a colocar um telhado no armazém do primeiro, mediante
o pagamento de 7000 Euros,
Todavia, estamos perante um cumprimento defeituoso desse contrato, já que
o telhado deixa passar a água da chuva, o que tem causado humidade e infiltra-
ções nas paredes, Tomás denunciou atempadamente estes defeitos a João, já que
dispunha do prazo de um ano para o fazer, nos termos do artigo 1225,', n,' 2,
O artigo 1221.' determina que se os defeitos puderem ser supridos, o dono da
obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser
eliminados, o dono pode exigir nova construção. No caso concreto, Tomás pediu
a João a eliminação dos defeitos, mas este ainda não procedeu à reparação do
telhado, Como regra geral, Tomás não teria direito de, por si ou por intermédio
de terceiro, reconstruir a obra à custa de João, mas teria de instaurar uma acção
para o cumprimento da obrigação de reparação da obra nos termos do artigo 817'
do Código Civil e leis do processo, Só em execução, após uma condenação prévia
de João, é que Tomás, credor de uma prestação de facto fungível, poderá requerer
que a obra seja efectuada por outrem à custa do empreiteiro (cfr. artigo 828,'),
Todavia, a doutrina e a jurisprudência, em casos excepcionais de urgência,
admitem que O dono da obra e O comprador de coisa defeituosa autotutelem o seu
direito, sem que previamente haja condenação do empreiteiro ou do vendedor a
eliminar os defeitos, No caso concreto, Tomás não pode trabalhar com as máqui-
nas situadas no armazém, e teve de tapar todos os livros que, todavia, continuam
em risco de deterioração devido à humidade. Como Tomás está a ter prejuízos
avultados, e João tem os seus funcionários todos ocupados noutra obra, a situação
apresentada, pelos defeitos existentes e pela sua dimensão e consequências, era
de manifesta urgência. É, assim, admissível que o credor, directamente e sem
intervenção do poder judicial, proceda à eliminação dos defeitos, exigindo depois
do empreiteiro o pagamento das respectivas despesas,
Por fim, Tomás tem ainda direito a indemnização nos termos gerais
(cfr, artigo 1222.'), por exemplo, pelos prejuízos sofridos nos livros guardados
no armazém.

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