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Doutor em Direito
A TIPICIDADE
DOS DIREITOS REAIS
-~
DEDALUS - Acervo - FD
11111 il 111111111111111111111
20400067666
1~ ~ 1
LISBOA
1968
J>c.\}
- Acção Finali.sta e Nexo Causal (dissertação apresentada no Curso
Complementar de Ciências Jurídicas), Lisboa, 1956.
1'31 PREPARAÇÃO:
)
7
3
1
3
----1111
íNDICE GERAL
Pâgs.
INTRODUÇÃO 13
CAPÍTULO I - A TIPICIDADE
preliminares. Tipicidade e f acti species 19
l. A viragem contemporânea para o «tipo» 21
2.
3. o tipo real 24
4. Limites do recurso ao tipo real 27
Ern torno de um «tipo» próprio da ciência do direito 30
5.
Tipo e especificação 33
6.
As tipologias 37
7.
Tipologia e classificação 40
8.
Ti.pologia e enumeração 42
9. rrnpu tação de uma figura a uma dada tipologia
10. 44
0 critério de tipificação 47
11. Tipologias taxativas e exemplificativas
12. 50
Tipologia delimitativa 52
13.
subtipos 55
14· Tipicidade e analogia .
15. 57
c1assificação dos tipos em abertos e fechados 61
16. caracterização 63
11.
~o II-NUMERUS CLAUSUS
pf'fV....,
C.A cornvaração de leis 67
1B· comparação de doutrinas 69
19· origem histórica 73
zO. pasição de jure constituendo 76
21. crítica dos fundamentos do numerus clausus 78
22· ;\ situação no domínio do Código de Seabra 8"2
z3. pretens~s. soluções dogmáticas 83
24· 0 princ1p10 da autonomia privada e as proibições legais 85
z5. ;\ 0rde~ _Pública 87
~6· ;\ adm1ssao do numertts clausus ·no direito anterior 89
z1. O 8 rt: 1~06.º do Código de 1966 91
zB. ;\Prec1açao da solução portuguesa 93
zg.
7
Págs.
30. A conversão legal 95
31. Limites da conversão legal 98
32. Indicação da se:iuência 102
SECÇÃO
.
II-LIMITES DO ART. 1306.º, 1 .
46. Posição do problema 140
47. ·Limites temporais 141
48. Situações reais concretas que subsistem 145
49. Limites locais 147
50. Limites pessoais 149
51. Limites internacionais 151
52. A mudança de estatuto 152
53. A adaptação 156
54. Razão de ordem 159
8
Págs.
58. O problema no direito actual 166
59. A atípicidade dos factos canstituNvos de direitos reais 168
60. Direitos reais de origem legal 172
61. Hipóteses em 'discussão 173
62. Critério 177
63. Manifestações 179
64. Ccmclusão 183
9
Págs.
SECÇÃO III - A ELABORAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO
DIREITO
10
Pégs.
113. A eventualidade da integração da lacuna em termos
re~ m
114. A eventualidade dum numerus apertus sectorial 302
11
137. <A autorização para a prática de determinados actos»
138.. Outras providências não especificadas
139. Atipicidade das providências cautelares e num.erus
c1au3'&8
UO. A repereu~o no registo predial
Ul. As previsões do art. 399.º do Código de Processo Civil
não são tipos
CosCLUSÃO
Thl)ICE BIBLIOGRÁFICO
INTRODUÇÃO
13
Direito das Coisas é o· do numerus clausus dos direi tos reais.
Seria pois de esperar que a lei e os doutrinários lhe conce-
dessem um lugar de relevo.
Todavia, este tema tem sido objecto de um impressio-
nante desinteresse. O Código de 1867 nada dizia a tal res-
peito: e os autores (se referem a matéria) fazem-no para
desenhar uma noção em escassas linhas e passar adiante.
Por isso, sendo embora pacífica a afirmação de que só era
possível dar vida a um número limitado de direitos reais,
não admira que a situação que descrevemos originasse várias
ambiguidades.
O novo Código Civil veio alterar esta situação. Cessou
o silêncio legal: o n.º 1 do art. 1306.º proclama expressamente
o princípio do numerus clausus. Mas não cessaram as ambi-
guidades; podemos até dizer que elas resultam necessària-
mente da fórmula que foi adaptada por lei. Como veremos,
a primeira parte do preceito, em que se exige a previsão
legal, não se ajusta inteiramente à segunda parte, em que
se fala na constituição por negócio jurídico. E esse desajus-
tamento é sintomático.
Há pois hoje em dia, na nossa ordem jurídica, um pro-
blema do numerus clausus.
(1) § 4, 3.
{2) Pág. 48.
(3) Pág. 879.
14
·~.
(') § 2, II, 1.
(t1) § 88, li ter (pág. 417).
( 8) § 1, li.
15
a que definitivamente seremos conduzidos, verificando sobre-
tudo se representa uma tipicidade taxativa.
Os objectivos que nos propusemos não nos permitiram
que nos encerrássemos nas habituais fronteiras do Direito
das Coisas, antes nos impuseram a realização de uma inves-
tigação que em grande parte se poderá caracterizar como
inter-disciplinar. Não recuámos perante ela, ainda que tivés-
semos clara consciência das dificuldades em que íamos
incorrer, não só pela dispersão a que fomos forçados como
até por pràticamente estes problemas nunca terem sido con-
siderados por este prisma. O direito real é, quanto a nós,
uma figura de direito comum, e portanto manifesta-se nos
mais variados quadrantes do ordenamento jurídico. A fixa-
ção de uma categoria fundamental como a tipicidade não
poderia pois prescindir do conhecimento da forma como
ao direito real recorrem os diversos ramos da ordem jurí-
dica.
16
Segue-se a averiguação da possibilidade da concorrência
de outras fontes de direito, além da lei, na criação norma-
tiva de direitos reais. Os problemas suscitados pela própria
lei, bem como pela doutrina, costume e jurisprudência, são
então sistemàticamente abordados. É este o objecto do capí-
tulo V.
Mas poderemos dizer que é um princípio absoluto o da
necessidade de prévia criação normativa? O problema terá
de ser examinado sob dois ângulos.
Em primeiro lugar, deve perguntar-se se a autonomia
privada está em absoluto excluída da criação e modelação
de direitos reais: é o que fazemos no capítulo VI. Verifica-
mos primeiro quais as possibilidades e a relevância da cria-
ção de direitos sobre bens intelectuais; a seguir o signifi-
cado dos métodos admissíveis de preenchimento de «lacunas
rebeldes à analogia»; e por fim as possibilidades de inter-
venção da autonomia privada na modificação de direitos
reais, o que levará à qualificação dos tipos de direitos reais
como tipos abertos.
Isto no que respeita à autonomia privada. Mas cabe
ainda averiguar se há entidades que se possam dizer isentas
da aplicação ·do princípio: tal a justificação do capítulo VII.
É aí que referimos o problema suscitado pela criação de
direitos reais administrativos e examinamos depois, com
mais algum desenvolvimento, o problema dos direitos reais
judiciários, nomeadamente os que possam resultar da ema-
nação de providências cautelares.
17
2
CAPITULO I
A TIPICIDADE
19
~ n~ na formação da vontade ( 3 ), fala-se em regimes
~..moo.W.s de bens típicos ( 4 ), e assim por diante (r>).
Por isso dizíamos que é este um capítulo que, com a
~ de pontos de vista, ganhou foros de moda dentro
.:i.t ~ jurídica.
20
tal generalidade, de tipicidade só se fala habitualmente em
sentido mais restrito.
E é curioso observar que todos os autores que estuda-
ram especificamente a tipicidade ou o tipo separam esse
estudo do ·da facti species: a distinção parece-lhes tão evi-
dente que nem sequer enunciam o problema.
21
rápida referência à maneira como o problema, na sua gene-
ralidade, tem sido colocado.
Comecemos por notar que não propriamente a tipici-
dade, mas o tipo, atrai as atenções da doutrina moderna.
Mais uma vez os juristas foram influenciados por uma evo-
lução geral ·do pensamento que em si não tem nada de espe-
cificamente jurídico ( 8 ). J;: próprio da situação intelectual
contempôrânea a oposição a um pensamento meramente
conceituai, que representaria uma violentação da realidade,
pela sua demasiada abstracção. Por isso o tipo, como forma
própria de apreensão da realidade, suscita um vivo inte-
resse. Com efeito, por mais variados que sejam os prismas
através dos quais se encare o tipo, este será de qualquer
modo algo mais concreto do que o conceito. E é curioso
notar que foi esta a única característica comum acolhida
por Engish, no termo de uma fundamental investigação
sohre os entendimentos do tipo ( 9 ).
22
gorias rígidas, aos Ordnungsbegriffe, conceitos de ordem ou
ordenadores, entre os quais se encontrariam antes de mais
os tipos. Aqueles fundar-se-iam numa abstracção que des-
conheceria que a realidade é contínua, ao passo que estes
teriam fronteiras fluidas, e seriam objecto de descrição, mais
do que de definição. Uma entidade é subsumida a um con-
ceito, mas a um tipo só pode ser referida, e pode afastar-se
mais ou menos dele. Recorda aliás Radbruch que para o
tipo haviam já conscientemente apelado, para enquadrar a
realidade jurídica, Jellinek, Max Weber e Carl Schmitt. Mas
a própria legiferação, se bem que operasse preferentemente
com conceitos de classe, não deixava também de recorrer a
tipos ( 11 ) • .Nisto seguiria o modelo dos jurisconsultos roma-
nos: o rec~rso ao id quod plerumque accidit, por exemplo,
implicava já a utilização de um tipo.
Pelo mesmo caminho vão seguir posteriormente outros
autores, como Larenz, Hans J. Wolff e, recentemente, Arthur
Kaufmann ( 12 ). Entre nós, já em 1944 Rodrigues Queiró nos
dava conta desta orientação e da fisionomia do tipo por ela
apresentada ( 18 ). Apesar disso, não encontrámos posterior-
mente referências significativas a este tema em autores por-
tugueses.
23
a previsão legal corresponde. Os chamados tipos jurídicos
aio ainda afinal tipos sociológicos, escolhidos de entre estes
por possuírem a característica exterior de estarem referidos
ou pressupostos em previsões normativas.
Dividiremos a nossa análise em duas partes. Em pri·
meiro lugar, vamos averigua·r qual o valor que o tipo real
pode ter na ci~ncia jurídica: fá-lo-emos muito brevemente,
pois não é esse o nosso objectivo. E veremos seguidamente
se, fora dele, a tipicidade não terá outras manifestações no
sistema jurídico. Ou seja, se não podemos falar duma tipi·
cidade na norma, e não meramente duma tipicidade por
det rds da norma.
3. o Upo ree.I
25
a prev1sao legal corresponde. Os chamados tipos jurídicos
são ainda afinal tipos sociológicos, escolhidos de entre estes
por possuírem a característica exterior de estarem referidos
ou pressupostos em previsões normativas.
Dividiremos a nossa análise em duas partes. Em pri-
meiro lugar, vamos averiguar qual o valor que o tipo real
pode ter na ciência jurídica: fá-lo-emos mui to brevemente,
pois não é esse o nosso objectivo. E veremos seguidamente
se, fora dele, a tipicidade não terá outras manifestações no
sistema jurídico. Ou seja, se não podemos falar duma tipi-
cidade na norma, e não meramente duma tipicidade por
detrás da norma.
3. o tipo real
24
rações de Radbruch, há pouco transcritas; e como tipo
representativo ( 14 ).
Particularmente ao tipo empírico recorre o legislador;
e isto em qualquer das suas subespécies, o tipo normal e o
tipo de frequência. O primeiro representará as caracterís-
ticas médias (sejam ou não as de mais frequente realiza-
ção) de uma categoria de seres; o segundo é determinado
estatisticamente, pois traduz a maior verificação. Assim, a
inaptidão do tutor para o exercício do cargo, prevista no
art. 1948.º, a), deve apurar-se por confronto com um tipo
médio, pouco interessando neste caso qual seja a maior
frequência de verificação; pelo contrário, quando se dispõe
que «O usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa
ou direito como faria um bom pai de família, respeitando
o seu destino económico» ( art. 1446.º), o recurso à figura
tradicional do bonus paterfa1nilias esconde, ao que pensa-
mos, não um tipo médio ou até um tipo qualificado por
características superiores à média (como poderia pensar-se
por se falar num bom pai de família) mas um mero tipo
de frequência: o usufrutuário deve proceder como usual-
mente se procede no uso dos bens, e não é obrigado a uma
diligência superior à normal ( 15 ).
n.º 278. De .Martino, sub ar.t. 1001.º, fala em diligência média, mas
cremos que sem entrar em conta com esta distinção.
Podem também respeitar a tipos de frequência numerosas refe-
rências legais aos usos. Assim, pode-se dizer que, quando o art. 1128.º,
ao estabelecer o regime subsidiário da .parceria pecuária, dispõe que
em tudo o que não estiver estabelecido por lei ou convenção devem
ser observados «OS usos da terra», é para um tipo de frequência
que aponta.
25
realidade permite-nos compreender muitos casos em que o
sentido ( objectivo) da norma evolui, porque também evo-
luiriam as circunstâncias, ou o tipo em que o preceito se
apoiava.
Todos os autores, de Radbruch a Engish, acentuam ainda
a importância desta orientação para efeitos da interpretação
da lei: se há correspondência entre a figura legal e um tipo
real, a análise deste fornece-nos elementos preciosos para
esclarecer os aspectos que o legislador não regulou clara-
mente ( 16 ).
Pelos mesmos motivos, ao tipo se poderá recorrer
quando se verificar a existência de uma lacuna, sempre
com fundamento nesta correspondência essencial. O conhe-
cimento do tipo que terá inspirado o legislador revelar-se-á
um precioso auxiliar da integração.
Um problema específico surge quando a própria lei
recorre à tipificação, construindo taxativamente modelos
que se impõem à observância dos intérpretes. Este é o caso
de que particularmente nos ocuparemos. Nessa hipótese,
devemos dizer que a consideração do tipo real, para além
do que respeita à interpretação em sentido restrito, perde
toda a importância? Não se orientam neste sentido os auto-
res que estudaram em geral o problema: e há já investiga-
ções de disciplinas específicas que permitem definir melhor
os limites da utilização do tipo real. Assim faz Kaufmann ( 17 )
para o Direito Penal, sondando os limites do princípio nullum
crimen sine lege, nomeadamente em hipóteses de omissão.
Assim faz também Koller ( 18 ) na sua monografia destinada
justamente a delinear uma teoria do tipo no direito das
sociedades. Verifica o autor que há um numerus clausus
26
de formas de sociedades comerciais, mas verifica também
que atrás de cada forma legal se encontra um tipo. Procura
então conjugar os dois elementos; nomeadamente, tendo
admitido a possibilidade de sociedades comerciais atípicas,
procura demarcar os limites da autonomia privada neste
campo ( 19 ).
27
pondência do preceito jurídico a um tipo real. Isto sucede
quando a criação normativa precede a verificação prática
de determinada situação. Não será frequente, mas é cada
vez mais de ter em conta, à medida que aumenta a comple-
xidade da ordem social e o elemento de «Construção» dentro
dos instrumentos que para ela são elaborados. Assim se veri-
ficará sobretudo no que respeita às consequências da regra
legal, que se podem afastar de qualquer relacionação social-
mente conhecida.
Mesmo prescindindo de preceitos singulares, vemos ins-
titutos inteiros surgirem divorciados de qualquer prática
social anterior: pensamos nas medidas de segurança, no
extracto de factura, na inabilitação ... Sem dúvida, mesmo
então é necessário conhecer a realidade histórica que moti-
vou a intervenção do legislador: mas essa dá-nos a ratio
legis, e não um tipo real. Também é necessário conhecer
os termos de comparação que o nortearam, tirados da his-
tória ou de legislações contemporâneas: mas nenhuma destas
observações nos dá um tipo real, a que deva referir-se e
com que deva ser conjugada uma dada previsão legal.
28
várias formas previstas por lei, mas tem de aceitar uma
excepção: a da sociedade de responsabilidade limitada. Esta
foi artificialmente introduzida na vida jurídica pela lei alemã
de 20 de Abril de 1892, e sucessivamente acolhida em quase
todos os Estados do continente europeu ( 21 ). Parece que
esta forçada admissão inquina, não talvez a correcção, mas
certamente o carácter sistemático que o autor quer empres-
tar posteriormente à utilização do tipo (real) da sociedade
comercial.
29
quência da norma ( 23 ). E, sem dúvida, devemos reconhecer
que a toda a intervenção legislativa corresponde a represen-
tação de um determinado realizar-se histórico. Essa repre-
sentação poderia ser tomada como um tipo, uma vez des-
pojada da ligação psicológica ao autor ou autores históricos.
Mas o próprio Engish nota que ela não poderá realizar as
funções que ao tipo real foram atribuídas, porque o que
efectivamente acontecer não pode ser destituído de todo o
significado, antes concorre com aquela representação para
dar o critério da apreciação de cada caso ( 24 ).
30
tipos legais não são tipos, são classes: as figuras legais
estão perfeitamente limitadas, não há aquele mais ou menos,
aquela indeterminação de fronteiras que caracteriza o tipo.
Assim fala Hans Wolff a propósito dos chamados tipos
penais, uma vez que a passagem duma figura de crime
para outra não é gradual, antes seria rigidamente determi-
nada ( 26 ). Da mesma forma fala Koller: os chamados tipos
de crimes, de contratos, de sociedades, de regimes de bens
e de direitos reais, não seriam na realidade tipos, mas con-
ceitos gerais: só haveria verdadeiros tipos se e na medida
em que esses conceitos escondessem tipos (reais)( 27 ).
31
Antes, de tipo pode-se falar, e fala-se, numa pluralidade de
acepções, consoante a forma de concretização que se tem
em vista. Em todos os casos o tipo pode ser caracterizado
como algo de mais concreto que o conceito; e em todos os
casos podem-se fazer utilizações do tipo no direi to ou na
ciência jurídica.
As bases linguísticas da investigação permitem uma
certa transposição para a língua portuguesa. ~ assim que
vemos que não há apenas o tipo real: há ainda o tipo «visí-
vel», por intuição ou por experiência ( «Anschauungstypus»),
o tipo global, o tipo entendido como o específico e o tipo
entendido como o individual. De todas estas modalidades
se podem encontrar manifestações no mundo jurídico.
Perante esta riqueza, conclui o autor ser inadequada a
redução dos tipos jurídicos a conceitos de ordem. A termi-
nologia não parece arbitrária, uma vez que é possível des-
cobrir o princípio condutor destas utilizações da palavra.
Em todos os casos - seja o real, ou o «Visível», ou o global,
ou o específico, ou o individual que estiver em causa, não
há motivo para não admitir que se fale em tipo.
32
que se nos apresenta: também os tipos fechados lhe inte-
ressam, afinal. E cremos que há na verdade uma tendência
inelutável por parte da ciência jurídica para acolher tam-
bém um conceito específico do tipo.
A própria lei assim procede: por exemplo, só este con-
ceito normativo de tipo explica as referências dos arts. 293.º
e 425.º a um tipo de negócio jurídico.
6. Tipo e especificação
33
- nos regimes de bens
- nas sociedades comerciais
- nos actos processuais
- nos processos especiais
- nos crimes e nas penas
- nas circunstâncias (agravantes e atenuantes) ( ª1 )
E o elenco poderia estender-se quase indefinidamente.
Como é natural, seria deslocada uma apreciação da maneira
como caso por caso a tipicidade se apresenta. Antes deve-
mos apurar qual o traço comum que permite afirmar que
em figuras legais de tão diversa índole encontramos mani-
festações de tipicidade.
34
Outro exemplo para ilustrar esta passagem do conceito
geral para o tipo: no ilícito penal recorreu-se à tipicidade;
já no ilícito disciplinar, segundo o entendimento de alguns,
haverá uma única figura, e não tipos de ilícito.
Não era impossível (ainda que fosse altissimamente
inconveniente) que também no ilícito penal se prescin-
disse da tipicidade. Poderia recorrer-se a fórmulas como a
seguinte: «Será punido quem infringir culposamente os prin-
cípios fundamentais da ordem social democrática, ou socia-
lista, ou comunista» ( 32 ). Esta previsão ampla substituiria
toda a tipificação. Da mesma forma, poderiam sujeitar-se
a registo os factos respeitantes a direitos inerentes a imó-
veis (à semelhança do que acontece em Espanha) em vez
de se recorrer à enumeração do art. 2.º do Código do Registo
Predial. Depende exclusivamente de razões de política legis-
lativa o facto de a norma se bastar com um conceito, ou
recorrer à tipificação.
E com isto temos a resposta à pergunta que fizemos.
Quando se fala em tipicidade jurídica utiliza-se um dos
entendimentos de tipo, dentro das modalidades atrás enun-
ciadas: esse tipo representará sempre, para recorrer à siste-
matização de Engish, um «específico». A lei, não se conten-
tando com o conceito-base, especifica. Assim se caracteriza
mais precisamente o fenómeno referido, que suscita proble-
mas particulares, em Teoria Geral e no Direito das Coisas.
35
tante osmose com os tipos legais ( 33 ). Mas basta-nos -este
aceno, uma vez que esta tipicidade nos não vai ocupar daqui
por diante ( 34 ).
(3ª) Cfr. Sacco, págs. 796 e segs.; Orlando de Carvafüo, pág. 284.
( 34 ) Notemos apenas que nem ·todas as referências à tipicidade
doutrinária se enquadram nesta ordem de ideias. Assim, fala-se numa
tipicidade da causa do negócio jurídico (para além daqueles que são
previstos na lei). Mas quer-se significar que o negócio jurídico deve
ter uma causa típi.ca. Com isto nos situamos num pólo que nada
tem que ver com o movimento de especificação atrás assinalado.
Cfr. Sacco, pág. 786.
( 35) Págs. 356 e segs.
36
tipificação, se processa o abandono de certas limitações
típicas que eram sintoma de uma rigidez que o direito actual
superou. Nenhum exemplo pode ser tão elucidativo como
o do abandono da tipicidade da tutela estadual. Em Roma
as actiones eram típicas: a protecção processual não era
outorgada a toda e qualquer situação substantiva, mas tão-
-somente àquelas a que se aplicasse um meio processual
existente. O sistema prolongou-se na tipicidade dos reme-
dies admitidos pela jurisdição britânica até 1873 ( 36 ). Em
compensação, o art. 2.º do Código de Processo Civil pro-
clama que a todo o direito corresponde uma acção, excepto
quando a lei determinar o contrário.
Também no novo Código Civil verificamos que, se por
um lado há a abertura a novas .formas de tipicidade, por
outro tipologias antigas são suprimidas. Assim, desaparece
a tipicidade das sociedades civis (art. 980.º) - se abstrair-
mos das disposições transitórias do art. 9. 0 do Decreto-Lei
n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966.
7. As tipologias
37
legal seria, pois, manifestação de tipicidade, pois tipificaria
a fisionomia juridicamente relevante de um conceito mais
vasto.
Mas a própria amplitude desta construção a impediria
de trazer muito de útil à indagação jurídica. O fenómeno
que procuramos agora fixar, tendo na base a especificação
dum conceito, só toma contornos úteis quando se depara
uma pluralidade de tipos.
Efectivamente, tem de haver alguma coisa mais que a
especificação para que, na linguagem corrente, só nalgumas
hipóteses se fale de tipicidade (e da tipificação que está na
sua origem).
38
tipicidade, há uma tipologia. Esta palavra significa justa-
mente uma série de tipos, unificados segundo determinado
prisma: adapta-se pois perfeitamente à realidade que nos
ocupa. O facto de ter sido acolhida primeiro na Caractereo-
logia não lhe tira a natureza genérica, conforme com a eti-
mologia: e efectivamente, os estudos mais recentes introdu-
ziram-na na ciência jurídica. Quanto a tipicidade, palavra
que por vezes se utiliza no sentido de tipologia para preen-
cher o vazio terminológico que se sentia, designa mais prõ-
priamente, se se parte da vida para a norma, a conformidade
ao tipo; se se parte da norma para a vida, e este é o sen-
tido mais corrente quando se fala na tipicidade dos direitos
reais, dos crimes, das sociedades, o facto de certo conceito
ser especificado numa tipologia. Abreviadamente, designa
também a sujeição de certas realidades a tipos.
39
8. '11pologia e classificação
40
Realmente, em qualquer das manifestações legais da
tipicidade, nós encontramos uma descrição incompleta da
realidade contida no conceito superior. Os regimes de bens
previstos na lei atingem uma extensão muito menor que o
conceito de regime de bens, e assim por diante.
Com isto se revela mais uma faceta da nossa afirma-
ção inicial de que o tipo é sempre algo de mais concreto
que o conceito, se bem que, como vimos, a cada tipo corres-
ponda afinal um conceito - violação, mandato, arbitra-
mento... ~ que o conjunto dos tipos de crime não tem a
mesma extensão que o conceito de crime, nem o conjunto
dos contratos a mesma extensão que o conceito de contrato.
A lei, tipificando, demarcou a realidade a que pretende apli-
car-se, suavizando a abstracção própria do conceito. Entra-
mos pois num campo (relativamente) concreto. Por isso,
justamente se aponta o recurso à tipificação como índice
da ânsia de concretização do nosso tempo.
41
- embora aqui a análise seja particularmente difícil- que
as classes sucessórias esgotam os tipos de sucessor legítimo,
mas não esgotam o conceito de sucessor legítimo.
Ainda então, porém, se mantém uma diferença, que não
é meramente quantitativa, entre tipo e classe. Cada classe
continua a ter uma extensão maior do que a soma dos tipos
nela compreendidos. A classe «crimes contra a religião», ou
contra os valores religiosos, teria extensão suficiente para
abranger realidades que não foram tipificadas - a violação
de sacrários, por exemplo. Podemos pois continuar a dizer
que os tipos preenchem incompletamente o conceito (de
classe) a que são referidos ( 39 ).
9. 'llpologla e enumeração
1 - Ocorre subsequentemente saber como se relacionam
as tipologias e as enumerações normativas. O problema colo-
ca-se com acuidade justamente porque concluímos que de
tipicidade só tem utilidade falar quando se depara uma plu-
ralidade de tipos.
Tomemos as formas de enumeração legal e vejamos que
interesse apresentam para o nosso tema. Serão, em todos os
casos, manifestações da tipicidade? Sejam por exemplo as
causas ou fundamentos da separação litigiosa de pessoas e
bens, previstos no art. 1778º do Código Civil: adultério, prá-
ticas anti-concepcionais, condenação definitiva do outro côn-
juge por crime doloso, etc. Há aqui uma enumeração, mas
haverá uma tipologia?
42
Poderíamos ser tentados a responder negativamente,
considerando que neste caso não há especificação de um
conceito dado: as várias circunstâncias seriam avulsas entre
si e só se unificariam pelo factor extrínseco de produzirem
efeitos comuns.
Mas não nos parece que seja esta a posição mais correcta.
Também aqui há especificação, em relação a um conceito a
que o legislador poderia ter recorrido: o de causas que tor-
nem impossível a digna continuação da vida conjugal, por
exemplo, ou qualquer outro mais aperfeiçoado. Mas o legis-
lador foi além do conceito, especificou os casos em que o
efeito se pode produzir, casos esses que não preenchem com-
pletamente o conceito pressuposto. Encontramos aqui, por-
tanto, todas as características da tipiddade.
O mesmo esquema de raciocínio pode repetir-se de caso/ 11
para caso, pelo que concluímos que toda a enumeração legal L
funda uma tipologia. ·
43
les casos há uma justaposição entre as figuras enumeradas
e as figuras típicas; e mesmo então, há sempre a possibili-
dade de que uma lei posterior venha aditar um novo -tipo:
seja a sociedade por quotas em relação à enumeração do
art. 105.º do Código Comercial, por exemplo. Se o não pres-
crever, podemos, fora da enumeração, encontrar ainda mais
termos daquela tipologia. Só a interpretação nos permitirá.
pois dizer se há outras situações que caem dentro daquela"
série de tipos, embora não tenham sido abrangidas pela emi-
meração. Isso acontecerá muito frequentemente por força .
do aparecimento de novas leis, mas pode acontecer também
no interior do mesmo diploma, quando por qualquer motivo -
a enumeração ficou incompleta ( 40 ).
Em conclusão: a enumeração é um processo técnico •
auxiliar da tipificação, uma vez que a supõe, mas que nada
traz de essencial para esta. Pode haver tipologia e não haver
enumeração. Concentramos por isso a nossa atenção nas ...
tipologias e só acidentalmente, nos casos em que se revele
necessário, atenderemos às enumerações.
(''' J Isto não tem nada que ver com a distinção da tipologia em
t4tutiva e exemplificativa, que referiremos a seguir. Mesmo numa
1jpologja taxativa pode haver outras figuras legais que não caiam em
dada enumeração: com isto não se viola evidentemente o carâcter
tautivo das figuras admitidas por '1ei.
44
problemas próprios de cada tipologia, os modelos de crime
são tipificados pelo prisma da demarcação da matéria da
proibição, os factos sujeitos a registo predial pelo prisma
da conveniência da outorga de publicidade, as causas de
divórcio pelo prisma da incidência sobre o vínculo conju-
gal, e assim por diante. Pode não ser fácil, em dado caso,
desvendar a preocupação que norteia a tipicidade, mas de
uma forma ou de outra acabará sempre por se lá chegar.
Estas considerações permitem-nos afirmar que, de har-
monia com a finalidade em vista, assim variará também a
tipologia, mesmo que haja uma coincidência total ou par-
cial de situações consideradas em vários casos. Por exemplo,
a tipicidade dos actos jurídicos relativos aos estados das
pessoas não se confunde com a tipicidade dos factos objecto
do registo civil, nos termos do art. l .º do respectivo Código.
45
Podemos partir da afirmação de que toda a nomeação
de várias categorias redutíveis a dado conceito representa
já uma tipificação. A lei especifica o conteúdo de um con-
ceito, ainda que não delimite a figura que prevê. Será neces-
sária a projecção dessa figura naquele ordenamento para
se poderem aferir os seus traços essenciais, mas não é isso
que tira sentido à lei ou exclui a tipicidade. Nestes casos,
encontramos na lei um movimento de especificação, se bem
que esta tenha remetido implicitamente para o entendimento
que da figura se faz no meio social.
Mas isso não nos leva a concluir que, em relação a toda
a tipologia, basta a nominação para que deparemos com
mais um termo desta; caso por caso teremos de verificar
quais os requisitos dos respectivos termos. Ou seja, temos
de verificar quais as exigências postas para que se conside-
rem reunidos os elementos que permitam integrar uma figura
no conceito de referência; e ainda será necessário que ela
satisfaça a finalidade específica que é imposta pelo prisma
daquela tipicidade. Assim, não será uma eventual nomina-
ção, ou mesmo uma definição, em qualquer texto legal, dq
contrato estimatório que nos permitirá considerar típico
este contrato. Se a tipicidade dos contratos se destina fun-
cionalmente a fornecer uma regulamentação, embora suple-
tiva nos casos normais, às figuras contratuais mais frequen-
tes, a auséncia desse regime não permite dizer que o contrato
estímatório representa mais um elo desta tipologia.
Por outro lado, recorde-se que dissemos acima que a
mesma realidade pode ser tipificada por prismas diversos.
Mantendo-nos ainda na figura que acabamos de referir, há
uma tipologia dos actos respeitantes ao estado das pessoas
em geral, e uma tipologia dos factos sujeitos a registo civil
que a ela se sobrepõe. Consoante a finalidade da tipifica-
ção, assim hão-de variar também os requisitos que será
necessário detectar para considerar que uma figura é um
tipo, pelo prisma relevante para dada tipologia. Aqui cessa
poí" a investigação de teoria geral, pois só tipologia por
tipologia poderemos indicar quais os elementos necessários.
46
III-Aliás, e regressando aos tipos de contratos, que nos
forneceram o ponto ·de partida, cremos que se deve distin-
guir consoante o critério de tipificação que se tem em vista.
Quando se contrapõem contratos nominados e inominados,
não cremos que se queira dizer o mesmo que quando se
contrapõem contratos típicos e atípicos.
No primeiro caso toma-se como critério a existência de
um nomen juris dado por lei. !! quanto ·basta, de facto, para
que se fale numa tipologia. Neste caso, o contrato de trans-
ferência da exploração de um estabelecimento é um contrato
típico. !! este o sentido para que parece acenar prevalente-
mente o n.º 1 do art. 405.º.
Mas quando se diz que um contrato é típico tem-se em
vista geralmente a mais importante consequência de seme-
lhante situação - a existência de um regime legal que será
aplicado ao caso concreto se se considerar integrado naquela
previsão . .E. este o sentido que parece resultar do n.º 2 do
mesmo art. 405. 0 , ao falar de negócios total ou parcialmente
regulados por lei. Disto teve consciência o "legislador ita-
liano, ao substituir a contraposição dos contratos inomina-
dos e nominados pela de contratos pertencentes ou não aos
tipos que têm uma disciplina particular ( art. 1322. º do Cód.
Civil). Neste sentido, já a transferência da exploração do
estabelecimento não é um contrato típico.
47
vantes, como a titularidade das dívidas e a responsabilidade
dos bens pelas dívidas, foram afastados, e até regulados em
lugares diversos.
Passando às sociedades comerciais, encontramos como
critério a responsabilidade dos sócios por dívidas.
Nos tipos de erro relevante, o critério será a realidade
sobre que recai o erro.
Bastam-nos estes exemplos para mostrar como o cri-
tério orientador pode variar.
48
III - Mesmo em relação às tipologias compostas por
poucos termos, e em que podemos encontrar, em princípio,
um critério de tipificação, é muito duvidoso que esse crité-
rio resista em todas as hipóteses.
Dissemos que nos regimes de bens o critério estaria na
titularidade dos bens. Assim é, na generalidade dos casos:
mas está também previsto o regime dotai e para este é já
insuficiente a referência àquele critério.
Dissemos que o critério de tipificação das sociedades
comerciais é a responsabilidade dos sócios por dívidas; mas
está também prevista a sociedade cooperativa, que corres-
ponde a uma bitola muito diversa.
Dissemos que nos tipos de erro se têm em conta as
realidades sobre que verse o erro; mas surge a previsão do
erro qualificado ou dolo, e o critério é já outro.
Quer dizer, verificamos que esta escolha de figuras que
preenchem incompletamente o conceito não tem de obede-
cer a uma uniformidade de critério: também por isso se
distinguem tipificação e classificação. Havendo um critério
prevalente, ou critérios parciais, devemos atender a eles para
identificar à sua luz os tipos utilizados. Mas como raramente
acontece assim, para a demarcação dos vários tipos teremos
de atender aos aspectos que, ao sabor das preocupações de
cada caso, se revelaram decisivos para o legislador ( 42 ).
( ~2) Não temos porém razões para excluir que possam existir
tipologias em que se encontrem autênticas séries. Estas interessaram
particularmente Larenz, coerentemente, uma \'ez que a transição gra-
dual de um tipo para outro é a mais adequada ao conceito de ordem
que lhe interessa (Methodenlelzre, págs. 349 e segs.). Também Engish
tem um apontamento neste sentido (Konkretisierung, pág. 284, nota
188 ). Ambos os autores tendem porém a trabalhar com grupos de
tipos isolados de tipologias mais complexas (um grupo de contratos,
por exemplo), o que representa já uma análise de outra ordem.
Assim, se quisermos seriar os •tipos penais pela pena aplicável, pode-
mos .fazê-lo, mas isso supõe que se recortem vários grupos conforme
o tipo de pena; e o critério que se utiliza não é armai o que está
na base da elaboração dos vários tipos de crime.
49
12. Tipologias taxa.tivas e exemplificativas
50
II - Que significa verdadeiramente afirmar-se que cer-
tas figuras são típicas? Podemos verificar, em todos estes
casos, que o que se quer dizer é que há uma tipologia taxa-
tiva; não há possibilidade de moldar novas formas além
daquelas que foram especificadas por lei. Nenhum outro
acto poderá ser considerado criminoso, nenhum outro erro
poderá ser relevante, nenhuma outra «Servidão» poderá ser
reconhecida pela ordem jurídica. Podemos ficar com esta
ideia geral, sem prejuízo do que se irá dizer no número
seguinte sobre a tipologia delimitativa.
Mas há ainda outras tipologias jurídicas, a que chama-
remos exemplificativas, e que não excluem a criação de
novas figuras além das previstas por lei. Ê neste sentido
que dizemos que há uma tipicidade dos contratos.
E a linguagem comum continua a apoiar-nos nesta con-
clusão. Embora se afirme que os contratos não são típicos,
no sentido que acabamos de registar, todos referem os con-
tratos atípicos. Se alguns contratos são atípicos, daí se induz
que para a linguagem comum também os há típicos. Há tipos
de contratos, logo há tipologia. Simplesmente, ela é aqui
diversa da que caracteriza as figuras que se usam dizer típi-
cas, visto ter natureza exemplificativa ( 45 ).
51
quando os tipos em que terá de se moldar determinada
figura ou conceito, são somente os fixados por norma. Já
a manifestação mais flagrante da tipologia exemplificativa
reside em os tipos em abstracto previstos não excluírem
a criação pelas partes (ou mais genericamente, por quem
tiver de proceder com autonomia na modelação dum pre-
ceito aplicável) de novas figuras igualmente integradas no
conceito, e de que representam uma espedficação. Recor-
de-se mais uma vez que nesta investigação só nos interessa
o tipo normativo; deixamos por isso de parte quaisquer
observações sobre tipos doutrinários ou jurisprudenciais,
por exemplo ( 48 ).
Escusado acrescentar que, assim como depende de
razões de política legislativa o recurso à tipicidade, tam-
bém é do legislador que depende o atribuir carácter taxa-
tivo ou exemplificativo às tipologias que admite. O trata-
mento da mesma tipologia pode por isso variar no tempo.
52
do que acontece na tipologia taxativa. Antes, é possível a
elaboração de novas figuras, mas somente se forem análogas
a algum dos tipos normativamente previstos.
53
parece que esta admissão da extensão analógica representa
já a consagração positiva duma tipologia delimitativa ( 111 ).
54
14. Subtipos
55
factos (a propriedade imobiliária em relação à propriedade,
o testamento hológrafo em relação ao testamento, etc.)( 114 ).
Quer dizer pois que haveria pirâmides completas, desde as
figuras mais amplas aos fenómenos primários. Mas se tudo
é tipo, teremos fatalmente uma desvalorização da figura,
pois dificilmente se poderia fazer outra teorização além da
relativa aos conceitos globais de facto e situação jurídica.
! neste sentido que dizemos que se pode tender a conside-
rar a tipicidade como algo relativo ( 55 ).
Este cepticismo seria exagerado. Não só a tipicidade
tem a importância teórica revelada pelos esforços de inves-
tigação modernos e a importância prática que procuramos
acentuar adiante, mas também não é de admitir que tudo
no direito se reduza a termos de tipo e subtipo, desde os
conceitos fundamentais às manifestações jurídicas elemen-
tares. O que dissemos sobre a distinção entre tipo e classe,
e sobre a exigência da verificação de uma pluralidade de
espécies para que de tipicidade se possa falar já nos demons-
tra que a tipicidade é uma técnica a que o legislador pode
recorrer, e não a fórmula perene de hierarquização das figu-
ras jurídicas. Essa hierarquização só se dará justamente em
limites apertados; e é para sublinhar o carácter limitado
desse fenómeno que tem utilidade falar em subtipos.
56
visto que há a prev1sao do delito-base, que pode ser tam-
bém preenchida; mas não podemos já considerar as moda-
lidades de sociedade comercial subtipos, pois não há um
tipo de sociedade comercial a que directamente se possa
recorrer, há o mero conceito de sociedade comercial.
Isto nos permite um novo passo. Os subtipos necessi-
tam formar entre si uma tipologia, também: mas essa tipo-
logia só pode ser exemplificativa, não pode ser taxativa ou
delimit~tiva. Com efeito, nestas duas últimas modalidades,
não há possibilidade de recurso à figura-base, e antes encon:
tramos uma pluralidade ou série de tipos, admita-se ou não
uma analogia limitada a partir destes tipos. Só na tipicidade
exemplificativa é possível o recurso paralelo à figura-base
e a cada um dos subtipos previstos.
Eis as condições em que nos parece lícito falar de sub-
tipos, e que marcam simultâneamente os limites da utiliza-
ção da categoria da tipicidade. Esta permite uma útil elabo-
ração e aprofundamento justamente porque não é a tradução
formal da combinação e hierarquização das figuras jurídicas.
57
Na tipologia taxativa, os tipos têm de constar da lei,
não podendo ser atingidos por processos analógicos.
Relacionando estas categorias com os processos gerais
de preenchimento das lacunas, podemos chegar a um eluci-
dativo quadro: a tipologia exemplificativa admite tanto a
analogia legis como a analogia juris ( li 6 ); a tipologia deli-
mitativa só se compadece com a analogia legis; a tipologia
taxativa exclui toda a forma de analogia ( 57 ).
58
casos concretos ( 58 ). O recurso à analogia tem na sua base
considerações de valor muito forte, no sentido do trata-
mento idêntico de casos semelhantes; para a excluir, não
basta que haja uma tipologia, é necessário ainda demons-
trar que considerações igualmente fortes de segurança jurí-
dica impedem que se saia do catálogo estabelecido por lei.
A tipicidade pode dirigir-se tão-somente a uma concretiza-
ção, à especificação de manifestações de um conceito, como
acontece nas tipologias exemplificativas. Seria pois injusti-
ficado pretender deduzir logo da existência da tipologia
também a proibição da analogia.
59
ções se coadunam plenamente com a figura mais geral da
tipologia delimitativa, tal como atrás a procurámos delinear.
Dá o autor seguidamente vários exemplos, um dos quais
poderá ser adaptado de modo a valer perante a ordem jurí-
dica portuguesa. Tomemos as causas de indignidade suces-
sória, previstas no art. 2034.º. Temos aí uma modalidade de
tipologia, e o legislador não esclarece nesse preceito qual a
sua natureza. Poderão então outras circunstâncias ser ana-
logicamente consideradas causas de indignidade?
O art. 2033.º, 1., diz-nos que têm capacidade todas as
pessoas cnão exceptuadas por lei»; este preceito, e a fácil
observação de que se funda em razões de segurança, levam-
-nos a excluir uma analogia livre. Mas já não se poderá tão
directamente determinar se estamos perante uma tipologia
taxativa ou delimitativa. A invocação do texto do art. 2033.º,
1., seria neste caso demasiado formal, porque este nada nos
diz sobre a configuração que essa «excepção» deve revestir,
e nomeadamente se deve ser expressa.
Suponhamos que alguém, através da hipnose, induziu
o autor da sucessão a revogar o testamento. Haverá indig-
nidade? Diz-nos a al. e) do art. 2034.0 que carece de capa-
cidade sucessória, por indignidade, «O que por meio de dolo
ou coacção induziu o autor a fazer, revogar ou modificar
o testamento ... ». A situação não está prevista na fórmula,
e também não estará prevista no espírito do preceito se
concluirmos que a lei só teve em vista as hipóteses em que
se influencia a vontade alheia mas sem a suprimir, como
é típico dos vícios na formação da vontade. Mas há uma
analogia clara entre a causa típica de indignidade e a situa-
ção de hipnose, não regulada. Será a analogia relevante?
Pensamos que sim, e que a tipologia a que se faz recurso
aqui é delimitativa. Não há razões de segurança, para os
particulares ou para a sociedade, que imponham uma solu-
ção diversa. A lei estabelece1,1 os modelos dentro dos quais
a indignidade deve caber: mas se uma situação se revela
análoga às previstas nestes modelos, não há razão para banir
o recurso geral à analogia.
60
Que concluir? Que não se deve liminarmente afastar,
mesmo onde a segurança jurídica exclua uma tipologia
exemplificativa, a analogia legis. Nenhuma presunção nos
parece válida: caso por caso será necessário demonstrar se
a segurança jurídica exige, para facilitar a previsibilidade
ou para acautelar interesses colectivos, por exemplo, uma
rígida restrição aos casos previstos, ou não se basta com
o estabelecimento de tipos que sirvam de balizas à activi-
dade do intérprete, mas não excluam uma polarização de
casos análogos.
61
mente, contestou a existência de tipos abertos, no sentido
referido ( 61 ); e o próprio \Velzel suavizou mais tarde as
suas posições ( 62 ).
Estas divergências não têm relevância para os nossos
fins. Desejamos atingir um conceito de tipo aberto, não
apurar o seu significado em Direito Penal. Aliás, o próprio
Roxin admite um entendimento de tipo aberto, se bem que
duvide que dele derivem grandes consequências ( 63 ): seria
aquele em que, em virtude do recurso a cláusulas ou fórmu-
las genéricas (General klauseln), o legislador não encerrou
a conduta proibida numa descrição autónoma. Deve até
observar-se que, quer para Welzel quer para Roxin, o exem-
plo-padrão de tipo aberto é dado pelo § 240 do Código
Penal alemão, em que se prevêem certas formas de impo-
sição a outrem através de uma ameaça reprovável de um
mal. A remissão para a «reprovabilidade» tornaria o tipo
aberto.
62
Também nos não interessa apreciar especificamente esta
posição. Ela está aliás dependente daquela ambiguidade que
apontámos atrás, que leva Larenz a procurar ·reconduzir a
tipicidade jurídica à tipicidade real. Nós porém colocámo-
-nos já sob o signo da tipicidade propriamente jurídica, por-
tanto da tipificação como processo normativo.
17. Ca.ract.erização
63
constam do tipo. Uma das formas possíveis está na actua-
ção da autonomia privada, quando esta substitui Tegras
supletivas. Efectivamente, se determinada descrição típica
é completada por regras supletivas, temos os elementos sufi-
cientes para poder afirmar a existência dum tipo aberto:
há elementos juridicamente relevantes que não pertencem
ao tipo.
(&e) Cfr. Koller, pág. 99; ver também págs. 58 e 118 e segs.
64
adaptámos, talvez se pudesse chegar a outra posição. Para
além do tipo, há outros elementos, como as circunstâncias,
cuja relevância jurídica é inegável. Estas aderem ao tipo,
representando um conteúdo variável de caso para caso, o
que nos poderia inclinar a considerar os tipos penais como
tipos abertos. Mas só uma fixação mais rigorosa do prisma
da tipologia dos crimes permitiria dar uma resposta. Disse-
mos (supra, n.º 10) que este era o da determinação da maté-
Tia da proibição. Se se considerar pelo contrário que esse
prisma é o da sujeição à pena, como faz a generalidade da
doutrina italiana actual, já a resposta tende a ser diversa ( 07 ).
Mas seria aqui deslocado um confronto das várias posições.
5
CAPITULO II
NUMERUS CLAUSUS
67
Pelo que conseguimos apurar - e deixando para mais
tarde a lei portuguesa - apenas três códigos civis tomam
posição na questão: o Código Civil argentino (de 1869), o
Código Civil chinês (de 1929, ainda em vigor na Formosa)
e o Código Civil japonês (de 1898). Surpreendentemente
pouco para uma questão que se reveste de acuidade em
todos os países ( 2 ) !
Estabelece o art. 2502.º do Código argentino:
68
Fora disto, não há notícia de outros códigos c1v1s que
resolvam expressamente o problema. Mesmo se passarmos
dos códigos a outras leis, a situação pouco se altera: dispo-
sições como a que leva os juristas espanhóis a concluir pela
consagração legal do sistema de numerus clausus (e que
teremos ocasião de referir especificamente mais adiante)
são também muito raras.
II-Itália
69
levantaram em contrário, como as de Luzzato ( 1 ) e Bian-
chi ( 5 ), não têm modernamente encontrado eco.
III - Alemanha
IV-Espanha
70
do numerus apertus (1°). E. curioso notar que alguns auto-
res, como Roca Sastre ( 11 ), após proclamarem decididamente
o princípio, vão acumulando as restrições, o que os leva a
concluir que no fundo se segue ainda o sistema fechado:
mas semelhante conclusão não nos deve induzir em erro.
A preocupação desses autores é só acentuar que nem todo
o pacto, só porque os outorgantes assim o desejaram, pode
ser considerado fonte de um direito real; é ainda necessá-
rio que se verifiquem os «requisitos constitutivos de tal
figura jurídica», acrescentam. Sem dúvida que o é; mas basta
que existam direitos reais «inominados», como os autores
reconhecem, para que se deva falar em numerus apertus.
V-França
71
VI-Brasil
72
da utilização ou combinação de figuras típicas de maneira
a chegar-se ao mesmo resultado. Por exemplo, onde a lei
não prevê a anticrese atingem-se resultados semelhantes
constituindo uma hipoteca conjugada com um usufruto ( 20 ).
As ordens jurídicas anglo-saxónicas merecem uma refe-
rência à parte. Poderíamos tentar traduzir com uma fórmula
as características das situações referentes a coisas próprias
destes direitos. Todas as conclusões seriam porém problemá-
tica, dado que uma técnica de alto a baixo diversa não per-
mite que se fale de uma correspondência de institutos nos
sistemas jurídicos respectivos e no nosso. Tem pois razão
Gieseke ( 21 ) ao concluir que os direitos inglês e norte-ame-
ricano saem dos quadros que estão subjacentes à contrapo-
sição numerus apertus - numerus clausus.
73
e aquilo a que hoje chamaríamos as obrigações positivas
propter rem: certo sujeito estaria adstrito à realização de
prestações positivas em benefício de outro, de modo que
ou o sujeito activo, ou o sujeito passivo, ou ambos, seriam
determinados mediatamente, através da titularidade de um
direito real.
Contra esta situação se rebelou porém o jusracionalismo
e todo o corpo de doutrinas que tiveram a sua consagração
histórica com a Revolução Francesa. Verberou-se a existên-
cia de uma pluralidade de vínculos de natureza feudal que
impediam a «liberdade» da terra ( 23 ). Chamou-se a atenção
para a injustiça de muitas situações jurídicas costumeiras.
Acentuou-se que a sujeição da agricultura a numerosas for-
mas de rendas fundiárias consumia uma percentagem muito
alta do produto da terra. Enfim, traçaram-se esquemas que
representariam a maneira racional de atribuição das coisas
e afastariam o sistema histórico. Também aqui, a razão pode-
ria corrigir e substituir a tradição.
O numerus clausus inscreve-se, ou pelo menos pode-se
inscrever, neste movimento. Abolidos os vínculos feudais e
instaurada uma nova ordem dos direitos sobre as coisas,
um sistema fechado serve à maravilha para perpetuar as
conquistas obtidas: tudo o que se não adaptar ao esquema
legislativo é rejeitado ( 24 ). A alegação de que isso era uma
maneira anti-histórica de proceder seria de todo indiferente
para uma mentalidade racionalista; e a reprovação da coer-
ção legal seria certamente rejeitada com a observação de
que esta coerção era o elemento necessário para se obter
a liberdade - a liberdade da terra e do seu explorador,
desta vez.
74
Pode-se divisar nestas orientações um certo ilogismo.
No Direito das Obrigações, o jusracionalismo, se da mesma
maneira se desinteressava do elemento histórico, tendia toda-
via a admitir a mais ilimitada liberdade de contratação. Não
se pretendeu impor um esquema preconcebido dos contTa-
tos que se poderiam estipular. Não é estranho que, paredes-
-meias, os mesmos princípios levem num campo a uma
extrema liberdade, e no outro a uma extrema limitação?
Cremos que as motivações político-económicas explicam
suficientemente a disparidade de critérios. As transforma-
ções empreendidas não tinham atrás de si a preocupação
da defesa ·dos economicamente fracos; basta pensar que é
nessa altura, com o triunfo da mesma liberdade contratual,
que a burguesia passa a dispor de um poder ilimitado.
A razão está em que a classe que lucrava com a liberdade
contratual no Direito das Obrigações, não era a mesma que
perdia com a exclusão dessa liberdade no Direito das Coisas.
Além, avantajava-se a buTguesia, aqui destruíam-se as
vantagens da nobreza. Fora a nobreza quem beneficiara pre-
dominantemente com os vínculos que oneravam o explora-
dor dos bens. A burguesia não podia deixar de estar inte-
ressada, quer na liquidação das posições daquela, quer na
edificação de um sistema que garantisse que a antiga situa-
ção não subsistiria sob forma diversa.
Mais ainda: o acento vai ser posto na liberdade da pro-
priedade. Procura-se a propriedade absoluta, a abolição de
todos os vínculos ou restrições do ti tu lar para que a pro-
priedade que os novos dominantes venham a adquirir per-
mita um gozo pleno e ilimitado. A propriedade é de facto
posta como a meta de toda a actividade do homem, numa
visão que teve a sua tradução jurídica mais coeTente na obra
do Visconde de Seabra. Sendo assim, é necessário que essa
propriedade, a que se chega com a livre contratação, seja
livre também ( 211 ).
75
21. Posição «de jure constituendo»
I - Estas as origens históricas que se podem apontar
ao sistema do numerus clausus nas ordens jurídicas que o
acolheram e o mantiveram. Tão sumàriamente como as indi·
cámos, não podemos escusar·nos a fazer uma apreciação
de jure constituendo desse sistema.
Não costumam os autores deter-se neste assunto. Quando
alguma coisa dizem, deixam em geral a dúvida: estarão uni·
camente a apresentar a ratio legis dos sistemas vigentes nos
respectivos países ou pretendem elaborar uma verdadeira
fundamentação de jure constituendo ( 26 )? :e evidentemente
possível apontar uma ratio ao sistema actual, sem que isso
exclua uma preferência por sistema diverso ...
II -Vamos tomar o seguinte ponto de partida: em prin·
cípio, é um sistema de numerus apertus que deve existir.
Só se se verificarem obstáculos insuperáveis teremos de nos
resignar a um sistema de numerus clausus.
Por que dizemos que em princípio é o numerus apertus
que se impõe?
Porque todo o numerus clausus é um colete de forças
imposto à vida. A espontaneidade social tem por si a capa·
cidade de forjar na maioria dos casos os instrumentos que
mais adequados se revelem a determinada situação. Essa
mesma espontaneidade permite acompanhar a evolução, criar
para amanhã o que não existia ontem, matar o que já não
serve hoje. A imposição de um numerus clausus significa
estratificar a vida social em determinado momento histó-
rico, absolutizando o que era relativo por fazer secar a fonte
da evolução.
E não se pense que os mesmos efeitos podem ser atin-
gidos pela actividade legislativa, que vá escogitando os tipos
que se revelem adequados. Para além da inevitável lentidão
de todas as intervenções legislativas em matéria de direito
76
civil, cremos que nem mesmo o mais sagaz e atento legisla-
dor poderia realizar esta tarefa. Já Heck acentuava que não
se pode satisfazer uma situação social que hoje muda tão
ràpidamente através de instrumentos pré-estabelecidos ( 27 ).
Acrescentaremos que os melhores cálculos podem sofrer
uma total derrota da realidade. Os direitos sobre as coisas,
nomeadamente no campo agrário, vivem muito de hábitos,
e as formas tradicionais de vida, com a sua permanente
potencialidade de renovação, não podem ser compensadas
por nenhumas outras. A completa inoperância duma insti-
tuição tão carregada de boas intenções como o casal de
família sublinha eloquentemente aquilo que afirmamos.
( 27 )§ 23, 10.
( 2 ª)Pág. 51.
(29) § 1, IV. Pela limitação dos direitos reais porque estes são
um entrave à circulação dos bens cfr. também Ginossar, 147.
(ªº) Pág. 86. Continua o autor: «Estes esforços mostram clara-
mente que a evolução juridica dos tempos mais recentes não tende
apenas ao esmagamento e à -limitação da proprfodade privada; os
direitos civil e administrativo da actualidade servem também para
o fortalecimento deste instituto, e para a sua segurança perante o
poder do credor• (pág. 87).
77
Woltl e biser pronunciam-se pelo sistema do numerus
dm·ws~ dada a clareza que este outorga ao Direito das
Cnisai; a ntili1'"Çio do registo só se revela frutuosa quando
._, •l•..ro dos direitos registáveis é limitado e o conteúdo
des;es es&a leplmente determinado» (ª1 ).
l •1 / f 2, U, J.
'"'J 4Wm, ~.,w.o, 1 28, páp. 417 e 423, insiste sobretudo
""' 1"114.,,.,.,,,,,, ,, numuru'f t.:ltuuw1,no princípio da li1berdade fun•
.,..,,. 1, "'"""' rmdto duvld.0110 que e!tlc prlncfpio, há um s~ulo tão
tfll,llil~t'~''' tkv• '1111llnwar a ol'lcnhar 01 direitos sobre os imóveis.
78
A constituição de situações inconvenientes tem o seu
antídoto, tal como noutros sectores, na demarcação dos limi-
tes em que se pode exercer a autonomia privada. ~ justa-
mente função do legislador preyer e excluir a tempo as
situações deletérias. Esta é a forma normal de actuação:
a admissão da autonomia privada não é um princípio abso-
luto, mas a sua exclusão não deve ser encarada como um
meio fácil de evitar dificuldades de previsão. Não nos parece
correcto, para este objectivo, limitar a um número fixo de
tipos - cada vez menor - as figuras admissíveis ( 33 ).
Estas restrições à autonomia privada, acentue-se, não
são tão difíceis de estabelecer como se poderá crer. Não
estamos já no início do século XIX; conhece-se bem quais as
si tu ações que se não aceitam. O seu banimento foi aliás, na
maior parte dos casos, realizado implicitamente através da
delimitação dos tipos admissíveis. Assim se excluem as ser-
vidões pessoais, os censos, a perpetuidade do usufruto ...
Tais proibições poderiam ser reduzidas a sistema; e o legis-
lador deveria acompanhar constantemente a evolução social,
de modo a alterar ou completar, sendo necessário, a teia das
restrições legais. As dificuldades técnicas da exclusão de
formas inconvenientes são incomparàvelmente menores que
as da modelação de novos tipos, atrás referidas.
79
existentes para se garantir a necessária publicidade ( 34 ). No
que toca aos direitos sobre imóveis ou, mais genericamente,
sobre coisas registáveis, bastaria subordinar a eficácia con-
tra terceiros à inscrição nos registos públicos; nos direitos
sobre móveis em que esse sistema de publicidade não poisa
já funcionar, tornar-se-ia a entrega ou o desapossamento
condição de existência das situações atípicas.
Particularmente eficiente nos parece a publicidade regis-
tai. Essa é a adequada aos casos mais importantes.
Há porém quem afirme que o sistema registai só pode
funcionar eficazmente desde que o número dos direitos
registdveis esteja legalmente determinado. Com isto passa-
mos à terceira objecção.
80
que esta explicação não possa ter a pretensão de ser única,
uma vez que deixaria de fora os direitos sobre coisas móveis,
ou mais amplamente, os direitos sobre coisas não registá-
veis ( 37 ), sempre se poderia colocar a técnica dos registos
como um dos factores que conduzem ao numerus clausus.
Mas com semelhantes argumentos postergam-se as con-
veniências sociais em favor de vantagens meramente técni-
cas (e algumas até mais que discutíveis) . .E. natural que os
órgãos de aplicação do direito tendam a esquecer o carác-
ter instrumental da sua actividade e a justificar por ela as
próprias soluções substanciais. Mas o ponto de partida
parece-nos dever ser exactamente o oposto. Os vários tipos
de direi tos reais foram trazidos por uma evolução social
que não estancou evidentemente em meados do século pas-
sado. O registo deve descobrir as formas de servir esta espon-
taneidade social; só perante uma impossibilidade absoluta
seria de reformular a solução substantiva.
Mas não é isso o que se verifica: à face da própria
técnica registai a argumentação não é convincente. Por um
lado, ver·emos em breve que se não pode dizer que o con-
teúdo dos direitos reais está hoje legalmente determinado
- e isso não traz qualquer inconveniente para o funciona-
mento dos registos públicos. Por outro, nada impediria que
pelo registo se desse publicidade a direitos reais que não
sejam típicos - é o que se passa, por exemplo, no sistema
espanhol. Desde que a um futuro adquirente não possam
opor-se nenhumas limitações, para além daquelas que cons-
tam do registo, a função de protecção de terceiros é cabal-
mente satisfeita.
Estas considerações são particularmente adequadas se
se tiver em conta um sistema de registo predial como o
português, que é dominado pelo princípio da legalidade: o
Conservador não se limita a transcrever documentos que
lhe são apresentados, mas antes inscreve factos; e inscreve-os
81
6
porque os reputa relevantes para uma vicissitude de dada
situação jurídica real. Supõe-se uma elaboração prévia do
Conservador, o que permite que se diga que o objecto da
publicidade registai são as próprias situações jurídicas ( 38 ).
Assim, perante um direito inominado, o Conservador veri-
ficaria primeiro se a situação jurídica a que o título se
refere tem natureza real; e só no caso afirmativo procede-
ria ao seu registo. Só residualmente se poderia pois conti-
nuar a falar da falta de clareza. Seja como for, repetimos
que este é um mero valor instrumental, que não deve ser
sobreavaliado ( 89 ).
82
vador ou se consagra uma solução já implícita, como ainda
pelo facto de o direito antigo continuar a regular as situa-
ções à sombra dele vàlidamente constituídas. Como melhor
teremos ocasião de precisar adiante, ainda durante muito
tempo haverá necessidade, para apreciar situações concre-
tas, de recorrer ao Código de 1867. Neste sentido, ele con-
tinua a ser direito vigente.
83
tos reais, pensaram, quer partidários do numerus apertus
quer do numerus clausus, poder encontrar a solução de jure
condito em meras deduções a partir d~ princípios dogmá-
ticos que tinham por básicos.
E assim, da admissão da relação passiva universal pode
tirar-se um argumento conceituai contra o numerus apertus.
Afirma por exemplo Ferrara que do direito real brota um
dever geral de conduta, e não é dado ao arbítrio individual
criar novos limites à liberdade de todos ( 41 ).
Parece-nos que se depara aqui mais uma consequência
desfavorável da utilização de um conceito tão deformador
como o de relação passiva universal. Noutro lugar ( 42 ) o
criticámos largamente, pelo que podemos remeter para essa
demonstração. Com isto caduca este argumento conceituai
que se arquitectou com base nessa pretensa relação.
84
Pelo menos, é seguro que nem todo o direito menor se
forma por desmembramento da propriedade: teremos oca-
sião (infra, n.º 66) de demonstrar esta afirmação. Sendo
assim, é impossível encontrar num pretenso desmembra-
mento a chave da solução, em geral, do problema da liber-
dade de constituição de direitos reais n1enores.
85
o negócio não proibido expressamente pela lei», quando a
verdade é que, junto a um número infinito de negócios líci-
tos, há também um número infinito de negócios não permi-
tidos: o que é confirmado por normas de índole geral, que
se referem justamente aos actos não admitidos pela ordem
jurídica» (4 5 ). Efectivamente, ao menos no direito actual,
é impossível jogar com presunções de licitude ou ilicitude
das intervenções da autonomia privada. Caso por caso se
terá de verificar se o acto é ou não conforme aos princípios
da ordem jurídica. Só portanto após o exame da regula-
mentação legal portuguesa dos direitos sobre coisas nós
poderemos concluir pelo carácter rígido ou maleável das
previsões legais.
86
Mas o argumento pode fàcilmente ser virado ao con-
trário: se a lei proíbe expressamente certas figuras, isso
significa que todas as outras são admitidas. Pode na ver-
dade pensar-se que o legislador esteve nestes casos a traçar
os quadros dentro dos quais se deveria mover a autonomia
privada, mas considerando-a, aqui como noutros lugares,
plenamente imperante. Nada se pode assim logicamente
extrair da existência das proibições legais, para o tema que
nos ocupa.
87
descortinar como concebe e delimita essas pretensas normas
de direito público.
88
É de interesse geral que o proprietário seja limitado no uso
que quer fazer da sua coisa, estabelecendo algum direito
real?» E o autor, recordando que o próprio Demolombe
apontava vantagens sociais à criação de novos direitos reais,
conclui que há uma razão de interesse geral a justificar a
liberdade das convenções (ú 1 ).
Parece-nos fundamen talm·en te correcto o enunciado do
problema formulado por este autor: de uma vaga invocação
da ordem púbJica deve passar-se ao exame em concreto das
bases do sistema português dos direitos sobre as coisas, tal
como resultava do Código de Seabra, para poder concluir
se as previsões legais tinham carácter exclusivista ou maleá-
vel. Da manipulação de princípios de extrema generalidade
não se pode tirar nenhuma conclusão.
( 51 )N.º 84.
Ver a este propósito Paulo Cunha, Direitos Reais, págs.
( 112 )
216 e segs.
89
tidades de ónus reais (& 3 ), cuja criação indiscriminada pode-
ria trazer os maiores inconvenientes, e que todavia em lugar
nenhum o legislador baniu. O carácter fragmentário das
proibições legais só se explica se pensarmos que o legisla-
dor não considerou possível nenhuma figura, para além
daquelas que expressamente prevê. ~ só a propósito destas
que nos surgem proibições «para futuro».
Por outro lado, a lei não instituía o sistema de publi-
cidade, indispensável à garantia de terceiros. Nada impõe
que a entrega ou o desapossamento sejam essenciais para a
constituição de novas figuras de direitos reais sobre móveis:
e o nosso sistema de registo não estava adaptado à recep-
ção de novas figuras. Com efeito, os direitos a que se con-
fere publicidade por meio do registo constituem também
um numerus clausus ( rH). O art. 2.º do Código do Registo
1
90
gam direitos de usufruto, uso, habitação, enfiteuse, hipoteca,
censos, servidões e quaisquer outros reais» ( 37 ).
Concluímos pois que o silêncio do legislador português
assentava no pressuposto de que os direitos reais são um
numerus clausus.
91
res deste direito, senão nos casos previstos na lei; toda a
restrição resultante de negócio jurí-dico, que não esteja nes-
tas condições, tem natureza obrigacional».
Sobre este texto continuou a recair o mesmo silêncio
que habitualmente acompanha entre nós os trabalhos legis-
lativos ( 50 ), se exceptuaTmos os casos em que eles desper-
tam a emoção política. Transcrito literalmente, passa em
25 de Novembro de 1966 a constituir o n.º 1 do art. 1306.º
do Código Civil português, então publicado.
Antes de entrarmos numa apreciação deste preceito,
façamos algumas observações de ordem geral, tendentes a
situá-lo dentro do movimento legislativo global a que fize-
mos referência.
Verificamos que pela primeira vez, dentro dum Código
europeu, o problema do numerus clausus é expressamente
resolvido.
Verificamos ainda, confrontando este preceito com os
anteriormente transcritos, em que regra semelhante era con-
sagrada, que o legislador português inova na colocação dada
à matéria. Nos códigos civis chinês e japonês a regra do
numerus clausus abria o livro do Direito das Coisas ( 60 );
e no Código argentino algo de muito semelhante se passava,
visto que o art. 2502.º abre o título IV- «De los derechos
reales» do Livro III, que tem a mesma epígrafe. Nos títu-
los anteriores desse Livro IV o legislador tratara das coisas;
da posse; e das acções possessórias.
Pelo contrário, o legislador português vai referir esta
matéria à propriedade, tratando-a no í'ntirno desta como um
dos aspectos que suscita a regulamentação deste direito.
Por isso se diz que se não podem criar, senão nos casos
previstos na lei, restrições ao direito de propriedade ou
figuras parcelares deste direito. E ainda como consequência
92
de se referir a matéria como um elemento específico da pro-
priedade, e não como um princípio geral do Direito das
Coisas, a disposição não inicia a regulamentação legal, antes
surge intercalada entre outras que também da propriedade
se ocupam.
93
clausus o facto de a servidão poder ter como conteúdo toda
a forma imaginável de utilização de um prédio. Pois mesmo
aí a prática abriu caminho à admissão de novas figuras ( 64 ).
Se o numerus clausus provoca estas reacções em países
em que os tipos singulares são descritos com tal generali-
dade, que dizer entre nós, quando a servidão pessoal foi
banida, e o ónus real nunca surge autonomamente, por não
ter sido admitido como figura genérica?
94
sistema fechado e do sistema aberto. Dissemos que um sis-
tema fechado se defende porque:
1) exclui a constituição de situações inconvenientes
sob o ponto de vista económico-social;
2) evita ónus ou vinculações ocultas dos bens;
3) dá clareza ao sistema, facilitando o funcionamento
do registo predial.
Não se vê razão para dizer que alguma destas finalida-
des não influenciou o legislador português. Todas elas terão
concorrido, em maior ou menor medida, para a erecção do
sistema legal. A estreiteza dos termos em que os direitos
reais são admitidos, a preocupação da publicidade, a rigi-
dez do registo predial, indiciam que todas aquelas finalida-
des actuaram.
Mas se podemos fazer uma distinção entre o grau de
relevância efectiva de cada uma, diremos que é sobretudo
a preocupação de excluir a constituição de situações incon-
venientes sob o ponto de vista económico-social que orienta
o legislador. Esta finalidade impõe-se em todos os casos,
enquanto que as outras duas não permitem da mesma forma
uma explicação universal. Assim, a preocupação de evitar
ónus ou vinculações ocultas dos bens não impede que haja
direitos reais que se constituam sem qualquer forma de
publicidade (por exemplo, direitos sobre móveis como o
usufruto, que não exigem entrega, e sobretudo direitos sobre
imóveis que estejam fora do catálogo dos que estão sujeitos
a registo predial). Quanto à preocupação de facilitar o fun-
cionamento do registo deixa logo de fora, por natureza, o
que respeita aos direitos sobre coisas não registáveis, e só
muito ocasionalmente poderá ter influenciado o legislador.
95
do preceito: «Toda a restrição resultante de negócio jurí-
dico, que não esteja nestas condições, tem natureza obriga-
cional».
Se procurássemos um antecedente para esta solução,
poderíamos encontrá-lo no art. 2502.º do Código Civil argen-
tino, acima referido. Depois de se dizer que os direitos reais
só podem ser criados por lei, acrescenta-se: «Todo o con-
trato ou dispo~ição de última vontade que constituir outros
direitos reais, ou modificar os que por este Código se
reconhecem, só valerá como constituição de direitos pes-
soais, se como tal puder valer».
Confrontando esta fórmula com a adoptada no código
português nota-se uma mudança de acento. O legislador
português é mais radical: determina peremptàriamente que
qualquer restrição fora das condições previstas tem natu-
reza obrigacional.
96
conversão legal.: o negócio valerá em todos os casos como
constitutivo de um vínculo obrigacional, independentemente
da verificação do que seria a vontade tendencial das partes.
Quer dizer, «não obstará à conversão a circunstância de se
não provar que as partes teriam querido o negócio se tives-
sem previsto a invalidade, ou até de se provar que o não
teriam querido» (66).
Isto representa a instauração de uma duplicidade de
critérios, dentro do mesmo código, para que não encontra-
mos justificação bastante. Também o que celebra um negó-
cio constitutivo de um direito real inominado pode só o
querer desde que efectivamente para ele resulte esse direito
real; quem pretende, por exemplo, adquirir um direito real
de caça, fora dos casos previstos na lei, pode não ter o
menor interesse em ver-se titular de um crédito. A que vem
então a conversão legal? Até porque essa constituição seria
na normalida.de dos casos onerosa, e parece que na lógica
dos princípios da conversão legal a contraprestação não é
posta em causa, desde que o negócio seja aproveitado como
constitutivo de uma obrigação.
97
7
31. Limites da conversão legâl· .··
98
mos há pouco da conversão legal contida na parte final deste
preceito. Eis que nos surge uma base para limitar a regra
a um círculo reduzido de hipóteses. Já poderíamos agora
remeter para os princípios gerais tudo o que respeita pro-
priamente à constituição de «figuras parcelares d.a proprie-
dade», seja qual for o entendimento que viermos a atribuir
a esta expressão.
Semelhante interpretação teria ainda reflexo no grau
de análise exigido pelas duas categorias legais. Se o regin1e
fosse comum, desde que se indicassem hipóteses que sem
dúvida se situassem entre as restrições ao direito de pro-
priedade e hipóteses que sem dúvida se situassem entre as
figuras parcelares deste direito, nada mais seria necessário.
Concluindo porém por uma diferença de regime, teríamos
de indicar com muito maior precisão qual o critério que
permite caso por caso a repartição por cada uma das pre-
visões legais.
99
de propriedade»; agora diz-se: «restrição resultante de negó-
cio jurídico».
A realidade contemplada não é a mesma. Na segunda
parte do preceito o legislador procurou algo que pudesse
servir de máximo divisor comum das duas hipóteses previs-
tas na primeira parte, e encontrou-o na mera referência a
restrições. Em ambos os casos criaram-se por negócio jurí-
dico restrições, destinadas a provocar uma oneração ou um
desmembramento da propriedade. A categoria ampla restri-
ção, que aliás o legislador emprega em muitos lugares, e
por vezes sem qualquer ligação com o princípio do nume-
rus clausus (assim acontece logo no art. 1305.º, como vere-
mos), vai aqui servir para permitir uma referência sucinta
às duas hipóteses contempladas anteriormente. Sem dúvida
que é de má técnica empregar no mesmo preceito idêntica
palavra para exprimir realidades diversas, mas se ultrapas-
sarmos essa infelicidade técnica pensamos poder captar o
sentido da lei.
Note-se aliás que a «restrição resultante de negócio jurí-
dico» não se deve identificar com as restrições ao direito
de propriedade ainda por outra razão. ~ que o legislador
prevê agora a restrição resultante de negócio jurídico para
determinar que ela «tem natureza obrigacional». Não pode-
ria já prever a restrição ao direito de propriedade, uma vez
que desse negócio jurídico nenhuma restrição ao direito de
propriedade pode ter resultado, dada justamente a proibi-
ção anteriormente estabelecida. O que do negócio resultou
não foi uma restrição ao direito de propriedade, mas antes
uma restrição de ordem pessoal. Mais um indício pois do
significado autónomo desta segunda expressão. Restrição
quer aqui dizer simplesmente «vinculação», e neste sentido
amplo abrange a resultante de todas as estipulações refe-
ridas na primeira parte do preceito.
100
Dissemos há pouco que o legislador português se afas-
tou do código argentino, ao impor peremptõriamente a con-
versão legal. Já não se diz que a estipulação das partes «só
valerá como constituição de direitos pessoais, se como tal
puder valer»: diz-se que toda a restrição ... tem natureza
obrigacional.
A inovação não é de aplaudir, pois por natureza só pode
ter natureza obrigacional o que seja redutível a um vínculo
de estrutura obrigacional. Assim acontecerá na generalidade
dos direitos reais de gozo, uma vez que estes se podem con-
verter na obrigação de deixar gozar a coisa; mas já não
tem sentido nos direitos reais de garantia, nos direitos reais
de aquisição de actuação potestativa, etc.
Suponhamos que Abel, credor de Bento, convenciona
com este perdoar-lhe a dívida, em contrapartida da conces-
são de um direito real de disposição sobre o património de
Bento.
A cláusula é nula. Em hora certas previsões permitam
referir uma classe de direitos reais de disposição de direitos
alheios, os tipos legais (como o do art. 959.º, a propósito da
doação) não abrangem a hipótese.
Mas deve concluir-se que esta estipulação ganharia
natureza obrigacional? Tal não é possível, pois ela é por
sua natureza incompatível com semelhante configuração.
O direito de dispor tem carácter potestativo: exerce-se sem
exigir qualquer colaboração do titular dos bens, a quem
somente cabe a sujeição a essa actuação alheia.
Ora uma sujeição não se pode converter numa obriga-
ção. A conversão prevista no art. 1306.º, 1., não pode fun-
cionar, e a cláusula será nula e insusceptível de qualquer
aproveitamento.
Portanto, a querer-se consagrar a conversão legal, sem-
pre teria sido preferível manter uma reserva semelhante à
do art. 2502.º do Código argentino. Os resultados práticos
seriam os mesmos, mas ao menos não se proclamaria uma
regra que em certas situações contraria a natureza das
coisas.
101
Terâ pois de se fazer interpretação restritiva. Nem «toda
a restrição ... que não esteja nestas condições, tem natureza
obrigacional:., mas só aquela que «contenha os requisitos
essenciais de substância e de forma» para tal exigidos. Esta
resen~a. constante do art. 293.º, deve ser considerada ainda
aplicà,·el às hipóteses de conversão legal.
102
CAPITULO III
SECÇÃO I
CARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE
DOS DIREITOS REAIS
103
para a compreensão do tipo legal, nos termos atrás deli-
neados. ·Mas também aqui não podemos deixar de recordar
as restrições que já se nos impuseram. Nem todos os direi-
tos reais se decalcaram sobre figuras historicamente vigen-
tes. Basta pensar na superfície, que foi já apresentada (supra,
n.º 4, III) como figura de criação artificial, e que nem sequer
logrou dar origem a um tipo real que possa orientar o intér-
prete.
104
conceito de direito real são admitidas, mas tão-somente as
que forem previstas como tal. Pressupõe pois a especifica-
ção de uma pluralidade de figuras que realizam o preenchi-
mento incompleto dum conceito, o que nos dá a própria
definição de tipologia. O conceito de direito real tem uma
extensão maior do que a resultante <la soma dos direitos
reais existentes.
Dizendo isto, encontramo-nos com a prática unanimi-
dade da doutrina. Vimos já como eram frequentes as refe-
rências a uma tipicidade dos direitos reais. Implicitamente,
os intérpretes ( 1 ) tomam as expressões numerus clausus e
tipicidade como sinónimos, e a tendência é para as utilizar
indiferentemente.
Só conhecemos uma posição divergente, se abstrairmos
das dificuldades que os juristas ·de língua alemã defrontam
no entendimento do Typenzwang ( 2 ): a de Giorgianni, que
negou expressamente a coincidência da tipicidade dos esque-
mas dos direitos reais com o princípio do numerus clausus.
Invoca o autor o facto de existirem certas formas, como o
ónus real, que se não podem incluir nos esquemas consi-
derados típicos: e isso o leva a concluir que, vigorando o
105
principio do numerus clausus (que define como a impos-
sibilidade de criação de direitos reais para além dos pre-
vistos como tais pela lei), não vigora todavia o da tipici-
dade (2) . .Não é claro o autor no que respeita à noção que
desta possui, mas parece entendê-la, afinal, como a limita-
ção aos tipos qualificados pela lei como tais. Semelhante
entendimento, cuja erroneidade teremos ocasião de demons-
trar, tira todo o valor aos prindpios que afirmara.
(') Pqr. 169-70. Esta posição foi acolhida por S. Rodotà, pág.
1330 e nota 251.
106
IV-Temos assim consolidada a base que nos permite
afirmar que a referência tradicional ao nu~erus clausus
desemboca na categoria moderna da tipicidade.
Mas daqui não podemos inferir que tudo o que respeita
à tipicidade dos direitos reais se esgota com a referência
ao princípio do numerus clausus. Na verdade, enquanto este
se limita a estabelecer que só se admite um número norma-
tivamente determinado de direitos reais, aquela conduz a
investigação para campos muito mais vastos.
Assim resulta por natureza da utilização da categoria
da tipicidade, pois esta, com o seu carácter técnico, permite
fixar com precisão muitos outros elementos relevantes, para
além da noção um tanto empírica da limitação do número
dos direitos reais.
Mas sobretudo, teremos ocasião de ver que na caracte-
rização da tipicidade vamos ter que entrar em conta com
numerosos problemas, muitos dos quais eram exteriores às
preocupações que se tinham em vista ao falar de nume-
rus clausus. Alguns são mesmo estranhos à previsão do
art. 1306.º, 1.: mas não nos adiantemos.
107
cAte pode ler por finalidade excluir situações inconveniente&
Rob o ponto de visto económico·social, evitar ónus ou vin·
culnçiks ocultas dos bens, e dar clareza ao sistema dos
direitos sobre as coisas, facilitando o funcionamento do
registo predial ( 4 ); e verificámos também que a preocupa·
ção mais forte é a de excluir a constituição de situações
inconvenientes sob o ponto de vista económico-social (G),
Tudo isto pode ser traduzido dizendo-se que o prisma
da tipologia dos direitos reais é o da indicação das vincula-
ções admisslveis dos bens. Tendo-se em conta a situação
dos bens, verifica-se que eles podem ser atingidos por certas
onerações, mas indicam-se as modalidades possíveis destas.
Note-se que tudo isto traduz uma preocupação prática,
não correspondendo ainda a nenhuma estruturação jurídica
precisa.
E. quanto basta para distinguir a tipologia dos direitos
reais de outras cujo objecto é afim, e nomeadamente da
tipologia dos direitos inerentes a imóveis ( 6 ), que tem como
sede principal o art. 2.º do Código do Registo PTedial: aí
são também os direitos reais que se têm, afinal de contas,
em vista, mas o prisma é muito diferente, é o da conve-
niência da atribuição de publicidade, e tanto basta para
que digamos que se trata de uma tipologia distinta ( 7 ).
E nada mais valeria a pena dizer sobre esta matéria se
não surgissem pontos obscuros. E. que também a propó-
sito desta tipologia surgem dificuldades quanto a saber-se
quando se deve dizer que há um tipo de direito real autó·
nomo.
II - Para já, acentuemos a necessidade de não confun-
dir o tipo de direito real com a respectiva definição. Já atrás
108
fizemos em geral esta prevenção("). No campo do Direito
das Coisas temos um exemplo muito elucidativo: a ausên-
cia, no Código novo, de uma definição da propriedade não
pode ser tomada como a aboJição do tipo da propriedade.
Nem se pode entender doutra forma, desde que a lei dedica
um capítulo a este direito.
Mas daqui não se pode inferir que para que um tipo
de direito real exista basta que a lei se limite a nominar
uma dada situação. Assim como atrás fomos forçados adis-
tinguir as qualificações dos contratos como nominados e
como típicos, também aqui devemos, seguindo aliás o sen-
tido normal dos termos, afirmar que não haveria um novo
tipo de direito real se a lei se limitasse a nominar urna
figura, a superfície ou a parceria, por exemplo, sem estabe-
lecer o respectivo regime ou só o estabelecendo em aspectos
secundários. Note-se que não afirmamos que nestes casos
não há tipo de superfície ou de parceria, como direitos reais:
o que afirmamos é que se não preenche a tipologia legal
dos direitos reais. Veremos as consequências desta distin-
ção quando mais tarde analisarmos o sentido das referên-
cias legais à colonia.
Mais ainda: a nominação por lei nem sequer é necessá-
ria. Pode a lei ter estabelecido uma situação jurídica sem
a nominar, quiçá imersa na regulamentação de um instituto
mais vasto, e o intérprete descobrir nela os traços de um
novo direito real, a que poderíamos chamar um direito real
inominado. Adiante, ao falarmos dos ónus reais, deparare-
mos com figuras desta ordem.
1
III - Que é então necessário para que se possa dizer
que há um tipo legal de direito real, uma vez excluídas a
definição e a nominação por lei?
109
t nia."eSSârlo
que a lei:
_ .:ontcnha a descrição essencial de uma dada situação;
- ~tabeleça para ela um regime real.
JIU
36. O critério de tipifÍ~
111
permite uma apreensão em geral do material de análise.
A modelação dos tipos poderia perfeitamente ser outra-
poderia por exemplo admitir-se um tipo de servidão pessoal
que englobasse a superfície, os direitos de caça e outras
figuras ainda. Podemos por isso dizer que há algo de arbi-
trário na distinção de tipos de direitos reais que a nossa
ordem jurídica admite.
Em geral, são as considerações históricas as decisivas
na apresentação concreta dos tipos admissíveis. Necessida-
des práticas imediatas fazem alterar, reduzir ou aumentar
este elenco de figuras possíveis, sem que haja a preocupação
de que estas obedeçam a um critério único.
Dizendo isto, estamos a fazer uma verificação, e não
uma crítica. Em certos casos seria preferível uma arruma-
ção mais racional, mas em geral as necessidades de concre-
tização que estão na base do recurso à tipicidade não se
podem socorrer de moldes rigorosamente lógicos. Basta-nos
pois observar que o facto marca um limite à indagação em
termos de teoria geral. Ou se quisermos, que a «parte geral
da parte especial» dos direitos reais (para invocarmos uma
categoria que foi já utilizada no Direito Penal) não encon·
tra neste domínio material adequado para análise.
112
I I - Se a tipicidade dos direitos reais for da mesma
natureza que a tipicidade dos crimes, teremos uma tipologia
taxativa.
Mas sê-lo-á? A dúvida pode ancorar-se no facto de não
se encontrar no Direito das Coisas qualquer preceito seme-
lhante ao do art. 18.º do Código Penal, que exclui o recurso
à analogia e à interpretação extensiva para qualificar qual-
quer acção como criminosa.
Desembocamos assim noutro magno problema, o da
admissibilidade da analogia na indagação dos tipos de direi-
tos reais. Este problema tem sido votado a um impressio-
nante silêncio: não há um estudo de conjunto, e são muito
raras as referências acidentais. E todavia, é grande a sua
importância.
113
8
compõem o próprio tipo de direito real ( 12 ). Se, por analo-
gi~~ puder ainda ser incluída naquele tipo uma situação nele
não pre\·ista mas que oferece afinidades com uma que é
tipi~a. poderemos falar (sem que haja necessidade de sus-
.:itar agora outros problen1as) na existência de uma tipolo-
gia delimita tiva. Se essa analogia for excluída, teremos uma
tipologia taxativa.
114
O problema fica assim delimitado: pergunta-se se uma
situação estranha, mas análoga, a outra regulada num tipo
legal, pode ser neste incluída, quando a lei não o vede espe-
cificamente.
115
11- Tudo isto são, fàcilmente se concederá, indícios
muito ténues, e não decisivos só por si.
Antes devemos perguntar directamente quando é que
uma situação se pode dizer ou não prevista na lei. A situa-
ção que foi resolvida pelo recurso à analogia estava prevista
na lei? Há efectivamente quem diga que nestas hipóteses
haveria uma regulação implícita por lei; e essa regulação
poderia bastar para satisfazer a previsão do art. 1306.º, 1.
Mas não é assim.
A analogia supõe a existência de uma lacuna, e a lacuna
é justamente o inverso da situação prevista por lei. Pro-
clama-o hoje o art. 10.º, 1., que assenta o sistema da inte-
gração na expressa afirmação da existência de lacunas da
lei('ª). Afasta-se assim a ficção da regulação implícita, antes
se deve reconhecer que há autênticas lacunas. E o texto
começa por estas palavras: «Os casos que a lei não pre-
veja ... ». !?. evidente que o caso que a lei não prevê está nos
nntípodas da rcfcrl!ncia ao caso previsto por lei, constante
do art. 1306.º. Isto basta para impedir toda a extensão ana-
lógkn dos direitos reais. A solução está aliás perfeitamente
dt' nconlo com n rigidez que caracteriza a disciplina actual
do Dirdto das Coisas.
C'onduimos que há uma tip()]ogia dos c.lirc.•itos reais, a
qu~\l S'-' lkn.• formar sem qualquer recurso à analogia. São
pt..)is justifkudas as n·frrt:ncias a uma t ipkidadc dos direi-
tos l'\'ais: o mmrt•r11s c:lawms, nos lermos do art. 1306.0 , 1.,
tt'm lk signifkur p1..·lo mc11os n imposi~·l'io de umn tipologia
taxHtivn.
116
Não o cremos. Com a expressão referida, o que se quer
afastar é mais do que a analogia: é a interpretação exten·
siva, que desta se distingue bem, como veremos. Mas a inter-
pretação extensiva é perfeitamente admissível no Direito das
Coisas, como o é em todos os ramos do direito, fora dos
casos excepcionais em que é excluída: e é admitida, nomea·
damente, na interpretação das descrições legais dos direi·
tos reais.
Tomemos a definição de servidão constante do art. 1543.º.
Não se pode pretender que a previsão do encargo de um
prédio em proveito de outro prédio deve ser estendida a
toda e qualquer restrição de imóveis em proveito de outros
imóveis? Efectivamente, os prédios são apenas uma catego·
ria de imóveis: o art. 204.0 menciona outras categorias, como
as águas, e o elenco poderia ainda ser estendido a novas
realidades, como os monumentos, que não são prédios.
Sendo assim, não será possível estender a figura da servi·
dão, mesmo no direito privado ( 14 ), a estas situações?
Pensamos que são efectivamente válidas servidões desta
ordem, e não cremos que isso implique o recurso à analogia.
Basta·nos a interpretação extensiva. O texto do art. 1543.º
não corresponde às finalidades que com ele se quiseram
atingir: o legislador disse menos do que queria. Estende.se
pois a letra cm homenagem ao espírito. Por mais cuidadoso
que tenha sido o legislador quando definiu ou descreveu as
figuras de direitos reais, dada a importância que a delimi·
tação reveste, não podem deixar de se verificar casos, aqui
como noutros domínios, em que a fórmula traiu o pensa-
mento legislativo. Dissemos aliás há pouco que a tipici·
dade não torna as definições legais de direitos reai~ defi.
nitivas ( 1 1'1).
117
Teve pois razão o legislador, ao limitar os direitos reais
aos casos previstos na lei, e não aos casos nesta expressa-
mente previstos.
118
I I - E é curioso notar que, já após a publicação do
Código, o número dos direitos reais foi aumentado.
A Lei n.º 2132, de 26 de Maio de 1967 (anterior à entrada
em vigor, mas posterior à publicação do Código Civil), que
estabelece o regime jurídico da caça, prevê nas bases XXXVIII
a XL o «arrendamento das coutadas de caça» ( 17 ). Não define
em que consiste semelhante direito, de que só se regulam
aspectos acessórios; mas já o designá-lo por arrendamento
significa uma tomada de posição quanto à sua fisionomia.
Nomeadamente, traz implícita a recepção do regime do arren-
damento no que respeita à oponibilidade a terceiros. Isso
basta para que o consideremos um direito real, como é um
direito real o arrendamento ( 18 ).
Mas, aceite embora esta tomada de posição quanto à
recepção do regime, deve-se aceitar a qualificação deste
direito como arrendamento? O problema não escapou ao
Parecer da Câmara Corporativa sobre a referida lei, que
teve como relator J. A. Manso-Preto. Expõem-se várias opi-
niões, aliás pró e contra, para se concluir ser «lícito falar
de arrendamento de uma reserva de caça, conquanto devam
ter-se sempre presentes as particularidades próprias» ( 10 ).
Não nos parece esta a melhor solução. O arrendamento
é o contrato pelo qual alguém faculta a outrem, mediante
uma renda, o gozo de coisa imóvel. Com a entrega, o loca-
dor demite-se ele próprio do gozo dessa coisa, que passa
para o poder material do locatário: ao ponto de no novo
código ter sido reconhecida justamente entre as obrigações
do locatário a de facultar ao locador o exame da coisa locada
(art. 1038.º, b) ).
119
A situação é diferente no «arrendamento» das coutadas
de caça. A universalidade dos poderes de gozo do prédio
continua a pertencer ao titular da coutada, e o «arrendatá-
rio» tem somente um uso limitado, que se inscreve na cate-
goria doutrinária das servidões pessoais ( 20 ). Como se sabe,
a servidão pessoal foi banida como figura legal genérica,
mas o intérprete pode reconhecer manifestações dela nas
hipóteses específicas que a lei contemplar. Como toda a ser-
vidão, este «arrendamento» permite uma modalidade indi-
vidualizada de gozo, e não a universalidade do gozo que da
coisa se retira. Trata-se pois de um direito sui generis, e
consequentemente há já a criação de um novo direito real
após a proclamação do princípio do numerus clausus.
Mas a não se pensar assim, e a entender-se que a quali-
ficação legal como arrendamento deve ser aceite, mesmo
então as exigências do numerus clausus teriam sido afasta-
das, se este implicasse a limitação aos tipos previstos no
Código Civil. Na verdade, semelhante «arrendamento» não
caberia na figura do arrendamento rural, pois não tem fins
agrícolas, pecuários, ou florestais, nem se destina à instau-
ração de uma exploração regular (cfr. art. 1064.º). Nem
poderia caber nas restantes formas ·de arrendamento, pelo
menos porque todas c1as implicam a universalidade dos
poderes de gozo. Portanto, esta figura, cabendo embora no
conceito de arrendamento, não caberia cm nenhum dos tipos
específicos de arrendamento previstos na lei. Ora o adita-
mento de um novo tipo àqueles que estavam já reconheci-
dos na lei significa de qualquer maneira algo que não está
de acordo com a mencionada interpretação do nwnerus
clausus.
120
40. Qualifi~ de direitos como reais
121
,_ '~" ,,,"'l\t.~,,~ \U\U\
cxccpção o art. 21.º da Lei n.º 2030,
,~, .•, ..... \~,"~"'"t\C<" quulificava como real o direito de super-
,.,... .'\.).'"'à~ ~\ n\.l\·o código as referências a direitos reais
""" .~ ~.._'.-,·~~--~$<'. tnns é importante observar que directa-
"'-"'t~"-" ~';a s.c qualifica um direito como real: é sempre
,,-.,~· ·~ ;.:.'!\u indagação do intérprete para concluir que
~"'""""f:~~~..l s.ituação cai dentro da categoria «direito real».
•~"'· tt'1:~ f.1i1.·il que. em certos casos, seja esse trabalho, até
"\:~· ~ ~::hr por vezes numa qualificação implícita da
~.... , :-.i$:.l a sua exigência para demonstrar que esta não
~,:-· -~~ ;'tlI'3 si a qualificação como direitos reais dos tipos
122
encontramos quem pense que ela significa que os direitos
reais estão taxativamente enumerados nos códigos ( 24 ).
De harmonia com semelhante maneira de ver, teríamos
de considerar supérflua toda a discussão sobre a natureza
real ou obrigacional do arrendamento, por exemplo. Do
mesmo modo, os direitos sobre coisas que nos surgem inte-
grados na regulamentação da família ou das sucessões nunca
poderiam ser considerados reais.
Na lei portuguesa, o problema merece ser discutido,
quer à luz do Código de Seabra, quer do Código actual -
apesar de, a bem dizer, não haver em qualquer deles uma
enumeração de direitos reais ( 25 ). Como veremos, podem
surgir problemas que se entrecruzam com a discussão deste
tema.
123
direi to real ( 27 ) : nada permite afirmar à partida que a lei
que recorre a uma enumeração se reserva o privilégio de
qualificar os direitos reais. E efectivamente o que os men-
cionados autores tinham em vista era a afirmação do carác-
ter taxativo .da tipologia dos direitos reais, apesar de ·fala-
rem na enumeração destes.
O próprio Cunha Gonçalves tentou atribuir um novo
entendimento à afirmação do carácter taxativo da enume-
ração legal, decerto porque sentiu que com ela se ultrapas-
sava muito o problema da admissibilidade da criação de
direitos reais por vontade exclusiva das partes, que era o
que afinal interessava. Ensaiou por isso uma espécie de
interpretação autêntica: «Quis significar que só são tais os
direitos a que a lei atribui as características doutrinais e
históricas do jus in re ou dos jura in re aliena» {28 ).
Nem assim mitigada se pode extrair da afirmação a
menor utilidade. Assente que nada interessa saber se, na
intenção do legislador de 1867, a enumeração seria ou não
taxativa, segue-se que ficamos colocados perante o seguinte
dilema:
- ou se quer dizer que o legislador se reservou o pri-
vilégio da qualificação dos direitos reais, o que na lei por-
tuguesa nada permite afirmar;
- ou se quer dizer que só são reais os direitos regula-
dos por lei em termos reais, .estejam ou não compreendidos
no art. 2189.º; mas isso significa somente que é taxativa a
tipicidade e não que o é a enumeração do art. 2189.º, o que
é o inverso da afirmação inicial. Deste preceito não resulta
sequer uma presunção de não qualificação como reais de
124
figuras duvidosas, como a posse, o arrendamento, o fidei-
comisso, o dote, etc. ( 29).
Tudo somado, parece que podemos afastar este enten-
dimento da tipicidade, que a confundiria com a taxatividade
das enumerações constantes da lei.
125
tt's Stlht·cn fixação do tipo do direito real e sobre a natu-
t'<.'1.U tkslu tipologia.
E1n certos casos surgem-nos aqui e além, dispersas pela
lei. previsões de situações de natureza real que se compreen-
dt•1n dentro de um conceito comum. Em casos dessa ordem
hn tipologias particulares, ou menores, de direitos reais,
l'tn relação às quais voltará a perguntar-se se são taxativas,
c.•xcmplificativas ou dclimitativas.
Para colocarmos devidamente o problema, temos de
fnzcr un1a coordenação, um tanto complexa embora, com
vúrios pontos já anteriormente focados.
126
isso resulta do art. 1086.º, que permite o arrendamento com
qualquer fim, desde que lícito. Todavia, a lei especificou
vários subtipos de arrendamento, desde que dirigidos às
finalidades especiais que se têm em vista. Temos assim o
arrendamento para habitação, o arrendamento comercial ou
industrial, o arrendamento rural, etc.
O usufruto é uma figura geral; mas a lei especifica o
usufruto de matas e árvores de corte, o usufruto de univer-
salidades de animais, o usufruto de concessão mineira ...
Outro exemplo muito claro surge-nos a propósito da
servidão. Como dissemos, as servidões não são, hoje em dia,
típicas. Há um tipo maleável de servidão, susceptível de
tomar conteúdos muito variados. No direito romano pré-
-justinianeu havia, pelo contrário, modalidades típicas de
servidão predial ( 81 ); mas mesmo então elas não constituíam
subtipos, pois faltava o tipo genérico, positivamente admi-
tido, da servidão. Esta representava um mero conceito, cla-
ramente mais amplo que os tipos em que se concretizava.
Não sendo hoje as servidões típicas, não havendo pois
uma tipologia taxativa destas, nem por isso devemos con-
cluir que esta figura não é sensível ao fenómeno subtipo.
A lei, por necessidades particulares, especificou várias servi-
dões em matéria de águas-presa, aqueduto, escoamento ...
Dá-se assim um passo mais no caminho do concreto, que
permite uma regulamentação mais adequada destas situa-
ções.
127
especificações, mas um mero conceito que os uni.fica dentro
do círculo mais vasto do direito real. Assim, pode dizer-se
que a superfície e o arrendamento das coutadas de caça
representam modalidades de servidão pessoal: já falámos
nesta figura, supra, n.º 39, II. A ser verdade, teríamos que a
tipologia das servidões pessoais seria taxativa, pois nenhuma
utilização directa do conceito se poderia fazer por ser vedada
toda a forma de analogia a partir dos tipos existentes.
128
__________________ _....'"· .,,_
129
9
semos até que legislação extravag~nte viera dar novo alento
à figura do ónus real: assim nos surgia o ónus. da amorti-
zação de empréstimos concedidos pela Junta de Coloniza-
ção ln terna.
Neste caso temos um ónus real simples: a figura de
direito é autónoma, não é mero elemento de uma situação
complexa. Pelo contrário, é muito frequente surgirem ónus
reais imersos na regulamentação de direitos reais c9mplexos,
como o foro, o cânon superficiário, o quinhão, etc.
130
se dele emanaria um encargo que atingisse os bens em ter-
mos reais.
Esta foi a solução claramente acolhida no art. 2018.º
do novo Código. Esclarece-se aí que são obrigados à pres-
.
tação de alimentos os herdeiros ou legatários a quem os
bens houverem cabido. Mais ainda: esclarece-se que o apa-
nágio deve ser registado, quando onere coisas imóveis, ou
coisas mqveis sujeitas a registo. Consequentemente, o art. 2.0 ,
1., s), do Código do Registo Predial sujeita a registo «a cons-
tituição do apanágio e as alterações do seu título constitu-
tivo».
Temds pois o direito a prestações alimentares onerando
certos bens, evidentemente com inerência. A variação even-
tual dessas prestações em nada prejudica o conceito de ónus
real, como teremos ocasião de melhor verificar adiante; aliás,
a lei expressamente prevê a registabilidade das alterações
ao título constitutivo. No seio do Direito da Família nasce
pois, ou pelo menos confirma-se, um ónus real.
131
cerá no direito alemão, por força do § 1105, B. G. B. (3-');
antes, o ónus pode referir-se a uma prestação única. Ainda
então se suscitam todos os problemas característicos desta
figura, como os da integração do carácter real e da estru-
tura obrigacional, e os da definição do regime da presta-
ção, uma vez vencida ( 35 }.
132
A situação é particularmente nítida nas relações jurídicas
reais, em que a prestação positiva tem por função solucio-
nar o conflito dos direitos reais em presença. Pelo contrá-
rio, no ónus real a ligação ao direito real assim onerado
é exterior à função deste direito, e apenas garante a oponi-
bilidade a todo o futuro adquirente ( 3 i).
133
44. Cara.cte~ das tipologias menores como taxa-
tivas ou exemplificativas
134
adequar automàticamente o montante da indemnização à
duração efectiva da servidão.
O outro exemplo surge em matéria de acessão. Nos
casos normais, em consequência da acessão o titular de uma
coisa vê o objecto do seu direito ampliado, mas em contra-
partida é obrigado a indemnizar aquele cujo direito se extin-
guiu. Não se pode considerar que esse dever de indemnizar
que a lei refere origina, não uma mera obrigação, mas um
ónus real? Esta posição teria a vantagem de tornar mais
sólida a posição do que se viu despojado do seu direito
real em consequência da acessão, pois não teria de ficar
sujeito ~s contingências patrimoniais do beneficiário da
acessão, e antes poderia opor sempre o seu direito a uma
indemnização a quem quer que adquirisse a titularidade
da coisa acrescida.
135
V - Se a tipologia dos ónus reais não é exemplificativa,
é necessàriamente taxativa: tertius non datur, pois vimos
que está excluída a verificação duma tipologia delimitativa
mesmo nestas tipologias menores de direitos reais.
Façamos outra aplicação prática: o art. 44.º do Decreto
n.º 20 985, de 7 de Março de 1932, impõe aos titulares de
imóveis classificados como monumentos nacionais a reali-
zação das obras de conservação que se entenderem neces-
sárias: se as não fizerem, fá-las-á o Estado, correndo o seu
custeio por conta do proprietário ou usufrutuário. Mas acres-
centa o § 2.º: «Se porventura se provar que o proprietário
ou usufrutuário não possui meios para o pagamento de tais
obras, poderá o Estado excepcionalmente isentá-lo desse
pagamento. Nesta hipótese ficará onerada a propriedade em
favor
f
do Estado na proporção da despesa feita».
Haverá aqui um ónus real? Só se um exame do regime
desta situação nos permitir atribuir-lhe natureza real pode-
remos chegar a uma resposta afirmativa. Seria ilegítimo
qualificar a situação como de natureza real na base da ana-
logia, por exemplo, com o direito do doador que reservou
certa quantia sobre os bens doados. Isso seria raciocinar
nos moldes de uma tipologia delimitativa, o que contraria-
ria o princípio do numerus clausus.
Confrontando esta conclusão com o que se afirma em
Itália, onde a situação legal é muito semelhante à nossa,
devemos dizer que nos afastamos da jurisprudência, mas
nos aproximamos da doutrina. Informa Mandrioli que a
jurisprudência italiana tende a admitir a livre criação de
ónus reais, embora no direito positivo falte a «disciplina
típica» ( 41 ). A doutrina tende para conclusão diversa, e são
elucidativas as palavras de Messineo: «O problema, no que
respeita ao ónus real, põe-se em termos diversos dos da ser-
vidão; o particular não pode criar ónus reais, porque falta
a admissão de uma categoria geral formal, como a que vem
(0 ) N.º 7.
136
---------------~~----·-·- - - -
137
Noa ca~os em anáJJse, a ffgura consta da lei, senão o
;>rCJblema nem 1c colocava. Mas pode lsuaJmcnte dJzer-se
que há um reaJmc real? O siJóndo da Jci sobre este ponto
1terá definitivo?
Encontrumo!f de novo um problema de analoaia, mas
dfforc:ntc daquclc!f que rc~oJvcmos anteriormente. Vimos que
nllo t•ra po!fMf vcJ a analogia para fo7.cr cn trar nas descrições
fundnmcntaht de direitos reais novas situações al~m das pre-
vhtta~ (•~ ); mn!i vimos tnmhém que não havia nenhuma proi·
hlçno gcrul de analogia. Pergunta-se agora se à analogia se
pode recorrer para concluir que o regime real fixado para
um ca~o é aplicável cm ca1to análogo.
-----
( '') Supra, n." 37.
138
previstas como reais. Não pode respeitar-se o princípio da
tipicidade admitindo que justamente o carácter real seja
lacunoso.
139
só nos casos previstos na lei. Os factos constitutivos de
direitos reais, como teremos ocasião de comprovar mais
tarde, não são em regra típicos. O que se quer dizer é que
a criação concreta de direi tos reais pelos particulares tem
de ser precedida pela criação abstracta.
Mas nem assim a fórmula ficaria perfeita. Rigorosa-
mente, a regra terá de respeitar, não só aos direitos que
têm na sua origem um negócio jurídico, mas ainda aos direi-
tos de origem legal: quer-se dizer também que só há direito
real quando a lei atribuir essa natureza a uma situação, não
se podendo recorrer a considerações de analogia para atri-
buir um regime real a uma situação que a lei prevê, mas
a que não atribui esse regime.
SECÇÃO li
140
Toda a lei depara com limites, que denominaremos
implícitos ou intrínsecos, na sua aplicação. Podem ser das
mais variadas ordens. Interessam-nos muito particularmente
os limites temporais, locais, pessoais e internacionais da
aplicação da lei porque, como veremos, todos eles têm rele-
vância para a delimitação da vigência do princípio da tipi-
cidade taxativa dos direitos reais. Que haja ou não outros
limites que se possam apontar, é-nos indiferente.
Comecemos por examinar os limites temporais, que dão
origem aos chamados conflitos intertemporais de leis.
141
. A primeira .rest~ição impõe-se por si, pois uma ábolição
atmge as próprias situações concretas.
Assim se passou com o censo, por força do art. 1518.º.
A lei não se contentou com proibir o censo, foi até à sua
abolição, neste caso mediante a redução dos censos existen-
tes à enfiteuse (o que aliás nos parece inconveniente num
ponto de vista de política legislativa)( 4 r.). Cerceou-se pois
toda a possibilidade de manutenção de uma concreta situa-
ção jurídica de censo ou, mais prudentemente, daqueles
censos que se baseavam na lei civil.
142
teúdo de direitos reais já existentes são de aplicação ime-
diata como até alterações muito mais radicais, que podem
levar à mudança da natureza de dada situação, caem no
âmbito do art. 12.º. Não encontramos motivos para excep-
tuar casos em que uma situação passa a ter natureza real,
ou em que deixou de ter, pelo contrário, a natureza real que
lhe era atribuída pela antiga lei. Também aqui, parece que
a lei pode dispor directamente sobre o conteúdo de certa
situação, abstraindo dos factos que lhe deram origem. Assim,
se se entender que no novo código o regime do aluguer
revela uma natureza real, ao contrário do que se passava na
lei antiga, nem por isso esse regime deixa de se aplicar aos
contratos de aluguer existentes à data da entrad.a em vigor
do novo código. Ainda neste caso o instituto tem um corres-
pondente na nova lei.
Da mesma forma, é possível que a lei nova não trate
como real uma situação que o era no domínio da lei antiga.
Também aqui é a lei nova que se aplica, sempre sob reserva
de que a figura por ela prevista se possa considerar corres-
pondente à da lei antiga. E este ponto é particularmente
importante: pois que, enquanto o tratamento como real de
uma situação que o não era no domínio da lei anterior
nenhum significado pode ter, por definição, sob o ponto de
vista da subsistência de situações jurídicas reais que se cons-
tituíram vàlidamente à sombra da lei antiga, já nos casos
em que uma situação era real e deixou de o ser se suscitam
todos os problemas de subsistência de direitos reais previs-
tos pela lei antiga, que de momento consideramos.
143
Demos atrás o exemplo do aluguer; pensamos que, mesmo
que a nova lei lhe tenha atribuído carácter ,real, a situação
não deixa de ser a correspondente à prevista pelo direito
anterior.
Vamos dar novo exemplo, que ilustra bem as hipóteses
que temos em vista.
No domínio do Código de 1867 a instituição do fidei-
comisso dava lugar à constituição de um direito real: a
expectativa do fideicomissário gozava da inerência própria
das situações jurídicas reais. Assim o defendemos ( 46 ), obser-
vando que a mera explicação em termos de direito sucessó-
rio não esgotara o conteúdo da figura.
Surge o novo Código, e é patente a preocupação de redu-
zir a situação do fideicomissário a mera expectativa suces-
sória ( 47 ). Nomeadamente, o fideicomissário não pode acei-
tar ou repudiar a herança, nem dispor dos bens respectivos,
mesmo por título oneroso, antes de ela lhe ser devolvida
(art. 2294.º). Isto significa que não se verificam até então
nem a vocação, nem a devolução sucessórias.
Como parece que isto exclui a existência de um direito
real sobre os bens, e que no domínio do Código de 1867
esse direito existia, teremos aqui uma situação que era real
e deixou de o ser.
Mas em relação às sucessões já abertas à data da entrada
em vigor do novo código, o fideicomissário tinha adquirido
um direito sobre os bens, nos termos da lei anterior; há
uma situação real vàlidamente constituída e que não pode
ser degradada a mera expectativa sucessória, sob a alegação
de que essa é a natureza actual da situação. Na verdade,
aqui não encontramos um correspondente na nova lei: man-
teve-se o instituto do fideicomisso, mas ao direito já adqui-
rido pelo fideicomissário sobre os bens nada corresponde.
Esse direito pode aliás ter sido já exercido, mediante actos
145
10
. II-Mas para além destes, podem encontrar-se ainda
mais casos desta ordem? O n.º 2 do art. 1306.º não limitará
ao quinhão e ao compáscuo as possibilidades de subsis-
tência?
O problema deve ser discutido em abstracto: pergun-
ta-se se do art. 1306.º se pode inferir que nenhuma outra
situação jurídica real persiste perante o novo código. A res-
posta deve ser negativa.
O n.º 2 do art. 1306.º não é uma regra excepcional que
deva ser interpretada a contrario: não se pode alegar que,
se o legislador prevê o quinhão e o compáscuo, isso quer
dizer que todas as outras situações ficam abolidas. Pelo con-
trário, aquele preceito é mera manifestação de uma regra
geral, contida no art. 12.º: a de que a lei nova não preju-
dica as situações já estabelecidas. Não havendo pois regra
abolitiva, todas as situações jurídicas reais constituídas à
sombra da lei antiga que não tenham correspondente na
lei nova continuarão a reger-se pelo direito que lhes era
próprio, não obstante não caberem nos tipos actualmente
previstos.
O saber porém se existem situações desta natureza só
poderia resultar de uma investigação particularizada, que
seria deslocado empreender. Teríamos de confrontar caso
por caso a lei anterior e a actual, para averiguar se situa-
ções reguladas em termos reais deixaram de ter correspon-
dente na nova lei.
Mas pelo menos haveria sempre o fideicomisso, que
acabamos de caracterizar como situação real que não encon-
trou correspondente na lei actual. Ele dá-nos um exemplo
suficiente da subsistência de situações concretas previstas
pela lei antiga.
146
Qual o significado deste fenómeno? Será de natureza a
pôr em causa o princípio da tipicidade taxativa dos direitos
reais?
Não, certamente. O respeito pelas situações já constituí-
das não faz esquecer que na nova lei há uma tipologia taxa-
tiva dos direitos reais; e esta não poderia de modo algum
ser abalada por estas limitadas erupções do direito anterior,
pois vimos já que perante este não era admissível falar-se
de numerus apertus.
O significado desta indagação é bastante modesto. Tra-
çámos um limite temporal à aplicação do princípio, mas
verificámos que, a partir da entrada em vigor da nova lei,
se apresentam ainda à consideração do intérprete algumas
situações jurídicas, constituídas à sombra do princípio do
numerus clausus no domínio da lei anterior. Teremos pois
de esclarecer que o elenco legal das figuras actualmen te exis-
tentes terá de ser integrado por certas situações concretas
cuja subsistência foi admitida, mas não temos de rever o
próprio princípio da tipologia taxativa.
147
vir a ser feito de futuro, em consequência do mesmo prin-
cípio da especialidade da legislação, mas não é o que acon-
tece agora, nem foi o que aconteceu no direito anterior.
Portanto, não é por este caminho que teremos de admitir
a válida constituição de direitos reais inominados.
148
taria n.º 22 869, por conter legislação privativa de uma
província ultramarina. Seria pois em abstracto admissível
sustentar-se que ele consagra um direito real de arrenda-
mento, enquanto segundo o código o arrendamento seria
um direito de crédito; ou então- caso se sustente, como
nos parece correcto, que o arrendamento previsto pelo
Código Civil é um direito real- que consagra um direito
real diverso do tipo em geral vigente.
149
11-A cústálria de estatutos próprios de certas cama-
das da pnpabçio IUScita problemas novos, e mais signífi.
atíww aieda qae os emmcíados até agora, para o tema da
típícídade.
O. lllOS e CO:Sl•DDr$ das populações autóct.ooes das pro-
t farias ultr.anarinas no que respeita à atnõuíção das coisas
mriqaecem a Ol"dem jurídica portuguesa com figuras DOY35
de dímtos reais ( u). Passando para além dos elencos cons-
l211fn da lei comum da província em causa, essas figuras
adllaomas ímpõem..se ao respeito de toda a restante popu-
lação.
150
51. JJmitee. ildaaacioonis
151
ser levado a reconhecer efeitos ao princípio do numerus
apertus.
152
46.º, 1.). Supõe-se pois a constituição válida de um direito
real e pergunta-se qual o regime a que esse direito vai ficar
submetido.
Se apenas se tivessem em vista os imóveis, a lei uma
vez declarada competente seria sempre a mesma, em prin-
cípio, à face de determinada ordem jurídica. Mas a existên-
cia de direitos reais sobre móveis cria problemas especiais.
Estes deslocam-se espacialmente, e quando isso acontece
quais as consequências sobre os direitos reais que tinham
sido estabelecidos? Há, nos casos normais, uma mudança
de estatuto: passa a ser competente para regular a situação
a lei do Estado para onde a coisa se deslocou ( 50 ).
153
vàlidamente constituído, à sombra da lei do Estado A.. local
da situação da coisa; mas que a coisa é depois transferida
para o Estado B, em que a retenção pelo credor pignora-
tício é considerada elemento necessário, não diremos já
para a constituição, mas para a própria subsistência do
penhor ( 151 ). A situação escapa à tipicidade taxativa dos
direitos reais, que supomos vigorar também no Estado B.
Em princípio, a coisa não será pois havida por onerada no
Estado B.
Foi amplo o debate travado sobre esta matéria ( 52 ),
pois a muitos pareceu chocante esta consequência. Autores
há que, em tese geral, sustentam que quando a nova lei com-
petente não previr aquela situação, deve continuar a apli-
car-se o estatuto antigo {53 ) (ainda que isso dê naturalmente
origem a problemas de adaptação). Estes autores são pois
levados a admitir que até o direito real sem correspondên-
cia no elenco dos direitos reais previstos na lei agora com-
petente deve subsistir.
Schrõder defendeu recentemente, na base de uma aná-
lise aprofundada, esta posição. A discrepância das ordens
jurídicas em presença exigiria em primeira linha a manu-
tenção da situação já constituída, embora isso nos possa
colocar perante a necessidade de elaborar um estatuto pró-
154
prio. O autor tem em conta a crítica que, na base do nume-
rus clausus, lhe pode ser dirigida e procura neutralizá-la ( 54 ).
Neuhaus, ao tratar da problemática da mudança de esta-
tuto, referendou expressamente esta solução, de harmonia
com a tese geral que adopta ( 55 ). Já entre os autores portu-
gueses não encontramos quem a defenda ( 56 ). A nós basta
porém chamar a atenção para o problema: a admitir a orien-
tação daquele sector da doutrina internacionalista, poderá
haver casos em que, apesar de a lei portuguesa ser a nor-
malmente competente, venham a reconhecer-se direitos reais
atípicos, dado o facto de terem sido vàlidamente constituí-
dos à sombra de lei estrangeira ao tempo competente.
Não pretendemos que esta conclusão, a ser aceite, traga
grandes novidades para o tema da tipicidade dos direitos
reais. De novo se verificaria que pode ser admitida a apli-
cação de leis estrangeiras que consagram figuras que esca-
pam à tipificação portuguesa. Mas daqui podem extrair-se
dois ensinamentos: 1) esse reconhecimento de direitos des-
conhecidos das nossas leis pode dar-se mesmo em relação
a coisas situadas duradouramente em Portugal; 2) sobre-
tudo, isso pode acontecer mesmo em casos em que a lei
portuguesa seja a normalmente competente.
155
53. A adaptação
157
·'
III - Caso o juiz ( 60 ) possa procurar soluções materiais
autónomas, é forçoso que tenha liberdade para as procurar,
a fim de chegar à resposta mais adequada àquele caso. Não
tem de se fechar nos quadros da própria lei material, pois
a adaptação não nasce de qualquer resistência à aplicação
da lei estrangeira, mas simplesmente da impossibilidade
estrutural ou funcional de integração na ordem jurídica do
foro da solução a que normalmente se chegaria (fosse ela
a trazida pela lei material interna)( 61 ). Por isso, a adapta-
ção poderia significar, para esta corrente, a modelação de
um novo direito real, fora dos tipos previstos pela lei subs-
tantiva do foro. Com efeito, o juiz do foro, se não está nesta
criação limitado pelas soluções materiais internas, também
o não está pelo art. 1306.º ( 62 ); este regula as situações pura-
mente internas, e não as situações com elementos de estra-
neidade, que caem no âmbito próprio do Direito Interna-
cional Privado ( 63 ). Neste domínio, vimos já suficientemente,
não impera o elenco taxativo imposto pelo art. 1306.º, que
não é de ordem pública internacional.
158
E, a ser admissível uma solução material das necessidades
de adaptação, teríamos que os poderes para este fim con-
cedidos, consoante a natureza do caso, abrangem o de cria-
ção de direitos reais - mesmo para além do catálogo abstrac-
tamente previsto na lei portuguesa.
159
CAPITULO IV
SECÇÃO 1
161
11
Mas não haverá nenhum ponto de intersecção da está-
tica e da dinâmica, que interesse à tipicidade? Quase só
encontramos referências a este problema quando se aprecia
a possibilidade de intervenção do negócio jurídico na cons-
tituição de direitos reais. Se bem que nestes casos as difi-
culdades sejam de facto mais nítidas, a inteligência do pro-
blema só pode lucrar com uma análise geral do tema, que
vamos ensaiar.
162
outras vicissitudes. O princípio deve continuar a ser o da
admissibilidade. Um exemplo nos ajudará a compreender
esta situação.
A desnecessidade não foi acolhida pelo novo código
como causa geral de extinção da servidão. Apenas as servi-
dões constituídas por usucapião e as servidões legais podem
ser judicialmente declaradas extintas, desde que se mostrem
desnecessárias ao prédio dominante (art. 1569.º, 2. e 3.)(1 ).
Será porém vedado estipular, no título constitutivo de uma
servidão voluntária, que esta se extingue caso se torne des-
necessária ao prédio dominante? Não encontramos qualquer
motivo para pensar assim. O legislador indica a regulamen-
tação normal, mas não exclui a actuação de causas de extin-
ção não previstas. Todas as disposições respeitantes a factos
jurídicos com efeitos reais devem pois ser consideradas nor-
malmente como supletivas, mesmo que respeitem a vicissi-
tudes diferentes da constituição ou da transmissão. São por-
tanto susceptíveis de ser alteradas em concreto, enquanto
razões particulares não levarem a considerá-las injuntivas.
Mesmo não tendo havido qualquer manifestação da
autonomia privada, as causas previstas por lei podem ser
estendidas de umas a outras situações na base de conside-
rações de analogia; e muito frequentemente se tem de pro-
ceder assim, pois o legislador nunca prevê em geral os factos
jurídicos com efeitos reais, antes se limita a referi-los ou
não, ao sabor das contingências próprias da regulamentação
de cada direito real.
163
En\,mtr,,m·~t' "'t'l'tns hit'>ütcscs cl\1 que um tipo só se
individualiM, t<'n<lo n ~'t'nfn a sua dcs~riçâo esscndnl, otcn-
J~n<l"' à su.idçi\o a certas ,·idssiludcs. Isto não deverá pare-
cer anl)nialo, e nom~adnmcnt~ não pode sustentar-se que
assim se esbatem contornos entre tipologias de factos e de
situaç&s. com a alegação de que, se o direito real é uma
situação, não poderia compreender os factos que a esta são
nc..~essàriamenteestranhos.
E que, por um lado, não devemos esquecer que entre
todos os elen1entos da norma jurídica há uma tensão dia-
léctica que se não compadece com fronteiras demasiado
estanques. Carnelutti chamou a atenção para a circunstân-
cia de as definições de tipos de contratos fazerem recurso
a situações jurídicas ( 2 ). Efectivamente, a facti species só
se compreende verdadeiramente tendo em atenção o efeito
que produz; da mesma forma, também o recorte da situa-
ção jurídica pode fazer-se em atenção a considerações dinâ-
micas. A referência ao tipo pode desempenhar também a
função de romper com esquematismos exagerados.
De qualquer modo, o direito real é uma situação jurí-
dica: está ligado à estatuição, e não à previsão legal. O que
acontece é que a sujeição da situação a certas vicissitudes
pode ser arvorada em elemento componente da própria des-
crição essencial de um direito real. Assim acontece com a
morte do titular, que extingue necessàriamente o usufruto.
O facto extintivo não pertence ao tipo do usufruto, mas este
é uma situação sujeita àquela vicissitude-e necessària-
mente a ela sujeita.
164
reguinda pela Lei n.u 2030, e do arrendamento; a perpetui-
dade tendencial é característica da enfiteuse. A intransmissi-
bilidade inter vivos é característica do uso e da habitação.
Note-se que o que é típico é a sujeição a certas vicissi-
tudes, e não a vicissitude cm si, e muito menos o facto que
provoca essa vicissitude. Por exemplo, seria ainda uma hipó-
tese desta ordem a de um tipo em que a registabilidadc fosse
tomada como característica essencial, mas não interessava
já um caso em que a inscrição efectiva fosse essencial, pois
então não haveria sujeição a uma vicissitude. Isto poderia
acontecer nos casos chamados de registo constitutivo, mas
significaria quando muito que a origem do direito era ele-
mento essencial do tipo, e portanto integra-se já em hipó-
teses que só examinaremos a seguir.
165
cupações de ordem pública, ao formalismo e à técnica dos
modos de constituição ( 3 ).
Parece que esta posição é de aceitar. Uma tipicidade dos
modos de constituição implica necessàriamente, ou quase,
um número cerrado de direitos reais, sem que rigorosamente
se possa falar numa tipologia (taxativa ou outra) destes.
E certo que na linguagem corrente se refere o número limi-
tado de direitos reais romanos, como a propriedade, a super-
fície, a hipoteca, e diz-se que eram típicos; e pode-se aceitar
esta maneira de dizer, porque prática, desde que se não
perca de vista que a tipicidade respeitava aos factos cons-
titutivos dos direitos reais.
166
tos reais. Quanto a Barassi, descreve assim o numerus clau-
sus: «Não só os factos de que o direito real pode resultar
mas também e sobretudo o seu conteúdo, devem ser previs-
tos em geral pela lei» ( 6 ).
( 8) Pág. 51.
( 7) Relação Jurídica, II, 52-3.
( 8) Direitos Reais, pág. 24.
167
previstos na lei; por maioria de razão se não proibiria o
uso da analogia quando se defrontasse algum direito real
cuja constituição tivesse sido reservada exclusivamente à lei.
168
são abrangidos na referência à disposição da lei) nem quais
os contratos que podem originá-lo.
Quanto a estes, são numerosos os que a doutrina tem
especificado, como a doação, a compra e venda, a transac-
ção ( 9 ). Mas pode ir-se mais longe, e constituir-se um usu-
fruto na base de um contrato inominado. Isto é pois o
inverso de uma tipologia de causas de constituição de direi-
tos reais.
169
siderar objecto da publicidade regista[. Não se faz porém
a mínima especificação ( 11 ) dos factos que estão sujeitos a
registo, e que constituem o objecto da inscrição. Com esta
distinção se transcende simultâneamente o anterior dissídio
entre os que consideravam os direitos e os que considera-
vam os factos o objecto do registo.
Tomemos por exemplo logo a ai. a) do art. 2. 0 , 1.: estão
sujeitos a registo «OS factos que importem reconhecimento,
aquisição ou divisão do direito de propriedade».
A referência ao direito de propriedade integra este na
tipologia taxativa dos direitos (inerentes a imóveis) que
são objecto da publicidade registai. Já os factos que inci-
dem sobre a propriedade estão pelo contrário sujeitos a
registo independentemente de qualquer tipologia.
Poderia pensar-se que afinal sempre há uma tipologia
dos factos, porque a lei só sujeita a registo os factos que
importem reconhecimento, aquisição ou divisão do direito
de propriedade. Mas não é assim, porque isto não significa
uma tipificação dos factos. Os factos, doação, acessão, par-
tilha, e assim por diante não estão de modo algum tipifica-
dos. O que há, cm relação a certos direitos, é uma tipologia
das vicissitudes que a inscrição dá a conhecer. Essa tipo-
logia cremos ser delimitativa, pois não exclui a registabili-
dadc de factos respeitantes a vicissitudes análogas às pre-
vistas; mas não nos podemos deter neste problema.
Isto não significa qualquer tipificação dos factos sujei-
tos a registo: só se aceitam factos que produzam algum
dos efeitos reais admissíveis, mas não se indica de qual-
quer forma quais os factos que produzem aqueles efeitos.
Podem por isso inscrever-se também factos jurídicos inomi-
nados ( 12 ), o que é a negação de um numerus clausus de
factos sujeitos a registo.
170
Nem poderia ser de outra maneira, pois este capítulo
reflecte a atipicidade dos factos jurídicos com efeitos reais,
que as regras do registo em nada vêm alterar.
171
privada Tão.pouco é necessária especifica determinação
legal para conduír peJa aplicabilidade, fora das hipóteses
previstas por Jeí, de um facto que provoque a constituição,
a transmissão, a modificação, a extinção ou qualquer outra
\;cissitude dum direito real.
(14) Mas não com a servidão legal (arts. 1550.º e segs.), pois
a terminologia é muito infeliz, e aqui antes se quer significar a sus-
ceptibilidade de imposição coactiva de certas categorias de servidão,
que todavia não são de constituição automática. Melhor se falaria
pois em servidão coactiva.
172
assim de proceder a uma análise mais cuidada, para verificar
se a derivação de dado facto constitutivo não pode ser afinal
assumida como um dos elementos do próprio tipo.
Se bem que o problema nunca tenha sido considerado
de maneira unitária, as suas manifestações eram relati\·a-
mente frequentes no domínio do código antigo. Certas situa-
ções eram previstas por lei a propósito de casos particulares,
mas isso não impedia que, partindo dessa pluralidade de
previsões, se pudesse chegar a um conceito único que abran-
gesse toda a figura, e de que as hipóteses singulares seriam
afloramento: assim se passava com a retenção ou o direito
de preferência. Todos eles eram tratados pela doutrina como
direitos unitários. Com o código actual muitos destes pro-
blemas desaparecem, mas o tema não perde interesse, pois
há situações semelhantes, como veremos.
Esta técnica de apresentação dos direitos reais ( 15 ) terá
alguma repercussão sobre as suas possibilidades de verifi-
cação? Nomeadamente, será legítimo o uso da analogia para
através dela se admitir a existência dos mesmos direitos em
hipóteses que a lei não previu? Se concluirmos que há aqui
outras tantas tipologias menores de direitos reais, o problema -
vem a confundir-se com o que examinámos no número ante- -
rior, o que nos levaria a concluir que há, ou subtipos, ou -
tipos especificativos autónomos de direitos reais. Se con- --
cluirmos porém que apenas está em causa o facto constitu-
tivo, já o problema terá de ser apreciado e resolvido diver-
samente.
173
Basta-nos apontar situações em que a ligação à tipicidade
dos direitos reais foi expressamente tentada pela doutrina.
Começamos por certas figuras, a que usualmente se
atribui origem legal, e em que se procurou resolver assim
o problema da admissibilidade da sua constituição fora das
hipóteses previstas por lei.
174
Contra a orientação da doutrina, o Supremo Tribunal
alemão respondeu negativamente. A discussão envolveu o
recurso a numerosos institutos, alguns dos quais não leva-
riam entre nós a resultados úteis, como o da protecção da
aparência jurídica ( 17 ). Interessa-nos apenas acentuar que
mesmo os partidários da solução consagrada pelo tribunal,
quando aventaram a possibilidade da analogia, nunca a
excluíram por quaisquer considerações derivadas <lo princí-
pio do numerus clausus, mas apenas por terem concluído
·que o raciocínio analógico não tinha então base sufi-
ciente ( 18 ).
Entre nós, Paulo Cunha encarou o problema da reten-
ção sob feição diversa, fazendo-o transpor os umbrais da
tipicidade. Para ele, a exclusão da analogia surgia natural-
mente: «Basta a circunstância de ser um direito real para
só por essa razão se poder afirmar que, por força, o direito
de retenção há-de estar concretamente criado na lei» ( 19 ).
Mas não sabemos que essa posição tenha sido posterior-
mente retomada ( 2 º).
175
Também aqui se pergunta se se pode admitir a constitui-
ção em situações não previstas por lei. Domina largamente
a resposta negativa, sendo importante notar que aqui as
referências ao numerus clausus têm sido frequentes. Assim,
escreve Barbero, referindo-se à ordem jurídica italiana em
que a situação legal é semelhante: «Os privilégios, justa-
mente porque são de origem legal, constituem, como todas
as figuras legais subtraídas à livre iniciativa privada, uma
série fechada, e portanto um número definido, ainda que
bastante vasto, de casos típicos» ( 21 ).
(2 1) Pág. 156.
(2 2) III, pág. 296. Adiante acrescenta que o facto de haver hipo-
tecas legais extravagantes não significa que sejam numerus aper-
tus (pág. 300).
( 23 ) Supra, n.º 44. Sobre esta 'Situação cfr. Marcello Caetano,
Manual de Direito Administrativo, 7.• ed., n.º 117, d).
176
real para podermos concluir que há mais um ónus real.
Todavia, pode perguntar-se se afinal o que haverá aqui não
será uma mera variedade de factos constitutivos, o que pode
dar ao problema uma fisionomia muito diversa. Então o
tipo estaria já fixado, e apenas se perguntaria se ele pode-
ria surgir, por força da lei, noutras hipóteses.
62. Critério
177
12
todavia, se o que nos interessa não é a solução de cada
hipótese controvertível, mas o enunciado de um critério geral,
podemos dispensar o exame desses problemas. Basta-nos des-
cobrir o critério distintivo das hipóteses que cabem ou não
na tipologia dos direitos reais, pois isso nos permitirá um
novo avanço no sentido da delimitação desta tipicidade.
178
nessas situações em que o facto constitutivo é diverso, há
ou não uma diversificação do tipo. Quando o regime é
diverso, temos um novo tipo, mas o que completa a descri-
ção fundamental e distingue dos outros tipos redutíveis ao
mesmo conceito é a derivação de certo facto constitutivo,
ou se quisermos a origem do direito. A lei teve em conta a
particular origem daquela situação, e por isso a submeteu
a um regime específico.
63. Manifestações
179
e segs., e mesmo a distinção que a certa altura se traça entre
a retenção de móveis e a de imóveis não depende da diver-
sidade das causas de constituição. Concluímos, de harmonia
com o critério enunciado, que há um tipo unitário de direito
real «retenção»; e que a tipificação operada nos arts. 754.º
e 755.º respeita exclusivamente ao facto constitutivo.
Cremos que o mesmo acontecerá noutras hipóteses, por
exemplo, nos direitos de preferência; mas, como dissemos,
temos de evitar a dispersão que o exame de cada caso duvi-
doso acarretaria.
(24) Assim se confirma mais uma vez que no Direito das Coisas
a categoria da tipicidade se manifesta em vários sectores, e não apenas
quando se trata da tipologia dos direitos reais. Como dissemos, a
típicidade pode atingir qualquer elemento do preceito legal: há tipos
de factO! e há tipos de si tuaç.ões jurídicas.
180
jurídico ( 2 i). Mas não entramos no exame do problema, pois
o que dissemos demonstra já que tudo respeita exclusiva-
mente ao facto constitutivo e não ao direito real: por outras
palavras, que a génese do direito não é elemento constitu-
tivo do tipo. Não nos interessa pois saber qual a índole
destas tipologias de factos constitutivos: cremos aliás que
em última análise só caso por caso se poderá avançar ( 28 ).
181
A esta luz, toma-se patente uma insuficiência do art.
1306.º, 1., a que atrás já ocasionalmente aludimos ( 30 ). O que
está excluído, não é apenas a constituição negocial de direi-
tos reais na ausência de criação normativa, que é a única
para que o preceito acena com a sua limitação implícita
aos casos de criação por negócio jurídico. O princípio do
numerus clausus exclui também, desde logo, a utilização da
analogia em relação a figuras de criação legal, ou seja, aque-
las que derivam de meros factos. Não se poderia, tendo
em conta a analogia de certa figura de origem legal com o
ónus real, qualificá-la como direito real, apesar de a lei
omitir a previsão de um regime real. Tudo isto cai plena-
mente no âmbito da tipicidade dos direitos reais.
182
mos abalançar a essa investigação caso por caso ( 31 ). Já
sabemos quando se levanta o problema, já sabemos que em
qualquer caso os princípios em que assentámos sobre o
objecto <la tipologia dos direitos reais não são atingidos.
Abstemo-nos pois de prolongar ainda mais esta investigação
em especial.
Diremos apenas: a existir alguma hipótese em que haja
manifestações típicas de determinada figura especificadas
por uma diversa génese, mas sem que ao conceito que as
engloba corresponda um tipo - eventualidade que nos limi-
tamos a deixar aventada - a consequência seria a proibição
de qualquer analogia. Não poderíamos atribuir essa natu-
reza a situações a que a lei não tenha outorgado um regime
real. Da mesma forma, não poderia a autonomia privada
criar novas figuras da mesma índole. Aliás, isto é consequên-
cia directa da afirmação anterior, pois a criação negocial
tem de ser precedida da criação normativa, e esta não existe
quando só com base na analogia se poderia chegar ao tipo.
64. Conclusão
183
Os factos jurídicos com efeitos reais não são necessà-
riam~ntc típicos: diremos até que em princípio não são
típk·os.
A sujeição a certas vicissitudes pode ser considerada
d('n"lt~nto da própria situação, sem que por isso se suprima
a Ji$tinção entre situação e facto, ou se ponha em causa que
o objecto da tipicidade dos direitos reais são as situações.
Quando estiver cm dúvida se a derivação de um facto
constirutivo pertence ou não ao tipo, concluiremos afirma-
th"31llente se se encontrar alguma figura em que essa deri-
vação provoque a diversidade do regime.
Se tudo se resumir a uma variação dos factos constitu-
th'os. temos urna tipologia de factos, que tem consequências
importantes, mas que estão fora da nossa investigação.
E com isto já poderemos avançar um pouco mais na
formulação do princípio da tipicidade taxativa dos direitos
reais. e.,'{purgando-o das várias ambiguidades e insuficiências
que sucessivamente temos detectado. Sob reserva de ulte-
riores esclarecimentos, diremos que ele se traduz nisto: a
ordem jurídica fixa os modelos de direi tos reais admissí-
veis. O reconhecimento em concreto de um direito real, de
origem negocial ou outra, está dependente desta prévia cria-
ção norma tiva.
SECÇÃO II
184
Não se refere nenhuma limitação que tenha por objecto os
direitos reais, mas sim as «restrições ao direito de proprie-
dade ou de figuras parcelares deste direito».
Esta fórmula complexa foi engendrada para dar uma
certa coerência à inovação da lei portuguesa, de apresentar
o numerus clausus, não como um princípio geral do Direito
das Coisas, mas como matéria respeitante à propriedade.
Mas a fórmula é infeliz e a desejada coerência, como vere-
mos, não se conseguiu.
185
zem por desmembramento aos que resultam duma oneração
da propriedade? Com efeito, pode-se entender que:
186
«Relativamente à constituição de servidões activas, o usu-
frutuário goza dos mesmos direitos do proprietário, mas
não lhe é lícito constituir encargos que ultrapassem a dura-
ção do usufruto».
Por todas estas razões, concluímos que o código portu-
guês não se devia ter afastado do sistema dos códigos que
consagraram anteriormente o princípio do numerus clausus.
Este representa um princípio geral do Direito das Coisas,
que, a ser formulado, deve sê-lo com independência da pro-
priedade, pois esta é apenas um direito real entre outros.
Assim ficamos com um princípio fora do lugar, com uma
fórmula difícil a pretender restituir coerência ao sistema,
e ao fim e ao cabo sem a coerência que se pretendia ...
187
nhança, e a elas dedica o novo código a quase totalidade
do capítulo III (arts. 1346.º e segs.) dentro do título da pro-
priedade.
Parece que este significado de restrições foi aceite pelos
novos textos. ~ assim que no art. 1305.º, que antecede ime-
diatamente a definição do numerus clausus, se estabelece:
188
Tão-pouco cabem as restrições de interesse privado.
Estas, que são concebidas como deveres ou limitações de
vizinhança, vêm genericamente previstas na lei. As partes
podem, é certo, modificá-las negocialmente; mas não estão
limitadas aos casos previstos na lei, antes podem fazê-lo
genericamente, desde que utilizem o tipo compreensivo da
servidão; a servidão é por natureza uma alteração duma
relação global de vizinhança ( 34 ). Seria deslocado falar de
um numerus clausus de figuras de servidão, ou até de hipó-
teses em que a constituição desta é possível.
189
plo, quando se «Constitui» um usufruto, ao usufrutuário
transferir-se·iam alguns dos poderes da propriedade, e o
antigo proprietário ficaria com um direito - a nua-proprie-
dade, ou propriedade de raiz- que não seria já proprie..
dade, mas sim um direito novo e diferente, pois propriedade
só existiria quando se reunisse a totalidade dos poderes.
Devemos dizer que a figura do desmembramento, de
certa maneira entendida, não nos parece de excluir liminar-
mente. Pode mesmo ainda hoje perguntar-se se a enfiteuse
~e não deve considerar uma «propriedade dividida», reto-
mando-se certas explicações históricas da figura; poderá não
ser verdadeiro, mas é plausível. Tomada como explicação
cxc:Jusiva, porém, a teoria desconhece que, quer a proprie-
dade, quer os direitos menores, assentam num núcleo quali-
tativo, e não numa soma maior ou menor de poderes.
O direito menor resulta, não de uma transferência de
poderes que pertenciam à propriedade, mas da constituição
ex novo desses poderes na titularidade do novo sujeito.
A propriedade ou qualquer outro direito-base ficam então,
não desmembrados, mas onerados: há oneração sempre que
um direito real fica restringido pela coexistência de outro
direito sobre a mesma coisa, que limita o primeiro ( 35 ).
Este esquema, e não o do desmembramento, permite
explicar o que se passa quando se extingue o direito menor.
Não se dá então uma nova transferência de poderes, agora
do titular do direito menor para o primitivo proprietário:
como se poderia, sem ficção, falar dessa transferência, por
exemplo, à morte do usufrutuário? Dá-se antes a extinção
dos poderes que eram o conteúdo do direito menor, e con·
sequcntcmcnte cessa a oneração do direito maior: o titular
volta a poder exercer com exclusividade o seu direito. Isto
é, afinal, a elasticidade. No ponto de vista técnico, resume-se
ao retomar da plenitude do direito, em consequência da
191
cial declare sujeitos ao registo predial. .. ». Aqui se quise-
ram prever todas as categorias de situações que atingem as
coisas com inerência, e é difícil qualificar a expressão como
devendo abranger, ou pelo menos abranger só, as clàssica-
mente denominadas restrições, de interesse público ou pri-
vado, ao direito de propriedade.
192
direito de preferência, chegaram alguns autores à conclusão
errónea de que esse direito não era real, mesmo que tivesse
eficácia contra terceiros; e Rodrigues Nunes obsenra con-
sequentemente que não se poderia objectar à criação de
direitos convencionais de preferência com eficácia real com
o princípio do numerus clausus, pois aqueles não seriam
direitos reais ( 3 i). Apesar disso, o autor não admitia a cria-
ção convencional de preferências com eficácia real, porque
elas afectariam «a organização da propriedade, que é de
interesse e ordem pública», e além disso «a segurança do
comércio e a estabilidade das transacções» ( 38 ). Ora, estas
são razões que foram invocadas justamente em defesa do
numerus clausus, como observa bem Vaz Serra ( 39 ).
Quanto a nós, a conclusão certa não consiste em admi-
tir que a tipologia dos direitos reais abrange direitos obri-
gacionais ou outros com eficácia real, mas sim que todas
estas figuras são afinal puros direitos reais. Porque o sinal
mais evidente da natureza real de um direito não reside em
qualquer exercício de poderes de facto em relação à coisa,
mas sim na oponibilidade a terceiros ou sequela, que revela
a inerência característica dos direitos reais. Tratámos deste
ponto desenvolvidamente em As Relações Jurídicas Reais ( 40 ),
pelo que nos permitimos remeter para o que então dissemos.
É esta, aliás, a posição que explica o Código do Registo Pre-
dial, quando apresenta como objectivo do registo dar publi-
cidade aos direitos inerentes às coisas imóveis (art. l.º).
Direitos inerentes às coisas imóveis são justamente os direi-
tos reais sobre imóveis.
Em conclusão, estes direitos com eficácia real não podem
deixar de estar abrangidos no art. 1306.º, que fala de situa-
ções com carácter real, querendo com isso significar, de bar-
( 3s)Pág. 253.
(ª9) Preferência, n.º 2 (pág. 140).
(4°) No cap. V. Cfr. nomeadamente o n.º 111.
193
13
ruonia com o Código do Registo Predial, todos os direitos
merentes às coisas; mas são verdadeiros direitos reais, pois
uma categoria de direitos não reais mas com eficácia real
é uma pura impossibilidade. Pelo que, por este lado, nada
encontramos que possa caber na previsão das restrições ao
direito de propriedade, que não sejam direitos reais.
194
doutrina para a qual o objecto desse número fechado são
direitos reais e não realidades de outra ordem. Enfim, con-
corre neste sentido o elemento sistemático, como teremos
ocasião de assinalar mais tarde.
SECÇÃO Ili
195
autónomo é só o prédio ( 42 ). Neste sentido parece inclinar-se
o novo código, pois trata a propriedade horizontal num
capítulo VI, dentro do título da propriedade. E o art. 1414.º,
ao estabelecer o «princípio geral» de que as várias fracções
dum edifício podem pertencer a proprietários diversos,
parece estar a indicar o que há de essencial na figura.
Para nós, porém, a propriedade horizontal é efectiva-
mente um novo direito real. O que não é, é um direito real
simples, pois não representa uma nova forma de atingir
com inerência uma coisa. l?. antes um direito real complexo,
pois combina ou funde formas preexistentes de direitos reais,
neste caso uma propriedade e uma compropriedade, distin-
tas por força da diversidade do respectivo objecto. Isto é
expressamente estabelecido no art. 1420.º, que acrescenta:
«O conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles
pode ser alienado separadamente ... ».
A propriedade horizontal é pois um direito real com-
plexo, porque pressupõe necessàriamente a conjugação de
mais de um direito real na titularidade do mesmo sujeito.
- a propriedade do solo;
196
- um ónus real, o direito ao cânon superficiário, no
caso de se ter convencionado que o superficiário
pague uma prestação pecuniária anual (art. 1530.º);
- a expectativa de aquisição da obra quando cessar o
período pelo qual a superfície foi constituída, no caso
de a superfície ser temporária.
197
Note-se que na superfície, tal como na propriedade
horizontal, os direitos reais simples recaem sobre parte da
coisa ( 411 ). E isto permite-nos outra verificação: a de que
os direitos reais simples que compõem um direito real com-
plexo podem recair apenas sobre parte de uma coisa, embora
o direito real complexo a atinja na totalidade.
198
que se pode realizar a combinação (económica) de várias
figuras de direito real juridicamente autónomas ( 47 ); e con-
clui que nesses casos, por não haver nenhum novo direito
real, não haveria ofensa da tipologia taxativa. Na realidade,
porém, essa hipótese não nos interessa directamente, e só
tem a utilidade de permitir delimitar o nosso campo. O que
nos poderia interessar seria a combinação jurídica de várias
figuras de direito real, de modo que elas entrassem a formar
uma nova unidade, perdendo a sua autonomia no conjunto.
Não interessa a mera combinação económica, em que cada
uma das figuras continua a ser juridicamente uma unidade
autónoma e independente ( 48 ). Assim, se o titular do prédio
encravado convencionar com o titular do prédio circundante
a constituição de uma servidão de passagem, e simultânea-
mente a constituição de uma hipoteca sobre o prédio encra-
vado em garantia da indemnização pactuada, os dois direi-
tos formam uma unidade económica, mas cada direito real
mantém a sua independência e a submissão às suas próprias
regras. Não existe então, por natureza, nada que possa inte-
ressar ao numerus clausus.
Fixando-nos pois nos casos em que há elaboração de
uma nova unidade jurídica, vejamos se esta é ou não com-
patível com a tipologia taxativa.
199
Mas não é assim, e é muito claro desde logo que é con-
forme ao espírito do art. 1306.º, 1., a exclusão de direitos
reais complexos que não sejam previstos por lei. É que esta
nova unidade traz necessàriamente o seu regime próprio,
e a sua admissão lesaria todos os objectivos que se quise-
ram garantir ao estabelecer a regra do numerus clausus.
Aliás, não é necessário operar nenhuma extensão da
tipologia para abranger também os direitos reais comple-
xos; eles estão naturalmente àquela sujeitas. É que, como
dissemos já, o direito real complexo não é a soma dos direi-
tos reais simples que possam concorrer em dada situação:
é antes uma entidade autónoma que funciona como a fonte
desses direitos mas não está dependente deles, nem neles
se esgota. Quer dizer, o direito real complexo é uma unidade
nova: não é uma figura colectiva, é antes um composto.
Como tal, esse novo tipo de direito real ou está incluído na
tipologia normativa, ou não pode ser admitido. Assim seria
se se quisesse suprir uma eventual falta de previsão da anti-
crese pela elaboração de um direito complexo, em que se
combinassem a hipoteca e o usufruto, aglutinados de modo
a estarem sujeitos às mesmas vicissitudes e receberem um
regime comum, diverso do de cada figura tomada por si ( 49 ).
Concluímos pois que também os direitos reais comple-
xos são abrangidos pela tipologia taxativa dos direitos reais.
200
CAPITULO V
SECÇÃO 1
70. Generalidades
201
poderá pois imaginar-se que a tipologia dos direitos reais
se não confine nos modelos legais? Basta para tanto que
também do costume, ou da jurisprudência, ou da doutrina,
possam derivar novas espécies de direitos reais dentro da
ordem jurídica portuguesa.
Note-se que o problema não se suscitaria, ou não se
suscitaria da mesma maneira, se vigorasse entre nós regra
semelhante à do art. 2.º da lei de introdução ao Código Civil
alemão: «Lei no sentido do Código Civil e desta ·lei é toda
a norma jurídica». Então não haveria uma limitação, ao
menos aparente, a uma das fontes de direito em abstracto
possíveis, mas a aceitação de toda e qualquer categoria de
fontes. Mas o nosso código seguiu um caminho totalmente
diverso. Logo o art. l .º, que em breve teremos oportunidade
de examinar, nos dá de lei uma noção muito restrita. Em
princípio, pois, o disposto no art. 1306.º estará em confor-
midade com esta noção.
202
71. A ordem jurídica
203
Como dissemos, aqui entram em jogo as concepções
fundamentais, que nos transportam ao domínio da filosofia
do direito. E todavia, porque mais uma vez as consequên-
cias práticas estão dependentes de pressupostos gerais, não
podemos excusar-nos a acrescentar algumas palavras.
O nosso ponto de partida não pode deixar de ser a
ordem que verificamos existir dentro de toda a sociedade.
Essa ordem, que permite a unidade e a permanência dentro
da complexidade da moderna sociedade industrial, como o
permitiu em épocas anteriores, aproxima-se das ordens natu-
rais, enquanto se alicerça no que efectivamente acontece,
mas afasta-se delas na medida em que se não deixa reduzir
a um sistema de causas e de efeitos. O ser que temos aqui
em conta é um ser que apresenta a complexidade de envol-
ver simultâneamente um dever ser: é um ser que tem o
significado de um devido, para falar como Larenz ( 2 ). Por
isso diremos que estamos neste caso perante uma ordem
normativa.
Na ordem normativa da vida social podem por sua vez
apreender-se várias ordens parcelares: e entre elas encon-
tramos a ordem jurídica. Essa ordem jurídica, cujos carac-
teres distintivos seria deslocado enunciar aqui, não é pois
diversa dos restantes elementos da ordem social- como
eles, é constituída por factos que têm o significado de um
dever ser.
Por este caminho se orientaram, no meio dos mais
variados cambiantes, numerosas correntes do pensamento
contemporâneo, mas parece-nos que seria injusto não refe-
rir em particular as palavras já clássicas de Santi Romano:
«0 direito, antes de ser norma, antes de respeitar a uma
relação singular ou a uma série de relações sociais, é orga-
nização, estrutura, posição da própria sociedade em que se
204
desenvolve, e que ele constitui como unidade, como ente
autónomo» ( 3 ).
É certo que por abstracção podemos em cada mon1ento,
dentro da unidade viva e contínua da vida social, individua-
lizar as normas que exprimem esse dever ser. Mas com-
preende-se que as normas não representem toda a realidade
da ordem ou do ordenamento jurídico, e que para este con-
corram factos de todos os dias, como a aceitação de coman-
dos, o contrato, a sentença, a doutrina jurídica ( 4 ). Tudo isto
entra a fazer parte da ordem social e vai-a modelando ( r>).
72. A lei
a 202. Mas note-se que não basta reconhecer entre facto e norma
uma conexão meramente genética (esta pareceria ser a posição do
próprio Reale, a atendermos às afirmações que faz em Teoria, nomea-
damente a págs. 10 e 14 ). :e. necessário chegar a uma integração mais
estreita, afirmar que a norma está contida no facto, embora se não
deixe reduzir a este.
( •) Neste sentido vai a construção original exposta recente-
mente entre nós por M. Gomes da Silva, Esboço, 148-50, nomeada-
mente. O direito não é constituído apenas por aquilo a que o autor
chama a ordem jurídica objectiva, mas ainda pela ordem jurídica
subjectiva e pela vida jurídica, esta entendida como o «esforço cons-
tante da ordem jurídica objectiva para enformar a subjectiva, por
meio do impulso dos factos para tal previstos e da reacção contra
o torto». Não podemos, infelizmente, deter-nos na consideração dos
vários elementos que entram nesta construção.
( 5) :e. nesta base que aceitamos a afirmação de Betti, Zur Grun-
dlegung, 129, de que a ordem jurídica é um organismo em permanente
evolução, dotado de capacidade de a si mesmo se integrar; e evolui
de harmonia com o desenvolvimento da sociedade, de tal modo que
a ordem jurídica pode ser concebida como o reflexo desta.
205
Uma lei é um texto ou fórmula imposta por um órgão
competente cm determinada sociedade, para que se integre
na respectiva ordem jurídica. Essa fórmula deverá possuir
um dado conteúdo intelectivo, que se pode atingir desde que
a conjuguemos com os restantes elementos componentes da
mesma ordem jurídica. O conteúdo é a norma. A tarefa que
nos permite, a partir da fórmula, extrair uma norma, pelo
confronto com todos os elementos da ordem jurídica em
que se inscreve, é a interpretação.
206
muda: a interpretação em si é sempre a mesma, o signifi-
cado objectivo da fórmula legal é que passa a ser diverso.
Tomemos o art. 1346.º do Código Civil. Aí se proíbe a emis-
são de fumo, a produção de trepidações e factos semelhan-
tes, em relação a prédios vizinhos, «sempre que tais factos
importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou
não resultem da utilização normal do prédio de que ema-
nam».
Em concreto, quando é que se pode dizer que o pre-
juízo é substancial, que a utilização é normal? Tem de se
atender ao circunstancialismo ambiente. Interessam os hábi-
tos locais, mas não basta: tem de se recorrer às concepções
sociais dominantes. Concepções essas que variam, e por-
tanto os resultados a que conduziria ontem a aplicação da
norma podem ser diversos dos de hoje. Assim o decidiram
9s tribunais alemães ( 7 ), e Lehmann comentou favoràvel-
mente essa orientação ( 8 ), que depois se tornou património
comum da ciência jurídica alemã.
207
O art. 1.º, 1., do Código Civil diz-nos de facto que são
fontes de direito as leis e as normas corporativas. Há desde
logo neste preceito uma assimetria que não queremos deixar
de assinalar. Uma categoria qualquer de normas nunca pode
ser fonte de direito. A norma é antes o que resulta da fonte,
é o conteúdo da própria ordem jurídica. Recorde-se o que
dissemos há pouco, quando distinguimos o texto ou fór-
mula que dá a essência da lei, e a norma que dela poderá
resultar.
208
der-se, por analogia, a todas as normas de produção autó-
noma)('>).
Quando o art. 1306.º, 1., dispõe que a constituição de
direitos reais só é admissível nos casos previstos na lei, que
terá tido em vista? O sentido doutrinário de lei? Ou, pelo
contrário, o sentido mais restrito definido no art. 1.º, 2.?
O elemento sistemático leva-nos a preferir esta segunda
hipótese: se há no próprio código uma definição de lei, é
em princípio a ela que se deve recorrer todas as vezes que
o termo for utilizado. Pode o legislador nem sempre ter sido
fiel à sua própria terminologia, mas não deixa de existir
como que uma presunção de coerência, que só cederá perante
prova em contrário.
Essa prova, não nos parece que possa produzir-se. E com-
preensível que, dada a certeza que o legislador quis atribuir
à categoria direito real e dadas as repercussões que este
pode ter para com terceiros e para com o comércio jurídico
em geral, se limitem as entidades que podem dar vida a
tais situações. Os órgãos estaduais terão pois tornado seu
monopólio a criação de figuras de direito real.
Aqui temos pois mais uma consequência, esta não apa-
rente, do princípio do numerus clausus; ele implica uma
estadualização deste aspecto da vida social, dentro da cria-
ção legal.
209
14
postura duma Câmara, que disponha de certa maneira sobre
bens ou negócios relativos ao concelho, não pode criar um
novo direito real?
Em abstracto, há três soluções possíveis:
- integrar esses diplomas na referência às leis;
- integrá-los na referência às normas corporativas;
- considerar que não foram previstos pelo código.
210
Simplesmente, as normas corporativas são definidas
como as regras ditadas pelos organismos representativos
das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou
profissionais ... (n.º 2). Se se falasse em interesses adminis-
trativos, poderiam considerar-se os diplomas em causa abran-
gidos naquelas normas; não sendo assim, temos de concluir
que ficam de fora.
211
ção do direito, o pluralismo da criação jurídica: intenção
que aliás não teria sido realizada com felicidade ( 12 ). Efec-
tivamente, essa nos parece a maior utilidade desta previsão
das normas corporativas. Ora os diplomas das autarquias
locais também consubstanciam, ao menos como aspiração,
uma formação autónoma do direito; também se integram
nas leis ou regras corporativas, entendidas estas em sentido
lato. Se o critério que inspirou o legislador de 1966 foi a
contraposição das formas de produção autónoma às formas
de produção heterónoma do direito, as regras provindas das
autarquias locais deveriam aproximar-se da categoria das
«normas» corporativas, e não da das leis. A elas se aplica-
ria também, por exemplo, o n.º 3 do art. l.º, que determina
que as normas corporativas não podem contrariar disposi-
ções legais de carácter imperativo.
212
I - No art. l.º do Código Civil italiano indicam-se como
fontes de direito, além das leis, das normas corporativas e
dos usos, os regulamentos. Consequentemente, os artigos
seguintes disciplinam alguns aspectos da relação do regula-
mento com as restantes fontes de direito.
No nosso Código Civil, o n.º 1 do art. l.º omite qual-
quer referência a regulamentos. Mas o n.º 2, considerando
leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos
estaduais competentes, mostra que a supressão resulta de
aqueles terem sido considerados leis. Lei é tudo o que, pro-
vindo de órgãos estaduais, cria normas jurídicas, seja qual
for a forma que revista essa criação.
Esta é a razão do nosso problema: se o numerus clausus
significa a limitação aos tipos «previstos na lei», será admis-
sível á constituição de direitos reais por todos estes meios?
Se continuarmos a seguir a presunção de que um termo que
é definido na lei é nela utilizado sempre com o mesmo signi-
ficado, devemos responder afirmativamente.
213
Temos por isso de nos abster de uma análise completa,
que abandonamos ao Direi to Constitucional, e limitarmo-nos
a algumas observações que delimitem ou esclareçam o tema.
214
duto, criar por decreto situações munidas de inerência? Ou,
no caso de haver uma lei especial sobre colonização interna
que estabeleça, por exemplo, as bases da atribuição de terras
aos colonos, pode o diploma que a regulamentar fazê-lo em
termos que atribuam natureza real àquelas situações? O pro-
blema põe-se mais fàcilmente no que respeita aos diplomas
para execução das leis de bases (art. 109.º, § 4.º, da Consti-
tuição), dado o carácter necessàriamente vago destas.
215
76. A doutrina
216
SECÇÃO II
217
Já nas doutrinas latinas o problema passa mais desper-
cebido. Os autores que o referem reflectem as orientações
de base que aceitam quanto à relevância do costume ( 18 ).
218
além desempenhava o papel hieràrquicamente superior na
integração das lacunas rebeldes à analogia. Estabelece efec-
tivamente o referido art. l.º: « ... Se a lei não contiver nenhum
preceito, o juiz deve decidir de harmonia com o direito con-
suetudinário e, onde este falte, segundo a regra que ele pró-
prio criaria se fosse legislador».
219
Estabelece o n.º 1 deste artigo: «Aquele que invocar
direito consuetudinário, local, ou estrangeiro compete fazer
a prova da sua existência e conteúdo; mas o tribunal deve
procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento».
E o n.º 2 indica outras hipóteses em que o conhecimento
é oficioso.
Aqui temos portanto uma previsão genérica da relevân-
cia do costume ou do direito consuetudinário, como tal, que
não pode ser desprezada.
220
As dificuldades vêm, não tanto da referência ao direito
português, cuja relatividade acabamos de verificar, mas da
qualificação como direito comum. Se essa qualificação serve
perfeitamente quando oontraposta ao direito local, já sus-
cita problemas quando contraposta ao direito consuetudi-
nário. Este é verdadeiramente.um direito comum, como tere-
mos ocasião de verificar.
Esta divergência não parece porém decisiva. O legisla-
dor considerará o direito legal como direito comum, por
oposição ao próprio direito consuetudinário. Se bem que dis-
cordemos desta qualificação, é lícito concluir que, comum
ou não, o direito consuetudinário sempre acaba por ser con-
siderado relevante pela própria ordem legal portuguesa.
221
à face da ordem juridka do que da ordem legal. A solução
depende das conrepções gerais que em definitivo formos
levados a aceitar sobre a ordem jurídica e as suas fontes.
A nossa concepção ficou já exposta atrás. E essa con-
cepção, mesmo sumàriamente delineada, dá-nos a base sufi-
d~nte para concluir que o costume não é só fonte de direito,
como é atê o modo por excelência de revelação do direito.
Se o direito é uma ordem normativa da sociedade, o costume
re\-da essa ordem; tem pois juridicidade por si, independen-
temente da atitude que perante ele tomem os governantes,
e até não obstante a atitude que esses governantes tomem ...
222
:e ele que nos permite, em todos os casos, \•erificar qual
o- sentido de dada regra, como vimos: o ordenamento é o
pano de fundo de toda a interpretação. A vida social dá-nos
por si os critérios de entendimento da sua própria ordem.
Para além disso, há ainda sectores, e sectores muito
importantes, em que o costume desempenha papel signifi-
cativo na criação normativa. Temos, por exemplo, o sector
agrário, caracterizado ainda hoje por uma subordinação
muito maior ao elemento institucional que a intervenções
exteriores. Ele continua, mau grado a multiplicação de leis,
a guiar-se pelos seus próprios padrões; e aí se vão gerando
ou conservando institutos que as leis desconhecem - e
nomeadamente institutos que tocam os direitos reais.
223
acompanhá-la nesta difícil determinação ( 21 ). Mas há dois
requisitos que não queremos deixar de mencionar: são os
da espontaneidade e da racionalidade do costume.
O primeiro permite-nos dissociar a nossa posição da de
um sociologismo que se contentasse com reflectir naturalis-
ticamente a exterioridade das condutas. A repetição de con-
dutas que está na base do costume deve ser espontânea, ou
seja, não deve resultar de uma pura imposição de um dado
poder ou de um grupo social ( 22 ). O que apenas pela força
se sustém não tem ainda em si os caracteres do jurídico.
Em segundo lugar, também o costume tem de estar
submetido, como todo o direito, a uma ordem extrapositiva,
pois é esta que nos dá o fundamento da juridicidade. Está
aqui o elemento de verdade daquela doutrina que apresenta
a racionalidade do costume como condição da relevância
deste. Assim o exigiu a lei da Boa Razão, e assim o exigem
ainda autores actuais. Se tomássemos à letra esta posição,
teríamos de observar que a medida da racionalidade do
costume não pode ser diversa da que a própria lei deve ter;
e sabemos que uma lei não pode ser rejeitada com o mero
fundamento na inoportunidade ou na inconveniência da
solução que comporta. O que há de verdadeiro no requisito
da racionalidade é iinicamente a exigência de que a regra
costumeira, como a legal, não contrarie os princípios fun-
damentais impostos pela natureza humana e a que a razão
pode elevar-se ( 23 ).
( 21) Cfr. sobre este tema cm geral Gény, n. 109 a 137; Betti,
09
224
III-Vê-se pois que por este caminho não degradamos
o direito a um mero acontecer, não confundimos facto e
norma. O que afastamos, isso sim, são as orientações que
conduzem a uma oposição abrupta de ser e dever ser, todas
de uma forma ou de outra filiadas em Kant, e que encon-
tram em Kelsen a sua expressão última. Pelo contrário, há
uma intercon1unicação entre ser e dever ser, e ambos são
afinal conjugados na ordem que exprimem. O mundo do
ser não é para nós uma entidade neutra, antes traz em si
valor, traz em si sentido, que desde o início são dele inse-
paráveis.
Não podemos debater a fundamentação última destas
posições, por exceder os limites deste trabalho. Mas elas
marcam o ponto de encontro de várias orientações contem-
porâneas, para além das suas divergências. Fale-se, em ter-
mos neo-hegelianos, de uma ordenação dialéctica de sentido
objectivo e de vida real, procure-se nas instituições o real
dentro da vida social, ou parta-se de qualquer outro qua-
drante, encontra-se um objectivo comum nesta ligação última
de dever ser e ser que, não obstante a sua delicadeza, várias
orientações procuram assegurar. ·
225
15
As suas declarações, integrando-se na ordem social e com
o sentido que nessa ordem despertam, provocam o apareci-
mento de novas regras, e portanto compõem a ordem nor-
mativa, ao contrário das declarações de quaisquer outras
entidades dentro da vida social. Quer dizer que além da
forma autónoma de produção de direito, que se manifesta
pelo costume, temos de entrar em conta com formas hete-
rónomas - ou, se assim quisermos, com fontes heterónomas.
Mas convém fixar com mais alguma precisão a relação
que existe entre estas fontes. O primado da ordem costu-
meira mantém-se, e exprime-se através das duas restrições
que acima apontámos. Efectivamente:
226
análise. E todavia: no Código de Seabra, quantos precei-
tos não estariam em 1966 já efectivamente revogados pelo
desuso? A proscrição legal do desuso exprime tão-somente
a aspiração do legislador a ser actor exclusivo na modela-
ção da vida social, mas não dá qualquer segurança de que
efectivamente o consiga ser. Por outro lado, todos os pre-
ceitos que não foram rejeitados valiam com o sentido que
lhes dera a ordem social portuguesa, sentido esse que con-
tinuamente ia sendo reelaborado.
Em conclusão:
1) o ordenamento é um complexo de factos em que
está contido um dever ser;
2) os factos e as normas estão submetidos a valores;
3) há fontes autónomas e fontes heterónomas, mas só
o ordenamento dá o critério do que vale como direito numa
sociedade, ainda que provindo de uma fonte heterónoma.
227
Vamos por isso limitar a nossa análise a uma hipótese
de direi to real consuetudinário - a colonia, proibida para
futuro pelo Decreto-Lei n.º 47 937, de 15 de Setembro de 1967.
228
ter tenazmente mantido, apesar de a nossa ordem jurídica
ter consagrado implicitamente, como vimos, um sistema de
numerus clausus. Ela impôs-se aos particulares, aos tribu-
nais e à administração, não obstante as proibições da lei.
Mais: o próprio legislador reconheceu abertamente a
existência destas situações ( 26 ). Sempre que o julgou opor-
tuno, o legislador não deixou de ressalvar o estatuto espe-
cial da colonia.
Mas, e é este o ponto essencial, a colonia não passou
a ser um tipo legal de direito real, apenas com origem con-
suetudinária. Se assim fosse, não se distinguiria neste aspecto
de quase todos os outros direitos reais ( 27 ). O que é signifi-
cativo é que a recepção legal não tirou à colonia o seu carác-
ter consuetudinário. Nenhum preceito de lei atribui natu-
reza real a esta figura ou, mais precisamente, estabeleceu
para ela o regime próprio dos direitos reais. O legislador
contentou-se com reconhecer em bloco a situação costu-
meira, regulando Unicamente certos aspectos secundários.
Não passou pois a haver, à face da lei, um direito real típico:
para o reconhecermos basta aplicar os princípios anterior-
mente enunciados, quanto às exigências mínimas de uma
tipicidade dos direitos reais ( 28 ). Havia pois um direito real
(2º) Cfr. desde logo o art. 107.º, § 3.º, do Decreto n.º 16 731, de
13 de Abril de 1921. Ofr. também o art. 3.º do Decreto n.º 33 159, de
21 de Outubro de 1943, e o art. 9.º do Decreto-Lei n.º 38 722, de 14 de
Abril de 1952, em matéria de hidráulica agrícola; o art. 11.º, al. d),
do Decreto n.º 35 994, de 23 de Novembro de 1946, que prevê a con-
cessão de empréstimos para melhoramentos rurais; os arts. 86.º e
167.º do Código do Registo Predial; a base XXVI da Lei n.º 2114, de
15 de Junho de 1962 (arrendamento rural); as bases II, 2., al. e) e
VIII, 6., da Lei n.º 2116, de 14 de Agosto de 1962; e o art. 6.º do Decreto
n.º 44 647, de 26 de Agosto de 1962 (emparcelamento da propriedade
rústica).
(27) Poucas excepções há a esta origem. Entre elas contam-se
a superfície e alguns direitos reais de aquisição.
( 2s) Supra, cap. III, n.º 35.
229
que não estava instituído por lei, se bem que por lei fosse
expressamente reconhecido ( 29 ).
230
a colonia lograra ou não subsistir; e este diploma reconhece
ahertam·ente a validade deste direito, quando no n.º 1 do
art. 1.0 proíbe para futuro a celebração de contratos de
colonia.
Mais ainda: o n.º 2 sujeita os contratos «celebrados até
à entrada em vigor deste decreto-lei», à «forma convencio-
nada e do direito costumeiro e usos locais». Fala-se em con-
tratos celebrados até à entrada em vigor deste decreto-lei,
e não até à do código; o que traz o reconhecimento de que,
desde a entrada em vigor do código até à do referido decreto-
-lei continuou a ser válida a constituição da colonia, não
obstante a consagração pelo código de uma tipologia taxa-
tiva dos direitos reais. Portanto, temos razão em dizer que
no próprio diploma proibitivo da colonia está o mais cate-
górico reconhecimento da existência de direitos reais con-
suetudinários.
231
direito. A situação não se alterou, portanto, no que respeita
à fonte deste direito; mantém-se como direito consuetudi-
nário reconhecido por lei, em vez de se ter transformado
num novo direito previsto por lei.
Temos assim a confirmação de que, mesmo à face da
ordem legal portuguesa, o costume acaba por ser conside-
rado fonte de direitos reais.
SECÇÃO III
232
II - Compreendem-se as causas desta evolução. Quando
um código é publicado, o facto de trazer a solução dos pro-
blemas mais debatidos conduz a confundir lei e ·direito: a
tendência é cair-se na exegese. Mas à medida que ele enve-
lhece, a insuficiência desta posição torna-se patente, e a
pressão sobre a jurisprudência ganha intensidade. Recor-
de-se a importância extrema que esta adquiriu na França,
e o mesmo vai acontecendo na Alemanha: a evolução das
circunstâncias faz com que um código de 1900 seja já ine-
xoràvelmente um código velho ( 32 ).
233
prio sistema de valorações desta ( 33 ). Uma determinada
matéria, que exige uma solução jurídica, nos termos do
art. 8.º, não foi prevista. Como proceder?
Responde o art. 10.º: recorre-se à analogia (n.º 1) e, na
falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma
que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar den-
tro do espírito do sistema (n.º 3). Aqui temos o preceito-
-base para a nossa investigação.
234
apresentar lacunas, cuja integração tem de se realizar por
outros processos. Toma-se assim indiscutível a existência
de uma categoria que designaremos como a de «lacunas
rebeldes à analogia». A lei é tão clara que nos dispensamos
de mais longa fundamentação da sua existência ( 34 ). Mas a
sua importância impõe que as analisemos mais detidamente
no número seguinte.
III - Isto não quer dizer que o texto não apresente tam·
bém deficiências consideráveis. Há a omissão da referência
ao costume, perante a qual já tomámos posição. E outras
ainda resultarão das observações que se seguem ( 35 ).
( ª') Cfr. sobre todos estes pontos o nosso estudo sobre «A Inte-
gração das Lacunas da Lei e o novo Código Civil», nomeadamente
no n.º 3.
(35) Cfr. para uma apreciação de conjunto o nosso estudo refe-
rido na nota anterior.
(ª 6 ) Gesetzesauslegung, § 14, 5 e segs.
(ª7 ) Pode também observar-se a tendência, meramente termi-
nológica, de falar em lacunas da lei para referir as lacunas do sis-
tema jurídico. Quer dizer, fala-se em lei para referir a ordem jurídica
em conjunto.
235
II -Também as lacunas rebeldes à analogia são passí-
veis de uma classificação útil. Estas lacunas que se não
deixam resolver por processos analógicos podem revelar-se
de tres formas diferentes. E convém distingui-las, pois o pro-
cesso de fixação da existência da lacuna oferece dificulda-
des específicas:
1 ) Uma lacuna patente pode revelar-se desde o início
rebelde à analogia, por não haver regra ou princípio que a
abranja . .E. a hipótese mais fácil, que não exige esclareci-
mentos especiais.
2) Uma situação pode ser aparentemente coberta por
um princípio já doutrinàriamente elaborado, mas na reali-
dade escapar-lhe: há pois lacuna ( 38 ). Adiante teremos oca-
sião de fazer algumas aplicações deste caso.
3) Uma situação pode ser aparentemente coberta por
um preceito legal, mas a interpretação revelar que ela lhe
é estranha: há nova modalidade de lacuna.
236
indevidamente em termos absolutos ( 39 ). Para além de uma
análise desta posição precursora, que seria deslocada, inte-
ressa acentuar que a doutrina moderna retomou a senda
assim aberta. É sobretudo mérito de Reichel ter voltado a
acentuar a existência desta categoria de lacunas. Observou
este autor que tais lacunas serão mais ou menos frequentes,
consoante prevalecer a tendência de a lei se limitar a enun-
ciar princípios gerais, ou pelo contrário estabelecer uma
regulamentação casuística ( 4 º).
Esta posição generalizou-se entre os autores mais recen-
tes que especificamente trataram o tema ( 41 ).
237
a certa categoria de casos, essa previsão conduz a uma solu-
ção pouco acertada (para usar a linguagem do art. 9.0 , 3.).
Isto pode acontecer, quer porque o preceito suposto já
originàriamente trazia em si essa condição, quer porque
- e esta segunda hipótese será muito mais frequente -
a evolução do condicionalismo geral a isso levou.
O intérprete pode então detectar uma lacuna oculta,
desde que lhe seja lícito fazer uso da interpretação restri-
tiva. Esta impõe-se quando se verifica que o preceito, se
hem que de formulação genérica, só se justifica para dado
sector de casos. Não foi explicitada uma excepção ou restri-
ção que deveria existir de harmonia com o plano do legis-
lador- melhor dizendo, com o espírito ou sentido da lei.
A própria obediência à lei impõe então que sacrifiquemos
a fórmula infeliz ao conteúdo preceptivo que nela está ínsito;
que consideremos fora do seu âmbito as situações que são
estranhas ao espírito da lei.
Concretizando mais: suponhamos que para certa cate-
goria de contratos se impôs a adopção da forma escrita,
quando o sistema da lei revela afinal que o preceito só tem
em vista os contratos que se refiram a imóveis; que se esta-
belece uma exigência geral de autorização, e se vem a veri-
ficar depois que o preceito não tem sentido perante os actos
de mera administração; e assim por diante. Pelos cânones
gerais da interpretação, que se dirige à descoberta de um
conteúdo normativo, haverá que restringir o texto para che-
gar à norma que ele encerra.
É este o procedimento geral, que nenhum motivo levará
a excluir quando tiver por consequência a revelação de uma
lacuna. Só assim se não poderá proceder quando regra clara
0 venha proibir - mas então temos ainda uma evidente apli-
cação dos princípios gerais da interpretação. Esta dirige-se
à revelação do sentido da lei, pelo que seria deslocada qual-
quer actividade interpretativa quando a determinação legal
estivesse já esclarecida. Fora de semelhantes excepções, cre-
238
mos que a restrição de um enunciado indevidamente amplo
é abstractamente sempre admissível ( 43 ).
239
lei, nem determina a mudança da legislação. A regra posi-
tiva não vale porque se presume ser funcionalmente a mais
perfeita, vale por ser jurídica; por isso, mesmo onde a sua
aplicação se revelar inconveniente, a sua validade e eficácia
não são atingidas.
240
alemães, que a consideram susceptível de levar à descoberta
de lacunas ( 48 ).
Estas figuras são estranhas à quase tota1idade dos juris-
tas portugueses. Compreenderemos em que consistem se
acompanharmos as tentativas da doutrina alemã de distin-
guir a restrição ( 4 º) ou redução teleológica (liº) da interpre-
tação restritiva. Enquanto esta se teria de manter dentro
de um dos sentidos possíveis das palavras utilizadas pelo
legislador, a primeira iria além deles. Seria uma distinção
recíproca da que se estabelece entre interpretação extensiva
(que se limitaria a escolher um dos sentidos possíveis das
palavras) e analogia (que transcende os sentidos gramati-
cais).
Vê-se que em geral estes autores utilizam as expressões
«interpretação extensiva» e «interpretação restritiva» num
sentido muito diverso do que é corrente na doutrina por-
tuguesa ( 51 ). Elas vêm a corresponder ao que chamamos
interpretação lata e restrita, como modalidades da interpre-
tação declarativa.
Como. este aspecto não nos interessa directamente,
escusamos de examinar a fundo mais esta questão. Basta-
-nos dizer que continua a parecer-nos útil falar em interpre-
tação extensiva e restritiva, enquanto sondamos a ratio dum
preceito e submetemos a crítica a formulação legal, que
pode ser infeliz ( 1J2).
241
16
Aliás, num ponto de vista prático, não podemos esque-
cer que é este entendimento que está consagrado no art. 10.0
do Código Civil, que exclui a aplicação analógica das normas
excepcionais mas admite a interpretação extensiva; bem
como no art. 18.º do Código Penal, que exclui a interpreta-
ção extensiva das normas incriminadoras. Estes preceitos,
que não são evidentemente comandos vazios, forçam o intér-
prete a utilizar estes esquemas, por mais que, em abstracto,
entenda que outra orientação seria preferível.
Sendo assim, mantemos o entendimento comum da inter-
pretação extensiva; e paralelamente, mantemos o da inter-
pretação restritiva, que esteve na base da nossa interpreta-
ção anterior (ú 3 ). Também aqui a interpretação não deve
cingir-se à letra da lei, e o espírito desta pode revelar a
impropriedade de uma formulação demasiado ampla.
242
delimitam. Certos casos, que formalmente seriam abrangi-
dos, revelam.,,se alheios a essa tipicidade ( 54 ).
Na verdade, toda a norma opera por natureza uma limi-
tação. Essa limitação pode ser tácita ou estar expressamente
proclamada; pode fazer-se por uma previsão genérica ou
por um enunciado de tipos particulares. Em todos os casos,
o próprio preceito que estabelece a limitação não deixa de
estar sujeito à interpretação, e nomeadamente à interpreta-
ção restritiva. Por maior que seja o rigor da delimitação
legal, é sempre em abstracto possível concluir que certas
categorias de hipóteses escapam afinal à sua previsão.
~ então forçoso, para usar a fórmula de Boehmer, «dar
de novo valor à verdadeira ideia da lei, através da restri-
ção da proibição» ( 55 ). Quando assim acontece, a interpre-
tação restritiva revela a existência de uma lacuna.
243
S9. Integração de lacunas e criação normat1vai
244
a generalidade que lhe permita aplicar-se a outros casos da
mesma índole. Se estes se verificarem, a lacuna subsiste, o
que demonstra que se não operou nenhuma criação nor-
mativa.
É certo que o autor do Anteprojecto afirmara que entre
a actividade legislativa e a interpretativa há só uma dife-
rença de grau ( 58 ), o que mostra ser intencional a referên-
cia ao acto de legislar a que se chegou. Na verdade, porém,
«a resolução do caso omisso só muito superficialmente se
parece com o verdadeiro acto legislativo, e a alusão, no texto
legal, a essa vaga semelhança só pode servir para induzir
em erro» ( 59 ).
Na verdade, podemos afirmar, evitando equívocos, que
não houve propriamente criação de uma norma, mas apli-
cação ao caso da norma que se supõe ser conforme ao sis-
tema jurídico, globalmente considerado ( 60 ).
Quer dizer que também nesta segunda ordem de hipó-
teses vamos, sob o ângulo da criação normativa, chegar a
uma conclusão modesta, que nos aproxima daquela a que
fomos conduzidos quando focámos a analogia. A criação a
que se assiste é uma criação como actividade intelectual.
Não se trata de um mero processo recognitivo, há algo de
criador: sempre que de meros critérios formais, se extrai
uma regra substancial, há uma actividade de criação. Mas
esta criação não se confunde com a criação normativa, como
seria o caso se actuasse uma fonte de direito. O sistema nor-
mativo ficou intacto.
245
90. A re1.etlçio de julgados
246
directa. A elaboração jurisprudencial não pára no caso con-
creto. Se houver repetição de julgados, pode assistir-se à
progressiva modelação de soluções e de máximas de decisão
através da influência, mesmo não imposta, de uns arestos
sobre outros. E é impossível fechar simplesmente os olhos
perante a massa enorme de institutos que foram saindo da
jurisprudência dos tribunais, e da maior ou menor permea-
bilidade destes aos ensinamentos da doutrina. Mesmo na
ordem jurídica portuguesa, em que o individualismo do jul-
gador é conhecido, temos justamente nestes dias um magní-
fico ponto de observação se considerarmos a elaboração
realizada sobre o Código de 1867. Que massa de preceitos,
de regras, de soluções, se foi pouco a pouco modelando sem
que a letra da lei sofresse alteração!
Ocorre perguntar: poderá sustentar-se que todas essas
regras, cujo espírito é muitas vezes tão afastado do espírito
liberal do código ao tempo vigente, representavam meras
revelações daquilo que nos textos estaria já contido? Não
é hoje fácil confessar que isso seria uma ficção demasiado
evidente? Pode pretender-se que essas regras se baseiam
indirectamente na lei (o que todavia só seria verdadeiro em
caso de preenchimento da lacuna por analogia). Mesmo
então, parece-nos procedente a distinção de Larenz, dos
casos em que uma solução é exigida por lei daqueles em
que é meramente permitida ( 62 ). Nestes últimos, o momento
de criação seria inegável.
Mas se nos embrenhamos por esse caminho, defronta-
mos outras dificuldades. Quando podemos dizer que a lacuna
está superada? Quando cessa o poder geral do juiz de afas-
tar a solução antecedente, e se deve considerar firmada uma
nova regra de direito? Não basta a mera repetição de jul-
gados, mas que será então necessário?
247
111- Também sobre este problema se debruçou Larenz,
procurando fixar os critérios que permitiriam afirmar que
uma lacuna estava preenchida. Seria necessária a formula-
ção de uma regra, que possa aplicar-se em todos os casos
em que a facti species se concretizar; a ligação entre a esta-
tuição e a previsão deveria ser fundada em considerações
jurídicas; e a regra deveria integrar-se no sistema norma-
tivo sem criar contradições ( 63).
Parece-nos patente a insuficiência de tais critérios; mas
não cremos que seja necessário criticá-los, pois eles corres-
pondem a uma situação normativa que é consideràvelmente
diversa dà nossa. A solução na ordem jurídica portuguesa
pode obter-se muito mais fàcilmente, recorrendo tão-somente
aos instrumentos que têm estado em causa na teoria clás-
sica das fontes de direito.
248
afastados, de Heck a Betti, aceitar com naturalidade esta
forma de costume.
De facto, uma vez admitida a relevância do costume,
e assente que nada fará repudiá-lo quando surjam lacunas
rebeldes à analogia, tudo se conjuga para que consideremos
o costume jurisprudencial {65 ) como subespécie do costume,
fonte de direito actuante.
249
tante deve gerar a convicção de que tal conduta é juridica-
mente obrigatória, e quando essa convicção se generaliza
nasce o costume. Ora bem, aqui é já insuficiente a convic-
ção dos próprios juízes: é ainda necessário que a sua con-
cepção tenha conseguido impor-se aos interessados. Por
outras palavras, é necessário que contra a orientação dos
tribunais não se levante a oposição dos interessados: nestes
deve ter-se radicado a convicção de que como o tribunal
diz é que deve ser ( 66 ). Acrescente-se que o costume juris-
prudencial não é prejudicado pela subsistência de certas
oposições, como a da doutrina: elas não afectam nem o
usus nem a opinio juris.
250
mais significativa quanto mais constante for a jurisprudên-
cia. Não seria mesmo conveniente tomar demasiado rígida
a acção jurisdicional, impedindo-a de se abrir a novas solu-
ções só pelo facto de dada solução se ter tornado constante.
Pelo contrário, o costume, como fonte de direito, impõe-se
à aplicação dos tribunais.
251
ção relativa e o regime dotai. Quanto à chamada separação
absoluta não seria um regime-tipo, mas um regime pre-
visto ( 68 ).
Apesar disso, a jurisprudência não tergiversou: foi sem-
pre considerando que a separação absoluta era um regime-
-tipo, a que acresceriam a comunhão geral, a simples comu-
nhão de adquiridos e o regime dotai.
Perante tanta persistência, sustenta Gomes da Silva que
se formou um costume jurisprudencial ( 69 ). Esta posição
parece-nos inteiramente de apoiar; criou-se efectivamente
uma juridicidade nova, que permitiu à jurisprudência ser
insensível às razões da doutrina. O que valia, já não era
propriamente o que estava no código, mas o que os tribu-
nais decidiam. Essa prática, comunicando-se aos particula-
res e às demais autoridades interessadas, ganhara os extre-
mos de um costume.
252
93. ós assenfios
I - Se se fixa doutrina por meio de ass~nto, a juris-
prudência é fonte de direito. Temos aqui a figura específica
da ordem jurídica portuguesa, que torna inúteis construções
moldadas nos quadros de ordens jurídicas em que não existe
nada de semelhante.
O Código de 1966 integrou os assentos entre as fontes
de direito, se bem que tenha evitado comprometer-se dema-
siado quanto à natureza deles. Diz o art. 2.º que, nos casos
declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de
assentos, doutrina com força obrigatória geral. Do assento
resulta, pois, uma norma que se impõe à observância de
todos. Esta era já a situação no direito anterior, pelo menos
desde que o Código do Processo Civil excluíra a possibili-
dade de o próprio Supremo Tribunal de Justiça alterar um
assento.
Repare-se também que o código não diz que a doutrina
do assento é obrigatória «para todos os tribunais», como se
fazia no n.º 2 do art. 769.º do Código de Processo Civil:
fala-se antes em força obrigatória geral. Parece-nos que
assim se liquida a doutrina que concebia o assento como
uma «Ordem de serviço» dada aos tribunais ( 70 ).
253
Não se pode porém confundir assento e lei. A investi-
gação que realizámos sobre a lei, por um lado, e sobre a
elaboração jurisprudencial, por outro, torna claro que não
há qualquer ponto de contacto entre as duas realidades, para
além da genérica integração de ambas no conceito de «fonte
de direito».
254
nasça de uma lacuna da lei. Antes se poderia afirmar que
nessas hipóteses é particularmente visível a necessidade (que
está na origem desta especial valia dos assentos) de tornar
certo o direito e uniformizar a jurisprudência. Pensamos
ser pois indiscutível que por meio de assento se pode preen-
cher uma lacuna da lei: e toda a espécie de lacunas, sejam
patentes ou ocultas, visto que não há nenhuma base para
distinções. Por esse caminho pode pois, em teoria, um assento
consagrar um direito real, para além dos previstos na lei
como tal.
255
94. Conclusão
P;,\ra
(; .i) al~m dos problemas específicos ligados à própria lei
como uma das fonk~ d~ dirc!ito.
256
tido do termo. Só da lei (neste sentido restrito) poderiam
pois resultar direitos reais.
A investigação posterior levou-nos porém a repudiar este
entendimento: outros elementos, mais fortes que o elemento
sistemático, fizeram-nos concluir que pode haver outras fon-
tes de direitos reais, além da lei (em sentido restrito).
Regressemos então ao texto do art. 1306.º, 1., e procure-
mos conjugá-lo com estes resultados. Consegue-se isto pela
interpretação declarativa (lata) ou será necessário recorrer
à interpretação extensiva?
Devemos optar pela primeira alternativa. Os resultados
a que se chega cabem ainda dentro dos sentidos possíveis
da palavra lei: está-se pois no domínio da interpretação
declarativa. Não é necessário arredar o texto, considerando-o
inidóneo para suportar o sentido preceptivo. Na realidade,
o texto ainda basta, desde que se chegue a um entendimento
lato da palavra lei. A presunção derivada do elemento siste-
mático cede perante a apreciação de conjunto.
É claro que esta interpretação não exclui a observação
de que é pouco adequado usar a palavra lei, neste e certa-
mente em muitos outros lugares, num sentido que tanto se
distancia do do art. 1.º do código: mas esta é já uma consi-
deração de ordem muito diversa.
257
17
•
CAPITULO VI
A AUTONOMIA PRIVADA
259
e) Se as partes não podem modificar os direitos reais
normativamente admitidos.
SECÇÃO I
260
Tomemos o art. 1303 .., (propriedade intelectual). Nele
se prescreve que os direitos de autor e a propriedade índua·
trial estão sujeitos a legislação especial. As disposições do
Código Civil são-Jhes subsidiàriamente aplicáveis, quando se
harmonizem com a natureza daqueles direitos e não con-
trariem o regime para eles especialmente estabelecido.
Temos assim uma matéria autónoma, denominada pro-
priedade intelectual, que engloba dois capítulos distintos:
261
que a esta matéria se referem. Não deixamos todavia de
encontrar referências, em autores de muito relevo, a uma
ausência de Typenzwang ( 1 ) ou a um numerus apertus ( 2 ).
A lei estrangeira que imediatamente precedeu o Código
do Direito de Autor português - a importante lei alemã de
16 de Setembro de 1965 - mantém a mesma linha, admi-
tindo todas as formas de disposição e, mais especifica-
mente, a constituição de direitos de gozo, exclusivo ou não
(§ 31 )( 3 ).
262
simplicidade, ao que respeita às patentes, embora esta regu-
lamentação pareça aplicável aos modelos e desenhos indus-
triais e, em medida mais limitada, às marcas.
A concessão da patente dá o direito exclusivo de explo-
rar o invento (art. 8.º); mas a patente «pode ser transmi-
tida por título gratuito ou oneroso, total ou parcialmente,
por todo o tempo da sua duração ou por prazo inferior,
para ser utilizada em toda a parte, ou em determinados luga-
res» (corpo do art. 24.º). Essa transmissão não produzirá
efeitos, em relação a terceiros, antes de autorizada pela
Repartição da Propriedade Industrial (art. 25.º).
Da hipótese da transmissão se distingue a da mera con-
cessão de licença de exploração, que pode ser ou não exclu-
siva, isto é, acompanhada de exclusivo (art. 29.º)( 4 ). Tam-
bém aqui a lei não estabelece qualquer restrição quanto ao
conteúdo dos direitos derivados. Confirma-se assim a impres-
são de uma atipicidade na constituição de situações desta
ordem.
263
Já não se encontra, porém, qualquer abertura na lei
para afirmar a atípicidade na constituição de outros direi-
tos sobre os bens intelectuais, direitos de garantia ou de
aquisição, por exemplo. No que respeita aos direitos de
garantia sobre obras literárias ou artísticas, a própria lei
sentiu a necessidade de tipificar o penhor, e a penhora e o
arresto (arts. 48.º e 49.''), e não se encontra qualquer aber-
tura para outros direitos, nomeadamente nas normas sobre
registo.
J;: aliás compreensível que assim aconteça, pois de outro
modo a lei positiva não estaria equipada com instrumentos
suficientes para afastar limitações anti-sociais, que tanto
podem surgir neste como noutros sectores. Isso torna-se
muito claro se tivermos em atenção a situação do conce-
dente. Este não se poderia reservar um direito de sequência
sobre a obra se a lei o não previsse (art. 59.º do Código do
Direito de Autor); e de qualquer modo não pode garantir-se,
cm termos absolutos (como veremos, estes direitos deriva-
dos podem ser absolutos) direitos inominados a outras van-
tagens que não estejam previstas na lei, para além das ofe-
recidas por esse mesmo art. 59.º.
O numerus apertus aparece-nos pois, após este rápido
exame, acantonado ao domínio dos direitos de gozo dá obra
intelectual. Isso em nada inquina a conclusão a que chegá-
mos: há em todo o caso um domínio em que impera a atípi-
cidade na constituição de direitos limitados. J;: quanto basta
para que possamos proceder à nossa investigação, tendente
a apurar o significado desta atípicidade para a tipologia dos
direitos reais.
264
equivocidade destes termos, empregamo-los só para evitar
a complicação terminológica.
Como é evidente, a referência a esta categoria de direi-
tos absolutos em nada implica a admissão duma relação
absoluta: já noutro lugar indicámos as razões porque rejei-
tamos esta construção ( 5 ). O que é decisivo para caracteri-
zar os direitos absolutos, é a observação de que há direitos
que na sua existência estão ao abrigo da actuação de outros
sujeitos - até do próprio concedente desse direito, caso se
trate do direito derivado - e direitos que estão sujeitos a
essa actuação. Os primeiros são os direitos absolutos (ou
independentes, no sentido originário da palavra); os segun-
dos são os direitos relativos. Como justamente tem sido
observado, a oposição direitos reais - créditos é apenas um
aspecto da oposição mais vasta, entre direitos absolutos e
relativos.
265
concessões não acompanhadas de exclusivo, a situação do
beneficiário não é a de mero credor de uma prestação nega-
tiva, até porque ele continua legitimado a exercei o direito,
mesmo se o concedente fizer posteriormente nova disposi-
ção a que atribuir o exclusivo ( 8 ). O mesmo se aplicará às
autorizações para exploração de patentes.
Já os autores franceses fazem a distinção entre cessão
(total ou parcial) do direito, e concessão de licença. A cessão
tem carácter absoluto; a concessão dá origem a um mero
direito pessoal(º).
Mais radicalmente ainda se passarão as coisas no direito
suíço, que excluirá qualquer oponibilidade a terceiros. Troller
dá como justificação não ser a vontade das partes bastante
para vincular terceiros; ora as leis que permitem a trans-
missão, diz, nada dispõem sobre estas matérias, ao contrário
das leis referentes a direitos reais (1°).
(ª) Cfr. Ulmer, § 67; Hubmann, § 41, li; Fromm, § 32, n." 14.
(º) Desbois, 1.ª ed., n.º 491 e segs.; Roubier, pág. 301.
(1º) Pág. 97.
266
II- Cremos poder evitar este rodeio, afirmando que
em qualquer caso, mesmo no das simples licenças, os direi-
tos derivados têm carácter absoluto. ~ o que se depreende
do § 2.º do art. 29.º do Código da Propriedade Industrial,
segundo o qual «a licença de exploração constitui ónus real
da patente de invenção ... »
Não nos parece que este preceito possa ser minimizado,
quando expressamente declara que as licenças de explora-
ção, que como vimos já podem ser livremente outorgadas
e ter qualquer conteúdo, são ónus reais.
Para entendermos o significado desta expressão deve-
mos recorrer ao art. 949.º do Código Civil ao tempo vigente.
Por ele se qualificavam como ónus reais variadas figuras,
da hipoteca até ao dote ou ao arrendamento por mais de
quatro anos, para efeitos da sujeição a registo predial. Cre-
mos que é relativamente segura a afirmação de que seme-
lhante categoria não passava dum expediente terminológico
do legislador, para abranger todas as situações em que se
verificasse a inerência, mas que por qualquer motivo repug-
nava considerar direito real.
O Código da Propriedade Industrial navegou nas mes-
mas águas. Não querendo qualificar estas figuras como direi-
tos reais, falou genericamente em ónus real, ficando eviden-
temente muito longe do significado técnico da expressão,
que atrás procurámos fixar ( 11 ). A nós basta sublinhar que
a qualificação como ónus real significa afinal a qualificação
como direito real, pois assenta na verificação da inerência.
267
dissemos. i:. porque entende estas situações como uma espé-
cie de direitos reais que o legislador quer regular a sua
oponibilidade a terceiros.
Mas o que de momento interessa não é ainda a qualifi-
cação destas situações como direitos reais. O que interessa
é que tal qualificação traz implícita a qualificação dos direi-
tos derivados como absolutos. É justamente porque a situa-
ção é independente de quaisquer posições· que terceiros
possam invocar que é necessário dar a todos a possibili-
dade de a conhecerem através dum registo público.
268
O art. 189. do Código do Direito de Autor declara sujei-
0
269
apertus; e que a nossa ordem jurídica os concebe como
direitos absolutos.
270
Mas na realidade, mesmo nos outros casos a dificuldade
é aparente. A previsão legal da transmissão não impede que
consideremos nela incluída a constituição de direitos reais.
( 12) Parecer, pág. 124. Note-se que logo a seguir, na pág. 125,
se fala em constituição do usufruto, o que traduz o escasso amadu-
recimento do tema na lei portuguesa.
( 1 ª) Note-se ainda que este art. 105.º falava, no seu n.º 1.º, dos
«actos de transmissão da propriedade literária ou artística, total ou
imperfeita», fazendo uma elucidativa referência ao conceito de pro-
priedade imperfeita, constante do Código Civil então em vigor.
O Código do Direito de Autor actual fala em transmissão total ou
parcial para exprimir a mesma ideia: a alteração terminológica foi
imposta, por um lado, por se ter deixado de falar em propriedade
literária nas leis sobre direito de autor, por outro, por se ter deixado
de falar em propriedade imperfeita na lei civil fundamental.
271
As mesmas incertezas vamos encontrar no Código da
Propriedade Industrial. É assim que a referência ao usufru-
tuário da patente nos surge inopinadamente no art. 27.º, para
regular um aspecto acessório da situação dele, quando a
própria admissibilidade da constituição do usufruto não
fora ainda referida.
E todavia também aqui esta situação só se explica por
a própria constituição do usufruto se incluir nas genéricas
referências à transmissão ( 14 ). Estas só se compreendem se
englobarem também aquelas figuras a que devemos outor-
gar natureza constitutiva. Veja-se por exemplo o art. 29.º,
em que, para preencher a categoria dos transmissários, se
contrapõe o usufrutuário ao titular da licença, quer exclu-
siva quer simples. A analogia com o legislado sobre o direito
de autor fortalece esta conclusão. Assim como reconhecêra-
m-os já carácter constitutivo à atribuição de licenças (recor-
demos que a lei fala em ónus real, confirmando a existência
de oneração), o mesmo devemos entender desta categoria
de transmissões.
272
mantém uma ligação do criador intelectual à própria obra,
ligação esta que só seria dissolvida por estipulação em con-
trário. Quer dizer, haveria uma espécie de domínio eminente
do criador sobre a obra. Indo por este caminho, põe-se
necessàriamente em causa a qualificação como transmissi-
vos dos contratos em que se atribuem direitos a terceiras
pessoas; antes, o carácter constitutivo destes resultaria de
limitarem mas não excluírem a posição do titular do direito-
-base, o que significaria que este poderia voltar à totalidade.
Até se pode chegar à posição extrema: ao menos nos casos
normais, não são admissíveis transmissões mas tão-somente
onerações do direito de autor, uma vez que a ligação do
criador intelectual à raiz se não perde.
273
18
. .
tomar orientação diversa. Os nossos são os motivos gerais
que expusemos (supra, n.º 66, III), e que não é necessário
repetir a propósito dos direitos intelectuais. Uma concepção
quantitativa destes seria tão falsa como a concepção quan-
titativa da propriedade.
Em conclusão: a referência das leis a uma transmissão
parcial dos direitos intelectuais não impede que o intérprete
considere que ela abrange a constituição de direitos meno-
res, que onerem o direito maior sobre o bem intelectual.
274
11 - Poderíamos ser tentados ainda aqui a apoiar-nos
fundamentalmente no § 2.º do art. 29.º e na sua qualificação
das licenças de exploração como ónus reais. Como vimos já,
com esta qualificação esconde-se o reconhecimento da natu-
reza real da figura.
Mas o recurso à qualificação legal não seria bastante( 18 ).
Como dissemos já, pertence à lei a criação de direitos reais,
mas não a qualificação de direitos como reais (rn). A dou-
trina tem pois liberdade de verificar se o legislador respei-
tou efectivamente o seu próprio sistema de valorações ao
fazer determinada qualificação.
É certo que o art. 29.º, § 2.0 , vai além de uma simples
qualificação; está nele implícito um regime. Dizendo-se que
a licença é ónus real, e será averbada ao registo, logo se
deduz que ela pode ser oposta a terceiros, dada a função
normal do registo. Este artigo relaciona-se pois directamente
com formas de oponibilidade. Mas, acabamos de o ver, desta
oponibilidade poderia inferir-se o carácter absoluto dos direi-
tos intelectuais, mas não o seu carácter real.
275
Mas para além disso, e supondo que teríamos verdadei-
ros usufrutos ou outros direitos de gozo, ainda não pode-
ríamos inferir, por paradoxal que pareça, que estaríamos
perante verdadeiros direitos reais.
J;: uma realidade a que se não tem prestado suficiente
atenção a de que as figuras tradicionalmente consideradas
como de direito real, ou pelo menos algumas delas, exce-
dem o campo do Direito das Coisas: representam direitos
unitários, funcionalmente dirigidos ao gozo, ou à garantia,
ou à aquisição, mas que ora têm natureza real, ora a
não têm.
No que respeita aos direitos de aquisição, o facto é
nítido, por exemplo, nos direitos de preferência: o perfil
unitário que a própria lei dá à figura não impede que se
distinga, duma preferência real, uma preferência meramente
obrigacional.
No que respeita aos direitos de garantia, podemos argu-
mentar com certas figuras de hipoteca de coisa futura, pre-
vistas por lei. Poderíamos rebelar-nos contra a qualificação
destas situações como hipoteca, afirmando que a existência
actual da coisa é uma característica essencial de todo o
direito real. Mas não seria este o caminho mais correcto,
e a prática tem razão quando acentua a unidade da situa-
ção jurídica. Na realidade, há sempre uma hipoteca: mas
só haverá direito real quando a situação passar a recair
sobre uma coisa individualizada.
Se considerarmos enfim os direitos de gozo, o próprio
usufruto nos proporciona elementos que parecem decisivos.
Tomemos o usufruto de créditos, cuja natureza jurídica
é muito discutida. Tudo se pode resumir, colocando a ques-
tão nos seus termos mais simples, a esta pergunta: qual o
objecto do usufruto de créditos? Ele recai sobre o direito
de crédito, e representa pois uma modalidade de «direito
sobre direito» - caso em que poderá vir a ser considerado
um verdadeiro direito real, se concluirmos que a afectação
se faz em termos reais? Ou recairá sobre a prestação, objecto
do direito de crédito em causa, e deverá portanto ser antes
276
considerado um direito de crédito, uma vez que o direito a
uma prestação é, por definição, um direito de crédito?
Quanto a nós, e não obstante a complexidade do pro-
blema, pensamos que a verdade está na segunda solução.
Basta um confronto com as situações comuns, em que o
usufruto recai sobre uma coisa, para disso nos convencer-
mos. Com efeito, nestes casos não se diz que o objecto do
usufruto é a propriedade, ou em geral o direito maior, que
recaía sobre essa coisa: o objecto do usufruto é a coisa que
é já objecto desses direitos. Também no chamado usufruto
de créditos não devemos considerar objecto do usufruto o
direito que o usufruto limita- a propriedade ou titulari-
dade do crédito - mas o objecto desse direito, ou seja, a
prestação. O usufruto de créditos é pois, afinal, o direito
a uma prestação, e portanto um direito de crédito.
Apesar disso, o legislador continua a colocar estas maté-
rias no título do usufruto, e a nosso ver com razão. A figura
de direito continua a ser a mesma, embora neste caso não
tenha natureza real. O usufruto é o genérico direito de gozo
de um bem previamente afecto a outrem, cuja situação trans-
cende o Direi to das Coisas.
Temos de encerrar aqui este parêntese, que já vai longo,
e tirar imediatamente as conclusões que interessam ao campo
dos direitos sobre bens intelectuais.
E estas resumem-se ao seguinte: o facto de a lei recorrer
a uma figura que tem sido integrada no Direito das Coisas,
não significa necessàriamente que essa figura tenha natu-
reza real. Direitos há, entre os quais se encontram justa-
mente o usufruto, que ora têm natureza real, ora natureza
diversa. l! pois necessário averiguar se o usufruto ou outro
direito limitado de gozo do direito de autor, ou da patente,
não configuram novas hipóteses em que estas modalidades
de direitos de gozo não têm natureza real.
277
maior a que corresponderem for também real, temos de
começar por averiguar se o direito de autor ou o direito
à patente são direitos reais.
Assim faremos nos números seguintes, tão sucintamente
quanto for compatível com a complexidade do assunto. Por
simplicidade, e por ser esta a matéria em que a elaboração
está mais aprofundada, começaremos por nos centrar no
direito de autor. Veremos depois em que medida as con-
clusões a que chegarmos são aplicáveis à chamada proprie-
dade industrial.
1) Monopólio
278
2) Propriedade
3) Direito de personalidade
279
defesa de uma personalidade, sendo secundárias as faculda-
des de carácter patrimonial que se consagrem.
280
teoria da propriedade, tal como a da personalidade, fossem
suficientes para explicar toda a posição jurídica em que o
criador intelectual é investido pela lei. Mas como não esta-
mos a fazer um estudo ex professo da natureza do direito
de autor, podemos prescindir das indicações resultantes da
análise estrutural, bastando-nos verificar se, no seu âmago,
o direito de autor pode ser efectivamente retratado como
um direi to real.
281
105. Critica da teoria do direito de propriedade
282
nos arts. 53.º e 54.º do Código do Direito de Autor, por
exemplo.
De qualquer maneira, é motivo de estranheza que ao
abandono da referência à propriedade literária, artística e
científica não tenha correspondido o abandono da referên-
cia à propriedade intelectual, que continua contida dentro
da regulamentação geral da propriedade. E isto poderia ser
tomado como uma indicação legal no sentido da qualifica-
ção dos direitos sobre coisas incorpóreas como reais.
( 28 ) Págs. 200-1.
283
e resulta da tolerância do titular do direito. Este caminho
foi seguido por vários autores. Assim, Greco recusa-se a
encontrar qualquer diferença em relação ao que se passa
com os bens materiais: também o prédio vizinho agrada ou
dá vantagem mesmo a quem não tiver sobre ele uma ser-
vidão altius non tollendi ( 20 ). Are compara com o cheirar
flores alheias, que em nada atinge a integddade do respec-
tivo direito patrimonial ( 30 ). Troller afirma que a ubiqui-
dade não traz dificuldades: «O autor tem sempre o direito
de fixar a espécie de materialização e de colocação à dispo-
sição de terceiros nos quadros da lei vigente». Tão-pouco
seriam relevantes os poderes de terceiro: não prejudicam
mais que os visitantes dum hotel prejudicam os direitos do
proprietário ( 31 ).
Pensamos que estes argumentos acabam por se voltar
destruidoramente contra os que os empregam. No que res-
peita ao gozo de bens materiais, a posição do público é efec-
tivamente irrelevante, porque o seu gozo é devido somente
a uma to'lerância do proprietário: tolerância que pode a todo
o tempo cessar porque o proprietário arrancou as flores,
ou construiu e tapou as vistas, etc.
Aqui não. Todos os outros disfrutam directamente dos
bens, e o seu gozo está subtraído à alçada do titular do
direito de autor. Este não pode proibir o disfrute intelec-
tual da sua obra por parte de outrem. Pode não autorizar
a reprodução, em casos extremos pode mesmo retirar do
mercado os exemplares existentes, etc.: mas tudo isto res-
peita à materialização da obra, e não à obra em si. Esta
pertence a todos, por natureza, e não por qualquer tolerân-
cia do criador intelectual ou do transmissário do direito
de autor.
( 29 ) Pág. 183.
( 30 ) Pág. 304.
( 31 ) Págs. 94-5.
284
IV - Os autores que criticamos tentam implkitamente
defender-se alegando um certo carácter excepcional destas
faculdades dos estranhos, que não impediriam que a obra
no seu conjunto ficasse sujeita ao titular. A verdade é que
o que é restrito e demarcado são as utilizações que se reser-
vam ao titular do direito de autor: só lhe cabem aquelas
faculdades (quer tomadas individualmente quer em globo)
que representam exploração económica da obra ( 32 ). Vere-
mos depois o que isso pode significar.
Em conclusão, a obra não pode caber em propriedade
a ninguém. Na exposição subsequente esclarecer-se-á se sobre
ela podem recair direitos menores, ou poderes limitados.
{ 32) Esta crítica não atinge Are, pela simples razão de que este
limita o conteúdo da pretensa propriedade às formas de gozo que têm
significado económico (págs. 283 e segs. e 304 ). Mas assim o autor
deixa de poder continuar a falar em propriedade, pois esta repre-
senta sempre a atribuição como universalidade dos poderes sobre
uma coisa, e não é compatível com a atribuição de poderes de uma
só espécie, que caracterizaria quando muito um direito limitado.
( 3 3) Sobre o conceito de direito real devemos remeter para as
nossas Relações Reais, bem como para as Lições de Direitos Reais.
285
li - A posição corrente é a afirmativa: toma-se como
uma evidência que o objecto do direito de autor é a obra.
A própria obra intelectual ficaria pois afecta ao autor. Mas
com isto de novo se desconhece a essência da obra intelec-
tual, que se destina a todos e não suporta atribuições exclu-
sivas. Os poderes conforidos ao autor e que aparentemente
recaem sobre a obra, poderes de usar, reproduzir, transfor-
mar, na realidade não são diversos dos poderes de qualquer
um C:H), com a única diferença de que os outros sujeitos
não os podem utilizar para efeitos de exploração económica.
As actuações sobre a obra permitidas a terceiros, não se
diferenciam daquelas que são permitidas ao autor. A norma
vem s6 proibir a todos, com cxcepção do autor, as utiliza-
ções que estejam ligadas a formas de exploração económica
da obra.
Um direito que não outorga sobre a obra poderes diver-
sos do que cabem a qualquer pessoa não pode ser um
direito real.
286
materiais da obra - deixa esta tal qual era: a obra é um
a propósito da protecção legal, mas não o seu objecto (~).
Isto está aliás plenamente de acordo com a caracterização
das faculdades patrimoniais como um exclusivo de explora·
ção económica da obra; este exclusivo refere·se, como qual·
quer outro, a uma actividade que a todos se proíbe, a um
campo reservado de actuação.
287
Pensamos, pois, que só mediante um aprofundamento da
categoria «direito de monopólio» se pode chegar ao devido
esclarecimento do lado patrimonial do direito de autor.
Semelhante aprofundamento seria neste lugar deslocado.
A aceitação da teoria do monopólio só interessa aqui na sua
projecção negativa: enquanto comprova que o afastamento
das teorias realistas - quer a teoria da propriedade, quer
as que falam num direito real sui generis - não vem criar
um vácuo que não seja suprível pelo recurso a outra cate-
goria jurídica, e nos force portanto a uma qualificação de
todo específica do direito de autor.
Como dissemos já, a orientação que adaptamos teve
sempre os seus defensores. Dentre os mais recentes é signi-
ficativo Roubier, que propõe a categoria dos direitos de
clientela, visto que todos estes direitos tendem à conquista
da clientela ( 38 ); e o mesmo caminho foi seguido por Des-
bois ( 39 ). Também Casanova afirma que os direitos sobre
bens imateriais se cifram numa proibição ou exclusão da
concorrência ( 40 ). Mas em nenhum caso parece que a situa-
ção seja caracterizada com inteira fidelidade.
( 3'>) Pág. 291. Observe-se todavia que assim nada s~ diz sobre
a estrutura ou natureza destas situações, mas unicamente sobre a
função. O critério seria pois diverso do que está na base das classi-
ficações fundamentais dos direitos subjectivos.
( 39) Na 1.• ed., págs. 293 e segs.
("º) Pág. 84. Já não poderíamos porém aceitar esta classificação
se fosse essencial ao monopólio, como afirma o mesmo Casanova,
a referência a uma actividade industrial ou comercial. A ser assim,
poderia recorrer-se a uma categoria mais ampla, de direitos de exclu-
siYo, de que o monopólio seria Unicamente uma modalidade.
288
bens em causa não são afectos a ninguém, e ás actividades
que se garantem não recaem sobre o hem patente, ou outro,
apenas são de certa forma referidas a ele. Há também aqui
um campo reservado de actuação que nos leva a aceitar a
teoria do monopólio.
Digamos até: a aceitá-la por maioria de razão. Neste
sector- e ao contrário do que aconteceu no direito de
autor-, as considerações ideológicas não lograram sobre-
por-se à análise jurídica da situação. A escassa relevância
de aspectos pessoais rlão traz os mesmos elementos de com-
plicação que aparecem no direito de autor. A curta duração
do exclusivo - quinze anos - não convida à aproximação de
uma propriedade tendencialmente perpétua. Enfim e sobre-
tudo, a interposição de um acto administrativo de concessão,
que relega para segundo plano a invenção ( 41 ), dificulta que
se fale de uma propriedade derivada da natureza das coisas
mediante o trabalho ou a criação do sujeito, como se tende
a fazer no domínio do direito de autor.
Por estes motivos supomos que, caso as teorias rea-
listas não forem aceites no direito de autor, a doutrina as
rejeitará com mais forte razão a respeito da chamada pro-
priedade industrial. Mais um motivo, pois, para lastimar
a referência à propriedade que se manteve no texto do
art. 1303.º, embora paradoxalmente limitada à «propriedade
industrial».
289
19
Para muitos, partidários do carácter real dos direitos
1
290
direitos absolutos. Atribui-se a alguém um campo reservado
de actuação, de modo a colocá-lo ao abrigo das investidas
de qualquer um. A concorrência de terceiros é ilícita, e a
ela se pode opor o beneficiário utilizando meios civis e
penais. Pelo menos, é esse o desenho que à titularidade de
um exclusivo foi atribuído pela nossa lei.
J
'
mentos dogmáticos na fundamentação do princípio do nume- 1
rtts clausus. Como se recorda, alguns desses argumentos
assentavam justamente no carácter absoluto dos direitos
reais. Excluímos então a sua procedência; e encontramos
agora uma nova razão em reforço da posição tomada. Há
sectores em que a própria lei positiva permite a constitui-
ção de direitos abso]utos em regime de nu111erus apertus.
291
SECÇÃO II
292
anterior. A este princípio se chegava pela valoração do mate-
rial legislativo, que permitia a generalização final. Se certa
situação não fosse prevista na lei como real, caía nas malhas
do princípio, o que significava que a qualificação como real
estava excluída. Este procedimento nunca foi contestado
entre nós.
293
código a situação se não altera ( 46 ). Dada esta pacificidade,
e porque em estudo sobre integração de lacunas examinámos
já este tema com o possível desenvolvimento ( 47 ), escusa-
mos de efectuar mais um rodeio para provar a correcção do
método utilizado.
294
lacuna (escondida): a lei era omissa, como dissemos, e o
princípio do numerus clausus não seria aplicável. A lacuna
teria então de ser preenchida pelo intérprete.
295
An~s d~ ntais: um «prin"ípio~ ronsqrado na lei passou
a s<-r unl.:.l rqra junJkn l.'Wllo outra qualquer. Uma posst..
\'d tn~h...- lat ihtJ~ na pr~visâo nlo in1plka n1ais que uma
Jif(\'~"~~ J<- an\u. CünSt'QU~nh.'n1e-ntt'. tudo o que se pode--
ria dittr quanto à t't'lc...,·And3 dos prindpios no direito, e
"1.'m\C'AJ~nlt'nh.' qum\h.l à S\ll\ hnportt\nda pnra efeitos de
.m.1/t>,:_-ic1 juris. ddxou J~ t('r Yalor. Agora, há apenas um
r•~x-ito jurtJk")· ('nl ~-uJn análise ~ n~'\'essário utilizar os
m<'Stl\()S instrun1<.'ntos qu(' nn anális~ dt• qualquer outro p~
\"<'ito.
Atas sendo l\S$im, h.'n'\ nqui nplknção tudo o que ante..
riom\('.Ott' di~semo,~ sobt~ as lnc-unns ocultas e a sua de-ter-
ntinaçlo por interpretação restritiva. Efectivamente. já
\imos(º) que a aplkaçfio dos princípios ~rais nos levava
a ron~·luir ~la possibilidade abstracta da c-riaçlo de direi·
tos reais para al~m da p~\·isão do art. 1306.º; e que essa
~-nação não t'quivalia a uma criação normativa. O que vamos
qora di1cr é mera aplicação, se não recapitulação. dessas
~"00\:'1us~s ..
298
IV - Enfim, tem de se saber quem é este intérprete a
que o texto se refere. O código suíço, em que o legislador
português manifestamente se inspirou, atribui ao juiz a fun-
ção de integrar a lacuna segundo as regras que ele estabe-
leceria ... (art. 1.0 ) . Permitir-nos-á isto afirmar que o intér-
prete de que se fala é afinal o julgador?
A ser assim, teríamos desde logo de concluir que se
poderia quando muito assistir a uma criação judicial de
direitos reais, mas a matéria estaria deslocada num capítulo
dedicado à autonomia privada. Na verdade, porém, quando
se fala num intérprete é mesmo um intérprete, portanto toda
e qualquer pessoa, que se quer referir, e não meramente o
julgador. O nosso código é criterioso nas referências que
faz ao intérprete e ao julgador: basta o confronto com os
dois artigos anteriores, 8.º e 9. 0 , para o demonstrar. A refe-
rência ao intérprete não é casual, e tem na sua base a pon-
derosa consideração de que o direito se realiza quase sem-
pre extra-judicialmente, graças ao acordo ou pelo menos à
conformidade das partes. Nenhuma razão há para pensar
diferentemente quando se depara uma lacuna da lei: o intér-
prete deve integrá-la, sem ter de esperar uma actuação dos
tribunais ( 62 ).
Temos pois sumariadas as bases que nos abrem ao
entendimento da lei. Passamos ao estudo do âmbito e do
significado, no que à tipicidade se refere, desta criação pelo
intérprete quando aplicada a direitos reais.
299
tual que vimos existir em todo o preenchimento de lacunas
rebeldes à analogia, pois essa é irrelevante no que respeita
à criação de direitos reais. A máxima de decisão a que se
chega em cada caso não altera a abstracta tipologia dos
direitos reais, nem acrescenta as suas manifestações sin-
gulares.
300
Basta que a mesma valoração que, negativamente, nos per-
mite afirmar que certa situação não pode ser abrangida por
um preceito de lei nos permita também, positivamente, indi-
car qual o regime que para ela é adequado. Nos casos que
temos em vista, se se afirma que certa situação, não pre-
vista na lei (ou não prevista em termos reais, o que para
o efeito que nos interessa é a mesma coisa) não pode estar
abrangida pelo princípio do numerus clausus, afirma-se
implicitamente que essa situação deve ser regulada em ter-
mos reais ( 54 ). O mesmo raciocínio que serviu para detectar
a lacuna serviu para a preencher. Nunca ficou um espaço em
branco que pudesse depois ser colmatado de várias manei-
ras. Assim, se por hipótese se concluísse que o art. 1306.º
não abrangia certos direitos sobre águas, pressuponha-se
(ao menos na normalidade dos casos) que a natureza da
situação implicava uma regu1amentação em termos reais.
Esta, encontrando embora o obstáculo da letra do art. 1306.º,
não contrariaria o espírito do mesmo artigo.
301
conhccrmos, nem cremos que proximamente s·e possa apon-
lar, um caso concreto desta ordem, mas interessa deixar
uma porta aberta com a qual fiquemos já prevenidos para
uma futura e sempre possível evolução.
302
chendo a lacuna, dever-se-ia concluir que aí haveria uma
liberdade genérica de constituição de direitos reais inomi-
nados, portanto um numerus apertus.
A possível existência de um numerus apertus sectorial
nada tem de anómalo. Já no que respeita ao ramo paralelo
dos direitos intelectuais encontrámos situação análoga: vimos
que havia um numerus apertus de formas limitadas de uti-
lização dos bens intelectuais, mas que quando se passava
a outros tipos de oneração, como os representados pelos
direitos de garantia, se deparava já a taxatividade. Também
aqui se pode pois em abstracto supor uma classe que a inter-
pretação restritiva do princípio do art. 1306.º nos leve a con-
cluir que está sujeita ao princípio da liberdade de consti-
tuição.
303
. ;..
SECÇAO 111
304
dade, mas em numerus clausus; o numerus clausus equivalia
à exclusão .da autonomia privada; as partes não poderiam
consequentemente alterar ou completar os modelos legais.
Ou aceitariam em globo as previsões da lei, ou teriam de
renunciar a negociar em termos reais ( 56 ).
Mas mesmo quando se passou a recorrer à categoria
da tipicidade, o panorama não mudou logo. Assim, Wolff-
-Raiser, reflectindo uma posição muito corrente, fazem equi-
valer Typenzwang e exclusão da autonomia privada ( 57 ).
Outros autores começam porém a manifestar hesitação.
Assim, no comentário de Palandt, se bem que se continue
a intitular a matéria «exclusão da liberdade contratual», já
se chega a outra observação: a de que o conteúdo dos direi-
tos reais só pode ser modificado quando a lei o admitir ( 58 ).
Ora bem, Wolff e Raiser também falam de «modificações»
de direitos reais, que aliás expressamente declaram que se
integram no conteúdo destes; simplesmente, fazem-no caso
por caso, e não relacionam esta matéria com o Typenzwang,
que caracterizaram, sem fazer reservas, como a exclusão da
autonomia privada.
( 56) Cfr. por todos Wieland, pág. 4. Toda a matéria vem subor-
dinada à epígrafe: «Falta de liberdade contratual». Em contrário, há
apenas algumas observações isoladas, a mais significativa de todas
é a de Staudinger, que referiremos depois.
(57) § 2.º, J.I, 1.
(liB) Introdução ao§ 854, 2), b). Cfr. também IA.ubry e Rau, II,
6.• ed. (actualização de Bartin) § 172, ·texto e nota 1 quater.
305
20
de estar fixado na lei. Não há liberdade de estipulação, ou
só limitadamente esta nos surge (G 9).
Adaptando a mesma terminologia, Meier-Hayoz admite
todavia a fixação do conteúdo com uma extensão conside-
ràvelmente maior. Propugna expressamente, mesmo neste
campo, o princípio da liberdade contratual: acontece é que
os limites legais são aqui muito mais extensos que noutros
lugares. Além das normas que protegem o próprio ou ter-
ceiros, têm natureza injuntiva as que contribuem para a
definição do conceito dos direitos reais. Conclui que o con-
teúdo destes tem de ser vastamente fixado por lei, pois
assim o exige a observância coerente da tipicidade. Isso não
o impede de considerar admissível que se chegue à anticrese,
mesmo na ausência de previsão legal, tomando como base
o penhor ( 60 ), o que nos parece francamente exagerado.
Não vamos fazer o exame individualizado da posição
de cada autor. Estas rápidas referências bastam para fixar
afirmações significativas, originais ou não, que serão muito
úteis para a construção que empreenderemos mais adiante.
306
legais; não as estipulações negoc1a1s, salvo quando e onde
haja texto legal reconhecendo-lhes validade» ( 62 ).
Sempre em relação ao Código de 1867-pois nada é
possível ainda apontar quanto ao código novo - foi dado
um pàsso em frente por Dias Marques, até pela conexão que
estabeleceu entre esta matéria e a tipicidade: «A tipicidade
dos direitos reais apenas se refere ao seu número e não,
necessàriamente, ao seu conteúdo. Ou seja que, embora se
não possa variar o elenco legal daqueles direitos é, no
entanto, lícito, quanto a alguns deles, introduzir no respec-
tivo conteúdo uma certa variabilidade. Assim sucede, por
exemplo, com o usufruto (art. 2201.º do Código Civil) e as
servidões (art. 2267.º do Código Civil)» ( 63 ).
Este trecho marca dois progressos em relação à dou-
trina corrente. Por um lado, expressamente relaciona a tipi-
cidade e a fixação do conteúdo dos direitos reais, concluindo
pela dissociação dos dois aspectos, o que nos parece intei-
ramente de aplaudir; por outro, o seu tom é menos restri-
tivo no que respeita à intervenção da autonomia privada.
307
mente criar direitos reais, é lógico que possam também criar
situações jurídicas que se subordinem a direitos reais exis-
tentes, ou que alterem o seu conteúdo.
Já aqui nos surgem porém contrastes doutrinários.
Assim, Marty e Raynaud declaram-se partidários da limita-
ção ( 64 ); embora, um tanto obscuramente, pretendam depois
que o princípio da liberdade na criação de direitos reais se
resume à liberdade na criação destas figuras acessórias ( 66 ).
Pelo contrário, mesmo em ordens jurídicas em que se con-
clui pelo numerus clausus dos direitos reais emitem-se pare-
ceres contra a tipicidade das obrigações propter rem. Na
Itália, é o caso de Barbero, que se funda na natureza que
atribui a estas figuras: se se trata de verdadeiras obriga-
ções, compreende-se que «não esteja no jus privatorum o
tipo de direito real a que a obrigação é inerente, mas não
a própria obrigação» ( 66 ).
A maioria dos pareceres vai todavia no sentido da tipo-
logia taxativa, embora mais por razões de conveniência que
por raciocínios científicos. Em geral, pensa-se que as situa-
ções jurídicas propter rem são meras obrigações, com a
única característica de a sua titularidade activa, e possivel-
mente a passiva também, estarem conexas à titularidade de
um direito real: mas diz-se que esta conexão é tal que elas
não podem deixar de estar submetidas à mesma tipicidade
que domina os direitos reais ( 6 i).
308
118. As várias modalidades de situações jurídicas «prop-
t.er rem»
309
As primeiras relacionam o titular de um direito real
com um sujeito individualmente determinado, ou exprimem
uma mera restrição, por interesse público ou privado, de
um direito real, sem que haja outro sujeito que esteja em
relação com o ti tu lar do direito real.
As segundas são caracterizadas por, quer o seu sujeito
activo, quer o passivo, serem determinados pela titularidade
de um direito real. Assim, os vínculos, estabelecidos pelo
título constitutivo ou pela lei, entre proprietário e usufru-
tuário, representam relações jurídicas reais ou propter rem;
os deveres impostos aos titulares de prédios urbanos em
matéria de canalizações e esgotos, em defesa da salubridade
pública, representam meras situações jurídicas propter rem.
Sob o ponto de vista da tipicidade as duas figuras têm
significado diverso. As situações jurídicas propter rem em
sentido restrito ou não interessam à tipologia dos direitos
reais ou estão subtraídas à autonomia privada; mas as rela-
ções jurídicas reais são genericamente permitidas, o que
prova que os tipos de direitos reais são tipos abertos. E o
que passamos a demonstrar.
310
II - A primeira hipótese é ilustrada por antigos vín-
culos feudais, como os que permitiam ao senhor, quem quer
que fosse, exigir aos seus vassalos a entrega de produtos
ou a prestação de dias de trabalho. Mas podem imaginar-se
hipóteses no direito moderno: assim seria se se atribuísse
carácter propter rem à pretensão do titular do direito real
à indemnização dos prejuízos causados à coisa, de tal modo
que essa pretensão passasse automàticamente a todo o trans-
missário do direito real.
Será hoje admissível a constituição de situações dessa
ordem? Comecemos por verificar se elas estão excluídas pelo
numerus clausus, quer tomando como ponto de partida o
texto do art. 1306.º, 1., quer a elaboração da tipologia taxa-
tiva que já realizámos.
O art. 1306.º não abrange estas situações. Elas não repre-
sentam «restrições ao direito de propriedade», seja qual for
o sentido que se atribua a esta expressão, visto que o único
direito em causa, o do sujeito activo, não é restringido, mas
ampliado. E tão-pouco representam «figuras parcelares» da
propriedade, pois parece claro que ao titular do direito real
não se opõe outro sujeito que tenha um direito que possa
ser concebido como uma fracção da propriedade, antes o
sujeito passivo é apenas titular de uma obrigação.
Se deixarmos o texto e recorrermos directamente à tipo-
logia taxativa, como a delineámos, continuamos a não abran-
ger estas situações. Ela é uma tipologia dos direitos reais:
ora aqui a situação propter rem do sujeito activo é acessó-
ria da titularidade de um direito real, mas não representa
ela própria um novo direito real. Basta pensarmos que não
recai sobre uma coisa, antes se dirige a um sujeito deter-
minado a quem se poderá exigir aquela prestação: é um
puro crédito.
Temos assim que a tipicidade dos direitos reais não
exclui esta modalidade de situações activas propter rem.
311
tida esta específica forma de determinação do titular de um
direito, que escapa às que são previstas na lei (69) e que
implicaria anomalias nos modos de transmissão e extinção
do direito: pode haver outro limite à autonomia privada,
para além do art. 1306.º, 1., que exclua a constituição de
semelhantes figuras. Mas se é assim ou não, não interessa
debatê-lo aqui.
Temos pois que esta categoria de situações não atinge
o catálogo normativo dos direitos reais, e é indiferente para
a qualificação do tipo de direito real como tipo aberto.
Vamos por isso deixá-la de lado, daqui por diante.
Maiores dificuldades se suscitam na segunda categoria
de situações propter rem em sentido restrito que enunciá-
mos: o sujeito activo não é o titular de um direito real,
pelo contrário, é o titular do direito real, quem quer que
seja, quem está vinculado. Esta hipótese será examinada no
número seguinte.
312
jurídica real. O legislador indica claramente a tipicidade
desta situação.
313
que seria inválida a cláusula em que a proibição de dispor
se estendesse a toda e qualquer pessoa. E efectivamente, o
art. 2295.º confirma-nos nesta suposição, ao estabelecer que
são havidas como fideicomissárias as disposições pelas quais
o testador proíbe o herdeiro de dispor dos bens hereditá-
rios, seja por acto entre vivos, seja por acto de última von-
tade ( 72 ). O que aqui se estabelece é uma conversão legal,
e a conversão legal, como toda a conversão, pressupõe a
nulidade da cláusula ou do negócio que é objecto dela.
Dir-se-á: se a característica distintiva do direito real é a
inerência, deveremos considerar direi tos reais todos os direi-
tos munidos de inerência. Aquele que beneficia do poder de
proibir a alienação, a supor que o negócio fosse válido, goza-
ria sem dúvida de um direito subjectivo, e esse direito seria
inerente a uma coisa. Por que não qualificá-lo então como
direito real ( 73 )? O mesmo se passaria no caso de um direito
real ser submetido a uma condição, suspensiva ou resolu-
tiva, o que é genericamente admitido no art. 1307.0 , 1. e 3.
(e não no art. 1306.º, 1.) sempre com referência à proprie-
dade. Aquele que não tem a propriedade mas pode benefi-
ciar da verificação ou da não verificação da condição tem
uma expectativa, que aliás é registável nos termos do art. 2.º,
1., i), do Código do Registo Predial. Esta expectativa é um
direito subjectivo: cremos mesmo que é um direito real, que
se integra na categoria ampla das expectativas reais ( 74 ).
Daqui se pode chegar pois à afirmação de que em todas
essas hipóteses sempre haveria, afinal, a pretensa consti-
tuição de direitos reais, que seria ilícita se se não baseasse
numa previsão da lei.
314
Outros preceitos do Código do Registo Predial concorre-
riam no mesmo sentido. Na sequência do art. 1.º, que dispõe
que o registo predial tem essencialmente por fim dar publi-
cidade aos direitos inerentes às coisas imóveis, enumera o
art. 2.º esses direitos; e da enumeração constam numerosas
situações que dificilmente se poderiam qualificar como
direito real no entendimento comum, como a constituição
do dote, o ónus de eventual redução das doações sujeitas
a colação, o ónus emergente do registo de casas de renda
limitada e de renda económica, a renúncia a indemnização
em casos de futura expropriação de certos imóveis, etc. Mas
há a tal inerência, o que parece bastante para fazer cair
qualquer figura no círculo dos direitos reais.
315
imóveis. Para se falar de direitos teria de se pressupor sem-
pre um beneficiário destas situações, um titular duma posi'."
ção activa que seria contrapartida da restrição. Mas esta
posição activa pode faltar.
Efectivamente, o titular de um direito real ( determi-
nado, portanto, propter rem) pode ser atingido por uma
vinculação, sem que se encontre o correlativo beneficiário,
pelo menos actualmente. Assim aconteceria se se estabele-
cesse simplesmente que certos bens ficavam sujeitos ao
regime da impenhorabilidade, ou se tornavam inalienáveis.
Da mesma forma, pode o testador limitar a propriedade
a determinado prazo de duração - por trinta, por setenta
anos ... Desde que se não preveja a reversão para terceira
pessoa no fim desse prazo {i 5 ), não haveria um sujeito activo
a beneficiar da contrapartida da restrição; e todavia essa
restrição não pode deixar de se considerar proibida.
Essa distinção traz a chave do regime legal. As restri-
ções em que tanto se pode encontrar como não um benefi-
ciário activo foram afastadas, pelo legislador, do art. 1306.º, 1.
O sistema da lei parece claro: só as restrições que são a
necessária contrapartida da constituição de direitos reais,
como o penhor e o usufruto, estão incluídas naquele preceito.
316
Com efeito, pensamos ser procedente a argumentação
que sugerimos há pouco: a constituição de semelhantes res-
trições implica necessàriamente a criação de um novo direito
real, o que contraria em absoluto o princípio da tipologia
taxativa. Basta notar que todo o direito real menor, excepto
a servidão, é uma situação jurídica propter rem em sentido
restrito: é estabelecida em benefício de um sujeito determi-
nado, e vincula o titular do direito maior, seja quem for.
Esta conclusão pode até ter importância prática. A apro-
ximação substancial das previsões dos arts. 1306.º, 1. e
1307.º, 2., leva-nos a concluir que, apesar de no primeiro se
falar nos casos previstos na lei, e no segundo nos casos espe-
cialmente previstos na lei, a regra é afinal a mesma. Efecti-
vamente, como toda a tipificação legal pressupõe uma espe-
cificação, há sempre casos especialmente previstos na lei.
O que se não pode é ler, onde estão especialmente previstos,
expressamente previstos, e concluir que na determinação
dos tipos de propriedade temporária é defeso o uso da
interpretação extensiva ( 76 ).
317
Assim, suponhamos que Abel, ao vender a Bento um
prédio de família, impõe a cJáusula de inalienabilidade inter
vivos. Temos aqui um dos casos em que há uma situação
jurídica propter rem em sentido restrito, pois o titular de
um direito real, como tal, fica vinculado: mas esse caso não
é previsto no art. 1306.", 1., pois tanto pode haver como não
haver um sujeito activo que seja beneficiário dessa limita-
ção. Em todo o caso, a cláusula é nula, como vimos; e é
também susceptívcl de conversão, ficando Bento pessoal-
mente vinculado a não alienar.
Mas essa conversão não é a especialmente prevista nos
arts. 2295. 0 , 1., al. a) e 962.º, 2., porque estamos perante uma
compra e venda; tão-pouco podemos recorrer, por analogia,
à conversão legal do art. 1306.º, 1., pois neste caso há uma
regra excepcional.
Acabamos assim por cair na conversão normal prevista
no art. 293.º: só se os respectivos requisitos forem satisfei-
tos é que Bento ficará obrigacionalmente adstrito a não
alienar (i7).
318
ção. Pelo contrário, se se pretende constituir uma restrição
sem um beneficiário actual, não há uma nova vinculação
dos bens, há uma mera limitação de um direito típico, o
que é uma realidade muito diversa. Em vez de aumentar,
reduz-se a vinculação actual dos bens. A situação escapa
à tipologia dos direitos reais, pois não é abrangida pela
ratio desta.
Isto não impede que seja vedada a constituição de seme-
lhantes vinculações, fora dos casos previstos na lei. Assim
se concluía da análise anterior de vários preceitos, como o
do art. 1307.º, 2., que contemplam situações desta ordem,
e são aplicáveis tanto no caso de haver um beneficiário
determinado como no de não o haver. Mas tal exclusão não
deriva do princípio da tipicidade taxativa, pois a restrição
não representa um novo direito real.
Que representa, então? Representa uma modificação do
direito real admitido. Modificações desta ordem não são
autorizadas. Não é por este caminho que podemos consi-
derar os tipos de direitos reais tipos abertos.
319
Perante o direito anterior, sustentámos a negativa,
embora por um ângulo diverso ( 78 ). A situação não se alte-
rou com o novo código. A lei prevê com frequência a inter-
venção da autonomia privada na modelação de direitos
reais; surgem mesmo disposições genericamente permissi-
vas, a propósito do usufruto (art. 1445.º) e da servidão
(art. 1564.º)( 79 ). Estas disposições são simples afloramen-
tos de um princípio geral- o de que os direitos reais meno-
res se regem pelo respectivo título ( 80 ); nada têm de excep-
cional, pelo que não é necessária uma norma expressa para
que caso a caso se possam estabelecer novas relações jurí-
dicas reais.
Isto mesmo se depreende do Código do Registo Pre-
dial, que vastamente admite a registabilidade das modifica-
ções dos direitos reais (art. 2.º, n.º 1 e art. 3.º). Ora as modi-
ficações dos direitos reais resultam justamente de se terem
estipulado relações jurídicas reais entre os titulares dos
direi tos reais em conflito ( 81 ).
ps) Relações Reais, págs. 355 e segs. Note-se que aqui só pode
interessar aquilo a que chamámos as ·relações jurídicas reais simples
(ibid., págs. 75-ó e 115-ó ).
( 19) Diz-nos este que as servidões são reguladas, no que respeita
à sua extensão e exercício, pelo respectivo título.
( 80) As nossas leis usam em sinonímia as expressões título
(art. 1445.º) e título constitutivo (art. 1564.º). !Abrangem com isto,
não só os factos constitutivos, mas todos os factos que definem o
direito na sua existência concreta. l! neste sentido que o art. 2.º,
1., d), do Código do Registo Predial sujeita a registo as «alteraçé>es
do título constitutivo» da prppriedade horizontal.
(si) Aliás, todas estas previsões são superadas em generalidade
pelo art. 184.º do Código do Registo Predial, em que se estabelece:
cAlém dos requisitos previstos nos artigos ·anteriores, o extracto da
inscrição pode conter outras menções que não sejam supérfluas».
( 82 ) Sobre toda esta matéria, veja-se o que dissemos em Rela-
ções Reais, nomeadamente a págs. 355 e segs.
320
1) Se estiver onerada por direitos menores e no título
constitutivo se previr um regime diferente do normal.
321
Estes argumentos não são procedentes. A única base de
tal interpretação das expressas previsões legais resume-se
à verificação de uma tipologia. Mas, como vimos (ª5), da
verificação de uma tipologia nenhuma ilação ou presunção
se pode extrair a favor da sua taxatividade, ou da exclusão
da analogia. Caso por caso se terá de verificar se há razões
de segurança que nos impulsionem a considerar típicas as
hipóteses previstas.
322
no c6digo. Mas no restante a regra permissiva vale plena-
mente.
E não há razão para negar que o art. 405.0 , 1., se apli-
que também aos negócios reais. Confirma-o a circunstância
de pouco depois se encontrar a previsão fundamental do
art. 408.º, respeitante aos contratos com eficácia real.
Portanto: só se uma regra de lei dispusesse em con-
trário é que a regulamentação legal dos direitos reais não
poderia em geral ser afastada pelas partes.
323
II - Pode até acrescentar-se um argumento de direito
comparado. O art. 2502.º do Código Civil argentino que, num
ponto de vista objectivo, é o antecedente mais próximo da
nossa lei, proíbe, como vimos, «Constituir outros direitos
reais, ou modificar os que por este código se reconhecem ... ».
A referência do código português a restrições procuraria
reproduzir, total ou parcialmente, o conteúdo daquela pre-
visão.
Este argumento, como fàcilmente se concederá, teria
escassa valia, mas quisemos aventá-lo porque nos dá opor-
tunidade para afastar uma ambjguidade que na expressão
modificar um direito real se contém.
É que se pode falar em modificar em dois sentidos
muito diversos. Poderá com isso significar-se que se altera
o próprio tipo de direito, pelo afastamento de algum ele-
mento constitutivo. Assim se violaria a tipologia taxativa,
o que leva os autores com frequência a falar na proibição
de modificar os tipos de direitos reais. É certamente esta
a preocupação do código argentino, pois prevê as modifica-
ções na sequência da regra fundamental: «Os direitos reais
só podem ser criados por lei» ( 88 ).
324
Mas pode falar-se de modificação do direito real em
sentido muito diverso, que se torna compreensível se tiver-
mos em conta a problemática do tipo aberto. Pode-se signi-
ficar que, sem alterar o desenho essencial, se acrescentam
ao tipo elementos juridicamente relevantes. No domínio dos
direitos reais, isso realiza-se através da introdução de um
conteúdo acidental, que se concretizará pela substituição de
regras supletivas ( 80 ).
Sendo assim ambígua a terminologia, pode-se perguntar
por que a utilizamos. Fazemo-lo porque ela está consagrada,
com este sentido, na nossa ordem jurídica: como dissemos,
os arts. 2.º e 3.º do Código do Registo Predial referem modi-
ficações de direitos reais para exprimir a introdução deste
conteúdo acessório.
325
,-o)untária de relações jurídicas reais, como dissemos no
número antecedente.
Poderá aceitar-se que o novo código tenha invertido os
termos do problema? Isso suporia uma alteração profunda
das previsões em que, a propósito de cada direito, se estatui
a possibilidade ou impossibilidade de alteração do respec-
tiYo regime pelo título constitutivo. Nomeadamente, o legis-
:.a.d~r teria tido necessidade de indicar todas as regras sus-
·:.eptí\·,r:is de serem alteradas em termos reais, pois caso
·:.r.JDtrário tal aplicação da tipicidade levaria a concluir que
a modificação não seria viável. E todavia verificamos que,
:Y.J que toca às previsões específicas, não há nenhuma dife-
~~.ça de base em relação ao código anterior. Mesmo mudan-
;.a1 de pormenor quase se não encontram e, a existirem,
:-_..i...., :mplicam ampliação do núcleo das previsões a que é
-. :::. 'l.iid<J carácter supletivo. Isto só nos pode levar a con-
:..... ~~- que o princípio geral é o mesmo; e que, portanto,
. . : ~.:;:. :! . . , <J legislador proclama a taxatividade das restrições
~.. ::,,.. ~tr.J de propriedade, não são as relações jurídicas reais
",.!~ ~':Ttl em vista ( 00 ).
.l2rt
Mas tais restrições, qualquer que seja o sentido do termo,
não podem ser as relações jurídicas reais, pois estas, na
técnica do registo, estavam já previstas como modificações
dos direitos reais (arts. 2.º e 3.º do Código do Registo Pre-
dial)(91 ).
Sendo assim, mantém todo o valor quanto atrás disse-
mos, em defesa da atípicidade das relações jurídicas reais.
327
ção sobre o direito real, há a justaposição de uma obriga-
ção, o que é um problema de natureza diversa. Daqui por
diante só nos preocuparemos com as verdadeiras modifica-
ções de direitos reais, pois são estas que justificam que
qualifiquemos estes tipos como abertos.
328
Com razão observa Staudinger que o problema não é
específico do Direito das Coisas, antes se põe da mesma
forma em qualquer ramo do direito ( 0 4 ).
Se quisermos todavia indicar ordenadamente quais os
fundamentos das normas injuntivas que surgem em maté-
ria de direitos reais, diremos que elas podem visar a pro-
tecção de interesses:
- colectivos;
- de terceiros;
- dos próprios intervenientes.
329
revelam de teor demasiado amplo. Assim, a crermos na letra
do art. 1445.0 , todas as disposições do código respeitantes
ao regime do usufruto seriam supletivas. Afinal, examinan-
do-as uma por uma, concluiremos que há-as que se impõem
sempre, quer por serem essenciais para a determinação da
própria figura do usufruto, quer porque a sua ratio nos .faz
reconhecer que têm carácter injuntivo.
330
125. Tipo abert.o e tipologia dos direitios reais
331
Portanto, a tipologia taxativa não impede que se admi-
tam modificações dos direitos reais. Efectivamente, o direito
real tem todo um conteúdo acessório, que é vastamente mol-
dável pelas partes, mediante a substituição de disposições
supletivas. Esse conteúdo é estranho à descrição fundamen-
tal em que consiste o tipo; faz parte do direito real, mas
escapa ao objectivo que ditou o art. 1306.º, L
332
CAPITULO VII
SECÇÃO 1
GENERALIDADES
126. O problema
333
a segunda parte, ao prever a violação do princípio, fala em
«restrição resultante de negócio jurídico», denunciando que
é exclusivamente a autonomia privada, com o seu instru-
mento, o negócio jurfdico, que se tem em vista (1 ). E a
criação concreta de tais situações por outros meios, nomea-
damente por lei, por acto administrativo, por sentença?
Parece-nos claro que estão fora das preocupações do pre-
ceito. Quais são as regras que valem para estes casos? Podem
então criar-se direitos reais em regime de numerus apertus?
334
Efectivamente, as referidas entidades, no desempenho
das suas funções e portanto em posição de supremacia em
relação aos particulares, são levadas com frequência a deter-
minar a atribuição dos bens. Em abstracto, nada impede que
as situações jurídicas assim criadas sejam qualificadas como
direitos reais, tendo em conta a concepção já atrás enun-
ciada do direito real como manifestação de direito comum,
e portanto como figura que não está cingida ao quadro do
direito civil.
335
sobre certas categorias de coisas. Com esse regime jurídico
se relacionam mais ou menos estreitamente três modalida-
des de situaçõe~ jurídicas reais:
1 ·, ''' 9'#lv,-~1d,n.•12.
336
dadeiros direi tos reais no tocante à generalidade dos aspec-
tos, mas «enfraquecidos» no que respeita à sua oponibilidade
à Administração. Utiliza-se assim a categoria do diritto affie-
volito, que tem sido objecto de estudo sistemático na dou-
trina publicista italiana ( 8 ). Já os autores alemães só relu-
tantemente falam em direitos reais administrativos, e a
categoria é mencionada apenas no respeitante a certas con-
cessões relativas a águas, caminhos ou cemitérios ( 4 ).
(s) Sundulli, n.º 168; Vitta, pág. 921. Veja-se também Zano-
bini, IV, págs. 36-7. :e. justo :reconhecer que actualmente as investi-
gações mais válidas sobre as modalidades de situações jurídicas
subjectivas são da autoria dos estudiosos italianos <lo direHo público.
(") Cfr. Hans J. Wolff, §§ 48, 57 e 59; Wolff-Raiser, § 101, III,
em especial n." 4.
( 11) Em Murcello Caetano, Mcmual de Direito Administrativo,
7.• ed., encontram-se reforências à categoria do dirdto real adminis-
trativo, por exemplo no n.º 302, a propósito da qualifkação do «uso
especial» do domínio pí1blko.
(<1 ) Note-se que o autor se dissocia daqueles que, como Ca.mmeo,
pretendem que o conceito de direito real seria exclusivamente pri-
vntistn, nl\o podendo passnr as fronteiras do direito público ( cfr.
págs. 265-7 ).
337
H
lhe competiria o poder de exigir da Administração que lha
entregue e lhe permita gozá-la: «Na verdade, se a Adminis-
tração recusa a posse do local, o particular não pode ser
nela investido sem a cooperação da Administração: não há
organizado nenhum meio jurídico para o fazer» (7).
O facto de o beneficiário só entrar no gozo da coisa
mediante a entrega desta pela Administração será um obstá-
culo ao carácter real do direi to do beneficiário?
Em rigor não o é, pois a ser autêntico apenas signifi-
caria que estamos perante um negócio real-no sentido
de um negócio que só fica perfeito após a transferência da
posse da coisa ( 8 ). Nada impede que de tais negócios reais
derivem direitos reais. Assim acontece com o penhor, como
cabalmente estatui o n.º 1 do art. 669.º, conformando-se com
uma tradição milenária: «0 penhor só produz os seus efei-
tos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que
confira a exclusiva disponibilidade dela ao credor ou a ter-
ceiro». Ninguém encontra aqui fundamento para contestar
a caracterização do penhor como direito real.
Temos pois que, a ser verdadeira a circunstância apon-
tada, ela só teria a consequência de nos levar a considerar
os factos constitutivos de eventuais direitos reais adminis-
trativos como factos jurídicos reais, no sentido indicado.
338
mediante o cumprimento pela Administração da obrigação
de assegurar o gozo da coisa ao particular• ( 8 ). O autor
baseia-se na incomerciabilidade das coisas públicas e na
consequente insusceptibilidade de constituírem objecto de
posse civil.
Posta nestes termos, a demonstração não seria con\in-
cente, uma vez que a defesa possessória não é necessária
nem suficiente para a caracterização de uma situação como
de natureza real. Mas o autor acrescenta (1°): cA defesa
contra terceiros do uso privativo do domínio público e, hem
assim, a respectiva tutela possessória não podem ser exer-
cidas ante as instâncias de ordem judicial, pelos meios ci\is•.
Sendo assim, já não é meramente o possessório, mas o
próprio petitório, que é posto em causa ( 11 ). O problema
apresenta-se pois em toda a sua gravidade. A sua resolução
não depende já dos instrumentos da teoria geral, mas de
uma análise dos institutos próprios do Direito Administra-
tivo, em que como dissemos não vamos entrar.
339
de propriedade sobre o prédio ( 12 ). Ao menos aqui haveria
que debater o problema da natureza do direito concedido
e (uma vez verificado que era um direito real) da possibi-
lidade de constituição de semelhantes direitos em regime
de numerus apertus.
341
de uma particular intromissão de uma atipicidade, termi-
namos a investigação de teoria geral.
Resta-nos observar que nos casos normais nada parece
impedir, se a lei não especifica o conteúdo das situações
que se podem constituir, que se sustente a existência de
um numerus apertus dos chamados direitos reais adminis-
trativos.
342
o art. 1304.º não a utilizava, podemos inferir que a omissão
obedeceu ao propósito de incluir na mesma previsão o domí-
nio privado. Mas não terá querido incluir também o domí-
nio público?
Aqui temos outro problema que nos limitamos a deixar
assinalado, pois nos parece requerer uma análise que trans-
cende o campo em que nos movemos. Teria de se verificar
se uma sujeição de princípio do domínio público à lei civil
é compatível com a substância daquele, o que pressuporia
a fixação de um conceito do domínio público, tarefa que
está longe de ser rotineira.
343
cável, e haverá verdadeiros direitos reais administrativos
criados em regime de numerus apertus, salvo nos casos con~
eretos em que a lei impuser uma tipologia taxativa.
Quer dizer que nas duas hipóteses seremos afinal con-
duzidos a uma verificação caso por caso da admissibilidade
do numerus apertus, só com uma diferença de ponto de
partida: na primeira hipótese teremos tendencialmente um
numerus clausus, mas devemos verificar caso por caso se
ele é afastado; na segunda, poderemos fazer a investigação
sem entrar em conta com qualquer presunção de tipicidade
ou atípicidade. A diferença, como vemos, é muito ténue.
344
tema dos direitos sobre as coisas, facilitando o funciona-
mento do registo predial ( 20 ).
No que aos direitos reais administrativos respeita:
1) não se manifesta o perigo de onerações inconvenientes
como acontece perante os negócios dos particulares, por-
que a sua criação está sempre sujeita ao critério da Admi-
nistração e faz-se com a precariedade que caracteriza os
direitos reais administrativos; 2) não se criam ónus ocultos,
pois a transmissão dos direitos reais administrativos só se
processa por meios específicos, que oferecem ao transmis-
sário garantias tais que esta preocupação se toma despi-
cienda; 3) toda a falta de clareza do sistema dos direitos
reais sobre as coisas públicas não teria repercussões sobre
o registo, e por outro lado escassamente se faz sentir num
sector ainda em formação, em que é sempre e só a Admi-
nistração quem está em condições de dar vida gradualmente
a novas .figuras.
Vemos pois que a constelação de preocupações que mo-
tivaram o sistema do numerus clausus perde sentido uma
vez transposta para a categoria dos direitos reais adminis-
trativos.
345
SECÇÃO II
346
Suponhamos que incorrectamente uma decisão judicial
irrecorrível atribuiu a determinada situação a natureza de
um direito real- seja à situação do depositário em relação
à coisa depositada, por exemplo. Dando por suposto que
na realidade a ordem jurídica não suporta essa qualificação,
teríamos um erro judiciário. Todavia, o caso julgado vem
dar estabilidade à solução, e o depositário poderá efectiva-
mente comportar-se como titular de um direito real, nos
limites da eficácia dessa sentença. Houve, ao que parece,
criação de um direito real num caso em que faltava a pre-
visão normativa.
Temos aqui um problema verdadeiro, mas que só aces-
soriamente pode ser mencionado neste trabalho. Ele é antes
um aspecto do magno problema da eficácia do caso julgado,
e do seu significado sobre a ordem substantiva. A hipótese
é análoga à que se verifica quando erradamente o juiz con-
sidera uma das partes titular de um direito real previsto
na lei, mas que ela efectivamente não tinha - uma proprie-
dade ou uma hipoteca, por exemplo. Também então há alte-
ração da ordem substantiva, e parece-nos que se não pode
negar à sentença carácter constitutivo, embora com todas
as restrições que a doutrina do caso julgado estabelece ( 22 ).
A diferença entre os dois casos está em que este último
é indiferente no ponto de vista do numerus clausus, enquanto
que o primeiro representa uma ampliação do círculo limi-
tado dos direitos reais. Diríamos então que há uma criação
contra legem de direitos reais. ~ evidente que tal criação
não se pode dizer submetida ao princípio do numerus clau-
sus. Na medida em que a decisão foi antijurídica, haverá
pelo contrário um afastamento do princípio.
347
Todavia a situação jurídica concretamente constituída
é válida. Há uma criação de um direito real atípico, uma
criação não submetida pois ao numerus clausus. Mas dada
a problemática muito particular a que está associada, con-
tentamo-nos com chamar a atenção para este novo caso,
sem mais indagar do seu âmbito e do seu significado.
349
1306.º, 1.? São as partes, no uso da sua autonomia? Ou é o
tribunal, quando as partes a ele recorrem?
Não nos parece sustentável que nestas hipóteses a sen·
tença revista carácter constitutivo. O juiz verifica a lega:li-
dade de uma pretensão que lhe é apresentada, não opera
uma alteração na ordem jurídica substantiva. Por tal motivo,
a situação em causa existe desde que as partes lhe deram
vida, ex tunc, e não ex nunc, ·desde a decisão judicial. Para
se pensar doutra maneira teria de se atribuir carácter não
apenas constitutivo, mas retroactivo, à decisão judicial.
Em tudo o resto a situação ·se conforma plenamente
aos princípios gerais sobre a actuação dos tribunais. Nomea-
damente, também aqui o juiz não poderá ir além do pedido.
O juiz não está a inovar na ordem substantiva, está a
reconhecer legalidade à pretensão de uma das partes. Mas
justamente porque se reconhece razão a uma das preten-
sões, reconhece-se também que, objectivamente, aquela era
já a situação válida, que é levada ao tribunal tão-só para
que o juiz a confirme. Houve criação autónoma das partes,
e não actuação constitutiva do juiz.
Todos os alicerces que gradualmente fomos erguendo
produzem efeito nesta ocasião. Recordemos por çxemplo o
que respeita ao carácter objectivo, e não subjectivo, desta
forma de criação ( 27 ). Tem-se em vista uma actividade objec-
tivamente controlável, e não há qualquer abandono a uma
opinião, que então só poderia ser a do juiz. Podemos segu-
ramente concluir que a criação pertence às partes, e não
ao tribunal.
Neste sentido, não se pode dizer que haja aqui mais
uma hipótese de actuação judicial que inovaria na ordem
substantiva, ao arrepio do princípio do numerus clausus.
350
SECÇAO III
PROVID:t;:NCIAS CAUTELARES
133. Generalidades
351
Mesmo a objecção genérica de que a transitoriedade
destas situações contraindicaria a natureza real seria clara-
mente improcedente: a natureza real de uma situação jurí-
dica em nada depende da maior ou menor duração. Poucos
são aliás os direitos reais perpétuos, ou tendencialmente
perpétuos ( 28 ). Esta posição pode considerar-se definitiva,
desde que o próprio Código Civil prevê a propriedade tem-
porária (art. 1307.º, 2.) (2º).
352
134. Providências cautielares inominadas
353
A sede desta matéria encontra-se todavia na secção V
daquele mesmo capítulo que o Código de Processo Civil
dedica, como dissemos, aos procedimentos cautelares. Sobre
ela vai incidir preferentemente a nossa atenção. Tem por
epígrafe «Providências cautelares não especificadas». Inicia-a
o art. 399.º, que pela sua importância transcrevemos:
«Quando alguém mostre fundado receio de que outrem,
antes de a acção ser proposta ou na pendência dela, cause
lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode
requerer, se ao caso não convier nenhum dos procedimentos
regulados neste captíulo, as providências adequadas à situa-
ção, e nomeadamente a autorização para a prática de deter-
minados actos, a intimação para que o réu se abstenha de
certa conduta, ou a entrega dos bens móveis ou imóveis, que
constituem objecto da acção, a um terceiro, seu fiel depo-
sitário».
Disposições desta ordem encontram-se actualmente em
quase todos os países, como dissemos. São caracterizadas
por se não indicar antecipadamente qual o conteúdo da pro-
vidência a determinar pelo tribunal: «cabe ao juiz, caso por
caso, não só valorar as razões de oportunidade e de urgên-
cia, mas também moldar o conteúdo da providência» ( 33 ).
354
A ordem de investigação que nos parece mais frutuosa
é a seguinte: começaremos por analisar as modalidades de
providências não especificadas referidas genericamente no
art. 399.º do Código de Processo Civil, avaliando a possi-
bilidade da sua natureza real; e só depois passaremos a
outras categorias de providências cautelares não especifi-
cadas. O que tivermos apurado quanto às primeiras facili-
tará a apreciação das segundas.
355
o) A penhora, o arresto, o arrolamento de imóveis ou
de direitos sobre eles, bem como quaisquer outros actos
ou providências que afectem a sua livre disposição».
356
Quanto ao mais, e nomeadamente quanto à afirmação
de que um depósito em poder de terceiro pode ter natureza
real, terá de ficar sem demonstração específica, porque só
incidentalmente o problema toca a nossa investigação. Pare-
ce-nos suficiente o que dissemos quando atrás apurámos o
objecto do numerus clausus, e interpretámos a expressão:
restrição ao direito de propriedade ( ª7 ).
357
haveria uma considerável limitação do poder do tribunal
de ordenar providências com carácter real.
Procuremos equacionar correctamente a questão.
Apresentado assim, o suposto argumento seria incorrecto.
Não é o registo que dá natureza real a um direito, mesmo
sobre imóveis. Rigorosamente, a sujeição a registo não acres-
centa nada ao direito real, antes condiciona de certo modo
a eficácia de que aquele é já em princípio dotado ( 38 ). Por
isso, uma providência cautelar de natureza real que não fosse
submetida a registo não perdia em nada a natureza real.
Mas o argumento pode ser apresentado doutra forma.
Dir-se-á então que a sujeição a registo só de certa categoria
de providências revela que o legislador não admitiu que as
restantes pudessem ter carácter real. Sempre se concluiria
que a intimação ao réu para se abster de certa conduta só
teria carácter real quando afectasse a livre disposição dos
bens.
Mas nem assim o raciocínio seria correcto. Encontra-
mos afinal mais uma vez uma utilização inadequada do argu-
mento a contrario. Vai-se dizer que, se esses casos merecem
tal tratamento tabular, isso quer dizer que eles têm natu-
reza real, e todos os outros não. Mas ficou por demonstrar
a suficiência das premissas para a conclusão.
( :1~) Cfr. as nossas Relações Reais, n.º 146, li. J;: pois equivoca-
damen tc que no Acórdão do Sup. Trib. de Just. de 3-111-67 (Boi. Min.
Just., n." 165, 343) se apresenta como argumento em favor do nume-
r11s clausus dos direitos reais o numerus clausus dos direitos sujei-
to'i a registo. Cfr. ainda o que dizemos supra, n.º 35, I, sobre esta
últim..i tipologia.
358
o uso ou a fruição, se contentaria com uma eficácia obri-
gacional.
Mas essa demonstração não parece poder fazer-se. Ela
não encontra a mínima ressonância no texto do art. 399.º
do Código de Processo Civil, e não seria a lei do registo o
lugar adequado para fazer a restrição.
Teleologicamente, a conclusão será a mesma. Se para
evitar uma dada lesão pode ser necessário restringir, com
eficácia real, o poder de disposição, por que não se verifi-
cará a mesma necessidade no que respeita aos poderes de
uso ou de fruição? Há pelo menos maioria de razão para
se excluírem determinadas formas de actuação em relação
aos bens quando se quer evitar um prejuízo potencial. Assim
acontecerá se se quiserem, por exemplo, prevenir os riscos
de uma mudança de titular.
Pensamos pois que, de harmonia com o Código de Pro-
cesso Civil, ou entendemos que todas as providências têm
carácter real ou que todas têm carácter obrigacional. Esta-
belecer distinções é que é arbitrário. E pensamos ainda que
a amplitude com que a lei permite ao juiz moldar o con-
teúdo da providência, bem como a existência de necessida-
des práticas, levam também aqui a concluir pela genérica
admissibilidade de um conteúdo real.
359
insatisfatória, pois não se vê nenhuma razão para limitar
a registabilidade a estas hipóteses. E todavia, este autor
mesmo dissera, e com muita razão, que o numerus clausus
no registo predial não excluía a interpretação extensiva nem
a analogia ( 40 ).
Este é justamente um dos casos em que nos surge uma
lacuna na previsão do objecto do registo, e é necessário
integrá-Ia. Talvez a omissão legal resulte da utilização de
uma técnica infeliz: a de acopular nas previsões das als. n)
e o) actos (negócios jurídicos) e decisões judiciais, desde
que incidam sobre créditos hipotecários ou garantidos por
consignação de rendimentos de imóveis, ou afectem a livre
disposição de direitos sobre imóveis.
360
VI-Mas não vale a pena adiantarmo-nos mais nesta
investigação. De todo o modo, dissemos já que o Código de
Processo Civil admite que todas essas providências tenham
natureza real; mas ainda que se não pensasse assim, o mais
que poderia resultar da interferência do Código do Registo
Predial seria a atribuição da natureza real somente às pro-
vidências de que resultasse limitação do poder de disposi-
ção. Ora, é quanto basta. De qualquer modo, sempre se
admitirá que pela imposição de providências cautelares não
especificadas que afectem o poder de disposição dos direi-
tos, o juiz venha a constituir situações jurídicas reais.
361
Processo Cívil poderiam criar-se, ao menos em certas hipó-
teses, direitos reais. Esta conclusão parece-nos inegável
quando se trate de providências que afectem a livre dispo-
sição dos bens ( 41 ).
362
frutuário do prédio encravado pediu e obteve, na pendência
do processo para constituição coactiva de servidão de trân-
sito pelo prédio circundante, a concessão provisória de ser-
vidão de passagem. É certo que a providência cautelar se
destinava a conjurar o mesmo dano que se repara com a
retroacção da decisão definitiva ao momento da petição ini-
cial. Mas como este efeito jurídico não basta para evitar
danos, permite-se a antecipação, no plano dos factos, da
situação jurídica que será garantida se a sentença de fundo
for favorável ao requerente.
363
quer outro a quem ele eventualm·ente transmitisse o direito
no decurso da acção. Ora o construtor pode sofrer um grande
prejuízo com a interrupção que isso viria trazer à sua acti-
vidade. Não se vê que este interesse não seja digno de tutela
cautelar.
Esta tutela não pode conseguir-se recorrendo a um dos
meios exemplificativamente previstos no art. 399.º - a proi-
bição ao proprietário de alienar o seu direito, no decurso
da acção?
Para que a hipótese da equivalência de resultados seja
sequer admissível, tem de se reconhecer à providência carác-
ter real, porque se fosse meramente pessoal não poderia
ser oposta a terceiros. Mas mesmo por este caminho viola-
ríamos outro princípio que domina os procedimentos cau-
telares - o de que a composição provisória dos interesses
se deve fazer com a maior vantagem para o requerente e o
menor sacrifício para a parte contrária.
Aqui, enquanto nada interessa ao requerente que o
prédio em causa permaneça no domínio do demandado, a
proibição de alienar pode trazer ao proprietário um pre-
juízo injustificado. Ao construtor só interessa que o seu
direito, provisório embora, goze de oponibilidade a tercei-
ros; e esta é dada (e só pode ser dada) pela atribuição de
natureza real. A admissão de providências com natureza
real representa assim simultâneamente o meio mais simples
e 0 menos gravoso de se conseguir que a tutela cautelar
desempenhe cabalmente a função a que se destina.
364
não cobrem todas as hipóteses imagináveis. Para dar um
exemplo que nestas não caiba, basta pensar nos casos em
que a providência adequada é a intimação ao réu para que
pratique certo acto. Também nesses casos se podem confi-
gurar situações de natureza real.
Imaginemos que, litigando-se sobre a propriedade de
um pomar, o requerente demonstra que sofrerá um pre-
juízo grave e de difícil reparação, se não receber, mesmo
na pendência da acção, uma certa porção de frutos. O tri-
bunal pode impor à parte contrária a entrega desses frutos;
e pode fazê-lo de modo que essa vinculação não tenha carác-
ter meramente obrigacional, e antes revista carácter real.
A sua transitoriedade em nada prejudica, como vimos, que
a consideremos uma espécie de ónus real atípico.
366
registo, e do consequente argumento a favor da natureza
real que esta traz consigo. Outras figuras, além do arresto
ou do arrolamento, são aqui implicitamente admitidas como
tendo carácter real.
A própria consagração legal do numerus clausus não
atinge esta posição. Como também vimos, este sector não
está sujeito ao art. 1306.º, 1., do Código Civil ( 45 ). Devemos
recordar as conclusões a que chegámos já a propósito do
art. 1306.º, e sobretudo, como verificámos pela última parte
do seu n.º 1., que a preocupação dominante deste era excluir
a criação pelas partes através de negócio jurídico. Esta preo-
cupação é aqui evidentemente satisfeita. Não são as partes,
não é quem requer a providência que cria o direito real;
quem o cria é o tribunal que a concede.
367
Visava-se, acessoriamente, dar clareza ao sistema dos
direitos sobre as coisas, facilitando o funcionamento do
registo. Aqui haverá uma certa perda de clareza, mas o
título privilegiado que é a sentença permite definir segu-
ramente as situações criadas; compreende-se por isso que,
sob a pressão de preocupações muito individualizadas, se
chegue a uma especialização da tutela, prescindindo da pre-
visão legal. E a técnica adoptada no nosso registo, como
veremos, permite que o sistema funcione sem quaisquer
dificuldades derivadas da natureza real destas providên-
cias ( 47 ).
Não relevando as preocupações que estão na origem
do art. 1306.º, não tem sentido procurar através dele, mesmo
por analogia, limitar os resultados a que se chega com o
art. 399.º do Código de Processo Civil.
Portanto, por este caminho encontramos realmente um
sector em que a criação de direitos reais está sujeita ao
princípio do numerus apertus. Também aqui, o juiz cria
uma nova situação jurídica real, sem atingir o sistema nor-
mativo. Passa a haver mais um direito real, além dos pre-
vistos na lei ( 4 s).
368
Seria arbitrário excluir a registabilidade das providên-
cias cautelares nem sequer exemplificativamente referidas
na lei. Para isto teria de se ler o Código do Registo Predial
como se ele sujeitasse a registo somente «as providências
não especificadas que forem mencionadas no art. 399.º do
Código de Processo Civil». Mas as als. n) e o) do art. 2.0 , 1.,
falam indistintamente de «Outras providências», com intuito
claramente generalizador, de modo a abranger tudo o que,
com natureza real, resulte daqueles actos processuais. Os
arts. 179.º, q), 182.º, 1., n) e 192.º, a) do mesmo código man-
têm este acento.
Aliás, é a altura de sublinhar uma característica muito
curiosa desta sujeição a registo, que permite completar as
considerações atrás encetadas sobre o objecto do registo.
369
24
publkidaJC' registai; mas quando se acrescentam outros·actos
~ pro,·i~ndas que incidam sobre os créditos (al. n)) ou
4~ afc.'\:'te-m a livre disposição dos direitos (al. o)), enca-
ra-~ um ângulo muito diverso, pois o que é decisivo agora
~ os actos de qualquer natureza que provoquem uma
~ruação inerente a um imóvel, seja ela qual for.
' / 1•· ,, -·· ,,,,.,,, t 11l111 l1h1 Nww~. 1.\.\, t'nquantu liga esta pre-
, . , . J: .• ,,,,,.,11k11• "'" , 1111h·lnh's ní\,, \':ii\X~ifk~ldas (arts. 3~.·
' I
· , , / '1''- "'' , ,._ t' 1111 • ·ti~11 e 1v11 \ ,, ,u, \lll<' it'St~\s, por sua própna
1 ~·, ,,. 1 ,,,,,, 11d•1 ut.11111 1" '''""'"h' hhlt•t\'1·mim\vd e insuscep-
; , •d, ., 1 l''"' ''""\"'"'
11111 ... , 111.11111 int('~:\S<.' o trat~~o
, 11·1: , ., •• , , . ll ,. l"'''"'"'\\~h d:\ prov1dbc1a
111. 111111111• ''""
'º'''''' 1. 11111•1 111111•1"''''"'''''·""' ,,f\~,\hth\ \lo.~ bc:-ns: se for
I ,., , ,.,,i .. , I• 111 qlh' •h ,•Ih\ l.1 U'A~s. t\+.,.;),
i!rl
~ a altura de demonstrar que também esta argumen-
tação não serve; e que, mesmo que a criação de direitos
reais se limitasse às hipóteses mencionadas no art. 399.º,
ainda então haveria criação em regime de numerus apertus.
Porque aquelas previsões não revestem as características
necessárias para funcionar como novos elos da tipologia
dos direitos reais.
371
III-Menos ainda basta para a tipologia dos direitos
reais. Para haver um tipo de direito real é necessário que
conste da lei a descrição fundamental de uma situação· a
que ·corresponda um regime real ( 52 ). Nem um nem outro
requisito são satisfeitos pelas previsões do art. 399.º.
No que respeita à descrição fundamental, vemos que
nem a autorização para a prática de determinados actos,
nem a intimação para que o réu se abstenha de certa con-
duta possuem a concretização suficiente para nos permitir
falar de um novo direito real. Basta pensar que os direitos
de gozo, e até quase todos os direitos de aquisição, envol-
vem autorização para a prática de determinados actos ...
Quanto à intimação para que o réu se abstenha de certa
conduta, é uma espécie de denominador comum dentro das
relações jurídicas reais (que resolvem, recorde-se, conflitos
de direitos reais); quase sempre sobre o titular da posição
passiva incide a proibição da prática de determinados actos.
Estamos assim muito longe de um tipo, com a consequente
especificação que ele envolve.
Na realidade, dessa especificação resultaram antes clas-
ses ( 53 ) de providências cautelares - reúnem-se em certos
grupos, consoante o conteúdo, as modalidades não especi-
ficadas de providências cautelares, sem que sequer a clas-
sificação tenha chegado ao fim ( 54 ).
Por outro lado, também não encontramos estabelecido
um regime real. Não o encontramos antes de mais porque
o regime real tem de ser atribuído pela lei a situações espe-
cíficas, e aqui só considerações genéricas nos permitem con-
cluir que as providências cautelares podem gerar situações
de natureza real. Não o encontramos ainda porque o Código
do Registo Predial trata em bloco essas situações, •sem
372
qualquer correspondência com a especificação operada pelo
art. 399.º do Código de Processo Civil; o que se compreende,
pois as figuras do art. 399.º podem ser também obrigacio-
nais. Isto é mais um argumento contra a sua consideração
como tipos de direitos reais.
Se a situação é assim clara, não vale a pena entrar na
anális·e da previsão da entrega dos bens a um fiel deposi-
tário, para saber se nesta hipótese há a concretização que
permita falar de um tipo de direito real.
373
twtes de ~gócio jurtdico, e não de sentença ou quaisquer
cL nltMtos da mesma ordem, pois o negócio jurídico é 0
imíco instrumento que os particulares poderiam utilizar.
A criação de direitos reais por entidades públicas escapa
naturalmente a esta previsão, e poderá fazer-se em regime
de numerus apertus -sempre que não haja nenhuma proibi-
ção específica.
374
CONCLUSÃO
375
Pela sua natureza, a tipologia dos direitos reais, porque
taxativa, implica a exclusão da analogia na determinação
dos tipos admitidos. Consequentemente, a autonomia pri-
vada está afastada da criação de novos direitos reais (se
excluirmos a possibilidade teórica da sua actuação na inte-
gração ·de lacunas rebeldes à analogia), mesmo em sectores
do direito dos particulares cuja regulan1entação fundamen-
tal se não encontra no Código Civil.
Não obstante, os tipos de direitos reais são tipos abertos
- os direitos reais abrangem um conteúdo acidental juri-
dicamente relevante, e a autonomia privada pode exprimir-se
na modificação desse conteúdo.
Os destinatários são os particulares, como o próprio
art. 1306.º, 1., evidencia, ao falar em restrição resultante de
negócio jurídico quando quer excluir a constituição de novos
direitos reais. A imposição da tipicidade taxativa não atinge
pois as entidades públicas, quando actuam como tal. Fica
assim aberta a possibilidade ·de, no domínio de actuação
específica dessas entidades, vigorar o numerus apertus na
criação concreta de direitos reais. Assim se passará, nomea-
damente, quando o tribunal impuser providências cautela-
res não especificadas, que podem originar direitos reais
atípicos.
O objecto desta tipicidade são os direitos reais, e só os
direitos reais, se bem que a lei fale equivocamente em res-
trições e parcelas da propriedade. Por natureza, ficam abran-
gidos os direitos reais complexos, pois estes originam ainda
novos tipos de direitos reais. Ficam de fora figuras afins
mas de natureza diversa, nomeadamente:
376
Sendo assim, podemos conceber uma fórmu\a muito s\m-
ples para exprimir esta tipicidade normativa dos c\ire\\os
reais, que só não abrange o dominio do chamado d\-re\\o
público: não pode haver um direito real, como situação
jurídica concreta, se não existir norma que o preveja.. Ou
dito positivamente, e com referência ex-pressa à <:.atecior\a
«tipo» de direito real (que sabemos 1á (\Ue é aberto): ca.be
à norma indicar os tipos de direitos reais que são admitidos,
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