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Tributos e princípio da legalidade

Visando aproveitar o crescente afluxo de turistas ao país, o Governo cria, através de


decreto-lei simples, uma “Taxa sobre Turismo de Luxo”, que incide sobre o preço das
refeições e das estadias, respetivamente, em restaurantes e estabelecimentos hoteleiros
de luxo.

Poucos dias depois, uma Portaria:

i) define os critérios para a classificação de restaurantes e estabelecimentos


hoteleiros como “de luxo”, para efeitos da “Taxa sobre Turismo de Luxo”; e

ii) isenta da aludida taxa as refeições em restaurantes que se revistam de


“manifesto interesse para a preservação do património gastronómico
português”.

Quid iuris?

Nomen iuris: Taxa.

Este tributo na verdade é um imposto (oculto):

i. Ponderação ad valorem a incidir sobre o valor das refeições.


ii. Não tem uma contrapartida associada (não há sinalagma nem difuso).
iii. Não assenta na correlação económica das prestações que são concretamente
utilizadas pelo beneficiário desta “taxa”, ou seja, a taxa não é superior ao
benefício e à utilidade (no caso nem superior ou inferior) ao benefício obtido.
Não está a cumprir o princípio da equivalência (princípio que rege a
determinação da taxa).

Tratando-se de um imposto oculto, temos uma consequência constitucional: Na ausência


de uma autorização legislativa parlamentar ao Governo sobre esta matéria, este decreto-
lei simples será inconstitucional – art. 103º nº2 1ª parte e art. 165º nº1, alínea i).

!! Sempre que apareça na frequência D.L. simples quer dizer que não houve autorização
legislativa nesse sentido.

A portaria podia definir tudo o que estava aqui?

As portarias são um ato legislativo previsto no art. 112º da CRP? Tem a forma de lei? Não.

Em teoria, a portaria se visasse a criação, modificação ou extinção dos impostos seria


inconstitucional. Mas existem exceções? Será que o princípio da tipicidade fiscal permite
instrumentos de nível inferior que possam ter normas de execução relacionadas com os
impostos? Sim.

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O art. 165º nº1, alínea i) e o art. 103º nº2 consagram o princípio da tipicidade fiscal ou
princípio da legalidade fiscal na vertente material  Os impostos, nomeadamente a sua
criação, modificação e extinção, estão abrangidas pelo princípio da tipicidade fiscal,
bem como as taxas e as contribuições financeiras.

O art. 103º nº2 enumera os elementos dos impostos que estão sujeitos ao princípio da
legalidade fiscal, ou seja, não são todas as matérias relacionadas com impostos que está
sujeita ao princípio da legalidade, apenas os elementos determinados no art. 103º nº2
estão sujeitos à tipicidade legal:

 Incidência em sentido amplo (integra a incidência objetiva – factos tributários


que relevam para a tributação – incidência subjetiva – quem é que são os sujeitos
passivos do imposto – incidência territorial – onde incide o imposto ou tributo –
incidência temporal – qual é o momento que se torna exigível o imposto ou tributo
– e quaisquer elementos relevantes para a determinação da matéria coletável
(tudo o que permita, no fim do dia, quanto de imposto o sujeito passivo tem de pagar).

 Taxa (faz parte da incidência, não precisava de estar no artigo)  A regra da


determinação do imposto inclui a respetiva taxa. Aqui taxa não é taxa enquanto
tributo, mas sim a percentagem de tributação da matéria coletável.

 Benefícios fiscais.

 Garantias dos contribuintes.

Poderia a portaria definir os critérios de classificação dos restaurantes e estabelecimento


hoteleiros de luxo para efeitos da taxa turística (imposto)?

Não, está a definir qual é a incidência objetiva neste caso concreto. Temos de observar o
princípio da tipicidade e este tem por base os elementos essenciais que acabámos de ver
(incidência em sentido amplo, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes
previstas por lei ou por decreto-lei autorizado).

Pode existir ainda uma margem de livre tipificação, ou seja, de progressiva tipificação
pelas camadas que estão mais próximas do contribuinte, ou seja, um poder mais
especializado que efetuará a regulamentação e concretização de aspetos fiscais mediante
portaria  Poder especializado das portarias e não impede remissão para um ato que
desenvolva com maior densidade os regimes previstos na lei em sentido formal, mas não
pode ser mais do que isso.

 A portaria apenas pode determinar aspetos de índole técnica, secundária ou


executiva atinente a uma organização geral que já resulta da lei.

E portanto, determinar os critérios de classificações dos restaurantes e estabelecimentos


hoteleiros é determinar a incidência objetiva – sobre o quê vai incidir este tributo? Não
estamos perante uma mera concretização, estamos numa margem de definição inicial de
quais os estabelecimentos envolvidos. Temos uma remissão de elementos essenciais dos
impostos para uma portaria. Temos a violação do princípio da legalidade na sua vertente
material ou tipicidade fiscal.

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Na alínea b) temos um benefício fiscal.

Como vimos, os benefícios fiscais estão sujeitos ao princípio da tipicidade fiscal, ou seja,
não podem ser criados benefícios fiscais a não ser por lei formal da AR ou decreto-lei
autorizado.

O benefício fiscal podia ser apreciado do ponto de vista do princípio da igualdade 


Racional associada à utilidade deste benefício (preservação do património: bem-estar
social).

Temos ainda neste enunciado que na portaria este benefício fiscal recorre a conceitos
indeterminados: “manifesto interesse para a preservação do património gastronómico”.
Os conceitos indeterminados podem ser utilizados, mas tem de ser determinável ao
destinatário das normas qual será o sentido e alcance desse mesmo conceito, sob pena
de violação deste princípio, pois o destinatário da norma não compreende a regra de
incidência subjacente ao imposto. Os benefícios fiscais excecionam a incidência, daí
estarem sujeitos ao princípio da tipicidade fiscal.

PRÓXIMA AULA: CASO 4 TODO.


Requisitos das autorizações legislativas.

Na aula seguinte já vai ser proibição da retroatividade fiscal.

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