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MATERIAL – LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA

V. SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL


1. Sistema Tributário Nacional na Constituição de 1988 – O Sistema
Constitucional Tributário
2. Distribuição das competências tributárias
3. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar
3.1. Princípios Constitucionais Tributários
3.1.1. Legalidade
3.1.2. Irretroatividade
3.1.3. Anterioridades
3.1.4. Isonomia
3.1.5. Capacidade contributiva
3.1.6. Não confisco
3.2. Imunidades Tributárias
3.2.1. Imunidade recíproca
3.2.2. Imunidade dos templos de qualquer culto
3.2.3. Imunidade dos sindicatos dos trabalhadores, partidos políticos e
entidades de educação e assistência social
3.2.4. Imunidade dos livros, jornais e periódicos
3.2.5. Imunidades do setor econômico
1. Sistema Tributário Nacional na Constituição de 1988 – O Sistema
Constitucional Tributário

Como sabido, o Estado só estará a respeitar a soberania popular (art. 1º da


CF/88) se – e somente se – for submisso aos comandos constitucionais; equivale a
dizer: deve o Estado reconhecer a supremacia da Constituição como “ordem jurídico-
normativa fundamental vinculativa de todos os poderes políticos”1 em que este (o
Estado) consiste. No que se convencionou chamar de Estado Constitucional de Direito,
o único poder soberano é o da Constituição.

Por sua vez, como afirmado anteriormente, o ordenamento jurídico tributário,


ordenado de forma hierarquizada, encontrará seu fundamento de validade nas normas
jurídicas constitucionais, onde encontramos, em especial quanto à nossa Carta Magna,
diversos dispositivos atinentes à matéria tributária que vinculam tanto o Legislador
quanto o Administrador Tributário.

O Estado de Direito, mais do que ser o Estado submetido à lei, é o Estado


submetido à Constituição2 (Estado Constitucional)3; e em matéria tributária, como dito,
especialmente em nosso sistema normativo, o Estado Fiscal é o Estado que a
Constituição permite que este seja, pois a matéria tributária fora “objeto de extensa e
carinhosa atenção do constituinte, moldada em função de uns tantos princípios e valores
aos quais foi ele sensível, formando, assim, um sistema parcial, inserto no sistema
constitucional total”.4

De fato, na esteira do ensinamento de GERALDO ATALIBA acima transcrito,


a submissão dos ordenamentos tributários às normas constitucionais ganha relevo em
nosso sistema normativo, tendo em vista que, ao contrário de outros países de tradição
jurídica romano-germância, temos um verdadeiro Sistema Constitucional Tributário, ou
seja, um subsistema constitucional exclusivo e exaustivo no trato da matéria tributária.

1
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Almedina, 4ª
ed., p. 245.
2
“A determinação da ordem jurídica do Estado, em seus institutos fundamentais, é o que em sentido lato
se chama constituição.” (DEL VECCHIO, Giorgio. “Teoria do Estado”, Ed. Saraiva, 1957, p. 54, trad.
portuguesa de António Pinto de Carvalho).
3
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. “Direito…ob.cit.”.
4
ATALIBA, Geraldo. “Sistema...,”, p. 04.
Trata-se do que o professor SACHA CALMON chama de “constitucionalização do
Direito Tributário brasileiro”5.

Neste subsistema constitucional, o Sistema Constitucional Tributário,


encontramos regras de competência tributária (regras de estrutura), regras e princípios
limitadores do exercício de imposição tributária e regras acerca da partilha do produto
da arrecadação dos tributos. Estes grupos de normas, contidos em nosso Sistema
Constitucional Tributário, devem ser estudas separadamente por exigência
metodológica.

2. Distribuição das competências tributárias

Primeiramente cumpre-nos o estudo das regras jurídicas delimitadoras da


competência tributária das diversas pessoas políticas, tal como expressamente previsto
em nossa Constituição. Porém, para entendermos precisamente o alcance e o conteúdo
da competência tributária, antes devemos nos ater à compreensão do que significa
Poder Tributário.

O poder tributário pode, a princípio, ser visto como o poder geral do Estado
aplicado a um determinado setor da atividade estatal – a imposição6; ou seja, é uma
manifestação do poder do Estado, da soberania estatal, atinente à imposição de tributos.
Para ZELMO DENARI7, o poder tributário deve ser entendido como “a faculdade que
possui o Estado de impor tributo – é atributo da soberania estatal, e, por isso, inerente ao
poder político.”

Muitas são as manifestações de soberania estatal, entre estas estaria a soberania


afeta à tributação, a soberania estatal revelada por um certo Poder Tributário. Como de
costume, concordamos com o inesquecível GERALDO ATALIBA8 e, utilizando suas
palavras, afirmamos pela inexistência de um poder estatal tributário:

5
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Sistema Tributário. Ed.
Forense, 9ª ed., p. 03.
6
HENSEL, Albert. Derecho Tributário. Ed. Nova Tesis, 2004, p. 91.
7
.DENARI, Zelmo. Curso de Direito Tributário. Ed. Atlas, 8ª ed., p. 37.
8
.ATALIBA, Geraldo. Conferências …, p. 174.
“…no Estado constitucional não há poder tributário, a rigor. Porque o
próprio do poder é ser ilimitado, é fazer o que quiser; vemos, pois, que
depois de constituído o Estado, depois, portanto, de sujeito à disciplina
constitucional, nenhuma pessoa pública tem poder tributário, porque
nenhuma pessoa pública faz o que quer, em matéria tributária.”

Ora, estando nosso sistema tributário moldado e exaurido na Constituição, o


Estado tem o poder tributário que a Constituição lhe conceder. Se a Constituição não
desejar, o Estado não tributa e, quando a Constituição lhe permitir, terá que tributar
exatamente como permitido. Portanto, poder tributário quem tem é a Constituição; “o
poder tributário se sedia no poder constituinte. E este é o único titular do poder
tributário.”9

O exercício de editar leis criando tributos é limitado, ou melhor, delimitado pela


Constituição. A tarefa legislativa tributária é disciplinada e balizada pela Constituição,
neste sentido, não há que se falar em poder tributário, mas, no mínimo, em fatias de
poder.10 Pois bem, esta fatia de poder tributário, constitucionalmente cedida, atribuída
ao Estado, é o que se designa de competência tributária. Competência tributária é isso:
“é aquela porção, fatia ou pedaço de poder tributário, que a Constituição lhes atribuiu.”
Portanto, os entes políticos não possuem poder tributário, mas meras competências
tributárias.11

ROQUE CARRAZZA12, seguindo as linhas de seu mestre, também afirma:

“No Brasil, por força de uma série de disposições constitucionais, não há


falar em poder tributário (incontrastável, absoluto), mas, tão-somente, em
competência tributária (regrada, disciplinada pelo Direito).(…) Como
veremos em seguida, cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso
País, poder tributário (manifestação do ius imperium do Estado), mas
competência tributária (manifestação da autonomia da pessoa política e,
assim, sujeita ao ordenamento jurídico-constitucional). A competência
tributária subordina-se às normas constitucionais, que, como é pacífico, são

9
.ATALIBA, Geraldo. Conferências …, p. 174.
10
.ATALIBA, Geraldo. Conferências …, p. 174.
11
.ATALIBA, Geraldo. Conferências …, p. 175.
12
.CARRAZZA, Roque Antônio. Curso…, p. 413.
de grau superior às de nível legal, que prevêem as concretas obrigações
tributárias.(…)”

Assim, para ROQUE CARRAZZA13, “competência tributária é a aptidão para


criar, in abstracto, tributos.(…) é a possibilidade de criar, in abstracto, tributos,
descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus
sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas.”

Segundo PAULO DE BARROS CARVALHO14:

“A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as


prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas,
consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas
jurídicas sobre tributos.”

Para nós, sem discordar substancialmente dos conceitos acima, competência


tributária é a vocação, constitucionalmente fixada e atribuída aos entes políticos, para
que estes legislem sobre a instituição e arrecadação dos tributos discriminados na
Constituição.

Como afirmamos acima, o exercício da competência tributária compreende


apenas a instituição dos tributos discriminados na Constituição.

Assim pensamos porque, diante da rigidez de nossa Constituição, qualquer


criação de tributo, que não seja previamente previsto na Carta, não representa exercício
da competência tributária, mas mero exercício da competência legislativa sem respaldo
constitucional.

Só a Constituição pode atribuir a qualidade às pessoas jurídicas de direito


público interno de instituírem os tributos.

Como escrito por ROQUE CARRAZZA, a Constituição é a “Carta das


Competências”, só ela pode outorgar a competência tributária, pois esta é a “habilitação
ou, se preferirmos, a faculdade potencial que a Constituição confere a determinadas

13
.CARRAZZA, Roque Antônio. Curso…, p. 415.
14
.CARVALHO, Paulo de Barros. Curso…ob. cit.,p. 212.
pessoas (as pessoas jurídicas de direito público interno) para que, por meio de lei,
tributem.”15

As regras constitucionais definidoras da competência tributária, como regras que


conferem aptidão de criar tributos, são dirigidas exclusivamente às pessoas políticas –
os titulares da competência tributária.

Assim pode-se afirmar diante da visão da competência tributária como um


“direito subjetivo de editar normas jurídicas tributárias”16

Ora, se a Constituição, ao outorgar a competência tributária, confere um direito


subjetivo de criar tributos, e os tributos, por força do art. 150, I da própria CF/88, só
podem ser criados por lei, então, por decorrência lógica, os destinatários das regras
constitucionais de competência tributária só podem ser as pessoas políticas, pois só
estas possuem um corpo legislativo próprio, só estas detêm competência legislativa, só
estas podem produzir leis.

Ainda, podemos afirmar que a competência tributária é uma parcela da


competência legislativa das pessoas políticas, só que exclusivamente relativa à matéria
tributária. É a competência legislativa afeta aos tributos, à sua instituição, arrecadação e
fiscalização.

Sem discrepar do conceito acima formulado, o professor PAULO DE BARROS


CARVALHO17 assim se manifesta acerca do que significa o termo competência
tributária:

“Competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas


para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo.(…)

No plexo das faculdades legislativas que o constituinte estabeleceu, figura a


de editar normas que disciplinam a matéria tributária…”

A idéia de competência tributária como parcela da competência legislativa


parece expressa também no CTN, em seu art. 6º, o qual se refere à uma competência
legislativa plena, ressalvadas apelas as limitações instituídas pela Constituição Federal,

15
.CARRAZZA, Roque Antônio. Curso…, p. 414. (itálico nosso)
16
.CARRAZZA, Roque Antônio. Curso…, p. 418.
17
. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso…ob. cit.,p. 211/212.
bem como aquelas contidas nas Constituições Estaduais, nas Leis Orgânicas dos
Municípios e no próprio Código Tributário Nacional.

Sendo necessariamente exercida por lei, a competência tributária só pode ser


atribuída a quem possa exercer a tarefa de editar leis, ou seja, a quem possua
competência legislativa, in casu, União, Estados, Distrito Federal e os Municípios,
assim, todos os entes políticos, por meio de seus órgãos legislativos, podem criar os
seus respectivos tributos na medida em que foram autorizados pela Carta Maior.

Ademais, a distribuição das competências tributárias pelos entes constitucionais,


como bem lecionou o saudoso ANTÔNIO ROBERTO SAMPAIO DÓRIA18, é também
reclame de circunstâncias de cunho político, tais como a necessidade de equilíbrio do
sistema federativo por nós adotado, a autonomia financeira de Estados e Municípios, a
reserva à União de impostos com que complemente sua competência legislativa, etc.

Como dito pelo gigante publicista, nosso modelo de organização política, o


federalismo, exige que sejam repartidas entre os entes políticos competências
legislativas para criação de suas próprias fontes de receita a fim de possibilitar que estes
realizem sus fins.19

Nosso sistema federativo, tal como consagrado em nossa Carta Maior, revela-se
pela irrestrita isonomia entre os entes políticos, sendo os mesmos autônomos; porém,
como falar em autonomia ou independência políticas, sem que haja uma respectiva
autonomia financeira. Daí, a necessidade inafastável de cada ente político, observada
sua esfera territorial de atuação, possuir meios de exigir seus próprios tributos como
forma de encerrar sua autonomia financeira. Estes meios são justamente obtidos pelo
exercício da competência tributária.

Como bem observado por ROQUE CARRAZZA, a competência tributária não é


somente exercida por lei, mas “esgota-se na lei”20

18
SAMPAIO DÓRIA, Antônio Roberto. “Direito Constitucional Tributário e Due Process of Law”. Ed.
Forense, 2ª ed., 1986, p. 97.
19
“Todos recebem diretamente da constituição, expressão da vontade geral, as suas respectivas parcelas
de competência e, as exercendo, obtêm as receitas necessárias à consecução dos fins institucionais em
função dos quais existem (discriminação das rendas tributárias). O poder de tributar originariamente
uno por vontade do povo (estado democrático de direito) é dividido entre as pessoas políticas, que
formam a Federação. (COELHO, Sacha Calmon Navarro. “Comentários...”, p. 35).
20
. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso…, p. 418.
Uma vez instituído o tributo, ou seja, uma vez editada a lei de imposição
tributária, não cabe mais se falar em competência tributária, pois a mesma já fora
exercida.

A edição da lei, como concreção da competência tributária, é o marco divisório


entre competência tributária e capacidade tributária ativa.

A capacidade tributária ativa é a aptidão, estabelecida em lei, de exigir e


arrecadar o tributo. Diferentemente da competência tributária, não é objeto de previsão
constitucional, mas de previsão na lei instituidora do tributo.

A competência tributária diz respeito à vocação legislativa, enquanto a


capacidade tributária ativa se refere à aptidão de integrar a relação jurídico-tributária
como sujeito ativo.

A competência tributária, nos termos do art. 7º do CTN21, é indelegável,


decorrendo do princípio constitucional implícito da indelegabilidade da competência
tributária.

No que se refere à capacidade tributária ativa, pode aquela mesma pessoa


política que institui o tributo também exigi-lo (ex: ICMS, IR, ISS…), porém, pode
também delegar as funções de arrecadar e fiscalizar para outra pessoa jurídica de direito
público, ou até mesmo para pessoas jurídicas de direito privado.

Como exemplo, temos as contribuições de interesse de categorias profissionais,


prevista no art. 149 da CF/88. A competência para sua instituição é da União Federal,
porém, é comum que, quando da instituição deste tributo, o legislador federal atribua a
capacidade de exigir, arrecadar e fiscalizar os tributos para as entidades privadas
representativas das respectivas categorias profissionais beneficiadas (OAB, CRM, CRO,
CRF, …).

Portanto, competência e capacidade tributária não se confundem; a primeira é


prevista na Constituição, exercida por lei e se esgota na lei, enquanto a segunda é
definida em lei.

21
.“Art. 7º. A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar
tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida
por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.”
A delimitação da competência tributária pela CF/88 – a definição da regra-
matriz de incidência.

Como dito, a Constituição postou balizas bem definidas entre as pessoas


políticas no âmbito da tributação, talhando rigidamente o exercício do poder tributário
de cada ente político.

E dentre estas balizas, temos a delimitação das competências tributárias, onde os


entes políticos, na criação dos tributos, encontram-se obrigados a obedecer aos campos
de incidência restritamente e exaustivamente a eles reservados pela Constituição.

Significa dizer: na Constituição encontramos plasmada a distribuição de


autorizações dadas às pessoas políticas para a instituição dos tributos mediante lei,
consagrando a Carta Maior como uma verdadeira Carta das Competências.22

O legislador ordinário, seja o federal, estadual ou municipal, não está livre para
criação dos tributos que lhe melhor convir; na verdade, o legislador ordinário de cada
ente político só pode criar os tributos a ele autorizado pela Constituição. Qualquer
atuação, fora dos limites constitucionalmente postados, representa produção de ato
normativo vazado de validade, pois não encontrará na Constituição o fundamento de
validade necessário.

Tomando a União Federal como exemplo, enquanto a Constituição lhe permite a


tributação sobre determinadas materialidades (p.ex.: importação de produtos
estrangeiros, aquisição de renda, etc…), ao mesmo tempo lhe proíbe a tributação sobre
outras materialidades que foram autorizadas a serem tributas por outras pessoas
políticas (por ex..: serviços de qualquer natureza, propriedade de veículos automotores,
etc…). É o chamado princípio da reserva de competências, onde um ente político não
pode invadir o campo de incidência de outra pessoa política, i.e., não pode criar tributos
compreendidos na competência tributária de outro ente político, mas tão-somente os
tributos compreendidos em sua competência.23

22
.CARRAZZA, Roque Antônio. Curso…, p. 414.
23
.Veremos que o art. 154, II da CF/88 representa exceção ao princípio da reserva de competências.
Esta é o efeito de termos uma Constituição rígida, exaustiva e daí a afirmação de
que a distribuição de competências tributárias já representa por si só uma limitação.

Limita porque distribui as competências; e ao distribuir, acaba por delimitar os


campos de atuação tributária, outorgando possibilidades, mas, ao mesmo tempo,
impondo impedimentos: pode tributar esta situação (competência tributária outorgada),
porém não pode criar tributo que incida sobre aquela situação (competência outorgada à
outra pessoa política).

A Constituição não cria tributos, mas apenas discrimina competências para que
os entes políticos possam, por meio de leis, cria-los.24

Ao distribuir as competências tributárias, a Constituição demarca os campos de


atuação dos entes políticos, dando-lhes privativamente aptidão para tributar situações
constitucionalmente definidas.

Desta forma, os titulares da competência tributária estão constitucionalmente


vinculados a legislar nos limites da incidência prevista.

ROQUE CARRAZZA25 afirma que, “em matéria tributária, o legislador


constituinte pátrio adotou a técnica de prescrever, de modo exaustivo, as áreas dentro
das quais as pessoas políticas podem exercer a tributação.”

Estas áreas são definidas a partir da previsão de materialidades passíveis de


serem tributadas, ou seja, a própria Constituição previu o conjunto de fatos sobre os
quais poderá incidir o tributo.

É certo que em relação a certas contribuições especiais, como já tivemos


oportunidade de nos manifestar, a Constituição não prescreveu a materialidade
tributável (em especial as contribuições previstas no art. 149), apenas limitando-se a
estabelecer a finalidade das exações. Porém, mesmo assim, estabeleceu limites, limites
quanto às razões de imposição.

A previsão constitucional da materialidade tributável é denominada regra-


matriz de incidência ou norma-padrão de incidência.

24
.CARRAZZA, Roque Antônio. Curso…, p. 414.
25
.CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS…, p. 23.
O legislador ordinário, quando da criação do tributo, deverá observar os
contornos feitos pelo constituinte na regra-matriz de incidência, ou seja, “ao mesmo
tempo em que distribui competências tributárias, a Constituição indicou os padrões
dentro dos quais o legislador ordinário de cada pessoa política é livre para traçar os
aspectos das normas jurídicas dos vários tributos que lhe dizem respeito.”26

Portanto, o legislador, quando do exercício da competência tributária da


respectiva pessoa política, deverá sujeitar-se às limitações impostas na regra-matriz de
incidência prescrita na Constituição.

Por exemplo: a Constituição, em seu art. 153, I, confere à União a aptidão para
criar um imposto que incida sobra a “importação de produtos estrangeiros”. Estamos
diante da regra-matriz de incidência do imposto de importação. Interpretando a presente
norma constitucional, verificamos que, para a incidência do imposto, deve haver a
aquisição de mercadoria estrangeira e sua conseqüente introdução em nosso território
nacional. Pois bem, estaremos diante de inconstitucionalidade se o legislador, ao criar o
imposto, estabelecer que também há a incidência tributária quando houver a aquisição
da mercadoria estrangeira já introduzida no mercado interno. Ou seja, pagará o imposto
aquele que importou e também aquele que não importou, mas que simplesmente
comprou uma mercadoria estrangeira que estava à venda em uma determinada loja. Ora,
a regra-matriz de incidência estabelece a incidência do imposto sobre produtos
estrangeiros adquiridos no exterior – deve haver a importação por quem adquiriu o
produto. Estamos claramente diante de lei que pretendeu alargar o alcance da incidência
prevista na regra-matriz traçada na Constituição. Esta lei é nula por claro vício de
inconstitucionalidade.

Portanto, a distribuição das competências tributárias se dá através das regras-


matriz de incidência (ou normas-padrão de incidência), onde a Constituição define e
distribui exaustivamente as materialidades passíveis de serem tributadas entre cada ente
político.

Pois bem, vamos à disciplina constitucional de distribuição de competências


tributárias.

26
.CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS…, p. 27.
O art. 145 estabelece a competência comum da União Federal, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios para instituição de taxas e de contribuição de
melhoria.

Diz-se ser competência comum, quando estamos diante uma “área em que todos
os entes políticos tivessem aptidão para criar tributos, que se superporiam uns aos
outros”.27

No caso das taxas e das contribuições de melhoria estamos diante de uma


competência comum, pois são tributos que podem ser criados por todos os entes
políticos, desde que observada a área de atuação de cada um.

Nos arts. 148 e 149 estão fixadas as competências privativas da União Federal
para instituir, respectivamente, empréstimos compulsórios e contribuições especiais
(contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de
categorias profissionais e econômicas), exceto no que se refere ao §1º do próprio art.
149, o qual atribui aos Estados, Distrito Federal e Municípios a competência para
instituição de contribuição (social) previdenciária a ser cobrada de seus servidores para
custeio do regime de previdência próprio.

No art. 153, encontramos a fixação da competência tributária privativa da União


Federal para criar impostos que incidam sobre as materialidades previstas nos incisos I
a VII (regra-matriz de incidência do imposto de importação, regra-matriz de incidência
do imposto de exportação, regra-matriz de incidência do imposto de renda, regra-
matriz de incidência do imposto sobre produtos industrializados, regra-matriz de
incidência do IOF, regra-matriz de incidência do ITR e a regra-matriz de incidência do
imposto sobre grandes fortunas).

O art. 155 dispõe sobre a competência tributária, em regra, privativa dos Estados
e do Distrito Federal, também fixando o campo de incidência dos impostos através da
indicação das materialidades passíveis de tributação prescritas nos incisos I a III (regra-
matriz de incidência do imposto sobre transmissão causa mortis e de doações, regra-
matriz de incidência do ICMS e a regra-matriz de incidência do IPVA).

27
.AMARO, Luciano. Direito …ob. cit., p. 96.
No art. 156 tem-se a fixação da competência tributária, também em regra,
privativa dos Municípios para instituição dos impostos indicados, também por
materialidades próprias, nos incisos I a III (regra-matriz de incidência do IPTU, regra-
matriz de incidência do ITBI e a regra-matriz de incidência do ISS).

Denomina-se competência tributária privativa aquela que é exercida


exclusivamente por determinada pessoa política.

Os impostos, considerados como espécie, são de competência comum, pois todas


as pessoas políticas podem criá-los. Por outro lado, se considerarmos isoladamente cada
materialidade dos impostos previstos, estaremos diante da competência privativa, a
princípio de cada ente político, em relação a estes mesmos impostos.

Por outro lado, diante da redação do art. 154, II, resta prejudicado o caráter
privativo da competência tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
tendo em vista a União Federal, quando da instituição dos impostos extraordinários,
poder invadir o campo de incidência próprio destes entes políticos.

Desta forma, a rigor, em matéria de impostos, somente a União Federal detém


competência tributária privativa.

Assim também pensa PAULO DE BARROS CARVALHO28, advertindo que


apenas a União possui exclusividade na criação dos impostos, justamente em face desta
poder exercer, extraordinariamente, a competência impositiva relativa a impostos que
recaiam sobre materialidades originariamente reservadas aos Estados, Distrito Federal e
aos Municípios.

Por fim, cumpre destacar a competência residual da União Federal, prevista no


art. 154, I, onde a União poderá, mediante lei complementar, instituir os denominados
impostos previamente indeterminados29, desde que não sejam cumulativos e não gravem
as materialidades próprias dos impostos discriminados nos arts. 153, 155 e 156.

Significa dizer, por meio do art. 154, I, pode a União Federal, observadas as
formalidades previstas, criar imposto novo (competência residual), assim entendido o
imposto cuja materialidade não esteja prevista na Constituição.

28
CARVALHO, Paulo de Barros. “Curso…ob. cit.”,pp. 214/215.
29
.CARVALHO, Paulo de Barros. Curso…ob. cit.,p. 38.
O professor SACHA CALMON30 elencou os requisitos para o exercício da
competência residual da União, advertindo que o não atendimento destes pressupostos
implicaria em inconstitucionalidade do novo imposto criado:

“A) por veículo, a lei complementar;

B) o imposto novo há de ter natureza jurídica não-cumulativa (técnica de


incidência);

C) deve ter perfil diverso dos já existentes (fato gerador e base de cálculo).”

Portanto, no mesmo passo em que a Constituição agracia à União Federal com


uma competência residual, em nome da segurança jurídica, também restringe seu
exercício de maneira incisiva: (i) só pode ser instituído por lei complementar; (ii) não
pode repetir fato gerador ou base de cálculo de imposto já previsto; e (iii) não pode ser
cumulativo.

3. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar

Na esteira do ensinamento de Geraldo Ataliba, a matéria tributária fora


“objeto de extensa e carinhosa atenção do constituinte, moldada em função de uns
tantos princípios e valores aos quais foi ele sensível, formando, assim, um sistema
parcial, inserto no sistema constitucional total”.31

A referência do saudoso professor paulista é à Constituição de 1967, mas


aplica-se inteiramente à vigente Carta de 1988. De fato, a submissão do ordenamento
jurídico tributário às normas constitucionais ganha relevo em nosso sistema normativo
constitucional, tendo em vista que, ao contrário de outros países de tradição jurídica
romano-germânica, temos um verdadeiro Sistema Constitucional Tributário, ou seja, um
subsistema constitucional exclusivo e extenso no trato da matéria tributária. Trata-se do
que o professor Sacha Calmon chama de “constitucionalização do Direito Tributário
brasileiro”32. Neste subsistema constitucional, o Sistema Constitucional Tributário,

30
COELHO, Sacha Calmon Navarro. “Comentários…ob. cit.”, p. 474.
31
ATALIBA, Geraldo. Sistema Constitucional Tributário Brasileiro. São Paulo: RT, 1968, p. 04.
32
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. Sistema Tributário. 9ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2005, p. 03.
encontramos regras de competência tributária, regras e princípios limitadores do
exercício de imposição tributária e regras acerca da partilha do produto da arrecadação
dos tributos.

Para a nossa pesquisa, interessam-nos as regras e princípios limitadores


do exercício de imposição tributária, as chamadas “Limitações Constitucionais ao Poder
de Tributar”, e mais precisamente as regras sobre imunidades tributárias.

O exercício da competência tributária, como prerrogativa do Estado em


criar tributos por lei, encontra não apenas fundamento na Constituição, mas também
limitações. Como magistralmente observado por Ruy Barbosa Nogueira, “a imposição
tributária (como as demais manifestações de vontade do poder público), no Estado de
Direito, está, em primeiro plano, vinculada à Constituição.”33 Ora, ao contrário do que
ocorre nos Estados autoritários, no Estado de Direito a vontade estatal é restringida pela
lei lato sensu: primeiramente pela Constituição, e em segundo plano pela legislação
infraconstitucional.

Dentre as limitações impostas ao Estado pela Constituição, tanto no que


se refere à produção quanto à aplicação das leis tributárias, temos aquelas garantias
formais e materiais que consistem em verdadeiras “limitações ao poder de tributar”,
como o próprio princípio da legalidade, da anterioridade, da irretroatividade, da
capacidade contributiva, do não-confisco, etc.

Por meio destas garantias, a Constituição protege o cidadão tanto em


relação à previsão de leis tributárias arbitrárias quanto em relação a atos
administrativos arbitrários. As limitações constitucionais ao poder de tributar,
terminologia consagrada por Aliomar Baleeiro34, representam então um conjunto de
princípios e regras constitucionais que se apresentam como verdadeiras restrições ao
exercício da competência tributária, onde a Constituição busca resguardar valores por
ela reputados relevantes.

33
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Da interpretação e da aplicação das leis tributárias. São Paulo: José
Bushatsky, 1974, p. 12.
34
Cf. BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7ª ed., atualizada pela
professora Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2005. A 1ª edição é de 1951.
Esta expressão está consagrada como título da Seção II, do Capítulo I, do
Título VI da Constituição de 1988, e vem sendo assim utilizada desde a Constituição de
1967/1969 em homenagem a Aliomar Baleeiro.

As limitações constitucionais ao poder de tributar são representadas pelos


princípios constitucionais tributários e pelas imunidades tributárias, previstos nos arts.
150 a 152 da Constituição de 198835. Como dito, dentre as limitações constitucionais ao
poder de tributar, nos interessam as imunidades tributárias, das quais passaremos a
tratar a partir do capítulo seguinte. Não obstante, tratamos ainda neste capítulo dos
principais princípios constitucionais tributários, importantes limitações constitucionais
ao poder de tributar.

3.1. Os Princípios Constitucionais Tributários.

Princípio é espécie de norma jurídica, explícita ou implícita, que expressa


valores fundamentais que orientam a criação e interpretação da outra espécie de norma:
a regra. Os princípios se distinguem das regras por estarem mais próximos do ideal de
valor e de justiça.

É lição de Celso Antônio Bandeira de Mello que os princípios são


verdadeiros alicerces do sistema, dispositivos fundamentais que compõem o espírito das
normas jurídicas, servindo de critérios para a exata compreensão e inteligência destas.36

Por estas razões, o grande jurista afirma que a violação de um princípio é


muito mais grave do que a transgressão de uma mera regra, pois a afronta a um
princípio consiste em ofensa ao próprio sistema.

Os princípios devem ser entendidos como normas jurídicas portadoras de


valor expressivo e que estipulam limites objetivos de verificação pronta e imediata.

35
É importante advertir que a doutrina e a jurisprudência do STF admitem que estes limites não se
esgotam nestes dispositivos, havendo tanto outros limites em dispositivos constitucionais diversos como
até mesmo limites implícitos.
36
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1998, p. 71.
Também não pode restar dúvida que as normas constitucionais consistem
em normas jurídicas que guardam, como principal peculiaridade, a posição de
superioridade normativa dentro do ordenamento jurídico.

Ora, independente da classificação das normas constitucionais quanto à


sua efetividade, todas estas normas constitucionais, como normas jurídicas que são,
devem produzir efeitos de modo imperativo, podendo ser efetivadas coativamente se
necessário for.

Neste sentido, os princípios tributários, previstos na Constituição, i.e., os


princípios constitucionais tributários, são normas jurídicas que expressam valores
prestigiados pela sociedade, dotadas de imperatividade, que guardam posição de
hierarquia normativa e axiológica dentro de nosso sistema, e, por esta singela razão,
vinculam o legislador infraconstitucional tributário quando da criação das normas
jurídicas tributárias.

Os princípios constitucionais tributários são então afirmações dos direitos


fundamentais dos contribuintes, que exercem definitiva restrição ao exercício estatal
tributário.

Criar tributos, dentro de uma estrita observância destes princípios,


significa tributar com respeito aos direitos fundamentais dos contribuintes, fazendo
consagrar a justiça, a segurança jurídica e a liberdade, como valores fundamentais
amparados pela Constituição em respeito à vida humana.

Porém, criar tributos sem observar estes princípios constitucionais


tributários significa produzir leis viciadas de inconstitucionalidade, sem qualquer
fundamento constitucional de validade; é tributar em desrespeito a valores da vida em
sociedade que a Constituição quis privilegiar.

Em suma, como observado por Paulo de Barros Carvalho 37, a imposição


tributária, no Brasil, encontra-se sobre o influxo de muitos princípios constitucionais,
que se irradiam por toda a ordem jurídica, ativando e ao mesmo tempo tolhendo o
Estado nas relações com seus súditos. Desrespeitar estes princípios significa agir contra
a Constituição.

37
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 141.
Façamos agora uma leitura destes principais princípios constitucionais
tributários.

3.1.1. Princípio da Legalidade Tributária

O princípio da legalidade tributária está previsto no art. 150, I, da


Constituição de 1988:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao


contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Dentre os princípios constitucionais tributários, temos o princípio da


legalidade a consagrar a necessária segurança jurídica nas relações entre o Estado e os
contribuintes. O princípio da legalidade tributária consiste que nenhum tributo pode ser
criado, majorado, reduzido ou extinto sem que o seja por lei.

Como ensina o Mestre Hugo de Brito Machado38:

O princípio da legalidade pode ser entendido em dois sentidos,


a saber,

(a) o de que o tributo deve ser cobrado mediante o


consentimento daqueles que o pagam, e

(b) o de que o tributo deve ser cobrado segundo normas


objetivamente postas, de sorte a garantir plena segurança nas
relações entre o Fisco e os contribuintes.

E continua a lição:

O princípio da legalidade, outrossim, é a forma de preservação


da segurança, tem-se que o ser instituído em lei garante maior

38
MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 4ª ed.
São Paulo: Dialética, pp. 17/18. (itálico nosso)
grau de segurança nas relações jurídicas. O princípio da
legalidade, todavia, não quer dizer apenas que a relação de
tributação é jurídica. Quer dizer que essa relação, no que tem
de essencial, há de ser regulada em lei. Não em qualquer norma
jurídica, mas em lei, no seu sentido específico.

O Código Tributário Nacional, cumprindo seu papel definido no art. 146,


II da Constituição de 1988, assim expressou o conteúdo e alcance do princípio da
legalidade tributária:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o


disposto nos artigos 21. 26, 39, 57 e 65;

III - a definição do fato gerador da obrigação tributária


principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52,
e do seu sujeito passivo;

IV - a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo,


ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões


contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela
definidas;

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos


tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.”

Dessa forma, a atividade tributária está adstrita, por força deste princípio
constitucional, ao seu exercício mediante lei; lei que autorize e esgote a matéria
tributária, prescrevendo todos os elementos necessários para instaurar-se a relação
jurídico-tributária.
Por outro lado, é importante advertir que encontramos no §1º do art. 153,
não uma exceção propriamente dita, mas um abrandamento ao princípio da legalidade
tributária.

Este dispositivo constitucional autoriza ao Poder Executivo, via decreto,


alterar as alíquotas do II, IE, IPI e do IOF, porém, dentro das condições e limites
estipulados em lei. Portanto, mesmo nestes casos, a majoração, ou pode ser até mesmo
uma redução, dos impostos mencionados deverá ser levada a efeito observando a
imposição da lei.

3.1.2. Princípio da Irretroatividade Tributária

O princípio da irretroatividade tributária consta do art. 150, III, a, da


Constituição de 1988:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao


contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: (…)

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da


vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

O presente princípio impõe ao legislador que, ao criar o tributo, este


apenas alcance os fatos futuros, ou seja, aqueles fatos que irão ocorrer apenas após a
vigência da lei de imposição tributária.

Lei que busca fatos pretéritos à sua vigência, para fins de incidência
tributária, será inconstitucional, por ferir este princípio constitucional tributário.
3.1.3. Princípios da Anterioridade Geral e Nonagesimal

Os princípios da anterioridade geral e nonagesimal estão,


respectivamente, previstos nas alíneas b e c do inciso III do art. 150 da Constituição de
1988:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao


contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: (…)

III - cobrar tributos: (…)

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a


lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido


publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o
disposto na alínea b.

Por meio do princípio da anterioridade geral, a Constituição veda a


exigência de tributos no mesmo exercício financeiro da lei que os instituiu ou majorou,
justamente a fim de se preservar a estabilidade das relações jurídicas, evitando surpresas
desagradáveis aos contribuintes.

Instituído o tributo, ou até mesmo majorado, o contribuinte não será pego


de surpresa (princípio da não-surpresa), nem terá prejudicado seus negócios jurídicos
previamente acertados, se o princípio da anterioridade for respeitado. Sendo instituído o
tributo dentro de um determinado exercício financeiro, o contribuinte terá tempo
suficiente para se adequar à nova realidade, pois o tributo criado só poderá ser cobrado
no exercício seguinte.

Com a edição da Emenda Constitucional nº 42/2003, que introduziu a


alínea c ao inciso III do art. 150, foi instituída a anterioridade nonagesimal para os
tributos em geral, já que anteriormente era prevista apenas para as contribuições de
seguridade social.
Faz-se importante ressaltar que a nova norma constitucional exige a
observância simultânea das duas modalidades de anterioridade, tal como consta da parte
final da alínea c deste inciso III.

Por outro lado, o próprio Texto Constitucional, por razões algumas


justificáveis e outras não, afastou o dever de observar estes princípios em face de alguns
tributos.

As exceções estão previstas no §1º do art, 150:

Art. 150 – (...)

§ 1º. A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos


previstos nos artigos 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a
vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos
arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base
de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.

Diante de tais exceções constitucionalmente postas – e só mesmo a


Constituição poderia criar exceções aos princípios por ela mesma consagrados – as leis
que criarem ou majorarem estes tributos poderão ter eficácia desde a data de suas
respectivas publicações, se estas passarem a vigorar nestas datas.

O grande Mestre Ricardo Lobo Torres39, com inteira razão, explica que o
que levou o constituinte derivado a somar ao princípio da anterioridade geral a “nova”
anterioridade nonagesimal fora o reiterado abuso do legislador infraconstitucional, que
“não raro, modificava a legislação nos últimos dias do exercício, ferindo a segurança
jurídica do contribuinte.”

3.1.4. Princípio da Isonomia Tributária

A isonomia especificamente em matéria tributária está contida no art.


150, II, da Constituição de 1988:

39
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 114.
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: (…)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se


encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção
em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos,
títulos ou direitos;

Em matéria tributária, decididamente tributar todos de maneira igual


(igualdade em sentido mecânico) é consagrar a maior das desigualdades.

O dispositivo constitucional veda o legislador a tratar desigualmente os


contribuintes que se encontram em situações equivalentes, isto equivale a dizer que é
imperioso o tratamento desigual para contribuintes que se encontram em situações
diversas. É o único meio de consagrar a Justiça da Tributação, tratar igualmente os
iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades – leia-se em
matéria tributária: na medida suas capacidades de contribuir.

O princípio da capacidade contributiva, como veremos, consiste, além de


fundamento da tributação, em medida do princípio da igualdade, tendo em vista dever
se tributar mais quem revela maior capacidade contributiva, bem como tributar menos
aqueles menos capacitados para contribuir; porém, deve-se advertir que o princípio da
capacidade econômica não pode ser visto apenas como medida de igualdade, mas
também como proibição de excesso na tributação, sob pena de se abrir a possibilidade
de se justificar uma tributação excessiva apenas pelo fato desta não ser discriminatória.

Assim agindo, discriminando, o legislador não estará afrontando o


princípio constitucional da igualdade tributária, pois estará tratando desigualmente
situações diversas, portanto, muito pelo contrário, estará, na realidade, consagrando o
ideal de Justiça na tributação.

A tributação desigual, proporcional às desigualdades, representa o


verdadeiro conteúdo e alcance do princípio da igualdade, na medida de não ser
discriminatória a tributação proporcional à riqueza dos contribuintes. Fazer justiça
fiscal significa repartir proporcionalmente a carga tributária entre todos, conceder
tratamento tributário paritário observando as igualdades e desigualdades; impondo aos
iguais suportar carga igual; e aos desiguais suportar carga desigual na medida de suas
desigualdades, sendo vedado qualquer privilégio odioso.

3.1.5. Princípio da Capacidade Contributiva

Princípio que é a expressão maior de Justiça Tributária, a capacidade


contributiva está prevista no §1º do art. 145 da Constituição de 1988:

Art. 145. (…)

§ 1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e


serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos,
identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da
lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do
contribuinte.

O princípio da capacidade contributiva origina-se do ideal de justiça


distributiva. Neste sentido, a observância do princípio da capacidade contributiva
representa medida necessária a fim de se expressar os ideais de justiça e de igualdade
fiscal.

Todos devem contribuir para o funcionamento da máquina estatal, mas


devem contribuir segundo suas possibilidades econômicas, não podendo a tributação
servir de instrumento lesivo à sobrevivência digna dos indivíduos.

Embora previsto fora do art. 150, o princípio da capacidade contributiva


representa verdadeira limitação ao poder de tributar, na medida em que vincula o
legislador a observar a capacidade econômica dos contribuintes quando da imposição
dos tributos.
Não obstante a Constituição, em seu art. 145, § 1º, falar expressamente
em impostos, parece correto entender que a capacidade contributiva deve ser observada
a todos os tributos e não apenas aos impostos como meio de prevalecer a justiça fiscal.

Na realidade, a capacidade contributiva tanto serve de pressuposto para a


tributação, enquanto fundamento da mesma, quanto de limite, enquanto medida de
igualdade e de justiça.

Se determinada pessoa revela sinais de capacidade contributiva, temos


que esta está apta a suportar o peso da carga impositiva, por outro lado, esta mesma
capacidade contributiva limita este peso, não podendo este ser superior às condições da
pessoa segundo sua capacidade contributiva.

O princípio da capacidade contributiva se relaciona com o ideal de


igualdade tributária, porém, vai mais além, também representando critério norteador
para a tributação em um caso específico.

Não representa apenas parâmetro para tributações de situações


equivalentes, como ocorre com o princípio da igualdade tributária, mas também
representa indicativo individual da capacidade de suporte da carga tributária.

O legislador, observando a capacidade contributiva, não pode tributar a


parcela de renda necessária a cobrir os custos das necessidades básicas de determinado
indivíduo e de sua família. É a imunidade implícita de tributação do mínimo existencial.

3.1.6. Princípio da Proibição de Tributo com Efeito de Confisco

O princípio cujo conteúdo se mostra o mais indeterminado é o princípio da


vedação do confisco, de que trata o art. 150, VI, da Constituição de 1988:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao


contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: (…)

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;


Expondo a dificuldade da configuração deste princípio, diante da
problemática de definição do seu conteúdo, Paulo de Barros Carvalho 40, com muita
propriedade e lógica, sentenciou que “aquilo que para alguns tem efeitos confiscatórios,
para outros pode perfeitamente apresentar-se como forma lídima de exigência
tributária”

E prossegue:

Intrincado e embaraçoso, o objeto da regulação do referido art.


150, IV, da CF, acaba por oferecer unicamente um rumo
axiológico, tênue e confuso, cuja nota principal repousa na
simples advertência ao legislador dos tributos, no sentido de
comunicar-lhes que existe limite para a carga tributária.
Somente isso. 41

Algumas situações se mostram claramente confiscatórias, como o


imposto que absorva toda a renda do contribuinte, ou uma multa tributária42 que chegue
a 300% (trezentos por cento) do próprio tributo devido; mas nem sempre a tributação
confiscatória é assim fácil de identificar.

Com muita propriedade, Ricardo Lobo Torres43 aconselha o uso do


princípio da razoabilidade para fixação dos limites entre a tributação lícita e a
tributação confiscatória, diante da impossibilidade de fixação prévia dos limites.

Existem outros princípios constitucionais tributários importantes, cujas


análises extrapolam esta pesquisa. No próximo capítulo trataremos das imunidades
tributárias.

40
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. ob. cit.,p. 159.
41
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. ob. cit.,p. 160.
42
O STF entende que as multas tributárias estão sujeitas a estes princípios.
43
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. ob. cit., pp. 66/67.
3.2. Imunidades Tributárias

Como vimos, o poder de tributar é inteiramente regrado pela


Constituição, que impõe uma série de limites ao exercício deste poder.

No tópico anterior, estudamos os princípios constitucionais tributários


como limites ao poder de tributar. Neste, trataremos dos limites ao poder tributário que
interessam de perto ao nosso trabalho monográfico: as imunidades tributárias.

A Constituição, ao criar as imunidades tributárias, buscou privilegiar valores


por ela tidos como preciosos, não atribuindo competência tributária para os entes
políticos tributar certas situações ligadas a estes valores.

Neste sentido, Luciano Amaro44 observou que

“a técnica da imunidade, com a qual a Constituição


complementa o desenho do campo sobre o qual será exercitável
a competência tributária, mantém, portanto, fora do alcance do
poder de tributar certas pessoas, ou bens, ou serviços, ou
situações.”

Portanto, podemos desde já afirmar que, através das normas imunizantes,


a Constituição afasta um pleno exercício da competência tributária, determinando sua
própria inexistência em relação às situações por ela consideras imunes. Onde há regra
constitucional de imunidade, não há a competência tributária.

Nas normas constitucionais de distribuição da competência tributária


entre os entes políticos, a Constituição outorgou e distribuiu (discriminou) as
permissões para a instituição dos tributos; já nas normas imunizantes, há uma seleção de
situações que estão a salvo da tributação, a salvo do exercício da competência tributária.

A professora mineira Misabel Derzi, na sua honrosa tarefa de atualizar a


clássica obra de Aliomar Baleeiro, Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar,
afirmou ser

44
AMARO, Luciano. Imunidades Tributária, In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.) Imunidades
Tributárias. Caderno de Pesquisas Tributárias, Série IV. São Paulo: 1998, p. 145.
(...) a imunidade uma norma que estabelece a incompetência.
Ora, estabelecer incompetência é negar competência ou denegar
poder de instituir tributos, conjunto de normas que só adquire
sentido em contraste com outro conjunto que atribui ou concede
poder tributário. Conjunto só inteligível, se logicamente se
pressupõe um outro conjunto por ele reduzido ou delimitado: o
das normas atributivas de poder…45

Seguindo a lição da ilustre professora mineira, enquanto temos as regras


que conferem a competência tributária (normas constitucionais de distribuição de
competência), existem aquelas que negam sua existência em relações a situações
peculiares (normas constitucionais de imunidade).

Sendo a competência tributária a aptidão para editar as leis relativas à


criação do tributo, as normas constitucionais de imunidade são então normas
constitucionais que expressam a inaptidão de se editar leis tributárias que alcancem as
matérias eleitas.

Sendo então regra de incompetência tributária, a regra de imunidade


tributária só pode ser veiculada pela Constituição, pois é esta a fonte única da
distribuição das competências tributárias.

Por todo exposto, temos que a imunidade consiste em regra


constitucional negativa de competência tributária, regra que decreta a própria
incompetência tributária, dirigindo-se ao legislador ordinário e proibindo-o de editar leis
que instituem tributos em face das situações eleitas como imunes.

Por fim, cumpre lembrar que a Constituição, ao definir as situações sujeitas às


regras de imunidade, não objetiva privilegiar pessoas, entidades ou classes, mas
proteger ou promover valores por ela considerados relevantes.

Por exemplo, quando a Constituição estabelece a imunidade dos templos de


qualquer culto, não está pretendendo favorecer ao templo propriamente dito, mas a
assegurar a garantia constitucional da liberdade de culto.

45
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. ob. cit., p. 228. (nota de
atualização)
Para José Souto Maior Borges46, a imunidade objetiva “assegurar certos
princípios fundamentais ao regime, a incolumidade de valores éticos e culturais
consagrados pelo ordenamento constitucional positivo e que se pretende manter livres
das interferências ou pertubações da tributação.”

Aires Barreto47 percebeu bem esta questão:

…o exame das situações descritas pelo constituinte, no art. 150


da C.F., como imunes à tributação por via de impostos, revela
que essas situações representam valores privilegiados,
protegidos, consagrados pela ordem constitucional e, de
conseguinte, impõe a conclusão no sentido de que essas
imunidades constituem uma forma de assegurar, de garantir a
eficácia jurídica dos princípios constitucionais que consagram a
proteção a tais valores.

Portanto, não foi preocupação do constituinte favorecer


injustificadamente pessoas ou bens, mas consagrar os valores que a própria Constituição
considerou relevantes. É neste sentido, que Ricardo Lobo Torres48 fala da imunidade
como “limitação absoluta do poder tributário do Estado pelas liberdades preexistentes”,
da “impossibilidade de o Estado criar tributos sobre o exercício dos direitos da
liberdade” e de “decretar impostos sobre bens ou coisas indispensáveis à manifestação
da liberdade”.

Como dito, não há que se falar em imunidade sem que haja previsão
constitucional expressa ou implícita; a Constituição, com efeito, é a única fonte das
imunidades em nosso ordenamento jurídico. E é no art. 150, VI, da Constituição de
1988, que encontramos as principais imunidades estabelecidas em nosso sistema
tributário, sendo necessário destacar que este dispositivo não esgota o rol de
imunidades.

46
BORGES, José Souto Maior. Teoria Geral da Isenção Tributária. Ed. Malheiros, p. 221.
47
BARRETO, Aires Fernandino. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de
Tributar. 2ªed. São Paulo: Dialética, 2001, p. 34.
48
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume III. Os
Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 51
O art. 150, VI, ora em comento, refere-se exclusivamente aos impostos,
havendo imunidade de outros tributos em outros dispositivos do Texto Constitucional.
A redação deste dispositivo constitucional não deixa dúvida quanto ao objetivo do
constituinte ao instituir as imunidades: proteger pessoas, fatos, bens que representam
valores constitucionalmente relevantes.

Devemos analisar cada imunidade separadamente.

3.2.1. Imunidade Recíproca

Prevista no art. 150, VI, a, da Constituição, a chamada imunidade recíproca é


uma decorrência necessária do princípio federativo49 e da isonomia entre os entes
políticos. O presente dispositivo proíbe a tributação do patrimônio, da renda e dos
serviços de determinada pessoa política pelas demais, ou seja, (i) do patrimônio, da
renda e dos serviços da União pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, (ii) do
patrimônio, da renda e dos serviços dos Estados e do Distrito Federal pela União e pelos
Municípios, e (iii) do patrimônio, da renda e dos serviços dos Municípios pela União e
pelos Estados e Distrito Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é


vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

Questão interessante, que ganhou repercussão em nossos Tribunais desde


a vigência das constituições anteriores que também a previam, foi relativa ao alcance
dos termos “patrimônio, rendas e serviços” no que se refere ao exato sentido da
imunidade. Estaria o constituinte, tanto o atual como os pretéritos – já que o presente
texto vem se repetindo –, fazendo referência à imunidade somente em relação aos
impostos que recaem sobre estas grandezas (IPTU, ITR, IPVA, IR e ISS)?

.“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
49

do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…)”
Em sua brilhante atuação como ministro do Supremo Tribunal Federal,
Aliomar Baleeiro conduziu entendimento fazendo prevalecer seu entendimento
favorável à uma interpretação extensiva do preceito constitucional, consubstanciada na
amplitude da imunidade em relação aos outros impostos50.

Cumpre destacar que esta posição permanece vigente em nossos


Tribunais, inclusive no Supremo Tribunal Federal que, recentemente, por meio de sua 2ª
Turma, afastou a exigência do IOF sobre as atividades dos Municípios sob o
entendimento de incidir in casu a imunidade da alínea a do inciso VI do art. 150.51

O §2º do art. 15052 estende a imunidade recíproca ao patrimônio, renda e


serviço das autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público, mas, ressalvando que
o patrimônio, a renda e o serviço devem estar vinculados à finalidade das mesmas. É o
entendimento do Supremo Tribunal Federal:

DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA JURÍDICA.


IMUNIDADE. ART. 150, VI, a, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
EXTENSÃO ÀS AUTARQUIAS. PRECEDENTES. 1. O Supremo Tribunal
Federal entende que a imunidade tributária recíproca dos entes políticos,
prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Republicana, é extensiva às
autarquias, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços
vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. 2. Agravo
regimental a que se nega provimento.53

3.2.2. Imunidade dos Templos de Qualquer Culto.

50
BARRETO, Aires Fernandino. Imunidades…ob.cit., p. 35.
51
. STF - 2ª T., AGRAG 192.888, Rel. Min. Carlos Vellsoso, DJ 11.10.96; No mesmo sentido: STF - 1ª
T., RE 221.395/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 12/05/2000; STF - 1ª T., Rel. Min. Ilmar Galvão, RE
257.700/MG, DJU 29/09/2000.
52
.“Art. 150. (…)
§ 2º. A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder
Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais
ou às leis decorrentes.”
53
STF – 2ª T., RE 475.268 AgR, Rel.(a): Min. Ellen Gracie, DJ 15-03-2011
Prevista no art. 150, VI, b, da Constituição, a presente imunidade
objetiva assegurar a liberdade de crença e da prática de cultos religiosos como valores
consagrados expressamente por nossa Constituição54:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é


vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)

VI - instituir impostos sobre: (…)

b) templos de qualquer culto;

Proibindo a instituição de impostos sobre os templos de qualquer culto, a


Constituição confere maior garantia a esse direito fundamental, impedindo a existência
de obstáculos de ordem econômico-financeira.55 Fazendo prevalecer esta diretriz,
cumpre destacar que a imunidade prevista não alcança o templo enquanto imóvel
propriamente dito, mas sim, a entidade de caráter religioso que mantém o templo.

Por outro lado, também fazendo prevalecer que a imunidade objetiva


garantir o valor liberdade de crença, a entidade religiosa será beneficiada pela
imunidade no que se refere ao seu patrimônio, sua renda e seus serviços desde que
ligados às finalidades de cunho religioso. No momento em que estas instituições
praticam operações que em nada coadunam com o valor constitucionalmente
consagrado, não restará justificada a proteção constitucional, não podendo, então, serem
consideradas imunes. Assim vêm se manifestando nosso Supremo Tribunal Federal:

1. Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos


de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o
patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades
essenciais das entidades. Artigo 150, VI, "b" e § 4º, da
Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de
sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade
prevista no art. 150, VI, "b", CF, deve abranger não somente os
prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a

54
.“Art. 5º. (…)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos
religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”
55
.BARRETO, Aires Fernandino. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de
Tributar. ob.cit., p. 61.
renda e os serviços "relacionados com as finalidades essenciais
das entidades nelas mencionadas". 5. O § 4º do dispositivo
constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas "b" e "c"
do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação
entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso
extraordinário provido.56

3.2.3. Imunidade do Patrimônio, Renda ou Serviços de Partidos Políticos e suas


Fundações, das Entidades Sindicais dos Trabalhadores e das Instituições de Educação e
de Assistência Social, Sem Finalidade Lucrativa.

O art. 150, VI, c, da Constituição de 1988, trata de imunidade da espécie


condicionada, pois esta só terá efetividade se forem atendidos certos requisitos. Refere-
se à imunidade do patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos e suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores e das instituições de educação e de assistência
social, sem finalidade lucrativa:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é


vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI
- instituir impostos sobre: (…)

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas


fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de
educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os
requisitos da lei;

A própria Constituição cria a restrição ao gozo da imunidade do


patrimônio, da renda e dos serviços pelos partidos políticos e suas fundações, pelas
entidades sindicais dos trabalhadores e pelas entidades de educação e assistência social:
estas pessoas não podem ter fins lucrativos e, para tanto, ainda deverão observar certos
requisitos a serem enumerados pelo legislador infraconstitucional.

56
STF – Pleno, RE 325.822, Rel. Min. Ilmar Galvão, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes, DJ 14-
05-2004
A previsão da imunidade aqui objetivou consagrar o exercício da
liberdade política57, da liberdade sindical58 e incentivar e possibilitar que a iniciativa
privada ajude o Estado com suas funções sociais constitucionalmente instituídas.59 Por
outro lado, não pode a Constituição possibilitar que estas entidades e instituições gozem
da imunidade prevista se as mesmas não existem para cumprir com suas finalidades
constitucionalmente protegidas.

Se algum partido político ou entidade sindical visar fins lucrativos, assim


entendido como a finalidade de distribuição dos resultados (positivos) entre seus
membros, estará se afastando dos valores que a Constituição protege e, na realidade,
existirão em função de interesses pessoais e não de interesses difusos. Daí a razão da
obrigatoriedade de serem sem fins lucrativos, caso contrário, não estaria sendo
concedida uma imunidade, mas um privilégio odioso.

Aires Barreto60 assim de manifestou:

Não basta ser partido político, não é qualquer entidade sindical,


não é suficiente ser instituição de educação ou de assistência
social. É inafastável que se tenha entidades ou instituições sem
fins lucrativos, para que se possa cogitar de imunidade.

Na mesma linha de raciocínio situa-se Roque Carrazza61:

Para evitar dúvidas, esclarecemos, desde já, que os requisitos


da lei ali referida devem ser observados não só pelas
instituições de educação e assistenciais, senão, também, pelos
partidos políticos e suas fundações e pelas entidades sindicais
dos trabalhadores.

57
.“Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a
soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa
humana e observados os seguintes preceitos: (…)”
58
.“Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…)”
59
.“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição
à seguridade social, e tem por objetivos: (…)
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
60
.BARRETO, Aires Fernandino. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de
Tributar, p. 16/17.
61
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 13ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 621.
Porém, a questão a se saber é: O que seria uma entidade sem fins lucrativos? E
mais: qual seria a lei competente para enumerar os requisitos a serem atendidos para o
gozo da imunidade? E que requisitos são estes? E por fim: poderia outra lei ampliar o
rol de restrições ao gozo da imunidade?

Instituição sem fins lucrativos não é aquela que existe para ter prejuízos
ou saldo de caixa zero. O não ter fins lucrativos não significa que a entidade não possa
buscar resultados positivos, ter superávits, muito pelo contrário, para se manter e
cumprir melhor seu papel, deve a entidade sempre buscar melhores rendimentos em
termos financeiros. Neste mesmo sentido, também não significa que as entidades
estejam proibidas de cobrar por seus serviços ou produtos.

Seria ilógico a Constituição procurar preservar estas entidades através da


exoneração de impostos e, ao mesmo tempo, impedir que estas tenham uma vida
financeira saudável. Ora, se assim fosse, a própria Constituição estaria impedindo estas
entidades de cumprirem seu papel, pois estaria tornando insustentável a sobrevivência
das mesmas.

Portanto, entidade sem fins lucrativos, a que se refere a Carta Maior, é


aquela em que não ocorre a distribuição de seu patrimônio ou de suas rendas entre seus
fundadores, mantenedores, associados, etc. Não pode a entidade, a fim de se configurar
sem finalidade lucrativa, servir de meios para seus diretores obterem lucro. Não é a
entidade que não pode obter lucro, mas as pessoas físicas ou jurídicas que a dirigem ou
mantêm.

Pois bem, respondendo a segunda indagação feita: a lei complementar é o


veículo competente para introduzir as normas jurídicas reguladoras dos requisitos
necessários para o gozo da imunidade. O art. 146, II, da Carta Maior, consiste em regra
de estrutura que determina competir à lei complementar regular as limitações ao poder
de tributar. Ora, segundo o art. 150, VI da Constituição de 1988, a imunidade tributária
representa limitação ao poder de tributar; portanto, cabe à lei complementar regular os
requisitos para o gozo da imunidade (como limitação ao poder de tributar que é)
prevista no art. 150, VI, c, da Carta Maior.

A presente atribuição se justifica por ser a lei complementar uma lei de


caráter nacional. Seria ilógico imaginar cada ente político editando sua lei ordinária
própria para regular as limitações ao poder de tributar. Ainda mais, o rol de restrições
seria absurdo, pois, como destinatário das limitações, cada ente político, com fins
arrecadatórios, trataria de obstaculizar o exercício da imunidade pelos favorecidos.

Quanto à outra questão, a de se saber quais são os requisitos, a resposta


reside em desvendar-se outra questão: já existe esta lei complementar? A resposta é
óbvia: existe e é o Código Tributário Nacional, recepcionado pela Constituição de 1988
como lei de status complementar. Do art. 9º ao 14 encontramos a regulação das
limitações constitucionais ao poder de tributar, sendo que, especificamente no inciso IV
do art. 9º temos a regulação da imunidade de que trata o art. 150, VI da Constituição de
1988.

Respondendo a última indagação, só outra lei complementar pode alterar


os requisitos do Código Tributário Nacional ou acrescentar outros, mas, desde que não
inviabilize a possibilidade de fruição da imunidade. Neste mesmo sentido, não cabe a lei
ordinária ampliar os requisitos, pois não compete a ela a regulação das limitações ao
poder de tributar, apenas lhe sendo possível reproduzir os requisitos previstos no
Código Tributário Nacional.

3.2.4. Imunidade dos Livros, Jornais, Periódicos E Do Papel Destinado A Sua


Impressão.

A imunidade dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua


impressão é a que nos interessa mais de perto para nosso trabalho monográfico. O
presente dispositivo visa garantir o princípio da liberdade de manifestação do
pensamento e da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
62
comunicação. Resta claro então que a Constituição, em seu art. 150, VI, d, ao
imunizar livros, jornais, periódicos e o próprio papel destinado à confecção dos
mesmos, procurou facilitar e estimular a cultura, os meios de comunicação, etc.:

62
.“Art. 5º. (…)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; (…) IX - é livre a expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios: (…)

VI - instituir impostos sobre: (…)

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua


impressão.

Como vem percebendo o Supremo Tribunal Federal, esta espécie de imunidade


destina-se “a conferir efetividade e atribuir concreção” aos direitos e garantias
fundamentais como a “liberdade de informar, a liberdade de acesso à cultura e o direito
do cidadão de ser informado”, ou seja, a presente imunidade se apresenta como
essencial ao próprio desenvolvimento da democracia e da cidadania participativa e
reivindicatória.

A questão de maior destaque é saber do alcance normativo desta regra de


imunidade, e a definição interpretativa deste alcance guarda relação mais do que íntima
com a compreensão da função política que essa imunidade cumpre em favor da
democracia e da cidadania. As questões de fundo envolvidas nesta controvérsia acerca
do alcance do art. 150, VI, d, da Constituição é muito bem percebida pelo Ministro
Celso de Mello:

A controvérsia constitucional suscitada na presente causa põe


em evidência discussão em torno da abrangência normativa da
imunidade tributária a que se refere o art. 150, VI, “d”, da
Constituição da República.

É preciso ter presente, na análise do tema em exame, que a


garantia da imunidade estabelecida pela Constituição, em favor
dos livros, dos jornais, dos periódicos e do papel destinado à
sua impressão (CF, art. 150, VI, “d”), reveste-se de
significativa importância de ordem político-jurídica,
destinada a preservar e a viabilizar o próprio exercício das
liberdades de manifestação do pensamento, de acesso à cultura
e de informação jornalística, valores em função dos quais essa
prerrogativa de índole constitucional foi prevista, instituída e
assegurada.

Não se pode desconhecer, nesse contexto, que as imunidades


tributárias de natureza política destinam-se a conferir
efetividade e a atribuir concreção a determinados direitos e
garantias fundamentais reconhecidos e assegurados às pessoas
e às instituições. Constituem, por isso mesmo, expressões que
traduzem significativas garantias de ordem instrumental,
vocacionadas, na especificidade dos fins a que se dirigem, a
proteger o exercício da liberdade de expressão intelectual e da
liberdade de informação.

O instituto da imunidade tributária não constitui um fim em si


mesmo. Antes, representa um poderoso fator de contenção do
arbítrio do Estado, na medida em que esse postulado
fundamental, ao inibir, constitucionalmente, o Poder Público no
exercício de sua competência impositiva, impedindo-lhe a
prática de eventuais excessos, prestigia, favorece e tutela o
espaço em que florescem aquelas liberdades públicas.63

63
STF – 2ª T., AC 2.559-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 21/06/2010.

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