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CÂNDIDO RANGEL

DINAMARCO

CAPÍTULOS DE
SENTENÇA
3- edição
Cândido Rangel Dinamarca

CAPÍTULOS
DE SENTENÇA

3^ edição

El^MALHEIROS
sVsEDITORES
CAPÍTULOS DE SENTENÇA
© Cândido Rangel Dinamarco

7" edição, 1" tiragem, 09.2002; 2" tiragem, 08.2004;


2" edição, 03.2006.

ISBN 978-85-7420-836-7

Direitos reservados desta edição por


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Composição
PC Editorial Ltda.

Capa
Criação: Vânia Lúcia Amato
Arte: PC Editorial Ltda.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
01.2008
SUMÁRIO

Capítulo l-PREMISSAS METODOLÓGICAS E CONCEITO AIS


1. o tema, as teorias, a utilidade
2. sede sistemática adequada: a teoria da sentença
3. áreas de relevância
4. a estrutura formal e o conteúdo substancial das sentenças
5. as diversas teorias

6. unidades autônomas e independentes: Chiovenda


7. unidades do decisório, não necessariamente autônomas em
sentido absoluto: Liebman

8. decisões de questões: Carnelutti


9. teorias relativistas
10. processualistas brasileiros
CAPÍTULO II - OS CAPÍTULOS DE SENTENÇA NA TEORIA DESTA
11. conceito de capítulo de sentença no direito positivo brasileiro.
12. por uma teoria pura dos capítulos de sentença
13. capítulos de mérito e capítulos de eficácia exclusivamente
processual
14. os dois significados da autonomia dos capítulos de sentença ...
15. capítulos independentes, dependentes e condicionantes
16. capítulos resultantes de uma cisão quantitativa
17. capítulos das decisões interlocutórias e de outros
pronunciamentos judiciais
CAPÍTULO III - CAPÍTULOS DE MÉRITO
18. o objeto do processo e seu valor sistemático no processo de
conhecimento
19. a pretensão de mérito e a pretensão ao julgamento do mérito...
6 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

20. sobre o mérito e o objeto do processo 52


21. objeto do processo, pretensões, crises jurídicas 53
22. o árduo problema do conceito de pretensão na teoria do objeto
do processo 54
23. o mérito e o objeto do processo 59
24. os capítulos de mérito e o objeto do processo 63
25. objeto composto: cúmulos presentes na demanda inicial 64
26. objeto composto: cúmulos ulteriorcs 67
27. litisconsórcio 69
28. objeto simples decomponível 70
29. a decomposição do provimento pedido ou cisão jurídica do
pedido 74
30. an debeatur e quantum debeatur 75
31. eficácias convergentes ou divergentes - sucumbências 75
32. correlação entre o demandado e o decidido 77

CAPÍTULO IV- CAPÍTULOS HETEROGÊNEOS (MÉRITO E


PRELIMINARES)
33. ainda a estrutura bifronte da demanda 79
34. capítulo ou capítulos de efeitos exclusivamente processuais .... 79
35. capítulos heterogêneos (processuais e de mérito) 80
CAPÍTULO V - REPERCUSSÕES NA TEORIA DA SENTENÇA
36. na própria teoria da sentença 81
37. eficácia dos diversos capítulos 82
38. nulidades parciais da sentença 84
39. sentenças ultra vel extra petita 87
40. sentenças citra petita 89

Capítulo VI - REPERCUSSÕES NA ATRIBUIÇÃO DO CUSTO


DO PROCESSO
41. ainda no âmbito da sentença 92
42. sucumbência parcial, ou recíproca (entre autor e réu) 93
43. em caso de pluralidade de partes 94

CAPÍTULO VII - REPERCUSSÕES NA TEORIA DOS RECURSOS


44. visão geral e temas fundamentais 96
45. recurso integral e recurso parcial 98
46. recurso parcial por força de lei (capítulos recorríveis e
capítulos irrecorríveis) 100
47. recorribilidade parcial (interesse c legitimidade) 102
48. recurso parcial: devolução limitada 105
SUMARIO

49. devolução além dos capítulos impugnados: sentença


terminativa
50. devolução além dos capítulos impugnados: capítulos
heterogêneos
51. devolução além dos capítulos impugnados: capítulos
dependentes
52. recurso parcial, recurso adesivo e reformatio in pejus
53. uma só sentença, um só recurso
54. diferentes regimes quanto aos efeitos da interposição dos

55. efeitos do julgamento dos recursos


56. recebimento parcial e agravo
57. prazos e trânsito em julgado
58. ação rescisória: alguns temas e soluções comuns aos recursos
59. capítulos de sentença e devolução oficial

Capítulo VIII - REPERCUSSÕES NO CUMPRIMENTO


DE SENTENÇA, NA EXECUÇÃO FORÇADA E
NA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
60. aspectos gerais
61. capítulo liqüido e capítulo ilíqüido
62. diversas espécies de liqüidação de sentença
63. diversos modos de cumprimento da sentença
64. execução definitiva e execução provisória
65. embargos parciais

bibliografia 133
CAPÍTULO I
PREMISSAS METODOLÓGICAS
E CONCEITUAIS

1. o lema, as teorias, a utilidade - 2. sede sistem<1tica adequada: a teoria da sen


tença - 3. áreas de relevância - 4. a estrutura formal e o conteúdo substancial
das sentenças - 5. as diversas teorias - 6, unidades autônomas e independentes:
Chiovenda - 7. unidades do decisório, não necessariamente autônomas em sen
tido absoluto: Liebman - 8. decisões de questões: Carnclutti - 9. teorias relati-
vistas- 10. processualistas brasileiros

/. O tema, as teorias, a utilidade

Muito dificilmente uma sentença contém o julgamento de uma


só pretensão, ou seja, uma só decisão. Basta pensar na condena
ção do vencido pelo custo financeiro do processo (despesas, ho
norários da siiciimbência), a qual se resolve em um preceito,
contido no dispositivo da sentença, que não se confunde com o
julgamento do conflito que motivou o demandante a valer-se dos
serviços do Poder Judiciário; no mesmo ato, o juiz julga a causa
e também dispõe sobre o modo como se regerá a responsabili
dade por esse custo, ainda quando o faça para dispensar o ven
cido de arcar com ele. São também corriqueiros os casos de cú
mulo de pedidos, em que a parte final da sentença cinde-se em
duas ou mais disposições, cada uma distinta da outra e destina
da ao julgamento de uma das pretensões cumuladas; o mesmo
se dá em caso de reconvenção, denunciação da lide, chamamen
to ao processo, ação declaratória incidental etc. Sucede também
10 CAPÍTULOS DK SENTENÇA

que muitas vezes o próprio objeto do processo é caracterizado


por uma pretensão decomponível {infra, n. 28), de modo que na
procedência parcial da demanda do autor reside o acolhimento
de uma parte de sua pretensão e rejeição de outra.

Se peço reintegração de posse em ciinuilo com indenização, o


dispositivo da sentença que julgar o mérito deverá conter um pre
ceito referente a cada um desses pedidos, ou seja. dois capítulos
de sentença - um julgando a posses.sória e outro, a indenizatória.
Se peço 100 e a sentença me concede 8(1, isso significa que o juiz
acolheu minha pretensão a obter 80 e julgou improcedente a pre
tensão a obter t)s outros 20 (decompôs, portanto, um pedido que
formalmente era uno). No primeiro caso já a demanda vinha co
locada em capítulos (cúmulo de pedidos) e no segundo, não. Mes
mo assim, uma singela i>peração mental de alistração conduz à
claríssima percepção de que nos dois casos o julgado continha
capítulos.

Além disso, não são raros os casos em que no corpo da sen


tença de mérito o juiz repele preliminares deduzidas com o ob
jetivo de obstar ao julgamento do mérito - e com isso está deci
dindo de modo explícito sobre a pretensão do autor ao próprio
julgamento de mcritis e não apenas sobre o meritinn caiisíc. Em
hipóteses assim, é imperioso e muito útil reconhecer que ao me
nos dois capítulos essa .sentença contém, a saber, (a) o que dis
põe sobre o destino do processo, reconhecendo a admissibilida
de do julgamento do mérito e (b) o que julga o mérito.

Obviamente, se a preliminar for acolhida e o processo extinto


sem julgamento do mérito, incxistirá o capítulo de julgamento
deste. Mais ainda: nada incomum é a convivência, cm uma sen
tença .só, de dois ou mais fiindameutos pelos quais se admite ou
nega o julgamento do mérito, ou se acolhe ou rejeita a pretensão
substancial do autor. Pense-se na procedência da demanda de
anulação de contrato, pelo duplo fundamento da existência de
dolo e de erro, alegados pelo autor; ou na sentença que acolhe
um desses fundamentos e rejeita o outro, ou que rejeita ambos.
Pensar ainda na improcedência porque os fatos constitutivos in
vocados pelo autor não estão prox ados e também porque a norma
jurídica invocada não tem o significado que ele alega, não dando
PREMISSAS METODOLÓGICAS E CONCEITUAIS I I

portanto amparo a sua pretensão. Em todos esses casos, a duali


dade ou pluralidade de fundamentos pode gerar conseqüências
relevantes na ordem processual. Como se verá, porém, a teoria
dos capítulos de sentença constrói-se sobre a dualidade ou plura
lidade de preceitos concretos contidos no decisório da sentença e
não sobre a dualidade ou pluralidade de seus fundamentos, por
que lá reside sua grande utilidade sistemática e prática, e não aqui
{infra, n. 11).

Surge, nas situações indicadas, o interesse em cindir ideolo


gicamente a sentença, isolando as partes mais ou menos autô
nomas de que ela se compõe e buscando-se por esse meio crité
rios válidos para a solução de uma variadíssima série de ques
tões processuais. O tema dos capítulos de sentença é inerente à
teoria desta e pertence exclusivamente a ela, não à de cada um
dos institutos sobre os quais exerce influência; para bem com
preendê-lo, todavia, é indispensável examinar as projeções úteis
da identificação dos capítulos e, com isso, penetrar no estudo
desses institutos (sabendo-se que a disciplina dos recursos é o
campo mais fértil para a aplicação dessa teoria). E, como não só
a sentença comporta as decomposições inerentes à teoria dos
capítulos, o estudo do tema expande-se a outros pronunciamen
tos judiciais, como as decisões interlocutórias e os acórdãos em
geral. Por outro lado, o próprio tema dos capítulos de sentença
recebe muita influência da teoria do objeto do processo, uma
vez que sua manifestação mais límpida e indiscutível é exatamen
te a que decorre da presença de mais de um pedido a ser julgado,
ou seja, de um objeto do processo composto (cúmulo de pedidos,
reconvenção, denunciação da lide etc. - infra, nn. 25-26).
Essa é a complexa área sobre a qual se desenvolve o presente
estudo. A primeira questão a resolver é a da dimensão do pró
prio conceito de capítulo de sentença, sendo indispensável to
mar posição em face das teorias mais ampliativas ou das mais
restritivas do instituto, que têm surgido ao longo da história des
se elegantíssimo tema.

O emprego da locução capífiilos autônomos, presente na obra


clássica de Liebman, insinua a opção por uma dessas posições.
12 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

uma vez que só são realmente autônomas as decisões sobre cada


uma das pretensões substanciais que bem poderiam ter sido pro
postas separadamente (mas, sobre o verdadeiro significado da
posição do Mestre, v. infra, n. 7).

Nos tópicos a seguir principia-se a análise das diversas ten


dências que se vêm manifestando em doutrina, sabendo-se que
são muitos os critérios propostos para a cisão da sentença em
partes, ou capítulos, em vista da utilidade que o estudioso tenha
em mente. E lícito: a) fazer somente a repartição dos preceitos
contidos no decisório, referentes às diversas pretensões que
compõem o mérito', b) separar, sempre no âmbito do decisório
sentenciai, capítulos referentes aos pressupostos de admissibili
dade do julgamento do mérito e capítulos que contêm esse pró
prio julgamento; c) isolar capítulos segundo os diversos funda
mentos da decisão. Cada um desses cortes ideológicos terá sua
utilidade específica para a solução de questões como a das nuli-
dades sentenciais, a da medida do interesse em recorrer, a da
dimensão horizontal da devolução operada pelo recurso inter
posto (CPC, art. 515, caput), a do efeito suspensivo (que pode
incidir sobre um dos capítulos sem que incida sobre todos), a
dos limites da coisa julgada, a das espécies de execução perti
nentes etc.

Nesse quadro assim plástico, uma tomada de posição quanto


à dimensão do tema dos capítulos de sentença e mesmo quanto
ao conceito destes dependerá sempre da utilidade que esteja a
mover o interesse do observador. O Código de Processo Civil
não contém disposições capazes de oferecer uma disciplina sis
temática das sentenças, acórdãos ou decisões suscetíveis de es-
candir-se em capítulos. Fala apenas em parte da sentença, ao
autorizar a instauração simultânea da execução de sua parte li
qüida e da liquidação da parte ilíqüida (art. 475-1, § 2^); manda
também que só em parte fique sem efeito a execução provisória,
em caso dc anulação parcial da sentença (art. 475-0, § P^); em
outro dispositivo disciplina a interposição de recurso extraordi
nário ou especial na hipótese de acórdão contendo uma parte
PREMISSAS METODOLÓGICAS E CONCEITUAIS

suscetível e outra insuscetível de embargos infringentes (art.


498, caput e par.).

Capítulo de sentença, locução já em alguma medida integrada


ao vocabulário do processualista brasileiro, é tradução da fórmu
la italiana capo di sentenza. Trata-se das partes em que a senten
ça comporta uma decomposição útil, sendo indiferente para os
italianos o emprego dos vocábulos parte o capo - com a ressalva
de que este último figura ali no significado de chefe,^ tanto quan
to na locução francesa equivalente, chef de jugement (ou chef
de décision). Os italianos empenham-se na busca do conceito
dos capí di sentenza, na interpretação de dispositivos de seu Có
digo, onde se fala em partes desta (c.p.c., arts. 329 e 336). O Códi
go de Processo Civil brasileiro só en passant fala em partes da
sentença, quando, na disciplina da execução provisória, alude à
sentença "modificada ou anulada apenas em parte" (art. 475-0,
§ 1°).

2. sede sistemática adequada: a teoria da sentença

À primeira vista bastante simples e até intuitiva, é no entanto


de grande complexidade a doutrina dos capítulos da sentença -
seja em razão das vacilações conceituais inerentes à determina
ção do que se entende por capítulo mesmo, seja pelas dificulda
des que surgem no momento de utilizar o conceito de modo útil
c coerente. O tema ainda é muito pouco versado e teorizado e à
prática dos tribunais brasileiros ainda não chegou a plena cons
ciência de sua relevância. A própria existência dessa problemá
tica não se revela conhecida de todos. Até há poucos anos, pou
cos estudiosos se dispuseram a examiná-lo em sua inteireza,
ocupando-se alguns deles apenas das projeções da divisão das
sentenças em capítulos ao discorrerem sobre outros institutos,
especialmente sobre aspectos do direito recursal.
Não-obstante sua visível e preponderante utilidade na disci
plina dos recursos, contudo, o tema dos capítulos dc sentença e

1. Literalmente, o vocábulo italiano capo quer dizer cabeça ou, por exten
são, chefe.
14 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

a fixação do conceito destes pertencem sistematicamente à teo


ria da sentença, resolvendo-se em um estudo analítico do ato
judicial. Trata-se em primeiro lugar de isolar os diversos com
ponentes estruturais necessariamente presentes em uma senten
ça válida (relatório, motivação, decisão: v. art. 458 CPC) e, de
pois, de situar os capítulos desta em uma ou mais dessas partes,
conceituando-os segundo a posição assumida. Só em um segun
do momento lógico têm lugar as investigações acerca da rele
vância que a divisão da sentença em capítulos terá na disciplina
dos recursos e de outros institutos processuais.-

Nem por isso seria lícito desconsiderar as projeções que o


tema lança sobre outras áreas da ciência processual. De pouco ou
nada serviria observar os capítulos de sentença em um plano es
tático e em sua sede conceituai adequada, se isso nào fosse feito
em vista da utilidade que a identificação dessas unidades senten
ciais pudesse ter no sistema processual como um todo. Assim é
que, embora afirmando-se vigorosamente a teoria da sentença
como legítima sede conceituai do tema, mostra-se indispensável
a consciência de suas áreas de relevância, ou seja, dos institutos
processuais que de algum modo recebem influência da divisão
da sentença em capítulos.

3. áreas de relevância

O papel importantíssimo que a teoria dos capítulos de senten


ça desempenha para a solução de muitos e importantes pontos
referentes à teoria dos recursos abre caminho para um desvio de
perspectiva que, além de subtrair o tema a sua sede natural, tem
levado a doutrina a desconsiderar a influência que eles podem
exercer também sobre outras áreas do direito processual. Mui
tos dos estudos conhecidos sobre o tema limitam-se a examinar
as conseqüências da divisão da sentença sobre a teoria dos re-

2. Cfr. Liebman, "Parte o 'capo' di sentenza", n. 1, esp. p. 48. Impressiona


do pela repetição com que a referência aos capítulos de sentença surge nos es
tudos sobre os recursos, cuidou o Mestre de esclarecer que não é à teoria destes
que o tema pertence, mas não se pôs a examinar as demais projeções.
PREMISSAS METODOLÓGICAS E CONCEITUAIS 15

cursos - especialmente quando examinam os limites destes, o


tema da reformatio in pejus e o do recurso adesivo - sem se em
penharem na determinação de outras áreas de influência. Mas,
como a seu tempo se exporá em pormenor, a consciência dos
capítulos de sentença exerce influência também sobre os temas
(a) da nu 1 idade parcial da sentença (art. 248), (b) do custo fi
nanceiro do processo (despesas, honorários de perito e de advo
gado etc. - CPC, esp. art. 21), (c), da ação rescisória, (d) do
cumprimento da sentença e da execução por título judicial, (e)
da liqüidação de sentença e outros. Quem optasse por escandir
também a motivação da sentença, isolando os diversos funda
mentos de que ela se compõe, dessa operação poderia tirar al
gum proveito para o fim de, ainda que indiretamente, delimitar
a área de admissibilidade do recurso especial ou do extraordiná
rio (mas V. infra, n. 11). Feitos esses descontos, a insistência
com que o tema dos capítulos de sentença costuma ser versado
em estudos sobre temas recursais é explicada pela intensíssima
influência que ela exerce nessa área, constituindo-se em critério
para a solução de inúmeros problemas.
Mesmo um estudo puro da teoria dos capítulos de sentença
não fica porém dispensado de examinar as principais projeções
lançadas sobre as diversas áreas do direito processual; esse exa
me é feito no presente ensaio, ainda que à vol d'oiseau, com o
objetivo de buscar a comprovação do acerto das posições assu
midas e de dimensionar a utilidade prática e sistemática da pró
pria teoria.

4. a estrutura formal e o conteúdo substancial das sentenças

O primeiro e mais difundido corte a que a sentença se sub


mete é aquele consistente em sua necessária decomposição es
trutural em relatório, motivação e decisório (CPC, art. 458). Em
si mesma, porém, essa decomposição não oferece interesse para
a teoria dos capítulos de sentença, na medida em que não serve
aos objetivos desta; em nada ou em muito pouco ela pode con-
16 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

correr para dilucidar as questões sobre as quais tal teoria proje


ta efeitos. No interior de cada ura desses elementos estruturais é

que se podem identificar partes, ou capítulos, suscetíveis de uma


separação útil. Além disso, a conhecida oposição que se faz en
tre os motivos e a decisão exige uma reflexão .sobre o conteúdo
e a finalidade de cada uma dessas partes da sentença, ao menos
para o fim de definir se e cm que medida a solução de questões
pode ser dissecada em capítulos.
É do conhecimento comum, que Liebman ressalta e enfatiza
para o bom entendimento do tema, que só no decisiim .se formu
lam preceitos destinados a produzir efeitos sobre a vida dos liti
gantes ou sobre o processo mesmo, o que se dá (a) quando o
mérito é julgado e, assim, o intere.sse de uma das partes é aten
dido e o da outra, sacrificado e (b) quando o juiz, rejeitando
preliminares, declara que o mérito está em condições de .ser jul
gado e passa efetivamente a julgá-lo. Só no dcci.sório .se contêm
atos imperativos do juiz, a serem impostos aos litigantes na me
dida do conteúdo de cada um deles; como se costuma dizer, é
no decisório que reside a parte preceptiva da sentença. Na mo
tivação, em que o juiz resolve questões de fato ou de direito,
residem somente os pressupostos lógicos em que se apóia o
decisório, mas sem autonomia, eles próprios, para projetar efei
tos sobre a vida do processo ou das pessoas; ' por isso é que de
modo expre.sso a lei brasileira exclui a incidência da autoridade
da coisa julgada .sobre os motivos da decisão (art. 469, incs. I-
II). Quando o juiz se declara convencido de que certo fato ocor
reu ou deixou de ocorrer, ou quando opta por uma interpretação
de dado texto legal, repudiando outra, ou ainda quando afirma
ou nega que os fatos relevantes para o julgamento sejam regi-

3. A má redação do art. 45S do Código de Proce.sso Civil, particularmcnle


cm .seu inc. Ill, confunde questões e mérito, dando a falsa impressão de que
também no decisório a sentença .se ponha a solucionar questões. Isso não é ver
dade c uma simples reflexão sobre os conceitos conduz com facilidade a ver
essas partes da sentença pelo modo como no texto acima está exposto (c/r. Di-
namarco. Instituições cie direito proces.sual civil. 111. n. 1.225. parte final, esp.
p. 663).
PREMISSAS METODOLÓGICAS E CONCEITL'AiS 17

dos pela norma jurídica invocada etc., ele nada mais faz do que
plantar os pilares lógicos sobre os quais assentará em seguida
os preceitos concretos a serem formulados no decisório. Toda a
imperatividade da sentença está no decisório e não na motiva
ção {pague tal importância, ou desocupe o imóvel etc.)."^
Depois, já dividida a sentença em seus componentes estrutu
rais, no âmbito de cada um destes é também possível fazer cor
tes com vista a identificar capítulos - embora a utilidade dos
cortes na motivação dependam da tomada de posição que aceite
a cisão da sentença em capítulos a partir da existência de duas ou
mais questões solucionadas em sua fundamentação {infra, n. 8).
Os cortes que se fazem no decisório incidem x erticalmente,
atuando sobre o plano horizontal em que se distribuem os diver
sos preceitos contidos na sentença. Imaginem-se, lado a lado, e
portanto dispostos em linha horizontal, a pronúncia do juiz so
bre cada um dos pedidos cumulados pelo autor na petição inicial,
mais a procedência ou improcedência do pedido reconvencional
do réu, mais a imposição do custo do processo a uma das partes
ou a ambas etc. Esses verdadeiros preceitos concretos convivem
no mesmo decisório, todos eles dotados de imperatividade por
que são preceitos estatais destinados a .se impor aos sujeitos do
processo. Daí falar-se em uma incidência vertical sobre o plano
horizontal: é como uma faca incidindo verticalmente sobre o
plano horizontal de uma torta estendida cm uma bandeja, cor-
tando-a em pedaços sem mostrar o que está no fundo.
Inversamente, alinham-se verticalmente as diversas proposi
ções residentes na motivação da sentença: elas descem à pro
fundidade que o juiz entender nece.ssária, suficiente e adequada
para preparar as conclusões imperativas a serem lançadas de
pois, no decisório. Imagine-se agora a solução dada pelo juiz
quanto à ocorrência ou não-ocorrência de um fato ou .sobre a
interpretação de um texto legal etc. (questões de fato ou de di
reito): cada uma das proposições que o juiz então lançar terá

4. Cfr. "Parte o 'capiv di sentenza", n. 2, pp. 48-51


18 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

somente o objetivo de preparar logicamente a conclusão e a


soma delas indicará o grau de profundidade da cognição efetua
da. Se parasse por aí, sem passar ao decisório, o juiz nada esta
ria dispondo sobre o destino a ser dado aos bens ou às relações
entre os litigantes e nenhuma utilidade teria a sentença, porque o
juiz teria ficado somente no teórico, sem passar ao prático. Não
haveria procedência ou improcedência, não haveria a formação
do título executivo judicial (sentença condenatória ou sentença
declaratória com eficácia de condenação - CPC, art. 162, § 1-,
red. lei n. 11.232, de 22.12.05) nem a imposição de uma situação
jurídica nova (sentença constitutiva) etc.
Segundo parte da doutrina, contudo, é possível fazer cortes
também nesse filão vertical representado pela soma dos resulta
dos da cognição, identificando-se capítulos de sentença na solu
ção de cada uma das questões.^ Esses cortes, justamente por
separarem patamares superpostos verticalmente, teriam, eles
próprios, uma dimensão horizontal.

5. as diversas teorias

Levando-se em conta os resultados dessa análise, é pertinen


te repartir os doutrinadores entre (a) os que desenvolvem a teo
ria dos capítulos de sentença somente em relação aos compo
nentes do decisório, chegando Chiovenda ao ponto de limitar
esses cortes verticais ao âmbito das decisões sobre as diversas

partes do objeto do processo (pedidos cumulados, reconvenção


etc) - excluídas, portanto, as conclusões referentes às prelimi
nares;'' b) os que alargam o discurso, mas sempre limitando-se
ao decisório, para incluir também os preceitos emitidos sobre os
pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito (Lieb-
man); c) os que ficam somente no exame das questões (Carne-
lutti); d) os que consideram elementos do decisório e também
da motivação (Sergio Costa, Andrioli, Allorio). Como dito an
tes, a opção por uma linha, com rejeição das demais, decorre

5. Cfr. Carnelutli, "Capo di scnicnza", n. 2, esp. p. 121.


6. Cfr. Principii di diritlo proccssttale civile, § 91, V. p. 1.136.
PREMISSAS METODOLÓGICAS E CONCEITUAIS 19

sempre da utilidade visada pelo estudioso; mas, como se verá


também, ao menos em face do direito brasileiro é inaceitável a
posição de Carnelutti, que rejeita a divisão da sentença em capí
tulos referentes ao decisório, com a afirmação de que eles seriam
exclusivamente o resultado da convivência da solução de duas
ou mais questões, na motivação sentenciai.

6. unidades autônomas e independentes: Chiovenda

Remonta a Giuseppe Chiovenda a mais restritiva das teorias


sobre os capítulos de sentença, os quais para ele seriam apenas
as unidades do decisório, portadoras do julgamento de mérito.
Ao expor sua posição, o fundador da Escola italiana do proces
so civil as.socia intimamente os capítulos de sentença aos da de
manda, falando nos predicados da autonomia e independência
como elementos essenciais ao conceito daqueles.^
Essa concepção é de fundo confessadamente dogmático, por
que construída sobre as bases do direito positivo italiano então
vigente (c.p.c. 1865, art. 486, de redação equivalente à do art.
329, 2^ parte, do atual), o qual, di.sciplinando a parcial aquies
cência à sentença desfavorável, estatuía: "o recurso parcial im
porta aquiescência às partes não recorridas da sentença". Disse
Chiovenda, textualmente: "é também necessário, para aplicar a
regra do art. 486, que os capítulos de sentença sejam autônomos
e independentes, pois não se pode entender que aceite a sentença
em relação ao capítulo dependente, ainda que não mencionado
no ato de apelar, aquele que recorre da sentença no tocante ao
capítulo principal". Invocou ainda o art. 543 do Código de seu
tempo (substancialmente equivalente à do art. 336 do atual), por
tador da regra de que a reforma de um dos capítulos de sentença
em grau de recurso deixa intactos os demais, a menos que sejam
dependentes do capítulo reformado (art. 543: "se Ia sentenza sia
cassata in alcuno dei capi, restano fermi gli altri, salvo che sia-
no dipendenti dal capo in cui Ia sentenza fu cassata").^

7. Op. toe. cit.


8. O/J. c/L, §91, V, pp. 1.136-1.137.
2 0 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

São independentes, nesse contexto, somente os tópicos do de-


cisório capazes de ter vida própria, sem ficarem condicionados
pelo teor de outros tópicos: dependentes, aqueles que não po
dem subsistir "se o outro tiver sido negado". Portanto, só aqueles
seriam autênticos capítulos de sentença e estes, não. A autono
mia de cada um dos capítulos da concepção cliiovendiana signi
fica que as diversas parcelas do petitwn bem poderiam ter sido
objeto de demandas separadas, propostas em tempos diferentes
e dando origem a dois ou mais processos distintos - sendo por
tanto meramente circunstancial a junção de todas cm um pro
cesso só, para serem decididas mediante sentença formalmente
única. Esse predicado só está presente nos tópicos decisórios re
ferentes à situação da vida das pessoas, ou às suas pretensões
contrapostas, não à relação processual em si mesma: ao dizer
que não há capítulos de sentença quando o juiz decide diversas
questões, com razoável clareza estava o Mestre a aludir a essas
decisões de cunho processual.

O conceito de questões como pontos controvertidos de fato ou


de direito, em oposição ao de lide (conflito de interesses trazido
ao processo pelo autor), é posterior à formulação da teoria de
Cliiovenda sobre os capítulos de sentença; .seguramente, ele não
empregou aquele vocábulo no sentido carneluUiaiio que depois
veio a ganhar fama e prestígio.

Mais adiante, no trato da reconvenção, observa o Mestre que


o pronunciamento do juiz sobre esta alinha-se ao que é emitido
em relação ao pedido inicial do autor, causando também a divi
são da sentença em capítulos;'' e daí se infere que os capítulos
de sentença, na concepção chiovendiana, não são ligados exclu
sivamente aos capítulos da demanda inicial do autor - sem fi
car comprometida a assertiva de sua autonomia, porque, como é
notório, o que se pede em reconvenção poderia ser pedido em
outro processo separado.

9. Op. cit.. § 92, III. esp. p. 1.1 .Stl.


PREMISSAS METODOLÓGICAS E CONCEITUAIS

No trato da sentença, todavia, não se manifesta Chiovcnda so


bre os capítulos desta, o que, como dito mais acima, e usual entre
a maioria dos que se dedicaram ao tema. Faz também breves alu
sões aos capítulos sentenciais, no trato geral da apelação e, de
modo específico, no da apelação adesiva e da refornuiiio in pejus
- mas sempre pensando em capítulos verdadeiramente autôno
mos, ou seja, capítulos decisorios do mérito."'

A e.sse conceito extremamente restritivo objetou-se, com ra


zão, que ele é insuficiente para re.soiver problemas importantes
relacionados com os próprios recursos, quando a sentença con
tém capítulos decisórios heterogêneos (de mérito e sobre a
admissibilidade do julgamento deste)." Não podem ser consi
derados autônomos os pronunciamentos do juiz sobre a admis
sibilidade do julgamento do mérito, como aquele mediante o
qual, rejeitando uma preliminar destinada a pôr fim ao proce.sso
(coisa julgada, carência de ação etc.), ele afirma que o autor tem
direito a esse julgamento e passa a decidir a causa; pronuncia
mentos como esses exaurem-se na relação processual e dizem
respeito exclusivamente a ela, sem interferir na vida exterior dos
litigantes - não se concebendo portanto que pudessem ter sido
provocados por uma iniciativa autônoma nem dar origem a um
proce.sso autônomo. Apesar disso, a divisão da sentença em ca
pítulos assim heterogêneos tem também grande utilidade para
praticamente todos os efeitos aos quais é ligada sua cisão em
capítulos realmente autônomos. Pensar, por exemplo, no acór
dão que afasta a preliminar de carência de ação, julgando em
seguida a causa: o recurso especial pode versar somente sobre o
primeiro desses capítulos, ou só sobre o segundo, ou ambos, o
que terá relevância quanto ao julgamento possível pelo Superior
Tribunal de Justiça {infra, n. 48).

O pensamento de Chiovenda repercute em Piero Calamandrei,


para o qual "capítulo é a declaração de uma específica vontade

lü. Op. dl., § 84, IV. esp. p. 988 c V, pp. 992-994.


tl. CJk, por todos. Laura Salvaneschi, l.'iiitere.sse cut impu^nare, cap. I, n.
2. esp. p. 60, nota 50. reportando-se ao que já dis.sera Augusto Cerino Canova.
CAPÍTULOS DE SENTENÇA

de lei, isto é, um ato jurisdicional completo c capaz de constituir


por si só, mesmo separadamente dos outros capítulos, o conteú
do de uma sentença".

7. unidades do decisório, não necessariamente autônomas


em sentido absoluto: Liebman

O alargamento do conceito de capítulos de sentença, para in


cluir também as decisões sobre o processo, está no conhecido
ensaio específico de Liebman, muitas vezes citado. Ele afirma a
existência de diversos corpos simples, ou unidades elementares
justapostas no invólucro de uma só sentença, quando o juiz de
cide imperativamente mediante a rejciçfio de uma preliminar
impeditiva do julgamento do mérito e decide, também imperati
vamente, sobre a procedência ou improcedcncia da demanda em
julgamento. Uma sentença com esse conteiido, diz, "é composta
de dois capítulos, um que declara a admissibilidade do julga
mento de mérito e outro que contém esse julgamento".'-^

Ele afirma tamliém a autonomia dos capítulos portadores da


rejeição de preliminares, não porém no mesmo sentido em que
tal predicado é descrito por Chiovenda - ou .seja, não no sentido
de que cada uma dessas unidades elementares pudesse ser objeto
de um proces.so só, posto ali mediante uma demanda autônoma.
A autonomia desses capítulos, no pensamento de Liebman, con
siste no fato de que eles poderiam ser ol>jcto de uma sentença
sem o julgamento do mérito, ou seja, de uma sentença que, em
vez de rejeitar as preliminares, as houves.se acolhido e assim pos
to fim ao processo sem incluir capítulos de mérito.'''

O ensaio de Liebman direciona-se com muita ênfase à sus


tentação de que a solução de questões não dá origem a capítulos
de sentença, no .sentido em que estes são regidos pelo direito
positivo italiano. O fracionamento da sentença segundo a massa
de questões resolvidas na motivação tem também relevantes

12. Cfr. "Appunti sulla refornuiiio in pejus \ p. 300.


13. Cfr. 'Tarle o 'capo' di scnicnza". n. 5, esp. p. 55.
14. hi, ih.
PRFMISSAS METODOLÓGICAS E CONCEITUAIS 23

Utilidades mas seria, no pensamento liebmaniano, estranho à no


ção tradicional de capítulos de sentença (mas v. infra, nn. 9-
10).»-'=
São definitivas as lições de Liebman, realçando com extrema
lucidez a distinção entre o conteúdo da motivação c o do deci-
sum, com ênfase na função meramente preparatória daquela cm
relação a este. Ao solucionar questões - ou seja, dúvidas quanto
ao direito ou aos fatos - o juiz está somente a construir o suporte
lógico do ato imperativo que será a decisão. Nada há de impera-
tividade na solução de questões, o que e inerente à decisão e não
a sua preparação.'^'

8. decisões de questões: Carneliitti

Francesco Carnelutti, que discorrera sobre os capítulos de


sentença no livro Lezioni dl dirifto processiialc civile, voltou ao
tema primeiro em um artigo sobre a reformatio in pejus, depois
em outro diretamente dedicado ao tema'' e também no monu
mental Sistema dei diritto processiialc civile - sempre identifi
cando capítulos na solução de questões e não no julgamento da
lide. Como diz no primeiro dos ensaios referidos, "o capítulo
não é uma parte ou fração do interesse ou do bem em lide, mas
uma das questões tnediante as quais a tutela do interesse é con
testada ou o bem, controvertido". Linhas atrás dissera que,
como "o conteúdo da sentença deve obrigatoriamente ser mo
delado na noção de lide", conseqüentemente "se há capítulos
da sentença, deve haver capítulos na lide".'^ Disse também
que, se o processo cumulativo (com pluralidade de pedidos) é
um cúmulo de processos, o resultado seria que a sentença com
vários capítulos seria um cúmulo de sentenças. E concluiu:

15. Cfr. "Parle o 'capo' dl sentenza"'. n. 2. esp. pp. 50-51.


16. Cfr. "Parte o 'capo' di sentenza ', n. 2. pp. 48 .ss.
17. Cfr., pela ordem. '"Sulla reformuiio In pejus" (1^27) c "Capo di senten
za"' (1933). Esses dois artigos fazem parle de uma polemica travada com Gia-
como Dclitala, que tomara posição sohre o tema dos capítulos de sentença no
livro II divieto delia "reformalio in pejus " net processo penale (1927).
18. Cfr. "Sulla reformatio in pejus", esp. p. 184.
2 4 capítulos de sentença

"capítulo de sentença é a resolução de uma questão referente a


uma lide".'*^

Mas prossegue imediatamente: "por isso, capítulo de sentença


corresponde a capítulo da lide. E, como há lides que tcMii uma só
questão e outras que têm um en.xame delas, assim também há sen
tenças com um só capítulo e sentenças com muitos capítulos".

O pensamento de Carnelutti conduz a negar que houvesse ca


pítulos de sentença naquele clássico exemplo, bastante explora
do por Liebman, do objeto do processo integrado por unidades
somadas, pesadas ou contadas (dinheiro etc.). Disse ele, expres
samente que, optando o juiz por dar menos que o pedido pelo
autor e mais do que o réu se dispunha a pagar, "a questão deci
dida sobre o quantum deheatur é ou ao menos pode ser uma só
e, portanto, a sentença pode ter um só capítulo".-"
Foram essas as idéias que Liebman combateu enlaticamcntc
em seu ensaio. Sustenta que não têm autonomia alguma os tópi
cos da motivação em que o juiz simplesmente afasta dúvidas de
fato ou de direito. Ao dar solução às questões pertinentes ao jul
gamento, limita-se o juiz a colocar os pilares, ou suportes lógicos
sobre os quais apoiará os preceitos a serem explicitados na parte
decisória - esses, sim. imperativos c vinculantes. Não se concebe
uma sentença que ficasse só na solução de questões, sem deter
minar a extinção do processo nem concluir pela procedência ou
improcedência da demanda; essa falta de autonomia é consagra
da pelos incisos do art. 469 do Código brasileiro, que exclui a
autoridade da coisa julgada sobre os motivos da sentença, por
mais importantes que eles sejam para a decisão da causa.-' O pró-

19. Ç/i: "Capo di senlcnza". n. 2. esp. p. 119; n. 7, p. 126. Nesse tópico do


escrito, em que se dispõe a fazer as contas, Carnelutti diz, bem a seu modo,
estar convencido de que são ini iiiidadas as objeções opostas à sua teoria e que
os demais autores, que a refutaram, quando tentaram pôr outra em .seu lugar
nada mais fizeram que usar "uma fórmula que, examinada com sinceridade,
nada mais c que a minha".
20. Cfi: "Capo di sentenza". n. vS, p. 127.
21. Não é que a coisa julgada .seja um efeito, ou produza ela própria algum
efeito substancial sobre a vida das partes; pressupor uma coi.sa a.ssim seria ne
gar a teoria da coisa julgada como fator de estabilidade da .sentença, proposta
PREMISSAS METODOLÓGICAS E CONCEITUAIS 25

prio Carnelutti reconhece que sua teoria não contou com aceita
ção na doutrina em geral, aludindo apenas a um autor menos co
nhecido, Fietta, como seu seguidor.

9. teorias relativistas

O próprio Liebman, como já assinalado, reconhece a relevân


cia da cisão dos fundamentos da sentença em tópicos corres
pondentes à solução dada a cada questão pertinente ao julga
mento. Ele o faz sem aceitar que cada um desses tópicos seja
um capo di sentenza e explicitando veementes ressalvas decor
rentes da distinção entre os preceitos imperativos, contidos no
decisório, e o mero suporte lógico desses preceitos, construído
na motivação. Admite porém "a plena legitimidade e utilidade,
para certos efeitos, da distinção e separação das soluções dadas
às várias questões que houverem concorrido para determinar a
formação lógica da sentença".-- Antes dele, já havia Enrico
Allorio desenvolvido a idéia de que o fracionamento da senten
ça segundo a proposta de Chiovenda (em tópicos do decisório)
é correta em relação ao recurso de apelação, onde pode a parte
repropor toda a pretensão ou resistência sustentada no processo,
ou apenas alguma parcela dessa pretensão ou resistência, a seu
talante; ao passo que a concepção carnehittiana (capítulos rela
cionados com as questões) é a que melhor se adapta a outros
recursos, cujo objetivo é exclusivamente a restauração da ordem
jurídica mediante a correta solução de questões.-^
Observa adequadamente Sergio Chiarloni que a diferença en
tre Liebman e os relativistas c que aquele não distingue a utilida
de dos cortes no plano horizontal dos preceitos imperativos e a

por Liebman e de geral aceitação na doutrina brasileira. A referência acima fei


ta ao art. 469 do Código de Processo Civil brasileiro significa somente que a
exclusão da incidência da coisa julgada material sobre os motivos é seguro in
dicativo de que o legislador reconhece não terem eles qualquer projeção exter
na sobre a vida, relações ou bens dos litigantes.
22. Cfr. "Parte o 'capo' di sentenza", n. 2, esp. pp. 50-51.
23. Cp. "Gravame incidentale delia parte totalmente vittoriosa?", n. 1, p.
543.
26 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

dos cortes no piano vertical da solução de questões - afirmando


que, para todos os recursos, cm alguma medida, são adequados
os dois critérios.-"^

Realmente, no direito italiano existe ao menos um recurso, o


recurso no interesse da lei (c.p.c., art. 363), cujo objeto é inte
grado exclusivamente por tópicos da motivação ou, mais preci
samente, pelos enunciados portadores de solução a questões de
direito. Ao interpor esse recurso, o Ministério Público não pos
tula alteração alguma no decisum, mas apenas na motivação,
sendo legitimado pela lei a fazê-lo com o objetivo de conjurar
precedentes contrários ao direito objetivo e ao interesse públi
co. Para esse efeito, a sentença comporta tantas cisões quantos
forem os fundamentos de direito contido em sua motivação, sem
qualquer consideração do conteúdo preceptivo residente na par
te decisória.-^ Já no recurso de cassação, que se apóia na im-
pugnação ao modo como foram solucionadas certas questões de
direito, o recorrente não é movido pelo escopo de preservar o
direito objetivo, mas de, mediante a correta interpretação da lei,
obter afinal a reversão do julgamento da causa. Em um primeiro
tempo, porém, ele pede à Corte de Cassação apenas a correção
do erro de direito, para que depois, no giudizio di rinvio, outro
órgão de apelação aplique a tese firmada por aquela e eventual
mente atenda ao objetivo do recorrente (c.p.c., art. 384).-'' Na
medida do que se pede à Corte de Cassação, portanto, o recurso
tem por objeto os segmentos impugnados da fundamentação.
Mesmo assim, diz Liebman, também para a cassação é verda
deiro "aquilo que geralmente se admite para a apelação, i.é, que

24. Cfi\ L'impiignazione incidentals net processo civile, cap. II, n. 2, esp. p. 34.
25. Cfr., por todos, Liebman, Mannale di diritto processuale civile, II, n.
336, pp. 333-334. De certo modo o Mestre minimiza a relevância do recurso
no interesse da lei para o exame dos capítulos sentenciais, ao dizer que esse
não é um verdadeiro recurso ("Parte o 'capo' di scntenza", n. 8, esp. p. 61),
mas essa observação não tem grande importância para uma teoria pura dos ca
pítulos de sentença.
26. A menos que toda a matéria de fato esteja suficientemente esclarecida,
hipótese em que a própria Corte decide a causa, substituindo a sentença inferior e
indo pois além da pura cassação.
PREMISSAS METODOLÓGICAS E CONCEITUAIS 27

as unidades elementares em que pode ser fracionada a sentença


recorrida consistem nos preceitos concretos contidos nela" (par
te dispositiva, portanto).-^

No direito brasileiro, os cortes relacionados com as soluções


dadas às questões só têm uma utilidade indireta para a determi
nação da parcial admissibilidade do recurso extraordinário ou do
especial {infra, n. 11).

10. processualistas brasileiros

No Brasil jamais se escreveu um único livro, tese, monografia


ou mesmo um simples ensaio dedicado ao tema dos capítulos de
sentença: até agora, os autores que se manifestaram a respeito
fizeram-no exclusivamente em setores de seus estudos sobre os
recursos em geral ou sobre o adesivo, em particular.-^
Dos mais antigos, interessaram-se pelo tema Luiz Machado
Guimarães e José Frederico Marques.
O primeiro deles, em tese sobre os limites objetivos da apela
ção, afirma ser capítulo de sentença cada "decisão de questão
de interesse prático apta a adquirir eficácia de coisa julgada ou
de preclusão".-^ Esse posicionamento, vazado em palavras aná
logas às empregadas por Emilio Betti,^® em substância remonta
a Chiovenda, na associação dos capítulos de sentença aos pro
nunciamentos destinados a atribuir a um dos litigantes um bem

27. Cfr. "Parte o 'capo' di sentenza", n. 8, esp. pp. 62-63.


28. No curso dc pós-graduação da Faculdade Direito do Largo de São Fran
cisco foi apresentada uma dissertação sobre esse tema, elaborada sob minha
orientação pelo hoje mestre Marcus Tenório da Costa Fernandes {Capítulos de
sentença). Sob orientação do prof. Fiávio Luiz Yarshell foi produzida uma outra
tese sobre o tema por Marcelo José Magalhães Bonício (editado comercialmente
como Capítidos de sentença e efeitos dos recursos, São Paulo, RCS, 2006).
29. Cfr "Limites objetivos do recurso de apelação", n. 5, pp. 85-86.
30. Cfr. Diritto processuale civile italiano, n. 199, pp. 668 ss.: "capo di sen
tenza è, invece. Ia decisione di una questione d'interesse pratico proponibile
eventualmente con domanda autonoma e concernente un precetto concreto delia
legge sostanziale, o anche processuale, controverso tra le parti".
2 8 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

da vida.-^' Betti posiciona-se explicitamente contra a solução de


questões como caracterizadoras de capítulos de sentença e ex
clui também capítulos portadores de decisões com efeitos ex
clusivamente sobre o processo^- - e tal é, precisamente, a linha
chiovendiana (supra, n. 6). Os efeitos práticos aos quais alude
Betti e adere Machado Guimarães representam a eficácia subs
tancial da sentença, ou seja, os efeitos que ela projeta sobre a
vida comum das pessoas, exterior ao processo.
José Frederico Marques apoia a teoria desenvolvida por Car-
nelutti, dos capítulos de sentença como solução de questões, mas
ele o faz sem justificar a posição assim assumida.^^ O professor
paulista rejeita a idéia da divisão ideológica da sentença em ca
pítulos em caso de procedência parcial de demanda tendo por
objeto coisas quantificáveis, aderindo à injusta crítica lançada
por Francesco Carnelutti (supra, n. 8).-^'*
Dentre os mais recentes, manifestaram-se Antonio Carlos de
Araújo Cintra, Barbosa Moreira, Paulo Cezar Aragão e José
Afonso da Silva - todos no trato dos recursos.
Fê-lo o primeiro deles em tese vitoriosa em concurso à titula
ridade de direito processual civil na Faculdade do Largo de São
Francisco. Repudiou o pensamento bastante limitative de Chio-
venda, que associa intimamente os capítulos de sentença aos da
demanda, mediante o argumento de que também a condenação
por honorários advocatícios constitui um capítulo a ser incluído
em sentença ainda quando não haja pedido relativo a eles (o cha
mado pedido implícito). Insurgiu-se também contra Carnelutti,
porque a solução de questões, em si mesma, não porta gravame
algum para as parte.s, não gerando, conseqüentemente, o inte
resse recursal; e, nessa manifestação, vê-se que Araújo Cintra

31. Para o exame desse pensamento, v. Araújo Cintra, Sobre os limites objeti
vos da apelação civil, cap. Ill, n. 2, esp. p. 44; José Afonso da Silva, Do recurso
adesivo tio processo civil brasileiro, tít. III, cap. Ill, § 3", esp. pp. 127-128.
32. Cfr. Diritto processuale civile italiano, n. 199, esp. p. 669.
33. Cfr. Instituições de direito processual civil, IV, n. 946, pp. 133-134.
34. Op. loc. cit., esp. p. 134.
PREMISSAS METODOLÓGICAS E CONCEITUAIS 29

obsen'a os capítulos sentenciais exclusivamente pela óptica da


disciplina dos recursos, sem tentar inseri-los na teoria da sen
tença. Ele conclui por apoiar Enrico Tullio Liebman, ao definir
capítulo de sentença como "toda decisão sobre um objeto autô
nomo do processo, atinente à sua admissibilidade ou ao méri
to"; aplaude também Elio Fazzalari, na assertiva de que os capí
tulos de sentença são representados pelos preceitos contidos
nesta {statuizioni)?^

Araújo Cintra apóia ainda Liebman, no tocante à cisão ideoló


gica da sentença em caso de acolhimento parcial a um pedido que
tenha por objeto coisas quantificáveis {supra, n. 8). No trato des
se tema, ele figura a hipótese de uma demanda de condenação a
pagar 100, seguida de uma contestação admitindo a dívida so
mente pelo valor de 50 e de sentença impondo o pagamento de
30. Nesse caso, diz, a sentença teria não somente dois, mas três
capítulos, a saber, um referente aos 50 incontroversos, outro aos
30 controversos mas devidos e um terceiro, aos 20 não devidos.
Discorre também sobre o lema dos capítulos dependentes, alu
dindo a Chiovenda e examinando-o à luz do direito brasileiro (su
pra, n. 6 e infra, n. 15).^''

José Afonso da Silva faz um relato da doutrina precedente e


mostra-se extremamente eclético em relação a elas, ao dizer que
"a solução prática do problema não afastaria o recurso a nenhu
ma das [teorias] indicadas acima". Indica o objeto da demanda
como "elemento fundamental para chegar-se à identificação dos
capítulos de sentença", mas logo a seguir afirma que cada título
em que se fundamenta o pedido dá margem ao aparecimento de
um desses capítulos (fazendo, a propósito, expressa concessão a
Carnelutti).^^

35. Cfr. Araújo Cintra, Sobre os limites objetivos da apelação civil, cap. III.
n. 2, esp. pp. 45-46: Fazzalari. Instituzioni di diritto processuale, parte 2^ cap.
VII, § 1", esp. p. 362.
36. Cfr. Sobre os limites objetivos da apelação civil, cap. Ill, n. 2, esp. pp.
46-47; n. 4, pp. 49 ss.
37. Cfi\ Do recurso adesivo no processo civil brasileiro, tít. III, cap. Ill, § 3",
esp. p. 128.
30 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

Também esse autor rejeita a idéia dos capítulos resultantes da


decomposição ideológica da sentença que acolhe somente em
parte o pedido de condenação por objetos quantificáveis; ele diz
que em casos assim só existe um capítulo; em seguida, porém, ao
talar em capítulos que se subdividem, dá a impressão contrária.

Paulo Cezar Aragão, em livro sobre o recurso adesivo, limi


ta-se a uma referência ao pensamento de Chiovenda, que adota
ao fazer referência a "uma decisão, em a qual constem várias
declarações de certeza de uma vontade singular da lei"
Barbosa Moreira, sempre da perspectiva recursal, examina os
capítulos de sentença ao discorrer sobre o recurso parcial e o
efeito da limitação do recurso.*^"

38. Op. loc. cit., esp. p. 129.


39. Cfr. Recurso adesivo, n. 34, p. 27.
40. Cfr. Comentários ao Código de Processo Civil, V, nn. 194-195, pp. 349 ss.
CAPÍTULO II
OS CAPÍTULOS DE SENTENÇA
N A T E O R I A D E S TA

11. conceito dc capítulo de sentença no direito positivo brasileiro - 12. por uma
teoria pura dos capítulos de sentença - 13. capítulos dc mériío e capítulos dc
eficácia e.xclusivamente procc.ssual - 14. os dois significados da autonomia dos
capítulos de sentença - 15. capítulos independentes, dependentes e condicio-
nantes - 16. capítulos resultantes de uma cisão quantitativa - 17. capítulos das
decisões intcriocutórias e de outros pronunciamentos judiciais

H. conceito de capítulo de sentença


no direito positivo brasileiro

De um modo ou de outro, os estudiosos italianos que se ocu


param do tema dos capítulos de sentença reportam-se ao seu di
reito positivo, especialmente aos arts. 329, 336, 346, 363 e 384
do Código de Processo Civil peninsular, em busca do conceito
dogmaticamente correto dessa categoria jurídica. Em vários dis
positivos do Código há menção explícita às partes da sentença
ou à reforma parcial desta, o que induz os doutrinadores a um
trabalho que, em última análise, é de exegese de sua ordem jurí
dica positiva.
No Brasil, em que inexistem disposições como essas do direito
italiano, é na disciplina dos recursos que se mostra possível bus
car elementos para a caracterização dos capítulos de .sentença
segundo o direito positivo do país - sempre com a ressalva de
que o tema não pertence à teoria dos recursos. É fundamental a
3 2 CAPÍTULOS DL SENTENÇA

observação do modo como se restringe a admissibilidade do re


curso extraordinário e do especial, do qual emana alguma insi
nuação de que, no tocante a essa problemática, se legitimasse o
isolamento de capítulos da motivação', mas essa insinuação não
é confirmada e, como se verá, a técnica da divisão em capítulos
restringe-se ao decisório, não aos fundamentos da sentença.
Mais particularmente, aqui não há o recurso no interesse da
lei, presente no direito italiano (c.p.c., art. 363), e os recursos
ditos de direito investem plenamente o Supremo Tribunal Fede
ral ou o Superior Tribunal de Justiça do poder de redecidir a
causa ou o incidente julgado pelo tribunal a quo (cassando e
substituindo o acórdão recorrido, não apenas cassando-o como
no sistema das cortes de cassação). Constitui objeto do recurso
extraordinário ou do especial, portanto, a pretensão a um novo
julgamento e não mera correção nas premissas lógicas do acór
dão recorrido. A peculiaridade que reveste tais recursos consis
te nas notórias limitações constitucionais aos fundamentos em
que sua interposição deve estar apoiada - violações à Constitui
ção Federal em um ca.so, à lei federal em outro (Const., arts.
102, inc. Ill e 105, inc. 111). Pelo aspecto aqui em exame, tal
peculiaridade concorre somente para limitar o objeto do recur
so extraordinário ou do especial, sem que os fundamentos em
si mesmos constituam seu objeto. O recorrente vai aos tribunais
de superposição com o pedido de novo pronunciamento sobre
toda a causa (ou sobre todo o incidente julgado pelo tribunal
local),' ou apenas .sobre os capítulos cujo teor houver sido dita
do pelo modo como a Constituição ou a lei federal foi interpre
tada, aplicada ou inaplicada. Até já se sustentou que o recurso
extraordinário tivesse por único objetivo a restauração da ordem
constitucional ultrajada, sem qualquer compromisso com a jus
tiça do caso concreto e, conseqüentemente, sem o objetivo de
atender aos reclamos do recorrente pelo acesso à ordem jurídica
justa; mas, ainda quando fosse verdadeira essa tese de descaso à

1. Por exemplo: acórdão que acolhe ou rejeita a exceção de incompetência


relativa.
OS CAPÍTULOS DE SENTENÇA NA TEORIA DESTA 33

promessa constitucional de tutela jurisdicional a quem tiver ra


zão, da inegável aptidão desse recurso (ou do especial) a promo
ver a reforma do julgado inferior decorre a definição do verda
deiro alvo visado pelo recorrente, que é o dispositivo, ou algum
capítulo do dispositivo, e não os fundamentos legais ou consti
tucionais em que se apoia.- Os segmentos da motivação, portan
to, representados pela solução dada às diversas questões postas,
só indiretamente interferem na determinação dos capítulos susce
tíveis e dos insuscetíveis de impugnação pela via extraordinária
ou pela especial.

Considere-se a hipótese de uma açãt) de repetição do indéltito


julgada procedente no tribunal a quo, com o reconhecimento da
inconstitucionalidade de dado tributo e condenação do tlsco a
restituir valores corrigidos por determinado critério ou acresci
dos de juros calculados segundo detertninada fórmula (compos
tos, capitalizados etc.). O capítulo referente a esses acréscimos
poderá comportar impugnação por tneio do recurso especial, me
diante alegação de ultraje ao direito federal incon.stitucional. mas
o capítulo principal só será recorrível pelo recurso extraordinário.

Nos demais recursos, como a apelação, os embargos infrin


ge ntes, o recurso ordinário constitucional e o agravo, os funda
mentos do ato recorrido não têm sequer essa mi.ssão limitadora
que nos recursos de direito têm: em todos eles visa o recorrente,
de modo direto e exclusivo, à reversão de todo o julgamento ou
de um dos capítulos deste, valendo-se das críticas aos motivos
da decisão judiciária como mera alavanca destinada a retnover
o resultado desfavorável e, assim, obter o que deseja. É portan
to impertinente à teoria dos capítulos de sentença o destaque
dado aos segmentos da motivação - sem embargo da utilidade
desses cortes, como critério informativo em relação à possível
extensão da admissibilidade do recurso especial ou do extraor
dinário. Nem existe, no direito positivo brasileiro, algum outro

2. Cfr. Dinamarco. ''Superior Tribunal de Justiça e acc.s.so à ordem jurídica


justa", nn. 1-2, em contraste com a opinião de Alfredo Buzaid (v. "Nova con-
ceituaçâo do recurso extraordinário na Constituição do Brasil", esp. pp. 181 e
183).
34 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

campo em que pudesse ter alguma serventia a repartição dos


fundamentos da sentença, ainda que de modo indireto.

São dc notória relevância apenas os cortes feitos no decisório


da sentença, mediante a identificação e isolamento de capítulos
portadores de preceitos concretos e de imperativa eficácia práti
ca. Esses capítulos serão homogêneos, quando todos contiverem
exclusivamente pronunciamentos sobre o objeto do processo, ou
meriUim caiisce, resolvendo-sc em segmentos da decisão sobre as
pretensões contrapostas das partes: ou heterogêneos, se incluírem
em primeiro lugar a explícita afirmação do direito do demandan
te ao julgamento do mérito e, em seguida, o julgamento do méri
to mesmo (infra, n. 35).

A configuração dos capítulos de sentença segundo o modo-


de-ser do direito brasileiro corresponde substancialmente à que
fora proposta por Enrico Tullio Liebman em seu famoso ensaio.
Cada capítulo do decisório, quer todos de mérito, quer hetero
gêneos, é uma unidade elementar autônoma, no sentido de que
cada uiu deles expressa uma deliberação específica; cada uma
dessas deliberações é distinta das contidas nos demais capítulos
e resulta da verificação de pressupostos próprios, que não se
confundem com os pressupostos das outras. Nesse plano, a au
tonomia dos diversos capítulos de sentença revela apenas uma
distinção funcional entre eles, sem que necessariamente todos
sejam portadores de aptidão a constituir objeto de julgamentos
separados, em processos distintos e mediante mais de uma sen
tença: a autonomia absoluta só se dá entre os capítulos de mérito,
não porém em relação ao que contém julgamento da pretensão
ao julgamento deste (capítulo que aprecia preliminares - supra,
n. 7). Na teoria dos capítulos de sentença autonomia não é sinô
nimo de independência, havendo capítulos que comportariam
julgamento em outro processo e também, em alguns casos, um
capítulo que não o comportaria (o que rejeita preliminares).^

3. Em outro sentido, fala-se ainda em capítulos que não são independentes,


mas dependentes, porque condicionados ao teor decisório de outros (ditos con-
dicionantes - infra, n. 15).
OS CAPÍTULOS DE SENTENÇA NA TEORIA DESTA 35

Com essa dimensão e esse teor de autonomia, a divisão da sen


tença em capítulos contribui em primeiro lugar para a determina
ção do objeto possível de um recurso. O princípio do duplo grau
de jurisdição, cm sua configuração vigente no Código de Proces
so Civil depois da Reforma da Reforma, c um dado complicador
dessa equação, porque em certas circunstâncias o tribunal se re
puta autorizado a decidir sobre o mérito da causa no mesmo ato
com que reforma a sentença terminativa (art. 515. § 3-, red. lei n.
10.352, de 26.12.2001 - infra, n. 49).

Definem-se portanto os capítulos de sentença, diante do di


reito positivo brasileiro e dessas considerações, como unidades
autônomas do decisório da sentença. É no isolamento dos diver
sos segmentos do decisório que residem critérios aptos a orientar
diretamente a solução dos diversos problemas já arrolados, quer
no tocante aos recursos, quer em todas as demais áreas de rele
vância, já indicadas.

Não é adequado falar em sentença com um capítulo só, como


às vezes se vê na doutrina. A sentença que não fo.ssc portadora de
duas ou mais decisões seria um todo unitário, sem divisão algu
ma em "capítulos". Capítulo c porção, parte, parcela, segmento, ou
seja, a unidade decorrente de uma divisão.^ E muito difícil conce
ber uma sentença sem mais de um capítulo, porque quase sempre
algo há a ser decidido também quanto ao reembolso de despesas
ou aos honorários da sucumbôncia (ainda que para negá-los); mas
em uma decisão interlocutória essa unicidade é plenamente con-
figurável (negar uma medida urgente, e nada mais).

12. por uma teoria pura dos capítulos de sentença

A noção de capítulos de sentença, acima proposta, é estrita


mente construída sobre a distinção entre os elementos estrutu
rais da sentença e tendo em vista o conteúdo de cada um deles,
sem influência direta das repercussões que esse trabalho de es-

4. "Capítulo [do latim capitulu] s.m. divisão de um livro, lei, orçamento,


tratado e/c." (Aurélio). A impropriedade lingüística apontada é similar à que o
fisco pratica em boletos de cobrança de tributos, para que eles sejam pagos em
algumas parcelas ou em "'parcela única".
CAPÍTULOS DE SENTENÇA

cansão possa projetar sobre outros campos da teoria processual.


Chega-se a essa noção puramente sentenciai mediante um racio
cínio que principia com o exame da estrutura formal da senten
ça em relatório, motivação e decisório, e prossegue-se levando
em conta o que se passa no interior dessas duas últimas partes.
Nesse primeiro momento lógico, consideram-se os capítulos de
sentença em si mesmos e não como suporte apto a comandar
soluções em outras áreas do direito proce.ssual, como a discipli
na dos recursos, da distribuição dos encargos financeiros do pro
cesso, da coisa julgada e seus limites objetivos etc.\ sequer são
levados em conta, nesse momento lógico, alguns outros aspec
tos não-anatômicos da teoria da própria sentença, como a sua
nulidade ou mesmo os vícios de citra, ultra ou extra petita, pos
to que intimamente ligados à teoria dos capítulos de sentença.

No desenvolvimento da aplicação dessa postura metodológica


(pertinência do tema à teoria da sentença e nada mais), em tópi
cos ulteriores examinar-se-ão outros aspectos da sentença dividi
da em capítulos, como (a) o da convivência entre capítulos só de
mérito, ou entre um de fundo processual com outro, ou outros,
de mérito (capítulos heterogêneos), (b) o da dimensão do deci-
sum c seus capítulos em face da necessária correlação entre o pe
dido e o decidido, (c) o dos modos como a teoria do objeto do
processo repercute sobre a sentença e seus capítulos, (d) especi
ficamente o dos capítulos existentes em caso de litisconsórcio,
(e) o do capítulo condenando a cumprir a obrigação {an debeaíitr),
em confronto com o que contém a determinação do quantum de-
beatur, (f) o que estabelece a regência da possível obrigação de
uma das partes pelo custo financeiro do processo e (g) o da pos
sível diversidade entre a eficácia dos diversos capítulos {infra,
nn. 35, 32, 24 ss., 27, 30, 15 e 31).

Essa operação puramente anatômica conduziria no entanto a


alargar ao extremo o conceito de capítulo de sentença, chegan
do ao ponto de incluir todos os possíveis elementos integrantes
de seu conteúdo estrutural ou substancial, ou seja, todas as uni
dades elementares decorrentes de toda e qualquer possível
fragmentação feita em cada um de seus elementos estruturais:
seriam capítulos de sentença todos os itens do decisório, quer
OS CAPÍTULOS DE SENTENÇA NA TEORIA DESTA 3 7

portadores ou não de pronunciamentos sobre o mcritiini caiiscc,


bem como as soluções dadas a todas as questões de talo ou de
direito examinadas na motivação da sentença.
Questiona-se no entanto a utilidade de uma pulverização des
sa ordem, em face do direito positivo. Quais dessas unidades
têm, e quais não têm, serventia para a solução de problemas lo
calizados em outras áreas do direito processual? Só os tópicos
do decisório de mérito têm relevância, ou também os pronuncia
mentos decisórios sobre o processo e a relação processual, ou
ainda a solução de questões? Tais indagações geram a necessi
dade de desencadear o segundo momento lógico da busca do
conceito de capítulo de sentença, consistente em examinar, em
outras áreas do direito processual, os reflexos desse trabalho de
fragmentação. Nem haveria razão para tanto esforço de abstra
ção e conceituação, não fossem as utilidades a serem j^roduzi-
das como seu produto final. Foi por aí que se chegou à noção
anunciada no item precedente, onde se definem os capítulos de
sentença como unidades autônomas do decisório da sentença -
o que importa, de um lado, incluir todas as unidades elementa
res portadoras de concretos preceitos imperativos sobre a causa
e sobre o processo e, de outro, excluir as soluções dadas, na
motivação sentenciai, às questões de fato ou de direito. Como já
foi assinalado, no direito processual civil brasileiro não há um
instituto sequer, que não as próprias decisões judiciárias (sen
tença, interlocutória, acórdão), em relação ao qual a operação
de identificação e isolamento das questões e sua solução exerça
alguma influência direta;"' mas há muitos, cuja compreensão e

5. Obser\'ou-se que mesmo o recurso e.xtraordinárlo c o especial, cuja ad


missibilidade é constitucionalmente limitada às hipóteses de transgressão à
Constituição ou à lei federal, não são manejados com o objetivo imediato de
resguardo a estas mas, em primeiro plano, com o de provocar novo julgamento
da causa ou de algum incidente relativo a cia {supra, n. 11); o modo como as
questões foram solucionadas na motivação do acórdão recorrido terá inHuído
na formação do decisório deste e poderá influir no julgamento superior a ser
feito, mas este não é feito para alterar a motivação, .senão para oferecer novo
julgamento da causa ou incidente, a partir das falhas que a motivação possa
revelar.
3 8 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

correta delimitação é diretamente influenciada pelos modos


como cada um dos componentes do objeto do processo é impe
rativamente decidido ou como ao processo mesmo é dado um
destino mediante os diversos tópicos do decisório.

A segunda operação lógica responsável pela conceituação dos


capítulos de sentença desemboca na última parte do presente es
tudo, onde se examinam os reflexos da identificação destes em
uma série de institutos processuais, notadamente mas não só na
disciplina dos recursos {infra, n. 44 ss.). Tal utilidade c o único
responsável e o único fator legitimante da própria teoria dos ca
pítulos de sentença.

13. capítulos de mérito e capítulos


de eficácia exclusivamente processual

Toda demanda deduzida em juízo como ato inicial de um pro


cesso traz em si a soma de duas pretensões, ou seja, de duas
aspirações que o detnandante apresenta ao juiz em busca de re
conhecimento e satisfação.
Uma delas, de direta relevância substancial, porque envolvi
da com bens e situações da vida comum dos litigantes em socie
dade, é a que, no processo, vem a constituir o seu objeto, ou o
meritum caiisce. Satisfazê-la é outorgar ao demandante o bem
ou situação a que não teria acesso senão mediante a via do pro
cesso. Rejeitá-la é fadá-lo à perpétua (ou quase) resignação,
dado que a improcedência da demanda inicial implica tutela ao
demandado, ao qual se oferece a declaração de que o autor não
tem o direito que vinha alegando - sendo notório que a aiictori-
tas rei judicata: tanto imuniza a pronúncia de procedência, quan
to a de improcedência das demandas julgadas.*^
A outra pretensão que a demanda inicial apresenta ao juiz - e
que antecede logicamente àquela - consiste na aspiração a um

6. Cfr. Liebman, Manuaíe cii clirillo processuale civile, II, n. 394, pp. 419-
421: V. ainda vol. I, nn. 74-75, pp. 153 s.s. irad.; sobre a tutela Jurisdicional que
por esse meio se outorga ao rcu, v. ainda Dinamarco, Fundamentos do proces
so civil moderno, II, n. 432, pp. 828-831.
OS CAPÍTULOS DE SENTENÇA NA TEORIA DESTA 39

provimento jurisdicional em relação à primeira. Para chegar ao


bem da vida almejado, o demandante afirma a necessidade de
uma providência, a ser dispensada pelo juiz, que pelo modo ade
quado lhe ponha o bem à disposição ou crie nova situação jurí
dica apta a obtê-lo. Reconhecer o direito do autor a um julga
mento do mérito não significa, ainda, afirmar o seu direito ao
bem e muito menos franquear-lhe o acesso a ele ou, muito me
nos ainda, criar a nova situação jurídica que ele veio postular
em juízo (sentença constitutiva). Mesmo para que o mérito pos
sa ser julgado, isto é, para que o demandante tenha o direito ao
julgamento a seu respeito, certos conhecidos requisitos são in
dispensáveis - e são os pressupostos de admissibilidade do jul
gamento do mérito. Eles vão desde as condições da ação e dos
pressupostos processuais até aos atos de correto exercício da
quela e adequada realização dos atos processuais indispensáveis,
sem os quais o processo é extinto e o mérito fica sem julgamen
to (CPC, art. 267).^

Como SC sabe, embora o direito de ação prescinda da efetiva


existência do direito afirmado (caráter abstrato da ação), a tutela
jurisdicional só será concedida àquele que tiver razão. Recebe a
sentença de mérito aquele que tiver direito a ela, quer tenha ou
não direito ao bem da vida pretendido; ter direito à sentença de
mérito não é mais que direito àquele bem puramente processual e
portanto instrumental, que é o julgamento do mérito (Liebman).'^

Essa dualidade de pretensões que se associam a partir do ato


de incoação processual impõe a consideração de que toda de
manda inicial do processo é necessariamente bifronte, por re-
solver-se na dedução das duas pretensões e pedido de satisfação
de ambas, a saber: a) satisfação da pretensão ao julgamento do
mérito, pela simples prolação do provimento jurisdicional pre-

7. Cf}\ Bnzvãá, Agravo de petição, nn. 56-68, esp. p. 115, a quem se deve a
locução pressupostos de admissibilidade do julgamento da lide, aqui emprega
da como acima se vê.
8. Cfr. Manual de direito processual civil, I, n. 73, esp. p. 152 trad.: v. ainda
Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, II. n. 429. p. 820.
4 0 CAPÍTULOS DF. SENTENÇA

tendido, sendo esse o chamado pedido imediato', b) satisfação


da pretensão ao bem da vida, mediante a outorga da tutela juris-
dicional querida pelo demandante (procedência da demanda -
pedido mediato)^ A consciência da estrutura bifronte das de
mandas deduzidas no processo de conhecimento permite ainda
a percepção de que existem dois distintos momentos lógicos, na
unidade formai de toda sentença de mérito, e que são: a) o do
reconhecimento do direito do demandante ao provimento juris-
dicional e (b) o da afirmação ou negação do seu direito ao bem
da vida pretendido, com o eventual acréscimo de determinações
conducentes à sua efetiva obtenção (condenação, mandamento,
constituição ou desconstituição de relação jurídica).
Como é notório e decorre do que vem de ser exposto, o aco
lhimento da primeira dessas pretensões c condição para que o jul
gamento do mérito seja proferido mas não condiciona o teor des
se julgamento - de modo que o superamento dos óliices para que
o julgamento do mérito seja possível não significa ainda que o
autor receberá a tutela jurisdicional postulada (a demanda poderá
ser julgada procedente ou improcedente).

Ocorrem casos em que o juiz desdobra seus preceitos impe


rativos em dois ou mais, um dispondo sobre o destino do pro
cesso (pressupostos do julgamento do mérito) e outro, sobre o
bem da vida pretendido pelo autor (julgamento do mérito). Tan
to pode haver capítulos distintos, ambos portadores de decisões
sobre o mérito, como capítulos distintos, alusivos apenas ao pro
cesso (sem julgar o mérito), como ainda a convivência entre uns
e outros, ou seja, entre capítulos de meritis e processuais. Daí a
afirmação da existência, conforme o caso, de capítulos homogê
neos ou heterogêneos {infra, n. 35).
Capítulos puramente processuais são aqueles que dispõem
acerca de preliminares, pronunciando-se portanto, positiva ou
negativamente, sobre os pressupostos de admissibilidade do
9. Cfr. Dinamarco. Instiiiiiçõcs de direito processual civil, 11, n. 434, pp.
108-109 Essa posição é adotada por Augusto Cerlno Canova e apoiada por
Laura Salvancsclii (L'iiiteresse ad impiignare, cap. 1, n. 2, esp. p. 60, nota 50).
OS CAPÍTULOS DE SENTENÇA NA TEORIA DESTA 41

julgamento do mérito. E, como entre as preliminares há aquelas


cujo acolhimento implica extinção do processo (defesas litis in-
gressum /mpcíZ/ez/rcs - litispendência, coisa julgada, carência de
ação etc.) e aquelas que não conduzem a essa extinção (incom
petência absoluta, impedimento do juiz), segue-se que, mesmo
sem ingressar no exame do mérito, a sentença pode desmem
brar-se em capítulos distintos, todos de eficácia puramente pro
cessual. É o que se dá, por exemplo, quando o juiz rejeita a pre
liminar de incompetência absoluta, prosseguindo a julgar, mas
em seguida extingue o processo por carência de ação;"' se ele
acolher a incompetência absoluta, nem haverá um segundo ca
pítulo, porque o julgamento fica somente nesse tópico, nem esta
rá proferindo uma sentença, porque é interlocutória a decisão que
determina a remessa do processo a outro juízo (art. 113, § 2-).
Quando as preliminares decididas são todas cxtintivas (litis-
pendência ou coisa julgada, ilegitimidade ud cansam, inépcia da
petição inicial, incompetência internacional etc.), na .sentença
haverá apenas um cúmulo de .soluções de questões, sem plurali
dade de capítulos processuais.^^ Nessas hipóteses o preceito de-
cisório imperativo a respeito de toda a matéria processual é um
só, a saber: a) ou a extinção proce.ssual por falta de um ou mais
dos pressupostos para prosseguir; ou b) a afirmação de que to
dos os pressupostos estão presentes e, portanto, o julgamento
do mérito é admissível, perdurando o processo. Des.se modo, (a)
.sendo acolhida uma, duas ou várias preliminares com o poder
de determinar a extinção do processo, a sentença conteria só o

10, O exame da competência relativa não é feito cm sentença, mas na deci


são interlocutória da exceção de incompetência (arts. 112, .304 c/c.).
11. Diferente é a posição de Liebman. ao afirtnar que ".se as questões impe-
dientes forem várias, cada uma delas dará lugar a um capítulo de sentença"
("Parle o "capo' di scntenza'". n. .3. esp. p. 55) - embora seja da c.ssência da
própria teoria do Mestre que. sendo uma só a disposição imperativa ditada pelo
juiz (no caso, disposição para que o processo perdure ou para que seja extinto),
a diversidade de questões resolvidas não produz a fragmentação da .sentença
em tantos capítulos quantas forem estas. Cfr., no sentido do que está no texto
acima. Araújo Cintra. Sobre os limites objetivos da apelação civil, cap. Ill, n.
7, pp. 53-54.
42 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

capítulo que o extingue, ao lado daquele que dispõe sobre o cus


to processual; b) sendo rejeitadas todas as preliminares, ocorre
rá um cúmulo heterogêneo de capítulos sentenciais, representa
do por aquele (único) que as rejeita, para que o processo receba
julgamento de meriíis, e aquele, ou aqueles, que dispõem sobre
o mérito.

Essa posição é reflexo das visões metodológicas mais moder


nas, que SC recusam a reconhecer que a decisão sobre cada uma
das preliminares suscitadas forme um patamar distinto na estru
tura da sentença, uma vez que os pressupostos de admissibilida
de do julgamento do mérito já não se prestam a estratifícações
muito estanques, repartindo-se rigorosamente em condições da
ação, pressupostos processuais, requisitos de regularidade do pro
cedimento e dos atos do processo tTc.É da teoria de Licbman a
inclusão dos pronunciamentos versando sobre matéria processual,
entre os capítulos de sentença {sit/mi. n. 7). O que aqui está dito.
porém, vai além da lição do Mestre, ao propor a distinção entre
preliminares extintivas {liiis ini;rcssiini inípcdientes) c não-extin-
tivas {exceções dilotórias, não peremptórias). Ele alude às deci
sões sobre competência'^ mas não as coloca em um subcomparti-
mento, como aqui se propõe.

14. os dois significados da autonomia


dos capítulos de sentença

A complexidade do objeto do processo, seja em virtude da


cumulação de pedidos na demanda deduzida pelo autor, seja
pela superveniência de pedidos (reconvenção etc.), repercute
necessariamente na sentença de mérito mediante a necessária
.>

pre.sença de tantos capítulos- quantos forem os pedidos postos


diante do juiz à e.spera de julgamento. Como dito ao examinar o
pensamento de Chiovenda, a autonomia de cada um destes é na
tural decorrência de uma observação muito simples, a saber, da
observação de que as diversas parcelas do petítum bem poderiam

12. Assim, Dinamarco, Instituições de direito processual civil, csp. vol. II,
nn. 121-12% pp. 616-619; v.ainda vol. Ill, nn. 830-831, pp. 126-128.
13. Cfr. "Parte o 'capo' cli scnicnza". n. 5. esp. p. 55.
OS CAPÍTULOS DE SENTENÇA NA TEORIA DESTA 4 3

ter sido objeto de demandas separadas, propostas em tempos di


ferentes e dando origem a dois ou mais processos - sendo portan
to meramente circunstancial a junção de todas em um processo
só, para serem decididas mediante sentença formalmente única.
Daí o predicado de autonomia, que, em relação aos capítulos
que decidem sobre pedidos diferentes, assume dois significados;
a) o da possibilidade de que cada um deles fosse objeto de um
processo separado e (b) o da regência de cada um por pressu
postos próprios, que não se confundem necessariamente nem por
inteiro com os pressupostos dos demais {supra, n. 6).
Quando se passa aos capítulos exclusivamente processuais
(preliminares litis ingressum impedientes ou incompetência ab
soluta), só no segundo desses sentidos é possível falar em auto
nomia, ou seja, eles são reciprocamente autônomos mas não têm
aptidão a uma vida própria, em processos instituídos somente
em relação a eles {supra, n. 7). Não seria juridicamente possível
instaurar um processo só com o pedido de declaração de uma
ilegitimidade ad causam, ou de uma incompetência absoluta c/c.
Capítulos a esse respeito só são autônomos no interior do pro
c e s s o .

15. capítulos independentes, dependentes e condícionantes

Outro discurso muito relevante é o que envolve capítulos in


dependentes e capítulos dependentes, bastante versado pela dou
trina especializada. Aos primeiros aludia Chiovenda, com a as
sertiva de que há a relação de dependência entre capítulos sen
tenciais "quando um não pode logicamente subsistir se o outro
tiver sido negado".Essa dependência pode ser vista em todos
os casos nos quais se apresente uma relação ác prejudicialidade
entre duas pretensões, de modo que o julgamento de uma delas
(prejudicial) determinará o teor do julgamento da outra (preju
dicada) - como sucede quanto aos juros, que constituem uma
obrigação acessória e cuja existência, por isso, fica a priori ex-

14. Cfr. Principii di dirilto processiude civile, § 9], V. csp. p. 1.136.


44 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

cluída quando o principal não for devido.'"' O mesmo vínculo


existe entre os capítulos que dispõem sobre a pretensão à resci
são contratual e sobre a pretensão à restituição da coisa que fora
objeto do contrato re.scindendo, ficando prejudicada a segunda
em caso de rejeição da primeira;'^' o mesmo, ainda, na demanda
de proteção possessória, cumulada com pedido de indenização,
sendo a primeira prejudicial em relação à segunda.

Chiovcnda, como a generalidade dos que se dedicaram ao


tema, examinou os capítulos dependentes a partir da óptica dos
recursos e ao comentar dispositivos de seu direito positivo refe
rentes a estes, falando de como eles devem ser tratados pela ins
tância ad quem em caso de o recorrente insurgir-se explicitamente
apenas contra o capítulo dominante. Aqui, o discurso fica cir
cunscrito a uma teoria pura dos capítulos de sentença, limitando-
se a examiná-los em si mesmos e na teoria desta, independente
mente das projeções que a relação de dependência possa ter em
outro lugar.

Há dependência, também, do capítulo portador do julgamen


to do mérito, em relação ao que decide sobre a admissibilidade
desse julgamento: não se chega àquele, caso o julgamento con
tido neste seja de teor negativo, isto é, nas hipóteses em que o
direito ao provimento de mérito seja negado.'^

Há uma relevante diferença conceituai entre os casos de de


pendência entre capítulos de mérito e os casos de dependência
destes em relação a capítulos puramente processuais.

15. Isso não significa que os juros não possam ser objeto de uma demanda
autônoma, em processo ulterior e, portanto, para ser julgada por outra sentença.
Eles devem ser objeto de julgamento ainda quando não pedidos (os chamados
pedidos implícitos - CPC, art. 2Ó3, parte linal), mas .se a seu respeito se omitir
a sentença que julga procedente a demanda pelo principal, o direito substancial
a eles fica intacto e pode ser objeto de demanda autônoma e .separada. O mes
mo sucede com a correção monetária e a aplicação de critérios de conversão de
moeda estrangeira {infra, n. 25).
16. Exemplo suscitado por Araújo Cintra. Sobre os limites objetivos da ape
lação civil. cap. Ill, n. 4. p. 4^.
17. Mas seguramente e.ssa hipótc.se não esteve nas cogitações de Chioven-
da, o qual se limitava a considerar os capítulos de mérito.
OS CAPÍTULOS DE SENTENÇA NA TEORIA DESTA 45

Lá, tem-se uma relação de prcjiidicialidade, pela qual o teor


do juízo sobre uma das pretensões determinará o teor do juízo
sobre a outra. Há prejudicialidade lógica entre duas causas, quan
do a coerência exige que o pronunciamento sobre uma delas seja
tomado como precedente para o pronunciamento subseqüente;'''
e a prejudicialidade torna-se relevante para o direito quando a
isso se acresce a prejudicialidade jurídica, representada pela
igual natureza do juízo relativo a essas duas causas.'" Quando o
juiz desacolhe a pretensão pelo principal, ele não deixa de julgar
aquela relativa aos juros, mas rejeita-a também (ambas as deci
sões são de mérito). O mesmo sucede quando é rejeitada a preten
são à rescisão contratual ou a posscs.sória, com a conseqüência de
ser improcedente o pedido de restituição ou o de ressarcimento eic.
Diz-se que ne.sscs casos o segundo pedido ficou prejudicado.
Quando o juiz determina a extinção do processo ou afirma sua
incompetência absoluta e manda que este seja remetido a outra
sede, os capítulos referentes ao mérito não chegam a ser julgados
- diferentemente do que se dá nas hipóteses acima, em que o jul
gamento da causa prejudicial é condicionante do leor do julga
mento da prejudicada. O acolhimento de uma preliminar é impe
ditivo do pronunciamento pelo mérito.-" Ressalva-se: cm caso de
preliminar de incompetência ab.soluta. o julgamento a seu respei
to far-se-á em sentença, como capitulo inicial, se a preliminar for
rejeitada; se for acolhida, ter-se-á uma decisão interlocutõria.

Em ambos os grupos de hipóteses existe uma relação de su


bordinação, ou condicionamento, entre capítulos de sentença -

18."ln lógica diconsi prejudiciali qucsti giudizí che lormano 11 precedente


delia conclusione finale; e pregiudicialc è pure il raziocinio che il .soggctto
pensante si pone.sse per giungere a loro" (Menestrina. La pregiudiciale nelpro
cesso civile, n. 22, p. 100).
19. "La pregiudicialità giuridica na.sce daH'unirsi di un niiovo elemento alia
pregiudicialità lógica: e il nuovo elemento è reguale natura de! giudizio pre-
gludiclale e dei finale" (Menestrina, op. loc cii., p. 103. Cjí. ainda Barliosa
Moreira, Questões prejudicais e coLui julgada, n. 32, csp. pp. 51-52; Adroaldo
Furtado Fabrício, ÃfÀo declaratória incidental, n. 29. csp. p. 68; Dinamarco.
Intervenção de terceiros, n. 43, pp. 84-85).
20. É moeda corrente na doutrina atual a distinção entre prejudicial e preli
minar porque esta, sim, subordina a própria admissibilidade da decisão de mé
rito, a qual será negada conforme o modo como se decida aquela {cfr. Barbosa
Moreira, Questões prejudiciais e coisa julgada, nn. 18-21. pp. 28 ss.; Adroal
do Furtado Fabrício. Ação declaratória incidental, n. 28. pp. 64-65).
46 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

seja porque o teor de um deles pode impedir a emissão do outro


(preliminar), seja porque ele pode determinar o teor dos subse
qüentes (prejudicados). E, assim como se chamam dependentes
os capítulos assim sujeitos a essas ordens de influência, deno
minemos condicionantes os que exercem tais influências sobre
os demais.

É, em princípio, dependente o capítulo, que no sistema cio Có


digo de Processo Civil toda sentença deve conter, sobre a atribui
ção do custo financeiro do processo. Ao condenar uma das partes
a arcar com os encargos integrantes desse custo (despesas e hono
rários), o juiz se orienta pelo chamado princípio da suciunhéncia,
atribuindo-os em princípio à parte vencida;-'"-- e a subordinação
desse capítulo ao principal é natural decorrência do fato de a causa
haver sido decidida em favor de um dos litigantes ou de outro.
Só não há qualquer relação de dependência jurídica entre o capí
tulo que contém a dispensa de reembolsar honorários e o que jul
ga o mandado de segurança, porque se entende que no sistema
desse processo espccialíssimo tal verba jamais é devida (Súmula
512 STF) - independentemente do teor do julgamento principal.

16. capítulos resultantes de uma cisão quantitativa

Como a seu tempo será exposto em pormenor, a identificação


dessas unidades autônomas, que são os capítulos de sentença,
está rigorosamente condicionada pela teoria do objeto do pro
cesso, concebendo-se a convivência de capítulos em uma sen
tença destinada a prover (a) sobre um objeto composto por dois

21. Rectiiis: àquele que houver dado causa ao processo (Chiovcnda, Pajar-
di, Cahali - cfr. Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, I, n. 351.
pp. 669-671).
22. A condenação por despesas e honorários deve ocorrer inclusive quando
é vencido o beneficiário da assistência judiciária, porque assim dispõe a lei
(lei n. 1.060, de 5.2.1950. arts. II. § 1- c 12) e porque o advogado do vencedor
não lhe patrocinou os interesses, já estando e.xaurido o escopo do próprio institu
to. que é o de permitir a dcfe.sa dos direitos em juízo (Dinamarco, Instituições
de direito processual civil, II. n. 769, pp. 677-678). Mas um capítulo alusivo a
despesas e honorários é sempre indispensável em toda sentença, ainda que para
declarar que não são devidos.
OS CAPÍTULOS DE SENTENÇA NA TEORIA DESTA 47

OU mais pedidos (um capítulo para o pedido de reintegração de


posse e outro para o de ressarcimento de danos etc.) ou (b) so
bre um objeto do processo representado pela pretensão, ainda
que formalmente única, a haver coisas suscetíveis de contagem,
medição, pesagem ou qualquer outra ordem de quantificação
(especialmente, o dinheiro).
Essa escansão dos capítulos de sentença a partir de elemen
tos quantitativos já fora proposta por Chiovenda e veio depois a
ser acatada por Liebman, mas também foi objeto de veementes
opiniões contrárias. Falou o fundador da Escola Processual de
São Paulo em uma cisão quantitativa da pretensão única do au
tor, que vem. a redundar em duas distintas partes ideais do julga
mento, dizendo:

"importante c também a hipótese de um objeto que tivesse ini


cialmente uma estrutura unitária c que venha a ser cindido na sen
tença em dois objetos distintos. Vem a propósito o caso bem co
nhecido da demanda contendo um pedido divisive! e portanto
suscetível de variações quantitativas, na medida de seu acolhi
mento e, reciprocamente, de sua rejeição - p.ex., pagamento de
um valor em dinheiro ou entrega de uma certa quantidade de coi
sas fungíveis".--^

Em Chiovenda lia-se a advertência de que "quando se trata


de quantidade, a sentença pode ser cindida em tantos capítulos
quantas forem as unidades", ilustrando-se essa assertiva com o
caso de alguém que, condenado a pagar 100 e, embora em pri
meiro grau houvesse contestado o débito por inteiro, ao apelar
sustenta que deve apenas 50: nesse caso, ensinou Chiovenda, o
tribunal não pode reformar a sentença por inteiro,porque na
apelação o objeto do processo ficou cindido em dois e somente
a matéria contida em um dos capítulos da sentença lhe foi de
volvida (o art. 515, caput do Código de Processo Civil brasilei
ro presta-se a essa ilustração).

23. Cfr. "Parte o ■capo' di senlcnza", n. 4, esp. p. 53.


24. C/r. Principii di dirilío processiiale civile, § 84. IV, esp. p. Ó88.
4 8 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

17. capítulos das decisões mterlocuíórias


e de outros pronunciamentos judiciais

Toda a teoria dos capítulos desenvolveu-se em tomo de um


dos possíveis pronunciamentos judiciais, que é a sentença - ato
com o qual o juiz define a causa, com ou sem julgamento do
mérito e extinguindo ou não o processo (CPC, art. 162, § 1°).
Mas muitos dos problemas processuais que a identificação de
capítulos de sentença concorre a solucionar, notadamente no
campo recursal, manifestam-se também em outras categorias de
decisões, como as interlocutórias e os acórdãos.
As decisões interlocutórias, que se resolvem em pronuncia
mentos sobre pretensões incidentes ao processo ou em disposi
ções ditadas ex oficio pelo juiz,-^ serão também suscetíveis à
cisão em capítulos sempre que, na parte dispositiva, enunciem
mais de um preceito imperativo - por exemplo, ao deferir a pro
va requerida por uma das partes e indeferir prova à outra delas,
ou ao conceder a antecipação de tutela ao mesmo tempo em que
rejeita preliminares e declara saneado o processo etc. Também
ali convivem, tanto quanto na sentença podem conviver, duas
ou mais unidades elementares caracterizadas como capítulos e
que como tais devem ser tratadas.-^

25. Não é correta a definição legal de decisão interlocutória, como "ato pelo
qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente" (CPC, art. 162,
§ 2°), pela mesma razão pela qual a sentença não é somente o ato com que o
Juiz decide questões sobre o mérito ou sobre a vida do processo. Tanto lá quan
to cá, o Juiz soluciona questões ao construir o suporte lógico do preceito impe
rativo a ser imposto (Dinamarco, Instituições de direito processual civil, II, n.
652, pp. 490-491). O preceito imperativo contido nas decisões interlocutórias
consiste na determinação que elas contenham, como ao determinar a realização
de uma prova, ao anular parcialmente o processo e determinar a repetição de
atos, ao conceder ou negar uma medida urgente etc.
26. Cfr. Paulo Cezar Aragão, Recurso adesivo, n. 33, pp. 26-27, o qual, em
bora não aluda de modo expresso aos capítulos de decisão interlocutória, co
gita de uma sucumbência parcial em casos assim; ele refere ainda a hipótese de
sucumbência parcial no Julgamento da exceção de incompetência (o qual se faz
sempre por decisão interlocutória e não por sentença), em caso de o Juiz decla
rar-se incompetente mas determinar a remessa do processo a outro foro, que
não aquele pelo qual o excipiente haja declinado.
OS CAPÍTULOS DE SENTENÇA NA TEORIA DESTA 4 9

Tem desenganada natureza interlocutória a decisão com que o


juiz, no processo monitório, expede o mandado de pagamento
ou entrega a que se refere o art. 1.102-b do Código de Processo
Civil.-' Se nesse ato o juiz ali incluir mais de uma deliberação ou
comando, como, por exemplo, ao conceder o mandado por valor
menor que o postulado pelo autor, eis aí uma decisão interlocutó
ria distribuída em capítulos.

O acórdão que conhece de apelação interposta contra sentença


de mérito e lhe dá ou nega provimento para confirmar ou rever
ter o teor do julgamento inferior é um verdadeiro doiiblé daque
la, portador do mesmo conteúdo substancial que lhe dá corpo -
sendo por isso sujeito à mesma decomposição em capítulos a
que a sentença se sujeita; mesmo o que anula a sentença de mé
rito recorrida, para que outra seja proferida pelo órgão a quo,
terá ao menos dois capítulos quando for dado destaque à ques
tão da admissibilidade do recurso interposto (conhecimento).-^
Provavelmente não comportará qualquer cisão em capítulos o
acórdão que se limitar a não conhecer do recurso, no qual nada
se contém além disso.

Cogita-se ainda de atos judiciais heterogêneos, realizados no


curso do processo, portadores do conteúdo de uma decisão inter
locutória (p.cx., concedendo ou negando a medida urgente pedi
da pela parte) e, ao mesmo tempo, fazendo uma determinação
própria a mero despacho (p.ex., mandando dar vi.sta a uma das
partes para dizer sobre documentos trazidos pela outra). Nesse
ato heterogêneo, o capítião que contém uma decisão e o que con
tém mera determinação de impulso processual comportam trata
mentos distintos, segundo a natureza de cada um (p.ex.. um é su
jeito ao recurso de agravo e o outro, irrecorrível).

27. Cfr. Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, nn. I68-H e


168-Q, pp. 238 e 246-247.
28. Ressalva-sc a hipótese de, por aplicação extensiva do § 3" do art. 515 do
Código de Processo Civil, aceitar-se que também em caso de reconhecer uma
nulidadc po-ssa o tribunal, em dadas circunstâncias, decidir desde logo sobre o
meritum causce; a.ssim c no sistema italiano {cfr. Liebman. Manuale di diritto
processuaie, 11. n. 314, p. 295; Dinamarco, Nova era do processo civil, n. 89.
pp. 174-175).
CAPÍTULO III
CAPÍTULOS DE MÉRITO

18. o objclo do processo c seu \ iiior sistemálico no processo de conheciinenio -


19. a pretensão de mérito e a pretensão ao julgamento do mérito - 20. sobre o
mérito c o objeto do proce.sso - 21. objeto do processo, pretensões, crises jurídi
cas - 22. o árduo problema do conceito de pretensão na teoria do objeto do
processo - 23. o mérito e o objeto do processo - 24. os capítulos de mérito e o
objeto do processo - 25. objeto composto: cúmulos presentes na demanda inicial
- 26. objeto composto: cúmulos ulieriores - 27. litisconsórcio - 28. objclo sim
ples decomponível - 29. a decomposição do provimento pedido ou cisão jurídi
ca do pedido - 30. an dcheainr e quantum dehealnr - 31. eficácias convergentes
ou divergentes - sucumbências - 32. correlação entre o demandado e o decidido

18. o objeto do processo e seu valor sistemático


no processo de conhecimento^
O modo como é posta a problemática dos capítulos de mérito
impõe que, para sua correta compreensão, se explicitem concei-

1. Não c que o tema seja ab.soliilamente confinado ao processo de conheci


mento ou à fase cognitiva do processo. Em alguma medida podem ver-sc capí
tulos também no processo monitório, na execução, na fase executiva e mesmo
na de cumprimento da sentença - até porque também as decisões interiocutórias
podem ser assim divididas (v. infra. n. 13). Mas, como em princípio os julga
mentos de mérito só devem ser pronunciados no processo ou fase de conheci
mento, ou em incidentes cognitivos bem especificados cm lei (impugnação do
devedor - CPC, art. 475-L. inc. I. red. lei n. 11.232, de 22.12.05) e como em
julgamentos dessa ordem é que o fenômeno surge com mais intensidade e fre
qüência, justifica-se a provisório limitação que aqui se faz - com a reserva das
considerações, feitas a seu tempo, sobre os capítulos das decisões interiocutó
rias e da utilidade da teoria no processo executivo {supra. n. 17 e infra. n. 60).
CAPÍTULOS DE MÉRITO 51

tos sobre a teoria do objeto do processo, insistentemente cha


mada à colação pela doutrina especializada. É o que se procura
fazer neste item e nos subseqüentes, mediante tomadas de posi
ção que são indispensáveis premissas metodológicas sem as
quais nenhuma conclusão poderia ser segura e confiável.
O saldo útil das intermináveis disputas sobre o conceito de
Streitgegenstand, em que se envolveram os processualistas ale
mães durante décadas, é a conclusão de que o objeto do proces
so reside na pretensão deduzida pelo demandante (Anspruch),
representada pelo pedido feito (Antrag) e identificada pelo que
nós latinos chamamos causa de pedir (a que eles, germânicos,
aludem como estado de coisas, evento da vida ou segmento da
História)? Tal pretensão é o que ordinariamente se denomina
mérito e, como é notório, todas as atividades realizadas no pro
cesso de conhecimento convergem ao julgamento do mérito e
destinam-se a prepará-lo. O meritum caiisce, ou seja, a preten
são deduzida, é o conteúdo e a razão de ser da demanda e do
processo. É sobre ele que se desenvolverão todas as atividades
dos sujeitos do processo como tais. Todo processo se faz por
que existem pretensões insatisfeitas e para que sobre elas algo
venha a ser disposto pelo juiz. A tutela jurisdicional postulada
pelo demandante não é outra coisa senão o produto de uma me
dida que de algum modo altere a situação lamentada e dê satis
fação à pretensão apresentada a ele. Julgar o mérito, portanto, é
acolher ou rejeitar a pretensão trazida pelo autor - aquela mes
ma pretensão que ele já alimentava antes do processo e, porque
não satisfeita, veio a ser formalizada em sua petição inicial. Jul
gar o mérito é conceder ou negar a tutela jurisdicional postula
da pelo autor - no segundo caso, concedendo-a ao réu. Quer se
acolha ou rejeite a demanda do autor, julgar o mérito é sempre
dispor sobre a pretensão deduzida?
2. Cfr. Dinamarco. l-undomentos do processo civil moderno. I, n. 117. pp.
271-272.
3. Sobre a.s polêmicas doutrinárias em torno desses conceitos, cfr. Dinamar
co, Fundamentos do processo civil moderno, I, nn. 102-119. pp. 232 ss.; sobre
a tutela jurisdicional. vol. 11, nn. 421-437, pp. 797 ss.
CAPÍTULOS DE SENTENÇA

Na linguagem típica de Carnelutti. que a Exposição de Moti


vos enaltece e o Código de Processo Civil adota, mérito seria a
lide preexistente entre os sujeitos - ou seja, a pretensão de um
deles a determinado bem (exigência de sua entrega), resistida pelo
outro sujeito. Mérito, no Código, é a lide.^

19. a pretensão de mérito


e a pretensão ao julgamento do mérito

Essa espécie de fracionaiiiento, coino já exposto, tem apoio


no reconhecimento do caráter bifro/uc da pretensão deduzida
pelo demandante no processo de conhecimento, a qual inclui,
antes do pedido de uma sentença favorável de determinada es
pécie e sobre detertiiinado objeto em concreto, o do próprio jul
gamento da pretensão ao bem da vida {supra, n. 13). Se o juiz
rejeita essa pretensão e extingue o proce.sso sem julgamento do
mérito, provavelmente não haverá cisão alguma, sendo a sen
tença preenchida exclusivamente por esse teor extintivo do
processo; só quando ele acolhe a pretensão ao julgamento do mé
rito é que se agregam novos capítulos (ou seja, quando o mérito
é julgado, independentemente do teor desse julgamento).

Seja ainda uma vez lembrada a res.salva do capítulo referente


ao custo financeiro do processo, que deve estar presente em toda
sentença e guarda, com os capítulos extintivos, relação de liete-
rogeneidade (porque a decisão sobre o custo do processo é de
mérito - mérito secundário, acessório, mas mérito).

20. sobre o mérito e o objeto do processo

Já apresentada a idéia das pretensões que se situam em pla


nos diferentes, cada uma delas comportando um julgamento que

4. Cfr. Camclutli, fslitiizioni dei diritto processnale civile italiano. I. n. 5, pp.


6-7. Na Exposição dc Motivos do Código de Processo Civil, \. cap. II, n. 6. Para
Licbman, numa posição acatada por Galeno Lacerda, lide c a pretensão deduzida
{cfr., respectivamente "O despacho saneador e o julgamento do mérito", nn. 6-Q.
pp. 112 ss. e Comentários ao Código de Processo Civil, VIU. t. 1. n. 6, p.20). Para
o repúdio à lide como pólo metodológico em direito processual, Dinamarco, A
instrnmenialidade do processo, n. 5. esp. pp. 55-57 e n. 2ÓI.1. pp. 259 ss.
CAPÍTULOS DE MÉRITO 53

não se confunde com o da outra, destinam-se os tópicos subse


qüentes apenas ao exame do objeto do processo e das repercus
sões da teoria deste sobre os capítulos de sentença - ou, mais
precisamente, sobre os capítulos de mérito. Estará presente nes
ses tópicos a preocupação de encaminhar raciocínios e premissas
úteis à aplicação operacional da teoria dos capítulos de senten
ça nas diversas áreas de relevância ]k anunciadas {supra, n. 3).

21. objeto do processo, pretensões, crises jurídicas

O velho tema do objeto do processo reconquista dignidade


a partir das novas perspectivas que se abrem na metodologia
modema da ciência processual, centrada na idéia de um processo
civil de resultados. Antes do processo há uma pretensão insatis
feita e o processo se instaura e realiza precisamente em virtude
dessa insatisfação e com o fito de eliminá-la. Durante o processo
tem-se uma pretensão deduzida, que constitui o objeto das aten
ções do juiz e das atividades de todos os sujeitos processuais.
Depois do processo, havendo sido julgado o mérito, há uma pre
tensão dirimida - dirimida mediante sua satisfação (pretensão
acolhida) ou mediante a definitiva não-satisfação (pretensão re
jeitada), mas em qualquer hipótese com a eliminação da crise
jurídica que o exercício da jurisdição visa a resolver. Falar em
objeto do processo é portanto pensar nas situações da vida das
pessoas em relação com os bens da vida e com outras pessoas,
consideradas as crises que as envolvem e a tutela jurisdicional
concretamente postulada pelo demandante. Ao dispor sobre esse
objeto, o juiz oferece a tutela jurisdicional e com isso produz
resultados úteis na vida em sociedade.^

As crises de certeza resolvem-se mediante as sentenças mera


mente declaratórias e as crises das situações jurídicas, mediante
as sentenças constitutivas. Das sentenças que decidem o mérito,
a condenatória não dirime crise alguma, porque as crises de adim-

5. Cfr. Dinamarco, Instituições de direito processual civil, 1, n. 44, pp. 116-


117; n. 58, pp. 148-152; II, nn. 725 ss., pp. 614-619.
5 4 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

plemento, que lhes dào causa, permanecem como dantes e só se


rão dirimidas pela saUsfoçào que se obtém na fase executiva ou
na de cumprimento da sentença.'' Mesmo em face da lei n.
11.232, de 22 de dezembro de 2005, pela qual a execução da sen
tença (em caso de débito pecuniário) e o cumprimento desta
(obrigações específicas) se fazem em continuação ao processo em
que o mérito houver sido julgado, efetiva tutela jurisdicional só
haverá quando a satisfação houver sido obtida; nesses casos, a
sentença em si não constitui tutela jurisdicional.' A sentença de-
claratória com eficácia condenatória (CPC, art. 475-N, inc. 1) di
rimirá a crise de certeza em virtude da qual haja sido postulada,
mas a crise de inadiniplemento que houvesse antes restará intacta
porque a satisfação do credor ainda dependerá da execução, ou
cumprimento de sentença.

Essas reflexões introduzem a temática do objeto do processo,


sabendo-se que ele é o material manipulado pelo juiz e pelas
partes em suas atividades conjugadas e não se desconhecendo
as imensas dificuldades que impediram os alemães de chegar a
resultados conclusivos. Como a aproximação do Streitgegens-
tand ao conceito de pretensão foi quase um ponto de chegada
na doutrina especializada, é preciso definir com suficiente pre
cisão o significado desse vocábulo na teoria do objeto do pro
cesso, adiantando-se, desde logo, que o método teleológico do
chamado processo civil de resultados é decisivo na tomada de
posição a respeito.

22. o árduo problema do conceito de pretensão


na teoria do objeto do processo

Quando o pandectista Bemhard Windscheid explicitou no § 194


do Bürgerliches Gesetzbuch a categoria jurídica da Anspruch e
depois, quando foi tentada a definição de ação como Rechtss-
6. Cfr. Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, II, n. 436, pp.
835-836, esp. nota 84; Instituições de direito processual civil, III, n. 911, pp.
229 ss.
7. Cfi: Pontes de Miranda, Tratado das ações, I, esp. § 33, pp. 168 ss. e § 37,
nn. 1-2, p. 211; VI, § I", n. I, p. 3. Cfr. ainda Dinamareo, Instituições de direito
processual civil, III, n. 919, pp. 242 ss.; A Reforma da Reforma, n. 157, pp.
223-224.
CAPÍTULOS DE MÉRITO 55

chutzanspruch (direito à tutela jurídica), aberto ficou o cami


nho para um confronto metodológico e um emaranhado de des
vios conceituais que até hoje não se dissipou a contento.
A tradução do vocábulo Ampntch surgiu na tradução das Pan-
dectas de Windscheid, feita pelos italianos Fadda e Bensa, como
pretesa (pretensão);'' e como pretensão é ordinariamente traduzi
da nas demais línguas latinas.'

Pretensão, nesse sentido pandectista, é repristinaçào da actio


dos romanos em vestes aparentemente modernas. Quando ine-
xistia o conceito de jus e o pretor tipificava as situações da vida
em que se dispunha a interferir, ele prometia dar ação a quem
se encontrasse nas situações tipificadas por ele próprio. E ter
actio, nesse quadro, significava ao mesmo tempo ter direito ao
bem e ostentar quanto a ele uma aspiração que em tese fosse
admissível em juízo (sempre, a tipicidade das actiones).
Daí a clássica definição de Celsus: actio est jus quod sibi debea-
tur in judicio persequendi.
Esse é um conceito de extremo sincretismo, no qual se mos
tra impossível distinguir o que é o direito ao bem e o que é o
direito a obter proteção judiciária desse direito. Despreza a fun
damental distinção entre fenômenos jurídico-materiais e outros
que pertençam ao mundo do processo." Ter actio em relação a
determinado bem, tanto quanto ter pretensão a ele (Anspruch),

8. C/r. Diritío delle pandette, Turim, 1904, I, pp. 107 ss. trad.; v. Chioven-
da, "L'azione nel sistema dei diritti", n. 3, nota 19, p. 58. Cfr. ainda Emilio
Betti, "Ragione e azione", n. 1, texto e nota 3, p. 206.
9. Sobre o sentido assertório da palavra pretensão, em contraste com esse
que vem das Pandectas, v. esp. Betti, Diritto processuale civile italiano, n. 15,
esp. p. 64. Endossando Camelutti, manifesto minha adesão a esse modo de
pensar, in Fundamentos do processo civil moderno, I, n. 116, pp. 270-271.
10. Sobre a actio romana e a impropriedade de sua confusão com a ação do
direito moderno, v. Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, nn.
146-148, pp. 267 ss. As especulações acerca dessa comparação remontam,
como é notório, ao estudo com que Bemhard Windscheid deu início à histórica
polêmica com Theodor Muther {cfr. Polemica inlorno ali'adio).
11. Sobre o sincretismo vigorante no estudo do processo antes da indepen
dência metodológica introduzida a partir da obra de von Bülow, v. Dinamarco,
A instrnmentalidade do processo, n. 1, pp. 17 ss..
56 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

significaria ter direito a havê-lo pela via judicial. Por isso mes
mo que sincrético, o conceito de pretensão pertence ao segmen
to histórico-metodológico que antecedeu a independência cien
tífica do direito processual. Sào retrógradas, porque valem por
uma volta ao passado metodológico já superado, as tentativas
de inserir no sistema moderno essa falsa categoria jurídica, que,
por ser sincrética, é própria do pandectismo já superado.
Assim entendido, o conceito de pretensão guarda alguma si
militude com o de direito à tutela jurisdicional em sua moderna
perspectiva concreta.'^ Quem pensar na situação do demandante
que tenha razão e reúna as três condições da ação, dirá que ele
tem direito à tutela jurisdicional e que também tem "pretensão"
ao bem pretendido. Até aí a diferença seria pouco mais que ver
bal e mais revelaria uma opção metodológica do observador. Mas
o conceito de tutela jurisdicional é bem mais amplo que o de pre
tensão e abrange também a proteção recebida pelo demandado
mediante o exercício da jurisdição. O de pretensão, naquele sen
tido pandectista, casa muito bem com a superada concepção do
processo civil do autor^^ e inclui necessariamente a existência de
um direito, o que não se dá no conceito de tutela jurisdicional em
sua visão moderna, nem no direito de ação em sua perspectiva abs
trata. Além disso, não explica a tutela que se outorga ao próprio
autor nas ações declaratórias negativas, em que direito algum exis
te e, portanto, nenhuma pretensão nesse sentido proscrito.''

Não é esse o conceito de pretensão tomado pelos próprios


processualistas germânicos em suas divagações sobre o objeto
do processo. Eles nunca chegaram a consenso sobre o conceito
a adotar, mas até quando as discussões a respeito se mantiveram

12. É lamentável que o novo Código Civil brasileiro, sancionado já no sé


culo XXI, volte a esse passado remoto, ao proclamar que "violado o direito,
nasce para o titular a pretensão, que se extingue pela prescrição" etc. (art. 189).
13. Referência específica a determinado bem, em determinada situação da
vida (não mero direito de agir em juízo, ou mesmo de obter o provimento juris
dicional pretendido: v. Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno,
11, 421, pp. 797-799).
14. De que acima se falou (v. ainda Dinamarco, Instituições de direito pro
cessual civil, 1, n. 39, pp. 104-17; Fundamentos do processo civil moderno, 11,
n. 422, pp. 799 ss.).
15. V. ainda Fundamentos do processo civil moderno, II, n. 432, pp. 828-831.
capítulos de mérito 5 7

presentes em sua doutrina tem-se por certo que o vocábulo pre


tensão não era empregado nesse contexto para designar uma si
tuação jurídica {aAnspruch do BGB alemão) mas o estado de es
pírito caracterizado pela aspiração ao bem e exteriorizado em atos
destinados a obtê-lo. Assim descrita, a pretensão que compõe o
objeto do processo é a exigência, de que falava Francesco Came-
lutti - exigência de subordinação de um interesse alheio ao inte
resse próprio}^ Jamais porém se pacificaram os alemães sobre se
o conceito de pretensão coincide com o de Antrag (pedido) - ou
se ela é uma entidade complexa, integrada pelo Antrag e também
pelo evento da vida descrito pelo autor (causa de pedir).
A glorificaçào do objeto do processo como pólo metodológi
co muito geral, ou centro de irradiação em torno do qual girariam
todos os grandes institutos do processo, acabou por ser motivo
de fracasso das investigações em tomo do seu preciso conceito.
Movido por essa obsessão, em clássica monografia Karl Heinz
Schwab chegou à decepcionante arbitrariedade consistente em
concluir (a) que Streitgegensiand é somente o pedido, quando to
mado como elemento retor de institutos como o cúmulo ou alte
ração de demandas ou a litispendência, mas seria (b) o pedido
mais o evento da vida, quando encarado como critério delimita-
dor dos limites da coisa julgada." Desconsiderou que, como tudo
neste mundo, o objeto do processo não pode ser e deixar de ser
ao mesmo tempo, ou ter uma natureza ou outra, conforme o modo
como interfere em cada conceito. Natureza e efeitos são coisas
bem diferentes. Ou o objeto do processo é um ente simplex,
ou complexo. O modo como concorre para determinar os diver
sos fenômenos do processo, inclusive os limites objetivos da coi
sa julgada, é outro problema.'®

Ora, é no petitum que o demandante expõe ao juiz a sua pre


tensão e indica qual tutela quer em relação a ela. Visto de perto,
o petitum contém a afirmação de que o demandante aspira ao
bem e a solicitação, ao juiz, de determinada tutela. Tal é o cará-

16. Cfi: Istiíuzioni dei processo civile italiano, I, n. 5, p. 7.


17. Cfi: Der Streitgegensiand im Zivilproieji, § 15, csp. p. 239; § 16, esp. p.
243.
18. Cfr. ainda Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, n. 119,
p. 276.
58 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

ter bifronte do pedido feito na petição inicial, o qual define o


bem pretendido e pleiteia do juiz uma providência que lhe pro
picie o acesso a ele. O demandante especifica concretamente o
bem e indica a espécie de tutela pretendida - declaratória, cons
titutiva, executiva etc. A pretensão ao bem preexiste ao proces
so e o resultado útil deste consistirá na atribuição desse bem ao
demandante ou a privação definitiva (procedência ou improce-
dência). Os meios de tutela não passam de mera instrumentação
técnico-jurídica empregada para a outorga do bem. Também os
fundamentos agitados pelo demandante quando externa sua pre
tensão ao bem exercem função instrumental, servindo para de
monstrar a concreta ocorrência das hipóteses legais, para con
vencer o juiz etc., mas no giro prático da vida, para os consumi
dores do serviço jurisdicional o resultado sensível resolve-se na
obtenção ou não-obtenção do bem pleiteado. Assim, o eixo de
utilidade do processo como instrumento da jurisdição é aquele
que vai do petitum ao decisum, eventualmente passando pela ex-
ceptio. A parte dispositiva da sentença, em que a tutela é conce
dida ou negada a quem a pediu, é a resposta afirmativa ou nega
tiva ao pedido feito pelo autor. Julgar a demanda procedente é
acolher o pedido-, julgá-la improcedente é rejeitá-lo. Em ambas
as hipóteses, é nessa parte que o juiz emite "una disposizione,
una statuizione avente efficacia imperativa".'^
A conclusão conceituai é, diante disso, que o objeto do pro
cesso reside somente no pedido, não incluindo a causa petendi.
Pede-se ao juiz uma situação mais favorável que a descrita e la
mentada na demanda inicial; e é na resposta afirmativa ou nega
tiva ao pedido (procedência ou improcedência) que se concede
ou nega essa situação mais favorável. É por isso que, por ex
pressa determinação legal, somente o dispositivo da sentença se
considera suscetível de ficar imunizado pela autoridade da coi
sa julgada, e jamais os fundamentos (art. 469 CPC). É dali que
promanam os efeitos substanciais da sentença, capazes de alte-

19. Ao contrário da atividade meramente lógica contida na solução que, ao


motivar a sentença, o juiz dá às questões examinadas {cfn Liebman, "Parte o
'capo' di sentenza", n. 2, p. 48).
CAPÍTULOS DE MÉRITO 5 9

rar alguma coisa na vida das pessoas em suas relações e nas re


lações com os bens da vida;-° é ali que se definem os resultados
úteis do processo.
Isoladamente, a localização do objeto do processo exclusiva
mente no petitum é insuficiente para determinar os limites objeti
vos da coisa julgada como fator impeditivo de novo julgamento
sobre a mesma pretensão. Subjetivamente, esse impedimento li-
mita-se, em princípio, às partes, sem vincular terceiros (art. 472);
objetivamente, ao objeto do processo (pedido) e aos fatos narra
dos à guisa de causa de pedir (art. 301, §§ Fa 3"). A duplicidade
de elementos objetivos limitadores da coisa julgada como fator
impeditivo não deve porém conduzir à distorção do conceito de
Streitgegenstand, proposta por Schwab, mas à singela constata
ção de que o objeto do processo não é assim tão determinante
nem tão autônomo. Dizer que a coisa julgada se limita ao pro
nunciamento emitido quanto ao objeto do processo não implica a
suposta necessidade de, por coerência, assumir que somente o
objeto do processo, isoladamente, seja suficiente para delimitar
as situações em que a coisa julgada impede novo julgamento da
causa. Os parágrafos do art. 301 apenas disciplinam a coisa jul
gada como fator impeditivo de novo julgamento da mesma de
manda, mas não a sua dimensão como elemento estabilizador das
relações jurídicas. Resumindo: a) a coisa julgada, como elemen
to imunizador da decisão a questionamentos futuros incide ex
clusivamente sobre o decisório sentenciai, porque é dali que ema
nam preceitos capazes de influir na vida dos litigantes; b) a coisa
julgada como fator de impedimento de nova decisão depende,
para que efetivamente a impeça, da confluência dos demais ele
mentos da demanda. Se não fosse assim e nos víssemos obriga
dos a aceitar a causa de pedir como elemento integrante do obje
to do processo, seríamos também, absurdamente, obrigados a in
cluir as partes no conceito de Streitgegenstand?^

23. O mérito e o objeto do processo

Outro conceito ainda sem maturidade na doutrina é o de mé


rito, ou meritum causce. Não-obstante as incertezas reinantes nas
20. Cfr. Liebman, "Parte o 'capo' di sentenza", 2, pp. 48-49.
2\.Cfr. Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, I, n. 119, esp.
276, a partir da 4» edição (nas edições anteriores, declarei expressamente que
nada concluía a esse respeito).
60 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

propostas de sua conceituação, pode-se hoje no entanto afirmar


com toda segurança que o mérito, ou objeto do processo, é a
pretensão apresentada ao juiz com pedido de sua satisfação.
Decidir o mérito, como já afirmado, é acolher ou rejeitar a pre
tensão trazida com a demanda inicial, concedendo tutela juris-
dicional àquele que tiver razão.— Mas, como para a decisão entre
pretensões conflitantes é sempre indispensável explicitar razões
de decidir, vê-se com freqüência na doutrina o engano consis
tente em confundir o próprio mérito, ou seja, a pretensão do de
mandante, com as questões que é necessário resolver para que
se possa chegar àquela decisão. Já foi afirmado, com muita au
toridade até, que mérito seria o conjunto de questões a serem
resolvidas como antecedente lógico da decisão da causa (Carne-
lutti, Liebman, Garbagnati).-^ Essa é uma indevida confusão en
tre mérito e questões de mérito. Uma coisa é a pretensão vinda
da vida comum e que constituirá o material em torno do qual
girarão as atividades processuais, recebendo solução na parte
dispositiva da sentença; outra, o conjunto de dúvidas (questões)
a serem resolvidas no iter de formação daquela conclusão final.
Tal é o objeto do conhecimento do juiz, de cunho puramente ló
gico e que não coincide com o objeto do processo (Streitgegens-
tand).-^ Na linguagem de Carnelutti, a oposição entre lide (o
objeto do processo) e questões (pontos duvidosos relevantes
para o julgamento da lide) facilita muito o entendimento dessa
distinção que acaba de ser feita {supra, n. 6).
Nos sistemas (como o brasileiro) em que se distinguem com
muita clareza as condições da ação e os requisitos estritamente

22. Tal é a proposta que venho fazendo há alguns anos e me parece coerente
com o sistema (v. Dinamarco, Fundamentos do processo civil moderno, 1. nn.
110 e 119, pp.254-55 e 273-276).
23. Cfr. Francesco Carnelutti, ístituzioni dei processo civile italiano, I, n.
13, esp. p. 13; Enrico Tuilio Liebman, Manual de direito processual civil, I, n.
80, pp. 170-171, trad.; Edoardo Garbagnati, "Question! di mérito e question!
pregiudiziali", p. 257.
24. Sobre o objeto de conhecimento do juiz, que também já se denominou
objeto formal do processo, v. Liebman, Manual de direito processual civil. 1,
n. 78, pp. 165 ss.. trad.
CAPÍTULOS DE MÉRITO ()l

processuais, como categorias integrantes do conceito mais amplo


de pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito.
costuma-se afirmar que o juiz enfrenta três ordens de questões a
resolver no curso do processo de conhecimento, a saber: a) ques
tões cuja solução determina o teor do Julgamento do mérito
(questões de mérito), (b) questões que se relacionam com o pro
nunciamento do juiz sobre as condições da ação e (c) questões
referentes à regularidade do processo em si mesmo. Desse trinô-
mio, são questões de mérito aquelas que versam sobre os funda
mentos postos na demanda inicial ou na defesa, trazidos em apoio
à resistência direta ao pedido (pontos referentes à culpa nos lití
gios sobre responsabilidade civil, sobre a efetividade da posse
anterior nas causas possessórias, sobre o pagamento em qualquer
causa envolvendo a pretensão a obter dinheiro etc.). O juiz lhes
dá solução quando fundamenta o julgamento de mérito em sen
tença, mas as soluções dessa ordem estão na motivação sentenciai
e não no decisum - e o seu conteúdo não vincula para o futuro
(CPC, art. 458, inc. 11 e 469, inc. 1).-'

Os fundamentos da demanda (causa de pedir, evento da vida,


segmento da História) são o apoio invocado pelo demandante
em sua busca da tutela postulada. Fundamento é alicerce, é base.
Em direito, são as razões trazidas em prol de uma conclusão,
com vista a demonstrar que esta é correta perante a ordem jurí
dica.-^ Assim como o pedido repercute no decisum sentenciai, o
qual é uma resposta afirmativa ou negativa a ele, análogo eixo
funcional interliga a causa de pedir e os fundamentos da senten
ça. Assim como os fundamentos da demanda são a demonstra
ção da conclusão do demandante (pedido), simetricamente os
fundamentos da sentença são a demonstração do acerto da con
clusão do juiz {decisum). Entre uns e outros intercalam-se, sem
pre que o réu não seja revel, os fundamentos da defesa, coliden-
tes com os da demanda. Ao sentenciar, o juiz acolhe aqueles ou

25. De trinômio de questões fala Liebman, Manual de direito processual


civil, I, n. 80, pp. 80, pp. 170 .ss. Ma.s modernamente há a tendência a refutar o
trinômio, bastando o binômio composto por questões de mérito e questões re
ferentes à admissibilidade do julgamento deste (Dinamarco, Instituições de di
reito processual civil, II, n. 727, pp. 616-618; III, n. 775, pp. 35-36).
26. Cfr. Camelutti, Istituzioni. í, n. 10. pp. 9-10.
62 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

estes e também, em alguma medida, é autorizado a acrescer-lhes


outros.-' Por isso é que, como geralmente se diz, os fundamen
tos da demanda constituem uma tese, à qual se opõe a antítese
representada pelos fundamentos da defesa, sobrevindo a síntese
contida nos motivos da sentença.

Os fundamentos chamam-se também pontos, que se resolvem


em alegações de fato ou de direito. Cada ponto é uma coluna so
bre a qual se apoia a demanda, a defesa ou a sentença. Toda vez
que surge controvérsia em torno de um ponto - com um dos su
jeitos afirmando e outro negando ou cada um deles apresentando
sua versão fática ou interpretação jurídica diferente - diz-se que
esse ponto se erigiu em questão. É clássica a conceituação desta
como ponto controvertido de fato ou de direito (Carnelutti).-^

Ora, resolver as questões que na dinâmica do processo sur


gem das controvérsias em torno de fatos e do direito não é o
mesmo que julgar a pretensão posta na demanda do autor (ou
seja, o mérito). As questões de fato e de direito referentes à pre
tensão do autor são apreciadas e dirimidas, na motivação da sen
tença, incidenter tantwn (art. 458, inc. 11),-^ - ou seja, a solução
dada a elas é um meio técnico indispensável à preparação do
julgamento da pretensão (Const., art. 93, inc. IX) mas não se
confunde com esse julgamento. O que projeta efeitos para fora
do processo e sobre a vida dos litigantes em relação entre si e
com os bens da vida é sempre e somente a decisão do meritum
caustE, contida no decisório sentenciai. Os fundamentos, como
parte de um ato processual, são sepultados junto com o proces
so quando este se extingue mediante o trânsito em julgado da
sentença. Nem há coisa julgada em relação a eles, convém sem
pre lembrar (art. 469). Ainda invocando o magistério de Lieb-
man, seja também lembrado mais uma vez que o mero juízo 16-

27. Sobre esses eixos funcionais, v. Dinamarco, Instituições de direito pro


cessual civil. III, n. 1.223, esp. p. 659.
28. Cfr. Istituzioni, I, n. 13, p. 12.
29. Sobre a má redação dos incs. II e III do art. 485, do Código de Processo
Civil, cfr. Dinamarco, Instituições de direito processual civil, III, n. 1.225, par
te final, esp. p. 663; v. também supra, n. 4, nota 4.
CAPÍTULOS DE MÉRITO 63

gico contido na motivação da sentença não se confunde com o


preceito imperativo representado pelo decisório/^"
A distinção entre mérito e questões de mérito, nos termos aci
ma expostos, é de vital importância para o entendimento do con
ceito e da dinâmica dos capítulos cie sentença, como se verá.

24. os capítulos de mérito e o objeto do processo

Sem invocar premissas inerentes ã teoria do objeto do pro


cesso, mas visivelmente influenciado por elas, Liebman associa
os capítulos de sentença à existência de objetos autônomos a
serem alvo de julgamentos que também devem ser considerados
autônomos. Fala o Mestre em "pluralità di corpi semplici o uni-
tà elementari".-''' São objetos autônomos de um julgamento de
mérito os diversos itens em que se desdobra o decisum e que se
referem a pretensões distintas ou a diferentes segmentos desta
cados de uma pretensão só. Em princípio, trata-se de pretensões
que poderiam ser julgadas por sentenças separadas, em dois ou
mais processos - o que só não sucede quando os dois capítulos
de mérito são representados pelo julgamento do mérito princi
pal e da pretensão relacionada com o custo financeiro do pro
cesso (despesas, honorários da sucumbência).^- Em todos esses
casos, a sentença é uma só e formalmente incindível como ato
jurídico integrante do procedimento; também um só e formal
mente incindível é o decisório que a integra. Mas substancial
mente o decisório comporta divisão, sempre que integrado por
mais de uma unidade elementar - residindo cada uma dessas em
um dos preceitos imperativos ali ditados.

30. Cfi\ Liebman, "Parte o 'capo' di sentenza", n. 2, p. 48.


31. Cfr. "Parte o capo di sentenza", n. 4. pp. 52-53.
32. Registre-se, en passant, a distinção entre mérito principal (Hauptsache)
e mérito secundário. A decisão sobre custas e honorários é de mérito, porque
corresponde a uma pretensão das partes c repercute em sua vida patrimonial,
embora não se refira ao mérito principal, ou .seja, à pretensão trazida da vida
para exame no processo.
6 4 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

Estamos falando somente dos capítulos de mérito, ou seja. da


queles que são autônomos entre si e também auiânomos no sen
tido de que poderiam figurar como decisão única em um processo
separado (supra, n. 7). Neste tópico não se cogita dos capítulos
portadores de decisões sobre o processo, porque eles não guar
dam relação direta com o objeto deste. Cuida-se aqui, por razões
sistemáticas, exclusivamente dos capítulos de mérito.

Como se disse de início, são várias as situações que condu


zem à divisão de uma sentença em dois ou mais capítulos de
mérito, cada um dos quais decidindo sobre um desses objetos
autônomos. Agrupam-se essas situações em dois blocos distin
tos, (a) um dos quais é representado pelo cúmulo de pretensões
de algum modo deduzidas em um só processo e (b) o outro de
corre de uma abstração consistente na decomposição do objeto
único do processo. O primeiro desses blocos compõe-se de dois
sub-grupo.s, a saber: a-1) casos de cúmulo oriundo já da demanda
inicial e (a-2) casos de cumulação sucessiva à demanda inicial.

Dc.sscs grupos c sub-grupos dirão os itens a seguir, observan


do-se desde logo que neles se revela a distinção entre objeto do
proces.so composto e objeto do processo que, embora formalmen
te simples, em certas circunstâncias se demonstra decomponivel
(infra, n. 28). Também há casos de objeto simples e insuscetível
de decomposição, como na demanda de separação judicial, de
condenação a entregar coisa certa e indivisível etc., nos quais a
única fragmentação possível c a que se dá entre o julgamento
principal e aquele referente ao custo do processo.

25. objeto composto: cúmulos presentes na demanda inicial

No bloco dos pedidos cumulados já por força da demanda ini


cial do processo estão inicialmente o cúmulo simples, o alter
nativo, o sucessivo e o eventual, instituídos em cada processo
por opção do autor (CPC, arts. 292, 288 e 289). Cada um dos
pedidos corresponde a uma pretensão já alimentada antes, fora
do processo, e que o autor traz para julgamento em judicium
unum - tanto quanto poderia reservar-se para fazê-lo depois
ou mesmo simultaneamente mas em iniciativas separadas. Tem-
CAPÍTULOS DE MÉRITO 65

se um desses cúmulos iniciais no caso de demmciação da lide


feita pelo autor, caracterizada por um litisconsórcio originário
eventual, em que este pede um provimento em face do réu prin
cipal {v.g., condenação a lhe entregar determinado imóvel; ação
reivindicatória) ou, no caso de não obtê-la, a condenação do //-
tisdeminciüdo a reparar-lhe o dano sofrido (CPC, arts. 71, 74 e
75, inc. I). O cúmulo objetivo, nesse caso, c do tipo eventual?-''

No cúmulo simples justapõem-sc duas pretensões somadas,


querendo o autor que em uma só sentença sejam ambas acolhidas
- ele postula, nesse caso. duas tutelas jurisdicionais (p.ex.. inde
nizar por lucros cessantes e por danos emergentes). No sucessivo
o .segundo pedido está na dependência do primeiro, que lhe é pre
judicial (reintegração na posse e perdas-e-danos). No alienialivo
ele pede uma entre duas tutelas jurisdicionais. de modo que a con
cessão de uma delas o .satisfará e, de qualquer modo. uma só tutela
jurisdicional poder-lhe-á ser concedida (condenação a pagar o pre
ço em dinheiro ou mediante transferência de determinado imóvel).
No eventual, que não dei.xa de ser alternativo, o autor pede a tutela
jurisdicional que prefere ma.s, prevendo que pos.sa não ser conce
dida, formula um pedido subsidiário, a ser atendido se o prioritário
não o for (art. 289) - como no caso de pretender a condenação por
obrigação de fazer, com a ressalva de que, se essa tutela não lhe
for concedida, quer a condenação pelo equivalente pecuniário.
Em todas essas hipóteses haverá tantos capítulos na sentença,
quantos os pedidos cumulados. O que varia c o modo como os
pedidos são julgados, sendo maior, menor ou mesmo nenhuma a
influência do julgamento de um deles sobre os demais.^"'

Incluem-se ainda nesse grupo os cúmulos decorrentes dos


(mal) chamados pedidos implícitos. Trata-se de casos em que o
objeto do processo inclui parcelas não explicitadas na demanda
inicial, como juros legais sobre o principal pedido (art. 293), a

33. Sobre o litisconsórcio alternati\ o ou c\ entual. pouco versado na doutri


na brasileira, v. Dinamarco. I.iiisconsórcio. n. 82. pp. 390 ss.
34. Sobre o tema. v. Calmon de Passos. Comentários ao Código de Proces
so Civil. II, nn. 153 ss.. pp. 264 ss.. em notas ao art. 292. Cfr. ainda Dinamarco.
IJtisconsórcio, n. 25. pp. 76 ss.: Instituições de direito processual civil. II, nn.
469 ss., pp. 161 s.s; III. n. 996, pp. 365-370.
6 6 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

correção monetária e mesmo as parcelas representativas do


custo financeiro do processo (despesas processuais, honorários
advocatícios da suciimbência: CPC, art. 20).''' Embora não
constante do pedido, a pretensão à condenação por e.ssas ver
bas inclui-se no objeto do processo e será julgada em capítulo
autônomo.

Os chamados encargos da siicumhência só podem ser pleitea


dos pela parte c concedidos pelo juiz (ainda quando não pleitea
do), no processo em que .se litiga pelo principal. Não podem ser
postulados em juízo separado mas, no corpo da .sentença, rece
bem decisão autônoma. O juiz pronuncia-.se para concedê-los ou
negá-los ao demandante vencedor (nega-os, p.ex., no processo do
mandado de segurança: Súmula 512 STF), paru dimensioná-los.
compensá-los etc. Só isso basta para \ cr na decisão a esse respei
to um capítulo de sentença, emliora sua autonomia não chegue
ao ponto de refletir uma suposta po.ssibilidadc de postulação em
proce.sso separado.

O art. 294 do Código de Processo Civil permite que o autor,


sempre antes da citação do réu, adi te novos pedidos à petição
inicial e com isso amplie o objeto do processo em relação ao
que se formou com o ajuizamento desta. Esse é um caso de ob
jeto composto que, em certa medida, é ulterior e não originário
- mas, de todo modo, quando o réu for integrado à relação pro
cessual pela citação, ele já encontrará o objeto do processo em
sua configuração definitiva.

35. Não é necessário recorrer ao arbitrário e artificioso expediente de uma


ficção de pedido, ou da suposta existência de um pedido implícito. A inclusão
dessas verbas no objeto do processo, sendo lícito ao Juiz pronunciar-se sobre
elas sem que pedidas, é simplesmente uma decorrência da lei. A mesma lei que
limita a po.ssibilidade de provimento aos termos do pedido (CPC. art. 128) iaz
exceções nesse caso e permite o provimento sem embargo da omissão de pedi
do específico (c/r. Dinamarco, Instituições de direito processual civil. II, n.
455. p. 138; III, nn. 945 c ÕÓ5. pp. 279 e 365). Calmon de Passos denomina
esse cúmulo de cumulação aparente {Comentários, n. 153, p. 264).
36. O cúmulo objeti\ü. que nessa hipótese acontece ex vi legis, c do tipo
sucessivo: a condenação pelos chamados encargos da sucumbência só será pos
sível se acolhida a pretcn.são principal.
CAPÍTULOS DL MÉRITO 67

26. objeto composto: cúmulos iilteriores

A dinâmica da vida concreta dos processos apresenta casos


em que o objeto destes, embora formalmente simples de início
(descontados os chamados pedidos implícitos referidos logo aci
ma), toma-se complexo em razão de algum acontecimento ulte
rior. Embora a defesa em si mesma não altere nem amplie o ob
jeto do processo (pode ampliar, sim, o objeto do conhecimento
do juiz-supra, n. 6), há situações cm que se legitima a inclusão
de pretensões do réu no processo, em cúmulo objetivo com a
demanda inicial do autor; assim como casos em que uma inicia
tiva de terceiro venha a ampliar o objeto do processo.
A hipótese mais saliente de ampliação por obra do réu é a
reconvenção, notoriamente portadora de uma pretensão a ser jul
gada conjuntamente com a inicial. Reconvindo e pedindo para
si uma tutela jurisdicional distinta da mera rejeição do pedido
do autor, o réu introduz no processo mais um pedido a ser obje
to de julgamento. Nos casos de judicia duplicia ou dos pedidos
contrapostos ulteriores que a lei admite em certas hipóteses
(CPC, art. 278, § 1-, referente ao procedimento sumário; LJE,
arts. 17, 31 etc.y tem-se situação análoga à que surge com a
reconvenção, ou seja: alarga-se o objeto do proces.so, criando-
se condições para que, ao sentenciar, o juiz se pronuncie não
mais sobre um pedido só, mas sobre dois.
O réu alarga o objeto do processo, ainda, quando chama ao
processo um terceiro ou lhe denuncia a lide, em ambos os casos
com o pedido de condenação deste - a qual lhe valerá de título
executivo hábil à futura e.xcussão de bens (CPC, arts. 76 e 80).
A par de alterarem a estrutura subjetiva da relação jurídica pro
cessual, essas modalidades de intervenção provocada ampliam
o objeto do processo, pondo diante do juiz uma outra pretensão
a ser julgada em sentença, que não constava da demanda inicial.
Tem-se a ampliação do objeto do processo por iniciativa de
terceiro, em alguns casos de intervenção voluntária, como a

37. Cfi: Dinaniarco, Mumtal dos juizados cíveis, nn. 35-56. pp. 116 ss.
6S CAPÍTULOS DE SENTENÇA

oposição interventiva (feita antes do início da audiência de con


ciliação e julgamento: CPC, art. 59) e a intervenção litisconsor-
cial voluntária. Na primeira dessas hipóteses o .sujeito vem a juí
zo pedir para si uma tutela jurisdicional que exclui a tutela pedi
da inicialmente pelo autor (art. 56) e que será concedida ou ne
gada em capítulo de sentença antecedente ao do julgamento da
demanda inicial (art. 59).^*^ Na segunda ocorre o pedido de uma
tutela, para o inter\'eniente, de igual natureza à da tutela já pedi
da pelo autor inicial - e o processo, antes instaurado exclusiva
mente para exame do pedido deste, passa a conter um objeto com
plexo e oferecerá o julgamento, também, de todos os pedidos
formulados pelos litisconsortes inter\'enientes.-^''

A intervenção liti.sconsorciai Noluntária, encarada com enor


mes reservas pela doutrina e pelos tribunais, não .se confunde com
a assistência litiscon.sorcial, ou qualificada (CPC. art. 54). em c|ue
o terceiro nada pede e limita-se a apoiar a pretensão do assistido,
sem incluir pedido no\ o e. portanto, sem ampliar o objeto do pro
cesso: o fato de manter relação juridico-material com o adversá
rio do assistido não descaracteriza a assistência e o terceiro in

gressa no proces.so, mesmo na hipótese do art. 54. na condição


de assistente e não de liti.sconsorte (o assistente c sempre um as
sistente, ainda quando adjetivado como litisconsorcial). Também
não amplia o objeto do processo a intervenção voluntária do ter
ceiro co-iegitimado. Trata-se de sujeito que já poderia figurar no
processo como liti.sconsorte ativo em relação ao mesmo pedido
já deduzido na inicial: c que, ao intervir, somente apóia aquele

38. A oposição autônoma, deduzida depois do início daquela audiência, dá


origem a novo processo, com objeto próprio, sem ampliar o objeto daquele
processo já pendente entre as partes originárias (art. 60). Embora .seja reco
mendável o julgamento conjunto da causa principal e da oposição interventiva
- ambas numa sentença só, como dispõe o art. 60 do Código de Processo Civil
- a pretensão do opoente. nesse caso. forma o objeto do segundo processo e
não interfere no objeto do processo já pendente. De todo modo. a .sentença, se
for única, será objetivamente complexa porque se pronunciará sobre o objeto
de um e de outro proce.s.so - e eis aí. então, mais um caso de sentença portadora
de capítulos distintos.
39. Sobre as modalidades de inter\'enção que ampliam e as que não ampliam
o objeto do processo, cfr. Dinamarco. Intervenção de terceiros, nn. 7-11. pp.
24 ss.
CAPÍTULOS DE MÉRITO

mesmo pedido, sem nada postular a mais do que já está postula


do desde o início (p.cx.: outro cidadão ingressando no processo
da ação popular, outra associação no processo de uma ação civil
pública Já pendente, outro sócio no processo em que um sócio
pedira a anulação de deliberação assemblear e/c.)/"

27. litisconsórcio

O litisconsórcio só pode ter o efeito de dilargar o objeto do


processo, quando comum, ou seja, não-unitário. O conglomerado
de autores ou réus em regime de litisconsórcio comum interfere
no objeto do processo e provoca a coexistência de capítulos na
sentença de mérito a ser proferida, porque nesses casos ao cú
mulo subjetivo associa-se sempre um cúmulo objetivo. Pedir a
condenação de dois a pagar é pedir sentença que, em capítulos
autônomos, condene um e condene outro; e o juiz poderá con
denar ambos, ou não condenar nenhum ou condenar só um deles
e o outro não, sempre em capítulos de sentença perfeitamente
identificáveis.'*' ls.so é o oposto do que sucede quanto o litis
consórcio é unitário, onde ou o contrato é anulado para todos ou
para nenhum - havendo pois um .só pedido e uma só decisão,
embora endereçada simultaneamente a dois, a três ou a vários.
A pluralidade de partes, no litisconsórcio unitário, não dá moti
vo à divisão da sentença em capítulos.

Se contratei com os dois integrantes de uma dupla sertaneja a


realização de um espetáculo e depois venho a juízo pedir sua con
denação a cumpri-lo, não estarei a deduzir pedidos cumulados
mas um pedido só. Não me interessa que venha o Chitãozinho
só, ou somente o Xororó. Interessa-me a dupla, porque nenhum
deles tem tanta projeção própria, quando separado do outro. Ou
os dois são condenados a cumprir, ou nenhum. Esse litisconsór
cio pa.ssivo é unitário e a sentença que o julgar não será, por esse
motivo, suscetível de cisão em capítulos. Diferentemente, se os
réus da minha demanda forem os famosos três tenores, pode mui
to bem ter valor a presença de só um deles, ou de dois. ainda

40. Cfr. Dinamarco, Litisconsórcio. nn. 14-15, pp. 54 ss.


41. Cfr. Dinamarco, Litisconsórcio, nn. 20-25. pp. 71 ss.
70 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

quando não seja possível ter todos os três. Por isso, a sentença
nesse caso poderá ser composta de três capítulos - um que con
dene ou deixe de condenar Carreras ao cumprimento, outro rela
tivo a Plácido e o terceiro, a Pavarotti. A sentença poderá conde
nar um deles e não os demais; poderá ser válida cm um desses
capítulos c inválida em outro (p.ex., porque o advogado de um
deles não foi intimado da data da audiência); poderei recorrer de
todos os capítulos, se todos me forem desfavoráveis; se todos
houverem sido condenados, a apelação de cada um reverterá so
mente em seu proveito e não dos outros (CPC, art. 509) etc. Nada
disso ocorreria no caso da dupla sertaneja, cm que o litisconsór-
cio seria unitário, não comum - havendo por isso uma decisão
única, sem capítulos. Também não se reparte em capítulos a sen
tença que julga procedente a demanda de anulação do casamento
promovida pelo Ministério Público em face de ambos os cônju
ges (CC-16, art. 208, par., inc. II; CC-2()02. art. 1.549) porque ali
a decisão é uma só c jamais poderia cindir-.se em duas.^-

A decisão é una, quer em ca.sos de litisconsorcio unitário fa


cultativo, quer em casos de litisconsorcio unitário necessário. E
unitário e facultativo, por exemplo, o litisconsorcio ativo for
mado por acionistas de uma sociedade anônima em bu.sca da
anulação de uma deliberação assemblear."*-^ Nem por isso o ob
jeto do processo se altera ou multiplica em razão da presença de
todos eles, porque o ato a anular é um só e a quantidade de auto
res não dá causa a uma pluralidade de decisões.

28. objeto simples decomponível

É decomponível o objeto do processo, em primeiro lugar,


quando o é o bem da vida, ou o conjunto de bens da vida sobre
os quais incide a pretensão deduzida pelo demandante. Isso se
dá sempre que, física e juridicamente, seja possível atribuir ao
sujeito um minus em relação ao majiis que ele pretende e pede,
como nos pleitos relacionados com coisas suscetíveis de serem

42. Sobre a unitariedadc do litisconsorcio, cfr. por todos Dinamarco. l.iiis-


consórcio, nn. 45-47, pp. 134 ss.
43. C/r. Dinamarco, Litisconsorcio. n. 54.1, p. 188.
CAPÍTULOS DE MÉRITO 71

dimensionadas em peso, extensão ou quantidade ou, em geral,


em unidades possíveis de serem separadas. Decompõe-se ideal
mente o objeto do processo, mediante uma abstração mental que
permite ver, no pedido posto em juízo, tantas partes quantas se
jam necessárias para dimensionar a tutela de modo adequado e
atribuir ao autor somente uma parte daquilo que ele postula. O
objeto do processo, simples nesse caso (e não composto), é tra
tado como se fora uma reunião de duas ou diversas pretensões,
cada uma delas incidente sobre uma das partes que resultam des
sa decomposição. Essa abstração mental conduz, em seu resulta
do prático, a tratar as parcelas ideológicas da pretensão deduzida
como se foram pretensões autônomas desde sua formulação,
dando-se a cada uma delas a solução que o juiz entender correta
perante o direito material e os fatos confirmados pela prova.
Chega-se, dessa forma, à procedência parcial da demanda, com
a mesma facilidade que se teria se esta fosse composta de pedi
dos fragmentários deduzidos em cúmulo.
A situação mais palpável, nesse quadro, é a das demandas que
têm por objeto uma quantidade de bens fungíveis - e particular
mente o dinheiro - os quais são, por natureza, suscetíveis de se
rem quantificados pelo número de unidades.'^ Embora o pedido
seja certo e determinado (art. 286, caput) e seja formalmente
um só, ele receberá essa decomposição ideológica sempre que o
juiz concluir que o autor tem direito a uma quantidade menor de
bens do que a pedida.

Torna-se ao exemplo ilustrativo apresentado logo de início: se


pedi 100 e o juiz entende que tenho direito somente a 80,
a procedência parcial de minha demanda formalmente única sig
nificará que o juiz a tratou como se fora a justaposição de uma

44. "São fungíveis os bens móveis que podem ser substituídos por outros
do mesmo gênero, qualidade e quantidade" (Clóvis Beviláqua. Teoria geral do
direito civil, § 35, p. 167). Assim também o direito positivo: "são fungíveis os
móveis que podem, e não rungíveis os que não podem subsliluii-se por outros
da mesma espécie, qualidade e quantidade" (CC-1916. art. 50; CC-2002. art.
85).
72 capítulos DF. SENTENÇA

demanda por 8(1 unidades (a que lenho direito) e de outra, por 20


unidades (a que /mo tenho direito). Carnelutti propõe outra ex
plicação para o mesmo fenômeno, ao dizer que "quando o juiz
de primeiro grau condenou a pagar cinqüenta, ele resolveu as
duas questões, uma em favor do autor e outra, dando razão ao
réu"; ao dizer assim, ele se referia à questão de ser devido algo e
à questão sobre serem de\ idos cem ou cinqüenta. Essa posição
condiz com sua premissa fundamental, de que "o capítulo não é
uma parte ou fração do interesse ou do bem em lide, mas uma
das questões mediante as quais a tutela do interesse c contestada
ou o bem, controvertido" (o tema não residiria no objeto do pro
cesso, mas no conjunto de pontos a serem dcslindados para deci
dir a respeito destc).^-^ Depois de Carnelutti, em sentido substan
cialmente coincidente, manifcstoii-sc Emilio Betti ao afirmar que,
em casos como e.sses aqui considerados, o juiz terá decidido a
questão referente ao aii debeatur. favoravelmente ao autor; e, de
modo favorável ao réu, a questão "sobre a dimen.são do objeto
litigioso {quantuui debeatur)''.^'' Antes de todos, Delitala havia
criticado o raciocínio de Chiovenda, contando nes.se ponto com
o apoio de Carnelutti, o qual, no Brasil, foi por sua vez apoiado
por Jo.sé Frederico Marques^' e, aparentemente, por Araújo Cin
tra.''*'^ Os resultados práticos são contudo similares aos que pro
puseram Chiovenda c Liebman e são aceitos neste estudo.

A decomponibilidade do objeto do processo apresenta-se tam


bém quando o bem da vida postulado, embora tinico, for divisí-
vel. O conceito de divisibiiidade é o que está no Código Civil,
a saber: "bens divisíveis são os que se podem fracionar sem al
teração na sua substância, diminuição considerável de valor ou
prejuízo do uso a que se destinam". São indivisíveis as coisas
"que não se podem partir sem dano" (um quadro, um cavalo,
um brilhante: Clóvis Beviláqua),"*'' ou seja, "sem alteração na
sua substância" (CC, art. 87), bem como aquelas cuja divisão
for vetada por lei ou ato negociai (art. 88); tem-se a indivisibili-

45. Cfr. "Sulla reformatio in pejus'', pp. 184-185.


46. Cfr. Diritto processtiale civile italiano, n. 109, esp. p. 670.
47. Cfr. Instituições de direito processual civil, IV, n. 945, e.sp. p. 134.
48. Cfr. Sobre os limites objetivos da apelação civil, cap. III. n. 3. pp. 46 ss.
49. Cfr. Teoria geral do direito civil.. § 36, p. 169.
CAPÍTULOS DEMÉÍUTO 73

dade jurídica, por exemplo, no veto legai à divisão de imóveis


rurais em quinhões com áreas menores que a do módulo estabe
lecido em lei (Estatuto da Terra, art. 65). Sempre que não ocorra
uma indivisibilidade física nem jurídica, é processualmente ad
missível a decomposição ideológica do objeto do processo, de
modo a reconhecer que o autor tem direito a uma parte do todo
pretendido, mas não o tem à outra parte. O pedido, embora único,
é tratado como se fosse composto pela justaposição de pretensões,
ou seja, como se tivesse sido formulado em juízo um pedido com
relação a cada uma das partes em que o todo pode ser dividido -
de modo que o juiz julga procedente um deles e improcedente o
outro (p.ex.: reivindico toda uma propriedade rural mas o juiz
condena o réu a entregar-me somente uma parte dela).

Merecem consideração também as chamadas ações universais,


ou seja, as demandas cuja pretensão recaia sobre uma universali
dade de bens - universitas facti ou juris}^ Aquele que postula
um agregado de coisas corpóreas (todo um rebanho, uma biblio
teca, uma frota de veículos), ou uma "unidade abstrata de coisas
ou direitos" (herança, patrimônio)^' pode obter somente uma par
te dos bens ou direitos que compõem o todo pedido. A operação
mental que conduz a esse resultado é sempre aquela abstração
que permite decompor o pedido único e tratá-lo como se existis
se um pedido formulado com vista a cada uma das unidades inte
grantes dessa universalidade.

Essa exemplifícação não pretende ser exaustiva quanto às hi


póteses em que se procede à decomposição do objeto do proces
so. A riqueza da vida do processo será sempre capaz de apresen
tar outros casos aqui não lembrados mas que também possam
conduzir à decomposição do objeto sempre que for juridicamen-

50. Impropriamente, fala o Código de Processo Civil em ações universais


(art. 286, inc. 1), na redação que veio a receber depois de sua vigência (lei n.
5.925, de 1.10.1973). Melhor era o texto original, que falava em "ações em que a
pretensão recai sobre uma universalidade" (cfr. Negrão-Gouvêa, Código de Pro
cesso Civil e legislação processual em vigor, nota 5 ao art. 286, p. 431, P col.).
51. Conceitos e exemplos hauridos, basicamente, nas lições de Clóvis Bevi
láqua {op. cit., § 37, pp. 170 ss.)
74 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

te possível atribuir ao sujeito um minus em relação ao majus que


ele pretende e pede. Esse é o conceito fundamental. Tendo o au
tor um direito de menor extensão que o alegado e estando seu
direito contido naquele direito de maior extensão que ele afir
mou ao demandar, o juiz pode desmembrar o pedido, que em si
foi formalmente único, para tratá-lo como se fosse uma justapo
sição de pedidos autônomos.

29. a decomposição do provimento pedido


ou cisão jurídica do pedido

Dá-se também a decomposição do objeto do processo pela


dissolução analítica do provimento pedido, sempre que o autor
tenha postulado um provimento condenatório e, sobre o mesmo
bem da vida, o juiz vier a emitir mera declaração. Pressuposta
a estrutura complexa da sentença condenatória, que contém a
declaração do direito do autor mais a aplicação da vontade con
denatória (constituição do título executivo - infra, n. 60),-"'- é
lícito ao juiz, sem qualquer perigo de decidir extra petita, con
ceder somente a declaração, mesmo quando o pedido houver
sido de condenação. Isso sucederá sempre que faltar ao autor o
legítimo interesse à condenação (especialmente por falta do re
quisito da exigibilidade), quando então um dos capítulos da
sentença pronunciará a carência de ação quanto à pretensão ao
título executivo mas outro disporá sobre a existência ou inexis
tência do direito afirmado (declaração positiva ou negativa). O
primeiro capítulo será favorável ao réu e o segundo, àquele que
tiver razão pelo mérito."*^
É mais problemática uma decomposição assim, quanto aos pe
didos de sentença constitutiva - embora também essa seja objeti
vamente complexa e contenha a declaração do direito somada a

52. CJr. Liebman, "11 titolo cseciiiivo riguardo ai tend", nn. 4-5, pp. 359 ss.;
Rognoni, Condanna generica e provvisionalc ai daiini, n. 6. esp. p. 67; Dina-
marco. Execução civil, 8^ ed., n. 347, p. 537.
53. A locução cisão jurídica do pedido vem da obra de Liebman: v. "Parte o
'capo' di sentenza", n. 4, esp. p. 53.
CAPÍTULOS DE MÉRITO 75

um outro elemento, que no caso é a implantação de nova situação


jurídica. Dificilmente ocorrerá alguma situação em que o autor
careça de ação quanto ao efeito constitutivo pretendido e mesmo
assim tenha direito à declaração do direito a ele (p.ex., nas ações
de separação judicial ou divórcio, anulação de contrato etc.).^^

30. an debeatiir e quantum deheaíiir

E também jurídica a decomposição dos pedidos de sentença


que condene o réu a pagar um valor liqüido, nos quais o autor
quer que o juiz ao mesmo tempo reconheça a existência da obri
gação do réu {an debeatur) e desde logo fixe o valor devido
{quantum debeatur). A sentença que julga improcedente um
pedido liqüido pára na primeira declaração, declarando que a
obrigação não existe e, portanto, não entrando em considerações
sobre o valor, porque o segundo dos pedidos do autor estará
prejudicado {quantum debeatur); até ai não haverá a cisão da sen
tença em capítulos. Mas, ao julgar procedente essa demanda li
qüida (não genérica), a sentença estará ao mesmo tempo (a) de
clarando que a obrigação existe e (b) afirmando que o valor de
vido é X. Bis aí dois capítulos distintos. Se o valor declarado
pelo juiz for abaixo daquele que o autor pretendia, ele terá inte
resse em recorrer dessa fixação; e o réu terá interesse em apelar
para discutir o valor, pleiteando redução {quantum debeatur),
ou também para apelar contra a própria condenação {an debea
tur), pleiteando improcedência.

31. eficácias convergentes ou divergentes - siiciimbências

Há sentenças cujos capítulos são todos portadores de deci


sões favoráveis a uma das partes ou à outra, como na procedência

54. O que está dito neste Item liga-se à premissa, já colocada, de que a pre
tensão deduzida em juízo é sempre bifronte, endereçada ao bem da \ ida a que
aspira o demandante e ao provimento jurisdicional mediante o qual espera
obtê-lo. Tanto o bem da vida quanto o provimento pode, em circunstâncias
adequadas, submeter-se ao processo de decomposição aqui alvitrado.
7 6 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

OU improcedência de todos os pedidos do autor, com rejeição


das defesas do réu. Nesse caso, só uma das partes é sucumbente
no processo, ou seja, vencida, sendo vencedora a outra. Há tam
bém sentenças portadoras de capítulos favoráveis a um e capítu
los favoráveis a outro, quando então cada um dos litigantes é
vencedor em parte e sucumbente em parte. O fenômeno, em tais
casos, é o da suciimbência parcial, ou recíproca, ocorrente
sempre que a sentença concede ao demandante parte do que
ele postula, mas não tudo. Entre autor e réu, as hipóteses mais
ocorrentes da sucumbência parcial são (a) a da procedência de
um pedido e improcedência de outro, (b) a da condenação por
valor menor que o pedido ou por coisas em menor quantidade e
(c) a da procedência de algum pedido e exclusão do outro, sem
julgamento do mérito.
O mesmo pode acontecer entre o reconvinte, que no fundo é
um autor, e o reconvindo, que na reconvenção ocupa a posição
de demandado; na ação de regresso contida na denunciação da
lide, em que o litisdenunciante é autor ao pedir a condenação do
litisdenunciado a re.ssarcir e este é o réu dessa demanda; na opo
sição, onde o opoente é demandante e os litigantes originários
são réus em litisconsórcio etc. Podem também ocorrer situações,
de uma variedade praticamente imprevisível, nas quais esses
resultados parcialmente favoráveis se desdobram em sub-es-
pécies, tornando mais complexa a análise; isso pode ser visto,
por exemplo, quando a sentença contém um capítulo julgando
procedente algum pedi'do formulado na inicial e outro rejeitan
do um segundo pedido, ao lado de outro ou outros capítulos em
que os pedidos reconvencionais são decididos.
Em todos os casos de sucumbência parcial, desde os mais
simples aos mais complexos, é de grande utilidade a escansão
da sentença em capítulos, sem a qual jamais será possível um
posicionamento seguro e coerente quanto a questões como a da
distribuição dos encargos da sucumbência e a da medida do in
teresse recursal de cada um dos litigantes. Cada um arca com o
custo do processo na medida em que houver sucumbido e nessa
CAPÍTULOS DE MÉRITO 77

mesma medida terá interesse em recorrer, mas só um trabalho


de análise, passando pela teoria dos capítulos de sentença, será
capaz de orientar com firmeza o intérprete nos casos mais com
plicados (infra, nn. 42 e 43).

32. correlação entre o demandado e o decidido

A estreita relação entre a existência de dois ou mais capítulos


de mérito em uma sentença ou acórdão e a estrutura do objeto
do processo (objeto composto, objeto decomponível - supra, nn.
25, 26 e 28) constitui reflexo de uma regra muito importante em
direito processual, que é a da correlação entre o provimento ju-
risdicional e a demanda, ou demandas.-^^ Sendo dever do juiz
decidir nos limites das demandas propostas (CPC, art. 128), sem
conceder ao autor mais ou coisa diferente da demandada (art.
460) mas também sem se omitir quanto a nada do que foi pedi
do (veto ao iwn liquet - art. 126), é natural que a sentença deva
conter tantos capítulos quantos forem essas unidades de pedi
dos, fragmentando-se ela própria na medida da variedade das
pretensões a decidir. A omissão de uma das deci.sões assim obri
gatórias inquina a sentença do vício citra petita, porque uma das
demandas ficou sem decisão e, no tocante a ela, dencgou-se jus
tiça. Por outro lado, é vedado conceder ao autor um provimento
diferente do que foi pedido, conceder-lhe bem diferente do pe
dido ou coisas em quantidade maior que a pedida; essas trans
gressões ampliativas do objeto do processo, que se re.solvem nos
vícios de extra petita ou ultra petita, devem no entanto ser exa
minadas e sancionadas na medida do excesso, re.sguardando-se
capítulos hígidos (infra, nn. 38 e 39).

Quando SC fala sobre correlação enire a sentença e a demanda,


passando-se depois a examinar os \ ícios das sentenças proferidas
ultra, extra ou citra petita {infra. nn. 30 c 40), não se está pond(í
o foco sobre os casos de sentenças cpie decidam sem total ade-

55. C/r. Dinamarco. Instituições de direito processual civil. II. n. 456. pp.
138-139; III, nn. 940-951. pp. 273 ss.
7S CAPÍTULOS DE SENTENÇA

rcncia aos fundamentos da demanda (causa de pedir) ou aos seus


sujeitos. Também essas infrações comportam exame à luz da exi
gência de correlação,-^'' mas não se relacionam diretamente com o
tema dos capítulos de sentença. A sentença que .se apóia em fun
damento não posto na demanda não está por isso concedendo
mais ou menos que o pedido, nem coisa diferente da pedida; a
que omite algum fundamento, nem por isso está omitindo deci
são sobre algum dos pedidos. Em caso de falta de correlação en
tre a sentença e a demanda pelo aspecto subjetivo, a omissão de
algum litisconsorte na decisão significará que o juiz se omitiu cm
decidir quanto ao pedido formulado cm face deste (sentença ci-
tra petita): a extensão de efeitos a quem não for parte no processo
caracterizará o vício extra petita, porque o Juiz estará provendo
sobre um suposto pedido, que não fora deduzido na inicial.

56. Cfr. ainda Instituições de direito processual civil, 111, nn. 946-948, pp.
280 ss.
CAPÍTULO IV
CAPÍTULOS HETEROGÊNEOS
(MÉRITO E PRELIMINARES)
33. ainda a estrutura bifronte da demanda - 34. capítulo ou capítulos de efeitos
exclusivamente processuais - .35. capítulos heterogêneos (processuais e de mérito)

33. ainda a estrutura bifronte da demanda


Remete-se agora o leitor ao que ficou dito sobre as preten
sões necessariamente conglomeradas na demanda daquele que
vem a juízo postular a tutela jurisdicional. Sempre, o caminho
lógico a ser percorrido pelo juiz passa primeiro pelo estágio da
verificação dos pressupostos de admissibilidade do julgamento
do mérito, antes de chegar ao julgamento do mérito em si mes
mo. Primeiro decide se o autor tem ou não direito ao julgamento
de meritis e, se a resposta for afirmativa, julga o mérito; se a
resposta for negativa quanto aos pressupostos, a sentença pára
por aí e, portanto, será terminativa. Estamos ainda uma vez dian
te do discurso sobre o conceito de pretensão bifronte, de muita
utilidade para a boa compreensão dos capítulos heterogêneos de
.sentença. São variadas as hipóteses ligadas ao teor do julgamen
to da admissibilidade, como se verá a seguir.

34. capítido ou capítidos de efeitos exclusivamente processuais


Quando o juiz reconhece a presença de algum fator impediti
vo do segundo julgamento (sobre o mérito), isso significa que
80 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

está a rejeitar a primeira das pretensões necessariamente cumu


ladas, ou seja, a pretensão ao julgamento do mérito - com a con
seqüência de determinar a extinção do processo sem tal julga
mento (art. 267). Pode ele acolher todas as preliminares, algu
mas ou uma só, mas basta o acolhimento de uma, para que o
processo seja extinto sem apreciação da segunda das pretensões,
ou seja, da pretensão relacionada com o bem da vida (supra, n.
19). Não haverá um capítulo de meritis.
Ressalva-se mais uma vez: também nesse caso haverá um ca

pítulo referente ao custo do processo, seja para condenar o de


mandante, seja para isentá-lo de pagamento de custas e honorá
rios. Não se trata, todavia, de um julgamento do mérito princi
pal (supra, n. 24).
Esclarece-se também: também quando é rejeitada a prelimi
nar de incompetência absoluta a sentença deixa de ter um capí
tulo de mérito, embora o processo não se extinga mas simples
mente se desloque a outra sede judiciária (art. 113, § 2-). Essa
não é uma exceptio litis ingressam impediens, tendo função me
ramente dilatória no processo. No juízo a que a causa for redis
tribuída tomar-se-á então àquele binômio, com a sentença apre
ciando os requisitos para julgar o mérito e, se for o caso, pas
sando aos capítulos que o julgam.

35. capítulos heterogêneos (processuais e de mérito)

Se uma ou algumas preliminares forem suscitadas e nenhuma


acolhida, passa o juiz ao capítulo ou capítulos de mérito, em que
apreciará diretamente a pretensão do autor à tutela jurisdicional.
Haverá nesse caso a convivência entre dois capítulos sentenciais
heterogêneos, a saber, (a) o primeiro, em que o juiz acolhe a pre
tensão do autor ao julgamento do mérito e (b) o segundo, em
que ele acolhe ou rejeita a pretensão ao bem da vida (procedên
cia ou improcedência). Obviamente, como dito antes, se alguma
preliminar fosse acolhida não haveria capítulo algum de mérito
- a não ser o relativo aos encargos da sucumbência.
CAPÍTULO V
REPERCUSSÕES
NA TEORIA DA SENTENÇA

36. na própria teoria da sentença - 37. eficácia dos diversos capítulos - 38. nuli-
dades parciais da sentença - 39. sentenças ultra vcl extra pciita - 40. sentenças
citra pctita

36. na própria teoria da sentença

Antes de pensar nos modos como a fragmentação da sentença


repercute em outras áreas da dogmática do processo, é preciso
prosseguir no exame do tema à luz da própria teoria da senten
ça, focalizando fenômenos inerentes a esta - sempre na consi
deração de que a teoria dos capítulos sentenciais se situa no
campo da teoria da própria sentença, embora projete repercus
sões relevantfssimas em outras áreas (notadamente na dos re
cursos - infra, nn. 44 ss.). O primeiro aspecto a considerar é o
da eficácia de cada um dos capítulos, sua dimensão objetiva, di
mensão subjetiva etc., sendo vital para o entendimento desses
temas a invocação das regras de interpretação dos pronuncia
mentos judiciais; o segundo, de imensa importância, é constituí
do pelos reflexos da teoria dos capítulos de sentença sobre a dis
ciplina das nulidades desta, com ênfase às nulidades parciais e
às decorrentes dos vícios ultra, extra ou citra petita.
8 2 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

37. eficácia dos diversos capítulos

Como cada um dos capítulos de sentença é, conceitualmente,


uma decisão acerca de uma pretensão (de mérito ou não), chega
um momento em que se mostra indispensável buscar em cada
um deles o significado do preceito que contém, suas dimensões
e o modo como interferirá na vida do processo mesmo ou das
pessoas em litígio (capítulos processuais e capítulos de méri
to). Quando há um só capítulo sobre os pressupostos proces
suais e um só sobre o mérito, o exame é mais fácil, sabendo-se
que o primeiro tem autonomia muito reduzida porque é instru
mental e serve somente para abrir caminho ao segundo, onde
residirão os efeitos substanciais do julgado (improcedência, pro
cedência para condenar, para declarar, para constituir etc.). Nem
sempre, porém, todo o objeto do processo é colhido pela sentença
de modo homogêneo e nem sempre todas as partes recebem dela
a mesma espécie de decisão ou a mesma carga preceptiva ende
reçada às demais.
O primeiro ponto a considerar é o da sentença que nega o jul
gamento do mérito em relação a uma das partes ou a um dos
pedidos, prosseguindo para julgá-lo quanto ao que não ficou ex
cluído. Em casos assim, no tocante ao petitiim ou ao litigante
excluído haverá um só capítulo, a saber, o que dita a exclusão.
Quanto ao mais, haverá o capítulo que admite o julgamento do
mérito, seguido daquele que o julga. Ter-se-á portanto uma plu
ralidade de capítulos, cada qual comportando exame em si mes
mo e de modos que podem ser diferentes da apreciação a ser
feita sobre os outros; e essa é uma manifestação da autonomia
dos capítulos de sentença, a qual pode ser apenas processual (ca
pítulos sobre o processo, ou sobre os honorários da sucumbên-
cia) ou pode ser integral e praticamente absoluta (capítulos re
ferentes a pretensões cumuladas - supra, n. 14).

E inteiramente equivocado falar em extinção parcial do pro


cesso, ou em sua extinção em relação a alguma das partes ou a
um dos pedidos. O processo é sempre um só, não-obstante a
eventual existência de um litisconsórcio, ou de um cúmulo de pe-
REPERCUSSÕES NA TEORIA DA SENTENÇA 8 3

didos, de uma reconvenção, de uma denunciaçào da lide etc. As


razões que o art. 267 do Código de Processo Civil aponta como
fatores de extinção do processo só produzem realmente essa ex
tinção quando incidirem sobre todo o seu objeto sobre todos os
sujeitos litigantes. Havendo algum resíduo, o que o art. 267 não
levou em consideração, o processo prossegue e não é próprio fa
lar em sua "extinção parcial", porque essa linguagem se apóia no
falso pressuposto de uma dualidade ou pluralidade de processos,
o que é inteiramente equivocado; se realmente houvesse uma
extinção sem julgamento do mérito, ainda que parcial, o ato extin-
tivo seria sentença (art. 162, § F) e o recurso adequado contra essa
estranha "sentença" proferida no curso do procedimento seria a
apelação e não o agravo (art. 513) - o que põe em destaque a im-
propriedade desse pensamento. Venho discorrendo seguidamente
sobre essa problemática, especialmente no trato do tema "quan
do as causas extintivas não produzem a extinção do processo".'

No tocante aos diversos capítulos de mérito (estejam ou não


precedidos de um que se pronuncie explicitamente sobre a ad
missibilidade desse julgamento), cada um deles terá sua eficá
cia própria e carecerá de interpretações que nem sempre coinci
dirão com a interpretação dos demais. O juiz pode, por exem
plo, conceder a reintegração na posse do imóvel, caso em que a
pretensão a esse resultado será julgada procedente, mas rejeitar
o pedido de indenização por perdas-e-danos (improcedência des
se capitulo); pode condenar o condutor do veiculo a reparar os
danos causados no acidente, julgando procedente o capitulo da
demanda referente a ele, mas julgar improcedente o pedido de
condenação do proprietário do veiculo; como pode também de
cidir todas essas pretensões de modo homogêneo, seja para jul
gá-las todas procedentes, seja para rejeitar todas. Em casos as
sim, é preciso buscar em cada um desses capítulos de sentença
o seu significado e dimensões próprios, os quais podem coinci
dir por inteiro mas também podem ser parcial ou mesmo intei
ramente diferentes entre si.

1. Cfr. Instituições de direito processual civil, III, n. 882, pp. 189-191; v.


ainda Litisconsórcio, n. 9, pp. 35-37.
84 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

38. nulidades parciais da sentença

Os tribunais brasileiros relutam enormemente a pronunciar a


nulidade apenas parcial de uma sentença (ou seja, de algum ou
alguns de seus capítulos), deixando íntegro o mais, ainda quan
do a causa de invalidade atinja somente um ou alguns de seus
capítulos e não todos. Esses posicionamentos radicais bem pode
riam ser evitados quando se tivesse maior consciência da teoria
dos capítulos de sentença, a qual concorre para a perfeita distin
ção entre o viciado e o não-viciado, em aplicação da máxima
utile per inutile non vitiatur. Essa máxima e o princípio da con
servação do ato jurídico, que ela representa, estão presentes no
art. 248 do Código de Processo Civil, segundo o qual "a nulida
de de uma parte do ato não prejudicará as outras, que delas se
jam independentes". A esse propósito ensinou Liebman, com in
teira aderência ao direito positivo brasileiro que o juiz deve es
forçar-se por "isolar os elementos do procedimento afetados pelo
vício e conter a expansão deste, como se faz com os focos de uma
epidemia (princípio da conservação dos atos processuais)".-
Ainda que a lei nada dissesse a respeito, só a consciência da
teoria dos capítulos de sentença seria suficiente para tornar in
dispensável distinguir capítulos e capítulos e examinar o estado
de higidez ou de invalidade de cada um, deixando íntegros os
que forem em si mesmos perfeitos e não sejam contaminados
pelo vício de outro. A correta colocação e solução dos casos de
nulidade de sentença composta por capítulos exige a prévia
distinção entre casos em que um deles deve receber reflexos do
vício de outro (contaminação) e casos em que, por se tratar de
capítulos independentes, essa contaminação não ocorre (princí
pio da conservação).^
Dá-se a contaminação, em primeiro lugar, quando no próprio
plano processual um capítulo depende de outro, como o capítu
lo de meritis depende daquele que afirma o direito ao julgamen-
2. Cfr. Manual de direito processual civil, I, n. 121, p. 262, trad.
3. Cfr. Dinamarco, Instituições de direito processual civil, II, n. 715, pp.
598-599.
REPERCUSSÕES NA TEORIA DA SENTENÇA 85

to do mérito. Estamos sempre no campo das nulídades proces


suais decorrentes, ou derivadas (e não nulidades inerentes ao
próprio ato). Se o juiz proferir julgamento do mérito, rejeitando
uma preliminar sem colher as provas necessárias referentes a
esta (p.ex., uma exceção de litispendência), o vício originário
da decisão sobre o direito ao julgamento do mérito contaminará
inevitavelmente a própria decisão de mérito, porque esta se con
sidera sempre dependente por uma decisão positiva e válida
quanto ao direito a obter tal decisão. Ocorre ainda o fenômeno
da contaminação quando um capítulo de mérito depende de ou
tro também de mérito, como no caso dos juros, que não podem
ser objeto de condenação se o principal não for devido (prejudi-
cialidade) - ou seja, "quando um não pode logicamente subsis
tir se o outro tiver sido negado" (ainda uma vez, Chiovenda -
supra, n. lõ)."^ Essas hipóteses são objeto de expressa ressalva
no próprio art. 248 do Código de Processo Civil, pelo qual só os
atos independentes ficam a salvo da anulação, anulando-se os
dependentes, ou condicionados.
Não havendo essa dependência entre capítulos não-viciados
e capítulos viciados, é de rigor, por exemplo, deixar íntegra a
condenação de um dos litisconsortes a pagar, quando a nulidade
for restrita à situação do outro - o que acontece se o advogado
de um houver sido intimado para a audiência e o de outro, não.
Sendo comum o litisconsórcio em casos assim (e não unitário) e
portanto sendo possível tratar os litisconsortes de modo indivi
dualizado, a anulação integral da sentença é uma arbitrária de
masia, contrária aos postulados do devido processo legal; dife
rente seria a situação em caso de litisconsórcio unitário, cujo
regime impede o tratamento diferenciado dos liti.sconsortes. De
igual modo, é incorreto anular a sentença inteira só porque o
autor haja ficado privado de prova regularmente requerida para
a demonstração do valor do prejuízo causado pelo esbulho pos-
sessório, sem preservar o capítulo em que a própria ação pos-
sessória fora julgada procedente.

4. Cp. Principii cli dirittoprocessuale civile, § 9], V, esp. p. 1.136.


8 6 capítulos de sentença

Talvez seja esse o ponto mais delicado e também mais mal


compreendido da teoria dos capítulos de sentença e de suas pro
jeções práticas. O presente tópico é, ao mesmo tempo que a de
monstração de postulados técnico-processuais irrefutáveis, um
reclamo à razoabilidade interpretaíiva, à qual repugna anular o
não-nulo só pelo fato de estar circunstancialmente reunido com
o nulo na unidade formal de uma sentença. Se o vício foi preju
dicial só no tocante à decisão de uma das parcelas do petitum e
não a este como um todo; ou se ele só porta prejuízo a um dos
litisconsortes e não a todos, a anulação integral da sentença
transgride a prestigiosa regra pas de nullité sans griefs consa
grada no art. 249, § l^ do Código de Processo Civil.
Em alguns casos, esse radicalismo irracional pode também
conduzir a uma indesejável reformatio in pejus. Isso acontece,
por exemplo, se o autor apela porque não teve oportunidade para
provar os danos decorrentes do esbulho e o tribunal, ao dar pro
vimento a esse recurso, leva também de roldão o capítulo em que
o autor ficara vitorioso, portador da procedência da demanda de
reintegração de posse; contra esse capítulo ele não apelou e se
quer poderia apelar porque, nessa parte, fora parte vitoriosa e,
não, vencida (CPC, arts. 499 e 515, caput). Isso eqüivaleria, mu
tatis mutandis, a matar o paciente em vez de lhe amputar a perna
gangrenada. Vamos parar para pensar, srs. juizes!

A própria lei não é infensa às anulações parciais de sentença.


Na disciplina da execução provisória, o art. 475-0, § l^ do Có
digo de Processo Civil prevê o caso de a sentença ser "modifi
cada ou anulada apenas em parte", para dispor que somente nes
ta ficará sem efeito a execução. Eis aí, para quem não se curvar
às razões oferecidas pela própria teoria dos capítulos de senten
ça e pela regra da conservação dos atos jurídicos {utile per inu
tile nan vitiatur - art. 284 CPC), uma claríssima disposição le
gal suficiente para autorizar a preservação de capítulos hígidos
não dependentes, sem embargo da nulidade de algum outro ca
pítulo, não condicionante.^

5. Observação de Marcus Vinícius da Costa Fernandes.


REPRRCUSSÒES NA TEORIA DA SENTENÇA 87

39, sentenças ultra vel extra petita

A sentença é viciada quando extrapola os lindes da demanda


e, portanto, também a regra de correlação com esta (CPC, arts.
128 e ^60 - supra, n. 32),mas isso nem sempre significará que
ela o seja por inteiro, merecendo ser integralmente banida do
mundo jurídico. Ainda aqui há de prevalecer a regra utile per
inutile non vitiatur, sendo de rigor distinguir casos em que, sem
embargo da transgressão àqueles limites, algum ou alguns capí
tulos dessas sentenças sejam hígidos e, portanto, tenham capa
cidade de ser úteis. No fundo das coisas, o critério para essa dis
tinção reside nas garantias constitucionais do contraditório e do
devido processo legal, que é a própria razão de ser do veto às
sentenças extrapolantes; se o que está na raiz do veto a essas
extrapolações é a necessidade de fornecer ao réu plenos elemen
tos para se defender eficientemente no processo, será nulo o ca
pítulo que não corresponder à demanda (garantia do contraditó
rio), mas atentará contra a ordem constitucional a propagação
da anulação à parte da sentença que houver guardado essa rela
ção de correspondência (garantia do due process)^
O que se diz da correlação entre provimento e demanda, com
critérios para a anulação integrai ou parcial da sentença confor
me o caso, deve prevalecer sempre, no confronto entre esta e
qualquer das demandas incluídas no processo - e não só no con
fronto entre a sentença e a demanda inicial do autor. É também
necessário guardar correlação legítima com os limites da recon-
venção, da denunciação da lide, da oposição etc. {supra, n. 26).

A sentença ultra petita é assim denominada por conceder ao


autor bens em quantidade maior que a pedida, o que é vedado
por disposição expressa do art. 460 do Código de Processo Ci-

6. Cfr. Dinamarco. Instituições de direito processual civil, II, n. 456. pp.


138-139; III, nn. 940-951, pp. 273 ss.
7. Como sistema de limitações ao exercício do poder estatal {supra, n. 38),
a garantia do devido processo legal nega ao juiz o poder de anular o que não é
nulo. porque isso contraria o direito da parte à prcser\'ação do julgamento Já
recebido.
88 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

vil e colide com a regra geral de correlação, delineada em seu


art. 128. Pedi 100 e o juiz condenou o réu a me pagar 120, indo
pois além do pedido (ultra). Um simples exercício de abstração
mental revela a possibilidade de desmembrar ideologicamente
essa sentença em dois capítulos, um que concedeu toda a quan
tidade de bens pedida pelo autor e outro que lhe concedeu mais
outra quantidade, não pedida. O vício estará portanto no exces
so, ou seja, no capítulo em que me foram concedidos os 20 não
pedidos; e não na sentença como um todo ou no primeiro capí
tulo, o qual não se contamina pelo vício do outro. Por isso, a
anulação dessa sentença deve limitar-se ao excesso e ao capítu
lo referente a ele, dada a regra da conservação dos atos jurídi
cos e ao dispositivo legal que manda preservar a parte boa do
ato, embora ele tenha também uma parte viciada (CPC, art. 248,
parte final). Seria arbitrário anular toda a sentença, inclusive na
parte em que não causou prejuízo algum ao réu (art. 249, § 1^),
quando é perfeitamente possível extirpar-lhe o apêndice irrito e
indesejável, sem prejuízo das partes sadias.^
O vício extra petita existe quando o juiz concede ao autor
uma sentença "de natureza diversa da pedida" ou quando ele lhe
atribui "objeto diverso do que lhe foi demandado" (palavras do
art. 460 do Código de Processo Civil). Nas duas hipóteses, o
juiz andou fora do pedido formulado na demanda (extra) e a
concessão do provimento ou do bem não demandado traz em si
os males da ausência do contraditório e ampla defesa. Se me
defendi do pedido de mera declaração da existência de uma obri
gação, a prolação de uma sentença constitutiva seria uma surpre
sa incompatível com a garantia constitucional do contraditório;
se fui citado de uma demanda com o pedido de condenação em
dinheiro, estava fora de cogitação minha condenação a entregar
um imóvel.

Quando o vício consistir na concessão de um provimento ou


de um objeto não pedido em vez do provimento ou do objeto

8. C/r. Dinamarco, Instituições de direito processual civil, III. n. 951, esp.


p. 293.
REPFRCUSSÒES NA TEORIA DA SENTENÇA 89

indicados na inicial - a sentença será inteiramente nula, não ha


vendo partes hígidas a preser\'ar. Mas na vida do processo pode
ainda acontecer que, além do provimento ou do objeto pedido
(e não em vez deles), o juiz conceda também mais um provi
mento ou mais um objeto. Pedi a rescisão do contrato por
inadimplemento (sentença constitutiva negativa) e o juiz me
concedeu também a condenação do réu a indenizar; pedi a rein
tegração na posse de um imóvel e o juiz me concedeu a reinte
gração no imóvel postulado e mais no imóvel vizinho. Nesses
casos, torna-se à regra utile per inutile non vitiatur (sempre, art.
248 CPC) e só se anula o capítulo sentenciai infiel aos limites
do pedido inicial: anula-se o capítulo que concedeu a condena
ção em perdas-e-danos além da rescisão do contrato, anula-se o
capítulo que concedeu a reintegração na posse do segundo imó
vel etc., mas preservam-se os capítulos que correspondem ao
pedido feito e que portanto foram precedidos de regular contra
ditório.'^

Também ultraja o disposto no art. 128 do Código Processo Ci


vil a sentença que trouxer como fundamento para decidir fatos
não narrados pelo autor, ou seja. fatos estranhos à causa petendi.
Essa não seria uma sentença extra ou ultra petita, porque os li
mites transgredidos não seriam os do pedido (jjetituui), mas da
causa de pedir; mesmo assim, a sentença terá decidido fora dos
limites nos quais a demanda foi proposta (art. 128) e, nos capítu
los fundados em fatos não narrados, ela será nula.

40. sentenças citra petita

Diz-se citra petita a sentença que decide sobre um objeto me


nor que o objeto do processo. Se pedi reintegração na posse de
um imóvel em ctímulo com a condenação a indenizar, é dever
do juiz estruturar sua sentença em dois capítulos distintos, um
relativo a cada um desses pedidos. Se decidir somente sobre
um ou alguns deles, omitindo-se quanto ao outro ou outros, a sen-

9. IcL, ib.
9 0 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

tença será citrapetita, ou seja, aquém do pedido.'" Sentença citra


petita é, portanto, aquela à qual falta algum capítulo de mérito
indispensável, o que importa denegação de justiça e desconsi
deração à própria garantia constitucional do direito de ação, sen
do dever do juiz pronunciar-se sobre tudo quanto lhe haja sido
pedido (CPC, art. 126 - supra, n. 32).
Esse vício acontecerá também, por exemplo, se reconvenção
não for julgada, ou a denunciação da lide, ou a oposição inter-
ventiva etc. - ou ainda se o juiz se omitir quanto a um dos litis-
consortes ativos ou passivos, sendo comum o litiscon.sórcio (su
pra, n. 27). O presente discurso diz respeito unicamente às uni
dades de pretensão não refletidas em capítulos sentenciais, não a
eventuais omissões quanto a fundamentos da demanda ou da de
fesa (art. 515, §§ l!^e2ii).

A mais significativa conseqüência prática dessa omissão é


que, passando em julgado a sentença, a coisa julgada não impe
dirá o autor de voltar a juízo com a pretensão não decidida -
porque a aiictoritas rei judicatce nada mais c do que a indiscuti-
bilidade dos efeitos substanciais da sentença e, obviamente, ja
mais poderia incidir sobre efeitos que a sentença tião houver de
clarado." O vício citra petita não pode implicar, todavia, mili-
dade do decidido, a ser pronunciada em grau de recurso. Se os
capítulos efetivamente postos na sentença não forem em si mes
mos portadores de vício algum, anulá-los seria como inutilizar
todo o fruto de uma plantação, pelo motivo de uma parte da roça
nada haver produzido. Não se anulam capítulos perfeitos, só
pe\ã falta de um outro capítulo autônomo. Torna-se aqui às con
siderações já expendidas sobre o princípio da conservação dos
atos jurídicos, máxima utile per inutile non vitiatur e art. 248
do Código de Processo Civil, ressaltando-se que a falta de um

10. Decidir citra petita é decidir aquém do pedido, i.é, de modo incomple
to. Não é o mesmo que decidir infra petita, o que significa decidir sobre todo o
objeto do processo mas conceder ao autor menos do que o postulado (proce
dência parcial). Nisso, obviamente, não há vício algum.
11. Cfr. Liebman, Manuale di diritto processuale civile, 11, n. 271, esp. p.
226, nota 11.
91
REPERCUSSÕES NA TEORIA DA SENTENÇA

capítulo não faz com que os capítulos efetivamente presentes na


sentença citra petita sejam prejudiciais a quem quer que seja -
sabendo-se que não se anulam atos não-prejudiciais, ainda quan
do sejam imperfeitos (art. 249, § 1^).
Diante disso, se o autor apelar com fundamento na omissão
da sentença quanto a um de seus pedidos'- o pior e mais equivo
cado que o tribunal poderia fazer seria anular toda a sentença,
estendendo aos capítulos válidos as conseqüências da falta de
um capítulo indispensável. Se para a decisão referente a este for
ainda necessária alguma instrução, o único caminho correto con
sistirá em mandar o processo de volta ao primeiro grau, sempre
preservados os capítulos hígidos, para que a instrução se com
plete e o julgamento se faça. Mas, se instrução alguma houver a
ser feita e portanto "a causa estiver em condições de imediato
julgamento", o próprio tribunal julgará o pedido ainda não jul
gado, sem provocar o julgamento pelo juiz inferior. Essa é uma
projeção do § 3^ do art. 515 do Código de Processo Civil {infra,
n. 39), o qual, sem se preocupar com o dogma do duplo grau de
jurisdição, cuida legitimamente de impelir os tribunais a ofere
cer soluções mais rápidas e menos burocráticas.
Anular o todo, quando o autor houver apelado somente pela
falta de um capítulo, significaria (a) decidir além dos limites da
apelação, porque obviamente o autor não terá pedido toda essa
anulação (art. 515, caput); b) transgredir a garantia constitucio
nal da coisa julgada, porque passaram em julgado os capítulos
não recorridos; e c) impor ao apelante uma reformatio in pejus,
porque ele ficará privado, no Julgamento de um recurso só seu,
do julgamento favorável já obtido mediante a sentença recorrida.

12. Ou se apelar o rcconvinte, ou o litisdenunciantc, ou o chamador ao pro


cesso, ou o opoente etc.
CAPÍTULO VI
REPERCUSSÕES NA ATRIBUIÇÃO
DO CUSTO DO PROCESSO

41. ainda no âmbi(o da scnicnça - 42. sncumbência parcial, ou reciproca (cnlre


autor c réu) - 43. em caso de pluralidade de parles

41. ainda no âmbito da sentença

Ainda no âmbito da própria sentença, por mais de um modo a


teoria dos capítulos desta interfere na fórmula de distribuição
dos honorários e despesas processuais entre as partes, na medi
da da sucumbência de cada uma delas. Isso acontece não só em
caso de sucumbência parcial, vencendo o autor em relação a al
guns pedidos mas sendo vencido em outros, ou sendo sua de
manda acolhida por valor menor que o pretendido; mas também
sempre que no processo estiver presente mais algum sujeito,
como o litisdenunciado, o chamado ao processo, o opoente ou
mesmo algum litisconsorte ativo ou passivo.

Só por comodidade de exposição alude-se à siiciimhência


como critério para atribuir o custo fina! do processo a uma das
partes, sabendo-se no entanto que essa c apenas uma regra apro-
ximativa, ou mero indicador do \erdadciro critério a prevalecer,
que é o da causalidade: deve sempre responder pelo custo do pro
cesso, aquele que houver dado causa a ele ao propor uma deman-
REPERCUSSÕES NA ATRIBUIÇÃO DO CUSTO DO PROCESSO 93

da improcedente ou sem necessidade, ou ao resistir a ela sem ter


razão (Chiovenda, Carnelutti, Pajardi. Cahali).'

42. siicumbência parcial, ou recíproca (entre autor e réu)

Mesmo em causas em que existem apenas dois litigantes, um


autor e um réu, nem sempre é fácil aplicar corretamente a regra
enunciada no art. 21 do Código de Processo Civil, segundo o
qual "se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão
recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados en
tre eles os honorários e as despesas". A solução é fácil quando
se trata de dois pedidos tendo por objeto coisas certas, sendo
acolhido um e rejeitado outro; ou um pedido só, tendo por objeto
coisas dimensionáveis por área, peso ou quantidade (dinheiro),
sendo a demanda julgada parcialmente procedente. Na primeira
hipótese, cada um dos litigantes será condenado pelos encargos
da suciimbência em relação ao capítulo em que houver sucum
bido, levado em conta o valor de cada um dos bens (ou seja,
incidindo sobre cada um desses valores o percentual a ser carre
gado a cada uma das partes); na segunda, cada um pagará hono
rários e despesas na proporção do valor do crédito em relação
ao qual a sentença lhe houver dado razão. Pode até acontecer
que, sendo muito mais valioso o capítulo em que a demanda foi
julgada improcedente, os honorários advocatícios incidentes so
bre essa parcela sobrepujem o valor da parcela contida no capí
tulo de improcedência: ainda assim aplica-se a regra do art. 21
do Código de Processo Civil e os honorários compensam-se re
gularmente.

Situações assim tem ocorrido com relação a certos pedidos de


indenização por danos morais, em valores cósmicos. Quando ape
nas em uma pequena parcela o crédito é reconhecido afinal, o
Superior Tribunal de Justiça às vezes decide por negar a compen
sação entre os honorários incidentes sobre o capítulo de maior

I. C/t: Dinamarco. l-undanienlos do processo civil moderno. 1, n. 351, pp.


669-671.
1)4 capítulos de sentença

valor (improcedência) e o próprio crédito declarado no capítulo


de menor valor (procedência), na consideração de que essa medi
da acabaria por frustrar a parcial vitória do autor. Essa orientação
tem no entanto o inconveniente de estimular a litigiosidadc ir
responsável, ao permitir que a dedução de pedidos absurdos one
re o réu ao contratar advogado com honorários proporcionais a
esse valor e, ao fim, o autor temerário fique imune às conseqüên
cias da situação criada por sua própria irresponsabilidade. O mal
é maior, e maior a malícia, quando o autor é beneficiário da as
sistência judiciária e ampara-se nesse escudo como meio de criar
situações difíceis para o adversário. Mesmo quando à causa é
dado um valor estimativo, é indispensável compensar honorários
sempre que um dos itens do pedido venha a ser acolhido (danos
materiais) e outro, rejeitado (danos morai.s). Mas o Superior Tri
bunal de Justiça vem afirmando que em caso de pedido genérico
(ilíqüido) não ocorre sucumbência recíproca (art. 21) e, conse
qüentemente, a rejeição de um dos pedidos não importa conde
nação proporcional do autor por honorários.-

43. em caso de pluralidade de partes

Em caso de litisconsórcio comum (não-unitário), a demanda


contém sempre, a par do ciímulo subjetivo, também um ctimulo
objetivo de pedidos, porque esse litisconsórcio sempre se resol
ve na soma dos pedidos de mais de um sujeito, cada um em seu
próprio benefício e cada um a ser objeto de um capítulo de sen
tença (litisconsórcio ativo); ou na soma de pedidos endereçados
a cada um dos réus (litisconsórcio passivo - supra, n. 27). Por
esse motivo, é indispensável cindir conscienciosamente a sen
tença em capítulos, na busca do correto equacionamento da su
cumbência de cada um dos litisconsortes, ou do adversário líni-
co em face de cada um deles. Feito isso, o custo do processo
pode ser corretamente proporcionalizado à medida da sucum
bência de cada um dos litigantes.

2. Mais precisamente, tem aquele Tribunal decidido que o próprio pedido


relativo ao dano moral é sempre genérico ou meramente estimativa, do que de
correria a inexistência de sucumbência recíproca na hipótese de ele não ser
acolhido integralmente (p. ex.: STJ. 4^ T, REsp .^ST.SSó-PR, Rei. Min. Jorge
Scartczzini. j. 19.4.05, DJIJ 13.6.05. p. 311).
REPERCUSSÕES NA ATRIBUIÇÃO DO CUSTO DO PROCESSO 95

Quando a intervenção de terceiro é daquelas que ampliam o


objeto do processo, como a denunciação da lide, o chamamento
ao processo, a oposição etc.,^ em conseqüência dela a sentença
conterá capítulos distintos, para o julgamento da demanda inicial
e de cada uma das que hajam sobrevindo no processo a partir da
intervenção. Imporá os encargos da sucumbência ao réu com re
lação à demanda proposta pelo autor, se a inicial for julgada pro
cedente; e imporá iguais encargos ao litisdenunciado, em favor
do réu-denunciante, sempre que a denunciação também seja aco
lhida.

3. Sobre as modalidades de inlervcnção que ampliam e as que não ampliam


o objeto do processo, cfr. Dinamarco, Intervenção de terceiros, nn. 7-11, pp.
24 ss.
CAPÍTULO VII
REPERCUSSÕES
NA TEORIA DOS RECURSOS

44. visão gLT.il e lemas lundamenlais - 45. recurso integral e recurso parcial -
46. recurso parcial por força de lei (capítulos recorríveis c capítulos irrecorrí-
veis) - 47. rccorribilidade parcial (interesse e legitimidade) - 4cS. recurso parcial;
devolução limitada - 4^). devolução além dos capítulos impugnados: sentença
terminativa - 50. devolução além dos capítulos impugnados: capítulos heterogê
neos - 51. devolução além dos capítulos impugnados: capítulos dependentes -
52. recurso parcial, recurso adesis o e rcfoniititio in pejus - 53. uma só sentença,
um .só recurso - 54. dilerentes regimes quanto aos efeitos da interposição dos
recursos - 55. efeitos do julgamento dos recursos - 56. recebimento parcial e
agravo - 57. prazos e trânsito em julgado - 58. ação rescisória: alguns temas e
soluções cotnuns aos recursos - 5ó. capítulos de sentença e devolução oficial

44. visão geral e temas fundamentais


Esta parte do estudo destina-se à busca de critérios aptos a
apontar soluções úteis e sistematicamente coerentes para mui
tos problemas inerentes à teoria dos recursos, segundo a meto
dologia do proces.so civil de resultados. Como dito, a perspectiva
teleológica do tema conduz a dirigir o foco das atenções aos ca
pítulos em que se divide a parte dispositiva da sentença (CPC,
art. 458, inc. Ill), na qual as pretensões recebem decisão positiva
ou negativa, desconsiderando-se a eventual dualidade ou plura
lidade de soluções de questões, que na motivação pode ter lugar
(supra, n. 11). A divisão da motivação da sentença ou acórdão
em itens relativamente autônomos pode ter influência na dimen-
RF.PERCUSSÕES NA TEORIA DOS RECURSOS 1)7

são da admissibilidade do recurso extraordinário ou do especial,


mas essa é uma influência indireta, que não chega a erigi-los em
autênticos capítulos: a relevância que os itens da motivação pos
sam ter nesse campo resulta de sua associação aos verdadeiros
capítulos, que são sempre decisórios {supra, n. 11).

Numa simples exemplificação feita pelos pontos recursais de


maior relevância e mais freqüente incidência na prática forense,
temos as seguintes projeções: a) sobre os limites do interesse re-
cursnl, cada uma das partes sendo amparada por esse requisito
somente no tocante ao capítulo em que vencida (CPC, art. 49^);
b) sobre os limites da devolução concretamente operada em qual
quer hipótese de recurso parcial, não sendo lícito ao tribunal cas
sar a sentença alem deles (taniiim devoluiuni cfiiantum appella-
Utni - art. 515, caput): c) mais especificamente, sobre os limites
objetivos da apelação interposta contra sentença tcrminati\ a, sen
do lícito passar ao julgamento do mérito quando essa apelação é
provida (art. 515, § 3-); d) sobre a formação da coisa julgada em
relação ao capítulo de sentença que não tenha sido atingido pela
devolução; e) sobre a iiupossibilidadc de anular a sentença em
grau de recurso, além dos limites do recurso admissível e inter
posto; f) sobre a admissibilidade do recurso adesivo, limitada ao
capítulo em que a parte sucumbiu (art. 500); g) sobre a identifi
cação da reformatio in pejus, ocorrente quando o tribunal inter
fere no capítulo de sentença que foi favorável ao recorrente e que,
por ÍS.SO, sequer podia ser objeto de recurso interposto por este;
h) sobre o efeito sitspensivo de certos recursos, como a apelação,
o qual impede a eficácia da sentença cm uma parte mas não ne
cessariamente em todas; i) sobre a admissibilidade dos embargos
infringentes limitadamente ao capítulo portador das característi
cas indicadas no art. 530 do Código de Processo Civil: j) sobre a
fluêncía dos prazos recursais, distintos em relação a cada um dos
capítulos segundo o momento de intimação do patrono de cada
uma das partes etc.'

1. Mutatis mutandis, esses pontos repioduzem-se cm diversos setores da


disciplina da ação rescisória e tamh)ém por essa óptica serão sucintamente exa
minados {infra, n. 58). Compreende-se contudo a razão da omissão dos autores
italianos a respeito: como é notório, nos sistemas europeus o equivalente funcio
nal da ação rescisória brasileira é um recurso (a revocazione straordinaria do
direito italiano: c.p.c.. art. 396).
9 8 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

Tem-se a consciência de que essa não é uma distribuição or


todoxa e cientificamente rigorosa dos temas recursais. Também
não se formula, e talvez seja impossível formular, um rol exau-
riente de todos os problemas recursais para cuja solução a teo
ria dos capítulos de sentença seja capaz de contribuir. Buscam-
se somente critérios gerais e apenas se examinam os pontos de
maior destaque, deixando que o exame exauriente do direito re-
cursal em face da teoria dos capítulos de sentença venha a ser,
no futuro, objeto de algum outro estudo específico e mais por
menorizado - e me considerarei regiamente recompensado, se
algum estudioso se sensibilizar com as propostas aqui lançadas
e se animar a prosseguir por esse riquíssimo caminho.

45. recurso integral e recurso parcial

Recurso integral é o que contém a impugnação de toda a de


cisão, em todos seus capítulos, e portanto opera a devolução de
toda a matéria decidida; parcial, o que se refere somente a um,
ou alguns dos capítulos de uma sentença, deixando sem impug
nação o outro ou outros. Mesmo a apelação, que é potencial
mente um recurso pleno, deixa de operar a devolução de todos
os capítulos e portanto de toda a causa, nos casos em que ela for
concretamente parcial - ou porque a parte recorrente não tives
se legítimo interesse ao recurso integral ou porque, mesmo ten
do todo esse interesse, haja optado por pedir menos ao tribunal
do que pedira ao juízo de origem.

É corrente que a apelação, no direito moderno, tem a potencia


lidade de devolver a causa toda ao tribunal destinatário, quer pelo
prisma das dimensões do objeto do processo (todos os pedidos),
quer pelo do objeto do conhecimento do juiz (todos os funda
mentos da demanda e da defesa); mais que um ato de impugna
ção da sentença, ela é uma recolocação da causa em si mesma,
cm todos os seus aspectos. Lembre-se ainda uma vez Liebman,
no ensinamento de que "objeto da cognição do juiz de segundo
grau é diretamente a controvérsia já decidida pelo primeiro juiz,
não somente a sentença pronunciada por este e as censuras le
vantadas contra ela: ou, em outras palavras, o controle da deci-
REPERCUSSÕES NA TEORIA DOS RECURSOS 99

são apelada é somente um meio de proceder ao novo exame da


controvérsia'' etc.- A função de proporcionar o novo julgamento
de toda a causa só c cumprida por inteiro, porém, quando a ape
lação, em cada caso concreto, for integral c não parcial.

Quando o recurso interposto é integral, abrangendo todos os


capítulos de que se compõe o ato recorrido, não se opera preclu-
são alguma, notadamente a coisa julgada; quando ele é parcial,
os capítulos de sentença não-impugnados recebem a coisa jul
gada e tomam-se, a partir daí, inatacáveis. O recurso será parcial
(a) por força de lei, quando uma das partes só é autorizada a
recorrer de algum capítulo, sem poder recorrer de todos (infra,
n. 46); b) por vontade do recorrente, quando ele estiver autori
zado a interpor um recurso integral mas optar por só recorrer de
algum capítulo, deixando irrecorridos os demais (infra, n. 47);
ou c) pela conjugação desses dois fatores, quando só alguns dos
capítulos são suscetíveis de recurso por uma das partes e além
disso ela optar por dar a seu recurso uma extensão ainda menor.

Pedi a rescisão do contrato por inadimplemento e condenação


do réu ao pagamento das obrigações descumpridas, mas tudo que
pedi me foi negado (improcedência total). Meu recurso poderá
ser rigorosamente integral, versando todos os pedidos iniciais e.
portanto, atacando todos os capítulos da sentença. Mas, se insis
to somente no pedido de rescisão ou no de condenação pecuniá
ria, deixando de fora o outro capítulo, meu recurso será parcial,
ficando irrecorrido o capítulo a que ele não se referir (recurso par
cial por vontade do recorrente).
Ou: pedi o cancelamento de meu nome na lista de inadimplen
tes de dada entidade, mais a indenização por danos materiais,
mais a indenização por danos morais. Obtive somente a ordem
de exclusão de meu nome daquela lista. Logo, o limite legal de
meu recurso serão os capítulos referentes à indenização por da
nos materiais e à indenização por danos morais (quanto à exclu
são, não tenho interesse recursal). Meu recurso será necessaria
mente parcial, por força de lei. Mas ele poderá ter uma extensão
ainda menor, se, por opção minha, ele versar exclusivamente so-

2. Cfr. Manuale di diritto processuale. II, n. 314, p. 295.


m o CAPÍTULOS DE SENTENÇA

brc o capítulo de sentença alusivo aos danos materiais, omitindo-


se quanto aos morais, ou vice-versa.

O tema do recurso parcial pertence à teoria gerai dos recur


sos, embora costume ser estudado particularmente com referên
cia à apelação. Quando se lê na doutrina recente, por exemplo,
que "apelação total é aquela através da qual se impugnam todos
os capítulos da sentença e apelação parcial é aquela por meio da
qual se impugna um ou se impugnam alguns dos capítulos da
sentença"^ - entenda-se que esse pensamento abrange todos os
recursos e não somente um deles. Em qualquer recurso pode sur
gir a questão de ser parcialmente admissível, ou parcialmente
suspensivo, ou parcialmente interposto, ou parcialmente recebi
do, ou parcialmente conhecido, provido etc. O art. 515, caput,
do Código de Processo Civil, que é a .sede central da disciplina
brasileira da devolução operada pelo recurso parcial, está conti
do na parte do Código que cuida da apelação mas nem por isso
deixa de ser portador de uma regra geral de direito recursal. Por
outro lado, à sua adequada interpretação e compreensão no sis
tema do direito recursal .só se chega quando assentada na teoria
dos capítulos de sentença: seus dizeres revelam uma claríssima
alusão aos recursos parciais e recurso parcial é, como se sabe,
recurso interposto contra algum e não contra todos os capítulos
de uma sentença, acórdão ou decisão interlocutória.

46. recurso parcial por força de lei


(capítulos recorríveis e capítulos irrecorríveis)
Dificilmente se conceberia uma sentença ou acórdão porta
dor de algum capítulo que já em te.se fosse irrecorrível - ou seja,
insuscetível de qualquer recurso, por qualquer das partes, inde
pendentemente das circunstâncias do caso concreto. Um acór
dão local será irrecorrível se no caso concreto não se configurar
qualquer hipótese de admissibilidade do recurso extraordinário,

3. Cfr. Araújo Cintra. Sobre os limites objetivos cia apelação civil, cap. ill,
n. 5, p. 51.
REPERCUSSÕES NA TEORIA DOS RECURSOS 101

do especial, do ordinário constitucional ou mesmo dos embar


gos infringentes - mas isso não significa que a priori esse acór
dão seja insuscetível de recurso algum, porque tais recursos po
dem caber ou não caber, conforme o caso. A única espécie de ato
judicial que no direito brasileiro não comporta recurso algum,
qualquer que seja seu teor e quaisquer as suas circunstâncias, é o
despacho (CPC, art. 504, red. lei n. 11.276, de 7 de fevereiro de
2006). São também irrecorríveis as decisões monocráticas com
que, nos tribunais, o relator converte o agravo de instrumento
em retido ou se pronuncia acerca de um pedido de antecipação
da tutela recursal (suspensão de efeitos ou concessão de efeito
ativo - art. 527, par.).

Transpondo para os recursos o conceito de possibilidade jurí


dica da demanda, corrente na disciplina das condições da ação,
tem-se que a irrecorribilidade dos meros despachos, ditada a
priori pela lei, resolve-se na impossibilidade jurídica de qualquer
recurso contra esse ato judicial. Não é como o interesse e a legi
timidade, que se afcrcm in concreto, à luz das circunstâncias e
peculiaridades de cada caso examinado.^

Fora do campo das sentenças, ao menos em uma situação se


pode cogitar de um ato judicial que em parte comporta recurso
e, em outra parte, não. No processo monitório é concebível a
hipótese de o juiz indeferir parcialmente a inicial, por exemplo,
porque um dos bens pretendidos pelo autor é imóvel e, quanto a
ele, essa via processual não se admite (art. 1.102-a). O ato que
proferirá terá nesse caso um conteúdo misto, indeferindo em
parte a inicial e, na outra parte, caracterizando-se como autênti
co mandado de pagamento ou entrega (art. 1.102-b). O capítulo
portador do parcial indeferimento da inicial será suscetível de
agravo de instrumento, a ser interposto pelo autor,"* enquanto

4. Cfr. DInamarco. Instituições de direito processual civil, II, n. 543, pp.


298-299.
5. E não apelação, porque, ao deferir parcialinenle o pedido, o juiz deixou
de extinguir o processo. Inexiste a suposta "extinção parcial do processo", ou
"extinção quanto a um dos pedidos". Essas locuções, absolutamente equivoca
das, partem da absurda premissa de que, havendo dois ou mais pedidos, ou
102 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

que O mandado monitório, em si mesmo, jamais comporta re


curso algum (a defesa contra ele se dá pela via dos embargos,
que o réu poderá opor sem sujeitar-se a qualquer ato prévio de
constrição: art. l.l()2-c). Ter-se-á nesse caso, portanto, um ato
judicial composto de um capítulo recorrível e outro absoluta
mente irrecorrível. Agravando o autor da parte recorrível que
lhe é desfavorável (parcial indeferimento da inicial), o seu agra
vo terá efeito devolutive limitado ao capítulo recorrível e, ao
julgá-lo, não poderá o tribunal atingir o capítulo irrecorrido.

Também não sc exclui que, na unidade formal de um ato só, o


juiz decida alguma questão incidente do processo de conhecimen
to ou executivo (decisão interlocutória) e, ao mesmo tempo, lan
ce determinações destinadas ao impulso c direção do processo
(mero despacho). Acontecendo isso, ou se alguma sentença pu
der ter algum capítulo aprioristicamente insuscetível de qualquer
recurso (haverá algum caso?), impor-se-á a mesma solução indi
cada acima: capítulo recorrível ao lado de capítulo irrecorrível,
recurso c devolução limitados ao primeiro, impossibilidade de
cassação do segundo pelo tribunal.

47. recorribilidade parcial (interesse e legitimidade)

Os conceitos de interesse e legitimidade, que pertencem à teo


ria geral do direito e não ao processo civil em particular,^ tam
bém não se circunscrevem, em matéria processual, ao âmbito da
demanda inicial e da admissibilidade do seu julgamento de fundo
(condições da ação). Interesse, em direito, é utilidade. Resolve-
se na aptidão, que em tese tenha o provimento jurisdicional pre
tendido, a proporcionar ao sujeito e à sua esfera de direitos uma
situação melhor, no tocante a dado bem da vida, do que a situa
ção em que ele se encontrava antes.^ "Para que se reconheça à

dois ou mais litisconsortcs, ocorre uma pluralidade de processos (ç/r. Dinamar-


co, Instituições de direito processual civil, III, n. 882, pp. 189-191; Litiscon-
sórcio, n. 9, pp. 35-37).
6. C/r. Donaldo Armelin, Legitimidade para agir, n. 1, p. II; Dinamarco,
Execução civil, n. 278, pp. 437-438, e.sp. nota 146.
7. Cfr. Camelutti, Teoria generate del diritto, § 35, pp. 58-61.
REPERCUSSÕES NA TEORIA DOS RECURSOS 103

parte interesse em recorrer, é bastante, desse ponto-de-vista, que


a eventual interposição do recurso lhe abra o ensejo de alçar-se
a situação mais favorável do que a que lhe adveio da decisão
impugnada". O juízo que se faz, para a investigação da presença
ou ausência do interesse recursal, é um juízo prospectivo que se
volta ao que se pode esperar do novo julgamento - e não uma
pura e simples mirada no passado e no prejuízo que o ato a im
pugnar tenha causado ou se proponha a causar."''
Diante dis.so, c ate intuitivo que só existe interesse em recor
rer para melhorar, jamais para piorar. A locução parte vencida,
constante do art. 499 do Código de Processo Civil, há de ser en
tendida à luz da teoria dos capítulos de sentença - sendo óbvio
que cada uma das partes só c vencida no capítulo de sentença em
que sua preten.são e.stiver contrariada, tendo interesse recursal so
mente quanto a essa parte e não no mais.

Legitimidade, por sua vez, como qualidade jurídica para rea


lizar eficazmente um ato ou postular um provimento e ter a pos
sibilidade de obtê-lo'' (estamos falando da legitimidade ativa),
em processo civil constitui uma exigência intimamente ligada à
do interesse. Diz-se que só pode pleitear eficazmente o provi
mento aquele a quem ele seja potencialmente útil, excluindo-se
todos os sujeitos para os quais o provimento seja juridicamente
indiferente - e, ao disciplinar a legitimatio, já se excluem a
priori todos aqueles que não guardem alguma relação jurídica
com o objeto pretendido.

Assim, por exemplo, nega-se o direito ao provimento juri.sdi-


cional por falta de interes.se a quem já tenha a situação jurídica
pretendida"' ou a quem o provimento já não possa trazer o bene-

8. Cfr. Barbosa Moreira. O juízo de admissibilidade no sistema dos recur


sos civis, n. 57, esp. p. 75.
9. Cfi\ Dinamarco. Instituições de direito processual civil. II. n. 545. pp.
303 ss.
10. Por exemplo, mandado de .segurança impetrado contra o indeferimento
de inscrição cm concurso público, já havendo a comissão reconsiderado sua
decisão e, com isso. aceito a inscrição antes denegada.
104 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

fício que imagina;" c nega-se de igual modo esse direito, por


falta de legitimidade, a quem sequer cm tese possa ser beneficiado
juridicamente pelo provimento, porque alheio à relação Jurídica.
A ilegitimidade é, como se vc, um falo impeditivo do legítimo
interesse processual.''

São também assim as manifestações desses dois requisitos,


em relação à admissibilidade dos recursos. Em princípio, só ao
vencido a lei reconhece legítimo interesse em recorrer (CPC, art.
499) - porque é a ele, e não ao vencedor, que o novo julgamen
to poderá aportar uma situação melhor. E, como quem não hou
ver sido parte no processo não estará na condição de vencedor
nem de vencido, já a priori a lei limita às partes a legitimidade
para recorrer, sem levar em conta o teor da decisão em cada caso
concreto (sempre, art. 499 CPC); aos terceiros que sejam rigo
rosamente estranhos à relação jurídica controvertida a decisão
não poderá trazer prejuízo algum e, conseqüentemente, nenhu
ma vantagem jurídica poderá o novo julgamento propiciar-lhes.
O terceiro prejudicado e o Ministério Público, a quem a lei es
tende a legitimidade recursal, só serão legitimados a recorrer em
relação aos capítulos que de algum modo digam respeito aos in
teresses do primeiro ou à atuação do segundo.
Obviamente, estando a sentença estruturada em capítulos, e
cada qual recebendo julgamento de determinado teor, segue-se
que "se a sentença lhe foi parcialmente desfavorável, poderá o
apelante impugnar, com a apelação, todos os capítulos que lhe
foram desfavoráveis, ou parte deles, mas sua apelação .será sem
pre parcial".''* Ou seja, será sempre dimensionada pelo interes-
.se em remover o que de desfavorável houver na sentença. Será
sempre parcial o recurso daquele que sucumbiu quanto a algum
ou alguns dos capítulos de sentença, saindo-se vitorioso no to

ll. Por exemplo, concurso já realizado.


12. Por exemplo, mandado dc segurança destinado ao sobre.siamcnto de um
concurso, mas impetrado por quem sequer requererá inscrição.
13. Cfr. ainda Dinamarco, instituições de direito processual civil. II, n. 546,
pp. 305 ss.
14. Cfr. Barbosa Moreira, O juízo de admissibilidade dos recursos cíveis,
cap. Ill, n. 7. pp. 53-54.
REPERCUSSÕES NA TEORIA DOS RECURSOS I (J5

cante às outras parcelas de sua pretensão, porque, a teor do dis


posto no art. 499 do Código de Processo Civil, quem tem interes
se recursal é somente a parte vencida. No tocante aos capítulos
portadores de decisão favorável, não há interesse em recorrer.

48. recurso parcial: devolução limitada


O tema do recurso parcial sugere desde logo o dos limites da
devolução operada pelo recurso interposto, quando ele não é in
tegral. Essa limitação é regida principalmente pelo disposto no
art. 515, caput, do Código de Processo Civil, verbis: "a apelação
devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada".
Nesse texto, onde está matéria impugnada leia-se capítulos im
pugnados - e entender-se-á, como é natural, que o art. 515 de
clara devolvidos ao tribunal exclusivamente os capítulos de sen
tença que houverem sido objeto de impugnação, não se devol
vendo os demais. Nem importa por que o recurso interposto terá
sido parcial - se por força de lei, por vontade do recorrente ou
por ambos os motivos {supra, nn. 45, 46 e 47). Os capítulos ina-
tacados reputam-se cobertos pela preclusão adequada ao caso,
tendo portanto o mesmo destino que teria o ato decisório inteiro,
se recurso algum houvesse .sido interposto. Se o capítulo irre-
corrido fizer parte de uma sentença, a preclusão incidente sobre
ele será a prceclusio maxima, ou seja, a coisa julgada formal; se
ele contiver um julgamento de mérito, seus efeitos ficarão tam
bém imunizados pela autoridade da coisa julgada material.
Em qualquer dessas hipóteses a devolução operada pelo re
curso parcial é limitada aos capítulos impugnados, não se repu
tando o tribunal investido de poderes para apreciar os capítulos
omitidos pelo recorrente. É rigorosamente nula, por infração ao
art. 515, caput, do Código de Processo Civil, e às normas sobre
a coisa julgada contidas na Constituição Federal e no direito in-
fraconstitucional, a decisão recursal que for além do que se hou
ver recorrido.'-"'

15. O § 3" do art. 515 do Código de Processo Civil manda o tribunal passar
ao julgamento do meritiim causa; quando, afastando a razão pela qual o juiz
106 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

Membros da família de pessoa morta em um acidente de trân


sito ajuizaram demanda em face da empresa proprietária do ca
minhão apontado como causador do dano. Essa demanda foi Jul
gada inteiramente procedente, mas a viúva e filhos do falecido
apelaram, com o único objetivo de majorar a verba honorária a
cargo da empresa-rc. Obviamente, esse recurso tinha por objeto
exclusivamente a pretensão a um plus na verba honorária, não
operou devolução alguma quanto ao meriiim causa:, ou seja, não
investiu o tribunal do poder de decidir sobre o acerto ou erro do
juiz inferior ao julgar procedente a demanda (apelação parcial -
art. 515, caput). Pendente tal recurso, com os autos ainda na ins
tância de origem, os autores pediram e o juiz negou-lhes a carta
de sentença que pretendiam para promover a execução da sen
tença: ele assim decidiu, pelo falso fundamento de que ações da
quela natureza são sujeitas a apelação com efeito suspcnsivo e,
portanto, a execução provisória não seria admissível. Errado! Em
julgamento do qual tomei parte, o tribunal reformou essa deci
são, mostrando que, sendo parcial a apelação interposta pelos au
tores, o capítulo portador da procedência da demanda passara em
julgado, não se podendo falar em suspensão onde sequer devolu
ção havia. E a execução a ser feita seria até definitiva, não provi
sória (art. 587, 1- parte).
Outra hipótese interessante é a do litisconsórcio alternativo.
Negociei com empresas integrantes de um só grupo econômico
e, por não estar claro qual delas se tornou minha devedora, movi
minha demanda a duas delas, com o pedido de condenação de
uma ou de outra (litisconsórcio passivo alternativo). A sentença
de primeiro grau julgou-me carecedor de ação em face de uma
das litisconsortcs passivas e condenou a outra a pagar-me. Se só
esta apelar e eu não, o tribunal não estará investido do poder de
julgar aquela outra demanda, ou seja, não poderá alterar o capí
tulo sentenciai em que fui julgado careccdor de ação em relação
à outra empresa. Resultado prático: no caso de ser provido aque
le único apelo interposto, ficarei completamente vencido no pro
cesso, porque o capítulo irrecorrido terá passado em julgado já

inferior houver decretado a extinção do processo sem julgamento do mérito,


verificar que o estado da causa comporta tal julgamento desde logo (causas
madura.';). Não se trata, porém, de apreciar capítulo não impugnado, mas de
acrescer um capítulo que na .sentença recorrida inexistia (caphulo de mérito).
C/r. Dinamarco, Nova era do processo civil. n. 89. pp. 174-175.
REPERCUSSÕES NA TEORIA DOS RECURSOS 107

em primeiro grau de jurisdição. Coloca-se com isso o intrincado


tema da admissibilidade do recurso adesivo em casos como esse."'

O fenômeno da devolução limitada aos capítulos recorridos


pode acontecer tanto em apelação, quanto nos demais recursos,
ressaltando-se ainda uma vez que a todos se aplica o disposto
no art. 515, caput do Código de Processo Civil. No tocante aos
embargos infringentes, expressamente o art. 530 limita a devo
lução que eles são capazes de promover, ao estabelecer que "se
o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria
objeto da divergência" - ou seja, aos capítulos que, atendidos
todos os requisitos postos na parte inicial desse mesmo disposi
tivo, comportem tal recurso. Em recurso extraordinário ou espe
cial, a devolução será parcial e portanto restringir-se-á aos capí
tulos impugnados, ainda quando o acórdão contiver outros capí
tulos decisórios assentados em motivos suscetíveis de censura

pela óptica da Constituição ou da lei.

Não constitui desmentido ou ressalva a essa assertiva o que


consta da Súmula 528 do Supremo Tribunal Federal, verbis: "se
a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo Pre
sidente do Tribunal a quo, de recurso extraordinário que sobre
qualquer delas se manifestar, não limitará a apreciação de todas
pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente da interposi-
ção de agravo de instrumento". Essa máxima cuida de casos em
que mais de um capítulo foi, sim, objeto de recurso extraordiná
rio e no juízo de admissibilidade pelo Presidente do tribunal a
quo é que houve um afunilamento. O Supremo Tribunal Federal
conhecerá de todos os capítulos que hajam sido objeto de recurso,
mas não necessariamente de todos os capítulos do acórdão recor
rido: os capítulos inatacados ficam sempre fora da devolução.

Há, porém, legítimas restrições à regra do estrito confinamen-


to da devolução recursal segundo os capítulos impugnados ou
não-impugnados (art. 515, caput). Trata-se dos casos específicos

16. Sobre esse rico e inexplorado lema, cfr. Ailorio, "Litisconsorzio alternati
vo passivo e impugnazione incidentale", n. 1, p. 515; Tarzia, "Appunii sulie de
mande alternative", n. 7, p. 295: Dinamarco, Liiisconsórcio, n. 82. pp. 390-400.
108 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

(a) da sentença terminativa reformada pelo tribunal em apela


ção, (b) da sentença portadora de capítulos heterogêneos, ape
lando o vencido somente em relação aos de mérito e omitindo-se
quanto aos de fundo processual e (c) da rigorosa dependência,
segundo o direito material, do capítulo inatacado ao que houver
sido objeto do recurso.

49. devolução além dos capítulos impugnados:


sentença terminativa

Lendo-se somente o que está no caput do art. 515 do Código


de Processo Civil, jamais seria admissível que o tribunal, ao pro
ver apelação interposta contra sentença terminativa, desse um
passo além para também decidir quanto ao mérito da causa. A
razão é que, como o meritiim causce não foi julgado pelo juiz
inferior, o autor não apelou nem teria como apelar contra qual
quer julgamento de mérito; e, como o recurso .só devolve ao tri
bunal o conhecimento dos capítulos impugnados, nada se de
volveu com referência àquele capítulo de mérito, inexistente e
portanto irrecorrido. Mas o § 3- do mesmo art. 515, abrindo ex
ceção à regra da devolução em correspondência com os capítu
los recorridos, manda que o tribunal, estando a causa madura
para julgamento, vá, sim, além e decida o mérito; causas madu
ras para julgamento são aquelas em que já não haja instrução
alguma a realizar - seja porque a sentença terminativa foi pro
ferida ao fim do procedimento, com audiência já realizada, ou
porque, conquanto proferida a sentença terminativa antes, esti
vessem presentes os requisitos para o julgamento antecipado do
mérito (CPC, art. 330). Poderá, talvez, haver nisso uma trans
gressão ao princípio do duplo grau de jurisdição, não porém in-
constitucionalidade alguma, porque inexiste garantia constitu
cional a resguardar esse princípio; além disso, os benefícios
esperados do § 3-, que visa a acelerar a tutela jurisdicional
(Const., art. 5-, inc. XXXV), são mais relevantes que o culto
burocrático ao princípio do duplo grau.^^

17. Cfr. Dinamarco, A Reforma da Reforma, n. 101, p. 150.


REPERCUSSÕES NA TEORIA DOS RECURSOS 100

Da pertinência do art. 515 do Código de Processo Civil à dis


ciplina geral dos recursos (supra, n. 45), deflui que seu § 3- tem
uma dimensão mais ampla do que é insinuado por sua localiza
ção no capítulo da apelação. Dele e lícito extrair a autorização a
passar ao julgamento do mérito, estando a causa preparada para
tanto, também em sede de embargos infringeiiíes opostos contra
acórdão de eficácia terminativa (e no qual, por isso mesmo, não
há capítulo de meritis); e ainda no julgamento de agravo de ins
trumento interposto contra decisão interlocutória proferida cm si
tuação na qual também a causa já estivesse preparada para o jul
gamento do mérito, aplica-se de igual modo o § 3- do art. 515.''*

50. devolução além dos capítulos impugnados:


capítulos heterogêneos
Quando a sentença contém a rejeição explícita de prelimina
res que poderiam conduzir à extinção do processo, seguida do
julgamento do merititm caitsce, da regra contida no art. 515, ca
put, deveria decorrer que o recurso interposto contra o capítitlo
processual não produzisse a devolução referente ao capítulo de
mérito, e vice-versa. Há ressalvas, porém, a essa regra geral.
Se o tribunal dá provimento ao apelo dirigido exclusivamen
te contra o capítulo que afirma o direito do autor ao julgamento
do mérito, o próprio julgamento de mérito, proferido na instân
cia inferior, fica atingido em cheio, não havendo como prevale
cer. Nem haveria como pensar em negar o direito ao julgamento
do mérito, sem ao mesmo tempo retirar do mundo jurídico aque
le que fora indevidamente proferido pelo prolator da sentença
recorrida. Na realidade, esse recurso é só aparentemente parcial.

Situação inversa é a do recurso interposto apenas contra o ca


pítulo de meritis, sem impugnar o de natureza processual. Dis
pondo a lei que certas matérias devem ser conhecidas pelo juiz
em qualquer grau de jurisdição e independentemente de argüi-
ção pela parte (art. 267, § 3-), daí se extrai que no julgamento

18. Cfr. Dinamarco, A Reforma da Reforma, n. 108, esp. p. 263; Nova era
do processo civil, n. 88, pp. 173-174.
IK) CAPÍTULOS DE SENTENÇA

da apelação o tribunal conhecerá da ilegitimidade ad causam,


da coisa julgada, da litispendência etc., mesmo que para tanto
precise ir além dos limites dos capítulos impugnados. Ou seja;
ainda quando a sentença contenha um capítulo explícito sobre
essas questões que poderiam conduzir à extinção processual, o
tribunal não dependerá da inclusão desse capítulo na apelação,
para que sobre ele se pronuncie, com a possibilidade de impor a
extinção do processo, afastada pelo juiz inferior. Essa expansão
da devolução recursal além dos limites do recurso interposto co
lhe legitimidade no caráter público das causas extintivas arro
ladas no § 32 do art. 267, sendo natural que o Estado reserve
sempre para si o exame e verificação desses pressupostos de ad
missibilidade do julgamento do mérito, negando a qualquer mo
mento esse julgamento ainda quando o interessado não lhe haja
provocado essa decisão. O direito positivo encaminha também
essa conclusão, ao proclamar que matéria de ordem pública não
é sujeita a preclusão (art. 245, par.) e ao mandar que a apelação
devolva ao tribunal as questões não preclusas (art. 516).
Não é demais advertir: se algum capítulo de mérito também
houver sido omitido no recurso, jamais esse capítulo inatacado
poderá ser atingido pelo julgamento no sentido de que o autor
não tinha direito ao julgamento de mérito; por mais razões que
tenha para assim entender, o tribunal limitar-se-á a aplicar so
bre o capítulo recorrido a regra emergente dos arts. 245, par.,
267 e 516.

É legítimo aplicar essa orientação ainda quando o próprio au


tor houver apelado contra o capítulo de mérito (improcedência)
e, no julgamento de seu recurso, recebe a decisão no sentido de
que sequer direito ao julgamento de mérito ele teria. Essa não é
uma reformatio in pejus, justamente porque a extinção do pro
cesso sem julgamento do mérito é ordinariamente menos gravosa
ao demandante, do que a extinção com julgamento de meritis des
favorável (coisa julgada material). Reformatio in pejus haveria
se o tribunal pudesse atingir com a aplicação do disposto no § 3-
do art. 267 um capítulo de mérito sobre o qual nenhuma das par
tes houvesse apelado. Assim como a nulidade de um capítulo não
contamina os outros, que dele não sejam estritamente dependen-
REPFÍRCUSSOES NA TEORIA DOS RECURSOS 111

tes (supra, ii. 38), assim também a exclusão do julgamento do


mérito com referência ao capítulo recorrido não pode estender-se
aos capítulos não-recorridos.

51. devolução além dos capítulos impugnados:


capítulos dependentes
Não há no direito brasileiro, como no italiano (c.p.c., art.
336), uma norma que autorizasse estender a devolução recursal
aos capítulos de mérito inatacados, quando eles forem necessa
riamente dependentes do que houver sido objeto do recurso
(prejiidícíalidade: supra, n. 15). Mesmo sem norma expressa,
todavia, essa devolução a maior deve ocorrer, porque seria in
coerente reunir em um processo duas ou mais pretensões e dizer
que isso é feito em nome da economia e da harmonia entre os
julgados,para depois renunciar a essa harmonia e permitir que
a causa prejudicada (dependente) ficasse afinal julgada de modo
discrepante do julgamento da prejudicial (dominante). Assim
como não é necessário pedir juros e outros acréscimos na de
manda inicial (os chamados pedidos implícitos - CPC, art.
293),-" assim também se dispensam esses pedidos na apelação
referente ao capítulo principal - com a conseqüência de que
eventual omissão do recorrente não impedirá a devolução no to
cante ao capítulo referente a eles. Seria também inaceitável man
ter a procedência da demanda indenizatória proposta em cúmulo
com a de reintegração de posse, nos casos em que, julgadas am
bas procedentes em primeiro grau, o réu interpusesse apelação
exclusivamente quanto ao capítulo alusivo à possessória, dei
xando inatacado o outro capítulo. Em casos assim, onde é muito
intensa a relação de prejudicialidade entre os diversos capítu
los, é imperioso estender ao capítulo portador do julgamento de
uma pretensão prejudicada, quando irrecorrido, a devolução

19. Cfr. Dinamarco, Instituições de direito processual civil, II. n. 470, esp.
p. 162.
20. Cfr. ainda histituições de direito processual civil, III, n. 995, csp. p.
365.
11 2 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

operada por força do recurso que impugna o capítulo que julgou


a matéria prejudicial.

A mera concxidadc entre demandas não autoriza essa exten


são de efeito, porque toda extensão é excepcional e uma genera
lização implicaria sistemática transgressão à regra geral, que é a
do art. 515, caput. Tratando-se de capítulos relacionados com su
jeitos parcialmente diferentes, a lei c expressa ao determinar que
o recurso interposto por um dos vencidos só aproveita a seus li-
tisconsortes em caso de litisconsórcio unitário (CPC, art. 509).

52. recurso parcial, recurso adesivo e reformatio in pejus

O art. 500 do Código de Processo Civil, responsável pela dis


ciplina do recurso adesivo, é uma clara aplicação da teoria dos
capítulos de sentença, porque só se pode conceber que na uni
dade formal de uma sentença venham a ficar "vencidos autor e
réu", na hipótese de esse corpo unitário abrigar, simultânea e
cumulativamente, um capítulo em que o autor figura como ven
cido e outro, em que vencido é o réu. Tendo cada um dos parcial
mente vencidos o interesse recursal limitado ao capítulo que lhe
foi desfavorável, ou ambos manifestam seus respectivos recur
sos parciais no prazo ordinário (dois recursos principais) ou um
deles o faz no prazo ordinário e o outro depois, quando intima
do da interposição feita pelo adversário. Sempre, cada um em
relação ao capítulo de sua sucumbência.

O recurso adesivo chegou ao direito brasileiro com o Código


de Processo Civil de 1973, quando ainda se cogitava da vigência
do benefício connim da apelação. Na vigência do Código de
1939, o próprio Liebman chegara a afirmar que a apelação inter
posta por um dos vencidos propagaria efeitos sobre o capítulo
oposto, de modo que o tribunal ficaria investido do conhecimen
to integral da causa apesar de o único recurso interposto ter sido
parcial.-' Essa suspeita ficou afastada quando o art. 500 impôs
ao apelado o ônus de manifestar no prazo para a resposta o seu

21. C/r. "Istituti dei dirilio comune ncl processo civile brasiliano", n. II,
esp. pp. 508-509
RF.PHRCUSSÓF.S NA TEORIA DOS RECURSOS 11 3

próprio recurso parcial, na modalidade adesivo, sendo pacífico o


entendimento de que o descumprimento desse ônus acarreta o
trânsito em julgado do capítulo não recorrido.

Reformatio in pejus, alteração para pior, é o vício consistente


em impor ao recorrente, no julgamento de um recurso exclusi
vamente seu, uma solução mais desfavorável do que aquela la
mentada ao recorrer. Se há na sentença capítulos favoráveis e
capítulos desfavoráveis, cada um dos litigantes só tem legítimo
interesse de recorrer em relação ao capítulo que lhe desfavore
ce, não contra o que atendeu à sua pretensão; e recorrendo ele
nessa medida, a devolução será rigorosamente limitada ao capí
tulo recorrido, não estando o tribunal investido de jurisdição em
relação ao capítulo inatacado (CPC, art. 515, caput). Se, indo
além, o tribunal decidir também sobre o capítulo inatacado, pio
rando a situação de quem recorreu, eis a reformatio in pejus.
Essa explicação elementar apenas prepara a solução dos pro
blemas práticos mais difíceis que o tema comporta, como o da
anulação do capítulo não-recorrido. Há uma enorme tendência
dos tribunais a violentar fronteiras, indo além da matéria que
constitui objeto do recurso, para anular também os capítulos ina-
tacados; repugna-lhes aceitar que uma sentença pudesse ser nula
e válida ao mesmo tempo, o que sucederia se deixassem intac
tos os capítulos inatacados. Esse é, porém, o resultado de uma
postura exageradamente lógica no trato das coisas do processo,
em situações onde o raciocínio precisaria ser predominantemen
te prático.

É notório cm doutrina, e assim ensinou Liebman, que a coisa


julgada não tem a finalidade lógica de manter coerência entre
julgados ou entre seus fundamentos, mas a de criar situações práti
cas irremovíveis. Não c por outro motivo que o art. 469 do Códi
go de Processo Civil deixou muito claro que os motivos da sen
tença jamais ficarão cobertos pela auctnritas rei judicata:, o que
abre caminho para possíveis contradições lógicas entre a senten
ça passada cm julgado e alguma outra que no futuro venha a ser
proferida. Constitui escopo da garantia da coisa julgada a estabi
lização dos efeitos práticos da .sentença, não se permitindo que
algum ulterior pronunciamento judicial possa dar à mesma causa
11 4 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

um outro destino; e daí, inclusive, a eficácia precliisiva da coisa


julgada material, que impede a discussão de qualquer questão
ou ponto pertinente à sentença passada cm julgado, ainda quan
do não haja sido suscitado antes (CPC, art. 494 - infra, n. 57).

Ora, a eventual discrepância lógica entre os resultados finais


dos diversos capítulos de sentença permanece sempre no campo
das preocupações teóricas, não práticas, porque cada um dos ca
pítulos de mérito tem vida própria e é capaz de produzir seus
efeitos práticos na vida das pessoas, independentemente do que
estiver disposto em outro capítulo - e independentemente tam
bém de eventual vício processual que o inquine. Capítulo irre-
corrido é como sentença irrecorrida: passa em julgado. A preo
cupação lógica dos que impõem ao recorrente uma reformatio
in pejus em nome da coerência lógica entre capítulos de sentença,
leva-os a transgredir diretamente o disposto no art. 515, caput,
do Código de Processo Civil - com infração, também, à garan
tia constitucional do due process, na medida em que se contra
riam legítimas expectativas de quem recorre em busca de resul
tados práticos melhores e acaba sendo surpreendido por uma pio
ra de situação que só seria possível se o adversário houvesse
recorrido.--

Pedl rescisão contratual c indenização, mas o juiz só acolheu


o primeiro dos meus pedidos. Apelei visando à indenização c o
réu não apelou. O tribunal, percebendo que minha representação
processual esta irregular, pode chegar ao ponto de não conhecer
de meu recurso, não porem ao de anular o julgamento inferior
sobre a rescisão contratual, ainda que o vício de repre.sentação
inquinasse o processo inteiro.

Situação muito análoga é a de um fundamento suficiente para


reformar pelo mérito o julgamento de mais de um capítulo, mas

22. Já não estamos falando de vícios que inquinam somente um dos capítu
los sentenciais, sem atingir outros - caso em que, em sede alguma, com ou sem
recuso, jamais se legitima a anulação do capítulo não contaminado (supra, n.
38). Falamos no presente tópico de capítulos que estão, sim. atingidos pelo ví
cio mas que, não tendo sido objeto de recurso, restam fora de qualquer aprecia
ção pelo tribunal.
REPERCUSSÕES NA TEORIA DOS RECURSOS 11 5

cuja imposição fica restrita ao capítulo que houver sido objeto


do recurso, sem atingir os demais. Se o juiz julgou parcialmente
procedente um pedido de condenação em dinheiro e somente o
autor apelou, entende-se devolvido ao tribunal exclusivamente
o capítulo referente ao valor negado pelo juiz de primeiro grau,
não o que concedeu ao autor parte do que pedira {supra, n. 28 -
objeto do processo decomponível). Se o réu, sem haver apela
do, nas contra-razões ao recurso do autor alegar a prescrição,
esta poderá ser conhecida pelo tribunal, porque comporta alega
ção em qualquer tempo e grau (CC, art. 193); mas o réu não se
beneficiará dessa causa extintiva em relação à parcela da obriga
ção incluída no capítulo não-recorrido, porque, como nos demais
casos de recurso parcial, este estará coberto pela coisa julgada.
Ir além para colher esse capítulo é transgredir a regra limitativa
contida no art. 515, caput, do Código de Processo Civil, com to
dos os males da reformatio in pejus.

53. uma só sentença, um só recurso

Como ato formalmente único que é, a sentença comporta um


recurso só, não-obstante sua possível divisão em capítulos mais
ou menos autônomos e quaisquer que seja o conteúdo de cada
um desses capítulos. Por lei, o ato processual que propõe a ex
tinção do processo sem julgamento do mérito ou lhe julga o mé
rito é sentença (CPC, art. 162, § 1-, red. lei n. 11.232, de
22.12.05) e sentença, também por disposição legal expressa,
comporta somente o recurso de apelação (art. 513). Assim será,
ainda quando a sentença contenha algum pronunciamento que
ordinariamente viria em uma decisão interlocutória, como a con
cessão de uma tutela antecipada. Esse capítulo, estando integrado
no corpo unitário de uma sentença, não se destaca dos demais
em razão de seu conteúdo, para receber um tratamento diferen
te, no tocante ao recurso cabível; caberá sempre e somente o
recurso de apelação, porque o conteúdo de cada capítulo não
exerce influência alguma na determinação do recurso adequado
ao caso.
11 6 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

Decisão ínterlociitóría é o nome de um ato processual, não de


uma decisão que o juiz toma; é o ato com que o juiz decide no
curso do processo sobre algum pedido ou requerimento incidente
das partes ou determina de-ofício alguma medida (leitura racio
nal do § 2- do art. 162 do Código de Processo Civil). O fato de
uma matéria estar ordinariamente sujeita a pronunciamento do
juiz no curso do processo não significa que, ao decidir a seu res
peito no corpo da sentença, o juiz estives.sc a realizar dois atos -
um que julga o mérito, outro decidindo sobre a matéria que po
deria ou deveria haver sido decidida antes. Trata-se de dois capí
tulos de um ato só e esse ato é somente sentença.

54. diferentes regimes quanto aos efeitos


da interposiçõo dos recursos

Pode haver diferenças no trato de uni recur.so, quando a .sen


tença apelada contém capítulos sobre matéria sujeita a apelação
dotada de efeito suspensivo e matéria sujeita a apelação de efi
cácia exclusivamente devolutiva. Essa distinção pode suceder
até mesmo entre dois ou mais capítulos de meritis, como no caso
de cúmulo entre pedidos de separação judicial e de condenação
por alimentos: a apelação terá somente efeito devolutivo em re
lação ao capítulo dos alimentos (art. 520, inc. II), mas será su.s-
pensiva no tocante ao que contém o julgamento da separação
(art. 520, caput). Aplica-se essa distinção, talvez até a fortiori,
quando com o capítulo de mérito conviver outro, portador de
uma tutela antecipada. O inc. VII do art. 520 do Código de Pro
cesso Civil manda que tenha efeito somente devolutivo a sen
tença que "confirmar a tutela", donde razoavelmente se extrai
que também será somente devolutiva a sentença que conceder a
tutela, na medida do capítulo que a concede; os capítulos de
mérito, ou alguns deles, poderão ficar sujeitos a apelação com
efeito su.spensivo, desde que esse efeito não prejudique a efeti
vidade da própria antecipação.--^

23. Cfr. Dinamarco, .-t Reforma da Reforma, n. W. pp. 145-14Q.


RRPHRCUSSÔES NA TEORIA DOS RECURSOS 11 7

55. efeitos do julgamento dos recursos

O grande leque de resultados possíveis no julgamento dos re


cursos pelos tribunais manifesta-se ainda mais variado quando
o recurso é interposto contra sentença formada por dois, três ou
vários capítulos e o recurso haja devolvido todos ao tribunal. É
possível (a) que cm relação a um deles o recurso interposto não
seja sequer conhecido, com o que a decisão ali contida prosse
guirá produzindo seus efeitos; b) que, quanto a outro, ele seja
conhecido e improvido, caso em que o tribunal cassa esse capí
tulo de sentença e o substitui por um julgamento seu (CPC, art.
512), de teor e eficácia idênticos ao daquele; c) que quanto a
um terceiro capítulo o recurso seja conhecido e provido para re
formar o julgamento inferior, agora também cassando o capítu
lo e substituindo-o por um julgamento seu (sempre, art. 512)
mas tendo esse julgamento um teor oposto; d) que, quanto a ou
tro ainda, o recurso seja provido para anular o julgamento. To
das as combinações são possíveis e, quanto mais heterogêneo
for o resultado do julgamento pelo tribunal, tanto mais o con
junto das decisões pelo tribunal será diferente do que estava na
sentença recorrida (sobre os efeitos dos diversos julgamentos do
recurso, supra, nn. 24-28).

56. recebimento parcial e agravo

Quando for parcial o recebimento do recurso pelo juízo a quo,


isso significa que, se o recorrente não interpuser agravo, passa
rá em julgado o capítulo de .sentença ou de acórdão em relação
ao qual o recurso houver sido indeferido; em outras palavras, o
recorrente tem o ônus de interpor o agravo contra a parte desfa
vorável da decisão de recebimento. Isso pode acontecer no juí
zo de admissibilidade da apelação, dos embargos infringentes,
do recurso especial ou do extraordinário etc., feito pelo juízo a
quo (juiz de primeiro grau, presidente do tribunal de origem). O
agravo será nesse caso parcial, não devolvendo o capítulo favo
rável da decisão, ou seja, o capítulo do qual consta o parcial de-
11 8 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

ferimento do recurso; isso significa que no julgamento desse


agravo o tribunal não poderá apreciar a parte positiva da deci
são agravada, ou seja, a parte em que ela contém o juízo positivo
de admissibilidade do recurso antes interposto. Isso será feito
quando o próprio recurso lhe chegar, ocasião em que sua admis
sibilidade será apreciada em juízo preliminar de conhecimento.

57. prazos e trânsito em julgado

Podem variar, em relação aos diversos capítulos de uma sen


tença só, os momentos em que cada um deles passa em julgado.
Essa variação tanto pode ocorrer entre capítulos da mesma na
tureza (todos de mérito, todos contendo a negativa do julgamento
do mérito), como em relação a capítulos heterogêneos {supra,
n. 35); pode também ocorrer em caso de capítulos favoráveis a
uma das partes, em convívio na mesma sentença com capítulos
desfavoráveis, ou mesmo quando todos eles são favoráveis a
uma só das partes. Ela é sempre causada (a) por alguma peculia
ridade referente aos prazos para recorrer, sua dimensão, seu iní
cio, sua eventual suspensão, (b) pelo fato de haver sido inter
posto recurso com relação a um capítulo mas, quanto aos ou
tros, não ou (c) pela irrecorribilidade de algum capítulo, em opo
sição à recorribilidade de outros.
O início dos prazos recursais pode variar, o que acontece
quando as intimações aos litigantes não são feitas todas no mes
mo dia; sendo diferente os termos iniciais, obviamente também
diferentes serão os dias em que o prazo termina e, se não houver
recurso, o trânsito em julgado terá ocorrido em dias diferentes.
Essa é a situação em que, no linguajar cartorário, se diz que "a
sentença já passou em julgado para o autor", embora não tenha
passado para o réu, ou vice-versa; em sua leitura sistemática,
essa frase significa que um dos capítulos da sentença já passou
em julgado e o outro, não (pa.ssou em julgado o capítulo contrá
rio à parte que foi intimada em primeiro lugar, não passou o que
foi desfavorável à outra parte). Também quando há pluralidade
de partes, caracterizada pelo litisconsórcio ou certas modalida-
R E P E R C U S S Õ E S N A T E O R I A D O S R E C U R S O S 11 9

des de intervenção de terceiros, o "trânsito em julgado para uma


das partes" significa que o capítulo que diz respeito a ela já pas
sou em julgado, não porém os que dizem respeito aos outros li
tigantes; se um dos litisconsortes passivos foi intimado antes dos
outros, o decurso do prazo com referência ao capítulo que o con
denou não implica irrecorribilidade para os demais; idem, se o
litisdenunciante foi intimado antes do litisdenunciado, o opoen-
te antes dos opostos etc.
Diferem ainda os momentos do trânsito em julgado quando
os prazos para as partes são dotados de dimensões que não coin
cidem. Havendo litisconsortes representados por procuradores
diferentes e sendo por isso em dobro os prazos de que ambos
desfrutam (CPC, art. 191), o capítulo sentenciai que os favorece
terá passado em julgado, desde que também não haja litiscon
sortes no outro pólo da relação processual - enquanto que os
desfavoráveis aos litisconsortes são sujeitos a recurso até quan
do termine o prazo duplicado. O mesmo acontece com relação
aos prazos privilegiados concedidos à Fazenda Pública e ao Mi
nistério Piiblico (prazos em dobro para recorrer), com a obser
vação que já o dies a quo do prazo para o Ministério Público, a
Advocacia-Geral da União e as Defensorias recorrerem do capí
tulo desfavorável situa-se em momento posterior ao da intima-
ção das partes comuns - uma vez que seus procuradores são ne
cessariamente intimados em pessoa (CPC, art. 236, § 2-; lei
compl. n. 80, de 12.1.1994, art. 44, inc. 1; lei compl. n. 73, de
10.2.1993, art. 38; lei n. 1.060, de 5.2.1950, art. 5^, § 5^).--^

Em qualquer hipótese, suspendendo-se o prazo com referên


cia a um dos capítulos sentenciais (p.ex., o que desfavorece a par
te falecida: art. 265, inc. 1, c/c art. 266). o vencimento do prazo
suspenso ocorrerá em dia posterior ao do trânsito em julgado dos
demais capítulos. Mas a interrupção decorrente da oposição de
embargos de declaração beneficia todas as partes (art. 538) e, por
tanto, repercute em todos os capítulos da sentença ou acórdão.

24. Cfr. Dinamarco, ínstiiuiçôes de direito processual civil, 11. n. 663. p,


565; vol. Ill, n. 1.049, pp. 436-438.
120 capítulos de sentença

Se dentro do prazo um dos capítulos recorríveis vier a ser efe


tivamente impugnado por recurso, não o sendo o outro, ou ou
tros, é claro que passam em julgado estes e não passa aquele; e
isso tanto pode acontecer quando os diversos capítulos de uma
sentença são desfavoráveis ao mesmo sujeito ou quando algum
for favorável e outros, não.
E, como também podem conviver em um só acórdão capítu
los suscetíveis e capítulos insuscetíveis de recurso especial ou
extraordinário (p.ex., capítulos fundados somente em matéria de
fato ou interpretação contratual: Súmulas 5 e 7 do STJ), o rece
bimento de tais recursos quanto àqueles e indeferimento quanto
a estes também deslocará o momento para o trânsito em julga
do. Embora em tese todo acórdão proferido em última ou única
instância por tribunal local comporte os recursos federais, a con
creta admissibilidade destes estará sempre sujeita à presença dos
requisitos constitucionais - e isso autoriza falar em capítulos
(concretamente) recorríveis, em oposição a capítulos (concreta-
mente) irrecorríveis.

58. ação rescisória:


alguns temas e soluções comuns aos recursos
Um volume significativo de questões recursais suscetíveis de
serem solucionadas mediante o reclamo a conhecimentos ine
rentes à teoria dos capítulos de sentença aparece também na dis
ciplina e na prática da ação rescisória, comportando soluções
mutatis mutandis equivalentes. Busca-se neste tópico a transpo
sição possível dessas soluções, com a consciência de que o
transplante integral não é possível e com a declarada intenção
de ser sucinto, evitando-se, pois, repetições redundantes de ar
gumentos ou conceitos.-^
Será parcial a admissibilidade da ação rescisória, se a sen
tença ou acórdão rescindendo apresentar capítulos suscetíveis e

25. Cfr. Flávio Luiz Yarsiiell, Ação Rescisória (Jtiíios rescindente e rescisó
rio), São Paulo, Mallieiros Editores, 2005.
REPRRCUSSÒRS NA TEORIA DOS RECURSOS 121

capítulos insuscetíveis de serem atacados por essa via. Não es


tando sujeitos a esse meio de impugnação os capítulos em rela
ção aos quais não se possa lançar qualquer das causas rescin-
dentes indicadas nos incisos do art. 485, como é o caso daqueles
apoiados em fundamentação exclusivamente de fato etc., diz-se
que quanto a eles é impossível a pretensão a rescindir (carência
de ação). Se for proposta ação rescisória da sentença como um
todo, sem distinguir capítulos, o tribunal negará julgamento de
meritis no tocante aos capítulos insuscetíveis de rescisão, tanto
quanto deixaria de conhecer do recurso em relação a algum ca
pítulo que não pudesse ser atacado por ele.

A situação é similar à cio recurso extraordinário e do especial,


cuja parcial admissibilidade se limita aos capílulos suscetíveis de
impugnação por um dos fundamentos indicados na Constituição
Federal, sem que a admissibilidade desses recursos possa ir alem
de tais limites rígidos. Não se trata de identificar capítulos de
sentença entre os motivos desta, mas de separar capítulos do deci-
sório sentenciai com o objetivo de indicar quais têm apoio em
fundamentos que autorizam a rescisão e quais, não.

Visivelmente, também os requisitos do interesse e da legiti


midade recursal transparecem na ação rescisória, que é uma
ação e não um recurso, nas vestes de interesse de agir e legiti
midade ad causam. Só são partes legítimas ativas a essa ação as
próprias partes do proce.sso anterior, o Ministério Público e o
terceiro prejudicado (art. 487), porque a todas as outras pessoas
são juridicamente indiferentes os efeitos do julgado e, conse
qüentemente, delas não têm interesse na rescisão. Tanto quanto
sucede em relação aos recursos, mesmo as pessoas legitimadas
terão ou não o interesse à ação rescisória, na medida da possibi
lidade, que esta lhes ofereça caso a caso, de proporcionar-lhes
uma situação melhor que a resultante do ato rescindendo {su
pra, n. 47). Posta e.ssas premissas, ver-se-á que o interesse de
rescindir pode ser integral ou parcial, tanto quanto o interesse
de recorrer. Parcial será, se a sentença ou acórdão contiver capí
tulos favoráveis e capítulos desfavoráveis - porque obviamente
122 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

não há interesse em afastar os efeitos de uma decisão favorável.


Quanto aos capítulos favoráveis, o sujeito carece de ação resci
sória, por ausência do requisito do interesse-necessidade; se for
pedida a rescisão de toda a sentença ou acórdão, o tribunal pro
clamará a ausência do direito ao julgamento em relação ao ex
cesso não-rescindível.

Mas já vi o caso de uma ação de investigação de paternidade


julgada procedente, com trânsito cm julgado, seguindo-se a
ação rescisória proposta pelo vencedor, a qual veio a ser admi
tida pelo tribunal e até julgada procedente! A mãe da autora ha
via feito uma composição com o réu vencido, o que a levou a
pedir aquela rescisão com vista a abrir caminho para a busca de
outro pai, em outra ação de investigação (um pai mais rico, na
turalmente).

Proposta a ação rescisória parcial, obviamente a rescisão só


poderá ser parcial, jamais indo além dos capítulos cuja rescisão
se houver pedido. A função limitadora representada pelo art.
515, caput, do Código de Processo Civil no tocante à devolução
recursal, em relação à ação rescisória, vem da regra generalíssi-
ma, segundo a qual ne eat judex ultra vel extra petita partiiim,
expressa em seus arts. 128 e 460. O tribunal julgará a ação res
cisória nos limites objetivos e subjetivos da demanda de resci
são, sendo-lhe vedado ir além ou fora do pedido, tanto quanto
sucede nos recursos. É vedado, portanto, rescindir qualquer ca
pítulo da sentença ou do acórdão cuja rescisão não haja sido pe
dida. Rescindir o capítulo sentenciai favorável ao autor da res
cisória, cuja rescisão ele não pediu e não era sequer admissível,
eqüivale, mutatis mutandis, a impor ao recorrente uma reforma
tio in pejus ou a condenar o autor a pagar ao réu, em um proces
so ordinário no qual não tenha sido oposta uma reconvenção {su
pra, nn. 26 e 52). O réu que quiser a ampliação do objeto do
processo da ação rescisória, para que também os capítulos a ele
desfavoráveis sejam incluídos no julgamento pelo tribunal, terá
o ônus de reconvir, deduzindo esse pedido - tanto quanto o re
corrido teria o ônus de interpor recurso adesivo {supra, n. 52).
REPERCUSSÕES NA TEORIA DOS RECURSOS 123

O pedido de rescisão de mais de um capítulo introduz no pro


cesso da ação rescisória um objeto complexo {supra, n. 25). com
a conseqüência de que também o acórdão a ser proferido se apre
sentará dividido em capítulos - cada um deles referente a um
dos pedidos. Também haverá capítulos no acórdão se, em relação
a um dos pedidos de rescisão, o tribunal concluir por rescindir
menos que o postulado (p.ex., reduzindo o valor da obrigação
sem negar o an debeatur) - caso em que o objeto do processo,
posto que simples no início, se reputa decomposto na decisão fi
nal (objeto simples, composto, dccomponível; supra, nn. 25 ss.).
Essa fragmentação do acórdão rescindente repercutirá depois, se
gundo as regras recursais gerais, nos limites da admissibilidade
do recurso eventualmente cabível contra ele.

59. capítulos de sentença e devolução oficial

Conquanto sua natureza seja outra, a remessa oficial, regida


pelo art. 475 do Código de Processo Civil, é em vários aspectos
regida por preceitos inerentes ao sistema recursai, porque ela
guarda, com os recursos, uma suficiente analogia: tanto ela
quanto estes têm a fundamental eficácia de devolver o conheci
mento da causa, integral ou parcialmente, ao órgão jurisdicional
superior.
Examinam-se neste tópico alguns aspectos da regência legal
da remessa de-ofício, na demonstração do valor ali desempenha
do pelos capítulos de sentença e em confronto com o que se dá
na disciplina dos recursos.
A devolução provocada pela remessa oficial terá, em princí
pio, toda a dimensão dos capítulos desfavoráveis à Fazenda Pú
blica, não se concebendo que ela pudesse autorizar o tribunal
somente a reduzir o valor da obrigação imposta a esta, .sem po
der declarar radicalmente a inexistência dessa obrigação. Mas
dar-se-á a devolução parcial quando entre os capítulos de mérito
da sentença desfavorável existir um em relação ao qual a lei ex
clua a remessa oficial (CPC, art. 475, §§ 2- e 3-), a saber: a) um
capítulo em que a Fazenda Pública seja condenada por um valor
não excedente ao de sessenta salários mínimos ou (b) um capí-
124 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

tulo cuja motivação "estiver fundada em jurisprudência do ple


nário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste ou do
Tribunal Superior competente". Convivendo uma dessas deci
sões com outro capítulo suscetível de remessa oficial, a devolu
ção ex art. 475 será parcial, não integral.
Será também parcial a devolução oficial, quando a sentença
contiver capítulos favoráveis e capítulos desfavoráveis à Fazen
da Pública. A jurisprudência brasileira, rigorosamente apegada
à regra fascista da devolução oficial em caso de sentença profe
rida contra os interesses fazendários, entende que essa providên
cia tem o escopo único de propiciar resultados melhores para
esta, jamais piores; conseqüentemente, manda que as devolu
ções ex art. 475 do Código de Processo Civil incidam exclusi
vamente sobre os capítulos de sentença desfavoráveis aos entes
públicos, ficando a salvo os que lhe hajam sido favoráveis e so
mente sendo objeto de devolução se a parte prejudicada recor
rer. Embora a devolução não tenha natureza recursal, vem sen
do aplicada, mutatis mutandis, a regra do art. 515, caput do Có
digo de Processo Civil, de modo a limitar a devolução à matéria
que o legislador mandou repropor aos tribunais - ou seja, so
mente os capítulos desfavoráveis ao Estado, essa siiperparte.

Sequer os honorários advocatíclos da sucumbência podem ser


alterados em desfavor da Fazenda Pública, ainda quando o juiz
haja errado manifestamente a esse re.speito. A partir das premis
sas adotadas, o Superior Tribunal de Justiça considera que ocor
reria nessa hipótese uma reformatio in pejus.

No julgamento da devolução oficial poderá ocorrer que o


acórdão também venha a compor-se de capítulos, como no caso
em que mais de um capítulo da sentença haja sido devolvido ao
tribunal e naqueles em que, embora o capítulo fosse único, seu
objeto comportasse decomposição (redução do valor da conde
nação etc.). A divisão em capítulos comandará o exame da ad
missibilidade do recurso eventualmente admissível contra o
acórdão julgador da devolução oficial e, conforme o caso, a
REPERCUSSÕES NA TEORIA DOS RECURSOS 125

distribuição dos encargos da sucumbência entre as partes. Se


esse acórdão contiver uma parte suscetível de embargos infrin-
gentes e outra não (art. 530), aplicar-se-á o disposto no art. 498
do Código de Processo Civil, quanto aos prazos e oportunida
des para interpor esse recurso e o extraordinário, ou o especial.

A jurisprudência admite maciçamente os embargos infringen-


tes contra acórdão proferido em devolução oficial, ainda que não
haja sido interposta a apelação por qualquer das partes e desde
que presentes os requisitos daquele recurso. Mas, como entre es
ses requisitos está o de que a maioria haja decidido pela reforma
da sentença (no caso, dois votos dando provimento à devolução
oficial), somente a Fazenda poderá opor os embargos infringen-
tes - porque, se dois votos confirmarem a sentença de primeiro
grau e só um discordar, o art. 530 do Código de Processo Civil já
não admite tal recurso. Mais uma razão para a inconstitucionali-
dade dessa excrescência autoritária herdada do totalitário Esta-
do-Novo getulista.
CAPÍTULO VIII
REPERCUSSÕES NO CUMPRIMENTO
DE SENTENÇA, NA EXECUÇÃO FORÇADA
E NA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA^
60. aspectos gerais - 61. capítulo liqüido c capítulo ilíqüido - 62. diversas e.spé-
cies de liquidação de .setitcnça — 63. diversos modos de cumprimento da senten
ça - 64. execução definitiva e execução provisória - 65. embargos parciais

60. aspectos gerais

Sabido que somente as sentenças condenatórias e certas de-


claratórias são título para a execução forçada (CPC, art. 475-N,
inc. I, red. lei n. 11.232, de 22.12.05), principia neste ponto um
estudo dos capítulos sentenciais condenatórios, ou declaratórios
com eficácia de título executivo, com vista a levantar os princi
pais problemas que surgem quando a sentença é composta por
vários capítulos, sejam todos eles portadores de alguma conde-

1. Este capítulo Vil! denominava-se repercussões na execução forçada e na


liquidação de sentença. Foi alterado nesta 2^^ edição, em atenção ao sistema
implantado pela lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, a qual só considera
execução por título judicial aquela que tenha por objeto créditos pecuniários
(execução por quantia certa contra devedor solvente). A execução por obriga
ções específicas fica, segundo essa lei. no conceito ampk) de cuinprinienio de
sentença. Não me agrada essa terminologia, mas legem lwbenui.s: devemos nos
afeiçoar a ela e renunciar a eventuais discordâncias parciai.s. que só poderiam
ter alguma utilidade prática antes de aprovada a lei, não agora.
EXECUÇÃO FORÇADA E LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA 127

nação, seja que eles convivam com capítulos de outra eficácia


(constitutivos, meramente declaratórios).- Também aqui é ex
pressa a renúncia ao exaurimento dos temas, sendo suficiente
a fixação de premissas muito amplas, capazes de informar a so
lução dos demais problemas que certamente a experiência do
dia-a-dia jamais cessará de antepor aos profissionais e aos estu
diosos.

61. capítulo liqüido e capítulo ilíqüido

Não é incomum a sentença condenatória conter uma parte li


qüida e uma parte ilíqüida, ou genérica - ou seja, um capítulo
com a perfeita quantificação dos bens que constituem objeto
da obrigação, em convivência com outro, no qual se condena o
réu sem determinar desde logo o valor. Por exemplo, condena
ção por despesas médico-hospitalares decorrentes de um aci
dente, com valor já indicado em sentença, e condenação a res
sarcir lucros cessantes a serem apurados. Em caso assim, é
possível a pronta execução fundada no capítulo liqüido, ao
mesmo tempo em que se promove a liqüidação por artigos com
referência ao capítulo portador da condenação genérica; a lei
é explícita, ao autorizar a simultaneidade, em casos assim (art.
475-1, § 2").

Nào há dificuldade prática para que assim se faça, porque um


dos dois processos utilizará os autos principais e o outro, cópias
a serem extraídas daqueles. A jurisprudência vem preferindo que
nos autos principais flua o processo de execução e na carta de
sentença (hoje, meras cópias) a liqüidação, mas o contrário tam
bém conduziria ao mesmo efeito.

2. Na nova sistemática, "o cumprimento da sentença far-se-á conforme os


arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por
execução, nos termos dos demais artigos deste Capitulo" (art. 475-1). Isso sig
nifica que execução é uma espécie do gênero cumprimento, aplicando-se ex
clusivamente ao cumprimento de sentenças referentes a obrigação por quantia
certa. Mas, embora a lei não dê uma denominação ao cumprimento relacionado
com as obrigações especificas, podemos chamá-lo cumprimento específico.
128 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

Falo em sentenças declaratórias com eficácia de título exe


cutivo, atendendo à disposição contida no art. 475-N, inc. I, do
Código de Processo Civil, pelo qual é título executivo "a sen
tença proferida no processo civil que reconheça a existência de
obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia"
(inc. I, red. lei n. 11.232, de 22.12.05). Não só a sentença con-
denatória contém esse reconhecimento, ou declaração, mas tam
bém certas declaratórias " ou sejam, aquelas que afirmam a exis
tência de um direito a ser efetivado mediante ato de prestação
do devedor. Excluem-se as declaratórias negativas de toda or
dem e as que se referem a direitos não suscetíveis de efetivação
mediante prestação.

62, diversas espécies de líqüidação de sentença

Pode ainda ocorrer a necessidade de duas liquidações, por


que o valor do veículo destruído no acidente (dano emergente)
depende apenas de uma avaliação, que se faz em liqüidação por
arbitramento (art. 606), enquanto que os lucros cessantes depen
dem da verificação de fatos não levados em conta na sentença
condenatória (art. 608). Cada um dos capítulos condenatórios
dará origem, portanto, a um diferente processo de liqüidação e,
para que sejam simultâneos os dois processos, em princípio, um
deles fluirá em autos apartados (carta de sentença); nunca é líci
to misturar dois procedimentos diferentes nos mesmos autos
(arts. 292, § l^, inc. Ill e 573).^

63. diversos modos de cumprimento da sentença

Hipótese também factível é a de capítulos sentenciais porta


dores de condenações ou declarações que comportem cumpri
mento por modos diferentes, o que dá motivo a duas também
diferentes ordens de atividades destinadas a esse cumprimento

3. Cfr. ainda Instiluiçòes de direito processual civil. 11. n. 472, e.sp. pp. 166-
167; III, n. 996. p. 368.
EXECUÇÃO FORÇADA E LIQÜIDAÇÃO DE SENTENÇA 129

- uma executiva por quantia e uma de cumprimento stricto sen-


sLi pela obrigação específica. Só quando se trata de dois ou mais
direitos a serem efetivados mediante a mesma espécie de ativi
dades voltadas ao cumprimento é que a lei autoriza a reunião de
ambos ou todos em um só procedimento (CPC, art. 573) - sem
pre em razão da necessária compatibilidade procedimental,^ por
que sem esta os tumultos seriam inevitáveis.
Estamos falando de hipóteses em que sejam líqüidas todas as
obrigações indicadas nos diversos capítulos, porque, uma delas
não o sendo, a dualidade indispensável será entre uma execução
e uma liqüidação (supra, n. 61).

Se um dos capítulos da sentença disser respeito a uma obri


gação por dinheiro e o outro, a uma obrigação suscetível de
cumprimento específico (arts. 461, caput e parágrafos, 461-A e
475), instaura-se uma execução por quantia certa contra deve
dor solvente para satisfação do crédito pecuniário e, separada
mente, um procedimento voltado ao cumprimento específico
(obrigação de fazer, de não-fazer ou de entregar).
As defesas opostas a uma das iniciativas do credor voltadas
ao cumprimento não produzem de imediato qualquer efeito so
bre a outra (suspensão do processo, se for o caso - art. 475-M),
porque cada capítulo condenatório é dotado de sua própria efi
cácia executiva, a ser atacada especificamente em cada procedi
mento mediante o qual essa eficácia esteja sendo efetivada.
Como a impugnação, mesmo a de mérito (art. 475-L, inc. VI),
constitui sempre instrumento de resistência a uma execução e a
execução por título judicial só tem cabimento em caso de obri
gação por dinheiro, apenas a execução embargada pode ser afe
tada pela suspensão decorrente da impugnação oposta a ela; não
o cumprimento de sentença relacionado com outros capítulos
dotados de eficácia de título executivo.

Os efeitos do julgamento da impugnação de mérito são res


tritos à execução embargada, porque eles se fundam sempre na

4. Id., ib.
130 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

alegação de estar extinta a obrigação reconhecida no título exe


cutivo ali utilizado (pagamento, prescrição etc.: art. 475-L, inc.
VI). Se tal impugnação for acolhida, é declarada inexistente a
obrigação exeqüenda e fica neutralizada a eficácia abstrata do tí
tulo executivo representado pelo capítulo de sentença trazido à
execução; mas permanece intacta a eficácia dos demais capítulos.
Mas se a própria formação do título for questionada na im
pugnação não se exclui que o julgamento desta possa abranger
todos os capítulos sentenciais condenatórios e não só o que fi
gura como título da execução embargada. Essa propagação é ra
zoável, ao menos na hipótese de a impugnação ser fundada na
alegação de que a sentença fora proferida à revelia do réu, não
havendo este sido regularmente citado (art. 475-L, inc. I); sendo
objeto do processo a pretensão à rescisão do próprio título e es
tando o capítulo embargado unido aos demais na unidade for
mal de uma só sentença, seria uma demasia limitar os efeitos
dessa sentença a tal capítulo, deixando a salvo os demais.

64. execução definitiva e execução provisória

Se um dos capítulos condenatórios da sentença está sob a im


pugnação de um recurso desprovido de efeito suspensivo e ou
tro desses capítulos não foi objeto de recurso algum, a execução
apoiada naquele será provisória, sendo definitiva a que se refe
rir à obrigação constante do segundo (CPC, art. 587). Isso ocor
rerá quando a sentença houver decidido sobre dois objetos em
si mesmos autônomos (cessar atividades e reparar danos) ou
quando, embora o pedido houvesse sido só um, o recurso não-
suspensivo houver impugnado somente parte do valor da conde
nação (objeto decomponível: supra, nn. 28 e 29).

Campo particularmente propício às distinções dessa ordem é


o das condenações regidas pela Lei da Ação Civil Pública ou pelo
Código de Defesa do Consumidor, em cujos sistemas processuais
a apelação é, cm princípio, destituída de efeito suspensivo
(LACP, art. 14 c CDC. art. 90). Mesmo no sistema do Código de
Processo Civil, essa dualidade de regências ocorrerá nas apela-
EXECUÇÃO FORÇADA E LIQÜIDAÇÀO DE SENTENÇA 131

ções parciais em relação aos alimentos e nos recursos especiais


ou extraordinários parciais - sabido que nenhum desses recursos
é dotado de eficácia suspensiva (CPC, arts. 497 e 520, inc. II). O
mesmo poderá acontecer, ainda, quando a decisão proferida na
liquidação for impugnada por um agravo de instrumento par
cial (CPC, art. 475-H), o qual em regra carece de efeito suspensivo
(CPC, art. 527, inc. III).

Tal dualidade de regimes não implica porém necessidade de


instaurar dois procedimentos executivos, um para a execução
definitiva e outro, para a provisória. No direito brasileiro vigen
te, a única diferença estrutural existente entre uma e outra é a
eventual necessidade de prestar caução, na execução provisória,
como requisito para "o levantamento de depósito em dinheiro e
a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos
quais possa resultar grave dano ao executado" (art. 475-0, inc.
III). Nenhuma diferença há, durante toda a realização da execu
ção definitiva e da provisória, que tornasse incompatíveis os
procedimentos e, conseqüentemente, fosse capaz de gerar tumul
tos; a compatibilidade procedimental é uma das chaves para toda
cumulação de demandas (arts. 292, inc. II, 573 etc. - supra, n.
25). Instaurar-se-á um só procedimento executivo e, se for exi
gida a caução, durante o tempo em que esta não vier a ser pres
tada ou permanecer em controvérsia, o credor poderá vir a ser
efetivamente satisfeito em relação ao direito posto em execução
d e fi n i t i v a .

65. embargos parciais

São embargos parciais à execução (art. 739-A, § 3^^) aqueles


que se limitam a impugnar parte do direito exeqüendo, ou o tí
tulo em que se funda, sem impugnar o crédito todo. Quer se tra
te de direitos sobre bens individualizados, quer de direito a coi
sas dimensionáveis por área, peso, quantidade etc., será em tese
possível reduzir o objeto da execução, seja excluindo alguns dos
bens individualizados, seja reduzindo a quantidade dos fungí
veis. É fácil perceber que, ao procederem a essa operação de
132 CAPÍTULOS DE SENTENÇA

diminuição do objeto da execução, os embargos parciais estão a


escandir a sentença condenatória em capítulos, para deixar livre
a eficácia de alguns t impugnar a de outros.

Quando a sentença condena por mais de um bem específico,


ela se resolve em tantos capítulos quantos forem esses bens, do
mesmo modo como o objeto do processo de conhecimento era
composto, em razão do cúmulo objetivo de pedidos; quando con
dena por uma quantia, ela pode ser decomposta em capítulos de
modo a diferenciar o trato dado a cada uma das parcelas cm que
a obrigação pode ser dividida (objeto do processo composto e
objeto do processo decomponível: supra, nn. 25 ss.).
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GRÁFICA PAYM
O o o Te l . ( 0 11 ) 4 3 9 2 - 3 3 4 4
^ \J íCt payin@tcTra.com.br
capítulos de sentença
Cândido Rangel Dinamarco
O Autor vem, já há alguns anos, discorrendo sobre os capí
tulos de sentença em palestras, aulas acadêmicas e trabalhos
profissionais, sendo crescente seu interesse por esse tema ain
da pouco versado em doutrina, mas de imensa importância e
valia para a solução de muitos problemas práticos e teóricos.
Visando a divulgar o conhecimento do tema entre os opera
dores do processo civil no país - com a convicção de que a fami-
liaridade com os conceitos a ele inerentes poderá ser um instru
mento de muita utilidade na prática do processo civil o Autor
elaborou este livro, condensação das idéias por ele desenvolvi
das, tendo como ponto de partida a proposta de uma teoria pura
dos capítulos de sentença. Rechaça o pensamento dos que pre
tendem situar os capítulos na teoria dos recursos, iludidos pela
influência maior que sobre essa área a divisão da sentença em
capítulos exerce. A colocação metodológica assim assumida
consiste em afirmar que o tema dos capítulos de sentença per
tence à teoria desta, não obstante as repercussões que projeta
sobre outras áreas. São examinadas as principais doutrinas que
se formaram a respeito do tema, tomando o Autor decidida posi
ção a respeito, realizando o confronto com o direito positivo bra
sileiro e analisando as repercussões que a divisão da sentença
em capítulos projeta sobre a disciplina da própria sentença, da
sua nulidade, dos encargos da sucumbência, dos recursos, da
execução civil e da liquidação.

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