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Humberto Avila

,
TEORIA DOS PRINCIPIOS
da definição
à aplicação dos princípios jurídicos

17ª edição,
revista e atualizada

- -MALHEIROS
:~: EDITORES
TEORIA DOS PRINCÍPIOS
da definição à aplicação dos princípios jurídicos
(Ç) HUMBERTO Á VILA

1ª e 2ª eds., 2003; 3ª e 4ª eds., 1ª tiJ~,2004; 4" ed., 2ª tiJ~,2005; 5ª e 6ª eds., 2006;


7ªed., 2007; 8ªed., 2008; 9'1e 100eds., 2009; l1ªed., 2010; 12ªed., 2011;
13ª ed., 2012; 14ª ed., 2013; 1YJ. ed., 2014; 16ª ed., 2015.

Direitos reservados desta edição por


MALHE1ROS EDITORES LTDA.
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Composição: PC Editorial Ltda.


Capa
Criação: Vânia Lúcia Amato
Arte: PC Editorial Ltda.

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
07.2016

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A958t Ávila, Humberto.


Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios
jurídicos / Humberto Ávila. - 17. ed. reve atual. - São Paulo:
Malheiros, 2016.
240 p. ; 21 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-392-0341-3

1. Direito - Filosofia. 2. Hermenêutica (Direito). 3. Princípios


gerais do direito. r. Título.

CDU 340.12
CDD 340.1

Índice para catálogo sistemático:


1. Direito: Filosofia 340.12
(Bibliotecária responsável: sabrina Leal Araujo - CRB 10/1507)
Este livro é dedicado aos Professores
ALMIRO DO COUTO E SILVA
e RICARDO LOBO TORRES,
Mestres pelo saber, e não pelo poder
- exemplos de erudição, humanidade e generosidade.
APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO INGLESA
("The01Y o/ Legai Principies'')

Apesar de haver livros sobre regras, e apesar de o papel dos prin-


cípios jurídicos ter sido um foco da teoria do direito desde Dworkin,
estava faltando um sério estudo sistemático sobre o que são os princípios
jurídicos, de onde eles vêm, como eles são identificados e como precisa-
mente eles interagem com outras fontes na discussão jurídica e na apli-
cação do direito. O indispensável livro do Professor ÁVILApreenche essa
lacuna com rigor, profundidade e criatividade, e deve tornar-se leitura
obrigatória para todos os interessados em interpretação e argumentação
jurídicas.

Cambridge, março de 2007.


Professor FREDERICK
SCHAUER,
John F. Kennedy School ofGovernment,
Universidade de Harvard, EUA
PREFÁCIO DA EDIÇÃO ALEMÃ
("Theorie der Rechtsprinzipien'')

Há algumas décadas os mais importantes impulsos nos campos da


Filosofia e da Teoria do Direito advêm preponderantemente do universo
do Direito Anglo-Americano. Isso vale em especial medida para a temá-
tica dos princípios gerais do Direito, na qual, na esteira dos trabalhos de
RONALDDWORKIN,a distinção entre regras e princípios fez época também
no universo jurídico de língua alemã, tendo encontrado muitos segui-
dores, em que pese a algumas variantes e desenvolvimentos referentes
a detalhes. O fato de essa temática ser discutida intensamente também
no universo do Direito Ibero-Americano ainda não foi suficientemente
conscientizado no nosso país.
Temos sorte, assim, que HUMBERTO BERGMANN ÁVILA,profundo co-
nhecedor da Ciência Jurídica Alemã e com excelente domínio do idioma
alemão, apresente uma versão da sua Teoria dos Principias [Jurídicos]
também como monografia em Língua alemã. Nascido em 1970, o autor
é Professor de Direito Tributário, Financeiro, Econômico e Constitucio-
nal na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Advogado em Porto
Alegre/Brasil. Está ligado à Ciência Jurídica Alemã sobretudo por ter
obtido em 2002 o grau de Doutor com uma dissertação sobre Limitações
Constitucionais Materiais do Poder de Tributar na Constituiçào Brasi-
leira e'na Lei Fundamental Alemà, apresentada à Ludwig-Maximilians-
-Universitat em Munique e publicada em Baden-Baden em 2002.

11

Em que pese a toda a abertura do Autor diante das posições até


agora desenvolvidas e a toda sua disposição para incorporar e preservar
10 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

enfoques fecundos de outros autores, a presente obra caracteriza-se por


seu perfil nitidamente independente e pela originalidade da sua concep-
ção. Uma tese inicial de central importância afirma que a oposição entre
regra e princípio, ambos compreendidos em igual medida como normas,
não pode ser vista no sentido da exclusividade contraditória, mas no de
que uma e a mesma norma jurídica pode funcionar tanto como regra
quanto como princípio. Além disso, o Autor não reconhece a especifici-
dade dos princípios no fato de eles poderem e deverem ser ponderados
e possuírem uma dimensão de peso, mas prova que isso vale funda-
mentalmente também para as regras. Correspondentemente, ele busca
a distinção entre regras e princípios em outra direção, encontrando-a
em primeiro lugar no fato de as regras terem diretamente a descrição de
um comportamento ou a atribuição de uma competência como objeto,
visando apenas indiretamente à obtenção de um fim, ao passo que os
princípios visam, inversamente, diretamente à consecução de um fim
e influem apenas indiretamente nos modos comportamentais ou nas
atribuições de competência necessárias para tal. Diante desse fundo, o
Autor desenvolve, aduzindo critérios adicionais, uma proposta própria e
diferenciada para a distinção entre regras e princípios.
A seguir ele amplia sua concepção com um plano adicional, acres-
centando às regras e aos princípios os postulados. Ao proceder assim,
tem em mente critérios como a proporcionalidade e a razoabilidade, a
eficiência e a segurança jurídica, que costumam ser denominados prin-
cípios, frequentemente de forma bastante irrefletida. O Autor enfrenta
esse uso linguístico e esse modo de ver com o argumento de que tais
postulados não visam, à diferença dos princípios no sentido mais estrito,
à consecução direta de um fim, mas cumprem, muito pelo contrário, a
função distinta de prescrever e orientar determinados modos de pensa-
mento e argumentação, estruturando, destarte, o modo de aplicação das
regras e dos princípios. Por isso os postulados não se localizam no plano
das regras e dos princípios, mas num metaplano, o que leva o autor a
qualificá-los como normas de segundo grau ou normas de aplicação.
Em que pese ao elevado nível de abstração e densidade da lingua-
gem e argumentação em largos trechos da obra, a exposição do Autor é
enriquecida de forma plástica por exemplos práticos, extraídos tanto do
Direito Brasileiro quanto do Direito Alemão e oriundos na sua maior
parte do Direito Constitucional e Tributário, em consonância com as ên-
fases do trabalho científico do Autor no campo do Direito Material. Isso
PREFÁCIO DA EDIÇÃO ALEMÃ 11

evidencia simultaneamente que o interesse do Autor pela teoria jurídica


se vincula a um fundamento jusdogmático amplo - uma combinação que
uma vez mais prova sua fecundidade na presente obra.
Por este motivo, desejo ao livro que ele seja recepcionado na dis-
cussão alemã sobre a Teoria do Direito com o interesse e a ressonância
aos quais faz jus.

Munique, agosto de 2005.


Prof. Dr. Dr. h.c. mult. CLAUS-WILHELMCANARIS
Professor Titular Emérito de Direito Civil
e de Metodologia da Ciência do Direito
da Universidade de Munique/Alemanha
- Doutor Honoris Causa pelas Universidades
de Lisboa, Autônoma de Madri, Atenas e Graz e Verona
PRÓLOGO DA EDIÇÃO ITALIANA
("Teoria dei Principi")

1. Que todo ordenamento jurídico é constituído por normas de tipos


diferentes, expressas ou não (estas últimas chamadas de "implícitas"), e
que algumas dessas possuem (em algum sentido a ser precisado) o esta-
tuto ou o valor de "princípios" é coisa que os juristas sabem e teorizam
desde sempre.
De resto, a distinção entre "regras" (como hoje se costuma dizer)
e "princípios", mesmo que com terminologias diferentes, aparece fre-
quentemente no discurso dos próprios legisladores modernos. Encon-
tram-se marcas disso nas disposições preliminares de muitos códigos
civis quanto à matéria de interpretação e integração do direito (art. 12,
comma 2, das disposições preliminares do código civil italiano vigen-
te, por exemplo, distingue entre "precisas disposições" e "princípios
gerais").
Não obstante, os problemas - estreitamente conexos entre si - (i) do
conceito de princípio, (ii) da distinção entre princípios e regras e (iii) da
aplicação jurisdicional dos princípios - eram temas pouco ou nada ver-
sados pelos clássicos da teoria geral do direito. Não se encontram traços
desses, por exemplo, na analytical jllrisprlldence de John Austin, nem
mesmo na teoria pura de Hans Kelsen; somente de maneira marginal
aparecem na obra de Norberto Bobbio. Para dizer a verdade, na litera-
tura italiana contribuições não recentes, mas muito significativas sobre
os princípios, devem-se ao grande constitucionalista Vezio Crisafulli;
porém, poucos filósofos do direito na Itália leram seus trabalhos, e talvez
nenhum fora da Itália o conheça.
Tudo somado, pode-se dizer que o tema dos princípios ingressou
- com grande clamor - na discussão filosófico-jurídica em 1967, por
mérito (ou culpa) de Ronald Dworkin.
14 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

De fato, é desde então que os princípios invadiram a literatura filo-


sófico-jurídica em todo o ocidente. No mundo anglo-saxão, naturalmen-
te, penso nos trabalhos de Joseph Raz, Neil MacCormick e do próprio
Herbert Hart (no famoso Postscript), para não falar sobre a infinita e
cansativa literatura estadunidense pós-dworkiniana. Na Alemanha: onde
desponta um famoso estudo de Robert Alexy. Na Espanha: escreveram
sobre o tema Luis Prieto, Manuel Atienza, Juan Ruiz Manero, Alfonso
García Figueroa e muitos outros. Na Itália, penso em Anna Pintore, Ma-
rio Jori, Letizia Gianformaggio, Riccardo Guastini e ainda em outros.
Finalmente, no Brasil, onde o livro de HUMBERTO ÁVILA(H.Á.) que ora
se apresenta constitui seguramente a obra fundamental.
Todavia - preste-se atenção - H.Á. não é um filósofo do direito,
ou pelo menos não é somente isso: é, mais ainda, um jurista competente
(especialista em direito constitucional e tributário). E isso confere à sua
pesquisa um valor e (por assim dizer) um "sabor" peculiares.
Um valor peculiar porque seu livro - coisa bastante rara na litera-
tura jusfilosófica - é repleto de exemplos práticos, retirados da jurispru-
dência brasileira (e, em particular, da Corte Suprema brasileira), que dão
corpo e substância às suas teses teóricas.
Um sabor peculiar, ademais, porque H.Á. não se limita, como é
costume entre os filósofos (analíticos) do direito, à análise conceitual e
à reconstrução metajurisprudencial, mas, em muitas ocasiões (sobretudo
no terceiro capítulo), apresenta propostas (na maior parte dos casos mui-
to sensatas, mas obviamente bastante discutíveis) de política do direito,
sugere orientações interpretativas, estratégias argumentativas, formula
recomendações de sententiaferenda.
Por outro lado, não é estranha a este livro a abordagem que - à luz
de uma distinção originariamente formulada por Bobbio - costuma ser
chamada de "positivismo ideológico": a ideia de que ao direito seja devi-
da obediência. Tal modo de ver é muito criticado na filosofia do direito,
mas geralmente e compreensivelmente aceito pelos operadores do direi-
to como pressuposto (necessário) de seu trabalho, como teve oportuni-
dade de teorizar Uberto Scarpelli nos anos sessenta do século passado.
Trata-se, em resumo, de um livro em que a teoria geral se combina
- e, em parte, confunde-se - com a dogmática.

2. H.Á. compartilha da opinião de quem escreve uma concepção


realista da interpretação, que parte da distinção entre disposições nor-
mativas e normas.
PRÓLOGO DA EDIÇÃO ITALIANA 15

As normas são, desse ponto de vista, não o objeto da interpretação,


mas seu produto: isto é, são os significados que os intérpretes atribuem
às disposições normativas - ou melhor, como diz H.Á., "constroem" ou
"reconstroem" a partir dessas. As normas, em resumo, não preexistem à
interpretação, mas dessa dependem.
A distinção entre as disposições e as normas tomou-se necessária a
partir do fato (bastante evidente para qualquer um que conheça a prática
doutrinária e jurisprudencial) de que entre aquelas e essas não há corres-
pondência biunivoca.
(a) A partir de uma mesma disposição os intérpretes constroem,
com frequência, não uma só norma, mas uma pluralidade de
normas conjuntamente.
(b) A partir de uma mesma disposição diversos intérpretes (ou mes-
mo um mesmo intérprete em diferentes circunstâncias) frequen-
temente constroem uma pluralidade de normas disjuntivamente.
(c) Há, ainda, disposições a partir das quais não parece (sensata-
mente) possível construir norma alguma (uma invocação aos
deuses, para retomar um exemplo de Crisafulli).
(d) Há normas que os intérpretes constroem a partir da pluralidade
de disposições combinadas.
(e) E há infinitas normas - inúmeras, para dizer a verdade - que não
podem ser remontadas a qualquer disposição, sendo fruto, para
dizê-lo com Rudolf von lhering, de pura "construção jurídica".
H.Á. é, todavia, um jusrealista "moderado". Escreve: "Todavia, a
constatação de que os sentidos são construídos pelo intérprete no proces-
so de interpretação não deve levar à conclusão de que não há significado
algum antes do término desse processo de interpretação". Se compreen-
do bem, isso é o mesmo que dizer que os usos efetivos da linguagem (a
sintaxe, a semântica e a pragmática da língua em que os textos normati-
vos são formulados) circunscrevem a área dos significados que podem
plausivelmente ser atribuídos às disposições.
Disso não resulta, evidentemente, que os intérpretes não possam
- de fato - afastar-se (até mesmo muito) dos usos Iinguísticos efetivos.
A interpretação "criativa", se assim quisermos chamá-la, é, aliás, um
fenômeno penetrante, como não se cansa de frisar Michael Troper, es-
pecialmente na prática jurisprudencial das cortes de última instância.
Exceto que a interpretação "criativa" não é, propriamente falando, "in-
16 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

terpretação", mas sim atividade genuinamente nomopoiética de juízes e


operadores do direito: "construção jurídica", como dizia acima.

3. A pars destruens desse livro parece-me totalmente persuasiva.


(a) É difundida a ideia, por exemplo, de que os princípios distin-
guem-se das regras em virtude de sua estrutura lógica: as regras
teriam uma estrutura condicional ("Se ocorre o suporte fático x,
a consequênciajurídica deve ser y", ou, como diria Kelsen, "Se
A, então B deve ser") que não seria encontrada nos princípios,
possuindo aquelas, ademais, natureza categórica.
Observa certeiramente H.Á. que quem raciocina assim confunde as
disposições com as normas. A estrutura lógica de que se está falando, de
fato, é própria das normas, não das disposições: isto é, é fruto de inter-
pretação, e não um dado pré-constituído à própria interpretação. A forma
exterior (sintática) de uma disposição não predetermina de modo algum
a estrutura lógica das normas que essa (segundo determinada interpre-
tação) exprime. Não é dificil encontrar disposições formuladas hipote-
ticamente que, à luz de uma ou de outra interpretação, sejam tratadas,
todavia, como princípios, assim como disposições nas quais a forma ca-
tegórica esconde um conteúdo condicional. E, de resto, qualquer norma,
mesmo uma norma de princípio, pode ser reformulada em forma condi-
cional, de modo a ligar uma consequência jurídica a um suporte fático,
assim como ocorre com as regras. A verdade é que qualquer disposição
normativa, qualquer que seja sua redação, pode ser reconstruída - pelos
intérpretes - em forma condicional, assim como em forma categórica.
(b) É também difundida a ideia (sugerida por Dworkin) de que
as regras, ao contrário dos princípios, são aplicadas na forma
"ali-ar nothing". A aplicabilidade das regras seria, em resumo,
um conceito de dois valores: uma regra somente poderia ser
ou apl icável (diante da verificação do suporte fático correspon-
dente) ou não aplicável (diante da não verificação do supor-
te fático). Os princípios, por outro lado, seriam defeasible, ou
seja, estariam sujeitos a exceções implícitas não especificadas
nem especificáveis, a não ser no momento da aplicação a casos
concretos.
H.Á. mostra, com abundância de exemplos, que as coisas não são
bem assim: no sentido de que, na prática jurisprudencial, a defeasibility é
uma propriedade também das (de muitas) regras. É, aliás, fenômeno bas-
tante frequente que os juízes - recorrendo a uma suposta ratio legis, ou
PRÓLOGO DA EDiÇÃO ITALIANA 17

seja, a uma intenção da autoridade normativa, ou a um princípio suben-


tendido - introduzam exceções implícitas em uma regra (em uma norma
pacificamente considerada regra, não princípio), com o resultado de não
a aplicar, na prática, ao suporte fático a que claramente seria aplicável,
pelo menos segundo seu sentido literal.
(c) Ainda, costuma-se dizer que os princípios, ao contrário das re-
gras, estão sujeitos a ponderações toda vez que entrarem em
conflito. O conflito entre duas regras incompatíveis seria resol-
vido considerando uma dessas, segundo o caso, inválida (/ex
superior), revogada (/ex posterior) ou derrogada (no sentido de
"defeated': lex .specialis). O conflito - a "colisão", para dizê-
-lo com Alexy - entre princípios, por outro lado, não poderia
ser resolvido a não ser "medindo", à luz do caso concreto, o
"peso", o valor axiológico dos princípios em questão, desapli-
cando-se o de menor peso.
Esse, como efeito, é o modo com que os tribunais constitucionais
em geral resolvem os conflitos entre princípios. Todavia, H.Á., nova-
mente, mostra, muito oportunamente exemplificando, que ajurisprudên-
cia usa a técnica argumentativa da ponderação diante de conflitos não só
entre princípios, mas também entre regras.

4. Operadores e teóricos do direito parecem pensar que a distinção


entre princípios e regras esteja, se assim se pode dizer, na "natureza das
coisas". Isto é, que certas normas são regras e certas outras princípios ...
por virtude própria.
É um grande mérito do livro de H.Á. ter mostrado persuasivamente
que as coisas não são assim. Não há regras e princípios antes da in-
terpretação. Pelo contrário, tudo depende, como escreve H.Á., de uma
"intervenção constitutiva do intérprete".
O que caracteriza os princípios e os distingue das regras não é a
indeterminação (também as regras são afetadas por essa); não é a estru-
tura lógica (também os princípios podem ser reconstruídos em forma
condicional); não é a defectibilidade (também as regras são defectíveis);
não é nem mesmo o modo de aplicação (também as regras estão sujeitas
à ponderação).
Tudo somado, a única característica realmente distintiva dos prin-
cípios em relação às regras é sua posição no ordenamento: seu cará-
ter "fundamental", sua capacidade de justificar axiologicamente outras
18 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

normas (que, por sua vez, podem ser regras, mas também princípios,
por assim dizer, de estatura inferior). Entretanto, é claro que o caráter
fundamental ou marginal de uma norma - como, de resto, seu caráter
superável ou insuperável, ou a estrutura aberta ou fechada de um suporte
fático - não são de maneira alguma dados objetivos, pré-constituídos à
interpretação: pelo contrário, dependem da interpretação, visto que são
fruto dessa (compreendida de maneira lata, de modo a incluir na inter-
pretação também a "construção jurídica").
O caráter fundamental de uma norma depende evidentemente de
um juízo de valor dos intérpretes. Certo, pode tratar-se de uma valo-
ração geralmente compartilhada por toda a comunidade jurídica, como
frequentemente ocorre (quem negaria, somente para exemplificar, que a
separação dos poderes seja um princípio?); entretanto, o consenso não
basta para torná-Ia objetiva ou verdadeira.
Em resumo, a identificação de uma norma como regra ou como
princípio (a inclusão de uma norma na classe das regras ou dos princí-
pios) é uma variável dependente da interpretação entendida de maneira
lata, sendo, por conseguinte, algo discricionário. Como se dizia supra,
H.Á. mostra persuasivamente, com uma coleção de exemplos, que, ao
fim e ao cabo, qualquer enunciado normativo pode ser considerado uma
formulação, seja de uma regra, seja de um princípio.
Um exemplo muito claro em tal sentido é oferecido por uma dispo-
sição como o art. 3º, comma I, da constituição italiana, que estabelece
que todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo,
raça, língua, religião, opiniões políticas, condições pessoais e sociais.
Nada impede que se interprete essa disposição como regra, com suporte
fático fechado e defectível, com a consequência de considerar, sem dú-
vida, inconstitucional qualquer lei que distinga os cidadãos utilizando
tais critérios (sexo, raça etc.); da mesma forma, sustentar não incons-
titucional qualquer lei que faça distinções com base em critérios dife-
rentes daqueles enumerados. Todavia, segundo a interpretação standard
da Corte constitucional italiana, tal disposição exprime não uma regra,
mas sim um princípio (a) com antecedente aberto e (b) superável. Assim
sendo: de um lado, uma lei pode ser inconstitucional apesar de distinguir
cidadãos por razões diferentes daquelas expressamente enumeradas (por
exemplo, a idade - antecedente aberto); por outro lado, uma lei pode
ser não inconstitucional mesmo que distinga cidadãos através de uma
das razões expressamente enumeradas (por exemplo, o sexo - defecti-
PRÓLOGO DA EDIÇÃO ITALIANA 19

bilidade, exceção implícita). Pode-se convir que a cláusula "condições


pessoais" é onicompreensiva, consentindo que se sustente que a norma
possui antecedente aberto também à luz da simples interpretação literal.
Entretanto, não há bases textuais para sustentar que a norma seja tam-
bém defectível: as exceções implícitas (pelas quais, por exemplo, em
certas circunstâncias uma distinção tendo por base o sexo pode, apesar
de tudo, ser constitucionalmente justificada) dependem totalmente dos
juízos de valor dos intérpretes.

5. Dito isso, este prefácio resultaria, todavia, um tanto enfadonho se


aos elogios não se somassem também algumas críticas.
(a) H.Á. insiste repetidamente em que as regras, diferentemente
dos princípios, possuem um conteúdo "descritivo". Compreen-
de-se o que quer dizer: as regras possuem um componente re-
ferencial (dotada de referencial semântico). Se não a tivessem,
como esclarecido há muitos anos por ScarpeIli, não se poderia
nem mesmo dizer se essas teriam sido cumpridas ou violadas.
Trata-se daquilo que Richard Hare, em um já bastante longínquo
trabalho de metaética celebrado de modo justo e frequentemente utiliza-
do pelos filósofos do direito, chamou de "frástico" dos enunciados pres-
critivos: a parte de uma formulação normativa que denota (pelo menos)
o comportamento requerido (mas também os sujeitos e eventualmente as
circunstâncias em que é requerido).
Não se pode deixar de dizer, todavia, que H.Á. reformula essa ideia
(impecável por si) de modo, para dizer pouco, infeliz. Parece óbvio, de
fato, que as normas não "descrevem", mas "prescrevem" o comporta-
mento a que se referem.
Ademais, não parece que essa componente "descritiva" (falando
propriamente: referencial) seja uma característica exclusiva das regras.
Parece óbvio, pelo contrário, que também os princípios, se possuem um
conteúdo prescritivo, não podem não fazer referência semântica ao com-
portamento prescrito ou ao estado de coisas cuja realização se prescreve.
(b) Sustenta H.Á. que as regras têm por objeto comportamentos, ao
passo que os princípios têm por objeto estados de coisas.
Todavia, do ponto de vista lógico, como mostrou G. H. von Wright,
toda norma (seja essa uma regra ou um princípio) pode ser reconstruída
de dois modos alternativos, ambos plausíveis. Pode-se sustentar indife-
rentemente que uma mesma norma obrigue a que se tenha um compor-
20 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

tamento, como também a que se realize um estado de coisas (derivado


de um comportamento).
A tese de H.Á. reduz-se, por conseguinte, a isso: os princípios - ou,
mais precisamente, muitas normas que consideramos princípios (mas
não todas, a meu sentir) - não prescrevem um comportamento preciso,
mas somente um fim a ser realizado, deixando discricionariedade sobre
os meios (ou seja, os comportamentos a serem observados) necessários
para sua realização.
Resta o fato, do meu ponto de vista, de que uma prescrição pode
não ter outro objeto, em última instância, senão um comportamento (llU-
mano). Isso, diria Ludwig Wittgenstein, pertence à própria "gramática"
de verbos como prescrever, comandar, proibir, permitir etc.
(c) Segundo H.Á., os princípios - todos, se não entendo mal- são
normas teleológicas. Essa tese não é persuasiva.
Parece mais natural pensar que os princípios não sejam uma clas-
se estruturalmente homogênea, e que somente alguns desses possuam
conteúdo teleológico. Por exemplo, é claramente teleológico o princípio
chamado de "igualdade substancial" (diria eu, de "igual ação"), estatuído
pelo art. 3º, comma 2, da constituição italiana: "É dever da República
remover os obstáculos de ordem econômica e social que, limitando de
fato a liberdade e a igualdade dos cidadãos, impedem o pleno desenvol-
vimento da pessoa humana e a efetiva participação de todos os traba-
lhadores na organização política, econômica e social do País". Falando
de maneira geral, são, da mesma forma, teleológicos os princípios que
conferem "direitos sociais", como o direito ao trabalho ou à saúde (arts.
4º, comma I, e 32 da constituição italiana).
Entretanto, não se vê como muitas outras normas, que também
todos os operadores do direito consideram pacificamente princípios,
possam ser ligadas à forma teleológica. Poucos exemplos por todos: o
princípio "/ex superior derogat inferior", o princípio "/ex posterior de-
rogat priori", o princípio de separação dos poderes, o princípio da au-
tonomia privada, o próprio princípio da legalidade. Quais fins poderiam
prescrever os princípios que regulam a solução de (certas) antinomias,
ou o princípio que disciplina a distribuição das funções entre os órgãos
do estado, ou o princípio que confere aos privados o poder de firmar
contratos, ou, ainda, o princípio que exige que todos os atos do estado
sejam conformes à "lei" (em sentido material), ou seja, às normas que
os disciplinam?
PRÓLOGO DA EDIÇÃO ITALIANA 21

De resto, é bem dificil considerar teleológicos todos os princípios


da constituição brasileira, mencionados pelo próprio H.Á., como o prin-
cípio federativo e o princípio do estado de direito. O próprio princípio da
igualdade (dita "formal", ou seja, igualdade fouf courf), comum a muitas
constituições, mesmo nas variadas formulações, não prescreve ao legis-
lador um fim a ser atingido, mas proíbe o legislador de discriminar, o
que, evidentemente, é algo diferente.

6. A teoria geral do direito é uma atividade tipicamente filosófica


(no sentido da filosofia analítica, bem entendido): análises da lingua-
gem, construção e reconstrução de conceitos. E na filosofia não há teses
verdadeiras ou falsas. Toda nova tese é discutível, no duplo sentido, de
que pode ser discutida e de que merece ser discutida. Entretanto, toda
nova tese faz com que a pesquisa progrida.
Ecoando Karl Popper: a pesquisa (inclusive filosófica) não tem fim.
E, apesar das críticas a que se presta, o trabalho de H.Á. é uma contribui-
ção importante para o progresso da pesquisa teórica-geral em direção a
conceitos jurídicos cada vez mais refinados.

Gênova, 7 de fevereiro de 2014.

RICCARDO GUASTINI

Professor Titular de Teoria do Direito


da Universidade de Gênova
PREFÁCIO

Telefonei ao HUMBERTO,imediatamente após ter lido os originais


deste livro, para dizer-lhe do meu sincero encantamento pelo trabalho
intelectual nele sintetizado.
HUMBERTO nele produz uma contribuição extremamente importante
para o que eu chamaria, à moda francesa, de nettoyage da doutrina. Uma
das conferências que assisti em um ainda recente congresso versava so-
bre a distinção entre os métodos de interpretação, gramatical, teleológi-
co etc. De repente percebi que quem palestrava tinha mais de duzentos
anos, um autêntico morto sem sepultura, fazendo ressoar o Bolero, de
Ravel...
O HUMBERTO, como diria o JOSÉRÉGIO,ama o longe e as miragens,
os abismos, as torrentes, os desertos. Quando a alma não é pequena - do
RÉGIOao PESSOA- gritamos o maravilhoso "não vou por aí; só vou por
onde me guiam meus próprios passos". É isso - eu disse ao HUMBERTO
- "teu livro é um caminhar os teus próprios passos". É um livro pessoal-
mente dele.
Por isso este livro é essencial, rompendo, mesmo, a corrente da
banalização dos princípios e puxando o tapete dos "gênios-para-si-mes-
mos". É isso que eles temem: quando alguém os questiona, eles reagem
como quem luta por algo que os salve do afogamento. O problema é
que lhes acode apenas uma única boia, costurada sobre a bibliografia do
passado e, quanto à mais recente, se com pulsada, mal digerida. São uns
Esteves, sem bibliografia ...
Permito-me contar uma história. No último dia do concurso que fiz
para Professor Titular, no Largo de São Francisco, assim que anuncia-
ram o resultado, um professor, que veio de outro Estado e passava por
lá, me abraçou dizendo "Que bom! Agora você já pode vender a sua
biblioteca!". Até hoje não sei se o colega fazia graça ou falava sério. Mas
24 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

a impressão que tenho é de que as bibliotecas de alguns deles já foram


negociadas há anos, desfrutando, os que as adquiriram, por atacado ou
no varejo, de livros antigos inteiramente virgens, jamais anteriormente
consultados ...
O livro do HUMBERTO me encanta. Confirma as minhas convicções
de que a interpretação é interpretação/aplicação dos textos e dos fatos e
de que a ponderação é um momento no interior da interpretação/aplica-
ção do Direito.
Suas diretrizes para a análise dos princípios - item 2.4.4 - me fazem
ver, com nitidez maior, que não se interpreta o Direito em tiras.
A proposta de distinção heurística entre regra e princípio - e pos-
tulados - e de "alternativa inclusiva" é extremamente rica. E o modelo
tripartite (regra, princípio e postulado normativo aplicativo - item 3)
ilumina as trevas tenebrosas nas quais se perdem sabemos bem quem.
O exame do postulado da proporcionalidade é simplesmente primoroso.
O texto é múltiplo e vário, sempre positivamente. A exposição so-
bre o princípio da moralidade - item 2.4.5 - teria de ser lida como pri-
meira lição de casa pelos ')uristas" de meia-pataca, que pensam que ela,
a moralidade, substitui a ética da legalidade por uma outra, adversa à
legalidade ... É lastimável ouvirmos o que tem sido dito a esse respeito.
Daí ter eu tomado a iniciativa de dizer ao HUMBERTO que gostaria
imensamente de escrever o prefácio deste livro, porque, assim, indireta-
mente, participo da substancial contribuição que ele traz ao pensamento
jurídico. Estar ao seu lado, isso me enobrece intelectualmente.

EROSROBERTO
GRAU
Professor Titular Aposentado de Direito Econômico da USP
Ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal
NOTA À 17ª EDIÇÃO

É com renovada satisfação que trago aos leitores a nova edição do


Teoria dos Princípios, após o rápido esgotamento da edição anterior.
Esta edição conta com acréscimos pontuais relativos à jurisprudên-
cia. Como esta obra, a par ser crescentemente utilizada em universida-
des, também é cada vez mais referida por decisões judiciais, esta edição
inclui decisões que se utilizam das teses por ela defendidas.
Mais uma vez, agradeço efusivamente aos leitores, brasileiros e
estrangeiros, pela contínua colaboração para o aperfeiçoamento da pre-
sente obra.

Julho de 2016
NOTA À 16ªEDIÇÃO

É com enonne satisfação que apresento aos leitores a 16ª edição do


meu Teoria dos Princípios. Ela conta com novas decisões judiciais do
Supremo Tribunal Federal que dão suporte às suas teses.
Estas novas decisões comprovam a importância cada vez maior que
o tema dos princípios vem recebendo no Brasil e nos principais países
ocidentais. Daí a necessidade, também cada vez maior, de critérios in-
tersubjetivos destinados ao seu controle, não apenas para evitar a ar-
bitrariedade na sua aplicação, como para resguardar a importância das
regras no sistema jurídico - dois dos principais objetivos que motivaram
a elaboração da presente obra, desde a sua primeira edição, em 2003.
Agradeço, novamente, a todos os que têm, tão calorosamente, aco-
lhido a presente obra, no Brasil e no exterior, pelas valiosas contribui-
ções que levam ao seu contínuo aperfeiçoamento.

São Paulo, março de 2015.


NOTA À 15ª EDIÇÃO

É com enorme satisfação que apresento aos leitores a l5ª edição


do meu Teoria dos Princípios. Esta nova edição conta com uma revisão
geral do seu texto, com uma atualização jurisprudencial e com a intro-
dução de novos trechos com a finalidade de especificar ainda mais as
suas teses.
É com maior satisfação ainda que comunico aos leitores brasileiros
a tradução da presente obra para o idioma italiano. Editada inicialmente
em português (São Paulo, Malheiros Editores, 2003), idioma em que já
recebeu 15 edições, ela foi depois traduzida para o alemão (Berlin, Dun-
cker und Humblot, 2006, prefácio de Claus-Wilhelm Canaris), para o
inglês (Dordrecht, Springer, 2007, apresentação de Frederick Schauer) e
para o espanhol (Madrid, Marcial Pons, 20 11). Era necessário que fosse
também traduzida para o italiano, por algumas relevantes razões.
Em primeiro lugar, porque é na Itália que a Teoria Geral do Direito
tem se desenvolvido mais profundamente nas últimas décadas, graças
a importantes trabalhos de professores como Riccardo Guastini, Paolo
Comanducci e Pierluigi Chiassoni, dentre tantos outros. Embora haja
trabalhos específicos da mais alta relevância noutros países, é na Itália,
contudo, que os estudos de Teoria Geral do Direito, com viés analítico,
têm encontrado um estudo sistemático mais aprofundado. Daí a impor-
tância de submeter esta obra à exigente academia italiana.
Em segundo lugar, porque apesar de o tema dos princípios já ter
sido tratado por tantos autores, no Brasil como no exterior, persistem
razões para que ele continue a ser discutido criticamente ainda hoje.
De um lado, a concepção inaugurada por Ronald Dworkin e aper-
feiçoada por Robert Alexy, no sentido de que os princípios se distinguem
das regras pelo seu modo final de aplicação e pelo modo como entram
em colisão, ainda é defendida direta ou indiretamente por vários autores.
28 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Este trabalho, como se sabe, critica abertamente essas concepções, em


seus pontos fundamentais, propondo outros critérios de distinção.
De outro lado, a compreensão de que o Direito não é um objeto
que possa ser apreendido pelo intérprete exclusivamente por meio de
atividades descritivas, mas uma atividade discursiva, baseada em argu-
mentos, métodos e teorias, que exige a prática de atividades descritivas,
adscritivas e criativas por parte do intérprete, também demanda uma mu-
dança na própria concepção dos princípios. Esta obra muda o foco da
distinção entre princípios e regras e, no lugar de basear a distinção entre
as espécies normativas no caráter valorativo, no aspecto hipotético-con-
dicional, no modo final de aplicação ou no conflito normativo, propõe
uma distinção heurística fundada no caráter preliminar da natureza da
prescrição, da justificação e da contribuição para a decisão. Altera-se,
pois, o enfoque da distinção, de propriedades das normas para o pro-
cesso de justificação exigido para a sua interpretação e aplicação. Tudo
isso com base em exemplos e apontando critérios, intersubjetivamente
controláveis de interpretação e aplicação.
A edição italiana conta com um agudo e perspicaz prefácio do pro-
fessor Riccardo Guastini, que também corrígiu a tradução e assumiu a
tarefa de encaminhá-la para publicação na prestigiada coleção Analisi e
Diritto, da editora Giappichelli. No prefácio, o referido professor mani-
festa sua concordância com toda a parte crítica da presente obra, onde
critico, dentre outras teses, a distinção entre princípios e regras inaugu-
rada por Ronald Dworkin e aperfeiçoada por Robert Alexy, bem como
outras concepções muito em voga atualmente. Ele também apresenta
algumas críticas, a respeito das quais, naturalmente, caberá ao leitor se
posicionar. Mesmo assim, na falta de outra oportunidade, eu gostaria de
me pronunciar muito brevemente sobre elas.
Ele critica a expressão que empreguei para demonstrar que as re-
gras, ao contrário dos princípios, têm um componente descritivo do
comportamento que é permitido, proibido ou obrigatório, preferindo
qualificá-lo como "componente referencial, dotado de referimento se-
mântico". Reputo esta divergência como sendo de forma; não, de fundo.
Em várias passagens da obra, eu demonstro que tanto as regras quanto
os princípios são espécies de prescrições normativas. Essas prescrições,
todavia, se diferenciam quanto ao modo como prescrevem o comporta-
mento devido - enquanto as regras descrevem aquilo que é permitido,
proibido ou obrigatório, os princípios apenas apontam para um estado
ideal de coisas, sem prever o comportamento que deve ser adotado para
NOTA À 15' EDIÇÃO 29

promovê-lo. Tanto a expressão mais ordinária e genérica (componente


descritivo do comportamento devido) quanto a mais técnica e específica
(componente referencial) expressam o mesmo significado. Embora de
forma, a crítica é extremamente importante, pois permite um refinamen-
to linguístico ainda maior na caracterização das espécies normativas.
Ele também critica a qualificação das regras como normas ime-
diatamente comportamentais, em contraposição aos princípios, que são
qualificados como normas imediatamente finalísticas, sob o argumen-
to de que toda e qualquer norma se dirige ao comportamento humano.
Também reputo esta divergência como sendo de forma; não, de fundo.
Isso porque, em várias passagens da obra e com muita insistência, eu
demonstro que a diferença entre princípios e regras não está na ausência
de uma prescrição de comportamentos no caso dos princípios, mas no
tipo de prescrição, o que é algo distinto: enquanto as regras são normas
imediatamente comportamentais e mediatamente finalísticas, os princí-
pios são normas imediatamente finalísticas e mediatamente comporta-
mentais. O importante é que, nos dois casos, há referência a compor-
tamentos: as regras estabelecem o dever de adotar os comportamentos
previstos e os princípios estabelecem o dever de adotar os comporta-
mentos necessários à realização de um estado de coisas. Dois lados de
uma mesma moeda, portanto.
A meu modesto juízo, a única crítica de fundo é aquela que diz
respeito à caracterização dos princípios como normas finalísticas, sob
o argumento de que nem todos os princípios possuem tal qualidade. Tal
divergência se deve, penso eu, à adoção de uma definição mais ampla de
finalidade na presente obra. Como a finalidade é definida como um obje-
to pretendido, com função diretiva do comportamento a ser adotado, ela
pode tanto representar uma situação final (viajar a determinado lugar)
quanto um estado de coisas (estabilidade normativa) ou uma situação
contínua (o bem estar das pessoas). Por essa razão, algumas normas são
qualificadas como princípios em razão do seu aspecto finalístico, como,
por exemplo, a norma que garante o Estado de Direito, na medida em
que determina a realização de um estado de responsabilidade estatal,
previsibilidade normativa, equilíbrio entre Poderes e proteção de direi-
tos, ou a norma que prevê um Estado Federal, na medida em que deter-
mina a realização de um estado de uniformidade e autonomia entre os
entes federados. Pela mesma razão, entretanto, algumas normas que são
normalmente qualificadas como princípios são enquadradas na classe
das regras nesta obra, como é o caso da exigência de legalidade para a
30 TEORIA DOS PRINCíPIOS

instituição e aumento de tributos, ou como regras interpretativas, como


aquelas que estabelecem os critérios para a solução de antinomias ("/ex
superior derogat inferiori" e "/ex posterior derogat priori"). Trata-se,
como se pode perceber, de uma sensível divergência de fundo, explicá-
vel pela diferente definição de finalidade e pela distinta qualificação de
algumas normas.
O essencial, contudo, é que todos esses temas sejam objeto de uma
discussão crítica, pautada pela consideração e respeito mútuos entre os
participantes, pela abertura à crítica relativamente aos pontos de partida,
ao procedimento de pesquisa e aos resultados, e pela humildade, livre e
espontânea, de todos os seus participantes, como lembra acertadamente
Aulis Aarnio. Nesse aspecto, é digno de nota o comportamento exemplar
do professor Riccardo Guastini: mesmo sendo talvez o maior teórico
do Direito do nosso tempo, ele busca incessantemente a autoridade do
argumento, jamais o argumento de autoridade, preservando, a qualquer
custo, o respeito mútuo, a humildade intelectual e a autonomia de pen-
samento. Um autêntico professor, portanto, que me honra demasiada-
mente com seus ensinamentos, com a sua amizade e com o seu apoio
acadêmico.
Mais uma vez, agradeço, efusivamente, aos leitores brasileiros e
estrangeiros, pela enorme e contínua acolhida dada ao presente trabalho.

Março de 20 I4

O Teoria foi lançado há dez anos. Não se imaginava que um livro


crítico de Teoria do Direito pudesse alcançar tamanho sucesso editorial
e intelectual. No Brasil, a obra recebeu 13 edições, algumas delas com
mais de uma tiragem, com número sempre crescente de exemplares.
Traduzida para o alemão, o inglês e o espanhol, com apresentação de
eminentes juristas, ela recebeu inegável reconhecimento internacional:
foi objeto de resenhas, citações e referências pelos mais aclamados ju-
ristas da atualidade, como Riccardo Guastini, na Itália; Aulis Aarnio, na
Finlândia; Pablo Sánchez-Ostiz, na Espanha; Jan-Reinard Sieckmann,
Mathias Jestaedt e Clemens HOfner, na Alemanha; Jean Pierre Matus,
no Chile, entre tantos outros. A partir dela, foram realizados inúmeros
debates, no Brasil e no exterior.
NOTAS ÀS EDiÇÕES ANTERIORES 31

Mais do que isso, a presente obra tornou-se referência doutriná-


ria obrigatória sobre o tema, tendo também servido de fundamento para
inúmeras decisões judiciais, inclusive e especialmente do Supremo Tri-
bunal Federal.
Seria inútil tentar encontrar todas as razões para o referido sucesso.
Cabe, no entanto, ressaltar algumas. Em primeiro lugar, o Teoria é, antes
de tudo e acima de tudo, uma obra crítica. Em vez de optar pelo cômodo
ecletismo ou pela subserviência intelectual, tão comuns entre nós, ainda
mais quando se trata de um tema dominado por teorias e autores estran-
geiros, a presente obra afastou-se dos argumentos de autoridade e bus-
cou a autoridade dos argumentos. Em segundo lugar, o Teoria, embora
verse sobre tema de Teoria do Direito, é uma obra com visível finalÍdade
prática. No lugar de usar expressões rebuscadas e de ficar no plano da
abstração, esta obra foi concebida, do início ao fim, com base em exem-
plos, hipotéticos ou jurisprudenciais, expostos por meio de linguagem
clara e direta. Em suma, o seu objetivo foi não apenas pensar diferente,
mas também de modo diferente, o grande tema dos princípios jurídicos.
Deu certo.
Nesta edição, faço correções e acréscimos pontuais, de modo a tor-
nar a presente obra atualizada do ponto de vista doutrinário e jurispru-
dencial.
Mais uma vez, agradeço, efusivamente, aos leitores brasileiros e
estrangeiros, pela enorme e contínua acolhida dada à presente obra.

Fevereiro 2013

NOTA À 13ª EDIÇÃO

É com enorme satisfação que apresento aos leitores a 13ª edição da


Teoria. É surpreendente a acolhida que a obra vem recebendo no Brasil
e no exterior. Publicada no Brasil em 2003, e traduzida para o alemão
e o inglês, a presente obra recebeu importante tradução para o espa-
nhol, pela prestigiada editora Marcial Pons, de Madrid. Embora recente,
a versão espanhola já foi objeto de respeitável resenha na Espanha e
vem recebendo ampla difusão pelos países ibero-americanos. Também
a jurisprudência vem se utilizando cada vez mais das teses nela defen-
didas. Precisamente em razão dessa propagação é que pareceu neces-
sário revisá-Ia e ampliá-Ia, novamente, desta vez com a introdução de
32 TEORIA DOS PRINCíPIOS

novos parágrafos destinados a esclarecer, especificar e exemplificar os


argumentos nela defendidos, desde a sua Iª edição, particularmente para
demonstrar a importância de o intérprete respeitar a normatividade esco-
lhida pelo legislador, sem relativizar aquilo que ele quis enrijecer. Mais
uma vez e sempre, agradeço aos leitores, brasileiros e estrangeiros, pelo
generoso acolhimento dado à presente obra.

Fevereiro de 2012

NOTA À 12ªEDIÇÃO
É com enorme regozijo que apresento aos leitores a l2ª edição do
Teoria, cujas edições anteriores se esgotaram, sempre com admirável
rapidez. Como o tema das espécies normativas é inesgotável, esta nova
edição traz um novo item destinado à/orça normativa dos princípios.
Nesse novo texto é investigada a noção, outrora vanguardista, mas
hoje tradicional, especialmente na doutrina brasileira, de que os princí-
pios são normas carecedoras de ponderação, no sentido restrito de nor-
mas suscetíveis de afastamento diante de princípios colidentes. Este tra-
balho critica essa concepção, procurando demonstrar que há diferentes ti-
pos de princípios, nem todos capazes de afastamento diante de princípios
contrários. Tal estudo é da mais alta importância, notadamente no Brasil,
onde se vive um momento de verdadeiro relativismo axiológico, capaz de
justificar a flexibilização de tudo, inclusive do que é fundamental.

NOTA À llª EDIÇÃO


É com extraordinário contentamento que lanço a II ª edição da Teo-
ria. Ela conta não apenas com a revisão geral do seu texto como, tam-
bém, com a revisão de citações doutrinárias e jurisprudenciais, de modo
a torná-Ia sempre atualizada.
Uma vez mais, agradeço enormemente aos leitores, brasileiros e
estrangeiros, pela tradicional acolhida da presente obra.

NOTA À lOªEDIÇÃO
É com incomparável entusiasmo que apresento aos leitores a 10ª
edição do Teoria, cujas edições anteriores se esgotaram, sempre com
NOTAS ÀS EDiÇÕES ANTERIORES 33

surpreendente rapidez. Dez edições de um livro crítico de Teoria do Di-


reito, em tão pouco tempo, é fenômeno incomum, especialmente num
mercado editorial dominado por obras com finalidades comerciais ou
didáticas. Mais raro ainda foi ela não apenas ter sido traduzida para o
alemão e o inglês, sempre em editoras prestigiadas e com apresenta-
ção dos mais eminentes Professores, mas também já ter sido objeto de
numerosas resenhas, citações e discussões, não apenas no Brasil, mas,
também, no exterior.
O que mais me alegra, no entanto, é a generosa acolhida da forma
diferente de teorizar que a presente obra, desde a sua concepção, hu-
mildemente tentou incorporar: em vez de se render ao argumento das
autoridades, optou pela autoridade dos argumentos; no lugar de utilizar
uma linguagem rebuscada e hermética, escolheu um linguajar simples e
direto; e no lugar de preferir um exame com elevado grau de abstração e
sem a indicação de critérios objetivos, decidiu-se por uma investigação
repleta de exemplos, do início ao fim, sempre apontando para critérios,
intersubjetivamente controláveis, para a aplicação efetiva das regras e
dos princípios.
Regozijo-me, enormemente, com o fato de que, passados apenas
cinco anos da sua primeira edição, o contexto no qual ela nasceu, mar-
cado pela incorporação acrítica de teorias estrangeiras, foi, ao longo do
tempo, modificando-se, para dar lugar a um ambiente em que os autores
já não escrevem simplesmente para concordar com seus colegas, mas
passam a acreditar que o melhor elogio que lhes pode fazer é levar o seu
trabalho suficientemente a sério para criticamente investigá-lo.
Esta nova edição conta com acréscimos pontuais ao texto e nova bi-
bliografia sobre o tema. Mais uma vez, agradeço aos leitores, brasileiros
e estrangeiros, pela sugestão de aperfeiçoamentos à presente obra.

NOTA À 9ª EDIÇÃO

É com grande alegria que lanço a 9ª edição da Teoria. Ela conta


com nova revisão geral do seu texto e novas indicações bibliográficas.
Como sempre, o meu reconhecimento a todos os Professores e alu-
nos, brasileiros e estrangeiros, pelas valiosas contribuições que levam ao
seu contínuo aperfeiçoamento.
Janeiro de 2009
34 TEORIA DOS PRINCíPIOS

NOTA À 8ª EDIÇÃO
É com enorme satisfação que lanço a 8ª edição da Teoria. Ela conta
com nova revisão do seu texto, novas decisões judiciais que dão suporte às
teses defendidas ao longo da exposição e novas indicações bibliográficas.
Mais uma vez, agradeço a todos os Professores e alunos, brasileiros
e estrangeiros, que têm, tão calorosamente, acolhido a presente obra, pe-
las valiosas contribuições que levam ao seu contínuo aperfeiçoamento.

NOTA À 7ª EDIÇÃO
É com enorme satísfação que lanço a 7ª edição da Teoria. Ela conta
não só com a revisão geral do seu texto como, também, com a ampliação
da parte relativa às normas de segundo grau, onde é investigado o pos-
tulado da coerência do ordenamento jurídico. Como os princípios não
preestabelecem o meio a ser necessariamente escolhido para sua realiza-
ção, permitindo a escolha de vários meios, e como há vários princípios
constitucionais apontando em mais de uma direção, somente o recurso
ao postulado da coerência permitirá encontrar a alternativa interpretativa
melhor suportada pelo conjunto do ordenamento constitucional. Daí a
inclusão, nesta edição, do estudo do postulado da coerência.
A revisão e ampliação da Teoria foram feitas por ocasião da sua
recente publicação em inglês. Depois de analisar a obra e fazer ligeiras
sugestões, o Professor FREDERICK SCHAUER,da Universidade de Harvard,
EUA, endossou o seu encaminhamento à renomada editora internacio-
nal Springer, com sede em Amsterdã, na Holanda, para publicação na
prestigiada coleção LalV and Philosophy Librmy, coordenada por ele
e pelos eminentes Professores FRANCISCO LAPORTA,da Universidade de
Madri, Espanha, e ALEKSANDER PECZENIK,da Universidade de Lund, Fin-
lândia. Depois de passar por dois prestigiados pareceristas, e pelo Con-
selho Editorial, a obra finalmente foi publicada, em maio deste ano, sob
o título The TheOlY of Legal Principies. Agradeço, pois, aos Diretores,
aos membros do Conselho Editorial e aos ilustres professores pareceris-
tas pelo privilégio de lançar, ao debate acadêmico internacional, aquilo
que os leitores brasileiros e alemães têm tão generosamente acolhido.

NOTA À 6ª EDIÇÃO
Esta nova edição, exigida após o rápido esgotamento da edição an-
terior, conta com o texto anterior revisto e acrescido de novas partes
NOTAS ÀS EDIÇÕES ANTERIORES 35

referentes tanto à jurisprudência quanto à doutrina que dão suporte aos


argumentos nela sustentados. A todos os atentos leitores, brasileiros e es-
trangeiros, que me ajudam no aprimoramento constante da obra, o meu
muito obrigado.

Setembro de 2006

NOTA À 5ª EDIÇÃO
Após quatro edições, a última delas com três tiragens, todas esgota-
das rapidamente, chegou o momento de revisar e ampliar a Teoria. Além
de efetuar alterações pontuais relativas à redação do texto e ao aperfei-
çoamento das citações, a 5ª edição conta com os acréscimos feitos por
ocasião da versão alemã da obra. Depois de ler e fazer sugestões de
forma e conteúdo, o professor CLAUS-WILHELMCANARIS,Catedrático de
Direito Privado e Metodologia da Ciência do Direito da Universidade de
Munique, sugeriu a publicação da obra na Alemanha, encarregando-se
de encaminhá-Ia, pessoalmente, para a prestigiosa editora Duncker und
Humblot, de Berlim, que imediatamente aceitou incluí-Ia na renomada
série de Teoria do Direito, sob o título Theorie der Rechtsprinzipien.
A edição alemã foi devidamente adaptada e conta com farta pesquisa
jurisprudencial que corrobora suas conclusões também no ordenamento
jurídico da Alemanha.
Esta 5ª edição conta com vários acréscimos decorrentes das dis-
cussões travadas com seletos interlocutores. Ao professor CANARISsou
muito grato pelo aprimoramento da linguagem e do conteúdo geral da
obra. Ao professor FREDERICK SCHAUER,da Universidade de Harvard,
meu orientador de pós-doutoramento na Harvard Law Schoo/, devo o
auxílio crítico para o exame da bibliografia inglesa e americana sobre a
teoria das normas, responsável pelo aprofundamento da investigação da
eficácia dos princípios e das regras.
Dentre as inovações, destacam-se as seguintes partes: detalhamento
da eficácia externa dos princípios e das regras; construção e análise das
condições de superabilidade das regras; análise crítica do uso inconsis-
tente de normas e metanormas; exame crítico da falta de diferenciação
entre as espécies de postulados.
Janeiro de 2006
36 TEORIA DOS PRINCíPIOS

Em pouco tempo, esgotou-se a 3ª edição da Teoria, que passsou a


incorporar dois novos capítulos, um sobre a eficácia dos princípios e das
regras e outro sobre a intensidade do controle dos outros Poderes pelo
Poder Judiciário. Na 4ª edição, limitei-me a efetuar alterações pontuais
relativas à redação do texto.
Agosto de 2004

NOTA À 3ª EDIÇÃO
É com imensa satisfação que apresento aos leitores a nova edição
da Teoria dos Princípios, cuja 2ª edição, da mesma forma que a Iª, es-
gotou-se em poucos meses.
Esta edição foi devidamente revisada e ampliada com duas impor-
tantes partes.
A primeira versa sobre a eficácia dos princípios e das regras, e foi
inserida no final do segundo capítulo (pp. 78 e ss.). Trata-se de tema da
mais alta relevância, pois permite compreender melhor não só a dife-
rente funcionalidade dos princípios e das regras como verificar que as
regras não são normas de segunda categoria.
A segunda trata da intensidade do controle dos outros Poderes pelo
Poder Judiciário, e foi posta no final do terceiro capítulo (pp. 125-127).
Novamente, é por demais importante saber em quais situações o grau de
controle do Poder Judiciário sobre as escolhas feitas pelo Poder Legis-
lativo e pelo Poder Executivo deverá ser mais intenso e em quais casos
deverá ser menos intenso, especialmente para demonstrar que, em qual-
quer hipótese, sempre haverá controle.

Março de 2004

NOTA À 2ª EDIÇÃO
É com imensa satisfação que apresento aos leitores a nova edição
da Teoria, cuja 1ª edição, lançada em abril deste ano, para minha grata
surpresa, esgotou-se em poucos meses. Nesta edição limitei-me a efetuar
pequenas alterações pontuais relativas à redação do texto.

Agosto de 2003
SUMARIO

APRESENTAÇA-O DA EDIÇA-O INGLESA ("THEORY OF LEGAL PRINClPLES'')


- PROF. FREDERICK SCHAUER 7
PREF"íclO DA EDlÇA-O ALEila ("TIlEORIE DER RECIlTSPRINZIPIEN'')
- PROF. CLAUS-WILHELM CANARIS 9
PRÓLOGO DA EDIÇÃO ITALIANA ("TEORIA DEI PRINClPI'')
- RICCARDO GUASTINI 13
PREFACIO - PROF. EROS ROBERTO GRAU 23
NOTA À I7ª EDIÇÃO 25
NOTA ÀS EDIÇÕE...••.
ANTERIORES 26

/. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 43

2. NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS


2./ Distinções preliminares
2.1.1 Texto e norma 50
2.1.2 Descrição, construção e reconstrução 51
2.2 Panorama da evollição da distinção entre princípios e re-
gras 55
2.3 Critérios de distinção entre princípios e regras
2.3.1 Critério do "caráter hipotético-condicional"
2.3.1.1 Conteúdo 60
2.3.1.2 Análise crítica 61
2.3.2 Critério do "modo final de aplicação"
2.3.2.1 Conteúdo 65
2.3.2.2 Análise crítica 66
2.3.3 Critério do "conflito normativo"
2.3.3.1 Conteúdo 73
2.3.3.2 Análise crítica 74
38 TEORIA DOS PRINCíPIOS

2.4 Proposta de dissociação entre princípios e regras


2.4.1 Fundamentos
2.4.\.1 Dissociação justificante 87
2.4.1.2 Dissociação abstrata 88
2.4.1.3 Dissociação heurística 91
2.4.1.4 Dissociação em alternativas inclusivas 92
2.4.2 Critérios de dissociação
2.4.2.1 Critério da natureza do comportamento
prescrito 95
2.4.2.2 Critério da natureza da justificação exigida 97
2.4.2.3 Critério da medida de contribuição para a
decisão 100
2.4.2.4 Quadro esquemático 102
2.4.3 Proposta conceitual das regras e dos princípios 102
2.4.4 Análise do uso inconsistente da distinção Faca entre
regras e princípios 109
2.4.5 Análise do uso inconsistente da distinção forte entre
regras e princípios 112
2.4.6 Diretrizes para a análise dos princípios 116
2.4.6.1 Especificação dos fins ao máximo: quanto
menos específico for o fim, menos contro-
lável será sua realização 117
2.4.6.2 Pesquisa de casos paradigmáticos que pos-
sam iniciar esse processo de esclarecimento
das condições que compõem o estado ideal
de coisas a ser buscado pelos comportamen-
tos necessários à sua realização 117
2.4.6.3 Exame, nesses casos, das similaridades
capazes de possibilitar a constituição de gru-
pos de casos que girem em torno da solução
de um mesmo problema central................. 118
2.4.6.4 Verificação da existência de critérios capazes
de possibilitar a delimitação de quais são os
bens jurídicos que compõem o estado ideal
de coisas e de quais são os comportamentos
considerados necessários à sua realização.. 118
2.4.6.5 Realização do percurso inverso: descobertos
o estado de coisas e os comportamentos
necessários à sua promoção, torna-se neces-
sária a verificação da existência de outros
casos que deveriam ter sido decididos com
base no princípio em análise 119
SUMÁRIO 39

2.4.7 Exemplo do prinCÍpio da moralidade 119


2.4.8 Eficácia dos prinCÍpios
2.4.8.1 Eficácia interna
2.4.8.1.1 Conteúdo 122
2.4.8.1.2 Eficácia interna direta 122
2.4.8.1.3 Eficácia interna indireta 123
2.4.8.2 Eficácia externa
2.4.8.2.1 Conteúdo 125
2.4.8.2.2 Eficácia externa objetiva
2.4.8.2.2.1 Eficácia seletiva 125
2.4.8.2.2.2 Eficácia argumentativa 126
2.4.8.2.2.2.1 Direta 127
2.4.8.2.2.2.2 1ndireta 127
2.4.8.2.3 Eficácia externa subjetiva 128
2.4.9 Eficácia das regras
2.4.9.1 Eficácia interna
2.4.9.1.1 Eficácia interna direta 128
2.4.9.1.2 Eficácia interna indireta 128
2.4.9.2 Eficácia externa
2.4.9.2.1 Eficácia seletiva 134
2.4.9.2.2 Eficácia argumentativa
2.4.9.2.2.1 Direta 135
2.4.9.2.2.2 Indireta 136
2.4.9.3 Superabilidade das regras
2.4.9.3.1 Justificativa da obediência a
regras 139
2.4.9.3.2 Condições de superabilidade
2.4.9.3.2.1 Introdução 141
2.4.9.3.2.2 Requisitos materiais 141
2.4.9.3.2.3 Requisitos procedimentais .. 146
2.5 O convívio entre princípios e regras 147
2.6 A/orça normativa dos princípios 149

3. NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS


3.1 introduçtio 163
3.2 Postulados hermenêuticos
3.2.1 Considerações gerais 165
3.2.2 Postulado da Coerência
3.2.2. I Da hierarquia à coerência 166
3.2.2.2 Coerência substancial
3.2.2.2.1 Fundamentação por suporte .. 172
40 TEORIA DOS PRINCíPIOS

3.2.2.2.2 Fundamentação por justifica-


ção recíproca 174
3.3 Postulados normativos aplicativos 176
3.4 Análise do uso inconsistente de normas e metanormas 179
3.4.1 Consequências 180
3.5 Diretrizes para a análise dos postulados normativos aplica-
tivos 182
3.5.1 Necessidade de levantamento de casos cuja solução
tenha sido tomada com base em algum postulado
normativo 182
3.5.2 Análise da/undamentação das decisões para verifica-
ção dos elementos ordenados e da/orma com%ram
relacionados entre si 182
3.5.3 Investigação das normas que/oram objeto de aplica-
ção e dos jill1damentos utilizados para a escolha de
determinada aplicação 183
3.5.4 Realização do percurso inverso: descoberta a estru-
tura exigida na aplicação do postulado, verificação
da existência de outros casos que deveriam ter sido
decididos com base nele 183
3.6 Espécies de postulados
3.6.1 Considerações gerais 184
3.6.2 Postulados inespecificos
3.6.2.1 Ponderação 185
3.6.2.2 Concordância prática 187
3.6.2.3 Proibição de excesso 188
3.6.3 Postulados especificas
3.6.3.1 Igualdade 192
3.6.3.2 Razoabilidade
3.6.3.2.1 Generalidades 194
3.6.3.2.2 Tipologia
3.6.3.2.2.1 Razoabilidade como equida-
de 195
3.6.3.2.2.2 Razoabilidade como congruên-
Cla 198
3.6.3.2.2.3 Razoabilidade como equiva-
lência 20 I
3.6. 3.2.2.4 Distinção entre razoabi Iidade
e proporcionalidade 20 I
3.6.3.3 Proporcionalidade
3.6.3.3.1 Considerações gerais 204
SUMÁRIO 41

3.6.3.3.2 Aplicabilidade
3.6.3.3.2.1 Relação entre meio e fim .... 205
3.6.3.3.2.2 Fins internos e fins externos 207
3.6.3.3.3 Exames inerentes à proporcio-
nalidade
3.6.3.3.3.1 Adequação 209
3.6.3.3.3.2 Necessidade 215
3.6.3.3.3.3 Proporcionalidade em senti-
do estrito 217
3.6.3.3.4 Intensidade do controle dos
outros Poderes pelo Poder
Judiciário 218
3.7 Análise da/alta de diferenciação entre os postulados 220

4. CONCLUSÕES 225

BIBLIOGRAFIA 229
1
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A ideia deste trabalho deve-se à repercussão que a publicação de


artigos sobre os princípios jurídicos obteve no meio jurídico. I A essa so-
mou-se uma outra razão: o constante relevo que a distinção entre princí-
pios e regras vem ganhando nos debates doutrinários e jurisprudenciais.
Os estudos de direito público, especialmente de direito constitucio-
nal, lograram avanços significativos no que se refere à interpretação e à
aplicação das normas constitucionais. Hoje, mais do que ontem, importa
construir o sentido e delimitar a função daquelas normas que, sobre pres-
creverem fins a serem atingidos, servem de fundamento para a aplicação
do ordenamento constitucional - os princípios jurídicos. É até mesmo
plausível afirmar que a doutrina constitucional vive, hoje, a euforia do
que se convencionou chamar de Estado Principiológico. Importa ressal-
tar, no entanto, que notáveis exceções confirmam a regra de que a eufo-
ria do novo terminou por acarretar alguns exageros e problemas teóricos
que têm inibido a própria efetividade do ordenamento jurídico. Trata-se,
em especial e paradoxalmente, da efetividade de elementos chamados de
fundamentais - os princípios jurídicos. Nesse quadro, algumas questões
causam perplexidade.
A primeira delas é a própria distinção entre princípios e regras. De
um lado, as distinções que separam os princípios das regras em virtu-
de da estrutura e dos modos de aplicação e de colisão entendem como
necessárias qualidades que são meramente contingentes nas referidas
espécies normativas. Ainda mais, essas distinções exaltam a importância
dos princípios - o que termina por apequenar a função das regras. De ou-
tro lado, tais distinções têm atribuído aos princípios a condição de nor-

l. Humberto Bergmann Á vila, "A distinção entre princípios e regras e a rede-


finição do dever de proporcionalidade", RDA 215/151-179, e "Repensando o princí-
pio da supremacia do interesse público sobre o particular", RTDP 24/159-180.
44 TEORIA DOS PRINCíPIOS

mas que, por serem relacionadas a valores que demandam apreciações


subjetivas do aplicador, não são capazes de investigação intersubjetiva-
mente controlável. Como resultado disso, a imprescindível descoberta
dos comportamentos a serem adotados para a concretização dos princí-
pios cede lugar a uma investigação circunscrita à mera proclamação, por
vezes desesperada e inconsequente, de sua importância. Os princípios
são reverenciados como bases ou pilares do ordenamento jurídico sem
que a essa veneração sejam agregados elementos que permitam melhor
compreendê-los e aplicá-los.
A segunda questão que provoca a tonicidade é a tàlta da desejável
clareza conceitual na manipulação das espécies normativas. Isso ocorre
não apenas porque várias categorias, a rigor diferentes, são utilizadas
como sinônimas - como é o caso da referência indiscriminada a princí-
pios, aqui e acolá baralhados com regras, axiomas, postulados, ideias,
medidas, máximas e critérios -, senão também porque vários postula-
dos, como se verá, distintos, são manipulados como se exigissem do
intérprete o mesmo exame, como é o caso da alusão acrítica à proporcio-
nalidade, não poucas vezes confundida com justa proporção, com dever
de razoabilidade, com proibição de excesso, com relação de equivalên-
cia, com exigência de ponderação, com dever de concordância prática
ou, mesmo, com a própria proporcionalidade em sentido estrito.
É verdade que o importante não é saber qual a denominação mais
correta desse ou daquele princípio. O decisivo, mesmo, é saber qual é
o modo mais seguro de garantir sua aplicação e sua efetividade. Ocorre
que a aplicação do Direito depende precisamente de processos discur-
sivos e institucionais sem os quais ele não se torna realidade. A matéria
bruta utilizada pelo intérprete - o texto normativo ou dispositivo - cons-
titui uma mera possibilidade de Direito. A transformação dos textos nor-
mativos em normas jurídicas depende da construção de conteúdos de
sentido pelo próprio intérprete. Esses conteúdos de sentido, em razão do
dever de fundamentação, precisam ser compreendidos por aqueles que
os manipulam, até mesmo como condição para que possam ser com-
preendidos pelos seus destinatários. Éjustamente por isso que cresce em
importância a distinção entre as categorias que o aplicador do Direito
utiliza. O uso desmesurado de categorias não só se contrapõe à exigência
científica de clareza - sem a qual nenhuma Ciência digna desse nome
pode ser erigida -, mas também compromete a clareza e a previsibilida-
de do Direito, elementos indispensáveis ao princípio do Estado Demo-
crático de Direito.
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 45

Fácil de ver que não se está, aqui, a exaltar uma mera exigência ana-
lítica de dissociar apenas para separar. A forma como as categorias são
denominadas pelo intérprete é secundária. A necessidade de distinção
não surge em razão da existência de diversas denominações para nume-
rosas categorias. Ela decorre, em vez disso, da necessidade de diferentes
designações para diversos fenômenos.2 Não se trata, pois, de uma dis-
tinção meramente terminológica, mas de uma exigência de clareza con-
ceitual: quando existem várias espécies de exames no plano concreto,
é aconselhável que elas também sejam qualificadas de modo distinto.3
A dogmática constitucional deve buscar a clareza também porque ela
proporciona maiores meios de controle da atividade estatal.4
Este trabalho procura, pois, contribuir para uma melhor definição
e aplicação dos princípios e das regras. Sua finalidade é clara: manter
a distinção entre princípios e regras, mas estruturá-la sob fundamentos
diversos dos comumente empregados pela doutrina. Demonstrar-se-á,
de um lado, que os princípios não apenas explicitam valores, mas, in-
diretamente, estabelecem espécies precisas de comportamentos; e, de
outro, que a instituição de condutas pelas regras também pode ser objeto
de ponderação, embora o comportamento preliminarmente previsto de-
penda do preenchimento de algumas condições para ser superado. Com
isso, ultrapassa-se tanto a mera exaltação de valores sem a instituição
de comportamentos, quanto a automática aplicação de regras. Propõe-se
um modelo de explicação das espécies normativas que, ademais de in-
serir uma ponderação estruturada no processo de aplicação, ainda inclui
critérios materiais de justiça na argumentação, mediante a reconstrução
analítica do uso concreto dos postulados normativos, especialmente da
razoabilidade e da proporcionalidade. Tudo isso sem abandonar a capa-
cidade de controle intersubjetivo da argumentação, que, normalmente,
descamba para um caprichoso decisionismo.
A distinção entre princípios e regras virou moda. Os trabalhos de
direito público tratam da distinção, com raras exceções, como se ela, de
tão óbvia, dispensasse maiores aprofundamentos. A separação entre as

2. Humberto Bergmann Á vila, "A distinção entre princípios e regras ...", RDA
215/151-152.
3. Stefan Huster, Rechte und Ziele: Zur Dogmatik des allgemeinen Gleichheits-
satzes, pp. 134 e 144-145.
4. Klaus Vogel e Christian Waldhoff, Grundlagen des FinGnzve/jassungsre-
chts: Sonderausgabe des Bonner Kommentars zum Grundgesetz (Vorbemerkungen
Zll Art. I04a bis 115 GG), número de margem 342, p. 232.
46 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

espécies normativas como que ganha foros de unanimidade. E a unani-


midade termina por semear não mais o conhecimento crítico das espé-
cies normativas, mas a crença de que elas são dessa maneira, e pronto.
Viraram lugar-comum afirmações, feitas em tom categórico, a res-
peito da distinção entre princípios e regras. Normas ou são princípios ou
são regras. As regras não precisam nem podem ser objeto de pondera-
ção; os princípios precisam e devem ser ponderados. As regras instituem
deveres definitivos, independentes das possibilidades fáticas e norma-
tivas; os princípios instituem deveres preliminares, dependentes das
possibilidades fáticas e normativas. Quando duas regras colidem, uma
das duas é inválida, ou deve ser aberta uma exceção a uma delas para
superar o conflito. Quando dois princípios colidem, os dois ultrapassam
o conflito mantendo sua validade, devendo o aplicador decidir qual deles
pOSSUImaior peso.
A análise dessas afirmações semeia, porém, algumas dúvidas. Será
mesmo que todas as espécies normativas comportam-se como princípios
ou regras? Será mesmo que as regras não podem ser objeto de pondera-
ção? Será mesmo que as regras sempre instituem obrigações peremptó-
rias? Será mesmo que o conflito entre regras só se resolve com a invali-
dade de uma delas ou com a abertura de uma exceção a uma delas? Este
trabalho não só responde a essas e outras tantas perguntas que surgem na
análise da distinção entre princípios e regras, como apresenta um novo
paradigma para a dissociação e aplicação das espécies normativas.
Com efeito, enquanto a doutrina, em geral, entende haver interpre-
tação das regras e ponderação dos princípios, este trabalho critica essa
separação, procurando demonstrar a capacidade de ponderação também
das regras. Enquanto a doutrina sustenta que quando a hipótese de uma
regra é preenchida sua consequência deve ser implementada, este estu-
do diferencia o fenômeno da incidência das regras do fenômeno da sua
aplicabilidade, para demonstrar que a aptidão para a aplicação de uma
regra depende da ponderação de outros fatores que vão além da mera
verificação da ocorrência dos fatos previamente tipificados. Enquanto
a doutrina sustenta que um dispositivo, por opção mutuamente exclu-
dente, é regra ou principio, esta pesquisa defende alternativas inclusivas
entre as espécies geradas, por vezes, de um mesmo e único dispositivo.
Enquanto a doutrina refere-se à proporcionalidade e à razoabilidade ora
como princípios, ora como regras, este trabalho critica essas concepções
e, aprofundando trabalho anterior, propõe uma nova categoria, denomi-
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS 47

nada de categoria dos postulados normativos aplicativos. Enquanto a


doutrina iguala razoabilidade e proporcionalidade, este estudo critica
esse modelo, e explica por que ele não pode ser defendido. Enquanto a
doutrina entende a razoabilidade como um topos sem estrutura nem fun-
damento normativo, esta investigação reconstrói decisões para atribuir-
-lhe dignidade dogmática. Enquanto a doutrina iguala a proibição de
excesso e proporcionalidade em sentido estrito, este estudo as dissocia,
explicando por que consubstanciam espécies distintas de controle argu-
mentativo. Tudo isso da forma mais direta possível, e mediante a apre-
sentação de exemplos no curso da argumentação.
Assim procedendo, são criadas condições para incorporar a justiça
no debate jurídico, sem comprometimento da racionalidade argumenta-
tiva.
Para cumprir esse desiderato, investiga-se, em primeiro lugar, o fe-
nômeno da interpretação no Direito, com a finalidade de compreender
que a atribuição do qualificativo principias ou regras a determinadas
espécies normativas depende, antes de tudo, de conexões axiológicas
que não estão prontas antes do processo de interpretação que as desvela.
Em segundo lugar, será proposta uma definição de principias, com o ob-
jetivo de compreender quais são as características que lhes são próprias
relativamente a outras normas que compõem o ordenamento jurídico.
Logo após, será investigada a eficácia dos princípios e das regras. Em
terceiro lugar, serão examinadas as condições de aplicação dos princí-
pios e regras, quais sejam, os postulados normativos aplicativos.
2
NORMAS DE PRIMEIRO GRA U:
PRINCÍPIOS E REGRAS

2.1 Distinçc1es preliminares: 2.1.1 Texto e norma - 2.1.2 Descrição,


construção e reconstruçeio. 2.2 Panorama da evolução da distinção en-
tre principios e regras. 2.3 Critérios de distinçeio entre principios e re-
gras: 2.3.1 Critério do "caráter hipotético-condicional": 2.3.1.1 Con-
teúdo - 2.3.1.2 Análise critica - 2.3.2 Critério do "modo final de apli-
cação ": 2.3.2.1 Conteúdo - 2.3.2.2 Análise crÍfica - 2.3.3 CrÍfério
do "conflito normativo ": 2.3.3.1 Conteúdo - 2.3.3.2 Análise critica.
2.4 Proposta de dissociação entre principios e regras: 2.4.1 Funda-
mentos: 2.4.1.1 Dissociação justijicante - 2.4.1.2 Dissociação abstrata
- 2.4.1.3 Dissociaçeio heuristica - 2.4.1.4 Dissociação em alternativas
inclusivas - 2.4.2 CrÍférios de dissociaçeio: 2.4.2.1 Critério da nature-
za do comportamento prescrito - 2.4.2.2 Critério da natureza da jus-
tijicaçeio exigida - 2.4.2.3 CrÍfério da medida de contribuição para a
decisão - 2.4.2.4 Quadro esquemático - 2.4.3 Proposta conceÍfua1 das
regras e dos principios - 2.4.4 Análise do uso inconsistente da distin-
ção fi'aca entre regras e principios - 2.4.5 Análise do uso inconsisten-
te da distinçeio fiJrte entre regras e principios -2.4.6 Diretrizes para
a análise dos principios: 2.4.6.1 Especijicação dos fins ao máximo:
quanto menos especifico for o fim, menos controlável será sua reali-
zaçeio - 2.4.6.2 Pesquisa de casos paradigmáticos que possam iniciar
esse processo de esclarecimento das condiçc1esque compriem o estado
ideal de coisas a ser buscado pelos comportamentos necessários à sua
realizaçeio - 2.4.6.3 Exame, nesses casos, das similaridades capazes
de possibilitar a constÍfuiçeio de grupos de casos que girem em torno
da soluçeio de um mesmo problema central - 2.4.6.4 Verijicação da
existência de critérios capazes de possibilitar a delimitaçeio de quais
seio os bensjuridicos que compõem o estado ideal de coisas e de quais
seio os comportamentos considerados necessários à sua realização -
2.4.6.5 Realizaçeio do percurso inverso: descobertos o estado de coisas
e os comportamentos necessários à sua promoçeio, torna-se necessária
a verijicaçeio da existência de outros casos que deveriam ter sido deci-
clidos com base no principio em análise - 2.4.7 Exemplo do principio
da moralidade - 2.4.8 Eficácia dos principios: 2.4.8.1 Eficácia interna:
2.4.8. 1.1 Conteúdo - 2.4.8.1.2 Eficácia interna direta - 2.4.8.1.3 Efi-
cácia interna indireta - 2.4.8.2 Eficácia externa: 2.4.8.2.1 Conteúdo-
50 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

2.4.8.2.2 Eficácia externa objetiva - 2.4.8.2.3 Eficácia externa subjetiva


- 2.4.9 Eficácia das regras: 2.4.9.1 Ejicácia interna: 2.4.9.1.1 Eficácia
interna direta - 2.4.9.1.2 Eficácia interna indireta - 2.4.9.2 Eficácia
externa: 2.4.9.2.1 Eficácia seletiva - 2.4.9.2.2 Eficácia argumentativa-
2.4.9.3 Superabilidade das regras: 2.4.9.3.1 Justificativa da obediência
a regras - 2.4.9.3.2 Condições de superabilidade. 2.5 O convivia entre
principias e regras. 2.6 A força normativa dos principias.

2.1 Distinções preliminares

2.1.1 Texto e norma

Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos cons-
truídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí se
afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as
normas, no seu resultado. I O importante é que não existe correspondên-
cia entre norma e dispositivo, no sentido de que sempre que houver um
dispositivo haverá uma norma, ou sempre que houver uma norma deverá
haver um dispositivo que lhe sirva de suporte.
Em alguns casos há norma mas não há dispositivo. Quais são os
dispositivos que preveem os princípios da segurança jurídica e da cer-
teza do Direito? Nenhum. Então há normas, mesmo sem dispositivos
específicos que lhes deem suporte fisico.
Em outros casos há dispositivo mas não há norma. Qual norma
pode ser construída a partir do enunciado constitucional que prevê a
proteção de Deus? Nenhuma. Então, há dispositivos a partir dos quais
não é construída norma alguma.
Em outras hipóteses há apenas um dispositivo, a partir do qual se
constrói mais de uma norma. Bom exemplo é o exame do enunciado
prescritivo que exige lei para a instituição ou aumento de tributos, a
partir do qual pode-se chegar ao princípio da legalidade, ao princípio
da tipicidade, à proibição de regulamentos independentes e à proibição
de delegação normativa. Outro exemplo ilustrativo é a declaração de
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto: o Supremo Tribu-
nal Federal, ao proceder ao exame de constitucionalidade das normas,
investiga os vários sentidos que compõem o significado de determina-
do dispositivo, declarando, sem mexer no texto, a inconstitucionalidade

\. Riccardo Guastini, Teoria e Dogmatica del/e Fonti, p. 16, e Dal/e Fonti aI/e
Norme, pp. 20 e ss.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 51

daqueles que são incompatíveis com a Constituíção Federal. O dispo-


sitivo fica mantido, mas as normas construídas a partir dele, e que são
incompatíveis com a Constituição Federal, são declaradas nulas. Então
há dispositivos a partir dos quais se pode construir mais de uma norma.
Noutros casos há mais de um dispositivo, mas a partir deles só é
construída uma norma. Pelo exame dos dispositivos que garantem a le-
galidade, a irretroatividade e a anterioridade chega-se ao princípio da
segurança jurídica. Dessa forma, pode haver mais de um dispositivo e
ser construída uma só norma.
E o que isso quer dizer? Significa que não há correspondência biu-
nÍvoca entre dispositivo e norma - isto é, onde houver um não terá obri-
gatoriamente de haver o outro.

2.1.2 Descrição. construção e reconstrução

Essas considerações que apontam para a desvinculação entre o texto


e seus sentidos também conduzem à conclusão de que a função da Ciên-
cia do Direito não pode ser considerada como mera descrição do signifi-
cado, quer na perspectiva da comunicação de uma informação ou conhe-
cimento a respeito de um texto, quer naquela da intenção do seu autor.
De um lado, a compreensão do significado como o conteúdo con-
ceptual de um texto pressupõe a existência de um significado intrínseco
que independa do uso ou da interpretação. Isso, porém, não ocorre, pois
o significado não é algo incorporado ao conteúdo das palavras, mas algo
que depende precisamente de seu uso e interpretação, como comprovam
as modificações de sentidos dos termos no tempo e no espaço e as con-
trovérsias doutrinárias a respeito de qual o sentido mais adequado que se
deve atribuir a um texto legal. Por outro lado, a concepção que aproxima
o significado da intenção do legislador pressupõe a existência de um
autor determinado e de uma vontade unÍvoca fundadora do texto. Isso,
no entanto, também não sucede, pois o processo legislativo qualifica-se
justamente como um processo complexo que não se submete a um autor
individual, nem a uma vontade específica. Sendo assim, a interpretação
não se caracteriza como um ato de descrição de um significado previa-
mente dado, mas como um ato de decisão que constitui a significação
e os sentidos de um texto.2 A questão nuclear disso tudo está no fato de

2. Riccardo Guastini, "Interprétation et description de nonnes", in Paul Amse-


lek (org.), !nferpréfafion ef Droif, pp. 97-98.
52 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

que o intérprete não atribui "o" significado correto aos termos legais. Ele
tão só constrói exemplos de uso da linguagem ou versões de significado
- sentidos -, já que a linguagem nunca é algo pré-dado, mas algo que se
concretiza no uso ou, melhor, como uso.3
Essas considerações levam ao entendimento de que a atividade do
intérprete - quer julgador, quer cientista - não consiste em meramente
descrever o significado previamente existente dos dispositivos. Sua ati-
vidade consiste em constituir esses significados.4 Em razão disso, tam-
bém não é plausível aceitar a ideia de que a aplicação do Direito envolve
uma atividade de subsunção entre conceitos prontos antes mesmo do
processo de aplicação.5
Todavia, a constatação de que os sentidos são construídos pelo in-
térprete no processo de interpretação não deve levar à conclusão de que
não há significado algum antes do término desse processo de interpreta-
ção. Afirmar que o significado depende do uso não é o mesmo que sus-
tentar que ele só surja com o uso específico e individual. Isso porque há
traços de significado mínimos incorporados ao uso ordinário ou técnico
da linguagem. Wittgenstein refere-se aos jogos de linguagem: há senti-
dos que preexistem ao processo particular de interpretação, na medida
em que resultam de estereótipos de conteúdos já existentes na comuni-
cação linguística geral.6 Heidegger menciona o enquanto hermenêutico:
há estruturas de compreensão existentes de antemão ou a priori, que per-
mitem a compreensão mínima de cada sentença sob certo ponto de vista
já incorporado ao uso comum da linguagem.7 Miguel Reale faz uso da

3. Friedrich Müller, "Warum Rechtslinguistik? Gemeinsame Probleme von


Sprachwissenschaft und Rechtstheorie", in Wilfried Erbguth, Friedrich Müller,
e Volker Neumann (orgs.), Rechtstheorie und Rechtsdogmatik im Austausch. Ge-
dachtnisschrift fiir Bernd Jeand'Heur, p. 40; Manfred Herbert, Rechtstheorie aIs
Sprachkritik. 2um Einjlufi Willgensteins auf die Rechtstheorie, p. 290.
4. Eros Roberto Grau, Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do
Direito, 3ª ed., pp. 26, 60, 78, 80 e 82; Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito
Tributário, 14ª ed., p. 8.
5. Eros Roberto Grau, Ensaio ..., pp. 82 e ss.; Arthur Kautillann, Analogie und
"Natur der Sache ", 2ª ed., pp. 37 e ss., e "Die ipsa res iusta", Beitrage zur Juristis-
chen Hermenelllik, 2ª ed., p. 58.
6. Ludwig Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico - Investigações Filosófi-
cas, p. 263; Aulis Aamio, Reason and Authority. A Treatise on the Dynamic Para-
digm ofLegal Dogmatics, p. 113.
7. Cf. Marlene Zarader, Heidegger et /es Paro/es de / 'Origine, p. 54; Emildo
Stein, "Não podemos dizer a mesma coisa com outras palavras", in Urbano Zilles
(org.), Miguel Reale: Estudos em Homenagem a seus 90 Anos, p. 489.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 53

condição a priori intersubjetiva: há condições estruturais preexistentes


no processo de cognição, que fazem com que o sujeito interprete algo
anterior que se lhe apresenta para ser interpretado.8 Pode-se, com isso,
afirmar que o uso comunitário da linguagem constitui algumas condi-
ções de uso da própria linguagem. Como lembra Aarnio, termos como
"vida", "morte", "mãe", "antes", "depois", apresentam significados in-
tersubjetivados, que não precisam, a toda nova situação, ser fundamen-
tados. Eles funcionam como condições dadas da comunicação.9 Seria
impossível e aqui nem seria o lugar para discutir profundamente o an-
tagonismo entre o objetivismo e o construtivismo ou entre o realismo e
o nominalismo. lO Mesmo assim, é importante dizer que as condições de
uso da linguagem funcionam como condições dadas da comunicação. I I
"Expressions acquire their meaning when language is used" - afirma
Aarnio.12 Bydlinsky sustenta semelhante argumento: "Praticamente, a
comunicação linguística humana é de tal modo construída, que, dentro
de determinados limites, com determinadas palavras dos membros de
uma dada comunidade linguística são vinculadas as mesmas ideias".13
Por conseguinte, pode-se afirmar que o intérprete não só constrói,
mas reconstrói sentido, tendo em vista a existência de significados in-
corporados ao uso linguístico e construídos na comunidade do discurso.
Expressões como "provisória" ou "ampla", ainda que possuam signifi-
cações indeterminadas, possuem núcleos de sentidos que permitem, ao
menos, indicar quais as situações em que certamente não se aplicam:
provisória não será aquela medida que produz efeitos ininterruptos no
tempo; ampla não será aquela defesa que não dispõe de todos os instru-
mentos indispensáveis à sua mínima realização. E assim por diante. Daí
se dizer que interpretar é construir a partir de algo, por isso significa
reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos nor-
mativos, que oferecem limites à construção de sentidos; a duas, porque
manipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentidos, que

8. Miguel Reale, Cinco Temas do C/lII/lralisll1o, pp. 30 e 40.


9. Aulis Aamio, Denkweisen der Rechlswissenschajt, p. 159.
10. Sobre isso, em profundidade: Wolfgang Stegmül1er, Ha/lplslroll1/1ngen der
Gegemvarlsphilosophie, 7ª ed., t. I, pp. 56 e ss.
11. Aulis Aarnio, Denkweisen der Rechlswissenschajt, p. 159.
12. Reason and A /Ilhorily. A Trealise on lhe Dynall1ic Paradigll1 of Legal Dog-
lI1alics, p. 161. Sobre a relação entre significação e LISO, v.: Wolfgang Stegmül1er,
Ha/lplslroll1/1ngen der Gegenwarlsphilosophie, 7ª ed., t. I, pp. 576 e ss.
13. Jllrislische Melhodenlehre IInd RechlsbegrijJ, 2ª ed., p. 43.
54 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

são, por assim dizer, constituidos pelo uso, e preexistem ao processo


interpretativo individual.
A conclusão trivial é a de que o Poder Judiciário e a Ciência do
Direito constroem significados, mas enfrentam limites cuja desconsi-
deração cria um descompasso entre a previsão constitucional e o direito
constitucional concretizado. Compreender "provisória" como perma-
nente, "trinta dias" como mais de trinta dias, "todos os recursos" como
alguns recursos, "ampla defesa" como restrita defesa, "manifestação
concreta de capacidade econômica" como manifestação provável de ca-
pacidade econômica, não é concretizar o texto constitucional. É, a pre-
texto de concretizá-lo, menosprezar seus sentidos mínimos. Essa consta-
tação explica por que a doutrina tem tão efusivamente criticado algumas
decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Além de levar às mencionadas conclusões, o exposto também exige
a substituição de algumas crenças tradicionais por conhecimentos mais
sólidos: é preciso substituir a convicção de que o dispositivo identifica-
-se com a norma, pela constatação de que o dispositivo é o ponto de
partida da interpretação; é necessário ultrapassar a crendice de que a
função do intérprete é meramente descrever significados, em favor da
compreensão de que o intérprete reconstrói sentidos, quer o cientista,
pela construção de conexões sintáticas e semânticas, quer o aplicador,
que soma àquelas conexões as circunstâncias do caso a julgar; importa
deixar de lado a opinião de que o Poder Judiciário só exerce a função de
legislador negativo, para compreender que ele concretiza o ordenamento
jurídico diante do caso concreto. 14
Enfim, é justamente porque as normas são construídas pelo intér-
prete a partir dos dispositivos que não se pode chegar à conclusão de
que este ou aquele dispositivo contém uma regra ou um princípio. Essa
qualificação normativa depende de conexões axiológicas que não estão
incorporadas ao texto nem a ele pertencem, mas são, antes, construídas
pelo próprio intérprete. Isso não quer dizer, como já afirmado, que o
intérprete é livre para fazer as conexões entre as normas e os fins a cuja
realização elas servem. O ordenamento jurídico estabelece a realização
de fins, a preservação de valores e a manutenção ou a busca de determi-
nados bens jurídicos essenciais à realização daqueles fins e à preserva-

14. Sobre essa questão, em pormenor: Humberto Bergmann Á vila, "Estatuto


do Contribuinte: conteúdo e alcance", Revista da Associação Brasileira de Direito
Tributário 7/73-104.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 55

ção desses valores. O intérprete não pode desprezar esses pontos de par-
tida. Exatamente por isso a atividade de interpretação traduz melhor uma
atividade de reconstrução: o intérprete deve interpretar os dispositivos
constitucionais de modo a explicitar suas versões de significado de acor-
do com os fins e os valores entremostrados na linguagem constitucional.
O decisivo, por enquanto, é saber que a qualificação de determina-
das normas como princípios ou como regras depende da colaboração
constitutiva do intérprete. Resta saber como devem ser definidos os prin-
cípios e qual a proposta aqui defendida.

2.2 Panorama da evolução da distinção entre princípios e regras

Vários são os autores que propuseram definições para as espécies


normativas, dentre as quais algumas tiveram grande repercussão doutri-
nária. O escopo deste estudo não é investigar todas as concepções acerca
da distinção entre princípios e regras, nem mesmo examinar o conjunto
da obra dos seus mais importantes defensores.'5 O objetivo deste traba-
lho é, primeiro, descrever os fundamentos dos trabalhos mais importan-
tes sobre o tema e, segundo, analisar os critérios de distinção adotados,
de forma objetiva e crítica.
Para losef Esser, princípios são aquelas normas que estabelecem
fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado.'6
Mais do que uma distinção baseada no grau de abstração da prescrição
normativa, a diferença entre os princípios e as regras seria uma distinção
qualitativa.17 O critério distintivo dos princípios em relação às regras
seria, portanto, a função de fundamento normativo para a tomada de
decisão.
Seguindo o mesmo caminho, Karl Larenz define os princípios
como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na me-
dida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e
aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas

15. Sobre essa questão, no Direito Brasileiro, V., especialmente: Eros Roberto
Grau, Ensaio ..., 3ª ed., 2005; Walter Claudius Rothenburg, Principios Constitucio-
nais, 1999. No direito estrangeiro, v.: J. 1. Gomes Canotilho, Direito Constitucional
e Teoria da Constituição, 3ª ed., pp. 1.086 e ss.; Alfonso GarCÍa Figueroa, Principios
y Positivismo Juridico, 1998.
16. Josef Esser, Grundsatz und Norm in der richterlichen Fortbildung des Pri-
vatrechts, 4ª tir., p. 51.
17. Idem, ibidem.
56 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

de comportamento.18 Para esse autor os princípios seriam pensamen-


tos diretivos de uma regulação jurídica existente ou possível, mas que
ainda não são regras suscetíveis de aplicação, na medida em que lhes
falta o caráter formal de proposições jurídicas, isto é, a conexão entre
uma hipótese de incidência e uma consequência jurídica. Daí por que
os princípios indicariam somente a direção em que está situada a regra a
ser encontrada, como que determinando um primeiro passo direcionador
de outros passos para a obtenção da regra.19 O critério distintivo dos
princípios em relação às regras também seria a função de fundamento
normativo para a tomada de decisão, sendo essa qualidade decorrente do
modo hipotético de formulação da prescrição normativa.
Para Canaris duas características afastariam os princípios das re-
gras. Em primeiro lugar, o conteúdo axiológico: os princípios, ao con-
trário das regras, possuiriam um conteúdo axiológico explícito e care-
ceriam, por isso, de regras para sua concretização. Em segundo lugar,
há o modo de interação com outras normas: os princípios, ao contrário
das regras, receberiam seu conteúdo de sentido somente por meio de um
processo dialético de complementação e limitação.2o Acrescentam-se,
pois, novos elementos aos critérios distintivos antes mencionados, na
medida em que se qualifica como axiológica a fundamentação exercida
pelos princípios e se predica como distintivo seu modo de interação.
Foi na tradição anglo-saxônica que a definição de princípios rece-
beu decisiva contribuição.21 A finalidade do estudo de Dworkin foi fazer
um ataque geral ao Positivismo (general attack on Positivism), sobre-
tudo no que se refere ao modo aberto de argumentação permitido pela
aplicação do que ele viria a definir como princípios (principles).22 Para
ele as regras são aplicadas ao modo tudo ou nada (all-or-nothing), no
sentido de que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou
é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela não
é considerada válida. No caso de colisão entre regras, uma delas deve

18. Karl Larenz, Richtiges Recht, p. 26, e Methodenlehre der Rechtswissen-


schaft, 6ª ed., p. 474.
19. Karl Larenz, Richtiges Reellt, p. 23.
20. Claus- Wilhelm Canaris, Systemdenken lInd Systembegriff in der JlIrisprll-
denz, pp. 50, 53 e 55.
21. Ronald Dworkin, "The model ofrules", University o/Chicago Law Review
35/14 e ss.
22. Ronald Dworkin, "The model ofrules", University o/Chicago Law Review
35/22, e "Is law a system of rules?", The Philosophy o/ Law, p. 43.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 57

ser considerada inválida. Os princípios, ao contrário, não determinam


absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais
devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros
princípios.23 Daí a afirmação de que os princípios, ao contrário das re-
gras, possuem uma dimensão de peso (dimension oflVeight), demonstrá-
vel na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio
com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua
validade.24 Nessa direção, a distinção elaborada por Dworkin não con-
siste numa distinção de grau, mas numa diferenciação quanto à estrutura
lógica, baseada em critérios classificatórios, em vez de comparativos,
como afirma Robert Alexy.25 A distinção por ele proposta difere das an-
teriores porque se baseia, mais intensamente, no modo de aplicação e
no relacionamento normativo, estremando as duas espécies normativas.
Alexy, partindo das considerações de Dworkin, precisou ainda mais
o conceito de princípios. Para ele os princípios jurídicos consistem ape-
nas em uma espécie de normas jurídicas por meio da qual são estabe-
lecidos deveres de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as
possibilidades normativas e fáticas.26 Com base na jurisprudência do
Tribunal Constitucional Alemão, Alexy demonstra a relação de tensão
ocorrente no caso de colisão entre os princípios: nesse caso, a solução
não se resolve com a determinação imediata da prevalência de um prin-
cípio sobre outro, mas é estabelecida em função da ponderação entre
os princípios colidentes, em função da qual um deles, em determinadas
circunstâncias concretas, recebe a prevalênciaY Os princípios, portan-
to, possuem apenas uma dimensão de peso e não determinam as conse-
quências normativas de forma direta, ao contrário das regras.28 É só a
aplicação dos princípios diante dos casos concretos que os concretiza

23. Ronald Dworkin, Taking Rights Serio/lsly, 6ª tir., p. 26, e "Is law a system
ofrules?", The Philosophy o/Law, p. 45.
24. Ronald Dworkin, Taking Rights Serio/lsly, 6ª tir., p. 26.
25. Robert Alexy, "Zum Begritf des Rechtsprinzips", Arg/lmentation lInd Her-
menelltik in der JlIrisprudenz, Rechtstheorie, Separata 1/65.
26. Robert Alexy, "Zum Begritf des Rechtsprinzips", Argllmentation lInd Her-
menelltik in der JlIrisprudenz, Rechtstheorie, Separata I/59 e ss.; Redit, Vernllnji,
Diskllrs, p. 177; "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts lInd Sozial-
philosophie, Separata 25/19 e ss.; "Rechtssystem und praktische Vemunft", Redit,
Vernllnji, Diskllrs, pp. 216-217; e Theorie der Grundrechte, 2ª ed., pp. 77 e ss.
27. Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts lInd
Sozialphilosophie, Separata 25/17.
28. Idem, p. 18.
58 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

mediante regras de colisão. Por isso, a aplicação de um princípio deve


ser vista sempre com uma cláusula de reserva, a ser assim definida: "Se
no caso concreto um outro princípio não obtiver maior peso".29 É dizer
o mesmo: a ponderação dos princípios conflitantes é resolvida mediante
a criação de regras de prevalência, o que faz com que os princípios, des-
se modo, sejam aplicados também ao modo tudo ou nada (AlIes-oder-
-Nichts).30 Essa espécie de tensão e o modo como ela é resolvida é o
que distingue os princípios das regras: enquanto no conflito entre regras
é preciso verificar se a regra está dentro ou fora de determinada ordem
jurídica (problema do dentro ou fora), o conflito entre princípios já se
situa no interior desta mesma ordem (teorema da colisão).3!
Daí a definição de princípios como deveres de otimização aplicá-
veis em vários graus segundo as possibilidades normativas e fáticas:
normativas, porque a aplicação dos princípios depende dos princípios
e regras que a eles se contrapõem; fáticas, porque o conteúdo dos prin-
cípios como normas de conduta só pode ser determinado quando diante
dos fatos. Com as regras acontece algo diverso. "De outro lado regras
são normas, que podem ou não podem ser realizadas. Quando uma regra
vale, então é determinado fazer exatamente o que ela exige, nada mais e
nada menos."32 As regras jurídicas, como o afirmado, são normas cujas
premissas são, ou não, diretamente preenchidas, e no caso de colisão
será a contradição solucionada seja pela introdução de uma exceção à
regra, de modo a excluir o conflito, seja pela decretação de invalidade
de uma das regras envolvidas.33
A distinção entre princípios e regras - segundo Alexy - não pode
ser baseada no modo tudo ou nada de aplicação proposto por Dworkin,
mas deve resumir-se, sobretudo, a dois fatores: diferença quanto à coli-
são, na medida em que os princípios colidentes apenas têm sua realiza-

29. Idem, ibidem.


30. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 2ª ed., pp. 80 e 83, e "Zum Begritr
des Rechtsprinzips", Argllmentation IInd Hermenelltik in der JlIrisprudenz. Rechts-
theorie, Separata 1/70.
31. Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts IInd
Sozialphilosophie, Separata 25/19, e "Zum Begriff des Rechtsprinzips", Argllmenta-
tionllnd Hermenelltik in der JlIrisprlldenz, Rechtstheorie, Separata 1/70.
32. Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts IInd
Sozialphilosophie, Separata 25/21.
33. Robert Alexy, "Rechtssystem und praktische Vemunft", Recht, Vernllnft.
Diskllrs, pp. 216-217, e Theorie der Grundrechte, 2ª ed., p. 77.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 59

ção nonnativa limitada reciprocamente, ao contrário das regras, cuja co-


lisão é solucionada com a declaração de invalidade de uma delas ou com
a abertura de uma exceção que exclua a antinomia; diferença quanto à
obrigação que instituem, já que as regras instituem obrigações absolu-
tas, não superadas por normas contrapostas, enquanto os princípios ins-
tituem obrigações prima jacie, na medida em que podem ser superadas
ou derrogadas em função dos outros princípios colidentes.34
Essa evolução doutrinária, além de indicar que há distinções fracas
(Esser, Larenz, Canaris) e fortes (Dworkin, Alexy) entre princípios e re-
gras, demonstra que os critérios usualmente empregados para a distinção
são os seguintes:
Em primeiro lugar, há o critério do caráter hipotético-condicional,
que se fundamenta no fato de as regras possuírem uma hipótese e uma
consequência que predeterminam a decisão, sendo aplicadas ao modo
se, então, enquanto os princípios apenas indicam o fundamento a ser
utilizado pelo aplicador para futuramente encontrar a regra para o caso
concreto. Dworkin afirma: "Se os fatos estipulados por uma regra ocor-
rem, então ou a regra é válida, em cujo caso a resposta que ela fornece
deve ser aceita, ou ela não é, em cujo caso ela em nada contribui para
a decisão".35 Caminho não muito diverso também é seguido por Alexy
quando detine as regras como nonnas cujas premissas são, ou não, dire-
tamente preenchidas.36
Em segundo lugar, há o critério do modo final de aplicação, que se
sustenta no fato de as regras serem aplicadas de modo absoluto tudo ou
nada, ao passo que os princípios são aplicados de modo gradual mais
ou menos.
Em terceiro lugar, o critério do relacionamento normativo, que se
fundamenta na ideia de a antinomia entre as regras consubstanciar ver-
dadeiro conflito, solucionável com a declaração de invalidade de uma
das regras ou com a criação de uma exceção, ao passo que o relacio-

34. Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts lInd


Sozia/philosophie, Separata 25120.
35. Ronald Dworkin, Takings Rights Seriolls/y, 6ª tir., p. 24: "Ifthe facts a mIe
stipulates are given, then either the mIe is valid, in which case the answer it supplies
must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision".
36. "Rechtssystem und praktische Vemunft", Recht. Vernllnjt, Diskllrs, pp.
216-217, e Theorie der Grundrechte, 2ª ed., p. 77.
60 TEORIA DOS PRINcíPIOS

namento entre os princípios consiste num imbricamento, solucionável


mediante ponderação que atribua uma dimensão de peso a cada um
deles.
Em quarto lugar, há o critério dofill1damento axiológico, que con-
sidera os princípios, ao contrário das regras, como fundamentos axioló-
gicos para a decisão a ser tomada.
Todos esses critérios de distinção são importantes, pois apontam
para qualidades dignas de serem examinadas pela Ciência do Direito.
Isso não nos impede, porém, de investigar modos de aperfeiçoamento
desses critérios de distinção, não no sentido de desprezar sua importân-
cia e, muito menos ainda, de negar o mérito das obras que os exami-
naram; mas, em vez disso, naquele de confirmar sua valia pela forma
mais adequada para demonstrar consideração e respeito científicos: a
crítica.

2.3 Critérios de distinção entre princípios e regras

2.3.1 Critério do "caráter hipotético-condicional"

2.3.1.1 Conteúdo

Segundo alguns autores, os princípios poderiam ser distinguidos


das regras pelo caráter hipotético-condicional, pois, para eles, as regras
possuem uma hipótese e uma consequência que predeterminam a deci-
são, sendo aplicadas ao modo se, então; os princípios apenas indicam o
fundamento a ser utilizado pelo aplicador para, futuramente, encontrar a
regra aplicável ao caso concreto.
Esser definiu os princípios como normas que estabelecem funda-
mentos para que determinado mandamento seja encontrado, enquanto,
para ele, as regras determinam a própria decisão.37 Larenz definiu os
princípios como normas de grande relevância para o ordenamento ju-
rídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a
interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indire-
tamente, normas de comportamento.38

37. lasef Esser, Grundsatz /lnd Norm ..., 4ª tir., p. 51.


38. Karl Larenz, Riehtiges Reeht, p. 26, e Methoden/ehre der ReehtslVissens-
ehaft, 6ª ed., p. 474.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 61

2.3.1.2 Análise crítica

o critério diferenciador referente ao caráter hipotético-condicional


é relevante na medida em que permite verificar que as regras possuem
um elemento frontalmente descritivo, ao passo que os princípios apenas
estabelecem uma diretriz. Esse critério não é, porém, infenso a críticas.
Em primeiro lugar porque esse critério é impreciso. Com efeito,
embora seja correta a afirmação de que os princípios indicam um pri-
meiro passo direcionador de outros passos para a obtenção ulterior da re-
gra, essa distinção não fornece fundamentos que indiquem o que signifi-
ca dar um primeiro passo para encontrar a regra. Assim enunciado, esse
critério de distinção ainda contribui para que o aplicador compreenda a
regra como, desde já, fornecendo o último passo para a descoberta do
conteúdo normativo. Isso, no entanto, não é verdadeiro, na medida em
que o conteúdo normativo de qualquer norma - quer regra, quer princí-
pio - depende de possibilidades normativas e fáticas a serem verificadas
no processo mesmo de aplicação. Assim, o último passo não é dado pelo
dispositivo nem pelo significado preliminar da norma, mas pela decisão
interpretativa, como será adiante aprofundado.
Em segundo lugar porque a existência de uma hipótese de incidên-
cia é questão de formulação linguística e, por isso, não pode ser ele-
mento distintivo de uma espécie normativa. De fato, algumas normas
que são qualificáveis, segundo esse critério, como princípios podem
ser reformuladas de modo hipotético, como demonstram os seguintes
exemplos: "Se o poder estatal for exercido, então deve ser garantida a
participação democrática" (princípio democrático); "Se for desobede-
cida a exigência de determinação da hipótese de incidência de normas
que instituem obrigações, então o ato estatal será considerado inválido"
(princípio da tipicidade).39
Esses exemplos demonstram que a existência de hipótese depende
mais do modo de formulação do que propriamente de uma característica
atribuível empiricamente a apenas uma categoria de normas. Além dis-
so, o critério do caráter hipotético-condicional parte do pressuposto de
que a espécie de norma e seus atributos normativos decorrem necessa-
riamente do modo de formulação do dispositivo objeto de interpretação,
como se a forma de exteriorização do dispositivo (objeto da interpreta-

39. Katharina Sabota, Das Prinzip Rechlsslaal, p. 415; Manfred Stelzer, Das
Wesensgehallsargllmenlllnd der Grundsalz der Verhallnismafligkeil, p. 215.
62 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

ção) predeterminasse totalmente o modo como a norma (resultado da in-


terpretação) vai regular a conduta humana ou como deverá ser aplicada.
Percebem-se, aí, uma manifesta confusão entre dispositivo e norma e
uma evidente transposição de atributos dos enunciados formulados pelo
legislador para os enunciados formulados pelo intérprete.
Em terceiro lugar, mesmo que determinado dispositivo tenha sido
formulado de modo hipotético pelo Poder Legislativo, isso não signi-
fica que não possa ser havido pelo intérprete como um princípio. A re-
lação entre as normas constitucionais e os fins e os valores para cuja
realização elas servem de instrumento não está concluída antes da in-
terpretação, nem incorporada ao próprio texto constitucional antes da
interpretação. Essa relação deve ser, nos limites textuais e contextuais,
coerentemente construída pelo próprio intérprete. Por isso, não é correto
afirmar que um dispositivo constitucional contém ou é um princípio ou
uma regra, ou que determinado dispositivo, porque formulado dessa ou
daquela maneira, deve ser considerado como um princípio ou como uma
regra. Como o intérprete tem a função de medir e especificar a intensi-
dade da relação entre o dispositivo interpretado e os fins e valores que
lhe são, potencial e axiologicamente, sobrejacentes, ele pode fazer a in-
terpretação jurídica de um dispositivo hipoteticamente formulado como
regra ou como princípio. Tudo depende das conexões valorativas que,
por meio da argumentação, o intérprete intensifica ou deixa de intensi-
ficar e da finalidade que entende deva ser alcançada. Para tanto, basta
a simples conferência de alguns exemplos de dispositivos formulados
hipoteticamente que ora assumem a feição de regras, ora a de princípios.
O dispositivo constitucional segundo o qual se houver instituição
ou aumento de tributo, então a instituição ou aumento deve ser veicula-
do por lei, é aplicado como regra se o aplicador, visualizando o aspecto
imediatamente comportamental, entendê-lo como mera exigência de lei
em sentido formal para a validade da criação ou aumento de tributos;
da mesma forma, pode ser aplicado como princípio se o aplicador, des-
vinculando-se do comportamento a ser seguido no processo legislativo,
enfocar o aspecto teleológico, e concretizá-lo como instrumento de rea-
lização do valor liberdade para permitir o planejamento tributário e para
proibir a tributação por meio de analogia, e como meio de realização do
valor segurança, para garantir a previsibilidade pela determinação legal
dos elementos da obrigação tributária e proibir a edição de regulamentos
que ultrapassem os limites legalmente traçados.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 63

o dispositivo constitucional segundo o qual se houver instituição


ou aumento de tributos, então só podem ser abrangidos fatos geradores
ocorridos após o início da vigência da lei que os houver instituído ou
aumentado, é aplicado como regra se o aplicador entendê-lo como mera
exigência de publicação de lei antes da ocorrência do fato gerador do
tributo, e pode ser aplicado como princípio se o aplicador concretizá-lo
com a finalidade de realizar o valor segurança para proibir o aumento
de tributo no meio do exercício financeiro em que a realização do fato
gerador periódico já se iniciou, ou com o objetivo de realizar o valor
confiança para proibir o aumento individual de alíquotas, quando o Po-
der Executivo publicou decreto anterior prometendo baixá-las.
O dispositivo constitucional segundo o qual se houver instituição ou
aumento de tributos, então só pode haver cobrança no exercício seguinte
àquele em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, é
aplicado como regra se o aplicador entendê-lo como mera exigência de
publicação da lei antes do início do exercício financeiro da cobrança, ou
como princípio se o aplicador concretizá-lo com a finalidade de realizar
o valor previsibilidade para proibir o aumento de tributo quando o con-
tribuinte não tenha condições objetivas mínimas de conhecer o conteúdo
das normas que estará sujeito a obedecer, ou para postergar o reinício da
cobrança de tributo cuja isenção foi revogada no curso do exercício fi-
nanceiro.
Os exemplos antes referidos atestam que o decisivo para uma nor-
ma ser qualificada como princípio não é ser construída a partir de um
dispositivo exteriorizado por uma hipótese normativa pretensamente de-
terminada. De um lado, qualquer norma pode ser reformulada de modo
a possuir uma hipótese de incidência seguida de uma consequência.40
De outro lado, em qualquer norma, mesmo havendo uma hipótese segui-
da de uma consequência, há referência a fins. Enfim, o qualificativo de
princípio ou de regra depende do uso argumentativo, e não da estrutura
hipotética.41
Esses exemplos demonstram que, a partir de um único dispositi-
vo, pode ser gerada mais de uma norma. Eles não demonstram - e é
isto que se quer realçar agora - que o intérprete pode caprichosamen-

40. Frederick Schauer, Playing by fhe Rules. A Phi/osophical Examinafion of


Rule-Based Decision-Making in Law and in Life, p. 23; Riccardo Guastini, Disfin-
guendo: Sfudi dei Teoria e Mefafeoria deI Diritto, p. 120.
41. Manfred Stelzer, Das Wesensgehalfsargumenf ..., p. 215.
64 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

te optar entre aplicar determinado dispositivo como regra, princípio ou


postulado. De modo algum. Quando o caráter descritivo de determinado
comportamento for privilegiado pelo legislador, o intérprete está diante
de uma regra que, como tal, deve ser aplicada, mediante um exame de
correspondência entre a construção conceitual dos fatos e a construção
conceitual da norma e da finalidade que lhe dá suporte, como se sustenta
nesta obra. É o caso do dispositivo que exige previsão em lei para ins-
tituir ou aumentar tributos. Ele gera uma regra, rígida e não horizontal-
mente afastável, que impõe a observância do procedimento legislativo e
a previsão legal para a instituição e aumento de tributos. Não há liberda-
de do intérprete entre aplicá-lo como regra ou como princípio, quando
se tratar da instituição e aumento de tributos, pois, nesse caso, deve ser
adotado o procedimento legislativo e a previsão legal, com toda a rigi-
dez que isso reclama. Porém - e aqui já não estamos falando da mesma
norma, mas de outra norma, ainda que indutivamente construída a partir
do mesmo dispositivo -, se o intérprete, saindo do contexto da criação
legislativa de tributos, em que a reconstrução normativa do dispositivo
gera uma regra, autonomizar o seu aspecto valorativo e focar noutros
contextos e situações, o mesmo dispositivo poderá gerar um princípio.
É o caso do princípio da liberdade de exercício de atividade econômica
e da sua consectária liberdade de planejamento: ao reservar à lei a insti-
tuição e aumento de tributos, a Constituição, indiretamente, garantiu um
espaço protegido de liberdade empresarial e de planejamento lícito de
atividades. Isso significa, em outras palavras, que não há liberdade para
o intérprete interpretar este ou aquele dispositivo como regra ou como
princípio, para a mesma situação e sob o mesmo aspecto. Quer dizer
apenas que um mesmo dispositivo pode gerar uma regra ou princípio,
dependendo do aspecto normativo a ser analisado. Apenas isso.
Além disso, não é correto afirmar que os princípios, ao contrário
das regras, não possuem nem consequências normativas, nem hipóteses
de incidência. Os princípios também possuem consequências normati-
vas. De um lado, a razão (fim, tarefa) à qual o princípio se refere deve ser
julgada relevante diante do caso concreto.42 De outro, o comportamento
necessário para a realização ou preservação de determinado estado ideal
de coisas (IdealzlIstand) deve ser adotado.43 Os deveres de atribuir re-

42. Torstein Eckhotf, "Legal principIes", Prescriptive Forma/it)' and Norma-


tive Rationa/ity in Modern Lega/ S)'stems. Festschrift for Robert S. SlImmers, p. 38.
43. Georg Henrik von Wright, "Sein und Sollen", Normen, Werte lInd Hand-
/lIngen, p. 36.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 65

levância ao fim a ser buscado e de adoção de comportamentos necessá-


rios à realização do fim são consequências normativas importantíssimas.
Ademais, apesar de os princípios não possuírem um caráter frontalmente
descritivo de comportamento, não se pode negar que sua interpretação
pode, mesmo em nível abstrato, indicar as espécies de comportamentos
a serem adotados, especialmente se for feita uma reconstrução dos casos
mais importantes.
O ponto decisivo não é, pois, a ausência da prescrição de comporta-
mentos e de consequências no caso dos princípios, mas o tipo da prescri-
ção de comportamentos e de consequências, o que é algo diverso.

2.3.2 Critério do "modo final de aplicação"


2.3.2.1 Conteúdo

Segundo alguns autores os princípios poderiam ser distinguidos das


regras pelo critério do modo final de aplicação, pois, para eles, as regras
são aplicadas de modo absoluto tlldo ali nada, ao passo que os princí-
pios, de modo gradual mais ali menos.
Dworkin afirma que as regras são aplicadas de modo tudo ali nada
(a//-or-nothing) no sentido de que, se a hipótese de incidência de uma
regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve
ser aceita, ou ela não é considerada válida. Os princípios, ao contrário,
não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm funda-
mentos, que devem ser conjugados com outros fundamentos provenien-
tes de outros princípios.44 Segundo ele, se os fatos estipulados por uma
regra ocorrem, então ou a regra é válida, em cujo caso a resposta que
ela fornece deve ser aceita, ou deve ser encontrada uma exceção a essa
regra.45
Alexy, apesar de atribuir importância à criação de exceções e de
salientar o seu distinto caráter prima facie, define as regras como nor-
mas cujas premissas são ou não diretamente preenchidas e que não po-
dem nem devem ser ponderadas.46 Segundo o autor, as regras instituem
obrigações definitivas, já que não superáveis por normas contrapostas,

44. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriolls/y, 6ª tir., p. 26, e "Is law a system
of rules?", The Philosophy of LalV, p. 45.
45. Ronald Dworkin, Takings Rights Seriolls/y, 6ª tir., p. 24
46. Robert Alexy, "Rechtssystem und praktische Vemunft", Recht, Vernllnjt,
Diskllrs, pp. 216-217, e Theorie der Grundrechte, 2ª ed., p. 77.
66 TEORIA DOS PRINCíPIOS

enquanto os princípios instituem obrigações prima facie, na medida em


que podem ser superadas ou derrogadas em função de outros princípios
colidentes.47

2.3.2.2 Análise crítica

o critério do modo final de aplicação, embora tenha chamado a


atenção para aspectos importantes das normas jurídicas, pode ser par-
cialmente reformulado. Senão, vejamos.
Inicialmente é preciso demonstrar que o modo de aplicação não está
determinado pelo texto objeto de interpretação, mas é decorrente de co-
nexões axiológicas que são construídas (ou, no mínimo, coerentemente
intensificadas) pelo intérprete, que pode inverter o modo de aplicação
havido inicialmente como elementar. Com efeito, muitas vezes o caráter
absoluto da regra é completamente modificado depois da consideração
de todas as circunstâncias do caso. É só conferir alguns exemplos de
normas que preliminarmente indicam um modo absoluto de aplicação
mas que, com a consideração a todas as circunstâncias, terminam por
exigir um processo complexo de ponderação de razões e contrarrazões.
De um lado, há normas cujo conteúdo normativo preliminar esta-
belece limites objetivos, cujo descumprimento aparenta impor, de modo
absoluto, a implementação da consequência. Essa obrigação, dita ab-
soluta, não impede, todavia, que outras razões contrárias venham a se
sobrepor em determinados casos. Vejam-se alguns exemplos.
A norma construída a partir do art. 224 do Código Penal, ao prever
o crime de estupro, estabelece uma presunção incondicional de violên-
cia para o caso de a vítima ter idade inferior a 14 anos. Se for praticada
uma relação sexual com menor de 14 anos, então deve ser presumida
a violência por parte do autor. A norma não prevê qualquer exceção.
A referida norma, dentro do padrão classificatório aqui examinado, seria
uma regra, e, como tal, instituidora de uma obrigação absoluta: se a ví-
tima for menor de 14 anos, e a regra for válida, o estupro com violência
presumida deve ser aceito. Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal,
ao julgar um caso em que a vítima tinha 12 anos, atribuiu tamanha re-
levância a circunstâncias particulares não previstas pela norma, como
a aquiescência da vítima ou a aparência fisica e mental de pessoa mais

47. Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts und


Sozialphilosophie, Separata 25/20.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 67

velha, que terminou por entender, preliminarmente, como não configu-


rado o tipo penal, apesar de os requisitos normativos expressos estarem
presentes.48 Isso significa que a aplicação revelou que aquela obrigação,
havida como absoluta, foi superada por razões contrárias não previstas
pela própria ou outra regra.
A norma construída a partir do inciso" do art. 37 da Constituição
Federal estabelece que a investidura em cargo ou emprego público de-
pende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de pro-
vas e títulos. Se for feita admissão de funcionário público, então essa
investidura deverá ser precedida de concurso público; caso contrário
essa investidura deverá ser declarada inválida. Além disso, o respon-
sável pela contratação terá, conforme a lei, praticado ato de improbi-
dade administrativa, com várias consequências, inclusive o ingresso da
ação penal cabível. Mesmo assim, o Supremo Tribunal Federal deixou
de dar seguimento à ação cabível ao julgar caso em que a prefeita de
um Município foi denunciada porque, quando exercia a chefia do Po-
der Executivo Municipal, contratou sem concurso público um cidadão
para a prestação de serviços como gari pelo período de nove meses. No
julgamento do habeas corpus considerou-se inexistente qualquer pre-
juízo para o Município em decorrência desse caso isolado. Além disso,
considerou-se atentatório à ordem natural das coisas, e, por conseguinte,
ao princípio da razoabilidade, exigir a realização de concurso público
para uma única admissão para o exercício de atividade de menor hierar-
quia.49 Nesse caso, a regra segundo a qual é necessário concurso público
para contratação de agente público incidiu, mas a consequência do seu
descumprimento não foi aplicada (invalidade da contratação e, em razão
de outra norma, prática de ato de improbidade) porque a falta de adoção
do comportamento por ela previsto não comprometia a promoção do fim
que a justificava (proteção do patrimônio público). Dito de outro modo:
segundo a decisão, o patrimônio público não deixaria de ser protegido
pela mera contratação de um gari por tempo determinado.
A legislação tributária federal estabelecia que o ingresso no progra-
ma de pagamento simplificado de tributos federais implicava a proibição
de importação de produtos estrangeiros. Se fosse feita importação, então

48. STF, 2ª Turma, HC 73.662-9-MG, reI. Min. Marco Aurélio, j. 21.5.1996,


DJU 20.9.1996, p. 34.535.
49. STF, 2ª Turma, HC n.003-4-PE, reI. Min. Marco Aurélio, j. 16.6.1998,
DJU 11.9.1998, p. 5.
68 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

a empresa seria excluída do programa de pagamento simplificado. Uma


pequena fábrica de sofás, enquadrada como empresa de pequeno por-
te para efeito de pagar conjuntamente os tributos federais, foi excluída
desse mecanismo por ter infringido a condição legal de não efetuar a
importação de produtos estrangeiros. De fato, a empresa efetuou uma
importação. A importação, porém, foi de quatro pés de sofás, para um só
sofá, uma única vez. Recorrendo da decisão, a exclusão foi anulada por
violar a razoabilidade, na medida em que uma interpretação dentro do
razoável indica que a interpretação deve ser feita "em consonância com
aquilo que, para o senso comum, seria aceitável perante a lei".50 Nesse
caso, a regra segundo a qual é proibida a importação para a permanência
no regime tributário especial incidiu, mas a consequência do seu des-
cumprimento não foi aplicada (exclusão do regime tributário especial),
porque a falta de adoção do comportamento por ela previsto não com-
prometia a promoção do fim que ajustificava (estímulo da produção na-
cional por pequenas empresas). Dito de outro modo: segundo a decisão,
o estímulo à produção nacional não deixaria de ser promovido pela mera
importação de alguns pés de sofá.
Os casos acima enumerados, aos quais outros poderiam ser soma-
dos, indicam que a consequência estabelecida prima facie pela norma
pode deixar de ser aplicada em face de razões substanciais consideradas
pelo aplicador, mediante condizente fundamentação, como superiores
àquelas que justificam a própria regra. Ou se examina a razão que fun-
damenta a própria regra (rule s purpose) para compreender, restringindo
ou ampliando, o conteúdo de sentido da hipótese normativa, ou se re-
corre a outras razões, baseadas em outras normas, para justificar o des-
cumprimento daquela regra (overruling). Essas considerações bastam
para demonstrar que não é adequado afirmar que as regras "possuem"
um modo absoluto "tudo ou nada" de aplicação. Também as normas
que aparentam indicar um modo incondicional de aplicação podem ser
objeto de superação por razões não imaginadas pelo legislador para os
casos normais. A consideração de circunstâncias concretas e individuais
não diz respeito à estrutura das normas, mas à sua aplicação; tanto os
princípios como as regras podem envolver a consideração a aspectos
específicos, abstratamente desconsiderados.51

50. Processo 13003.000021/99-14, 2º Conselho de Contribuintes, 2ª Câmara,


sessão de 18.10.2000.
51. Klaus Günther, Der Sinnjiir Angemessenheit. Al1Ivendllngsdiskllrse in Mo-
ra/lInd Recht, p. 270.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 69

De outro lado, há regras que contêm expressões cujo âmbito de


aplicação não é (total e previamente) delimitado, ficando o intérprete
encarregado de decidir pela incidência ou não da norma diante do caso
concreto. Nessas hipóteses o caráter absoluto da regra se perde em favor
de um modo mais ou menos de aplicação. O livro eletrônico é um bom
exemplo de que somente um complexo processo de ponderação de ar-
gumentos a favor e contra sua inclusão no âmbito da regra de imunidade
permite decidir pela imunidade relativa a impostos.52
Todas essas considerações demonstram que a afirmação de que as
regras são aplicadas ao modo tudo ou nada só tem sentido quando todas
as questões relacionadas à validade, ao sentido e à subsunção final dos
fatos já estiverem superadas. 53 Mesmo no caso de regras essas ques-
tões não são facilmente solucionadas. Isso porque a vagueza não é traço
distintivo dos princípios, mas elemento comum de qualquer enunciado
prescritivo, seja ele um princípio, seja ele uma regra.54
Nessa direção, importa dizer que a característica específica das re-
gras (implementação de consequência predeterminada) só pode surgir
após sua interpretação. Somente nesse momento é que podem ser com-
preendidas se e quais as consequências que, no caso de sua aplicação a
um caso concreto, serão supostamente implementadas. Vale dizer: a dis-
tinção entre princípios e regras não pode ser baseada no suposto método
tudo ou nada de aplicação das regras, pois também elas precisam, para
que sejam implementadas suas consequências, de um processo prévio -
e, por vezes, longo e complexo como o dos princípios - de interpretação
que demonstre quais as consequências que serão implementadas. E, ain-
da assim, só a aplicação diante do caso concreto é que irá corroborar as
hipóteses anteriormente havidas como automáticas. Nesse sentido, após
a interpretação diante de circunstâncias específicas (ato de aplicação),
tanto as regras quanto os princípios, em vez de se estremarem, se apro-
ximam.55 A única diferença constatável continua sendo o grau de abstra-

52. Humberto Bergmann Á vila, "Argumentação jurídica e a imunidade do li-


vro eletrônico", RDTributário 79/163-183.
53. Sobre essa ressalva, também Robert Alexy, "Zum Begriff des Rechtsprin-
zips", Argumentationund Hermeneutik in der Jurisprudenz, Rechtstheorie, Separata
1171.
54. Riccardo Guastini, Distinguendo: ..., p. 120; Afonso Figueroa, Principios y
Positivismo Jurídíco, p. 140.
55. Sobre o assunto, v. Alfonso Figueroa, Princípíos y Posítívísmo Jurídíco,
p.152.
70 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

ção anterior à interpretação (cuja verificação também depende de prévia


interpretação): no caso dos princípios o grau de abstração é maior re-
lativamente à norma de comportamento a ser determinada, já que eles
não se vinculam abstratamente a uma situação específica (por exemplo,
princípio democrático, Estado de Direito); no caso das regras as conse-
quências são de pronto verificáveis, ainda que devam ser corroboradas
por meio do ato de aplicação. Esse critério distintivo entre princípios e
regras perde, porém, parte de sua importância quando se constata, de um
lado, que a aplicação das regras também depende da conjunta interpre-
tação dos princípios que a elas digam respeito (por exemplo, regras do
procedimento legislativo em correlação com o princípio democrático) e,
de outro, que os princípios normalmente requerem a complementação de
regras para serem aplicados.
O importante é que tanto os princípios quanto as regras permitem
a consideração de aspectos concretos e individuais. No caso dos princí-
pios essa consideração de aspectos concretos e individuais é feita sem
obstáculos institucionais, na medida em que os princípios estabelecem
um estado de coisas que deve ser promovido sem descrever, diretamen-
te, qual o comportamento devido. O interessante é que o fim, indepen-
dente da autoridade, funciona como razão substancial para adotar os
comportamentos necessários à sua promoção. Adota-se um comporta-
mento porque seus efeitos contribuem para promover o fim. Os princí-
pios poderiam ser enquadrados na qualidade de normas que geram, para
a argumentação, razões substanciais (substantive reasons) ou razões fi-
nalísticas (goal reasons).56 Por exemplo, a interpretação do princípio da
moralidade irá indicar que a seriedade, a motivação e a lealdade com-
põem o estado de coisas, e que comportamentos sérios, esclarecedores e
leais são necessários. O princípio, porém, não indicará quais são, preci-
samente, esses comportamentos.
Já no caso das regras a consideração a aspectos concretos e indivi-
duais só pode ser feita com uma fundamentação capaz de ultrapassar a
trincheira decorrente da concepção de que as regras devem ser obedeci-
das.57 É a própria regra que funciona como razão para a adoção do com-

56. Robert Summers, "Two types ofsubstantive reasons: the core ofa theory of
common-Iaw justification", The Jllrisprudence of Lall' 's Form and SlIbstance (Co 1-
lected Essays in LalV), pp. 155-236 (224); Neil MacCormick, "Argumentation and
interpretation in law", Ratio Juris 6/17, n. I.
57. Frederick Schauer, Playing by the Rufes .... , pp. 38 e ss.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 71

portamento. Adota-se o comportamento porque, independentemente


dos seus efeitos, é correto. A autoridade proveniente da instituição e da
vigência da regra funciona como razão de agir. As regras poderiam ser
enquadradas na qualidade de normas que geram, para a argumentação,
razões de correção (rightness reasons) ou razões autoritativas (authority
reasons). Para seguir com um exemplo já utilizado, a violência sexual só
deixa de ser presumida se houver motivos extravagantes com forte ape-
Io justificativo, como a aquiescência manifesta da vítima e a aparência
física e mental de pessoa mais velha. Enfim, no caso da aplicação de re-
gras o aplicador também pode considerar elementos específicos de cada
situação, embora sua utilização dependa de um ônus de argumentação
capaz de superar as razões para cumprimento da regra. A ponderação é,
por consequência, necessária. Isso significa que o traço distintivo não
é o tipo de obrigação instituído pela estrutura condicional da norma, se
absoluta ou relativa, que irá enquadrá-Ia numa ou noutra categoria de
espécie normativa. É o modo como o intérprete justifica a aplicação dos
significados preliminares dos dispositivos, se frontalmente finalistÍco ou
comportamental, que permite o enquadramento numa ou noutra espécie
normativa.
Importa ressaltar, outrossim, que também não é coerente afirmar,
como fazem Dworkin e Alexy, cada qual a seu modo, que, se a hipó-
tese prevista por uma regra ocorrer no plano dos fatos, a consequência
normativa deve ser diretamente implementada.58 De um lado, há casos
em que as regras podem ser aplicadas sem que suas condições sejam
satisfeitas. É o caso da aplicação analógica de regras: nesses casos, as
condições de aplicabilidade das regras não são implementadas, mas elas
são, ainda assim, aplicadas, porque os casos não regulados assemelham-
-se aos casos previstos na hipótese normativa que justifica a aplicação
da regra. E há casos em que as regras não são aplicadas apesar de suas
condições terem sido satisfeitas. É o caso de cancelamento da razão jus-
tificadora da regra por razões consideradas superiores pelo aplicador
diante do caso concreto.59 Isso significa, pois, que ora as condições de
aplicabilidade da regra não são preenchidas, e a regra mesmo assim é
aplicada; ora as condições de aplicabilidade da regra são preenchidas e a

58. Ronald Oworkin, Taking Rights Seriously, 6ª tir., p. 24; Robert Alexy, "Re-
chtssystem und praktische Vemunft", Recht, Vernunjt, Diskurs, pp. 216-217, e Theo-
rie der Grundrechte, 2ª ed., p. 77.
59. Jaap C. Hage, Reasoning with Rules. An Essay on Legal Reasoning and its
Underlying Logic, pp. 5 e 118.
72 TEORIA DOS PRINCíPIOS

regra, ainda assim, não é aplicada. Rigorosamente, portanto, não é plau-


sível sustentar que as regras são normas cuja aplicação é certa quando
suas premissas são preenchidas.
Costuma-se afirmar também que as regras são ou não aplicadas,
de modo integral, enquanto os princípios podem ser aplicados mais ou
menos. Trata-se de proposição interessante, mas que pode ser aperfei-
çoada. Com efeito, quando se sustenta que as regras são aplicadas in-
tegralmente focaliza-se o comportamento descrito como poder ser ou
não cumprido; quando se defende que os princípios são aplicados mais
ali menos centra-se a análise, em virtude da ausência de descrição da

conduta devida, no estado de coisas que pode ser mais ou menos atin-
gido. Isso significa, porém, que não são os princípios que são aplicados
de forma gradual, mais ali menos, mas é o estado de coisas que pode
ser mais ou menos aproximado, dependendo da conduta adotada como
meio. Mesmo nessa hipótese, porém, o princípio é ou não aplicado: ou
o comportamento necessário à realização ou preservação do estado de
coisas é adotado, ou não é adotado. Por isso, defender que os princípios
sejam aplicados de forma gradual é baralhar a norma com os aspectos
exteriores, necessários à sua aplicação.
O ponto decisivo não é, portanto, o suposto caráter absoluto das
obrigações estatuídas pelas regras, mas o modo como as razões que im-
põem a implementação das suas consequências podem ser validamente
ultrapassadas; nem a falta de consideração a aspectos concretos e indi-
viduais pelas regras, mas o modo como essa consideração deverá ser
validamente fundamentada - o que é algo diverso.
É preciso ressaltar que as regras, apesar de exigirem um processo
argumentativo envolvendo um entrechoque de razões para definir o sen-
tido da sua descrição normativa e o seu âmbito de aplicação (ponderação
em sentido amplo), não podem ser simplesmente afastadas ou superadas,
como ocorre com determinados princípios (vide, abaixo, item 2.6). As-
sim, afirmar que as regras exigem um processo de ponderação interna, no
sentido estrito de sopesamento entre razões e contrarrazões que termina
com a atribuição do seu sentido, não é o mesmo que dizer que elas podem
ser simplesmente superadas. Aqui o perigo de confusão. Ainda que exis-
tam vários tipos de regras, e não um só, pode-se afirmar que aquilo que
caracteriza as regras é precisamente o seu grau de rigidez, indicativo de
um comportamento ou de um âmbito de poder, que não pode ceder senão
diante da excepcionalidade da situação e mediante o preenchimento de
requisitos formais e materiais (vide, abaixo, item 2.4.9).
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 73

2.3.3 Critério do "conflito normativo"

2.3.3.1 Conteúdo

Segundo alguns autores os princípios poderiam ser distinguidos das


regras pelo modo como funcionam em caso de conflito normativo, pois,
para eles, a antinomia entre as regras consubstancia verdadeiro conflito,
a ser solucionado com a declaração de invalidade de uma das regras ou
com a criação de uma exceção, ao passo que o relacionamento entre
os princípios consiste num imbricamento, a ser decidido mediante uma
ponderação que atribui uma dimensão de peso a cada um deles.
Canaris, além de evidenciar o conteúdo axiológico dos princípios,
distingue os princípios das regras em razão do modo de interação com
outras normas: os princípios, ao contrário das regras, receberiam seu
conteúdo de sentido somente por meio de um processo dialético de com-
plementação e limitação.6o
Dworkin sustenta que os princípios, ao contrário das regras, pos-
suem uma dimensão de peso que se exterioriza na hipótese de colisão,
caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro,
sem que este perca sua validade.61
Alexy afirma que os princípios jurídicos consistem apenas em uma
espécie de norma jurídica por meio da qual são estabelecidos deveres
de otimização, aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades
normativas e fáticas.62 No caso de colisão entre os princípios a solução
não se resolve com a determinação imediata de prevalência de um prin-
cípio sobre outro, mas é estabelecida em função da ponderação entre
os princípios colidentes, em função da qual um deles, em determinadas
circunstâncias concretas, recebe a prevalência.63 Essa espécie de tensão
e o modo como ela é resolvida é o que distingue os princípios das re-
gras: enquanto no conflito entre regras é preciso verificar se a regra está

60. Claus-Wilhelm Canaris, Systemdenken. .., pp. 50, 53 e 55.


61. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriollsly, 6ª tir., p. 26.
62. Robert Alexy, "Zum Begritf des Rechtsprinzips", Argllmentation lInd Her-
menelltik in der JlIrisprlldenz. Rechtstheorie, Separata 1/59 e ss.; Recht. Vernllnfi,
Diskllrs, p. 177; "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts und Sozial-
philosophie, Separata 25/19 e ss.; "Rechtssystem und praktische Vemunft", Recht.
Vernllnft. Diskllrs, pp. 216-217; e Theorie der Grllndrechte, 2ª ed., pp. 77 e ss.
63. Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts lInd
Sozialphilosophie, Separata 25/17.
74 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

dentro ou fora de determinada ordem jurídica, naquele entre princípios o


conflito já se situa no interior dessa mesma ordem.64

2.3.3.2 Análise crítica

A análise do modo de conflito normativo também se constitui em


um passo decisivo no aprimoramento do estudo das espécies normati-
vas. Apesar disso, é preciso aperfeiçoá-lo. Isso porque não é apropriado
afirmar que a ponderação é método privativo de aplicação dos princí-
pios, nem que os princípios possuem uma dimensão de peso.
Com efeito, a ponderação não é método privativo de aplicação dos
princípios. A ponderação ou balanceamento (weighing and balancing,
Abwagung), enquanto sopesamento de razões e contrarrazões que cul-
mina com a decisão de interpretação, também pode estar presente no
caso de dispositivos hipoteticamente formulados, cuja aplicação é pre-
liminarmente havida como automática (no caso de regras, consoante o
critério aqui investigado), como se comprova mediante a análise de al-
guns exemplos.
Em primeiro lugar, a atividade de ponderação ocorre na hipótese
de regras que abstratamente convivem, mas concretamente podem en-
trar em conflito. Costuma-se afirmar que quando duas regras entram em
conflito, de duas, uma: ou se declara a invalidade de uma das regras, ou
se abre uma exceção a uma das regras de modo a contornar a incompa-
tibilidade entre elas. Em razão disso, sustenta-se que as regras entram
em conflito no plano abstrato, e a solução desse conflito insere-se na
problemática da validade das normas. Já quando dois princípios entram
em conflito deve-se atribuir uma dimensão de peso maior a um deles.
Por isso, assevera-se que os princípios entram em conflito no plano con-
creto, e a solução desse conflito insere-se na problemática da aplicação.
Embora tentador, e amplamente difundido, esse entendimento me-
rece ser repensado. Isso porque em alguns casos as regras entram em
conflito sem que percam sua validade, e a solução para o conflito de-
pende da atribuição de peso maior a uma delas. Dois exemplos podem
esclarecer.

64. Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts lInd


Sozialphilosophie, Separata 25/19, e "Zum BegrifT des Rechtsprinzips", Argllmenta-
tion lInd Hermenelltik in der JlIrisprudenz. Rechtstheorie, Separata 1170.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 75

Primeiro exemplo: uma regra do Código de Ética Médica determi-


na que o médico deve dizer para seu paciente toda a verdade sobre sua
doença, e outra estabelece que o médico deve utilizar todos os meios
disponíveis para curar seu paciente. Mas como deliberar o que fazer no
caso em que dizer a verdade ao paciente sobre sua doença irá diminuir as
chances de cura, em razão do abalo emocional daí decorrente? O médico
deve dizer ou omitir a verdade? Casos hipotéticos como esse não só de-
monstram que o conflito entre regras não é necessariamente estabelecido
em nível abstrato, mas pode surgir no plano concreto, como ocorre nor-
malmente com os princípios. Esses casos também indicam que a decisão
envolve uma atividade de sopesamento entre razões.65
Segundo exemplo: uma regra proíbe a concessão de liminar contra a
Fazenda Pública que esgote o objeto litigioso (art. I º da Lei 9.494/1997).
Essa regra proíbe ao juiz determinar, por medida liminar, o fornecimento
de remédios pelo sistema de saúde a quem deles necessitar para viver.
Outra regra, porém, determina que o Estado deve fornecer, de forma gra-
tuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover
as despesas com os referidos medicamentos (art. I º da Lei 9.908/1993,
do Estado do Rio Grande do Sul). Essa regra obriga a que o juiz deter-
mine, inclusive por medida liminar, o fornecimento de remédios pelo
sistema de saúde a quem deles necessitar para viver.66 Embora essas
regras instituam comportamentos contraditórios, uma determinando o
que a outra proíbe, elas ultrapassam o conflito abstrato mantendo sua va-
lidade. Não é absolutamente necessário declarar a nulidade de uma das
regras, nem abrir uma exceção a uma delas. Não há a exigência de colo-
car uma regra dentro e outra fora do ordenamento jurídico. O que ocorre
é um conflito concreto entre as regras, de tal sorte que o julgador deverá
atribuir um peso maior a uma das duas, em razão da finalidade que cada
uma delas visa a preservar: ou prevalece a finalidade de preservar a vida
do cidadão, ou se sobrepõe a finalidade de garantir a intangibilidade da
destinação já dada pelo Poder Público às suas receitas. Independente-
mente da solução a ser dada - cuja análise é ora impertinente -, trata-se

65. Aleksander Peczenik, On Lmv and Reason, p. 61; Karl Engisch, Die Ei-
nheit der Rechtsordnung, Dannstadt, WBG, 1987 (nova impressão da obra de 1935),
p.46.
66. Sobre a questão, v. o magistral voto do Des. Araken de Assis. no AI
598.398.600, TJRS, 4ª Câmara Cível, ReI. Des. Araken de Assis, j. 25.11.1998, in
Jurisprudência Administrativa. Síntese Trabalhista 121/115-119, Porto Alegre, Sín-
tese, julho/1999).
76 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

de um conflito concreto entre regras, cuja solução, sobre não estar no


nível da validade, e sim no plano da aplicação, depende de uma ponde-
ração entre as finalidades que estão em jogo.
É preciso, pois, aperfeiçoar o entendimentode que o conflito entre
regras é um conflito necessariamente abstrato, e que quando duas regras
entram em conflito deve-se declarar a invalidade de uma delas ou abrir
uma exceção. Trata-se de qualidade contingente; não necessária.
Em segundo lugar, as regras também podem ter seu conteúdo preli-
minar de sentido superado por razões contrárias, mediante um processo
de ponderação de razões.67 Ademais, isso ocorre nas hipóteses de re-
lação entre a regra e suas exceções. A exceção pode estar prevista no
próprio ordenamento jurídico, hipótese em que o aplicador deverá, me-
diante ponderação de razões, decidir se há mais razões para a aplicação
da hipótese normativa da regra ou, ao contrário, para a de sua exceção.
Por exemplo, a legislação de um Município, ao instituir regras de trân-
sito, estabelece que a velocidade máxima no perímetro urbano é de 60
km/h. Se algum veículo for fotografado, por mecanismos de medição
eletrônica, trafegando acima dessa velocidade, será obrigado a pagar
uma multa. A mencionada norma, dentro da tipologia aqui analisada,
seria uma regra, e, como tal, instituidora de uma obrigação absoluta que
independe de ponderação de razões a favor e contra sua utilização: se o
veículo ultrapassar a velocidade-limite e se a regra for válida, a penali-
dade deve ser imposta. Mesmo assim, o Departamento de Trânsito pode
deixar de impor a multa para os motoristas, especialmente de táxi, que
comprovem, mediante a apresentação de boletim de ocorrência, que no
momento da infração estavam acima da velocidade permitida porque
conduziam passageiro gravemente ferido para o hospital. Nesse caso,
embora tenha sido concretizada a hipótese normativa, o aplicador re-
corre a outras razões, baseadas em outras normas, para justificar o des-
cumprimento daquela regra (overruling). As outras razões, consideradas
superiores à própria razão para cumprir a regra, constituem fundamento
para seu não cumprimento. Isso significa, para o que se está agora a exa-
minar, que o modo de aplicação da regra, portanto, não está totalmente
condicionado pela descrição do comportamento, mas que depende do
sopesamento de circunstâncias e de argumentos.
E a exceção pode não estar prevista no ordenamento jurídico, si-
tuação em que o aplicador avaliará a importância das razões contrárias à

67. Frederick Schauer, Pfaying by lhe Rufes .... , p. 14.


NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 77

aplicação da regra, sopesando os argumentos favoráveis e os argumentos


contrários à criação de uma exceção diante do caso concreto. O caso do
estupro, antes referido, exemplifica esse sopesamento. O importante é
que o processo mediante o qual as exceções são constituídas também é
um processo de valoração de razões: em função da existência de uma ra-
zão contrária que supera axiologicamente a razão que fundamenta a pró-
pria regra, decide-se criar uma exceção. Trata-se do mesmo processo de
valoração de argumentos e contra-argumentos - isto é, de ponderação.
Contrariamente a esse entendimento, poder-se-ia afirmar que a rela-
ção entre as regras e suas exceções expressas não se identifica com aque-
la que se estabelece entre os princípios que se imbricam. E isso por duas
razões: em primeiro lugar porque as regras seriam interpretadas; e os
princípios ponderados: enquanto a relação entre a regra e suas exceções
já estaria decidida pelo ordenamento, cabendo ao aplicador interpretá-
-la, a solução de uma colisão entre os princípios não estaria previamente
definida, cabendo ao aplicador, mediante ponderação de razões, cons-
truir as regras de colisão diante do caso concreto; e em segundo lugar
porque a relação entre a regra e a exceção não consistiria um conflito, já
que somente uma delas seria aplicada - a regra ou a exceção -, ao passo
que a relação entre dois princípios consubstanciaria autêntico conflito,
na medida em que ambos seriam aplicados, embora um deles recebesse
mais peso que o outro.
Tais razões não são convincentes. A uma, porque não se pode estre-
mar a interpretação da ponderação. Com efeito, a decisão a respeito da
incidência das regras depende da avaliação das razões que sustentam e
daquelas que afastam a inclusão do conceito do fato no conceito previsto
na regra. Se, ao final, pode-se afirmar que a decisão é de mera subsunção
de conceitos, não se pode negar que o processo mediante o qual esses
conceitos foram preparados para o encaixe final é da ordem da ponde-
ração de razões. A duas, porque não é consistente a afirmação de que no
caso das regras e de suas exceções há aplicação de uma só norma, e no
caso de imbricamento de princípios há a aplicação de ambas. Ora, quan-
do o aplicador atribui uma dimensão de peso maior a um dos princípios,
ele se decide pela existência de razões maiores para a aplicação de um
princípio em detrimento do outro, que, então, pode deixar de irradiar
efeitos sobre o caso objeto da decisão. O mesmo ocorre no caso da ex-
ceção à regra: o aplicador decide haver maiores razões para a aplicação
da exceção em detrimento da regra. Isso indica que, no caso de conflito
entre princípios, o princípio ao qual se atribui um peso menor pode dei-
78 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

xar, na verdade, de ser aplicado, do mesmo modo que na relação entre a


regra e a exceção, uma vez que a regra ou a exceção não será aplicada.
Modos de explicação à parte, o que interessa é que, tanto num quanto
noutro caso, há sopesamento de razões e de contrarrazões.
O que se pode afirmar é algo diverso. O relacionamento entre re-
gras gerais e excepcionais e entre princípios que se imbricam não difere
quanto à existência de ponderação de razões, mas - isto, sim - quanto à
intensidade da contribuição institucional do aplicador na determinação
concreta dessa relação e quanto ao modo de ponderação: no caso da
relação entre regras gerais e regras excepcionais o aplicador - porque
as hipóteses normativas estão entremostradas pelo significado prelimi-
nar do dispositivo, em razão do elemento descritivo das regras - possui
menor e diferente âmbito de apreciação, já que deve delimitar o con-
teúdo normativo da hipótese se e enquanto esse for compatível com a
finalidade que a sustenta; no caso do imbricamento entre princípios o
aplicador - porque, em vez de descrição, há o estabelecimento de um
estado de coisas a ser buscado - possui maior espaço de apreciação, na
medida em que deve delimitar o comportamento necessário à realização
ou preservação do estado de coisas.
Além disso, importa ressaltar que a relação entre regras e entre prin-
cípios não se dá de uma só forma. Na hipótese de relação entre princí-
pios, quando dois princípios determinam a realização de fins divergen-
tes, deve-se escolher um deles em detrimento do outro, para a solução
do caso. E, mesmo que ambos os princípios estabeleçam os mesmos fins
como devidos, nada obsta a que demandem meios diversos para atingi-
-los. Nessa hipótese deve-se declarar a prioridade de um princípio sobre
o outro, com a consequente não aplicação de um deles para aquele caso
concreto. A solução é idêntica à dada para o conflito entre regras com
determinação de uma exceção, hipótese em que as duas normas ultrapas-
sam o conflito, mantendo sua validade.
Na hipótese de relação entre regras, mesmo que o aplicador decida
que uma das regras é inaplicável ao caso concreto, isso não significa que
ela em nada contribui para a decisão.68 Mesmo deixando de ser aplicada,
uma regra pode funcionar como contraponto valorativo para a interpre-
tação da própria regra aplicável, hipótese em que, longe de em nada con-
tribuir para a decisão, a regra não aplicada concorre para a construção-

68. Cf. Ronald Dworkin, Taking Rights Serious/y, 6ª tir., p. 24.


NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 79

mediante procedimento de aproximação e afastamento - do significado


da regra aplicada.
Em terceiro lugar, a atividade de ponderação de regras verifica-se
na delimitação de hipóteses normativas semanticamente abertas ou de
conceitos jurídico-políticos, como Estado de Direito, certeza do Direi-
to, democracia. Nesses casos o intérprete terá de examinar várias ra-
zões contra e a favor da incidência da regra, ou investigar um plexo de
razões para decidir quais elementos constituem os conceitos jurídicos-
-políticos.69 Como os dispositivos hipoteticamente construídos são re-
sultado de generalizações feitas pelo legislador, mesmo a mais precisa
formulação é potencialmente imprecisa, na medida em que podem surgir
situações inicialmente não previstas.7o Nessa hipótese, o aplicador deve
analisar a finalidade da regra, e somente a partir de uma ponderação de
todas as circunstâncias do caso pode decidir que elemento de fato tem
prioridade para definir a finalidade normativa.71
É precisamente em decorrência das generalizações que alguns
casos deixam de ser mencionados (under inclusiveness) e outros são
mal-incluídos (over inclusiveness). A proibição de entrada de cães em
restaurantes deve-se ao fato de que os cidadãos normalmente possuem
cães e que eles, via de regra, causam mal-estar aos clientes. Qualquer
cão está proibido de entrar. E se for um filhote recém-nascido, enrolado
numa manta nos braços da dona? Um cão empalhado? Um cão utilizado
pela Polícia para encontrar drogas ou um suspeito do tráfico de drogas?
Nesses casos, o aplicador, em vez de meramente focalizar o conceito
de "cão", deverá avaliar a razão justificativa da regra para decidir pela
sua incidência. Sendo a razão justificativa da regra que proíbe a entrada
de cães a proteção do sossego e da segurança dos clientes, poderá deci-
dir a respeito da aplicação da regra aos casos mencionados. Mas sendo
possível passar da hipótese da regra à sua razão justificativa, abre-se ao
aplicador a possibilidade de proibir a entrada de pessoas que terminem
com o sossego dos clientes, como bebês chorando, ou permitir a entrada
de animais que não coloquem em risco a segurança dos clientes, como
um filhote de urso, ou mesmo cães mansos ou anestesiados.72

69. Aleksander Peczenik, On Law and Reason, pp. 63, 80, 412 e 420, e "The
passion for reason", The Lmv in Philosophical Perspecfives, p. 183.
70. Frederick Schauer, Playing by fhe Rules .... , p. 35.
71. Aleksander Peczenik, "The passion for reason", The Law in Philosophical
Perspecfives, p. 181.
72. Frederick Schauer, Playing by fhe Rules .... , pp. 47 e 59.
80 TEORIA DOS PRINCíPIOS

o que importa é que a questão crucial, ao invés de ser a definição


dos elementos descritos pela hipótese normativa, é saber quais os casos
em que o aplicador pode recorrer à razão justificativa da regra (rule s
purpose), de modo a entender os elementos constantes da hipótese como
meros indicadores para a decisão a ser tomada, e quais os casos em que
ele deve manter-se fiel aos elementos descritos na hipótese normativa,
de maneira a compreendê-los como sendo a própria razão para a toma-
da de decisão, independentemente da existência de razões contrárias.
Ora, essa decisão depende da ponderação entre as razões que justificam
a obediência incondicional à regra, como razões ligadas à segurança
jurídica e à previsibilidade do Direito, e as razões que justificam seu
abandono em favor da investigação dos fundamentos mais ou menos
distantes da própria regra. Essa decisão - eis a questão - depende de uma
ponderação. Somente mediante a ponderação de razões pode-se decidir
se o aplicador deve abandonar os elementos da hipótese de incidência
da regra em busca do seu fundamento, nos casos em que existe uma
discrepância entre eles.73
Em quarto lugar, a atividade de ponderação de regras verifica-se
na decisão a respeito da aplicabilidade de um precedente judicial ao
caso objeto de exame. Como afirma Summers, os precedentes não são
autodefiníveis (self-defining) nem autoaplicáveis (self-applying).74 Isso
significa que o afastamento de uma nova decisão dos precedentes já con-
solidados depende de uma ponderação de razões.
Em quinto lugar, a atividade de ponderação de regras verifica-se
na utilização de formas argumentativas como analogia e argumentum e
contrario, cada qual suportada por um conjunto diferente de razões que
devem ser sopesadas.75
Todas essas considerações demonstram que a atividade de pon-
deração de razões não é privativa da aplicação dos princípios, mas é
qualidade geral de qualquer aplicação de normas.76 Não é correto, pois,
afirmar que os princípios, em contraposição às regras, são carecedores

73. Frederick Schauer, Playing by the Rules .... , pp. 94 e ss.


74. Robert Summers, "Two types of substantive reasons: ...", The Jurispruden-
ce of Law 50 Form and Substance (Collected Essays in Law), pp. 155-236 (231);
Robert Alexy, "Rechtsrege1n und Rechtsprinzipien", Archives Rechts und Sozialphi-
losophie, Separata 25/28.
75. Aleksander Peczenik, "The passion for reason", The Law in Philosophical
Perspectives, p. 181.
76. Aleksander Peczenik, On Lmv and Reason, p. 80.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 81

de ponderação (abwagungsbedürftig). A ponderação diz respeito tanto


aos princípios quanto às regras, na medida em que qualquer norma pos-
sui um caráter provisório que poderá ser ultrapassado por razões havidas
como mais relevantes pelo aplicador diante do caso concreto.77 O tipo de
ponderação é que é diverso.
Nesse aspecto, é preciso ressaltar que o termo "ponderação" ad-
mite mais de uma acepção. Ele é utilizado, neste trabalho, em sentido
amplo, como sopesamento entre razões e contrarrazões (vide, acima, no
item 2.3.3.2). Por isso que se afirma que a ponderação não é método
privativo de aplicação dos princípios, mas critério de aplicação de qual-
quer norma, tendo em vista o caráter argumentativo do próprio Direito,
como bem demonstra MacCormick.78 Assim, as regras exigem, para a
sua aplicação, um processo discursivo de entrechoque de razões, quer
para a atribuição do sentido da sua hipótese, quer para a definição do
seu âmbito de aplicação, tanto na relação das regras entre si, quanto na
relação entre uma regra e suas exceções em razão do caráter extraordi-
nário do caso. Os princípios também requerem, para a sua aplicação, um
processo discursivo de valoração de razões, seja para a delimitação dos
bens jurídicos que compõem o estado ideal a ser promovido, seja para
a definição do seu âmbito de aplicação frente a outros princípios, seja,
ainda, para a definição dos comportamentos necessários à promoção do
fim que estatuem. Embora tanto as regras quanto os princípios exijam
esse processo discursivo de sopesamento de razões, o tipo de argumen-
tação e de justificação exigidos para a sua aplicação não é o mesmo. Isso
é decisivo, especialmente para afastar a concepção de que essas espécies
normativas se igualam totalmente apenas porque requerem semelhan-
te processo argumentativo para sua aplicação. O processo argumento
e justificativo, como ficará mais claro abaixo (item 2.4.2.2), é diverso,
devendo o intérprete, no caso das regras, avaliar a correspondência con-
ceituai da norma com a construção conceitual dos fatos, com base na
finalidade da regra e dentro de um âmbito de normalidade aplicativa, e,
no caso dos princípios, avaliar a correlação entre o estado de coisas a ser
promovido e os comportamentos necessários à sua promoção. O essen-
cial, de tudo quanto se acaba de afirmar, é o seguinte: dizer que tanto as
regras quanto os princípios exigem um processo discursivo e argumen-

77. Idem, p. 81.


78. Nei1 MacConnick, Rheloric and lhe Rufe of Law, Oxford, OUP, 2005, pp.
14 e43.
82 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

tativo de sopesamento de razões não é igual a afirmar que as regras e os


princípios se submetem ao mesmo processo discursivo e argumentativo
de sopesamento de razões. Nesse ponto, ressalta-se novamente um pon-
to que, ao longo da obra, é objeto de insistência: o tipo de ponderação e
de justificação é distinto na aplicação as regras e dos princípios, como
será adiante demonstrado.
Também não é coerente afirmar que somente os princípios possuem
uma dimensão de peso. Em primeiro lugar, há incorreção quando se en-
fatiza que somente os princípios possuem uma dimensão de peso. Como
demonstram os exemplos antes trazidos, a aplicação das regras exige o
sopesamento de razões, cuja importância será atribuída (ou coerente-
mente intensificada) pelo aplicador. A dimensão axiológica não é priva-
tiva dos princípios, mas elemento integrante de qualquer norma jurídica,
como comprovam os métodos de aplicação que relacionam, ampliam ou
restringem o sentido das regras em função dos valores e fins que elas vi-
sam a resguardar. As interpretações, extensiva e restritiva, são exemplos
disso.79
Em segundo lugar, há incorreção quando se enfatiza que os prin-
cípios possuem uma dimensão de peso. A dimensão de peso não é algo
que já esteja incorporado a um tipo de norma. As normas não regulam
sua própria aplicação. Não são, pois, os princípios que possuem uma
dimensão de peso: às razões e aos fins aos quais eles fazem referência
é que deve ser atribuida uma dimensão de importância. A maioria dos
princípios nada diz sobre o peso das razões. É a decisão que atribui aos
princípios um peso em função das circunstâncias do caso concreto. A
citada dimensão de peso (dimension of weight) não é, então, atributo
abstrato dos princípios, mas qualidade das razões e dos fins a que eles
fazem referência, cuja importância concreta é atribuída pelo aplicador.
Vale dizer, a dimensão de peso não é um atributo empírico dos princí-
pios, justificador de uma diferença lógica relativamente às regras, mas
resultado dejuizo valorativo do aplicador.80
Dois exemplos talvez possam demonstrar que é o aplicador, diante
do caso a ser examinado, que atribui uma dimensão de peso a determi-
nados elementos, em detrimento de outros. O Supremo Tribunal Federal
analisou hipótese em que o Poder Executivo, depois de prometer, por

79. Klaus Günther, Der Sinn fii,. Angemessenheif .... , p. 272; Claus-Wilhelm
Canaris, Die Festste/lung von Liicken im Gesetz, 1982.
80. Jaap C. Hage, Reasoning lVit!JRufes .... , p. 116.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 83

decreto, baixar a alíquota do imposto de importação, decidiu, simples-


mente, majorá-la. Os contribuintes que haviam contratado, com base na
promessa de redução da alíquota, insurgiram-se contra o desembaraço
das mercadorias com a aplicação da alíquota majorada, sob o fundamen-
to de que teria sido violado o princípio da segurança jurídica. A questão
posta perante o Tribunal poderia ser resolvida de dois modos: primeiro,
com a atribuição de maior importância ao princípio da segurança jurí-
dica, para garantir a confiança do cidadão nos atos do Poder Público
e, por consequência, vedar a aplicação de alíquotas mais gravosas para
aqueles contribuintes que haviam celebrado contratos na expectativa de
que a promessa fosse cumprida; segundo, com a atribuição de impor-
tância apenas ao fato gerador do imposto de importação, que ocorre no
momento do desembaraço da mercadoria, em razão do quê, tendo sido a
alíquota, dentro das atribuições do Poder Executivo, majorada antes da
data da ocorrência do fato gerador, não teria havido qualquer violação
ao ato jurídico perfeito. O Tribunal adotou a segunda hipótese de solu-
ção.SI Mas o que isso significa para a questão ora discutida? Significa
que a dimensão de peso desse ou daquele elemento não está previamente
decidida pela estrutura normativa, mas é atribuída pelo aplicador diante
do caso concreto. Fosse a dimensão de peso um atributo empírico dos
princípios, o caso ora examinado deveria ter sido necessariamente so-
lucionado com base no princípio da segurança jurídica e na garantia de
proteção ao ato jurídico perfeito - e não foi. Isso porque não são as nor-
mas jurídicas que determinam, em absoluto, quais são os elementos que
deverão ser privilegiados em detrimento de outros, mas os aplicadores,
diante do caso concreto.
O Supremo Tribunal Federal analisou o caso de lei tributária, que,
segundo a norma constitucional, deveria ter sido publicada até o final do
exercício, mas cujo Diário Oficial que a continha foi posto à disposição
do público na noite do dia 31 de dezembro, tendo a remessa dos exem-
plares aos assinantes só se efetivado no dia 2 de janeiro. Os contribuintes
insurgiram-se contra a medida, alegando violação ao chamado princípio
da anterioridade, em virtude de a norma constitucional exigir a publica-
ção da lei até o final do exercício como forma de garantir a previsibilida-
de dos atos estatais. À primeira vista, o caso deveria ser decidido com a
atribuição de importância ao princípio da anterioridade, nos seus dois as-

81. STF, 1ª Turma, RE 216.541-7-PR, reI. Min. Sepúlveda Pertence,j. 7.4.1998,


DJU 15.5.1998, p. 60.
84 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

pectos: garantia de previsibilidade e exigência de publicação da nova lei


antes do final do exercício. O Tribunal, no entanto, em vez de focalizar
o valor previsibilidade ou, mesmo, a exigência de publicação da nova
lei antes do final do exercício, laborou uma dissociação, inexistente no
conteúdo preliminar de significado do dispositivo em análise, entre pu-
blicação e distribuição. Entendeu que o fato de não haver circulado an-
tes do final do exercício não impedia - eis o paradoxo - o conhecimento
do conteúdo da lei, em virtude de o Diário Oficial estar à disposição
do contribuinte já antes do final do exercício.82 Mas o que isso signi-
fica para a questão ora discutida? Significa, repetindo, que a dimensão
de peso desse ou daquele elemento não está previamente decidida pela
estrutura nonnativa, mas é atribuída pelo aplicador diante do caso con-
creto. Fosse a dimensão de peso um atributo empírico dos príncípios, o
caso ora examinado deveria ter sido necessariamente solucionado com
base no que a doutrina chama de princípio da anterioridade ou com base
na regra segundo a qual a publicação da nova lei deve ser feita antes do
final do exercício em que o tributo passa a ser exigido. Isso, no entanto,
não ocorreu. De novo: não são as normas jurídicas que determinam, em
absoluto, quais são os elementos que deverão ser privilegiados em detri-
mento de outros, mas os aplicadores, diante do caso concreto.
Enfim, os exemplos aqui mencionados demonstram que o mero
qualificativo de princípio pela doutrina ou pela jurisprudência não im-
plica uma consideração de peso no sentido da compreensão de deter-
minada prescrição como valor a ser objeto de ponderação com outros.
O Poder Judiciário pode desprezar os limites textuais ou restringir o sen-
tido usual de um dispositivo. Pode fazer dissociações de significado até
então desconhecidas. A conexão entre a norma e o valor que preliminar-
mente lhe é sobrejacente não depende da norma enquanto tal ou de ca-
racterísticas diretamente encontráveis no dispositivo a partir do qual ela
é construída, como estrutura hipotética. Essa conexão depende tanto das
razões utilizadas pelo aplicador em relação à norma que aplica, quanto
das circunstâncias avaliadas no próprio processo de aplicação. Enfim, a
dimensão de peso não é relativa à norma, mas relativa ao aplicador e ao
caso. Além disso, a atribuição de peso depende do ponto de vista esco-
lhido pelo observador, podendo, em função dos fatos e da perspectiva
com que se os analisa, uma norma ter maior ou menor peso, ou mesmo

82. STF, lª Tunna, AgRg no AI 282.522-MG, reI. Min. Moreira Alves, j.


26.6.200 I, DJU 31.8.200 I, p. 38.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 85

peso nenhum para a decisão. Como acertadamente afirma Hage, lVeight


is case-related.83 A consideração ou não de circunstâncias específicas
não está predeterminada pela estrutura da norma, mas depende do liSO
que dela se faz. 84
Relacionada à caracterização dos princípios em razão da sua di-
mensão de peso está sua definição como deveres de otimização. Eles
seriam considerados dessa maneira porque seu conteúdo deve ser apli-
cado na máxima medida.85 Mas nem sempre é assim. Para demonstrá-lo
é preciso verificar quais as espécies de colisão existentes entre os princí-
pios. Eles não se relacionam de uma só maneira. Os princípios estipulam
fins a serem perseguidos, sem determinar, de antemão, quais os meios
a serem escolhidos. No caso de entrecruzamento entre dois princípios,
várias hipóteses podem ocorrer.
A primeira delas diz respeito ao fato de que a realização do fim
instituído por um princípio sempre leve à realização do fim estipula-
do pelo outro. Isso ocorre no caso de princípios interdependentes. Por
exemplo, o princípio da segurança jurídica estabelece a estabilidade
como estado ideal de coisas a ser promovido, e o princípio do Estado
de Direito também alça a estabilidade como fim a ser perseguido. Nessa
hipótese não há limitação recíproca entre princípios, mas reforço entre
eles. Mas, quando a realização do fim instituído por um princípio sem-
pre levar à realização do fim estipulado por outro, não há o dever de rea-
lização na máxima medida, mas o de realização estritamente necessária
à implementação do fim instituído pelo outro princípio, vale dizer, na
medida necessária.
A segunda hipótese versa sobre a possibilidade de que a realização
do fim instituído por um princípio exclua a realização do fim estipulado
pelo outro. Isso ocorre no caso de princípios que apontam para finalida-
des alternativamente excludentes. Por exemplo, enquanto o princípio da
liberdade de informação permite a publicação de notícias a respeito das
pessoas, o princípio da proteção da esfera privada proíbe a publicação de
matérias que digam respeito à intimidade das pessoas. Isso significa que,
quando a realização do fim instituído por um princípio excluir a realiza-
ção do fim estipulado pelo outro, não se verificam as citadas limitação e

83. Jaap C. Hage, Reasoning lVith Rufes .... , pp. 34 e 116.


84. Klaus Günther, Der Sinnfiir Angemessenheit .... , p. 273.
85. Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts und
Soziafphifosophie, Separata 25/19: "moglichst hohen Masse realisiert wird".
86 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

complementação recíproca de sentido. Os dois devem ser aplicados na


integralidade de seu sentido. A colisão, entretanto, só pode ser solucio-
nada com a rejeição de um deles.86 Essa situação é semelhante, portanto,
ao caso de colisão entre regras.
A terceira hipótese concerne ao fato de que a realização do fim ins-
tituído por um princípio leve apenas à realização de parte do fim estipu-
lado pelo outro. Isso ocorre no caso de princípios parcialmente imbri-
cados. Nesse caso ocorrem limitação e complementação recíprocas de
sentido na parte objeto de imbricamento.
E a quarta hipótese refere-se à possibilidade de que a realização do
fim instituído por um princípio não interfira na realização do fim esti-
pulado pelo outro.87 Essa hipótese se verifica no caso de princípios que
determinam a promoção de fins indiferentes entre si.
Essas ponderações têm por finalidade demonstrar que a diferença
entre princípios e regras não está no fato de que as regras devam ser
aplicadas no todo e os princípios só na medida máxima. Ambas as es-
pécies de normas devem ser aplicadas de tal modo que seu conteúdo de
dever-ser seja realizado totalmente. Tanto as regras quanto os princípios
possuem o mesmo conteúdo de dever-ser.88 A única distinção é quanto à
determinação da prescrição de conduta que resulta da sua interpretação:
os princípios não determinam diretamente (por isso prima-Jacie) a con-
duta a ser seguida, apenas estabelecem fins normativamente relevantes,
cuja concretização depende mais intensamente de um ato institucional
de aplicação que deverá encontrar o comportamento necessário à pro-
moção do fim; as regras dependem de modo menos intenso de um ato
institucional de aplicação nos casos normais, pois o comportamento já
está previsto frontalmente pela norma.
É preciso, ainda, lembrar que os princípios, eles próprios, não são
mandados de otimização. Com efeito, como lembra Aarnio, o manda-
do consiste numa proposição normativa sobre os princípios, e, como
tal, atua como uma regra (norma hipotético-condicional): será ou não
cumprido. Um mandado de otimização não pode ser aplicado mais ali
menos. Ou se otimiza, ou não se otimiza. O mandado de otimização diz
respeito, portanto, ao uso de um princípio: o conteúdo de um princípio

86. Ulrich Pensky, "Rechtsgrunsatze und Rechtsregeln", Jllris/en Zei/llng


3/1 09.
87. Idem, ibidem.
88. Idem, p. 110.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 87

deve ser otimizado no procedimento de ponderação.89 O próprio Alexy


passou a aceitar a distinção entre comandos para otimizar e comandos
para serem otimizados.90
O ponto decisivo não é, portanto, a falta de ponderação na aplicação
das regras, mas o tipo de ponderação que é feita e o modo como ela de-
verá ser validamente fundamentada - o que é algo diverso.
Após examinar, criticamente, as concepções dominantes acerca da
definição de princípios, pode-se, com base em outros elementos, propor
uma definição. É o que se passa a fazer.

2.4 Proposta de dissociação entre princípios e regras

2.4.1 Fundamentos

2.4.1.1 Dissociação justificante

Os princípios remetem o intérprete a valores e a diferentes modos


de promover resultados. Costuma-se afirmar que os valores dependem
de uma avaliação eminentemente subjetiva. Envolvem um problema de
gosto (malter oftaste). Alguns sujeitos aceitam um valor que outros re-
jeitam. Uns qualificam como prioritário um valor que outros reputam
supérfluo. Enfim, os valores, porque dependem de apreciação subjeti-
va, seriam ateoréticos, sem valor de verdade, sem significação objetiva.
Como complementa Georg Henrik von Wright, o entendimento de que
os valores dependem de apreciação subjetiva deve ser levado a sério.91
Mas disso - e aqui começa nosso trabalho - não decorrem nem a im-
possibilidade de encontrar comportamentos que sejam obrigatórios em
decorrência da positivação de valores, nem a incapacidade de distinguir
entre a aplicação racional e a utilização irracional desses valores.
Sobre essa questão, vem à tona o modo como os princípios são
investigados. E, nessa matéria, é fácil encontrar dois modos opostos de
investigação dos princípios juridicos. De um lado, podem-se analisar
os princípios de modo a exaltar os valores por eles protegidos, sem, no

89. Aulis Aarnio, Reason and AlIthority ..., p. 181.


90. Robert Alexy, "My philosophy of law: the institutionalization of reason",
The Law in Philosophical Perspectives, p. 39, e "On the structure of legal princi-
pIes", Ratio JlIris 131300.
91. Georg Henrik von Wright, "Sein und Sollen", Normen. Werte IInd Hand-
IlIngen, p. 36.
88 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

entanto, examinar quais são os comportamentos indispensáveis à reali-


zação desses valores e quais são os instrumentos metódicos essenciais
à fundamentação controlável da sua aplicação. Nessa hipótese privile-
gia-se a proclamação da importância dos princípios, qualificando-os
como alicerces ou pilares do ordenamento jurídico. Mais do que isso,
pouco.
De outro lado, pode-se investigar os princípios de maneira a privi-
legiar o exame da sua estrutura, especialmente para nela encontrar um
procedimento racional de fundamentação que permita tanto especificar
as condutas necessárias à realização dos valores por eles prestigiados
quanto justificar e controlar sua aplicação mediante reconstrução racio-
nal dos enunciados doutrinários e das decisões judiciais. Nessa hipótese
prioriza-se o caráter justificativo dos princípios e seu uso racionalmente
controlado. A questão crucial deixa de ser a verificação dos valores em
jogo, para se constituir na legitimação de critérios que permitam aplicar
racionalmente esses mesmos valores.92 Esse é, precisamente, o caminho
perseguido por este estudo.

2.4. 1.2 Dissociação abstrata

A distinção entre categorias normativas, especialmente entre prin-


cípios e regras, tem duas finalidades fundamentais. Em primeiro lugar,
visa a antecipar características das espécies normativas de modo que o
intérprete ou o aplicador, encontrando-as, possa ter facilitado seu pro-
cesso de interpretação e aplicação do Direito. Em consequência disso,
a referida distinção busca, em segundo lugar, aliviar, estruturando-o, o
ônus de argumentação do aplicador do Direito, na medida em que a uma
qualificação das espécies normativas permite minorar - eliminar, jamais
- a necessidade de fundamentação, pelo menos indicando o que deve ser
justificado.93
Claro está que qualquer classificação das espécies normativas será
inadequada se não fornecer critérios minimamente seguros de antecipa-
ção das características normativas, nem minorar a sobrecarga argumen-
tativa que pesa sobre o aplicador.

92. Aulis Aamio, Denkweisen der RechtslVissensc17ajt, p. 158.


93. Sobre a "função de descarga" (Enf/asfllngsjimkfion) da Dogmática, v. Ro-
bert Alexy, Theorie der jllrisfischen Argllmenfafion, 2ª ed., p. 329.
160 TEORIA DOS PRINCíPIOS

precisa ficar claro. Quando a Constituição contém um dispositivo que


privilegia o caráter descritivo da conduta, ou a definição de um âmbito
de poder, há, nesse contexto e nesse aspecto, a instituição de uma regra
que não pode ser simplesmente desprezada pelo legislador, ainda que
haja internamente alguma margem de indeterminação para a definição
do seu sentido. Assim, se a Constituição estabelece regras que proíbem
a utilização de prova ilícita ou garantem a presunção de inocência, não
cabe ao intérprete desconsiderar essa rigidez e flexibilizar o comando
normativo como se ele fora um conselho descartável ou afastável diante
de outros elementos.182 Quando a Constituição contém um dispositivo
que privilegia um estado de coisas a ser promovido, há, nesse contexto
e nesse aspecto, a instituição de um princípio que exige do aplicador um
exame de correlação entre esse estado e os comportamentos que devem
ser adotados para a sua promoção. Esses comportamentos - insista-se
nisto - devem ser adotados pelos particulares ou pelo Estado, não caben-
do ao intérprete desconsiderá-los como se o princípio, em vez de uma
norma, fosse uma simples opinião desprovida de normatividade. Aqui
o ponto essencial: as normas - quer princípios, quer regras - estatuem
prescrições gerais e, como tais, devem ser interpretadas, não podendo o
aplicador relativizar esse aspecto constritor e heterolimitador. O simples
fato de a aplicação de qualquer norma - seja um princípio, seja uma re-
gra - depender de conexões valorativas entremostradas no ordenamento
jurídico e requerer um processo discursivo e argumentativo de avalia-
ção de razões e contrarrazões para a determinação do seu conteúdo não
quer dizer que o intérprete possa desprezar o modo como a Constituição
escolheu normatizar a conduta humana - se por meio da estatuição de
uma regra ou de um princípio. Assim, quando estatui regras ou determi-
nados princípios, como aqueles que preveem condições estruturais do
exercício do poder ou parâmetros permanentes de aplicação, não cabe
ao intérprete relativizar esses comandos em nome da ponderação (no
sentido estrito de afastabilidade mediante priorização concreta), como
se os princípios fossem normas descartáveis e, por isso, desprovidas de
normatividade. Cabe-lhe, em vez disso, coerentemente respeitar a nor-
matividade escolhida pela Constituição. Daí a razão da afirmação, feita
acima (item 2.4.3), no sentido de que os princípios não são apenas valo-
res cuja realização fica na dependência de meras preferências pessoais,

182. Incorporando a qualificação da presunção de inocência como regra, ver


a decisão sobre a denominada "lei da ficha limpa", STF, Tribunal Pleno, ADC 29,
reI. Min. Luiz Fux, DJe 29.6.2012, especialmente o voto do Min. Luiz Fux, p. 15.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 159

tanto, tem sofrido forte evolução doutrinária no exterior. Essa evolução


é perceptível na própria obra dos seus originais defensores: a obra de
Dworkin, a partir de seu trabalho seminal sobre princípios, deixa de fo-
car na distinção entre princípios e regras, e mantém a distinção unica-
mente para realçar a existência de diferentes critérios interpretativos no
Direito; 179 a obra de Alexy sofre uma série de aperfeiçoamentos, tanto na
própria definição de princípios como mandamentos a serem otimizados,
em vez de mandamentos de otimização, quanto na eficácia mesma dos
princípios, ultimamente referidos como "dever ser ideal", também com
eficácia não estritamente prima facie.18o A mencionada evolução tam-
bém é vislumbrada na obra dos vários críticos da distinção entre prin-
cípios e regras baseada nos modos de aplicação e de colisão.181 É no
mínimo curioso, para dizer pouco, que boa parte da doutrina nacional
ainda continue defendendo argumentos já abandonados, até mesmo por
seus próprios autores.
As considerações antes feitas são de extrema valia, de outro lado,
porque permitem reavaliar a concepção de que todos os princípios po-
dem ser relativizados em razão de princípios contrários. Essa tarefa cres-
ce ainda mais em importância no momento atual, em que tudo parece
ser digno de relativização, especialmente aquilo que é fundamental, e
por isso mesmo inafastável, para determinada concepção de Direito e
de Estado.
Nesse aspecto, é preciso insistir num ponto de extrema importân-
cia: embora as regras e os princípios careçam de um sopesamento de
razões para a sua aplicação, eles não se submetem ao mesmo proces-
so discursivo, argumentativo e justificativo para a sua aplicação. Isso

179. Ronald Dworkin, "A reply to Raz", in Ronald DIVorkin and Contempora-
ryJlIrisprlldence, Marshall Cohen (org.), Totowa, Rowman andAllanheld, 1983, pp.
26 I-262. Joseph Raz, "Legal PrincipIes and the Limits ofLaw", in idem, pp. 73 e ss.
180. Robert Alexy, "Ideales Sollen", in Grundrechle, Prinzipienllnd Argllmen-
talion, Laura Clérico/Jean-Reinard Sieckmann (orgs.), Baden-Baden, Nomos, 2009,
pp. 21 e ss.
181. Ralf Poscher, "Einsichten, Irrtümer und Selbstmissverstandnis der Prin-
zipientheorie", in Jan Sieckmann (org.), Die Prinzipientheorie der Grllndrechle,
Baden-Baden, Nomos, 2007, pp. 59 e ss. Idem, "Theorie eines Phantoms - Die er-
folglose Suche der Prinzipientheorie nach ihrem Gegenstand", in RechtsIVissens-
chaft. Zeitschriftfiir rechtsIVissenschaftliche Forschllng, Baden-Baden, Nomos, n. 4,
20 I O, pp. 349-72. Matthias Jestaedt, "Di e Abwagungslehre - ihre Starken und ihre
Schwachen", in Otto Depenhauer et alii (orgs.), Slaat im Wort - FS fiir Jose! Isensee,
Heidelberg, C. F. Müller, 2007, pp. 253-275.
158 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

meras razões ou simples argumentos afastáveis, mas também estruturas


e condições inafastáveis.
É por todas essas razões que este trabalho muda o foco da distinção,
que deixa de sero conflito, e passaa ser ajustificação. Em vezdo modo de
apl icação e de confl ito, os critérios de diferenciação entre as espécies nor-
mativas passam a ser os seguintes: natureza da descrição normativa (as
regras descrevem condutas não perm itidas, obrigatórias ou perm itidas, e os
princípios estados ideais a serem promovidos ou conservados); nature-
za dajustijicação (as regras exigem um exame de correspondência con-
ceitual, centrado na sua finalidade subjacente, entre a descrição norma-
tiva e os atos praticados ou fatos ocorridos, e os princípios exigem uma
avaliação da correlação positiva entre os efeitos da conduta adotada e
o estado de coisas que deve ser promovido); natureza da contribuição
para a decisão (as regras têm pretensão de decidibilidade, pois visam a
dar uma solução provisória para um problema conhecido, e os princí-
pios pretensão de complementaridade, pois servem de razões a serem
conjugadas com outras para a solução de um problema). Reitere-se: o
ponto central da distinção entre as espécies normativas deixa de ser o
conflito e a força normativa nele exteriorizada, e passa a ser a justifica-
ção e os elementos a serem considerados.
A alteração dos critérios de distinção provoca também uma alte-
ração da própria definição dos princípios. Enquanto a diferenciação
baseada no conflito e na força normativa conduz à definição de princí-
pios como normas carecedoras de ponderação, com eficácia provisória,
a distinção calcada na justificação leva à caracterização dos princípios
como normas prescritivas de fins a serem atingidos e que servem de
fundamento para a aplicação de outras. Os princípios deixam de ser ca-
racterizados como normas carecedoras de ponderação e passam a ser
qualificados como normas fundamentais e genéricas que demandam
complementação por outras normas, quer em nível horizontal, quer em
nível vertical. A capacidade de afastamento é elemento meramente con-
tingente, não necessário dos princípios. Eis o ponto.
As considerações anteriores são da mais alta importância. De um
lado, porque a teoria dos princípios, tal como inicialmente concebida
nas obras de Dworkin e Alexy, foi recebida, com raras exceções, de ma-
neira acrÍtica no Brasil, especialmente mediante a incorporação, sem
mais, dos critérios de distinção entre princípios e regras baseados nos
modos de aplicação e de colisão. A investigação desses critérios, no en-
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 157

que atribuem fundamento axiológico a outras normas, indiretamente


atribuindo a própria fisionomia axiológica do sistema jurídico. Dizer
que uma norma é uma norma-princípio significava dizer que era uma
norma inafastável. Na interpretação que Ritter faz da obra de Aristóteles,
o termo grego arehé tinha o seguinte significado: "Arehé é, no que se re-
fere ao caminho, o início; à casa, a fundação; ao barco, o leme; à prova,
a hipótese; ao filho, o pai; à sociedade, o poder". 178
As propriedades dos princípios, nesse conceito original, que não
pode ser aqui detalhado, diziam respeito à sua posição no sístema ou
ao seu conteúdo. Elas não diziam respeito ao modo como os princípios
atuam no conflito com outras normas, nem mesmo faziam referência
direta ao seu peso, maior ou menor, diante de outros princípios.
A definição de princípios como normas carecedoras de ponderação
ou às quais deve ser atribuída uma dimensão de peso, maior ou menor, é
que introduz um elemento novo, inexistente na distinção original: a afas-
tabilidade dos princípios em razão de princípios colidentes. Os princí-
pios, antes indefectíveis, passam a ser defectíveis; aquelas normas, antes
caracterizadas metaforicamente como "fundamentos" ou "bases" do or-
denamento jurídico e da atuação estatal, passam a poder ser descartadas
quando há "razões contrárias mais significativas".
Todas as considerações anteriores visam a demonstrar que a ho-
mogeneidade conceitual mínima não pode esconder a heterogeneidade
eficacial dos princípios constitucionais - há princípios que se ombreiam
com outros, assim como a princípios que fundam e instrumentalizam a
eficácia de outros; há princípios cuja eficácia é graduável e móvel, assim
como há princípios cuja eficácia é estrutural e imóvel e que não podem
ter o seu afastamento compensado com a promoção de outro princípio.
Os princípios constitucionais não formam, portanto, uma massa homo-
gênea ou um bloco monolítico. Em outras palavras, o que distingue os
princípios não é a sua defectibilidade, mas a sua indeterminação estrutu-
ral: eles não enumeram exaustivamente os fatos em presença dos quais
produzem a consequência jurídica e demandam a concretização por ou-
tra norma, de modo diversos e alternativos. As capacidades de pondera-
ção e, por consequência, de restrição e de afastamento não são elementos
essenciais dos princípios jurídicos. Princípios não são necessariamente

178. Joachim Ritter, "Aristoteles und die Vorsokratiker", in Metaphysik IIlld

Po/itik, Frankfurt am Main, Suhrkamp, 2003, p. 54.


156 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Um conselho é aquilo que pode ser levado ou não em consideração


e mesmo que seja levado em consideração não necessariamente precisa
guiar o curso de ação adotado pelo destinatário, como afirma Raz.175
Quando se afirma que um princípio é uma norma carecedora de ponde-
ração, e no conceito de ponderação se inclui a possibilidade de afasta-
mento completo por meio de regras concretas de prevalência, está-se,
sem perceber, defendendo que os princípios são normas que podem, ou
não, ser levadas em consideração e mesmo que sejam, não necessaria-
mente devem guiar o curso de ação do destinatário.
Um valor é algo que estabelece qual comportamento é mais aconse-
lhável ou mais atrativo conforme determinado sistema de valores, e cuja
aplicação demanda uma operação de prevalência diante de outros valo-
res contrapostos, como sustenta Habermas.176 Daí se dizer que os valores
são relativos, no sentido de dependerem de possibilidades valorativas e
contextuais. Quando se afirma que um princípio é uma norma carecedo-
ra de ponderação, e no conceito de ponderação se inclui a possibilidade
de afastamento completo por meio de regras concretas de prevalência,
está-se, também sem se dar conta, sustentando que os princípios não são
normas que estabelecem aquilo que é permitido ou proibido e vinculam,
igualmente e sem exceção, os seus destinatários.
Com essas considerações se quer chamar a atenção para o fato de
que a definição de princípios como normas carecedoras de ponderação
pode conduzir - como de fato tem conduzido, e o Brasil é testemunha
disso - a um certo "relativismo axiológico": todos princípios podem ser
afastados, inclusive aqueles princípios reputados fundamentais, quer
pela doutrina, quer pelo ordenamento, justamente por veicularem valo-
res que não poderiam ser descartados. Tal noção esteriliza o caráter ju-
rídico-normativo que define os princípios como normas jurídicas, como
bem aponta Grau.l77
Lembre-se, a esse respeito, que os princípios eram inicialmente de-
finidos como normas fundamentais, assim entendidas aquelas normas

175. Joseph Raz, The Authority o/ LalV, 2ª ed., Oxford, OUP, 2009, pp. 13 e ss.
176. Jürgen Habennas, Faktizitat und Geltung, 4ª ed., Dannstadt, WB, 1994,
pp. 309 e ss. Rodolfo Arango, "Deontologische und teleologische Grundrechtskon-
zeptionen", in Grundrechte. Prinzipien und Argumentation, Laura Clérico/Jean-Rei-
nard Sieckmann (orgs.), Baden-Baden, Nomos, 2009, p. 68.
177. Eros Roberto Grau, "O perigoso artificio da ponderação entre princípios",
Sobre a Prestação Jurisdicional - Direito Penal, São Paulo, Malheiros Editores,
2010, p. 40.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 155

Pois bem, essas considerações conduzem ao entendimento de que


a "ponderabilidade", no sentido restrito de capacidade de afastamento,
não é elemento essencial, mas apenas contingente dos princípios. Há
princípios carecedores de ponderação como há princípios, digamos as-
sim, fechados a esse tipo ponderação.
Os princípios são, portanto, normas que atribuem fundamento a
outras normas, por indicarem fins a serem promovidos, sem, no entan-
to, preverem o meio para a sua realização. Eles apresentam, em razão
disso, alto grau de indeterminação, não no sentido de mera vagueza,
presente em qualquer norma, mas no sentido específico de não enume-
rarem exaustivamente os fatos em presença dos quais produzem a con-
sequência jurídica ou de demandarem a concretização por outra norma,
de modos diversos e altemativos.173 Desse modo, a defectitibilidade é
apenas um elemento contingente dos princípios, como sustenta Guasti-
ni.174 O seu elemento essencial é a indeterminação estrutural: princípios
são prescrições finalísticas com elevado grau de generalidade material,
sem consequências específicas previamente determinadas.
Logo se vê que a definição de princípio como norma carecedora de
ponderação, envolve, pois, uma hipostasiação dos princípios como nor-
mas cuja aplicação depende de regras de prevalência a serem instituídas
diante do caso concreto e em razão do seu peso. Há princípios, como os
princípios protetivos da liberdade e da propriedade, que se conformam a
essa definição, mas há outros princípios, como os princípios estruturan-
tes ou os princípios que estabelecem parâmetros de concretização, que
não se conformam a essa definição.
A redefinição dos princípios como normas que sobre prescrevem
fins, servem de fundamento normativo para o processo de concretização
normativa, como aqui sustentado, é importante porque exclui, da defi-
nição dos princípios, a sua possibilidade de restrição e de consequente
atàstamento. A inclusão da possibilidade de restrição e de afastamento
na definição de princípios, de um lado aproxima os princípios dos con-
selhos e dos valores e, de outro, retira-lhes o elemento da vinculação.

173. Sobre essa concepção, vide, na linha das anteriores, já citadas, as recentes
obras de Riccardo Guastini, Le Fonti dei Diriflo, Milão, Giuffre, 20 IO, p. 207. Idem,
Interpretare e argomentare, Milão, Giutlre, 2011, p. 180.
174. Riccardo Guastini, "I principi costituzionali in quanto fonte di perplessi-
tá", in Nuovi Studi Sul! 'Interpretazione, Roma, Aracnc, 2008, p. 125.
154 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

determinados modos de atuação e de manifestação, a sua observância


não é propriamente gradual, nem podem as suas exigências ser simples-
mente afastadas por razões contrárias.
Pois bem, em todos esses casos, constata-se que há normas que não
são aplicadas mediante ponderação, em sentido restrito como operação
de balanceamento entre princípios mediante a criação de regras con-
cretas de prevalência condicionada, e que não possuem eficácia prima
facie, assim qualificada a eficácia provisória, restringível ou afastáveI.
Não se pode dizer que essas normas seriam regras, pois, independente
do conceito de ponderação, elas não são aplicadas por meio de subsun-
ção, já que o modo como são aplicadas de modo algum se resume a
uma operação de correspondência conceitual ou de enquadramento de
uma classe de fatos numa classe mais ampla de fatos. Essas normas, em
outras palavras, são normas-princípio, apesar de não serem aplicadas
mediante ponderação, no sentido restrito de sopesamento que pode levar
ao seu afastamento. A sua eficácia não é, rigorosamente falando, prima
facie, no sentido de provisória, restringível ou afastáveI.
É precisamente aqui que entram em cena novas qualificações para
a força normativa de determinados princípios. A força normativa de al-
guns princípios pode ser melhor caracterizada como "condição estru-
tural", como defendeu Nozick, no sentido de orientar necessariamente
a organização e a atuação estatal, sem que possa ser afastada diante do
caso concreto.171 Os princípios do Estado de Direito, da separação dos
poderes, republicano e federativo, por exemplo, possuem essa força nor-
mativa, precisamente porque normatizam o modo e o âmbito da atuação
estatal, não podendo ser objeto de afastamento diante de princípios coli-
dentes, ainda que possam ser diferentemente conformados.
A força normativa de outros princípios pode ser melhor qualificada
como eficácia "pro tanto", no sentido de funcionar como uma parâmetro
de aplicação normativa que deve ser necessariamente considerado ou
servir de contraponto permanente, como sustentou Kagan.172 Os princí-
pios da capacidade contributiva e da igualdade, por exemplo, possuem
essa força normativa, justamente porque devem servir de critério de
aplicação normativa, sem que possam ser objeto de afastamento quando
aplicáveis.

171. Robert Nozick, Anarchy, State and Utopia, Oxford, Blackwell, 1975, pp.
30-32.
172. Shelly Kagan, The Limits of Mora/ity, Oxford, Clarendon, 1989, p. 17.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 153

Esses casos demonstram, em outras palavras, que o modo de apli-


cação dos princípios não é necessariamente a ponderação, nem é a pon-
deração o modo mais representativo da sua eficácia. Por isso se afirmou,
linhas acima, que os princípios podem apontar em várias direções, não
necessariamente conflitantes (item 2.4.2.3). Em outras palavras, em to-
das as situações antes mencionadas, os princípios não são aplicados me-
diante ponderação, no sentido restrito, nem a ponderação reflete o modo
característico de sua aplicação.
Tal constatação se deve ao fato de que os princípios, embora possam
ser igualados com relação a algumas propriedades, devem ser diferen-
ciados com referência a outras. Nem todos os princípios são aplicados
de maneira concorrente com outros e nem todos podem ser "calibrados"
de tal modo a receber um "peso" maior ou menor diante do caso concre-
to. Essa incapacidade de afastamento decorre da diferente natureza de
alguns princípios.
Os chamados princípios estruturantes, como os princípios federa-
tivo e da separação dos poderes, por exemplo, normatizam o modo e
o âmbito da atuação estatal. Como toda a atuação estatal, e não apenas
uma parte dela, em todas as situações, não apenas em uma parte delas,
deverá conformar-se ao seu conteúdo, eles não possuem uma eficácia
provisória, prima jacie, mas permanente, nem tem sua eficácia graduá-
velou afastável, mas linear e resistente. Eles sempre deverão ser obser-
vados, não podendo ser afastados por razões contrárias. O mesmo ocorre
com o princípio do devido processo legal, por exemplo: ele não pode ser
afastado, mas deve ser, ao contrário, sempre observado.169 E também
com o princípio da igualdade, que exige a relação entre dois sujeitos,
com base numa medida de comparação, para atingir determinada finali-
dade. Ele pressupõe a relação entre esses elementos, mas sua observân-
cia igualmente não é gradual, nem podem suas exigências relacionais ser
afastadas por razões contrárias. 170
Tal constatação decorre do fato de que esses princípios são de al-
gum modo instrumentais da atuação estatal, não sendo adequado referir-
-se a eles com a expressão "dimensão de peso". Como eles preveem uma
estrutura que organiza e ordena determinados elementos ou conforma

169. Humberto Á vila, "O que é devido processo legal?", Revista de Processo
163/58, São Paulo, Ed. RT, 2008.
170. Humberto Ávila, Teoria da Igualdade Tributária, 2ª ed., São Paulo, Ma-
lheiros Editores, 2009, p. 150.
152 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Em primeiro lugar, nem todos os princípios exercem a mesma fim-


ção: há princípios que prescrevem o âmbito e o modo da atuação estatal,
como os princípios republicano, federativo, democrático, do Estado de
Direito, e há princípios que conformam o conteúdo e osfins da atuação
estatal, como os princípios do Estado Social, da liberdade e da proprie-
dade. Se os princípios dizem respeito a diferentes aspectos da atuação
estatal, a relação entre eles não é de concorrência, mas de complementa-
ção. Metaforicamente eles não se "ombreiam" uns com os outros, mas se
"imbricam" em relações diversas de forma-conteúdo e gênero-espécie.
Não se pode, pois, falar em oposição ou em conflito, mas apenas em
complementaridade.
Em segundo lugar, nem todos os princípios se situam no mesmo
nivel: há princípios que se igualam por serem objeto de aplicação, mas
se diferenciam por se situarem numa relação de subordinação, como é o
caso dos sobreprincípios do Estado de Direito relativamente aos princí-
pios da separação dos poderes, da legalidade e da irretroatividade. Se um
princípio é uma norma de execução ou concretização de outra, a relação
entre elas não é de concorrência, mas de subordinação.
Em terceiro lugar, nem todos os princípios têm a mesma eficácia:
os princípios exercem várias funções eficaciais, como a interpretativa,
em que um princípio será interpretado de acordo com outro, a integra-
tiva, em que um princípio atuará diretamente suprindo lacuna legal, e
a bloqueadora, em que um princípio afastará uma norma legal com ele
incompatível. Nesses casos, também não se pode falar em conflito ho-
rizontal, mas apenas em vínculos de conformidade de um princípio em
relação a outro, ou em atuação direta de um princípio sem a interferência
de outro princípio.
Pois bem, em todas as situações anteriormente examinadas, os prin-
cípios não entram em colisão horizontal com outros e, também por isso,
não se submetem a uma ponderação que possa levar à sua restrição e
ao seu eventual afastamento. A sua restrição e o seu afastamento, pre-
cisamente porque a relação não é de conflito, nem de oposição, mas
de imbricamento, ficam prejudicados. Pode-se afirmar que o modo de
realização desses princípios, ou o modo de realização desses princípios
nessas situações, não é a ponderação, em sentido restrito, assim enten-
dida a operação mediante a qual é atribuída uma dimensão de peso aos
princípios que entram em conflito e são criadas regras de prevalência
entre eles diante do caso concreto.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 151

Desse modo, a questão crucial passa a ser a de descobrir se os prin-


cípios podem ser definidos como "normas carecedoras de ponderação".
Em outras palavras, é preciso perquirir se a ponderação é um elemento
essencial, definitório, dos princípios, de tal sorte que o uso da palavra
"princípio" conote, necessariamente, a propriedade da "defectibilidade"
no sentido restrito de "afastabilidade" por razões contrárias. Aceitar essa
propriedade é conceituar os princípios como normas derrotáveis, vencí-
veis ou afastáveis em razão de outra norma. Todos esses adjetivos po-
dem ser sintetizados na expressão "relativismo axiológico".
Tal ideia tem tomado conta da doutrina e da jurisprudência em
muitos países. Princípios tradicionais de vários ramos do Direito têm
sido flexibilizados em razão de outros princípios, ditos "maiores" ou
"mais importantes". No Direito Tributário, os princípios da legalida-
de e da capacidade contributiva têm sido flexibilizados em razão dos
chamados princípios da eficiência e do interesse público. No Direito
Penal, os, assim chamados, princípios da legalidade, da presunção da
inocência e da proibição de prova ilícita também têm sido relativizados
em favor de princípios relacionados ao interesse público em combater
os crimes. No Direito Processual, os princípios da ampla defesa e do
contraditório têm sido igualmente afastados em razão do denominado
princípio da celeridade processual. Em todos esses exemplos, que não
podem ser aqui detalhados, a justificação mais geral é a de que não há
princípios absolutos e que todos eles podem ceder em favor de outros
princípios considerados, diante do caso concreto, mais importantes ou
com peso maior.
Deixando de lado a questão de saber se são os princípios que são
realizados em vários graus ou se são os estados ideais de coisas que são
mais ou menos realizados, e também a questão de saber se são os prin-
cípios que são relativizados ou apenas a sua aplicação ou os elementos
da sua aplicação, sustenta-se, nesta obra, que a "defectibilidade" como
"afastabilidade" por razões contrárias não é elemento definitório, mas
apenas contingente dos princípios.
Para comprová-lo, é preciso examinar a relação que os princípios
mantêm entre si com a finalidade de demonstrar que nem todos os prin-
cípios são aplicados da mesma forma. A ponderação pressupõe a con-
corrência horizontal entre princípios, e nem todos os princípios mantêm
uma relação paralela entre si. Para demonstrá-lo basta atentar para a
diversidade dos princípios.
150 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

A esse respeito, convém recordar a tese sustentada nesta obra, para


novamente contrapô-la às teorias hoje predominantes, especialmente
de Dworkin e Alexy. Essas teorias diferenciam os princípios das regras
com base no modo de aplicação e no modo de colisão. Assim, enquanto
as regras seriam aplicadas mediante "subsunção", os princípios seriam
aplicados mediante "ponderação". A ponderação pode ter um sentido
amplo, de sopesamento de razões, internas ou externas, presente na in-
terpretação de qualquer tipo de norma, quer regra, quer princípio. Esse é
o conceito adotado neste trabalho (item 2.3.3.2). E pode ter um sentido
restrito, de operação de balanceamento entre os princípios, por meio da
qual se atribui uma dimensão de peso maior a um deles diante do caso
concreto. Esse é o conceito empregado, direta ou indiretamente, pelas
teorias acima referidas (item 2.2).

O critério de distinção entre regras e princípios, baseado no con-


ceito restrito de ponderação, conduz a um outro critério - o "modo de
colisão": quando duas regras entram em colisão, ou se abre uma exceção
que afasta o conflito, ou uma das duas regras deve ser declarada inváli-
da, ao passo que quando dois princípios entram em conflito, ambos man-
tém a sua validade, estabelecendo-se, porém, uma espécie de hierarquia
móvel e concreta entre eles.

A conjunção desses dois critérios de distinção entre regras e prin-


cípios conduz à qualificação dos princípios como "normas carecedoras
de ponderação". Em outras palavras, o que caracterizaria os princípios,
em contraposição às regras, segundo essas teorias, seria o modo como
eles seriam aplicados - "mediante ponderação". E a ponderação, no sen-
tido restrito adotado, é o balanceamento concreto entre princípios por
meio do qual eles são realizados em vários graus, inclusive no grau zero,
equivalente à sobreposição total de um princípio sobre outro, diante de
determinada situação particular. Desse modo, a ponderação conduz à
restrição, em maior ou menor medida, de um princípio em razão de ou-
tro, podendo levar, inclusive, ao afastamento total de um princípio em
favor de outro. A capacidade de ponderação implica, pois, a capacidade
de restrição e de afastamento de um princípio em razão de outro. Assim,
ser uma norma-princípio é ser uma norma que se caracteriza pela res-
tringibilidade e pela afastabilidade. Mais, ser uma norma-princípio é ser
uma norma que se caracteriza pela carência de confronto horizontal com
outras normas-princípio.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 149

dade dos princípios cotejados e o método utilizado para fundamentar


essa comparabilidade; (v) quais os fatos do caso que foram considerados
relevantes para a ponderação e com base em que critérios eles foram ju-
ridicamente avaliados.166 Sem a observância desses requisitos ou tàses,
a ponderação não passa de uma técnica, não jurídica, que explica tudo,
mas não orienta nada.167 E, nessa acepção, ela não representa nada mais
de que uma "caixa preta" legitimadora de um "decisionismo" e forma-
lizadora de um "intuicionismo moral".168 Esclareça-se que defender a
ponderação sem, ao mesmo tempo e de saída, apresentar os critérios
intersubjetivamente controláveis para sua aplicação, é legitimar doutri-
nariamente a sua utilização excessiva e arbitrária, de nada valendo a
constatação tardia do seu desvirtuamento.
As considerações precedentes demonstram, pois, que o problema
da aplicação do Direito não está apenas em analiticamente separar as
espécies normativas, mas em municiar o aplicador de critérios, intersub-
jetivamente aplicáveis, que possam tornar efetivos os comandos norma-
tivos sem a incorporação do arbítrio.

2.6 Aforça normativa dos princípios

Uma questão fundamental da Teoria do Direito concerne à força


normativa dos princípios. Ela diz respeito a saber se os princípios podem
ser definidos como normas "carecedoras de ponderação", no sentido res-
trito de normas que se submetem a um sopesamento diante do caso con-
creto, por meio do qual podem ser derrotadas por princípios colidentes.
Nessa perspectiva, afirma-se que os princípios possuem força prima fa-
cie, no sentido de irradiarem uma força provisória, dissipável em razão
de princípios contrários.
Este trabalho, embora admita que alguns princípios possuam força
normativa prima facie, sustenta que esse elemento não é definitório dos
princípios, isto é, não é uma propriedade necessariamente presente em
todos os tipos de princípios.

166 Matthias Jestaedt, HOie Abwagungs1ehre - ihre Starken und ihre


Schwachen", in Qtto Oepenhauer e outros (orgs.), Staat im Wort - Festschrifl fiir
Jose! lsensee, pp. 265 e 267.
167. RalfPoscher, Grundrechte aIs Abwehrrechte, pp. 75 e 76.
168. Matthias Jestaedt, HOie Abwagungs1ehre - ihre Stãrken und ihre
Schwachen", cit., pp. 265 e 267.
148 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

de princípios seria demasiado flexível, pela ausência de guias claros de


comportamento, ocasionando problemas de coordenação, conhecimen-
to, custos e controle de poder. E um sistema só de regras, aplicadas de
modo formalista, seria demasiado rígido, pela ausência de válvulas de
abertura para o amoldamento das soluções às particularidades dos casos
concretos. Com isso se quer apenas dizer que, a rigor, não se pode dizer
nem que os princípios são mais importantes do que as regras, nem que
as regras são mais necessárias que os princípios. Cada espécie normativa
desempenha funções diferentes e complementares, não se podendo se-
quer conceber uma sem a outra, e outra sem a uma. Tal observação é da
mais alta relevância, notadamente tendo em vista o fato de que a Consti-
tuição Brasileira é repleta de regras, especialmente de competência, cuja
finalidade é, precisamente, alocar e limitar o exercício do poder.
O modelo aqui defendido, mais do que separar as espécies nor-
mativas, visa a construir critérios intersubjetivamente controláveis para
a sua aplicação, dada a constatação de que não são os princípios e as
regras, em si mesmos, que definem uma boa ou má aplicação, mas os
critérios que vertem sobre eles e direcionam o seu adequado funcio-
namento. Nesse aspecto, fica claro que o modelo ora sustentado, no
caso das regras, não é nem um modelo formalista puro, que propugna
a obediência incondicional às regras, sempre que os fatos previstos na
sua hipótese ocorrerem, nem tampouco um modelo particularista puro,
em que elas funcionam apenas como conselhos que podem, ou não, ser
seguidos, conforme à valoração caprichosa do aplicador. Defende-se,
em vez disso, um modelo moderado e procedimentalizado, que valo-
riza a função e a importância das regras, sem, no entanto, afastar a sua
extraordinária superação.
No caso dos princípios, propugna-se por um modelo criterioso de
aplicação, no qual os princípios têm funções específicas que não afastam
pura e simplesmente as regras eventualmente aplicáveis. O essencial é
que, mesmo havendo ponderação, ela deverá indicar os princípios objeto
de ponderação (pré-ponderação), efetuar a ponderação (ponderação) e
fundamentar a ponderação feita. E, nessa fundamentação, deverão ser
justificados, dentre outros, os seguintes elementos: (i) a razão da utiliza-
ção de determinados princípios em detrimento de outros; (ii) os critérios
empregados para definir o peso e a prevalência de um princípio sobre
outro e a relação existente entre esses critérios; (iii) o procedimento e o
método que serviram de avaliação e comprovação do grau de promoção
de um princípio e o grau de restrição de outro; (iv) a comensurabili-
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 147

A superação de uma regra deverá ter, em primeiro lugar, umajusti-


ficativa condizente. Essa justificativa depende de dois fatores. Primeiro,
da demonstração de incompatibilidade entre a hipótese da regra e sua
finalidade subjacente. É preciso apontar a discrepância entre aquilo que
a hipótese da regra estabelece e o que sua finalidade exige. Segundo, da
demonstração de que o afastamento da regra não provocará expressiva
insegurança jurídica. Com efeito, as regras configuram meios utiliza-
dos pelo Poder Legislativo para eliminar ou reduzir a controvérsia, a
incerteza e a arbitrariedade e evitar problemas de coordenação, de deli-
beração e de conhecimento. Sendo assim, a superação das regras exige
a demonstração de que o modelo de generalização não será significati-
vamente afetado pelo aumento excessivo das controvérsias, da incerteza
e da arbitrariedade, nem pela grande falta de coordenação, pelos altos
custos de deliberação ou por graves problemas de conhecimento. Enfim,
a superação de uma regra condiciona-se à demonstração de que a justiça
individual não afeta substancialmente ajustiça geral.
Em segundo lugar, a superação de uma regra deverá ter uma funda-
mentação condizente: é preciso exteriorizar, de modo racional e trans-
parente, as razões que permitem a superação. Vale dizer, uma regra não
pode ser superada sem que as razões de sua superação sejam exteriori-
zadas e possam, com isso, ser controladas. A fundamentação deve ser
escrita, juridicamente fundamentada e logicamente estruturada.
Em terceiro lugar, a superação de uma regra deverá ter uma com-
provação condizente: não sendo necessárias, notórias nem presumi-
das, a ausência do aumento excessivo das controvérsias, da incerteza
e da arbitrariedade e a inexistência de problemas de coordenação, al-
tos custos de deliberação e graves problemas de conhecimento devem
ser comprovadas por meios de prova adequados, como documentos,
perícias ou estatísticas. A mera alegação não pode ser suficiente para
superar uma regra.
Depois de analisadas a estrutura e a eficácia dos princípios e das re-
gras, é preciso investigar o modo pelo qual eles são aplicados. Passemos,
pois, ao exame dos postulados normativos.

2.5 O convívio entre princípios e regras

omodelo ora apresentado demonstra que um sistema não pode


ser composto somente de princípios, ou só de regras. Um sistema só
146 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

constitucionais. A superação até envolve uma ponderação entre esses


princípios, mas uma ponderação diferente daquela existente no caso de
ponderação direta entre os princípios constitucionais colidentes. Isso
porque a superação de uma regra não se circunscreve à solução de um
caso, como ocorre na ponderação horizontal entre princípios mediante
a criação de regras concretas de colisão; mas exige a construção de uma
solução de um caso mediante a análise da sua repercussão para a maio-
ria dos casos. A decisão individualizante de superar uma regra deve
sempre levar em conta seu impacto para aplicação das regras em geral.
A superação de uma regra depende da aplicabilidade geral das regras
e do equilíbrio pretendido pelo sistema jurídico entre justiça geral e
justiça individual.

2.4.9.3.2.3 Requisitos procedimentais - As considerações anterio-


res demonstram que as regras, em geral (deixando-se de lado, aqui, a
questão atinente à existência de regras conceituais insuperáveis), podem
ser superadas, desde que presentes determinados requisitos. O modelo
ora proposto, além de condicionar a superação de regras ao preenchi-
mento de determinados requisitos de conteúdo, também condiciona a
superação à observância de requisitos de forma.
Como as regras têm caráter imediatamente descritivo de conduta ou
de atribuição de poder para a adoção de conduta, cabendo ao intérprete
aplicar a regra cujo conceito seja finalmente-correspondente ao conceito
dos fatos, sua eficácia de resistência horizontal é superior à dos princí-
pios. De fato, as regras têm uma eficácia decisiva que os princípios não
têm, na medida em que elas estabelecem uma decisão para um conflito
entre razões, não cabendo ao aplicador substituir pura e simplesmente a
ponderação legislativa pela sua. As regras têm uma eficácia definitória
dos princípios, no sentido de que vários dos ideais cuja realização é por
eles determinada já se encontram "regrados", não cabendo ao intérprete
concretizar o ideal constitucional de modo diferente daquele previsto
pela Constituição. E as regras têm eficácia de trincheira, pois, embora
geralmente superáveis, só o são por razões extraordinárias e mediante
um ônus de fundamentação maior.
Essa diferente eficácia leva a uma resistência maior das regras para
sua superação. E essa resistência maior conduz à necessidade de uma
fundamentação mais restritiva para permitir a superação das regras.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 145

zação do valor formal subjacente às regras (valor formal de segurança


jurídica). E o grau de promoção do valor segurança está relacionado à
possibilidade de reaparecimento frequente de situação similar. Conju-
gando esses fatores, pode-se afirmar que a resistência à superação de
uma regra será tanto maior quanto mais importante for a segurança ju-
rídica para sua interpretação. A segurança jurídica será tanto mais im-
portante, em primeíro lugar, quanto maior for o valor sobrejacente do
princípio da segurança para a interpretação da matéria veiculada pela
regra. Isso ocorre, por exemplo, nos setores do ordenamento jurídico em
que o princípio da segurança jurídica exerce papel primordial, como no
Direito Penal e no Direito Tributário. Nesses campos normativos a pa-
dronização é importante, devendo a rigidez ser tanto maior quanto maior
for a necessidade de generalização e quanto menos danosa for a decisão
individual para a implementação do princípio geral da igualdade. Em
segundo lugar, a segurança jurídica será tanto mais importante quanto
maior for a vinculação desse valor sobrejacente com o valor subjacente
à regra. Isso surge quando o princípio da segurança jurídica é importante
para o setor no qual a regra se insere e a finalidade subjacente à regra
está relacionada com a promoção da segurança.
Sendo assim, a resistência à superação será muito pequena naque-
les casos em que o alargamento ou a restrição da hipótese da regra em
razão da sua finalidade forem indiferentes ao valor segurança jurídica.
E será tanto maior quanto mais a superação comprometer a realização
do valor segurança jurídica. Isso porque as regras configuram meios
utilizados pelo Poder Legislativo para, de um lado, eliminar ou reduzir
a controvérsia, a incerteza e a arbitrariedade e, de outro, evitar proble-
mas de coordenação, de deliberação e de conhecimento existentes num
modelo particularístico de decisão. As regras são, portanto, instrumentos
de justiça geral. O grau de resistência da regra deverá ser tanto superior
quanto mais a tentativa de fazer justiça para um caso mediante superação
de uma regra afetar a promoção da justiça para a maior parte dos casos.
E o grau de resistência da regra deverá ser tanto inferior quanto menos a
tentativa de fazer justiça para um caso afetar a promoção da justiça para
a maior parte dos casos.
Os casos acima referidos revelam, ademais, que a superação de
uma regra não exige apenas a mera ponderação do princípío da se-
gurança jurídica com outro princípio constitucional específico, como
ocorre nos casos de ponderação horizontal e direta entre princípios
144 TEORIA DOS PRINCíPIOS

correntes; de outro, porque a ausência de preenchimento dos requisitos


legais deixaria de depender de qualquer demonstração de anormalidade
da situação. Isso significa, noutro giro, que a aceitação do caso indivi-
dual prejudicaria a implementação dos dois valores inerentes à regra,
ambos mutuamente reforçados porque relativos à segurança: o valor
formal da segurança seria restringido porque a circunstância particular
seria facilmente reproduzível ou alegável por outros recorrentes, fazen-
do com que o tribunal tivesse que conhecer dos milhares de processos
irregulares, apenas em nome do princípio constitucional do acesso à
tutela jurisdicional, o que geraria um custo deliberativo enorme, pelo
potencial reaparecimento frequente da situação, sem que esse custo fos-
se necessariamente o preço pela justiça individual das decisões; o valor
substancial de segurança para as partes do processo seria reduzido por-
que o comportamento permitido provocaria grande imprevisibilidade
com relação às regras aplicáveis e ao conteúdo das discussões. A tenta-
tiva de fazer justiça para um caso, mediante superação da regra, afetaria
a promoção da justiça para a maior parte dos casos. E a não superação
da regra provocaria mais beneficio que prejuízo valorativo (more good
than harm).
Logo se vê a diferença entre os casos acima expostos: de um lado,
há casos em que a decisão individualizada, ainda que incompatível com
a hipótese da regra geral, não prejudica nem a promoção da finalidade
subjacente à regra, nem a segurança jurídica que suporta as regras, em
virtude da pouca probabilidade de reaparecimento frequente de situação
similar, por dificuldade de ocorrência ou de comprovação; de outro, há
casos em que decisão particularista restringe tanto a promoção da fi-
nalidade subjacente à regra quanto a segurança jurídica que suporta as
regras, em razão de a circunstância particular ter elevado potencial para
reaparecer com frequência, e seu julgamento individualizado gerar um
custo deliberativo excessivo, não necessariamente justificável pela pro-
moção da justiça individua1.165
O exame dos casos acima referidos demonstra que o grau de re-
sistência de uma regra à superação está vinculado tanto à promoção do
valor subjacente à regra (valor substancial específico) quanto à reali-

165. Sobre os vários modelos de decisão, notadamente os modelos parti cula-


rista, particularista sensível às regras, positivista presumido e formalista, ver, por
todos, Frederick Schauer, "Rules and the Rule ofLaw", Harvard JOllrnal ofLalV and
PlIblic Policy, v. 14, n. 3, 1991, pp. 645-694.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 143

buintes; O valor substancial de estímulo à produção nacional não seria


reduzido, porque o comportamento permitido levaria à sua promoção.
A tentativa de fazer justiça para um caso mediante superação de uma re-
gra não afetaria a promoção da justiça para a maior parte dos casos. E o
entendimento contrário, no sentido de não superar a regra, provocaria
mais prejuízo valorativo que beneficio (more harm than good).
O mesmo não ocorre quando se passa para outro tipo de situação.
Uma regra condicionava a apresentação de determinado recurso à jun-
tada de cópias legíveis da decisão recorrida e dos documentos que com-
provassem a discussão existente nos autos. O caso concreto diz respeito
a um recurso apresentado sem a juntada de cópias da petição e do des-
pacho que a indeferiu. Inconformado com o indeferimento, o recorrente
interpôs recurso, alegando violação ao princípio da universalidade da
jurisdição e excessivo formalismo na interpretação da regra que exigia
a juntada de documentos. O tribunal, contudo, manteve a decisão, sob
o argumento de que o recorrente deve instruir seu recurso com todas
as peças essenciais ao entendimento do assunto nele tratado, já que
essa exigência não está a serviço do formalismo inconsequente, mas da
segurança das partes e da garantia do devido processo legal.l64 Nesse
caso, o fato previsto na hipótese da regra ocorreu, e a consequência do
seu descumprimento, apesar do prejuízo da parte, foi aplicada (inadmis-
são do recurso interposto), porque a falta de adoção do comportamento
por ela previsto comprometia a promoção do fim que a justificava (se-
gurança das partes).
Nesse segundo caso, a aceitação da decisão individual (admissibi-
lidade do recurso, apesar de ausentes os documentos legalmente obri-
gatórios) prejudicaria a promoção da finalidade subjacente à regra (ga-
rantia de segurança das partes). Ao contrário, permitir, individualmente,
que o recurso fosse admitido prejudicaria drasticamente a segurança
das partes, que não saberiam quais regras obedecer, e a própria presta-
ção jurisdicional, em virtude da falta de delimitação precisa do objeto
da discussão. Mais ainda, a aceitação da decisão individual discrepante
da hipótese da regra geral prejudicaria a promoção da segurançajurídi-
ca em geral: de um lado, porque a circunstância particular (alegação de
prejuízo ou formalismo excessivo na interposição de recurso sem os re-
quisitos legais) seria facilmente reproduzível ou alegável por outros re-

164. STJ, lª Tunna, AgR nos ED no AI 633.751-MG, reI. Min. Luiz Fux, j.
7.4.2005, DJU2.5.2005, p. 183.
142 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

ciência e desigualdade geral ela provocar.163 O exame de dois exemplos


diferentes pode explicar o grau de resistência das regras.
Uma regra condicionava o ingresso num programa de pagamento
simplificado de tributos federais à ausência de importação de produtos
estrangeiros. Os participantes do programa não poderiam efetuar ope-
rações de importação, sob pena de exclusão. Essa a hipótese da regra.
O caso concreto diz respeito a uma pequena fábrica de sofás que efetuou
uma importação e foi, em decorrência disso, sumariamente excluída do
programa. Ocorre, no entanto, que a importação foi de quatro pés de
sofás, para um só sofá, uma única vez. Mediante recurso, a exclusão foi
anulada com base na falta de aplicação razoável da regra. Nesse caso, o
fato previsto na hipótese da regra ocorreu, mas a consequência do seu
descumprimento não foi aplicada (exclusão do regime tributário espe-
cial) porque a falta de adoção do comportamento por ela previsto não
comprometia a promoção do fim que ajustificava (estímulo da produção
nacional por pequenas empresas).
Nesse caso, a aceitação da decisão individual (permissão para im-
portação, quando a hipótese da regra a proíbe) não prejudica a promoção
da finalidade subjacente à regra (estímulo da produção nacional por pe-
quenas empresas). Ao contrário, permitir, individualmente, que a empre-
sa permanecesse fruindo o beneficio fiscal até favoreceria a produção
nacional, na medida em que a importação efetuada seria, justamente,
para melhor produzir bens no país. Mais ainda: a aceitação da decisão
individual discrepante da hipótese da regra geral não prejudicava a pro-
moção da segurança jurídica, sendo, ao contrário, indiferente à sua rea-
lização, pois a circunstância particular (importação de algumas peças
de um bem) não seria facilmente reproduzível ou alegável por outros
contribuintes e a demonstração da sua anormalidade dependia de dificil
comprovação. Isso significa, em outras palavras, que a aceitação do caso
individual não prejudica a implementação dos dois valores inerentes à
regra: o valor formal da segurança não é restringido, porque a circuns-
tância particular não seria facilmente reproduzível por outros contri-

163. Este argumento foi utilizado em voto recente do Ministro Marco Aurélio,
para sustentar que "diferentemente da ponderação de princípios, que envolve o con-
flito entre dois valores materiais, a 'derrota' de regras (ou ponderação de regras, para
os que assim preferem) exige do intérprete que sopese não só o próprio valor veicu-
lado pelo dispositivo como também os da segurança jurídica e da isonomia" (STF,
Tribunal Pleno, RE 567.985, reI. pl Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 18.4.2013,
DJe-/94 3.10.2013, p. 13 do Acórdão).
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 14I

ridade específica e uma fundamentação particular. Ainda, inexistindo


regras, os cidadãos sentir-se-iam legitimados a criar soluções mesmo
em áreas para as quais é necessário um conhecimento técnico especia-
lizado, o que colocaria em risco a segurança das pessoas e a eficiência
das decisões.
Essas considerações demonstram, em suma, que as regras não de-
vem ser obedecidas somente por serem regras e serem editadas por uma
autoridade. Elas devem ser obedecidas, de um lado, porque sua obe-
diência é moralmente boa e, de outro, porque produz efeitos relativos a
valores prestigiados pelo próprio ordenamento jurídico, como seguran-
ça, paz e igualdade. Ao contrário do que a atual exaltação dos princípios
poderia fazer pensar, as regras não são normas de segunda categoria.
Bem ao contrário, elas desempenham uma função importantíssima de
solução previsível, eficiente e geralmente equânime de solução de con-
flitos sociais.

2.4.9.3.2 Condições de superabilidade

2.4.9.3.2.1 Introdução - No capítulo relativo às regras foi demons-


trado que as regras também envolvem valores e carecem de ponderação,
podendo, em circunstâncias excepcionais, ser superadas. Neste tópico
foi demonstrado que as regras devem, em situações normais, ser obede-
cidas, porque sua obediência promove a solução previsível, eficiente e
geralmente equânime de conflitos sociais. As regras, em geral, não são
absolutas, mas também não são superáveis com facilidade. Resta saber,
agora, quais são as condições necessárias para sua superação.
O modelo ora proposto tem duas características. Primeira: é bidi-
mensional, no sentido de ser material e procedimental ao mesmo tempo.
Material, porque condiciona a superação de regras ao preenchimento de
determinados requisitos de conteúdo. Procedimental, porque condiciona
a superação de regras à observância de requisitos de forma. Segunda: é
criterioso, na medida em que não procura apenas analisar se as regras
podem, ou não, ser superadas, mas quando e mediante a implementação
de quais condições elas podem ser superadas.

2.4.9.3.2.2 Requisitos materiais - Sendo as regras instrumentos de


solução previsível, eficiente e geralmente equânime de conflitos, sua su-
peração será tanto mais flexível quanto menos imprevisibilidade, inefi-
140 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

de que pode potencialmente surgir no caso de aplicação direta de valores


morais. Essa característica foi assim notada por Schauer, ao analisar a
importância da qualidade resolutiva das regras para restringir a discricio-
nariedade: "Em suma, é verdade notória que as regras se atravessam no
caminho; mas isto não precisa ser sempre considerado algo ruim. Pode
consistir em uma desvantagem quando surge no caminho dos sábios jul-
gadores que, ao perseguirem de forma precisa o bem, intuitivamente
levam em consideração todos os fatores relevantes. Entretanto, também
pode ser uma qualidade, quando surge para restringir julgadores desavi-
sados, incompetentes, de má índole, ávidos por poder, ou simplesmente
equivocados, cujo próprio senso de bem diverge daquele do sistema ao
qual eles servem".159
No mesmo sentido, Sheppard salienta a importância das regras na
redução de arbitrariedades potenciais no manuseio dos princípios: "Nas
mãos de um mercador honesto, a balança é um instrumento para finas
comparações de legítimo valor. Utilizada por um mercador corrupto, en-
tretanto, a balança é uma ferramenta de engodo, uma escala em que a
verdade é pesada contra o ouro ou o pudding contra a aprovação". 160Isso
tudo porque, deixando aberta a decisão para que o Poder Judiciário ou
o Poder Executivo, de acordo com considerações equitativas que julgar
mais adequadas, possam decidir o caso, corre-se um risco de arbitrarie-
dade, como complementa Schauer: "Talvez o mais importante ao expli-
car a legalização da equidade, entretanto, seja a preocupação recorrente
com a potencial arbitrariedade e a natureza imprevisível do poder equi-
tativo, independentemente de quem o exercite".161
Em terceiro lugar, a opção pelas regras tem a finalidade de evitar
problemas de coordenação, deliberação e conhecimento.162 De fato, a
falta de regras provocaria uma grande falta de coordenação entre as
pessoas, cada qual sustentando ser seu ponto de vista pessoal o preva-
lente. A ausência de soluções, ainda que elas pudessem ser modificadas
por razões extraordinárias, provocaria custos excessivos, pois haveria
necessidade de solucionar cada caso individualmente, com uma auto-

159. Frederick Schauer, "Fonnalism", The }ale Lali' JournaI97-4/543.


160. Steve Sheppard, 'The State interest in the good citizen: constitutional
balance between the citizen and the perfectionist State", Hastings Lali' Journal45-
4/971.
161. Frederick Schauer, Profiles. Probabilities and Stereotypes, p. 53.
162. Larry Alexander e Emily Sherwin, The Rules of Rules ..., pp. 30-31.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 139

É verdade que a linguagem é largamente indeterminada. Do fato,


porém, de que a linguagem é indeterminada não segue nem que ela não
possui núcleos de determinação, nem que ela seja totalmente indeter-
minada e, por isso, supérflua. 156 Isso significa, em outras palavras, que,
mesmo sendo a linguagem indeterminada, não quer dizer que ela não
tenha núcleos de significação, nem que não possa sofrer determinação
pelo uso ou pelo próprio sistema no qual esteja inserida.

2.4.9.3 Superabilidade das regras

2.4.9.3.1 Justificativa da obediência a regras

Pode-se sustentar que as regras devem ser obedecidas apenas por


serem regras. Trata-se da antiga ideia de Montaigne segundo a qual as
leis devem ser obedecidas não porque são justas, mas porque são leis.157
Nesse aspecto, a justificativa da obediência às regras centra-se na ideia
de autoridade. Essa justificativa cria, obviamente, uma resistência muito
grande às regras, ainda mais quando se sabe que sua aplicação provoca,
em situações específicas, um resultado injusto. Pode-se, no entanto, sus-
tentar que as regras devem ser obedecidas não apenas por serem regras,
mas, sim, porque sua obediência é, enquanto tal, positiva, por vários
motivos.
Em primeiro lugar, como as regras têm a função de pré-decidir o
meio de exercício do poder, elas afastam a incerteza que surgiria não
tivesse sido feita essa escolha. É justamente para evitar o surgimento
de um conflito moral e para afastar a incerteza decorrente da falta de
resolução desse mesmo conflito que o Poder Legislativo opta pela edi-
ção de uma regra. Nesse sentido, Alexander e Sherwin: "A finalida-
de de se ter a lei promulgando regras para estabelecer questões sobre
como os princípios morais se aplicam em casos concretos reside na
eliminação da controvérsia e da incerteza, e dos custos morais a elas
associados". 158
Em segundo lugar, além de afastar a controvérsia e a incerteza, a
opção pelas regras tem a finalidade de eliminar ou reduzir a arbitrarieda-

156. Frederick Schauer, "Easy cases", Modern Consfifufionaf Theory: a Rea-


der, 5ª ed., p. 130.
157. Montaigne, £ssais, Livro m, Capo XIII.
158. Larry A1exander e Emily Sherwin, The Rufes of Rufes ... , pp. 30-31.
138 TEORIA DOS PRINCíPIOS

de direitos, os tribunais 'ponderam' o peso dos danos individualizados


e a força/solidez dos interesses estatais legítimos. Sob a concepção es-
trutural, os tribunais avaliam as razões para a ação estatal em diferentes
esferas. A perspectiva estrutural conscientemente reconhece que os tri-
bunais não estão envolvidos com um exercício aparentemente quanti-
tativo, mas com uma tarefa interpretativa de definir princípios de ação
estatal permitidos pela Constituição em várias esferas".154
Essas considerações têm uma relevância capital para a interpretação
constitucional, já que, presente uma regra específica sobre a controvérsia,
a interpretação deixa de ser baseada na ponderação livre e horizontal,
para centrar-se na ponderação interna da própria hipótese da regra. Nesse
sentido, Pildes: "Se, ao invés, nós nos concentrarmos no papel central
das 'razões excluídas', o Direito Constitucional será muito menos uma
questão de direitos versus interesses estatais e muito mais uma questão de
definição das fronteiras do poder político em diferentes áreas".)55
É preciso, por fim, chamar a atenção para o fato de que o caráter
descritivo das regras, inicialmente examinado, traz repercussões com
relação à análise da linguagem estabelecida pela Constituição. Como
mencionado, a escolha das regras estabelece âmbitos de competência
muito diversos daqueles porventura existentes no caso da instituição de
princípios: enquanto nessa hipótese o Poder Legislativo pode escolher
os meios para promover os fins, naquela outra ele está previamente vin-
culado ao meio constitucionalmente escolhido. Isso porque as regras
têm caráter imediatamente descritivo de conduta ou de atribuição de po-
der para a adoção de conduta, cabendo ao intérprete aplicar a regra cujo
conceito seja finalmente-correspondente ao conceito dos fatos.
A previsão de conceitos constitucionais pode ser feita de duas for-
mas. De um lado, de modo direto, nos casos em que a Constituição já
enuncia expressamente as propriedades conotadas pelos conceitos que
utiliza. De outro, de modo indireto, nas situações em que o Poder Cons-
tituinte, ao escolher expressões cujas propriedades já eram conotadas
em conceitos elaborados pelo legislador infraconstitucional à época da
promulgação da Constituição, opta por incorporá-los ao ordenamento
constitucional. Em qualquer dessas hipóteses a Constituição fixa bali-
zas que não podem ser ultrapassadas pelo legislador ordinário sob a sua
vigência.

154. Idem, Hastings LalV Journa/45-41724-725.


155. Idem, Hastings LalV Journa/45-41715.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINcíPIOS E REGRAS 137

'razões excluídas' sobre o Direito Constitucional envolve um método


distinto de se compreender a tomada de decisão judicial. Quando os tri-
bunais aplicam este enfoque explicitamente ou, de forma mais comum,
implicitamente, eles não ponderam direitos individuais em face de inte-
resses estatais. Colocando-se de lado a retórica judicial, o processo não
é aquele quantitativo pretendido, no qual se atribuem pesos a essas enti-
dades incomensuráveis. Definir razões excluídas é, ao contrário, uma ta-
refa qualitativa que exige dos tribunais uma avaliação das justificativas
para a ação pública em contrariedade com os princípios que concedem
às diferentes esferas a sua estrutura normativa única".152
Essas características das regras têm uma importância sem igual
para a interpretação constitucional, já que elas modificam o próprio
processo de resolução dos conflitos constitucionais, o que nem sempre
é lembrado pelos juristas, como observa Pildes: "Causa surpresa des-
cobrir quantos conflitos constitucionais são resolvidos de forma mais
clara por meio deste processo argumentativo. Muitos casos que parecem
exigir a ponderação de direitos individuais em face de interesses estatais
revelam-se, ao contrário, demandando, de uma forma mais simples, a
definição de razões excluídas. A melhor explicação para estes casos é
a de que os tribunais de hoje, como seus pares no final do século XIX,
estão precipuamente interpretando a lógica constitucional que define as
fronteiras entre as distintas esferas de poder político. Quando este méto-
do está em operação, o problema da ponderação se dissolve".153
Nesses casos, a legitimidade do poder não é descoberta por meio da
ponderação quantitativa entre o interesse estatal e o interesse individual,
no sentido de que será admitida uma restrição tanto maior ao direito in-
dividual quanto mais importante for a finalidade estatal perseguida; em
vez disso, a legitimidade do poder é averiguada por meio de uma análise
qualitativa que investiga a estrutura do poder que é atribuído por meio de
uma regra. Assim Pildes, quando se refere ao método qualitativo ou es-
truturai de interpretação das regras em comparação com o método quali-
tativo ou ponderativo de interpretação dos princípios: "A diferença entre
esses paradigmas de direitos alternativos - um individualista, o outro
estrutural- tem implicações significantes para o Direito Constitucional,
incluindo aí o problema da ponderação. Sob a concepção individualista

152. Richard H. Pildes, "Avoiding balancing: lhe role of exclusionary reasons


in Constitutional Law", Hastings Law JOllrnal 45-4/750.
153. Idem, Hastings Law JOllrnaI45-4/714.
136 TEORIA DOS PRINCíPIOS

mo, resistentes) às razões que visam a harmonizar. Assim Alexander e


Sherwin: "Elas (as regras) são opacas aos princípios morais que devem
efetuar". 148
De fato, as regras têm a função de gerar uma solução para um con-
flito, evitando que a controvérsia entre os valores morais que elas afas-
tam ressurja no momento de aplicação. O próprio Poder Constituinte faz
uma ponderação anterior que afasta a ponderação horizontal posterior.

2.4.9.2.2.2 Indireta - As regras, devido ao seu caráter decisório,


excluem razões que seriam consideradas não houvesse sido escolhida a
técnica de normatização por meio da regra. Vale dizer, se não existisse
a regra, o intérprete estaria liberado para decidir a questão levando em
conta outras razões; mas, como há uma regra posta, essas razões ficam
excluídas pela razão imposta pela regra. Daí se dizer que as regras es-
tabelecem razões de segunda ordem que bloqueiam (de modo superá-
vel, é claro, se obedecidas determinadas condições) a ação de razões
de primeira ordem.149 Ou, nas palavras de Raz: "Primeiramente, razões
excludentes excluem pela espécie e não pelo peso. Elas podem excluir
todas as razões de uma certa espécie (como, por exemplo, considera-
ções sobre ajuda econômica), que incluem razões muito relevantes, ao
mesmo tempo em que podem não excluir considerações até triviais, mas
pertencentes a outra espécie (como, por exemplo, considerações sobre a
honra). (...) O seu impacto não é no sentido de alterar a ponderação das
razões, mas de excluir a ação na ponderação das razões".150
O importante é que todas aquelas razões que seriam consideradas
têm sua consideração bloqueada pela instituição da regra, que passa a
ser a própria razão de decidir. Nesse sentido, Schauer: "As regras blo-
queiam a apreciação do conjunto de razões que sustentam uma decisão
particular de dois modos diferentes. Em primeiro lugar, elas excluem da
apreciação razões que poderiam estar disponíveis, caso o julgador não
tivesse sido compelido por uma regra. Em segundo lugar, a própria regra
se toma uma razão para agir, ou uma razão para decidir".151
Essa eficácia bloqueadora, na interpretação constitucional, também
foi bem apreendida por Pildes, nos seguintes termos: "O enfoque das

148. Larry Alexander e Emily Sherwin, The Rules ofRlIles ..., p. 30.
149. Joseph Raz, The AlIthority of LalV - Essays 011 LalV and Morality, p. 17.
150. Idem, pp. 22-23.
151. Frederick Schauer, "Fonnalism", The Yale LalV JOllrnaI97-4/537.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 135

(regras de competência, competence norms ou pOlVer conferring rufes,


Kompetenzregeln).145

2.4.9.2.2 Eficácia argumentativa

2.4.9.2.2.1 Direta - Em primeiro lugar, as regras descrevem a con-


duta a ser adotada ou a parcela de poder a ser exercida pelo seu destina-
tário. Uma norma que, em vez de se limitar a proteger a saúde, vai além,
e define o modo como essa proteção será buscada, é uma regra. Isso
porque ela não deixa aberta a escolha de qualquer meio de atuação do
destinatário, definindo, em vez disso, um meio específico.
A escolha de um meio específico de atuação do Poder Público por
meio da positivação de uma regra faz com que o Poder Legislativo ou o
Poder Executivo não fiquem livres para escolher outro meio, por melhor
que lhes possa parecer. Quando há uma regra, portanto, o conflito moral
que surgiria, caso não houvesse sido editada a regra, deixa de surgir pelo
efeito decisório da regra que foi editada. Daí a afirmação de Alexander
e Sherwin: "Regras prestam-se a estabelecer o que deve ser feito por
meio do afastamento de considerações morais".'46 No mesmo sentido as
palavras de Gottlieb: "Regras são destinadas a conferir o poder de deci-
dir, bem como a controlar a discricionariedade. Com regras, ao invés de
uma caixa opaca indefinida, os juízes têm uma série de instruções que
podem ser razoavelmente bem descritas e que podem ser aplicadas de
uma forma suficientemente clara (. ..)".147
Em segundo lugar, as regras, ponderando previamente todos aspec-
tos relevantes sobre o conflito entre princípios, pretendem estabelecer
uma decisão para esse conflito. Desse modo, elas geram, como dito an-
teriormente, uma solução específica para o conflito entre razões. Isto é,
tendo sido editada uma regra que estabelece uma decisão específica para
um conflito entre princípios, não podem o Poder Legislativo ou o Po-
der Executivo ponderar novamente os princípios em conflito, tomando
outra decisão. Daí se dizer que as regras são indiferentes (ou, no mÍni-

145. Aulis Aamio, Reason and Authority. A Treatise on the Dynamic Paradigm
of Legal Dogmatics, pp. 160 e SS.; Jordi Ferrer Beltrán, Las Normas de Competencia,
p.127.
146. Larry Alexander e Emily Sherwin, The Rules of Rules - Morali(v, Rules
alJd lhe Di/emmas Df LalV, p. 4.
147. Stephen E. Gottlieb, "The paradox of balancing significant interests",
Haslings Law Journal 45-4/843 ..
134 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

tros entendiam que os principias da solidariedade social e da universa-


lidade do financiamento da Seguridade Social justificariam a ampliação
ou o afastamento da regra de competência, que previa, apenas, a insti-
tuição do tributo sobre determinado fato; de outro lado, outros Ministros
sustentavam, também mediante o emprego de técnicas argumentativas
distintas, que as regras de competência, precisamente por estabelecerem
balizas conceituais, não poderiam ser ampliadas ou afastadas, mesmo
com base em principias constitucionais. Tirantes as peculiaridades do
caso, essa decisão, por via transversa, terminou por atribuir prevalência
às regras de competência quando elas entram em conflito com principios
constitucionais. 144
Enfim, não é admissivel afastar, nem ampliar além do limite se-
mântico intransponível, uma regra constitucional com base num prin-
cípio, por ser a regra a própria solução constitucional para determinado
conflito de interesses. Ainda mais considerando que a Constituição Fe-
deral não tem apenas um principio que possa afastar ou ampliar uma
determinada regra, mas vários principios, nem todos apontando numa
só direção. A interpretação que se centra exclusivamente num principio
desconsidera o ordenamento constitucional como um todo. O mesmo
ocorre com interpretações que, a pretexto de preservar valores suposta-
mente prevalentes, terminam por afastar regras constitucionais que con-
cretizaram esses mesmos valores.

2.4.9.2 Eficácia externa

2.4.9.2.1 Eficácia seletiva


A eficácia externa das normas é preponderantemente a de estabe-
lecer condutas (regras de conduta, behavioral rules, Handlungssatze)
e a de atribuir a um determinado sujeito a propriedade de ser compe-
tente para realizar determinado ato jurídico sobre uma matéria dada

144. Nesse sentido, incorporando a definição de regras como normas imedia-


tamente descritivas de conduta ou de âmbitos de poder, ver a decisão sobre a de-
nominada "lei da ficha limpa", STF, Tribunal Pleno, RE 633.703, reI. Min. Gilmar
Mendes, DJe 18.11.20 11, especialmente o voto do Ministro Luiz Fux: "O art. 16
da Constituição Federal, como decorre da moderna teoria geral do direito e, mais
particularmente, da novel teoria da interpretação constitucional, consubstancia uma
regra jurídica, e não um principio juridico; constatação que impõe não seja possível
simplesmente desconsiderar seu enunciado linguístico para buscar desde logo as ra-
zões que lhe são subjacentes". Ver, notadamente, pp. 15 e ss. do voto.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 133

União no sentido de que "a tese defendida pelo autor sobre a possibi-
lidade de existência de disposições inconstitucionais diante de normas
tidas como de hierarquia superior não é aceitável" (fls. 318). Por fim, o
Tribunal entendeu que o Poder Constituinte é livre para fixar os limites
de um princípio constitucional, já que "quem é livre para fixar um prin-
cípio o é também para impor-lhe exceções" (fls. 325). Essas exceções
são estabelecidas por meio de regras. Pode-se afirmar que o Supremo
Tribunal Federal, com outras palavras, decidiu que o aplicador - seja
ele o Poder Judiciário, seja ele o Poder Legislativo - não pode afastar
uma regra com base num princípio constitucional, em razão do caráter
definitório e decisivo das regras.
O mesmo raciocínio foi feito pelo Supremo Tribunal Federal quan-
do analisou a possibilidade de resolver o conflito entre as garantias cons-
titucionais de proteção contra a prova ilícita e o interesse público repres-
sivo. Em vez de efetuar uma ponderação entre os direitos individuais
regrados pela Constituição e o interesse público colidente, o Supremo
Tribunal Federal decidiu que não cabe a ele efetuar nova ponderação
quando a Constituição já fez uma ponderação anterior por meio do esta-
belecimento de uma regra. Ilustrativo é o voto do Min. Sepúlveda Per-
tence: "Posto não ignore a autoridade do entendimento contrário, resisto,
no entanto, a admitir que à garantia constitucional da inadmissibilidade
da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar-lhe prevalência em nome
do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da re-
pressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes.
É que, aí, foi a Constituição mesma que ponderou os valores contra-
postos e optou - em prejuízo, se necessário, da eficácia da persecução
criminal - por valores fundamentais, da dignidade humana, aos quais
serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita".142
Compreensão similar também foi feita pelo Supremo Tribunal Fe-
deral no julgamento a respeito da ampliação da base de cálculo de uma
contribuição social, prevista numa regra constitucional de competência,
por uma lei ordinária.143 Nesse caso, havia duas posições no Tribunal: de
um lado, e com base em diferentes formas de argumentar, alguns Minis-

142. STF, Tribunal Pleno, HC 79.512-9-RJ, reI. Min. Sepúlveda Pertence, j.


16.12.1999, DJU 16.5.2003, p. 92.
143. STF, Tribunal Pleno, RE 357.950-9, reI. Min. Marco Aurélio,j. 9.11.2005,
DJU 15.8.2006, p. 25.
132 TEORIA DOS PRINCíPIOS

Mesmo considerando que a Constituição estabelece balizas con-


ceituais quando utiliza expressões específicas, ainda assim se poderia
pensar que havendo, no mesmo ordenamento constitucional, regras e
princípios, poderia ocorrer um dos seguintes fenômenos: ou a prevalên-
cia do princípio sobre a regra, atuando aquele diretamente no âmbito não
abrangido por esta; ou a ampliação do conceito previsto na regra pela
atuação indireta do princípio sobre sua interpretação. Ambos os fenôme-
nos, ainda que conceitualmente separáveis, provocam o mesmo efeito
jurídico: criação de uma nova restrição sem atribuição expressa de poder
por meio de uma regra. Nenhuma das duas possibilidades, no entanto,
pode ser aceita.
Isso porque, num confronto horizontal entre regras e princípios,
as regras devem prevalecer, ao contrário do que faz supor a descrição
dos princípios como sendo as normas mais importantes do ordenamen-
to jurídico. De fato, as regras têm uma eficácia que os princípios não
têm, como já analisado. A previsão constitucional de princípios ou de
instituições correlacionados àquelas regras de competência não invalida
a conclusão anterior, na medida em que a previsão de princípios e de
instituições deixa livre a adoção dos comportamentos necessários à sua
realização, salvo se o ordenamento jurídico predeterminar o meio por
regras de competência.
Embora não tenha manifestado expressamente esse entendimento,
não deixa de ser essa a posição do Supremo Tribunal Federal na ADln
815, por meio da qual um ente federado (Estado do Rio Grande do
Sul) arguiu a inconstitucionalidade de uma regra constitucional sobre
proporcionalidade de representação no Congresso Nacional, em face
do próprio princípio federativo. O Tribunal decidiu extinguir a ação,
por impossibilidade jurídica do pedido, por entender que não poderia
afastar, com base num princípio, a concretização definitória escolhida
pelo Poder Constituinte Originário por meio das regras constitucionais.
Assim, entendeu-se que o Poder Constituinte instituiu o princípio fede-
rativo, mas o fez conforme estabelecido na regra prevista no art. 45, e
com as restrições ali estabelecidas. Desta decisão, pode-se concluir que
não é permitido a outro Poder rever a "ponderação" realizada pelo pró-
prio Poder Constituinte Originário. Tanto é assim que o acórdão men-
ciona, a fls. 347, que o princípio da igualdade está limitado pela própria
Constituição no art. 5º, I, ou que o princípio democrático está limitado
pela própria Constituição no art. Iº (" ... nos termos desta Constitui-
ção"). Do mesmo modo, foi acolhido o parecer da Advocacia-Geral da
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 131

radas pelos princípios, no confronto com razões contrárias, exigem um


ônus argumentativo menor para serem superadas).
Conexo a essa questão está o conflito entre normas, especialmente
entre princípios e regras. Normalmente, afirma-se que, quando houver
colisão entre um princípio e uma regra, vence o primeiro. A concepção
defendida neste trabalho segue percurso diverso. Em primeiro lugar, é
preciso verificar se há diferença hierárquica entre as normas: entre uma
norma constitucional e uma norma infraconstitucional deve prevalecer
a norma hierarquicamente superior, pouco importando a espécie norma-
tiva, se princípio ou regra. Por exemplo, se houver conflito entre uma
regra constitucional e um princípio legal, deve prevalecer a primeira;
e se houver um conflito entre uma regra legal e um princípio constitu-
cional, deve prevalecer o segundo. Isso quer dizer que a prevalência,
nessas hipóteses, não depende da espécie normativa, mas da hierarquia.
No entanto, se as normas forem de mesmo nível hierárquico, e ocor-
rer um autêntico conflito, deve ser dada primazia à regra. Por exemplo,
se houver um conflito entre o princípio da liberdade de manifestação
do pensamento e a regra de imunidade dos livros, deve ser atribuída
prevalência à regra de imunidade. Caso contrário, seria sustentável a
imunidade de obras de arte, porque também elas servem de veículo para
a manifestação da liberdade de manifestação do pensamento. É preciso
enfatizar que, no exemplo referido, melhor seria falar de conexão subs-
tancial entre as normas do que em conflito. Em vez de oposição, há
complementação. Há uma justificação recíproca entre a regra e o prin-
cípio: a interpretação da regra depende da simultânea interpretação do
princípio, e vice-versa.
A única hipótese aparentemente plausível de atribuir "prevalência"
a um princípio constitucional em detrimento de uma regra constitucional
seria a de ser constatada uma razão extraordinária que impedisse a apli-
cação da regra. Por exemplo, a existência de um conflito entre o princí-
pio da dignidade humana e a regra que estabelece ordem de pagamen-
to dos precatórios. Nesse caso, porém, a regra deixaria de ser aplicada
porque existiria uma razão extraordinária que impediria sua aplicação,
tendo em vista o postulado da razoabilidade. Rigorosamente, porém, se-
ria mais correto falar em inexistência de conflito, pois não haveria duas
normas finalmente aplicáveis, mas uma só, ao contrário do que aconte-
ce num autêntico conflito, em que duas normas inicialmente aplicáveis
permanecem assim até o final do conflito, devendo o aplicador optar por
uma delas, diante do caso concreto.
130 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

valor na regra do que o valor pendente de definição e de complementa-


ção de outros, como ocorre no caso dos princípios. Como se vê, a repro-
vabilidade deve - é o que se defende neste trabalho - estar associada,
em primeiro lugar, ao grau de conhecimento do comando e, em segundo
lugar, ao grau de pretensão de decidibilidade. Ora, no caso das regras,
o grau de conhecimento do dever a ser cumprido é muito maior do
que aquele presente no caso dos princípios, devido ao caráter imediata-
mente descritivo e comportamental das regras. Veja-se que conhecer o
conteúdo da norma que se deve cumprir é algo valorizado pelo próprio
ordenamento jurídico por meio dos princípios da legalidade e da publi-
cidade, por exemplo. Descumprir o que se sabe dever cumprir é mais
grave do que descumprir uma norma cujo conteúdo ainda carecia de
maior complementação. Ou dito diretamente: descumprir uma regra é
mais grave do que descumprir um princípio. No caso das regras, o grau
de pretensão de decidibilidade é muito maior do que aquele presente no
caso dos princípios, tendo em vista ser a regra uma espécie de proposta
de solução para um conflito de interesses conhecido ou antecipável pelo
Poder Legislativo. Veja-se que o respeito a decisões já tomadas também
é algo valorizado pelo ordenamento jurídico por meio da proteção ao
direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Descumprir
o que já foi objeto de decisão é mais grave do que descumprir uma nor-
ma cuja função é servir de razão complementar ao lado de outras razões
para tomar uma futura decisão. Ou dito diretamente: descumprir uma
regra é mais grave do que descumprir um princípio. Até porque, sem
outro argumento a modificar a equação, o ônus de superar uma regra é
maior do que aquele exigido para superar um princípio.\4\ Ao contrário
do que se crê, portanto, a opção legislativa pela regra reforça sua insu-
perabilidade preliminar.
Essas considerações revelam, pois, a diferente funcionalidade dos
princípios e das regras: as regras consistem em normas com pretensão de
solucionar conflitos entre bens e interesses, por isso possuindo caráter
"prima facie" forte e superabilidade mais rígida (isto é, as razões gera-
das pelas regras, no confronto com razões contrárias, exigem um ônus
argumentativo maior para serem superadas); os princípios consistem em
normas com pretensão de complementaridade, por isso tendo caráter
"prima facie" fraco e superabilidade mais flexível (isto é, as razões ge-

141. Robert A1exy, Theorie der Grundrechte, p. 89.


NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 129

do procedimento parlamentar deverão especificar, para situações mais


concretas, a abrangência do princípio democrático.
Como já mencionado, as regras possuem uma rigidez maior, na
medida em que a sua superação só é admissível se houver razões su-
ficientemente fortes para tanto, quer na própria finalidade subjacente
à regra, quer nos princípios superiores a ela. Daí por que as regras só
podem ser superadas (defeasibility ofrules) se houver razões extraordi-
nárias para isso, cuja avaliação perpassa o postulado da razoabilidade,
adiante analisado. A expressão "trincheira" bem revela o obstáculo que
as regras criam para sua superação, bem maior do que aquele criado
por um princípio. Esse é o motivo pelo qual, se houver um conflito real
entre um princípio e uma regra de mesmo nível hierárquico, deverá
prevalecer a regra e, não, o princípio, dada a função decisiva que qua-
lifica a primeira. A regra consiste numa espécie de decisão parlamen-
tar preliminar acerca de um conflito de interesses e, por isso mesmo,
deve prevalecer em caso de conflito com uma norma imediatamente
complementar, como é o caso dos princípios. Daí afimçõo eficacial de
trincheira das regras.
A esse respeito, convém registrar a importância de rever a concep-
ção largamente difundida na doutrina juspublicista no sentido de que a
violação de um princípio seria muito mais grave do que a transgressão
a uma regra, pois implicaria violar vários comandos e subverter valo-
res fundamentais do sistema jurídico. 140 Essa concepção parte de dois
pressupostos: primeiro, de que um princípio vale mais do que uma re-
gra, quando, na verdade, eles possuem diferentes funções e finalidades;
segundo, de que a regra não incorpora valores, quando, em verdade, ela .
os cristaliza. Além disso, a ideia subjacente de reprovabilidade deve ser
repensada. Como as regras possuem um caráter descritivo imediato, o
conteúdo do seu comando é muito mais inteligível do que o comando
dos princípios, cujo caráter imediato é apenas a realização de deter-
minado estado de coisas. Sendo assim, mais reprovável é descumprir
aquilo que "se sabia" dever cumprir. Quanto maior for o grau de conhe-
cimento prévio do dever, tanto maior a reprovabilidade da transgressão.
De outro turno, é mais reprovável violar a concretização definitória do

140. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo,


19ª ed., p. 889. Sobre essa definição, ver o excelente artigo de Ana Paula Barcellos,
"Alguns parâmetros nonnativos para a ponderação constitucional", A Nova Interpre-
tação Constitucional, pp. 49 e ss.
128 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

uma operação de correspondência entre o conceito da hipótese normati-


va e o conceito dos fatos do caso.
Ao invés disso, o aplicador está incumbido de fazer uma pondera-
ção concretamente orientada entre os princípios conflitantes, ele pró-
prio encontrando os meios adequados, necessários e proporcionais à
consecução do fim cuja realização é determinada pela positivação dos
princípios.

2.4.8.2.3 Eficácia externa subjetiva

Relativamente aos sujeitos atingidos pela eficácia dos princípios,


é preciso registrar que os princípios jurídicos funcionam como direitos
subjetivos quando proíbem as intervenções do Estado em direitos de
liberdade, qualificada também comofimção de defesa ou de resistência
(Abwehrfunktion ).
Os princípios também mandam tomar medidas para a a prote-
ção dos direitos de liberdade, qualificada também de fil11çãoprotetora
(Schutzfunktion). Ao Estado não cabe apenas respeitar os direitos funda-
mentais, senão também o dever de promovê-los por meio da adoção de
medidas que os realizem da melhor forma possível.

2.4.9 Eficácia das regras


2.4.9.1 Eficácia interna

2.4.9.1.1 Eficácia interna direta


Como já analisado, as regras possuem uma eficácia preliminarmen-
te decisiva, na medida em que pretendem oferecer uma solução provisó-
ria para determinado conflito de interesses já detectado pelo Poder Le-
gislativo. Por isso, elas preexcluem a livre ponderação principiológica e
exigem a demonstração de que o ente estatal se manteve, no exercício de
sua competência, no seu âmbito material.

2.4.9.1.2 Eficácia interna indireta


Relativamente às normas mais amplas (princípios), as regras exer-
cem uma função defini/ária (de concretização), na medida em que de-
limitam o comportamento que deverá ser adotado para concretizar as
finalidades estabelecidas pelos princípios. Por exemplo, as regras legais
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 127

do Poder Público (postulado da Justificabilidade crescente). Como se


vê, os princípios também possuem uma eficácia que, ademais de inter-
pretativa, também é argumentativa: o Poder Público, se adotar medida
que restrinja algum princípio que deve promover, deverá expor razões
justificativas para essa restrição, em tanto maior medida quanto maior
for a restrição.

2.4.8.2.2.2.1 Direta: Em primeiro lugar, os princípios descrevem


um estado de coisas a ser buscado, sem, no entanto, definir previamente
o meio cuja adoção produzirá efeitos que contribuirão para promovê-lo.
Essa nota característica dos princípios foi bem notada por Alexander e
Sherwin: "No caso de um standard, o papel da Lex (ou da Super Lex) é o
de identificar fins e valores a serem perseguidos, ao mesmo tempo em
que diz muito pouco sobre os meios de persegui-los". 138
Em segundo lugar, os princípios, justamente porque apenas apon-
tam para finalidades a serem buscadas, nonnatizam uma parte da con-
trovérsia e necessitam da complementação de outros princípios no pro-
cesso de aplicação. Precisamente por isso, a decisão deverá ser tomada
por meio da ponderação quantitativa entre os princípios concretamente
colidentes. Essa outra qualidade também foi notada por Alexander e
Sherwin: "Em outras palavras, aquele que faz a Lex não está buscan-
do uma completa solução para a controvérsia".139 Isso ocorre porque os
princípios, ao deixarem aberta a escolha dos meios a serem escolhidos
para sua promoção, não trazem uma solução para o conflito de interesses
que pode surgir no processo de aplicação.

2.4.8.2.2.2.2 Indireta: Os princípios, devido ao seu caráter com-


plementar, incluem, no processo de aplicação, as razões que devem ser
consideradas diante do conflito.
O aplicador, em vez de ter impedida ou restringida sua atividade de
investigar as razões morais que estão por trás das normas, está livre para
ponderá-Ias diretamente umas com as outras.
E, finalmente, porque os princípios não estabelecem, de antemão, o
meio de atuação do Poder Público, eles deixam de vincular o aplicador a

138. Larry Alexander e Emily Sherwin, The Rufes of Rufes - Morafily, Rufes
and lhe Dilell1l11as of Law, p. 103.
139. Idem, ibidem.
126 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

tação.133 Não são encontrados prontos (ready-made).134 Vale dizer: é o


próprio intérprete que, em larga medida, decide qual fato é pertinente à
solução de uma controvérsia no curso da sua própria cognição. Para de-
cidir qual evento é pertinente, o intérprete deverá utilizar os parâmetros
axiológicos oferecidos pelos princípios constitucionais, de modo a sele-
cionar todos os eventos que se situarem no centro dos interesses protegi-
dos pelas normas jurídicas. Pertinente será o evento cuja representação
factual seja necessária à identificação de um bem jurídico protegido por
um princípio constitucional. Com efeito, os princípios protegem deter-
minados bens jurídicos (ações, estados ou situações cuja manutenção
ou busca é devida) e permitem avaliar os elementos de fato que lhes são
importantes. Trata-se, como se vê, de um procedimento retro-operativo,
pois são os princípios que determinam quais são os fatos pertinentes,
mediante uma releitura axiológica do material fático. O Direito não es-
colhe os fatos, mas oferece critérios que podem ser posteriormente pro-
jetados aos eventos para a construção dos fatos. 135

2.4.8.2.2.2 Eficácia argumentativa - Depois (logicamente) de sele-


cionados os fatos pertinentes, é preciso vaIará-Ias, de modo a privilegiar
os pontos de vista que conduzam à valorização dos aspectos desses mes-
mos fatos, que terminem por proteger aqueles bens jurídicos. Dentro de
uma mesma categoria de fatos, o intérprete deverá buscar o ângulo ou
ponto de vista cuja avaliação seja suportada pelos princípios constitucio-
nais.136 É preciso como que conceitualizar a situação com base nos fins
jurídicos. 137 Essa é afill1ção eficacial valorativa.
Há, também, a eficácia argumentativa. Como os princípios cons-
titucionais protegem determinados bens e interesses jurídicos, quanto
maior for o efeito direto ou indireto na preservação ou realização desses
bens, tanto maior deverá ser a justificação para essa restrição por parte

133. Jürgen Habennas, "Wahrheitstheorien", Vorsflldien und Ergiinzungen zur


Theorie des kommunikativen Handels, p. 135.
134. Csaba Varga, "The Non-cognitive Character ofthe Judicial Establishment
ofFacts", Praktische Vernunjt und Rechtsal11vendung. Archiv fiir Reclu- und Sozial-
philosophie, v. 53, p. 232; Thédore Ivainer, L 'Interprétation desjaits en droit, p. 119.
135. Csaba Varga, 'The Non-cognitive Character ... ", ob. cit., v. 53, p. 235;
Paulo de Barros Carvalho, Direito Tributário: Fundamentos Jurídicos da Incidên-
cia, p. 10.
136. Thédore Ivainer, L 'Interprétation desjaits , p. 135.
137. Csaba Varga, "The Non-cognitive Character ", ob. cit., v. 53, p. 232.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 125

2.4.8.2 Eficácia externa

2.4.8.2.1 Conteúdo

As normas jurídicas, no entanto, não atuam somente sobre a


compreensão de outras normas. Elas atuam sobre a compreensão dos
próprios fatos e provas. Com efeito, sempre que se aplica uma norma
jurídica é preciso decidir, dentre todos os fatos ocorridos, quais deles
são pertinentes (exame da pertinência) e, dentre todos os pontos de
vista, quais deles são os adequados para interpretar os fatos (exame da
valoração ).131
Neste ponto, entra em cena a noção de eficácia externa: as normas
jurídicas são decisivas para a interpretação dos próprios fatos. Não se
interpreta a norma e depois o fato, mas o fato de acordo com a norma e
a norma de acordo com o fato, simultaneamente.132 O mais importante
aqui é salientar a eficácia externa que os princípios têm: como eles es-
tabelecem indiretamente um valor pelo estabelecimento de um estado
ideal de coisas a ser buscado, indiretamente eles fornecem um parâmetro
para o exame da pertinência e da valoração. Por exemplo, o princípio
da segurança jurídica estabelece um ideal de previsibilidade da atuação
estatal, mensurabilidade das obrigações, continuidade e estabilidade das
relações entre o Poder Público e o cidadão.

2.4.8.2.2 Eficácia externa objetiva

2.4.8.2.2.1 Eficácia seletiva - A interpretação dos fatos deverá, por


conseguinte, ser feita de modo a selecionar todos os fatos que puderem
alterar a previsibilidade, a mensurabilidade, a continuidade e a estabili-
dade. Por exemplo, se um princípio protege a previsibilidade, não pode
o intérprete desconsiderar os tàtos que demonstram que o cidadão foi
surpreendido no exercício de sua atividade econômica.
Essa é a eficácia seletiva dos princípios, que se baseia na constata-
ção de que o intérprete não trabalha com fatos brutos, mas construídos.
Os fatos são construídos pela mediação do discurso do intérprete. A exis-
tência mesma do fato não depende da experiência, mas da argumen-

131. Thédore Ivainer, L '/nterprétation des faits en droit, pp. 188 e ss.
132. Arthur Kaufmann, Analogie und Natur der Sache. Zugleich ein Beitrag
zur Lehre vom 7j'pUS, pp. 37 ss.
124 TEORIA DOS PRINCíPIOS

"interpretado" conforme ele. No caso do princípio do Estado de Direito,


ocorre o mesmo: embora vários dos seus subelementos já estejam pre-
vistos pelo ordenamento jurídico (separação dos poderes, legalidade,
direitos e garantias individuais), ele não é desnecessário, na medida em
que cada elemento deverá ser interpretado com a finalidade maior de
garantir juridicidade e responsabilidade à atuação estatal. Essas consi-
derações qualificam os princípios como decisões valorativas objetivas
com fill1çôo explicativa (objektive Wertentscheidung mit erlauternder
FlInktion), nas hipóteses em que orientam a interpretação de normas
constitucionais ou legais.
Em terceiro lugar, os princípios exercem umajilllçôo bloqlleadora,
porquanto afastam elementos expressamente previstos que sejam in-
compatíveis com o estado ideal de coisas a ser promovido. Por exemplo,
se há uma regra prevendo a abertura de prazo, mas o prazo previsto é in-
suficiente para garantir efetiva protetividade aos direitos do cidadão, um
prazo adequado deverá ser garantido em razão da eficácia bloqueadora
do princípio do devido processo legal.
Os sobreprincípios, como, por exemplo, os princípios do Estado
de Direito, da segurança jurídica, da dignidade humana e do devido
processo legal, exercem importantes funções, mesmo na hipótese -
bastante comum - de os seus subprincípios já estarem expressamente
previstos pelo ordenamento jurídico. Como princípios que são, os so-
breprincípios exercem as funções típicas dos princípios (interpretativa
e bloqueadora), mas, justamente por atuarem "sobre" outros princípios
(daí o termo "sobreprincípio"), não exercem nem a função integrati-
va (porque essa função pressupõe atuação direta e os sobreprincípios
atuam indiretamente), nem a definitória (porque essa função, apesar de
indireta, pressupõe a maior especificação e os sobreprincípios atuam
para ampliar em vez de especificar). Na verdade, a função que os so-
breprincípios exercem distintivamente é afill1çôo rearticlIladora,já que
eles permitem a interação entre os vários elementos que compõem o
estado ideal de coisas a ser buscado. Por exemplo, o sobreprincípio
do devido processo legal permite o relacionamento entre os subprin-
cípios da ampla defesa e do contraditório com as regras de citação, de
intimação, do juiz natural e da apresentação de provas, de tal sorte que
cada elemento, pela relação que passa a ter com os demais em razão do
sobreprincípio, recebe um significado novo, diverso daquele que teria
caso fosse interpretado isoladamente.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 123

dentre as quais algumas se destacam e merecem ser analisadas separa-


damente.
No plano da eficácia direta, os princípios exercem umafimção in-
tegrativa, na medida em que justificam agregar elementos não previs-
tos em subprincípios ou regras. Mesmo que um elemento inerente ao
fim que deve ser buscado não esteja previsto, ainda assim o princípio
irá garanti-lo. Por exemplo, se não há regra expressa que oportunize
a defesa ou a abertura de prazo para manifestação da parte no proces-
so - mas elas são necessárias -, elas deverão ser garantidas com base
direta no princípio do devido processo legal. Outro exemplo: se não
há regra expressa garantido a proteção da expectativa de direito - mas
ela é necessária à implementação de um estado de confiabilidade e de
estabilidade para o cidadão -, ela deverá ser resguardada com base di-
reta no princípio da segurança jurídica. Nesses casos, há princípios que
atuam diretamente.

2.4.8.1.3 Eficácia interna indireta

A eficácia indireta traduz-se na atuação com intermediação ou in-


terposição de um outro (sub- )princípio ou regra. No plano da eficácia
indireta, os princípios exercem várias funções.
Em primeiro lugar, relativamente às normas mais amplas (sobre-
princípios), os princípios exercem uma função definitória, na medida
em que delimitam, com maior especificação, o comando mais amplo es-
tabelecido pelo sobreprincípio axiologicamente superior. Por exemplo,
os subprincípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva deverão
especificar, para situações mais concretas, a abrangência do sobreprincí-
pio da segurança jurídica.
Em segundo lugar, e agora em relação às normas de abrangência
mais restrita, os (sobre )princípios exercem uma fitnção interpretativa,
na medida em que servem para interpretar normas construídas a partir
de textos normativos expressos, restringindo ou ampliando seus senti-
dos. Por exemplo, o princípio do devido processo legal impõe a inter-
pretação das regras que garantem a citação e a defesa de modo a garan-
tir protetividade efetiva aos interesses do cidadão. Embora vários dos
subelementos do princípio do devido processo legal já estejam previs-
tos pelo próprio ordenamento jurídico, o princípio do devido processo
legal não é supérfluo, pois permite que cada um deles seja "relido" ou
122 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

a lealdade e a boa-fé, necessárias à promoção da moralidade adminis-


trativa.129
Como se pode perceber, o principio da moralidade exige condutas
sérias, leais, motivadas e esclarecedoras, mesmo que não previstas na
lei. Constituem, pois, violação ao principio da moralidade a conduta
adotada sem parâmetros objetivos e baseada na vontade individual do
agente e o ato praticado sem a consideração da expectativa criada pela
Administração.
Analisados os principios e as regras, cumpre, agora, examinar como
eles produzem os seus efeitos. Passemos ao exame da sua eficácia.

2.4.8 Eficácia dos princípios


2.4.8.1 Eficácia interna

2.4.8.1.1 Conteúdo
As normas atuam sobre as outras normas do mesmo sistema jurí-
dico, especialmente definindo-lhes o seu sentido e o seu valor. Os prin-
cipios, por serem normas imediatamente finalísticas, estabelecem um
estado ideal de coisas a ser buscado, que diz respeito a outras normas
do mesmo sistema, notadamente das regras. Sendo assim, os principios
são normas importantes para a compreensão do sentido das regras. Por
exemplo, as regras de imunidade tributária são adequadamente compre-
endidas se interpretadas de acordo com os principios que lhes são sobre-
jacentes, como é o caso da interpretação da regra da imunidade reciproca
com base no principio federativo. Essa aptidão para produzir efeitos em
diferentes níveis e funções pode ser qualificada de função eficaciaI.130

2.4.8.1.2 Eficácia interna direta


Os principios atuam sobre outras normas de forma direta e indireta.
A eficácia direta traduz-se na atuação sem intermediação ou interposi-
ção de um outro (sub- )principio ou regra. Dentro do âmbito da aptidão
das normas para produzir efeitos, as normas exercem diferentes funções,

129. Humberto Ávila, "Beneficios fiscais inválidos e a legítima expectativa


dos contribuintes", Revista Tributária 42/100-114.
130. Sobre a utilização do termo "função eficacial", v. Tércio Sampaio Ferraz
Jr., Introdução ao Estudo do Direito, p. 196. Sobre o uso do termo "função", relativa
aos princípios, v. Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, p. 300.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 121

violação à moralidade (art. 14). A consagração dessas condições para o


ingresso na função implica a escolha da seriedade e da reputação como
requisitos do homem público.
Quinto, instituindo variados mecanismos de controle da atividade
administrativa, inclusive mediante controle de legitimidade dos atos ad-
ministrativos pelos Tribunais de Contas (art. 70).
A sistematização do significado preliminar desses dispositivos ter-
mina por demonstrar que a Constituição Federal estabeleceu um rigo-
roso padrão de conduta para o ingresso e para o exercício da função
pública, de tal sorte que, inexistindo seriedade, motivação e objetivi-
dade, os atos podem ser revistos por mecanismos internos e externos
de controle.
Para melhor especificar esse rígido padrão de conduta, é necessário
encontrar casos paradigmáticos que permitam esclarecer o significado
da seriedade, da motivação e da objetividade que delimitam a moralida-
de almejada. Eis alguns.
Uma autoridade pública deixou escoar o prazo de validade de um
concurso público para o preenchimento do cargo de Juiz de Direito
Substituto, nomeando somente 33 dos 50 candidatos, depois de conhe-
cidos todos aqueles que haviam sido aprovados, e publicou novo edital
para a mesma finalidade. Intimada a esclarecer os motivos da inércia,
a autoridade deu a entender que não prorrogou o prazo de validade do
concurso porque não queria. Nesse caso, ficaram evidenciados a inércia
intencional, o drible a normas imperativas, a malícia despropositada, a
falta de postura exemplar e a ausência de motivos sérios. E esses com-
portamentos são incompatíveis com a seriedade e a veracidade necessá-
rias à promoção da moralidade administrativa.128
Um sujeito pede transferência de uma Universidade federal para
outra e tem seu pedido deferido, em razão do quê realiza a transferên-
cia e passa a frequentar o curso durante longo período. Mais tarde a
autoridade administrativa constata que foi desobedeci da uma formali-
dade, razão por que pretende anular os atos anteriores que permitiram
a transferência. Nesse caso ficou demonstrado o não cumprimento de
determinada promessa, bem como foi ferida uma expectativa criada pela
própria Administração. E esses comportamentos são incompatíveis com

128. STF, 2ª Tunna, RE I92.568-0-PI, reI. Min. Marco Aurélio, j. 23.4. I 996,
DJU 13.9.1996, p. 33.241.
120 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

serve de ponto de partida para a construção do princípio da moralidade


está contido no art. 37 da Constituição Federal, que põe a moralidade
como sendo um dos princípios fundamentais da atividade administra-
tiva. A Constituição Federal, longe de conceder uma palavra isolada à
moralidade, atribui-lhe grande importância em vários dos seus dispositi-
vos. A sumária sistematização do significado preliminar desses disposi-
tivos demonstra que a Constituição Federal preocupou-se com padrões
de conduta de vários modos.
Primeiro, estabelecendo valores fundamentais, como dignidade,
trabalho, livre iniciativa (art. Iº), justiça (art. 3º), igualdade (art. 5º, ca-
put), liberdade, propriedade e segurança (art. 5º, caput), estabilidade das
relações (art. 5º, caput e inciso XXXVI). A instituição desses valores
implica não só o dever de que eles sejam considerados no exercício da
atividade administrativa, como, também, a proibição de que sejam res-
tringidos sem plausível justificação.
Segundo, instituindo um modo objetivo e impessoal de atuação ad-
ministrativa, baseado nos princípios do Estado de Direito (art. ]º), da
separação dos Poderes (art. 2º), da legalidade e da impessoalidade (arts.
5º e 37). A instituição de um modo objetivo de atuação implica a prima-
zia dos atos exercidos sob o amparo juridico em detrimento daqueles
praticados arbitrariamente.
Terceiro, criando procedimentos de defesa dos direitos dos cida-
dãos, por meio da universalização da jurisdição (art. 5º, XXXV), da
proibição de utilização de provas ilícitas (art. 5º, LVI), do controle da
atividade administrativa via mandado de segurança e ação popular, in-
clusive contra atos lesivos à moralidade (art. 5º, LXIX e LXXIII), e da
anulação de atos de improbidade administrativa (art. 37, S 4º). A criação
de procedimentos de defesa permite a anulação de atos administrativos
que se afastem do padrão de conduta juridicamente eleito.
Quarto, criando requisitos para o ingresso nafunção pública, me-
diante a exigência de concurso público (art. 37, 11); a vedação de acu-
mulação de cargos (art. 37, XVI), proibição de autopromoção (art. 37,
XXI, e S I º); a necessidade de demonstração de idoneidade moral ou re-
putação ilibada para ocupar os cargos de ministro do Tribunal de Contas
(art. 73), do Supremo Tribunal Federal (art. 101), do Superior Tribunal
de Justiça (art. 104), do Tribunal Superior Eleitoral (art. 119), do Tribu-
nal Regional Eleitoral (art. 120); a exigência de idoneidade moral para
requerer a naturalidade brasileira (art. 12); e a proibição de reeleição por
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 119

Bem concretamente, isso significa (a) analisar a existência de crité-


rios que permitam definir, também para outros casos, quais são os com-
portamentos necessários para a realização de um princípio; (b) expor
os critérios que podem ser utilizados e os fundamentos que levam à sua
adoção.

2.4.6.5 Realização do percurso inverso: descobertos o estado de coisas


e os comportamentos necessários à sua promoção,
toma-se necessária a verificação da existência
de outros casos que deveriam ter sido decididos
com base no princípio em análise

O segundo passo no exame dos princípios, como já foi mencionado,


refere-se à investigação da jurisprudência, especialmente dos Tribunais
Superiores, para verificar, em cada caso paradigmático, quais foram os
comportamentos havidos como necessários à realização do princípio ob-
jeto de análise.
Casos há, no entanto, em que determinado princípio é utilizado sem
que ele seja expressamente mencionado. Em outros casos, embora obri-
gatória a promoção do fim, o princípio não é utilizado como fundamen-
to. Em face dessas considerações, é preciso, depois de desveladas as
hipóteses de aplicação típica do princípio em análise, refazer a pesquisa,
dessa feita não mediante a busca do princípio como palavra-chave, mas
por meio da busca do estado de coisas e dos comportamentos havidos
como necessários à sua realização.
Em outras palavras, isso significa (a) refazer a pesquisajurispruden-
cial mediante a busca de outras palavras-chave; (b) analisar criticamente
as decisões encontradas, reconstruindo-as de acordo com o princípio em
exame, de modo a evidenciar sua falta de uso.
Esses passos demonstram que se trata de um longo caminho a ser
percorrido. Todo o esforço exigido nesse percurso tem uma finalidade
precisa: superar a mera exaltação de valores em favor de uma delimita-
ção progressiva e racionalmente sustentável de comportamentos neces-
sários à realização dos fins postos pela Constituição Federal.

2.4.7 Exemplo do princípio da moralidade

A utilização dessas diretrizes pode ser exemplificada no exame do


princípio da moralidade, ainda que de modo sintético. O dispositivo que
118 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

de comportamentos sérios e fundamentados. Enfim, é preciso substituir


o fim vago por condutas necessárias à sua realização.
Bem concretamente, isso significa (a) investigar a jurisprudência,
especialmente dos Tribunais Superiores, para encontrar casos paradig-
máticos; (b) investigar a íntegra dos acórdãos escolhidos; (c) verificar,
em cada caso, quais foram os comportamentos havidos como necessá-
rios à realização do princípio objeto de análise.

2.4.6.3 Exame, nesses casos, das similaridades capazes


de possibilitar a constituição de grupos de casos que girem
em tomo da solução de um mesmo problema central

Ao investigar alguns casos (o caso de um funcionário que agiu con-


forme memorando interno de uma instituição financeira, que mais tarde
não o quis cumprir; o caso de um estudante que teve deferido seu pedido
de transferência de uma Universidade para outra, e anos mais tarde teve
sua transferência anulada, por vício formal; e o caso de uma empresa
que obteve a concessão de um beneficio fiscal, durante anos, para a pro-
moção de um projeto empresarial, até tê-lo anulado por irregularidades
formais), constata-se que, em todos eles, as decisões do Poder Judiciário
giraram em tomo do problema relativo à proteção da legítima expecta-
tiva criada pelo próprio Poder Público na esfera jurídica do particular,
notadamente quando essa expectativa se consolidou, no plano dos fatos,
durante anos. Enfim, é necessário abandonar a mera catalogação de
casos isolados, em favor da investigação do problema jurídico neles
envolvido e dos valores que devem ser preservados para sua solução.
Bem concretamente, isso significa (a) analisar a existência de um
problema comum que aproxime os casos diferentes; (b) verificar os va-
lores responsáveis pela solução do problema.

2.4.6.4 Verificação da existência de critérios capazes de possibilitar


a delimitação de quais são os bens jurídicos que compõem
o estado ideal de coisas e de quais são os comportamentos
considerados necessários à sua realização

Alguns casos investigados na análise do princípio da moralidade


podem revelar, de um lado, o dever de realizar o valor da lealdade e,
de outro, a necessidade de adotar comportamentos sérios, motivados e
esclarecedores para a realização desse valor. Enfim, troca-se a busca de
um ideal pela realização de umfim concretizável.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 117

meio de comportamentos necessários a essa realização, propõem-se os


seguintes passos para a investigação dos princípios.

2.4.6.1 Especificação dos fins ao máximo: quanto menos específico


for o fim, menos controlável será sua realização

o início da progressiva delimitação do fim se faz pela construção


de relações entre as próprias normas constitucionais, de modo a estru-
turar uma cadeia de fundamentação, centrada nos princípios aglutinado-
res. A leitura da Constituição Federal, com a percepção voltada para a
delimitação dos fins, é imprescindível. Por exemplo, em vez de jungir a
Administração à promoção da saúde pública, sem delimitar o que isso
significa em cada contexto, é preciso demonstrar que a saúde pública
significa, no contexto em análise e de acordo com determinados dispo-
sitivos da Constituição Federal, o dever de disponibilizar a vacina "x"
para frear o avanço da epidemia "y". Enfim, é preciso trocar o fim vago
pelo fim específico.
Bem concretamente, isso significa (a) ler a Constituição Federal,
com atenção específica aos dispositivos relacionados ao princípio ob-
jeto de análise; (b) relacionar os dispositivos em função dos princípios
fundamentais; (c) tentar diminuir a vagueza dos fins por meio da análise
das normas constitucionais que possam, de forma direta ou indireta, res-
tringir o âmbito de aplicação do princípio.

2.4.6.2 Pesquisa de casos paradigmáticos que possam iniciar


esse processo de esclarecimento das condições
que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado
pelos comportamentos necessários à sua realização

Casos paradigmáticos são aqueles cuja solução pode ser havida


como exemplar, considerando-se exemplar aquela solução que serve de
modelo para a solução de outros tantos casos, em virtude da capacidade
de generalização do seu conteúdo valorativo. Por exemplo, ao invés de
meramente afirmar que a Administração deve pautar sua atividade se-
gundo os padrões de moralidade, é preciso indicar que, em determinados
casos, o dever de moralidade foi especificado como o dever de realizar
expectativas criadas por meio do cumprimento das promessas antes fei-
tas ou como o dever de realizar os objetivos legais por meio da adoção
116 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

um dos resultados - para o efeito de justificar a tributação mesmo que o


valor obtido pela empresa não fosse enquadrado no conceito de fatura-
mento! Ora, isso não é aceitável. O próprio Supremo Tribunal Federal
afastou essa prevalência dos princípios em importante precedente. 126
Como se pode perceber, as duas classificações - tanto a fraca quan-
to a forte - não são desprovidas de efeitos, pois trazem consequências
para o operador do Direito: na primeira haverá aplicação com alto grau
de subjetividade em função da elevada abertura da norma; na segunda
haverá uma ponderação que irá atribuir um peso aos princípios coliden-
tes no caso concreto. Como há consequências expressivas com relação
à aplicação das normas, tanto a conceituação equivocada (indicação de
que o conceito de princípio conota propriedades que a linguagem nor-
mativa não pode conotar) quanto a denominação inapropriada de uma
norma (qualificação de uma norma como princípio sem que ela tenha
as propriedades conotadas pelo conceito de princípio) provocam um re-
sultado normativo indesejado: a flexibilização da aplicação de uma nor-
ma que deveria ser aplicada com maior rigidez. O tiro sai pela culatra:
a pretexto de aumentar a efetividade da norma, a doutrina denomina-a
de princípio, mas, ao fazê-lo, legitima sua mais fácil flexibilização, en-
fraquecendo sua eficácia; com a intenção de aumentar a valoração, a
doutrina qualifica determinadas normas de princípios, mas, ao fazê-lo,
elimina a possibilidade de valoração das regras, apequenando-as; com a
finalidade de combater o formalismo, a doutrina redireciona a aplicação
do ordenamento para os princípios, mas, ao fazê-lo sem indicar critérios
minimamente objetiváveis para sua aplicação, aumenta a injustiça por
meio da intensificação do decisionismo; com a intenção de difundir uma
aplicação progressista e efetiva do ordenamento jurídico, a doutrina qua-
lifica aquelas normas julgadas mais importantes como princípios, mas,
ao fazê-lo com a indicação de que os princípios demandam aplicação
intensamente subjetiva ou flexibilizadora em função de razões contrá-
rias, lança bases para o que próprio conservadorismo seja legitimado.127

2.4.6 Diretrizes para a análise dos princípios


Considerando a definição de princípios como normas finalísticas,
que exigem a delimitação de um estado ideal de coisas a ser buscado por

126. STF, Tribunal Pleno, RE 346.084, reI. Min. limar Galvão, reI. para o acór-
dão Min. Cézar Peluzo, DJU 1.9.2006.
127. Humberto Ávila, Sistema Constitucional Tributário, p. 53.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS I 15

proíbe a utilização de prova ilícita pode ser considerada um princípio e


ser objeto de livre maleabilidade? Evidentemente que não. Onde, estão,
as referidas propriedades de ausência de estrutura hipotética, de possi-
bilidade de realização em vários graus segundo as restrições advindas
de outros princípios? Elas não estão presentes. Essas normas são regras
também para essa corrente.
Novamente é preciso enfatizar que essa contradição interna da dou-
trina que adota a distinção forte entre as espécies normativas não diz res-
peito a uma mera questão de nomenclatura. Tratar-se-ia de uma disputa
terminológica se não surgisse um problema fundamental: a atribuição
de uma consequência específica para a aplicação das normas - susce-
tibilidade de superação mais flexível em virtude de razões contrárias.
Sendo essas as características dos princípios, a doutrina, de um lado,
cai em contradição e, de outro - e o que é bem mais grave -, legitima a
fácil restringibilidade de uma norma que a Constituição, pela técnica de
normatização que adotou, queria menos flexível.
Conexa a essa questão está a concepção doutrinária largamente di-
fundida no sentido de que descumprir um princípio é mais grave que
descumprir uma regra. Em geral, o correto é o contrário: descumprir
uma regra é mais grave que descumprir um princípio. E isso porque as
regras têm uma pretensão de decidibilidade que os princípios não têm:
enquanto as regras têm a pretensão de oferecer uma solução provisória
para um conflito de interesses já conhecido ou antecipável pelo Poder
Legislativo, os princípios apenas oferecem razões complementares para
solucionar um conflito futuramente verificável.
Também relacionado a essa questão está o problema de saber qual
norma deve prevalecer se houver conflito entre um princípio e uma regra
de mesmo nível hierárquico (regra constitucional versus princípio consti-
tucional). Normalmente, a doutrina, com base naquela já referida concep-
ção tradicional, afirma que deve prevalecer o princípio. Assim, porém,
não deve suceder. Se isso fosse aceito, quando houvesse colisão entre a
regra de imunidade dos livros e o princípio da liberdade de manifestação
do pensamento e de cultura, deveria ser atribuída prioridade ao princípio,
inclusive - esta seria uma das consequências - para efeito de tomar imu-
nes obras de arte! E se houvesse conflito entre a regra de competência
para instituir contribuições sociais sobre faturamento e os princípios da
solidariedade social e da universalidade do financiamento da seguridade
social, deveria ser dada prevalência aos princípios, inclusive - este seria
114 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

conflitos entre princípios - concretos, contingentes e no plano da efi-


cácia. Por esse motivo, descabe fundar uma distinção entre as espécies
normativas no modo de solução de antinomias se ele, em vez de estre-
má-las, termina aproximando-as em alguns casos.
Registre-se que a distinção entre as espécies normativas com base
no modo de aplicação e no modo de solução de antinomias também
pode conduzir, de um lado, a uma trivialização do funcionamento das
regras, transformando-as em normas que são aplicadas de modo auto-
matizado e sem a necessária ponderação de razões. Mais que isso: essa
distinção leva a crer que as regras não podem ser superadas, quando,
em realidade, toda norma jurídica - inclusive as regras - estabelece de-
veres provisórios, como comprovam os casos de superação das regras
por razões extraordinárias com base no postulado da razoabilidade. De
outro lado, esses critérios de distinção, se não somados a critérios pre-
cisos de aplicação e de argumentação, podem conduzir, indiretamente,
a um uso arbitrário dos princípios, relativizados conforme os interesses
em jogo.
A inconsistência semântica também traz implicações no plano sin-
tático: alguns autores que definem os princípios como aquelas normas
portadoras de propriedades específicas (aplicação por meio de pondera-
ção e conflito solucionado por meio de relativização em face de outros
princípios) insistem em qualificar de "princípios" normas que não têm
aquelas propriedades. Ora, se princípio é definido como uma norma
realizável em vários graus, dependendo dos princípios com os quais ela
entra em conflito concreto, e que, por isso, exige uma aplicação que lhe
atribua dimensão de peso, indaga-se: a norma da não cumulatividade,
enquanto norma que permite deduzir, do imposto a pagar, o montante
do imposto incidente na operação anterior do ciclo econômico pode
ser qualificada como um princípio e ser objeto de flexibilização em
decorrência de outros princípios? A exigência de anterioridade, como
mandamento que exige a publicação da lei que instituiu ou aumentou o
imposto até o final do exercício anterior ao da cobrança, pode ser consi-
derada um princípio e ser restringida diante do caso concreto? A norma
da irretroatividade, que proíbe às normas tributárias colher fatos ocor-
ridos antes da publicação das leis que instituem ou majoram tributos,
pode ser considerada um princípio e ser relativizada em face de razões
contrárias? A norma da imunidade, enquanto norma que preexclui de-
terminados fatos ou pessoas do poder de tributar, pode ser considera-
da um princípio e ter seu conteúdo semântico superado? A norma que
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 113

fático), os princípios estabelecem deveres provisórios (deveres que po-


dem ser superados por razões contrárias) e são aplicados mediante pon-
deração (sopesamento concreto entre razões colidentes, com atribuição
de peso maior a uma delas); enquanto o conflito entre regras é abstrato
(abstratamente concebível já no plano abstrato), necessário (é inevitável
caso não seja aberta uma exceção) e situado no plano da validade (o
conflito resolve-se com a decretação de invalidade de uma das regras
envolvidas), a antinomia entre princípios é concreta (só ocorre diante
de determinadas circunstâncias concretas), contingente (pode ou não
ocorrer) e situada no plano da eficácia (ambos os princípios mantêm a
validade após o conflito).
Essa distinção baseada na estrutura normativa tem sido recentemen-
te difundida na doutrina do Direito Tributário. Essa divulgação também
tem provocado duas inconsistências: uma semântica e outra sintática.
A inconsistência semântica está na impropriedade da definição de
princípio com base no modo final de aplicação e no modo de solução
de antinomia. Essa distinção entre as espécies normativas sofreu várias
críticas. O modo de aplicação das espécies normativas, se ponderação ou
subsunção, não é adequado para diferenciá-las, na medida em que toda
norma jurídica é aplicada mediante um processo de ponderação. As re-
gras não fogem a esse padrão, na medida em que se submetem tanto a
uma ponderação interna quanto a uma ponderação externa: sofrem uma
ponderação interna porque a reconstrução do conteúdo semântico da sua
hipótese e da finalidade que lhe é subjacente depende de um confronto
entre várias razões em favor de alternativas interpretativas (exemplo:
definição do sentido de livro para efeito de determinação do aspecto ma-
terial da regra de imunidade); submetem-se a uma ponderação externa
nos casos em que duas regras, abstratamente harmoniosas, entram em
cont1ito diante do caso concreto sem que a solução para o conflito en-
volva a decretação de invalidade de uma das duas regras (exemplo: uma
regra que determina a concessão da antecipação de tutela para evitar
dano irreparável e outra regra que proíbe a antecipação se ela provocar
despesas para a Fazenda Pública). É inapropriado, por isso, fazer uma
distinção entre as espécies normativas com base em propriedades co-
muns às espécies diferenciadas - a ponderabilidade e a superabilidade.
O mesmo ocorre com relação ao modo de solução de antinomias.
Embora o conflito entre regras resolva-se, normalmente, com a decre-
tação de invalidade de uma delas, nem sempre isso ocorre, podendo ser
constatados conflitos entre regras com as mesmas características dos
112 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

2.4.5 Análise do uso inconsistente da distinção forte


entre regras e princípios
A segunda corrente doutrinária, capitaneada pelos estudos de
Dworkin e Alexy, sustenta que os princípios são normas que se caracteri-
zam por serem aplicadas mediante ponderação com outras e por poderem
ser realizadas em vários graus, contrariamente às regras, que estabele-
cem em sua hipótese definitivamente aquilo que é obrigatório, permitido
ou proibido, e que, por isso, exigem uma aplicação mediante subsunção.
Essa é a teoria moderna do Direito Público, inicialmente difundida pelos
estudos de Filosofia e Teoria Geral do Direito e depois transportada para
os trabalhos de Direito Constitucional. É dessa concepção que vem a
afirmação de que os princípios são diferentes das regras relativamente
ao modo de aplicação e ao modo como são solucionadas as antinomias
que surgem entre eles. A diferença quanto ao modo de aplicação é a se-
guinte: enquanto as regras estabelecem mandamentos definitivos e são
aplicadas mediante subsunção, já que o aplicador deverá confrontar o
conceito do fato com o conceito constante da hipótese normativa e, ha-
vendo encaixe, aplicar a consequência, os princípios estabelecem deve-
res provisórios e são aplicados mediante ponderação, na medida em que
o aplicador deverá atribuir uma dimensão de peso aos princípios diante
do caso concreto. A diferença quanto ao modo de solução de antinomias
é a que segue: enquanto o conflito entre regras ocorre no plano abstrato,
é necessário e implica declaração de invalidade de uma delas caso não
seja aberta uma exceção, o conflito entre princípios ocorre apenas no
plano concreto, é contingente e não implica declaração de invalidade de
um deles, mas apenas o estabelecimento de uma regra de prevalência
diante de determinadas circunstâncias verificáveis somente no plano da
eficácia das normas.
O fundamento dessa distinção está na estrutura normativa: os prin-
cípios, porque instituem mandamentos superáveis no confronto com ou-
tros princípios, permitem o sopesamento, ao passo que as regras, porque
estabelecem deveres pretensamente definitivos, eliminam ou diminuem
sensivelmente a liberdade apreciativa do aplicador. Trata-se, como se
pode ver, de uma distinção forte: os princípios e as regras não têm as
mesmas propriedades, mas qualidades diferentes; enquanto as regras
instituem deveres definitivos (deveres que não podem ser superados
por razões contrárias) e são aplicadas por meio da subsunção (exame
de correspondência entre o conceito normativo e o conceito do material
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 111

diatamente, a uma supervalorização dos princípios, como se a aplicação


de qualquer regra pudesse ser alçada ao nível exclusivamente principio-
lógico sem justificação e fundamentação.
A inconsistência semântica traz implicações no plano sintático:
muitos autores que definem os princípios como aquelas normas portado-
ras de propriedades específicas (elevado grau de abstração e generalida-
de) insistem em qualificar de "princípios" normas que não têm aquelas
propriedades. Ora, se princípio é definido como uma norma de elevado
grau de abstração e generalidade e que, por isso, exige uma aplicação
com elevado grau de subjetividade, pergunta-se: a prescrição normativa
permitindo o abatimento, do imposto sobre produtos industrializados a
pagar, do montante incidente nas operações anteriores pode ser conside-
rada um princípio? A prescrição normativa que exige a publicação da lei
que instituiu ou aumentou um imposto até o final do exercício anterior
ao da cobrança pode ser considerada um princípio? A prescrição norma-
tiva que proíbe o legislador de tributar fatos ocorridos antes da edição
da lei pode ser considerada um princípio? A prescrição normativa que
proíbe a instituição de impostos sobre determinados fatos pode ser con-
siderada um princípio? A proibição de utilização de prova ilícita pode
ser considerada um princípio? Claro que não. Onde estão as referidas
propriedades de elevado grau de abstração e generalidade no caso da
norma que exige a anterioridade para a instituição ou aumento de im-
postos, por exemplo? Elas não estão presentes em lugar algum. A norma
que exige o comportamento de publicar a lei que instituiu ou aumentou
um imposto até o final do exercício anterior ao da cobrança é uma regra,
por exemplo. 125
Essa contradição interna da doutrina não diz respeito a uma mera
questão de nomenclatura, de resto secundária. Tratar-se-ia de uma dis-
puta terminológica se não surgissem dois problemas fundamentais: de
um lado, se não fossem atreladas às normas comentadas determinadas
propriedades que elas, em verdade, não têm - alto grau de generalidade
e abstração; de outro lado, se não fosse atrelada à definição das referidas
normas uma consequência específica para sua aplicação - alto grau de
subjetividade. Sendo essas as características, a doutrina, de um lado, cai
em contradição e, de outro - o que é bem pior -, legitima a flexibilização
na aplicação de uma norma que a Constituição, pela técnica de normati-
zação que utilizou, queria menos flexível.

125. Humberto Á vila, Sistema Constitucional Tributário, p. 157.


110 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

e as regras têm as mesmas propriedades, embora em graus diferentes


- enquanto os princípios são mais indeterminados, as regras são menos.
Essa distinção baseada no grau de abstração e generalidade é bas-
tante difundida na doutrina do Direito Público, especialmente no Direito
Tributário. Essa difusão tem provocado duas inconsistências: uma se-
mântica e outra sintática.
A inconsistência semântica está na impropriedade da definição de
princípio com base no elevado grau de abstração e generalidade. Esse
critério de distinção entre as espécies normativas sofreu pesadas críti-
cas. Uma delas - talvez a principal - é a de que toda norma, porque
veiculada por meio da linguagem, é, em alguma medida, indeterminada,
descabendo, por isso, fazer uma distinção entre as espécies normativas
com base em algo que é comum a todas elas - a indeterminação. E como
a aplicação das normas demanda amplo processo de ponderação de ra-
zões e de fatos, tanto a aparente determinação pode desaparecer quanto
a pressuposta indetenninação pode transmudar-se em clareza diante dos
casos concretos. Até mesmo porque a aplicação das nonnas abrange vá-
rios outros aspectos além do meramente semântico.
O mesmo ocorre com relação ao conteúdo valorativo. Toda norma,
porque destinada a atingir determinada finalidade, serve de meio para a
realização de valores, sendo que as regras servem de meio para a con-
cretização de, no mínimo, dois valores: o valor formal de segurança,
pois as regras têm uma pretensão de decidibilidade inexistente no caso
dos princípios; e o valor substancial específico, já que cada regra tem
uma finalidade que lhe é subjacente. Por essa razão, descabe fundar uma
distinção entre as espécies normativas no conteúdo valorativo se ele, em
vez de estremá-las, termina aproximando-as.
Note-se que a distinção entre as espécies normativas com repercus-
são nos planos da indeterminação e do conteúdo valorativo da lingua-
gem pode terminar, de um lado, apequenando a latente indeterminação
das regras e seu encoberto conteúdo valorativo, transformando-as em
normas de segunda categoria pela sua pretensa determinação e pela sua
suposta neutralidade valorativa. Mais que isso: essa distinção pode levar
à crença de que o intérprete não tem liberdade alguma de configuração
dos conteúdos semântico e valorativo das regras, quando, em verda-
de, toda nonna jurídica - inclusive as regras - só tem seu conteúdo de
sentido e sua finalidade subjacente definidos mediante um processo de
ponderação. De outro lado, esse critério de distinção pode conduzir, me-
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 109

razão, algumas normas possuem, sim, um caráter finalístico, como é o


caso da norma que garante o Estado de Direito, que determina a realiza-
ção de um estado de responsabilidade estatal, previsibilidade normativa,
equilíbrio entre Poderes e proteção de direitos, ou da norma que prevê
um Estado Federal, que determina a realização de um estado de unifor-
midade e autonomia entre os entes federados. Outras normas, contudo,
não possuem esta propriedade finalística imediata, sendo, por isso, qua-
lificadas como regras, como é o caso da exigência de legalidade para a
instituição e aumento de tributos, ou também das regras interpretativas,
como aquelas que estabelecem os critérios para a solução de antinomias
Clex superior derogat inferiori" e "lex posterior derogat priori").

2.4.4 Análise do uso inconsistente da distinçào fraca


entre regras e princípios

Há, grosso modo, duas correntes doutrinárias que definem os prin-


cípios.124 A primeira corrente sustenta que os princípios são normas de
elevado grau de abstração (destinam-se a um número indeterminado
de situações) e generalidade (dirigem-se a um número indeterminado de
pessoas) e que, por isso, exigem uma aplicação influenciada por ele-
vado grau de subjetividade do aplicador; contrariamente às regras, que
denotam pouco ou nenhum grau de abstração (destinam-se a um núme-
ro [quase] determinado de situações) e generalidade (dirigem-se a um
número [quase] determinado de pessoas), e que, por isso, demandam
uma aplicação com pouca ou nenhuma influência de subjetividade do
intérprete. Essa é a teoria clássica do Direito Público, inicialmente di-
fundida pelos estudos de Direito Administrativo e depois transplantada
para os trabalhos de Direito Constitucional. É dessa concepção que vem
a afirmação de que os princípios são os alicerces, as vigas-mestras ou
os valores do ordenamento jurídico, sobre o qual irradiam seus efeitos.
O fundamento dessa distinção, dependendo da radical idade com
que seja defendido, está no grau de indeterminação das espécies nor-
mativas: os princípios, porque fluidos, permitem maior mobilidade va-
lorativa, ao passo que as regras, porque pretensamente determinadas,
eliminam ou diminuem sensivelmente a liberdade apreciativa do apli-
cador. Trata-se, como se pode ver, de uma distinção fraca: os princípios

124. Aulis Aamio, Reason and A IIthority. A Treatise on the Dynamic Paradigm
0/ Legal Dogmatics, p. 174.
108 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

são os comportamentos necessários a essa realização? Algumas diretri-


zes metódicas facilitam o encontro das respostas a essas questões.123
É preciso realçar que não se defende, neste trabalho, que as re-
gras sejam meras descrições de comportamentos. Sustenta-se, em vez
disso, que elas possuem um componente descritivo dos comportamen-
tos permitidos, proibidos ou obrigatórios, isto é, dos comportamentos
prescritos. Tanto é assim que, acima, foi dito que "As regras podem ser
dissociadas dos princípios quanto ao modo como prescrevem o compor-
tamento. Enquanto as regras são normas imediatamente descritivas, na
medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições me-
diante a descrição da conduta a ser adotada, os princípios são normas
imediatamente jinalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para
cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos"
(item 2.4.2.1). Vale dizer, ambas as espécies normativas são prescrições,
embora se diferenciem quanto ao modo como as veiculam. Como acer-
tadamente demonstrou Guastini, no próprio prólogo da edição italiana
desta obra, este caráter descritivo do comportamento prescrito pode ser,
do ponto de vista técnico, mais especificamente denominado de "com-
ponente referencial, dotado de referimento semântico".
É preciso ressaltar, outrossim, que tanto as regras quanto os princí-
pios se dirigem ao comportamento humano, como ocorre com qualquer
prescrição normativa. Apesar dessa semelhança, contudo, as regras se
diferenciam dos princípios quanto à natureza da descrição: enquanto as
regras descrevem comportamentos permitidos, obrigatórios ou proibi-
dos, os princípios descrevem estados ideais que devem ser promovidos
ou conservados. Daí se ter afirmado, acima, que "O ponto decisivo não
é, pois, a ausência da prescrição de comportamentos e de consequências
no caso dos princípios, mas o tipo da prescrição de comportamentos e de
consequências, o que é algo diverso" (item 2.3.1.2).
Por último, neste ponto, é preciso salientar que a definição de prin-
cípios como normas finalísticas decorre, naturalmente, de uma definição
mais ampla de finalidade na presente obra (item 2.4.3). Como a finalida-
de é definida como um objeto pretendido, com função diretiva do com-
portamento a ser adotado, ela pode tanto representar uma situação final
(viajar a determinado lugar) quanto um estado de coisas (estabilidade
normativa) ou uma situação contínua (o bem estar das pessoas). Por essa

123. Claus-Wilhelm Canaris, "Theorienrezeption und Theorienstruktur", Wege


zlIlIIjapanischen Recht ... , pp. 59-94.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 107

o exame de correspondência entre a conduta adotada e a descrição nor-


mativa daquele objeto. Essa correspondência, em sentido amplo, tanto
pode se referir a uma exigência de conformidade (verificar se a conduta
adotada é dedutível da previsão normativa) quanto a uma exigência de
compatibilidade (verificar se o comportamento adotado não contradiz a
descrição normativa).
Ora, o caráter descritivo do objeto - e a conduta a que ele faz refe-
rência - e a exigência de correspondência não estão presentes no caso
dos princípios. Isso porque os princípios não descrevem um objeto em
sentido amplo (sujeitos, condutas, matérias, fontes, efeitos jurídicos,
conteúdos), mas, em vez disso, estabelecem um estado ideal de coisas
que deve ser promovido; e, por isso, não exigem do aplicador um exa-
me de correspondência, mas, em vez disso, um exame de eorrelaçôo
entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da
conduta havida como necessária à sua promoção. Enfim, apesar da va-
riedade de espécies de regras, pode-se continuar afirmando, no plano
da generalidade, que elas se contrapõem aos princípios, pelos seguintes
critérios.
Em primeiro lugar, as regras diferenciam-se dos princípios pela
natureza da deseriçôo normativa: enquanto as regras descrevem obje-
tos determináveis (sujeitos, condutas, matérias, fontes, efeitos jurídicos,
conteúdos), os princípios descrevem um estado ideal de coisas a ser pro-
movido.
Em segundo lugar, as regras diferenciam-se dos princípios pela na-
tureza da Justifieaçôo que exigem para serem aplicadas: as regras exi-
gem um exame de correspondência entre a descrição normativa e os atos
praticados ou fatos ocorridos, ao passo que os princípios exigem uma
avaliação da correlação positiva entre os efeitos da conduta adotada e o
estado de coisas que deve ser promovido.
Em terceiro lugar, as regras distinguem-se dos princípios pela na-
tureza da eontribuiçôo para a solução do problema: enquanto as regras
têm pretensão de decidibilidade, pois visam a proporcionar uma solução
provisória para um problema conhecido ou antecipável, os princípios
têm pretensão de complementaridade, já que servem de razões a serem
conjugadas com outras para a solução de um problema.
A delimitação dos comportamentos devidos depende, porém, da
implementação de algumas condições. De fato, como saber quais são as
condições que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado e quais
106 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

cador um exame de correspondência da construção factual à descrição


normativa e à finalidade que lhe dá suporte? Nos termos gerais aqui
propostos, sim.
No caso dos dispositivos de atribuição de competências, o aplica-
dor pode reconstruir, conjuntamente, três normas: uma regra de conduta
permissiva que permite a um sujeito exercer determinada atividade; uma
regra de conduta proibitiva que proíbe a outros sujeitos exercer a mesma
atividade; e uma regra definitória que define determinada fonte como
apta a produzir determinados efeitos.
No caso de dispositivos relativos ao exerCÍcio de competências, o
aplicador pode reconstruir, conjuntamente, duas normas: uma regra de
conduta obrigatória que obriga determinado sujeito a adotar determi-
nado comportamento para exercer validamente um poder; e uma regra
definitória que define como fonte normativa somente aquela fonte que
foi produzida conforme determinado procedimento.
No caso de dispositivos relativos à delimitação material de compe-
tência, o aplicador pode reconstruir, conjuntamente, duas normas: uma
regra de conduta obrigatória que obriga alguém a exercer um poder so-
mente sobre determinadas matérias; e uma regra de conduta proibitiva
que proíbe a alguém exercer poder sobre outras matérias.
No caso de dispositivos relativos à reserva de competência, o apli-
cador pode reconstruir, conjuntamente, três normas: uma regra de con-
duta permissiva que atribui a um sujeito o poder para instituir determina-
da fonte normativa; uma regra de conduta proibitiva que proíbe o sujeito
de editar outra fonte normativa; e uma regra de conduta proibitiva que
proíbe o sujeito de delegar a outro sujeito o poder de editar determinada
fonte.
E, finalmente, no caso de dispositivos relativos à delimitação subs-
tancial de competência, o aplicador pode reconstruir, conjuntamente,
três normas: uma regra de conduta obrigatória que obriga um sujeito a
inserir determinado conteúdo no ato normativo que vai editar; uma regra
de conduta proibitiva que proíbe o sujeito de inserir conteúdo diverso no
ato normativo; e uma regra de conduta permissiva que atribui ao sujeito
o poder para praticar determinado ato.
Para o que se discute neste trabalho, o importante é que em todos os
casos referidos as normas descrevem objetos (sujeitos, condutas, maté-
rias, fontes, efeitos jurídicos, conteúdos) e exigem do destinatário a ado-
ção de um comportamento mais ou menos determinado, e do aplicador
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 105

rizadores das regras - o caráter descritivo e a exigência de avaliação de


correspondência entre a construção factual e a descrição normativa. Isso
pode ser demonstrado a partir do exame dos vários tipos de regras. Há,
evidentemente, vários critérios de classificação das regras. Este não é o
lugar para examinar todos eles. Isso seria impertinente, já que a discus-
são aqui travada diz respeito, unicamente, à definição geral dos princí-
pios e das regras.
Para esse propósito, as regras podem ser divididas em dois grandes
grupos: o das regras comportamentais e o das regras constitutivas. 122
As regras comportamentais descrevem comportamentos como obriga-
tórios, permitidos ou proibidos. As regras constitutivas atribuem efeitos
jurídicos a determinados atos, fatos ou situações, podendo ser recons-
truídas a partir dos seguintes dispositivos:
I) Dispositivos relativos à atribuição de competência: eles atri-
buem a um sujeito determinado um poder para editar determinado ato.
Por exemplo, o dispositivo segundo o qual compete ao Parlamento o
poder de editar leis.
2) Dispositivos relativos ao exercício de competência: eles regu-
lam o procedimento para o exercício de determinada competência. Por
exemplo, o dispositivo segundo o qual a edição de leis deve obedecer ao
procedimento parlamentar.
3) Dispositivos relativos à delimitação material de competência:
eles circunscrevem o âmbito material da competência. Por exemplo, o
dispositivo segundo o qual a instituição de tributos é matéria reservada
ao Poder Legislativo.
4) Dispositivos relativos à reserva de competência: eles reservam
a determinadas fontes normativas a aptidão para regular determinadas
matérias. Por exemplo, o dispositivo segundo o qual somente a lei em
sentido formal pode instituir tributos.
5) Dispositivos relativos à delimitaçôo substancial de competência:
eles delimitam o conteúdo da competência. Por exemplo, o dispositivo
segundo o qual as leis deverão tratar todos os cidadãos da mesma forma,
sem qualquer tipo de discriminação.
Frente a essa variedade de dispositivos normativos, repete-se a
pergunta: todos eles estabelecem normas de conduta e exigem do apli-

122. Cf. Ricardo Guastini, 1/ Gilldice e la Legge, pp. \36 e SS.; Aulis Aarnio,
Reason and AII/hori/y. A Trea/ise on lhe Dynamic Paradigm of Legal Dogma/ics,
pp. 160 e ss.
104 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

As considerações antes feitas demonstram que os princípios não


são apenas valores cuja realização fica na dependência de meras pre-
ferências pessoais. Eles são, ao mesmo tempo, mais do que isso e algo
diferente disso. Os princípios instituem o dever de adotar comportamen-
tos necessários à realização de um estado de coisas ou, inversamente,
instituem o dever de efetivação de um estado de coisas pela adoção de
comportamentos a ele necessários. Essa perspectiva de análise evidencia
que os princípios implicam comportamentos, ainda que por via indire-
ta e regressiva. Mais ainda, essa investigação pennite verificar que os
princípios, embora indeterminados, não o são absolutamente. Pode até
haver incerteza quanto ao conteúdo do comportamento a ser adotado,
mas não há quanto à sua espécie: o que for necessário para promover o
fim é devido.
Logo se vê que os princípios, embora relacionados a valores, não se
confundem com eles. Os princípios relacionam-se aos valores na medida
em que o estabelecimento de fins implica qualificação positiva de um
estado de coisas que se quer promover. No entanto, os princípios afas-
tam-se dos valores porque, enquanto os princípios se situam no plano
deontológico e, por via de consequência, estabelecem a obrigatoriedade
de adoção de condutas necessárias à promoção gradual de um estado de
coisas, os valores situam-se no plano axiológico ou meramente teleoló-
gico e, por isso, apenas atribuem uma qualidade positiva a determinado
elementoY'
As regras são definidas neste trabalho como normas imediatamente
descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibi-
lidade e abrangência, para cuja aplicação exigem a avaliação da cor-
respondência entre a construção conceitual da descrição normativa e
a construção conceitual dos fatos. Em razão disso, surge a questão de
saber se essa definição é compatível com os vários tipos de regras, es-
pecialmente com as regras de competência (aquelas que atribuem a um
sujeito o poder para editar determinados atos) e com as regras definitó-
rias (aquelas que atribuem significado normativo a determinados atos
ou fatos). Essa indagação surge devido ao fato de que nessas normas
não haveria um comportamento descrito, mas apenas a atribuição de um
poder ou a definição de um efeito jurídico. A resposta é afirmativa: tam-
bém no caso dessas regras estão presentes os elementos gerais caracte-

121. Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts und


Sozia/phi/osophie, Separata 25/24; Eros Roberto Grau, Ensaio ... , p. 42.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINcíPIOS E REGRAS 103

o conteúdo desejado. Esses, por sua vez, podem ser o alcance de uma
situação terminal (viajar até algum lugar), a realização de uma situa-
ção ou estado (garantir previsibilidade), a perseguição de uma situação
contínua (preservar o bem-estar das pessoas) ou a persecução de um
processo demorado (aprender o idioma Alemão). O fim não precisa, ne-
cessariamente, representar um ponto final qualquer (Endzustand), mas
apenas um conteúdo desejado. Daí se dizer que o fim estabelece um
estado ideal de coisas a ser atingido, como forma geral para enquadrar os
vários conteúdos de um fim. A instituição do fim é ponto de partida para
a procura por meios. Os meios podem ser definidos como condições
(objetos, situações) que causam a promoção gradual do conteúdo do fim.
Por isso a ideia de que os meios e os fins são conceitos correlatos.118
Por exemplo, o princípio da moralidade exige a realização ou pre-
servação de um estado de coisas exteriorizado pela lealdade, seriedade,
zelo, postura exemplar, boa-fé, sinceridade e motivação. I 19 Para a rea-
lização desse estado ideal de coisas são necessários determinados com-
portamentos. Para efetivação de um estado de lealdade e boa-fé é preciso
cumprir aquilo que foi prometido. Para realizar um estado de seriedade
é essencial agir por motivos sérios. Para tomar real uma situação de
zelo é fundamental colaborar com o administrado e informá-lo de seus
direitos e da forma como protegê-los. Para concretizar um estado em que
predomine a sinceridade é indispensável falar a verdade. Para garantir a
motivação é necessário expressar por que se age. Enfim, sem esses com-
portamentos não se contribui para a existência do estado de coisas posto
como ideal pela norma, e, por consequência, não se atinge o fim. Não se
concretiza, portanto, o princípio.
O importante é que, se o estado de coisas deve ser buscado, e se
ele só se realiza com determinados comportamentos, esses comporta-
mentos passam a constituir necessidades práticas sem cujos efeitos a
progressiva promoção do fim não se realiza. Como afirma Weinberger,
a relação meio/fim leva à transferência da intencional idade dos fins para
a dos meios.12o Em outras palavras, a positivação de princípios implica a
obrigatoriedade da adoção dos comportamentos necessários à sua reali-
zação, salvo se o ordenamento jurídico predeterminar o meio por regras
de competência.

118. Ota Weinberger, Rechtslogik, 2ª ed., p. 283.


119. Paulo Modesto, "Controle jurídico do comportamento ético da Adminis-
tração Públíca no Brasil", RDA 209/77.
120. Ota Weinberger, Rechtslogik, 2ª ed., p. 287.
102 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Judiciário, do Poder Legislativo e do Poder Executivo, sem os quais os


princípios não adquirem normatividade.

2.4.2.4 Quadro esquemático

Princípios Regras

Dever imediato Promoção de um estado Adoção da conduta descrita


ideal de coisas
Dever mediato Adoção da conduta Manutenção de fidelidade à
necessária finalidade subjacente e
aos princípios superiores

Justificação Correlação entre efeitos da Correspondência entre o


conduta e o estado ideal conceito da norma
de coisas e o conceito do fato

Pretensão de Concorrência e parcialidade Exclusividade e abarcância


decidibilidade

2.4.3 Proposta conceitual das regras e dos princípios


A essa altura, pode-se concluir, apresentando um conceito de regras
e um de princípios.
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente
retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para
cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre cen-
trada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são
axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descri-
ção normativa e a construção conceitual dos fatos.
Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primaria-
mente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcia-
lidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação
entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da
conduta havida como necessária à sua promoção.
Como se vê, os princípios são normas imediatamente finalísticas.
Eles estabelecem um fim a ser atingido. Como bem define ata Wein-
berger, um fim é ideia que exprime uma orientação prática. Elemen-
to constitutivo do fim é a fixação de um conteúdo como pretendido.
Essa explicação só consegue ser compreendida com referência à função
pragmática dos fins: eles representam umafill1ção diretiva (richtungs-
gebende Funktion) para a determinação da conduta. Objeto do fim é
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 101

pensamento ou da arte. Nesse caso a solução a respeito do conflito entre


razões contra e a favor da inclusão de detenninados objetos no âmbito
normativo ficaria aberta.
Esse tópico realça a maior interdependência entre os princípios. Daí
se enfatizar a relação de imbricamento ou entrelaçamento entre eles. Isso
se dá justamente porque os princípios estabelecem diretrizes valorativas
a serem atingidas, sem descrever, de antemão, qual o comportamento
adequado a essa realização. Essas diretrizes valorativas cruzam-se reci-
procamente, em várias direções, não necessariamente conflitantes.
Os princípios possuem, pois, pretensão de complementaridade, na
medida em que, sobre abrangerem apenas parte dos aspectos relevantes
para uma tomada de decisão, não têm a pretensão de gerar uma solução
específica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de
decisão. Os princípios são, pois, normas com pretensão de complemen-
taridade e de parcialidade.
As regras possuem, em vez disso, pretensão terminativa, na medida
em que, sobre pretenderem abranger todos os aspectos relevantes para
a tomada de decisão, têm a pretensão de gerar uma solução específica
para a questão. 117 O preenchimento das condições de aplicabilidade é a
própria razão de aplicação das regras. As regras são, pois, normas preli-
minarmente decisivas e abarcantes.
Convém ressaltar que as regras são apenas preliminarmente deci-
sivas. Isso significa que não são decisivas na medida em que podem
ter suas condições de aplicabilidade preenchidas e, ainda assim, não
ser aplicáveis, pela consideração a razões excepcionais que superem a
própria razão que sustenta a aplicação normal da regra. Esse fenômeno
denomina-se de aptidão para cancelamento (defeasibility). Lembre-se
que o tópico, ao mencionar a dependência mais intensa dos princípios
em relação a outras normas do ordenamento, não exclui nem a pondera-
ção entre razões, nem mesmo a complementaridade no caso de aplicação
das regras.
Por fim, esse tópico realça a colaboração constitutiva dos aplicado-
res do Direito para a concretização dos princípios. Precisamente porque
os princípios instituem fins a realizar, os comportamentos adequados à
sua realização e a própria delimitação dos seus contornos normativos
dependem - muito mais do que dependem as regras - de atos do Poder

117. Jaap C. Hage, Reasoning wi/h Rufes .... , p. 116.


100 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

visão de fatos a acontecer leva em consideração a experiência acumu-


lada no passado: não é possível avaliar qual comportamento humano
é adequado à realização de um estado ideal de coisas sem considerar
comportamentos passados e sua relação com um estado de coisas já con-
quistado. Não é, pois, correto afirmar que somente as regras procedem
a uma caracterização valorativa de fatos passados. Pode-se - isto, sim
- afirmar que as regras são normas com caráter primariamente retros-
pectivo; e os princípios, normas com caráter primariamente prospectivo.
Mas não mais do que isso.

2.4.2.3 Critério da medida de contribuição para a decisão

As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo


como contribuem para a decisão. Os princípios consistem em normas
primariamente complementares e preliminarmente parciais, na medida
em que, sobre abrangerem apenas parte dos aspectos relevantes para uma
tomada de decisão, não têm a pretensão de gerar uma solução específica,
mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão.
Por exemplo, o princípio da proteção dos consumidores não tem preten-
são monopolista, no sentido de prescrever todas e quaisquer medidas de
proteção aos consumidores, mas aquelas que possam ser harmonizadas
com outras medidas necessárias à promoção de outros fins, como livre
iniciativa e propriedade.
Já as regras consistem em normas preliminarmente decisivas e
abarcantes, na medida em que, a despeito da pretensão de abranger to-
dos os aspectos relevantes para a tomada de decisão, têm a aspiração
de gerar uma solução específica para o conflito entre razões. Por exem-
plo, o dispositivo que exclui a competência das pessoas políticas para
instituir impostos sobre livros, jornais e periódicos (art. 150, VI, "d")
predetermina quais são os objetos que são preliminarmente afastados do
poder de tributar, podendo ser enquadrados, nesse aspecto relativo à ex-
clusão de poder, na espécie de regras. Nesse sentido, possui a pretensão
de determinar que somente os livros, os jornais e os periódicos não po-
dem ser objeto de tributação, afastando, de antemão, quaisquer dúvidas
quanto à inclusão de outros objetos, como quadros ou estátuas, no seu
âmbito de aplicação. O mesmo não ocorreria se a Constituição Federal,
ao invés de predeterminar os objetos abrangidos pela imunidade, ape-
nas estabelecesse que ficariam excluídos da tributação todos os objetos
que fossem necessários à manifestação da liberdade de manifestação do
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 99

de casos paradigmáticos para a investigação do conteúdo normativo dos


princípios: é preciso investigar casos cuja solução, porque baseada em
valores passíveis de generalização, possa servir de paradigma para ou-
tros casos similares, como será adiante analisado.114
O importante é que a distinção entre as regras e os princípios remete
a conhecimentos e capacidades diversos do aplicador, relativamente ao
objeto e ao modo de justificação da decisão de interpretação. I 15 As re-
gras e os princípios divergem relativamente à sua força justificativa e ao
seu objeto de avaliação. Com efeito, como as regras consistem em nor-
mas imediatamente descritivas e mediatamente finalísticas, a justifica-
ção da decisão de interpretação será feita mediante avaliação de concor-
dância entre a construção conceitual dos fatos e a construção conceitual
da norma. Como os princípios se constituem em normas imediatamente
finalísticas e mediatamente de conduta, a justificativa da decisão de in-
terpretação será feita mediante avaliação dos efeitos da conduta havida
como meio necessário à promoção de um estado de coisas posto pela
norma como ideal a ser atingido.
Note-se que o tópico em pauta indica que os princípios estabelecem
com menor determinação qual o comportamento necessário à sua con-
cretização. Não se está, com isso, afirmando que os princípios possuem
um elemento descritivo aparente, como ocorre no caso das regras. Em
vez disso, quer-se enfatizar que os princípios, na medida em que im-
põem a busca ou a preservação de um estado ideal de coisas, terminam
por prescrever a adoção de comportamentos necessários à sua realiza-
ção, mesmo sem a descrição dianteira desses comportamentos. Dito de
outro modo, os princípios não determinam imediatamente o objeto do
comportamento, mas determinam a sua espécie.
Em razão das considerações precedentes, pode-se afirmar, também,
que as regras assumem caráter retrospectivo (past-regarding), na medi-
da em que descrevem uma situação de fato conhecida pelo legislador;
ao contrário dos princípios, que possuem caráter pro!Jpectivo (juture-
regarding), já que determinam um estado de coisas a ser construído. 1 16
Essa distinção, porém, deve ser vista com reservas. Com efeito, a pre-

114. Claus- Wilhelm Cana ris, "Theorienrezeption und Theorienstruktur", in


Hans G. Leser (org.), Wege zumjapanischen Recht. Fes/schr!fifiir Zen/aro Ki/aga-
lVa, pp. 59-94.
115. Robert Summers, "Two types 01' substantive reasolls:".", The Jllrispru-
dence of LalV 's Form and SlIbs/ance (Collec/ed Essays in LalV), pp. 155-236 (224).
116. Idem, p. 169.
98 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

exemplo, imagine-se uma legislação que proíba os motoristas de táxi e


de lotação de conduzirem passageiros acompanhados de animais, espe-
cialmente de cães. Se algum veículo for surpreendido conduzindo ani-
mais, o proprietário será obrigado a pagar uma multa. A citada norma,
dentro do modelo classificatório aqui esquadrinhado, seria uma regra,
e, como tal, instituidora de uma obrigação absoluta: se o motorista per-
mitir o ingresso de animais no veículo, e a regra for válida, a penalida-
de deve ser imposta. Apesar disso, o Departamento de Trânsito poderá
deixar de impor a multa para os casos em que os passageiros são cegos
e precisam de cães-guia. Novamente, o modo de aplicação da regra não
se circunscreve à definição de "animal" ou de "cão". Quando há uma
divergência entre o conteúdo semântico de uma regra (por exemplo,
proibição da entrada de cães em veículos de transporte) e a justifica-
ção que a suporta (por exemplo, promover a segurança no trânsito), o
intérprete, em casos excepcionais e devidamente justificáveis, termina
analisando razões para adaptar o conteúdo da própria regra. Nessa hi-
pótese, a investigação da finalidade da própria norma (rule s purpose)
permite deixar de enquadrar na hipótese normativa casos preliminar-
mente enquadráveis. Isso significa - para o que aqui interessa - que é
preciso ponderar a razão geradora da regra com as razões substanciais
para seu não cumprimento, diante de determinadas circunstâncias, com
base na finalidade da própria regra ou em outros princípios. Para fazê-
-lo, porém, é preciso fundamentação que possa superar a importância
das razões de autoridade que suportam o cumprimento incondicional
da regra. Enfim, o traço distintivo das regras não é modo absoluto de
cumprimento. Seu traço distintivo é o modo como podem deixar de ser
aplicadas integralmente - o que é algo diverso.
No caso dos princípios, o elemento descritivo cede lugar ao elemen-
to finalístico, devendo o aplicador, em razão disso, argumentar de modo
a fundamentar uma avaliação de correlação entre os efeitos da conduta
a ser adotada e a realização gradual do estado de coisas exigido. Como
não se trata de demonstração de correspondência, o ônus argumentativo
é estável, não havendo casos fáceis e casos dificeis. E, como não há
descrição do conteúdo do comportamento, a interpretação do conteúdo
normativo dos princípios depende, com maior intensidade, do exame
problemático. Com efeito, os princípios da motivação dos atos admi-
nistrativos e da moralidade da administração não podem ser construídos
sem o exame de casos em que foram aplicados ou em que deveriam ter
sido aplicados, mas deixaram de ser. Daí a maior necessidade da análise
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 97

imediata ou mediata, com fins que devem ser atingidos e com condutas
que devem ser adotadas. Isso permite que o aplicador saiba, de ante-
mão, que tanto os princípios quanto as regras fazem referência a fins e
a condutas: as regras preveem condutas que servem à realização de fins
devidos, enquanto os princípios preveem fins cuja realização depende de
condutas necessárias.

2.4.2.2 Critério da natureza da justificação exigida

As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto àjustifica-


ção que exigem. A interpretação e a aplicação das regras exigem uma
avaliação da correspondência entre a construção conceitual dos fatos e
a construção conceitual da norma e da finalidade que lhe dá suporte, ao
passo que a interpretação e a aplicação dos princípios demandam uma
avaliação da correlação entre o estado de coisas posto como fim e os
efeitos decorrentes da conduta havida como necessária.
Esse tópico permite verificar que a diferença entre as categorias
normativas não é centrada no modo de aplicação, se tudo ou nada ou
mais ali menos, mas no modo dejustificação necessário à sua aplicação.
O critério escolhido não focaliza o modo final de aplicação, se absoluto
ou relativo, já que ele só pode ser confirmado ao final. O critério adota-
do perscruta a justificação necessária à aplicação, que pode ser aferida
preliminarmente.
No caso das regras, como há maior determinação do comporta-
mento em razão do caráter descritivo ou definitório do enunciado pres-
critivo, o aplicador deve argumentar de modo a fundamentar uma ava-
[iação de correspondência da construção factua[ à descrição normativa
e à finalidade que lhe dá suporte. 112 A previsão sobre um estado futuro
de coisas é imediatamente irrelevante. Daí se dizer que as regras pos-
suem, em vez de um elemento finaIístico, um elemento descritivo.113
Sendo facilmente demonstrável a correspondência, o ônus argumenta-
tivo é menor, na medida em que a descrição normativa serve, por si só,
como justificação. Se a construção conceitual do fato, embora corres-
ponda à construção conceitual da descrição normativa, não se adequar
à finalidade que lhe dá suporte ou for superável por outras razões, o
ônus argumentativo é muito maior. São os chamados casos dificeis. Por

112. Robert Summers, "Two types of substantive reasons: ...", The Jurispru-
dence o/ LalV S Form and Substance (Collected Essays in LalV), pp. 155-236 (224).
113. Jaap C. Hage, Reasoning lVith Rules .... , p. 116.
96 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

-l1orms): seu conteúdo diz respeito a um estado ideal de coisas (state of


affairs).lo7
Em razão das considerações precedentes, e com base nos escritos
de Wright, pode-se afirmar que os princípios estabelecem uma espécie
de necessidade prática: prescrevem um estado ideal de coisas que só
será realizado se determinado comportamento for adotado. lOS
Já as regras podem ser definidas como normas mediatamente jina-
lísticas, ou seja, normas que estabelecem indiretamente fins, para cuja
concretização estabelecem com maior exatidão qual o comportamento
devido; e, por isso, dependem menos intensamente da sua relação com
outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação
para a determinação da conduta devida. Enfim, as regras são prescrições
cujo elemento frontal é o descritivo.lo9 Daí possuírem caráter deôntico-
-deontológico: deôntico, porque estipulam razões para a existência de
obrigações, permissões ou proibições; deontológico, porque as obriga-
ções, permissões e proibições decorrem de uma norma que indica "o
que" deve ser feito.IIO Daí afirmar-se que as regras são normas-do-qlle-
-jazer (ollght-to-do-norms): seu conteúdo diz diretamente respeito a
ações (actions). 111
Ambas as normas, contudo, podem ser analisadas tanto sob o ponto
de vista comportamental quanto finalístico: as regras instituem o dever
de adotar o comportamento descritivamente prescrito, e os princípios
instituem o dever de adotar o comportamento necessário para realizar
o estado de coisas; as regras prescrevem um comportamento para atin-
gir determinado fim, e os princípios estabelecem o dever de realizar ou
preservar um estado de coisas pela adoção de comportamentos a ele ne-
cessários. Por isso, a distinção é centrada na proximidade de sua relação,

107. Aulis Aamio, Reason and Aufhorify. ... , p. 183; Aleksander Peczenik, On
Law and Reason, p. 74.
108. Georg Henrik von Wright, "Sein und Sollen", Normen, Werfe und Hand-
fungen, p. 36.
109. Com base nesta argumentação, o Ministro Luiz Fux reconheceu, em
julgamento acerca da constitucionalidade de alterações na lei eleitoral, que "a pre-
sunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal deve ser
reconhecida como uma regra, ou seja, como uma nomla de previsão de conduta, em
especial a de proibir a imposição de penalidade ou de efeitos da condenação criminal
até que transitada em julgado a decisão penal condenatória" (STF, Tribunal Pleno,
ADC 29, reI. Min. Luiz Fux,j. 16.2.2012, DJe-127 29.6.2012, p. 15 do Acórdão).
110. Jaap C. Hage, Reasoning wifh Rufes , p. 67.
111. Aulis Aamio, Reason and Aufhorify. , p. 181.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 95

2.4.2 Critérios de dissociação


2.4.2.1 Critério da natureza do comportamento prescrito

As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo


como prescrevem o comportamento. Enquanto as regras são normas
imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações,
permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser adotada,
os princípios são normas imediatamentefinalísticas,já que estabelecem
um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de de-
terminados comportamentos. Os princípios são normas cuja qualidade
frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridi-
camente relevante, ao passo que característica dianteira das regras é a
previsão do comportamento.
Com efeito, os princípios estabelecem um estado ideal de coisas a
ser atingido (state of a.fJairs,IdealzlIstand), em virtude do qual deve o
aplicador verificar a adequação do comportamento a ser escolhido ou já
escolhido para resguardar tal estado de coisas. Estado de coisas pode ser
definido como uma situação qualificada por determinadas qualidades.
O estado de coisas transforma-se em fim quando alguém aspira conse-
guir, gozar ou possuir as qualidades presentes naquela situação. lOS Por
exemplo, o princípio do Estado de Direito estabelece estados de coisas,
como a existência de responsabilidade (do Estado), de previsibilidade
(da legislação), de equilíbrio (entre interesses públicos e privados) e de
proteção (dos direitos individuais), para cuja realização é indispensável
a adoção de determinadas condutas, como a criação de ações destinadas
a responsabilizar o Estado, a publicação com antecedência da legislação,
o respeito à esfera privada e o tratamento igualitário. Enfim, os princí-
pios, ao estabelecerem fins a serem atingidos, exigem a promoção de um
estado de coisas - bens jurídicos - que impõe condutas necessárias à sua
preservação ou realização. Daí possuírem caráter deôntico-teleológico:
deôntico, porque estipulam razões para a existência de obrigações, per-
missões ou proibições; teleológico, porque as obrigações, permissões e
proibição decorrem dos efeitos advindos de determinado comportamen-
to que preservam ou promovem determinado estado de coisas.106 Daí
afirmar-se que os princípios são normas-do-qlle-deve-ser (ollght-to-be-

105. Georg Henrik von Wright, "Rationalitãt: Mittel und Zwecke", Normen.
Werte lmd Hand/ungen, p. 127.
106. Jaap C. Hage, Reasoning with Rufes .... , p. 67.
94 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

parlamentar é o comportamento frontalmente prescrito. Isso não quer


dizer que, focalizando a questão sob outra perspectiva, aquele mesmo
comportamento não possa ser examinado no seu significado finalistico
de garantia de segurança e estabilidade às atividades dos contribuintes.
Nessa hipótese, a própria previsão do comportamento termina, por via
oblíqua, preservando um valor que se torna autônomo, e passa a exigir
a adoção de outros comportamentos de forma independente. Pode-se
afirmar que, ao condicionar a instituição de tributos à publicação de
uma lei (art. 150, I), a Constituição Federal estabeleceu um âmbito de
livre iniciativa que deve ser promovido pelo legislador pela permissão
de comportamentos que sejam necessários à sua promoção, como, por
exemplo, a permissão de planejamento tributário. Nesse caso, o dispo-
sitivo termina por germinar um princípio. Essas considerações demons-
tram que um mesmo dispositivo pode ser ponto de partida para a cons-
trução de regras e de princípios, desde que o comportamento previsto
seja analisado sob perspectivas diversas, pois um mesmo dispositivo
não pode, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, ser um princípio e
uma regra.
O que aqui se propõe é justamente a superação desse enfoque ba-
seado numa alternativa exclusiva das espécies normativas, em tàvor de
uma distinção baseada no caráter pluridimensional dos enunciados nor-
mativos, pelos fundamentos já expostos. 103
Além de este estudo propor a superação de um modelo dual de se-
paração regras/princípios, baseado nos critérios da existência de hipó-
tese e do modo de aplicação e fundado em alternativas exclusivas, ele
também propõe a adoção de um modelo tripartite de dissociação regras/
princípios/postulados, que, ademais de dissociar as regras dos princípios
quanto ao dever que instituem, à justificação que exigem e ao modo
como contribuem para solucionar conflitos, acrescenta a essas catego-
rias normativas a figura dos postulados, definidos como instrumentos
normativos metódicos, isto é, como categorias que impõem condições a
serem observadas na aplicação das regras e dos princípios, com eles não
se confundindo. 104 Sobre eles voltaremos a falar.

103. Sobre o assunto, v. Alfonso García Figueroa. Principios y Positivismo


Juridico. p. 15 I.
104. Humberto Bergmann Á vila, "A distinção entre princípios e regras e a
redefinição do dever de proporcionalidade", RDA 215/151-152.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 93

aumento de tributos que não sejam iguais para todos os contribuintes.


Como princípio, porque estabelece como devida a realização do valor
da igualdade. E como postulado, porque estabelece um dever jurídico de
comparação (Gebot der Vergleiehlll1g) a ser seguido na interpretação e
aplicação, preexcluindo critérios de diferenciação que não sejam aqueles
previstos no próprio ordenamento jurídico.97
As considerações precedentes são importantes para demonstrar que
as distinções que propugnam alternativas exclusivas entre as espécies
normativas podem ser aperfeiçoadas. Alguns exemplos o evidenciam.
Para alguns a irretroatividade é regra objetiva.98 Para outros, princípio.99
Para uns as imunidades são regras.IOO Para outros, princípios.101 E assim
sucessivamente, como os cavalheiros descritos por Lessa, que, cami-
nhando um ao encontro do outro, em uma avenida na qual se erguia
uma estátua armada de um escudo, de um lado de prata e de outro de
ouro, furiosamente se engalfinharam, cada um sustentando ser o escudo
somente do metal que podia ver do seu lado.102
Ora, o que não pode ser olvidado é o fato de que os dispositivos
que servem de ponto de partida para a construção normativa podem
germinar tanto uma regra, se o caráter comportamental for privilegiado
pelo aplicador em detrimento da finalidade que lhe dá suporte, como
também podem proporcionar a fundamentação de um princípio, se o
aspecto valorativo for autonomizado para alcançar também comp0l1a-
mentos inseridos noutros contextos. Um dispositivo cujo significado
preliminar determina um comportamento para preservar um valor, caso
em que seria enquadrado como uma regra, permite que esse valor seja
autonomizado para exigir outros comportamentos, não descritos, ne-
cessários à sua realização. Por exemplo, o significado do dispositivo
que dispõe que os tributos só podem ser instituídos por lei pode ser
enquadrado como regra, na medida em que a adoção do procedimento

97. Lothar Michael, Der a/lgemeine Gleichheitssatz ais Methodennorlll kom-


parativer Systeme, p. 48.
98. Marco Aurélio Greco, Contribuições (Uma Figura "Sui Generis "), p. 168.
99. Maria Luiza Vianna Pessoa de Mendonça, O Principio Constitucional da
Irretroatividade da Lei, pp. 59 e ss.
100. Misabel de Abreu Machado Derzi, "Notas" a Aliomar Baleeiro, Limita-
ções Constitucionais ao Poder de Tributar, 7ª ed., p. 228.
10 I. Márcio Pestana, O Principio da Imunidade Tributária, p. 63.
102. Pedro Lessa, Biblioteca Internacional de Obras Célebres, v. XI, p. 1.049.
92 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

uma distinção quer com valor empírico, sustentado pelo próprio objeto
da interpretação, quer com valor conclusivo, não permitindo antecipar
por completo a significação normativa e seu modo de obtenção. Em vez
disso, ela se transforma numa distinção que privilegia o valor heurísti-
co, na medida em que funciona como modelo ou hipótese provisória de
trabalho para uma posterior reconstrução de conteúdos normativos, sem,
no entanto, assegurar qualquer procedimento estritamente dedutivo de
fundamentação ou de decisão a respeito desses conteúdos.96

2.4. 1.4 Dissociação em alternativas inclusivas

A proposta aqui defendida diferencia-se das demais porque admite


a coexistência das espécies normativas em razão de um mesmo dispo-
sitivo. Um ou mais dispositivos podem funcionar como ponto de refe-
rência para a construção de regras, princípios e postulados. Ao invés
de alternativas exclusivas entre as espécies normativas, de modo que a
existência de uma espécie excluiria a existência das demais, propõe-se
uma classificação que alberga alternativas inclusivas, no sentido de que
os dispositivos podem gerar, simultaneamente, mais de uma espécie nor-
mativa. Um ou vários dispositivos, ou mesmo a implicação lógica deles
decorrente, pode experimentar uma dimensão imediatamente comporta-
mental (regra), finaIística (princípio) e/ou metódica (postulado).
Examine-se o dispositivo constitucional segundo o qual é exigida
lei em sentido formal para a instituição ou aumento de tributos. É plau-
sível examiná-lo como regra, como princípio e como postulado. Como
regra, porque condiciona a validade da criação ou aumento de tribu-
tos à observância de um procedimento determinado que culmine com a
aprovação de uma fonte normativa específica - a lei. Como princípio,
porque estabelece como devida a realização dos valores de liberdade e
de segurança jurídica. E como postulado, porque vincula a interpretação
e a aplicação à lei e ao Direito, preexcluindo a utilização de parâmetros
alheios ao ordenamento jurídico.
Analise-se o dispositivo constitucional segundo o qual todos de-
vem ser tratados igualmente. É plausível aplicá-lo como regra, como
princípio e como postulado. Como regra, porque proíbe a criação ou

96. Sobre o significado de valor heurístico: H. Schepers, "Heuristik", Histo-


risches Worterbuch der Philosophie, v. 3. p. 1.119; Jaap C. Hage, Reasoning with
Rules .... , p. 121; Tércio Ferraz Júnior, Funçào Social da Dogmática Jurídica, p. 123.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 91

Resta saber qual a definição de princípios e regras que abrange essa


distinção abstrata entre as categorias normativas no que se refere à in-
compatibilidade lógica total em nível abstrato.
O critério do fundamento axiológico serve para ambos os níveis
de análise. O fundamento axiológico é importante tanto no plano pre-
liminar como no plano conclusivo, embora seja inadequado ao atribuir
o valor primordial à norma, e não às razões utilizadas pelo aplicador, a
partir dela.
Uma classificação não pode, a pretexto de definir espécies norma-
tivas em nível preliminar, utilizar-se de elementos que dependem da
consideração de todas as circunstâncias. Isso significa, por conseguinte,
que os critérios do modo final de aplicação e do conflito normativo são
inadequados para uma classificação abstrata, na medida em que depen-
dem de elementos que só com a consideração de todas as circunstâncias
podem ser corroborados.
Sua utilização como critérios de classificação das espécies nor-
mativas, ao invés de servir de modelo para facilitar a aplicação, pode
funcionar como obstáculo à própria construção de sentido das normas,
especialmente das chamadas regras, quer porque podem excluir a con-
sideração de razões substanciais justificativas de decisões fora do con-
teúdo preliminar de sentido dos dispositivos, quer porque podem limitar
a construção de conexões axiológicas entremostradas entre os elementos
do sistema normativo.
Embora normalmente as regras possuam hipótese de incidência, se-
jam aplicadas automaticamente e entrem em conflito direto com outras
regras, essas características, em vez de necessárias e suficientes para a
sua qualificação como regras, são meramente contingentes. Se assim é,
outra proposta de classificação deve ser adotada, como se passa a sus-
tentar.

2.4.1.3 Dissociação heurística

A proposta aqui defendida pode ser qualificada como heurística.


Como já foi examinado, as normas são construídas pelo intérprete a par-
tir dos dispositivos e do seu significado usual. Essa qualificação normati-
va depende de conexões axiológicas que não estão incorporadas ao texto
nem a ele pertencem, mas são, antes, construídas pelo próprio intérprete.
Por isso a distinção entre princípios e regras deixa de se constituir em
90 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

análise de todas as circunstâncias do caso concreto, pois, como já foi


visto, pode haver razões justificativas não previstas abstratamente que
superem as razões para a aplicação da regra. Isso comprova o círculo
vicioso do critério do modo de aplicação: pretende demonstrar antecipa-
damente aquilo que sójinalmente pode ser demonstrado.94
O critério do conflito normativo é inconsistente tanto no plano pre-
liminar quanto no plano conclusivo. No plano preliminar é correto afir-
mar que duas regras, enquanto normas com estrutura hipotética, quando
entram em conflito, exigem a declaração de invalidade de uma das re-
gras. Os princípios, enquanto normas que estabelecem ideais a serem
atingidos, não entram em conflito direto. Abstratamente, apenas se en-
trelaçam. Nesse ponto, é correto afirmar que as regras diferenciam-se
dos princípios. Enquanto uma incompatibilidade lógica total entre re-
gras pode ser concebida analiticamente e em abstrato, sem a análise das
particularidades do caso concreto, uma incompatibilidade abstrata total
entre princípios é inconcebível.95
Nesse sentido, o critério do conflito normativo é importante, mas
com temperamentos. É que não se pode categoricamente afirmar que os
princípios só entram em conflito no plano concreto; e as regras, no plano
abstrato.
De um lado, há conflito abstrato entre princípios, embora seja ele
apenas parcial. Mesmo no plano abstrato pode-se encontrar um âmbito
afastado, à primeira vista, da aplicação de um princípio pela análise si-
multânea de outro(s) princípio(s). O exame da relação entre o princípio
da liberdade de expressão e o princípio da proteção da esfera privada
revela, mesmo em nível abstrato, que a liberdade de expressão não pode
comprometer excessivamente a vida íntima do cidadão. É concebível,
inclusive, pré-selecionar hipóteses de conflito.
De outro lado, há regras que abstratamente convivem, mas que so-
mente no plano concreto entram em conflito. No caso já examinado do
médico, os deveres de dizer a verdade e de adotar todos os meios para
curar seu paciente convivem harmonicamente em abstrato, embora pos-
sam entrar em conflito diante de um caso concreto, quando, por exem-
plo, dizer a verdade pode piorar o estado de saúde do paciente.

94. Matthias Jestaedt, Grllndreehtsentfaltllng im Gesetz, p. 231.


95. Aleksander Peczenik, On Law and Reason, p. 82.
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCÍPIOS E REGRAS 89

Uma análise mais atenta das referidas distinções entre princípios e


regras demonstra que os critérios utilizados pela doutrina muitas vezes
manipulam, para a interpretação abstrata das normas, elementos que só
podem ser avaliados no plano concreto de aplicação das normas. Ao
fazê-lo, elegem critérios abstratos de distinção que, no entanto, podem
não ser - e com frequência não o são - confirmados na aplicação concre-
ta. Com isso, a classificação, em vez de auxiliar na aplicação do Direito,
termina por obstruí-Ia. Em vez de aliviar o ônus de argumentação do
aplicador do Direito, elimina-o.
É preciso, por conseguinte, distinguir o plano preliminar de análise
abstrata das normas, comumente chamado de plano prima facie de sig-
nificação, do plano conclusivo de análise concreta das normas, comu-
mente denominado de nível ali things considered de significação. Essa
distinção ajuda a verificar por que alguns critérios são importantes para
o primeiro plano mas inadequados para o segundo, ou vice-versa.
O critério do caráter hipotético-condicional é inconsistente tanto no
plano preliminar quanto no plano conclusivo. No plano preliminar esse
critério é inadequado porque qualquer dispositivo, ainda que não formu-
lado hipoteticamente pelo legislador, pode ser reformulado de maneira
a possuir uma hipótese e uma consequência. No plano conclusivo esse
critério é inadequado porque, frente às circunstâncias do caso concreto,
o aplicador deve especificar todos os aspectos necessários à aplicação
de determinada norma, preparando elementos para formar uma premissa
maior, uma premissa menor e uma consequência. Vale dizer, diante das
circunstâncias do caso concreto, qualquer norma termina por assumir
uma formulação hipotética. Toda norma seria uma regra.
O critério do modo de aplicação, evidentemente, só tem sentido
no plano conclusivo de significação. Ocorre que, se a distinção entre
princípios e regras visa a facilitar a aplicação das normas por meio da
antecipação de qualidades normativas e da descarga argumentativa, esse
critério revela-se inconsistente, pois só pode ser verificado depois da
aplicação, e não antes. Sendo assim, esse critério só teria cabimento se
permitisse que o aplicador já pudesse antecipar, com segurança, o modo
de aplicação de uma norma pela análise de sua estrutura. Segundo a dou-
trina, essa estrutura é uma estrutura hipotética. E, diante de uma norma
com estrutura hipotética, o aplicador deveria implementar diretamente
a consequência normativa. Isso, porém, não pode ser garantido antes da
NORMAS DE PRIMEIRO GRAU: PRINCíPIOS E REGRAS 161

como se o intérprete pudesse aplicá-los apenas quando assim o desejas-


se. Os princípios, ao invés disso, instituem o dever de adotar compor-
tamentos necessários à realização de um determinado estado de coisas.
O essencial é que, mesmo no caso dos princípios, o que for necessário
para promover o fim é devido. Compreender os princípios dessa forma,
como se sustenta nesta obra, é bem diferente de entendê-los - em caráter
definitório e, portanto, em todos os casos - como normas concretamente
afastáveis por processos de priorização horizontal, como defendem as
teorias aqui criticadas.
,
3
NORMAS DE SEGUNDO GRAU:
POSTULADOS NORMATIVOS

3.1 Introdução. 3.2 Postulados hermenêuticos: 3.2.1 Considerações ge-


rais - 3.2.2 Postulado da Coerência: 3.2.2.1 Da hierarquia à coerência
- 3.2.2.2 Coerência substancial- 3.2.2.2.1 Fundamentação por suporte
- 3.2.2.2.2 Fundamentação por justificação reciproca - 3.3 Postulados
normativos aplicativos. 3.4 Análise do uso inconsistente de normas e
metanormas: 3.4.1 Consequências. 3.5 Diretrizes para a análise dos
postulados normativos aplicativos: 3.5.1 Necessidade de leval1lamento
de casos cuja solução tenha sido tomada com base em algum postulado
normativo - 3.5.2 Análise dafimdamentação das decisões para verifica-
ção dos elementos ordenados e daforma como firam relacionados entre
si - 3.5.3 1nvestigação das normas que foram objeto de aplicação e
dosfimdamentos utilizados para a escolha de determinada aplicação -
3.5.4 Realização do percurso inverso: descoberta a estrutura exigida na
aplicação do postulado. verificação da existência de outros casos que
deveriam ter sido decididos com base nele. 3.6 Espécies de postulados:
3.6.1 Considerações gerais - 3.6.2 Postulados inespecificos: 3.6.2.1 Pon-
deração - 3.6.2.2 Concordância prática - 3.6.2.3 Proibição de excesso
- 3.6.3 Postulados especificos: 3.6.3.1 19ualdade - 3.6.3.2 Razoabili-
dade: 3.6.3.2.1 Generalidades - 3.6.3.2.2 Tipologia - 3.6.3.3 Propor-
cionalidade: 3.6.3.3.1 Considerações gerais - 3.6.3.3.2 Aplicabilidade
- 3.6.3.3.3 Exames inerentes à proporcionalidade - 3.6.3.3.4 Intensida-
de do controle dos outros Poderes pelo Poder Judiciário. 3.7 Análise da
falta de diferenciação entre os postulados.

3.1 Introdução

A interpretação de qualquer objeto cultural submete-se a algumas


condições essenciais, sem as quais o objeto não pode ser sequer apre-
endido. A essas condições essenciais dá-se o nome de postulados.' Há
os postulados meramente hermenêuticos, destinados a compreensão em

1. Rudolf Eisler, Kant-Lexikoll, p. 427.


164 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

geral do Direito e os postulados aplicativos, cuja função é estruturar a


sua aplicação concreta.
Os postulados normativos aplicativos são normas imediatamente
metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situa-
das no plano do objeto da aplicação. Assim, qualificam-se como normas
sobre a aplicação de outras normas, isto é, como metanormas. Daí se
dizer que se qualificam como normas de segundo grau. Nesse sentido,
sempre que se está díante de um postulado normativo, há uma diretriz
metódica que se dirige ao intérprete relativamente à interpretação de ou-
tras normas. Por trás dos postulados, há sempre outras normas que estão
sendo aplicadas. Não se identificam, porém, com as outras normas que
também influenciam outras, como é o caso dos sobreprincípios do Es-
tado de Direito ou da segurança jurídíca. Os sobreprincípios situam-se
no nível das normas objeto de aplícação. Atuam sobre outras, mas no
âmbíto semântico e axiológico e não no âmbito metódico, como ocorre
com os postulados. Isso explica a diferença entre sobrenormas (normas
semântíca e axiologicamente sobrejacentes, situadas no nível do obje-
to de aplicação) e metanormas (normas metodicamente sobrejacentes,
situadas no metanível aplícativo).
Os postulados funcionam diferentemente dos princípios e das re-
gras. A uma, porque não se situam no mesmo nível: os princípios e as
regras são normas objeto da aplicação; os postulados são normas que
orientam a aplicação de outras. A duas, porque não possuem os mes-
mos destinatários: os princípios e as regras são primariamente dirigidos
ao Poder Público e aos contribuintes; os postulados são frontalmente
dirigidos ao intérprete e aplicador do Direito. A três, porque não se rela-
cionam da mesma forma com outras normas: os princípios e as regras,
até porque se situam no mesmo nível do objeto, implicam-se reciproca-
mente, quer de modo preliminarmente complementar (princípios), quer
de modo preliminarmente decisivo (regras); os postulados, justamente
porque se situam num metanível, orientam a aplicação dos princípios e
das regras sem conflituosidade necessária com outras normas.
Os postulados não se enquadram na definição nem de regras nem
de princípios segundo o modelo tradicional. Se as regras forem defini-
das como normas que descrevem um comportamento a ser observado
(ou reservam parcela de poder, instituem procedimentos ou estabelecem
definições, sempre sendo cumpridos por meio de comportamentos), de-
vendo ser cumpridas de modo integral e, no caso de conflito, podendo
ser excluídas do ordenamento jurídico se houver uma outra regra anti-
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 165

nômica, os postulados não são regras: eles não descrevem um compor-


tamento (nem reservam poder, instituem procedimento ou estabelecem
definições), não são cumpridos de modo integral e, muito menos, po-
dem ser excluídos do ordenamento jurídico. Em vez disso, estabelecem
diretrizes metódicas, em tudo e por tudo exigindo uma aplicação mais
complexa que uma operação inicial ou final de subsunção. Se os princí-
pios forem definidos como normas que estabelecem um dever-ser ideal,
que podem ser cumpridas em vários graus e, no caso de conflito, podem
ter uma dimensão de peso maior ou menor, os postulados não são prin-
cípios: eles não estabelecem um dever-ser ideal, não são cumpridos de
maneira gradual e, muito menos, possuem peso móvel e circunstancial.
Em vez disso, estabelecem diretrizes metódicas, com aplicação estrutu-
rante e constante relativamente a outras variáveis.
Seja qual for a denominação preferida, os postulados funcionam de
forma diferente relativamente a outras nonnas do ordenamento jurídico.
Esta razão é suficiente para tratá-los de forma separada. Sua função e seu
conteúdo serão melhor evidenciados. Embora a sua denominação seja
secundária, a exigência científica de compatibilidade sintática não abo-
na a sua denominação como princípio, se o autor define princípio como
normas imediatamente finalísticas, como normas de otimização a serem
realizadas em vários graus segundo as possibilidades fáticas e norma-
tivas ou como normas fundamentais com elevado grau de abstração e
generalidade. Nessas hipóteses, o problema não é de nomenclatura, é de
inconsistência científica. Especialmente porque os postulados não são
normas imediatamente finalísticas, mas metódicas; não são normas rea-
lizáveis em vários graus, mas estruturam a aplicação de outras normas
com rígida racionalidade, e não são normas com elevado grau de abstra-
ção e generalidade, mas normas que fornecem critérios bastante precisos
para a aplicação do Direito.

3.2 Postulados hermenêuticos

3.2.1 Considerações gerais

No âmbito do Direito, há postulados hermenêuticos, cuja utilização


é necessária à compreensão interna e abstrata do ordenamento jurídico,
podendo funcionar, é claro, para suportar essa ou aquela alternativa de
aplicação normativa. Dentre os mais importantes está o postulado da
unidade do ordenamento jurídico, a exigir do intérprete o relacionamen-
166 TEORIA DOS PRINCíPIOS

to entre a parte e o todo mediante o emprego das categorias de ordem e


de unidade.2 Subelemento desse postulado, é o postulado da coerência,
a impor ao intérprete, entre outros deveres, a obrigação de relacionar as
normas com as normas que lhes são formal ou materialmente superiores.
As condições do conhecimento reveladas pela hermenêutica são
verdadeiros postulados: onde há uma parte há o todo; onde há um obje-
to cognoscível há um sujeito cognoscente; onde há um sistema, há um
problema.3
A compreensão do ordenamento como uma estrutura escalonada de
normas baseia-se no postulado da hierarquia, do qual resultam alguns
critérios importantes para a interpretação das normas, tais como o da
interpretação conforme a Constituição.

3.2.2 Postulado da Coerência


3.2.2.1 Da hierarquia à coerência

A problemática da hierarquização das normas constitucionais


abrange dois planos que devem ser objeto de dissociação: um plano con-
creto e um plano abstrato.
No plano concreto, importa saber qual norma deverá prevalecer em
caso de conflito, o que pressupõe uma contraposição concreta entre nor-
mas jurídicas.
No plano abstrato, há dois problemas a resolver. De um lado, im-
porta saber se algumas normas jurídicas possuem hierarquia superior,
no sentido de uma preferência imanente ao sistema jurídico, de caráter
definitivo ou relativo, relativamente a outras normas. De outro lado - e
esta é uma questão completamente diferente - é preciso saber quais são
as relações de dependência (Abhangigkeitsbeziehungen) existentes entre
as normas jurídicas dentro de um sistema jurídico específico.
Enquanto no plano concreto investiga-se uma relação de prevalên-
cia concreta e um conflito real entre normas jurídicas, no plano abstrato
há dois aspectos diferentes: uma relação de prevalência abstrata entre

2. Claus-Wilhelm Canaris, Systellldenken und Systelllbegrif! in der Jurispl'll-


denz, p. 16. Ver, também: Michel van de Kerchove e François Ost, Le Systeme Juri-
dique entre Ordre et Désordre, p. 101.
3. Robert Alexy, "Juristische Interpretation", in Recht. Vernul1jt, Diskurs, pp.
7555.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 167

nonnas e uma relação de conexão de sentido entre normas. A primeira


hipótese, de prevalência abstrata, é normalmente apresentada como uma
relação de hierarquia e pressupõe descobrir qual nonna "vale mais" ou
se "sobrepõe". A segunda hipótese, de conexão de sentido, por vezes
é apresentada como uma relação de hierarquia, mas recebe também a
denominação de ordenação interna (innere Einordnllng), de combinação
de nonnas (Normenkombination) e de conexão de fundamentação (Be-
grii ndungszlIsammen hang).
O importante é que, no plano concreto, o relacionamento entre as
nonnas depende de uma regra concreta de preferência entre razões con-
flitantes. No plano abstrato, pode-se construir uma estrutura argumenta-
tiva, mesmo sem um problema já posto.
A questão de saber se há prevalência ou hierarquia abstrata entre
nonnas jurídicas, no sentido de uma ordem imanente de preferência,
é altamente conturbada.4 Uma relação definitiva de prevalência entre
nonnas jurídicas constitucionais - como será demonstrado - é insusten-
tável. 5
O decisivo para este trabalho, porém, é registrar que a relação de
hierarquia é normalmente associada à ideia de prevalência e termina por
indicar qual norma "vale mais". A noção de hierarquia envolve uma rela-
ção linear entre duas normas separadas semanticamente, de tal sorte que
uma delas se sobrepõe à outra. E, no caso de conflito, a nonna inferior
incompatível com a norma superior perde, ipso facto, a validade por
meio de um raciocínio de exclusão. Trata-se, portanto, de uma siste-
matização linear (a norma superior constitui o fundamento da norma
inferior), simples (baseada numa relação de hierarquia linear entre as
normas) e não gradual entre duas normas jurídicas (as normas estão, ou
não, sistematizadas enquanto hierarquicamente postas) com implicações
no plano da sua validade.
A hierarquização pode ser explicada de várias formas. Na perspec-
tiva da semiótica, fala-se em hierarquia sintática e hierarquia semânti-

4. Cf. por exemplo: Klaus Stem, Das Staalsrechl der B/llldesrep/lblik Dellts-
ch/alld, BI, Grulldbegriffe IIlld Grulld/agell des Staatsrechts, Struklllrprillzipiell der
Verfassllllg, pp. 113 ss. Arthur Haeflinger, "Oie Hierarehie von Verfassungsnormen
und ihre Funktion beim Sehutz der Mensehenreehte", in EIIGRZ 1990, pp. 475-
482. Contrariamente: Roman Herzog, Hierarchie VOIlVe/jassllllgsllorlllell 1I1ldihre
FlIllklioll beim Schlltz der Grulldrechte, in EIIGRZ 1990, pp. 483-486.
5. Sobre o assunto, ver: Robert Alexy, Theorie der Grlllldrechte, pp. 94, 139,
140. Franz Bydlinski, FlIlldalllellta/e Rechtsgrulldsiitze, p. 125.
168 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

ca. Hierarquia sintática diz respeito à relação lógica entre as normas.


A hierarquia semântica pode ser dividida em dois grupos: hierarquia
formal e hierarquia material. A hierarquia semântica formal diz respeito
a pressupostos formais que uma norma institui para a edição de outra.
A hierarquia semântica material focaliza os pressupostos de conteúdo
que uma norma estabelece para a edição de outra.6 As limitações decor-
rentes dessas relações podem ser definidas como limitações materiais.7
Sob perspectiva semelhante, que abrange não apenas as normas ju-
rídicas, mas também poderes e fontes normativas, podem-se utilizar as
categorias de hierarquia estrutural/formal, material, lógica e axiológica.8
A hierarquia estrutural ou formal diz respeito à relação entre duas nor-
mas jurídicas editadas por dois poderes, de modo que uma obtém seu
fundamento de validade de outra (por exemplo, a relação entre poder
constituinte reformador e poder constituinte originário). A hierarquia
material diz respeito à relação entre duas normas jurídicas, na hipótese
de uma terceira norma estabelecer que uma das duas não possui funda-
mento de validade quando entrar em conflito com outra (por exemplo,
a relação entre Constituição e Lei). A hierarquia lógica trata da relação
entre normas que depende da estrutura da linguagem (por exemplo: a
relação entre lei revogadora e lei revogada). E a hierarquia axiológica
aponta para a relação entre normas, que não é expressamente regulada
pelo Direito, mas decorre de uma avaliação do intérprete, que aponta
para um valor maior de uma delas.
Essa noção de hierarquia, conquanto importante para explicar, entre
outros fenômenos, o ordenamento jurídico como estrutura escalonada de
normas, é insuficiente para cobrir a complexidade das relações entre as
normas jurídicas. Com efeito, várias perguntas ficam sem resposta, se-
gundo esse modelo. Quais são as relações existentes entre as regras e os
princípios constitucionais? São somente os princípios que atuam sobre
as regras ou será que as regras também agem simultaneamente sobre o
conteúdo normativo dos princípios? Quais são as relações existentes en-
tre os próprios princípios constitucionais? Todos os princípios possuem
a mesma função ou há alguns que ora predeterminam o conteúdo, ora
estruturam a aplicação de outros? Quais são as relações entre as regras

6. Paulo de Barro5 Carvalho, Curso de Direito Tributário, p. 138.


7. Noberto Bobbio, Teoria dell'Ordinamento Giuridico, p. 46.
8. Riccardo Gua5tini, Le Fonti dei Diritto e I 'Interpretazione, pp. 37 55.; idem,
Teoria e Dogmatica delle Fonti, pp. 121 55.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 169

legais, já consideradas válidas, e os princípios e as regras de competên-


cia estabelecidos na Constituição? São somente as normas constitucio-
nais que atuam sobre as normas infraconstitucionais ou será que essas
também agem sobre aquelas?
Para responder a essas questões, propõe-se, como complementação
a este modelo de sistematização linear, simples e não gradual, cuja falta
de implementação traz consequência que se situa preponderantemente
no plano da validade, um modelo de sistematização circular (as normas
superiores condicionam as inferiores, e as inferiores contribuem para
determinar os elementos das superiores), complexo (não há apenas uma
relação vertical de hierarquia, mas várias relações horizontais, verticais
e entrelaçadas entre as normas) e gradual (a sistematização será tanto
mais perfeita quanto maior for a intensidade da observância dos seus
vários critérios), cuja consequência preponderante está alocada no plano
da eficácia. Entra em cena o postulado da coerência.
A conexão de sentido ou a relação de dependência entre as normas
é um reconhecido postulado hermenêutica: trata-se de uma condição de
possibilidade do conhecimento a ser necessariamente preenchida na in-
terpretação de textos normativos.9 A coerência é tanto um critério de
relação entre dois elementos como uma propriedade resultante dessa
mesma relação. Como demonstra Bracker, qualifica-se como coerente a
relação que preenche requisitos formais e substanciais. Daí falar-se em
coerência formal e coerência material. Coerência formal está ligada à
noção de consistência e de completude. Coerência substancial está rela-
cionada à conexão positiva de sentido. 10
No plano formal, um conjunto de proposições qualifica-se como
coerente se preenche os requisitos de (a) consistência e de (b) completu-

9. Claus-Wilhelm Canaris, Systemdenken IInd Systembegrijf in der Jllrisprll-


denz, p. 16 (" ...trata-se, na verdade, primordialmente de um postulado axiológico!");
Rudolf Eisler, Kant-Lexikon, p. 427; Riccardo Guastini, Teoria e Dogmatiea delle
Fonti, p. 124, número 10: o autor fala de um princípio, mas no sentido de um cri-
tério. Robert Alexy, "Juristische Interpretation", in Reeht. Vernllnft. Diskllrs, pp. 75
sS.: o autor, quando analisa a hermenêutica como teoria estrutural da compreensão,
fala de postulados (p. ex. reflexão, coerência, completude). Michel van de Kerchove
e François Ost, Le Systeme Jllridiqlle entre Ordre et Désordre, p. 101: os autores
falam do postulado da sistematização como uma exigência permanente de elabora-
ção e aplicação do Direito. Aleksander Peczenik, Scientia JlIris: Legal Doetrine as
KnolVledge of LalV and as a SOllree of Law, p. 139: o autor menciona o "postulado
da unidade do Direito". Idem, "Certainty or Coherence?", in Festsehrift for AlIlis
Aarnio, p. 168: o autor menciona o "postulado de que o Direito deve ser coerente".
10. Susanne Bracker, Koharenz IIndjllristisehe Interpretation, pp. 169 e ss.
170 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

de. Consistência significa ausência de contradição: um conjunto de pro-


posições é consistente se não contém, ao mesmo tempo, uma proposição
e sua negação. Completude significa a relação de cada elemento com o
restante do sistema, em termos de integridade (o conjunto de proposições
contém todos os elementos e suas negações) e de coesão inferencial (o
conjunto de proposições contém suas próprias consequências lógicas).
No plano substancial, um conjunto de proposições qualifica-se
como coerente quanto maior for a (a) relação de dependência recíproca
entre as proposições e (b) quanto maior forem os seus elementos co-
muns. A coerência substancial em razão da dependência recíproca existe
quando a relação entre as proposições satisfaz requisitos de implicação
lógica (a verdade da premissa permite concluir pela verdade da conclu-
são) e de equivalência lógica (o conteúdo de verdade de uma proposição
atua sobre o conteúdo de verdade da outra e vice-versa). A coerência
substancial em razão de elementos comuns existe quando as proposições
possuem significados semelhantes. Ao contrário da coerência formal,
existente ou não, a coerência substancial permite graduação. Vale dizer:
ela pode ser maior ou menor. I I
A utilização do postulado da coerência como complementação ao
da hierarquia (entendida como relação estática e linear entre duas fontes
normativas, uma em cima e outra embaixo), é importante por dois mo-
tivos principais.
Em primeiro lugar, para melhor compreender o relacionamento
entre as normas. O relacionamento vertical entre as normas (normas
constitucionais e normas infraconstitucionais, por exemplo) deve ser
apresentado de tal forma que o conteúdo de sentido da norma inferior
deve ser aquele que "mais intensamente" corresponder ao conteúdo de
sentido da norma superior.12 O relacionamento horizontal entre as nor-
mas (princípios constitucionais mais gerais e princípios constitucionais
mais específicos ou principios e regras constitucionais, por exemplo)
deve ser compreendido de modo que o conteúdo normativo da norma
mais específica constitua precisamente uma "melhor especificação" da
norma mais geral. Nas duas hipóteses, porém, deve ficar claro que as
normas superiores e inferiores e as normas mais gerais e as mais especí-

li. Neil MacConnick, Rheloric and lhe Rule o/ Law: a TheOlY o/ Legal Rea-
soning, p. 192. Idem, Legal Reasoning and Legal Theory, p. 157.
12. Neil MacConnick, Rheloric and lhe Rufe o/ Law: a Theory o/ Legal Rea-
soning, p. 190. Idem, "Coherence in Legal lustification", in TheOlY o/Legal Science,
pp. 235 e ss.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 171

ficas atuam simultaneamente umas sobre as outras: o conteúdo da norma


inferior deve corresponder ao conteúdo da norma superior, assim e ao
mesmo tempo que o conteúdo da norma superior deve exteriorizar-se
pelo conteúdo da norma inferior; e o conteúdo da norma mais específica
deve corresponder ao conteúdo da norma mais geral, assim e ao mesmo
tempo que o conteúdo da norma mais geral deve exteriorizar-se pelo
conteúdo da norma mais específica. A eficácia, em vez de unidirecional,
é recíproca. 13
Em segundo lugar, o postulado da coerência serve para melhor
compreender a graduabilidade do relacionamento entre as normas.
O emprego do critério hierárquico normalmente conduz a uma alter-
nativa exclusiva: a norma inferior é "compativel ou incompatível" com
a norma superior. O emprego do critério da coerência complementa a
noção de hierarquia para demonstrar que o relacionamento entre as nor-
mas, no tocante ao aspecto substancial, pode ser gradual, isto é, "maior
ou menor".14 Alguns exemplos o demonstram.
No caso do controle concentrado de constitucionalidade, o Supre-
mo Tribunal Federal e o Tribunal Constitucional Alemão têm analisado
atos administrativos ou normativos editados em desconformidade com
a Constituição. Apesar disso, os Tribunais têm proferido várias decisões
no sentido de manter os efeitos decorrentes desses atos por entender que
manter os seus efeitos "promove mais" o ordenamento constitucional do
que não mantê-los. Nesse sentido, a afirmação de Gusy: "A manutenção
de leis inconstitucionais até a nova regulação legislativa não é apenas
praticamente necessária, mas também constitucionalmente obrigatória:
ela é 'mais próxima da Constituição' (naher am Grundgesetz)".15

13. Tal argumento foi utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar em
sede de REsp representativo de controvérsia (artigo 543-C do CPC/1973 e 1.036 do
CPC/20 15) se as taxas de manutenção criadas por associações de moradores podem
ser impostas àqueles que não anuíram a elas. A decisão, no sentido de que estas
taxas não são obrigatórias aos não associados ou àqueles que não anuíram com a
associação, fundamentou-se no fato de que a concepção da aceitação tácita ou da
preponderância do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa acabaria por
esvaziar o sentido e a finalidade da garantia fundamental e constitucional da liberda-
de de associação (STJ, 2ª Seção, REsp 1.439.163, reI. p/acórdão Min. Marco Buzzi,
j. 11.3.2015, DJe 22.5.2015).
14. Neil MacCormick, Rhetoric and the Rule of Law: a Theory of Legal Rea-
soning, p. 190.
15. Christoph Gusy, Parlamentarischer Gesetzgeber und Bundesveifassungs-
gericht, p. 191. Sobre isso, no Direito Tributário: Joachim Lang, "Familienexistenz-
172 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

No caso de interpretação de regras constitucionais, como as regras


de imunidade, o Supremo Tribunal Federal tem optado, dentre as alter-
nativas interpretativas existentes, por aquela que seja "mais suportada"
pelos princípios constitucionais fundamentais.
E, na aplicação do postulado da razoabilidade, o Supremo Tribunal
Federal e o Tribunal Constitucional Alemão têm deixado muitas vezes
de aplicar uma regra, por entender que os princípios materiais superiores
que determinam a não aplicação da regra (dignidade humana e liberda-
de, por exemplo) são "mais importantes" do que os princípios formais
que prescrevem a obediência incondicional à regra (segurança jurídica e
certeza do Direito, por exemplo).
Em todos esses casos, não se está mais diante de uma alternativa en-
tre o "promove ou não promove", o "suporta ou não suporta" ou o "com-
patível ou incompatível". Está-se, em vez disso, no terreno do "promove
mais ou promove menos", do "suporta mais ou suporta menos" e do
"mais compatível ou menos compatível".

3.2.2.2 Coerência substancial

3.2.2.2.1 Fundamentação por suporte


Em primeiro lugar, a fundamentação será tanto mais coerente
quanto mais bem suportado por outro for um enunciado. Isso depende,
evidentemente, de extensão e da intensidade da fundamentação. 16 A ex-
tensão será assegurada pela busca em fundamentar os enunciados mais
específicos nos enunciados mais gerais. A intensidade será garantida
mediante a escolha de premissas plausíveis e conclusões que possam de-
correr logicamente delas. A conexão de sentido fundamenta-se na ideia
de unidade e coerência do sistema jurídico, bem como preconiza clareza
conceitual, unidade formal e plenitude sistemática.17 A ordenação das
normas jurídicas decorre do princípio da igualdade, da tendência gene-
ralizadora da justiça e da segurança jurídica, e determina que as normas
devem ser reconduzidas a poucos princípios aglutinadores.18

minimum im Steuer- und Kindergeldrecht", StllW (4):334, 1990. Importante deci-


são: BVerfGE 37, 217 (261).
16. Aleksander Peczenik, On LaIV and Reason, p. 162. Robert Alexy, "Juristis-
che Begründung", in Rechtsdogmatik IInd praktische Vernllnft, p. 98.
17. Robert Alexy, "Juristische Interpretation", in Recht, Vern1llift. Diskllrs, p.
86.
18. Claus- Wilhelm Canaris, Systemdenken IInd SystembegrijJ in der Jllrispru-
denz, p. 13. Franz Bydlinkski, System IInd Prinzipien des Privatrechts, p. 3.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 173

o importante é que esse postulado mantém íntima vinculação com a


própria eficácia das normas jurídicas. A eficácia concreta de uma norma
constitucional é tanto maior quanto melhor, mais objetiva, for estrutura-
da sua explicação. A sua eficácia depende da sua capacidade de funda-
mentação de futuras decisões (Begründungs-optimierungstauglichkeit).
E a capacidade de fundamentação de uma norma constitucional (mais
aberta) é tanto melhor quanto mais intensa for a relação que ela manti-
ver com outras normas constitucionais, de modo a diminuir sua abertura
semântica. A pretensão de eficácia de uma norma implica sua sistemati-
zação substancial. Os subprincípios e regras são tanto melhor fundamen-
tados quanto mais intensamente eles forem suportados por princípios
superiores.19 Com base em categorias epistemológicas, desenvolvidas
por Carnap para a confirmação e corroboração de enunciados,20 pode-se
atingir a questão principal aqui tratada: a direta ou indireta "reconduti-
bilidade" (Zurückfiihrbarkeit) de uma norma a um princípio superior,
que possui significado fundamental em determinado sistema jurídico,
faz com que todas as normas obtidas por meio de uma vinculação sin-
tática ou semântica incorporem o mesmo significado jurídico da norma
superior. A relação de dependência de uma norma a um princípio funda-
mental faz com que essa norma, relativamente a outras normas, ganhe o
significado normativo de seu fundamento.
Por exemplo, no que se refere às limitações ao poder de tributar,
esta busca de coerência é feita mediante a concatenação das várias li-
mitações entre si, notadamente pela aglutinação das mais específicas
àquelas mais gerais. Isso explica a classificação das limitações em for-
mais e materiais, bem como justifica a vinculação de cada subespécie
aos princípios constitucionais fundamentais. Assim, por exemplo, a re-
gra da legalidade está vinculada ao princípio democrático e ao princípio
da segurança jurídica, e as regras de imunidade estão vinculadas aos
princípios constitucionais que as informam. E mesmo depois de feito
isso, ainda se busca, dentre os vários significados plausíveis da norma
em análise, escolher aquele que se vincula lógica e axiologicamente aos
princípios aglutinadores.21

19. Franz Bydlinski, Fundamentale Rechtsgrundsatze, p. 126-7. Neil MacCor-


mick, Legal Reasollillg and Legal Theory, p. 157. Idem. Rhetoric and the Rufe of
LalV: a TheO/y of Legal Reasoning, p. 199.
20. Sobre o assunto, ver: Wolfgang Stegmüller, Hauptstromungen der Ge-
gemvartsphilosophie, t. 1, p. 404.
21. Klaus Vogel, "Wordwide VS. source of taxation of income - A review
and reevaluation of arguments", lnternational Tax RevielV, Otlprint fram lntertax
174 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Partindo dessas considerações, pode-se afirmar que a construção


da coerência substancial de um sistema deve ser feita a partir do grau de
abstração vinculado à sobreposição axiológica das normas jurídicas, no
sentido de que os princípios que possuem maior grau de abstração de-
terminam o significado normativo de outras normas menos abstratas.22
Esta fundamentação conteudística surge quando uma norma, com
âmbito material de incidência mais estrito, mantém relação com outra
norma com âmbito material de incidência mais geral.23 Uma norma pos-
sui significado fundante para outra ou quando é mais geral, de modo que
as outras normas possam ser qualificadas como "expressão", "especifi-
cação" ou "aplicação" daquela, ou quando estabelece um fim abrangente
de outras normas, de modo que essas normas possam ser qualificadas
como "realização" daquela.24 Esta construção, baseada em "valores su-
bordinantes", é, por vezes, explicada como hierarquia axiológica.25

3.2.2.2.2 Fundamentação por Justificação recíproca


Em segundo lugar, a fundamentação será tanto mais coerente quan-
to maior for a justificação recíproca dos seus elementos. A justificação
recíproca existe num sistema quando há uma relação entre dois elemen-
tos, de tal modo que o primeiro elemento pertence a uma premissa da
qual o segundo elemento decorre logicamente, ao mesmo tempo que o
segundo elemento faz parte de uma premissa da qual o primeiro ele-
mento também decorre logicamente. Há três principais formas de fun-
damentação recíproca: a fundamentação recíproca empírica, a analítica
e a normativa.
Há fundamentação recíproca empírica quando a existência do pri-
meiro elemento é condição fática para a existência do segundo elemen-
to, e vice-versa. Assim, por exemplo, a institucionalização duradoura
dos direitos fundamentais é condição fática para a institucionalização

8-11/1988, p. 393. Também: Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitu-


cional Tributário, p. 50.
22. Franz Bydlinkski, Systelll und Prinzipien des Privatrechts, p. 16.
23. Franz Byd1inski, Fundalllentale Rechtsgl'1lndsatze, pp. 40, 69 e 70.
24. Riccardo Guastini, Teoria e Doglllatica del/e Fonti, p. 282. Neil MacCor-
mick, Legal Reasoningand Legal TheOlY, p. 157.
25. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, "A ordem econômica na Constitui-
ção de 1988", Revista de Direito Processual da Procuradoria-Geral, Rio de Janeiro
(42):59-60, 1990.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 175

duradoura da democracia, e vice-versa.26 "Um" não existe sem a exis-


tência factual do "outro", e o "outro" não existe sem a existência factual
do "um".
A fundamentação recíproca analítica existe quando a existência do
primeiro elemento é uma condição conceitual necessária para a existên-
cia do segundo elemento, e vice-versa. Assim, por exemplo, a eficácia
dos direitos fundamentais é uma condição conceitual necessária para a
existência de um Estado de Direito minimamente desenvolvido, e a exis-
tência de um Estado de Direito minimamente desenvolvido é condição
conceitual para a eficácia dos direitos fundamentais. A fundamentação
recíproca analítica é de grande valia no caso das limitações ao poder
de tributar. Com efeito, vários são os conceitos inter-relacionados: o
princípio federativo pressupõe conceitualmente a autonomia financeira
pela imunidade de impostos, e a autonomia financeira pela imunidade
de impostos é elemento do próprio princípio federativo; a existência do
princípio da separação dos poderes, do princípio democrático e a eficá-
cia de direitos fundamentais são condições conceituais necessárias para
a existência do princípio do Estado de Direito, e a existência do princípio
do Estado de Direito é condição conceitual necessária para uma existên-
cia determinada de cada um daqueles elementos.
A fundamentação recíproca normativa existe quando duas linhas
argumentativas diversas podem ser combinadas uma com a outra: a
fundamentação de mais de um enunciado específico por um enunciado
mais geral (fundamentação dedutiva) e a fundamentação de um enun-
ciado mais geral por um enunciado mais específico (fundamentação
indutiva).27 A fundamentação recíproca normativa é, do mesmo modo,
de grande importância no caso das limitações ao poder de tributar. Por
exemplo, as regras de legalidade, irretroatividade e anterioridade são
elementos que, conjuntamente, formam, num percurso ascendente de
significação, o princípio da segurança jurídica, e o princípio da segu-
rança jurídica atua na interpretação do sentido das regras de legalidade,
irretroatividade e anterioridade. Trata-se, como se vê, de uma sistemati-
zação circular e não meramente linear.

26. Aleksander Peczenik, On Law and Reason, p. 166.


27. Aleksander Peczenik, On Law and Reason, p. 167. Robert Alexy, "Juris-
tische Begründung", in Rechtsdogmatik IInd praktische Vernllnft, p. 103; Susanne
Bracker, Kohiirenz IIndjllristische !nterpretation, p. 107.
176 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

3.3 Postulados normativos aplicativos

A compreensão concreta do Direito pressupõe também a implemen-


tação de algumas condições. Essas condições são definidas como postu-
lados normativos aplicativos, na medida em que se aplicam para solucio-
nar questões que surgem com a aplicação do Direito, especialmente para
solucionar antinomias contingentes, concretas e externas: contingentes,
em vez de necessárias, porque surgem ocasionalmente diante de cada
caso; concretas, em vez de abstratas, porque surgem diante de um pro-
blema concreto; e externas, em vez de internas, porque não surgem em
razão de conflitos internos ao ordenamento jurídico, mas decorrem de
circunstâncias externas a ele.28 Entre os principais postulados aplicati-
vos estão a proporcionalidade, a razoabilidade e proibição de excesso,
que serão analisadas adiante e em pormenor.
Até aqui este trabalho dedicou-se à investigação de princípios que,
como tais, estabelecem fins a serem buscados. A partir de agora não
será mais examinado o dever de promover a realização de um estado de
coisas, mas o modo como esse dever deve ser aplicado. Superou-se o
âmbito das normas para adentrar o terreno das metanormas. Esses deve-
res situam-se num segundo grau e estabelecem a estrutura de aplicação
de outras normas, princípios e regras. Como tais, eles permitem verificar
os casos em que há violação às normas cuja aplicação estruturam. Só
elipticamente é que se pode afirmar que são violados os postulados da
razoabilidade, da proporcionalidade ou da eficiência, por exemplo. A ri-
gor, violadas são as normas - princípios e regras - que deixaram de ser
devidamente aplicadas.
Com efeito, no caso em que o Supremo Tribunal Federal declarou
inconstitucional lei estadual que determinava a pesagem de botijões de
gás à vista do consumidor, o princípio da livre iniciativa foi conside-
rado violado, por ter sido restringido de modo desnecessário e despro-
porcionaJ.29 Rigorosamente, não é a proporcionalidade que foi violada,
mas o princípio da livre iniciativa, na sua inter-relação horizontal com o
princípio da defesa do consumidor, que deixou de ser aplicado adequa-
damente. Da mesma forma, no caso em que o Supremo Tribunal Federal

28. Luis Prieto Sanchis, "Observaciones sobre las antinomias y el criterio de


ponderación", in Revista de Ciencias Sociales, n. 45, Facultad de Derecho y Cien-
cias Sociales, Universidad de Valparaiso, Chile, 2000, p. 472.
29. STF, Tribunal Pleno, MC na ADI 855-2-PR, reI. Min. Sepúlveda Pertence,
j. 1.7.1993, DJU l.1 0.1993, p. 20.212.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 177

declarou inválida ordem judicial para submissão do paciente ao exame


de DNA, foi considerada violada a dignidade humana do paciente, por
essa ter sido restringida de forma desnecessária e desproporcionapo Ri-
gorosamente, não é a proporcionalidade que foi violada, mas o princípio
da dignidade humana, na sua inter-relação horizontal com os princípios
da autodeterminação da personalidade e da universalidade da jurisdição,
que deixaram de ser aplicados adequadamente. Com a razoabilidade dá-
-se o mesmo, como será adiante demonstrado.
Essas considerações levam ao entendimento de que os postulados
normativos situam-se num plano distinto daquele das normas cuja aplica-
ção estruturam. A violação deles consiste na não interpretação de acordo
com sua estruturação. São, por isso, metanormas, ou normas de segundo
grau. O qualificativo de normas de segundo grau, porém, não deve levar
à conclusão de que os postulados normativos funcionam como qualquer
norma que fundamenta a aplicação de outras normas, a exemplo do que
ocorre no caso de sobreprincípios como o princípio do Estado de Direito
ou do devido processo legal. Isso porque esses sobreprincípios situam-
-se no próprio nível das normas que são objeto de aplicação, e não no
nível das normas que estruturam a aplicação de outras. Além disso, os
sobreprincípios funcionam como fundamento, formal e material, para a
instituição e atribuição de sentido às normas hierarquicamente inferio-
res, ao passo que os postulados normativos funcionam como estrutura
para aplicação de outras normas.
A definição de postulados normativos aplicativos como deveres es-
truturantes da aplicação de outras normas coloca em pauta a questão de
saber se eles podem ser considerados como princípios ou regras. Alexy
não enquadra a proporcionalidade diretamente em uma categoria espe-
cífica, pois utiliza, para sua definição, o termo princípio (Grundsatz),
limitando-se a afirmar, em nota de rodapé, que as máximas parciais po-
dem ser enquadradas no conceito de regras.31 A maior parte da doutrina
enquadra-os, sem explicações, na categoria dos princípios.

30. STF, 1ª Turma, HC 76.060-SC, reI. Min. Sepúlveda Pertence, j. 31.3.1998,


DJU 15.5.1998, p. 44.
31. Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 2ª ed., p. 100. Sobre o assunto,
enxergando uma posição clara de Alexy em favor da proporcionalidade como regra,
v.: Martin Borowsky, Grundrechte ais Prinzipien, p. 77; Laura Clérico, Die Strllktllr
der Verhiiltnismiissigkeit, p. 21; Luis Virgílio Afonso da Silva, "O Proporcional e o
Razoável", RT798/27.
178 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

As considerações feitas acima apontam em sentido diverso. Como


os postulados situam-se em um nível diverso do das normas objeto de
aplicação, defini-los como princípios ou como regras contribuiria mais
para confundir do que para esclarecer. Além disso, o funcionamento dos
postulados difere muito do dos princípios e das regras. Com efeito, os
princípios são definidos como normas imediatamente finalísticas, isto
é, normas que impõem a promoção de um estado ideal de coisas por
meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havi-
dos como necessários àquela promoção. Diversamente, os postulados,
de um lado, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso,
estruturam a aplicação do dever de promover um fim; de outro, não
prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e
de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem
comportamentos. Rigorosamente, portanto, não se podem confundir
princípios com postulados.
As regras, a seu turno, são normas imediatamente descritivas de
comportamentos devidos ou atributivas de poder. Distintamente, os pos-
tulados não descrevem comportamentos, mas estruturam a aplicação de
normas que o fazem. Mesmo que as regras fossem definidas como nor-
mas que prescrevem, proíbem ou permitem o que deve ser feito, deven-
do sua consequência ser implementada, mediante subsunção, caso a sua
hipótese seja preenchida, como o fazem Dworkin e Alexy, ainda assim a
complexidade dos postulados se afastaria desse modelo dual. A análise
dos postulados de razoabilidade e de proporcionalidade, por exemplo,
está longe de exigir do aplicador uma mera atividade subsuntiva. Eles
demandam, em vez disso, a ordenação e a relação entre vários elemen-
tos (meio e fim, critério e medida, regra geral e caso individual), e não
um mero exame de correspondência entre a hipótese normativa e os
elementos de fato. A possibilidade de, no final, requerer uma aplicação
integral não elimina o uso diverso na preparação da decisão. Também
os princípios, ao final do processo aplicativo, exigem o cumprimento
integral. E a circunstância de todas as espécies normativas serem volta-
das, em última instância, para o comportamento humano não elimina a
importância de explicar os procedimentos completamente distintos que
preparam e fundamentam sua descoberta.
As dificuldades de enquadramento da proporcionalidade, por
exemplo, na categoria de regras e princípios evidenciam-se nas pró-
prias concepções daqueles que a inserem em tais categorias. Mesmo os
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 179

adeptos da compreensão dos aqui denominados postulados normativos


aplicativos como regras de segundo grau reconhecem que eles, ao lado
do deveres de otimização, seriam uma/orma específica de regras (eine
besondere Form von Regeln).32 Também os adeptos de sua compreen-
são como princípios reconhecem que eles funcionam como máxima ou
topos argumentativo que mescla o caráter de regras e de princípios.33
Outros já os enquadram, com sólida argumentação, na categoria de prin-
cípios distintos, denominados de princípios de legitimação.34 Há, ainda,
aqueles que os representam como normas metódicas.35
Essas considerações levam ao entendimento de que esses deveres
merecem uma caracterização à parte e, por consequência, também uma
denominação distinta. Neste trabalho eles são denominados de postula-
dos normativos aplicativos. A denominação é secundária. O decisivo é
constatar e fundamentar sua diferente operacionalidade.36

3.4 Análise do liSO inconsistente de normas e metanormas

As normas de segundo grau, redefinidas como postulados norma-


tivos aplicativos, diferenciam-se das regras e dos princípios quanto ao
nível e quanto à função. Enquanto os princípios e as regras são o objeto
da aplicação, os postulados estabelecem os critérios de aplicação dos
princípios e das regras. E enquanto os princípios e as regras servem de
comandos para determinar condutas obrigatórias, permitidas e proibi-
das, ou condutas cuja adoção seja necessária para atingir fins, os postu-
lados servem como parâmetros para a realização de outras normas.

32. Cf.: Martin Borowsky, Grundrechte aIs Prinzipien, p. 91; Jan-Reinard Sie-
ckmann, Regelmodelle und Prinzipien-modelle des Rechtssystems, p. 84.
33. Willis S. Guerra Filho, Teoria da Ciência Jurídica, pp. 136 e 153.
34. Ricardo Lobo Torres, "A legitimação dos direitos humanos e os princípios
da ponderação e da razoabilidade", in Ricardo Lobo Torres (org.), Legitimação dos
Direitos Humanos, p. 432.
35. Lothar Michael, Der allgemeine Gleichheitssatz aIs Methodennorm kom-
parativer Systeme, pp. 42 e ss.
36. Incorporando a definição dos deveres de unidade e de concordância prática
como postulados normativos, ver a decisão sobre a denominada "lei da ficha limpa",
STF, Tribunal Pleno, RE 633.703, reI. Min. Gilmar Mendes, DJe-219, 18.11.2011,
especialmente o voto do Ministro Luiz Fux: "Os postulados da unidade e da concor-
dância prática das normas constitucionais, que impõem a vedação a que o intérprete
inutilize comandos normativos estabelecidos na Carta Constitucional de 1988, têm
por consequência jusfilosófica que mesmo o melhor dos direitos não pode ser apli-
cado contra a Constituição".
180 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Em todos os casos de utilização dos postulados sempre há um ra-


ciocínio que é feito relativamente à aplicação de outras normas do orde-
namento jurídico. Como será visto adiante, no exame da razoabilidade-
-equivalência analisa-se a norma que institui a intervenção ou exação
com a finalidade de verificar se há equivalência entre sua dimensão e
aquilo que ela visa a punir ou financiar. No exame de proporcionalidade
investiga-se a norma que institui a intervenção ou exação para verifi-
car se o princípio que justifica sua instituição será promovido e em que
medida os outros princípios serão restringidos. No exame da proibição
de excesso analisa-se a norma que institui a intervenção ou exação para
comprovar se algum princípio fundamental não está sendo atingido no
seu núcleo. Por esse motivo, surge a questão de saber se há uma restrição
excessiva dos princípios fundamentais.
Isso demonstra que esses exames investigam o modo como devem
ser aplicadas outras normas, quer estabelecendo os critérios, quer de-
finindo as medidas. De qualquer forma, as exigências decorrentes da
razoabilidade, da proporcionalidade e da proibição de excesso vertem
sobre outras normas não, porém, para atribuir-lhes sentido, mas para
estruturar racionalmente sua aplicação. Sempre há uma outra norma por
trás da aplicação da razoabilidade, da proporcionalidade e da excessivi-
dade. Por esse motivo, é oportuno tratá-Ias como metanormas. E, como
elas estruturam a aplicação de outras normas, com elas não se confun-
dindo, é oportuno fazer referência a elas com outra nomenclatura. Dai
a utilização do termo "postulado", a indicar uma norma que estrutura a
aplicação de outras.

3.4.1 Consequências
Normalmente, porém, as exigências de proporcionalidade, razoabi-
lidade e proibição de excesso são definidas como princípios. Princípios,
porém, não podem ser, quer seja adotada a distinção fraca, quer seja
utilizada a diferenciação forte entre as espécies normativas.
Caso seja aceita a distinção fraca entre princípios e regras, a pro-
porcionalidade, por exemplo, não pode ser considerada uma espécie de
princípio, porque não tem elevado grau de abstração e generalidade: ela
dirige-se a situações determinadas (colisão entre princípios em razão da
utilização de um meio cuja adoção provoca efeitos que promovem a
realização de um princípio, mas restringem a realização de outro) e a
pessoas determinadas (sujeitos, normalmente autoridades públicas, que
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 181

adotam medidas com a pretensão de realizar determinados princípios).


Também não pode ser considerada uma regra, pois não tem uma hipóte-
se e uma consequência que permita a subsunção do conceito do fato ao
conceito da norma. Em vez de uma hipótese de fato ou da definição de
um efeito, a proporcionalidade estabelece uma estrutura de aplicação,
algo bem diverso.
Caso seja admitida a distinção forte entre princípios e regras, a
proporcionalidade, por exemplo, também não pode ser considerada
uma espécie de princípio, porque não é realizada em vários graus, mas
num só (a medida é ou não é adequada, necessária ou proporcional), e
porque não é o objeto de ponderação, mas o próprio critério dela, sen-
do inconcebível sua superação em razão de princípios horizontalmente
colidentes. Do mesmo modo, não pode ser considerada uma regra, pois
não tem uma hipótese e uma consequência a ser implementada no caso
de subsunção. Muito menos poderá ser objeto de colisão e de decreta-
ção de invalidade.
A definição das normas aplicativas de segundo grau como prin-
cípios ou regras, mais que uma questão de nomenclatura, apresenta-se
como um problema fenomênico, de coerência e de justificação.
É um problema fenomêmico porque, se há dois fenômenos distintos
a considerar, por que chamá-los da mesma forma? Não há razão para
isso. É banalizar a linguagem, deixando de tirar proveito dela.
É um problema de coerência, porque tanto os autores que definem
pelo critério fraco (princípios são normas mais gerais e abstratas, e as re-
gras menos gerais e abstratas) quanto os autores que o fazem pelo critério
forte (princípios são nonnas de otimização realizáveis em vários graus,
e regras são normas que estabelecem uma hipótese e um mandamento
definitivo) não poderiam, para manter sua coerência científica, definir a
proporcionalidade, por exemplo, como princípio ou como regra. Como
princípio não, pois ela não é realizada em vários graus, mas serve de cri-
tério para a realização em vários graus dos fins cuja promoção é devida
em razão da positivação dos princípios. Como regra também não, pois
ela não tem uma hipótese e uma consequência, nem pode ser excluída do
ordenamento jurídico em caso de colisão.
Por fim, é um problema de justificação, pois, definindo a proporcio-
nalidade como princípio/regra, confunde-se o objeto de aplicação com
o critério de aplicação. Para usar uma metáfora: quem define a propor-
cionalidade como princípio confunde a balança com os objetos que ela
pesa! E, ao fazê-lo, perde de vista a diferença entre o que deve ser rea-
182 TEORIA DOS PRINCíPIOS

lizado (princípios/regras) e o que serve de parâmetro para a realização


(postulados ).

3.5 Diretrizes para a análise dos postulados normativos aplicativos


Considerando a definição de postulados como normas estruturantes
da aplicação de princípios e regras, propõem-se os seguintes passos para
sua investigação.

3.5.1 Necessidade de levantamento de casos cuja solução


tenha sido tomada com base em algum postulado normativo
A investigação dos postulados normativos inicia-se com a análise
jurisprudencial. É preciso encontrar casos que tenham sido soluciona-
dos mediante a aplicação dos postulados em análise. A importância da
proporcionalidade e da razoabilidade, por exemplo, cresce a cada dia na
jurisprudência brasileira. Não são poucos os acórdãos que as utilizam.
Bem concretamente, isso significa (a) investigar a jurisprudência
dos Tribunais Superiores, em busca de decisões que tenham mencionado
a utilização de postulados normativos; (b) obter a íntegra dos acórdãos
em que são mencionados os referidos postulados.

3.5.2 Análise dafimdamentação das decisões


para verificação dos elementos ordenados
e daforma como jàram relacionados entre si
Depois disso, é necessário analisar a fundamentação das decisões,
com a finalídade de encontrar quais os elementos que foram ordenados
e como foram relacionados entre si. Como já foi referido, os postulados
normativos estruturam a aplicação de outras normas. Sendo assim, é de
todo imprescindível verificar quais normas foram aplicadas, e como o
foram. Por exemplo, o postulado da razoabilidade é utilizado na aplica-
ção da igualdade, para exigir uma relação de congruência entre o critério
distintivo e a medida discriminatória. O exame da decisão permite veri-
ficar que há dois elementos analisados, critério e medida, e uma deter-
minada relação de congruência exigida entre eles.
Bem especificamente, isso significa (a) analisar as decisões e ve-
rificar os elementos ou grandezas que foram manipulados; (b) verificar
quais as relações consideradas essenciais entre eles.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 183

3.5.3 Investigação das normas que foram objeto de aplicação


e dosfundamentos utilizados para a escolha
de determinada aplicação
Como os postulados são deveres que estruturam a aplicação de
normas jurídicas, é importante examinar não só quais foram as normas
objeto de aplicação, como, também, a fundamentação da decisão. Por
exemplo, o postulado da proporcionalidade exige que as medidas adota-
das pelo Poder Público sejam adequadas, necessárias e proporcionais em
sentido estrito. No caso em que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela
inconstitucionalidade de uma lei estadual que determinava utilização de
balança especial para a pesagem de botijões de gás à vista do consumidor,
o Tribunal analisou o meio utilizado (determinação da utilização de ba-
lanças), o fim buscado (princípio da proteção dos consumidores) e o prin-
cípio colateralmente restringido (princípio da livre iniciativa). Segundo
se depreende pela leitura da integra do acórdão, a recorrente alegava que
o meio não era totalmente adequado à promoção do fim (segundo parecer
do INMETRO, as balanças seriam impróprias para medir o conteúdo dos
botijões, pois o uso dos manômetros não atendia à finalidade proposta,
por ser a indicação do gás liquefeito de petróleo em massa e não em
unidade de pressão), outros meios menos restritivos poderiam ter sido
escolhidos (lacre, selo, vigilância) e as desvantagens (dispêndio com a
compra das balanças, repasse dos custos para o preço dos botijões, neces-
sidade de deslocamento do consumidor até o veÍCulo transportador) su-
peravam as vantagens (maior controle do conteúdo dos botijões, proteção
da confiança dos consumidores).37 Enfim, o exame do acórdão permite
verificar os elementos analisados e as relações exigidas entre eles.
Em pormenor, isso significa (a) verificar os elementos ou grande-
zas que foram manipulados; (b) encontrar os motivos que levaram os
Julgadores a entender existentes ou inexistentes determinadas relações
entre eles.

3.5.4 Realização do percurso inverso: descoberta a estrutura exigida


na aplicação do postulado, verificação da existência de outros
casos que deveriam ter sido decididos com base nele
O primeiro passo no exame dos postulados, como já foi referido,
é a análise de decisões que os tenham utilizado expressamente. Casos

37. STF, Tribunal Pleno, Me na ADI 855-2-PR, reI. Min. Sepúlveda Pertence,
j. 1.7.1993, DJU 1.10.1993, p. 20.212.
184 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

há, porém, em que determinado postulado é utilizado sem que ele seja
expressamente mencionado. Em outros casos, embora presentes os ele-
mentos e a obrigação de estabelecer um modo especifico de relação
entre eles, o postulado não é utilizado. Noutros casos, ainda, existe a
menção expressa a determinado postulado, mas os elementos e a relação
entre eles são diversos dos elementos e das relações existentes em casos
decididos supostamente com base no mesmo postulado. Em face dessas
considerações, é preciso, depois de desveladas as hipóteses de aplica-
ção típica dos postulados, refazer a pesquisa, dessa feita não mediante
a busca do postulado como palavra-chave, mas por meio da busca dos
elementos e das relações que servem de suposto à sua aplicação.
Simplificadamente, isso significa (a) refazer a pesquisa jurispru-
dencial mediante a busca de outras palavras-chave; (b) analisar critica-
mente as decisões encontradas, reconstruindo-as argumentativamente de
acordo com o postulado em exame, de modo a evidenciar a falta de uso
ou seu uso inadequado.

3.6 Espécies de postulados

3.6.1 Considerações gerais


Os postulados normativos foram definidos como deveres estrutu-
rais, isto é, como deveres que estabelecem a vinculação entre elemen-
tos e impõem determinada relação entre eles. Nesse aspecto, podem ser
considerados formais, pois dependem da conjugação de razões substan-
ciais para sua aplicação.
Os postulados não funcionam todos da mesma forma. Alguns pos-
tulados são aplicáveis independentemente dos elementos que serão ob-
jeto de relacionamento. Como será demonstrado, a ponderação exige
sopesamento de quaisquer elementos (bens, interesses, valores, direitos,
principios, razões) e não indica como deve ser feito esse sopesamento.
Os elementos e os critérios não são especificos. A concordância prática
funciona de modo semelhante: exige-se a harmonização entre elemen-
tos, sem dizer qual a espécie desses elementos. Os elementos a serem
objeto de harmonização são indeterminados. A proibição de excesso
também estabelece que a realização de um elemento não pode resultar
na aniquilação de outro. Os elementos a serem objeto de preservação
mínima não são indicados. Da mesma forma, o postulado da otimização
estabelece que determinados elementos devem ser maximizados, sem
dizer quais, nem como.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 185

Nessas hipóteses os postulados normativos exigem o relacionamen-


to entre elementos, sem especificar, porém, quais são os elementos e os
critérios que devem orientar a relação entre eles. São postulados nor-
mativos eminentemente formais. Constituem-se, pois, em meras ideias
gerais, despidas de critérios orientadores da aplicação,38 razão pela qual
são denominados, neste estudo, de postulados inespecíjicos (ou incon-
dicionais).
A aplicação de outros postulados já depende da existência de deter-
minados elementos e é pautada por determinados critérios. A igualdade
somente é aplicável em situações nas quais haja o relacionamento entre
dois ou mais sujeitos em função de um critério discriminador que serve
a alguma finalidade. Sua aplicabilidade é condicionada à existência de
elementos específicos (sujeitos, critério de discrímen e finalidade). A ra-
zoabilidade somente é aplicável em situações em que se manifeste um
conflito entre o geral e o individual, entre a norma e a realidade por ela
regulada, e entre um critério e uma medida. Sua aplicabilidade é condi-
cionada à existência de elementos específicos (geral e individual, norma
e realidade, critério e medida). A proporcionalidade somente é aplicável
nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e
um fim. Sua aplicabilidade está condicionada à existência de elementos
específicos (meio e fim).
Nessas hipóteses os postulados normativos exigem o relaciona-
mento entre elementos específicos, com critérios que devem orientar a
relação entre eles. Também são postulados normativos formais, mas re-
lacionados a elementos com espécies determinadas, razão pela qual são
denominados, neste estudo, de postulados especíjicos (ou condicionais).

3.6.2 Postulados inespecíjicos


3.6.2.1 Ponderação

A ponderação de bens consiste num método destinado a atribuir


pesos a elementos que se entrelaçam, sem referência a pontos de vista
materiais que orientem esse sopesamento. Fala-se, aqui e acolá, em pon-
deração de bens, de valores, de princípios, de fins, de interesses. Para
este trabalho é importante registrar que a ponderação, sem uma estrutura
e sem critérios materiais, é instrumento pouco útil para a aplicação do

38. Aleksander Peczenik, "The passion for reason", The Law in Philosophical
Perspectives, p. 184.
186 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Direito. É preciso estruturar a ponderação com a inserção de critérios.39


Isso fica evidente quando se verifica que os estudos sobre a ponderação
invariavelmente procuram estruturar a ponderação com os postulados de
razoabilidade e de proporcionalidade e direcionar a ponderação median-
te utilização dos princípios constitucionais fundamentais. Nesse aspecto,
a ponderação, como mero método ou ideia geral despida de critérios
formais ou materiais, é muito mais ampla que os postulados da propor-
cionalidade e da razoabilidade.40
Importa ter em conta também a importância de separar os elemen-
tos que são objeto de ponderação, os quais, ainda que sejam relaciona-
dos entre si, podem ser dissociados. Os bens jurídicos são situações, es-
tados ou propriedades essenciais à promoção dos princípios jurídicos.41
Por exemplo, o princípio da livre iniciativa pressupõe, como condição
para sua realização, liberdade de escolha e autonomia. Liberdade e au-
tonomia são bens jurídicos protegidos pelo princípio da livre iniciativa.
Os interesses são os próprios bens jurídicos na sua vinculação com al-
gum sujeito que os pretende obter. Por exemplo, sendo liberdade e auto-
nomia bens jurídicos, protegidos pelo princípio da livre iniciativa, algum
sujeito pode ter, em função de determinadas circunstâncias, condições
de usufruir daquela liberdade e autonomia. Liberdade e autonomia
passam, então, a integrar a esfera de interesses de determinado sujeito.
Os valores constituem o aspecto axiológico das normas, na medida em
que indicam que algo é bom e, por isso, digno de ser buscado ou preser-
vadoY Nessa perspectiva, a liberdade é um valor, e, por isso, deve ser
buscada ou preservada. Os princípios constituem o aspecto deontológico
dos valores, pois, além de demonstrarem que algo vale a pena ser busca-
do, determinam que esse estado de coisas deve ser promovido.
Quando se utiliza a expressão "ponderação", todos os elementos
acima referidos são dignos de ser objeto de sopesamento. O importante,
todavia, é conhecer a sutil diferença entre eles. A clareza agradece.
Pode-se, no entanto, sejam quais forem os elementos objeto de pon-
deração, evoluir para uma ponderação intensamente estruturada, que po-

39. Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de Direitos Fundamentais e o Princí-


pio da Proporcionalidade, p. 143.
40. José M. Rodríguez de Santiago, La Ponderación de Bienes e Intereses ell
el Derecho Administrativo, p. 111.
41. Michael Marx, 2ur Dejillition des Begriffs "Rechtsgut ": Prolegomena ei-
ner materialen Verbrechellslehre, p. 68.
42. Robert Alexy, "Rechtsregeln und Rechtsprinzipien", Archives Rechts und
Sozialphilosophie, Separata 25/24.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 187

derá ser utilizada na aplicação dos postulados específicos. Para atingir


esse desiderato, algumas etapas são fundamentais.43
A primeira delas é a da preparação da ponderação (Abwagungs-
vorbereitung). Nessa fase devem ser analisados todos os elementos e
argumentos, o mais exaustivamente possível.44 É comum proceder-se
a uma ponderação sem indicar, de antemão, o que, precisamente, está
sendo objeto de sopesamento. Isso, evidentemente, viola o postulado
científico da explicitude das premissas, bem como o princípio jurídico
da fundamentação das decisões, ínsito ao conceito de Estado de Direito.
A segunda etapa é a da realizaçeio da ponderaçeio (Abwagung), em
que se vai fundamentar a relação estabelecida entre os elementos objeto
de sopesamento. No caso da ponderação de princípios, essa deve indicar
a relação de primazia entre um e outro.
A terceira etapa é a da reconstruçeio da ponderaçeio (Rekonstruktion
der Abwagung), mediante a formulação de regras de relação, inclusive
de primazia entre os elementos objeto de sopesamento, com a pretensão
de validade para além do caso.
Vários podem ser os critérios de ponderação. Especial atenção deve
ser dada aos princípios constitucionais e às regras de argumentação que
podem ser construídas a partir deles, como a de que os argumentos lin-
guísticos e sistemáticos devem ter primazia sobre os históricos, genéti-
cos e meramente pragmáticos.45

3.6.2.2 Concordância prática

Nesse contexto, também aparece a concordância prática como a


finalidade que deve direcionar a ponderação: o dever de realização má-
xima de valores que se imbricam. Esse postulado surge da coexistência
de valores que apontam total ou parcialmente para sentidos contrários.
Daí se falar em dever de harmonizar os valores de modo que eles se-
jam protegidos ao máximo. Como existe uma relação de tensão entre
os princípios e as regras constitucionais, especialmente entre aqueles

43. Laura Clérico, Die Sfrukfur der Verhiilfnismiifligkeif, p. 165; J05é M. Ro-
dríguez de Santiago, La Ponderación de Bienes ..., pp. 117 e 55.
44. JUrgen Habermas, Fakfizifiif und Gelfung, p. 317.
45. Humberto Á vila, "Argumentação jurídica e a imunidade do lívro eletrôní-
co", RDTribufário 79/163 e 5S., e Maferiell veljassungsrechfliche Beschriinkungen
der Besfeuerungsgewalf in der brasilianischen Verfassllllg und im deufschen Grund-
gesefz, pp. 375 e 5S.
188 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

que protegem os cidadãos e aqueles que atribuem poderes ao Estado,


deve ser buscado um equilíbrio entre eles. A esse respeito, Dürig fala do
dever de buscar uma síntese dialética entre as normas imbricadas, com
a finalidade de encontrar uma otimização entre os valores em conflito.46
Nem a ponderação nem a concordância prática indicam, porém, os
critérios formais ou materiais por meio dos quais deve ser feita a pro-
moção das finalidades entrelaçadas. Consubstanciam estruturas exclu-
sivamente formais e despidas de critérios. Como será oportunamente
investigado, são os postulados da razoabilidade e da proporcionalidade
que permitem estruturar a realização das normas constitucionais.

3.6.2.3 Proibição de excesso

A promoção das finalidades constitucionalmente postas possui,


porém, um limite. Esse limite é fornecido pelo postulado da proibição
de excesso. Muitas vezes denominado pelo Supremo Tribunal Federal
como uma das facetas do princípio da proporcionalidade, o postulado
da proibição de excesso proíbe a restrição excessiva de qualquer direito
fundamental.
A proibição de excesso está presente em qualquer contexto em que
um direito fundamental esteja sendo restringido. Por isso, deve ser inves-
tigada separadamente do postulado da proporcionalidade: sua aplicação
não pressupõe a existência de uma relação de causalidade entre um meio
e um fim. O postulado da proibição de excesso depende, unicamente, de
estar um direito fundamental sendo excessivamente restringido.
A realização de uma regra ou princípio constitucional não pode
conduzir à restrição a um direito fundamental que lhe retire um míni-
mo de eficácia. Por exemplo, o poder de tributar não pode conduzir ao
aniquilamento da livre iniciativa. Nesse caso, a ponderação de valores
indica que a aplicação de uma norma, regra ou princípio (competência
estatal para instituir impostos) não pode implicar a impossibilidade de
aplicação de uma outra norma, princípio ou regra (proteção da proprie-
dade privada).47 Alguns casos podem melhor esclarecer a questão.
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu por negar pro-
vimento a recurso extraordinário por entender excessiva e despropor-

46. Munz, Dürig, Herzog e Scholz, Grul1dgesetz KOIll/llentar, art. 3, Abs. I,


número de margem 121 e 128.
47. Klaus Tipke, Die Stellerrechtsordl1l1l1g, pp. 232-423.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 189

cional a majoração do imposto de licença sobre as cabinas de banho.


A recorrente aduziu que tal imposição poderia lhe cercear uma ativida-
de lícita e, por isso, estaria colidindo com o princípio da liberdade de
qualquer profissão (art. 141, S 14, da CF de 1946).48 O voto do Ministro
Orosimbo Nonato faz referência à decisão da Suprema Corte America-
na no sentido de que "o poder de taxar somente pode ser exercido den-
tro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de
comércio e de indústria e com o direito de propriedade". Sendo assim,
mesmo considerando o imposto "imodesto", o Ministro reconheceu ser
ele exigível, pois o mesmo não estaria "aniquilando a atividade parti-
cular" - fato que seria determinante para o reconhecimento do excesso
na majoração.
Noutro julgamento o Plenário do Supremo Tribunal Federal deci-
diu por deferir medida liminar que suscitava a inconstitucionalidade de
lei estadual que elevava os valores de taxa judiciária. Tal lei estadual
"estaria violando os arts. 153, SS 30 e 32; 19, I; e 8º, XVII, 'c''', da
Constituição então vigente.49 O fato de a taxa judiciária ter sido elevada
em 827% impediria o acesso ao Judiciário de uma grande parcela da
população. O Relator acolheu os argumentos do autor, sustentando, ain-
da, a necessidade de proteção ao interesse público (acesso à prestação
jurisdicional) e, também, a possibilidade de danos irreparáveis caso não
fosse concedida a medida liminar.
Noutro caso, a I ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu dar
parcial provimento a recurso extraordinário que se insurgia contra a de-
cisão do Tribunal a quo que determinava o pagamento do "imposto do

48. STF, 2ª Turnla, RE 18.331-SP, reI. Min. Orosimbo Nonato, j. 21.9.1951,


DJU8.11.1951,p.10.865.
49. STF, Tribunal Pleno, MC na Repr. 1.077-RJ, reI. Min. Cordeiro Guerra, j.
26.2.1981, DJU 27.3.1981, p. 2.533. Na ADI-MC-QO 2.551-MG, Tribunal Pleno,
reI. Min. Celso de Mello, DJU de 20.4.2006, p. 5, o Tribunal, além de proclamar a
irrazoabilidade do valor da taxa, reconheceu que o impacto econômico causado pela
sua cobrança (43,59% sobre a parcela do prêmio retida pelas sociedades segurado-
ras) causaria restrição exagerada à atividade econômica realizada pelas empresas
seguradoras, pois consumiria uma parte demasiada do prêmio auferido. Também
no RE 413.782-8-SC, o Tribunal Pleno, em caso relatado pelo Min. Marco Aurélio,
DJU de 3.6.2005, p. 4, examinou a constitucionalidade de parte do Regulamento
do ICMS do Estado de Santa Catarina, segundo a qual o contribuinte inadimplente
relativamente ao dever de pagar ICMS poderia ter acesso apenas a notas fiscais avul-
sas. O Tribunal manifestou-se no sentido de que a impressão de notas fiscais caso
a caso é medida que "'inviabiliza o exercício, pela empresa devedora, de atividade
econômica lícita".
190 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

selo dos empréstimos registrados em conta corrente sem contrato es-


crito, na conformidade do art. 49 da Tabela Anexa ao Regulamento do
Selo (Decreto-lei n. 4.655/1942)". A decisão do Tribunal a quo também
mantinha a multa pelo não pagamento do imposto no valor de 50 vezes
o valor do selo. O Tribunal reconheceu o direito à cobrança do imposto
do selo, mas modificou o entendimento em relação ao valor da multa,
considerando-a excessiva (50 vezes o valor do selo).50
Em todos esses casos o Supremo Tribunal Federal não investigou a
legitimidade da finalidade, nem a necessidade da adoção das medidas, e
muito menos a existência de finalidades públicas que pudessemjustificar
as medidas adotadas. Não houve exame da adequação, da necessidade e
da proporcionalidade, em sentido estrito, em função de uma relação en-
tre meio e fim. Em vez disso, o Tribunal apenas verificou que nenhuma
medida pode restringir excessivamente um direito fundamental, sejam
quais forem as razões que a motivem. Daí se falar em proibição de ex-
cesso como limite, separadamente do postulado da proporcionalidade.51
Além disso, é plausível imaginar casos em que a medida adotada
pelo Poder Público seja considerada proporcional sem que o núcleo es-
sencial de um direito fundamental seja atingido e a medida, por conse-
quência, seja considerada excessiva.
Vamos a um exemplo. O Poder Público, para proteger os consumi-
dores, obriga os supermercados de uma determinada região a etiquetar
todos os produtos vendidos em seus estabelecimentos. A medida serve
de meio para promover um fim - qual seja, a proteção dos consumido-
res. A adoção da medida causa uma restrição ao direito de livre exercício
de atividade econômica dos supermercados. Como a situação envolve
uma relação de causalidade entre um meio e um fim concreto, tem apli-
cabilidade o postulado da proporcionalidade. Procedendo-se ao exame
da adequação, pode-se concluir que os efeitos da medida adotada contri-
buem para a gradual realização do fim. Etiquetar os produtos contribui
para proteger os consumidores. Pondo em prática o exame da necessida-
de, é plausível concluir pela inexistência de outro meio alternativo, se os
meios disponíveis não são considerados igualmente adequados para pro-

50. STF, Iª Turma, RE 47.937-GB, reI. Min. Candido Motta, j. 19.11.1962,


DJU6.12.1962, p. 3.744.
51. Humberto Bergmann Á vila, "Estatuto do Contribuinte: conteúdo e alcan-
ce", Revista da Associação Brasileira de Direito Tributário 7/73-104, e Afaterie/l
ve/jasslll1gsrechtliche """'p. 75. Neste ponto, com precisão: Luís Virgilio Afonso da
Silva, "O proporcional e o razoável", RT 798/27.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 191

teger os consumidores. Os efeitos da implantação do código de barras


promovem menos intensamente a proteção da maioria dos consumidores
do que a obrigação de etiquetar cada produto. A obrigação de etiquetar
os produtos é necessária. E, contrapondo-se as vantagens e as desvan-
tagens da adoção da medida, pode-se chegar à conclusão de que, apesar
de não haver outro meio igualmente adequado para proteger os consu-
midores, ainda assim o grau da restrição causada ao princípio do livre
exercício da atividade econômica pela obrigação de colocar etiquetas em
todos os produtos (custos administrativos, trabalho humano de etique-
tar e novamente etiquetar quando os preços mudam, repasse dos custos
para os preços dos produtos, abandono do moderno sistema de código de
barras) é desproporcional ao grau de promoção do princípio da proteção
dos consumidores (proteção de uma minoria desatenta de consumidores
em detrimento da média dos consumidores, que é protegida por outros
meios já existentes). Enfim, a medida, apesar de adequada e necessária,
é considerada desproporcional em sentido estrito.
Sem adentrar o mérito da solução imaginada, a contribuição do
exemplo consiste em demonstrar que os três exames inerentes à pro-
porcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito) foram feitos sem que em momento algum fosse cogitada a res-
trição ao núcleo essencial do princípio do livre exercício da atividade
econômica. Os supermercados não irão à ruína, seu conjunto de direitos
de liberdade não será aniquilado; e, ainda assim, a medida foi declarada
desproporcional. É dizer: a medida foi considerada desproporcional sem
ser excessiva no sentido de adentrar o núcleo inviolável dos direitos fun-
damentais. Isso significa, em síntese, que pode haver exame por meio
do postulado da proporcionalidade sem qualquer controle por meio do
postulado da proibição de excesso. E pode haver controle por meio
do postulado da proibição de excesso sem que haja controle por meio do
postulado da proporcionalidade, como ocorre, por exemplo, nos casos
acima mencionados de tributação com finalidade fiscal, em que não há
relação de causalidade entre um meio e um fim concreto, e mesmo assim
foi constatada a excessividade das medidas adotadas. Enfim, são postu-
lados distintos, porque com aplicabilidade diversa.
Para compreender a distinção entre o postulado da proporcionali-
dade e o postulado da proibição de excesso é preciso verificar que o pri-
meiro opera num âmbito a partir do qual o núcleo essencial do princípio
fundamental restringido está preservado. Numa representação podería-
mos imaginar um grande círculo representando os graus de intensidade
192 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

da restrição de um princípio fundamental de liberdade, dentro do qual


outros círculos concêntricos menores estão inseridos, até chegar ao cír-
culo central menor cujo anel representa o núcleo inviolável. A finalidade
pública poderia justificar uma restrição situada da coroa mais externa
até aquela mais interna, dentro da qual é proibido adentrar. Pois bem.
O postulado da proporcionalidade em sentido estrito opera entre o limite
da coroa mais interna e o da coroa mais externa, e compara o grau de
restrição da liberdade com o grau de promoção da finalidade pública,
para permitir a declaração de invalidade uma medida que causa restri-
ção demais para promoção de menos. Para efeitos didáticos, seria como
afirmar que a promoção de uma finalidade pública equivalente ao grau
I não justifica uma restrição a um princípio fundamental equivalente ao
grau 4. A medida, nessa hipótese, seria desproporcional em sentido es-
trito. A proibição de excesso apenas indicaria, por suposição, que nenhu-
ma restrição poderia equivaler ao grau 5, pois ele representaria o anel
central não passível de invasão, independentemente da sua finalidade
justificativa e do grau de intensidade da sua realização.
Todas essas considerações, cuja compreensão exige boa dose de
imaginação, têm a exclusiva finalidade de demonstrar que o método
de controle exigido pelo postulado da proibição de excesso é diverso
do controle determinado pelo postulado da proporcionalidade. Sendo
diversa a estrutura de controle, o amor à clareza conduz à adoção de
terminologia também diversa. Essas estruturas - enfatize-se a mais não
poder - podem ser explicadas de maneiras diferentes e com nomencla-
turas coincidentes. Isso é uma coisa. O que não se pode - saliente-se ao
máximo - é baralhá-las pelo emprego do mesmo nome. O que é outra
coisa.

3.6.3 Postulados especíjicos

3.6.3.1 Igualdade

A igualdade pode funcionar como regra, prevendo a proibição de


tratamento discriminatório; como princípio, instituindo um estado igua-
litário como fim a ser promovido; e como postulado, estruturando a apli-
cação do Direito em função de elementos (critério de diferenciação e
finalidade da distinção) e da relação entre eles (congruência do critério
em razão do fim).
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 193

A concretização do princípio da igualdade depende do critério-me-


dida objeto de diferenciação.52 Isso porque o princípio da igualdade, ele
próprio, nada diz quanto aos bens ou aos fins de que se serve a igualdade
para diferenciar ou igualar as pessoas. As pessoas ou situações são iguais
ou desiguais em função de um critério diferenciador. Duas pessoas são
formalmente iguais ou diferentes em razão da idade, do sexo ou da capa-
cidade econômica. Essa diferenciação somente adquire relevo material
na medida em que se lhe agrega uma finalidade, de tal sorte que as pes-
soas passam a ser iguais ou diferentes de acordo com um mesmo critério,
dependendo da finalidade a que ele serve. Duas pessoas podem ser iguais
ou diferentes segundo o critério da idade: devem ser tratadas de modo
diferente para votar nalguma eleição, se uma tiver atingido a maiorida-
de não alcançada pela outra; devem ser tratadas igualmente para pagar
impostos, porque a concretização dessa finalidade é indiferente à idade.
Duas pessoas podem ser consideradas iguais ou diferentes segundo o
critério do sexo: devem ser havidas como diferentes para obter licença-
-maternidade se somente uma delas for do sexo feminino; devem ser tra-
tadas igualmente para votar ou pagar impostos, porque a concretização
dessas finalidades é indiferente ao sexo. Do mesmo modo, duas pessoas
podem ser compreendidas como iguais ou diferentes segundo o critério
da capacidade econômica: devem ser vistas como diferentes para pagar
impostos, se uma delas tiver maior capacidade contributiva; são tratadas
igualmente para votar e para a obtenção de licença-maternidade, porque
a capacidade econômica é neutra relativamente à concretização dessas
finalidades.53
Vale dizer que a aplicação da igualdade depende de um critério
diferenciador e de umjim a ser alcançado. Dessa constatação surge uma
conclusão, tão importante quanto menosprezada: fins diversos levam à
utilização de critérios distintos, pela singela razão de que alguns critérios
são adequados à realização de determinados fins; outros, não. Mais do
que isso: fins diversos conduzem a medidas diferentes de controle. Há

52. Sobre o tema, cf., por todos, o excelente livro de Celso Antônio Bandeira
de Mello, O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed., 19ª tir., 2010.
Cr., também: Lothar Michael, Der allgemeine Gleichheitssatz ..., pp. 42 e 55. Con-
ferir, igualmente, minha obra: Humberto Ávila, Teoria da Igualdade Tributária,
2ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2009, onde a igualdade é examinada em toda
a sua extensão.
53. Paul Kirchhof, Die Verschiedenheit der Menschen und die Gleichheit vor
dem Gesetz, pp. 8 e 55.
194 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

fins e fins no Direito.54 Como postulado, sua violação reconduz a uma


violação de alguma norma jurídica. Os sujeitos devem ser considerados
iguais em liberdade, propriedade, dignidade. A violação da igualdade
implica a violação a algum princípio fundamental.

3.6.3.2 Razoabilidade

3.6.3.2.1 Generalidades
A razoabilidade estrutura a aplicação de outras normas, princípios
e regras, notadamente das regras. A razoabilidade é usada com vários
sentidos. Fala-se em razoabilidade de uma alegação, razoabilidade de
uma interpretação, razoabilidade de uma restrição, razoabilidade do fim
legal, razoabilidade da função legislativa.55 Enfim, a razoabilidade é uti-
lizada em vários contextos e com várias finalidades. Embora as decisões
dos Tribunais Superiores não possuam uniformidade terminológica,
nem utilizem critérios expressos e claros de fundamentação dos postula-
dos de proporcionalidade e de razoabilidade, ainda assim é possível- até
mesmo porque isso se inclui nas finalidades da Ciência do Direito - re-
construir analiticamente as decisões, conferindo-lhes a almejada clareza.
Por isso, não se pode afinnar que a falta de utilização expressa de crité-
rios no exame da proporcionalidade e da razoabilidade não permita ao
teórico do Direito saber, mediante a reconstrução analítica das decisões,
quais são os critérios implicitamente utilizados pela jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal.56
Relativamente à razoabilidade, dentre tantas acepções, três se des-
tacam. Primeiro, a razoabilidade é utilizada como diretriz que exige a
relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto,
quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer

54. Klaus Vogel e Christian WaldhofT, Bonner Kommentar zllm Grundgesetz,


81~ tir., p. 388; Dieter Birk, Stellerrecht f, AI/gemeines Stellerrecht, 2. Auf, pp. 10-11;
Stefan Huster, Rechte IInd Ziele: ZlIr Dogmatik des al/gemeinen Gleichheitssatzes,
pp. 149, 166-167 e 210.
55. Sobre a multiplicidade de significados, v.; Gino Scaccia, Gli "Stl'llmenti"
del/a Ragionevolezza nel Gilldizio Costitllzionale, 2000. Sobre o tema, cf. Gustavo
Zagrebelsky, "Su tre aspetti della ragionevolleza", fI Principio di Ragionevolezza
nel/a Gillrisprudenza del/a Corte Costitllzionale, pp. 179 e ss.; Augusto Cerri, Corso
de Gillstizia Costitllzionale, 2ª ed., pp. 233 e ss.
56. Com diversa compreensão, cf. Luis Virgílio Afonso da Silva, "O proporcio-
nal e o razoável", RT 798/34.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 195

indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas es-


pecificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, a razoabi-
lidade é empregada como diretriz que exige uma vinculação das normas
jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando
a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico,
seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o
fim que ela pretende atingir. Terceiro, a razoabilidade é utilizada como
diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas. São
essas acepções que passam a ser investigadas.

3.6.3.2.2 Tipo/agia
3.6.3.2.2.1 Razoabilidade como equidade - No primeiro grupo de
casos o postulado da razoabilidade exige a harmonização da norma geral
com o caso individual.
Em primeiro lugar, a razoabilidade impõe, na aplicação das normas
jurídicas, a consideração daquilo que normalmente acontece. Alguns ca-
sos ilustram essa exigência.
Um advogado requereu o adiamento do julgamento perante o Tribu-
nal do Júri porque era defensor de outro caso rumoroso que seria julgado
na mesma época. O primeiro pedido foi deferido. Depois de defender
seu cliente, e diante da recomendação de repouso por duas semanas, o
advogado requereu novo adiamento do julgamento. Nesse caso, porém,
o julgador indeferiu o pedido, por considerar o adiamento um descaso
para com a Justiça, presumindo que o advogado estava pretendendo, de
forma maliciosa, postergar indevidamente o julgamento. Na data mar-
cada para o julgamento, e mesmo após o réu afirmar que seu advogado
não estava presente, o Juiz-Presidente nomeou advogado dativo, que
logo assumiu a defesa. Inconformado com o indeferimento do pedido
e com o próprio resultado do julgamento, o advogado impetrou habeas
corpus. Na decisão asseverou-se não parecer fora de razoabilidade que
o advogado, que patrocinava causas complexas, cujo julgamento estava
ocorrendo com certa contemporaneidade, pudesse pedir o adiamento em
razão do que ocorrera no julgamento anterior. Enfim, afirmou-se que é
razoável presumir que as pessoas dizem a verdade e agem de boa-fé, em
vez mentir ou agir de má-fé. Na aplicação do Direito deve-se presumir o
que normalmente acontece, e não o contrário. A defesa apresentada pelo
advogado dativo foi considerada nula, em razão de o indeferimento do
196 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

pedido de adiamento do julgamento feito pelo advogado ter cerceado o


direito de defesa do réu.57
A um Procurador do Estado, que interpôs agravo de instrumento
em folha de papel timbrado da Secretaria de Estado dos Negócios da
Justiça, foi exigida a comprovação da condição de Procurador pelajun-
tada do título de nomeação para o cargo ou de documento emitido pelo
Procurador-Geral do Estado. Alegada a falta de instrumento de manda-
to, a questão foi levada ajulgamento, momento em que se asseverou ser
razoável presumir a existência de mandato quando o procurador possui
mandato legal. Na interpretação das normas legais deve-se presumir
o que normalmente acontece, e não o extraordinário, como a circuns-
tância de alguém se apresentar como procurador do Estado sem que
possua, realmente, essa qualificação. Em virtude disso, foi determinado
o conhecimento do agravo de instrumento em razão de sua ineficácia
afetar diretamente o direito de ampla defesa pelo mero fetichismo da
forma.58
Um instrumento de mandato que esteja subscrito por quem se diz
representante da pessoa jurídica de direito público, com menção do car-
go ocupado no âmbito da respectiva Administração, não pode ser havido
como irregular ou falso. Na interpretação das normas deve-se presumir
o que ocorre no dia a dia, e não o extravagante.59
Nos casos acima referidos a razoabilidade atua como instrumento
para determinar que as circunstâncias de fato devem ser consideradas
com a presunção de estarem dentro da normalidade. A razoabilidade
atua na interpretação dos fatos descritos em regras jurídicas. A razoabili-
dade exige determinada interpretação como meio de preservar a eficácia
de princípios axiologicamente sobrejacentes. Interpretação diversa das
circunstâncias de fato levaria à restrição de algum princípio constitucio-
nal, como o princípio do devido processo legal, nos casos analisados.
Em segundo lugar, a razoabilidade exige a consideração do aspecto
individual do caso nas hipóteses em que ele é sobremodo desconsidera-
do pela generalização legal. Para determinados casos, em virtude de de-

57. STF, 2ª Turma, HC 71.408-I-RJ, reI. Min. Marco Aurélio, j. 16.8.1999,


DJU 29.1 0.1999.
58. STF, 2ª Tum1a, RE 192.553-I-SP, reI. Min. Marco Aurélio,j. 15.12.1998,
DJU 16.4.1999, p. 24.
59. STF, 2ª Turma, ED no RE I99.066-0-PR, reI. Min. Marco Aurélio, j.
14.4.1997, DJU 1.8.1997, p. 33.483.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 197

terminadas especificidades, a norma geral não pode ser aplicável, por se


tratar de caso anormal. Um exemplo, já mencionado, ilumina esse dever.
Uma pequena fábrica de sofás, enquadrada como empresa de pe-
queno porte para efeito de pagamento conjunto dos tributos federais, foi
excluída desse mecanismo por ter infringido a condição legal de não efe-
tuar a importação de produtos estrangeiros. De fato, a empresa efetuou
uma importação. A importação, porém, foi de quatro pés de sofás, para
um só sofá, uma única vez. Recorrendo da decisão, a exclusão foi anu-
lada, por violar a razoabilidade, na medida em que uma interpretação
dentro do razoável indica que a interpretação deve ser feita "em conso-
nância com aquilo que, para o senso comum, seria aceitável perante a
lei".60 Nesse caso, a regra segundo a qual é proibida a importação para a
permanência no regime tributário especial incidiu, mas a consequência
do seu descumprimento não foi aplicada (exclusão do regime tributário
especial), porque a falta de adoção do comportamento por ela previsto
não comprometia a promoção do fim que a justifica (estímulo da pro-
dução nacional por pequenas empresas). Dito de outro modo: segundo a
decisão, o estímulo à produção nacional não deixaria de ser promovido
pela mera importação de alguns pés de sofá.
No caso acima referido a regra geral, aplicável à generalidade dos
casos, não foi considerada aplicável a um caso individual, em razão
da sua anormalidade. Nem toda norma incidente é aplicável. É preciso
diferenciar a aplicabilidade de uma regra da satisfação das condições
previstas em sua hipótese. Uma regra não é aplicável somente porque
as condições previstas em sua hipótese são satisfeitas. Uma regra é apli-
cável a um caso se, e somente se, suas condições são satisfeitas e sua
aplicação não é excluída pela razão motivadora da própria regra ou pela
existência de um princípio que institua uma razão contrária. Nessas hi-
póteses as condições de aplicação da regra são satisfeitas, mas a regra,
mesmo assim, não é aplicada.61 No caso analisado as condições de apli-
cação da regra foram satisfeitas. No caso a condição de aplicação da
regra, segundo a qual o contribuinte deve ser excluído de um mecanis-
mo especial de pagamento de tributos quando efetuar uma importação,
foi preenchida. Ainda assim a regra não foi aplicada: o contribuinte não

60. Processo 13003.000021/99-14, 2º Conselho de Contribuintes, 2ª Câmara,


sessão de 18.10.2000.
61. Jaap C. Hage, Reasoning wifh Rules. An Essa)' on Legal Reasoning and ifs
Underl)'ing Logic, p. 114.
198 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

foi excluído naquele caso. Essa concepção de razoabilidade correspon-


de aos ensinamentos de Aristóteles, para quem a natureza da equidade
consiste em ser um corretivo da lei quando e onde ela é omissa, por ser
geral.62
Essas considerações levam à conclusão de que a razoabilidade ser-
ve de instrumento metodológico para demonstrar que a incidência da
norma é condição necessária mas não suficiente para sua aplicação. Para
ser aplicável, o caso concreto deve adequar-se à generalização da norma
geral. A razoabilidade atua na interpretação das regras gerais como de-
corrência do princípio da justiça ("Preâmbulo" e art. 3º da CF).

3.6.3.2.2.2 Razoabilidade como congruência - No segundo grupo


de casos o postulado da razoabilidade exige a harmonização das normas
com suas condições externas de aplicação.
Em primeiro lugar, a razoabilidade exige, para qualquer medida, a
recorrência a um suporte empírico existente.63 Alguns exemplos o com-
provam.
Uma lei estadual instituiu adicional de férias de um-terço para os
inativos. Levada a questão a julgamento, considerou-se indevido o re-
ferido adicional, por traduzir uma vantagem destituída de causa e do
necessário coeficiente de razoabilidade, na medida em que só deve ter
adicional de férias quem tem férias. Como consequência disso, a insti-
tuição do adicional foi anulada, em razão de violar o devido processo
legal, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de
conteúdo arbitrário ou irrazoável.64
Uma lei estadual determinou que os estabelecimentos de ensino ex-
pedissem certificados de conclusão do curso e do histórico escolar aos
alunos da 3ª série do ensino médio que comprovassem aprovação em
vestibular para ingresso em curso de nível superior, independentemente
do número de aulas frequentadas pelo aluno - expedição, essa, a ser
providenciada em tempo hábil, de modo que o aluno pudesse matricular-
-se no curso superior para o qual fora habilitado. O Supremo Tribunal

62. Aristotele, £rica Nicomachea, p. 381 (1.137 e 55.).


63. Weida Zancaner, "Razoabilidade e moralidade: princípios concretizadores
do perfil constitucional do Estado Social e Democrático de Direito", Revista Diá-
logo JlIrídíco 9/4 (disponível em http://www.direitopllblíco.com.br).
64. STF, Tribunal Pleno, MC na ADI 1.158-8-AM, reI. Min. Celso de Mello, j.
19.12.1994, DJU26.5.1995, p. 15.154.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 199

Federal entendeu caracterizada a relevância jurídica da arguição de in-


constitucionalidade sustentada pela autora da ação uma vez que a lei
impugnada, à primeira vista, revela-se destituída de razoabilidade, pois
inverteu a ordem natural acadêmica para atribuir aos estudantes, inde-
pendentemente da frequência, o direito à expedição da conclusão do en-
sino médio desde que aprovados em vestibular.65
Uma norma constante de Constituição Estadual determinava que o
pagamento dos servidores do Estado fosse feito, impreterivelmente, até
o décimo dia útil de cada mês. O Supremo Tribunal Federal considerou
ser irrazoável que a norma impugnada, para evitar o atraso no pagamento
dos servidores estaduais, estabelecesse uma antecipação de pagamento
de serviços que ainda não haviam sido prestados.66
Nesses casos o legislador elege uma causa inexistente ou insufi-
ciente para a atuação estatal. Ao fazê-lo, viola a exigência de vincula-
ção à realidade.67 A interpretação das normas exige o confronto com
parâmetros externos a elas. Daí se falar em dever de congruência e de
fundamentação na natureza das coisas (Natur der Saehe). Os princípios
constitucionais do Estado de Direito (art. Iº) e do devido processo legal
(art. 5º, LIV) impedem a utilização de razões arbitrárias e a subversão
dos procedimentos institucionais utilizados. Desvincular-se da realidade
é violar os princípios do Estado de Direito e do devido processo legal.
Essa exigência também assume relevo nas hipóteses de anacronis-
mo legislativo, isto é, naqueles casos em que a norma, concebida para
ser aplicada em determinado contexto socioeconômico, não mais possui
razão para ser aplicada.68
Em segundo lugar, a razoabilidade exige uma relação congruente
entre o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada.69 O exa-
me de alguns casos comprova isso.

65. STF, Tribunal Pleno, MC na ADI 2.667-DF, reI. Min. Celso de Mello, j.
19.6.2002, DJU 12.3.2004, p. 36.
66. STF, Tribunal Pleno, ADI 267-RJ, reI. Min. Nelson Jobim, j. 17.6.2002,
DJU26.3.2004, p. 5.
67. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, "Moralidade administrativa: do concei-
to à efetivação", RDA 190/1 3.
68. Gino Scaccia, GIi "Sfrumenti" ..., p. 247.
69. Weida Zancaner, "Razoabilidade e moralidade: ...", Revista Diálogo JlIri-
dico 9/4 (disponivel em http://www.direitopllblico.com.br).
200 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

o Poder Executivo editou medida provisória com a finalidade de


ampliação do prazo de decadência, de dois para cinco anos, para a pro-
positura de ação rescisória pela União, Estados ou Municípios. No jul-
gamento foi asseverado que o Poder Público possui algumas prerroga-
tivas, as quais devem, porém, ser suportadas por diferenças reais entre
as partes, e não, apenas, servir de agravamento da satisfação do direito
do particular. Somente uma razão de ser plausível e aceitável justifica
a distinção. Em decorrência disso e de outros fundamentos, a medida
provisória foi declarada inconstitucional, em razão de a instituição de
discriminação arbitrária violar os princípios da igualdade e do devido
processo legal. 70
Uma lei estadual determinou que o período de trabalho de secretá-
rios de Estado deveria ser contado em dobro para efeitos de aposentado-
ria. Levada a questão ajulgamento, afirmou-se que não há razoabilidade
em se considerar que o tempo de serviço de um secretário de Estado
deva valer o dobro que o dos demais servidores. Trata-se de discrimina-
ção arbitrária ou aleatória. Em virtude disso, a distinção foi considerada
inválida, pois a instituição de distinção sem causa concreta viola o prin-
cípio da igualdade.71
Uma lei vinculou o número de candidatos por partido ao número de
vagas destinadas ao povo do Estado na Câmara de Deputados. O número
de candidatos foi eleito critério de discriminação eleitoral. Os partidos
insurgiram-se contra a medida, alegando ser ela irrazoável. No julga-
mento, porém, considerou-se haver congruência entre o critério de dis-
tinção e a medida adotada, pois a vinculação das vagas ao número de
candidatos levaria à melhor representatividade populacional.72
Nos dois casos acima referidos o postulado da razoabilidade exigiu
uma correlação entre o critério distintivo utilizado pela norma e a medi-
da por ela adotada.73 Não se está, aqui, analisando a relação entre meio

70. STF, Tribunal Pleno, MC na ADI 1.753-DF, reI. Ministro Sepúlveda Per-
tence, j. 16.4.1998, DJ U 12.6.1998, p. 51.
71. STF, Tribunal Pleno, MC na ADI 489-RJ, reI. Min. Sepúlveda Pertence, j.
7.8.1991, DJU22.11.1991, p. 16.845.
72. STF, Tribunal Pleno, MC na ADI 1.813-5-DF, reI. Min. Marco Aurélio, j.
23.4.1998, DJU 5.6.1998, p. 2.
73. Da mesma fomla, a razoabilidade serviu como critério de argumentação
em julgamento mais recente acerca da legalidade de exigência de estatura mínima de
1,60 m para concurso público de policial militar, tendo o Superior Tribunal de Jus-
tiça concluído que este critério se mostrava adequado com o desempenho da função
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 201

e fim, mas entre critério e medida. À eficácia dos princípios constitu-


cionais do Estado de Direito (art. Iº) e do devido processo legal (art. 5º,
LIV) soma-se a eficácia do princípio da igualdade (art. 5º, caput), que
impede a utilização de critérios distintivos inadequados. Diferenciar sem
razão é violar o princípio da igualdade.

3.6.3.2.2.3 Razoabilidade como equivalência - A razoabilidade


também exige uma relação de equivalência entre a medida adotada e o
critério que a dimensiona.
O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a criação
de taxa judiciária de percentual fixo, por considerar que em alguns
casos essa seria tão alta que impossibilitaria o exercício de um direito
fundamental - obtenção de prestação jurisdicional -, além de não ser
razoavelmente equivalente ao custo real do serviço.74 Nesse caso, o fun-
damento da decisão, além da questão relativa à proibição de excesso,
está na desproporção entre o custo do serviço e a taxa cobrada. As taxas
devem ser fixadas de acordo com o serviço que é prestado ou colocado
à disposição do contribuinte. Nesse sentido, o custo do serviço serve
de critério para a fixação do valor das taxas. Daí se dizer que as taxas
devem ser equivalentes ao serviço prestado.
Outro exemplo refere-se às penas que devem ser fixadas de acordo
com a culpabilidade do agente. Nesse sentido, a culpa serve de critério
para a fixação da pena a ser cumprida, devendo a pena corresponder à
culpa. O Supremo Tribunal Federal, em caso já mencionado, decidiu
pelo trancamento da ação penal por falta de justa causa uma vez verífica-
da a insignificância jurídica do ato apontado como delituoso. Consubs-
tancia ato insignificante a contratação isolada de mão de obra, visando à
atividade de gari, por Município, considerado o período diminuto, vindo
o pedido formulado em reclamação trabalhista a ser julgada improce-
dente, ante a nulidade da relação jurídica por ausência do concurso pú-
blico. A punição não seria equivalente ao ato delituoso.75

de soldado (STJ, RMS 13.820-PI, Sexta Turma, reI. pl Acórdão mino Hélio Quaglia
Barbosa, j. I 1.4.2006, DJU 4.6.2007, p. 426).
74. V., supra, nota de rodapé 47.
75. STF, 2ª Turma, HC 77.003-4-PE, reI. Min. Marco Aurélio, j. 16.6.1998,
DJU 11.9. I998, p. 5. Na ADI-MC-QO 2.55 I-MG, Tribunal Pleno, reI. Min. Celso de
Mello, DJU de 20.4.2006, p. 5, o Tribunal deferiu a medida cautelar para suspender
a eficácia de lei que criou a taxa de expediente a ser paga pelas sociedades segura-
doras em valor muito superior ao custo do serviço prestado pelo Estado. Segundo o
202 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

o Supremo Tribunal Federal tem aceito a distinção, aqui defendida,


entre razoabilidade e proporcionalidade e, no tocante ao primeiro con-
trole, testado a constitucionalidade das normas sob a ótica da razoabili-
dade-equivalência.76

3.6.3.2.2.4 Distinção entre razoabilidade e proporcionalidade


- O postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o
Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios ade-
quados, necessários e proporcionais. Um meio é adequado se promove
o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente
adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente
aos direitos fundamentais. E um meio é proporcional, em sentido estrito,
se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca.
A aplicação da proporcionalidade exige a relação de causalidade entre
meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim.77
Ocorre que a razoabilidade, de acordo com a reconstmção aqui pro-
posta, não faz referência a uma relação de causalidade entre um meio
e umfim, tal como o faz o postulado da proporcionalidade. É o que se
passa a demonstrar.
A razoabilidade como dever de harmonização do geral com o indi-
vidual (dever de equidade) atua como instrumento para determinar que
as circunstâncias de tàto devem ser consideradas com a presunção de
estarem dentro da normalidade, ou para expressar que a aplicabilidade
da regra geral depende do enquadramento do caso concreto. Nessas hi-
póteses, princípios constitucionais sobrejacentes impõem verticalmente
determinada interpretação. Não há, no entanto, nem entrecruzamento
horizontal de princípios, nem relação de causalidade entre um meio e
um fim. Não há espaço para afirmar que uma ação promove a realização
de um estado de coisas.
A razoabilidade como dever de harmonização do Direito com suas
condições externas (dever de congruência) exige a relação das normas

Tribunal, "a taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não
pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real
da atuação estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada
contribuinte (00.)".
76. Nesse sentido, ver a decisão sobre a "lei da ficha limpa", STF, Tribunal
Pleno, ADC 29, reI. Min. Luiz Fux, DJe 29.6.2012, especialmente o voto do Min.
Luiz Fux, p. 18.
77. Humberto Á vila, "A distinção entre princípios e regras e a redefinição do
dever de proporcionalidade", RDA 215/l51-179.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 203

com suas condições externas de aplicação, quer demandando um suporte


empírico existente para a adoção de uma medida, quer exigindo uma re-
lação congruente entre o critério de diferenciação escolhido e a medida
adotada.
Na primeira hipótese princípios constitucionais sobrejacentes im-
põem verticalmente determinada interpretação, pelo afastamento de mo-
tivos arbitrários. Inexiste entrecruzamento horizontal de princípios, ou
relação de causalidade entre um meio e um fim.
Na segunda hipótese exige-se uma correlação entre o critério distin-
tivo utilizado pela norma e a medida por ela adotada. Não se está, aqui,
analisando a relação entre meio e fim, mas entre critério e medida. Com
efeito, o postulado da proporcionalidade pressupõe a relação de causa-
lidade entre o efeito de uma ação (meio) e a promoção de um estado de
coisas (fim). Adotando-se o meio, promove-se o fim: o meio leva ao fim.
Já na utilização da razoabilidade como exigência de congruência entre
o critério de diferenciação escolhido e a medida adotada há uma relação
entre uma qualidade e uma medida adotada: uma qualidade não leva à
medida, mas é critério intrínseco a ela.
A razoabilidade como dever de vinculação entre duas grandezas
(dever de equivalência), semelhante à exigência de congruência, impõe
uma relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a
dimensiona. Nessa hipótese exige-se uma relação entre critério e medi-
da, e não entre meio e fim. Tanto é assim que não se pode afirmar - nos
casos analisados - que o custo do serviço promove a taxa, ou que a culpa
leva à pena. Não há, nessas hipóteses, qualquer relação de causalidade
entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim,
como é o caso da aplicação do postulado da proporcionalidade. Há -
isto, sim - uma relação de correspondência entre duas grandezas.78
O próprio Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo, para fins
de aplicação do postulado da proporcionalidade, que "a proporcionali-
dade em sentido amplo se distingue da razoabilidade, em função de sua
origem e estrutura de aplicação".79
Embora não seja essa a opção feita por este trabalho, pelas razões
já apontadas, é plausível enquadrar a proibição de excesso e a razoabi-
lidade no exame da proporcionalidade em sentido estrito. Se a propor-

78. Humberto Bergmann Á vila, Materiel/ verfasslIngsreehtliehe ... , p. 71.


79 STF, Tribunal Pleno, HC I22.694-SP, reI. Min. Dias TotToli,j. 10.12.2014,
DJe 32, 19.2.2015, p. 29.
204 TEORIA DOS PRINCíPIOS

cionalidade em sentido estrito for compreendida como amplo dever de


ponderação de bens, princípios e valores, em que a promoção de um
não pode implicar a aniquilação de outro, a proibição de excesso será
incluída no exame da proporcionalidade.8D Se a proporcionalidade em
sentido estrito compreender a ponderação dos vários interesses em con-
flito, inclusive dos interesses pessoais dos titulares dos direitos funda-
mentais restringidos, a razoabilidade como equidade será incluída no
exame da proporcionalidade.81 Isso significa que um mesmo problema
teórico pode ser analisado sob diferentes enfoques e com diversas finali-
dades, todas com igual dignidade teórica. Não se pode, portanto, afirmar
que esse ou aquele modo de explicar a proporcionalidade seja correto, e
outros equivocados.82

3.6.3.3 Proporcionalidade

3.6.3.3.1 Considerações gerais


O postulado da proporcionalidade cresce em importância no Direito
Brasileiro. Cada vez mais ele serve como instrumento de controle dos
atos do Poder Público.83 Sua aplicação, evidentemente, tem suscitado
vários problemas.
O primeiro deles diz respeito à sua aplicabilidade. Sua origem resi-
de no emprego da própria palavra "proporção". A ideia de proporção é
recorrente na Ciência do Direito. Na Teoria Geral do Direito fala-se em
proporção como elemento da própria concepção imemorial de Direito,
que tem a função de atribuir a cada um a sua proporção. No direito pe-
nal faz-se referência à necessidade de proporção entre culpa e pena na
fixação dos limites da pena. No direito eleitoral fala-se em proporção
entre o número de candidatos e o número de vagas como condição para
a avaliação da representatividade. No direito tributário menciona-se a
obrigatoriedade de proporção entre o valor da taxa e o serviço público

80. GiImar Ferreira Mendes, "O princípio da proporcionalidade na jurispru-


dência do Supremo Tribunal Federal", Direitos Fundamentais e Controle de Cons-
titucionalidade, pp. 67 e ss.
81. Luís Roberto Barroso, Inte/pretação e Aplicação da Constituição, 4ª ed.,
pp. 224 e ss.; Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo,
l4ª ed., 2002; Laura Clérico, Die Struktur ..., pp. 223 e ss.
82. Com diversa compreensão, cf. Luís Virgílio Afonso da Silva, "O proporcio-
nal e o razoável", RT 798/28 e ss.
83. Sobre o assunto, cf. Humberto Á vila, "A distinção entre princípios e re-
gras ...", RDA 215/151-179.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 205

prestado e a necessidade de proporção entre a carga tributária e os servi-


ços públicos que o Estado coloca à disposição da sociedade. No direito
processual manipula-se a ideia de proporção entre o gravame ocasiona-
do e a finalidade a que se destina o ato processual. No direito constitu-
cional e administrativo faz-se uso da ideia de proporção entre o gravame
criado por um ato do Poder Público e o fim por ele perseguido. E na ava-
liação da intensidade do gravame provocado fala-se em proporção entre
vantagens e desvantagens, entre ganhos e perdas, entre restrição de um
direito e promoção de um fim - e assim por diante. A ideia de proporção
perpassa todo o Direito, sem limites ou critérios.
Será, porém, que em todas essas acepções estamos falando do pos-
tulado da proporcionalidade? Certamente que não. O postulado da pro-
porcionalidade não se confunde com a ideia de proporção em suas mais
variadas manifestações. Ele se aplica apenas a situações em que há uma
relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis,
um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames
fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessida-
de (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover
o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais
afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens tra-
zidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas
pela adoção do meio?).
Nesse sentido, a proporcionalidade, como postulado estruturador
da aplicação de princípios que concretamente se imbricam em torno de
uma relação de causalidade entre um meio e um fim, não possui apli-
cabilidade irrestrita. Sua aplicação depende de elementos sem os quais
não pode ser aplicada. Sem um meio, um fim concreto e uma relação de
causalidade entre eles não há aplicabilidade do postulado da proporcio-
nalidade em seu caráter trifásico.
O segundo problema diz respeito ao seu funcionamento. Existe apa-
rente clareza quanto à circunstância de o postulado da proporcionalidade
exigir o exame da adequação, da necessidade e da proporcionalidade
em sentido estrito. Os meios devem ser adequados para atingir o fim.
Mas em que consiste, precisamente, a adequação? Os meios escolhidos
devem ser necessários dentre aqueles disponíveis. Mas o que significa
ser necessário? As vantagens da utilização do meio devem superar as
desvantagens. Mas qual o sentido de vantagens e relativamente ao quê
e a quem elas devem ser analisadas? Enfim, os três exames envolvidos
206 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

na aplicação da proporcionalidade só aparentemente são incontrover-


sos. Sua investigação revela problemas que devem ser esclarecidos, sob
pena de a proporcionalidade, que foi concebida para combater a prática
de atos arbitrários, funcionar, paradoxalmente, como subterfúgio para a
própria prática de tais atos.

3.6.3.3.2 Aplicabilidade
3.6.3.3.2.1 Relação entre meio e fim - A proporcionalidade cons-
titui-se em um postulado normativo aplicativo, decorrente do caráter
principiai das normas e da função distributiva do Direito, cuja aplicação,
porém, depende do imbricamento entre bens jurídicos e da existência de
uma relação meio/fim intersubjetivamente controlável.84 Se não houver
uma relação meio/fim devidamente estruturada, então - nas palavras de
Hartmut Maurer - cai o exame de proporcionalidade, pela falta de pon-
tos de referência, no vazio.85
O exame de proporcionalidade aplica-se sempre que houver uma
medida concreta destinada a realizar umafinalidade. Nesse caso devem
ser analisadas as possibilidades de a medida levar à realização da fina-
lidade (exame da adequação), de a medida ser a menos restritiva aos
direitos envolvidos dentre aquelas que poderiam ter sido utilizadas para
atingir a finalidade (exame da necessidade) e de a finalidade pública ser
tão valorosa que justifique tamanha restrição (exame da proporcionali-
dade em sentido estrito).
Sem uma relação meio/fim não se pode realizar o exame do postu-
lado da proporcionalidade, pela falta dos elementos que o estruturem.
Nesse sentido, importa investigar o significado defim: fim consiste num
ambicionado resultado concreto (extrajurídico); um resultado que possa
ser concebido mesmo na ausência de normas jurídicas e de conceitos
jurídicos, tal como obter, aumentar ou extinguir bens, alcançar deter-
minados estados ou preencher determinadas condições, dar causa a ou
impedir a realização de ações.86
Como se vê, a aplicabilidade do postulado da proporcionalidade de-
pende de uma relação de causalidade entre meio e fim. Se assim é, sua

84. Michael Ch. Jakobs, Der GrlIndsatz der VerhaltnismiijJigkeit, p. 96.


85. Hartmut Maurer, Staatsrecht, pp. 234-235.
86. Klaus Vogele Christian Waldhoff, Gl'1Indlagen des FinanzvelfasslIngsre-
chts: Sonderausgabe des Bonner Kommentars zum Grundgesetz (Vorbemerkungen
zu Art. 104a bis li 5 GG), número de margem 480, p. 310.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 207

força estruturadora reside na forma como podem ser precisados os efeitos


da utilização do meio e de como é definido o fim justificativo da medida.
Um meio cujos efeitos são indefinidos e um fim cujos contornos são in-
determinados, se não impedem a utilização da proporcionalidade, certa-
mente enfraquecem seu poder de controle sobre os atos do Poder Público.
Fim significa um estado desejado de coisas. Os princípios estabe-
lecem, justamente, o dever de promover fins. Para estruturar a aplicação
do postulado da proporcionalidade é indispensável a determinação pro-
gressiva do fim. Um fim vago e indeterminado pouco permite verificar
se ele é, ou não, gradualmente promovido pela adoção de um meio. Mais
do que isso, dependendo da determinação do fim, os próprios exames
se modificam; uma medida pode ser adequada, ou não, em função da
própria determinabilidade do fim.

3.6.3.3.2.2 Fins internos ejins externos - Há fins e fins no Direito.


Pode-se, em razão disso, fazer uma distinção entre fins internos e fins
externos.
Os fins internos estabelecem um resultado a ser alcançado que re-
side na própria pessoa ou situação objeto de comparação e diferencia-
ção.87 A comparação entre duas pessoas em razão da sua capacidade
econômica demonstra uma relação próxima entre a medida (capacidade
econômica) e o fim almejado (cobrança de tributos). A mesma relação
existe quando se relaciona a culpa com a pena ou a taxa com a retribui-
ção: a pena deve ser correspondente à culpa; a taxa deve corresponder à
contraprestação. O decisivo é que os fins internos exigem determinadas
medidas de apreciação que se relacionam com as pessoas ou situações,
e devem realizar uma propriedade que seja relevante para determinado
tratamento. Daí a razão pela qual se faz referência a medidas de justi-
ça ou juízos de justiça: a capacidade contributiva é tanto medida, pois
consiste em critério para a tributação justa, quanto fim, pois estabele-
ce algo cuja existência fundamenta a própria realização da igualdade.
A capacidade contributiva não causa a justiça da tributação; e o meio e
o jim confundem-se, em razão de não poderem ser concretamente dis-
cernidos.88 Como consequência disso, o exame de igualdade do ponto de
vista de um fim interno e uma medida de justiça exige tão somente um
exame de correspondência.

87. Stefan Huster, Rechte und Ziele: ... , pp. 166-167.


88. Idem, ibidem, pp. 210 e 149.
208 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Os fins externos estabelecem resultados que não são propriedades


ou características dos sujeitos atingidos, mas que se constituem em fi-
nalidades atribuídas ao Estado, e que possuem uma dimensão extraju-
rídica.89 Por isso, podem-se separar duas realidades que se diferenciam
no plano concreto: a relação entre meio e fim é uma relação entre causa
e efeito.90 Os fins externos são aqueles que podem ser empiricamente
dimensionados, de tal sorte que se possa dizer que determinada medida
seja meio para atingir determinado fim (relação causal).91 Os fins sociais
e econômicos podem ser qualificados de fins externos, como o são a
praticabilidade administrativa, o planejamento econômico específico,
a proteção ambiental. Quando houver um fim específico a ser atingido
pode-se considerar o meio como causa da realização do fim. Nessa hi-
pótese o exame admite o controle de adequação, necessidade e propor-
cionalidade em sentido estrito.
Justamente nesse ponto é preciso separar a proporcionalidade dos
outros postulados ou princípios hermenêuticos. O postulado da propor-
cionalidade não se confunde com o da justa proporção: enquanto esse
exige uma realização proporcional de bens que se entrelaçam numa dada
relação jurídica, independentemente da existência de uma restrição de-
corrente de medida adotada para atingir um fim externo, o postulado da
proporcionalidade exige adequação, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito de uma medida havida como meio para atingir um fim em-
piricamente controlável. O postulado da proporcionalidade não se identi-
fica com o da ponderação de bens: esse último exige a atribuição de uma
dimensão de importância a valores que se imbricam, sem que contenha
qualquer determinação quanto ao modo como deve ser feita essa ponde-
ração, ao passo que o postulado da proporcionalidade contém exigências
precisas em relação à estrutura de raciocínio a ser empregada no ato de
aplicação. O postulado da proporcionalidade não é igual ao da concor-
dância prática: esse último exige a realização máxima de valores que
se imbricam, também sem qualquer referência ao modo de implemen-
tação dessa otimização, enquanto a proporcionalidade relaciona o meio
relativamente ao fim, em função de uma estrutura racional de aplicação.
O postulado da proporcionalidade não se confunde com o da proibição

89. Klaus Vogel e Christian Waldhotl~ Grundlagen des FinanzveljasslIngsre-


chts: ... , número de margem 480, p. 310.
90. Stefan Huster, Rechte IInd Ziele: ..., pp. 148 e 150.
91. Lothar Hirschberg, Der Grllndsatz der VerhiiltnismiijJigkeit, p. 43.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 209

de excesso: esse último veda a restrição da eficácia mínima de princípios,


mesmo na ausência de um fim externo a ser atingido, enquanto a propor-
cionalidade exige uma relação proporcional de um meio relativamente
a um fim. O postulado da proporcionalidade não se identifica com o da
razoabilidade: esse exige, por exemplo, a consideração das particularida-
des individuais dos sujeitos atingidos pelo ato de aplicação concreta do
Direito, sem qualquer menção a uma proporção entre meios e fins.

3.6.3.3.3 Exames inerentes à proporcionalidade


3.6.3.3.3.1 Adequação - A adequação exige uma relação empírica
entre o meio e o fim: o meio deve levar à realização do fim. Isso exige
que o administrador utilize um meio cuja eficácia (e não o meio, ele pró-
prio) possa contribuir para a promoção gradual do fim. A compreensão
da relação entre meio e fim exige respostas a três perguntas fundamen-
tais: O que significa um meio ser adequado à realização de um fim?
Como deve ser analisada a relação de adequação? Qual deve ser a inten-
sidade de controle das decisões adotadas pelo Poder Público?
Para responder à primeira pergunta (O que significa um meio ser
adequado à realização de um fim?) é preciso analisar as espécies de re-
lação existentes entre os vários meios disponíveis e o fim que se deve
promover. Pode-se analisar essa relação em três aspectos: quantitativo
(intensidade), qualitativo (qualidade) e probabilístico (certeza).92
Em termos quantitativos, um meio pode promover menos, igual-
mente ou mais o fim do que outro meio. Em termos qualitativos, um
meio pode promover pior, igualmente ou melhor o fim do que outro
meio. E, em termos probabilísticos, um meio pode promover com me-
nos, igualou mais certeza o fim do que outro meio. Isso significa que
a comparação entre os meios que o legislador ou administrador terá de
escolher nem sempre se mantém em um mesmo nível (quantitativo, qua-
litativo ou probabilístico), como ocorre na comparação entre um meio
mais fraco e outro mais forte, entre um meio pior e outro melhor, ou
entre um meio menos certo e outro mais certo para a promoção do fim.
A escolha da Administração na compra de vacinas para combater uma
epidemia pode envolver a comparação entre uma vacina que acaba com
todos os sintomas da doença (superior em termos quantitativos) mas que

92. Ota Weinberger, Rechtslogik, 2ª ed., p. 287. Sobre a proporcionalidade, cf.,


por todos, a notável obra de Laura Clérico, Die Struktur ... , pp. 26 e 55.
210 TEORIA DOS PRINCíPIOS

não tem eficácia comprovada para a maioria da população (inferior em


termos probabilísticos) e outra vacina que, apesar de curar apenas os
principais efeitos da doença (inferior em termos quantitativos), já teve
sua eficácia comprovada em outras ocasiões (superior em termos proba-
bilísticos ).
Essas ponderações remetem à seguinte e importante pergunta:
A Administração e o legislador têm o dever de escolher o mais intenso,
o melhor e o mais seguro meio para atingir o fim, ou têm o dever de es-
colher um meio que "simplesmente" promova o fim? A administração e
legislador têm o dever de escolher um meio que simplesmente promova
o fim. Várias razões levam a essa conclusão.93
Em primeiro lugar, nem sempre é possível - ou, mesmo, plausí-
vel - saber qual, dentre todos os meios igualmente adequados, é o mais
intenso, melhor e mais seguro na realização do fim. Isso depende de
informações e de circunstâncias muitas vezes não disponíveis para a Ad-
ministração. A administração Pública ficaria inviabilizada, e a promoção
satisfatória de seus fins também, se tivesse que, para tomar cada deci-
são, por mais insignificante que fosse, avaliar todos os meios possíveis e
imagináveis para atingir um fim.
Em segundo lugar, o princípio da separação dos Poderes exige res-
peito à vontade objetiva do Poder Legislativo e do Poder Executivo. A li-
berdade da Administração seria previamente reduzida se, posteriormen-
te à adoção da medida, o aplicador pudesse dizer que o meio escolhido
não era o mais adequado. Um mínimo de liberdade de escolha é inerente
ao sistema de divisão de funções.
Em terceiro lugar, a própria exigência de racionalidade na inter-
pretação e aplicação das normas impõe que se analisem todas as cir-
cunstâncias do caso concreto. A imediata exclusão de um meio que não
é o mais intenso, o melhor e o mais seguro para atingir o fim impede a
consideração a outros argumentos que podem justificar a escolha. Esses
outros argumentos não devem, por isso, ser analisados no exame de ade-
quação, mas no exame de proporcionalidade em sentido estrito, como
será adiante demonstrado.
Até o momento, basta reconhecer que o Poder Executivo e o Poder
Legislativo devem escolher um meio que promova minimamente o fim,
mesmo que esse não seja o mais intenso, o melhor, nem o mais seguro.
Recentemente, isso foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal ao

93. Cf. Laura Clérico, Die Sfrukfur "', p, 39.


NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 211

julgar a constitucionalidade de uma lei municipal que proibia a queima


da cana de açúcar, em contraposição à norma estadual que previa a eli-
minação progressiva desta atividade. Nesse caso, aplicando o postulado
da proporcionalidade e referindo-se ao exame de adequação, o Min. Fux
foi enfático ao aderir a esta argumentação e afirmar que "a adequação
é satisfeita com a simples escolha de um meio que promova minima-
mente o fim, mesmo que não seja o mais intenso, o melhor, nem o mais
seguro".94
Para responder à segunda pergunta (Como deve ser analisada a re-
lação de adequação?) é necessário verificar em quais aspectos pode ser
analisada a adequação. A adequação pode ser analisada em três dimen-
sões: abstração/concretude; generalidade/particularidade; antecedência/
posteridade.
Na primeira dimensão (abstração/concretude) pode-se exigir a ado-
ção de uma medida que seja abstratamente adequada para promover o
fim. A medida será adequada se o fim for possivelmente realizado com
sua adoção. Se o fim for, de fato, realizado, é impertinente. Ou pode-se
exigir a adoção de uma medida que seja concretamente adequada para
promover o fim. A medida será adequada somente se o fim for efetiva-
mente realizado no caso concreto.
Na segunda dimensão (generalidade/particularidade) pode-se exigir
a adoção de uma medida que seja geralmente adequada para promover o
fim. A medida será adequada se o fim for realizado na maioria dos casos
com sua adoção. Mesmo que exista um grupo não atingido, ou casos em
que o fim não foi realizado com aquela medida, só por isso ela não será
considerada inadequada. Pode-se, ainda, exigir a adoção de uma medida
que seja individualmente adequada para promover o fim. A medida será
adequada somente se todos os casos individuais demonstrarem a reali-
zação do fim.
Na terceira dimensão (antecedência/posteridade) pode-se exigir a
adoção de uma medida que seja adequada no momento em que foi ado-
tada. A medida será adequada se o administrador avaliou e projetou bem
a promoção do fim no momento da adoção da medida. Se a avaliação
do administrador revelou-se equivocada em momento posterior, e com
informações somente disponíveis mais tarde, é impertinente. Pode-se,
ainda, exigir a adoção de uma medida que seja adequada no momento

94. STF, Tribunal Pleno, RE 586.224, reI. Min. Luiz Fux,j. 5.3.2014, DJe 85,
8.5.2015.
212 TEORIA DOS PRINCíPIOS

em que ela vai ser julgada. A medida será adequada se o julgador, no


momento da decisão e depois que ela for adotada, verificar que a medida
promove o fim. Se a avaliação do administrador revelou-se equivocada
em momento posterior, e com informações disponíveis mais tarde, ela
deverá ser anulada.
Em face dessas considerações, faz-se necessário saber o que sig-
nifica adotar uma medida adequada. Uma resposta categórica é inviá-
vel, em face da multiplicidade de modos de atuação do Poder Público.
Mesmo assim, pode-se propor uma resposta em que predomina o valor
heurístico, isto é, uma resposta que funciona como hipótese provisória
de trabalho para uma posterior reconstrução de conteúdos normativos,
sem, no entanto, assegurar qualquer procedimento estritamente dedutivo
de fundamentação ou de decisão a respeito desses conteúdos.95
Nesse sentido, pode-se afirmar que nas hipóteses em que o Poder
Público está atuando para uma generalidade de casos - por exemplo,
quando edita atos normativos - a medida será adequada se, abstrata e
geralmente, servir de instrumento para a promoção do fim. Tratando-se,
porém, de atos meramente individuais - por exemplo, atos administrati-
vos - a medida será adequada se, concreta e individualmente, funcionar
como meio para a promoção do fim. Em qualquer das duas hipóteses,
a adequação deverá ser avaliada no momento da escolha do meio pelo
Poder Público, e não em momento posterior, quando essa escolha é ava-
liada pelo julgador. Isso porque a qualidade da avaliação e da projeção-
e, portanto, a atuação da Administração - deve ser averiguada de acordo
com as circunstâncias existentes no momento dessa atuação. É imperio-
so lembrar que o exame da proporcionalidade exige do aplicador uma
análise em que preponderam juízos do tipo probabilístico e indutivo.96
Essas ponderações são relevantíssimas do ponto de vista prático.
Um exemplo para demonstrá-lo é a utilização de substituição tributária
para frente no direito tributário (mecanismo por meio do qual o legisla-
dor substitui, na própria lei, aquele que seria normalmente o contribuinte
por um outro, que passa a ser o sujeito passivo direto da obrigação tri-
butária). Sua utilização afasta-se do modelo de tributação com base na
ocorrência do fato gerador em razão de finalidades extrafiscais, como a
simplificação da arrecadação e a diminuição dos custos administrativos

95. H. Schepers, "Heuristik", Historisches Worterbuch der Phi/osophie, v. 3,


p.1.119.
96. Gino Scaccia, C/i "Strumenti" ..., p. 20.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 213

de fiscalização. Sua estrutura reside na presunção de que o fato gerador


ocorrerá, em determinadas dimensões, no futuro. Se o Poder Legislativo
projetou bem e avaliou corretamente a medida para a generalidade dos
casos, e dimensionou o "fato gerador futuro" medianamente, para cada
setor atingido, sua ocorrência individual com características diversas da-
quelas presumidas não afeta a validade do mecanismo de substituição
tributária enquanto tal. Nessa hipótese a medida adotada é adequada,
pois a adequação exigida - reitere-se - não é concreta, individual e pos-
terior, mas abstrata, geral e anterior. A questão decisiva, pois, está na
análise do mecanismo legal de substituição tributária em geral e da sua
adequação abstrata, geral e prévia para a maioria dos casos, e não no
exame da ocorrência do fato gerador em dimensões diferentes daquelas
presumidas ou na investigação da falta de diminuição dos custos tributá-
rios com a fiscalização e arrecadação dos tributos.
Até aqui, é suficiente registrar que a adequação do meio escolhido
pelo Poder Público deve ser julgada mediante a consideração das cir-
cunstâncias existentes no momento da escolha e de acordo com o modo
como contribui para a promoção do fim.
Para responder à terceira pergunta (Qual deve ser a intensidade de
controle das decisões adotadas pela Administração?) é imprescindível
analisar dois níveis de controle: um controle forte e um controle fraco.
Num modelo forte de controle qualquer demonstração de que o
meio não promove a realização do fim é suficiente para declarar a invali-
dade da atuação administrativa. Num modelo fraco apenas uma demons-
tração objetiva, evidente e fundamentada pode conduzir à declaração de
invalidade da atuação administrativa concernente à escolha de um meio
para atingir um fim. Pois bem, qual desses modelos está, de modo mais
plausível, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro? O modelo
fraco de controle, pelos seguintes motivos.
Em primeiro lugar, o princípio da separação dos Poderes exige um
mínimo de autonomia e independência no exercício das funções legisla-
tiva, administrativa e judicial. Assegurado um mínimo de liberdade para
o legislador e para o administrador, não é dado ao julgador escolher o
melhor meio sem um motivo manifesto de inadequação do meio eleito
pela Administração para escolher o fim. O exame do entrecruzamento
entre o dever de preservar a liberdade do legislador e o dever de prote-
ger os direitos fundamentais do administrado revela abstratamente uma
encruzilhada em que se resguarda um âmbito mínimo de liberdade para
214 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

o legislador e para o administrador. Somente uma comprovação cabal


da inadequação permite a invalidação da escolha do legislador ou admi-
nistrador.97
Essas considerações levam ao entendimento de que o exame da
adequação só redunda na declaração de invalidade da medida adotada
pelo Poder Público nos casos em que a incompatibilidade entre o meio
e o fim for claramente manifesta. Caso contrário deve prevalecer a op-
ção encontrada pela autoridade competente. Em função disso entende-
-se por que o Tribunal Constitucional Federal da República Federal da
Alemanha refere-se aos controles da evidência (Evidenzkontrolle) e da
justificabilidade (Vertrefbarkeifskontrolle). Para preservar a prerrogativa
funcional do Poder Legislativo e do Poder Executivo, o Poder Judiciário
só opta pela anulação das medidas adotadas pelos outros Poderes se sua
inadequação for evidenfe e não for, de qualquer modo plausível,jusfi-
jicável. Fora esses casos, a escolha feita pelos outros Poderes deve ser
mantida, em atenção ao princípio da separação dos Poderes. Uma mera
má projeção, por si só, não leva à invalidade do meio escolhido.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal demonstra, de um
lado, a exigência de evidência na declaração de invalidade de uma me-
dida por ser ela inadequada e, de outro, a circunstância de o exame de
adequação - como, de resto, de qualquer postulado - sempre envolver a
violação de algum princípio constitucional.
O Supremo Tribunal Federal examinou o caso de uma lei que de-
terminava, para o exercício legal da profissão de corretor de imóveis, a
exigência de comprovação de condições de capacidade. O Tribunal, no
entanto, entendeu que o exercício da profissão de corretor de imóveis
não dependia da referida comprovação. Em outras palavras, declarou
que o meio (atestado de condições de capacidade) não promovia o fim
(controle do exercício da profissão). Em consequência, essa exigência
violava o exercício livre de qualquer trabalho, oficio ou profissão.98
Um segundo exemplo ilustrativo deste exame diz respeito ao caso
em que o Supremo Tribunal Federal examinou a constitucionalidade da
restrição à venda de produtos de conveniência em farmácias e drogarias
no Estado do Acre. A aplicação do postulado da proporcionalidade ao
caso concluiu que esta seria uma "medida restritiva de direitos inapta a

97. Gino Scaccia, Gli "Sfmmenfi" ... , p. 238.


98. STF, Tribunal Pleno, Repr. 930-DF, reI. Min. Cordeiro Guerra, reI. para o
acórdão Min. Rodrigues Alckmin, j. 5.5.1976, DJU 2.9.1977, p. 5.969.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 215

atingir o fim público visado, desnecessária ante a possibilidade de o pro-


pósito buscado ser alcançado por meios menos onerosos às liberdades
fundamentais envolvidas, e desproporcional por promover desvantagens
que superam, em muito, eventuais vantagens" (voto do Min. Marco Au-
rélio). Nesse caso, o Tribunal entendeu que a medida seria inadequada
pela falta de implicação lógica entre a proibição da venda de produtos
de conveniência em farmácias e drogarias (o meio) e a prevenção do uso
indiscriminado de medicamentos (o fim), o que revelaria a sua inadequa-
ção e consequente desproporcionalidade.99
O Supremo Tribunal Federal tem aceito a tese de que a inconstitucio-
nalidade só pode ser declarada quando a norma é evidentemente incapaz
de atingir a sua finalidade. Com isso, o Tribunal parece inclinar-se por um
controle moderado de proporcionalidade, como aqui defendido. 100

3.6.3.3.3.2 Necessidade - O exame da necessidade envolve a veri-


ficação da existência de meios que sejam alternativos àquele inicialmen-
te escolhido pelo Poder Legislativo ou Poder Executivo, e que possam
promover igualmente o fim sem restringir, na mesma intensidade, os
direitos fundamentais afetados. Nesse sentido, o exame da necessida-
de envolve duas etapas de investigação: em primeiro lugar, o exame da
igualdade de adequação dos meios, para verificar se os meios alterna-
tivos promovem igualmente o fim; em segundo lugar, o exame do meio
menos restritivo, para examinar se os meios alternativos restringem em
menor medida os direitos fundamentais colateralmente afetados.
O exame da igualdade de adequação dos meios envolve a compara-
ção entre os efeitos da utilização dos meios alternativos e os efeitos do
uso do meio adotado pelo Poder Legislativo ou pelo Poder Executivo.
A dificuldade desse exame reside no fato de que os meios promovem
os fins em vários aspectos (qualitativo, quantitativo, probabilístico).
Um meio não é, de todos os pontos de vista, igual a outro. Em algu-
ma medida, e sob algum ponto de vista, os meios diferem entre si na
promoção do fim. Uns promovem o fim mais rapidamente, outros mais
vagarosamente; uns com menos dispêndios, outros com mais gastos; uns
são mais certos, outros mais incertos; uns são mais simples, outros mais
complexos; uns são mais fáceis, outros mais difíceis, e, assim, sucessi-

99 STF, Tribunal Pleno,ADl4.954-AC, reI. Min. Marco Aurélio,j. 20.8.2014,


DJe 213, 30.10.2014, p. 16.
100. Nesse sentido, ver a decisão sobre o "exame de ordem", STF, Tribunal
Pleno, RE 603.583, reI. Min. Marco Aurélio, DJe-102, 25.5.2012, p. 9.
216 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

vamente.'OI Além disso, a distinção entre os meios será em alguns casos


evidente; em outros, obscura. Por último, mas não por fim: alguns meios
promovem mais o fim em exame, e também os outros com ele relacio-
nados, enquanto outros meios promoverão em menor intensidade o fim
em exame, mas com mais intensidade outros cuja promoção também é
determinada pelo ordenamento jurídico.J02
Diante disso, surge a indagação: os meios devem ser comparados
em todos os aspectos, ou em alguns aspectos? Se em alguns aspectos,
então quais? A resposta a essa questão deve ser buscada nos mesmos
fundamentos antes referidos, especialmente no princípio da separação
dos Poderes. Se fosse permitido ao Poder Judiciário anular a escolha
do meio porque ele, em algum aspecto e sob alguma perspectiva, não
promove o fim da mesma forma que outros hipoteticamente aventados,
a rigor nenhum meio resistiria ao controle de necessidade, pois sem-
pre é possível imaginar, indutiva e probabilisticamente, algum meio
que promova, em algum aspecto e em alguma medida, melhor o fim
do que aquele inicialmente adotado. Nesse sentido, deve-se respeitar a
escolha da autoridade competente, afastando-se o meio se ele for mani-
festamente menos adequado que outro. Os princípios da legalidade e da
separação dos Poderes o exigem.
Em face das ponderações precedentes, fica claro que a verificação
do meio menos restritivo deve indicar o meio mais suave, em geral e nos
casos evidentes. Na hipótese de normas gerais o meio necessário é aque-
le mais suave ou menos gravoso relativamente aos direitos fundamentais
colaterais, para a média dos casos. Mesmo nos atos gerais pode-se, em
casos excepcionais e com base no postulado da razoabilidade, anular a
regra geral por atentar ao dever de considerar minimamente as condi-
ções pessoais daqueles atingidos. Na hipótese de atos individuais, em
que devam ser consideradas as particularidades pessoais e as circunstân-
cias do caso concreto, o meio necessário será aquele no caso concreto.
O Supremo Tribunal Federal tem aplicado o exame de necessidade.
A Iª Turma do Tribunal deferiu pedido de habeas corpus impetrado pelo
paciente que seria o pai presumido de menor nascido na constância de
seu casamento, que respondia à ação ordinária de reconhecimento de fi-
liação combinada com retificação de registro movida por terceiro que se
pretendia pai biológico da criança. O impetrante usou o habeas corpus

101. Georg von Wright, "Rationalitat: Miltel und Zwecke", Normen, Werte lInd
Hand/lIngen, p. 126.
102. Laura Clérico, Die Strllktur ..., p. 85.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 217

para se livrar do constrangimento de ser submetido ao teste de DNA.


Neste caso sustentou-se que a investigação de paternidade poderia ser
feita sem a participação do paciente, eis que o autor da ação poderia ele
mesmo fazer o teste de DNA.103 O Tribunal considerou que o meio alter-
nativo (exame de DNA pelo autor da ação investigação de paternidade)
seria menos restritivo que aquele escolhido pelo Julgador a quo (exame
de DNA pelo réu da ação de investigação de paternidade).
Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal declarou inconsti-
tucional lei que previa a obrigatoriedade de pesagem de botijão de gás
à vista do consumidor, não só por impor um ônus excessivo às com-
panhias, que teriam de dispor de uma balança para cada veículo, mas
também porque a proteção dos consumidores poderia ser preservada
de outra forma, menos restritiva. 104 Nesse caso a medida foi declarada
inconstitucional, porque existiam outras medidas menos restritivas aos
direitos fundamentais atingidos, como a fiscalização por amostragem.
O exame da necessidade não é, porém, de modo algum singelo.
Isso porque, como foi mencionado, a comparação do grau de restrição
dos direitos fundamentais e do grau de promoção da finalidade pre-
liminarmente pública pode envolver certa complexidade. Quando são
comparados meios cuja intensidade de promoção do fim é a mesma, só
variando o grau de restrição, fica fácil escolher o meio menos restritivo.
Os problemas começam, porém, quando os meios são diferentes não só
no grau de restrição dos direitos fundamentais, mas também no grau de
promoção da finalidade. Como escolher entre um meio que restringe
pouco um direito fundamental mas, em contrapartida, promove pouco
o fim, e um meio que promove bastante o fim mas, em compensação,
causa muita restrição a um direito fundamental? A ponderação entre o
grau de restrição e o grau de promoção é inafastável. Daí a necessida-
de de que o processo de ponderação, como já foi afirmado, envolva o
esclarecimento do que está sendo objeto de ponderação, da ponderação
propriamente dita e da reconstrução posterior da ponderação.

3.6.3.3.3.3 Proporcionalidade em sentido estrito - O exame da


proporcionalidade em sentido estrito exige a comparação entre a im-
portância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos
fundamentais. A pergunta que deve ser formulada é a seguinte: O grau

103. v., supra, nota de rodapé 29.


104. STF, Tribunal Pleno, Me na ADI 855-2-PR, reI. Min. Sepúlveda Pertence,
j. 1.7.1993, DJU l.1 0.1993, p. 20.212.
2\8 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

de importância da promoção do fim justifica o grau de restrição causada


aos direitos fundamentais? Ou, de outro modo: As vantagens causadas
pela promoção do fim são proporcionais às desvantagens causadas pela
adoção do meio? A valia da promoção do fim corresponde à desvalia da
restrição causada?
Trata-se, como se pode perceber, de um exame complexo, pois o
julgamento daquilo que será considerado como vantagem e daquilo que
será contado como desvantagem depende de uma avaliação fortemente
subjetiva. Normalmente um meio é adotado para atingir uma finalidade
pública, relacionada ao interesse coletivo (proteção do meio ambiente,
proteção dos consumidores), e sua adoção causa, como efeito colateral,
restrição a direitos fundamentais do cidadão.
O Supremo Tribunal Federal, no já citado julgamento a respeito
da lei que previa a obrigatoriedade de pesagem de botijão de gás à vis-
ta do consumidor, considerou desproporcional a medida. A leitura do
acórdão permite verificar que a intensidade das restrições causadas aos
princípios da livre iniciativa e da propriedade privada (ônus excessivo
às companhias, pois elas teriam de dispor de uma balança para cada
veículo, elevando o custo, que seria repassado para o preço dos botijões,
e exigindo dos consumidores que se locomovessem até os veículos para
acompanhar a pesagem) superava a importância da promoção do fim
(proteção dos consumidores, que podiam ser enganados na compra de
botijões sem o conteúdo indicado ).105

3.6.3.3.4 Intensidade do controle dos outros Poderes


pelo Poder Judiciário
Uma das grandes dúvidas concernentes à aplicação do postulado da
proporcionalidade é a relativa à intensidade do controle a ser exercido

105. STF, Tribunal Pleno, MC na ADI 855-2-PR, reI. Min. Sepúlveda Pertence,
j. 1.7.1993, DJU 1.10.1993, p. 20.212. Também no RE 413.782-8-SC, o Tribunal
Pleno, em caso relatado pelo Min. Marco Aurélio, DJU de 3.6.2005, p. 4, examinou a
constitucionalidade de parte do Regulamento do ICMS do Estado de Santa Catarina,
segundo a qual o contribuinte inadimplente relativamente ao dever de pagar ICMS
poderia ter acesso apenas a notas fiscais avulsas. Além do exame da proibição de
excesso, o STF manifestou-se no sentido de que a medida tributária equivale a um
"meio desproporcional" para obter o adimplemento do tributo. O Min. Cezar Peluso
destacou que, "noutras palavras, como bem antecipou o Ministro Gilmar Mendes, a
ofensa é ao princípio da proporcionalidade, porque o Estado está se valendo de um
meio desproporcional, com força coercitiva, para obter o adimplemento do tributo".
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 219

pelo Poder Judiciário sobre os atos dos Poderes Executivo e Legislati-


vo. Além das considerações já feitas sobre o controle fraco, no que se
refere ao exame da adequação, ainda é preciso acentuar que o exercício
das prerrogativas decorrentes do princípio democrático deve ser objeto
de controle pelo Poder Judiciário, especialmente porque restringe direitos
fundamentais. Em vez da insindieabilidade dessas decisões (Niehtjustitia-
bilitat), é preciso verificar em que medida essas competências estão sendo
exercidas. Nesse sentido, é importante encontrar critérios que aumentem
e que restrinjam o controle material a ser exercido pelo Poder Judiciário.
De um lado, o âmbito de controle pelo Poder Judiciário e a exigên-
cia de justificação da restrição a um direito fundamental deverá ser tan-
to maior quanto maior for: (I) a condição para que o Poder Judiciário
construa um juízo seguro a respeito da matéria tratada pelo Poder Le-
gislativo; (2) a evidência de equívoco da premissa escolhida pelo Poder
Legislativo como justificativa para a restrição do direito fundamental;
(3) a restrição ao bem jurídico constitucionalmente protegido; (4) a im-
portância do bem jurídico constitucionalmente protegido, a ser aferida
pelo seu caráter fundante ou função de suporte relativamente a outros
bens (por exemplo, vida e igualdade) e pela sua hierarquia sintática no
ordenamento constitucional (por exemplo, princípios fundamentais).
Presentes esses fatores, maior deverá ser o controle exercido pelo
Poder Judiciário, notadamente quando a premissa utilizada pelo Poder
Legislativo for evidentemente errônea. Isso porque incumbe ao Po-
der Judiciário "avaliar a avaliação" feita pelo Poder Legislativo (ou pelo
Poder Executivo) relativamente à premissa escolhida, justamente por-
que o Poder Legislativo só irá realizar ao máximo o princípio democrá-
tico se escolher a premissa concreta que melhor promova a finalidade
pública que motivou sua ação ou se tiver uma razão justificadora para ter
se afastado da escolha da melhor premissa. Se o Poder Legislativo podia
ter avaliado melhor, sem aumento de gastos, a sua competência não foi
exercida em consonância com o princípio democrático, que lhe incumbe
realizar ao máximo.
De outro lado, o âmbito de controle pelo Poder Judiciário e a exi-
gência de justificação da restrição a um direito fundamental deverá
ser tanto menor, quanto mais: (I) duvidoso for o efeito futuro da lei;
(2) difícil e técnico for o juízo exigido para o tratamento da matéria; (3)
aberta for a prerrogativa de ponderação atribuída ao Poder Legislativo
pela Constituição.
220 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Presentes esses fatores, menor deverá ser o controle exercido pelo


Poder Judiciário, já que se toma mais difícil uma decisão autônoma desse
Poder. Em qualquer caso - e este é o ponto decisivo - caberá ao Poder
Judiciário verificar se o legislador fez uma avaliação objetiva e susten-
tável do material fático e técnico disponível, se esgotou as fontes de co-
nhecimento para prever os efeitos da regra do modo mais seguro possível
e se se orientou pelo estágio atual do conhecimento e da experiência. I 06
Se tudo isso foi feito - mas só nesse caso - a decisão tomada pelo Poder
Legislativo é justificável (vertretbar) e impede que o Poder Judiciário
simplesmente substitua a sua avaliação. Mas, veja-se: a decisão a respeito
dajustificabilidade da medida adotada pelo Poder Legislativo é o resulta-
do final do controle feito pelo Poder Judiciário e, não, uma posição rígida
e prévia anterior a ele. Sem o controle do Poder Judiciário não há sequer
como comprovar a justificabilidade da medida adotada por outro Poder.
Todas essas considerações levam ao entendimento de que o con-
trole de constitucionalidade poderá ser maior ou menor, mas sempre
existirá, devendo ser afastada, de plano, a solução simplista de que o
Poder Judiciário não pode controlar outro Poder por causa do princípio
da separação dos Poderes. O princípio democrático só será realizado se
o Poder Legislativo escolher premissas concretas que levem à realização
dos direitos fundamentais e das finalidades estatais. Os direitos funda-
mentais, quanto mais forem restringidos e mais importantes forem na
ordem constitucional, mais devem ter sua realização controlada. A tese
da insindicabilidade das decisões do Poder Legislativo, sustentada de
modo simplista, é uma monstruosidade que viola a função de guardião
da Constituição atribuída ao Supremo Tribunal Federal, a plena realiza-
ção do princípio democrático e dos direitos fundamentais bem como a
concretização do princípio da universalidade da jurisdição.

3. 7 Análise da falta de diferenciação entre os postulados

Ao deixar de diferenciar a proporcionalidade da razoabilidade e


da proibição de excesso, a doutrina esquece-se de que esses postulados

106. Christian Rau, Selbst entwickelte Grenzen in der Rechtsprechung des Uni-
ted States Supreme Court und des Bundesveljassungsgerichts, pp. 192 e ss.; Marius
Raabe, "Grundrechtsschutz und gesetzgeberischer Einschatzungsspielraum - Eins
Konstruktiosvorschlag", AI/gemeinheit der Grundrechte und Vielfalt der Gesel/s-
chafl, pp. 94 e ss.
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 221

(metanormas de aplicação de outras no caso de experiências conflituosas


ou recalcitrantes ocorridas no plano concreto e da eficácia) servem de
parâmetro para relacionar elementos diferentes em situações distintas.
O exame concreto que se faz quando há colisão entre dois princípios
com base numa relação de meio e fim não é o mesmo que se faz quando
ocorre uma incompatibilidade entre uma regra geral e um caso excepcio-
nal. As justificações são diferentes e - eis o grande ponto - podem levar
a resultados diversos.
Um exemplo pode tornar o argumento mais claro: a imposição de
multa de mora de 60% por um dia de atraso no pagamento de um tri-
buto. Há três exames que podem ser feitos: verificar se essa regra geral
se aplica ao caso individual (por exemplo, o atraso ocorreu em razão
de um acidente devidamente comprovado com o funcionário que se
dirigia ao banco para efetuar o pagamento), se não havia outro meio
para atingir o fim e se os efeitos benéficos superam os maléficos (30%
poderia ser suficiente para desestimular a impontualidade, e provocar a
bancarrota de microempresários poderia ser mais danoso que garantir
a pontualidade da maioria) e se a obrigação não feriria o núcleo es-
sencial de um direito fundamental (aumento de 60% da carga, por um
dia de atraso, poderia atingir o núcleo do direito de propriedade, in-
dependentemente da necessidade ou vantagem da adoção da medida).
Esses três exames não são idênticos nos seus elementos e nos seus cri-
térios. Pode-se atribuir qualquer nome a eles, mas não se pode dizer
que em todos eles seja feita a mesma ponderação. Isso significa que,
independentemente da palavra ("proporcionalidade", "razoabilidade",
"excessividade", "arbitrariedade"), se uma para todos ou uma para cada
raciocínio concreto, o importante é que há exames concretos diversos
que exigem uma justificação distinta (por causa dos elementos e dos
critérios). Baralhar esses exames concretos diferentes é inviabilizar a
correta aplicação do Direito.IO?
Pior ainda é despender energia para sustentar que a discussão é me-
ramente terminológica. É até plausível, para quem não persegue o rigor

107. No RE 447.584-RJ, reI. Min. Cezar Peluso, 2ª Turma, DJU de 16.3.2007,


o STF, relativamente à indenização, efetua, separadamente e com precisão, os con-
troles de proporcionalidade e de excessividade da medida. Depois de enfrentar a
questão relativa à proporcionalidade da lei, o Min. Cezar Peluso faz a seguinte pon-
deração: "Outra pergunta, envolvida no inquérito teórico, é se, à luz daqueloutro
postulado, tal limitação absoluta não sacrificaria o núcleo essencial do direito fun-
damental restringido".
222 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

no uso da linguagem e a coerente clareza na fundamentação, utilizar um


só termo para os três exames ou outros para cada um deles. O que defini-
tivamente não é aceitável é usar um só termo ou outros termos de modo
intercambiável, desconhecendo que há três exames concretos diversos
nos seus elementos e nos seus parâmetros: uma avaliação da relação
entre os graus de promoção e restrição de princípios colidentes em razão
da adoção de uma medida utilizada com a expectativa de promover um
fim cuja realização é determinada por um dos princípios (exame, esse,
chamado, a partir de agora, de "x"); uma avaliação da relação entre a
regra geral e o caso individual ou entre a imposição e sua consequência
(raciocínio, esse, denominado de "y"); e uma avaliação da relação entre
uma norma impositiva e a restrição do núcleo de um princípio (exame
qualificado de "z").
Ora, o problema não está em afirmar que tudo se resume a optar
entre os qualificativos para "x", "y" ou "z". O problema está, outrossim,
em pensar que todos os exames são assimiláveis a uma só das categorias
"x", "y" ou "z" quando elas, na verdade, envolvem relações e parâme-
tros diferentes, tanto que permitem resultados díspares: uma norma pode
ser aplicada conforme a exigência "x" sem estar de acordo com a "y" ou
com a "z", e assim sucessivamente. Mais: uma norma pode sujeitar-se
ao controle "x" sem ser suscetível de controle por "y". Enfim, "x", "y" e
"z" consubstanciam exames diferentes.
Logo, o problema não está em verificar se o uso de nomes diversos
implica exames de conteúdos diferentes; mas, ao invés disso, em veri-
ficar se a comprovação da existência de exames de conteúdos diversos
não deve reclamar o uso de termos diferentes: "x" para um exame mul-
tilateral que culmine na divisão ou proporção entre bens jurídicos exte-
riores; "y" para um exame unilateral de equidade; e "z" para um exame
de limite de restringibilidade.
Com efeito, o exame de razoabilidade-equivalência investiga a re-
lação entre duas grandezas ou entre uma medida e o critério que informa
sua fixação. O exame de proporcionalidade investiga a relação entre a
medida adotada, a finalidade a ser atingida e o grau de restrição causado
nos direitos fundamentais atingidos. O exame da proibição de excesso
analisa a existência de invasão no núcleo essencial de um princípio fun-
damentaI.
Com essas considerações fica claro que os exames de razoabili-
dade, proporcionalidade e excessividade consistem em exames con-
NORMAS DE SEGUNDO GRAU: POSTULADOS NORMATIVOS 223

eretos diferentes uns dos outros. Com essas observações fica também
evidente por que há tanta confusão entre esses exames: as expressões
"razoabilidade", "proporcionalidade" e "excessividade", quando não
utilizadas em razão do exame concreto que visam a representar, podem
fazer referência a exames concretos diferentes. Sendo a irrazoabilidade,
no exemplo da multa, a falta de equivalência entre o montante da multa
e a gravidade da conduta a ser punida, pode-se expressar essa falta de
equivalência tanto dizendo que não há "proporção" entre o montante da
multa e a falta cometida quanto afirmando que o montante da multa "ex-
cede" aquilo que seria adequado para punir a falta praticada. O mesmo
vale para os outros casos.
Isso quer dizer, então, que toda a discussão a respeito da "razoabili-
dade", da "proporcionalidade" e da "excessividade" diz respeito apenas
a um problema de consenso? Não. Quer dizer, em vez disso, que essas
expressões são ambíguas e que devem ser definidas, sendo secundário
decidir qual delas será utilizada para cada exame. O que deve ficar claro
- e este é o problema central - é que há três diferentes exames concre-
tos que não podem ser confundidos, pois envolvem elementos distintos
relacionados com parâmetros diversos. O problema não está em usar
essa ou aquela expressão, mas em confundir exames concretos diferen-
tes pelo uso unificado de uma só expressão ou pelo uso alternativo de
várias expressões. Dito de outro modo: o problema não está em usar uma
palavra para três fenômenos, mas não perceber que há três fenômenos
diferentes a analisar.
Importa registrar, por fim, que em todos esses exames sempre há
um raciocínio que é feito relativamente à aplicação de outras normas do
ordenamento jurídico. No exame da razoabilidade-equivalência analisa-
-se a norma que institui a intervenção ou exação com a finalidade de
verificar se há equivalência entre sua dimensão e a falta que ela visa a
punir. No exame de proporcionalidade investiga-se a norma que institui
a intervenção ou exação para verificar se o princípio que justifica sua
instituição será promovido e em que medida os outros princípios serão
restringidos. É por esse motivo que, nesse exame, vem à tona a restrição
maior ou menor aos princípios fundamentais. No exame da proibição
de excesso analisa-se a norma que institui a intervenção ou exação para
comprovar se algum princípio fundamental não está sendo atingido no
seu núcleo. Por esse motivo, surge a questão de saber se há uma restrição
excessiva dos princípios fundamentais.
224 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Isso demonstra que esses exames investigam o modo como devem


ser aplicadas outras normas, quer estabelecendo os critérios, quer esta-
belecendo as medidas. De qualquer forma, as exigências decorrentes da
razoabilidade, da proporcionalidade e da proibição de excesso vertem
sobre outras normas não, porém, para atribuir-lhes sentido, mas para
estruturar racionalmente sua aplicação. Sempre há uma outra norma por
trás da aplicação da razoabilidade, da proporcionalidade e da excessivi-
dade. Por esse motivo, é oportuno tratá-las como metanormas. E, como
elas estruturam a aplicação de outras normas, com elas não se confun-
dindo, é oportuno fazer referência a elas com outra nomenclatura. Daí
a utilização do termo "postulado", a indicar uma norma que estrutura a
aplicação de outras.
Os postulados diferenciam-se das normas cuja aplicação estruturam
em várias perspectivas: quanto ao nível (os postulados situam-se no me-
tanível ou no segundo nível, e as normas objeto de aplicação situam-se
no nível objeto ou no primeiro nível), quanto ao objeto (os postulados
indicam a estrutura de aplicação de outras normas, e as normas descre-
vem comportamentos, se forem regras, ou instituem a promoção de fins,
se forem princípios) e quanto ao destinatário (os postulados dirigem-se
aos aplicadores, e as normas a quem deve obedecer a elas).
Essas sutilezas apontadas quanto à natureza da espécie normativa
que está sendo utilizada e quanto ao controle que é exercido contribuem
decisivamente para a maior efetividade dos princípios constitucionais,
pois o aplicador tem melhores condições de saber o que deve ser funda-
mentado, o que deve ser comprovado e quais as normas cuja restrição ou
efetividade estão sendo analisadas.
4
CONCLUSÕES

4.1 A dissociação entre as espécies normativas, sobre ser havida


como hipótese de trabalho para o processo aplicativo, pode ser labo-
rada em razão do seu significado frontal. Nesse sentido, o significado
preliminar dos dispositivos pode experimentar uma dimensão imedia-
tamente comportamental (regra), finalística (princípio) e/ou metódica
(postulado ).

4.2 As regras são normas imediatamente descritivas, primariamen-


te retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para
cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada
na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axio-
logicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição
normativa e a construção conceitual dos fatos.

4.3 Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primaria-


mente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcia-
lidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre
o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta
havida como necessária à sua promoção.

4.4 As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo


como prescrevem o comportamento. As regras são normas imediatamen-
te descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e
proibições mediante a descrição da conduta a ser cumprida. Os princí-
pios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um esta-
do de coisas cuja promoção gradual depende dos efeitos decorrentes da
adoção de comportamentos a ela necessários. Os princípios são normas
cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da realização de
226 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

um fim juridicamente relevante, ao passo que característica dianteira das


regras é a previsão do comportamento.

4.5 As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto àjustifi-


cação que exigem. A interpretação e a aplicação das regras exigem uma
avaliação da correspondência entre a construção conceitual dos fatos e
a construção conceitual da norma e da finalidade que lhe dá suporte, ao
passo que a interpretação e a aplicação dos princípios demandam uma
avaliação da correlação entre o estado de coisas posto como fim e os
efeitos decorrentes da conduta havida como necessária.

4.6 As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo


como contribuem para a decisão. Os princípios consistem em normas
primariamente complementares e preliminarmente parciais, na medida
em que, sobre abrangerem apenas parte dos aspectos relevantes para
uma tomada de decisão, não têm a pretensão de gerar uma solução es-
pecífica, mas de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de
decisão. Já as regras consistem em normas preliminarmente decisivas e
abarcantes, na medida em que, a despeito da pretensão de abranger to-
dos os aspectos relevantes para a tomada de decisão, têm a aspiração de
gerar uma solução específica para o conflito entre razões.

4.7 Os postulados normativos são normas imediatamente metódi-


cas, que estruturam a interpretação e aplicação de princípios e regras
mediante a exigência, mais ou menos específica, de relações entre ele-
mentos com base em critérios.

4.8 Alguns postulados aplicam-se sem pressupor a existência de


elementos e de critérios específicos: a ponderação de bens consiste num
método destinado a atribuir pesos a elementos que se entrelaçam, sem
referência a pontos de vista materiais que orientem esse sopesamento; a
concordância prática exige a realização máxima de valores que se imbri-
cam; a proibição de excesso proíbe que a aplicação de uma regra ou de
um princípio restrinja de tal forma um direito fundamental que termine
lhe retirando seu mínimo de eficácia.

4.9 A aplicabilidade de outros postulados depende de determinadas


condições. O postulado da igualdade estrutura a aplicação do Direito
quando há relação entre dois sujeitos em função de elementos (critério
CONCLUSÕES 227

de diferenciação e finalidade da distinção) e da relação entre eles (con-


gruência do critério em razão do fim).

4.10 O postulado da razoabilidade aplica-se, primeiro, como di-


retriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades
do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve
ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em
virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral.
Segundo, como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas
com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a exis-
tência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja
demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim
que ela pretende atingir. Terceiro, como diretriz que exige a relação de
equivalência entre duas grandezas.

4.11 O postulado da proporcionalidade aplica-se nos casos em que


exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim concreta-
mente perceptível. A exigência de realização de vários fins, todos cons-
titucionalmente legitimados, implica a adoção de medidas adequadas,
necessárias e proporcionais em sentido estrito.

4.12 Um meio é adequado quando promove minimamente o fim.


Na hipótese de atos jurídicos gerais a adequação deve ser analisada do
ponto de vista abstrato, geral e prévio. Na hipótese de atos jurídicos in-
dividuais a adequação deve ser analisada no plano concreto, individual e
prévio. O controle da adequação deve limitar-se, em razão do princípio
da separação dos Poderes, à anulação de meios manifestamente inade-
quados.

4.13 Um meio é necessário quando não houver meios alternativos


que possam promover igualmente o fim sem restringir na mesma in-
tensidade os direitos fundamentais afetados. O controle da necessidade
deve limitar-se, em razão do princípio da separação dos Poderes, à anu-
lação do meio escolhido quando há um meio alternativo que, em as-
pectos considerados fundamentais, promove igualmente o fim causando
menores restrições.

4.14 Um meio é proporcional quando o valor da promoção do fim


não for proporcional ao desvalor da restrição dos direitos fundamentais.
228 TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Para analisá-lo é preciso comparar o grau de intensidade da promoção


do fim com o grau de intensidade da restrição dos direitos fundamentais.
O meio será desproporcional se a importância do fim não justificar a
intensidade da restrição dos direitos fundamentais.
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* * *
TEORIA dos PRINCÍPIOS
"
Huntberto Avila
"Dentro de sua dimensão, a leitura desta Teoria dos Princípios 'apanha',
cativa; tanto, que o leitor deve obrigar-se a interromper e refletir, porque ÁVIU. diz
muito, fundamenta-o com profundidade e rigor, e di-lo com originalidade e sentido.
E isso exige reflexão de quem o lê. A investigação que se oferece agora em lí:Jgua
espanhola vem encabeçada por um título ambicioso, mas seu conteúdo está à altura
do que anuncia. O resultado está à vista: uma obra que é tanto de Direito quan-:o de
Filosofia."
(Da "Resenha ", da edição espanhola, do Dr. PABLOSÁNCHEZ-OSTIZGUTIÉPREZ,
Professor Titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de
Navarra, Espanha)
"Ecoando Karl Popper: a pesquisa (inclusive filosófica) não tem fim. E, ape-
sar das críticas a que se presta, o trabalho de H.Á. é uma contribuição impor..:ante
para o progresso da pesquisa teórica-geral em direção a conceitos jurídicos cada
vez mais refinados."
(Do "Prólogo ", da edição italiana, do Dr. RiCCARDOGUASTINI,Titular de Teo-
ria do Direito da Universidade de Gênova, Itália)
"Apesar de haver livros sobre regras, e apesar de o papel dos princípios jurí-
dicos ter sido um foco da teoria do direito desde Dworkin, estava faltando um sério
estudo sistemático sobre o que são os princípios jurídicos, de onde eles vêm, Cümo
eles são identificados e como precisamente eles interagem com outras fontes na dis-
cussão jurídica e na aplicação do direito. O indispensável livro do Professor ÁVILA
preenche essa lacuna com rigor, profundidade e criatividade, e deve tomar-se lei~ura
obrigatória para todos os interessados em interpretação e argumentação jurídicas."
(Da "Apresentação ", da edição inglesa, do Dr. FREDERICKSCHAUER,erztão
Professor da Universidade de Harvard, hoje Distinguished Professor da Faculdade
de Direito da Universidade de Virgínia, EUA)
"( ...) a presente obra caracteriza-se por seu perfil nitidamente independente
e pela originalidade da sua concepção. (...) o autor desenvolve, aduzindo critérios
adicionais, uma proposta própria e diferenciada para a distinção entre regras e
princípios."
(Do "Prefácio ", da edição alemã, do Dr. Dr. h.c. multo CLAUS-WILHELMCA-
NARIS, Professor Titular Emérito de Direito Civil e de Metodologia da Ciênci:I do
Direito da Universidade de Munique, Alemanha)

ISBN 85-392-0341-3

__ MALHEIROS
:~: EDITORES 9 788539 203413

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