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CURSO DE DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO

IV. ORÇAMENTO PÚBLICO

1. Conceito, aspectos e natureza jurídica da lei orçamentária


1.1. Conceito
1.2. Aspectos
1.3. Natureza jurídica do orçamento
2. Princípios constitucionais orçamentários
3. Funções do orçamento público
4. Processo legislativo orçamentário na Constituição de 1988
4.1. Plano plurianual
4.2. Lei de diretrizes orçamentárias
4.3. Lei orçamentária
4.4. O processo de elaboração das leis orçamentárias
5. Fiscalização e controle da execução orçamentária
6.1. Conceito, objeto e escopos do controle
6.2. Controle interno da execução orçamentária
6.3. Controle externo da execução orçamentária e o papel do Tribunal de Contas
7. Controle abstrato de constitucionalidade da lei orçamentária
8. A Lei de Responsabilidade Fiscal

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Carlos Alexandre de Azevedo Campos

1. Conceito, aspectos e natureza jurídica da lei orçamentária

1.1. Conceito

Como visto nos capítulos anteriores, o Estado despende recursos monetários para
consecução de seus fins, utilizando-se da chamada receita pública. Esse dispêndio, ou seja,
o gasto do dinheiro público, consiste na chamada despesa pública. Essa aplicação de
recursos, voltada para o custeio da satisfação das necessidades públicas, não ocorre de
maneira desordenada, improvisada ou aleatória. O processo dos gastos públicos deve
obedecer a um planejamento devidamente autorizado pelo Poder Legislativo, haja vista a
imperiosa necessidade de zelo pelo dinheiro público. Esse plano de aplicação dos recursos
públicos em prol da satisfação das necessidades públicas é o denominado orçamento
público, que pode ser definido, inicialmente, como um instrumento de controle das ações
do Governo, dirigido a orientar sua atuação na satisfação das necessidades públicas, tal
como estabelecido pelo Poder Legislativo.

Na verdade, de maneira simplista, podemos conceber o orçamento como uma peça


legisativa que contém a aprovação prévia da receita e da despesa pública para um período
determinado.1 Segundo Aliomar Baleeiro,2 “nos Estados democráticos, o orçamento é
considerado o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por
certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços
públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a
arrecadação das receitas já criadas em lei”.

Diante desse conceito formulado por Baleeiro, alguns elementos da definição do


orçamento merecem ser destacados: (i) o orçamento é ato do Poder Legislativo e, como tal,
ao menos em seu aspecto formal, é lei; (ii) trata-se de ato legislativo dirigido à atuação do
Poder Executivo como órgão executor do dispêndio do dinheiro público; (iii) possui uma
limitação temporal, ou seja, o orçamento deve ser renovado e, como veremos adiante,
anualmente renovado; (iv) ele contém a previsão pormenorizada das despesas públicas a
serem efetuadas, definindo como, quando e em que deverão ser utilizados os recursos

1
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 71.
2
BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução ao Estudo das Finanças. Op. cit., p. 411. (itálico nosso)

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públicos – representa, portanto, documento-chave das finanças públicas; (v) desse modo,
ele constitui esboço do próprio plano de ação governamental.

Uma ressalva deve ser feita à expressão “arrecadação das receitas já criadas em lei”,
contida na parte final do conceito elaborado por Baleeiro. Essa afirmação pode levar ao
entendimento de que os tributos, cuja arrecadação não esteja prevista no orçamento, não
possam ser efetivamente exigidos pelo Estado, mesmo que devidamente instituídos em lei
própria. Isso não é correto. Antes da EC 18/65, vigorava o comando que só os tributos
mencionados no orçamento podiam ser exigidos, mesmo que previstos nos respectivos
diplomas normativos de imposição tributária. Contudo, isso foi expressamente revogado
pela mencionada emenda constitucional, podendo, desde então, serem exigidos tributos,
legalmente previstos, mesmo que não constantes do orçamento.

Pode-se então, a título conclusivo, conceituar “orçamento” como o documento,


aprovado pelo Poder Legislativo, que contém a previsão das receitas e despesas públicas,
coordenando, por certo período de tempo, a atuação econômica e financeira do Estado em
sua atividade de satisfação das necessidades públicas.

1.2. Aspectos

Além de sua definição, o orçamento possui cinco aspectos que merecem ser
analisados de perto: os aspectos político, jurídico, técnico e econômico.

O aspecto político do orçamento revela-se pelo fato deste, como plano de governo,
ser, essencialmente, fruto de decisões políticas. Como consequência do fato de ser a escolha
das necessidades públicas, a serem prioritariamente satisfeitas, uma decisão política, o
planejamento feito e voltado para essa satisfação é também fruto de um consenso político,
de uma decisão política a ser acolhida pelo Congresso Nacional.

Por sua vez, essas decisões políticas, tomadas dentro de uma larga margem
discricionária pelos atores políticos, devem obedecer às normas gerais de Direito
Financeiro, bem como e, principalmente, as regras constitucionais que disciplinam a

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elaboração do orçamento. Daí que, ao lado do aspecto político, o orçamento possui u


relevante aspecto jurídico.

O aspecto técnico do orçamento advém de ser ele instrumento técnico para


conhecimento, pelo povo, de que maneira será a administração do País, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios. O orçamento é, essencialmente, uma técnica de cálculo
de receitas e despesas – técnica contábil-financeira.

Por fim, há o aspecto econômico, sendo que o orçamento representa um meio de


otimizar os recursos financeiros do Estado, devendo o administrador, a fim de cumprir o
orçamento elaborado, eleger prioridades em função da situação econômica do espaço
alcançado pelo orçamento. Inegavelmente, o orçamento é decisivo em estimular ou
desestimular determinados setores da economia nacional.

1.3. Natureza jurídica do orçamento

Tema dos mais complexos e difíceis é o de estabelecer a natureza jurídica do


orçamento. Não há unanimidade acerca desse tema. Como leciona Ricardo Lobo Torres,
existem três principais correntes doutrinárias sobre a matéria.3

A primeira corrente entende ser o orçamento uma lei em todos os seus aspectos,
tanto o formal quanto o material. É formalmente lei porque emana do Poder Legislativo;
enquanto seria materialmente lei porque poderia, efetivamente, modificar tributos quando a
respectiva lei instituidora do tributo assim permitisse. Por óbvio que esta corrente
doutrinária só pode vir a prevalecer nos países em que o orçamento tem autonomia para
instituir ou majorar tributos, como ocorre na Espanha.

Uma segunda corrente doutrinária entende ser o orçamento um simples ato


administrativo em relação às despesas, pois bastaria uma operação administrativa para
gerar um gasto público, ou seja, o orçamento apenas contém meras autorizações concedidas
em lei ao Poder Executivo para que este efetue os gatos públicos. Já no tocante à receita

3
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 152 e ss.

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pública, o orçamento consistiria em lei em sentido material quando os países adotassem a


obrigatoriedade de renovação legislativa anual da autorização para cobrança de tributos, ou
seja, adotarem o princípio da anualidade tributária como originariamente esse fora
concebido, ou seja, coincidente com o princípio da anualidade orçamentária.

A terceira corrente, formulada pelo importante jurista francês, Gaston Jèze, defende
que o orçamento, apesar de seu aspecto formal de lei, nunca consistirá em lei propriamente
dita. Para Jèze, o orçamento, no que se refere às despesas públicas, consiste realmente em
mero ato administrativo. Porém, no que concerne à receita, Jèze entende não ser o
orçamento uma lei nem em seu sentido formal nem material, mas um ato administrativo
especial, que ele denominou de ato-condição, tendo em visto não bastar a previsão legal de
instituição de tributos para obtenção dos recursos, mas sim, se fazer necessário que os
agentes administrativos pratiquem atos que efetivem a entrada destes recursos nos cofres
públicos. Para o autor, antes do orçamento, o tributo já fora instituído através da lei
específica de imposição tributária, porém, a cobrança dos tributos depende de uma
condição para sua efetividade, qual seja esta condição, a previsão anual no orçamento da
autorização para a arrecadação dos tributos.

Assim como ocorre com a segunda corrente, este entendimento só pode prosperar
nos países em que adotam o princípio da anualidade no sentido de só poderem ser cobrados
tributos cuja arrecadação fora prevista no orçamento anual. Nos países que não adotam este
princípio, para a terceira corrente, o orçamento simplesmente não tem qualquer significação
jurídica. A posição acima firmada tinha a simpatia de Aliomar Baleeiro4 quando no Brasil
vigorava o princípio da anualidade no sentido de só poderem ser cobrados os tributos
previstos no orçamento (antes da EC 18/65).

Para o Brasil, com a Constituição Financeira vigente a partir de 1988, assim como
ocorria na vigência de Cartas anteriores, resta claro que o orçamento é lei. O art. 165, III e
seus §§ 5º, 6º e 8º, expressamente estabelece o orçamento como lei em seu sentido estrito.
Seu processo legislativo envolve a iniciativa do Executivo e sua aprovação pelo
Parlamento, devendo tratar exclusivamente das receitas e despesas públicas – a previsão da

4
BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, p. 416.

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primeira e a fixação da segunda. A questão que sugere mais debates, inclusive com
repercussão sobre os limites de possibilidades do seu controle de constitucionalidade
abstrato pelo Supremo Tribunal Federal, é sobre suas abstração e generalidade, atributos
essenciais de toda lei. Com efeito, deve-se reconhecer que a lei orçamentária não possui o
mesmo grau de abstração e generalidade que as leis normalmente promulgadas, mas isso
não basta para descaracterizar sua natureza jurídica de lei, ao menos em seu sentido
formal.5 A questão de sua maior disposição específica e concreta será novamente debatida
quando do tratamento do controle de constitucionalidade do orçamento.

Cumpre resumir, assim, que o orçamento não é uma lei qualquer, diferenciando-se
das demais pelo especial trato dado pela Constituição à sua formação e aprovação; ainda,
ao contrário das demais leis, genéricas, abstratas e permanentes, o orçamento é de efeito
concreto e vigência por tempo determinado.

2. Princípios constitucionais orçamentários.

A Constituição, explícita ou implicitamente, contém princípios, ao lado das regras,


que cumprem relevante função normativa para a interpretação e aplicação de toda a ordem
jurídica nacional.6 Especificamente em matéria orçamentária, não é diferente. Dentre os
principais princípios orçamentários, que podem ser extraídos do Texto Constitucional (em
especial no art. 165), podemos citar:

(i) princípio da universalidade – representa a obrigatoriedade de todas


as receitas e despesas estarem previstos na lei orçamentária, e
encontra tradução no art. 165, §5º, I, II, III. Esse princípio busca
assegurar a vedação de qualquer espécie de exclusão, na previsão
orçamentária, de receitas ou despesas públicas para o ano
calendário orçado;

5
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 71.
6
Cf. BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Limites e
Possibilidades da Constituição Brasileira. 9ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010; ÁVILA, Humberto.
Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 3ª ed. São Paulo: Malheiros,
2004.

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(ii) princípio da anualidade – prescreve que o orçamento deve ser


renovado anualmente (art. 165, §5º), ou seja, deve haver um
orçamento para cada ano-exercício. Alguns juristas7entendem estar
ultrapassado esse princípio, a ponto de afirmarem que ele não mais
pode ser encarado como princípio, haja vista a existência do
orçamento plurianual, que vigora por mais de uma ano. De qualquer
forma, pelo menos em relação à lei orçamentária propriamente dita,
temos que esse princípio vincula a obrigatoriedade de renovação
anual;

(iii) princípio da exclusividade – consagrado no § 8º do art. 165,


significa que a lei orçamentária não pode tratar de quaisquer
matérias estranhas à previsão das receitas públicas e à fixação das
despesas públicas;

(iv) princípio da unidade – também previsto no §5º do art. 165, significa


que toda a fixação de gastos e previsão de receitas devem estar
contidos no mesmo orçamento, como documento único. Este
princípio possui caráter político, haja vista o mesmo não mais
representar uma preocupação com a unidade documental, “mas com
a unidade de orientação política”,8 como se fosse uma unidade
ideológica ou uma unidade de método;

(v) princípio da legalidade – como essência do próprio Estado de


Direito, o princípio da legalidade representa a subordinação da
Administração Pública, na execução do orçamento, às regras
ditadas pelas leis orçamentárias. A Administração Pública tem sua
liberdade de gastos limitada pela previsão orçamentária, tanto no
que tange ao montante quanto ao destino geral dos recursos que
serão aplicados.

7
Cf. OLIVEIRA, Regis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de Direito Financeiro. São Paulo:
Malheiros, p. 120.
8
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 81.

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3. Funções do orçamento público

Como já dito no primeiro capítulo, a atividade financeira do Estado ultrapassa sua


natureza meramente instrumental para efetivamente interceder nos campos econômico e
social da nação. Isso significa que o orçamento público, como peça legal de organização da
atividade financeira do Estado, matriz do plano de ação do Governo, pode, conforme suas
diretrizes, direcionar a economia nacional dentro de determinado período. Com isso, o
orçamento público cumprirá a função não apenas de coordenar a arrecadação e a aplicação
dos recursos públicos, mas também de dirigir a atuação interventiva e transformadora do
Estado nos cenários econômico e social brasileiros.

Como exemplo, podemos citar um determinado plano de ação materializado em um


orçamento anual voltado maciçamente para a consecução de diversas obras públicas
essenciais, tais como a construção de pontes, viadutos, estradas ou a manutenção ou
reforma das mesmas. Ora, a execução deste orçamento, segundo as diretrizes mencionadas,
representará inegavelmente um acentuado desenvolvimento no setor de construção civil e
daqueles ligados ao mesmo, como fornecedores de materiais, etc.; porém, poderia assim
ocorrer com o setor de saúde, caso os investimentos previstos no orçamento fossem
preferencialmente voltados para este setor.

Ainda podemos citar o apoio preferencial para determinadas espécies de empresas


privadas, de acordo com o orçamento elaborado, através de subvenções para entidades sem
fins lucrativos ou renúncia de receitas em favor das micros e pequenas empresas. Dessa
forma, o orçamento não representa mera peça financeira, mas cumpre importante papel para
o desenvolvimento da economia nacional e social, podendo prestigiar, de acordo com as
respectivas decisões políticas, o crescimento de determinados setores sociais e econômicos
ou de certas regiões do país.

4. Processo legislativo orçamentário na Constituição de 1988

O art. 165 da CF/88 prevê três espécies de leis orçamentárias: o plano plurianual
(inciso I); as diretrizes orçamentárias (inciso II) e o orçamento anual (inciso III). Há,

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segundo os §7º do art. 165, §4º do art. 166 e §1º do art. 167, 9 uma hierarquia de ordem
material entre essas espécies normativas, tendo o plano plurianual no topo dessa pirâmide.
Como escrito por Lobo Torres, “a lei orçamentária anual [deve] respeitar as diretrizes
orçamentárias, consoando ambas com o orçamento plurianual”.10

4.1. Plano Plurianual.

O Plano Plurianual é a lei que estabelece as metas do Governo programadas para


consecução em longo prazo. Essencialmente vista como norma de programação econômica,
constitui “planejamento conjuntural para a promoção do desenvolvimento econômico, do
equilíbrio entre as diversas regiões do País e da estabilidade econômica”.11 Ela justifica-se
na necessidade de programação de serviços públicos de longa duração.

O Plano tem como principal meta, constitucionalmente prevista, direcionar os


orçamentos fiscal e de investimento das estatais para a redução das desigualdades inter-
regionais, observando o critério populacional (art. 165, §7º). Como possui grau máximo de
abstração, o Plano Plurianual só se efetiva pela concreção do orçamento anual, ou seja, pela
realização das despesas públicas autorizadas no orçamento anual, não restando dúvidas
quanto sua natureza de orientação de observância obrigatória em relação à elaboração da
lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual. Pode-se dizer que é a “Lei das leis
orçamentárias”, vinculando, em certa medida, o conteúdo das demais.

4.2. Lei de diretrizes orçamentárias.

9
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: (...)
§ 7º. Os orçamentos previstos no § 5º, I e II, deste artigo, compatibilizados com o plano plurianual, terão
entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional.”
“Art. 166. (...)
§ 4º. As emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias não poderão ser aprovadas quando
incompatíveis com o plano plurianual.”
Art. 167. (...)
§ 1º. Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia
inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.
10
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 148.
11
Idem, ibidem.

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Novidade instituída pelo constituinte de 1988, a Lei de diretrizes orçamentárias,


inspirada na constituição alemã, consiste em fixação, em consonância com o Plano
Plurianual, de metas e programas prioritários para o exercício financeiro seguinte à sua
elaboração. Como ocorre com o Plano Plurianual, sua atuação se limita em orientar os
orçamentos anuais, porém, devendo obedecer às regras contidas naquele primeiro e com a
especificidade de possuir caráter anual. Neste sentido, temos que a Lei de diretrizes
orçamentárias, elaboradas de acordo como Plano Plurianual, deve sempre anteceder à lei
orçamentária anual, pois a esta orientará, inclusive prevendo a inclusão das despesas de
capital12 (art. 165, §2º) para o período subseqüente.

A Carta Maior estabelece que a Lei de diretrizes orçamentárias também deva dispor
sobre alterações na legislação tributária. Ora, como não tratam, como visto, as lei
orçamentárias de instituição ou modificação de tributos, temos que esta só pode, quando
dispuser de alteração de matéria tributária, orientar as modificações referentes aos
incentivos fiscais e outros planos de governo nessa área, cumprindo o papel de intervenção
no campo econômico, por exemplo, através da previsão de ajuda a determinados setores
pela renúncia de recitas. Porém, cumpre destacar que esses incentivos, como quaisquer
outras medidas, dependem, para serem concretizados, de previsão no orçamento anual.

4.3. Lei orçamentária

Assim como previsto no §5º do art. 165 da CF/88, a “lei orçamentária anual é
aquela que abarca o orçamento fiscal (receitas e despesas) referente aos três Poderes da
União, fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, fundações instituídas e
mantidas pelo Poder Público, além do orçamento de investimentos das empresas estatais,
bem como o orçamento da seguridade social”.13 De acordo com o Texto Constitucional, os
orçamentos dos três Poderes são contidos em documento único, consagrando a unidade
orçamentária.

12
“As despesas de capital, em termos de Direito Financeiro, são aquelas pertinentes a investimentos,
inversões financeiras e transferências de capital.” (HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário.
Op. cit., p. 86).
13
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 87.

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Cumpre lembrar que o art. 168 exige a remessa mensal das parcelas do orçamento
que cabem aos Poderes Legislativo e Judiciário até o dia 20(vinte) de cada mês, ao
contrário do que estabelecia a Carta anterior, que previa um repasse trimestral de verbas.
Ademais, pode-se dizer, quanto à matéria legislada, que temos três “orçamentos” distintos
que compõem a peça orçamentária anual:

(i) o orçamento fiscal, que compreende o universo de receitas e


despesas da União, abrangendo seus três Poderes, inclusive os
órgãos e entidades da administração direta e indireta, bem como as
fundações mantidas pelo Poder Público;

(ii) o orçamento de investimentos das empresas estatais, que representa


o volume de recursos aplicados nas empresas onde a União é
acionista majoritária;

(iii) e o orçamento da Seguridade Social, o qual compreende a previsão


das receitas derivadas exigidas com fundamento no art. 195 da
Carta Maior, bem como as despesas com os programas de
Seguridade Social – despesas com a saúde pública, a previdência e
a assistência social.

4.4. O processo de elaboração das leis orçamentárias

Nos termos do §9ºdo art. 165 da CF/88, cabe à lei complementar dispor sobre
vigência, prazos, elaboração e organização das três espécies de leis orçamentárias. Na
ausência desta lei complementar, que até a presente data não foi editada, valem as
disposições contidas no art. 35, §2º do ADCT,14 o qual estabelece os prazos de
encaminhamento dos projetos de leis orçamentárias.

14
. “Art. 35. (...)
§ 2º. Até a entrada em vigor da lei complementar a que se refere o artigo 165, § 9º, I e II, serão obedecidas
as seguintes normas:

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A competência para encaminhamento dessas propostas é do Presidente da


República, tal como prescrito no caput do art. 165 da CF/88, que estabelece ser da
iniciativa do Chefe do Poder Executivo os projetos de lei para o Plano Plurianual, para a
Lei de diretrizes orçamentárias e para o Orçamento anual. A competência do Presidente da
República não se encerra com o encaminhamento dos projetos de leis, mas se estende ao
envio de mensagem para o Congresso Nacional para propor modificações nos textos dos
projetos antes de ser iniciada a votação dos mesmos, bem como ao veto das emendas
aprovadas pelo próprio Congresso Nacional.

Dentro do processo legislativo orçamentário, cumpre ao Congresso Nacional


apreciar, por suas Comissões Mistas, nos termos dos incisos I e II do §1º do art. 166 da
CF/88, os projetos de lei relativos ao Plano Plurianual, à Lei de diretrizes orçamentárias e
ao Orçamento anual e, após a emissão de pareceres sobre os projetos, aprovar os mesmos
nos moldes das demais normas do processo legislativo comum (§ 7º do mesmo art. 166).

5. Fiscalização e controle da execução orçamentária

5.1. Conceito, objeto e escopos do controle

Uma vez elaborado o orçamento público e aprovado pelo Congresso Nacional, tem
início a fase de sua execução, consistente no dispêndio das receitas programadas de acordo
com a previsão dos gastos públicos. Por questões de ordem legal, mas também financeira e
política, essa execução do orçamento deve ser controlada, como exige e disciplina o art. 70
da CF/88.15 A fiscalização da execução do orçamento justifica-se, principalmente, no

I - o projeto do plano plurianual, para vigência até o final do primeiro exercício financeiro do mandato
presidencial subseqüente, será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do primeiro exercício
financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa;
II - o projeto de lei de diretrizes orçamentárias será encaminhado até oito meses e meio antes do
encerramento do exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento do primeiro período da
sessão legislativa;
III - o projeto de lei orçamentária da União será encaminhado até quatro meses antes do encerramento do
exercício financeiro e devolvido para sanção até o encerramento da sessão legislativa.”
15
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das
entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação
das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e
pelo sistema de controle interno de cada Poder. (…)

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princípio da legalidade. O propósito é verificar se as leis orçamentárias estão sendo


observadas pela Administração Pública na execução do orçamento. De acordo com o art.
70, a fiscalização alcança os campos contábil, financeiro, orçamentário, operacional e
patrimonial da União e da Administração direta e indireta.

A fiscalização contábil representa um controle técnico-material das contas públicas,


uma análise numérica da relação receita/despesa. É técnica que instrumentaliza o
controle;16 a fiscalização financeira refere-se à entrada e à saída do dinheiro público; a
orçamentária é a fiscalização sobre a legalidade da destinação do dinheiro público; a
fiscalização operacional é o controle formal dos procedimentos das despesas públicas, no
sentido de avaliar a correta obediência aos meios de dispêndio do dinheiro público; a
fiscalização dita patrimonial representa a própria fiscalização da execução do orçamento,
do controle dos bens públicos, de conteúdo econômico ou não, no sentido de preservá-los.

A fiscalização desses elementos de execução orçamentária tem por escopo precípuo


verificar a observância dos aspectos da legalidade, da legitimidade, da economicidade dos
atos administrativos, bem como da aplicação de subvenções e de renúncia das receitas
públicas. Quanto ao aspecto da legalidade, essa fiscalização representa o controle da
observância das regras previstas nas leis orçamentárias quando do gasto do dinheiro
público. Importa em verificar se o administrador, quando realiza as despesas públicas, está
obedecendo aos limites e às autorizações ditadas pelo Congresso Nacional quando da
aprovação das leis orçamentárias.

No que concerne à legitimidade do ato administrativo quando da execução


orçamentária, procura-se detectar possível desvio de finalidade no gasto do dinheiro
público. Orientado pelo princípio da legitimidade, o administrador deve gerir as finanças
públicas conforme os objetivos fundamentais da nação. Gastar o dinheiro público em
situações que nada aproveitam à sociedade significa administrar mal, usar mal o dinheiro
público com objetivos particulares em desrespeito aos objetivos da população.

16
OLIVEIRA, Regis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de Direito Financeiro. Op. cit., p. 120.

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A fiscalização da economicidade representa o controle do custo/benefício dos atos


administrativos de dispêndio do dinheiro público, o controle das contratações feitas pelo
Poder Público, no sentido de se verificar se este escolheu o caminho menos oneroso para a
efetiva satisfação das necessidades públicas. Já o controle das subvenções17e da renúncia de
receitas públicas18 representa uma extensão do controle dos aspectos acima apontados.

5.2. Controle interno da execução orçamentária

A Constituição de 1988 adotou duas espécies de controle da execução orçamentária


– o controle interno e o controle externo.

O controle interno ou o autocontrole da execução orçamentária, previsto no art. 74


da CF/88, é exercido dentro da própria esfera de cada Poder. Por isso, ele é dotado de
natureza administrativa, fundado nos princípios da hierarquia e da autotutela, onde os
superiores exercem controle sobre as atividades desenvolvidas por seus subordinados, no
âmbito da execução orçamentária, dentro das competências que lhes são atribuídas.

O controle é exercido sobre as atividades meramente administrativas, visando


avaliar, precipuamente, o desempenho dos agentes públicos sob os aspectos da legalidade,
da legitimidade e da eficiência administrativa. Entretanto, importa destacar o papel que esta
modalidade de controle exerce para a outra espécie de controle – o controle externo. Como
se verá logo abaixo, o controle externo é exercido interpoderes, de forma que pode haver
uma colaboração entre os sistemas de controle, nos termos em que estabelecido pelo inciso
IV do art. 74 da CF/88, que significará, em última instância, uma colaboração entre os
Poderes da República.

17
As subvenções representam a ajuda do Governo às entidades públicas ou particulares (entidades de
assistência social e educacional sem fins lucrativos) no custeio de suas despesas, objetivando ampará-las na
consecução de suas atividades voltadas para o bem-estar da população.
18
Renúncia de receitas consiste em concessão de incentivos fiscais, isenções, reduções de alíquotas e base de
cálculo, anistia e moratória.

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5.3. Controle externo da execução orçamentária e o papel do Tribunal de Contas

O controle externo é exercido pelo Poder Legislativo (Congresso Nacional,


Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais). Trata-se da fiscalização pelo Poder
Legislativo sobre os atos administrativos da execução orçamentária. Esse controle deve,
claro, observar a discricionariedade administrativa na execução do orçamento, até porque a
execução das despesas não é nem deve ser esmiuçada na lei orçamentária. Contudo, trata-se
de um controle sobre a adequação dessas despesas públicas com as metas e parâmetros de
gastos traçados nas leis orçamentárias.

Para além do controle da legalidade, é necessário o Congresso Nacional analisar os


gastos públicos sob o aspecto da legitimidade do ato administrativo. Os atos
administrativos, referentes ao dispêndio de dinheiro, não podem ser especificamente
previstos em lei, de forma que cresce de importância a avaliação da legitimidade do ato
administrativo, isto é, se ele atende aos interesses da sociedade.

Conforme dispõe o art. 71 da CF/88, o controle externo é exercido com a ajuda do


Tribunal de Contas, cuja formação, funções e atuação são esmiuçadas, além desse
dispositivo constitucional, nos seguintes arts. 72 e 73. A atuação do Tribunal de Contas da
União, como órgão público independente, torna a fiscalização do Congresso Nacional um
controle não apenas meramente político, mas um controle essencialmente técnico. Compete
a esse órgão emitir pareceres prévios sobre as contas prestadas pelo Presidente da
República, julgar a atuação dos administradores e demais responsáveis pelo uso do dinheiro
público, prestar as informações solicitadas pelas Casas Legislativas e mesmo aplicar
penalidades àqueles que praticarem ilegalidades na execução do orçamento ou tiverem suas
contas reprovadas.

O art. 75 da CF/88 estende as demais normas constitucionais, a respeito do controle


externo, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, inclusive em relação à formação
e atuação dos Tribunais de Contas. Porém, importante ressalva deve ser feita quanto aos
Tribunais de Contas dos Municípios. Antes da CF/88, os Municípios eram fiscalizados pelo
Poder Legislativo competente (Câmaras Municipais) com o auxílio dos Tribunais de Contas
dos Estados, do Município (Tribunal de Contas próprio), quando existentes, ou dos

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Carlos Alexandre de Azevedo Campos

Tribunais e Conselhos Municipais instituídos pelos Estados. Contudo, com exceção dos
Municípios do Rio de Janeiro e São Paulo, nenhum outro Município possuía Tribunais de
Contas, por esses mesmos instituídos, ao tempo de entrada em vigor da Constituição de
1988.

Por sua vez, o art. 31, em seu §4º da Carta Maior vedou a criação de novos
Tribunais de Contas pelos Municípios, enquanto o §1º autorizou o auxílio às Câmaras
Municipais, para o controle externo, pelos Tribunais de Contas dos Estados ou do
Município, ou pelos Tribunais de Contas do Município, onde houver. Harmonizando os
arts. 31 e 75, há a convicção de que a proibição de instituição dos Tribunais de Contas do
Município não importou em extinção dos Tribunais de Contas dos Municípios já existentes,
quais sejam os do Rio de Janeiro e de São Paulo, assim como não proibiu a criação de
Tribunais ou Conselhos de Contas dos Municípios que fossem instituídos pelos Estados-
membros. Na realidade, proibido está apenas a criação, pelos próprios Municípios, de seus
Tribunais e Conselhos de Contas, tal como decidido pelo STF.19

Portanto, sob a égide de nossa atual Carta Maior, apenas os municípios do Rio de
Janeiro e de São Paulo possuem seus Tribunais de Contas, enquanto nos outros municípios,
no âmbito do controle externo do orçamento, a Câmara dos Vereadores é auxiliada pelos
Tribunais ou Conselhos de Contas dos Estados ou dos Municípios, estes instituídos pelos
respectivos Estados-membros.

6. Controle abstrato de constitucionalidade da lei orçamentária

Tema dos mais atuais e relevantes, inserido na discussão mais ampla acerca da
judicialização da política e do ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal, é o do
controle de constitucionalidade abstrato do orçamento público. Como discutido pelos
constitucionalistas e cientistas políticos, toda a nossa nova disciplina constitucional e
infraconstitucional, pós-1988, acerca da estrutura e do funcionamento do Supremo Tribunal
Federal, ampliando o acesso à sua jurisdição concentrada e abstrata e seus poderes de

19
STF – Pleno, ADI 687/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 02/02/1995, DJ 10/02/2006.

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CURSO DE DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO

decisão, favoreceram a judicialização da política e das grandes questões sociais em seu


âmbito de atuação. Importantes questões políticas e sociais, tradicionalmente deliberadas e
resolvidas nas arenas políticas – Legislativo e Executivo – passaram, rotineiramente, a ser
questionadas no Supremo, principalmente, por meio de ADIs.20 Aos poucos, a
judicialização da política se tornou uma realidade da nova democracia brasileira.

Esse fenômeno alcançou as leis orçamentárias, tendo sido propostas ADIs


questionando a constitucionalidade, em abstrato, das leis orçamentárias. Ocorre que,
durante os primeiros anos de vigência da Constituição, o Supremo não respondeu a essa
demanda com uma disposição ativista, negando a possibilidade de realizar essa espécie de
controle diante da natureza específica das leis orçamentárias. O Supremo foi, inicialmente,
muito deferente ao Executivo no campo do controle concentrado e abstrato das leis
orçamentárias e das medidas provisórias de abertura de créditos extraordinários. Além de
enxergar esses atos legislativos como verdadeiras “opções políticas”, a Corte recusou seu
poder de controle abstrato sob o argumento, muito ortodoxo, dessas normas “veicula[rem]
atos de efeitos concretos”, apenas autorizadores de dispêndio administrativo de recursos
públicos, ao passo que o controle concentrado e abstrato só poderia alcançar normas
dotadas de generalidade.21

Como a lei orçamentária tem a característica especial de veicular normas de efeitos


concretos, posta para vigorar por um prazo certo e determinado, autorizando gastos
públicos determinados, o Supremo negava exercer seu controle abstrato, justamente por não
enxergar nas leis orçamentárias o caráter abstrato e genérico próprio das leis em sentido
material. Como, sob o ponto de vista prático, essas leis também não eram objeto de controle
de constitucionalidade em processos subjetivos (controle difuso), as leis orçamentárias
ficavam absolutamente imunes ao controle judicial de sua constitucionalidade. O controle
seria então limitado à sua execução – controle da legalidade e da legitimidade dos atos

20
Cf. por todos: VIANNA, Luiz Werneck, et al. A judicialização da política e das relações sociais no
Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999; ARANTES, Rogério Bastos. Constitutionalism, the Expansion of
Justice and the Judicialization of Politics in Brazil. In: SIEDER, Rachel; SCHJOLDEN, Line; ANGELL,
Alan (Org.). The Judicialization of Politics in Latin America. New York: Palgrave Macmillam, 2005, pp.
231/262.
21
STF – Pleno, ADI 647/DF, Rel. Min. Moreira Alves, j. 18/12/1991, DJ 27/03/1992; STF – Pleno, ADI
2100/RS, Rel. p/ ac. Min. Nelson Jobim, j. 17/12/1999, DJ 01/06/2001.

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Carlos Alexandre de Azevedo Campos

administrativos – mas não haveria, desse modo, controle judicial do próprio conteúdo das
leis orçamentárias quanto ao aspecto de sua constitucionalidade.

Contudo, à medida que o novo milênio se aproximava, teve início a era do ativismo
judicial do Supremo Tribunal Federal. É difícil precisar o momento exato dessa mudança,
pois todo o processo foi gradual. A verdade é que, aos poucos, a Corte foi abandonando
suas ortodoxias de autorrestrição judicial, inclusive mudando sua postura no controle de
constitucionalidade do orçamento, definindo que essa espécie legislativa, ainda que de
efeitos concretos, está sujeita ao seu controle concentrado e abstrato.

O Supremo vem, gradativamente, superando suas decisões de incompetência para o


controle concentrado e abstrato do orçamento público. Primeiramente, a Corte abandonou o
critério de afastamento generalizado da possibilidade de controle da lei orçamentária e
decidiu praticar uma avaliação “caso a caso” e efetivamente exercer o controle se a lei
veiculasse uma norma que conflitasse frontalmente com a Constituição.22 Depois, na ADI-
MC 4.048, a Corte ampliou definitivamente seu poder de controle, abandonando de uma
vez a possibilidade de imunidade da lei orçamentária quando passou a entender que toda
lei, mesmo que de efeitos concretos, está sujeita ao controle concentrado e abstrato,
inclusive e especificamente, as normas orçamentárias.23 A expansão dos poderes da Corte
se mostrou aqui muito significativa em se endereçar àquela que era uma das últimas
províncias políticas imunes ao poder judicial.

7. A Lei de Responsabilidade Fiscal

A legislação infraconstitucional nunca se preocupou muito com o controle da gestão


do orçamento.24 Isso mudou com a edição da Lei Complementar 101/2000, que introduziu
em nosso ordenamento jurídico importante arma em favor do controle da execução do
orçamento, no que se refere aos desvios de finalidades na gestão orçamentária. Ela “tem por
escopo sedimentar o regime de gestão fiscal responsável, mediante a implementação de

22
STF – Pleno, ADI 2.925/DF, Rel. p/ ac. Min. Marco Aurélio, j. 19/12/2004, DJ 04/03/2005 (trata-se do
conhecido “caso CIDE-combustíveis”).
23
STF – Pleno, ADI-MC 4.048/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14/05/2008, DJ 22/08/2008.
24
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Op. cit., p. 155.

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CURSO DE DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO

mecanismos legais que deverão nortear os rumos da Administração Pública. Constitui, pois,
um código de conduta gerencial a ser observado, doravante, na condução da coisa pública.
Traça limites, estabelece controle e oferece elementos balizadores acerca dos gastos
públicos, bem como sobre o fluxo de recursos financeiros necessários à sua efetiva
realização.”25

Em especial, de acordo com o seu art. 73,26 o descumprimento de suas normas


gerais de gestão orçamentária implicará as sanções previstas em nosso Código Penal, na Lei
1.079/50, no Dl. 201/67, na Lei 8.429/92 e nas demais normas especiais que tratam da
matéria. O presente artigo estabeleceu punições, positivadas em regras penais específicas,
aos administradores públicos que não praticarem as condutas descritas. Nesse sentido, a
presente regra geral, de caráter penal, objetivou impor efetividade ao cumprimento das
demais normas contidas acerca da gestão do orçamento, direcionando, aos responsáveis
pela administração da coisa pública, sanções contra os atos administrativos ilícitos.

25
MARTINS, Ives Gandra da Silva; NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.) Comentários à Lei de
Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 11.
26
.“Art. 73. As infrações dos dispositivos desta Lei Complementar serão punidas segundo o Decreto-lei nº
2.848, de 07 de dezembro de 1940 (Código Penal); a Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950; o Decreto-lei nº
201, de 27 de fevereiro de 1967; a Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992; e demais normas da legislação
pertinente.”

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