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“When the government spends more each year than it collects in tax revenues,

it has three choices: It can raise taxes, print money, or borrow money.
While these actions may benefit politicians, all three options are bad for average citizens.”
― Ron Ernest Paul

Ronald Ernest Paul é um médico e político estadunidense,


ex-membro da Câmara dos Representantes do Congresso dos Estados Unidos da América.
Ron Paul foi candidato à presidência dos Estados Unidos em 1988, 2008 e 2012

Nota prévia : na elaboração deste texto, recorreu-se em alguns items aos Textos de Finanças
Públicas, de Fernando Rocha Andrade, da Editora Coimbra Jurídica, Imprensa da
Universidade de Coimbra, Outubro de 2020,

PARTE III – O ORÇAMENTO DO ESTADO

1. Conceito e funções

Nas palavras de Sousa Franco o Orçamento de Estado é “…uma previsão, em regra


anual, das despesas a realizar pelo Estado e dos processos de as cobrir, incorporando a
autorização concedida à Administração Financeira para cobrar as receitas e realizar
despesas e, limitando os poderes financeiros da Administração em cada período anual”
1
.
Como antes ficou dito, o Orçamento é uma criação que surgiu com a passagem dos
regimes de monarquia absoluta para regimes constitucionais . Foi com a passagem de
regimes absolutistas para regimes de cunho liberal, que se espalhou pela Europa do
século XIX uma nova sobre a importância do Parlamento em matéria financeira. Foi de
facto, e como se disse, a Constituição de 1822, que vem a estabelecer que é da
competência das Cortes “fixar anualmente os impostos, e as despesas públicas”,
“fiscalizar o emprego das rendas públicas, e as contas da sua receita e despesa”, bem
como “autorizar o Governo para contrair empréstimos”2.
1
Franco, António de Sousa (1992), Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I,4ª Edição, Coimbra.

2
Artigo 103º da Constituição de 1822.

1
É, todavia, com a Constituição de 1976 (que se seguiu à Constituição de 1911 e à
Constituição de 1933), que se afirma realmente o exercício do poder financeiro de um
Parlamento democraticamente eleito, e depois com a Constituição de 1982 (primeira
revisão constitucional) que se consagra o regime actualmente em vigor – a
competência da Assembleia da República para aprovar o Orçamento de Estado sob
proposta do Governo.

O Orçamento do Estado (OE) é um quadro, geral e básico, de toda a actividade


financeira, uma vez que é por seu intermédio que se procura fixar a utilização a dar aos
dinheiros públicos. O Orçamento é simultaneamente uma previsão económica ou
plano financeiro das receitas e despesas do Estado para o período de um ano; uma
autorização política desse plano, visando garantir quer os direitos fundamentais dos
cidadãos, quer o equilíbrio e a separação de poderes e ainda uma limitação dos
poderes financeiros da Administração para o período orçamental. É proposto pelo
Governo, ouvidos os parceiros sociais; aprovado pela Assembleia da República;
executado pelo Governo e fiscalizado quanto à sua execução pelo próprio Governo,
pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República.

À margem do Orçamento do Estado ficam, pelo menos três importantes segmentos


financeiros: o das Regiões Autónomas, o das Autarquias e o das Empresas Públicas
(artigo 3º/2 Lei 6/91). Ou seja, a actividade financeira do Estado encontra-se vertida no
Orçamento do Estado propriamente dito, como resulta do artigo 105.º da CRP, nos
Orçamentos das Regiões Autónomas, como estabelece o artigo 227.º n.º 1 alínea p) da
CRP e nos Orçamentos das Autarquias Locais, nos termos do artigo 238.º n.º 1 da CRP.

O Orçamento do Estado tem a natureza de Lei de valor reforçado, e apresenta-se como


uma previsão autorizada, em regra anual 3, da realização quantitativa e qualitativa das
despesas e receitas públicas estaduais, tendo em vista a satisfação das necessidades da
colectividade. Os artigos 105º a 107º da Constituição da República Portuguesa, que

3
Por Decreto-Lei de execução pode ser determinado um período complementar, se tal se mostrar útil
para facilitar o fecho de contas.

2
delimitam os aspectos essenciais do conteúdo e das características do Orçamento e da
respectiva Lei, bem como os aspectos essenciais da sua elaboração, aprovação,
execução e fiscalização, constituem um conjunto de preceitos constitucionais
orçamentais conhecidos por Constituição Financeira.
Nos termos dos artigos constitucionais compete à assembleia da República:
- como reserva absoluta de competência legislativa, aprovar o “regime geral de
elaboração e organização” do Orçamento do Estado, regime este contido na Lei
de Enquadramento Orçamental (LEO) – artigo 106 n.º 1;
- aprovar a Lei das Grandes Opções (LGO) – artigos 105º n.º 2 da Constituição da
República Portuguesa (CRP) e 34º da LEO;
- autorizar o Governo a contrair e conceder empréstimos – artigo 161º da CRP;
- criar os impostos e o regime geral das contribuições e das taxas – reserva
relativa de competência legislativa consagrada no artigo 165.º n.º 1 da CRP;
- fiscalizar a execução do Orçamento – artigo 107.º da CRP.

A Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado [hoje a Lei n.º 151/2015, de 11 de


Setembro)4, consagra um conjunto de regras e princípios que disciplinam o Orçamento
do Estado e estabelecem os procedimentos relativos à sua elaboração e organização,
discussão e aprovação, execução e alteração, bem como ao correspondente controlo.
Na Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado estão contidos os princípios e
regras orçamentais, a saber: anualidade, plenitude (unidade e universalidade),
equilíbrio (formal e material), discriminação orçamental (especificação, não
compensação e não consignação), publicidade e equilíbrio.
 
Se o Orçamento corresponde a uma previsão de despesas e receitas a realizar (futuro),
a Conta Geral do Estado representa a efectivação das despesas e receitas realizadas
(passado) e o Balanço o quadro de uma situação patrimonial existente (presente).

2. Os princípios orçamentais

4
A actual versão resulta das alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2020, de 18 de Agosto, que
republicou a LEO.

3
Como decorre do acima exposto, a elaboração e organização do OGE obedece a um
conjunto de regras que aparecem agrupadas num conjunto de princípios. As regras
clássicas resultam em cinco princípios – os princípios da unidade, da anualidade, da
especificação, da não compensação e da não consignação.
Constam do Capítulo II da LEO, onde se enunciam também outras regras, de conteúdo
mais substancial do que formal e que são a solidariedade, a equidade intergeracional,
a sustentabilidade, a economia, a eficiência e a transparência.

2.1. Princípio da unidade

O Orçamento do Estado apresentado será um (artigo 105.º n.º 3 da CRP) e nele estarão
incluídas a totalidade das receitas e despesas que o Estado estima cobrar e pagar,
respectivamente, no ano a que o mesmo respeita. O Estado deve, assim, elaborar em
cada período orçamental – ano – apenas um Orçamento, o qual integra as
componentes do orçamento da administração central e o orçamento da segurança
social.
É o artigo 9º da LEO:
Artigo 9.º
Unidade e universalidade
1 - O Orçamento do Estado é unitário e compreende todas as receitas e despesas das
entidades que compõem o subsector da administração central e do subsector da
segurança social.
2 - Os orçamentos das regiões autónomas e das autarquias locais são independentes
do Orçamento do Estado e compreendem todas as receitas e despesas das
administrações regional e local, respetivamente.

O subsector da administração central integra o Estado, as entidades com


personalidade jurídica de direito público e que dependem do nível nacional da
administração (administração indirecta do Estado), personalidade jurídica que pode
ser acompanhada por um regime de autonomia administrativa e financeira que

4
qualifica tais entidades como serviços e fundos autónomos. Estes têm documentos
próprios onde se faz a previsão das respectivas receitas e despesas, mas os mapas de
onde constam integram, no OGE, os mapas orçamentais conjuntos da administração
directa e indirecta do Estado.

Existem outras entidades, que embora controladas total ou maioritariamente pelo


Estado, integram aquilo que se designa por Sector Empresarial do Estado – empresas
criadas, ou transformadas, para desempenhar funções que tradicionalmente eram
desempenhadas por entidades administrativas, que ficavam fora do OGE originando
aquilo a que se chamava desorçamentação, escapando ao correspondente controlo
orçamental. Nos termos do artigo 10º da LEO, o OGE inclui também estas entidades,
apesar da sua forma jurídica empresarial, ou seja dele devem constar todas as suas
despesas e receitas embora possam ser objecto de um regime simplificado de controlo
da execução orçamental, conforme se estabelece no artigo 5º n.º 2 da LEO.
O mesmo acontece com associações ou fundações que desempenhem funções
públicas.

Como regra prática , e recorrendo aos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE),
estão incluídas no OGE, além do Estado, todas as entidades que constem do subsector
central da administração pública ou do subsector da Segurança Social, elencadas pelo
INE.

2.2. - Princípio da Anualidade

O princípio da anualidade está previsto no artigo 14.º da Lei de Enquadramento


Orçamental, e traduz-se no facto do Orçamento do Estado ter um período de validade
correspondente ao ano civil, o que implica que seja votado anualmente pela
Assembleia da República.

5
A Lei de Enquadramento Orçamental refere que os orçamentos devem ser
enquadrados numa perspectiva plurianual:

Artigo 14.º
Anualidade e plurianualidade
1 - O Orçamento do Estado e os orçamentos dos serviços e das entidades que integram
o sector das administrações públicas são anuais.
2 - Os orçamentos dos serviços e das entidades que compõem os subsectores da
administração central e da segurança social integram os programas orçamentais e são
enquadrados pela Lei das Grandes Opções em matéria de Planeamento e da
Programação Orçamental Plurianual.
3 - O ano económico coincide com o ano civil.
4 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de existir um
período complementar de execução orçamental, nos termos previstos no decreto-lei de
execução orçamental.

2.3. Princípio da especificação

A especificação corresponde à obrigação de individualização de cada receita e de cada


despesa, no sentido de que a Assembleia da República não se limita a aprovar o valor
global que o governo pode gastar (despesas) ou pode cobrar ou receber (receitas) mas
tem de determina onde o dinheiro é aplicado e de que fonte provém.

A especificação não vai ao ponto de identificar cada despesa de per si, em concreto.
De acordo com a mesma Lei, e no cumprimento da regra da especificação, as despesas
são agregadas segundo três critérios de classificação: a orgânica, a económica e a
funcional (embora a CRP apenas refira a classificação orgânica e funcional).

A classificação orgânica do Orçamento do Estado refere-se à entidade pública que faz a


despesa. Estrutura-se, como já vimos, por códigos (que identificam os Ministérios e

6
Secretarias de Estado), capítulos, divisões e subdivisões orçamentais 5, permitindo pois
saber o peso relativo de cada Ministério e departamentos públicos.

Os Orçamentos das Regiões Autónomas são adaptados à sua estrutura orgânica –


fazem a classificação orgânica da despesa, distinguindo as da Assembleia Legislativa, as
da Presidência do Governo, as da Vice-presidência do Governo e as das Secretarias
Regionais.

Quanto às Autarquias Locais, não há obrigatoriedade desta classificação, embora em


geral as autarquias façam uso dela.

A classificação económica refere-se ao tipo de despesa. O classificador económico das


receitas e despesas públicas é de aplicação obrigatória aos serviços integrados do
Estado, aos Serviços e Fundos autónomos, à Segurança social e à Administração
regional e local. A classificação económica das receitas e despesas públicas pretende
agrupá-las em despesas correntes e despesas de capital, como também já referimos e
relembramos: são receitas e despesas correntes as que não alteram a situação activa e
passiva do património duradouro do Estado e de capital as que o afectam. Exemplos
de despesas e receitas correntes são os vencimentos dos funcionários do Estado e a
cobrança de impostos, respectivamente. Exemplos de despesas e receitas de capital
são as de construção de pontes ou de barragens e as receitas de alienação de
património do Estado.

A classificação funcional das despesas tem como objectivo especificar os fins e


actividades típicas do Estado e permite, de certo modo, identificar as prioridades do
Estado na satisfação das necessidades colectivas. Sendo as principais funções do
Estado as de Soberania, as Sociais, as Económicas e Outras, a despesa deverá permitir
a identificação de conformidade.
5
Classificação Orgânica (Orçamento de Funcionamento):
Ministério
Secretaria
Capítulo: conjunto de serviços c/ objectivos análogos
Divisão: Designação do serviço
Subdivisão: Serviços próprios ou Gabinete
Actividade: nova ou em curso

7
As Regiões Autónomas utilizam também esta classificação, enquanto que as
Autarquias dispõem de um classificador funcional próprio, previsto no Plano Oficial de
Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), e de utilização obrigatória na
contabilidade de custos e nos mapas do Plano plurianual de investimentos.

É o artigo 17.º da LEO que consagra este princípio:

Artigo 17.º
Especificação

1 - As despesas inscritas nos orçamentos dos serviços e organismos dos subsetores da


administração central e da segurança social são estruturadas em programas, por
fonte de financiamento, por classificadores orgânico, funcional e económico.
2 - As receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento.
3 - São nulos os créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para
utilização confidencial ou para fundos secretos, sem prejuízo dos regimes especiais
legalmente previstos de utilização de verbas que excecionalmente se justifiquem
por razões de segurança nacional, autorizados pela Assembleia da República, sob
proposta do Governo.
4 - A estrutura dos códigos dos classificadores orçamentais é definida em diploma
próprio, no prazo de um ano após a entrada em vigor da lei que aprova a presente
lei.

Quanto às receitas elas são classificadas pelo critério económico que distingue entre
receitas correntes e receitas de capital, as primeiras essencialmente impostos, taxas e
rendimentos da propriedade e as segundas essencialmente empréstimos.

Há, todavia, uma excepção ao princípio da especificação , no tocante ao orçamento da


despesa de um programa (dotação) que é destinado a fazer face a despesas
imprevisíveis e inadiáveis, e que serve exactamente como dispositivo de segurança

8
perante circunstâncias impossíveis de prever previamente – a dotação provisional
pode por exemplo ser utilizada, como já se verificou, para reforçar a dotação da
Protecção Civil em caso de um incêndio anormal ou reforçar a dotação do Ministério
da Saúde no caso de uma pandemia. A excepção traduz-se na autorização parlamentar
para efectuar uma despesa sem que seja conhecida, com antecedência, a concreta
situação em que vai ser utilizada.

2.4. Princípio da não compensação

A não compensação significa que as receitas e despesas devem ser inscritas no


Orçamento de forma bruta e não líquida, o mesmo é dizer, sem qualquer
compensação ou desconto. A razão é o conhecimento das diversas fontes de onde o
Estado irá tirar os seus recursos, e dos diversos gastos que o serviço público irá
realizar.
A Lei de Enquadramento Orçamental admite porém, a título de excepção, que as
despesas com operações de gestão de dívida pública directa do Estado sejam inscritas
por valores líquidos, deduzidas dos valores indicados no artigo 15.º :

Artigo 15.º
Não compensação
1 - Todas as receitas são previstas pela importância integral em que foram avaliadas,
sem dedução alguma para encargos de cobrança ou de qualquer outra natureza.
2 - A importância integral das receitas tributárias corresponde à previsão dos
montantes que, depois de abatidas as estimativas das receitas cessantes em virtude de
benefícios tributários e os montantes estimados para reembolsos e restituições, são
efetivamente cobrados.
3 - Todas as despesas são inscritas pela sua importância integral, sem dedução de
qualquer espécie, ressalvadas as seguintes exceções:
a) As operações relativas a ativos financeiros;
b) As operações de gestão da dívida pública direta do Estado, que são inscritas nos
respetivos programas orçamentais, nos seguintes termos:

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i) As despesas decorrentes de operações de derivados financeiros são deduzidas das
receitas obtidas com as mesmas operações, sendo o respetivo saldo sempre inscrito
como despesa;
ii) As receitas de juros resultantes de operações associadas à emissão de dívida pública
direta do Estado e ou à gestão da Tesouraria do Estado são abatidas às despesas da
mesma natureza;
iii) As receitas de juros resultantes das operações associadas à aplicação dos
excedentes de Tesouraria do Estado, assim como as associadas aos adiantamentos de
tesouraria, são abatidas às despesas com juros da dívida pública direta do Estado;
iv) As receitas de juros resultantes de operações ativas da Direção-Geral do Tesouro e
Finanças são abatidas às despesas com juros da dívida pública direta do Estado.
4 - A inscrição orçamental dos fluxos financeiros decorrentes de operações associadas à
gestão da carteira de ativos dos fundos sob administração do Instituto de Gestão dos
Fundos de Capitalização da Segurança Social, I. P., é efetuada de acordo com as
seguintes regras:
a) As receitas obtidas em operações de derivados financeiros são deduzidas das
despesas correntes das mesmas operações, sendo o respetivo saldo sempre inscrito
como receita;
b) Os juros recebidos de títulos de dívida são deduzidos dos juros corridos pagos na
aquisição do mesmo género de valores, sendo o respetivo saldo sempre inscrito como
receita.
5 - O disposto nos números anteriores não prejudica o registo contabilístico
individualizado de todos os fluxos financeiros, ainda que meramente escriturais,
associados às operações nelas referidas.

2.5. Princípio da não consignação

A não consignação exige que, para além da regra da universalidade, as receitas


públicas devam ser indiscriminadamente destinadas à cobertura das despesas, não
podendo haver receitas afectas, em especial, à cobertura de determinadas despesas.
É o artigo 16º da LEO:

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Artigo 16.º
Não consignação
1 - Não pode afetar-se o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas
despesas.
2 - Excetuam-se do disposto no número anterior:
a) As receitas das reprivatizações;
b) As receitas relativas aos recursos próprios comunitários tradicionais;
c) As receitas afetas ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes
sistemas e subsistemas, nos termos legais;
d) As receitas que correspondam a transferências provenientes da União Europeia e de
organizações internacionais;
e) As receitas provenientes de subsídios, donativos e legados de particulares, que, por
vontade destes, devam ser afetados à cobertura de determinadas despesas;
f) As receitas que sejam, por razão especial, afetas a determinadas despesas por
expressa estatuição legal ou contratual.
3 - As normas que, nos termos da alínea f) do número anterior, consignem receitas a
determinadas despesas têm caráter excecional e temporário.

Refira-se, porém, que a Lei de Enquadramento Orçamental admite a possibilidade de


existirem receitas consignadas a certos fins, nomeadamente, financiamentos
comunitários, Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da
Administração Central (PIDDAC) e contratos-programa. Têm todavia proliferado as
excepções a esta regra, com um alargado conjunto de situações em que a consignação
é admitida, traduzindo-se no alívio dos seus beneficiários relativamente às dificuldades
orçamentais ou financeiras do Estado. As situações de excepção à regra da não
consignação constam, como resulta do artigo 16º, do seu n.º 2.

2.6. Princípio da sustentabilidade

Constante do artigo 11.º da LEO,


Artigo 11.º

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Sustentabilidade das finanças públicas

1 - Os subsectores que constituem o sector das administrações públicas, bem como os


serviços e entidades que os integram, estão sujeitos ao princípio da sustentabilidade.
2 - Entende-se por sustentabilidade a capacidade de financiar todos os compromissos,
assumidos ou a assumir, com respeito pela regra de saldo orçamental estrutural e da
dívida pública, conforme estabelecido na presente lei.

Compete a um organismo independente, o Conselho das Finanças Públicas,


acompanhar e avaliar a política orçamental, devendo pronunciar-se sobre os objetivos
propostos relativamente aos cenários macroeconómico e orçamental, à
sustentabilidade de longo prazo das finanças públicas e ao cumprimento da regra
sobre o saldo orçamental, da regra da despesa da administração central e das regras
de endividamento das regiões autónomas e das autarquias locais previstas nas
respetivas leis de financiamento.

2.7 – Outros princípios – solidariedade recíproca, equidade intergeracional,


economia, eficiência e eficácia e transparência orçamental

O princípio da solidariedade recíproca, estabelecido no artigo 12.º da LEO, obriga


todos os subsectores, através dos respetivos serviços e entidades, a contribuírem
proporcionalmente para a realização da estabilidade orçamental e para o
cumprimento da legislação europeia no domínio da política orçamental e das finanças
públicas.

O princípio da equidade intergeracional, constante do artigo 13.º, actua no sentido de


que deve haver equidade na distribuição de custos e benefícios entre gerações, de
modo a não onerar excessivamente as gerações futuras, salvaguardando as suas
legítimas expectativas através de uma distribuição equilibrada dos custos pelos vários
orçamentos num quadro plurianual.

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O princípio da economia, eficiência e eficácia, do artigo 18.º da LEO, resulta definido
nos seguintes termos:
2 - A economia, a eficiência e a eficácia consistem na:
a) Utilização do mínimo de recursos que assegurem os adequados padrões de
qualidade do serviço público;
b) Promoção do acréscimo de produtividade pelo alcance de resultados semelhantes
com menor despesa;
c) Utilização dos recursos mais adequados para atingir o resultado que se pretende
alcançar.

Quando a avaliação da economia, da eficiência e da eficácia de investimentos públicos


envolvam montantes totais superiores a cinco milhões de euros, os mesmos devem
incluir, sempre que possível, a estimativa das suas incidências orçamental e financeira
líquidas ano a ano e em termos globais.

Com o princípio da transparência orçamental, previsto no artigo 19.º da LEO,


determina-se que: a transparência orçamental implica a disponibilização de
informação sobre a implementação e a execução dos programas, objetivos da política
orçamental, orçamentos e contas do sector das administrações públicas, por subsector.

A informação disponibilizada deve ser fiável, completa, atualizada, compreensível e


comparável internacionalmente, de modo a permitir avaliar com precisão a posição
financeira do sector das administrações públicas e os custos e benefícios das suas
atividades, incluindo as suas consequências económicas e sociais, presentes e futuras.

Segundo o n.º 4 do mesmo artigo, o princípio da transparência orçamental inclui:


a) O dever de informação pelo Governo à Assembleia da República, no quadro dos
poderes de fiscalização orçamental que a esta competem;
b) O dever de informação financeira entre os subsectores;

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c) O dever de disponibilização de informação à entidade com competência de
acompanhamento e controlo da execução orçamental, nos termos e prazos a definir no
decreto-lei de execução orçamental.

2.3. O Equilíbrio orçamental

O equilíbrio orçamental foi, durante muito tempo, a regra orçamental mais


importante, a fazer jus às preocupações de rigor orçamental que deve caracterizar as
entidades do sector público administrativo.

Com a entrada de Portugal na União Europeia, com o Tratado de Funcionamento da


União Europeia e mais recentemente com o Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC)
e, ainda e sobretudo, com o Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF)
assinado por Portugal com o Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional
e a Comissão Europeia (comummente designada de Troika), a temática do equilíbrio
orçamental passou a apresentar uma importância bem maior, com o conceito de
equilíbrio orçamental a extravasar a perspectiva nacional clássica.

Nos termos do artigo 126.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, do


Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Quadro da União Monetária, os Estados-
membros estão sujeitos a uma apertada disciplina orçamental, monetária e financeira,
as quais, todavia, não se têm revelado suficientes, a ajuizar pela crise das dívidas
soberanas a que vimos assistindo6.

A adesão de Portugal ao euro significou um conjunto de compromissos (verificados,


aliás, para todos os países da moeda única), entre os quais se realçam o de evitar
défices orçamentais excessivos, considerando como tais os que ultrapassem 3% na
relação entre o défice orçamental programado ou verificado e o Produto Interno Bruto
6
Guilherme Waldemar d’Oliveira Martins e Maria d’Oliveira Martins, “A reforma da Lei de
Enquadramento Orçamental e as novas regras financeiras”, disponível online em
http://gwom.home.sapo.pt/reformaleo.pdf

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(PIB) a preços de mercado, devendo, sempre que haja desvios, haver um
acompanhamento da situação pela Comissão Europeia, com Relatório ao Comité
Económico e Financeiro para parecer e remessa ao Conselho Económico e Financeiro
(composto pelos Ministros das Finanças dos Estados-membros), para decisão e tomada
de acções destinadas à correcção do défice.

O artigo 6º da LEO reconhece explicitamente, conjuntamente com a CRP, a relevância


deste contexto:

Artigo 6º
Política orçamental

1 - O quadro jurídico fundamental da política orçamental e da gestão financeira,


concretizado na presente lei, resulta da Constituição da República Portuguesa e das
disposições do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, do Pacto de
Estabilidade e Crescimento em matéria de défice orçamental e de dívida pública e, bem
assim, do disposto no Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação da
União Económica e Monetária.
2 - A política orçamental deve ser definida para um horizonte de médio prazo,
conciliando as prioridades políticas do Governo com as condicionantes que resultam da
aplicação do disposto no número anterior.

Depois, o artigo 10º já referido a propósito da estabilidade orçamental, estabelece a


prossecução de uma situação de equilíbrio ou excedente orçamental, tendo as regras
europeias sido agrupadas numa secção própria, nos artigos 20º a 25º, em que o artigo
21º não corresponde a qualquer regra europeia, estabelecendo regras para o
tratamento de excedentes orçamentais, quando os houver :

Artigo 21.º
Excedentes orçamentais

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1 - Os excedentes da execução orçamental são usados preferencialmente na:
a) Amortização da dívida pública, enquanto se verificar o incumprimento do limite da
dívida pública prevista no n.º 1 do artigo 25.º;
b) Constituição de uma reserva de estabilização, destinada a desempenhar uma função
anticíclica em contextos de recessão económica, quando se verificar o cumprimento do
limite referido na alínea anterior.
2 - Os excedentes anuais do sistema previdencial revertem a favor do Fundo de
Estabilização Financeira da Segurança Social, nos termos da Lei de Bases do Sistema de
Segurança Social.

De referir, com relevância, a regra interpretativa constante do artigo 26º segundo a


qual “O disposto nos artigos constantes da presente secção, com exceção do disposto
no artigo 21.º, é interpretado e aplicado de acordo com as regras e orientações
definidas pelas instituições da União Europeia neste âmbito”.

Vejamos, com um pouco mais de detalhe, as regras que a LEO designa no Capítulo III
como Regras orçamentais, começando pela Secção I - Regras gerais.

No artigo 20º, o n.º 1 define a existência de um objectivo de médio prazo para o saldo
orçamental que mais não é do que aquele que resultar das regras do Pacto de
Estabilidade e Crescimento.

Como quer que seja, falar de equilíbrio orçamental é falar do equilíbrio efectivo entre
receitas efectivas e despesas efectivas, considerando as primeiras como as que
aumentam o património do Estado (vg os impostos mas já não os empréstimos que se
se traduzem num aumento do activo traduzem-se também e concomitantemente num
aumento do passivo, ou seja a variação patrimonial é nula) e as segundas como
aquelas que o diminuem (vg pagamento de salários aos funcionários públicos, mas já
não o pagamento de uma dívida em que à diminuição do activo corresponde também
uma diminuição do passivo a significar ainda que a variação patrimonial é nula).

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Medir o saldo efectivo do Orçamento é, ao cabo e ao resto, medir o efeito do
Orçamento sobre o endividamento público. Ou seja, do lado das receitas temos
essencialmente as receitas efectivas resultantes de impostos e taxas os empréstimos;
do lado das despesas, temos as despesas efectivas, com excepção do reembolso dos
empréstimos. Significa isto que num Orçamento equilibrado, só existe contracção de
dívida para pagar dívida já existente, não ocorrendo variações no endividamento.
Haverá défice quando as receitas efectivas não chegam para as despesas efectivas e
portanto a dívida vai crescer no valor da diferença – é um endividamento líquido.
Haverá superavit, em situação contrária, com o resultado de descida da dívida.

Importante será, todavia, indexar a dívida ao crescimento (ou não) do Produto Interno
Bruto (PIB). Se a dívida crescer mas o PIB crescer também mas a um ritmo superior não
gerará preocupações. Só o inverso não será aconselhável para a sustentabilidade das
finanças públicas.

Como quer que seja, toda a política orçamental deve ser formulada numa perspectiva
de estabilização económica.

Uma outra forma ou critério de medir o saldo orçamental é seguir o critério do


equilíbrio ordinário, que mede a diferenças entre as receitas ordinárias (que se
repetem anualmente) e as despesas ordinárias (despesas repetidas anualmente). Aqui
os empréstimos são qualificados como receita extraordinária. Então o equilíbrio
ordinário exige que as despesas ordinárias sejam cobertas com receitas ordinárias. As
despesas extraordinárias deverão ser cobertas com empréstimos (receitas
extraordinárias). Por ser um tanto artificial, uma vez que há despesas que embora
repetindo-se anualmente, como a construção de uma ponte ou de um aeroporto, vão
ter benefícios também em anos futuros, o critério do equilíbrio ordinário não tem hoje
aplicação geral.

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Outro critério é o do saldo primário, que acaba por ser uma derivação do critério do
equilíbrio efectivo, e que foi introduzido entre nós pela primeira versão da Le i de
Enquadramento Orçamental, em 1991.
Para apurar o saldo primário contrapõem-se despesas refectivas e receitas efectivas,
sendo que nas despesas efectivas não se incluem as despesas com os juros da dívida
pública. As despesas efectivas sem o cômputo desses juros chamam-se despesas
primárias. No fundo, um saldo primário equilibrado melhora a atitude pública – de
facto, não sendo possível atingir o equilíbrio conforme o saldo efectivo, por causa da
dívida anteriormente contraída (e cujos juros têm depois de ser pagos).
`relevante o conhecimento do saldo primário como indicador de política orçamental. E
a sua comparação com o saldo efectivo fornece indicação sobre o peso que representa
o pagamento dos juros da dívida pública.

Na LEO, no artigo 20º, remete para as regras europeias quanto à definição e limites do
saldo orçamental. Como é sabido, de acordo com as regras europeias, os Estados
Membros são condicionados nas suas decisões orçamentais.
A partir do Tratado de Maastricht o poder político deve impedir políticas deficitárias
que gerem aumento sustentado de dívida pública ou de inflação.
As regras iniciais eram muito rígidas. Com as alterações de maior flexibilidade
introduzidas em 2011 e 2013, as regras vieram a tornar-se bastantes complexas que
aqui não analisaremos.
Realçamos, como aliás já foi dito, o limite de 3% do PIB para o défice das
administrações públicas e todas as disposições associadas ao Pacto de Estabilidade e
Crescimento.
Tudo isto está devidamente traduzido na versão actual da Lei do Enquadramento
Orçamental – o artigo 6.º (quadro jurídico fundamental da política orçamental e da
gestão financeira a par com a Constituição da República Portuguesa); o artigo 10.º
(princípio da estabilidade orçamental e situação de equilíbrio ou excedente
orçamental); artigos 22.º a 25º (regras europeias), com o artigo 21.º de fonte
exclusivamente nacional e o artigo 26º a estabelecer uma regra interpretativa..

18
3. A estrutura formal do Orçamento do Estado

Tanto o Orçamento do Estado como os Orçamentos das Regiões Autónomas são


compostos por duas partes. Daí que se diga que apresentam uma estrutura que
integra, segundo o artigo 40º da LEO:

- o Articulado ;

- os Mapas Contabilísticos;

- as Demonstrações orçamentais e financeiras (cuja aplicação foi adiada até ao


Orçamento de Estafo para 2026).

Do Articulado fazem parte as regras de natureza financeira e orçamental,


nomeadamente as normas necessárias para orientar a execução orçamental,
definindo-se, entre outros, os limites máximos da dívida fundada; as condições gerais
das operações de gestão da dívida pública; a limitação máxima dos empréstimos a
conceder; e as limitações aos endividamentos regionais e locais. É o artigo 41º da LEO

Os Mapas Contabilísticos consubstanciam o princípio da especificação de que falamos.


No total são 14 (artigo 42.º da Lei de Enquadramento Orçamental) e abrangem as
receitas e as despesas, classificadas segundo diferentes critérios. As receitas são
objecto de uma classificação económica e de uma classificação orgânica. As despesas
estão sujeitas a uma classificação tripartida: orgânica, económica e funcional.

As Demonstrações orçamentais e financeiras vêm detalhadas no artigo 43º da LEO,


para onde se remete.

4. O processo orçamental

Com a designação de processo orçamental entende-se todo o conjunto de


procedimentos desde a preparação pelo Governo da Proposta de Lei do Orçamento do
Estado, a sua discussão e votação pela Assembleia da República, e a partir de 2015,
também um “primeiro momento do processo orçamental” que exige a actualização
anual do Programa de Estabilidade.

19
Ou seja, o processo orçamental inicia-se em Abril com a actualização do Programa de
Estabilidade, implicando ainda a aprovação da Lei das Grandes Opções (LGO), que
substituiu a antiga Lei das Grandes Opções do Plano. A nova LGO passou a incluir, para
além das grandes opções de política económica, também a programação orçamental
plurianual com o quadro Plurianual da Despesa Pública.

Ou seja, o processo orçamental apresenta duas fases:

- uma primeira, em Abril (até 15 de Abril), em que compete ao Governo


apresentar a actualização anual do Programa de Estabilidade e a Proposta de
Lei das Grandes Opções. O Programa de Estabilidade é um documento de
previsão macroeconómica e de previsão calendarizada de medidas a tomar ao
longo de um período de cinco anos. A Lei das Grandes Opções identifica as
opções de política económica e a programação orçamental plurianual.

- uma segunda, que se inicia em Outubro, em que é apresentada, discutida e


votada a Proposta de Lei do Orçamneto do Estado.

É o estudo do processo respeitante ao Orçamento do Estado que nos ocupará na


restante análise deste capítulo – tudo quanto, em termos de substância e de forma,
tenha a ver com o OE, não só directa e proximamente, como também por via indirecta,
tanto a montante como a jusante.

4.1. A preparação da Proposta de Lei do Orçamento

A Proposta de Lei do Orçamento do Estado começa a ser preparada pelo Gabinete do


Ministro das Finanças, a partir dos objectivos e prioridades constantes dos programas
macroeconómicos plurianuais, do Quadro Plurianual de Programação Orçamental e
das imposições resultantes do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Consiste na

20
estimativa das necessidades de despesa para o ano seguinte, a estimativa da receita e
a elaboração de projecções sobre a evolução da economia ( o artigo 8º da LEO
estabelece que as previsões devem basear-se no cenário macroeconómico mais
provável ou num cenário mais prudentes e devem ser comparadas com as projecções
passadas e com as projecções de outras entidades, exigindo-se que as projecções
sejam objecto de apreciação pelo Conselho de Finanças Públicas)..

Este é um processo que se desenvolve ao longo de vários meses. Quando concluído, a


sua redacção assume a natureza de Proposta (aprovada pelos Secretários de Estado),
que será apresentada em Conselho de Ministros. Após a respectiva discussão neste
órgão e aprovação, o Projecto de Proposta do Governo de Lei do Orçamento aprovado
é assinado por todos os Ministros e passa a designar-se por Proposta de Lei do
Orçamento do Estado.

4.2. Apresentação na Assembleia da República para discussão e aprovação.

A fase seguinte é a entrega da Proposta de Lei do Orçamento do Estado na Assembleia


da República até 10 de Outubro, excepto se o Governo em funções tenha acabado de
as iniciar, ou se se tratar de um Governo de gestão, por ter sido demitido ou estiver em
final de mandato (artigo 39º da LEO).

Nos termos do artigo 40.º da Lei de Enquadramento Orçamental, cumpre ao Governo


apresentar à Assembleia da República a Proposta de Orçamento, integrada pelo
arriculado e mapas orçamentais, por um Relatório com a justificação da política
orçamental proposta e um conjunto de elementos informativos (artigo 37.º).

A partir daí a Assembleia da República tem 50 dias para a discutir e aprovar (artigo 38.º
n.º 2 da Lei de Enquadramento Orçamental e Regimento da Assembleia da República).
A votação do Orçamento do Estado deverá efectuar-se até 15 de Dezembro.

21
A discussão envolverá quase totalidades dos trabalhos parlamentares, havendo uma
fase de discussão na especialidade em que são envolvidas todas as comissões
parlamentares permanentes em diálogo/audição de todos os Ministros relativamente
à parte do Orçamento respeitante à respectiva área de actuação.

Nesta matéria, a Assembleia da República pode ter uma de três posições. Pode aprovar
pura e simplesmente a Proposta que lhe foi apresentada. Pode também aprová-la com
alterações, o que traduz o direito de emenda parlamentar, o qual todavia deve ter em
conta dois aspectos: a Assembleia da República só pode fazer as alterações que se
inscrevam no âmbito da Proposta apresentada pelo Governo; e deve sempre respeitar
no processo a Lei de Enquadramento Orçamental, as Grandes Opções, as leis e
contratos que impõem obrigações ao Estado, os princípios constitucionais e os
instrumentos plurianuais. A outra das opções é a rejeição.

Sempre que a Assembleia da República não aprove o Orçamento do Estado, ou não o


aprove tempestivamente, mantém-se em vigor o Orçamento do ano antecedente,
continuando a cobrar-se as receitas nele previstas e a fazerem-se, por duodécimos, as
despesas nele inscritas (artigo 58.º da Lei de Enquadramento Orçamental). A
prorrogação do Orçamento abrange o respectivo articulado, os correspondentes
Mapas, os desenvolvimentos e os decretos-lei de execução orçamental. O contrário
ocorre com as leis de autorização legislativa que devam caducar no fim do ano
económico a que respeitava a Lei.

4.3 Promulgação pelo Presidente da República

O artigo 134.º alínea b) da CRP determina, como competência do Presidente da


República, a promulgação e o envio para publicação das Leis da Assembleia da
República, implicando a falta de promulgação a ineficácia jurídica do diploma
respectivo.

22
A promulgação significa, em substância, que o Presidente da República entende que a
Lei do Orçamento respeita a Constituição da República.
Quando assim não entender, o Presidente da República pode vetar a Lei ou então
sujeitá-la à apreciação prévia do Tribunal Constitucional. Tendo dúvidas acerca da
constitucionalidade da Lei, o Presidente da República tem o poder (e o dever) de
tentar evitar a sua entrada em vigor, solicitando a respectiva fiscalização preventiva
(poder outorgado ao Presidente para evitar que a Constituição seja violada). A outra
alternativa (e que foi recentemente utilizada) é o pedido de fiscalização sucessiva, o
qual, em boa lógica, só deveria ser exercido quando não houver possibilidade de
solicitar a fiscalização preventiva.A fiscalização sucessiva assenta na convicção de que a
lei em vigor é inconstitucional e daí que se anteveja que possa vir a não produzir
efeitos se a inconstitucionalidade for declara pelo Tribunal Constitucional. Não se trata
já de actuação prévia, de prevenção de eventuais inconstitucionalidades, pois a Lei
entra normalmente em vigor antes da apreciação posterior pelo Tribunal
Constitucional.

Nas Regiões Autónomas e nas Autarquias Locais o processo é similar, com o Governo
Regional a apresentar a Proposta à Assembleia Legislativa Regional, ou a junta e/ou
Câmara a apresentar a Proposta à Assembleia de freguesia ou Assembleia municipal,
respectivamente.

4.4. A publicação e a entrada em vigor

Finalmente a Lei do Orçamento do Estado é enviada para publicação no jornal oficial


que é o Diário da República, contendo a indicação de que entra em vigor no dia 1 de
Janeiro do ano a que respeita.

5. A execução orçamental

Uma vez entrado em vigor, o Orçamento do Estado começa a ser executado. Cobram-
se as receitas e pagam-se as despesas. Nas palavras de Sousa Franco, a execução

23
orçamental traduz “o conjunto da actos e operações materiais de administração
financeira levados a efeito para cobrar as receitas e realizar as despesas previstas, ou
para realizar os necessários ajustamentos orçamentais”7.

Trata-se de arrecadar as receitas previstas e de satisfazer as despesas orçamentadas,


respeitando os condicionalismos legais exigíveis, tanto em termos de execução
material como de execução financeira.

Segundo o artigo 182.º da CRP é ao Governo como órgão superior da administração


pública que compete fazer executar o Orçamento do Estado (artigo 199º da CRP).
As entidades públicas que realizam despesa e arrecadam receita têm atribuições e
competências definidas poe lei que define também as regras de procedimento e as
garantias dos administrados.

O enquadramento legal da execução orçamental consta de diversa legislação – a LEO, a


Lei de Bases da Contabilidade Pública (Lei n.º 8/90, de 20 de Fevereiro), O Regime da
Administração Financeira do Estado (Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho) e alei dos
Compromissos e Pagamentos em Atraso (Lei n.º 8/2012, de 21 de Fevereiro), para
além de normas constantes da própria Lei do Orçamento.

Os princípios mais relevantes na execução orçamental são o referido princípio da


legalidade e o princípio da tipicidade, segundo o qual só podem arrecadar-se as
receitas e realizar-se as despesas que tenham inscrição no Orçamento artigo 52.º da
LEO)..
Na tipicidade orçamental deve distinguir-se a tipicidade qualitativa

Em matéria de receitas devem ter-se em conta: o Princípio da segregação das funções


de liquidação e de cobrança das receitas, e o Princípio da tipicidade qualitativa e
atipicidade quantitativa. Nas receitas impera a tipicidade qualitativa, porque a
liquidação e a cobrança podem ser efectuadas para além dos valores constantes da
previsão orçamental (sendo uma mera previsão ela pode ser ultrapassada pela
7
Sousa Franco, obra citada, p.429.

24
realidade verificada – n.º 2 do artigo 52.º da LEO). Quanto às despesas a relevância vai
para a tipicidade quantitativa, sendo o montante inscrito nos mapas orçamentais o
limite da despesa que pode ser realizada, ou seja, é necessário verificar o cabimento
(ver se o valor da despesa a realizar cabe na dotação orçamental).

O Princípio da segregação das funções, está previsto no artigo 52º n.ºs 6 e 7 da Lei de
Enquadramento Orçamental, é apontado como um mecanismo de controlo,
significando especiais cuidados na movimentação dos recursos financeiros do Estado.
A segregação de funções é a separação da competência para realizar diferentes actos
do procedimento de cobrança da receita e de realização da despesa, separação que
implica uma separação entre serviços. Na receita, a segregação acontece entre as fases
de liquidação e da cobrança e na despesa, separam-se as fases de autorização da
despesa e o da realização do respectivo pagamento.

Sintetizando:
Quanto à realização das despesas exige-se:

- Legalidade, a significar que todo o facto gerador das despesas tem de respeitar as
normas legais aplicáveis, quaisquer que elas sejam (v.g. orçamentais,
contabilísticas, procedimentais). Este princípio da legalidade vai para além da mera
verificação do cumprimento da tipicidade qualitativa e quantitativa da despesa
(denominado cabimento orçamental). Segundo o Acórdão do Tribunal de Contas
n.º 142/94, da 1.ª Secção “a ilegalidade de uma despesa pública (financeira) pode
decorrer não só da desconformidade da sua assunção ou pagamento com normas
orçamentais, da contabilidade pública, ou procedimentais …, como também da
ilegalidade administrativa “tout court”, substantiva ou procedimental do acto ou
contrato donde a mesma emerge”.

- Regularidade orçamental – a despesa deve estar inscrita no Orçamento, na classe


e com o quantitativo respectivo, o qual funciona como tecto orçamental;

25
- Cabimento – a significar que a mesma caiba na correspondente dotação e esteja
adequadamente classificada;

- Execução por duodécimos – i.e. respeite em cada mês o montante duodecimal do


crédito anual a que respeite e, finalmente

- Satisfação de exigências de economia, eficiência e eficácia, i.e. permita a


obtenção do máximo rendimento com o mínimo de dispêndio, tendo em conta a
utilidade e prioridade da despesa e o acréscimo de produtividade daí decorrente

Em matéria de Receitas, as verbas constantes do Orçamento do Estado são simples


previsões de cobranças, que podem ser confirmadas ou infirmadas pelos factos. No
Orçamento das Receitas não figuram apenas os montantes destas, também figuram as
suas espécies. Por conseguinte, o Orçamento das Receitas, além de prever os
montantes desta, autoriza os serviços das finanças a liquidá-las e os cofres da fazenda
pública a cobrá-las. Nos termos do artigo 54º da LEO, os recursos financeiros estão
subordinados a um princípio de unidade de tesouraria que consiste na centralização e
manutenção dos dinheiros públicos na Tesouraria Central do Estado. Ou seja, o
dinheiro proveniente da cobrança de todas as receitas públicas é encaminhado para
essa tesouraria central, sendo também a partir dessa tesouraria que são pagas todas
as despesas públicas. Há excepções a este princípio, sendo a mais relevante a
estabelecida no artigo 54.º da LEO relativamente ás cobranças de receitas e
pagamentos de despesas do sistema de segurança social que são geridas por uma
tesouraria separada.

Em suma, nas despesas públicas as dotações constantes da autorização orçamental


constituem o limite máximo para a respectiva realização. Nisso consiste a tipicidade
quantitativa, não podendo ser autorizada ou paga nenhuma despesa sem o respeito:
-pela legalidade – o facto gerador da despesa deve respeitar as normas legais
aplicáveis;

26
-pelo cabimento orçamental – a despesa deve dispor de inscrição orçamental, deve
ter cabimento na correspondente dotação, ser adequadamente classificada e
obedecer ao princípio da execução do orçamento por duodécimos), sem prejuízo desta
regra poder apresentar excepções, designadamente no tocante à despesas de capital,
em virtude da respectiva natureza. O cabimento orçamental afere-se pela classificação
económica, pelas rubricas de nível mais desagregado;
-pelo respeito do princípio da economia, eficiência e eficácia, os quais têm a ver
com a melhor utilização dos recursos, na perspectiva do custo / benefício.

6. O controlo da execução orçamental

Nos termos do artigo 68º da Lei de Enquadramento Orçamental “ A execução do


Orçamento do Estado, incluindo o orçamento da segurança social, é objeto de controlo
administrativo, jurisdicional e político, e tem como objetivos, designadamente: a) A
confirmação do registo contabilístico adequado, e o reflexo verdadeiro e apropriado
das operações realizadas por cada entidade; b) A verificação, acompanhamento,
avaliação e informação sobre a legalidade, regularidade e boa gestão, relativamente a
programas e ações de entidades de direito público ou privado, com interesse no âmbito
da gestão ou tutela governamental em matéria de finanças públicas, nacionais e da
União Europeia, bem como de outros interesses financeiros públicos; c) A verificação do
cumprimento dos objetivos pelos gestores e responsáveis a quem foram atribuídos
recursos.”.

Objectivos do controlo orçamental são o de assegurar o respeito pela legalidade, pela


exactidão e correcção financeira das operações orçamentais e pelos sistemas de
controlo financeiro, garantindo também a prossecução de uma boa gestão financeira
informada nos princípios da economia, da eficiência e da eficácia.

É efectuado à posteriori, e tem em vista duas realidades: responsabilizar quem o


executa pela prática dos seus actos, e ajuizar também do mérito e eficácia dos
programas pré-estabelecidos.

27
A execução do Orçamento do Estado é objecto de controlo administrativo, jurisdicional
e político.

O controlo administrativo é um controlo interno, feito pelos serviços administrativos,


que para o efeito possuem, em geral, serviços de auditoria interna, a par com serviços
de inspecção própria de que estão dotados os Ministérios e pela Inspecção-geral de
Finanças8. Nos termos dos n.º s 2 e 3 do artigo 68º da LEO:
2 - O controlo administrativo compreende os níveis operacional, setorial e estratégico,
definidos em razão da natureza e âmbito de intervenção dos serviços que o integram.
3 - O controlo administrativo pressupõe a atuação coordenada e a observância de
critérios, metodologias e referenciais de acordo com a natureza das intervenções a
realizar, sem prejuízo das competências da autoridade de auditoria nos termos da lei.

O Conselho de Finanças Públicas, já referido, tem também a seu cargo o controlo


interno. É um órgão de avaliação do cumprimento, sustentabilidade e transparência da
política orçamental, independente e permanente. Compete-lhe elaborar e apresentar
Relatórios sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento, sobre o Quadro Plurianual
de Programação Orçamental e sobre a Proposta de Orçamento de Estado, ao
Presidente da República, à Assembleia da República, ao Governo, ao Tribunal de
Contas e ao Banco de Portugal, para serem objecto de apreciação. O Conselho das
Finanças Públicas acompanha ainda os orçamentos locais, regionais e os das entidades
do sector empresarial do Estado.

O controlo jurisdicional compete ao Tribunal de Contas 9, nos termos da sua lei


orgânica (Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto), e também ao Tribunal de Contas Europeu.

8
Artigo 58.º n.º 4 -“O controlo administrativo compete ao próprio serviço ou instituição responsável
pela respectiva execução, aos respectivos serviços de orçamento e de contabilidade pública, às
entidades hierarquicamente superiores, de superintendência ou de tutela e aos serviços gerais de
inspecção e de controlo da Administração Pública.

5 – “Os serviços ou instituições responsáveis pela execução orçamental e os respectivos serviços de


orçamento e de contabilidade pública elaboram, organizam e mantêm em funcionamento sistemas e
procedimentos de controlo interno das operações de execução do Orçamento, os quais poderão
envolver, nos casos em que tal se justifique, o recurso a serviços de empresas de auditoria”.

28
O Tribunal de Contas audita e fiscaliza a legalidade e regularidade das receitas e das
despesas públicas, e as suas competências, fixadas pelo artigo 5.º da Lei de
Organização e Processo do Tribunal de Contas, são vastas e fazem dele também um
consultor qualificado da Assembleia da República. Actua ainda em colaboração com o
Tribunal de Contas Europeu (artigo 248.º n.º 3 do Tratado de Funcionamento da União
Europeia) e em cooperação com as entidades fiscalizadores dos vários Estados-
membros10.

O controlo político é exercido pela Assembleia da República. Nos termos do artigo


162.º da CRP, a Assembleia da República aprecia a Conta Geral do Estado (artigo 107.º
da CRP), e acompanha a execução orçamental, ao mesmo tempo que aprecia o
Programa de Estabilidade e Crescimento e o Quadro Financeiro Plurianual. Para tal
recebe do Governo e do Tribunal de Contas, diversas Informações e Relatórios, tanto
de forma automática, como a seu pedido, quando caso disso (outras informações que
julgue necessárias). É o n.º 5 do artigo 68º da LEO:

5 - A Assembleia da República exerce o controlo político sobre a execução do


Orçamento do Estado e efetiva as correspondentes responsabilidades políticas, nos
termos do disposto na Constituição, no Regimento da Assembleia da República, na
presente lei e na demais legislação aplicável.

8. A Conta Geral do Estado

9
Artigo 68.º nº 4: “ O controlo jurisdicional da execução do Orçamento do Estado compete ao Tribunal
de Contas e é efetuado nos termos da respetiva legislação, sem prejuízo dos atos que cabem aos demais
tribunais, designadamente aos tribunais administrativos e fiscais e aos tribunais judiciais, no âmbito das
respetivas competências.”     

10
O controlo orçamental é exercido em cada instituição da UE e ao nível dos Estados-Membros. É
realizado um trabalho importante de controlo, em diferentes níveis, pelo Tribunal de Contas e pelo
Parlamento. Todos os anos, o Parlamento analisa a execução do orçamento com vista a dar a quitação à
Comissão Europeia (Artigos 317.º, 318.º, 319.º, 322.º e 325.º do TFUE).

29
Acabamos de falar da Conta Geral do Estado a propósito da obrigatoriedade imposta
ao Governo e ao Tribunal de Contas, no âmbito do exercício do controlo orçamental,
de apresentar à Assembleia da República as contas do Estado e das demais entidades
públicas, para apreciação e aprovação.

Nos termos do artigo 66.º n.º 1 da Lei de Enquadramento Orçamental, « O Governo


submete à Assembleia da República, até 15 de maio do ano seguinte ao ano económico
a que as mesmas respeitam, as demonstrações orçamentais e financeiras consolidadas
dos subsectores da administração central e da segurança social que integram a Conta
Geral do Estado.»

A Conta Geral do Estado engloba o conjunto de contas, documentos de natureza


contabilística, orçamental e de tesouraria, relatórios de desempenho da gestão
orçamental, financeira, patrimonial e operacional, relativas às entidades que integram
o perímetro do Orçamento do Estado.. Engloba as contas dos órgãos de soberania, dos
demais órgãos, serviços, fundos autónomos, institutos e entidades, bem como as da
segurança social, sendo elaborada com o apoio das unidades de contabilidade

Como gestor do Sistema Contabilístico do Estado, é o Ministério das Finanças que tem
a atribuição orgânica de elaborar a Conta Geral do Estado, contando para o efeito com
o apoio dos Órgãos e Entidades do Sector Público Administrativo, sobretudo daqueles
que dependem total ou parcialmente do Orçamento Geral do Estado. Uma vez que
esses Órgãos e Entidades têm responsabilidade directa na utilização dos recursos
orçamentais que lhes são atribuídos anualmente pelo OGE, eles têm o  dever de
prestar contas nos termos da legislação pertinente em vigor.      É um instrumento que
se destina a consolidar as boas práticas de prestação de contas e a divulgação dos
resultados da gestão, fortalecendo o princípio da transparência no uso dos recursos
públicos.

Integram a Conta três documentos a saber: um Relatório, que é o documento que


contém a apresentação das contas, a análise da situação financeira do Estado, a

30
evolução dos principais agregados macroeconómicos, a execução e as alterações do
Orçamento do Estado e da Segurança Social, entre outras matérias relevantes; os
Mapas contabilísticos gerais, sobre a execução orçamental, a situação de tesouraria e a
situação patrimonial do Estado bem como os fluxos financeiros do Estado; os
Elementos informativos11, apresentados sob a forma de mapas, referentes às contas
dos subsectores dos serviços integrados, dos serviços e fundos autónomos e do
sistema de segurança social. Os elementos informativos relativos aos programas
orçamentais concluídos no ano evidenciam a despesa orçamental paga relativa a cada
programa, medida e projecto, sendo certo que, para além destes, a Conta Geral do
Estado deverá conter todos os demais elementos que se mostrem adequados a uma
prestação clara e completa das contas públicas.

Para o mesmo efeito (apreciação pela Assembleia da República), deve o Tribunal de


Contas, como se disse, emitir parecer sobre a Conta Geral do Estado, uma vez que a
Assembleia da República não possui meios especializados para o efeito (não obstante a
existência da Comissão de Orçamento e Finanças), com o apoio da Unidade Técnica de
Controlo Orçamental a que já nos referimos.

O parecer do Tribunal de Contas materializa-se num controlo técnico, é composto por


um Relatório; por um conjunto de mapas contabilísticos gerais e; por um conjunto de
elementos informativos que se mostrem relevantes. Deve ser apresentado até 31 de
Dezembro do ano seguinte a que respeita, acompanhado das respostas que os vários
serviços e organismos deram às questões que lhes tenham sido colocadas pelo
Tribunal.

8. A fiscalização do Tribunal de Contas

11
Artigo 76.º da Lei de Enquadramento Orçamental – Elementos informativos.

31
O Tribunal de Contas é, nos termos do artigo 214.º da CRP, “o órgão supremo de
fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas que a lei
mandar submeter-lhe”. Na sequência, o artigo 1.º, n.º 1, da Lei de Organização e
Processo do Tribunal de Contas diz que ele “fiscaliza a legalidade e regularidade das
receitas e das despesas públicas, aprecia a boa gestão financeira e efectiva
responsabilidades por infracções financeiras”.

Definido como verdadeiro Tribunal (tribunal especializado, de natureza financeira,


profundamente diferente das demais categorias de tribunais em matéria de
competências), a ele se aplicam os princípios gerais constitucionalmente estabelecidos
para os Tribunais, dos quais se destacam:
– O princípio da independência e da exclusiva sujeição à lei (art.º 203º);
– O direito à coadjuvação das outras entidades (art.º 202º);
– Os princípios da fundamentação, da obrigatoriedade e da prevalência das
decisões (art.º 205º);
– O princípio da publicidade (art.º 206º).

Foi a Constituição de 1976 que definiu inequivocamente a natureza do Tribunal de


Contas como um Tribunal financeiro integrado no aparelho judiciário, a par de todos
os outros tribunais, dotando-o das características de real independência e de
superioridade das suas decisões relativamente às da Administração, quando se trata
de aplicação do Direito, como requisitos do estatuto de qualquer tribunal. Na verdade,
e conforme se pode constatar da leitura do art.º 214º, a Constituição desde logo realça
que o Tribunal de Contas não tem apenas funções jurisdicionais mas igualmente
funções de outra natureza, nomeadamente «dar parecer sobre a Conta Geral do
Estado».

Todavia, só com as novas necessidades de controlo financeiro resultantes da


integração europeia a partir de 1 de Janeiro de 1986, a Revisão Constitucional de 1989
e a Lei de Reforma do Tribunal de Contas (Lei nº 86/89, de 8 de Setembro) se deu
efectiva e correcta execução ao que se encontrava disposto na Constituição de 1976.

32
Esta reforma do Tribunal de Contas, cujo primeiro passo, de relevância, ao nível da lei
ordinária, fora dado pela Lei nº 86/89, e da Lei nº 14/96, deu ao Tribunal de Contas os
poderes de fiscalização e de avaliação da gestão financeira. Posteriormente, a
revogação global da Lei nº 86/89 operada pela Lei nº 98/97, de 26 de Agosto,
consagrou soluções de grande relevância, com vista à modernização do controlo
financeiro.

As atribuições legalmente cometidas ao Tribunal de Contas correspondem à


necessidade de controlo financeiro dos dinheiros públicos, das receitas e das despesas
públicas e do património público, com vista a assegurar a conformidade do exercício da
actividade de administração daqueles recursos com a Ordem Jurídica, julgando, sendo
caso disso, a responsabilidade financeira inerente. Tais atribuições originam dois tipos
de poderes a exercer pelo Tribunal: o poder de controlo financeiro, de um lado, e o
poder jurisdicional, do outro.

Para a prossecução de tais atribuições, a Lei definiu a competência material do


Tribunal de Contas com base no conceito de dinheiros ou valores públicos, em termos
tais que não permite excluir a sua utilização, seja a que título for e ainda que
meramente ocasional, do seu campo de actuação.

Assim se compreende que seja muito vasto o universo de entidades sujeito à actuação
do Tribunal, englobando, em geral, todas as entidades que tenham a seu cargo a
gestão de dinheiros ou valores públicos independentemente da natureza jurídica de
tais entidades.

Nos termos da Constituição e da Lei, o Parlamento constitui o destinatário privilegiado


da actividade do Tribunal de Contas, como resulta evidenciado no facto de, nos termos
da Constituição da República, o Parlamento só poder tomar conhecimento da Conta
Geral do Estado mediante Parecer do Tribunal de Contas. De facto, e embora se trate
de um acto tipicamente consultivo, o Parecer do Tribunal de Contas constitui um
importante instrumento de análise da Conta do Estado, na medida em que contém
uma apreciação da respectiva actividade financeira, que culmina com a emissão de um

33
juízo sobre a regularidade e a legalidade da execução orçamental, bem como sobre a
economia, a eficiência e a eficácia da gestão efectuada e a fiabilidade dos sistemas de
controlo interno. No âmbito desta sua actuação, o Tribunal assiste tecnicamente o
Parlamento.

Em moldes idênticos se coloca a relação de colaboração que entre estes dois órgãos
pode surgir ao abrigo do n.º 2 do art.º 36º da Lei n.º 98/97, o qual consagra a
possibilidade de o Tribunal comunicar ao Parlamento as informações que obteve, quer
durante a execução orçamental quer até ao momento da publicação da Conta Geral do
Estado.

Ainda no âmbito da execução do Orçamento do Estado, e tendo em vista um maior


estreitamento das relações com o Parlamento, principal destinatário da actividade do
Tribunal, a Lei prevê que aquele Órgão possa solicitar ao Tribunal «relatórios
intercalares sobre os resultados da fiscalização do Orçamento ao longo ano, bem como
a prestação de quaisquer esclarecimentos necessários à apreciação do Orçamento do
Estado e do relatório sobre a Conta Geral do Estado», ou, ainda, «a comunicar-lhe
informações, relatórios ou pareceres relacionados com as respectivas funções de
controlo financeiro».

Fora do domínio estrito da execução orçamental, o Parlamento também pode solicitar


ao Tribunal a realização de auditorias à actividade desenvolvida por qualquer das
entidades, públicas ou privadas, sujeitas aos seus poderes de controlo.

Em síntese:
O Tribunal de Contas é um órgão jurisdicional, externo (no sentido de situado fora da
administração pública), dotado de independência e que não exerce apenas funções
jurisdicionais, dispondo também de poderes não jurisdicionais (fiscalização).
Constituem poderes jurisdicionais:
- O julgamento de contas e a efectivação de responsabilidades financeiras, e
poderes não jurisdicionais (ou de fiscalização):
- Dar parecer sobre a Conta Geral do Estado;

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- Dar parecer sobre as contas das Regiões Autónomas;
- Verificar as contas dos organismos, serviços ou entidades sujeitos à sua
prestação;
- Realizar auditorias a algumas entidades (artigo 2º), por iniciativa própria, da
Assembleia da República ou Governo;
- Fiscalizar a cobrança dos recursos próprios e a aplicação dos recursos
financeiros oriundos da UE e
- Emitir recomendações.

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