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Unidade 4: Orçamento do Estado

4.1 Origem, conceito e funções do Orçamento

Origem1
Maior parte de autores considera que as primeiras aproximações do Orçamento Público ou
Orçamento do Estado surgiram na Inglaterra. Consta que já no século XIII, em consequência da
luta contra o poder absoluto da monarquia, os senhores feudais impuseram ao Rei a Magna
Carta, da qual constava o que é conhecido como primeiro orçamento da história, subordinando o
poder do Rei, no domínio tributário, ao consentimento de um Conselho de Nobres.

No século XVII, precisamente em 1689, em resultado da revolucionária Bill of Rights, inicia a


obrigatoriedade de as receitas passarem a ser aprovadas e as despesas autorizadas pelo
Parlamento Inglês. Surge, assim, o primeiro Orçamento do Estado mais semelhante ao que se
define hoje.

No final do século XVIII, com a revolução francesa de 1789, termina a monarquia absoluta e
inicia a democracia que se desenvolve no sentido de separação de poderes. Nestes moldes,
consagra-se o Orçamento do Estado um instrumento de controlo da actividade financeira do
Estado, definindo princípios orçamentais que delimitavam a acção do estado.

A revolução francesa ocorre dois anos depois da proclamação da Constituição nos Estados
Unidos da América (1787).

Por estes factos, podemos afirmar que o Orçamento do Estado é um ganho das democracias
parlamentares mais concretamente do pensamento económico liberal dos séculos XVIII e XIX.

Conceito2
A ideia de orçamento não começa e nem se limita ao nível institucional. Na verdade, a ideia do
orçamento, que nos remete à disciplina na busca de recursos financeiros e na realização de
despesas, aplica-se também na esfera individual. Por isso, o conceito genérico de orçamento é
de um plano de acção expresso em termos financeiros, pois indica o que um indivíduo ou
organismo vai fazer com os recursos que obtém de fontes identificadas.

No nosso caso interessa-nos o conceito do Orçamento do Estado. Há tendências de definir o


Orçamento do Estado olhando para evolução do papel do Estado na economia, realçando as
forças-motriz do Orçamento Público. Por essa razão é comum chamar-se orçamento de
documento técnico (para realçar o facto de ser um documento burocrático) ou de expressão
financeira da cidadania (para realçar o facto de, em democracias, expressar a vontade
interesses do povo).

Uma definição comummente aceite é de que o Orçamento do Estado é um documento


apresentado sob forma de lei, que comporta uma descrição detalhada de todas as receitas e de
todas as despesas do estado, propostas pelo poder executivo (Governo) e autorizadas pelo
poder legislativo (Assembleia da República), e antecipadamente previstas para um horizonte
temporal de um ano.
1 Para mais detalhes, ver Carvalho, 1996:51-52.
2 Para mais detalhes, ver Pereira et al, 2005:369-370

1 | Compilação de Eduardo Nguenha, eduardo.nguenha@gmail.com


Esta definição comporta as principais dimensões ou funções do Orçamento do Estado,
nomeadamente as dimensões/funções (a) económica, (b) política, e (c) jurídica.
O Orçamento do Estado é o documento no qual estão previstas as receitas
a arrecadar e fixadas as despesas a realizar num determinado exercício
económico e tem por objecto a prossecução da política financeira do Estado.
(artigo 12 da Lei nº 9/2002, de 12 de Fevereiro, que cria o SISTAFE)

Funções do Orçamento do Estado


Da noção do Orçamento do estado resultam três dimensões essenciais definidoras das funções
que o Orçamento desempenha. A primeira dimensão é económica, pela qual o Orçamento é um
documento financeiro que estima as receitas e fixa as despesas. A segunda dimensão é política,
segundo a qual o Orçamento traduz a autorização política concedida pelo órgão legislativo ao
executivo para que este possa arrecadar meios e afectá-los às acções programadas. Por último,
temos a dimensão jurídica, segundo a qual o Orçamento é o documento que limita o poder
financeiro do órgão executivo.

(a) Dimensão Económica


Porque as aplicações que são feitas dos recursos disponíveis influem no progresso da riqueza
pública local, a função económica do orçamento pretende, ainda, assegurar que esses recursos
sejam aplicados de modo a prosseguir objectivos de racionalidade económica, eficiência e
eficácia, de forma a maximizar a utilidade social.

O orçamento público influencia o quadro macroeconómico, sendo por ele também influenciado.
Os recursos financeiros aplicados, por exemplo, nas transferências sociais para as famílias, na
melhoria das condições remuneratórias dos trabalhadores da Função Pública ou em grandes
projectos de investimento público afectam positiva e directamente grandes agregados
macroeconómicos (rendimento disponível das famílias, consumo privado e investimento) e, por
consequência o ritmo de crescimento económico.

(b) Dimensão Política


O orçamento constitui uma autorização política concedida pelo poder legislativo mediante a
aprovação formal da proposta elaborada e submetida pelo poder executivo (o Governo).

O orçamento é, na essência, um documento político por reflectir as políticas e as prioridades de


um governo, consubstanciadas nos tipos e estruturas quer dos recursos financeiros obtidos na
economia (receitas orçamentais) quer da sua afectação às políticas sectoriais e aos programas e
projectos. Tal significa que toda e qualquer despesa ou receita tem, na sua natureza e montante,
um fundamento e um objectivo. Se um governo pretende, com base no seu programa, melhorar
a segurança dos cidadãos, reorganizar a rede de cuidados de saúde primários, aliviar a carga
fiscal das empresas em nome da competitividade ou antes, e por razões redistributivas, reduzir a
tributação sobre o rendimento de algumas famílias, então cada um dos seus orçamentos anuais
deve reflectir estas opções.

A propósito desta dimensão, o orçamento é entendido como o espelho da vida do Estado. Pelas
cifras se conhecem os detalhes do seu processo, de sua cultura e da sua civilização. (Angélico,
1995:19)

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As despesas e receitas do orçamento traduzem sempre escolhas políticas e produzem sempre
efeitos, de diferente sentido e intensidade, ao nível económico e social.

(c) Dimensão Jurídica


O orçamento constitui um instrumento, sob a forma de lei, que limita os poderes financeiros do
Estado no que respeita à realização das despesas e à obtenção das receitas.

4.2 Princípios e Regras de Organização Orçamental3 4 5 6


O processo de elaboração do orçamento obedece um conjunto de princípios e regras
previamente estabelecidos.7 Estes princípios (princípios e regras) funcionam como verdadeiras
restrições técnicas, ao disciplinar, de forma rigorosa, as opções em matéria de forma e conteúdo
do orçamento.

Seguem os princípios de organização orçamental.

Anualidade
De acordo com este princípio, o Orçamento do Estado deve referir-se a um período temporal de
um ano, o que significa a aprovação em cada ano e execução dentro de um ano. Este princípio
implica a votação/aprovação anual do orçamento pela Assembleia da República, uma execução
anual das despesas e receitas públicas, e uma fiscalização anual das mesmas pela Assembleia
da República. As competências de aprovação e de fiscalização do Orçamento do Estado em
Moçambique são garantidas à AR pela Constituição da República.

Na maioria dos países, o ano de vigência do orçamento é o ano civil (1 de Janeiro a 31 de


Dezembro). Existem, porém, que adoptam período diferente. Por exemplo os Estados Unidos da
América que adoptam ano fiscal de 1 de Julho a 30 de Junho.

A anualidade do orçamento tem fundamentos de natureza económica e política. Um ano é o


período de referência convencional para os agentes económicos em particular as empresas ao
que se refere as suas obrigações contabilísticas e fiscais. É natural que o instrumento de
intervenção financeira do Estado na economia (o orçamento) se refira a igual período. Outro
facto de natureza económica, é de que um período de um ano é mais previsível do que um
período mais longo que um ano, pois este implicaria mais incertezas nas previsões das
despesas e das receitas orçamentais e, por conseguinte, na sua execução. Do ponto de vista
político, um ano é relativamente adequado para acompanhamento/controlo pelo Parlamento.

O princípio de anualidade do orçamento é criticado por duas razões principais. Primeiro pelo
facto de dificultar o cumprimento de muitas das decisões políticas do governo que não são
financeiramente realizáveis dentro de um ano, como por exemplo, investimentos públicos em
infra-estruturas (pontes, aeroportos, etc.). Uma saída a este constrangimento orçamental é a
inscrição de planos plurianuais de investimento público. No caso de Moçambique, o nº 2 do

3 Pereira et al, 2005:375-415.


4 Waty, 2004:96-112.
5 Lei nº 9/2002, de 12 de Fevereiro.
6 Carvalho, 1996:63-76.
7 Obviamente que princípios são diferentes de regras, mas para efeitos exclusivos deste capítulo usaremos

indiscriminadamente os dois termos, conquanto que o nosso legislador designa regras e princípios orçamentais de
princípios. Para detalhes sobre diferenças entre princípios e regras ver Waty, 2004:96.

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artigo 21 da Lei nº 9/2002, de 12 de Fevereiro, obriga que o Governo na elaboração dos seus
programas e orçamentos anuais tenha em conta a compatibilização daqueles documentos com
os orçamentos de investimento plurianuais. Segundo, a anualidade torna o orçamento inflexível
para interagir correctamente com os ciclos económicos (expansão e recessão/retracção da
economia).

Plenitude Orçamental: Unidade e Universalidade


Este princípio apresenta dois elementos distintos que, no entanto, entrecruzam e complementa-
se: a Unidade e a Universalidade. Estes princípios (unidade e universalidade) visam evitar que
uma parte significativa de recursos públicos, por efeito de desorçamentação das despesas e das
receitas, escape à autorização política, ao controlo político e administrativo e à responsabilização
jurisdicional e parlamentar. Estes são princípios que conferem maior abrangência, racionalidade
e transparência ao orçamento, facilitando o controlo político e formulação de opções de natureza
financeira e uma rigorosa execução orçamental.

A Unidade orçamental determina que o conjunto das receitas e das despesas deve ser
apresentado num único documento, isto é, o orçamento deve ser único ou unitário. Esta regra
atribui coesão ao orçamento, constituindo meio eficaz para que na fase de preparação do
orçamento, se diligencie com método, clareza e simplicidade, que as contas públicas sejam
transparentes, acessíveis e tão simples que toda a gente as possa entender. Há, no entanto
excepções à regra. O Orçamento do Estado não inclui receitas e despesas de órgãos
descentralizados e instituições que gozam de autonomia financeira, administrativa e patrimonial,
como é o caso das autarquias e do sector público empresarial cujos orçamentos são elaborados,
aprovados e executados autonomamente.

A Universalidade determina que todas as receitas e todas as despesas sejam na sua globalidade
inscritas no orçamento para não defraudar a função fiscalizadora do orçamento. As vantagens
decorrentes do princípio da universalidade consistem em assegurar que todos (eleitos, eleitores
e a administração pública) possam conhecer as fontes de financiamento do orçamento e o
destino que é dado aos dinheiros públicos, situação que seria impossível de controlar se não
houvesse a obrigatoriedade de inscrever todas as receitas e todas as despesas. Adicionalmente,
a inscrição de todas as despesas no orçamento facilita o controlo interno (exercido pela
Inspecção Geral de Finanças) e externo (exercido pelo Tribunal Administrativo).

Não Compensação
Este princípio designa-se também por princípio de orçamento bruto. Ele pretende facilitar o
controlo orçamental na medida em que determina que as receitas e as despesas sejam inscritas
pelos seus valores ilíquidos, isto é, sem qualquer dedução de eventuais despesas (encargos de
cobrança) e de eventuais receitas (ganhos originados pela realização de despesas) que lhe
estejam associados.

Especificação
Segundo este princípio, as receitas e as despesas devem ser individualizadas/especificadas de
forma suficiente mas não exaustiva. Resultam deste princípio os classificadores económico,
territorial e por fontes das receitas e classificadores económico, orgânico, funcional e territorial
das despesas. Este princípio desempenha, assim, um papel importante no acto da aprovação do

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orçamento, uma vez que não se autoriza apenas a dotação global das receitas e das despesas,
mas antes concede-se autorização, designadamente no capítulo das despesas, com maior
detalhe e pormenor, uma vez que os valores afectos a cada uma das rubricas orçamentais (ex.
salários e remunerações, aquisições de serviços, transferências para famílias, investimentos)
definem os limites de gastos e o campo de actuação do governo.

A dotação provisional constitui uma excepção à regra e não uma violação do princípio em si, pois
com a utilização da dotação, os gastos não previstos deverão ser especificados. Outra excepção
a este princípio, no caso de Moçambique, é constituído no nº 3 do artigo 13 da Lei nº 9/2002, de
12 de Fevereiro.

(e) Não Consignação


Este princípio determina que as receitas especificadas no orçamento, quando liquidadas e
arrecadadas não se destinam a atender a compromissos específicos, antes constituem um único
fundo que servirá de cobertura de todas as despesas. Por outras palavras, a totalidade das
receitas orçamentais deve servir para financiar a totalidade das despesas orçamentais, sem
qualquer afectação a determinadas despesas.

Algumas justificações por volta de não consignação de receitas apontam que poderia ser
desmotivante para os contribuintes de um certo tipo de imposto se fossem capazes de saber que
o resultado da sua contribuição é afecto a uma actividade que não lhes beneficia directamente.
Por exemplo, saber que o produto do imposto sobre veículos automóveis não é destinado ao
melhoramento das vias públicas, provavelmente desencorajaria aos contribuintes deste imposto.
Outra justificação é de que, se houvesse consignação, seria impossível a realização plena
daquelas despesas cujas receitas consignadas fossem insuficientes na sua arrecadação ou
então, montantes extras de algumas seriam inaplicáveis para quaisquer outras despesas.

Contudo, a consignação de uma determinada receita pode ser entendida, desde que
devidamente fundamentada como uma vantagem, na medida em que constitui uma garantia de
realização de uma despesa considerada essencial. No caso de Moçambique, o nº 2 do artigo 13
da Lei nº 9/2002, de 12 de Fevereiro exceptua o princípio da não consignação das receitas
orçamentais (ex. receitas provenientes de créditos públicos, de doações, heranças ou legados)
(ver Quadro 3.2).

(f) Publicidade
O princípio da publicidade compreende a obrigatoriedade da publicação e da publicitação do
Orçamento do Estado. O orçamento, sendo uma lei, a sua validade é condicionada à sua
publicação logo após a aprovação, normalmente em boletim oficial do Estado. No nosso caso o
Orçamento do Estado é publicado no Boletim da República.

Ainda não há experiências de publicidade do Orçamento do Estado em Moçambique, mesmo a


legislação não é clara nesse aspecto. Contudo, ao nível autárquico, existe uma obrigatoriedade
expressa de publicidade de orçamentos no Boletim da república (nº 1 do artigo nº 7 da Lei nº
11/97, de 31 de Maio) bem como colocar à disposição do público pelo menos três cópias do
orçamento aprovado para efeitos de informação e consulta em local apropriado no edifício-sede
da autarquia (nº 2, do mesmo artigo nº 7, da mesma lei).

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Se o orçamento público expressa os interesses dos cidadãos, ou melhor, sendo ele uma
expressão financeira da cidadania a sua publicidade confere-lhe mais significado, respondendo
ao princípio da transparência dos actos dos poderes públicos e da aproximação entre o governo
(eleito, servidor) e os governados (eleitores, clientes, contribuintes).

(g) Equilíbrio
Este é, devido a sua importância e alcance na economia, o princípio mais discutido e que mais
transformações observou no tempo. Antes, porém, importa ter presente que o princípio de
equilíbrio determina que todo e qualquer orçamento deve ter total de receitas públicas igual ao
total de despesas públicas. Significa que se verifica sempre um equilíbrio orçamental. Assim, o
orçamento é elaborado, aprovado e executado. Se o orçamento apresentasse receitas totais
menores que as despesas totais (défice) poderia significar incapacidade do Estado exigir mais
sacrifício aos seus cidadãos quer pela utilização de instrumentos de política fiscal de que dispõe,
ou de fixação de preços, quer pelo recurso a outras fontes. De contrário, receitas totais maiores
que as despesas totais (superávit), o Estado poderia estar a exigir sacrifício inútil aos seus
cidadãos, uma vez que estaria a disponibilizar meios em demasia relativamente às
necessidades. Claramente que estas situações abrem espaço para muitas e profundas
interpretações. O défice orçamental pode ter várias origens que vão para além da simples
incapacidade/ineficiência arrecadatória do Estado. Estados em tempos de guerra ou com base
económica fraca apresentam, normalmente, orçamentos deficitários. Um défice orçamental pode,
inclusivamente ser programado para atingir certos objectivos macroeconómicos.

Compreende-se que a ideia do orçamento equilibrado é apenas formal ou de princípio, ou ainda


melhor dito, depende dos critérios que se utilizam para classificar o equilíbrio orçamental. Os
critérios de classificação do equilíbrio orçamental estão ligados à evolução histórica das funções
do Estado na economia e, portanto, à evolução histórica das Finanças Públicas.

Assim, existem os seguintes critérios de classificação do equilíbrio orçamental:

Critério do equilíbrio global. Este é o critério do conceito formal do equilíbrio orçamental,


segundo o qual, as receitas totais devem ser iguais às despesas totais. Este critério é
flexível, admitindo que em situações de défice se recorra ao financiamento externo,
nomeadamente empréstimos, caso seja impraticável a eliminação de acções menos
prioritárias.

Critério do equilíbrio orçamental clássico. Este é o critério mais restritivo,


correspondendo a uma época histórica em que a intervenção do Estado na economia é
apenas justificada pela necessidade de promover a eficiência alocativa de recursos. A
despesa pública deveria ser financiada unicamente com recurso à receitas normais
(tributárias e patrimoniais). Haveria equilíbrio orçamental se e só se a despesa pública
total fosse coberta por receitas públicas normais. Caso contrário, ter-se-ia um défice.

Critério do equilíbrio orçamental clássico flexível. Corresponde a uma revisão do critério


anterior. Percebeu-se que com base no critério clássico original do equilíbrio, para que o
Estado respondesse a situações sistemáticas excepcionais de défice teria que agravar
as tributações de modo a gerar recursos suficientes. Para contornar essa situação,
passa-se a aceitar o recurso a empréstimos. Nestas condições o equilíbrio orçamental
verifica-se quando as despesas efectivas (todas as despesas excluindo as amortizações

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de empréstimos) são financiadas apenas por receitas efectivas (todas as receitas
excluindo as decorrentes de empréstimos).

Critério do equilíbrio orçamental ordinário. Neste critério decorre a distinção entre


despesas/receitas ordinárias e despesas/receitas extraordinárias. São ordinárias
aquelas receitas ou despesas que pela sua natureza se repetem (independentemente do
montante) em cada orçamento anual, por exemplo, receitas fiscais ou salários dos
funcionários públicos. São extraordinárias as despesas ou receitas que não apresentam
a regularidade das extraordinárias, por exemplo construção de uma refinaria de petróleo
ou empréstimos bancários (que não acontecem regularmente). À luz deste critério,
haverá equilíbrio orçamental se e só se o total das despesas ordinárias igual o total das
receitas ordinárias.

Critério do equilíbrio do orçamento corrente. Este é o critério do Estado do bem-estar


(welfare state), do Estado intervencionista que gera aumento expressivo da despesa
pública para promover a equidade. O investimento público constitui o poderoso
instrumento de estabilização da economia. Daqui resultou a distinção entre despesas
correntes e de capital (investimento) e entre receitas correntes e de capital. Deste
critério, o equilíbrio orçamental estaria assegurado se e só se o total das despesas
correntes igualasse o total das receitas correntes, podendo o investimento público ser
financiado por empréstimos.

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Quadro 3.2: Princípios Orçamentais
MOÇAMBIQUE: PRINCÍPIOS ORÇAMENTAIS
(ARTIGO 13, LEI 9/2002, DE 12 DE FEVEREIRO)

1. Na sua preparação e execução, o Orçamento do Estado observa, de entre outros, os


seguintes princípios:
a) Anualidade, nos termos do qual o Orçamento do Estado tem um período de validade e
de execução anual, sem prejuízo da existência de programas que impliquem encargos
plurianuais;
b) Unidade, na base do qual o Orçamento do estado é apenas um;
c) Universalidade, pelo qual todas as receitas e todas as despesas que determinem
alterações ao património do Estado devem nele serem obrigatoriamente inscritas.
d) Especificação, segundo o qual cada receita e cada despesa deve ser suficientemente
individualizadas.
e) Não compensação, através do qual as receitas e as despesas devem ser inscritas de
forma ilíquida.
f) Não consignação, por foca do qual o produto de quaisquer receitas não pode ser
afectado à cobertura de determinadas despesas específicas, ressalvadas as excepções
previstas no nº 2 seguinte.
g) Equilíbrio, com fundamento no qual todas as despesas previstas no orçamento devem
ser efectivamente cobertas por receitas nele inscritas.
h) Publicidade, em conformidade com o qual a Lei Orçamental, as tabelas de receitas e as
tabelas de despesas e bem assim as demais informações económicas e financeiras
julgadas pertinentes devem ser publicadas em Boletim da república.

2. Exceptuam-se do princípio da não consignação os casos em que:


a) por virtude de autonomia administrativa e financeira, as receitas tenham de ser afectadas
a determinado fim específico ou a determinada instituição ou instituições;
b) os recursos financeiros sejam provenientes de operações específicas de crédito público;
c) os recursos provenientes decorrem de donativos, heranças ou legados a favor do estado
com destino específico;
d) os recursos tenham, por lei especial, destino específico.

3. Constitui excepção ao princípio da especificação a inscrição no Orçamento do Estado de uma


dotação provisional, sob gestão do Ministro que superintende a área das Finanças, por forma
a permitir a sua afectação, em momento oportuno e atempado, à realização de despesas não
previsíveis e inadiáveis.

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Conceito de Equilíbrio no Orçamento do Estado Moçambicano
Quadro 3.3 Mapa de Equilíbrio Orçamental. Ano Económico de 2007
mil MTn
TOTAL DE REC URSOS 70,896,574.25
REC URSOS INTERNOS 32,461,132.08
REC EITAS DO ESTADO 32,461,132.08
Receitas Correntes 30,630,962.08
Receitas Fiscais 25,694,288.00
Receitas não Fiscais 2,418,462.04
Receitas C onsignadas 2,518,212.04
Receitas de Capital 1,830,170.00

C RÉDITO INTERNO 0.00


REC URSOS EXTERNOS 38,435,442.17
Donativos 25,189,147.75
C éditos 13,246,294.42

TOTAL DE DESPESAS 70,896,574.25


DESPESAS DE FU NC IONAMENTO
Despesas Correntes 31,478,008.16
Despesa com o Pessoal 15,636,718.76
Bens e Serviços 6,551,455.59
Encargos da Dívida 2,078,000.00
Transferências C orrentes 5,720,274.65
Subsídios 377,800.00
Outras Despesas C orrentes 1,102,159.16
Dotação Provisional 268,733.35
Exercícios Findos 11,600.00

Despesas de Capital 5,973,091.84


Bens de C apital 203,191.84
Operações Financeiras 5,769,900.00
Activas 4,671,500.00
Passivas 1,098,400.00
Despesas de Investimento 33,445,474.25
C omponente Interna 8,941,100.00
C omponente Externa 24,504,374.25

RESUM O: EVIDEN C IAÇ ÃO DO DÉFIC E ORÇ AM EN TAL


Receitas do Estado 32,461,132.08
Despesas do Estado 70,896,574.25
Défice 38,435,442.17
Fonte: Lei nº 1/2007, de 3 de Janeiro. BR I Série – nº 1.

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Os critérios comuns de equilíbrio orçamental em Moçambique são:
Equilíbrio global;
Equilíbrio do orçamento corrente;
Equilíbrio antes de donativos e
Equilíbrio após donativos.

O critério do equilíbrio global é o que se aplica de forma mais evidente.

O critério do equilíbrio do orçamento corrente, como já se referiu, pretende disciplinar a despesa


pública corrente promovendo as despesas de capital. Na verdade, a legislação financeira
moçambicana não permite que receitas de capital sejam aplicadas para despesas correntes. De
igual modo os saldos orçamentais de um exercício económico só podem ser aplicados em
despesas de capital.

O critério do equilíbrio antes dos donativos pretende medir, através do saldo resultante da
diferença entre as receitas próprias (fiscais e não fiscais) e as despesas totais, a dependência
externa já que os donativos e os créditos, no nosso caso, são fundamentalmente (apenas
fundamentalmente) externos. Portanto, isso não significa que o Estado não possa ter donativos
ou créditos internos. Por exemplo, a primeira versão do Orçamento do Estado de 2007 (quadro
3.3) o Estado não prevê contrair nenhum empréstimo interno.

O critério do equilíbrio após donativos permite verificar as necessidades financeiras do Estado


que devem ser financiada com recurso ao crédito. É uma análise de grande importância do ponto
de vista de análise da dívida pública.

4.3 O Processo Orçamental


O processo orçamental pode ser definido como sendo um conjunto de acções contínuas de
definição (e redefinição) de objectivos e metas de carácter económico e social, seguindo-se-lhe a
elaboração de programas e planos financeiros de curto, médio e longo prazos.

O processo orçamental pode ser visto em duas perspectivas. Uma em que a definição de
objectivos e metas está orientada para espaço de tempo mais alargado (médio e longo prazos) e
outra com orientação para curto prazo (anual).

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4.4 O Ciclo do processo orçamental

4.4.1 Elaboração e Aprovação do Plano Económico e Social e do Orçamento


do Estado

A elaboração da proposta do Orçamento do Estado, cuja aprovação é da competência da


Assembleia da República, passa pelas seguintes etapas:

Etapa 1: Elaboração e comunicação das Orientações e dos Limites Indicativos de Despesas de


Funcionamento e de Investimento e de Metodologias às diferentes instituições
(províncias, ministérios, distritos e autarquias).

Um passo importante que antecede a elaboração e comunicação das orientações e


dos limites de despesas é a elaboração do Cenário Fiscal de Médio Prazo (CFMP). O
CFMP é o instrumento de planificação para a afectação estratégica dos recursos do
Estado com base numa estrutura das despesas ajustada aos planos e objectivos do
Governo. No caso de Moçambique, o CFMP tem enquadramento legal no artigo 45º da
Lei nº 9/2002 (Lei do SISTAFE). Mais especificamente, o CFMP tem os seguintes
objectivos:
§ Assegurar a disciplina orçamental para manter o equilíbrio macroeconómico;
§ Adequar a afectação inter e intra-sectorial e territorial de recursos às metas e
prioridades estratégicas exprimidas no Programa Quinquenal do Governo e no
PARPA II, bem como nas estratégias sectoriais e territoriais;
§ Promover a eficácia na utilização de recursos através de maior previsibilidade
de recursos disponíveis aos sectores e estratégias sectoriais, para períodos
além de um ano;
§ Facilitar a discussão e decisões conjuntas sobre: i) política tributária a
prosseguir, e ii) os benefícios/implicações de alterações do nível das despesas
públicas;
§ Responsabilizar o Governo na tomada de decisões sobre a priorização na
afectação de recursos.
Etapa 2: Elaboração, compatibilização e aprovação das propostas pelas diferentes instituições
(províncias, ministérios e autarquias). Nos termos do artigo 12 da Lei nº Lei n.09/2002,
“O Orçamento do Estado é o documento no qual são previstas as receitas a arrecadar
e fixadas as despesas a realizar num determinado exercício económico e tem por
objectivo a prossecução da política financeira do Estado”. Assim, todas as instituições
e órgãos do Estado, dotadas de autonomia administrativa e financeira ou não, as
autarquias e empresas públicas devem apresentar as suas propostas do OE
considerando as receitas e as despesas previstas. O processo de elaboração das
propostas no seio de cada instituição passa, em regra, pelos seguintes fases:
§ Recolha de informação no seio da instituição;
§ Globalização da informação ao nível da instituição;
§ Verificação do cumprimento das Orientações e Limites Indicativos de Despesa e
introdução dos ajustes necessários;
§ Elaboração do processo contendo a proposta;

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Etapa 3: Entrega das propostas ao Ministério da Planificação e Desenvolvimento;

Etapa 4: Avaliação das propostas;

Etapa 5: Elaboração da proposta de Orçamento do Estado (Despesas de Funcionamento e


Despesas de Investimento) e sua apresentação ao Governo;

Etapa 6: Aprovação do projecto de Orçamento do Estado pelo Governo e sua submissão à


apreciação pela Assembleia da República.

Princípios e Regras Gerais de Elaboração do Orçamento do Estado


A Lei do SISTAFE impõe a observância de princípios e regras gerais na elaboração do
Orçamento do Estado. Assim, de acordo com a referida Lei, na sua preparação e execução, o
Orçamento do Estado observa, de entre outros os seguintes princípios e regras: anualidade,
unidade, universalidade, especificação, não compensação, não consignação, equilíbrio e
publicidade.
O respeito pelos referidos princípios e regras requer a sistematização das receitas e das
despesas, de acordo com os diferentes classificadores orçamentais (económico, orgânico,
funcional e territorial) cuja aplicação é obrigatória.
As Orientações e os Limites Indicativos constam de um documento específico anualmente
elaborado e divulgado pelos órgãos e/ou instituições centrais, provinciais e Governos Distritais.
Nesse documento são estabelecidos:
§ Respeitar na afectação e programação dos recursos a elas atribuídos. As orientações e
prioridades são baseadas nas grandes linhas definidas no Programa do Governo, bem
como no CFMP e no Plano Económico e Social;
§ Os prazos aos quais se sujeitam as instituições na elaboração e apresentação das suas
propostas;
§ Os câmbios a utilizar na programação; e
§ Demais orientações a considerar na elaboração das propostas.

4.4.2 Execução Orçamental


Entende-se por execução orçamental ao conjunto de actos e operações de gestão financeira e
de tesouraria praticados para cobrar as receitas e realizar as despesas inscritas ou para prover
ao respectivo ajustamento. Compete ao Governo executar o orçamento obedecendo aos
princípios da economicidade e da legalidade.

O princípio da economicidade determina a utilização racional dos recursos financeiros e a melhor


gestão da tesouraria.

O princípio da legalidade exige que o Governo respeite, na execução orçamental, as leis em


geral e, particularmente, a do SISTAFE. Neste sentido, na execução orçamental o Governo não
poderá (i) liquidar e cobrar, nem inscrever no orçamento, uma receita que não esteja autorizada;
(ii) realizar despesas que, não obstante tenham base legal, não se encontrem inscritas no

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orçamento ou não tenham cabimento na correspondente verba orçamental, isto é superem o
montante de verba fixado no orçamento.

4.4.3 Controlo / Fiscalização Orçamental8

A execução orçamental faz-se por referencia e em obediência a um quadro legal instituído,


incluindo a própria lei orçamental. No decurso do ano económico há que verificar se aquele foi
rigorosamente cumprido em todos os actos e operações – de obtenção das receitas e da
realização das despesas – efectivadas pelas diversas entidades publicas. Assim, há que realizar-
se o controlo da execução orçamental.
O controlo visa a verificação da legalidade e regularidade de toda e qualquer receita cobrada e
despesa realizada segundo os princípios anteriormente identificados. A importância do controlo
orçamental é reconhecida pela obrigatoriedade consagrada nas leis constitucional e orçamental.
Os mecanismos e procedimentos do controlo orçamental podem ser classificados segundo
diversos critérios, entre os quais merece particular referencia o da natureza (do controlo) que
permite distinguir (a) o controlo interno administrativo, (b) o controlo externo jurisdicional e (c) o
controlo externo político.
O controlo interno administrativo é da competência simultânea de três tipos de entidades: a
própria entidade que executa o orçamento (ministério, instituto, universidade, etc.); a entidade
responsável pela coordenação e acompanhamento da execução do orçamento do Estado
(direcção técnica do ministério que superintende a área das finanças do Estado – no caso
moçambicano a Direcção Nacional da Contabilidade Publica) e as diversas entidades de
inspecção e controlo (no caso moçambicano a Inspecção Geral de Finanças).
O controlo externo jurisdicional é da competência do Tribunal de Contas (no caso
moçambicano o Tribunal Administrativo), órgão de soberania com independência do poder
político e que tem como missão, entre outras, a de auditor financeiro publico, incluindo o sector
empresarial do estado. O controlo que o Tribunal de Contas realiza pode ser: a priori (o
conhecido “visto”), concomitante e a posterior.
O controlo externo político é exercido pelo poder legislativo, Assembleia da República, como
corolário da autorização previamente concedida ao Governo. Para o efeito, deve este remeter
todos os elementos informativos considerados essenciais àquela fiscalização, como sejam,
nomeadamente: (i) a execução do OE, incluindo o orçamento da segurança social; (ii) execução
do orçamento consolidado do sector publico; (iii) alterações orçamentais aprovadas pelo governo
no âmbito das suas competências.

4.4.4 Prestação de Contas: A Conta Geral do Estado

No ultimo dia do ano económico cessa a vigência do orçamento em respeito aos princípios da
anualidade e da especialização do exercício. O resultado da execução, em termos de todas as
receitas obtidas e de todas as despesas pagas durante o exercício devem ser apresentadas na
Conta Geral do Estado, cujo âmbito e estrutura são estabelecidos em regra pela lei orçamental.
A Conta Geral do estado apresenta, naturalmente, um âmbito similar ao do OE abrangendo a
actividade financeira de todos os serviços e organismos dos subsectores do Estado, instituições
do Estado com autonomia financeira, patrimonial e administrativa e segurança social.

8 Conteúdo retirado de Pereira et al (2005, p. 410-411).

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No sentido de possibilitar uma analise completa mais pormenorizada da actividade financeira
desenvolvida e da boa gestão dos recursos financeiros, a Conta Geral do Estado deve incluir um
amplo conjunto de informações. Um relatório donde consta a apresentação geral da Conta Geral
do Estado, com especial referencia à evolução dos agregados macroeconómicos e da situação
financeira dos três subsectores bem como à execução orçamental, incluindo alterações
orçamentais. As informações compreendem o conjunto de mapas contabilísticos relativos a
domínios diferentes, dos quais se destacam:
§ Execução orçamental: mapas donde consta informação completa sobre todas as
receitas obtidas e todas as despesas realizadas;
§ Situação de tesouraria: mapas que descrevem todos os movimentos de tesouraria
como sejam todas as cobranças e pagamentos orçamentais;
§ Situação patrimonial: mapas donde consta a aplicação das receitas obtidas por
recurso a empréstimos públicos e as operações relativas a dívida publica.

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