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I.

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO FINANCEIRO E DO DIREITO


TRIBUTÁRIO.
1. Ciência das Finanças e Direito Financeiro: conceito, relações e
distinções.

- A palavra “finanças” vem do latim “finis”, que significa “fim”: impõe o


fim de uma operação que se desenvolve pelo pagamento.
Definição de Geraldo Ataliba: Ciência das Finanças “é um conjunto
enciclopédico de conhecimentos e meditações sociológicos, políticos,
econômicos, administrativos e psicológicos etc., que servem de
instrumentação política para o legislador”. A ciência das finanças trata
de atividade PRÉ-NORMATIVA, ou seja, não pertence ao mundo do
direito, mas sim ao mundo da economia, fenômenos sociais e
estatísticos, que podem fornecer elementos para a estruturação da
política financeira do Estado. Após fazer um estudo global de todas as
necessidades da sociedade e dos meios necessários para atender a
essas necessidades, o Estado formula suas políticas financeiras. Tal
comportamento não é jurídico, mas apenas político (no sentido amplo).
A Ciência das Finanças é, pois, INFORMATIVA, já que fornece dados,
estatísticas ao político para que ele decida: procura fenômenos
econômicos em que possa incidir alguma norma tributária,
possibilitando a arrecadação do Estado; estuda as reais necessidades da
sociedade, bem como os meios disponíveis para atendimento dos
interesses públicos, sempre com o propósito de obter recursos para o
custeio das atividades estatais.
Já o Direito Financeiro pertence ao mundo do direito, sendo a
DISCIPLINA JURÍDICA DA ATIVIDADE FINANCEIRA do Estado.
O mundo do direito faz um processo de seleção dos fatos que considera
relevantes no mundo real, a fim de discipliná-los por lei. Ex.: o respirar e
o andar são fatos irrelevantes para o Direito, porque uma norma que
dissesse “é proibido respirar” não teria qualquer consequência no
mundo jurídico. A Ciência das Finanças assume o papel de fornecer
meios e dados para que o legislador faça suas decisões políticas,
enquanto Direito Financeiro estuda as normas já editadas e busca lhes
dar as consequências jurídicas pretendidas.
- A sistematização do Direito Financeiro no Brasil: deu-se em 1964, por
ocasião da publicação da Lei nº 4.320/64. Antes disso: existiam apenas
leis esparsas e discussões legislativas e acadêmicas, sendo que desde a
Constituição de 1824 eram debatidas questões referentes à distribuição
da arrecadação tributária entre o Governo Geral e as Províncias.
O tema central sempre envolveu a necessidade de garantir uma melhor
distribuição das formas de obtenção de receitas pelo Estado, a fim de
viabilizar e assegurar a autonomia política e administrativa não só da
União, mas também dos entes federados.
A Lei nº 4.320/64 veio delimitar, por meio de normas gerais, o objeto do
Direito Financeiro. O advento do CTN apenas dois anos depois
demonstra, de forma clara, a separação entre o exercício da tributação
e das finanças públicas.
Tanto a Lei nº 4.320/64 quanto o CTN (Lei nº 5.172/66) foram
recepcionados, pela CF/88, com status de Lei Complementar.

2. A atividade financeira do Estado.

2.1. Conceito: o Estado e as necessidades públicas.

Com o agigantamento do Estado e sua intervenção em diversas


atividades humanas, aumenta a importância do estudo das
necessidades públicas. As necessidades públicas decorrem de uma
decisão política, ou seja, é o Estado que vai dizer quais as necessidades
que ele vai considerar como públicas.
Todas as vezes em que a Constituição prever, por exemplo, uma
competência da União (ex.: art. 21, III, da CF, que diz que à União
competirá assegurar a defesa nacional), isso significará que deverão
existir pessoas a quem incumbirá o atendimento do mandamento
constitucional. Será uma necessidade pública, então, que haja o
Exército, a Marinha e a Aeronáutica para cumprir a missão
constitucional de assegurar a defesa nacional.
As necessidades públicas se diferem das privadas, porque são anônimas
e voltadas a atender o interesse da coletividade, e jamais o de
particulares.
As necessidades públicas não podem ser confundidas com as
individuais, pois estas não são suscetíveis de serem satisfeitas pelo
Estado.
Amplamente, pode-se falar que tudo aquilo que incumbe ao Estado
prestar, em função de uma decisão política que resultou em uma
norma, é necessidade pública. Assim, em princípio, as necessidades
públicas devem guardar relação com as necessidades gerais ou
coletivas, mas nem sempre uma necessidade geral ou coletiva será
pública. O que determinará se uma necessidade será pública é a
necessidade de intervenção do Estado para sua satisfação.
Assim, podemos conceituar a atividade financeira do Estado como o
conjunto de ações por ele desempenhado visando à obtenção de
recursos para seu próprio custeio e realização de gastos para a
execução das necessidades públicas.

2.2. Características da atividade financeira do Estado.


A atividade financeira decorre, essencialmente, do exercício da
soberania do Estado nos casos em que este realiza atividades próprias e
indelegáveis.
Em primeiro lugar, as necessidades públicas, como veremos mais
detalhadamente adiante, são satisfeitas por meio dos serviços públicos
e estes devem ser pagos em dinheiro. Sendo assim, resta óbvio que os
recursos financeiros do Estado devem ser obtidos em dinheiro – o
objeto da atividade financeira do Estado é o dinheiro.
Também se pode afirmar que a atividade financeira do Estado é espécie
de atividade administrativa que possui conteúdo econômico.
Por fim, vale dizer da instrumentalidade da atividade financeira do
Estado, assim vista por ser uma atividade-meio praticada em favor das
demais atividades estatais – ela é realizada para dar suporte financeiro
à consecução das outras atividades estatais.
Do exposto, é possível apontar as seguintes características
fundamentais da atividade financeira do Estado:
a) desenvolvimento da atividade por uma pessoa jurídica de direito
público – para que seja caracterizada a atividade financeira do
Estado, é necessária a participação de um ente público em seu
desenvolvimento;
b) conteúdo econômico – o conteúdo econômico se manifesta em
razão da atividade financeira ser desenvolvida em torno de recursos
desta natureza;
c) conteúdo monetário – o objeto econômico da atividade financeira é
o dinheiro, daí o conteúdo monetário ser característica fundamental
da atividade financeira;
d) instrumentalidade da atividade financeira – “simultaneamente com
as atividades políticas, sociais, econômicas, administrativas,
educacionais, policiais, etc., que constituem a sua finalidade própria,
o Estado exerce também uma atividade financeira, visando a
obtenção, a administração e o emprego de meios patrimoniais que
lhe possibilitam o desempenho daquelas outras atividades que se
referem à realização de seu fins.”

*Diferentemente do particular, que utiliza como quiser seu patrimônio


e dinheiro, o Estado deve desenvolver atividade financeira para
atendimento das necessidades que assume.
Para o desempenho de toda a atividade prevista na Constituição
Federal, o Estado deve dispor de meios materiais (recursos) para o
atingimento de suas finalidades.
A atividade financeira significa, portanto, a obtenção de meios para o
atendimento das finalidades encampadas pelo Estado.
O desenvolvimento da atividade financeira se apoia em três pilares:
orçamento público, receita pública e despesa (tópicos das próximas
aulas).
O Direito Financeiro visa a disciplinar a atividade financeira do Estado e,
assim, estabelecer regras relativas aos três pilares dessa atividade.*

2.3. Serviços públicos.

Dentro da ampla margem de atuação estatal, o Estado poderá exercer e


prestar serviços públicos. Serviços públicos são atividades prestadas
pelo Estado ou por alguém que o represente, sendo materialmente
usufruídos pela coletividade. Ex.: ao apertar o interruptor, o indivíduo
acende a luz e usufrui de um serviço público, que é o fornecimento de
energia elétrica.
É por meio da atividade financeira do Estado visando à obtenção de
recursos que se torna possível a consecução dos serviços públicos,
sempre com o objetivo de satisfazer as necessidades públicas.

2.4. Fazenda Pública.

A Fazenda Pública representa a parcela do Estado responsável pela


consecução da atividade financeira do Estado. Sob o ponto de vista
subjetivo, a Fazenda Pública se aproxima do conceito de Administração
Financeira, de organismo responsável pelas finanças do Estado,
administradora dos bens, dos valores, das rendas públicas e das
despesas públicas. É designativa de Erário, de Fisco ou de Tesouro
Público – conjunto de órgãos que cuida das finanças públicas, gerindo
as receitas e despesas públicas, portanto, realizando a atividade
financeira do Estado.
No âmbito da Fazenda Publica Nacional, que tem como responsável
maior o Ministro de Estado da Fazenda, destaca-se a Secretaria da
Receita Federal como órgão responsável pela arrecadação e fiscalização
da maior parte dos tributos de competência da União Federal,
justamente sua maior fonte de receita. O conceito de Fazenda Pública
alcança também a Fazenda Pública Estadual e a Municipal.
As Fazendas Públicas dos Estados federados são administradas pelos
Secretários de Fazenda nos limites das atribuições que lhes são
cometidas pelas respectivas constituições e leis estaduais, enquanto em
relação aos Municípios, o responsável pela Fazenda Pública é o próprio
Prefeito ou o Secretário de Finanças.
Sob o aspecto objetivo, Fazenda Pública corresponde ao conjunto de
bens e haveres pertencentes ao Estado, bem como suas obrigações
assumidas. Nessa perspectiva estritamente objetiva, Fazenda Pública
corresponde ao “complexo dos recursos e obrigações financeiras do
Estado. Constitui-se pelos recursos públicos, que compreendem assim
os direitos criados pela legislação e consignados no orçamento (créditos
tributários, direitos derivados da emissão de títulos da dívida pública,
direitos patrimoniais) como os ingressos, isto é, os fundos que
efetivamente afluem ao Tesouro (prestações tributárias, produtos da
dívida pública, rendimentos patrimoniais). Abrange também as
obrigações financeiras, assumidas de acordo com a permissão da lei ou
a prévia autorização do orçamento”.

3. Conceito de Direito Tributário.

Podemos conceituar o Direito Tributário como o ramo do Direito que se


ocupa das relações entre o Fisco e as pessoas sujeitas a imposições
tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e
protegendo o cidadão contra abusos desse poder (Hugo de Brito
Machado). A finalidade do Direito Tributário não é a arrecadação de
recursos financeiros para o Estado, mas o controle do poder de tributar
inerente ao Estado.
O Direito Tributário existe para delimitar o poder de tributar,
transformando a relação tributária – que antigamente foi uma mera
relação de poder – em uma relação jurídica.
A finalidade essencial do Direito Tributário, assim, não é a arrecadação
de tributos pelo Estado, mas sim a delimitação do poder de tributar, a
fim de coibir abusos no exercício desse poder estatal.
Assim, os conceitos de “Ciência das Finanças”, “Direito Tributário” e
“Direito Financeiro” não se confundem. “Direito Tributário” e “Direito
Financeiro” são disciplinas jurídicas, enquanto “Ciência das Finanças”é
disciplina pré ou metajurídica, não sendo conhecimento
especificamente jurídico. A Ciência das Finanças está para o Direito
Trubutário tal qual a Ciência da Administração está para o Direito
Administrativo, a Economia está para o Direito Econômico e a
Criminologia está para o Direito Penal.
Já o Direito Financeiro regula a atividade financeira do Estado,
juntamente com o Direito Tributário, tendo como dado essencial a
norma. O tributarista, que tem ciência do Direito Tributário, conhece o
conjunto de normas que disciplinam a tributação. O especialista em
Direito Financeiro, por seu turno, conhece as normas que regulam a
atividade financeira, menos a tributação.

4. A relação entre Direito Financeiro e Tributário.

No que se refere ao Direito Tributário, a relação do Direito Financeiro


com este, como já dissemos, é de um todo e sua parte. O Direito
Tributário é ramo do Direito Financeiro que regula especificamente a
arrecadação tributária, uma das facetas da atividade financeira do
Estado. Hoje, o estudo dos tributos, bem como das relações jurídicas
surgidas que refletem a exigência dos mesmos, possui uma gama de
cientistas que lhe dispensam atenção exclusiva. Porém, estes estudiosos
não se atrevem a isolar o desenvolvimento da Ciência do Direito
Tributário da Ciência do Direito Financeiro. A disciplina jurídica que
estuda a receita tributária consiste em disciplina contida no Direito
Financeiro, ou seja, o Direito Tributário está inserido no contexto geral
do Direito Financeiro tendo em vista a receita tributária ser espécie de
receita pública. Ocorre que, como já dito, ao longo dos anos, a receita
tributária se tornou a maior fonte de recursos do Estado. Portanto, se
mostra inegável, diante da importância maior da receita tributária para
o desenvolvimento do Estado e, por consequência, do expressivo
volume de textos legais a tratarem dos tributos, a necessidade de uma
escola própria e evoluída para desenvolver o estudo científico da
atividade de tributação. Assim, foi inevitável o destaque do Direito
Tributário, mas sem que este deixasse de ser um ramo do Direito
Financeiro.

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