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O inciso LIII do artigo 5º, da nossa Constituição Federal de 1988, define que:
Art 5º, LIII, CF – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente
ao determinar que um cidadão só poderá ser julgado por uma autoridade competente,
este inciso trata de um direito fundamental: a garantia de um julgamento neutro, legal e
legítimo. Além disso, define que um cidadão só poderá ser julgado por um indivíduo que foi
aprovado em concurso e esteja no exercício regular do seu cargo.
Para garantir que isso não ocorra e que todas as disputas sejam decididas de forma
razoável e proporcional, existe o princípio do Juiz Natural, que estabelece também que
ninguém poderá ser julgado por um tribunal formado depois que suposto crime já aconteceu.
Ou seja, para que um tribunal tenha competência para julgar um cidadão, ele deverá ter sido
constituído e legitimado antes da data da conduta que será julgada.
Para que fique ainda mais claro, vamos dar um exemplo. Em 1945, foi criado um
tribunal militar composto por representantes dos Estados Unidos, França, União Soviética e
Grã-Bretanha para julgar os crimes cometidos pelo alto escalão nazista durante a Segunda
Guerra Mundial. O chamado “Tribunal de Nuremberg” que teve 24 homens indiciados, é
entendido como um tribunal de exceção por ter sido formado pelos vencedores da guerra para
condenar as atrocidades cometidas pelos perdedores. Por mais que a criação desses tipos de
tribunais esteja ligada a certas situações específicas, como fins de guerras e estados ditatoriais,
podemos perceber que sua aplicabilidade não combina em nada com um regime democrático,
não é mesmo?
É importante citar que, para que o princípio do juiz natural fique completamente
claro, recomendamos que você conheça os dois incisos que o compõem. Pensando nisso,
sugerimos que você confira o nosso texto sobre o inciso XXXVII antes continuar.
Para além disso, podemos perceber que existem diversas regras existentes no
ordenamento jurídico que distribuem competências originárias para as diferentes justiças
(como a Comum, Federal, Militar) em razão da matéria do julgamento. A grande questão é
que essa distribuição também pode ser feita em função de determinadas pessoas, que por
ocuparem altos cargos hierárquicos ou por exercerem funções públicas não seguem o mesmo
caminho do julgamento de um cidadão comum. Nessas situações, cabe o que chamamos
tecnicamente de foro especial por prerrogativa de função ou de foro privilegiado, que confere
um trâmite especial de julgamento para essas figuras. Em 2018, o Supremo esclareceu que
essa prerrogativa só ocorre quando os crimes forem cometidos durante o mandato e em
função do cargo que ocupam, ou seja, a ideia não seria proteger exatamente a autoridade, mas
o exercício da função contra perseguições indevidas ou tensões políticas e disputas regionais.
Outro caso relevante e ainda mais recente que colocou o tema do princípio do juiz
natural e da imparcialidade do Poder Judiciário em alta foi a publicação da série de
reportagens que divulgaram diálogos privados do ex-juiz e ex-Ministro da Justiça Sérgio
Moro e do Procurador da República Deltan Dallagnol pelo site jornalístico “The Intercept
Brasil”. Nas trocas de mensagens vazadas, os dois membros do Poder Judiciário falavam
sobre ações da Operação Lava Jato, entre outros temas. Nesse caso, o próprio juiz responsável
pelo julgamento do caso dialogava particularmente com uma das partes envolvidas no
processo, o que levantou várias questões a respeito da imparcialidade do julgador. Você deve
se lembrar do caso, já que as reportagens acenderam o debate sobre a imparcialidade dos
juízes que, como vimos, ainda é muito discutida por vários setores da sociedade.
Além disso, a Constituição ainda define diferentes justiças com competências para
julgarem diferentes casos. Cada uma com sua respectiva competência, são elas:
“Art 5º, LIV, CF – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal”
Como falamos brevemente na introdução, esta pequena frase do Artigo 5º da
Constituição nos garante que todas as pessoas devem passar pelo processo
legal de forma correta e adequada antes de perder algum bem – seja ele uma quantia
financeira ou um outro tipo de bem material ou imaterial – ou de serem
presas.
Isso pode parecer bastante abstrato e óbvio de início, mas, na prática, significa que
todos (as) têm direito de que seus processos sejam completamente embasados na lei e
respeitem as regras que fazem parte da nossa legislação. Ou seja, ninguém pode perder sua
liberdade ou propriedade de forma ilegítima ou
aleatória.
Graças à este inciso, as pessoas não podem ser presas ou multadas por motivos
alheios e incoerentes, que não estão previstos na legislação em vigor. Por
exemplo, uma pessoa não pode ser presa hoje por cometer um crime que era previsto
apenas em legislações antigas. Podemos ilustrar essa garantia com o
crime de adultério. Antes de 2005, ser infiel em seu casamento era um crime previsto
pelo Código Penal. Imagine só? O inciso LIV também garante que o
Estado não pode prender ou apreender algo de seus cidadãos de forma abusiva, sem
seguir os ritos determinados pela lei.
Mas não é tão simples assim. O “devido processo legal” pode ocorrer de duas
formas: processual ou substancial (também chamada de material). O devido
processo legal processual obriga Estado a garantir instrumentos e meios legais
suficientes e justos para que os cidadãos possam exercer seus direitos e se
defender de forma adequada antes de ser preso ou perder uma propriedade. Ou seja,
antes de ser devidamente condenado, o cidadão deve poder exercer
seus direitos de forma plena, incluindo o direito à defesa.
Já o devido processo legal substancial garante que as leis também sejam concebidas e
definidas respeitando seu processo e que devem estar de acordo
com os interesses sociais e os fundamentos do Estado democrático. Isto é, novas leis
não devem ser concebidas de forma contrária aos interesses da
população e o Estado democrático.
No Brasil, a Constituição do Império de 1824 já definia que nenhuma lei deveria ser
estabelecida sem utilidade pública, o que tem relação com o devido
processo legal substancial criado nos Estados Unidos. Dessa forma, desde 1824,
nossa Carta Magna vigente já garantia que nenhuma lei poderia ser criada se
fosse contrária aos interesses da sociedade.
Apesar disso, o Brasil continuou até 1988 sem nenhuma menção à expressão “devido
processo legal” em sua legislação. Durante todo esse período, esse
princípio foi garantido apenas por decisões judiciais e acadêmicos de direito. Só em
1988, com a nossa Constituição Federal atual, que o devido processo
legal foi classificado expressamente como um direito fundamental.
Temos ouvido muito falar sobre o Estado de Direito no noticiário, mas você sabe
exatamente o que ele significa? De acordo com a Organização das Nações
Unidas, o Estado de Direito (também chamado de “law of rule”, no inglês original) é
um princípio de governança em que todas as pessoas, instituições e
entidades, públicas e privadas (incluindo o próprio Estado!) são responsáveis pelas
leis promulgadas (em vigor). Esse princípio também define que essas leis devem ser aplicadas
e julgadas de forma igual e independente para todos (as) e que devem ser consistentes com as
normas e padrões internacionais de Direitos Humanos. Ou seja, se temos uma lei que
prejudica os Direitos Humanos ou julga os cidadãos de forma diferenciada e injusta, não
podemos considerar que o princípio de um Estado de Direito está sendo seguido.
Por isso, podemos dizer que a garantia do devido processo legal é, basicamente, a
materialização (transformar em realidade) de grande parte do que compõe um Estado de
Direito. Não existe Estado de Direito sem que o devido processo legal seja possível para todas
as pessoas, já que ele garante três definições fundamentais:
Como já explicamos três parágrafos atrás, o devido processo legal também costuma
ser classificado por juristas como um “sobreprincípio”. Entre os princípios constitucionais que
são fundamentados por ele e asseguram a sua aplicação na prática, estão:
o princípio do Juiz Natural (já explicamos o que ele significa aqui, no Inciso
XXXVII);
o princípio do contraditório (de acordo com esse direito, o réu deve ser ouvido
durante o processo judicial e não é permitido chegar a uma decisão sem que todos os
interessados tenham se manifestado);
o princípio da ampla defesa (por conta desse direito, o réu deve poder utilizar todos
os mecanismos possíveis e legais para se defender, seja apresentando provas ou entrando com
recursos);
a garantia de assistência jurídica aos que não possuem recursos financeiros
(explicamos mais sobre o direito do acesso à Justiça no Inciso XXXV);
a garantia da duração razoável e da efetividade do processo (ou seja, a garantia de
que o processo não se prolongará por mais tempo do que o razoável e será feita da maneira
mais efetiva possível, seguindo a legislação).
Além desses princípios previstos na constituição, o devido processo legal também é
garantido por leis infraconstitucionais (abaixo da constituição), como explicamos
anteriormente. Aqui tudo fica mais subjetivo, mas também muito importante. Isso acontece
porque pelo simples fato de uma lei ter sido criada por conta de uma necessidade dos
cidadãos, ela já é uma forma de materializar o devido processo legal. Leis criadas para
garantir o acesso dos cidadãos à justiça e aos seus direitos também são formas de traduzir esse
princípio para a prática.
Pode parecer complexo, mas na verdade isso apenas quer dizer que toda nova lei que
for promulgada (publicada, vigente) seguindo o processo legislativo correto, simplesmente
por existir, já consolida e garante o devido processo legal na prática. Interessante como tudo
se conecta, não é?
Um exemplo é o Código de Processo Civil, em seus artigos 7º e 8º, que garante que
as partes (autor do processo e o réu, por exemplo) devem ser tratadas
com igualdade nos processos civis. Essa igualdade não quer dizer simplesmente que
elas devem ter acesso aos mesmos instrumentos (por exemplo, ambas podem convocar a
mesma quantidade de testemunhas e precisam seguir os mesmos prazos), mas também que,
caso uma parte seja mais fraca em relação à
outra sob qualquer aspecto, ela deve receber mecanismos capazes de se equilibrar à
outra (no caso do consumidor, por exemplo).
Para tornar isso mais fácil, vamos pensar em um exemplo: se um cidadão com
condições financeiras precárias está sendo processado por empresas milionárias e que usa
perícias muito caras durante o processo, mas o cidadão não tem como arcar outra perícia do
seu lado. Nesse caso, o
Estado deve disponibilizar a possibilidade de perícia para o cidadão, de forma a
relação entre as partes fique mais equilibrada.
Existem também leis específicas, como o Código do Consumidor (Lei 8.078/90), que
garante que o consumidor deve ser protegido pelo Estado, de forma que
não fique em desvantagem e seja explorado pelas empresas que fornecem os
produtos e serviços. A Lei 10.741/03 também é um bom exemplo, pois garante
que os processos dos cidadãos maiores de 60 anos têm preferência na tramitação em
qualquer instância. Dessa forma, os idosos não são prejudicados
e têm mais chances de ter seus processos resolvidos ainda em vida.
Até agora falamos do Direito Civil, então vamos passar para o Direito Penal. Nesse
âmbito, um exemplo clássico da garantia do devido processo legal é a
presunção de inocência. Essa presunção determina que todo cidadão é inocente até
que se prove o contrário (por meio, justamente, dos procedimentos
previstos em lei, o devido processo legal). Outro exemplo é a indenização por erro do
Judiciário: caso o devido processo legal não seja respeitado e um
cidadão seja declarado culpado em um processo mal conduzido, o próprio Estado
deverá indenizar esse indivíduo pelo equívoco. Mecanismos como esses
existem para garantir que o Estado não aja de forma desproporcional, aleatória ou
autoritária com cidadãos, ou será devidamente responsabilizado.
Ufa, até aqui vimos várias formas em que o devido processo legal é usado na prática.
Você conseguiu perceber como esse inciso é fundamental nos processos
judiciais? Apesar de ser tão importante, precisamos destacar aqui que esse princípio
ainda é violado e encontra várias barreiras para ser exercido. Isso pode
acontecer por muitos motivos, mas os principais são:
o despreparo de juízes, que muitas vezes não respeitam os princípios do contraditório
e da ampla defesa que explicamos alguns parágrafos atrás;
a lentidão do sistema judiciário, que faz com que os processos se arrastem por anos,
tomando um tempo muitas vezes superior ao razoável.
Um relatório do Conselho Nacional de Justiça do ano passado chegou à conclusão
que um processo em primeira instância das varas estaduais do Brasil leva em média 10 anos e
9 meses para chegar ao fim (depois que todos os recursos cabíveis foram esgotados e os
procedimentos foram finalizados);
infelizmente, ainda existem diversas questões de cunho político e ideológico que
levam cidadãos a serem presos ou privados de seus bens por interesses de um grupo
específico (e mais poderoso ou influente) da sociedade. Essa é a maior ameaça ao devido
processo legal, já que não deve ocorrer de nenhuma maneira em uma sociedade democrática.