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1. INTRODUÇÃO
É preciso ressaltar, porém, que a liberdade aqui em estudo exige mais do que
unicamente o respeito formal ao processo legislativo na instituição dos comandos
normativos: o conteúdo da lei deve ser compatível com os valores expressados pelo
texto constitucional e, especialmente, não deve afrontar direitos fundamentais. Leis
que sejam produto de um abusivo poder de legislar não serão legítimas, de forma que o
indivíduo terá, diante delas, o mesmo direito de resistência que possui diante de ordens
que não tenham sido fundamentadas em atos normativos válidos. Segundo o STF:
“Ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de
autoridade judicial. É dever da cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o
Estado de Direito”. HC 73.454, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 22-4-96, 2a
Turma, DJ de 7-6-96.
Lembremos, ainda, que o princípio da legalidade deve ser respeitado de forma
diferente pelos particulares e pelos Poderes Públicos. Enquanto os primeiros
somente podem fazer tudo aquilo que a lei não proíba (só podem ser obrigados a
atuar ou a se absterem de atuar se uma lei assim determinar), os Poderes Públicos
só podem fazer aquilo que é permitido pela lei.
Art. 5º, III: ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante.
3. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO
(a) os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que isoladamente
considerados, a imediata instauração da persecutio criminis, eis que peças apócrifas não
podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando tais documentos forem
produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles próprios, o corpo de delito
(como sucede com bilhetes de resgate no delito de extorsão mediante sequestro, ou
como ocorre com cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que
corporifiquem o delito de ameaça ou que materializem o crimen falsi, p. ex.;
(b) nada impede, contudo, que o Poder Público provocado por delação anônima (“disque-
denúncia”, p. ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em
averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual
situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança
dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal
instauração da persecutio criminis, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse
procedimento estatal em relação às peças apócrifas; HC 90.178, relatado pelo Min. Cezar
Peluso, STF.
Conforme mencionou o Ministro Luiz Roberto Barroso, em seu voto na Rcl 22.328-
RJ Como o passado condenava, a Constituição de 1988 foi obsessiva na proteção da
liberdade de expressão, nas suas diversas formas de manifestação, aí incluídas a
liberdade de informação, de imprensa e de manifestação do pensamento em geral:
intelectual, artístico, científico etc. Veja-se, a propósito, o que dispõe o art. 5o, IV, IX e XIV,
bem como art. 220, §§ 1o e 2o, da Constituição:
Em finalização ao tópico, vou dar destaque à importante decisão tomada pelo STF
em junho de 2015, quando, por unanimidade, o Plenário da Corte julgou procedente a ADI
4815 e declarou inexigível a autorização prévia para a publicação de biografias. De
acordo com o voto da relatora, Ministra Cármen Lúcia, a decisão deu interpretação
conforme a Constituição da República aos artigos 20 e 21 do Código Civil (em
consonância com os direitos fundamentais à liberdade de expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação), permitindo a publicação de biografias
independentemente de censura ou licença de pessoa biografada, relativamente a obras
biográficas literárias ou audiovisuais (ou de seus familiares, em caso de pessoas
falecidas). A ministra relatora salientou, ainda, que a Constituição prevê, nos casos de
violação da privacidade, da intimidade, da honra e da imagem, a reparação indenizatória,
e proíbe “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Assim, uma
regra infraconstitucional (o Código Civil) jamais poderia abolir o direito de expressão e
criação de obras literárias. Nas palavras da Ministra: “Não é proibindo, recolhendo obras
ou impedindo sua circulação, calando-se a palavra e amordaçando a história que se
consegue cumprir a Constituição”; destarte “A norma infraconstitucional não pode
amesquinhar preceitos constitucionais, impondo restrições ao exercício de liberdades”.
4. DIREITO DE RESPOSTA
(A) Introdução
Pois bem, caro aluno. Nos próximos tópicos examinaremos não só os dispositivos
constitucionais que consagram a liberdade que está em análise, mas também as mais
instigantes discussões travadas em nossa Suprema Corte e na doutrina sobre o tema.
Vamos em frente!
A autonomia quanto à consciência possui uma amplitude muito grande, pois liberta
o indivíduo de quaisquer interferências de ordem moral, filosófica, religiosa, política ou
sociológica, permitindo que cada pessoa abrace juízos, ideias e opiniões de acordo com
suas escolhas particulares.
Por sua vez, a liberdade de culto é a permissão para a exteriorização da crença, já
que a autonomia de um indivíduo em definir sua religião não se esgota na mera escolha,
demandando uma prática religiosa que se expressa por intermédio dos cultos, dos ritos,
das cerimônias, das reuniões e da fidelidade aos hábitos e tradições. Assim, não pode o
Estado embaraçar o funcionamento de igrejas ou cultos religiosos, tampouco firmar com
seus representantes qualquer aliança ou relação de dependência, ressalvada, na forma
da lei, a colaboração de interesse público, conforme preceitua o art. 19, I, CF/88.
Analisando os valores prescritos nesse dispositivo, a doutrinaesclarece que: A laicidade
não significa, por certo, inimizade com a fé. Não impede a colaboração com confissões
religiosas, para o interesse público (art. 19, I). A sistemática constitucional acolhe, mesmo,
expressamente, a ação conjunta dos Poderes Públicos no âmbito de cultos religiosos,
como é o caso da extensão de efeitos civis ao casamento religioso.
Inciso VII: neste inciso destaca-se que a prestação de assistência religiosa a pessoas
internadas em entidades civis e militares é assegurada constitucionalmente. Este
dispositivo garante, aos partidários de qualquer religião, a possibilidade de prestar
assistência de cunho religioso aos indivíduos que estejam em entidades de internação
coletiva, como, por exemplo, hospitais e estabelecimentos prisionais (civis ou militares).
Essa assistência, no entanto, deve ser prestada em comum acordo com o interno (ou
seus familiares, no caso de o doente não mais estar no gozo de suas faculdades
mentais), sendo imprescindível acatar estritamente as determinações legais e as normas
internas de cada instituição, para que não se coloque em risco nem as condições do
interno, nem a segurança do ambiente.
Uma discussão que ainda hoje divide autores e tribunais é referente à instalação de
símbolos religiosos em repartições e órgãos públicos, tais como os símbolos cristãos –
especialmente a bíblia e o crucifixo.
3) Curandeirismo
Não se pode invocar a liberdade religiosa para servir de abrigo para a prática de
ilícitos penais, razão pela qual a 2a Turma do STF decidiu que a prática do
“curandeirismo” não está abrangida pela norma constitucional de proteção a crença.
No art. 210, §1°, a Constituição institui o ensino religioso como disciplina dos
horários normais das escolas públicas do ensino fundamental, todavia, em homenagem à
liberdade religiosa, tornou facultativa a matrícula. Destarte, o aluno terá plena liberdade
de se matricular ou não nessa disciplina.
A respeito desse tema, merece destaque a importante decisão proferida pelo STF
em setembro de 2017, na ADI 4439, na qual reconheceu-se a possibilidade de as escolas
públicas ofertarem ensino religioso confessional, sem que isso implique violação ao
caráter laico do Estado brasileiro (art. 19, CF/88) ou à garantia fundamental à liberdade
religiosa (art. 5o, VI, CF/88). No julgamento da referida ação direta, a maioria dos
ministros rejeitou a tese do sustentada pela Procuradoria-Geral da República (que ajuizou
a ação) e pelo Min. Roberto Barroso no sentido de conferir interpretação conforme a
Constituição de normas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei no 9.394/1996) e
do acordo Brasil-Santa Sé para afirmar que o ensino religioso ministrado em escolas
públicas deveria ser de natureza não-confessional ou neutro, vale dizer, não vinculado a
uma religião específica, devendo apresentar uma posição de neutralidade ante pluralismo
religioso sem fazer qualquer juízo de valor a respeito das crenças religiosas, de modo a
não privilegiar ou desfavorecer qualquer uma delas. De acordo com este entendimento, o
ensino religioso não confessional deveria apresentar como conteúdo programático a
exposição das doutrinas, das práticas, da história e de dimensões sociais das diferentes
religiões – contemplando inclusive posições não-religiosas, como o ateísmo e o
agnosticismo – sem qualquer tomada de partido por parte dos educadores.
Apesar disso, por maioria apertada (de seis votos a cinco) prevaleceu a
compreensão de que o texto constitucional não veda que as escolas públicas ofereçam
aulas (de matrícula facultativa) de uma religião específica, desde que o Estado oportunize
a qualquer doutrina religiosa interessada a possibilidade de prestar o ensino religioso de
acordo com suas crenças, sem interferir para determinar o conteúdo programático nem
para direcionar o estudo para uma religião específica.
Uma outra questão objeto de intenso debate jurídico, ético e moral, refere-se a
situação das testemunhas de Jeová que, por convicções religiosas, não admitem a
realização de transfusão de sangue, ainda que diante de iminente risco de morte.
Esse entendimento foi explicitado pela nossa Corte Suprema no notável caso
Ellwanger, um dos precedentes de maior relevância a respeito do assunto. Ao negar
ordem de habeas corpus ao paciente (Siegfried Ellwanger) autor e editor de livros com
conteúdo antissemita – que além de incitar o ódio e o desprezo contra o povo de origem
judaica, sustentava uma visão conspiratória da história, questionando inclusive a
ocorrência do Holocausto –, o Supremo reconheceu que o direito à liberdade de
expressão e de crença não abrange “manifestações de conteúdo imoral que implicam
ilicitude penal”.
Podemos concluir que manifestações concretas de incitação ao ódio religioso não
serão protegidas pela liberdade de expressão ou pela a liberdade de crença.
6. ESCUSA DE CONSCIÊNCIA
Art. 5o, VIII: ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação
legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
Desta forma, sempre que uma pessoa estiver seriamente impedida de acatar uma
prescrição legal, em razão de forte e real crença/convicção, poderá se valer desse direito,
que vai eximi-la da obrigação estipulada em lei, cujo cumprimento importaria grave
violência à sua consciência. Não custa lembrar, no entanto, que se o Estado houver fixado
em lei uma prestação alternativa, consistente em um serviço administrativo que não abala
crenças ou convicções, o sujeito deverá cumpri-la, sob pena de ficar privado de seus
direitos políticos (art. 15, IV, CF/88).
1) ninguém ficará privado dos seus direitos políticos por ter se valido da escusa de
consciência; a privação deriva da invocação da escusa de consciência associada à não
prestação do serviço administrativo;
2) se não houver lei estabelecendo o serviço alternativo, isso não vai prejudicar, de forma
alguma, o indivíduo. Assim, caso o Estado não tenha editado a lei que traga o serviço
administrativo correspondente ao descumprimento de uma obrigação legal específica, não
haverá privação dos direitos políticos para aquele que não cumprir com a obrigação legal.
A razão é simples: muito embora o inciso VIII careça de lei que fixe a incumbência
alternativa, possui aplicabilidade imediata quanto ao direito de invocar a objeção de
consciência (art. 5°, § 1°, CF/88).
Ainda sobre o inciso VIII, vale recordar que o imperativo de consciência tem origem
evidente nas situações de guerra e no desejo de não prestar o serviço militar obrigatório.
No Brasil, há a previsão constitucional da obrigatoriedade do serviço militar para todos,
com exceção das mulheres e eclesiásticos (art. 143, caput, e § 2°, CF/88) e a
determinação de que compete às Forças Armadas, através de lei, regulamentar a tarefa
alternativa para os casos em que o indivíduo se vale do imperativo de consciência para
descumpri-lo (temos a Lei n° 8.239/1991).
Há que se lembrar, todavia, que o direito não se restringe a essa específica
obrigação legal, podendo abarcar variadas obrigações coletivas que conflitem com
crenças religiosas, convicções políticas ou filosóficas. fortalecendo esta ideia, temos o art.
438 do CPP, que enuncia que a recusa ao serviço do júri, fundada na alegação da escusa
de consciência, gera a suspensão dos direitos políticos caso o sujeito se recuse a cumprir
a prestação alternativa.
Veja-se, a propósito, o que dispõe o art. 5o, IV, IX e XIV, bem como art. 220, §§ 1o
e 2o, da Constituição:
“Art. 5o. (...) IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo
vedado o anonimato; (...) IX – é livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica ou de comunicação,
independentemente de censura ou licença; (...) XIV – é assegurado a
todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional;”
Por último, vale dar o devido destaque a importantes decisões já tomadas pelo STF
e que podem vir a ser exigidas em prova:
1) Como já comentado em nosso estudo referente ao inciso IV, em junho de 2015, o
Plenário do STF julgou (decisão unânime) procedente a ação direta de
inconstitucionalidade (ADI) 4815 e declarou não ser exigível a autorização prévia do
biografado para a publicação de biografias.
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