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H673 História e memórias do povo Atikum / Professoras e Professores indígenas,


estudantes indígenas e lideranças do povo Atikum ; organização textual
Wellcherline Miranda Lima. – Recife : Secretaria de Educação e Esportes
de Pernambuco, 2022.
109p. : il.

Inclui glossário.
Inclui referências.

1. ÍNDIOS ATIKUM – BRASIL (NORDESTE) – HISTÓRIA. 2. ÍNDIOS


ATIKUM – CULTURA. 3. ÍNDIOS ATIKUM –ASPECTOS RELIGIOSOS.
4. ÍNDIOS ATIKUM – SAÚDE. 5. ÍNDIOS ATIKUM – EDUCAÇÃO. 6. ÍN-
DIOS ATIKUM – ARTE. 7. ÍNDIOS ATIKUM – VIDA E COSTUMES SO-
CIAIS. 8. CULINÁRIA INDÍGENA. 9. PLANTAS MEDICINAIS. I. Lima,
Wellcherline Miranda.

CDU 981(=98)
CDD 980.004 98

PeR – BPE 22-080

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Governador de Pernambuco
Paulo Henrique Saraiva Câmara

Vice-Governadora
Luciana Barbosa de Oliveira Santos

Secretaria de Educação e Esportes


Marcelo Andrade Bezerra Barros

Secretário Executivo de Planejamento e Coordenação


Leonardo Ângelo de Souza Santos

Secretária Executiva de Desenvolvimento da Educação


Ana Coelho Vieira Selva

Secretária Executiva de Educação Profissional


Maria de Araújo Medeiros Souza

Secretário Executivo de Administração e Finanças


Alamartine Ferreira de Carvalho

Secretário Executivo de Gestão da Rede


João Carlos de Cintra Charamba

Secretário Executivo de Esportes


Diego Porto Pérez

Gerência Geral das Modalidades


Claudia Mendes de Abreu

Superintendência de Política Educacional Indígena


Caetano Bezerra Barboza Neto

Unidade da Educação Escolar Indígena


Wellcherline Miranda Lima

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FICHA TÉCNICA

AUTORIA
Professoras e professores indígenas;
Estudantes indígenas; e Lideranças do povo Atikum

ORGANIZAÇÃO TEXTUAL
Wellcherline Miranda Lima

REVISÃO LÍNGUA PORTUGUESA


Edney Alexandre de Oliveira Belo

ARTE E DIAGRAMAÇÃO
Otávio Barros Falcão Jr

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HINO DE ATIKUM

O meu Atikum está muito alegre (2x),


É de ver seus índios encima da Serra (2x),
Reina, reina houa (4x),
Oi cante e dance meus caboclos índios, reina, reina na houa (2x),
ou reina, reina na houa, reina , reina na houa (4x).

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É com grande entusiasmo que a Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco, através da
Secretaria Executiva de Desenvolvimento da Educação, apresenta o livro História e Memórias do
Povo Atikum.

A obra, que foi elaborada por professores indígenas e lideranças, contempla um panorama da
trajetória dos Atikum-Umã, desde os seus primeiros contatos com os colonizadores, no século XVI,
até os dias atuais, passando por assuntos como, histórias, memórias, língua materna, preservação
do meio ambiente, religiosidade, “ciência de índio”, saúde indígena, artesanato e culinária do povo.

O livro, ainda, trata sobre a Educação Escolar Indígena e deve servir à comunidade escolar como
importante fonte de pesquisa sobre história e cultura do povo Atikum, colaborando para o
fortalecimento de uma educação pautada nos eixos norteadores: Terra, Identidade, História,
Organização e Interculturalidade, os quais são a base para uma educação diferenciada e específica
dos povos indígenas em Pernambuco.

Ana Selva
Secretaria Executiva de
Desenvolvimento da Educação

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Nossos mais velhos nos ensinaram a importância de repassar nossa história de geração em geração,
garantindo a continuidade da nossa cultura. Esse legado é firmado na oralidade, que enriquece os
conhecimentos e os diferentes olhares, valorizando a nossa identidade étnica e cultural. Todas essas
histórias ouvidas são memórias que precisam ser registradas, para que não sejam perdidas com o
tempo.

O ato de escrever nossa história é muito importante para reafirmar nossa identidade étnica e nosso
elo com o passado, assegurando o conhecimento cultural para as gerações futuras.

O livro História e Memórias do Povo Atikum não representa unicamente um estudo cientifico. Ele
é baseado nos conhecimentos dos nossos mais velhos, trazidos de suas vivências, das suas histórias
de lutas e saberes tradicionais. Nele, há também uma linha do tempo, contendo a origem, a cultura,
as crenças e as tradições do nosso povo. Este trabalho foi desenvolvido de forma coletiva, em
parceria com historiadores locais, lideranças, caciques, pajés, anciãos, comunidade, professores e
coordenadores.

Esperamos que essa obra desperte nos educadores, estudantes e pesquisadores o interesse de
aprimorar os conhecimentos sobre o nosso povo, nossa cultura e nossas tradições.

Território Sagrado Atikum,


2022.

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SUMÁRIO

A ORIGEM DO POVO ATIKUM UMÃ ....................................................... 11

A TERRA ................................................................................................... 33

TRADIÇÕES CULTURAIS E RELIGIÃO ........................................................ 43

RAIZES E SABERES ................................................................................... 53

A NATUREZA SAGRADA E SUAS CIÊNCIAS .............................................. 65

ORGANIZAÇÕES SOCIAS E POLÍTICAS ..................................................... 80

EDUCAÇÃO INDIGENA E EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA...................... 88

SAÚDE INDÍGENA .................................................................................. 102

GLOSSÁRIO ............................................................................................ 107

REFERÊNCIAS ......................................................................................... 108

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A ORIGEM
DO POVO
ATIKUM UMÃ

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A ORIGEM DO POVO ATIKUM UMÃ
Os Atikum são uma etnia indígena do sertão nordestino situada na Serra do Umã e seus arredores.
No entanto, tanto sua origem quanto seu nome resistem ao longo de mais de 500 anos, passando
por transformações e mudanças que os moldaram, tornando-os esse povo guerreiro e forte que
resiste desde sempre.

O contexto histórico é fundamental para o entendimento de seu passado, bem como para situar o
leitor no tempo e no espaço, auxiliando-o na compreensão dos motivos que os levaram a se
estabelecer naquela região, ao longo do tempo.

O RIO SÃO FRANCISCO


Para entender a origem do povo Atikum Umã, necessitamos viajar no tempo quando iniciou a
colonização, com a chegada dos portugueses ao vale do rio São Francisco. Essa ocupação por não
índios já vinha ocorrendo desde 1550, rio acima, a partir da foz, até a cidade de Penedo, atual
município de Piaçabuçu, em Alagoas. Daí, então, eles seguiram em direção à cachoeira de Paulo
Afonso, na Bahia, que era um grande limitador de navegação no rio São Francisco.

Os relatos sobre os índios na região só começaram a aparecer a partir do momento em que houve
os primeiros contatos entre os não índios e os índios.

Os índios da região ganharam notoriedade a partir de 1639, quando houve a invasão dos Holandeses
pela foz do rio São Francisco. Naquele ano, o guerreiro indígena de nação Tupi - Felipe Camarão -
convocou índios Atikum para pelejar contra os holandeses. Um índio tapuia chamado Francisco
Rodelas, com um exército de 200 índios da região de rodelas, na Bahia, lutou bravamente contra os
holandeses, saindo com grande vitória. Como recompensa pela participação na guerra contra os
holandeses, os índios recebem um dos territórios onde habitavam. Essa é a primeira menção
descrita de índios nessa região. (SALOMÃO, 2006)

O território dos Rodelas compreendia a faixa de terras que ia desde a região de Zorobabel, lado
baiano em frente a ilha de Zorobabel, até em a região de Pambu, lado baiano em frente a ilha do
Pambu. Pelo lado pernambucano, seguindo-se pela região de Cabrobó, até a foz do rio Pajeú, em
Itacuruba (SALOMÃO, 2006).

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Imagem 1 - Território dos Rodelas em 1645
Fonte: Earth Google

Dentro desse território, em 1645, existiam dezenas de aldeias indígenas que, ao que tudo indica,
eram de outras nações. No entanto, por falta de estudos, todos os indígenas foram classificados
como sendo da etnia rodelas. Apesar disso, alguns pertenciam à nação Procá, enquanto os Rodelas
e outros grupos pertenciam à nação Kariri. Suas habitações ficavam tanto nas ilhas quanto em terra
firme, em território pernambucano, ou em território baiano. Essa região era ocupada pelos índios
Rodelas (Corumbaba), Brancararus, Zorobabel, Aratikum, Acará, Jetinã, Uxucu, Caburé, Herenipó,
Vakuyuviri, Viri pequeno, Pedra, Cachauí e Pambu (FONSECA, 1996).

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Imagem 2 - Índios Jetinã e Acará dentro do território Rodelas
Fonte: Earth Google

Imagem 3 - Índios Pambu dentro do Território Rodelas e Índios Aracapá fora do Território Rodelas.
Fonte: Earth Google

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Os aldeamentos mais populosos e mais organizados foram alvo dos missionários, os quais
organizaram suas missões em função da maior facilidade de transmissão da mensagem da igreja ou
da Coroa Portuguesa. As principais missões na região foram a Missão de Corumbabá, atualmente
rodelas, Missão de Zorobabel, na ilha de Zorobabel, em Itacuruba, Missão do Brejo dos padres, na
ribeira do Rio Pajeú, juntamente com a nação Brancararu, hoje povo indígena Pankararu; Missão de
Acará e Jetinã atual Belém do São Francisco; Missão do Pambu, em Cabrobó e região, hoje, povo
indígena Truká, Missão de Aracapá, em Orocó e Santa Maria da Boa Vista (FONSECA, 1996).

Imagem 4 - Índios Aratikum na ilha do Aratikum próximo a aldeia dos Rodelas dentro do território
dos Rodelas. Fonte: Earth Google

Dentre essas ilhas e aldeamentos, havia outras menores, as quais não receberam nenhuma missão
específica dos catequizadores. Dentre elas, encontra-se a ilha e região de Aratikum, logo abaixo de
Jatinã, logo acima de Zorobabel, que é descrita como uma ilha e um local de terra firme. Dada a
proximidade, esses índios eram missionados por Frei Francisco Donfront, também missionário de
Zorobabel (FONSECA, 1996).

O ambiente, em 1642, era de bastante animosidade, em função da expansão dos domínios da casa
da torre. Isso ocorreu quando o Frei Martinho de Nantes começou os trabalhos missionários. O
mesmo enfrentou constantes ameaças de invasões aos territórios por criadores de gado (NANTES,
1979).

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Em 1646, a Casa da Torre, era uma instituição administrativa na Capitania da Bahia, apresentou
requerimento solicitando uma sesmaria que correspondia ao território dos índios Rodelas. Seu
pedido foi concedido em 1651 pelo Governador Geral, João Rodrigues de Vasconcelos. No entanto,
essa sessão ressaltava que as terras que eram necessárias aos índios ficariam de fora, o que nunca
foi obedecido (SALOMÃO, 2006).

A criação de gado na região foi iniciada em 1551 por Garcia D’ávila e seguida pelos seus
descendentes. O regime se dava da seguinte forma: eram doados vinte vacas e um touro para alguns
aventureiros, os quais eram distribuídos ao longo do Vale do São Francisco, casa da torre acima
(SALOMÃO, 2006).

As missões religiosas comandadas por frades Capuchinhos Franceses na região começaram no ano
de 1669, porém, ganharam destaque a partir do ano de 1670, com a chegada dos frades
capuchinhos franceses. Dentre eles, encontravam-se o frei Martinho de Nantes e o frei Bernard de
Nantes, os quais tinham boa relação com outros religiosos de outras missões. A descrição do
catecismo na língua falada, na região, foi uma estratégia importante para a catequização.

OS ÍNDIOS UMÃ

A primeira menção aos índios Umã foi feita por volta do ano de 1670, pelo Frei Bernard. Segundo
seus relatos, os indígenas que transitavam na região do São Francisco e eram guerreiros, viviam da
caça e pesca, sem preocupação com lavoura. Eram chamados de índios bárbaros pelos não índios.

Eles só pensam naquilo que se apresenta atualmente perante os seus olhos, e


não buscam outra satisfação senão dos sentidos, que é comum aos animais,
caminhando nus como os animais, alimentando-se de frutas que encontram
pelo caminho que a terra dá espontaneamente. Alguns sentem prazer à
maneira dos bárbaros, sem vergonha uns dos outros, [...], como os Aracuís,
Umans, Jaicós, nômades que andam e vivem pelas matas (NANTES, 1702).

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O SURGIMENTO DO NOME ATIKUM
O nome Atikum só veio aparecer mais recentemente, já no reconhecimento do povo. No entanto,
os relatos mais antigos citaram outros nomes atribuídos aos ancestrais dos Atikuns, tais como:
Aratikum Umã e suas variações (Huanoi, Huamoi, Huamães, Huamué, Humons, Umães, Uman,
Umãos, Urumã, Woyana).

No ano de 1670, a Missão de Rodelas, que era chefiada pelo frei Francisco Domfront, reuniu as
nações indígenas, Aratikun, Corumbabá, Aacará, Jetinã, Uxucu, Caburé, Herenipó, Vakuyuviri, Viri
Pequeno e Pedra para fazerem parte da mesma missão (FONSECA,1996).

O domínio dos capuchinhos franceses entrou em declínio quatorze anos após a missão, por volta de
1683, quando os padres jesuítas iniciaram a substituição dos religiosos franceses. Os jesuítas
mantiveram os aldeamentos organizados pelos capuchinhos franceses, mas, devido ao acirramento
dos conflitos por terras, foi organizado, em 1696, um novo aldeamento. Por comodidade, os padres
mantiveram os índios em missão, organizaram três aldeamentos na região e enviaram cartas
solicitando demarcação dos territórios.

OS ALDEAMENTOS
Os aldeamentos eram em Rodelas, de onde se comandavam as demais missões – neles se
agrupavam, além de rodelas, os índios das seguintes aldeias: Herenipó, Jetinã, Vacuyuviri, Viri
Pequeno, Pedra e Araticum. A outra seria Zorobabel, com os índios da ilha de Zorobabel, Pankararu
e os de outra ilha menor na mesma região (SALOMÃO, 2006).

O domínio dos jesuítas na região teve fim no ano de 1696, quando os donatários da casa da torre
resolveram expulsar os religiosos da região, após decisão das mulheres da torre, a saber: Leonor
Pereira Marinho, viúva de Francisco Dias D’ávila e Catarina Fogaça, viúva de Vasco Marinho de
Falcão (FONSECA, 1996).

As circunstâncias que causaram a expulsão dos jesuítas foram o aumento da criação de gado e a
necessidade de outras áreas para pastagens, pois as aldeias da região tornaram-se uma alternativa
para os fazendeiros.

Desta forma, tanto os religiosos quanto os índios ficaram sem local para cultivarem lavouras,
caçarem e pescarem, o que dificultou cada vez mais a sobrevivência na região. Esses fatores
acirraram os conflitos na região e culminaram com ataques dos índios às fazendas e aos fazendeiros.
Por isso, a casa da torre lançou mão da então guerra e assolou as populações indígenas com a
anuência da Coroa Portuguesa (FONSECA, 1920).

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A situação na região entre os anos de 1683 e 1696 ficou insuportável e, a partir do momento em
que houve a insurreição contra os jesuítas, por parte da casa da torre, ficou impossível viver na
região.

O declínio total das missões dos jesuítas aconteceu no ano de 1696. Com a saída dos religiosos da
região, os índios ficaram à mercê da casa da torre, que tinha grande ambição nas terras ocupadas
pelos indígenas. A partir desse momento, intensificam-se as guerras contra os indígenas,
aprisionamento dos dissidentes, estupros e escravização de mulheres indígenas. Tudo isso justificou
o início da diáspora da maioria dos índios da região (SALOMÃO, 2006).

E tão ruim quanto isso, a aldeia ao lado da povoação dos brancos acabou
criando atrito entre os padres e colonizadores pela exploração destes contra
os índios, pela promiscuidade com as mulheres que os missionários não
aceitavam. Segregando o nativo, sem-terra, onde plantar sua escassa lavoura,
praticamente impedido de se distanciar para caça, obrigados os homens
válidos a matar e morrer na guerra. As aldeias terminavam sendo um
amontoado de mulheres, velhos e crianças famintos que os missionários
cuidavam com dificuldade e muita limitação. Sem terra para lavoura, sem
espaço para caça, os indígenas dependiam da caridade (FONSECA, 1920, p. 91).

Desde o ano de 1713, os índios Umã já estavam na foz do rio Pajeú, nas proximidades de Itacuruba,
junto a outros povos indígenas.

Uma carta escrita em 1713, pelo governador de Pernambuco ao capitão-mor


João de Oliveira Neves, onde comenta que havia lhe chegado a notícia de que
na ribeira do Pajeú se achava revolto o gentio Xocó e que eles tinham
agregados os Guegue, Uman, Carateu e Pipipan (MEDEIROS, 2000).

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No ano de 1728, por determinação do governo de Pernambuco, ocorreu a separação entre os índios
de Pernambuco e da Bahia e os Aratikum, que se encontravam na Missão de Rodelas com os
Rodelas, então, passaram a fazer parte da missão de Zorobabel (SALOMÃO, 2006).

Foi citado ainda, na mesma época, um grupo de índios com mesmo nome na região de Propriá e,
bem mais tarde, já após 1700, um grupo com a mesma denominação numa região mais acima entre
os Rios Ypanemas e Pajeú (MAMIANI, 1699, Sic).

A UNIÃO DOS ARATIKUM E UMÃ

Com base nessa narrativa histórica, convém inferir que a união entre os Aratikum e os Umã tenha
acontecido a partir de 1728, quando ocorreu a transferência dos índios da Ilha do Aratikum para a
ilha e região de Zorobabel, em Itacuruba, com as outras nações indígenas do lado pernambucano.
Salomão afirmou que houve um aumento populacional nesse aldeamento de cerca de 400 índios,
em dez anos, os quais passaram de uma população de 200 indivíduos, em 1728, para mais de 600
índios, em 1740 (SALOMÃO, 2006).

O que contribuiu para a sobrevivência e a união entre os Aratikum e os Umã foi o fato de os dois
povos terem disposição para a guerra e suas táticas avançadas de camuflagem garantirem o sucesso
da diáspora, riachos e rios acima, até se estabelecerem nas terras onde hoje é o seu reduto.

Eles pintam o círculo de urucum e de diversas outras pinturas, principalmente


quando vão à guerra, e os mais disformes passam por mais valentes e mais
terríveis, e vendo essas deformidades bárbaras colocam mais terror nos seus
inimigos. Alguns usam uma tornozeleira de penas de aves em forma de
chapéu, outros fazem uma frisa à maneira de calção curto. Há uns que se
lambuzam com mel grosso e cobrem o corpo então com pequenas penas de
pássaros de várias cores, o que os faz parecer com estátuas de madeira.
(NANTES, 1702).

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A CONFEDERAÇÃO DOS KARIRIS
Outro fato notável que ocorreu na mesma época e região, foi a Confederação dos Kariris, que se
deu entre os anos 1683 e 1713. Durante esse período, segundo os mais velhos, vários índios de
diversas aldeias se reuniram contra os colonizadores e muitos confrontos foram travados e, devido
à justificativa de “guerra justa”1 e ao inescrupuloso comportamento por parte dos colonizadores,
foram mortos índios guerreiros e índios que já se encontravam aldeados, assim como velhos,
mulheres e crianças.

Povos como os Icó, Canindé, Sucuru, Cariri, Janduic e Paicu, não aceitando a
invasão, reagiram contra a criação de gado em suas terras. Isso gerou conflitos
entre os índios e os colonos, ficando conhecidos como guerra dos bárbaros –
No São Francisco – confederação dos Kariris – ocorrida entre 1683 e 1713. A
guerra está dividida entre dois atos: a Guerra do Açu e a Guerra do Recôncavo
ocorridas na Bahia; gerando conflitos na Serra do Orobó, Aporá e rio São
Francisco. Esses conflitos ocorreram nos estados de Pernambuco, Rio Grande
do Norte, Piauí e Paraíba. Os conflitos resultaram em um maior controle dos
colonos sobre os índios do sertão, chegando ao extermínio (BATALHA, 2017, p.
18).

A guerra deixou um saldo muito negativo entre os índios, com a morte de muitos guerreiros,
restando apenas os que não lutaram, como os velhos, as mulheres e as crianças. E, por isso, foi
relatado que, em 1727, os índios da região se encontravam praticamente pacificados (BATALHA,
2017).

A BRAVURA DOS ANCESTRAIS

A partir do ano de 1760, o protagonismo dos Aratikum vai dando lugar à bravura dos Umã, de
maneira que começaram a ganhar a mesma identidade. A localização exata deles não foi possível
ser determinada. No entanto, a Serra Negra, localizada entre os municípios de Floresta e Ibimirim,
na época, já era reduto de muitos índios.

Pouco mais tarde, em 1770, foram noticiados inúmeros ataques dos índios às fazendas de gado da
região, em decorrência do extermínio de muitos indígenas e da destruição das matas para a criação

1 A chamada “guerra justa” na visão dos colonizadores, para justificar o extermínio dos povos indígenas.

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de gado, realizadas pelos fazendeiros. Com isso, foi organizada uma expedição para exterminar os
índios da região ou pacificar os capturados.

No ano de 1756, chega à região do Pajeú, a família Lopes Diniz, fundando a Panelas D’Aguas, dentro
da Fazenda Grande. Desta forma, ampliaram-se os domínios da Casa da Torre (local de
administração e domínio sobre nativos) e dificultou-se cada vez mais o estabelecimento dos índios
em uma aldeia, acirrando cada vez mais os conflitos.

Os índios Umã foram noticiados em outras localidades ao longo do tempo, inclusive com outros
nomes, conforme já citado acima, a saber, rio Ipanema e outros locais. A teoria mais aceita é a de
que alguns grupos pequenos pertencentes ao povo se dispersaram dos demais, procurando outros
locais.

O que se acredita é que mesmo com a saída de um grupo o outro ficou na região. Isso pode ser
observado nos índios Umã, Xocó e outros grupos tidos como nômades. Essa teoria é reforçada pelos
fatos da época. As longas distâncias dificultavam o deslocamento de todos os membros, incluindo
mulheres, idosos, jovens e crianças, em uma época em que os conflitos aconteciam a todo
momento.

Após o evento da Serra Negra, em 1770, os índios que não foram mortos ou capturados fugiram da
região, afugentando-se nas serras e brejos, locais de difícil acesso, que dificultavam os ataques e
facilitavam a defesa.

Uma das teorias mais prováveis é a de que os Umã tenham se afugentado no sítio da Penha e Olho
D’água da Gameleira, após essa data. Outra possibilidade, teria sido um possível alojamento no
Brejo do Gama, quando foi relatado haver uma missão no ano de 1759, mesmo o local sendo uma
fazenda, na época pertencente à família Lopes Diniz, desde 1756 (SARDINHA, 2002).

Em 1759, na "Relação das missões que existiam no rio São Francisco" do


Sargento-mor Jerônimo Mendes da Paz citava a Missão do Brejo do Gama para
o aldeamento dos chamados "índios do corso" dispersos pelo Pajeú.
Correspondia a uma das duas missões em terra firme no Sertão de
Pernambuco, a outra era a Missão do Araripe (SARDINHA, 2002).

A data da chegada dos índios a essa região não foi possível afirmar com exatidão pela ausência de
registros. Porém, os fatos da época conseguem fazer alguma ligação entre os eventos.

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AS MISSÕES E ALDEAMENTOS
O ano de 1802 foi um marco para os índios da região, pois foi o ano em que a maioria foi aldeada, a
saber: os Umã, em Olho D’água da Gameleira, Sitio da Penha e Serra do Arapuá, e os Pipipã, com os
Xocó, na Aldeia Jacaré, na Serra Negra. Todos foram aldeados pelo Frei Vidal de Frescarollo e pelo
juiz Francisco Barbosa Nogueira.

A chegada do frei Vidal de Frescarollo à região, data de 1802, todavia, por já haver índios
organizados na região, eles precisavam ter chegado um pouco antes, por volta de 1790. Esse é o
tempo que se levaria para se estabelecerem no local, construírem suas habitações e organizarem-
se para a produção de seu alimento complementar à caça, visto que na região não tinha peixe.

Os padres não formavam os aldeamentos em si, eles apenas organizavam a missão nos que já
existiam na região. Não era possível sair atrás dos índios embrenhados nas matas para, assim,
catequizá-los ou aldeá-los, sendo mais provável que se chegasse à região onde já existia algum tipo
de organização no local.

Os índios Umãs foram oficialmente aldeados no Olho D’agua da Gameleira, no ano de 1801. Neste
ano, o Frei Vidal de Frescarollo e Francisco Barbosa Nogueira – Diretor dos índios - fundaram a
missão do Olho D’água da Gameleira, todavia, essa missão só foi consolidada em 1804.

No ensejo, a aldeia foi elevada à categoria de vila, influenciada, ainda, pelo Diretório dos Índios em
Pernambuco, que vigorava desde o ano de 1757. Esse diretório orientava que os aldeamentos
fossem transformados em vilas, seguindo a organização, semelhantemente a um quartel. E, assim,
foi a fundação da Vila do Olho D’água da Gameleira. Junto aos Umãs, foram aldeados os Oê ou
Vouvê e, com eles, foram divididos os cargos. Sobre o Diretório, Junior, assim descreveu:

Pois se apresentava como o melhor mecanismo burocrático de atração,


pacificação e “civilização” das populações não aldeadas nas ribeiras do Pajeú e
Moxotó, e a sua reunião nas vilas localizadas nas ilhas do São Francisco
(Assunção e Santa Maria). Assim, o Diretório tinha a função pragmática de
controle das populações indígenas acusadas de cometerem furtos e mortes
nas fazendas nos rios Moxotó e Pajeú (JUNIOR, 2015).

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OLHO D’ÁGUA DA GAMELEIRA
Na ocasião, a Junta do Governo de Pernambuco invocou a Carta Régia de 14/09/1758, a qual
impunha que as Missões de Pernambuco fossem transformadas em vilas. E, nesse contexto, a Junta
determinou que todos os índios fossem organizados e, dessa forma, repartissem-se as terras
destinadas à sua lavoura e comércio, tanto nas vilas quanto nos lugares que, de novo, fossem
levantados.
A junta autorizou que Olho d’Água da Gameleira fosse a residência dos índios Umã e Oê, até que
alguém reclamasse posse do local, ou que fosse doado pelo Rei um território equivalente. Na
ocasião, Francisco Barbosa foi nomeado diretor dos índios da Gameleira.

A organização, em regime de patentes, visava o equilíbrio entre os dois povos aldeados na missão
do Olho D’água da Gameleira. As patentes eram iguais e cada uma obedecia a uma hierarquia. As
primeiras patentes foram concedidas aos índios pertencentes aos dois povos assim distribuídos.

O índio Francisco Rodrigues, Sargento Mor dos Índios da “Nova Aldeia do Olho
D’Água da Gameleira” (14 nov. 1801), obediência ao Capitão Mor da Aldeia
Domingos João (Oê). O índio Gonçalo Barbosa, Capitão dos índios Umã (14
nov.1801), obediência ao Capitão Mor da Aldeia Domingos João (Oê). O Índio
Manoel Baptista, Alferes da Companhia de Índios da Nação Umã (16 nov.
1801), obediência ao Capitão dos índios Umã Gonçalo Barbosa (Umã) e ao
Capitão Mor da Aldeia Domingos João (Oê) (APEJE, 1801).

O Índio Domingos João, Capitão Mor dos Índios da “Nova Aldeia do Olho
D’Água da Gameleira” (14 nov. 1801); O índio Felizardo da Rocha, Capitão dos
Índios Oê (16 nov. 1801); obediência ao Capitão Mor da Aldeia Domingos João
(Oê), o Índio Francisco Nogueira, Alferes da Companhia dos índios da Nação
Oê (16 nov. 1801), obediência ao Capitão dos índios Oê Felizardo da Rocha (Oê)
e ao Capitão Mor da Aldeia Domingos João (Oê) APEJE, 1801).

As aldeias ficaram sobre a organização do Frei Vidal de Frescarollo até o ano de 1806, quando a
responsabilidade pela missão passou ao Frei Angelo de Nisa. Este já chefiava a missão da Baixa Verde
e organizava aldeamentos na região.

No ano de 1812, foi solicitado ao estado um território para instalação de uma aldeia na Baixa Verde.
A pedido de índios das nações Pipipã, Xocó, Umã e Pancararu que viviam entre a Serra Negra e a
Serra do Periquito.

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Não se sabe bem se todos os índios foram transferidos para a região da Baixa Verde (hoje o
município de Santa Cruz da Baixa Verde) ou se apenas a responsabilidade pela missão passou para
a missão da Baixa Verde.

O aldeamento ficou organizado até o ano de 1814, quando os conflitos na região se acirraram devido
à expansão das fazendas, o estreitamento do território dos índios e à concorrência pelas fontes de
águas na região. No mesmo ano, foi solicitada autorização para abertura de uma estrada partindo
da Serra do Umã em direção aos Cariris novos, afim de afugentar os índios e, assim, facilitar o seu
extermínio.
O fato importante aqui foi que o fundador do aldeamento, o juiz Francisco Barbosa Nogueira, então,
estava a favor dos fazendeiros e dos que perseguiam os índios na região, inclusive, a favor das
bandeiras (SANTOS JUNIOR, 2015a).

Nesse mesmo ano, os índios da região, acuados pelos fazendeiros, ameaçaram convocar as nações
Manças para pelejar com eles contra as atrocidades realizadas pelos fazendeiros da região.

Os referidos índios ameaçavam a convocação das “nações Manças” de Águas


Belas, Curral dos Bois, os das vilas da Assunção, Santa Maria e de Rodelas para
atacar as ribeiras do Pajeú e do Moxotó, matar e roubar os bens dos
moradores. (SANTOS JUNIOR, 2015).

OLHO D’ÁGUA DO PADRE

O ano de 1819 teve grande importância para os Umã, uma vez que foi relatado o assassinato de um
padre no local do aldeamento. As circunstâncias de tal evento não ficaram claras. No entanto, a
teoria mais aceita é a de que o padre foi confundido com algum fazendeiro ou vaqueiro que passava
pela região. Segundo o que foi narrado pelos mais velhos, vinha com o padre um ajudante que
conseguiu escapar da investida dos índios. A partir desse episódio, a aldeia passou a se chamar Olho
D’água do Padre.

Os índios ficaram na região até o ano de 1824, quando o Frei Angelo Mauricio de Niza morreu e não
houve substituto para o mesmo. Nesse momento, houve uma grande dispersão de alguns grupos
indígenas. Um grupo foi para o Ceará, outros grupos foram para a ilha da Assunção, junto com os
Truká, enquanto outros dirigiram-se para a Serra Negra com os Pipipã.

23
Não se sabe ao certo quantos índios saíram e quantos ficaram. O fato é que, com a saída de grande
parte dos indígenas, sobretudo os mais guerreiros, as aldeias perderam potência e sofreram cada
vez mais com as invasões e a redução dos seus territórios (SANTOS JUNIOR, 2015a).

O ALDEAMENTO NA SERRA NEGRA

O aldeamento na Serra Negra ganha grande proporção por ser um reduto de vários índios e,
levando-se em consideração seu difícil acesso, foi possível organizar uma boa estratégia de defesa,
por um tempo até razoável.

No ano de 1824, quando um grupo de índios Umã se juntou aos Pipipã na Serra Negra, o local estava
enfrentando um conflito entre os fazendeiros José Francisco da Silva e José Roiz, a despeito da
descoberta de uma fonte de águas e os índios da região foram convocados para pelejar e tomar
partido nesse conflito junto ao José Roiz.

O aldeamento junto aos Pipipã na Serra Negra era formado pelos descentes dos índios da Gameleira
e da aldeia Jacaré.

O aldeamento na Serra Negra durou até o ano de 1856, quando, então, foi criado o aldeamento do
Brejo dos Padres, onde os índios da Serra Negra foram aldeados juntamente com os Pankararu
(SANTOS JUNIOR, 2015b).

Além do grupo de Umã que se juntou aos Pipipã e os que foram para a Região da Cachorra Morta,
em missão velha, no Ceará, outro grupo foi aldeado com os Xocó no Riacho do Negreiro, no ano de
1837. Esse fato mostrou a facilidade de dispersão entre os índios Umã e, possivelmente, a
divergência de idéias entre o povo na época.

Havia uma enorme movimentação de legislações que davam esperança e coragem aos índios. Uma
delas foi o regulamento das Missões, criado no ano de 1845, que regulamentava as Missões de
Catequese e Civilização dos índios, a qual determinava ser de responsabilidade do Estado a
demarcação dos aldeamentos, favorecendo a catequese e proibindo a escravidão e maus tratos aos
nativos.

No ano de 1850, foi criada a Lei de Terras, que tornou obrigatória a demarcação dos territórios
ocupados pelos índios, bem como as terras sem títulos legais, as quais eram transformadas em
terras devolutas do Estado e poderiam ser vendidas a quem interessasse.

24
A ELEVAÇÃO DO SÍTIO DA PENHA PARA VILA

Os índios Umã que estavam dispersos foram encorajados pelas recentes leis aprovadas e
retornaram aos seus territórios. No ano de 1866, eles solicitaram ao governo condições de retorno
ao antigo aldeamento na Vila da Penha e na Serra Umã, uma vez que o território era seu por direito,
pois era uma área de duas léguas em quadra que havia sido concedida aos índios pelo rei de
Portugal, em outros tempos (1801). No local estavam habitando fazendeiros, os quais alegavam que
não iriam devolver as terras aos índios sem um litígio.

No mesmo ano, estava em andamento o processo de transformação do Sítio da Penha em Vila. O


nome Luiz Rodrigues da Crus, um nome comum nos Umã desde o ano de 1801, na missão da
Gameleira e na Serra Negra, apareceu como um dos delegados indicados para a formação da vila.

O movimento de transformação do Sitio da Penha em Vila inicia em 1870, após o Delegado de


Floresta solicitar a criação de um distrito no Sitio da Penha. Com a transformação do Sitio da Penha
em Distrito da Penha e, sete anos depois, em Vila da Penha, os índios do local que não se adaptaram
ao regime de vila migraram para as Serras do Umã e Arapuá.

Isso se deu no ano de 1877, quando os dois grupos de índios que estavam na Serra Negra e Cachorra
Morta, no Ceará, retornaram e encorajaram os demais a resgatarem seu antigo território. Seus
nomes encontravam-se no requerimento da câmara de Floresta de 1877.

Dizem os índios: Antonio Pedro, Alexandre, Francisco, José Leite, José Zeferino,
Antonio Romão, Antonio José, Manoel, José, Ignez, Maria, Rosa, Senhorinha,
Maria Izabel, Alexandra, Maria Custodia e outros de menor idade em número
de vinte e oito (APEJE, 1877).

O FIM DOS ALDEAMENTOS

No ano de 1870, o governo da província de Pernambuco declarou a extinção de diversos


aldeamentos. Além disso, um relatório foi elaborado por uma comissão especifica para diagnosticar
a situação dos índios na região e a conclusão foi a de que eles viviam em situação de completo
abandono por parte do governo e pela igreja e, ainda, sofriam com o assédio dos fazendeiros que,
constantemente, invadiam suas terras para sustentar o gado.

25
Com isso, foi então sugerido que se extinguisse a maioria das aldeias de Pernambuco e se
mantivessem apenas duas aldeias; uma em Cimbres (no atual município de Pesqueira/PE) e outra
em Assunção (localizado no atual município de Cabrobó).

Desta forma, era importante redistribuir os demais índios da província nesses dois aldeamentos
(DANTAS, 2018). Não há descrição de se tal movimento no aldeamento ocorreu de fato. O fato é
que havia uma tentativa de extinção dos índios providenciada pelas autoridades públicas. Eles foram
obrigados a viver pacificamente com os não índios que dominavam a região e, como oficialmente
eles não existiam, não tinham como lutar contra os invasores e usurpadores de seus territórios.

Outro fator que contribuiu sobremaneira para a extinção dos aldeamentos foi a miscigenação dos
índios Umã, transformados em caboclos. Esse movimento de “caboclização” dos índios foi uma
estratégia utilizada pelo governo para negar a existência de índios e dificultar sua territorialização,
uma vez que, de acordo com a Lei de Terras de 1850, só era permitido destinar terras para a
catequização de indígenas (SANTOS JUNIOR, 2015a).

O anonimato dos Umã entre o ano de 1877 e 1940 se deu, principalmente, por esses eventos
narrados anteriormente. Os mais velhos relatam que os índios sofriam represálias, caso fossem
encontrados em manifestações, tais como danças, língua, vestimentas, atividades culturais ou o
simples fato de dizerem que eram índios. Muitos foram açoitados nas aldeias e nos caminhos onde
eram encontrados pela força policial.

RECONHECIMENTO DO POVO ATIKUM

Os eventos que antecedem o reconhecimento do povo Atikum na região servem de âncoras para
sustentar os argumentos sobre esse povo. Sabe-se que, desde a década de 1930, havia um grande
movimento de reconhecimento dos povos indígenas da região. Esse movimento inicia com o
reconhecimento dos Pankararu em Brejo dos padres, em 1937, e dos Pataxó e Kariri Xocó, em 1944,
e Truká, em meados da década de 1940. No ensejo, os índios Tuxá de Rodelas tiveram grande
participação, no sentido de organizar os rituais, nos índios Truká (SALOMÃO, 2006).

Os índios Tuxá estavam liderando o movimento de reconhecimento dos povos indígenas da região
por estarem à frente do processo de reconhecimento. E, desde 1944, já existia posto indígena na
aldeia. Não é que os demais índios da região não soubessem ou não praticassem os rituais ou
mesmo houvessem esquecido por completo suas crenças e seus costumes. O que ocorreu foi que
os rituais teriam que ser nos padrões cobrados pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

No ano de 1943 um grupo de índios da Serra Umã procurou o SPI, em Recife, para o reconhecimento
do seu povo como indígena a fim de, desta forma, diminuir as cobranças de impostos por parte do
município de Floresta e na tentativa de diminuir a intrusão dos fazendeiros em seus territórios.

26
Neste momento, são informados que, para serem reconhecidos precisam apresentar uma dança ou
ritual que os represente.

Em 1946, o fiscal do SPI compareceu à Serra do Umã e encontra um grupo de mais de 1800 índios.
Esse fiscal assiste então à apresentação e faz carta de recomendação para o reconhecimento. Os
índios Atikum foram reconhecidos a partir de 21/06/1946 (SALOMÂO, 2006).

Com o reconhecimento desses índios veio também a presença do governo para o local, na pessoa
do representante da 4ª Inspetoria Regional, e a criação do posto indígena na Serra Umã, o que
ocorreu em 1949.

A LÍNGUA MATERNA

O Povo Atikum é uma etnia indígena que ainda hoje sofre com o processo de colonização, período
em que várias culturas e línguas foram gradativamente silenciadas pelo homem branco.

Devemos concordar que várias etnias nordestinas foram vítimas do Colonialismo, por meio do
epistemicídio: modo violento que um grupo obriga outro a aderir a práticas e saberes sem respeitar
as suas especificidades, e do glotocídio: sistema político promovido pelo Estado de redução de
variações linguísticas e imposição da língua portuguesa como forma de dominação e extermínio das
diferenças.

Os relatos datam entre os anos 1540 e 1700, quando os ancestrais Atikum, com o nome de Umã, e
demais etnias indígenas sertanejas habitavam as margens do rio São Francisco. Ali, naquela
localidade, compartilhavam as suas vivências, como a língua materna, conhecida como Dzubukuá.

Segundo alguns registros históricos, o Dzubukuá é um dos ramos da família linguística Kariri, tronco
linguístico macro-jê, falado pelos povos que ocupavam, na época, a região do Submédio São
Francisco. A historiografia mostra que, nessa região, aconteceu uma grande confluência multilíngue,
entre as diversas etnias que moravam ali, inclusive a dos Atikum com o nome de Umã.

Para realizar o processo de catequização dos indígenas, foram enviados vários missionários que se
empenharam em diversas regiões, como o Frei Bernardes de Nantes que, ao catequizar várias etnias
que viviam nas margens do rio São Francisco também começou a registrar os hábitos e costumes
daqueles nativos, inclusive sua língua de origem.

Nantes escreveu o “Catecismo Índico da Língua Kariri Do Vale Do São Francisco” (Sic), que data de
1707 (início do século XVIII). Mais tarde, o Frei Vital de Frescarolo foi enviado para cuidar de um
aldeamento no antigo Olho D’Água da Gameleira, hoje Olho D’Água do Padre.

27
Em janeiro de 2010, fomos informados da existência desses registros históricos, por meio de
Josinaldo da Silva, um jovem Atikum que, na época, era estudante do curso de Medicina na UNB
(Universidade de Brasília) e está, hoje, formado. Ele teve acesso a alguns documentos manuscritos
dos missionários de (1707, 1708, 1709). Além desses documentos, outras fontes de pesquisa foram
importantes, como o trabalho de José Márcio de Queiroz (2008, 2012), mestre em Linguística pela
UFPE. Esses documentos tratam de uma das línguas faladas pelos antigos índios da região, além de
citar outras, como o Kiriri e o Kipeá.

Ao retornar à comunidade, ele reuniu a juventude Kyrimbaus (corajosos/as), lideranças,


professores/as e coordenadores/as da Educação Escolar Indígena para estudar o vocabulário
Dzubukuá.

Diante dessas informações, cresceram as expectativas do povo para se tornarem fluentes na sua
língua de origem, pois, temos um índio conhecido como Emídio Pedro de Oliveira, DN: 17/08/1927,
de 94 anos, que reside na aldeia Olho D`Água do Padre e é falante de línguas, o Sr Manoel de Urgina
(Manoel Augusto da Silva - In memoriam) e Ana Antônia de Jesus (Naninha Bezerra) que podem ser
relacionadas à nossa língua de origem. Assim, podemos fazer comparações com os documentos e
verificar a semelhança existente nas palavras e frases proferidas por eles.

Pretendemos, com esse trabalho, trazer à tona os vocábulos repassados pelos nossos mais velhos.
No momento, estamos fazendo um estudo aprofundado, internamente, de revitalização linguística
para que, futuramente, possamos incluir a língua Dzubukuá como componente curricular nas
escolas indígenas Atikum. Diante disso, será repassada para os estudantes a forma como se
comunicavam os ancestrais para, assim, brevemente, formar guerreiros fluentes na língua mãe, o
que vai contribuir para nos aproximarmos ainda mais da ciência sagrada, fortalecer a identidade
cultural, garantir a sustentabilidade desse aspecto linguístico no nosso povo, além de tornar possível
contar a história do nosso jeito e, de acordo com a realidade em que vive o povo Atikum.

Algumas palavras estão identificando o mesmo objeto, mas cada uma constitui um significado
diferente de acordo com cada língua. É o caso da palavra banana, um empréstimo de origem
africana que, em DZUBUKUÁ, chama-se pampoá.

Seguem, então, algumas palavras da nossa língua materna que são utilizadas pelas gerações atuais
do povo Atikum no nosso território sagrado:

Tupã Secy Juá Louvado seja Deus


Cadê o canhã canguê Cadê o dono da casa
Cadê o meu quaqui, cadê meu taquarakuá Cadê meu cachimbo, cadê meu borná
Pacoa Banana

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Ocáocá Casa
Anema Casado
Anemá Solteiro
Tupã Deus
Toê Fogo
Gitica ou biriba Batata
Taquarakuá ou aió Borná
Paxiá Maracá
Yoné Rapaz
Iaramurú ou cachiocó Jurema
Temão Não pegue
Teneréque Toré
Analuâ Cavalo
Pandugiri Cigarro
Coenã Marido
Sarapó Cobra
Curumim ou parugi Criança
Quaqui Cachimbo
Jatujé José
Marocatti Noivo
Aricuri Catolezeiro
Tokané Maria
Ariguidá Aribé
Papuku Sabugo de milho
Catioba ou capemba Barca de catolé
Patanuá Cachorro
Jakituím Joaquim
Quinkuajé Quintino

29
PINTURA CORPORAL DO POVO ATIKUM

A pintura corporal se apresenta no território Atikum desde o tempo dos nossos ancestrais. Ela faz
parte da cosmogonia Atikum. Esse aspecto é muito importante para o povo porque fortalece a nossa
identidade étnica e é uma forma simbólica de comunicação entre a etnia e a mãe natureza. As
simbologias pintadas no corpo dos indígenas são marcas específicas com vários significados. Em
geral, lembram animais, plantas, peças de artesanato, dentre outros.

A tintura vermelha é oriunda do urucum, mas a mistura mais comum, que define os traços, é feita
com jenipapo. Essa fruta é retirada verde e seu líquido é extraído. Em contato com a pele se
transforma em uma tinta preta que fica marcada na pele entre quinze e vinte dias.

A pintura corporal é uma forma de resistência também ao Colonialismo, pois, esse sistema
desvalorizou a cultura indígena. Esses povos foram tratados como sociedades homogêneas, ou seja,
todos iguais. Na verdade, observamos, por meio de vários aspectos, inclusive pela pintura corporal,
as especificidades de cada povo e os seus distintos significados de acordo com suas histórias,
culturas e realidades. Documentos antigos escritos pelos padres capuchinhos franceses citam os
UMÃS de acordo com a pintura corporal usada pelos antigos:

Eles pintam o círculo de urucum e de diversas outras pinturas, principalmente,


quando vão à guerra. Alguns usam uma tornozeleira de penas de aves em
forma de chapéu, outros fazem uma frisa à maneira de calção curto. Há uns
que se lambuzam com mel grosso e cobrem o corpo então com pequenas
penas de pássaros de várias cores e folhas, o que os faz parecer com estátuas
de madeira. (NANTES, [1702]).

Em uma pesquisa feita pela estudante Francinete, da Escola Estadual Indígena José Pedro Pereira,
em 2018, descobriu-se que os mais velhos do povo contaram já ter participado dos movimentos,
pintados com uma tinta preta extraída do jenipapo.

Segundo dona Odília, uma das professoras mais velhas da aldeia Olho D’ Água do Padre, ao saber
que os Atikum usavam símbolos no corpo, ela logo resolveu pintar os rostos dos seus alunos. Os
homens usavam no rosto a letra A, de Atikum, sendo que, ao lado da letra (lado direito e lado
esquerdo), adicionavam três riscos, um embaixo do outro. Já as mulheres, usavam também um A,
só que entre os dois riscos havia uma bolinha bem pequena. Segundo ela, era para diferenciar os
homens das mulheres e também das outras etnias, quando saíam para o movimento.

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Em 2020, a juventude Kyrimbaus criou uma pintura corporal que homenageia as artesãs e os
artesãos do nosso povo. A pintura abaixo mostra uma espécie de esteira (utensílio indígena)
fortalecendo a arte dos trançados.

A expectativa agora é de trazer, em memória, esses traços simbólicos que serão utilizados pelos
Atikum no seu cotidiano.

31
TERRA E
TERRITÓRIO

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A TERRA
A terra é considerada mãe, pois, é dela que retiramos meios de subsistência e renovamos nossas
forças para continuarmos na luta, em busca do que necessitamos. É importante ressaltar que, para
atingir nossos objetivos e hoje estarmos usufruindo do que sempre foi nosso por direito,
enfrentamos muitas perseguições, segundo relatos escritos e orais dos mais velhos do nosso povo.
No final da década de 1930 para o início dos anos 1940, iniciaram-se novos conflitos provocados
pelas invasões do gado nas roças e pela imposição de pagamentos de impostos pela Prefeitura
Municipal de Floresta sobre o uso da terra.

Os infortúnios davam-se da seguinte forma: quando nosso povo fazia suas plantações e se
aproximava a época da colheita, os fazendeiros soltavam o gado nas lavouras para comerem toda a
plantação, deixando os indígenas sem seus alimentos.

Em consequência disso, muitos índios passavam fome. Para sobreviverem, eles recorriam à
sabedoria e à confiança da Mãe Terra e iam em busca das comidas brabas como: macambira,
muncunã, cafofa de umbuzeiro, icó, bró de catolé, parreira, fava braba, maniçoba e xiquexique.

Este legado de luta, resistência e sabedoria para com a mãe terra precisa continuar, pois, é algo
indispensável para nós Atikum. Por isso, entendemos que é imprescindível sensibilizar as gerações
atuais e futuras na defesa e preservação da “TERRA”, respeitando a diversidade da fauna e da flora.

“A Terra é um milagre que tem vida e que dá vida ao mundo todo”.


Rosa Almerinda da Conceição Souza
(Anciã da Aldeia Olho D’Água da Santa)

O TERRITÓRIO

O povo Atikum Umã faz parte do conjunto de indígenas nordestinos atualmente localizados no
Sertão de Pernambuco, nos municípios de Carnaubeira da Penha, Salgueiro, Mirandiba, Belém do
São Francisco e em outros estados da federação. Com uma população regional de aproximadamente
11.900 indígenas entre aldeados e desaldeados2.

O Território está distribuído em 49 aldeias, sendo oito delas em processo de demarcação. Em 1949
o povo Atikum foi reconhecido oficialmente pelo Serviço de Proteção ao Índio - SPI.

2 Informações fornecidas pelos caciques e lideranças.

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Imagem 5: Geolocalização do Território Atikum demarcado
Fonte: Earth Google

Em 17 de agosto de 1993, a área foi demarcada e homologada através da portaria 314 assinada pelo
ministro da justiça. Em 18 de janeiro de 1996, foi registrada no cartório de Mirandiba a terra
indígena Atikum sob documento nº 2.918, livro 2 – I, folha 26, com apenas 16.290,1893 de área
demarcada. No entanto, tradicionalmente, o povo Atikum tinha uma extensão territorial de 35.000
hectares.

O Território habitado pelos índios Atikum seria um pouco maior, de acordo com as descrições feitas
a grosso modo, na época do reconhecimento, com perímetro de aproximadamente 90 km,
formando uma figura triangular com os pontos assim descritas: Serra do Urubu, a Noroeste da área,
Brejo do Gama, a Leste e Serra da Raposa ao Sul. Veja no Mapa a situação atual:

34
Imagem 6 - Demonstrativo de como seria o território.
Fonte: Earth Google

Essa área demarcada e homologada está distribuída por município da seguinte forma: Belém do São
Francisco; 413,35 ha, com 2,54% do total, Carnaubeira da Penha, 14.130,55 ha, com 86,74%,
Salgueiro, com 1.045, 96 ha, ou 6,41% do total e Mirandiba, 708,73 ha, com 4,35% do total
demarcado.

Os limites territoriais, contexto histórico e geográfico são SERRA DO URUBU (NOROESTE DA ÁREA),
BREJO DO GAMA (LESTE) e SERRA DA RAPOSA (SUL).

Estes limites formam uma área triangular, com perímetro de aproximadamente 90 km. Este traçado
inclui, em seu interior, dois povoados: Barra do Silva, Conceição das Crioulas e a cidade de
Carnaubeira da Penha.

A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) fez a demarcação, estreitando a área por orientações de
lideranças que os seguiam na época para se livrar dos conflitos com posseiros. Com isso, ficaram de
fora várias aldeias gerando insatisfações nos indígenas que, até hoje, lutam pela demarcação de seu
território.

Os pontos limites mais antigos, que não foram seguidos pela demarcação, são apontados pela
historiografia oral e escrita, por regiões e serras, tendo como referência, lugares como: Brejo do
Gama, Serra Redonda, Serra do Tumujú, Serra do Urubu, Serra do Amparo, Serra da Raposa e outras
regiões que envolvem a parte sul da Serra Umã.

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No entanto, esses limites, quando melhor apurados, apresentam outros pontos de convergência
que melhor delimitam o território, fazendo com que ele fique melhor descrito no livro Nossa Serra
Nossa Terra3. Ao Leste, a aldeia Brejo do Gama, seguindo em direção Norte os pontos em olho
d’água carnaubinha, Serra Tiuba, Barriguda e subindo pelo leito do riacho à ponta da Serra do Urubu.
Da mesma serra, a oeste, segue em linha reta até o Poço da Pedra, à Serra da Raposa e Serra do
Tomaz. Seguindo do Sul, em direção ao leste para o olho d’água Zacarias ao pé da serra cachoeira;
em seguida, à lagoa do caminho, onde se divide com a missão e à Fazenda Milagre. Daí segue até o
Brejo do Gama. Lembrando-se que esses limites não foram seguidos na época da demarcação do
território.

Veja no mapa como ficaria essa delimitação:

Imagem 7: Limites do Território Atikum


Fonte: Earth Google

Essas discrições fazem parte da história vivida em diferentes tempos por indígenas do povo Atikum
que, na visão do colonizador e dos seus descendentes, eram os caboclos. Porém, os caboclos sempre
foram índios e isso nos dá certeza de que onde foi lugar de caboclo é lugar de índio.

3
Disponível em:<https://cimi.org.br/pub/publicacoes/nossa_serra_comclu.pdf. >. Acessado 10 jan. 2022.

36
Um exemplo citado pela história escrita e oral é o “Tumuju”. José Barros do Nascimento, ex-sargento
na década de 1930, em entrevista, citou que o Tumuju pertencia também à Serra Umã. Essa versão
foi confirmada por pessoas da comunidade, respeitando-se o teor de verdade de cada um.

Quanto à demarcação, as terras não eram suficientes para atender a quantidade de indígenas e as
gerações futuras. Porém, entendemos que, houve falta de comunicação entre as lideranças e a
FUNAI, pois, a redução foi feita com o argumento de que iriam mexer nas terras dos posseiros.

Por essa razão, foram deixados de fora muitos locais indicados pelos índios mais velhos, pois, faltou
incentivo de quem conhecia os pontos originais (segundo relatos de alguns índios da época). Quanto
aos pontos acima citados, isso só vem demonstrar que, além das fronteiras atuais, há um povo que
luta e busca uma correção desses limites, para assegurar seus direitos à terra, como pertencente ao
povo Atikum Umã.

Na década de 1940, em Recife, os Atikum entraram em contato com Raimundo Dantas Carneiro,
chefe da 4ª Inspetoria Regional. Essa ação surtiu efeito e, no ano de 1946, houve a visita do inspetor
Tubal Fialho Viana, do serviço de proteção ao índio, o SPI. No dia 21 de junho de 1946, saiu o
relatório de implantação do Posto Indígena (PIN) Atikum. Em 1949, foi terminada a construção do
Posto Indígena e o nosso povo foi reconhecido oficialmente.

A partir daí, seguem as intervenções do SPI junto às autoridades do município para a suspensão da
cobrança de impostos e de outras questões envolvendo a posse das nossas terras, porém, as
investidas dos posseiros continuaram, pois, foi reconhecido o povo, mas, não foram demarcadas as
fronteiras do nosso território.

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POSTO INDÍGENA ATIKUM:
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL DO POVO

Foto: PI ATIKUM (POSTO INDÍGENA ATIKUM)


Fonte: Acervo Atikum

O Posto indígena Padre Nelson está localizado na aldeia Sede - Serrã Umã, a nove quilômetros da
cidade de Carnaubeira da Penha – PE, e foi mediado pelo inspetor do SPI, Dr. Raimundo Dantas
Carneiro e por Francisco Sampaio, no ano de 1949. Toda a mão de obra utilizada na construção do
posto foi de homens indígenas, os quais também faziam os tijolos, e mulheres indígenas, que
cuidavam da alimentação.

A construção de alvenaria da casa Sede possuía nove cômodos, tinha piso de tábua, cimento e
cobertura de telha canal. A luz era de querosene e a água era conservada em latões, pois não havia
água encanada.

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Para melhor organização do posto foram nomeados chefes, auxiliares, enfermeiro e professores. Os
chefes de postos foram: Zé Brasileiro, Manoel Olímpio Novaes, Antônio José Torres, Orlando,
Givaldo, José Heleno de Souza, Valdemar, Paulo Gustavo, Amilton, Oduvaldo Girão Mota, Diógenes,
Manoel Cirilo, Manoel Freire, Anacleto, Cordeiro, Eugenio Quixabeira e Silvana Maria de Sá.

Os Auxiliares foram: João Leonardo da Silva, Maria Expedita dos Santos, Antônio Nunes da Silva,
Manoel Almeida, Diocleciano Antônio dos Santos.

Os professores primários foram: Amélia, Maria Cavalcante, Maria Edite Gonçalves, Manoel
Cassiano, Maria de Fátima de Sá, Silvana Maria de Sá, Gildaci Verônica Freire e Maria Lúcia Nunes.
O enfermeiro era Manoel Vicente Freire.

O Posto era um local de muito respeito, onde se resolviam conflitos familiares, realizavam-se
casamentos, registravam-se crianças. Ele era também utilizado como sala de aula e delegacia. Além
disso, havia um porão parecido com uma cisterna onde se prendiam os infratores. Com o passar dos
anos, e com a reestruturação da FUNAI, essas atividades passaram a ser realizadas na CTL
(Coordenação Técnica Local), mais próxima da aldeia.

Contudo, o posto foi desativado e, atualmente, o povo tem projetos de reativá-lo, transformando-
o num museu do povo indígena Atikum, como forma de fortalecer a cultura e identidade étnica.

DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DAS ALDEIAS

Aldeias no município de Carnaubeira da Penha

1. Areia dos Pedros 14. Casa de Telha 27. Riacho Grande


2. Angico 15. Estreito 28. Sede
3. Baixão 16. Jacaré 29. Saco Grande
4. Boa Vista 17. Jatobá 30. Tupã
5. Boqueirão 18. Lagoa Cercada 31. Pedra de Fogo
6. Bom Jesus 19. Lagoinha/Olho D'Água do Padre 32. Samambaia
7. Brejo do Gama 20. Logrador 33. Umãs
8. Cachoeira I 21. Olho D'água da Santa 34. Jardim
9. Cachoeira II 22. Olho D'água do Padre 35. Baixa da Cobra
10. Caldeirão I 23. Oiticica 36. Serrotinho
11. Caldeirão II 24. Prata 37. Penha
12. Caxuá 25. Quixaba
13. Chapada 26. Quixabeira

39
Aldeias no município de Salgueiro

1. Angico do Lúcios 3. Garrote Morto 5. Lagoinha


2. Curtume 4. Ipueira 6. Massapê

Aldeias no município de Mirandiba

1. Tamboril

40
41
TRADIÇÕES CULTURAIS
E RELIGIÃO

42
TRADIÇÕES CULTURAIS E RELIGIÃO

Cada povo indígena tem seu jeito próprio de se relacionar, viver e conviver com a ciência e seus
elementos. O povo Atikum Umã, em sua resistência, tem como fonte de conhecimento a própria
cultura para fortalecer os conhecimentos tradicionais passados de geração em geração.

RELIGIOSIDADE

Para nossos ancestrais, cada elemento e força da natureza representava um deus. Isso é o que,
desde o princípio, na antiguidade do nosso povo, era levado em conta como religião. Porém, houve
muitas mudanças com a chegada dos europeus, com muitas tentativas de destruição da nossa
cultura e com a convivência com outros povos. Mesmo assim, persiste a fé e a crença natural.

Temos como base religiosa a natureza, a mãe terra, o vento, a água, o sol, as matas, os lugares
sagrados, os animais e a espiritualidade, pois, acreditamos na força dos encantados. A mata sagrada
é fonte de vida, ciência, resistência e morada dos encantados. Dela fazemos o anjucá, a jurema e
trabalhamos a nossa ciência através das ervas medicinais.

“A natureza é vida, saúde, é a mãe do saber, é a calma da alma”.


(Anciã Rosa Almerinda da Conceição Souza)

Foto: Anciã Rosa Almeida da Conceição Souza


Fonte: Acervo Atikum

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Assim, canta a anciã Rosa Almerinda da conceição Souza, índia Atikum da aldeia Olho D’Água da
Gameleira.

O mestre Carlos da jurema


Num tá vendo ele chamar; (2x)
Eu passei três dias sentado debaixo do juremá. (2x)
Da raiz eu faço o guia, e da casca eu faço o anjucá, (2x)
E a folha eu boto no guia pra o mestre Carlos fumar.

O toante citado é cantado nos momentos dos rituais sagrados e na preparação das bebidas sagradas
que são consumidas durante o ritual.

TORÉ

Foto: Toré
Fonte: Acervo Atikum

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É vivenciado em vários momentos: no ritual sagrado, nos momentos festivos e nas reivindicações.
Em fila circular, a dança é dirigida pelo pajé, cacique e lideranças; os toantes são cantados e
acompanhados de apitos e ao balanço do maracá (instrumentos de percussão feitos de cabaças que
marcam o ritmo), conduzidos pelos puxadores (homens, na frente, seguidos de mulheres e
crianças).

Foto 2: Toré
Fonte: Acervo Atikum

O Toré fortalece nossa fé (espírito de luta) com as forças dos encantados que trazem conhecimentos
e saberes tradicionais, reordenando os saberes múltiplos, celebrando a vida e afirmando a
identidade étnica e cultural.

RITUAL

O ritual sagrado é o momento mais forte da religiosidade, pertencimento étnico e fortalecimento


cultural, vivenciado nos locais sagrados existentes no território.

Nos rituais sagrados, apenas os pajés, caciques, anciões e conhecedores desses saberes participam,
invocando os encantados de luz com suas orações fortes, praticando ritual de cura.

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“Em alguns momentos não se pode cantar toantes que invocam os
encantos. Tem toantes que só quem canta são os pajés e são chamados de
linhas de força”.
(Pajé Augusto)

Essas práticas têm raízes nas emoções e nos sentimentos e, assim, vão causando uma mudança no
comportamento, ou seja, a presença dos encantados. Podemos dizer que essa comunicação com o
ritual se estabelece entre os seres humanos e os seres espirituais.

CRENÇAS

A crença, para nós, é tudo aquilo que acreditamos ser verdadeiro, baseado no respeito e nas
tradições repassadas pelos nossos anciões, lideranças religiosas, pajé, benzedeiros, penitentes,
parteiras, meisenheiros (as), curandeiros e médiuns, que são os guardiões da ciência indígena e
fortalecem os nossos costumes tradicionais.

Foto1: Momento de fortalecimento com os Foto2: Momento de fortalecimento com os


encantados de luz em lugar sagrado. encantados de luz em lugar sagrado.
Fonte: Acervo Atikum Fonte: Acervo Atikum

46
MEISINHEIROS (AS)

Pessoas que têm o dom e conhecimento de preparar as meisinhas, que são remédios caseiros, como
lambedores e garrafadas. Eles utilizam ervas e plantas medicinais retiradas da natureza sagrada,
fonte da ciência do nosso povo.

Foto: Emidío Pedro de Oliveira (meisinheiro)


Fonte: Acervo Atikum

Foto: Preparo do lambedor


Fonte: Acervo Atikum

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CURANDEIROS (AS)

Mestres dos saberes e da ciência oculta que, através de orações e espiritualidade, vão em busca da
cura para doenças causadas por animais peçonhentos.

Foto: Jacinto José da Silva (Curandeiro) Aldeia Poço da Pedra.


Fonte: Acervo Atikum

Esses saberes podem ser repassados de geração para geração, sendo que o homem repassa para a
mulher e a mulher repassa para o homem. Segundo relatos dos mais velhos, nas aldeias indígenas
Atikum, podemos citar como referência Joaquim Vieira, João Conrado, Manoel Emídio Bezerra,
Emídio Amâncio, Manoel Pereira e José Farias de Oliveira.

BENZEDOR/BENZADEIRAS

As/o benzedeiras/benzedor nascem com o dom da cura, aperfeiçoado pelos mais velhos através das
orações, fé, crenças, ciências naturais e espirituais. As orações são repassadas para as pessoas que
têm o mesmo dom, garantindo que as futuras gerações tenham o mesmo conhecimento.

48
Foto: Luiza Maria da Silva (Benzedeira) Foto: Demezio (Benzedor)
Fonte: Acervo Atikum Fonte: Acervo Atikum

PENITENTES
No território, há uma diversidade de práticas religiosas vivenciadas em muitas aldeias, ao longo dos
anos. Entre elas, destacam-se os penitentes, grupos religiosos com algumas regras, quais sejam:
todos os integrantes são do sexo masculino; suas vestes cobrem-lhes todo o corpo para não serem
identificados; somente quando um deles morre será revelada sua identidade. Eles são velados com
orações específicas e suas vestes de penitente serão colocadas sobre o caixão.

Foto: Penitentes
Fonte: Acervo Atikum

49
A prática da penitência tem muitos participantes com funções distintas: os penitentes (são aqueles
que não podem ser revelados), os ajudantes (apoiam o grupo) e os dicuriões (tiram os benditos). Os
mesmos fazem as orações no período da semana santa ou quando alguém da comunidade faz
promessas.

Foto:Capela de Nossa Senhora da Penha (Antiga e atual).


Fonte: Acervo Atikum

Os novenários de Nossa Senhora da Penha vêm fazendo parte da nossa tradição desde a passagem
dos padres capuchinhos (Congregação Nossa Senhora da Penha). A mesma se tornou um lugar de
referência religiosa, onde nossos antepassados realizavam novenários e missões que continuam até
os dias atuais.

Com o passar dos anos algumas aldeias passaram a realizar novenários de outros padroeiros,
conforme podemos observar no calendário a seguir:

MÊS ALDEIA PADROEIRO

JANEIRO
Massapê (Salgueiro) São Sebastião
11 a 19 jan. Garrote Morto (Salgueiro) Nossa Senhora da Saúde
24 jan. à 1 fev. Sede Nossa Senhora da Saúde
24 jan. à 1 fev.
FEVEREIRO

MARÇO Pedra de Fogo São José


10 a 19 mar. Rodeador São José
10 a 19 mar. Brejo do Gama São José
10 a 19 mar. Riacho Grande São José
10 a 19 mar. Olho DÁgua do Padre São José

ABRIL

50
MAIO

01 a 31 maio Jatobá Mês Mariano

01 a 31 maio Olho D`Água do Padre Mês Mariano

JUNHO

15 a 23 jun. Olho D`Água do Padre São João


Oiticica Santo Antônio
31 mai. a 13 jun.
JULHO
Baixão Nossa Senhora Santa Ana
17 a 25 jul.

AGOSTO

SETEMBRO

30 de ago. a 7 set. Aldeia Penha Nossa Senhora da Penha

25 set. a 03 out. Areia dos Pedros São Francisco de Assis

OUTUBRO
Olho D`Água da Santa
3 a 11 out Nossa Senhora Misericordia
Angico Demézio
3 a 12 out. Nossa Senhora Aparecida
Curtume (Salgueiro)
9 a 17 out. Mãe Rainha

NOVEMBRO

DEZEMBRO
Olho D`Água do Padre Nossa Senhora da Conceição
29 de nov. a 7 dez. Poço da Pedra, Santa Luzia
4 a 13 dez. Paus Branco (Salgueiro) Santa Luzia
4 a 13 dez.
Angicos dos Lúcios Nossa Senhora do Desterro
17 a 25 dez. (Salgueiro)

51
RAIZES E
SABERES

52
RAIZES E SABERES

A JUREMA SAGRADA
A jurema (mimosa tenuiflora) é uma planta que floresce na caatinga do sertão nordestino. Para nós,
Atikum Umã, a jurema preta sem espinho (jurema de caboco) é sagrada, pois dela se faz a bebida
(jurema) e o anjucá, banho que limpa, cura e fortalece o espírito nos momentos de rituais fechados
e na dança do toré. O preparo da jurema é feito um ou dois dias antes do ritual.

Ao longo do tempo, a jurema vem sendo exaltada através dos toantes cantados:

João cura faz a cura, que eu quero é beber,


João cura traz a cura que eu quero é beber,
Eu vou beber, vou trabalhar na mesa do anjucá. (2x)
Ô jureminha cadê sua ciência, (2x)
Ô jureminha, ela serve é de meizinha. (2x)

Foto: Pé de jurema sem espinho


Fonte: Acervo Atikum

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A natureza é sagrada, portanto, se faz necessária a preservação da jurema para darmos
continuidade às crenças, tradições e costumes sagrados do povo, passados de geração em geração.

A IMPORTÂNCIA DO CAROÁ (CROÁ)

O caroá ou croá (Neoglasiovia variegata) é uma planta nativa do Nordeste, utilizada pelos nossos
antepassados para confeccionar suas vestes, construir suas moradias e utensílios e que, também, é
utilizada como alimento. Com o passar do tempo, o caroá se tornou uma grande fonte de renda
para nosso povo.

O caroá é colhido da natureza, através dos melhores pés que, em seguida, têm seus espinhos
retirados e sua fibra batida com o macête (pedaço de pau). Após isso, põe-se lhe ao sol para secar,
molhando-o um pouco. Depois, penteia-se e já se pode começar a produzir os artesanatos. Durante
muitos anos, várias famílias obtinham seu sustento através deste processo.

Em meados do século XX, muitas famílias faziam a comercialização do caroá, retirando-o e levando-
o para vender nas usinas que ficavam localizadas em Carnaubeira da Penha, São José, Barra do Silva
e Riacho Pequeno, além de Belém do São Francisco, Barreiras, Mirandiba e Conceição das Crioulas
e Sítio Tordilho, os quais são distritos de Salgueiro.

Nos dias atuais, o caroá é utilizado para fazer nossos utensílios, como corda, “borná”, saias, “estera”,
rede e “cocá”, assim como, é complemento de renda para algumas famílias.
Diante de tudo que o caroá representa para nós, logo, essa planta foi escolhida como símbolo para
representar a luta e resistência do povo indígena Atikum Umã.

Foto1: Símbolo de Atikum Foto 2: Planta caroá


Fonte: Acervo Atikum Fonte: Acervo Atikum

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Foto: (1) Cestos, saias e peças Foto: (2) Cordas; Foto: (3) Trançado das fibras;
femininas; Fonte: Acervo Atikum Fonte: Acervo Atikum
Fonte: Acervo Atikum

Foto: (4) Preparativo das fibras; Foto: (5) Secagem das fibras; Foto: (6) Seleção das fibras.
Fonte: Acervo Atikum Fonte: Acervo Atikum Fonte: Acervo Atikum

As imagens acima mostram o preparo e o uso das fibras do caroá para a fabricação de artefatos e
utensílios do nosso cotidiano.

“Sobrevivem aqueles que resistem”


(Silvana Maria de Sá e Edineuma Oliveira de Sá– Professoras Indígenas)

55
MEDIADORES DOS SABERES TRADICIONAIS

São indígenas que compartilham de um conhecimento espiritual adquirido de forma natural ou


repassados de geração em geração e que auxilia na cura de enfermidades físicas e espirituais. São
eles:

 Pajés
 Curandeiros
 Parteiras
 Benzedeiras
 Meizinheiros

Foto. Pajé Augusto no preparo da jurema. Fonte: Acervo Atikum

SABERES TRADICIONAIS
Os Atikum desenvolveram um corpo de saberes denominados por eles de “Ciência do Índio”,
revestida por uma brisa de mistérios, que marca sua especificidade como grupo étnico. Esse corpo
de saberes é dinâmico e seus ingredientes são mutáveis, pois novos elementos surgem durante os
rituais e são incorporados pelos seus praticantes.

56
Alguns anciões relatam que seus saberes foram passados de geração para geração. Alguns já
nasceram com o dom e outros aprenderam ouvindo outras pessoas rezando alto. Os anciões
afirmam que existem saberes que podem ser repassados, porém, existem alguns outros restritos.
Estes, se forem ensinados, a reza, logo, enfraquecerá.

As rezas que podem ser ensinadas são para: dor de cabeça, de dente e ouvido, mal olhado, espinhela
caída e outros. E as que não podem ser ensinadas são para: apagar fogo, passar hemorragia e picada
de animais peçonhentos.

Foto: Pajé Augusto Fonte: Acervo Atikum

No povo Atikum, há diferentes saberes, sendo que o Toré, as ervas medicinais, a dança e os toantes
são os principais. Destaca-se, também, a orientação do tempo, quando, através de vários tipos de
plantas, os índios sabem se o ano vai ser bom ou não de chuvas.

Para os anciões a fé é, acima de tudo, o fator essencial para a cura; os saberes são a prova da
sobrevivência e da resistência para a preservação da fé e da ancestralidade deste povo irmão.

57
A IMPORTÂNCIA DAS PARTEIRAS NO POVO ATIKUM
No povo Atikum, era comum as mulheres darem à luz a seus filhos em casa, o que sempre foi uma
prática dos nossos mais velhos, em razão de haver dificuldade de acesso aos hospitais, já que não
havia transporte para levá-las até a cidade. Então, essas guerreiras, conhecidas como parteiras
entravam em ação. Acompanhavam todas as gestantes durante toda a gestação.

Quando chegava o dia de dar à luz, os familiares iam chamar essas mulheres abençoadas com essa
sabedoria dada por Deus. Conhecidas como segundas mães (mãe de pegação) as populares
"parteiras", não tinham hora marcada.

Essas guerreiras, quando chamadas, iam sempre de bom grado ajudar a trazer os curumins ao
mundo. Esse momento lindo era imbuído de ciência e fé. Elas têm suas rezas e cantorias próprias.
Após o parto, cortavam o umbigo e preparavam um chá de coentro ou imbigueira para evitar a
espremedeira, são dores abdominais.

Dependendo de como era o parto, faziam um acompanhamento minucioso, usando o poder das
ervas medicinais e fazendo banho de assento e chás para um tratamento que deixasse a mãe e o
bebê recuperados e seguros.

Para que tudo ocorresse bem e a saúde prevalecesse, a mãe tinha que seguir as orientações dadas
pela parteira e, depois dos trinta dias, já estava liberada para continuar seus trabalhos. Vale ressaltar
que, na maioria das vezes, elas não sabiam ler nem escrever, mas tinham o dom e um conhecimento
natural.

Diante do avanço da ciência, essa prática foi diminuindo. Hoje, só acontece um parto domiciliar se
for por escolha da parturiente ou se não houver tempo até se chegar a uma unidade de saúde mais
próxima. Essas gestantes têm um atendimento especializado, ofertado pela equipe multidisciplinar
(médico, enfermeiro, dentista, técnico e agente indígena de saneamento).

O TEMPO NA SABEDORIA DO POVO


O tempo tem um significado importante para nós, pois, está relacionado à crença. Através dele, nós
nos orientamos para desenvolver ações, como: preparar a terra para o plantio, colher, caçar e
pescas, dentre outros.

Nós, Atikum, utilizamos o tempo de acordo com nossas necessidades.

58
Foto: Painel da Escola Estadual Indígena Estácio Coimbra
Fonte: Acervo Atikum

Em todas as fases de nossa vida, no presente, passado e futuro, o tempo faz parte da nossa cultura
e à medida em que ele se desenvolve fortalece a identidade étnica do nosso povo.

Cada atividade desenvolvida necessita de uma organização planejadas que, podem ser as
experiências e sabedoria dos nossos mais velhos, a partir das observações da natureza (sol, lua,
chuva, vento, plantas e dos cânticos dos animais).

Sol – Tem influência sobre a chuva. Quando aparece o círculo do sol, nós nos alegramos
por que indica que logo vai chover. Muitos índios se orientam pelo sol para saber as horas.

Lua – Tem influência na agricultura. Se se plantar na lua crescente a lavoura tem boa
produção. Não tiramos madeira na lua nova, porque ela racha devido a força do vento.
Muitos índios caçam na lua cheia, pois na lua nova os animais estão reproduzindo.

Vento – Quando sentimos o vento vindo da direção do Piauí é sinal de que a chuva vai cair
logo em nossa terra.

Chuva – Quando aparecem as formigas carregando seus filhos e formigas com asas ou
quando as aranhas caranguejeiras começam a andar muito é sinal de muita chuva. Também,
no primeiro dia do ano, se pode ver através da barra do horizonte, ao leste, às quatro horas,
antes do sol sair, se será um ano bom. O tempo da chuva no nosso povo é de janeiro a abril.

(CADERNO DO TEMPO, 2002)

59
Por tanto, é de suma importância a compreensão do espaço e do tempo para nortear as vivências
do nosso povo.

É importante lembrar que, nos dias atuais, existe um trabalho de sensibilização para proteção da
natureza e que, alguns procedimentos realizados por nossos mais velhos (apresentado no nosso
calendário acima), estão sendo inovados para não agredir nossas matas e garantir o preparo da
terra, assegurando a sustentabilidade do nosso povo.

ARTESÕES E ARTESANATOS

A IMPORTÂNCIA DO ARTESANATO PARA O POVO ATIKUM

Assim como as crenças, costumes e tradições, o artesanato também faz parte da história do povo
Atikum. Isso, porque para se construir algum tipo de arte, esses índios recorrem à mãe natureza, a
qual proporciona, a essa população, uma maneira diversificada de autoafirmação e obtenção de
fonte de renda. Por esse motivo, com o intuito de valorizar este aspecto do povo, faz-se necessária
essa pesquisa.

Foto: As artesãs
Fonte: Acervo Atikum

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O ARTESANATO NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE INDÍGENA

O artesanato está sendo um ponto forte para o povo Atikum se manter firme, fortalecendo a sua
história através dessa forma de expressão que, além de servir como fonte de renda, serve também
para a constituição de sua identidade étnica perante a sociedade envolvente.

Do artesanato produzido, boa parte é utilizada na comunidade, como: utensílios feitos de madeira,
palha, fibra de caroá, entre outros. A outra parte é comercializada na própria comunidade e em
feiras externas. Entre os itens citados, o maracá feito de cabaça ou de coco é indispensável para a
prática do toré.

A borduna é uma arma indígena bastante utilizada no movimento para alguma reivindicação. Além
do mais, muitas dessas artes são utilizadas como adornos ou indumentárias pelos próprios
indígenas.

A DIVERSIDADE DE ARTESANATO EXISTENTE NO POVO ATIKUM

Para fabricar o artesanato os artesãos e artesãs utilizam: madeira, cipó, osso, palha de milho,
bananeira, coqueiro e catolezeiro, além de fibra do caroá, sementes, talos, penas de aves, cabaça e
barro. Dessas matérias-primas são fabricados: potes, panelas, pulseiras, colares, brincos, esteiras,
descansa prato, bordunas, maracá, vassouras, gamela, saia, cocar, entre outros.

Foto: Artesão ensinado arte à criança


Fonte: Acervo Atikum

61
A ARTE QUE VEM DA PALHA, CAROÁ, MADEIRA E SEMENTES

São várias as produções feitas através daquelas matérias-primas. Da palha se produz a esteira que,
por muito tempo, foi o principal tipo de dormitório para o povo. Posteriormente, ela foi substituída
pela cama. Do caroá, se produz a saia, que é um tipo de vestimenta fundamental para nós indígenas
e o aió (pequena bolsa utilizada para carregar pequenas peças). Da madeira e sementes são
produzidas várias peças, como a borduna (espécie de arma indígena), os colares, as pulseiras, os
brincos.

Diante do que foi visto anteriormente, pode-se perceber a diversidade e a importância do


artesanato para o povo Atikum. Porém, nem sempre ele é utilizado como fonte de renda, mas
também, como eixo fortalecedor da nossa cultura e identidade étnica. Assim, é necessário que a
sociedade tenha um outro olhar sobre este aspecto que é de suma importância para nós e que, a
partir de então, passe a melhor valorizá-lo.

Foto: Adultos ensinado as crianças na seleção das palhas Foto: Crianças aprendendo a selecionar as palhas
Fonte: Acervo Atikum Fonte: Acervo Atikum

COMIDAS TRADICIONAIS
O povo Atikum possuía uma culinária típica do seu território, produzida através do plantio e uso de
vários ingredientes retirados da própria caatinga, pois, em consequência da escassez de chuvas e da
invasão do não índio, nossos mais velhos passaram a se alimentar, ainda mais, do que a natureza
oferecia, como as comidas brabas, das quais se pode citar:

 a macambira, de onde se fazia  o beiju de burnunça,


o grolado (angu),
 o pão (cuscuz) da mucunã,  a cafofa de imbuzeiro,
 a farofa de catolé,  o leite da maniçoba, que servia para temperar comidas,
 o bró do catolé,  o beiju da maniçoba,
 o pão de catolé,  o angu de parreira,
 o catolé cozinhado,  a sopa de fava braba,
 o xique-xique assado,  a tapioca do pau de serrote, entre outros.

62
O mel de abelha e a carne dos animais silvestres eram utilizados na mistura de algumas dessas
comidas naturais da nossa realidade. Atualmente, nos anos bons de inverno na região, os alimentos
são cultivados nas roças, como:

 o andu,  a abóbora,
 a fava,  o jerimum,
 o feijão,  o murici,
 o milho,  o gergelim,
 o mangalô,  o amendoim,
 a macaxeira,  o arroz e as frutas.
 a batata doce, 

Esses legumes e sementes proporcionam, na nossa culinária, uma variedade de receitas que inovam
nossas comidas naturais. Dentre muitas, podemos destacar como matéria base para a produção de
vários tipos de alimentos, o milho.

Dele se faz o angu com feijão, o xerém com feijão, o fubá, o mungunzá, o angu com galinha de
capoeira, a pamonha, o pão de milho, a canjica, o bolo de milho, o bolo no burralho, o bolo de caco,
a farinha de milho, a pipoca e outros.

63
A NATUREZA SAGRADA
E SUAS CIÊNCIAS

64
A NATUREZA SAGRADA E SUAS CIÊNCIAS

A Natureza sagrada nos oferece a mata, as águas, a luz, as grotas para nosso acolhimento, defesa e
sobrevivência.

Diante do convívio com a Natureza sagrada, eles são concedidos para nós por meio das plantas e
ervas medicinais, bem como através das suas ciências que servem para a manutenção do nosso
povo. Da mesma forma, acontece com os lugares sagrados que foram ambientes de refúgio dos
antepassados e, atualmente, são a nossa fortaleza espiritual.

PLANTAS E ERVAS MEDICINAIS

A medicina tradicional é um marco da nossa história. Esses saberes são adquiridos na vivência com
a natureza. Os antepassados aprenderam com as plantas e as ervas os benefícios e malefícios. Desde
então, esse conhecimento vem sendo repassado para as novas gerações.

Ao longo do tempo, através do forte convívio com as matas, nosso povo indígena Atikum Umã
aprendeu a utilizar as plantas e ervas medicinais nos seus territórios. Antes da medicina científica,
os mais velhos realizavam o processo de cura, baseado no que a natureza oferecia naquele
momento.

As ervas medicinais são aquelas encontradas nos solos de nossas matas e também podem ser
cultivadas em nossos quintais, como: papaconha, babosa, malva santa, hortelã, capim santo, entre
outros.

As plantas medicinais podem ser encontradas em todos os espaços da Mãe Natureza. Muitas são
centenárias, de pequeno e grande porte, como: aroeira, quixabeira, angico, jatobá, umburana,
jurema, mulungu, cabeira, quibebe e outros.

Nosso território é rico em diversidade de plantas e ervas medicinais, porém, algumas destas foram
trazidas de outros territórios como meio de contribuir com as nossas receitas tradicionais.

A mata é fonte de medicina tradicional, onde encontramos meizinhas (que são plantas medicinais
para fazer remédios) para todas as doenças. O poder das ervas medicinais tem ciência e só se torna
eficaz se também for levada em conta a crença que só se obtém com o convívio e pertencimento
étnico do povo. Pois, trata-se de uma manifestação real da nossa cultura e tradição.

65
“Se a pessoa não tiver a fé, não terá cura. Pois, até um copo de
água, você tendo a fé, será curado.”
(Luzia Vieira, da Aldeia Curtume, é Meizinheira e Benzadeira).

É função dos avós, pais, filhos e demais indígenas repassarem não somente o modo de preparo das
plantas e ervas, mas também, toda a ciência e saberes que envolvem seu conhecimento de uso,
como: os melhores dias e forma de colher, o tempo adequado (fases da lua e posição do sol).

A eficácia das plantas e ervas em favor da cura pode ser vista de maneiras diferenciadas:
lambedores, banhos de assento, chás, banhos de ervas, garrafadas, infusões e compressas com as
folhas.

As plantas e ervas medicinais são de grande valia para nós. Por isso, é importante respeitar e
preservar nossa mata, para que possamos cuidar do nosso bem-estar físico, espiritual, mental e
social, garantindo também o futuro das novas gerações.

ALECRIM ALFAVACA ALGODÃO AMEIXA


Serve para gripe e Serve para dor de ouvido; a Serve para despachar Ajuda a curar problemas
sinusite. folha para banho e a raiz restos de parto (animais); renais, inflamações em
para lambedor. o chá da semente serve geral e é cicatrizante de
para tratar caroço de humanos e animais.
prego.

ANADOR ANGICO AROEIRA ARRUDA


Serve para dores de Poderoso para eliminar a Combate as doenças Bom para curar problemas
cabeça, no corpo e febre. diarreia, gripes, disenteria, urinárias; é anti- respiratórios. Indicado,
problemas nos pulmões e inflamatório; combate especialmente, nos
pode ser usado em asma, bronquites, gripes, reumatismos, dores de
gargarejos para alívio da resfriados, febre, ouvido, verminoses; afasta
garganta. secreções e é cicatrizante. mal olhado.

66
BABOSA BOM NOME CABACINHA CABELO DE MILHO
Ótimo para curar Ótimo para rins. Ajuda no combate à Ótimo diurético, regula as
infecções da pele e rinite, ameba, sinusite, infecções dos rins e da
respiratórias, dores de inflamações, hematomas, bexiga, removendo as
reumatismo, úlceras, úlceras e feridas. pedras. Regula a pressão e
anemia, prisão de ventre, desintoxica o sangue.
verminose e câncer.

CAJUEIRO CAPIM SANTO CARRO SANTO CATINGA BRANCA


Ajuda contra o diabetes e Excelente para combater a Serve para soltar catarro. Bom para problemas como
hemorragia. Quando insônia, problemas de dores de barriga, má
usado em gargarejo, cura ansiedade, febre, cólicas digestão, problemas de
inflamações da garganta e intestinais, gases e regula a fígado.
aftas, ajuda a amenizar pressão.
irritações vaginais em
banho de acento.

CLAIBEIRA CHUCAIM COENTRO SECO CRISTA DE GALO


A entre casca é bom para Excelente para gripe, Elimina gases, tosse, gripe Serve para corrimento e
problemas nos rins. arrancar catarro do peito e e a coriza. secreção, para o sangue;
é anti-inflamatório. da raiz se faz lambedor.

67
EUCALIPTO ERVA CIDREIRA ERVA DOCE ENDRO
Indicado para problemas Ajuda no sono; indicada em Combate insônia, Combate ânsias de
pulmonares, febre, crises nervosas. Bom ainda, náuseas, cólicas, vômitos; vômitos, cura inflamações
bronquite, asma e para pressão alta, abrir o é calmante, regulariza a de garganta, diminui as
inflamações da garganta. apetite e é anti- menstruação e aumenta cólicas intestinais e
inflamatória. o leite materno. menstruais.

FEDEGOSO FOLHA DA CIRIGUELA FRADE GERGELIM


Bom para o fígado, Ótimo para diarreia e É anti-inflamatório e Fortalece os ossos, ajuda
fraqueza, coceiras e gastrite. recomendado para nas dores reumáticas,
doenças de pele, problemas nos rins e musculares, prisão de
colesterol, febre, infecções urinarias. ventre, hemorroidas e
inflamação dos olhos, combate a queda de
resfriado, anemia, prisão cabelo.
de ventre, infecções da
garganta e urinária,
micoses, picada de
escorpião, hemorroida.

GOIABEIRA GIRASSOL HORTELÃ IBÊ


É cicatrizante, cura Ótimo calmante, diminui o Calmante, elimina gases, Indicado para dores de
diarreia, é diurético, ajuda apetite, ajuda a diminuir o vômito, alivia coluna e musculares.
a amenizar cólicas mau colesterol, os enxaquecas, cólicas
menstruais, estresse, sintomas da menopausa, menstruais, irritações de
ansiedade, combate enxaquecas, fortalece os pele, asma, gripe e tosse.
queda de cabelo e mau ossos, é desintoxicante e
hálito. evita derrame.

68
IBIRIBA JARRINHA JATOBÁ JERICÓ
Serve para dores em Excelente para dores de É anti-inflamatório, Serve para melhorar o
geral. barriga, infecção no útero e diurético, cura os fungos sangue quando (junto com
para a dona do corpo das unhas, é bom para mororó).
quando colocada com dores menstruais, asma,
compressa da folha morna bronquite, tosse, anemia
na barriga. e diminui o açúcar do
sangue.

JUAZEIRO JUREMA LARANJA LIMÃO


Ótimo para má digestão, Bom para dor de dente, Ajuda a combater a É usado para gripe, tosse,
é diurético, serve para insônia, problemas de diarreia, vômito causado ácido úrico, pedra nos rins,
dores de barriga, nervos, dores de cabeça. É pela má digestão, dores dor de garganta,
diabetes, caspa capilar e cicatrizante, analgésico e de estômago, diminui hemorroidas, circulação,
para limpeza dos dentes e anti-inflamatório. colesterol, ansiedade e o sanguínea, picada de
cabelos. nervosismo. insetos e ajuda a eliminar o
peso.

MALVA SANTA MAMOEIRO MANDACARU MANJERICÃO


Excelente para febre. Ela Relaxante intestinal, ótimo Indicado para tratamento Anti-inflamatório, indicada
é indicada para bronquite, para má digestão, garganta dos rins, estimula a para infecções intestinais,
asma, gripe, dores de inflamada e verme. E o chá circulação sanguínea, dores nos rins, fígado,
ouvido, cabeça, da flor do mamoeiro palpitações nervosas e bronquite, dor de
inflamações de garganta, macho ajuda a diminuir o contra o cigarro. garganta, febre, tosse,
rouquidão e ótimo para o diabetes. fraqueza; é calmante, cura
fígado e mau hálito. dor de cabeça, perda de
memória, dores
menstruais, insônias e
vômito.

69
MARACUJÁ DO MATO MARCELA MARMELEIRO MASTRUZ
É tranquilizante, bom Má digestão e dores de Ótimo para curar a dor de Ajuda no combate às
para crises nervosas, e barriga. barriga, tranquilizante e doenças pulmonares,
dores de cabeça, se for ajuda no combate à como: pneumonia,
por causa dos nervos e depressão e é bronquite e catarro. Tira
ansiedade. Ajuda no defumador. hematomas, é ótimo para
controle do diabetes e do vermes, cura feridas,
colesterol. problemas de coluna e cola
o osso trincado.

MELÃO DE CERCA MORORÓ MULUNGU MUSSAMBÊ


Bom para infecções É desintoxicaste e afina o Minimiza insônia, Asma, bronquite, tosse,
uterinas, útero e ovários, sangue; é bom para ansiedade, depressão, é ouvido estourado, feridas e
sarna, diabetes e ajuda a diabetes e coceira no diurético e anti- dor de cabeça.
eliminar as células corpo. inflamatório. Bom, ainda,
cancerígenas. para tosse, asma, dores
reumáticas e infecção
urinária e nos rins.

NONE PAU FERRO PATA DE VACA PINHÃO ROXO


Bom para diabetes e Ajuda a diminuir o diabete, Poderoso contra Serve para cicatrizar
inflamações. dores de garganta e de problemas que atuam no ferimentos. É bem usado
estômago, diarreia, tosse, sangue, indicado para pelas benzedeiras.
hemorragia, reumatismo, diabetes e bom para
hemorroidas, febre e circulação sanguínea.
infecções pulmonares e
rins.

70
PINHEIRA QUEBRA FACA QUEBRA PEDRA QUINA
Indicado para pressão Utilizado para dores de Bom para coluna, fígado, Indicada para gripe, febre,
alta, dores de cabeça, barriga e má digestão. hepatite, dissolve cálculos anemias, diabete e queda
febre e é diurético. renais e elimina o ácido de cabelo.
úrico.

QUIPEMBÉ QUIXABEIRA ROMÃ UMBURANA DE CHEIRO


Indicado para dores na Ótimo para inflamação no Cura as inflamações de A casca alivia a bronquite,
coluna. útero, corrimentos, garganta, cólicas, vermes tosse, asma, gripe e dores
hematomas na pele, cistos e lombrigas. de barriga e é um ótimo
no ovário. É anti- defumador. A semente
inflamatório e cicatrizante. ameniza dores de
estomago e é ótima para
má digestão, vômito e
enxaqueca.

UNHA DE GATO VASSOURINHA VELAME


Anti-inflamatório usado Serve para curar a tosse e Calmante, bom para
contra gripes e viroses; pode fazer lambedor. dores no corpo, nas
ameniza dores juntas e para o sangue.
reumáticas, artroses,
artrites, diabetes, asma,
sinusites e dores na
vesícula.

71
É importante lembrar que toda meizinha deve ser formada na medida certa, pois, todas elas têm
suas contraindicações.

OS LUGARES SAGRADOS

No território Atikum há vários lugares considerados sagrados pelo nosso povo. Nesses locais, há
bastantes ciências (conhecimento específico do indígena) onde os encantados de luz (seres
sobrenaturais) renovam nossas forças e afirmam o amor por nossa cultura e pelo nosso ser.

São lugares naturais existentes dentro do território que ficam no meio das matas, furnas,
cachoeiras, caldeirões, olhos d’água, grandes estruturas de pedras ocadas, grotas e grandes árvores.
Eles foram utilizados por nossos antepassados e hoje são usados pelas novas gerações como
conexão com a mãe natureza e com o mundo espiritual, por meio de orações. Nesses lugares
existem vestígios chamados de “artefatos” como: pilão de pedra, mão de pilão, machadinha, entre
outros.

“Já faz muitos anos que iniciou-se a prática dos rituais nesses locais sagrados.
Eles são muito importantes para realizarmos as nossas orações e, sem os
mesmos, as aldeias não se encontrariam de pé”.
(Pajé Augusto de Oliveira)

Os lugares Sagrados são patrimônios culturais do nosso povo e estão divididos em pontos isolados,
envolvidos de mistérios e encantos de encher a alma de tranquilidade e boas energias.

"A sobrevivência das ciências culturais do povo Atikum vem das forças dos
encantados e do respeito por nossos lugares sagrados".
(Cacique Naninha Bezerra)

O pajé, benzedores e todos os que têm fé e acreditam na força encantada, frequentam esses lugares
para se fortalecerem e superar, no dia a dia, as dificuldades, as rejeições e o preconceito de muitos
que nos julgam sem conhecer nossa história.

O povo Atikum, assim como os demais povos indígenas nordestinos, foi o primeiro que sofreu com
o processo de colonização, pois, à medida que as perseguições avançavam contra os nativos, eles
acabavam buscando refúgio em vários lugares naturais e de difícil acesso que, em geral,
concentram-se nas regiões de serras e serrotes.

72
Esses espaços são considerados sagrados para o povo porque durante diversas temporalidades
serviram para abrigar nossos ancestrais e, até hoje, são utilizados para o fortalecimento espiritual e
a conexão com os encantados de luz.

No entanto, o processo de catequização imposto pela igreja católica se expandiu em todo o


território Atikum, o que fez surgir algumas construções de antigas igrejas e capelas. Mais tarde,
vários templos ligados às igrejas evangélicas também foram erguidos. Tais lugares são considerados
sagrados para o grupo que deles participa.

Dessa maneira, existem os lugares sagrados naturais (aqueles que são obras da Mãe Natureza,
localizados em meio às matas e não foram modificados pelo homem) e os lugares sagrados
colonizados (são locais antigos ou não construídos pelo homem e que são frequentados por um
determinado grupo para realização de orações). Vejamos os nossos lugares sagrados:

OLHO D’ÁGUA DA PENHA CRUZEIRO


Aldeia Penha Aldeia Sede – Serra Umã

IGREJA NOSSA SENHORA DA PENHA GENTIO


Aldeia Penha Aldeia Sede - Serra Umã

SANTUÁRIO DO MENINO JESUS MATA DOS JOVENS


Aldeia Umãs Aldeia Samambaia – Serra Umã

MAGUEIRA DO BREJO OLHO D’ÁGUA DA SANTA


Aldeia Brejo do Gama Aldeia Olho D’água do Padre

TOLEZEIRO PEDRA DA ÍNDIA ENCANTADA


Aldeia Caldeirão Serra da Boa Vista no Olho DÁguinha

MATA DO TAMBU OLHO DÁGUA DA SERRARIA


Aldeia Caldeirão 1 – Serra Umã Aldeia Quixaba

PEDRA DA JANDAINHA OLHO DÁGUA DE ZÉ DÃMA


Aldeia Caldeirão 1 – Serra Umã Aldeia Oiticica

PEDRA DO GENTIO OLHO DÁGUA DA SANTA PEDRA SERROTE DO CAROÁ


Aldeia Jatobá – Serra Umã Aldeias Paus Branco

73
1 – Gentio 2 – Igreja Nossa Senhora da Penha 3 – Pedra Furada

4 – Cruzeiro 5 – Pedra Moça 6 – Olho D’Água da Santa

7 – Santuário do Menino Jesus 8 – Cruzeiro, na Serra Umã 9 – Mangueira do Brejo

10 – Olho D’Água das Missões ou Fonte: Acervo Atikum


Olho D’Aguinha da Penha

74
LUGARES SAGRADOS NO MUNICÍPIO DE CARNAUBEIRA DA PENHA

OLHO D’ÁGUA DA PENHA PEDRA DA JANDAINHA OLHO D’ÁGUA DA SANTA


Aldeia Penha Aldeia Caldeirão 1 – Serra Umã Aldeia Olho D’água do Padre

IGREJA NOSSA SENHORA DA PEDRA DO GENTIO PEDRA DA ÍNDIA ENCANTADA


PENHA Aldeia Jatobá – Serra Umã Serra da Boa Vista no Olho DÁguinha
Aldeia Penha
CRUZEIRO OLHO DÁGUA DA SERRARIA
SANTUÁRIO DO MENINO JESUS Aldeia Sede – Serra Umã Aldeia Quixaba
Aldeia Umãs
GENTIO OLHO DÁGUA DE ZÉ DÃMA
MAGUEIRA DO BREJO Aldeia Sede - Serra Umã Aldeia Oiticica
Aldeia Brejo do Gama
MATA DOS JOVENS OLHO DÁGUA DA SANTA
TOLEZEIRO Aldeia Samambaia – Serra Umã PEDRA SERROTE DO CAROÁ
Aldeia Caldeirão Aldeias Paus Branco
MATA DO TAMBU
Aldeia Caldeirão 1 – Serra Umã

PEDRA DO FILIPE LAJEIRO DOS CAMBITOS


Olho D’água do Padre Aldeia Logrador

PEDRA DA JOANA GUERREIRA


Olho D’água do Padre

Foto: Cruzeiro, Serra Umã


Fonte: Acervo Atikum

75
LUGARES SAGRADOS NO MUNICÍPIO DE MIRANDIBA

PEDRA MOÇA
Aldeia Caldeirão

Foto: Pedra Moça, Aldeia Caldeirão


Fonte: Acervo Atikum

76
LUGARES SAGRADOS NO MUNICIPIO DE BELÉM DO SÃO FRANCISCO

LUGARES SAGRADOS NO MUNICIPIO DE SALGUEIRO

Foto: Pedra Furada, Aldeia Lagoinha


Fonte: Acervo Atikum

77
LUGARES SAGRADOS NO MUNICÍPIO DE SALGUEIRO

POÇO DA PEDRA
PEDRA DO BOI
Aldeia Poço da Pedra
PEDRA DO FELIPE
Aldeia Olho D’água do Padre GROTA DO PINGA
FURNA DA ONÇA
PEDRA DA JOANA GUERREIRA LIMPO DURO
Serra do Kajoeiro no Olho D’água do Padre Aldeia Mulungu

BOQUINHA PEDRA DAS ABELHAS


CALDEIRAO DA GAMELEIRA OLHO DÁGUA DOS PAULOS
OLHO DÁGUA DE FIRMIANO LIMPO DURO
OLHO DÁGUA DE ANTÔNIO CÂNDIDO CALDEIRÃO FURADO
CACIMABA DE SEUÉ Aldeia Lagoinha
GROTA DO PINGA
PEDRA DO MORCEGO CRUZEIRO
Aldeia Garrote Morto POÇO DA SALINA
CRUZEIRO DO MONTE
PEDRA SÃO COSME E DAMIÃO PEDRA DO CAIXÃO
ALTO MARIA DE ALBINO OLHO DÁGUA DO JACÚ
Aldeia Rodeador OLHO DÁGUA VELHO
Aldeia Curtume
OLHO DÁGUA DE ZÉ DÃMA
Aldeia Oiticica OLHO DÁGUA DOS TRUCOS
CACIMBA NOVA
OLHO DÁGUA DA SANTA CACIMBA DE PEDRO VALDIVINO
PEDRA SERROTE DO CAROÁ CRUZEIRO DE ROSINHA DE QUINTINO
Lugares Sagrados da aldeia Paus Branco OLHO DÁGUA DE DOCA
Aldeia Massapê

Foto: Cacimba de Pedro Valdivino, Aldeia Massapê.


Fonte: Acervo Atikum

78
ORGANIZAÇÃO SOCIAL
E POLÍTICA

79
ORGANIZAÇÕES SOCIAS E POLÍTICAS

A organização do nosso povo Atikum Umã vem desde o princípio da nossa existência. Quando houve
a invasão das nossas terras, cada povo já tinha sua forma de organização, baseada nos costumes,
tradições, religiosidade, crenças e na língua falada, os quais eram vivenciados ao longo do tempo.

Estes costumes têm como objetivo fortalecer nossa cultura, como um legado para futuras gerações.
Nós somos formados por uma sociedade familiar, onde buscamos nossos direitos coletivos e o
fortalecimento de nossa cultura, lidamos com decisões importantes de forma democrática, para
que todos possam contribuir para o fortalecimento do povo.

LIDERANÇAS, CACIQUES E PAJÉS

As lideranças, caciques e pajés, são fundamentais para a organização interna e externa das nossas
aldeias.

AS LIDERANÇAS: são escolhidas através de decisões coletivas da comunidade, havendo uma


liderança titular e um suplente, por aldeia. O papel da liderança é organizar e representar os
indígenas nas lutas, sempre buscando o melhor para seu povo. Ele é considerado um mediador,
aberto ao diálogo, que identifica e prioriza os interesses de todos os indígenas de sua comunidade.

CACIQUE: é um líder político e social do povo, autoridade maior, responsável pelas resoluções dos
problemas, interessado em sanar as necessidades internas e externas do povo. Ele é escolhido de
forma democrática para tomar decisões e participar juntamente com o pajé de rituais religiosos e
culturais.

LINHA DO TEMPO DE CACIQUES


1950 a 1977 1º - Manoel Bezerra Neto
1977 a 1989 2º - João Ambrósio da Silva
1990 a 1990 3º - Abidom Leonardo da Silva
1991 a 1994 4º - Elzo Nélio da Silva
1994 a 1995 5º - Ana Olindrina da Silva
1995 a 2011 6º - Jovaci José dos Santos
2003 a 2011 7º - Aldenor Manoel de Oliveira
2011 a 2022 8º - Clóvis Manoel da Silva
2014 a 2022 9º - Jovaci José dos Santos Caciques atuantes
2017 a 2022 10º - Aldenor Manoel de Oliveira dentro do território
Atikum
2018 a 2022 11º - Antônio Francisco da Silva
2018 a 2022 12º - Maria Luiza da Silva
2018 a 2022 13º - Sebastião Antônio da Silva

80
PAJÉ: é um líder espiritual e religioso que tem o poder da cura, através dos saberes tradicionais e
da força da natureza sagrada. Responsável pelas organizações dos rituais religiosos e dos terreiros
do toré; tem o dom da sabedoria e é escolhido através de um ritual onde os encantados de luz o
indicam.

LINHA DO TEMPO DE PAJÉ


1º - Manoel Mamédio
2º - Alcindo Rosendo
3º - José Eroncio de Lucena (Zé de Branquinho)
4º - Augusto Agustavo de Oliveira
5º - Luiz Romão da Silva Pajés atuantes dentro
6º - Raimunda dos Anjos do território Atikum

7º - Francisco Pedro de Oliveira

Diante das mudanças sociais que vêm ocorrendo ao longo dos anos, o trabalho das lideranças,
caciques e pajés vêm se tornando cada vez mais desafiador, tendo em vista que as opiniões hoje
são diversas, pois, atualmente, no território, existe mais de uma liderança, cacique e pajé.

Atualmente, isto tem sido comum ao povo Atikum. Porém, não impede que, nos momentos
necessários de luta o povo se organize para reivindicar seus direitos coletivos junto às instâncias
governamentais.

ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Grupos de Jovens (Grupos de Juventudes indígenas)

No território indígena Atikum, existem vários grupos de jovens, os quais são importantes porque
fortalecem a identidade, contribuindo para o processo de autoafirmação étnica e cultural. Além
disso, eles inspiram crianças, adolescentes e outros jovens a participar das causas internas e
externas do povo.

Acreditando sempre na força dos encantos e nos ensinamentos repassados pelos mais velhos, é
notável que, mesmo passando por um longo período de negação, por parte da sociedade
envolvente, os Atikum são politicamente ativos, detentores de um conhecimento que revela os
laços de identidade do povo ao qual pertencem, motivando-os nas tomadas de decisões coletivas e
elevando a visibilidade da nação Atikum-Umã.

Toda essa compreensão acerca dos aspectos culturais leva também em consideração o fato de que
os jovens têm o direito de (re)significarem os sentidos da história nos seus territórios de origem.

81
Significa dizer que as crenças, valores, tradições e demais saberes não são estanques, mas, mudam
com o tempo.

O protagonismo desses jovens tem destaque por manter, ao longo desses anos, a força dos seus
integrantes presente em diversas situações e ações afirmativas dentro e fora do território. Dessa
forma, além de difundirem a história do seu povo mundo afora, fazem parte de algumas
organizações na esfera estadual e nacional.

A COJIPE (Comissão de Juventude Indígena de Pernambuco) é uma organização formada por jovens
de todas as etnias indígenas de Pernambuco que lutam constantemente por políticas afirmativas e
pela efetivação dos seus direitos já garantidos por lei. No território Atikum existem vários grupos de
jovens. São eles:

KYRIMBAUS: fundado em maio de 2005, fica localizado nas aldeias Poço da Pedra, Garrote Morto e
Mulungu, no município de Salgueiro.

ENARÊ: foi fundado no ano de 2012 e está localizado na aldeia sede Jatobá e Samambaia, município
de Carnaubeira da Penha.

ARATIKUM: localizado na Aldeia Lagoinha, município de Salgueiro, foi fundado no ano de 2012.
JUPAC – Jovens Unidos pelo Amor de Cristo - localizado na aldeia Caldeirão, município de
Carnaubeira da Penha, fundado no ano de 2000.
JA – Juventude Ativa - localizado na aldeia Riacho Grande município de Carnaubeira da Penha,
fundado no ano de.

MOVIMENTOS DE MULHERES

Grupo de Mulheres

Em algumas comunidades indígenas do povo Atikum existem grupos compostos por mulheres, os
quais têm o objetivo de fortalecer a autoestima da mulher e complementar sua renda familiar por
meio de projetos que valorizam e utilizam a matéria prima proveniente da natureza. É importante
divulgar os produtos artesanais produzidos nas próprias comunidades.

Ações, lutas e conquistas das mulheres indígenas Atikum

É notório o protagonismo dessas guerreiras em todas as organizações do povo, como lideranças,


cacica, pajé, educadoras, enfermeiras, membros das associações indígenas, lideranças de grupos de
jovens ou mesmo ocupando outros espaços de seu interesse.

82
As mulheres mais velhas trabalham como mestras nos repasses dos saberes tradicionais por meio
da oralidade: são as rezadeiras, benzedeiras, meisinheiras, curandeiras e artesãs.

Esse gênero ganhou destaque a partir da liderança da cacica Ana Olindrina da Conceição. Ela ocupou
o cacicado de 1994 a 1995 e foi a primeira cacica de Atikum e do estado de Pernambuco. Nessa
função, desempenhou vários projetos de melhorias para o seu povo. Hoje as mulheres Atikum
continuam assumindo protagonismos dentro do território sagrado e em todos os aspectos já
mencionados.

ASSOCIAÇÕES

Foto: Reunião de associação na aldeia Quixaba


Fonte: Acervo Atikum

As associações indígenas são organizações que buscam direitos de interesse coletivo para benefício
do povo Atikum. É nelas que ocorre a comunicação entre os órgãos governamentais e não
governamentais, onde se discutem assuntos relacionados às necessidades do povo.

COPIA (Conselho de Professores Indígenas Atikum)

As Escolas Indígenas Atikum são organizadas por membros do COPIA (Conselho de Professores/as
Indígenas Atikum), formado por professores/as e lideranças. Destes, escolhem-se os que irão
exercer a função de coordenadores/as gerais, além de coordenadores/as pedagógicos, secretários,
auxiliares administrativos e professores/as para garantir o pleno funcionamento das instituições de
ensino público.

83
No ano de 1999, houve a necessidade de organizar, articular, pesquisar e reunir comunidades e
lideranças nas tomadas de decisões para lutar e garantir a educação especifica e diferenciada.

Com esse entendimento, surgiu a ideia de criar o COPIA, um conselho interno que desenvolvesse
ações necessárias para a garantia de uma escola com práticas vivenciadas a partir da realidade do
nosso povo, como: feiras culturais, projetos didáticos, entre outros. Considera-se que esse conselho
assegura não somente a formação com a comunidade escolar, mas também, com o público de cada
comunidade que não teve a oportunidade de ter uma escola como a nossa cara.

Esse conselho foi iniciado no auto da serra, aldeia Sede, no município de Carnaubeira da Penha, com
um pequeno grupo de professores/as daquela localidade com a representação de: Silvana Maria de
Sá – Foto: 1, Edineuma Oliveira de Sá – Foto: 2, Maria Elizia dos Santos – Foto: 3, Sandra Elisia dos
Santos – Foto: 4 e Maria de Socorro Lopes – Foto: 6. No município de Salgueiro a articuladora foi
Maria Irene Eruça de Jesus – Foto: 5.

Foto 1: Silvana Maria de Sá Foto 2: Edineuma Oliveira de Sá Foto 3: Maria Elizia dos Santos

Foto 4: Sandra Elisia dos Santos Foto 5: Maria Irene Eruça de Jesus Foto 6: Maria de Socorro Lopes

84
Logo mais tarde, mediante os espaços geográficos e localizações das escolas, em 3 de julho de 2003,
após a estadualização das escolas indígenas da aldeia Olho D’água do Padre, houve a necessidade
de se aumentar a quantidade de participantes. Neste momento, a nossa organização foi fortalecida
com a participação e colaboração de indigenistas e integrantes do Conselho de Educação Indígena
do Povo Xukuru.

ECONOMIA DO POVO ATIKUM

As principais fontes de renda do nosso povo são: agricultura, criação de animais e produção de
artesanatos para sua própria sustentabilidade. Havia, anteriormente, o plantio de mamona e
algodão. Estas eram as principais safras produzidas pelos nossos mais velhos.

Com o aumento das mudanças climáticas e das pragas que vêm aparecendo ao longo dos anos
trazidas pela cultura capitalista, esse tipo de plantio vem diminuindo, porém, continua
acontecendo.

Na atualidade, os indígenas cultivam principalmente hortaliças, milho, mandioca, feijão, fava e


árvores frutíferas. O artesanato também foi e continua sendo feito e comercializado e é uma
importante fonte de renda. O caroá, a palha de catolezeiro e algumas madeiras especiais, além de
materiais como o barro e o cipó são exemplos de matérias primas utilizadas para confecções
artísticas.

Plantação de milho
Fonte: Acervo Atikum

85
Foto: Criação de ovinos Foto: Criação de ovinos de suínos

Foto: Umbu e acerola Foto: Plantio de acerola

Fonte: Acervo Atikum

86
EDUCAÇÃO INDÍGENA E
EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA

87
EDUCAÇÃO INDIGENA E EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

A educação indígena acontece no âmbito da vivência familiar e tem como elemento principal o
ensino e a aprendizagem de saberes através da comunicação oral, dos relatos e experiências
contados pelos mais velhos e antepassados. A oralidade tornou-se um dos aspectos mais
importantes para repassar os conhecimentos culturais do nosso povo.

Foto: Colheita da folha seca da bananeira


Fonte: Acervo Atikum

Essa educação acontece nas relações sociais do dia a dia que se passam no povo, nos rituais, nas
casas de orações, retomadas, espaços sagrados, rodas de conversas. Portanto, para compreender o
currículo a ser trabalhado nas escolas indígenas é necessário entender a importância do diálogo que
ocorre na comunidade.

Foto: Anciã fazendo jarro de barro Foto: Fazendo utensílios de barro


Fonte: Acervo Atikum Fonte: Acervo Atikum

88
A educação escolar indígena tem sido ressignificada através de mecanismos que buscam dialogar
com os aspectos próprios da educação indígena. Não são apenas os/as professores/as que se
responsabilizam diretamente pela educação escolar indígena.

Além deles, as organizações internas, lideranças, pajé, caciques e famílias são corresponsáveis,
enquanto membros da comunidade educativa, pois, influenciam e auxiliam de forma ampla e
coletiva as ações e decisões da escola.

Foto: Aulas na Educação Infantil


Fonte: Acervo Atikum

Portanto, a afirmação de “guerreiros e guerreiras” Atikum está fundamentada nos saberes


tradicionais, nos valores e nos princípios, pois, as crianças e os jovens devem, desde cedo,
compreender que deverão dar continuidade às lutas de seus antepassados, cuidar da natureza e
lutar com sua comunidade pelo direito ao território sagrado. Eles devem ser conscientes de seus
deveres, saber a história de seu povo e não ter vergonha de ser Atikum.

Ainda nos anos 1990, teve início uma discussão sobre educação específica e diferenciada, com a
participação de lideranças de todos os povos indígenas de Pernambuco e com apoio do CIMI
(Conselho Indigenista Missionário).

Nessa época, havia quatro escolas no povo e, apenas a do alto da serra pertencia à FUNAI. As
demais, pertenciam ao município de Floresta. Com a emancipação da Cidade de Carnaubeira da
Penha, criaram-se mais oito escolas, totalizando doze.

89
Dando continuidade ao projeto Escola de Índio, com o CCLF (Centro de Cultura Luiz Freire) e com
oficinas de leituras dadas nas aldeias aos professores e professoras Atikum houve o trabalho de
produção dos livros: “Meu povo conta”4 e “Educação se aprende mesmo é na comunidade”.

O nosso movimento era pela estadualização, pois, almejávamos uma educação que atendesse as
nossas especificidades. Essa questão foi motivo de muitos conflitos com as prefeituras, já que as
escolas, naquela época, pertenciam ao município.

Em 2003, depois de muitos entraves, as escolas foram estadualizadas pelo decreto estadual nº
27.854 e foram criados conselhos para melhorar sua gestão e organização, como o COPIA (Conselho
de Professores/as Indígenas Atikum). Também foi construído o nosso PPP (Projeto Político
Pedagógico), baseado na cultura do povo, com participação de lideranças, caciques, pajé,
professores (as), estudantes e mais velhos.

Esse modelo de PPP teve como referência os cinco eixos norteadores da educação escolar indígena:
Terra, história, organização, identidade e interculturalidade. Sobretudo, ele visa preparar melhor
nossos estudantes, em relação à cultura e identidade étnica.

Foto: Formação continuada nas escolas Atikum


Foto: Wellcherline Miranda

Hoje, temos trinta escolas estadualizadas, as quais comportam mais de 2.000 estudantes. É comum
que, em todas as escolas da rede estadual, haja diretores/as, porém, nas escolas indígenas temos
coordenadores/as gerais que respondem pelas escolas do povo, os quais são divididos em dez

4
Disponível em < http://cclf.org.br/wp-content/uploads/publicacoes/meu-povo-conta.pdf>. Acesso 14 jan. 2022.

90
núcleos, enquanto os coordenadores/as pedagógicos respondem pela parte burocrática e pela
gestão.

Temos merendeiras, porteiros/as, auxiliares de serviços gerais, bibliotecários/as e motoristas, todos


trabalhando por uma educação de qualidade. No povo, são ofertadas todas as etapas e modalidades
da educação escolar, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio e a Educação de Jovens e
Adultos, embora nem todas as escolas tenham ensino médio.

A função social da escola Atikum é formar guerreiros e guerreiras, lutadores pelo bem-estar do
povo, que busquem os seus direitos de lutar e manter a sua identidade étnica. Eles respeitam o
território como espaço sagrado, de luta e de resistência, superando as dificuldades para a proteção
dos bens naturais e históricos, no procurando fortalecer e manter a cultura indígena Atikum.

O PROCESSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO


POVO ATIKUM

O processo de ensino formal, no Povo Atikum, foi iniciado com muitas dificuldades, principalmente,
por não ter nenhum órgão que pensasse a importância da educação.

O empenho, os esforços e a organização dos familiares foi fundamental para que se trouxessem
mestres para ensinar os seus filhos, pois, eles eram os únicos que tinham o conhecimento escolar e
capacidade de ensinar: Seu Quirino, Antônio Pedro, Manoel Reinaldo.

Naquela época, como não havia um espaço específico para a escolarização, o ensino era realizado
em casas de estudantes ou debaixo de árvores, nos terreiros.

Depois de algum tempo, no alto da Serra Umã, na aldeia Sede, com a organização da FUNAI, foram
contratados professores de outras localidades para o ensino escolar. Porém, poucos permaneciam
no local, por não se adaptarem às dificuldades e ao acesso às aldeias.

Mediante às idas e vindas de professores/as, o chefe de Posto da FUNAI, da época, nomeou a índia
Olívia Maria dos Santos (Dona Nininha), pois, ela havia o MOBRAL era apenas a alfabetização. Da 1º
a 4º série era o ensino primário. Porém, a Dona Nininha deixou de ensinar por não ter a formação
específica exigida. Então, foi contratado um professor com formação adequada.

91
Por volta dos anos de 1970, com o apoio do chefe de Posto, foram contratados dois professores: a
Sr.ª Maria Edite Gonçalves e o professor Manoel Cassiano (índio Potiguara), que se casou com uma
índia Atikum.

Com o passar do tempo, as aldeias que não foram atendidas pela FUNAI foram contempladas pelos
municípios com a construção de algumas escolas e a contratação de professores não índios, que
eram nomeados sem anuência das lideranças e comunidades.

Apesar das escolas serem assistidas pelos municípios, muitas das aulas continuavam sendo
ministradas em casas de famílias, de estudantes ou dos próprios professores. A educação acontecia,
o que faltava eram locais adequados. O ensino acontecia mediante a prática metodológica colonial,
com a ideia de que “Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil em 1500”. Essa ideia enfraquecia nossa
identidade étnica, gerando a insatisfação dos nossos mais velhos.

Por volta 1993, iniciou-se uma discussão sobre a educação especifica e diferenciada, com apoio de
professores indígenas e lideranças que representavam cada povo.

Em 1999, recebemos a visita da antropóloga Caroline Leal e da historiadora Eliene Amorim, apoiadas
pelo Centro de Cultura Luís Freire (CCLF), as quais pesquisavam sobre Educação Escolar Indígena em
Pernambuco e desenvolviam o “Projeto Escola de Índio”.

Esse trabalho nos levou a refletir e a escrever “A escola que temos e a escola que queremos” que
versa sobra a merenda, a estrutura, o currículo, a convivência e a sobrevivência do povo nas aldeias.
Essa reflexão sobre o modelo educacional nos motivou a manifestar as nossas insatisfações quanto
ao currículo vivenciado nas escolas.

O Projeto Escola de Índio foi desenvolvido em todos os povos de Pernambuco e os nossos anseios
foram ganhando forças. Nesta ocasião, fomos informados sobre a responsabilidade e competência
das escolas Indígenas em Pernambuco e sobre a garantia de um único órgão mantenedor da nossa
educação.

Neste mesmo ano foi criada a COPIPE (Comissão de Professores/as Indígenas em Pernambuco) com
a finalidade de articular as lutas dos povos indígenas do estado para garantia do direito à educação
específica e diferenciada, intercultural e bilíngue, assegurada pela Constituição Federal de 1988.

A primeira conquista foi a estadualização das escolas indígenas, em 12 de agosto de 2002. Nesse
processo de luta registramos, em umas das manifestações, o falecimento do Seu Antônio Manoel
da Silva, liderança da aldeia Massapê.

92
Oi chega o mestre com o seu guia, vamos
trabalhar Gentil (2x)

Quando eu me lembro daquela mata eu


também já fui brabi (2x)

Ô hêi na hêi na hêi, hei na hôa (3x)

(*)Esse toante ele puxou na hora que estava passando mal


e veio a óbito no local da manifestação.

Mesmo com essa perda inesperada, nós continuamos na luta por garantia de direitos assegurados
nas nossas especificidades.

No ano de 2003, foi elaborado, em todos os povos de Pernambuco o “Perfil do professor indígena”
com a participação de professores, lideranças e caciques. Considerando-se esse documento, fez-se
necessária a retirada dos/as professores/as não índios das salas de aula. Com isso, foram
contratados professores indígenas para o trabalho nas escolas das aldeias.

Com essa conquista, os/as professores/as passaram a ter autonomia para construir seu próprio
calendário escolar, além de criarem o COPIA (Conselho de Professores/as Indígena Atikum) para
manter a organização da educação, o regimento escolar, o currículo específico e diferenciado e o
PPP (Projeto Político Pedagógico).

Esse processo contou com a participação das lideranças e comunidades e resultou na


ampliação e construção de novas escolas, na construção de cartilhas do povo, na participação da
construção do Referencial Curricular Nacional, para as Escolas Indígenas, na PROFORMAÇÃO
(Programa de Formação de Professores em Exercício), para aqueles que não tinham o magistério ou
Licenciatura Intercultural Indígena, na produção de material específico sobre o povo e na
implantação da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

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Foto: Escola Estadual Indígena Antônio Honório Sobrinho, Aldeia Quixaba
Fonte: Wellcherline Miranda

Para que a educação partisse dos princípios e da realidade vivida pelo povo, os professores e
lideranças travaram uma luta constante. Porém, nesse processo sempre contamos com apoio das
comunidades, proporcionando, aos alunos, o fortalecimento de suas memórias históricas e a
reafirmação de sua identidade étnica e cultural.

Foto: Estudantes aprendendo o trançando da palha


Fonte: Acervo Atikum

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A escola é um espaço social onde a cultura é fortalecida e tem o objetivo de sensibilizar os alunos
para a importância de se reconhecerem enquanto Atikum e respeitarem outras culturas.

Para isso, é importante que tudo seja feito a partir da oralidade, das histórias de lutas vividas pelos
mais velhos, associadas às experiências dos anciões. Assim, prepara-se os estudantes para atuarem
na sociedade, serem protagonistas da própria história e terem admiração por pertencerem a um
povo indígena resistente.

ORGANIZAÇÃO CURRICULAR

A organização curricular das escolas indígenas, em Atikum, se dá a partir dos componentes


curriculares que estão na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da parte diversificada.

Fotos: os painéis da Escola Estadual Indígena Antônio Honório Sobrinho


Fonte: Acervo Atikum

Com a elaboração de projetos, junto com os nossos educandos, construímos na nossa pratica
pedagógica, incluindo os cinco eixos norteadores que são fundamentais para que possamos fazer a
escola e a sociedade Atikum que desejamos, futuramente, os quais são:

EIXO TERRA
Ela representa para nós a vida, mãe, fonte de nossas riquezas, fonte de sobrevivência.

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Foto: Painel da Escola Estadual Indígena Antônio Honório Sobrinho
Fonte: Acervo Atikum

EIXO IDENTIDADE
Entendemos que a identidade, a afirmação e o fortalecimento étnico do nosso povo nasce e se
constrói no território, com a cultura, o jeito de ser, de falar, cantar, dançar e respeitar a força dos
encantados.

Compreendemos que a identidade Atikum nasce e se fortalece a partir do nosso território.

Foto: Painel da Escola Estadual Indígena Antônio Honório Sobrinho


Fonte: Acervo Atikum

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EIXO ORGANIZAÇÃO

Entendemos que a organização interna tem um papel relevante, pois contribui para o
fortalecimento da identidade étnica e cultural do nosso povo. É por meio dela que realizamos nossos
processos de lutas e conquistas, garantindo, assim, o direito à escola, saúde, políticas públicas, entre
outros.

Foto: Painel da Escola Estadual Indígena Antônio Honório Sobrinho


Fonte: Acervo Atikum

Nós nos organizamos para fortalecer politicamente o nosso próprio povo, como base de sustentação
nas tradições religiosas e sociais, na perspectiva da luta pela autonomia plena.

EIXO HISTÓRIA

É compreender as relações da convivência social, cultural, histórica e a relação com o território.

Foto: Painel da Escola Estadual Indígena Antônio Honório Sobrinho


Fonte: Acervo Atikum

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EIXO INTERCULTURALIDADE

Entendemos a diversidade étnica e cultural do nosso país e precisamos respeitar as outras formas
de viver, pensar e agir para que possamos viver e conviver numa sociedade com as diversidades
culturais.

Foto: Painel da Escola Estadual Indígena Antônio Honório Sobrinho


Fonte: Acervo Atikum

A Educação Escolar Indígena é fundamentada por:


 Convenção 169 da OIT;
 Constituição Federal de 1988;
 Constituição Estadual de 1990;
 Decreto Presidencial nº 26 de 1991;
 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 9.394/96, art. 78 e 79;
 Parecer nº14/1999 do Conselho Nacional da Educação;
 Resolução nº 03/1999 do Conselho Nacional de Educação; e
 Resolução nº05/2012 - Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Indígena

Em linhas gerais, garantir a unidade filosófica e político pedagógica da gestão e estrutura funcional.
Portanto, entendemos que educação se faz na comunidade, pois, os nossos saberes presentes nas
aldeias Atikum são elementos fundamentais para a construção e realização do currículo das nossas
escolas.

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COORDENAÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO

A coordenação geral da escola é exercida por um/a professor/a habilitado/a, comprometido/a com
o movimento indígena indicado pelo conselho COPIA, com anuência do cacique, pajé e lideranças e
comunidade em geral.

1- Edneuma Oliveira 2- José Nunes Filho 3- Donismar Pereira 4- Maria José Torres
de Sá Aquino

5- Airton Ricardo 6- Diocleciana Gomes 7- Ana Maria 8- Jaime Bezerra


da Silva de Sá Sobrinho Silva Sobrinho

9- Maria Irene Eruça 10- Rosivânia Nunes


de Jesus da Silva

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As fotos acima mostram os/as coordenadores/as que estão atuando nas escolas indígenas no
território Atikum: Edneuma Oliveira de Sá (Foto:1), José Nunes Filho (Foto:2), Donismar Pereira
(Foto:3), Maria José Torres Aquino (Foto:4), Airton Ricardo da Silva (foto:5), Diocleciana Gomes de
Sá (Foto:6); Ana Maria Sobrinho Silva (Foto: 7), Jaime Bezerra Sobrinho (Foto: 8), Maria Irene Eruça
de Jesus (Foto: 9) e Rosivânia Nunes da Silva (Foto: 10).

LINHA DO TEMPO DOS MEMBROS COPIPE

1º - Maria do Socorro Lopes / Maria Irene Eruça de Jesus / Edson Gabriel da Silva e Maria Diva da
Silva;
2º - Edneuma Oliveira de Sá / Ana Maria Sobrinho Silva / Maria de Fátima da Silva;
3º - Gilberto Francisco da Silva/ Jaime Bezerra Sobrinho / Maria José Torres Aquino;

Coordenação Município de Carnaubeira


1º - 2006/2013 - Edneuma Oliveira de Sá;
2º - 2013/2021: Atuante - José Nunes Filho;
3º - 2014 - Claudivânia Valdeci;
4º - 2015/2018 - Donismá Pereira;
5º - 2018/2021: Atuante -Maria José Torres Aquino;
6º - 20182021: Atuante -Airton Ricardo da Silva
Coordenação Município de Salgueiro
1º - 2006/2017 - Ana Maria Sobrinho Silva
2º - 2017/2021: Atuante - Jaime Bezerra Sobrinho
Coordenação Município de Mirandiba
1º - 2016/2018: Jaime Bezerra Sobrinho
2º - 2018/2019 - Maria Irene Eruça de Jesus
3º - 2021 - Eveline Natalia Lopes Cantarelli Souza
4º - 2021: Atuante - Rosivânia Nunes da Silva

100
SAÚDE INDÍGENA

101
SAÚDE INDÍGENA

O contato com pessoas oriundas de outros países tem causado grandes problemas aos povos
indígenas. Entre eles, podemos citar os relacionados aos diversos tipos de doenças, as quais não
existiam entre nós, e que surgiram com a chegada dos colonizadores, causando grandes danos aos
nativos dessa terra, hoje, denominada Brasil.

Sabe-se que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” expressa no Art. 196 da
Constituição Federal de 1988.

Mas, para que muitos desses direitos fossem garantidos, muitos indígenas perderam suas vidas em
busca de melhorias para seus parentes. Foi pensando nessas melhorias que, bem antes da carta
magna, já encontrávamos registros de manifestações por garantia de direitos.

A assistência à saúde das populações indígenas era feita através da FUNAI (Fundação Nacional do
Índio) e da FUNASA (Fundação Nacional de Saúde) em parceria com os municípios.

Mas, essa parceria acontecia apenas com a FUNASA e esse atendimento não era satisfatório. Como
esses órgãos não estavam mais atendendo às necessidades dos povos indígenas, surgiram várias
organizações, em todo o Brasil, formadas por lideranças, que intensificaram a luta em busca de mais
qualidade no atendimento.

Apenas em meados de 1999, esse atendimento se expandiu, atendendo uma demanda maior da
população Indígena Atikum. Nesse período, existia apenas um transporte para levar os pacientes
(de todo Atikum) para serem atendidos nos hospitais. O atendimento era, em geral, feito nas aldeias
e a equipe de saúde atendia apenas de quinze em quinze dias.

Havia muito a ser feito, pois, não havia nenhum local adequado para atender os pacientes. O serviço
era realizado nas casas das famílias, escolas, prédios de associações e até mesmo em casas de
farinha. Foi, então, que o movimento indígena lutou para que a gestão de saúde indígena passasse
a ser feita por uma secretaria específica, diretamente vinculada ao Ministério da Saúde.

Em 2010, com a criação da SESAI (Secretaria especial de Saúde Indígena) responsável


por coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, muitas
coisas melhoraram. Surgiu, então, uma política específica e diferenciada e um olhar mais voltado
para a saúde Indígena, que deveria ser responsável por todo o processo de gestão do (SASISUS)
Subsistema de Atenção à Saúde Indígena no Sistema Único de Saúde, criado em 2015. Essa

102
demanda foi uma reivindicação dos próprios indígenas, feita durante as Conferências Nacionais de
Saúde Indígena.
O SASISUS é composto por: (DSEI) Distrito Sanitário Especial Indígena (com sede no Recife); Polo
Base, (UBSI) Unidade Básica de Saúde Indígena; e (CASAI) Casa de Saúde Indígena, que dá apoio aos
indígenas que precisam de tratamento domiciliar. Ela recebe o Povo Atikum e demais povos
Indígenas de Pernambuco e está localizada em Recife.

O DSEI baseia-se em um modelo de gestão e de atenção descentralizado, com autonomia


administrativa, orçamentária, financeira e com responsabilidade sanitária. Orientado para um
espaço étnico cultural dinâmico, geográfico, populacional e administrativo bem delimitado que
contempla um conjunto de atividades técnicas que se fundamentam em medidas racionalizadas e
qualificadas de atenção à saúde.

Existem dois Polos Base que dão assistência ao Povo Atikum Umã e um Polo avançado que atende
a todos os povos Indígenas de Pernambuco. Um deles é localizado na cidade de Carnaubeira da
Penha e o outro na cidade de Salgueiro, para servirem como estrutura física e de apoio técnico e
administrativo às equipes multidisciplinares e à comunidade; oferece acolhimento aos indígenas e
descentralização das demandas produzidas em área, sendo composta por três coordenações: uma
técnica e uma administrativa, as quais têm como base as investigações epidemiológicas; elaboração
de relatórios de campo e sistema de informação; coleta, análise e sistematização de dados;
planejamento das ações das equipes multidisciplinares na área; organização do processo de
vacinação.

Já a coordenação administrativa possui três equipes multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI),


que fazem atendimento itinerante em quarenta e nove aldeias, localizadas nos municípios de
Carnaubeira da Penha, Salgueiro e Mirandiba.

Essas equipes são compostas por: médicos, enfermeiros, farmacêuticos, cirurgião dentista, técnicos
de enfermagem, agentes indígenas de saúde (AIS), agentes indígenas de Saneamento (AISANs),
auxiliar de saúde bucal, e agente de endemias.

103
Foto: Campanha de vacinação contra COVID-19 no território.
Fonte: Acervo Atikum

Em Atikum, as equipes possuem quatro unidades básicas de saúde indígena (UBSI) localizadas na
Aldeia Sede, Olho D’água do Padre, Aldeia Areia dos Pedro e Mulungu. O atendimento se dá de
forma volante, ou seja, a equipe multidisciplinar se desloca do Polo base para as aldeias de forma
que cada dia há atendimento em uma aldeia diferente, levando: atendimento médico, vacinas,
testes rápidos, puericultura, pré-natal e PCCU (preventivo), realizados em pontos de apoio, como
escolas, espaços sociais da comunidade (sede de associações), casas comunitárias e de lideranças,
assim como nas UBSI (Unidade Básica de Saúde Indígena).

Tendo como objetivo as ações de saúde voltadas para a atenção básica, como trabalhos preventivos,
no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de
agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde com os programas:
Saúde Mental, Saúde Bucal, Saúde do Homem, Saúde do Idoso, Saúde da mulher,
Acompanhamento da Criança e do Adolescente, monitoramento dos Casos de doenças mais
frequentes (infecção respiratória, diarreia), acompanhamento de pacientes crônicos, imunização,
bem como Acompanhamento e Supervisão de tratamentos de longa duração. Há também
prevenção e controle das doenças crônicas transmissíveis, como: tuberculose, hanseníase, IST, AIDS
e hepatites virais, bem como, a prevenção e controle das doenças crônicas não transmissíveis como
hipertensão e diabéticos, assistência farmacêutica e primeiros socorros.

104
CONSELHOS DE SAÚDE

Pensando em aprimorar a forma de buscar melhorias para a saúde Indígena do povo Atikum e
garantir a participação social indígena nas demandas de saúde pública foram criados conselhos. De
início, apenas um, o CISA (Conselho Indígena de Saúde Atikum).

Com o passar do tempo e o aumento da demanda tornou-se necessária a criação de mais um. Foi
então que, em 2002, criou-se o CISASAG (Conselho Indígena de Saúde Atikum Salgueiro e Atikum da
Gameleira).

O conselho Indígena de saúde é a instância máxima de deliberação, planejamento e coordenação


geral das ações de saúde desenvolvidas na terra indígena Atikum (Regimento Interno do CISASAG).
Assim sendo, é por meio dele que será fomentada a política de saúde aos indígenas de Atikum,
sendo garantido o acesso à saúde de forma diferenciada, como respeito à cultura, às crenças, às
organizações sociais, aos costumes e ao modo de vida do povo.

É papel do conselho participar das diversas instâncias organizacionais internas do povo, com o
intuito de visualizar e definir as necessidades e prioridades, solucionando os encaminhamentos,
bem como avaliando o funcionamento da saúde dentro do território Indígena Atikum.

Os conselheiros são escolhidos através de eleição em assembleia, dentro de cada aldeia, garantida
a divulgação da data e horário com antecedência mínima de quinze dias. Serão reconhecidos como
titulares e suplentes aqueles que forem eleitos por maioria simples ou consenso, os quais serão
investidos do cargo de representantes, através da ata da eleição. Os membros (presidente, vice-
presidente e secretário (a)) são eleitos em consenso ou em votação de maioria simples dos
conselheiros titulares. O Presidente e o Secretário formarão a Secretaria Executiva do Conselho.

Os conselhos têm a seguinte composição: O CISASAG é composto por trinta e oito membros, sendo
dezenove titulares e dezenove suplentes, distribuídos nas aldeias do município de Salgueiro e
Carnaubeira da Penha. Já o CISA é composto por vinte e dois titulares e vinte e dois suplentes, nas
demais aldeias pertencentes ao município de Carnaubeira da Penha e Mirandiba.

105
HINO ATIKUM II

HEI HEI TUPÃ, DÁ FORÇAS PRA MIM,


PROTEGE OS ATIKUM DE TUDO QUE É RUIM.

TERRA EM QUE, O BRANCO JÁ MANDOU,


MAS SUA ERA JÁ PASSOU, E QUE CALOU A VOZ.

TERRA EM QUE, O BRANCO NÃO DIZ MAIS,


ONDE HOJE REINA A PAZ, POR QUE QUEM MANDA É NÓS.

TERRA EM QUE, MUITOS IRMÃOS DE LUTAS


PERDERAM SUAS VIDAS, PRA NOS DEFENDER.

TERRA EM QUE, MANTEMOS A CULTURA,


ONDE A AGRICULTURA, É AO MEIO DE VIVER.

TERRA EM QUE, TRAVAMOS BATALHAS,


ONDE NADA É FÁCIL, MAIS ENCONTRAR SAÍDA.

TERRA EM QUE TEMOS OPORTUNIDADE,


DE NA SOCIEDADE, SER ALGUÉM NA VIDA.

TERRA QUE É RICA EM LUGARES SAGRADOS,


ONDE P ARTESANATO, É TAMBÉM FONTE DE RENDA.

TERRA EM QUE TEM ORGANIZAÇÃO, ONDE HÁ EDUCAÇÃO,


PARA QUE OS ÍNDIOS APRENDAM.

TERRA EM QUE TEMOS AUTONOMIA,


ONDE HÁ SAÚDE E EDUCAÇÃO, AO PRÓPRIO CONVÉM.

TERRA É RICA, EM ERVAS MEDICINAIS,


ONDE O PRÓPRIO ÍNDIO FAZ A CURA E SE DAR BEM.

106
GLOSSÁRIO

Borduna – Arma artesanal confecciona pelo índio Atikum para ser utilizada na caça e em sua própria
defesa.

Bornunça – Uma mandioca rara usa para fazer beiju.

Comidas brabas - são alimentos rústicos retirados da mata nativa para comer somente no caso de
grandes necessidades.

Grolado – Comida improvisada.

Meisinhas – são remédios caseiros preparados com as plantas e ervas medicinais.

Meisinheiras – pessoas que preparam as meisinhas com as plantas e ervas medicinais.

Rezadeiras – pessoas que rezam.

107
REFERÊNCIAS

DANTAS, Mariana Albuquerque. Do aldeamento do Riacho do Mato à Colônia Socorro: defesa de


terras e aprendizado político dos indígenas de Pernambuco (1860-1880). 2018. Revista Brasileira
de História, São Paulo, v. 38, n. 77, p. 81-102.

FONSECA, João Justiano. Rodelas: Curraleiros, Índios e Missionários história. Microtextos Edições
Gráficas, Salvador / BA, 1996.

MAMIANE, Luis Vincencio. Arte de gramática da lingua brasilica da naçam Kiriri (Mamiani 1699)
Lisboa: Miguel Deslandes Bibliografia Crítica da Etnologia Brasileira, Volume I , Baldus 1954.

NANTES, Frei Martinho de. (1979) Relação de uma Missão no Rio São Francisco, tradução de
Barbosa Lima Sobrinho, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1979.

SALOMÃO, Ricardo Dantas Borges. Etnicidade, processos de territorialização e ritual entre os


índios Tuxá de Rodelas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social da Universidade Federal Fluminense (UFF). 2006.

SANTOS JÚNIOR, Carlos Fernando dos. Os índios nos vales do Pajeú e São Francisco: historiografia,
legislação, política indigenista e os povos indígenas no Sertão de Pernambuco (18011845).
(Dissertação Mestrado em História) Recife: UFPE, 2015a.

SANTOS JÚNIOR, Carlos Fernando dos. O Diretório em Pernambuco no século XIX: Instrumento de
“pacificação” dos “índios brabos” no Submédio São Francisco. Revista discente do PPGH/UFC,
2015b.

E QUE D

FONTES
APEJE - Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano - Patentes Provinciais, p. 11. Relação de
Patentes 1801, f. 125-127v.

APEJE - Correspondência para a Corte (CC-12). Carta, Sítio do Pesqueiro 30/04/1802, fl. 273v.

APEJE - MJPE, Comarca de Flores Cx. 381 ROR 08-06-1814: Requerimento. Requerimento do Capitão
Mor Joaquim Nunes de Magalhães e Francisco Barbosa Nogueira sobre a abertura de três estradas
para Cariris Novos (Ceará) e extinguir os índios das três Nações Umã, Oê e Chocó. Fl. 58-60.

APEJE - MJPE, Comarca de Flores Cx. 381 ROR 05-03-1814: CARTA. Registro da Carta de Sesmaria de
meia légua de terra concedida aos Índios da nova Missão de Baixa Verde na Serra Grande, Termo
da Vila de Flores. Fl. 50-51.

108
APEJE - Diversos II 10 1853-1860. OFICIO, sem número, 25/08/1856. Sobre os índios errantes que
vivem na Comarca de Pajeú das Flores e na Serra Negra. Fl. 87

APEJE - Diversos II 10 1853-1860. OFICIO, sem número, 29/08/1856. informando da criação de novas
aldeias do Brejo dos padres, para reunirem os índios errantes da Serra Negra. Fl. 89.

APEJE - Diverso II 19 1861-1871. OFICIO, sem número, 30/03/1866. Sobre os índios bravos da Tribo
dos Imaus (Umãs) que atacam a comarca de Floresta. Fl. 99

APEJE - FUNDO SSP Floresta 142, 07-02-1866: CARTA, 07/02/1866. Sobre criação da vila da penha
Fls. 03-04

APEJE - Colônias Diversas -DI 14-08-1877: OFICIO nº 630, 14/08/1877. Sobre as petições dos índios
de Floresta, da reintegração das terras doadas por moradores a muitos anos num lugar chamado
Serra dos Umã. Tais terras estavam sendo ocupadas pelos descendentes dos doadores que
alegavam que os índios não habitavam naquelas terras a muitos anos. Fl. 279.

APEJE - Colônias Diversas -DI 24-09-1877: OFICIO sem número, 24/09/1877. Sobre os Índios do
Ceará que migraram para a Comarca de Floresta,em virtude de uma suposta aldeia que lhes
pertenciam na dita Comarca. Fl. 282.

APEJE - Inspetorias Regionais. IR 4 Nordeste. Microfilme 152, Fotograma 1068-1069. Relatório,


Recife 21/06/1946. Instalação de um posto na Serra do Umã.

ARAUJO, Soraya Geronazzo. O Muro do Demônio: economia e cultura na Guerra dos Bárbaros no
nordeste colonial do Brasil – séculos XVII e XVIII. UFCE - PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
HISTÓRIA, 2007.

DORNELLES, Soraia Sales. A questão indígena e o Império: índios, terra, trabalho e violência na
província paulista, 1845-1891. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, 2017.

Revista do Instituto do Ceará – “No Tempo de Frei Vidal...” de Eusébio de Sousa USP. Disponível
em:<wikipedia http://acordacordel.blogspot.com.br>. Acesso: 22 out. 2021.

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