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1.

O Estabelecimento Comercial

2.1. Conceito:

- O estabelecimento é uma organização de meios. Embora estejam, todos, ordenados à


consecução de um mesmo fim — o do desenvolvimento de uma actividade económica
produtiva que não se destina ao auto-consumo —, tais meios podem ser, em cada
estabelecimento, os mais diversos: coisas corpóreas, coisas incorpóreas, posições
contratuais, direitos de propriedade industrial (patentes, desenhos ou modelos
industriais, etc.), sinais distintivos (firma, nome ou insignia; marca), créditos, débitos,
etc.

- lastro ostensivo do estabelecimento: não existe estabelecimento sem um conjunto,


mínimo que seja, de elementos que o "ostentem" ou o "concretizem", que "permitam
torná-lo sensível, identificável e transportável

• âmbito mínimo: a transmissão de um estabelecimento, justamente porque este


não dispensa a presença de um mínimo de elementos de lastro ostensivo que
aprisione os seus valores típicos — os valores de organização e os valores de
exploração —, carece da transmissão de um conjunto de elementos que se
designa de âmbito mínimo: aquele conjunto de elementos do lastro ostensivo
necelsário para identificar, sensibilizar e transportar o valor de posição no
mercado que o estabelecimento essencialmente é. O âmbito mínimo constitui,
por conseguinte, um limite ao princípio de livre conformação do
estabelecimento na respectiva negociação (art. 405.º do CC). A determinação
dos elementos que integram o âmbito mínimo só em concreto se poderá
efectuar.
• Âmbito natural: integra aqueles elementos que passam com estabelecimento,
mesmo sem uma vontade específica das partes nesse sentido: a vontade de
transmitir o estabelecimento abrange naturalmente a transmissão de tais
elementos. Quanto a estes elementos, as partes podem acordar a sua exclusão
do negócio mediante vontade específica. Integram o âmbito natural:
o os direitos obrigacionais sobre imóveis — mormente o direito ao
arrendamento do imóvel em que estabelecimento se encontre instalado
o os direitos reais sobre móveis — que podem ser matérias-primas,
mercadorias, equipamentos, etc. —,
o o logótipo quando nele não figure o nome individual, a firma ou a
denominação social do seu titular ou requerente do respectivo registo
(art. 31.º, n° 5, CPI a contrario)
o a marca — também quando nela não figure o nome individual, a firma ou
a denominação social do respectivo titular (art. 31°, n° 5, CPI a
contrario)—,
o as posições contratuais,
o os créditos "impuros" e as dívidas "impuros.
• âmbito máximo ou convencional: só mediante declaração de vontade ad hoc
(especifica) acompanham a negociação do estabelecimento. Por outras palavras,
o acordo de vontades para a transmissão do estabelecimento não é suficiente
para transmitl tais elementos, requerendo-se um outro acordo de vontades para
que acompanhem o estabelecimento. Aqui incluem-se:
o os direitos reais sobre imóveis,
o o direito sobre a firma do comerciante (art. 44°, n° 1, in fine, RNPC),
o o logótipo quando nele figure o nome individual, a firma ou a
denominação social do seu titular ou requerente do respectivo registo
(art. 310, n° 5, CPI a contrario)
o a marca — quando nela figure o nome individual, a firma ou a
denominação social do respectivo titular (art. 31°, 5, CPI) —,
o os créditos e os débitos "puros"

- é um bem que tanto pode ser objecto de direitos — desde logo de direitos reais (como
sejam a propriedade ou o usufruto), mas também de direitos obrigacionais (por
exemplo, de gozo pelo locatário) —, assim como pode ser objecto de negócios — de um
trespasse, de uma locação, etc.

- O estabelecimento é um bem novo (“distinto”), que não se confunde com os bens de


que é feito, é que o título jurídico que incide sobre uns e sobre outros não tem de ser —
e as mais das vezes não é efectivamente — o mesmo: o proprietário do estabelecimento
pode ser, apenas, arrendatário do imóvel em que este funciona, comodatário de
determinado equipamento, etc. Inversamente, o locatário do estabelecimento pode ser
proprietário das suas matérias-primas ou das suas mercadorias, etc. Por isso, o seu valor
não corresponde à soma do valor (parcelar) dos diversos elementos de que se
componha. A empresa (-estabelecimento) é um valor distinto desse mero agregado e,
por isso mesmo, é um valor novo, um valor que não existia nos seus elementos
separados

- a qualificação do estabelecimento — como comercial, industrial, artesanal etc. —


assume, em si mesma, escassa relevância, pois nada acrescenta e também nada retira à
natureza do bem que o estabelecimento é: em qualquer caso, sempre será um
estabelecimento e estará, por isso mesmo, sujeito a um regime jurídico próprio.

- se for seguido um critério económico, o estabelecimento comercial distinguir-se-á, por


exemplo, de um estabelecimento industrial, ou agrícola, ou de prestação de serviços —
visto que, para a ciência económica, o comércio se
distingue da indústria, da prestação de serviços, da agricultura

- se à qualificação presidir um critério estritamente jurídico, ao estabelecimento


comercial já se contraporá um estabelecimento civil (ou não comercial). O
estabelecimento comercial segundo um critério jurídico poderá, pois, respeitar ao
exercício de uma actividade que, à luz de um critério económico, devesse qualificar-se
como industrial ou como de prestação de serviços.
2.2. O trespasse

(1) trespasse é definível como transmissão da propriedade de um estabelecimento por


negócio entre vivos. Este conceito é suficientemente elástico e preciso para representar
o trespasse como conjunto de figuras negociais diversas - conjunto de composição
variável, consoante a teleologia das diferentes normas - e, simultaneamente, para
exprimir (em face do normativo por ora pertinente) as notas essenciais e comuns que,
para lá das diferenças, congregam as diversas figuras negociais sob uma mesma
designação (com correspondente sujeição a uma disciplina em parte comum) (Prof.
Jorge Coutinho de Abreu)

(2) Objeto de trespasse é um estabelecimento. Mas que não tem de ser "comercial" (em
sentido jurídico). Comercial, apenas, terá de ser para efeitos dos arts. 100.º e 145.º do
CDA (estabelecimento do "editor" ou do "produtor"); o estabelecimento "comercial ou
industrial" do art. 1112.º do CCiv. abarca também empresas não jurídico-mercantis; e
os arts. 152.º-, 2, d), do CSC e 209.º, 2, do CRCSPSS são aplicáveis às diversas espécies
empresariais. (Prof. Jorge Coutinho de Abreu)

(3) Durante muito tempo, a forma exigida para o trespasse foi a escritura pública; depois
do ano 2000, passou a exigir-se simples escrito. Hoje (depois do NRAU), deve entender-
se que o (simples) escrito continua como forma necessária - deve o preceito do nº 3 do
art. 1112º ser interpretado (extensivamente) no sentido da simples exigência de escrito
para o trespasse. (Prof. Jorge Coutinho de Abreu)

(4) A transmissão de firma - que não pode ser feita sem a transmissão do
estabelecimento - exige escrito (art. 44.º, 1 e 4 do RRNPC); a transmissão de marca ou
de logótipo - envolvida naturalmente na transmissão do estabelecimento - exige escrito
(CPI, arts. 30.º, 4, 256, 2, 295, 2).

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