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Diplomacia
HISTÓRIA DA DIPLOMACIA
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ÍNDICE
UNIDADE I – INTRODUÇÃO
História da Diplomacia.
1.1. Introdução. O que é a Diplomacia. Objecto e disciplinas afins.
1.2. Conceitos de diplomacia.
1.3. A Diplomacia Na Antiguidade clássica (Mundo Greco - Romano).
1.3.1. Idade Média (Séculos XII-XV).
1.3.2. O Sistema Italiano (séc. XV e XVI).
1.3.3. Sistema Francês (séculos XVII e XIII), Francisco I (Rei de
França), Richelieu (1626) potência da Diplomacia Pessoal.
1.3.4. O Sistema Inglês/Espanhol, o Cardeal Thomas (Ministro de
Henrique VIII).
1.4. A importância do Tratado de Westfalia (1648) para diplomacia
moderna.
1.4.1. Os princípios mais importantes da Paz de Westfália.
1.4.2. O Tratado de Ultreque.
1.4.3. O Congresso de Viena (1 de Outubro de 1814 e 9 de Junho de
1815) conferência entre embaixadores das grandes potências
europeias.
1.4.4. Directrizes do Congresso e consequências do Congresso.
1.4.5. A Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas e
consulares e seus efeitos.
UNIDADE II - RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS E MISSÕES DIPLOMÁTICAS
2.1. A Natureza da Diplomacia.
2.2. Relações Diplomáticas e Relações Consulares.
2.3. Direito Diplomático.
2.3.1. O Estatuto do diplomata.
2.3.2. Caracterizações das Actividades Diplomáticas.
2.4. Inviolabilidade, Imunidade e Privilégios Diplomáticos.
UNIDADE III - AS MISSÕES DIPLOMÁTICAS PERMANENTES
3.1. Missões Permanentes: Conceito.
3.2. Instalação da Missão Permanente.
3.3. Nomeação de Chefe da Missão, do Pessoal Diplomático e dos
Membros do Pessoal Administrativo.
3.3.1. Natureza jurídica do agrément / O Acreditamento.
3.3.2. Categorias dos Agentes Diplomáticos.
3.3.3. Privilégios Imunidades.
3.3.4. As prerrogativas dos agentes diplomáticos.
3.3.5. Início e termo das prerrogativas diplomáticas.
3.3.6. Deveres dos Agentes Diplomáticos.
3.3.7. A Imunidade do Estado.
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UNIDADE IV - NEGOCIAÇÃO DIPLOMÁTICA
4.1. Conceito de negociação diplomática.
4.1.1. Princípios e métodos da negociação diplomática
4.1.2. Preparação da negociação.
4.1.3. Condução da negociação.
4.1.4. O Negociador
UNIDADE V - RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS E ORGANIZAÇÕES
INTERNACIONAIS.
5.1. Representação das organizações internacionais junto dos Estados e
de outras organizações internacionais.
5.2. Delegações ou Missões Permanentes.
5.3. Representação dos Estados junto das Organizações Internacionais
5.4. As Prerrogativas dos Membros das Missões:
5.4.1. Imunidades e Privilégios.
5.5. A Questão da Sede das Organizações Internacionais.
UNIDADE VI - DIREITO CONSULAR
Parte histórica
6.1. Os Precursores.
6.2. As origens remotas da Instituição Consular.
6.3. Os Prostates e os Proxenes da Antiga Grécia.
6.4. Os Patroni, Praetor Perigrini e Mercuriais da Antiga Roma.
O Estatuto Jurídico Internacional do Cônsul
6.5. Cônsul Honorário e Cônsul de Carreira.
6.6. Categoria ou Classes de Cônsules de Carreira.
6.7. Admissão do Cônsul no Estado Hospedeiro. O Exequatur.
6.8. Privilégios e imunidades.
6.9. O Estatuto Jurídico – Internacional do Cônsul Honorário.
UNIDADE VII - O DIREITO INTERNACIONAL E O EXERCÍCIO DA
DIPLOMACIA:
3.1. Definições e Princípios Gerais.
3.2. Negociação, Estilos e Métodos Diplomáticos.
3.3. A Resolução Pacífica de Controvérsias.
3.4. O Asilo Político e a Extradição.
3.5. O Reconhecimento de Estados e Governos.
3.6. A Extensão da Soberania dos Estados e a sua Jurisdição.
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UNIDADE I – INTRODUÇÃO
Vários conceitos de diplomacia, no decorrer do tempo, foram dados pela
doutrina do mundo inteiro, indicando diferentes significados. Portanto,
faz-se necessário traçar um denominador comum que seja capaz de
ajudar a entender o que significa o termo diplomacia. De um ponto de
vista etimológico, a palavra diplomacia deriva do latim diploma – átis, do
grego diploma–atos, do francês diploma–tie, derivação de diplome
“diploma”. A princípio, a raiz diplo referia-se literalmente ao documento
solene dobrado em dois, baseando-se no verbo diplonein, ou seja,
dobrar, verbo correlato ao termo dyplo, ou seja, dúplice. O atual conceito
de diplomacia, como arte e método das relações internacionais, contém,
na sua raiz etimológica, elementos da definição de acordo internacional.
De fato, como observa a doutrina, ele conjuga, em uma única palavra, a
idéia de documento solene (o diploma) e de bilateralidade (diplo). De um
ponto de vista doutrinário, os caracteres do conceito diplomacia se
modificam. Assim, para alguns autores que ressaltam a natureza
instrumental, a diplomacia é, conforme Devoto-Oli (1997).
1. o complexo dos procedimentos por meio dos quais um Estado mantém as
suas relações internacionais.
2. e, também, de um ponto de vista material,
3. o complexo das estruturas, dos órgãos e dos funcionários que exercitam
funções de representação de um Estado nas relações internacionais. .
Para outros autores como Maresca (1991), que evidenciam o acordo entre
as partes, diplomacia é
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elemento do conceito de diplomacia, ou seja, esta opera nas relações
internacionais e se desenvolve entre sujeitos de direito internacional.
Neste sentido, a sua verdadeira essência se manifesta especialmente
como instrumento de manutenção da paz e da segurança internacional.
Cabe agora ressaltar um outro elemento igualmente fundamental do
termo diplomacia, a negociação. É fato que cada Estado determina sua
própria política externa para obter determinadas finalidades, mas, muitas
vezes, no cenário internacional, elas serão diferentes ou mesmo opostas
às pretendidas pelo outro Estado. Portanto, a devida exigência de
conciliar os pontos divergentes faz da negociação o instrumento principal
da diplomacia. Após determinar os dois elementos centrais do conceito
diplomacia, faz-se necessário analisar e esclarecer uma controvérsia que
ainda permanece entre alguns doutrinadores: a eventual distinção entre a
política externa e a diplomacia de um Estado. A doutrina majoritária
entende ser a política externa a escolha das finalidades e das diretrizes
que um Estado irá desempenhar em relação a outro Estado e,
consequentemente, a diplomacia torna-se o instrumento ou o melhor
método por meio do qual tudo se realizará.
Ao contrário, parte da doutrina italiana liderada por Bellini, de forma
acertada, não concorda plenamente com a diferenciação mencionada no
parágrafo anterior. O professor italiano afirma que a distinção entre
política externa e diplomacia não é tão clara na prática quanto o é na
teoria, e isso é demonstrado pela utilização do termo “diplomacia” como
sinônimo de “política externa”. Ainda de acordo com esse autor, a
progressiva diferenciação entre os deveres “diplomáticos” e os deveres
“políticos” deve-se, na verdade, também a uma razão mais sutil e
interligada à diferente estruturação do poder político no Estado moderno.
Portanto, é insuficiente o argumento de que a instabilidade dos governos
no regime parlamentar tenha evidenciado os defeitos típicos de uma falta
de continuidade na política externa, originando, assim, a tendência a
separar, na medida do possível, os deveres diplomáticos de natureza
permanente das atitudes contingentes de outra natureza. Assim, é desta
estabilidade da função diplomática, contraposta à contingência da
política, que se tenta sustentar, no plano científico, a configuração da
“diplomacia” como uma função distante da função geral de governo.
Devido a essa insuficiência de argumentação, somada a uma provável,
direta ou induzida confusão de idéias, a separação entre deveres
“políticos” e deveres “diplomáticos” parece fruto de uma fácil
transposição da diferença, estabelecida no direito público interno, entre
atos de governo e atos administrativos. Porém, esta mesma separação
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está sujeita ao perigo de ser reduzida a algo abstrato e artificial, sendo
difícil determinar o limite subjetivo entre os órgãos políticos e os agentes
diplomáticos. Realmente, não se pode negar que os Chefes de Estado, os
Primeiros Ministros e os Ministros das Relações Exteriores, além de serem
órgãos da estrutura estatal, são considerados pelo direito internacional os
mais elevados agentes diplomáticos. O problema pode tornar-se
terminológico, assumindo o termo “diplomacia significado meramente
executivo para indicar as decisões políticas principalmente direcionadas
para as relações externas. Contudo, a questão deve ser mais bem
definida, primeiramente de um ponto de vista formal, nas relações
constitucionais entre órgãos prepostos à política externa (nos vários graus
de decisão, de pre-disposição, de conselho etc.) e os outros órgãos do
Estado. Na prática, é sobre tal fundamento que a supracitada
diferenciação sempre se colocou e, a partir dele, encontrou as diferentes
soluções técnicas de fato. É importante, ainda, evidenciar que a distinção
entre política externa e diplomacia pode abrir caminho para a
possibilidade de uma “fuga” de responsabilidade do governo perante um
determinado comportamento do próprio diplomata, embora, para o
direito internacional, isto seja inadmissível, tendo em vista a
responsabilidade internacional que o Estado tem perante cada
comportamento do próprio órgão. Ao final deste excursus pela busca de
um denominador comum, há elementos suficientes para conceituar a
diplomacia. Em síntese, trata-se de um método pacifico em que, através
da negociação, os sujeitos de direito internacional regulam os próprios
negócios externos. Para que tudo isso se concretize, é necessária, ainda,
uma estrutura organizada e composta por vários órgãos especializados.
Com efeito, a diplomacia de um Estado pode ser realizada, de modo
geral, mediante várias formas, como por exemplo, os encontros dos
Chefes dos Estados, dos Ministros das Relações Exteriores, dos
delegados nas conferências internacionais ou nas Organizações
Internacionais, das missões especiais, e, de modo particular, mediante as
missões diplomáticas permanentes. Enfim, para que toda essa estrutura
organizada possa efetivamente funcionar, seja no âmbito interno ou
externo do Estado, são necessárias regras preestabelecidas. Em
consequência, o conjunto das normas que regulam a relação entre os
diferentes órgãos encarregados das relações internacionais forma o
direito diplomático. O estudo e a análise da missão diplomática
permanente, por meio dos costumes e, sobretudo, da Convenção de
Viena de 1961 sobre as Relações Diplomáticas, têm como objetivo
principal;
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I. Perspectiva histórica das missões diplomáticas permanentes;
II. As fontes jurídicas das missões diplomáticas permanentes;
III. O estabelecimento e as modalidades das missões diplomáticas
permanentes;
IV. Os privilégios e imunidades diplomáticas;
V. O fim das relações diplomáticas permanentes
HISTÓRIA DA DIPLOMACIA.
DIPLOMACIA
A sede da Organização das Nações Unidas em Nova Iorque, um dos
principais palcos da diplomacia multilateral.
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História
A faculdade de praticar a diplomacia é um dos elementos definidores
do Estado, razão pela qual aquela tem sido exercida desde a formação
das primeiras cidades-Estado, há milênios. Na Antiguidade e na Idade
Média, os diplomatas eram quase sempre enviados apenas para
negociações específicas, retornando com a sua conclusão. A história
registra como primeiros agentes diplomáticos permanentes
os apocrisiários, representantes do papa e de outros
patriarcas católicos junto a Bizâncio. Também exerciam suas funções de
modo permanente os procuratores in Romanam Curiam, representantes
dos soberanos europeus junto ao papa em Roma. Com estas duas
instituições (apocrisiários e procuratores) surgiram os primeiros conceitos
do que viria a ser a diplomacia moderna, como as instruções, as
credenciais e as imunidades. A origem da diplomacia moderna pode ser
encontrada nos Estados da Itália Setentrional, no começo
do Renascimento, com o estabelecimento das primeiras Missões
diplomáticas no século XIII. A primeira Missão diplomática permanente foi
estabelecida por Milão em 1446 junto ao governo de Florença. No norte
da Itália surgiram diversas das tradições da diplomacia, como a
apresentação de credenciais dos embaixadores estrangeiros ao Chefe de
Estado. Dentre as grandes potências europeias, a Espanha foi a primeira a
manter um representante permanente no exterior - na corte inglesa, a
partir de 1487. No final do século XVI, o estabelecimento de Missões
permanentes já se havia tornado frequente na Europa. Naquela época, a
ideia de um diplomata era a definição de Henry Wotton: "um homem
correto enviado ao estrangeiro para mentir por sua pátria", como disse
quando em missão em prol da Inglaterra em Augsburgo, em 1604. Ao
instituir o sistema do equilíbrio europeu, a Paz de Vestfália (1648)
consolidou a necessidade das Missões diplomáticas permanentes, por
meio das quais os Estados europeus buscavam criar ou preservar alianças.
Como os embaixadores eram, como regra geral, membros da nobreza ou
políticos com pouca experiência em relações exteriores, criou-se uma
crescente base de diplomatas profissionais nas Missões no exterior. Na
mesma época, começavam a ser estruturados os Ministérios do
Exterior nas principais capitais europeias. Com a presença permanente de
enviados diplomáticos nas capitais europeias, surgiram conceitos como o
de precedência, que organizava os chefes de Missão estrangeiros em
ordem de importância. As regras a esse respeito variavam de país para
país e eram com frequência confusas, distinguindo entre representantes
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de monarquias e repúblicas, ou conforme a religião oficial do Estado
acreditante. O Congresso de Viena de 1815 criou um sistema de
precedência diplomática, mas o tema continuou a ser fonte de
discordância até o século XX, quando foi regulado definitivamente, pelo
artigo 16 da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. A primeira
Embaixada enviada por um Estado europeu ao Oriente foi a da Inglaterra
junto ao imperador mogol, em 1615. As tradições diplomáticas fora da
Europa diferiam em muito das europeias, especialmente no que se refere
aos grandes impérios como o Otomano ou o chinês, que se consideravam
superiores aos outros Estados. Por fim, a expansão europeia nos séculos
XVIII e XIX levou consigo a prática diplomática daquele continente,
tornando-a universal.
1.1. Introdução. O que é a Diplomacia. Objecto e disciplinas afins.
Diplomacia consiste na ação civilizada e pacífica de se relacionar com
diferentes grupos, nações ou sociedades. Representa um instrumento
típico da política externa dos países, que se concentra em manter as
relações entre os diferentes Estados soberanos equilibradas.
A diplomacia é a forma como as nações civilizadas lidam com os seus
antagonismos, procurando resolver as divergência sem o uso da
violência ou de ofensas. Agir com diplomacia é ter respeito pelo
próximo, sabendo lidar de modo pacífico perante diferentes situações
e comportamentos. O objetivo da diplomacia é manter um convívio
sadio entre os vários grupos sociais, fazendo com que as
particularidades e interesses de cada um sejam defendidos e
representados. O indivíduo que age com diplomacia é chamado
de diplomata, uma pessoa que tem a missão de representar os
interesses de determinado grupo ou nação perante outros, de modo
pacífico e conciliador.
Mais sobre o Diplomata.
A diplomacia também pode ser vista como uma ciência que estuda as
relações internacionais de um estado no estrangeiro. O sentido
figurado da palavra diplomacia consiste na habilidade que
determinada pessoa possui de conduzir as relações interpessoais e
de resolver conflitos pessoais.
Sinônimos de diplomacia
Alguns dos principais sinônimos de diplomacia são: astúcia; esperteza;
delicadeza; educação; fineza; circunspecção; ponderação; sensatez;
argúcia; finura; habilidade; fato; e política.
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1.2. Conceitos de diplomacia.
De onde surgiu a diplomacia?
Desde que se criaram as primeiras civilizações, foi necessário
encontrar maneiras mais formais e sistemáticas de se comunicar.
Afinal, quando uma conversa pode acabar em guerra, é preciso que
todos os esforços possíveis sejam feitos para que essa conversa vá
bem, não é mesmo?
Relatos de representantes sendo enviados a países estrangeiros para
participar de negociações não são novos, nem escassos.
No entanto, esses “diplomatas antigos” raramente iam morar nos
países para onde eram enviados e, por isso, não são exatamente iguais
aos seus descendentes modernos. O Casamento do Rei João I e
Philippa de Lancaster, simbolizando o tratado diplomático mais antigo
do mundo, entre Portugal e Inglaterra, 1386. Mas como surgiu a
diplomacia como a conhecemos hoje? Bem, essa história é bem mais
recente e mais fácil de contar. Os primeiros diplomatas a representar
de maneira permanente os seus respectivos países só iriam surgir
na Europa medieval (séculos 8 – 15 d.C.). As cidades-estados da
Itália, como Milão e Florença, foram as primeiras a criar missões
diplomáticas permanentes, as quais, com o tempo, se tornariam as
atuais embaixadas. Entre os séculos 15 e 20, os recém-criados Estados
nacionais europeus formularam um emaranhado de
regras diferentes, que causaram muitos desentendimentos. Foi apenas
com o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que se
consolidou o sistema internacional de normas que utilizamos hoje.
Como funciona a diplomacia?
Como você deve ter percebido, a história da diplomacia é longa e
cheia de transformações, reviravoltas e regras quebradas. Assim, não é
difícil imaginar como o sistema atual chegou ao nível de complexidade
que ele alcançou hoje. Mesmo assim, nós podemos entender, pelo
menos, as partes mais básicas da diplomacia moderna. Primeiramente,
vamos entender como se dão as relações diplomáticas. A forma mais
básica de relação diplomática é o reconhecimento de soberania.
O reconhecimento diplomático de um país por outros é uma das
condições mais importantes para a existência de um Estado nacional.
Na sua forma mais simples, um Estado reconhece
a independência e legitimidade de outro, aceitando sua autoridade,
dentro e fora do seu país. Um exemplo de país que não é plenamente
reconhecido é o Kosovo, que declarou sua independência da Sérvia em
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2008, mas que não foi reconhecido por muitos países. Uma forma
mais completa de relação diplomática se dá por meio da abertura de
representações diplomáticas. Essas representações são formadas
por diplomatas, que se engajam em relações formais com o país que
os recebe. Em geral, elas se estabelecem na forma de embaixadas –
que são responsáveis pelas relações políticas – e consulados –
responsáveis pelos serviços aos cidadãos, como emissão de vistos e
assistência a visitantes. Quando as relações diplomáticas entre dois
países “quebram”, é comum haver o fechamento e retorno das
representações diplomáticas entre eles. Um exemplo atual é o das
relações entre Estados Unidos e Cuba, onde a reabertura das
embaixadas nas respectivas capitais significou a retomada oficial das
relações. Os diferentes países também podem cooperar através de
tratados (entre dois países) e convenções (entre vários países), os
quais definem normas internacionais a serem seguidas.
O que fazem os diplomatas?
Agora que já entendemos como se dão as relações diplomáticas,
vamos entender melhor o trabalho dos diplomatas.
Os diplomatas são profissionais nomeados por um governo para
serem os seus representantes em um país estrangeiro. Suas
responsabilidades incluem, entre outras:
Defender os interesses do seu país de origem;
Proteger e interceder em nome dos cidadãos do seu país de origem;
Iniciar e/ou participar nas negociações de acordos, tratados e
convenções;
Promoção do intercâmbio cultural e comercial entre os países.
Os diplomatas também representam os seus países de origem
nas organizações internacionais, que reúnem equipes
diplomáticas de vários países.
1.3. A DIPLOMACIA NA ANTIGUIDADE CLÁSSICA (MUNDO
GRECO - ROMANO)
O desenvolvimento da diplomacia1 confunde-se com a atividade
internacional dos Estados que, durante séculos, representou sobretudo
a consecução dos interesses nacionais, delineada no âmbito da política
externa e executada alhures mediante representações consulares e
diplomáticas. A diplomacia, desde a mais remota antiguidade,
constituiu importante instrumento de promoção dos interesses dos
Estados e se consolidou como relevante mecanismo de solução pacífica
de controvérsias nas relações internacionais. Outrossim, desempenhou
importante papel no desenvolvimento das atividades comerciais,
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originariamente principal objeto da proteção diplomática. A proteção
dos nacionais entre as funções da missão diplomática encontrou na
doutrina clássica as primeiras delimitações concernentes ao tema. Na
obra de Emer de Vattel, O Direito das Gentes, de 1758, podemos
encontrar uma das primeiras referências em matéria de proteção
diplomática de nacionais, entendida essencialmente como direito do
Estado. Tal perspectiva, desenvolvida no âmbito da doutrina moderna e
que perdurou por séculos, tratou de colocar o indivíduo como objeto
da proteção diplomática e não como sujeito desta. Ao longo do século
XX, a doutrina e a jurisprudência passaram a ajustar o conceito
tradicional da proteção diplomática à realidade do mundo pós--
moderno, porquanto a maior parte dos investimentos estrangeiros
estaria ligada à atividade desenvolvida por pessoas jurídicas.
Igualmente, a mudança de paradigma passou a questionar o papel do
indivíduo como objeto da proteção diplomática e essencialmente
submetido à completa tutela dos Estados. De tal contexto, surgiram as
teorias que hodiernamente defendem os indivíduos como destinatários
do direito internacional, adaptação que julgam premente no contexto
pós-moderno. O presente artigo pretende, à luz das observações
supramencionadas, traçar o desenvolvimento da proteção diplomática
dos nacionais até as mais recentes discussões desenvolvidas no âmbito
da doutrina e da jurisprudência. Para tanto, na primeira parte do artigo,
traçaremos um breve histórico do desenvolvimento da diplomacia até
sua bem-sucedida codificação consubstanciada na Convenção de Viena
sobre Relações Diplomáticas de 1961 e na Convenção de Viena sobre
Relações Consulares de 1963. À luz de tal delineação, tentaremos
demonstrar como o desenvolvimento da diplomacia esteve
historicamente ligado à promoção e à proteção dos interesses estatais.
Posteriormente, passaremos à análise da contribuição de Emer de
Vattel em matéria de proteção diplomática de nacionais,
precipuamente as delimitações desenvolvidas pelo filósofo. Finalmente,
abordaremos as recentes contribuições doutrinárias e as principais
decisões de tribunais internacionais de modo a aferir quais as principais
mudanças ao longo das últimas décadas no tocante à proteção
diplomática de nacionais.
O SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DA DIPLOMACIA
TRADICIONAL: A PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DO ESTADO
A diplomacia tradicional foi paulatinamente estruturada e desenvolvida,
durante séculos, desde a mais remota antiguidade. O surgimento da
diplomacia se confunde com o tempo histórico, no sentido de ser
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concomitante aos primeiros registros remanescentes de história escrita,
que se manifesta por meio de tratados2 e em diversas regiões do
mundo. Foi na Mesopotâmia onde se concluiu o tratado mais antigo do
qual se tem registro. Trata-se do tratado entre Eannatum, soberano da
cidade de Lagash e a cidade de Umma, escrito em língua suméria e o
qual fixava limites de fronteiras. Na China, as práticas diplomáticas já
alcançavam conteúdos complexos e detalhados na
Antiguidade, funcionando como uma das formas mais eficazes de
diálogo e contenção de conflitos entre os povos vizinhos. A
influência confuciana também esteve presente entre os povos vizinhos
do império do meio, os quais desenvolveram importantes institutos
diplomáticos e aperfeiçoaram a criação de carreiras públicas mediante
concursos periódicos para o recrutamento de homens de talento,
inclusive para a arte diplomática, assim como exigia a Dinastia Lý, no
atual Vietnã. Outros povos igualmente forneceram aportes para o
desenvolvimento histórico da diplomacia e todos os institutos que a
norteiam, como os povos islâmicos, os quais tiveram um importante
papel na contribuição da construção do direito das gentes e
especificamente do direito diplomático, mormente no que diz respeito
ao reconhecimento da inviolabilidade dos embaixadores e ao respeito
do cumprimento das obrigações convencionais. Entre os antigos
gregos se encontram instituições até hoje conhecidas do direito das
gentes, tais como os tratados, a utilização de arbitragem e a
inviolabilidade dos arautos. A proxenia é muitas vezes citada dentre as
instituições consulares da antiguidade grega dada a importância do
acordo de hospitalidade mútua entre os entes políticos e as
imunidades conferidas aos seus representantes públicos. Desde o início
da história romana, a falta cometida contra embaixadores era
considerada violação do “direito dos povos”. Em uma das passagens
da História de Roma, Tito Lívio nos mostra a existência e a relevância
dos trabalhos dos embaixadores e da consequente existência operativa
do que se poderia chamar de diplomacia. A partir do século XV, a
necessidade de institucionalização e de uma convivência pacífica entre
os estados italianos levaram ao interessante desenvolvimento da
diplomacia. O surgimento da figura do embaixador propiciou uma
relevante instauração institucional e o fortalecimento do instituto
obteve um papel crucial no período de relativa estabilidade na
península italiana. Nesse sentido, o modelo da diplomacia na Idade
Moderna foi dado pelas relações entre os Estados e os príncipes do
renascimento na Itália. A tensão permanente entre principados
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italianos, mediada pela celebração de tratados e alianças, justificou o
recurso a enviados permanentes, residentes e com posto fixo. Florença
teve como enviados Dante, Patrarca, Boccacio e, mais tarde,
Guicciardini e Maquiavel. A diplomacia de Veneza constituiu um
modelo por funcionar regularmente desde o século XIII. O
fortalecimento do direito, da diplomacia e das instituições dentro da
península italiana influenciou pequenos Estados - que dispunham de
pouca força militar - a utilizarem a diplomacia como principal arma de
barganha nas relações internacionais. O domínio de Veneza sobre a
República de Ragusa, atual Dubrovnik, contribuiu para o
desenvolvimento do direito e instituições, bem como da diplomacia.
No século XIII, a então República de Ragusa já possuía Cortes
especializadas, uma cível e outra criminal. Posteriormente, adquiriu
certa independência em relação aos impérios que a cercavam, como o
Otomano, em virtude da desenvolvida diplomacia. A influência da
prática existente entre os Estados italianos, mormente no que diz
respeito ao modelo de diplomacia institucionalizada, com
embaixadores residentes, propagou-se por toda a Europa e tornou-se
parâmetro de organização das relações diplomáticas por séculos. Em
matéria de direito diplomático, o costume acabou por nortear, ao
longo da história, a evolução das instituições diplomáticas. Foi no
Congresso de Viena, de 1815, a primeira tentativa codificadora no
sentido de regulamentar a complexidade das classes e dos agentes
diplomáticos. O documento jurídico do Congresso de Viena de 1815,
realizado após o Tratado de Paris, traduziu os interesses das potências
europeias, divididas entre conservadoras (Prússia, Áustria e Rússia) e
liberais (Inglaterra e posteriormente também a França) em conter o
expansionismo de Napoleão Bonaparte. Sob uma perspectiva jurídica, o
Congresso de Viena pode ser compreendido à luz de quatro definições
relevantes: preparou juridicamente as Constituições da Confederação
Germânica e Suíça; disciplinou a classe hierárquica de agentes
diplomáticos; pontuou os primeiros passos rumo à abolição da
escravidão de negros e consolidou o princípio de liberdade de
navegação em rios internacionais. A regulamentação constante no
Anexo n° 17 da Ata Final do Congresso de Viena em 9 de junho de
1815 disciplinou a classe hierárquica dos agentes diplomáticos a fim de
tornar mais transparentes e céleres as negociações diplomáticas.16 Nos
termos do referido Anexo, a classificação dos agentes diplomáticos foi
elaborada da seguinte forma:
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“Art. I: os agentes diplomáticos estão divididos em três classes:
a) Embaixadores, legados e núncios;
b) Enviados, ministros e outros agentes acreditados junto dos
soberanos;
c) Encarregado de negócios, apenas acreditado junto dos ministros
dos negócios estrangeiros”.
Os esforços na busca de uma sistematização das práticas e das normas
prosseguiram no século XIX, notadamente com o advento do
Regulamento de imunidades diplomáticas adotado pelo Instituto de
Direito Internacional, na sessão de Cambridge, em 1895. Como
expõem Nascimento e Silva, Casella e Bittencourt (2012, pp. 37-45),
naquela altura já eram situados conceitos cruciais para a regulação da
atividade diplomática, como a inviolabilidade diplomática.
Posteriormente, como apontam os autores, o Regulamento foi
complementado pelas regras adotadas na sessão do Instituto de New
York, em 1929, o qual enfatizou o caráter funcional das imunidades
atribuídas aos agentes diplomáticos. No mesmo período, vale
mencionar a Sexta Conferência Internacional Americana, realizada em
Havana, em 1928, que desempenhou importante papel na regulação
da instituição diplomática. As práticas desenvolvidas por diferentes
povos e durante um longo período histórico contribuíram para um
alto grau de consolidação do direito diplomático, culminando num dos
mais bem-sucedidos exemplos de codificação do direito internacional
no século XX consubstanciado na Convenção de Viena sobre relações
diplomáticas, de 1961. A Conferência realizou-se em Viena em atenção
a um convite formulado pelo governo austríaco que, com semelhante
gesto, estabeleceu um elo entre a mesma e o Congresso de Viena de
1814. O grande evento em Viena, quase um século e meio antes, não
apenas representou o fim das guerras napoleônicas, como inaugurou
o importante Regulamento sobre a classificação dos diplomatas,
representando a primeira codificação sobre a diplomacia. O
Regulamento teve o mérito de acabar com as eternas disputas sobre a
procedência dos chefes de missão, umas das principais preocupações
da diplomacia e frequente motivo de sérias desavenças entre as cortes.
As regras adotadas pelo Regulamento de Viena sobre a precedência
chegaram aos nossos dias e se acham reproduzidas, mutatis mutandi,
nos artigos 14 e 16 da Convenção de Viena de 1961. A incumbência
mais importante da Conferência de 1961 foi a de determinar as
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prerrogativas e imunidades diplomáticas. O consenso prevaleceu sobre
as regras básicas conhecidas pelo direito costumeiro e as divergências
surgiram na determinação dos beneficiários. A Convenção de 1961
acabou por consolidar a tendência no sentido do deslocamento da
principal responsabilidade diplomática da figura do chefe da missão
para a embaixada ou legação, entendida em seu conjunto. O
reconhecimento da condição dos agentes diplomáticos, ato já
praticado pelos povos desde tempos remotos, veio ao encontro dos
propósitos e dos princípios da Carta das Nações Unidas relativos à
igualdade soberana dos Estados, à manutenção da paz e da segurança
internacional, bem como ao desenvolvimento das relações de amizade
entre as Nações. O desenvolvimento das relações amistosas entre as
Nações e diferentes povos, independentemente da diversidade dos
seus regimes constitucionais e sociais —que já encontrava guarida nos
costumes— atingiu seu alto grau de consolidação com a Convenção
de Viena de 1961. Composta pelo preâmbulo e seus cinquenta e três
artigos, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961
definiu os membros componentes da missão, as funções das missões
diplomáticas, entre as quais a proteção diplomática de nacionais, bem
como uma série de prerrogativas e imunidades. Entre essas últimas,
vale destacar a inviolabilidade dos locais da Missão; a obrigação do
estado acreditado de adotar todas as medidas apropriadas para
proteger os locais da Missão contra qualquer intrusão ou dano e evitar
perturbações à tranquilidade da missão ou ofensas à sua dignidade; a
inviolabilidade dos arquivos e documentos da Missão, em qualquer
momento e onde quer que se encontrem; a inviolabilidade da pessoa
do agente diplomático, que não poderá ser objeto de nenhuma forma
de detenção ou prisão; igualmente, que o agente diplomático goza de
imunidade de jurisdição penal do estado acreditado. A Convenção de
Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 foi decisiva na formulação
da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, de 1963.
Posteriormente, o trabalho de codificação internacional do Direito
Diplomático foi complementado por mais duas Convenções: a
Convenção sobre as missões especiais, adotada pela Assembleia das
Nações Unidas em 1969 e a Convenção sobre a representação de
Estados em suas relações com organizações internacionais de caráter
universal, realizada em Viena, em 1975.
EMER DE VATTEL E A PROTEÇÃO DIPLOMÁTICA DOS NACIONAIS
A diplomacia exerceu inegável importância no fortalecimento de
mecanismos pacíficos de solução de controvérsias. Ao mesmo tempo,
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desempenhou sua clássica função no sentido de promover os
interesses de um determinado Estado, mormente no que diz respeito à
busca de negociações econômicas, obtenção de informações,
promoção de interesses culturais, além da proteção dos nacionais em
outro Estado.
O advento do Estado moderno e a fundação do direito público
exigiram a construção de uma organização especificamente dedicada
às relações entre Estados. Da mesma forma, com a multiplicação dos
Estados soberanos multiplicaram-se os textos alusivos à função dos
embaixadores e das embaixadas. Nesse contexto, os juristas passaram a
publicar estudos de modo a sistematizar os problemas relacionados ao
tema, como a função dos embaixadores, seus direitos e deveres. Dentre
inúmeras contribuições cumpre destacar a obra de Emer de Vattel, O
Direito das Gentes, de 1758, especificamente no que diz respeito à
proteção diplomática dos nacionais. A obra do filósofo suíço
indubitavelmente encontra-se entre uma das mais importantes obras
do século XVIII. Estudioso da filosofia e das humanidades, Vattel
especializou-se nas obras de Wolff e de Leibniz, reportando-se também
a juristas que o precederam, como Grócio, Hobbes, Barbeyrac e
Pufendorf. Apesar da forte influência de Wolff, o filósofo suíço não
concordava com a criação de uma República universal ou civitas
maxima. Vattel foi grande defensor da preservação do Estado. Assim, a
preservação da soberania estatal constituía elemento fundamental para
a sobrevivência da nação.
Como aduz Vollenhoven (1919, pp. 23-58), a grande contribuição de
Vattel diz respeito à ênfase conferida ao princípio da igualdade entre
os Estados. Como expôs Vattel, “...a natureza tem estabelecido uma
igualdade perfeita de direito entre Nações independentes. Em
consequência, nenhuma delas pode, naturalmente, pretender ter
prerrogativas superiores às demais”.
Para Vattel, o Estado ou a Nação pode ser compreendido como um
organismo político ou uma sociedade de homens unidos em conjunto
para fim de buscar vantagem e segurança próprias. Tal sociedade deve
se constituir enquanto uma autoridade pública, por meio da soberania.
Quanto à nação considerada em suas relações com outras nações,
Vattel assinala o cultivo de relações mútuas, bem como a devida
prestação dos ofícios de humanidade.
As nações devem necessariamente tratar e comunicar-se umas com as
outras, para o bem de seus negócios, para evitar que se prejudiquem
reciprocamente e para ajustar e terminar as suas controvérsias.
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Segundo Vattel (2014, p.624), nações e soberanos não têm outros
meios de comunicar e tratar uns com os outros senão por intermédio
de procuradores ou mandatários, de delegados investidos de ordens e
poderes, ou seja, de ministros públicos. Todo Estado soberano tem,
pois, o direito de enviar e receber ministros públicos,31 “pois eles são os
instrumentos necessários dos negócios que os soberanos têm uns com
os outros, e da correspondência que eles têm o direito de manter”.32
Embora considere a necessidade de comerciar como imperfeita, o
filósofo entende que as nações devem atuar de modo a favorecer o
comércio. Para tanto, expõe a relevância dos tratados comerciais e
considera a atividade dos cônsules como essencial ao comércio, bem
como a merecida proteção especial conferida ao cônsul no país
acreditado. O cônsul, para Vattel, constitui simples comissário dos
príncipes designados para tratar dos negócios privados destes. O
ministro público, denominação conferida aos que estão investidos da
qualidade geral de mandatários de um soberano, sem nenhuma
atribuição particular de categoria, possui maior proteção do direito das
gentes, mormente no que diz respeito às imunidades, embora os
cônsules gozem de proteção especial. Em ambos os casos, os
representantes do Estado acreditante teriam como função precípua a
representação e a negociação perante o Estado acreditado. Nesse
sentido, os objetivos internos relativos à busca de vantagem e
segurança podem ser compreendidos como equivalentes àqueles
buscados na relação de uma nação em relação às demais nações, as
quais encontram na figura do ministro público e dos cônsules a
máxima representação dos seus interesses alhures. Apesar da
prevalência dos interesses do Estado e das relações comerciais, Vattel
lobrigou a proteção dos nacionais entre as funções do Estado:
Quem maltrata um cidadão indiretamente injuria o Estado, que deve
proteger esse cidadão. O soberano deste cidadão deve vingar-lhe a
injúria recebida e, se possível, obrigar o agressor a uma reparação
integral, ou puni-lo, uma vez que, de outra maneira, o cidadão não
obteria a finalidade básica da sociedade civil, que é a segurança. Além
da hipótese de proteção de nacionais em casos de maus-tratos e
ausência de segurança, Vattel coloca ainda a denegação de justiça
entre as possibilidades de proteção. Como salienta, o império unido ao
domínio dá à nação jurisdição sobre o território que lhe pertence. É à
nação, ou a seu soberano, que compete tomar conhecimento dos
crimes neles cometidos assim como das controvérsias surgidas no país
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e fazer justiça nos territórios sujeitos ao seu comando, cabendo às
demais nações respeitar esse direito.
E como a administração da justiça necessariamente requer que toda
sentença definitiva, pronunciada regularmente, seja considerada como
justa e executada como tal, desde que uma causa na qual estrangeiros
estão envolvidos foi julgada formalmente, o soberano desses litigantes
não mais pode ouvir-lhes as pretensões.
Questionar a justiça de uma sentença definitiva, significa atacar a
jurisdição daquele que a proferiu. Segundo Vattel, “o príncipe não deve
interferir em causas de seus súditos em país estrangeiro nem, pois,
conceder-lhes a sua proteção, exceto em casos de denegação de
justiça, ou de injustiça evidente e palpável, ou de manifesta violação
das regras”.
Tais considerações somadas ao capítulo dedicado à situação do
estrangeiro nos faz concluir que, segundo Vattel, as relações que os
estrangeiros mantêm com a sociedade em que se encontram devem
seguir os deveres de humanidade, o direito, o interesse e a segurança
do Estado que os recebe, bem como os direitos do Estado a que
pertencem. Os estrangeiros estão submetidos às leis do Estado no qual
se encontram e “o soberano ao recebêlos, compromete-se a protegê-
los como se fossem seus próprios súditos, a fazê-los usufruir, na
medida do possível, de perfeita segurança”. Com efeito, à luz das
considerações tecidas por Vattel, nas hipóteses de denegação de
justiça, insegurança ou maus-tratos deverá o Estado atuar de modo a
proteger seus nacionais que se encontrem em outro Estado. Em tais
casos, como a ofensa ao nacional acarreta na injúria indireta do Estado
a qual pertence, a busca pela reparação ou punição encontrará
legitimidade no direito internacional. Nesse sentido:
O direito internacional reconhece aos Estados a prerrogativa de exercer
a proteção diplomática de seus nacionais, entendida como direito do
estado, em relação aos seus pares, e não do particular destinatário
desta... Assim, o particular, que se veja na contingência de necessitar de
tal auxílio, seria antes o objeto da proteção diplomática do que o
sujeito desta. A proteção diplomática, portanto, como uma função
governamental para alcançar a segurança e a justiça resulta da própria
natureza do Estado. Nesse diapasão, a garantia do bem-estar dos
indivíduos constitui função primária do Estado, realizado internamente,
mediante direito público interno e externamente, através de
instrumentos do direito internacional e da diplomacia.
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A PROTEÇÃO DOS INTERESSES DO ESTADO E DE SEUS
NACIONAIS: O INDIVÍDUO COMO OBJETO OU SUJEITO DE
DIREITO INTERNACIONAL.
O artigo 3° da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de
1961 estabelece, entre as funções da missão diplomática:
1° As funções de uma Missão Diplomática consistem, entre outras, em:
A. proteger no Estado acreditado os interesses do Estado
acreditante e de seus nacionais, dentro dos limites permitidos
pelo Direito Internacional.
Qual seria a natureza jurídica do instituto atinente à proteção dos
nacionais do Estado acreditante no Estado acreditado, quais seus
limites e a possibilidade de extensão às pessoas jurídicas?
De acordo com Nascimento e Silva, Casella e Bittencourt a proteção
diplomática dos nacionais, exercida cumulativamente pelas missões
diplomáticas e repartições consulares, possuem dois aspectos: a
proteção propriamente dita em caso de dano causado ou não pelas
autoridades locais; e a simples assistência geral. Para os autores e
como considera boa parte da doutrina, “a proteção diplomática é um
direito e um dever: direito a ser exercido com relação a um Estado
estrangeiro; dever, pelo menos moral, de proteger o cidadão que
tenha sofrido um dano”.
No que concerne aos limites da proteção diplomática, vimos que na
obra de Vattel apenas nos casos de denegação de justiça ou na
hipótese de maus--tratos deverá o Estado atuar de modo a proteger
seus nacionais que se encontrem em outro Estado. Em tais casos,
como a ofensa ao cidadão acarreta na injúria indireta do Estado a qual
pertence, a busca pela reparação ou punição encontrará legitimidade
no Direito Internacional. A denegação da justiça, segundo Vattel,
refere-se à hipótese de uma completa ausência do devido processo
legal. Tendo o estrangeiro obtido uma sentença definitiva justa,
pronunciada regularmente, não poderia o Estado, a qual o nacional
pertence, levantar questionamentos, uma vez que tal ato significaria
“atacar a jurisdição daquele que a proferiu”.
A possibilidade de proteção em caso de denegação de justiça
levantada por Emer de Vattel no século XVIII encontra na doutrina
atual semelhante fórmula, recentemente debatida entre teóricos
franceses. A théorie des mains propres45 considera que se um nacional
é culpado de um delito em um Estado estrangeiro, sendo privado por
esse Estado da sua liberdade, ou propriedade, de acordo com as
salvaguardas previstas em lei, é improvável que seu estado nacional
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intervenha para protegê-lo. Na verdade, seria um equívoco por parte
do estado da nacionalidade intervir, isso porque nenhum ilícito
internacional costuma ocorrer na maioria dos casos. Destarte, a teoria
das “mãos limpas” serve justamente para excluir a proteção
diplomática em tais hipóteses. Situação distinta é aquela na qual o
estrangeiro, acusado de cometer infração, encontra-se sujeito às
formas de torturas ou julgamentos considerados injustos. Neste caso,
o Estado poderia exercer proteção diplomática em relação ao seu
nacional em decorrência de um ato internacionalmente ilícito. Cumpre
salientar ainda que:
La théorie des mains propres ne peut s’appliquer à la personne lésée
pour violation du droit international; premièrement, parce que la
réclamation acquiert alors une dimension internationale, mettant en
jeu des relations d’État à État, et, deuxièmement, parce que l’individu
ne jouit pas de la personnalité juridique internationale et qu’il ne peut
donc (en dehors du champ du droit pénal international) être tenu pour
responsable de la violation du droit international. Bref, par le
truchement de la fiction selon laquelle un préjudice causé à un
national est un préjudice causé à l’État lui-même, la réclamation
présentée au nom d’un national victime d’un fait internationalement
illicite devient une réclamation internationale, et la théorie des mains
propres peut être invoquée contre l’État responsable uniquement à
raison de son comportement, et elle ne peut l’être contre l’individu
lésé pour une faute qui aurait été antérieure au fait internationalement
illicite.
O reconhecimento da proteção diplomática como um direito
eminentemente estatal, um direito próprio do Estado, encontra-se
entre as teorias clássicas e mais tradicionais do direito internacional.
Como observamos em Vattel, a concepção segundo a qual uma
ofensa ao indivíduo constitui uma ofensa ao Estado de sua
nacionalidade coloca os interesses do Estado soberano em detrimento
dos indivíduos. Nessa seara, o direito internacional tomava o ser
humano na condição de nacional de determinado Estado e, em caso
de conflito, seus interesses somente seriam salvaguardados se o
Estado, do qual era nacional, decidisse exercer a proteção diplomática.
Assim, configurado o direito internacional clássico, como ordenamento
regulador das relações entre Estados, a falta de personalidade do
indivíduo encontrava a sua contrapartida na responsabilidade do
Estado, quando a este fosse imputável dano causado a estrangeiros,
em razão da ofensa indireta.
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Durante o século XX, a situação da proteção dos seres humanos,
enquanto tais, tem desenvolvimento notável quando se passa à
questão da proteção dos indivíduos, no plano internacional, não como
trabalhador ou como minoria, mas na condição intrínseca de ser
humano, no plano internacional. No mesmo período crescem, no
âmbito doutrinário, os questionamentos acerca da nacionalidade
como elemento fundamental para a proteção conferida pelo Estado
perante o qual a nacionalidade se vincula.
O vínculo jurídico da nacionalidade tem sua base em um fato social de
ligação, uma solidariedade efetiva de existência, de interesses, de
sentimentos, aliado à reciprocidade de direitos e deveres e traz a
ambiguidade da situação jurídica das pessoas no Direito Internacional.
De um lado, temos o Estado, como coletividade política que domina a
composição de sua população e a extensão de sua competência, do
outro, o reconhecimento a cada indivíduo de certa liberdade de
escolha para evitar que cometam violações a seus direitos humanos.
Cabe ao Estado, no âmbito de sua soberania e à luz do princípio da
competência exclusiva, determinar quais são os seus nacionais, as
condições de sua aquisição e perda. Sob tal prisma, a nacionalidade —
uma vez considerada competência exclusiva do Estado, bem como
justificativa para o uso da proteção diplomática— apresenta um
caráter eminentemente estatal. Em 1923, a Corte Permanente de
Justiça Internacional confirmou a supremacia do Estado no que
concerne à atribuição da nacionalidade, colocando como limite as
obrigações contraídas com outros Estados:
C’est ainsi que, dans l’état actuel du droit international, les questions
de nationalité sont, en principe, de l’avis de la Cour; comprises dans ce
domaine réservé. Aux fins du présent avis, il suffit de remarquer qu’il se
peut très bien que, dans une matière qui, comme celle de la
nationalité, n’est pas, en principe, réglée par le droit international, la
liberté de l’Etat de disposer à son gré soit néanmoins restreinte par
des engagements qu’il aurait envers d’autres Etats. A decisão da CPJI
no caso Mavrommatis, de 1924, reforçou a tese segundo a qual o
Estado, ao decidir prendre fait et cause por um de seus nacionais,
perante tribunal internacional, não atua como representante ou
defensor do protegido, mas defende o seu próprio direito de ver
respeitado, na pessoa de seus nacionais, o direito internacional, no
território de outros Estados. É princípio elementar do direito
internacional, aquele que autoriza o estado a proteger seus nacionais,
lesados por atos contrários ao direito internacional, cometidos por um
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outro estado, do qual o particular não pode obter satisfação,
vias ordinárias. Assumindo o patrocínio da causa por um dos seus,
colocando em ação, em favor deste, a ação diplomática ou a ação
judiciária, esse estado faz, em sentido estrito, valor o seu próprio
direito, o direito que tem de fazer respeitar o direito internacional, na
pessoa de seus nacionais... No julgamento do caso da ferrovia
Panevezys-Saldutikis, em 1939, a CPJI enfatizou que o direito de
proteção diplomática somente pode ser exercido pelo estado, em
reação a seus nacionais. O princípio da competência exclusiva do
Estado foi reafirmado pela Corte Internacional de Justiça no
julgamento do caso Nottebohm, em 1955, em que a decisão,
majoritária, entendeu que deveria se revestir a nacionalidade de
cárater de efetividade, o que faltaria no caso da naturalização pelo
Liechtenstein.
A complexidade a respeito do tema ganhou forças com o julgamento
do caso Barcelona Traction, em 1970, o qual trouxe à baila a proteção
de nacionais envolvendo pessoas jurídicas e interesses econômicos.
Segundo a Corte, uma distinção essencial deve ser estabelecida entre
as obrigações de um Estado perante a comunidade internacional no
seu conjunto e aquelas que nascem tendo em vista um outro Estado
no âmbito da proteção diplomática. Pela sua própria natureza, as
primeiras dizem respeito a todos os Estados. Dado a importância dos
direitos envolvidos, todos os Estados podem ser considerados como
tendo um interesse jurídico para que tais direitos sejam protegidos. As
obrigações perante as quais a proteção diplomática tem por objeto
assegurar o cumprimento não fazem parte da mesma categoria. Para a
Corte, a proteção diplomática compreende um setor muito delicado
das relações internacionais uma vez que o interesse de um Estado
estrangeiro para proteger seus cidadãos colide com os direitos da
soberania territorial”.
Segundo a Corte Internacional de Justiça, estreitamente ligada desde
sua origem ao comércio internacional, a proteção diplomática passou
pelo desenvolvimeno das relações econômicas internacionais. Essas
mudanças resultaram em instituições de direito interno que
transbordaram os limites e passaram a exercer uma influência
considerável sobre as relações internacionais. Em matéria de proteção
diplomática, a Corte reitera que a prova de um prejuízo não constitui
causa suficiente de modo a justificar uma reclamação diplomática.
Tratando-se de um ato ilícito contra uma sociedade de capital
estrangeiro, a regra geral do direito internacional não autoriza que o
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Estado nacional desta sociedade exerça sua proteção diplomática para
obter reparação.
Seidl-Hohenveldern apud Casella, destaca a necessidade de ajustar o
conceito tradicional da proteção diplomática à realidade do mundo
pós--moderno, porquanto a maior parte dos investimentos
estrangeiros, atualmente, se faz por meio de pessoas jurídicas. Nesse
sentido, destacou a relevante mudança de concepção em matéria de
proteção de interesses econômicos no âmbito da proteção
diplomática a partir da decisão do caso Barcelona Traction.
Segundo Ngyuen Quoc Dinh et al. (1992, p. 906), os questionamentos
de acionistas e suas consequentes obrigações de uma sociedade
podem obter proteção diplomática na defesa de seus direitos e
interesses podem ser facilmente respondidos quando há dois Estados
na causa, o Estado da sede social e o Estado nacional dos acionistas,
uma vez que o problema pode ser resolvido em referência aos
princípios que regem a atribuição da nacionalidade às sociedades. O
problema complica quando há três Estados em causa: o Estado
responsável, o Estado nacional da sociedade e o Estado nacional da
maioria dos acionistas. Trata-se do caso Barcelona Traction, no qual a
CIJ recusou admissão da reclamação do Estado dos acionistas —a
Bélgica— depois que o Estado da sociedade —o Canadá, renunciou ao
exercício de sua proteção diplomática.
No que concerne ao esgotamento dos recursos internos em matéria
de proteção diplomática, Dinh (1992, pp. 906-907) salienta que um
Estado não pode introduzir uma reclamação antes que o particular,
vítima do ato ilícito, tenha utilizado todos os recursos internos
previstos e colocados à disposição pela ordem jurídica do Estado
perante o qual se busca a reparação. De acordo com Cançado
Trindade, a regra do esgotamento dos recursos internos tem e teve, no
plano do direito internacional geral, um caráter nitidamente
preventivo, constituindo-se em conditio sine qua non ao exercício da
proteção diplomática. Nesse contexto, tal regra permitiu que as
tensões nas relações internacionais fossem minimizadas e assegurou,
no contencioso diplomático, uma certa medida de respeito pela
soberania dos Estados. Cumpre salientar que Trindade faz
diferenciação da regra no contexto da proteção diplomática em caso
de responsabilidade do Estado por danos causados a estrangeiros e
no caso da proteção dos direitos humanos. No contexto da
responsabilidade, o estado reclamado a invoca antes do exercício da
proteção diplomática. Já quanto aos direitos humanos, a regra opera
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em geral como pré-requisito da admissibilidade de reclamações ou
petições, independentemente da nacionalidade do reclamante. O tema
relativo à proteção diplomática envolve, ademais, os meios e as formas
de exercício que, segundo Dinh (1992, p. 909), podem abranger
soluções ofertadas pelo direito internacional, desde representações e
consultas diplomáticas até meios arbitrais e jurisdicionais. Observa
ainda que a proteção diplomática não pode constituir um pretexto
para o emprego de meios ilícitos pelo direito internacional, como o
uso da força.
Por derradeiro, Dinh confere avaliação aos problemas relativos à
renúncia da proteção diplomática. Nesse sentido, resta pouca
discussão no que concerne à renúncia do Estado, uma vez que este
não pode renunciar ao exercício de sua proteção diplomática, seja por
um tratado ou por uma declaração unilateral, anterior ou posterior a
um litígio. A hipótese delicada diz respeito à renúncia pelo particular
consubstanciada num acordo ou contrato com outro Estado, sem o
aval do Estado suscetível de exercer sua proteção diplomática. Tal
renúncia seria oponível?
Cette situation est née d’une ratique latino-américaine, imaginée par
l’homme d’État argentin Calvo (1824-1906) —d’où le nom générique
de «clause Calvo»— qui consiste à inserer dans un contrat de
concession, à la demande de l’autorité concédante, une disposition
selon laquelle le concessionnaire étranger s’engage à ne pas
demander la protection diplomatique de son État d’origine en cas de
litige. L’investisseur étranger accepte de n’útiliser que les vois de
recours internes.
Nesse sentido, por força da cláusula, o nacional não poderia invocar o
seu Estado de origem, estando este impedido de exercer a sua
proteção diplomática. A jurisprudência, como expõe Dinh, vem
confirmando a posição formulada pelos Estados Unidos desde 1888,
que refuta a possibilidade de um nacional, por um simples contrato,
anular a relação jurídica existente entre o seu Estado ou sumpimir a
obrigação deste de protegê-lo em caso de uma justiça denegada. Tal
reação explica a vontade de os Estados conservarem a competência
em matéria de proteção diplomática. Assim, a tese de ilicitide da
claúsula Calvo conforta a ficção segundo a qual o Estado exerce um
direito que lhe é próprio, não podendo o particular renunciar a algo
que não diz respeito à sua competência.
A discussão a respeito da Cláusula Calvo envolve o caso North
American Dredging Company of Texas (U.S.A.) v. United Mexican
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States, submetido perante a Comissão Geral criada no âmbito da
Convenção celebrada entre os Estados Unidos e México, em 1923. O
caso colocado perante a Comissão pelo Governo dos Estados Unidos
em nome da North American Dredging Company para a recuperação
do montante de US $ 233,523,30 por perdas e danos alegadamente
sofridos pela Companhia por violação de um contrato no porto
mexicano. O contrato foi assinado entre a Companhia e o Governo do
México, na Cidade do México, e continha uma Cláusula Calvo,
levando-se em conta que o contratante e todas as pessoas fossem
considerados como os mexicanos em todos os assuntos, dentro da
República do México, sobre a execução do trabalho, bem como o
cumprimento do contrato. No momento da realização do contrato, a
Companhia concordou em não invocar a proteção diplomática em
qualquer assunto relacionado ao contrato. A Comissão chegou a
afirmar, à luz da proteçao diplomática, que os Estados possuem o
direito de proteger os seus cidadãos quando sujeitos a discriminação
ou tratamento indevido no exterior. A Cláusula Calvo não limita este
direito, limitando-se a impor aos estrangeiros certas condições à luz
da legislação internacional. No final do seculo XX, a evolução da
proteção diplomática culminou no Projeto da Comissão de Direito
Internacional das Nações Unidas sobre proteção diplomática, adotada
em 2006. De acordo com o art. 1° do Projeto, a proteção diplomática «
consiste na invocação, por um Estado —através de ação diplomática
ou outros meios de resolução pacífica—, da responsabilidade de um
outro Estado por um dano causado por ato ilícito internacional do
segundo Estado a uma pessoa natural ou jurídica que é nacional do
primeiro Estado mencionado, com vista à implementação de tal
responsabilidade”. O art. 3°, estabelece que “O Estado que tem o
direito de exercer a proteção diplomática é o Estado da Nacionalidade
[da pessoa lesada]. Não obstante, “a proteção diplomática pode ser
exercida por um Estado, em relação a uma pessoa, que não é seu
nacional, em conformidade com o artigo 8°, relacionado aos apátridas
e refugiados. Os artigos 9 ao 13 do projeto conferiram atenção às
pessoas jurídicas, relacionados ao Estado de nacionalidade de uma
Empresa e à proteção de acionistas. O artigo 10 do projeto levou em
conta a nacionalidade contínua de uma Empresa, estabelecendo que: i)
Um Estado tem o direito de exercer a proteção diplomática em relação
a uma empresa que era nacional daquele Estado ou de seu Estado
predecessor, continuamente, desde a data do dano até a data da
propositura oficial da ação; ii) Um Estado não tem mais o direito de
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exercer a proteção diplomática em relação a uma empresa que
adquire a nacionalidade do Estado contra o qual a ação é movida
depois da propositura da ação e iii) Não obstante o Parágrafo 1, um
Estado continua a ter o direito de exercer a proteção diplomática em
relação à empresa que era sua nacional na data do dano e a qual,
como resultado do dano, cessou de existir de acordo com a legislação
do Estado no qual se constituiu. Quanto à proteção dos acionistas, o
artigo 11 prevê que: um Estado de nacionalidade dos acionistas de
uma empresa não terá direito a exercer a proteção diplomática em
relação a tais acionistas no caso de dano à empresa, a menos que: a) a
empresa tenha cessado de existir, de acordo com a legislação do
Estado onde se constituiu, por motivo não relacionado ao dano, ou b)
a empresa tivesse, na data do dano, a nacionalidade do Estado
supostamente responsável pelo dano, e sua constituição naquele
Estado fosse uma exigência deste Estado para que ela pudesse realizar
suas atividades naquele lugar.
Os critérios tomados pelos elaboradores do projeto parecem ter
levado em consideração a decisão da Corte Internacional de Justiça no
caso Barcelona Traction e outros casos igualmente submetidos à
apreciação das cortes internacionais, reforçando o papel da
jurisprudência como fonte de direito internacional.
RESUMO
O indivíduo, como vimos na doutrina tradicional, não possui a
legitimidade de invocar dispositivos do direito internacional,
justamente em razão da sua qualidade de objeto do direito
internacional. Sob tal prisma, o Estado violador fere a honra do estado
da vítima, o qual detém legitimidade para, nos limites do direito
internacional, exigir a devida reparação. Em tal contexto, a
nacionalidade acaba por desempenhar um vínculo necessário para o
exercício da proteção, deixando os indivíduos sob completa tutela dos
Estados no plano internacional.
Durante muito tempo a doutrina e a jurisprudência reiteraram a
condição do Estado como principal sujeito de direito internacional,
colocando a proteção diplomática de nacionais como um direito
essencialmente estatal. O fortalecimento da proteção dos direitos
humanos e o desenvolvimento da economia internacional na
passagem do século XX para o século XXI impulsionaram novos
questionamentos em matéria de proteção diplomática. No primeiro
caso, a necessidade de ajustamento de um sistema que leve em conta
a proteção dos indivíduos, independentemente do vínculo estatal, isto
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é, uma proteção que coloque o ser humano como sujeito de direito,
dispensando a nacionalidade como vinculum iuris para o exercício de
tal proteção. No segundo, o imperativo de adaptação de uma
realidade que envolve de forma constante o grande fluxo de
investimentos estrangeiros, realizado sobretudo por meio de pessoas
jurídicas. Como pensar a proteção do indivíduo independentemente
de sua nacionalidade? Como adaptar a proteção diplomática à
realidade da economia mundial?
Com efeito, verifica-se que em um mundo no qual as mudanças são
cada vez mais velozes, o direito internacional não pode se acomodar
na manutenção de uma visão tradicional que não responde aos
dilemas da atualidade. Nesse contexto, a doutrina e os estudiosos do
direito exercem a tarefa, relevante e premente, de acompanhar as
mudanças, traçar diagnósticos e apontar para as eventuais soluções de
problemas, sobretudo, de ajustar os conceitos tradicionais à realidade
do mundo pós-moderno.
1.3.1.IDADE MÉDIA (SÉCULOS XII-XV).
O estudo da diplomacia e das relações internacionais constitui um
dos domínios mais tradicionais da História, no entanto a
investigação destes temas nos períodos anteriores ao século XVII,
época da formação da diplomacia moderna, sofre com a
desconfiança e o descrédito. A institucionalização acadêmica das
relações internacionais e a renovação historiográfica de inícios do
século XX ampliaram a distância entre os principais eixos de
pesquisa acerca da diplomacia e das relações diplomáticas e os
períodos da antiguidade e do medievo. Não obstante, as temáticas
em questão têm recebido novas atenções por parte dos
historiadores nas últimas décadas. Nesse sentido, o presente artigo
propõe apresentar alguns apontamentos caracterizando os novos
olhares sobre a diplomacia medieval.
A estruturação acadêmica da área das Relações Internacionais (RI)
reporta às primeiras décadas do século passado, no entanto a
constituição desse campo multidisciplinar não eliminou uma
produção acerca da temática disseminada por várias áreas do
conhecimento. A diplomacia, entendida como método de
negociação de interesses divergentes, uma “arte da negociação”, é
muito antiga e tem como um dos primeiros vestígios um
documento diplomático que data de c.2500 a.C. Nele consta uma
mensagem enviada do reino de Ebla para o reino de Hamazi,
localizado ao norte do atual Irã. A atividade diplomática no Egito
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faraônico, a narrativa de Tucídedes acerca da Guerra do
Peloponeso, ou mesmo as relações externas desenvolvidas pelas
poleis gregas e pelo Império Romano são ainda exemplos de que a
antiguidade conheceu práticas ou mesmo um sistema diplomático.
A própria palavra diplomacia é uma derivação do grego diploma,
cujo significado é dobrar. No Império Romano, os documentos
oficiais eram timbrados, dobrados e costurados, sendo nomeados
diplomas, e o termo, ao longo do tempo, foi ampliado a outros
documentos de Estado, e os ofícios ligados à conservação e
organização dos diplomas ficaram conhecidos, de forma genérica,
como res diplomatica. Esses elementos indicam as origens antigas e
medievais da prática e da palavra que ganhariam seus contornos
modernos através de Edmund Burke, em 1796 (SILVA &
GONÇALVES, 2010: p.52; GUYOTJEANNIN, 2006: p.16; OSTELLINO,
2009: p.348-349). Como argumentam Guilherme Silva e Williams
Gonçalves, ainda que haja variações acerca dos grandes períodos
da diplomacia, é possível a distinção de quatro momentos pelos
estudiosos: da Antiguidade ao século XV; do século XV ao
Congresso de Viena (1815); do Congresso de Viena à Conferência
de Versalhes (1919); e da Conferência de Versalhes aos dias atuais
(SILVA & GONÇALVES, 2010: p.52). Desde já, pontua-se que a
inserção cronológica de nossos apontamentos concentra-se no
primeiro período da história da diplomacia indicado, o qual se
distingue dos demais pela inexistência das embaixadas
permanentes e da dimensão jurídica das relações internacionais
que se expressa a partir de Vestfália (1648), além de não ter a
soberania como atributo exclusivo do Estado (SILVA &
GONÇALVES, 2010: p.53-54; MANNONI, 2002: p.198). Como ponto
de partida, observa-se que nem a antiguidade e nem o medievo
mostram-se como temporalidades privilegiadas pelas pesquisas da
área, ocupando apenas um lugar introdutório na composição da
história da diplomacia e da formação das relações internacionais.
Lucien Bély, ao analisar o cenário acadêmico francês, faz os mesmos
apontamentos acerca da História Moderna, debatendo a
desconfiança lançada sobre aqueles que se inclinam a estudar as
relações internacionais entre os séculos XV e XVII, assim como o
lugar modesto ocupado pelos estudos realizados (BÉLY, 2010:
p.261). Acredita-se que tal fato se dá por duas vias, tanto pela
orientação das RI para o cenário contemporâneo como pelo
afastamento dos historiadores da temática. Acrescenta-se que o
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meio acadêmico Angolano, mesmo que venha apresentando um
exponencial crescimento da oferta de cursos de graduação e pós-
graduação em RI, tem contribuído para esse quadro que concentra
a área nos desafios da contemporaneidade (Cf.: MYIAMOTO, 1999;
VIZENTINI, 2005: p.17-31; LESSA, 2005: p.33-50). A fim de
caracterizar os caminhos que levaram às vias indicadas, passa-se a
algumas considerações acerca do desenvolvimento da produção na
área, destacando, em primeiro lugar, a constituição das Relações
Internacionais.
HISTÓRIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS.
A formação do campo de estudos da História Diplomática, área
preocupada com a exposição e a explicação das relações entre
Estados mediante sua expressão política, tem suas raízes nos
séculos XVIII e XIX, o que não exclui a importância de obras
anteriores ligadas à delimitação dos grandes feitos externos e
militares dos reinos. No entanto, foi na sociedade oitocentista que
se observou a ampliação dos interesses de reconstituição das
histórias nacionais. Esse processo também se observa na História
com a história metódica, pois a produção historiográfica do
período foi marcada pela construção do Estado-nação e pelo
estabelecimento das tradições nacionais. Paralelas à constituição da
própria disciplina, tais inclinações colocaram a área na busca de
critérios de cientificidade e nesse processo o foco dos historiadores
direcionouse ao estabelecimento de fatos, cronologias e no
levantamento de documentos seguros que pudessem compor a
história nacional, ou mesmo a recomposição de grandes batalhas,
tratados, e estadistas (Cf.: FALCON, 1997; MENDONÇA & FONTES,
2012). Em meio a essas orientações e fundando-se no
conhecimento amplo de textos e fontes oficiais, assim como na
publicação de coleções documentais, o campo da História
Diplomática consolidou-se com o pioneiro trabalho de Gaëtan
Flassan, Histoire générale et raisonnée de la diplomatie française
depuis la fondation de la Monarchie jusqu' à la fin du règime de
Louis XVI, publicado em sete volumes no início do século XVIII. Do
mesmo período destacam-se ainda as obras: Foedera,
conventiones, literae et cujuscumque generis acta publica inter
reges Anglae et alios quosvis imperatores, reges, pontífices,
principes, vel communitates, de Thomas Rymer, publicada entre
1704 e 1717, e Recueil des principaux traités d’alliance, de paix, de
trêve, de neutralité, de commerce, de limites, l’Echange etc., conclus
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par les puissances de l’Europe tant entre eles qu’avec les puissances
et États dans d’autres parties du monde depuis de 1761 jusqu’à
présent, do jurista Georg Friedrich von Martens, publicada entre
1791 e 1801. Não obstante, como argumenta Jean Thobie, foi com
a Revue d'Histoire diplomatique, fundada em 1887 e ligada à
Sociedade de História Diplomática, que se formou a História
Diplomática verdadeiramente científica (THOBIE, 1993: p.230).
Como lembra Stéphane Péquignot, foi nesse mesmo contexto que
as pesquisas, tomando como base os trabalhos de Otto Krause e
Adolf Schaube, inclinaram-se ao problema das origens do direito
internacional e, principalmente, das embaixadas permanentes.
Formou-se, segundo o autor, o ponto de ruptura entre a
diplomacia medieval, caracterizada pelas embaixadas ad hoc, e a
diplomacia moderna, marcada pelas representações permanentes
(PÉQUIGNOT, 2011: p.52). A partir destas delimitações e pautada
numa história événementielle a área afirmou-se e fundou as bases
que seriam alvo de crítica após a Primeira Guerra Mundial. Foi em
meio às Grandes Guerras que as RI estruturaram-se como campo
acadêmico e desprenderam-se da História Diplomática. Tal
movimento direcionou a área aos problemas da
contemporaneidade, em especial à compreensão da natureza da
guerra a fim de promover a paz entre as nações (Cf.: MARTINS,
2012: p.75; NOGUEIRA, 2005: p.3-5). Esse período pode ser
sintetizado na criação do primeiro departamento de Relações
Internacionais, em 1917, na universidade escocesa de Aberystwyth,
com acadêmicos preocupados em livrar a humanidade de novas
guerras, e na publicação de Edward Carr, Vinte anos de crise (1939),
que sustentava que a nova área deveria concentrar-se no estudo
das maneiras como funcionava a sociedade internacional. Ao
analisar o período do pós-guerra, Jean Thobie assinalou que na
França a área assumiu a influência do método marxista aplicado à
história, as críticas do movimento dos Annales, e os debates sobre
as origens da guerra (THOBIE, 1993: p.652). Nesse contexto francês
destacam-se dois aspectos que tiveram impacto na historiografia e
implicações nos estudos medievais. Em primeiro lugar, a ascensão
dos Annales. Lucien Febvre, em “Contra a história diplomática em si.
História ou Política? Duas reflexões: 1930, 1945” (1989: p.67-74),
favoreceu o recuo da temática entre os historiadores, formulando
as bases da crítica a uma história diplomática restrita aos
documentos oficiais e aos usos protocolares, caracterizada por não
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avançar em problemas mais profundos, a mesma profundidade
proposta pelos Annales. No bojo desse movimento lembra-se ainda
da centralidade adquirida pela história econômico-social entre os
anos 30 e 60, expressa na produção de Braudel e Labrousse na qual
as anteriores preocupações da diplomacia são deixadas de lado. Em
seguida, recupera-se a senda aberta por Pierre Renouvin, que se
inclinou a refletir acerca das "forças profundas" – geografia-
demografia, economia-finança, mentalidades coletivas – envolvidas
nas relações internacionais. O autor, ao organizar a coleção Histoire
des Relations Internationales, nos anos 50, e, juntamente com Jean-
Baptiste Duroselle, publicar a obra Introduction à l’histoire des
Relations Internationales (1964), favoreceu a aproximação entre o
movimento de mudanças historiográficas francês e o campo das RI.
Acrescenta-se que Renouvin confiou a François Ganshof a redação
do primeiro volume da Histoire des Relations Internationales,
permitindo que o medievalista desenvolvesse um expressivo ensaio
acerca da Idade Média, estudo esse que permanece um clássico na
historiografia e será retomado mais à frente. Num balanço recente
das correntes historiográficas francesas dos séculos XIX e XX, Pierre
Renouvin aparece descrito como “o terceiro grande mestre da
história do pós-guerra [ao lado de Braudel e Labrousse] (...). O
verdadeiro fundador de uma história renovada das relações
internacionais”, especialmente por sua noção de “forças profundas”
(DELACROIX et al, 2012: p.237-239). Observa-se que a inclinação de
Renouvin reorientou as preocupações de pesquisa, contribuindo
para a passagem da história diplomática para a história das
relações internacionais e, consequentemente, para a constituição
do campo das RI, este que se pautava no diálogo com as demais
ciências sociais e nos problemas econômico-sociais. Como
anteriormente foi pontuado, ao passo que ocorria a
institucionalização das RI, paralela à separação da história
diplomática, a historiografia passava por um intenso movimento de
renovação de paradigmas, processo que se concentrava, em grande
parte, no grupo dos Annales. Esse movimento compreendia que o
historiador deveria orientar-se para os problemas econômicos,
sociais e culturais de média e longa duração, buscando,
especialmente, nas Ciências Sociais, na Psicologia Social, na
Geografia, entre outras áreas, os diálogos que afirmariam a História
como ciência e vanguarda das Ciências Humanas e Sociais.
Afastava-se da narrativa, do sujeito e dos acontecimentos em busca
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de “profundidade” (Cf.: DELACROIX, 2012: p.163-196). Em virtude
de tal inclinação, o estudo do político – que, em inícios do século
XX, poderia resumirse ao estudo do Estado, das Instituições e das
elites dirigentes, centrando-se nos grandes nomes e nos
acontecimentos – ganhou duras críticas e, consequentemente, foi
reorientado para abordagens que promoveram ao primeiro plano
aspectos de longa duração e do campo do simbólico, como
observa-se nas obras Os Reis Taumaturgos, de Marc Bloch, Os Dois
Corpos do Rei, de Ernst Kantorowicz, e O Mediterrâneo e o Mundo
Mediterrâneo à Época de Felipe II, de Fernand Braudel. Como pode-
se entrever, o conjunto de orientações historiográficas relacionadas
ao movimento dos Annales, ainda que não generalizada, pouco
espaço deu para a discussão da curta duração, dos acontecimentos,
das negociações diplomáticas, da política externa, ou dos impasses
que atravessavam as relações entre os Estados europeus e mesmo
entre estes e os demais países no período. Nesse quadro,
reafirmamos que ao longo da primeira metade do século XX, tanto
as RI inclinavam-se aos problemas contemporâneos como a
História construía perspectivas epistemológicas que a afastavam
dos aspectos relacionados às relações diplomáticas. Antes de
avançar na discussão e, principalmente, nas maneiras como o tema
foi explorado pelos medievalistas, convém retomar que a
institucionalização acadêmica das Relações Internacionais se deu
num ambiente marcado pelo debate entre liberais e realistas,
disputa teórica que se ampliou, nas décadas seguintes, em
vertentes como: teoria crítica, construtivismo, neoliberalismo,
neorrealismo, entre outras (MARTINS, 2012: p.75). Sem vislumbrar
um aprofundamento na área da teoria das relações internacionais
(TRI)1 , acredita-se que a caracterização de algumas correntes
teóricas permitirá que sejam identificadas opções conceituais – por
vezes, implícitas – adotadas pelos historiadores que trataram da
temática. O realismo, por exemplo, tem sido o paradigma mais
influente da TRI desde a Segunda 1 Para tal, indicamos a
bibliografia citada até o momento. Guerra Mundial e centra suas
análises nas causas da guerra e no Estado como principal ator
internacional, privilegiando as investigações sobre as relações de
poder entre os Estados. Por outro lado, o fim da Guerra Fria e a
aceleração do processo de globalização em finais do século XX fez
emergir novas TRI’s, dentre as quais se destaca o construtivismo.
Essa teoria, elaborada por Alexander Wendt, por mais que
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considere o Estado como entidade essencial para a análise das
relações internacionais, prevê a impossibilidade de diferenciação
entre as relações internas e as externas, e se coloca a considerar
mais atores políticos no sistema internacional, além de valorizar o
papel das ideias e valores em tal universo de relações (Cf.: SILVA &
GONÇALVES, 2010: p. 30-33, 235-239; NOGUEIRA, 2005: p.20-55,
162-185). Esse panorama dos estudos e caminhos das RI não tem
qualquer objetivo de ser exaustivo, antes procura-se pontuar que o
desenvolvimento e constituição desta área se deram paralelamente
a significativas mudanças ocorridas na historiografia e mesmo no
âmbito geral das ciências humanas e sociais. Como foi indicado no
início do texto, nossas preocupações não se dão na tentativa de
construir um balanço das relações entre a História e as Relações
Internacionais de forma ampla, e por esse motivo as discussões a
seguir se concentrarão no caso específico da História Medieval,
cotejando, pontualmente, as relações entre esse caso particular e os
movimentos mais amplos da historiografia.
RELAÇÕES INTERNACIONAIS, RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS E
DIPLOMACIA NA HISTÓRIA MEDIEVAL.
O clássico estudo de François Ganshof, Le Moyen Âge, acerca das
relações internacionais na Idade Média (GANSHOF, 1953) se insere
na coleção de Pierre Renouvin e aborda dois aspectos centrais: em
primeiro lugar o quadro cronológico das relações internacionais no
medievo, destacando o fim do império romano, o período
carolíngio, as relações entre Ocidente e Oriente, a crise dos séculos
XIV e XV, as relações comerciais, entre outros aspectos; em seguida,
as técnicas empregadas nessas relações, capítulos que se
concentram na discussão da documentação, das embaixadas e dos
embaixadores em diferentes momentos do medievo. Observa-se,
tal como se destacou anteriormente, o peso dos aspectos
econômicos para a condução das relações externas, perspectiva
que mantém a coerência do Tomo I com a orientação da coleção de
Renouvin. Ao todo Ganshof dedicou três capítulos para as
“técnicas”, sendo o terceiro, direcionado aos séculos XIII e XV, o que
mais nos interessa. A obra de Ganshof permanece um marco na
historiografia, porém sua abordagem apresenta um grande
problema central: a concepção teórica relativa às relações
internacionais e as consequentes implicações do termo para o
medievo. A área das RI estrutura-se a partir de dois conceitos:
Estado moderno e Soberania, fundamentos do sistema diplomático
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internacional contemporâneo (Cf.: MARTINS, 2012; PECEQUILO,
2004; PISTONE, 2009). Por mais que Ganshof, medievalista dedicado
a Idade Média Central, não reafirme e não se concentre nesses
marcos, sua obra reforça tanto o papel das embaixadas
permanentes como elemento de ruptura entre o medievo e a
modernidade, como o esfacelamento quatrocentista das relações
constituídas em torno da Igreja. Ao não rediscutir os fundamentos
que orientavam as relações diplomáticas na Idade Média e não
questionar os marcos tradicionais das RI, a obra de Ganshof acaba
por inserir o medievo numa história das relações internacionais na
qual ocupa o lugar apenas de momento preparatório, origens,
raízes. Em síntese, acredita-se que as concepções da área e o
próprio termo “relações internacionais” remetem ao conjunto de
relações que se desenvolveram em torno do Tratado de Vestfália
(1648), formando um universo no qual o Estado soberano aparece
como principal ator do espaço internacional e a diplomacia é
conduzida por um grupo de especialistas definidos, os
embaixadores. Em segundo lugar, o termo tende a encobrir
demasiadamente a realidade da diplomacia medieval, pois reafirma
implicitamente as relações entre Estados. No medievo, para além de
não podermos falar em Estado-Nação ou num único modelo
estatal, as relações diplomáticas têm como característica
fundamental serem um conjunto de relações entre grupos políticos
organizados (urbanos, ducais, régios, imperiais, eclesiásticos),
mesmo que – processo marcante em finais do medievo – o poder
régio (Estado) gradativamente se afirmasse com a exclusividade
nesse âmbito. Antes de avançar sobre os novos pressupostos dos
estudos a respeito da diplomacia medieval, convém destacar que as
temáticas levantadas por Ganshof não tiveram grande repercussão
na historiografia e os anos 60 e 70 foram marcados por três
importantes estudos ingleses dedicados aos aspectos
administrativos e ao pessoal envolvido nas embaixadas: Esse
reduzido número de trabalhos se expressa no levantamento
apresentado por Bernard Guenée em 1971, no qual cita apenas
nove títulos dedicados a diplomacia, sendo três artigos, três livros já
mencionados (Ganshof, Queller e Cuttino), e três exceções: Die
Berichte der Generalprokuratoren des Deutschen Ordens an der
Kurie (1961), de K. Forstreuter; The Congress of Arras, 1435 (1955),
de J-G. Dickinson; e Renaissance Diplomacy (1955), de G. Mattingly
(GUENÉE, 1981 [1971]: p.30-31). Acerca desse último trabalho,
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referência para os modernistas, John Watkins sublinha que
Mattingly, tendo como base o célebre estudo de Jacob Burckhardt,
centrou a mudança diplomática do Ocidente entre 1420 e 1530, o
mesmo período destacado pelo autor de A Cultura do
Renascimento na Itália. Segundo Watkins, a emergência das
embaixadas permanentes na obra de Garrett Mattingly ocupa uma
posição análoga da emergência do indivíduo em Burckhardt,
aproximações que se manifestam ainda na caracterização da Idade
Média e, consequentemente, da diplomacia medieval a partir do
domínio da religião, sintetizada na noção de Cristandade. Tal ponto
de partida teria, desta forma, contribuído para a construção de uma
leitura dicotômica acerca do período, privilegiando os elementos
seculares em detrimento dos espirituais (WATKINS, 2008). De
acordo com Stéphane Péquignot, foi a partir dos anos 80 e 90 que
a diplomacia medieval, especialmente a dos séculos XIII, XIV e XV,
suscitou novas discussões e passou a ser objeto de congressos,
colóquios e investigações monográficas (PÉQUIGNOT, 2011: p.55)3 .
Ressalta-se nesse movimento os estudos de Françoise Autrand,
Nicolas Offenstadt, Pierre Chaplais e do próprio Péquignot, além da
obra coletiva Arras et la diplomatie européenne XVe-XVIe siècles
(1999). Essa nova história da diplomacia medieval, assim como a
compreensão da diplomacia medieval como relação entre poderes,
encontra-se sintetizada na obra Les Relations Diplomatiques au
Moyen Âge. Formes et enjeux, publicada pela Société des historiens
médiévistes de l'Enseignement supérieur public (2011). Expressão
do acúmulo de investigações produzidas nas últimas décadas no
cenário acadêmico europeu – em especial na historiografia francesa
–, a obra traz um conjunto de reflexões metodológicas e temáticas,
destacando questões como o papel da oralidade, da representação,
do estrangeiro, da mediação, dos rituais, etc., envolvidos nas
relações diplomáticas medievais. 2 A primeira edição da obra de
George Cuttino é de 1940, porém a segunda edição de 1971 é a
mais citada e está envolvida no conjunto de publicações inglesas
dos anos 60 e 70 sobre a temática. 3 PÉQUIGNOT, Stéphane. Les
diplomaties occidentales, XIIIe-XVe siècle. In: Relations
diplomatiques au Moyen Âge. Formes e enjeux. Paris: Publications
de la Sorbonne, 2011, p.55. Da coletânea, sublinha-se a
contribuição de Stéphane Péquignot, que propõe uma definição
para o termo diplomacia: "l'ensemble des activités de
représentation, d'échanges et de négociations politiques, menées
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au nom d'un pouvoir auprès d'autres pouvoirs" (2011: p.47-66); e
do texto de Jean-Marie Moeglin, que avança em propor contornos
de um "sistema da diplomacia medieval" caracterizado: pela
finalidade última das relações diplomáticas que é estabelecer um
tratado que organiza uma relação pacífica com outros reis,
príncipes e detentores de autoridade; pelo papel de comunicação
das atividades diplomáticas; e pelo peso das relações pessoais,
expressa pela importância dos casamentos para a diplomacia (2011:
p.304-317). Em meio a tais discussões, a tese de Péquignot, Au nom
du Roi. Pratique diplomatique et pouvoir durant le regne de
Jacques II D'Aragon (1291-1327), tem se mostrado como principal
referência dos novos estudos acerca da diplomacia medieval. O
autor avança na investigação de três grandes eixos: os instrumentos
e meios da diplomacia real; o rei e seus embaixadores; e o poder
através da diplomacia. Estes abarcam um conjunto de onze
capítulos que, para além da análise específica sobre o reino de
Aragão, oferecem uma significativa exposição das pesquisas
produzidas em diferentes historiografias europeias acerca da
diplomacia medieval, além de propor uma importante definição de
"prática diplomática": Une expression que met d’emblée l’accent de
manière pragmatique sur la variété des opérations effectuées et des
protagonistes qui s’y investissent. Le champ envisagé embrasse
donc les activités de représentation et de négociation politiques
menées au nom d’un pouvoir auprès de pouvoirs étrangers, il
concerne à la fois des méthodes, des hommes, des institutions et
des valeurs (PÉQUIGNOT, 2009: p.2). A opção interpretativa
apresentada abre um amplo campo de perspectivas de pesquisa
para os estudos medievais e mesmo para as investigações acerca
do mundo antigo e moderno, colocando o pesquisador frente a
diferentes problemas, os quais, por vezes, não aparecem nos
estudos tradicionais sobre as relações diplomáticas, como: os
métodos de negociação; os papéis da diplomacia, em seus âmbitos
social, cultural, econômico e político; os agentes envolvidos e seus
vínculos com o poder régio e as instituições do reino; a estrutura
administrativa e institucional por trás das ações diplomáticas; e
mesmo a concepções, cerimônias e valores que envolvem a prática.
Abrem-se ainda os problemas tradicionais, sendo o principal a
terminologia, visto que palavras como “diplomacia”, “política
externa”, “relações externas”, “relações internacionais”, entre outras
utilizadas atualmente, não são verificadas no medievo. Por lidar
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com essa terminologia flutuante, por vezes a diplomacia medieval
aparece pensada a partir das ausências, estas que só tem sentido
quando comparadas ao modelo diplomático moderno. A partir dos
elementos expostos, observa-se a proximidade entre a renovação
dos estudos sobre a diplomacia medieval e o duplo movimento
traçado páginas atrás, que se caracteriza pela ampliação e
flexibilidade do campo das RI, expressa, por exemplo, nas críticas
do paradigma realista, e no revigoramento da história política
através da ruptura do determinismo socioeconômico e da utilização
dos aportes das diferentes Ciências Sociais, processo marcante
desde os anos 60 e, principalmente, no pós anos 70. Ao orientar as
atenções para a historiografia medieval e moderna, constata-se a
lenta fragmentação do paradigma estadualista tradicional, assim
como a revisão do processo de gênese do Estado moderno,
exemplificado pelos projetos internacionais Genèse de l’État
moderne (XIIIeXVIIIe siècles) e Origins of the Modern State (XIII-
XVIII Centuries) e nas obras de Jean-Philippe Genet, António
Manuel Hespanha, Bartolomé Clavero, entre outros. Este
movimento duplo que vem afirmando-se no progressivo
afastamento dos medievalistas do binômio guerrapaz/diplomacia
que em grande parte centrou a atenção dos estudiosos franceses e
ingleses inclinados à Guerra dos Cem Anos. Nesse sentido, tal
afastamento tem dado espaço a problemas relativos às formas de
negociação e ao papel da diplomacia na circulação de informações,
como observa-se nas obras La circulation de nouvelles au Moyen
Âge (1994), Information et société en Occident à la fin du Moyen
Âge (2002) e Negociar en la Edad Media (2004). Destaca-se ainda a
contribuição advinda das investigações sobre a História Moderna,
as quais se incidem especialmente na questão da ruptura de finais
da Idade Média e, consequentemente, auxiliam na releitura do
quadro contextual no qual se fundamentam o paradigma estatal
adotado pela história das relações internacionais. Manuel Rivero
Rodruíguez é um dos autores a questionar as limitações impostas
pelo paradigma estadualista aos estudos acerca da diplomacia
entre o medievo e a modernidade, trazendo para o centro de sua
análise temas como: as relações dinásticas, o papel das ordens e
das hierarquias na dinâmica diplomática, as disputas confessionais
na condução das relações diplomáticas, entre outros (RODRÍGUEZ,
2011). Alain Tallon também reforça essa perspectiva ao notar que o
Estado no século XVI não tinha o monopólio das relações
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internacionais – antes tais relações apresentavam-se através de
unidades políticas que não se reivindicam como soberanas –, e ao
defender a permanência da concepção patrimonial de poder no
período (TALLON, 2010). Outro autor com significativa produção
relativa a época a contribuir nesse debate é Lucien Bély. Seus
estudos chamam atenção para a ambiguidade do termo “relações
internacionais” pelo fato da inexistência do Estado-Nação e indicam
que seria mais adequado falar em relações interprincipescas ou
relações interestatais; Seus argumentos ressaltam ainda a
importância das relações familiares e pessoais para a constituição
das relações externas no período medieval e moderno, propostas
que corroboram nossas investigações sobre o século XV português
(Cf.: LIMA, 2012). 4. Considerações finais. O lugar de produção
destes breves apontamentos é a História e, especificamente, a
História Medieval, área em que temos desenvolvido pesquisas
desde a graduação. Ao longo de nossas investigações sobre o
século XV encontramos uma série de limitações para estruturar uma
pesquisa partindo do âmbito geral da produção das Relações
Internacionais. Para além do pouco espaço dado aos períodos
anteriores aos séculos XVIII e XIX nessa literatura, ao revisar uma
parte das obras relativas às Teorias das Relações Internacionais e
sobre a história das relações internacionais, ao passo que também
aprofundávamos a reflexão acerca das estruturas políticas tardo-
medievais e nos aproximávamos das referências da nova história
política, esse descompasso ampliou-se. Textos como “Política
interna e política externa”, de Pierre Milza, inserido do
livromanifesto Por uma História Política (1988), ou Espions et
ambassadeurs au temps de Louis XIV (1990), de Lucien Bély,
indicavam uma série de novos aportes e temáticas para a
abordagem das relações diplomáticas, no entanto, como relacionar
esse universo de discussão com os estudos medievais? A
historiografia medieval, mormente aquela dedicada aos temas da
história sociopolítica, oferecia importantes estudos, porém muitos
ainda relacionados a um paradigma estatal e numa história das
relações internacionais na qual a Idade Média ocupa apenas
páginas introdutórias, e o fim do medievo caracteriza-se,
sobretudo, pelas embaixadas permanentes surgidas nas cidades
italianas quatrocentistas. Nesse quadro, trabalhos como os de
Françoise Autrand, John Watkins e Stéphane Péquignot têm
contribuído diretamente para a releitura e a ampliação das
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investigações acerca das relações externas e das práticas
diplomáticas do medievo. Não obstante, mesmo com essa
renovação dos estudos sobre a diplomacia medieval, ainda existe
uma série de lacunas e temáticas que podem contribuir para o
campo de estudos, tanto da parte dos historiadores como dos
bacharéis em Relações Internacionais. Como foi exposto, do ponto
de nossas pesquisas, acreditamos que o distanciamento entre a
História e as Relações Internacionais deu-se em dois sentidos, na
renovação da primeira através da crítica incisiva da história
metódica – na qual as questões “diplomáticas” tinham lugar de
destaque – e na consolidação da segunda tendo como foco as
demandas da sociedade contemporânea.
1.3.2.O SISTEMA ITALIANO (SÉC. XV E XVI)
No longo período compreendido entre 1450 e ο final do século
XVIII a diplomacia sofreu uma profunda transformação. Em
meados de Quatrocentos a interacção diplomática surge ainda
como uma actividade pouco desenvolvida e pouco frequente;
em pleno século XVIII, pelo contrário, os laços diplomáticos
apresentam já contornos bastante complexos, afirmando-se
como um ramo cada vez mais importante da acção da Coroa.
Foram três séculos de mudanças, três séculos que alteraram por
completo a natureza das missões diplomáticas, bem como ο seu
lugar na política europeia.
Estas mudanças não passaram despercebidas à recente historiogra-
fia, e a verdade é que, nos últimos quinze anos, a diplomacia se
converteu num dos temas mais frequentados pelos historiadores
que se ocupam da Europa da época moderna. A este investimento
historiográfico não é certamente alheio ο facto de, entre 1996 e
1998, se terem realizado vários encontros científicos para assinalar a
passagem de trezentos e cinquenta anos sobre a assinatura dos
tratados de Vestefália (1648-1998). As actas das grandes
conferências realizadas em Münster, em Osnabrück, em Paris e em
outros locais da Europa foram já publicadas, proporcionando uma
enorme quantidade de novos dados e de novas perspectivas sobre
a diplomacia e a sua evolução histórica. Como resultado desse
inusitado interesse, dispomos hoje de um considerável número de
trabalhos sobre as origens e ο desenvolvimento da actividade
diplomática, e, em especial, sobre ο impacto que os «tratados da
paz geral», assinados em 1648, exerceram sobre as relações
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externas. Nesta recente massa de investigação sobre a história do
dispositivo diplomático há um aspecto que ressalta: a análise da
diplomacia e da sua evolução possui uma relação cada vez mais
estreita com ο estudo da formação dos aparelhos de governo e de
administração. De facto, os historiadores têm demonstrado que
uma das facetas mais importantes do desenvolvimento da
actividade governativa e administrativa terá sido ο crescimento do
dispositivo diplomático das diversas casas reais. Ο presente ensaio
tem precisamente como finalidade dar conta dos aspectos mais
salientes dos trabalhos produzidos pela recente historiografia,
concedendo uma especial atenção a esta articulação
entre ο desenvolvimento da diplomacia e ο crescimento do
aparelho administrativo. Como se poderá verificar, ο ponto de vista
adoptado será, em geral, europeu, se bem que, aqui e ali, ο caso
português seja convocado.
A MATRIZ ITÁLICA
Apesar de ser um fenómeno geral e registado à escala europeia,
não restam hoje dúvidas de que ο desenvolvimento da diplomacia
ocorreu, de um modo especialmente precoce, no espaço italiano. A
Itália do século XV era composta por várias cidades-estado, cada
uma delas com um grau de organização e de desenvolvimento
bastante acentuado, contando com cinco principais entidades -
ο ducado de Milão, a República de Veneza, a República de
Florença, ο Estado da Igreja, ο Reino de Sicília e Nápoles -, e com
um número significativo de cidades-estado com um menor poderio
político. Devido a esta situação de partilha do poder, a Itália deste
tempo costuma ser encarada como uma espécie de microcosmos
da evolução do dispositivo político-diplomático, sendo costume
dizer-se que ο facto de esta região da Europa se caracterizar por
uma acentuada fragmentação política foi propício ao
desenvolvimento prematuro de um sofisticado dispositivo
diplomático. A situação de fragmentação do poder proporcionou
aos italianos uma peculiar experiência, impondo ο convívio
quotidiano entre regimes governativos muito díspares, já que
principados e repúblicas coexistiam face-a-face. Ao mesmo tempo,
esta situação obrigou os grandes potentados a relacionarem-se
com as pequenas cidades-estado, para além de ter levado as
autoridades urbanas a uma permanente vigilância face às
ingerências vindas do exterior. Em certo sentido, a Itália
representava, em miniatura, aquilo que a Europa viria a ser nos
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séculos que se seguiram. Entre os estados que compunham a
Peninsula Itálica chegou mesmo a existir uma certa ideia de «Lega
Italica», de confederação, a qual foi concebida, pela primeira vez,
pelo papa Martinho V, com ο objectivo confesso de criar, em torno
da Santa Sé, uma cintura de protecção contra os projectos de
hegemonia europeia que estavam então a surgir, sobretudo por
parte das Coroas ibéricas, de França e do Sacro-Império. Como
assinalou recentemente Ricardo Fubini, independentemente da sua
realização, a mera formulação da ideia de «Lega Italica»
representa ο reconhecimento da existência de um novo tipo de
estado territorial, à margem das rígidas hierarquias feudais.
Todo este ambiente político terá também sido favorável a uma
profusa reflexão sobre cerimonial e cortesias, e, ainda, à curialização
da elite aristocrática, a qual monopolizou os principais postos nas
várias cortes principescas da Península Itálica. A aristocracia logrou
controlar os principais postos de governo, civil e militar, e os cargos
diplomáticos não foram excepção, pois também nessa área se fez
sentir ο predomínio aristocrático.
Para esta prioridade italiana no desenvolvimento da diplomacia
terá também contribuído a influência (...)
Por último, a circunstância de os italianos se encontrarem
geograficamente situados entre a Europa Ocidental
e ο Mediterrâneo Oriental também foi determinante, pois fez com
que entre eles surgisse uma especial aptidão para
desempenhar ο papel de interlocutores entre ο Ocidente e Bizâncio.
A República de Veneza, em particular, especializou-se nesta prática,
e após a queda de Constantinopla muitos venezianos continuaram
a monopolizar os contactos entre a Sublime Porta e os príncipes
ocidentais. A par da precocidade do caso italiano, um outro aspecto
que se destaca nos trabalhos dedicados à diplomacia do Antigo
Regime é a chamada de atenção para a dimensão de alteridade. Na
verdade, quase todos os estudiosos sublinham as muitas diferenças
que existem entre aquele que era ο entendimento das relações
externas durante ο período que se estende do século XV ao XVIII, e
aquilo que actualmente se encontra por detrás da
palavra Diplomacia. A Diplomacia, hoje, é vista como um ramo da
administração pública, como uma actividade exclusiva da instituição
estatal de cada país, sendo assegurada por funcionários públicos
naturais do país que representam, actuando em nome do Estado a
cujo serviço se encontram, e agindo em prol dos interesses da
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população que está sob essa entidade estatal. Além disso, a
actividade diplomática é regulada por princípios e por normas que
pertencem a um ramo específico do Direito Público, ο Direito
Internacional Público, ο corpus normativo que disciplina a
interacção entre Estados soberanos.
José Calvet de Magalhães - um destacado diplomata português e
ele próprio um estudioso do fenómeno diplomático - propôs
recentemente uma definição de diplomacia. Para Calvet de
Magalhães, a diplomacia é ο instrumento pacífico mais típico desse
sector da acção do Estado que é a «Política Externa», devendo ser
definida, fundamentalmente, como técnica de «contacto
internacional». Tal contacto supõe, desde logo, uma noção mais ou
menos consensual de paridade entre os vários Estados envolvidos
nessa interacção, bem como ο reconhecimento de um determinado
conjunto de normas que governam esse relacionamento, ο qual, na
sua essência, procede por meios pacíficos. Quanto a métodos de
negociação, segundo Calvet de Magalhães a política externa
assenta, fundamentalmente, em três procedimentos: as
negociações directas, a diplomacia e, ainda, a mediação. Por último,
outra faceta da actual diplomacia é ο facto de os representantes
desempenharem ο papel de expositores, e não de autores, da
política externa do Estado a cujo se serviço se encontram. Na
Europa de finais do século XV ο cenário diplomático era bem
diferente daquele que acabou de ser apresentado de forma muito
esquemática, pois boa parte dos traços mais típicos da actual
diplomacia estão pura e simplesmente ausentes. Desde logo
porque em vez do Estado, eram as casas reais quem protagonizava
a pouca interacção diplomática que então existia, e até ao século de
Quinhentos as relações entre entidades políticas resumiram-se,
praticamente, aos laços de parentesco estabelecidos entre
membros de diversas casas reais. Em vez de contactos pacíficos
numa base permanente, predominavam as situações de guerra, e as
poucas iniciativas diplomáticas que tiveram lugar nesses anos
visaram precisamente sanar conflitos militares. É certo que,
com ο tempo, a prática diplomática começou a dar mostras de se
querer autonomizar da mera tarefa de resolver conflitos, passando
a ser vista, também, como instrumento de negociação sobre outro
tipo de matérias para lá das questões bélicas, como era ο caso dos
interesses comerciais. Todavia, a original ligação entre a guerra e a
diplomacia revelou-se perene, perdurando durante muito tempo.
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Outra faceta da prática diplomática desses tempos recuados
é ο facto de a Coroa não deter ο monopólio da comunicação oficial
com as autoridades exteriores ao reino. De facto, nenhuma das
coroas da Europa detinha ο exclusivo da representação no exterior,
pois para além da família real, outras entidades mantinham uma
representação permanente além-fronteiras, como era ο caso da
Igreja e das principais casas aristocráticas. Como se pode calcular,
essas diversas representações diplomáticas nem sempre actuavam
de uma forma concertada. Acresce que não era raro um dignitário
representar, em simultâneo, vários príncipes, por vezes nem sempre
amigos entre si – prática que seria impensável na diplomacia nos
nossos dias. Ainda assim, ao longo do século XV, e muito por
influência da experiência italiana, a actividade diplomática foi
apresentando contornos mais complexos, sendo já possível
encontrar uma prática negocial com uma componente de
representação mais vincada, ou seja, ο ambasciatore surge já
como ο representante, como aquele que fala em nome do seu
senhor, ο qual poderia ser tanto uma autoridade secular como um
dignitário eclesiástico. Além disso, alguns diplomatas vão
assumindo a função de recolha de informação, tarefa que, no
futuro, constituirá uma das suas mais fundamentais incumbências.
Por ultimo, neste período surgem os primeiros diplomatas
envolvidos em negociações complexas e demoradas. Como se sabe,
a difusão da prática diplomática, desde Itália, é um processo que se
relaciona com a emergência de novos potentados na Europa
Ocidental de Quatrocentos e de Quinhentos. Ao mesmo tempo que
se afirmavam na cena internacional, as casas reais que estavam à
frente de tais potentados desenvolveram ο seu dispositivo
governativo e administrativo, criando as condições necessárias para
encetar relações a uma escala muito mais vasta. Com ο século de
Quinhentos surgem os primeiros príncipes seculares capazes de pôr
em prática estratégias políticas com uma projecção mundial, algo
que, como não podia deixar de ser, se reflectiu profundamente nos
processos negociais. Até aí as diferentes cortes régias limitavam-se
aos contactos bilaterais com os seus vizinhos mais próximos,
comunicando entre si numa base irregular, mediante enviados ou
outro tipo de intermediários mais ou menos temporários. No século
XVI, pelo contrário, as possibilidades de comunicação a longa
distância tornaram-se muito mais amplas, ο que ditou ο alarga-
mento do espaço de interacção política. Outra importante novidade
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da actividade diplomática desenvolvida nestes anos foi ο apareci-
mento de representantes com um carácter permanente. As
primeiras embaixadas permanentes de que temos notícia são, uma
vez mais, italianas, tendo surgido ainda no século XV. Porém, aos
poucos as demais entidades políticas europeias foram
adoptando ο sistema de embaixador residente, ou seja, passaram a
contar com representantes com um carácter permanente junto de
cortes estrangeiras. Tanto a Santa Sé como os Habsburgo
austríacos – sobretudo sob Maximiliano I –, implementaram muito
rapidamente esse sistema de embaixadores permanentes. Na
Península Ibérica ο dispositivo diplomático desenvolveu-se no
mesmo sentido, tanto em Aragão como em Castela, se bem que
mais lentamente. Em Portugal, um dos primeiros embaixadores
residentes em Roma foi designado em 1512: tratava-se de João de
Faria, um jurista de formação, seguindo-se ο famoso D. Miguel da
Silva. De acordo com Calvet de Magalhães, a França também
demorou algum tempo a estabelecer ο seu dispositivo permanente
de embaixadores, mantendo-se apegada a um outro regime de
relacionamento entre diferentes casas reais, regime esse que tinha
origens ancestrais: os encontros pessoais entre monarcas.
Construida a partir do século XVI, a rede europeia de diplomatas
permanentes assumiu, rapidamente, dimensões absolutamente
inéditas, em termos da sua extensão mas também da intensidade e
da complexidade das relações estabelecidas entre os diversos
príncipes seculares e eclesiásticos. E a despeito da radicalização do
antagonismo religioso entre Católicos e Protestantes, e do esforço
dos principes católicos para restringir a comunicação com ο Norte
Protestante, ao longo do século de Quinhentos a actividade
diplomática contou com excelentes condições para se desenvolver.
Sintomaticamente, foi também em Itália que viu a luz um dos
primeiros tratados especificamente dedicados à arte
diplomatica: ο De officio legati, escrito em 1436 pelo diplomata
veneziano Ermolao Barbaro e impresso em Roma nos finais de
Quatrocentos. Em face do grande número de obras publicadas nos
anos subsequentes, podemos afirmar, com segurança,
que ο interesse pela temática diplomática não parou de aumentar:
de 1498 a 1598 foram impressos dezasseis livros sobre diplomacia;
nas duas décadas que se seguiram, e até 1620, surgiram vinte e um
novos livros, um quantitativo sem dúvida impressionante. Devido a
esta literatura, e também a toda a experiência que ia sendo
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adquirida e acumulada, ο ofício de diplomata começou a ganhar
contornos mais nítidos, embora seja notória, ainda, alguma fluidez.
A designação que era então atribuída ao servidor diplomático, por
exemplo, denotava uma certa indefinição: falava-se
em Orator, em Commissarius, em Nuncius, em Deputatus, em Legat
us ou em Consiliarius. Além disso, apesar da vulgarização da figura
do embaixador residente, vários príncipes europeus continuaram a
manifestar relutância em aceitar a presença cada vez mais
constante, na sua corte, de representantes de príncipes
estrangeiros. Muitas autoridades deste período chegaram mesmo a
recusar-se a receber enviados diplomáticos, expressando a sua
desconfiança face ao verdadeiro propósito dessas missões, devido
ao receio de espionagem. A propria profissão diplomática, como
veremos mais adiante, tinha ainda fronteiras algo ambíguas, e em
certos momentos mal se distinguia da função de agente secreto ou
de espião. Significativamente, no léxico coetâneo não marcam
presença nem a palavra «diplomata» nem ο conceito «diplomacia».
Ο PROJECTO DO «IMPÉRIO UNIVERSAL»
Durante ο século XVI as relações diplomáticas entre os diferentes
príncipes (eclesiásticos e seculares) foram fortemente
condicionadas por um ideal que, apesar das suas ancestrais origens,
continuava a contar com muitos adeptos: a ideia de «Império
Universal». Como é bem sabido, em pleno século de Quinhentos
continuavam a ser numerosos aqueles que acreditavam que a
humanidade deveria organizar-se segundo um domínio único,
alegando que essa situação política era a mais conforme aos
desígnios da divindade. Este ideal, que tinha também muito de
crença religiosa, estava estreitamente associado aquele que
era ο entendimento coetâneo do conjunto formado pelas várias
entidades políticas cristãs. De facto, em pleno século XVI todas as
entidades políticas continuavam a reconhecer-se na ideia de que
faziam parte de um cosmos harmoniosamente ordenado pela
divindade, estruturado de forma orgânica numa estrita hierarquia
de graus, distinções e dignidades. Neste contexto, as repúblicas, os
marquesados, os ducados, os principados e os reinos eram tidos
como membros de um todo orgânico, membros qualitativamente
muito diversos, escalonados numa linha ascendente convergente
para Deus. Acreditava-se que esse todo orgânico, criado por Deus,
era, por isso, mesmo fixo, imutável e indisponível para os homens.
Todos os propósitos de organização deveriam levar em conta essa
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estrutura orgânica e respeitar essas diferenças, e para aqueles que
não respeitassem tais princípios ou que atacassem essa
organizaçao, a guerra era não só «justa» mas também um dever de
todos os cristãos. É inegável que esta maneira de conceber as
relações no espaço europeu reflectia, também, uma profunda
aspiração de concórdia e um desejo religioso de paz, sentimentos
ardentemente acalentados pelos europeus numa época em que a
cena internacional se revelava cada vez mais competitiva. Ο ideal de
«Império Universal» possuía fortes ressonâncias religiosas, pois
estava associado à noção de Respublica Christiana, expressão que
denotava um conceito de comunidade caracterizado, antes de mais
nada, por assentar em laços espirituais instaurados pela religião. Na
Europa de Quatrocentos e de Quinhentos todas estas aspirações de
unidade e de paz estiveram bastante em voga e, à semelhança do
que se passara em épocas anteriores, muitos manifestaram a
convicção de que certos príncipes – eclesiásticos ou profanos –
estavam investidos da missão divina de instaurar essa comunidade
espiritual e de promover a paz em todo ο mundo. A nostalgia da
idade imperial da Antiguidade Romana, muito presente em toda a
Europa Ocidental deste período, também concorreu para manter
viva a admiração pelo poder universal.
Foi em Italia que estes ideais encontraram mais adeptos. Nessa
região chegaram mesmo a escutar-se apelos à formação de uma
«Lega Italica», a qual, para muitos, seria ο primeiro passo para a
unificação da Península Itálica, um processo que tinha subjacente a
ideia de que tal união iria ser ο prelúdio de uma paz universal, uma
reedição, uma renovatio do imperium, da paz e da justiça. Esta ideia
de renovatio imperial inspirou muitos humanistas italianos, para
quem ο Latim iria ser como que a língua franca dessa ordem
universal. Cumpre não esquecer que ο irenismo, ο profundo desejo
de paz e a pacificação entre os homens – a querelapacis, a «luta
pela paz» de que falava Desidério Erasmo – eram alguns dos temas
mais salientes do ideário humanista. Marcel Bataillon, grande
estudioso do pensamento de Erasmo de Roterdão, demonstrou
que ο irenismo constitui um dos temas mais omnipresentes do
ideário erasmiano. Ainda que não tivesse dedicado uma obra à
temática imperial, Erasmo, em alguns dos seus escritos, confessa a
admiração que sentia pelo imaginário do Império, associando-o a
um projecto de paz universal, a qual anunciaria a renovação da
Cristandade e ο seu regresso a uma certa Idade de Ouro. Cumpre
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não esquecer que, nas gerações que se seguiram, as posições
irenistas de Erasmo de Roterdão continuaram a ter muitos adeptos,
contando-se entre eles ο famoso Hugo Grócio. Este excurso sobre a
temática imperial poderá parecer, talvez, demasiado longo, mas a
verdade é que ele é importante para ο tema que estamos a analisar,
pois permite compreender melhor ο modo como ο imaginário do
«domínio universal» condicionou toda a evolução da diplomacia no
século XVI. Na verdade, enquanto teve adeptos, este ideário
favoreceu uma moral muito mais voltada para os interesses do
conjunto da Cristandade, concedendo pouco espaço para a
afirmação do individualismo político. Além disso, ele serviu também
para justificar a subordinação dos vários principes cristãos à
autoridade que se apresentava como investida da dignidade
Imperial. Ο Papado, os Habsburgo austríacos e a Monarquia
Hispânica, cada um à sua maneira, apropriaram-se deste
imaginário, utilizando-o para legitimar projectos políticos
hegemónicos, ο mesmo sucedendo, um pouco mais tarde, com a
Monarquia Francesa. Como consequência, a estratégia diplomática
destes vários potentados foi modelada por uma visão imperial da
política europeia, facto que concorreu para converter os
embaixadores dos Habsburgo e os legados do Papado em
representantes activos de projectos universalizantes.
A SANTA SÉ E A PRETENSÃO DO DOMÍNIO UNIVERSAL
A presença do imaginário imperial na diplomacia é muito visível no
caso da Santa Sé e na sua postura face às autoridades políticas da
Europa medieval e moderna. Como mostrou Paolo Prodi15, desde
meados do século XI ο Papado teve de se adaptar à afirmação dos
novos reinos cristãos europeus, tendo sido precisamente nessa
altura que surgiu um sistema duradouro de coexistência entre a
Santa Sé e os príncipes seculares, sistema esse que só se dissolveu a
partir de 1648, com os acordos assinados na Vestefália. De facto,
até esse período a Igreja, enquanto entidade supra-nacional,
reivindicou uma autoridade espiritual universal e, com base nisso,
não se limitou a desempenhar ο papel de árbitro entre as diversas
casas reais, acabando mesmo por intervir activamente nos assuntos
internos dos vários reinos cristãos. Para legitimar esse seu
comportamento ο Papado invocou, precisamente, ο título de
«Vigário de Cristo» e de «Chefe da Igreja», uma chefia que
transcendia as soberanias temporais, em especial em matérias que
se relacionavam directa ou indirectamente com a religião.
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Ao comportarem-se deste modo, os sucessivos Papas
apresentavam-se como autoridades investidas de uma missão
providencial de pacificação. Porém, esta postura interventora da
Santa Sé supunha, igualmente, um entendimento vertical e
hierárquico das relações entre ο Papado e os demais príncipes
cristãos, no quadro do qual se reconhecia ao pontífice ο direito de
ingerência nos assuntos internos de cada reino. A fim de pôr em
prática esses propósitos, ο Papado desenvolveu instrumentos que
regulavam ο seu relacionamento com as diversas autoridades
cristãs. Entre esses instrumentos destacam-se as Concordatas e
as Nunciaturas. As primeiras são, como se sabe, acordos individuais
entre autoridades espirituais e políticas, acordos esses regulados,
naquele período, exclusivamente pelo Direito Canónico. Nesse
sentido, as concordatas podem ser vistas como um
desenvolvimento importante no que toca ao Direito Internacional,
pois reflectem um esforço para disciplinar, juridicamente, as
relações entre ο Sumo Pontífice e as diversas casas reais. Porém,
cumpre não esquecer que essas concordatas tinham implícita a
noção de que entre as partes não existia uma relação paritária. Em
vez disso, reconhecia-se à Santa Sé uma posição jurisdicional mais
preeminente, e muitas dessas concordatas consagravam,
precisamente, ο direito que assistia ao Papado de intervir nas
questões internas dos vários reinos cristãos.
Quanto às Nunciaturas, elas eram os órgãos de ligação
entre ο Papado, as Igrejas locais e, sobretudo, os vários príncipes
seculares. As nunciaturas tinham à sua frente ο Núncio, um ministro
que, em termos de estatuto, possuía a condição de representante
de um príncipe – ο Papa, suprema autoridade espiritual – junto de
outro príncipe, desta feita temporal. Ο Núncio representava
ο estado pontifício junto dos poderes seculares, e a sua presença
nas diversas cortes europeias generalizou-se no século XVI,
substituindo os Legados, muito mais frequentes no período
medieval. A partir do século de Quinhentos cada rei que
reconhecia ο estatuto do Núncio enviado por Roma ficava com a
obrigação de manter um embaixador residente na Santa Sé. Em
nome do princípio da reciprocidade, ο reino que recebesse um
Núncio teria de manter um embaixador residente em Roma,
embaixador esse que, ao chegar à sede pontifícia, deveria
pronunciar a chamada «oração obediencial», ou seja, a oração
solene em que ο diplomata – falando em nome do príncipe
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que ο enviara – afirmava solenemente que ο seu senhor reconhecia
a autoridade do Papa e ο seu estatuto de soberano espiritual16.
Manifestações ritualizadas de reconhecimento da soberania
pontifîcia, essas orações comportavam também ο reconhecimento,
por parte do senhor que enviou esse emissário, do lugar da sua
coroa na ordem hierárquica da Cristandade, no topo da qual se
encontrava ο Sumo Pontifice.
Os Núncios estavam investidos de vastos poderes fiscais e
jurisdicionais, representando, no fundo, um poder supra-nacional
que, em nome do Papa, interferia no espaço jurisdicional das
diversas coroas europeias. Em teoria, a fînalidade do Papado era
promover a paz entre as autoridades cristãs, mas a verdade é que
acabou por provocar toda uma série de conflitos. Até 1559 a
diplomacia pontifícia teve uma actuação relativamente moderada,
pois estava condicionada pelo equilíbrio de poderes na Península
Itálica. Porém, nesse ano foi assinado ο pacto entre Roma e a
Monarquia Hispânica, ο qual viria a tornar-se na base do sistema da
Contra-Refoma, conferindo à diplomacia pontifîcia – e também à
dos Habsburgo – uma feição muito mais autoritária e interventora.
Como se sabe, apesar da oposição que gerou, esse tratado
ditou ο alargamento da jurisdição da Igreja nos diversos reinos
católicos, autorizando a intervenção pontifîcia em sectores muito
vastos da política interna desses territórios. Face à Santa Sé a
situação da Inglaterra e da França era distinta, e nestes reinos a
ingerência pontifícia enfrentou sempre uma grande resistência,
sobretudo no segundo caso, pois no contexto francês existia uma
antiga e pujante tradição “galicana”. No contexto da fragmentação
confessional e das guerras da religião, ο Papa surgiu
como ο paradigma do príncipe simultaneamente espiritual e
temporal, um modelo que ja não era viável na paisagem política
francesa. Ainda assim, a interferência pontifícia nos assuntos
internos franceses continuou a ser fortíssima, e ο Papado,
juntamente com a Monarquia Hispânica, estiveram por detrás das
guerras civis e religiosas que dividiram os franceses a partir de
meados de Quinhentos. Em Inglaterra, por seu turno, a posição de
cisma assumida por Henrique VIII e a decisão de fundar a Igreja
Anglicana, tornaram a intervenção romana bem mais reduzida.
Os Concilies, enquanto assembleias que reuniam representantes do
clero de toda a Europa, eram outra forma de ο Papado intervir na
cena política. Aliás, até ao século XV as grandes questões do
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interesse comum da Respublica Christiana foram debatidas e
resolvidas, sobretudo, no quadro dos Concílios, onde ο papel mais
fundamental era desempenhado por dignitários com formação em
Teologia ou em Direito Canónico. Todavia, a partir de meados de
Quatrocentos a situação começou a mudar, registando-se a
mobilização de leigos para ο desempenho de algumas dessas
missões de representação. Deu-se aquilo que Marc Fumaroli
designou de «crepúsculo político da teologia diplomática»20. Ainda
assim, nos concílios realizados durante ο século XVI coube aos
teólogos ο papel mais marcante, e ο Concilie de Trento, mais do
que qualquer outro, ilustra na perfeição aquilo que acabámos de
afirmar. No que concerne à época em que se realizou ο Concílio de
Trento, cumpre referir que, na segunda metade de Quinhentos e ao
longo do século XVII, ο Papado, a fim de vincar ο seu protagonismo
politico, tirou partido dos dois grandes conflitos em que os
católicos se viram envolvidos: a luta contra os Protestantes, e,
sobretudo, ο combate contra ο avanço dos Turcos na Europa
Oriental. Há que não esquecer que, a pretexto da guerra contra os
Otomanos, ο ideal de cruzada voltou a ser reavivado, e ο Papado
liderou esses apelos, deles retirando dividendos políticos muito
amplos. No fundo, através desses gestos ο Sumo Pontífice
procurava afirmar-se como ο principal líder da Cristandade.
OS HABSBURGO E Ο SEU PROJECTO HEGEMÓNICO:
HIERARQUIA E INGERÊNCIA
No seu magistral estudo sobre ο ideário imperial, Frances Yates
analisou detalhadamente a figura de Carlos de Habsburgo, ο qual,
como é bem sabido, foi sagrado imperador em 1519. Após a morte
de Maximiliano I, Carlos conseguiu levar a melhor sobre os demais
candidatos ao título imperial. Uma vez no poder, e graças a uma
estratégia que conjugou as alianças dinásticas e a conquista militar,
Carlos V alcançou uma autoridade efectiva sobre uma parte
substancial da Europa, submetendo, também, vastos territórios nos
outros continentes. Este domínio tão alargado conferiu ainda mais
força ao projecto imperial que, desde ha séculos, andava associado
à família dos Habsburgo, e sob Carlos V ο desígnio de poder
universal foi mais do que nunca entendido como uma renovação,
operada através da instauração de um domínio único em
todo ο mundo.
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De acordo com a mesma F. Yates, a personalidade de Carlos V
concorreu decisivamente para intensificar a ideia de renovatio, não
só na política terrena mas também na sua dimensão mais
propriamente espiritual. Ο imperador sentiu-se continuador da
tradição da monarchia universalis, ο que comportava ο dever e a
obrigação sagrada de proteger a Cristandade. Porém, no caso
específico de Carlos de Habsburgo, este imaginário, de raiz
germânica, foi reforçado por elementos de variada proveniência,
como ο ideário de Cruzada de cunho hispânico, ο ideal cavaleiresco
e ο humanismo de raiz erasmista. Profundamente religioso e
piedoso, Carlos V esforçou-se por assumir uma postura imperial,
ostentando constantemente um intenso sentido da
responsabilidade da sua missão. Dessa maneira, corporizou, de um
modo extremamente visível, a missão/vocação renovadora do
império, e os seus diplomatas personificaram essa postura imperial,
pois encararam as outras casas reais europeias como entidades que
deveriam acomodar-se aos superiores desígnios do imperador.
A par dos propósitos hegemónicos, há que reconhecer que a
estratégia imperial dos Habsburgo envolvia um determinado
conceito de segurança e de equilíbrio à escala europeia. De
facto, ο projecto imperial visava instaurar uma situação de convívio
pacífico entre diversos potentados, embora tal dependesse,
necessariamente, da submissão dos pequenos estados, dos
príncipes e das diversas comunidades, processo que nem sempre se
revelou pacífico. É bem sabido que, após Carlos V, ο título imperial
não passou para ο seu filho Filipe, e que este, logo no início do seu
reinado, deu mostras de não ter esperança de algum dia poder
governar todo ο mundo. No entanto, importa frisar que, apesar de
tudo, a noção de Monarquia Universal continuou associada à casa
real dos Habsburgo espanhóis, reflectindo não só a extensão do
domínio, mas também ο carácter heterogéneo dos reinos e dos
territórios sobre os quais essa casa dinástica era soberana. Foi
justamente nesse contexto que ο monarca hispânico passou a
ostentar ο título de Rex Catholicus, assumindo ο papel de Defensor
Fidei, de defensor da «Cristandade aflita» contra os ataques dos
Protestantes. Como dissemos, Filipe de Habsburgo parece já não
acalentar a esperança de se converter em senhor de todo ο mundo.
Contudo, a despeito desta tomada de consciência de uma relativa
impotência, a noção de Monarquia Universal permaneceu associada
à casa real castelhana, condicionando fortemente ο estilo das
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relações externas que foram mantidas por Filipe II e pelos seus
sucessores. Os enviados dos Habsburgo espanhóis desenvolveram,
fundamentalmente, uma diplomacia “confessional”, marcada por
uma estreita articulação entre as finalidades religiosas e os
objectivos políticos da Monarquia Hispânica.
Num estudo recente dedicado a esta temática, Miguel Angel Ochoa
Brun qualificou a política exterior de Filipe II como «diplomacia de
predomínio». Segundo Ochoa Brun, este monarca promoveu uma
prática diplomática que jamais perdeu de vista um projecto de
hegemonia político-militar, algo que se tornou especialmente
notório no estilo de relações estabelecidas tanto com Inglaterra
como com França. Com os primeiros, os desentendimentos
políticos e religiosos estiveram na origem de uma situação de
fricção quase permanente. No caso francês, Filipe II manteve uma
rede de agentes e de espiões que apoiaram, constantemente, a Liga
Católica, interferindo, sem qualquer pejo, nos assuntos da política
interna francesa. Como consequência, no quadro das atribuladas
relações franco-espanholas da segunda metade de Quinhentos, a
fronteira entre a diplomacia e a espionagem tornou-se muito ténue.
Nas demais frentes diplomáticas a postura de Filipe II não foi muito
diferente daquela que acabámos de descrever. Isso mesmo é visível
no estilo de relacionamento que manteve com os estados de Itália,
incluindo a Santa Sé. De facto, entre Filipe II e ο Papado notam-se
muitos sinais da ancestral rivalidade entre os dois projectos de
hegemonia universal, e a postura regalista hispânica foi tenazmente
defendida pelos sucessivos embaixadores espanhóis em Roma, os
quais se intrometeram constantemente nos assuntos da Igreja.
Importa não esquecer, para além disso, que a Coroa hispânica tinha
uma forte posição territorial em Itália, já que os reinos de Nápoles,
da Sicília e da Sardenha faziam parte dos domínios de Filipe
II, ο mesmo sucedendo com a região Lombarda. Como seria de
prever, tal situação gerou tensões tanto com ο Papado como com
as pretensões imperiais dos Habsburgo austríacos, pois parte do
Norte de Itália (Tirol e Trentino) pertencia ao ramo centro-europeu
dos Habsburgo. A mesma postura de predomínio caracterizou a
diplomacia de Filipe II em relação à Península Ibérica. A ingerência
da casa real castelhana nos assuntos internos Portugueses tornou-
se extremamente forte desde as primeiras décadas do século XVI.
Os seus embaixadores, e sobretudo as princesas castelhanas que
casaram com membros da família real portuguesa, condicionaram
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fortemente a política interna lusitana, desenvolvendo uma
crescente pressão durante ο tempo que antecedeu a crise
sucessória de 1580, como que preparando a união dinástica que
viria a consumar-se em 1581.
Filipe II manteve, com grande consistência, a mesma atitude de
predomínio em todos os palcos diplomáticos em que se envolveu.
Tal sucedeu no âmbito dos seus contactos com ο Mediterrâneo
Oriental, e também nas negociações motivadas pela competição
europeia na Ásia, em África e, especialmente, na
América. Ο incremento da pirataria, aliado às primeiras incursões
francesas e inglesas em terras americanas, levou Filipe II a negociar,
mas fê-lo sempre, e uma vez mais, com uma postura de
predomínio, exigindo ο direito exclusivo a estabelecer-se nos
territórios americanos, africanos e asiáticos. Nos últimos anos de
Quinhentos a diplomacia de Filipe II manteve a sua já habitual
atitude hegemónica, não obstante ο impacto negativo da derrota
da «Armada Invencível» ao largo da costa britânica (1588). Os seus
sucessores, Filipe III e Filipe IV, mantiveram, de um modo geral, esta
postura de predomínio ante os demais reinos europeus e face aos
seus intentos para ocupar parcelas do território ultramarino. Na
primeira metade do século XVII a diplomacia da Monarquia
Hispânica permaneceu em consonância com ο projecto
hegemónico dos Habsburgo, embora se tenha ajustado ao curso
dos acontecimentos. Miguel Angel Ochoa Brun considera que a
política exterior de Filipe III e Filipe IV foi animada por três
sucessivas preocupações: primeiramente, entre 1598 e 1621
(reinado de Filipe III), nota-se um claro esforço de pacificação,
preconizado por D. Francisco de Sandoval y Rojas, duque de Lerma
e durante boa parte do reinado ministro favorito do rei. Importa no
entanto frisar que a Pax Hispanica instaurada nestes anos era uma
paz “à romana”, ou seja, era uma situação inseparável do
predomínio da casa de Habsburgo e dos seus interesses. Como
demonstrou recentemente Bernardo Garcia, apesar dos esforços
para encerrar conflitos que lavravam desde há muito, durante as
primeiras décadas de Seiscentos a Coroa espanhola continuou a
preconizar uma «diplomacia de predomínio», não se vislumbrando
nenhum entendimento mais paritário da cena política europeia.
Todavia, a este período sucederam-se duas décadas de grande
envolvimento bélico, uma época durante a qual ο conde-duque de
Olivares liderou a política hispânica, levando as forças de Filipe IV a
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intervir em diversos teatros de guerra. Por fim, a partir de 1640, e
numa altura em que a Monarquia Hispânica estava a ser derrotada
em várias frentes militares e a ser desestabilizada por graves
revoltas internas, a prioridade terá sido a defesa da reputação.
Em síntese, até meados do século XVII predominou uma prática
diplomática muito marcada pelos dois principais projectos de poder
universal, ο Pontifício e ο dos Habsburgo espanhóis. Esta situação
fez com que a diplomacia do período compreendido entre 1550 e
1650 fosse modelada por um entendimento organicista do
conjunto formado pelas entidades políticas cristãs. Vigorava um
sistema de relações vertical e fortemente hierarquizado, pautado
por uma flagrante ausência de igualdade, dado que os estados
pequenos tinham de prestar vassalagem às autoridades que se
apresentavam como universais. Além disso, negava-se ο direito de
soberania a muitos estados pequenos, os quais foram objecto de
sistemáticas ingerências por parte dos poderes com intenções
imperiais, sem que tal tivesse sido denunciado ou criticado. Acresce
que as relações diplomáticas quase que se resumiram à resolução
de questões entre diferentes famílias reais, ou a negociações
preparatórias de uniões matrimoniais entre membros de diferentes
casas dinásticas. Por último, é importante sublinhar que a postura
de predomínio dos Habsburgo não significou que ο relacionamento
entre essa casa dinástica e os demais estados tenha sido
necessariamente tirânico ou autoritário. Estudos recentes
demonstraram que organizações políticas como a Monarquia
Hispânica ou os domínios dos Habsburgo austríacos se
assemelhavam bastante a uma confederação, pois garantiam às
partes que as compunham um grau muito acentuado de
autonomia. Além disso, tais organizações desenvolveram as suas
próprias formas de regulação, as quais, durante um considerável
periodo de tempo, se revelaram capazes de harmonizar as relações
entre os reinos e os territórios que integravam esses grandes
conglomerados políticos. No entanto, embora desfrutassem de
amplíssimas liberdades, os territórios que integravam a Monarquia
Hispânica viam negados alguns direitos que, com ο tempo, viriam a
ser considerados fundamentais: não podiam optar por sair desse
grande aglomerado político, nem podiam desenvolver contactos
exteriores sem a prévia autorização dos Habsburgo.
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Ο CONGRESSO DE VESTEFÁLIA. UM MOMENTO DE
VIRAGEM?
Os europeus acalentaram, durante muito tempo, ο ideal do poder
universal, revelando, até, alguma relutância em abdicar dele,
mesmo quando a Europa se viu mergulhada em conflitos intestinos.
A verdade é que, no século XVI, esse “sonho” estava já a dar sinais
de desgaste. A Reforma Protestante, mais do que qualquer outro
evento, representou um rude golpe nos projectos universalizantes,
abalando seriamente os propósitos católicos de unidade. A
Inglaterra e a França, e mais tarde as Províncias Unidas, tiraram
partido do enfraquecimento sofrido tanto pelo Papado como pelos
Habsburgo centro-europeus. Quanto à Monarquia Hispânica,
desde ο final de Quinhentos e até à década de 1640 viu-se
acossada em várias frentes bélicas, envolvendo-se numa série de
conflitos cuja intensidade se acentuou a partir da década de 1620,
altura em que a chamada «Guerra dos Trinta Anos» assumiu
proporções europeias. Retrospectivamente, podemos dizer
que ο século de Seiscentos acabou por ser marcado pelo grande
desafio que a Coroa francesa lançou à hegemonia dos Habsburgo.
Ao mesmo tempo que as forças hispânicas iam acumulando
derrotas militares, ο dispositivo agregatório que durante algumas
décadas conferira coesão à Monarquia Hispânica foi, aos poucos,
perdendo eficácia, e os conflitos sucederam-se no interior dos
domínios dos Habsburgo. Com ο eclipse do poderio espanhol, iam-
se afirmando outros projectos hegemónicos, como ο da casa real
de França e, mais tarde, ο de Inglaterra, embora nenhum deles
tenha chegado a alcançar ο poderio que caracterizara, nas décadas
anteriores, ο Monarca Hispânico. Na verdade, no vazio de poder
resultante da «Guerra dos Trinta Anos» nenhum potentado se
revelou suficientemente forte para alcançar a hegemonia, e tal
situação acabou por se revelar propícia ao aparecimento de uma
situação internacional caracterizada por um certo conceito de
equilíbrio. Significativo é também ο facto de, ao longo destes anos,
a própria postura dos embaixadores de Filipe IV ter começado a
mudar. A partir de 1641, e depois de sucessivas derrotas, a
prioridade da diplomacia hispânica foi a defesa da reputação da
Coroa dos Habsburgo espanhóis, ο que, segundo Ochoa Brun, terá
implicado uma incessante negociação, mas agora com uma
disposição nova, já que os embaixadores espanhóis desenvolveram
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um esforço inédito de conciliação com as entidades políticas
exteriores à Monarquia Hispânica.
A mudança estendeu-se a todos os sectores, e nem sequer ο Sumo
Pontífice foi poupado. Até aí assistira-se a sucessivas tentativas da
Santa Sé para condicionar as opções políticas dos vários príncipes
católicos, tanto mediante os Núncios e as Concordatas, como
através de expedientes punitivos como ο Interdite ou
a Excomunhão. Porém, a verdade é que, em pleno século XVII, esses
expedientes pontifícios estavam a tornar-se cada vez menos
eficazes. Ο protagonismo do Papado na cena europeia estava
claramente a diminuir, e ο que melhor simboliza esta viragem são
os termos em que assentaram quer a paz de Vestefália (1648), quer
a paz entre França e a Monarquia Hispânica (1659). A Santa Sé foi
praticamente marginalizada dos tratados resultantes dessas
negociações, ο que representou uma clara derrota para os seus
esforços de protagonismo e para ο seu empenho em desempenhar
um papel de mediação.
A prioridade passava agora por alcançar uma paz segura,
duradoura e mais ou menos digna para todas as partes. Procurava-
se criar um regime de relações que se caracterizasse por uma certa
complementaridade, à semelhança do que já se passava no interior
de cada reino. Falava-se, com cada vez maior insistência, em «paz
geral», expressão que, de resto, foi frequentemente utilizada pelos
diplomatas presentes em Münster e em Osnabrück em meados da
década de 1640. Sucederam-se as propostas de dispositivos de
segurança colectiva, começando-se a conceber a noção de
protecção das partes contratantes. Vislumbrou-se uma certa ideia
de “comunidade internacional”, uma comunidade que, de alguma
maneira, deveria estar baseada no direito positivo, e na preservação
da qual deveriam participar todos os membros dessa organização.
Podemos assim dizer que, desde meados de Seiscentos, a
generalidade dos reinos e das repúblicas se empenhou em alcançar
uma situação de paz na Europa, traduzindo-se tal empenho na
realizaçao de várias negociações multilaterais para calar as armas e
para que fossem firmados acordos. Foi precisamente nessa altura
que começou a estar em voga um novo procedimento diplomático:
a negociação multilateral, através dos congressos de paz. A partir
da terceira década de Seiscentos os congressos tornaram-se
eventos frequentes: um dos primeiros teve lugar em Colónia (1636),
realizando-se um outro em Regensburg (1640), e outro ainda em
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Passau (1644). Finalmente, a partir de 1643 teve lugar, nas cidades
de Münster e de Osnabrück, ο mais famoso destes eventos:
ο «congresso da paz geral». As negociações de Vestefália –
realizadas, como se sabe, entre 1643 e 1648 – acabam por ser ο
sinal visível de que ο campo das relações entre os diversos
potentados europeus estava a sofrer uma profunda mutação. Mais
do que iniciadores da mudança, os tratados firmados em Münster e
em Osnabrück, para além de terem posto fim à «Guerra dos Trinta
Anos», representam uma das faces mais notórias da emergência de
um outro entendimento das relações entre reis, princípes,
repúblicas e Papado. A esse novo entendimento do xadrez político
europeu os historiadores actuais costumam dar ο nome de
«equilíbrio do poder». Depois de séculos em que imperou uma
visão em que os aspectos mais salientes das relações externas eram
a hierarquia e a diferenciaçao qualitativa entre as várias autoridades
europeias, os líderes das diversas casas reais começaram a falar,
com crescente insistência, em igualdade, em «paz duradoura» e em
«equilíbrio do poder». Na mente dos chefes dos principais reinos
europeus que se opunham aos Habsburgo, esse «equilíbrio»
significava, no fundo, a convicção de que era necessário, e possível,
instaurar uma partição razoável e realista das forças em presença. É
certo que existia uma grande disparidade de opiniões face aos
congressos e face à negociação multilateral como forma de
concertação. Alguns princípes não esconderam a sua oposição face
a esses procedimentos diplomáticos. Além disso, importa ter em
conta que ο recurso a congressos para resolver conflitos era um
expediente mais próprio da Europa Central, sendo visto com
desconfiança pelos governantes das regiões mais ocidentais do
velho continente. Seja como for, ο facto de os congressos se terem
tornado cada vez mais frequentes é um indício evidente de que
estava em curso uma profunda mudança na cena internacional.
Eram eventos que, no fundo, tinham subjacente ο reconhecimento
do direito que assistia aos pequenos estados de existir e de
perseguir os seus próprios interesses, sem verem a sua soberania
violada pelos demais potentados. Estes valores estão na génese do
Congresso de Vestefália, ο qual, basicamente, visou substituir os
mecanismos reguladores da Monarquia Hispânica por um outro
dispositivo. Esse novo dispositivo regulador supunha, pelo menos
em teoria, ο reconhecimento da igualdade jurídica entre todos os
estados, grandes e pequenos. Heinz Duchhardt, especialista alemão
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nas negociações de Vestefália, recorda que por Münster e por
Osnabrück passaram delegações muito heterogéneas,
representando cento e quarenta e nove entidades políticas
extremamente diversas, caso das cidades alemãs (que se
esforçavam por obter a Reichsfreiheit ou Reichsstandschaft, ou seja,
uma autonomia alargada para as suas cidades); dos delegados da
Hansa; dos representantes de territórios em situação de rebelião
armada, como a Catalunha; ou, ainda, dos diplomatas de casas reais
em busca de reconhecimento, como a de Bragança ou a da
Transilvânia. Além disso, Vestefália representou, também, a relativa
consagração de uma série de importantes princípios: estabeleceu,
pelo menos no plano teórico, a igualdade de direitos no que toca à
crença religiosa; consagrou ο princípio da intervenção;
estatuiu ο direito de formar alianças de uma forma livre e
descomprometida; e, ainda mais importante, de Vestefália saiu uma
noção mais ou menos consensual de que era necessário erigir um
enquadramento normativo que regulasse, de forma pacífica e com
eficácia duradoura, as relações entre as diversas casas reais, as
várias repúblicas e a Santa Sé. Entre as principais características das
propostas de enquadramento entao debatidas destacava-se, como
vimos, ο seu caracter jurídico e positivo. Porém, porventura ainda
mais relevante era ο facto de muitas das entidades presentes na
Vestefália manifestarem a intenção de instaurar uma separação
mais ou menos clara entre a esfera normativa reguladora das
relações exteriores e aquilo que respeitava às questões religiosas.
Dito de outra forma, pretendia-se uma ordem internacional para a
qual as diferenças confessionais fossem irrelevantes.
UM NOVO ENTENDIMENTO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
Ao multissecular período marcado por relações hierárquicas e
verticais entre as autoridades dos diversos estados, sucedia assim
uma época propícia a uma relativa paridade. Esta mudança de
cenário teve imediatas repercussões no campo da diplomacia, pois
exigiu, da parte dos vários príncipes, um esforço diplomático muito
mais intenso e diversificado. Pouco tempo antes do congresso de
Vestefália, ο cardeal de Richelieu afirmara, numa das suas mais
famosas declarações, que a sua grande preocupação enquanto
governante era, cada vez mais, «négocier sans cesse, ouvertement
ou secrètement, en tous lieus...». Após 1648, esta máxima tornou-se
ainda mais acertada, e a fim de dar resposta a essa exigência as
várias casas reais não tardaram em desenvolver serviços de
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“relações exteriores” com maior capacidade de resposta. Importa
no entanto frisar que, apesar de tudo, a segunda metade do século
XVII é ainda muito marcada por projectos de domínio universal, ou
pelo menos de domínio bastante extensivo, projectos esses que
continuaram a ser animados, de um modo mais ou menos explícito,
por uma fundamentação religiosa ou por reivindicações legalistas.
Os antigos territórios do império de Carlos Magno, por exemplo,
serviram de argumente para a Coroa de França reivindicar ο direito
à soberania sobre certas regiões, levando a cabo a chamada
«politique des réunions». Registaram-se, portanto, muitas
continuidades, designadamente no que respeita às ânsias de
domínio universal, ο que significa que Vestefália não representou a
passagem súbita e imediata de um sistema hierárquico para um
regime paritário.
A este respeito, é importante dizer que a «Paz da Vestefália»
costuma ser objecto de alguma mistificação, exagerando-se,
frequentemente, ο seu impacto no campo das relações externas. Na
verdade, ao observarmos ο panorama europeu posterior a 1648
rapidamente verificamos que ο efeito da «paz geral», no que toca
aos princípios mais fundamentais, deixara bastante a
desejar: ο respeito pela soberania só pontualmente foi cumprido; a
noção de igualdade, apesar de tantas vezes proclamada, só em
raras ocasiões foi efectivamente aplicada; quanto à neutralidade
confessional, este princípio demorou muito tempo até ser
concretizado; por fim, da «Paz de Vestefália» não resultou nenhum
sistema eficaz de segurança colectiva. Em face disto, podemos dizer
que, mais do que um momento fundador, as negociações de
Münster e de Osnabrück foram sobretudo um sintoma de que algo
estava a mudar no campo das relações externas, uma mudança que,
em alguns aspectos, antecedeu mesmo ο Congresso da Vestefália. É
importante ter em conta que este novo entendimento da interacção
internacional, emergente em meados de Seiscentos, se insere no
movimento mais geral de centralização administrativa, um
movimento que teve lugar um pouco por toda parte. No essencial,
esse “impulso centralizador” traduziu-se no esforço para conferir
mais eficácia aos aparelhos administrativos, e tal foi realizado não
só através de reformas institucionais, mas também mediante a
utilização mais generalizada das relações contratuais. Por outras
palavras, ο contrato tornou-se no instrumento a que cada vez mais
se recorria para regular a interacção entre partes com interesses
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potencialmente conflituosos, recorrendo-se à força jurídica para
comprometer as partes e para as fazer cumprir as suas obrigações.
Este sistema, aplicado ao terreno dos negócios estrangeiros, previa
também a existência de um dispositivo jurídico para
vigiar ο cumprimento das condições contratuais, ο que era decisivo
para gerar confiança e previsibilidade às relações entre as diversas
entidades políticas. Vislumbrava-se, no fundo, ο aparecimento de
um determinado conceito de “sociedade internacional”, e a
pertença a essa “sociedade” supunha ο reconhecimento
e ο cumprimento de uma série de regras partilhadas. Como notou
Manuel Rivero, um outro sinal da valorização do contrato como
instrumento de regulação é ο aparecimento de numerosas
compilaçães de tratados, de que um dos primeiros exemplos é a
obra de Jean du Tillet, Recueil des guerres et traités de paix, de trêve,
d'alliance d'entre les roys de France jusqu'à Henry II (Paris, 1577-78).
Para além destas novas perspectivas sobre ο relacionamento entre
estados, um outro traço marcante da diplomacia do século XVII é a
postura de pragmatismo que caracteriza muitos dos que
protagonizam essa actividade. Isso mesmo é notório no campo da
arbitragem internacional. É bem sabido que os primeiros esforços
consistentes de arbitragem de conflitos entre casas reais remontam
ao século XV. Porém, foi realmente no período de Seiscentos que
tiveram lugar as iniciativas mais notórias e com maiores
implicações, tendo sido também nessa época que surgiram
algumas das mais marcantes propostas de organização
internacional, antes de mais da parte de franceses.
Ο texto Sages et Royales Oeconomies d'Estat (ca. 1617), da autoria
de Maximilien de Béthume, duque de Sully, aponta precisamente
nesse sentido. Nesse texto, Sully propõe um dispositivo jurídico de
organização das relações entre os diversos estados, e a finalidade
confessa desta e de várias outras propostas coetâneas era construir
uma determinada ordem que permitisse não só alcançar a paz, mas
também mantê-la durante um período longo. Além de um
entendimento tendencialmente paritário das relações entre os
príncipes, estas propostas implicavam, também, ο redesenho dos
limites territoriais dos diversos estados, com ο intuito de conferir
mais estabilidade a certas regiões europeias caracterizadas por
disputas fronteiriças endémicas.
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Um dos sectores onde a regulação se revelava mais urgente era a
interacção nos mares, e foi precisamente Hugo Grócio quem
deu ο mais decisivo impulso àquilo que mais tarde viria a ser
conhecido por «Direito do Mar». Até essa data, a Santa Sé, através
das Bulas, ia introduzindo alguma ordem nas relações marítimas
entre os diversos reinos cristãos, concedendo direitos de ocupação
e estabelecendo regimes de exclusividade. Estes, por sua vez,
costumavam estabelecer acordos e tratados entre si,
como ο famoso Tratado de Tordesilhas, de 1494, ou ο Tratado de
Saragoça, de 1529. Todavia, a eficácia desses pactos deixou muito a
desejar, tendo sido no Atlântico que se fez sentir, de um modo mais
premente, a necessidade de outro tipo de regulamentação, devido
à proliferação da pirataria e do corso. A obra de Hugo Grócio visou
precisamente dar resposta a estas necessidades. Em livros
como Mare Liberum ou De jure belli ac pacis, este último datado de
1625, H. Grócio retomou diversos problemas já discutidos
anteriormente, como a justeza da guerra ou os direitos dos
embaixadores, sublinhando, entre outros aspectos, que ο direito
não cessava em situações de conflito militar.
Ο DESENVOLVIMENTO DO DISPOSITIVO INSTITUCIONAL
DA DIPLOMACIA
Na segunda metade de Seiscentos ο esforço de centralização
atingiu todos os sectores da administração régia, reflectindo-se,
muito em especial, no modo como as missões diplomáticas eram
organizadas. Até esse período a diplomacia costumava confundir-se
com grandes missões de ostentação, e muitos dos contactos
acabavam por ter muito pouco a ver com a negociação
propriamente dita. Contudo, a partir do último quartel do século
XVII as embaixadas de aparato foram aos poucos substituídas por
comitivas mais modestas, menos dispendiosas e mais
“profissionais”. A embaixada “circular”, que costumava efectuar um
'tour' por diversos locais, tendeu também a ser substituída por
embaixadas residentes. Quanto aos juramentos de fidelidade dos
embaixadores, eivados de ressonâncias religiosas, começaram
também a desaparecer, e em vez deles surgiram «Instruções» e
compromissos de prestação de serviços, os quais fixavam, de um
modo mais objectivo e claro, as obrigações do diplomata. A
imunidade dos servidores diplomáticos face à jurisdição do local
onde se encontravam, por sua vez, foi adquirindo contornos mais
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estáveis e delimitados, e deste modo ο serviço diplomático ganhou
um perfil mais nítido e uma vocação negocial mais vincada. Como
começámos por assinalar, ο aperfeiçoamento do dispositivo
diplomático esteve quase sempre ligado a projectos de
concentração do poder nas mãos do rei. Ao reforço da autoridade
no plano interno correspondeu habitualmente a busca de
reconhecimento no plano internacional. Aliás, não por acaso, foi
também nessa altura que surgiram, um pouco por toda a Europa, as
primeiras “juntas de negócios estrangeiros” com capacidade e
vocação para fazer face ao rápido crescimento do volume dos
assuntos que era necessário despachar. Este desenvolvimento
institucional intensificou-se ao longo do século XVII, especialmente
na França de Luís XIV, embora seja notório, um pouco por toda a
parte, ο incremento do profissionalismo e a afirmação da noção de
que a diplomacia era um ofício distinto e específico. Ο mapa dos
representantes diplomáticos, por seu turno, alargou-se
drasticamente, estendendo-se a todos os continentes, registando-
se igualmente um alargamento das questões negociadas e do leque
de países intervenientes na cena internacional, sobretudo com a
ascensão da Prússia e da Rússia. Quanto aos assuntos
debatidos, ο comércio era, cada vez mais, a matéria que
dominava as negociações. Eram tempos em que as chamadas
«doutrinas mercantilistas» reuniam muitos adeptos, e em que a
principal prioridade era a acumulação de riqueza, através da
manutenção de um volume de exportações superior ao das
importações. Nesse contexto, muitos diplomatas converteram-
se em agentes transmissores de reivindicações comerciais. E
para além deste alargamento de incumbências, a diplomacia foi
apresentando uma especialização mais acentuada, comprovada
pelo surgimento dos primeiros «adidos militares» e «adidos
navais». A tipologia dos enviados também foi assumindo
contornos mais claros, e a distinção entre «embaixador
residente» e «embaixador extraordinário» tornou-se mais
nítida. Quanto à palavra «plenipotenciário», no século XVIII, tendeu
a ser menos usada. A par do aperfeiçoamento institucional,
registaram-se outros desenvolvimentos, como foi ο caso da
institucionalização do sistema de pagamento dos diplomatas.
Um outro aspecto revelador do desenvolvimento institucional do
sector da diplomacia relaciona-se com a preparação daqueles que
iam protagonizar as negociações no exterior. De facto, foi no início
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de Setecentos que surgiram as primeiras instituições
especificamente vocacionadas para ο ensino da arte da diplomacia.
Até aí a técnica negocial era um saber adquirido fundamentalmente
através da prática e da experiência. Contudo, por iniciativa de
figuras como ο marquês de Torcy, a diplomacia ganhou um perfil
teórico mais marcado. Torcy criou, em 1712, uma academia política
especificamente vocacionada para a formação de diplomatas, a
qual, apesar de ter sido uma experiência efémera e com pouca
continuidade - foi abolida em 1721 -, acabou por ficar para a
posteridade como a primeira instituição com esta vocação. Durante
os anos que se seguiram apareceram novas propostas educativas
para diplomatas: em Inglaterra foi criada, em 1724, uma cadeira de
«história moderna» em Oxford e uma outra em Cambridge, ambas
especificamente destinadas àqueles que iriam servir no estrangeiro;
em 1747 foi a vez de Frederico II da Prússia fundar um «Seminário
de Embaixadores», ο qual, à semelhança dos seus antecessores,
também teve uma existência bastante efémera. Não obstante,
aquilo que sem dúvida marcou esta época foi ο aparecimento de
orgãos de coordenação da actividade diplomatica dotados de uma
especificidade muito mais nítida. Um pouco por toda a Europa,
entre meados do século XVII e os inícios de Setecentos, surgiram os
primeiros “gabinetes de negócios estrangeiros” destinados a fazer
face ao rápido crescimento dos assuntos que era premente
despachar. Importa não esquecer que, até essa data, as questões
ligadas às relações exteriores eram resolvidas e despachadas por
órgãos sem um perfil específico. Na Monarquia Hispânica de finais
de Quinhentos, por exemplo, e segundo Miguel Angel Ochoa Brun,
os secretários do rei eram os principais executores da política
externa da casa real, sem que às relações externas correspondesse
um ramo específico e separado da acção governativa. Foi apenas
sob Filipe II que a figura do Secretário de Estado começou a surgir
mais claramente autonomizada, assumindo um papel de
coordenação de uma série de matérias governativas, entre as quais
figuravam as questões diplomáticas. Porém, ο aparecimento de
órgãos verdadeiramente especializados em assuntos externos, no
quadro das várias «secretarias de estado» europeias, só iria ocorrer
bem mais tarde. Foi apenas na segunda metade de Seiscentos que,
um pouco por todo ο lado, começaram a ser criadas as «Secretarias
de Negócios Estrangeiros e de Guerra» – a designação dada ao
órgão que foi criado em Portugal, corria ο ano de 1736, uma data
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tardia, já que, pela mesma altura, a maioria dos reinos da Europa
Ocidental possuía, desde há muito, estruturas análogas. No fundo, a
criação de secretarias especializadas em relações externas
era ο corolário do atrás citado processo de reorganização do
dispositivo diplomático. A sua principal finalidade consistia em
tornar esse serviço mais ágil, mais permanente e submetido a uma
direcção política mais clara. Trata-se de um processo que se insere
numa tendência europeia e que, como referimos, é inseparavel do
sistema surgido na sequência da paz de Vestefália. Na segunda
metade de Seiscentos, com ο desenvolvimento das relações
externas numa base tendencialmente mais paritária, registou-se um
claro alargamento da esfera de intervenção da diplomacia. Em
França, por exemplo, os efectivos do corpo diplomático
conheceram um grande crescimento, sobretudo durante ο
consulado do Cardeal Mazarin, ao mesmo tempo que se
incrementou ο controlo político sobre a política externa, agora
monopolizada pelos principals ministros régios. As mudanças
introduzidas na gestão da correspondência diplomática confirmam
esta impressão de que a diplomacia estava a adquirir uma maior
especificidade. Caminhava-se para um entendimento mais
“burocrático” do serviço diplomático, e, nesse sentido, as
autoridades régias preocuparam-se também em formar os
primeiros arquivos de correspondência diplomática, arquivos esses
que se revelavam cada vez mais indispensáveis enquanto suporte
de trabalho para a secretaria dos assuntos exteriores. Desde
meados de Seiscentos que se assiste à criação de colecções
documentais especificamente ligadas à actividade diplomática,
tendo em vista dar apoio à acção dos enviados ao estrangeiro. As
colecções de correspondência eram como que uma “memória” que
apoiava as iniciativas governativas, e ο próprio intercâmbio de
cartas, entre embaixadores e enviados, começou a obedecer a
normas rigorosas. Não exageramos se dissermos que a troca de
missivas possuía uma importância verdadeiramente estratégica,
pois era por essa via que se obtinha informação. Terá sido
isso ο que motivou ο aparecimento de directivas precisas quanto à
obrigação dos embaixadores de deixarem «memórias» da corte
onde se encontravam, as quais se destinavam aos seus sucessores
nesse posto.
Quanto aos desígnios imperiais, a verdade é que à ancestral
ingerência dos Habsburgo e da Santa Sé sucedeu uma política de
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ingerência – menos impositiva, é certo – de reinos como a França
ou a Inglaterra. No que toca à identidade “profissional” do
diplomata, cumpre ter em conta que ela não deixou de apresentar,
de um momento para ο outro, os contornos fluidos que desde há
muito a caracterizavam. A espionagem, por exemplo, continuou a
fazer parte do dia-a-dia do diplomata - ou pelo menos dos agentes
pagos por ele -, até porque uma das principais incumbências de um
embaixador residente era a recolha de informação. Em muitos casos
os diplomatas mantiveram ο hábito de recorrer a meios ilícitos para
obter e para enviar essa informação, apesar de, com ο tempo, e já
no final de Seiscentos, se notar uma preocupação pela «boa fé»,
pela honestidade e pela adopção de procedimentos correctos.
Ο RECRUTAMENTO DO PESSOAL DIPLOMÁTICO: ENTRE
A FIDELITAS E Ο CONTRATO
Em princípio, a escolha e a nomeação dos embaixadores era uma
atribuição que pertencia, em exclusivo, ao rei. Contudo, de uma
forma geral ο processo de selecção acabava por ser complexo, pois
era sempre fortemente condicionado pelas diversas sensibilidades e
facções existentes nas cortes régias. No que toca ao recrutamento
para a diplomacia é possível identificar um aspecto comum a toda a
Europa Ocidental: a partir de meados de Quinhentos os diversos
monarcas recorreram sistematicamente às principais figuras da
aristocracia para preencher os postos de embaixador. Era opinião
bastante consensual que a diplomacia constituía ο terreno por
excelência dos grandes aristocratas, razão pela qual os monarcas
não tinham outra alternativa a não ser escolher os seus
embaixadores quase que exclusivamente entre a grande nobreza.
Porém, cumpre não esquecer que, do ponto de vista da Coroa, a
escolha de aristocratas tinha algumas vantagens, antes de mais,
porque se confiava na natural autoridade moral dos membros da
nobreza. Depois, porque se esperava que esses dignitários
pagassem, do seu bolso, parte dos custos da missão. A escolha de
nobres abonados constituia afinal uma forma de financiar a
embaixada e de fazer face às grandes despesas que as missões
normalmente envolviam. É importante frisar, por outra lado, que
alguns desses diplomatas de nobre estirpe podiam ser do sexo
feminino. No quadro das relações entre famílias régias, varias
mulheres tiveram um forte protagonismo, e as princesas da casa de
Habsburgo, mais do que quaisquer outras, revelaram uma especial
apetência por essas tarefas. Na verdade, tanto a rainha Catarina de
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Áustria – mulher de D. João III de Portugal – como a princesa D.
Joana – irmã de Filipe II e esposa do príncipe D. João de Portugal –
foram interlocutoras muito activas nas relações diplomáticas da
Coroa portuguesa de meados de Quinhentos. A opção por
aristocratas para servir na diplomacia relacionava-se, também,
com ο que era exigido àqueles que partiam em missões: saber
comportar-se e adaptar-se a cortes estrangeiras, bem como
representar condignamente ο seu senhor. À excepção daquilo que
era implícito ao estilo de vida aristocrático - e cuja aprendizagem
ocorria, fundamentalmente, durante a infância, no ambiente
doméstico das casas nobres -, até ao início do século XVIII não
encontramos praticamente nenhuma disposição específica relativa à
preparação teórica do diplomata. Como vimos, até bastante tarde
não existiram nem escolas nem centros de formação especializados
no treino de diplomatas. Em vez disso, todos consideravam que a
melhor escola era, por um lado, a formação recebida no seio da
casa aristocrática e, por outra, a iniciação numa missão diplomática.
Compreende-se assim porque é tão frequente encontrar jovens
nobres integrados na «família» do embaixador. E a verdade é que
muitos dos aristocratas que melhor serviram como diplomatas
iniciaram a sua carreira precisamente como acompanhantes ou
como membros da comitiva de um embaixador. Por todos estes
motivos, no período compreendido entre ο final de Quatrocentos
e ο início do século XVIII ο topo do universo diplomático
caracterizou-se por uma clara dominância aristocrática. Nos anos
que se seguiram a conexão entre diplomacia e estatuto
nobiliárquico continuou a ser forte, ao ponto de esse tema se
converter num topos da literatura que discorria sobre ο perfil do
perfeito embaixador. É claro que esta situação de predomínio
aristocrático no terreno da diplomacia se relaciona também
com ο processo de curialização da nobreza a que fizemos alusão no
início deste texto. Referimos que, um pouco por toda a parte, a
grande nobreza se agrupou em torno das cortes régias,
monopolizando os principais postos de governo, entre eles os
cargos de embaixador. Para os chefes das casas
aristocráticas, ο serviço diplomático, tal como ο serviço militar, era
algo de dignificante e honorífico, para além de ser uma importante
fonte de proveitos materiais, através das mercês concedidas pelo
rei como recompensa pelos bons serviços recebidos.
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1.3.3. SISTEMA FRANCÊS (SÉCULOS XVII E XIII), FRANCISCO I
(REI DE FRANÇA), RICHELIEU (1626) POTÊNCIA DA
DIPLOMACIA PESSOAL.
Francisco I (Cognac, 12 de setembro de 1494 – Rambouillet, 31 de
março de 1547), também conhecido como "Rei-Cavaleiro", "Pai e
Restaurador das Cartas" e "o de Nariz Comprido", foi o Rei da
França de 1515 até sua morte. Era filho de Carlos d'Orléans, Conde
de Angolema, e Luísa de Saboia. Ele sucedeu seu primo e sogro Luís
XII, que morreu sem deixar herdeiros. Prodigioso patrono das artes,
ele iniciou o Renascimento francês, atraindo muitos artistas
italianos para trabalhar para ele, incluindo Leonardo da Vinci, que
trouxe a Monalisa com ele, adquirida por Francisco. O reinado de
Francisco viu importantes mudanças culturais com a ascensão
da monarquia absoluta na França, a expansão do humanismo e
do protestantismo e o início da exploração francesa do Novo
Mundo. Jacques Cartier e outros reivindicaram terras nas Américas
para a França e abriram o caminho para a expansão do primeiro
império colonial francês. Por seu papel no desenvolvimento e
promoção de uma língua francesa padronizada, ele ficou conhecido
como o "Pai e Restaurador de Letras". Ele também era conhecido
como "Rei-Cavaleiro", por seu envolvimento pessoal nas guerras
contra seu grande rival imperador Carlos V, que também era rei da
Espanha. Seguindo a política de seus antecessores, Francisco
continuou as guerras italianas. A sucessão de Carlos V
à Holanda da Borgonha, o trono da Espanha e sua subsequente
eleição como Sacro Imperador Romano significaram que a França
estava geograficamente cercada pela monarquia dos Habsburgos.
Em sua luta contra a hegemonia imperial, ele procurou o apoio
de Henrique VIII de Inglaterra no Campo do Pano de Ouro. Quando
isso não deu certo, ele formou uma aliança franco-otomana com o
sultão muçulmano Solimão, o Magnífico, um movimento
controverso para um rei cristão na época. Deixou poemas
interessantes que os críticos consideram medíocres. Seu túmulo e
o de sua esposa, a rainha Cláudia (que deixou batizada uma espécie
de ameixa verde que muito apreciava), em Saint-Denis, foram
desenhados por Philibert Delorme e realizados por Pierre
Bontempos.
INÍCIO DA VIDA E ADESÃO
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Francisco de Orleães nasceu em 12 de setembro de 1494 no
Castelo de Cognac, na cidade de Cognac, que naquela época ficava
na província de Saintonge, parte do Ducado da Aquitânia. Hoje a
cidade fica no departamento de Carântono. Francisco era o único
filho de Carlos de Orleães-Angolema, e Luísa de Saboia, Duquesa
de Némours e bisneto do rei Carlos V de França. Não se esperava
que sua família herdasse o trono, pois seu primo em terceiro grau,
rei Carlos VIII, ainda era jovem na época de seu nascimento, assim
como o primo de seu pai, o Duque de Orleães, mais tarde rei Luís
XII. No entanto, Carlos VIII morreu sem filhos em 1498 e foi
sucedido por Luís XII, que não possuía herdeiro masculino. A lei
sálica impedia as mulheres de herdar o trono. Portanto, Francisco,
de quatro anos de idade (que já era conde de Angolema após a
morte de seu próprio pai, dois anos antes) tornou-se o herdeiro
presuntivo do trono da França em 1498 e foi investido com o título
de duque de Valois. Em 1505, Luís XII, tendo adoecido, ordenou
que sua filha Cláudia e Francisco se casassem imediatamente, mas
somente através de uma assembléia de nobres os dois estavam
noivos. Cláudia era herdeira do Ducado da Bretanha por meio de
sua mãe, Ana, Duquesa da Bretanha. Após a morte de Ana, o
casamento ocorreu em 18 de maio de 1514. Em 1 de
janeiro de 1515, Luís XII morreu e Francisco herdou o trono. Ele foi
coroado rei da França na Catedral de Reims em 25 de
janeiro de 1515, com Cláudia como sua rainha consorte.
REINADO
Enquanto Francisco recebia sua educação, as ideias emergentes
do Renascimento italiano tiveram influência na França. Alguns de
seus tutores, como François Desmoulins de Rochefort (seu instrutor
de latim, que mais tarde durante o reinado de Francisco foi
nomeado Grande Aumônier da França) e Christophe de Longueil
(um humanista brabantiano), foram atraídos por essas novas formas
de pensar e tentar influenciar Francisco. Sua formação acadêmica
era em aritmética, geografia, gramática, história, leitura,
ortografia e escrita, e ele se tornou proficiente em hebraico,
italiano, latim e espanhol. Francisco veio aprender cavalheirismo,
dança e música e adorava arco e flecha, falcoaria, cavalgadas,
caça, justas, tênis e luta livre. Ele acabou lendo filosofia e teologia e
ficou fascinado com a arte, literatura, poesia e ciência. Sua mãe, que
tinha grande admiração pela arte renascentista italiana, passou esse
interesse para o filho. Embora Francisco não tenha recebido
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educação humanista, ele foi mais influenciado pelo humanismo do
que qualquer rei francês anterior.
PATRONO DAS ARTES
Francisco I recebendo o último suspiro de Leonardo da
Vinci em 1519, de Ingres, pintado em 1818. Quando ascendeu ao
trono em 1515, o Renascimento havia chegado à França e Francisco
tornou-se um patrono entusiasta das artes. No momento de sua
adesão, os palácios reais da França eram ornamentados com
apenas uma variedade de grandes pinturas, e nenhuma escultura,
antiga ou moderna. Durante o reinado de Francisco, foi iniciada a
magnífica coleção de arte dos reis franceses, que ainda pode ser
vista no Palácio do Louvre. Francisco apadrinhava muitos grandes
artistas de sua época, incluindo Andrea del Sarto e Leonardo da
Vinci; o último dos quais foi persuadido a fazer da França sua casa
durante seus últimos anos. Enquanto Da Vinci pintou muito pouco
durante seus anos na França, ele trouxe muitas de suas maiores
obras, incluindo a Monalisa (conhecida na França como La Joconde),
e estas permaneceram na França após sua morte. Outros grandes
artistas a receber o patrocínio de Francisco incluem o ourives
Benvenuto Cellini e os pintores Rosso Fiorentino, Giulio Romano
e Primaticcio, todos eles empregados na decoração dos vários
palácios de Francisco. Ele também convidou o notável
arquiteto Sebastiano Serlio (1475–1554), que desfrutou de uma
frutuosa carreira no final da França. Francisco também encomendou
vários agentes na Itália para adquirir notáveis obras de arte e enviá-
las para a França.
POLÍTICA EXTERNA
Sua vitória na batalha de Marignano (1515) sobre os suíços que
defendiam Maximiliano Sforza fez sua fama na Itália, pois tomou
o Ducado de Milão. Aproveitou-se disso na entrevista de Bologna, e
teve sucesso no que seus predecessores Carlos VII e Luís XI tinham
tentado: impor ao papa Leão X por concordata (Concordata de
Bolonha) de organização da igreja francesa, que perduraria até
a Revolução Francesa. A morte de Maximiliano I em 1519 o levou a
disputar a coroa imperial com Carlos de Áustria, rei da Espanha
como Carlos I de Espanha, que o derrotou e se tornou imperador
como Carlos V. Não conseguiu assim se tornar imperador alemão.
Rodeado no sul, nordeste e leste pelos domínios de Carlos V,
Francisco I, depois de sua entrevista no Campo do Tecido de Ouro
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com Henrique VIII (1520) iniciou sua luta contra a Casa d’Austria,
prolongada, com tréguas ocasionais, até 1576. Teve quatro guerras
sucessivas contra Carlos V: a primeira, famosa pelos feitos e morte
de Pierre Terrail, mais conhecido como Bayard, o cavaleiro sem
medo nem defeito ("chevalier sans peur et sans reproche") a traição
do Condestável de Bourbon, a derrota em Pavia (1525) capturado
pelo soldado espanhol Blasco de Barnuevo mantido em cativeiro,
terminou pelo Tratado de Madrid (1526), pelo qual cedeu a
Borgonha. A segunda, necessária pela recusa dos deputados da
Borgonha em se tornarem súditos do Imperador, ficou marcada
pela aliança entre Francisco I e os príncipes italianos (entre eles o
papa Clemente VII (Liga de Cognac, 1526), provocou o saque de
Roma pelas tropas imperiais comandadas pelo Condestável de
Bourbon (1527) e terminou com a Paz de Cambrai (1529), na
verdade mais uma trégua. Francisco I foi feito prisioneiro em 24 de
Fevereiro de 1525 em Pavia e permaneceu preso até 1526.
Francisco e Carlos V firmaram o Tratado de Madrid em 14 de
Janeiro de 1526 Em troca da sua liberdade, Francisco renunciou a
qualquer pretensão sobre a Itália e comprometeu-se a renunciar ao
Artois, Flandres e a Borgonha. Assim que voltou para a França, o rei
esqueceu as promessas e recomeçou a guerra antes de ceder a uma
paz outra vez negociada. Para os reis do Renascimento, a razão de
Estado tinha primazia sobre a moral cristã. Francisco I e Carlos V do
Sacro Império Romano-Germânico, fizeram a paz na Trégua de
Nice em 1538. Francisco realmente se recusou a encontrar Carlos
pessoalmente, e o tratado foi assinado em salas separadas. Na Paz
de Crépy, em 1544, após quatro anos de guerra sem vitórias,
renunciou a Milão, que permaneceu dentro do Sacro Império
Germânico, de Nápoles e da Borgonha. Sua luta contra os
Habsburgos, ou seja, a Casa da Áustria, fez dele o aliado da Santa
Sé sob o papa Clemente VII, com cuja sobrinha-neta (Catarina de
Médicis) casou seu filho Henrique, futuro Henrique II. Mas não
conseguiu que o papa concedesse o divórcio solicitado
por Henrique VIII da Inglaterra. Impelido sempre pelo desejo de
ameaçar Carlos V nas fronteiras e até no interior de seus domínios,
enviou agentes à Alemanha, que fomentaram anarquia política e
religiosa e favoreceram a ascendência política dos príncipes
protestantes. Sua política, quanto a isso, era contrária a seus
interesses como católico e mesmo contra os da Cristandade pois,
depois de ter em 1522 e 1523 enviado Antonio Rincon ao Rei da
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Polônia e ao Voivode da Transilvânia, para encarecer deles ameaçar
Carlos V na fronteira oriental de seu império, Francisco desejou usar
os turcos contra o Imperador! Antes mesmo de negociar a aliança
já havia rumores na Alemanha que o faziam responsável pelas
vitórias dos muçulmanos em Belgrado e em Rodes. Francisco I
começou a negociar com o sultão Solimão em 1526 por meio de
seu agente Frangipani, e em 1528 por meio de Antonio Rincon. O
avanço dos turcos pela Europa central entre 1528 e 1532 fez mal a
sua reputação. Conseguiu então a ajuda dos turcos contra Carlos V
na península italiana e no Mediterrâneo ocidental. A seguir,
negociou com Barba Ruiva (1533-34), naquela época pirata e dono
de toda a África do Norte. Em 1535 seu embaixador Jean de la
Forest foi mandado a Barbarossa para tratar de uma campanha
contra os Genoveses, e ao sultão, para negociar sua aliança de
maneira a manter o balanço europeu de poder. A partir das
negociações de Jean de la Forest a França abandonou sua idéia
medieval da cristandade e por outro lado a proteção que dava aos
cristãos no Oriente. A terceira guerra, em que Francisco entrou
depois de reorganizar um exercito permanente, quando Carlos V
fazia expedição contra Túnis, foi marcada pela entrada de tropas
francesas na Saboia e tropas imperiais na Provença (1536); terminou
graças à mediação do Papa Paulo III resultando no Tratado de
Aigues-Mortes. A quarta guerra, pelas ambições de Francisco I em
Milão, ficou marcada pela aliança Carlos V-Henrique VIII, pela
vitória francesa de Ceresole (1544), e findou pelos Tratados de
Crespy e Ardres (1544 e 1546).
POLÍTICA INTERNA
Seu reinado teve medidas destinadas a estabelecer na França o
predomínio do poder real. Tentou por todos os modos, mesmo por
tribunais de exceção, destruir entre os nobres, tanto bispos quanto
senhores, o espírito de independência. A fórmula dos editos reais,
"car tel est notre bon plaisir" (por ser esta minha vontade) data de
seu reino. Na noite de 18 de outubro de 1534, protestantes
pregaram proclamações contra a missa até na própria porta do
quarto do rei no castelo de Amboise. Francisco até então tinha
mostrado muita abertura de espírito, sem hesitar a se aliar com os
protestantes da Alemanha ou o sultão. Em represália contra o que
ficou chamado «affaire des placards», ordenou a caça aos heréticos.
Depois de anos de trégua, a intolerância religiosa recomeçaria. Em
abril de 1545, Francisco I consentiu no massacre de três mil pessoas
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(os «Vaudois») estabelecidos nas montanhas do Lubéron, no sul da
França. Uma vintena de aldeias serão devastadas pela soldadesca
do senhor de Oppède. Tal feito ensombrece seus últimos anos, e o
rei morreria dois anos depois com remorsos por tal decisão. Estes
«vaudois» eram seguidores de um certo Pedro Valdo, que pregava
em Lyon no século XII, sendo excomungado em 1182. Como
os cátaros da região de Toulouse ou os Patarinos italianos ence
também como S. Francisco de Assis, denunciavam com vigor a
decadência moral do alto clero e reivindicavam uma igreja mais
próxima das virtudes evangélicas da caridade e da pobreza. Após o
massacre do Lubéron, os últimos «vaudois» se uniram à Reforma
protestante. Assim, vivendo na era da Reforma Protestante,
Francisco I combateu sua propagação. O que não o impediu de
apoiar os soberanos protestantes alemães (pois precisava deles na
guerra contra Carlos V de Habsburgo).
MORTE
Francisco morreu no Castelo de Rambouillet em 31 de
março de 1547, no aniversário de 28 anos de seu filho e sucessor.
Dizem que "ele morreu reclamando do peso de uma coroa que ele
havia percebido como um presente de Deus". Ele foi enterrado com
sua primeira esposa, Cláudia, Duquesa da Bretanha, na Basílica de
Saint-Denis. Ele foi sucedido por seu filho, Henrique II. A tumba de
Francisco e a de sua esposa e mãe, juntamente com as tumbas de outros
reis franceses e membros da família real, foram profanadas em 20 de
outubro de 1793 durante o Reino do Terror, no auge da Revolução
Francesa.
CASAMENTOS E DESCENDÊNCIA
Em 18 de maio de 1514, Francisco se casou com sua prima em segundo
grau, Cláudia, filha do rei Luís XII de França e de Ana, Duquesa da
Bretanha. O casal teve sete filhos:
1. Luísa de Valois (19 de Agosto de 1515 - 21 de
Setembro de 1517), morreu na infância;
2. Carlota de Valois (23 de Outubro de 1516 - 8 de
Setembro de 1524), morreu na infância;
3. Francisco, Delfim da França (28 de Fevereiro de 1518 - 10 de
Agosto de 1536), nunca se casou e nem teve filhos;
4. Henrique II de França (31 de Março de 1519 - 10 de
Julho de 1559), casou-se com Catarina de Médici, com
descendência;
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5. Madalena de Valois (10 de Agosto de 1520 - 27 de
Julho de 1537), casou-se com Jaime V da Escócia, sem
descendência;
6. Carlos II, Duque de Orleães (22 de janeiro de 1522 - 14 de
setembro de 1545), nunca se casou e nem teve filhos;
7. Margarida, Duquesa de Berry (5 de Junho de 1523 - 14 de
Setembro de 1574), casou-se com Emanuel Felisberto de
Saboia, com descendência.
Em 7 de julho de 1530, Francisco I casou-se com sua segunda
esposa Leonor da Áustria, irmã do imperador Carlos V. O casal não teve
filhos. Durante seu reinado, Francisco manteve duas amantes oficiais na
corte. A primeira foi Françoise de Foix, condessa de Châteaubriant.
Em 1526, ela foi substituída pela Anne de Pisseleu d'Heilly, de cabelos
loiros e culta, duquesa de Étampes que, com a morte da rainha Cláudia,
dois anos antes, exercia muito mais poder político na corte do que seu
antecessor. Outra de suas amantes anteriores foi Maria Bolena, amante
do rei Henrique VIII e irmã da futura esposa de Henrique, Ana Bolena.
Francisco teve um filho ilegitimo chamado Nicolas d'Estouteville (1545-
1567), do caso que teve com Louise Mistresson La Rieux, uma senhora
pertencente à alta nobreza e acrescenta que ele é o único bastardo de
quase certo do rei.
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a escola de gramática do Cardeal em Ipswich (agora conhecida
como Escola Ipswich) e para a Universidade de Oxford. Em
1529, Henrique VIII convocou o Parlamento com a finalidade de
obter o divórcio de Catarina de Aragão, tendo sido aprovada
a Reforma do Parlamento. Em 1530 ou 1531, Cromwell foi
apontado como o Conselheiro Real para os assuntos parlamentares
e por volta do final de 1531 tornou-se um membro do círculo de
proximidade e confiança do rei. Cromwell tornou-se primeiro-
ministro do rei em 1532, não por meios formais, mas por ter
conquistado a sua confiança.
PRIMEIRO-MINISTRO DO REI
Cromwell teve uma grande participação na Reforma Inglesa. As
sessões parlamentares de 1529-1531 trouxeram Henrique VIII mais
próximo da anulação de seu casamento. Entretanto, a sessão de
1532 — Cromwell, como primeiro-ministro — anunciava uma
mudança de curso: as principais fontes de renda papal foram
cortadas e a legislação eclesiástica foi transferida para o Rei. A
sessão do ano seguinte trouxe a lei fundamental para a Reforma
Inglesa: a Lei de Restrição de Apelações, de 1533, que vedava as
apelações a Roma (permitindo assim o divórcio na Inglaterra sem a
necessidade da permissão do Papa).
REDIGIDO POR CROMWELL:
Quando, por seguidores de diversas histórias e crónicas velhas e
autênticas, é manifestamente declarado e expressado que este
Reino é um Império, e assim tem sido aceite em todo o mundo,
governado por um Chefe Supremo (da Igreja) e Rei tendo a
dignidade e o real estatuto de Coroa Imperial do mesmo, a quem
um corpo político compacto de todos os tipos e classes de
cidadãos divividos em termos e por nomes de Lords
Spiritual e Lords Temporal, sejam sagrados e devam suportar ao
lado de Deus uma obediência natural e humilde. Quando Cromwell
usa o rótulo "Império" para Inglaterra, ele usa em termo figurativo.
Monarcas ingleses anteriores declararam-se Imperadores por
mandarem em mais de um reino, mas nesta Lei ele fala num outro
sentido. O Reino da Inglaterra é declarado Império por si só, livre
da "autoridade de qualquer potentado estrangeiro". Isso significa
que a Inglaterra era agora um Estado-Nação soberana e
independente, não mais sob a jurisdição do Papa. Cromwell foi o
mais proeminente dos que aconselharam Henrique VIII para que
fizesse por si só a Igreja Inglesa, e fez aprovar as Leis de
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Supremacia, de 1534, pelo Parlamento. Em 1535, Henrique VIII
apontou Cromwell como seu último "Legatário Espíritual". Isto deu-
lhe poderes para atuar como supremo julgador em casos
eclesiásticos e escritoriais como uma única instituição pelas
duas províncias da Igreja Inglesa (Cantuária e Iorque). Como vigário
geral de Henrique VIII, ele presidiu a dissolução dos mosteiros, a
qual começou com sua visita, anunciado em 1535 e iniciado no
inverno de 1536. Ele foi consagrado Barão Cromwell em 9 de julho
de 1536 e Duque de Essex em 18 de abril 1540. Ele também foi o
arquitecto das Leis no País de Gales 1535-1542, que uniu
a Inglaterra e o País de Gales. Cromwell também se tornou patrono
de um grupo de intelectuais ingleses humanistas, que promoviam
a Reforma Inglesa através de panfletagem. O grupo incluía Thomas
Gibson, William Marshall, Richard Morrison, John Rastell, Thomas
Starkey, Richard Taverner e John Uvedale. Cromwell apontou
Marshall para traduzir e imprimir a Defensor pacis de Marsílio de
Pádua, a quem ele pagava £20.
QUEDA
Cromwell apoiou Henrique VIII no casamento com Ana Bolena e
também em sua substituição por Joana Seymour, pois temia a sua
queda pelas mãos dos Bolena, com quem tinha desavenças acerca
da distribuição dos fundos arrecadados nos mosteiros. Durante
seus anos como chanceler, adquiriu muitos inimigos poderosos,
principalmente devido à sua enorme generosidade consigo mesmo
ao dividir os espólios da dissolução dos mosteiros. A sua queda
deveu-se essencialmente à sua atuação precipitada ao encorajar
Henrique VIII a casar-se, após a morte prematura de Joana
Seymour, sua esposa e Rainha. A união com Ana de Cleves e a
aliança política com o Duque de Cleves, seu irmão, foi um desastre,
e esta foi a oportunidade que os inimigos de Cromwell esperavam,
mais notadamente o Duque de Norfolk, peça fundamental na sua
queda. Durante a reunião do Conselho Real em 10 de junho de
1540, Cromwell foi preso e enviado para a Torre de Londres. Foi
submetido à Lei do Confisco de Bens e foi mantido vivo por
Henrique VIII até que seu casamento com Ana de Cleves fosse
anulado. Ele foi, então, executado na Torre de Londres em 28 de
julho de 1540, privadamente, no mesmo dia em que Henrique VIII
se casou com Catherine Howard. É dito que Henrique VIII
intencionalmente escolheu o carrasco, um jovem sem prática que
fez três tentativas de decapitá-lo até obter sucesso, provocando-lhe
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grande sofrimento antes da sua morte. Depois da execução, a
cabeça foi cozida e então posta numa lança na Ponte de
Londres virada contra a cidade. Seu corpo encontra-se sepultado
na Capela Real de São Pedro ad Vincula. Edward Hall, um escritor
da época, registou a execução de Cromwell, o seu discurso no
andaime declarando, entre outras coisas, que "morria pela sua fé" e
o seu sofrimento ao ser golpeado pelo machado de um oficial
inexperiente no ofício.
EDWARD HALL FALA DA QUEDA DE CROMWELL:
Muitos lamentaram, mas muitos mais se rejubilaram, especialmente
aqueles ligados à Igreja Católica ou que eram favorecidos por ela;
para estes houve festa e triunfo naquela noite, muitos desejando
que o sucedido tivesse tido lugar sete anos antes; alguns temiam
que ele pudesse escapar, embora preso, e sentiram-se aliviados.
Outros, que conheciam o seu lado verdadeiro, lamentaram e
rezaram por ele. É verdade que era detestado pelo clero, pois as
suas medidas causaram a perda de grande parte dos privilégios.
Até à sua morte, foi um homem que, em todos os seus actos, não
pareceu favorecer a nenhum tipo de religião, tampouco tolerava o
orgulho e soberba de alguns prelados, o que, sem dúvida, foi a
causa da sua morte, encurtou sua vida e proporcionou este seu fim.
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CONTEXTO HISTÓRICO
No século XVI, a Igreja Católica era considerada uma entidade
política importante e poderosa por possuir terras, riquezas e ocupar
o topo da pirâmide social. Naquela época, a Igreja começou ser
acusada de abusar de sua autoridade. O caso mais conhecido é
a venda de indulgências, ou seja, a Igreja vendia aos fiéis e religiosos
a remissão dos pecados. Ainda, é importante lembrar que ir contra
as ideias da Igreja era um pecado e quem o cometia era
severamente punido. Algumas figuras importantes que estavam
infelizes com as imposições da Igreja Católica se manifestaram
contra essas regras. Pode-se dizer que dessas manifestações, as
mais importantes foram a de Martinho Lutero e João Calvino, os
dois líderes do protestantismo. Tais manifestações cresceram e delas
nasceu o movimento protestante e, consequentemente, a Reforma
Protestante. Contudo, a Igreja, que era considerada como instituição
política na época, não ficou satisfeita com as manifestações
contrárias às suas ideias. Assim, o conflito de ideias entre católicos e
protestantes, somado a outros fatores secundários, deu origem a
Guerra dos Trinta Anos, em 1618. Em linhas gerais, a Guerra dos
Trinta Anos aconteceu por uma reinvindicação dos protestantes por
uma liberdade religiosa. É importante lembrar que fatores políticos
e territoriais também contribuíram para o início da guerra, que teve
como atores principais o Império Sacro-Germânico, território que
hoje pertence a diversos países (Alemanha, Áustria, Bélgica,
Holanda, Luxemburgo, República Checa, Eslováquia, Eslovênia, parte
do território da França, Itália e Polônia) e também à França, Suécia e
Espanha. Em 1648, o continente europeu estava mergulhado em
problemas advindos da guerra, que nessa altura, já havia durado 30
anos – por isso o nome: Guerra dos Trinta Anos. Foram milhões de
mortes e a Europa precisava de paz e de um período de
reconstrução.
A CHEGADA DA PAZ DE WESTFÁLIA
No ano de 1641 – 7 anos antes do fim do conflito – os
representantes dos três principais atores da Guerra dos Trinta Anos
– Sacro Império Germânico, França e Suécia – concordaram que a
Europa precisava de paz. Entretanto, diferentemente dos acordos
internacionais que conhecemos hoje, a Paz de Westfália não nasceu
de uma única reunião entre os representantes das potências mais
importantes da época. Os tratados de estfália surgiram de
diversos acordos assinados em cidades diferentes da estfália
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(região da Alemanha). As duas cidades que marcaram a existência
da Paz de estfália foram M nster e Osnabr c . Para a instauração
da paz, foi necessário que os inimigos de guerra chegassem a um
consenso: a busca pela “paz na cristandade”. O objetivo foi
cumprido com a assinatura dos tratados principais, que declaravam
“paz e a amizade cristã, universal, perpétua, verdadeira e sincera.”
CONSEQUÊNCIAS E TRANSFORMAÇÕES DA PAZ DE
WESTFÁLIA
Para a instaurar a paz na Europa, os tratados que deram origem a
Paz de Westfália precisavam impor algumas regras. A principal
imposição foi nivelar o poder dos países e garantir a diplomacia
permanente. Em outras palavras, a Paz de Westfália definiu que, a
partir daquele momento, haveria um equilíbrio internacional de
poderes, assegurando a anti-hegemonia. Outra mudança imposta
pelos tratados era o fim dos impérios ou dinastias e o nascimento
do Estado Moderno. Antes de continuarmos, é importante
entendermos o conceito de Estado Moderno no contexto das Relações
Internacionais. Vamos usar esse termo aqui como uma maneira
específica de organização política de uma comunidade humana, que
tenha elementos comuns – como por exemplo um idioma ou
cultura, e que conta com três elementos chave: autoridade,
soberania e legitimidade.
Assim, em 1648, ficou definido que os Estados seriam soberanos,
ponto que atribuiu a cada um o direito de escolher sua própria
organização interna e sua orientação religiosa. Dessa forma, uma
grande consequência da Paz de Westfália foi o nascimento das
Relações Internacionais, já que, a partir deste marco, os países
tinham liberdade para a tomada de decisões no âmbito doméstico e
o acordo de paz entre os países.
Os princípios mais importantes da Paz de Westfália foram:
Estados soberanos (superioridade interna e insubmissão
externa);
Não ingerência nos assuntos internos de outros estados;
Estados iguais em direitos e obrigações;
Pacta Sunt Servanda (respeito pelos compromissos
internacionais).
Em outras palavras, os Estados poderiam tomar suas próprias
decisões, sem que outro Estado exercesse qualquer influência em tal
decisão. Para além disso, nenhum Estado teria mais poder que o
outro e todos teriam os mesmos direitos e obrigações.
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Outras consequências da Paz de Westfália foram: a emergência dos
Estados soberanos com exércitos nacionais e uma administração
mais centralizada, e o nascimento de um sistema de equilíbrio
nacional de poderes (balança de poder), que estabeleceu a anti-
hegemonia; o direito internacional; os compromissos multilaterais;
a diplomacia permanente; e a promoção da economia de mercado.
1.4.1.OS PRINCÍPIOS MAIS IMPORTANTES DA PAZ DE
WESTFÁLIA.
A Paz de Praga foi incorporada à paz de Vestfália (que
incorporava, por sua vez, a Paz de Augsburgo). Os calvinistas
foram reconhecidos internacionalmente e o Édito da
Restituição foi, de novo, rescindido. A primeira Dieta
de Speyer foi aceite internacionalmente.
Procederam-se aos seguintes ajustes de território:
A França recebeu as dioceses de Metz, Toul, Verdun (os
designados Três Bispados) e toda a Alsácia,
exceto Estrasburgo e Mulhouse. Também ganhou o direito de
voto na Dieta Imperial alemã (Reichstag);
A Suécia recebeu a Pomerânia Ocidental e as dioceses
de Bremen e Stettin. Ganhou o controle da desembocadura dos
rios Oder, Elba e Weser, bem como o direito de voto na Dieta
Imperial alemã;
A Baviera recebeu o direito de voto no Conselho Imperial de
Eleitores (que selecionava o imperador);
Eleitorado de Brandemburgo (mais tarde, Reino da Prússia)
recebeu a Pomerânia Oriental e as dioceses de Magdeburgo
e Halberstadt, cujo primeiro governante secular foi o
representante do Eleitor de Brandemburgo, Joachim Friedrich
von Blumenthal;
Reconheceu-se a completa independência da Suíça (curiosa-
mente, a própria Suíça não é signatária da Paz de Vestfália);
Reconheceu-se a independência da República das Sete Provín-
cias Unidas dos Países Baixos (antes da sua revolta, um século
antes, havia sido possessão da Casa de Habsburgo e, portanto,
da Espanha);
Os diversos estados alemães independentes (cerca de 360)
receberam o direito de conduzir a sua própria política externa,
mas lhes era vedado cometer atos de guerra contra o
imperador. O Império, como um todo, reservava-se o direito de
fazer a guerra e de celebrar tratados;
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A eleição de imperador vivente imperatore (i.e., a seleção do
monarca seguinte com o seu antecessor ainda vivo) foi proibida;
O Palatinado (Pfalzgrafschaft bei Rhein, em alemão) foi dividido
entre o eleitor palatino Carlos Luís (filho e herdeiro de Frederico
V) e o eleitor-duque Maximiliano da Baviera (ou seja, entre
protestantes e católicos). Carlos Luís ficou com a porção
ocidental, próximo ao Reno (inclusive a região posteriormente
chamada de Palatinado Renano e a área em torno de
Heidelberg), e Maximiliano manteve o Alto Palatinado (no que é
hoje o norte da Baviera).
A maior parte do tratado pode ser atribuída ao trabalho do
cardeal Jules Mazarin, que era à época o governante de facto da
França. A França também saiu da guerra em uma posição muito
melhor do que as outras potências, sendo capaz de ditar boa
parte do tratado.
1.4.2. O TRATADO DE ULTREQUE.
O Tratado de Utrecht (1713-1715) foi, na verdade, dois acordos que
puseram fim à Guerra de Sucessão Espanhola e mudaram o mapa da
Europa e das Américas. No primeiro Tratado, em 1713, a Grã-
Bretanha reconhecia como rei da Espanha o francês Felipe de Anjou.
Por sua parte, a Espanha cedia Menorca e Gibraltar à Grã-Bretanha.
O acordo também repercutiu na América, pois estabeleceu as
fronteiras entre o Brasil e a Guiana Francesa e foram definidos os
limites do Amapá. O segundo Tratado de Utrecht, assinado em 6 de
fevereiro de 1715, desta vez entre Portugal e Espanha, restabeleceu a
posse da Colônia do Sacramento a Portugal.
ORIGEM E CAUSAS DO TRATADO DE UTRECHT
Em 1700, morria na Espanha, sem deixar herdeiros, o rei Carlos II
(1661-1700). No seu testamento, ele havia indicado que seria o
infante francês Felipe de Anjou, a herdar o trono, pois era neto de
uma infanta espanhola e do rei francês Luís XIV. No entanto, países
como a Inglaterra imaginavam que Felipe de Anjou poderia se
coroar, futuramente, rei da França e da Espanha. Somado aos
territórios que a Espanha possuía na Europa e nas Américas, este
futuro reino seria uma verdadeira potência. Da mesma forma, o
Imperador José I, do Sacro Império Romano-Germânico e
arquiduque da Áustria, também tinha medo que isso ocorresse.
Assim, este imperador defendia a candidatura do seu irmão Carlos
para o trono espanhol. Por isso, se forma a “Aliança de Haya” com
Inglaterra e o Sacro Império. Mais tarde, em 1703, Portugal vai se
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incorporar a esta associação através do Tratado de Methuen. Por
outro lado, estava a França, governada por Luís XIV e parte da
Espanha. Cabe ressaltar que a Espanha se dividiu entre partidários da
França e do Sacro Império. Contudo, em 1711, a Aliança de Haya foi
desfeita. Isso ocorreu porque o imperador José I faleceu sem deixar
herdeiros e Carlos é eleito imperador do Sacro Império Romano-
Germânico. Aos britânicos, principalmente, não era conveniente
tanto poder concentrado nas mãos de um monarca austríaco.
Começam, então, negociações entre a França e a Grã-Bretanha, a fim
de resolver a questão da sucessão espanhola. As discussões
diplomáticas, iniciadas em 1712, permitiram a assinatura no ano
seguinte dos acordos de paz entre a Inglaterra, França e Espanha: o
Tratado de Utrecht.
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Sicília, ao sul da mesma península. Esses pontos diplomáticos foram
assinados em 1714, nos chamados tratados de Rastatt, Barden e
Amberes.
Mapa do Tratado de Ultrech indicando os territórios entregues pela Espanha à Áustria, Saboia e
Grã-Bretanha
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Sacramento, no Rio da Prata. Por sua vez, Portugal, cedia os
municípios de Albuquerque e Puebla de Sanabria, à Espanha.
1.4.3.O CONGRESSO DE VIENA (1 DE OUTUBRO DE 1814 E 9
DE JUNHO DE 1815) CONFERÊNCIA ENTRE
EMBAIXADORES DAS GRANDES POTÊNCIAS EUROPEIAS.
O Congresso de Viena ocorreu entre 11 de novembro de 1814 e 9
de junho de 1815 e reorganizou a Europa após as guerras
napoleônicas. Além disso, foram tomadas decisões que atingiram o
Brasil, como a entrega da Guiana para a França e a condenação do
tráfico de pessoas escravizadas. O Congresso de Viena serviu para
manter a Europa a salvo de grandes enfrentamentos até a Primeira
Guerra Mundial, em 1914.
ANTECEDENTES DO CONGRESSO DE VIENA
GRÃ-BRETANHA
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A Grã-Bretanha recebeu como compensação os territórios
ocupados pela França, como Ilhas Maurício, Tobago e Santa Lúcia.
Por parte da Holanda lhe foi cedido o Ceilão; e da Espanha, a ilha
de Trinidade. Também incorporou algumas ilhas como Malta e as
Jônicas ao seu reino. A Grã-Bretanha foi a grande vitoriosa com a
derrota de Napoleão Bonaparte. Uma vez concluída a paz, os
britânicos impulsionaram o seu desenvolvimento industrial e
partiram para conquistar novos territórios.
FRANÇA
Através do Tratado de Paris, a dinastia Bourbon volta a reinar na
França, na pessoa de Luís XVIII, irmão de Luís XVI. Parte do território
francês ficou ocupado pela Santa Aliança por três anos e a França
teve que pagar indenização aos vencedores. Quanto ao território, o
país voltou às fronteiras de 1791. Ainda assim, recebeu de volta a
Guiana, de Portugal; Guadalupe, da Suécia; Martinica e a Ilha de
Bourbon (atual Reunião), da Grã-Bretanha.
ÁUSTRIA
A Áustria, junto à Grã-Bretanha, será a grande potência europeia
após o conflito. Ocupa os territórios do norte na Península Itálica,
como Veneza, Lombardia e Milão, além de três províncias da Ilíria,
Dalmácia e o porto de Cattaro. Também foram anexados à Áustria a
Galiza, da Polônia; mas o Tirol e Salzburgo foram repassados aos
territórios alemães.
ESTADOS ALEMÃES
Bonaparte havia extinguido um dos mais antigos império do
mundo: o Sacro Império Romano-Germânico. Durante o Congresso
de Viena, para contentar as demandas territoriais do Império Russo
e da Áustria, foi criada a Confederação Alemã. Assim, a quantidade
de estados alemães passou de 300 para 39.
PRÚSSIA
Por sua vez, a Prússia incorporou uma série de estados alemães e
tornou-se o mais forte país de cultura germânica. Recebeu metade
da Saxônia, o Grão-ducado de Berg, parte do Ducado da Vestfália, e
algumas cidades como Colônia, Trèves e Aachen. De igual maneira
congregou parte da Pomerânia sueca e anexou territórios
poloneses.
RÚSSIA
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A Rússia ocupou a maior parte da Polônia como o Grão-Ducado da
Varsóvia. Por sua vez, a Cracóvia tornou-se um território livre, sob a
proteção de Rússia, Áustria e Prússia. A Finlândia e a Bessarábia
(atual Moldávia) foram mantidas dentro do território russo.
POLÔNIA
A Polônia perde sua independência e é dividida entre a Rússia e a
Prússia.
PENÍNSULA ITÁLICA
Várias regiões da Península Itálica haviam sido repartidas entre os
irmãos de Napoleão Bonaparte. Por isso, foi decidido restaurar as
antigas dinastias nos seus tronos e criar novos estados. Assim, o rei
Fernando IV, que reinava sobre Nápoles e Sicília, voltou a ser
reconhecido como soberano com a união dos seus dois reinos,
agora chamados Reino das Duas Sicílias. A Áustria, querendo
garantir sua saída para o mar, ocupou vários territórios na costa e
no norte italiano. O Reino da Sardenha incorporou a República de
Gênova a fim de formar um Estado forte que pudesse isolar a
França. Mais curioso foi o caso da ex-esposa de Napoleão, a
Imperatriz Maria Luísa. Ela se tornou duquesa de Parma, Piacenza e
Guastella e em troca, o filho de ambos, Napoleão II, foi levado para
ser educado na corte vienesa.
PORTUGAL
Para participar do Congresso de Viena, a corte portuguesa declara a
elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal e Algarves. Neste
momento, o Brasil deixa de ser formalmente uma colônia. Portugal
teve que desocupar a Guiana e este território voltou à França.
ESPANHA
Na Espanha é restabelecido o reinado de Fernando VII, que havia
abdicado a favor de Napoleão Bonaparte. O país perdeu a ilha de
Trinidade, no Caribe, para a Grã-Bretanha.
TRÁFICO DE ESCRAVOS
Em fevereiro de 1815, o Congresso de Viena condenou o tráfico de
escravos por incompatibilidade com a civilização cristã e europeia.
Esta decisão vai impactar diretamente no Reino do Brasil, Portugal e
Algarves, pois a mão de obra do Brasil era principalmente escrava.
A partir daí serão publicadas as primeiras leis restringindo o tráfico
de escravos no Atlântico.
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CONSEQUÊNCIAS DO CONGRESSO DE VIENA
As nações participantes criaram uma nova organização política
europeia, substituindo o Tratado de Utrecht, em 1713. Para
solucionar as ocupações ocorridas durante o Império Napoleônico,
entre 1815 e 1822, surgiu uma ordem baseada na cooperação de
estados, modelo que aparecia pela primeira vez na história. O novo
sistema buscava equilibrar o poderio das nações europeias,
realizando uma política de aliados e compensações territoriais.
O Congresso de Viena, neste sentido, foi eficiente, pois a Europa só
entraria numa guerra total um século mais tarde com a Primeira
Guerra Mundial em 1914.
1.4.4.DIRECTRIZES DO CONGRESSO E CONSEQUÊNCIAS DO
CONGRESSO.
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principais potências monárquicas do período (Inglaterra, Prússia,
Rússia e Áustria), essa reunião deveria reorganizar e devolver os
territórios e a supremacia política daqueles que sofreram com o
projeto expansionista napoleônico. Inicialmente, sugeriu-se que as
grandes potências vencedoras desmembrassem a França sob o seu
domínio. No entanto, conclamando o princípio de legitimidade, o
ministro francês Talleyrand propôs que as coroas e territórios
europeus afetados por Napoleão Bonaparte resgatassem a
configuração preexistente aos desdobramentos internacionais da
Revolução Francesa. Apesar do argumento de Talleyrand garantir a
autonomia política da França, observamos que algumas modificações
aconteceram na Europa. O Império Austríaco foi beneficiado com o
domínio sob os territórios nos Bálcãs e no Norte da Itália. A Rússia
impôs sua hegemonia na Finlândia, na Polônia e na Bessarábia. Os
britânicos garantiram pontos estratégicos de acesso à Índia e às
Antilhas, e no Mediterrâneo. A Holanda incorporou o território belga
com o fim de evitar a ação francesa no porto da Antuérpia. A Prússia
expandiu seu território em mais de cinqüenta por cento. O Antigo
Sacro Império Germânico foi trocado pela Confederação Germânica,
que contava com diversos reinados chefiados pela Áustria. Outro
importante desdobramento do Congresso de Viena foi a criação da
Santa Aliança. Proposta pelo czar russo Alexandre I, a Santa Aliança foi
um acordo militar que formaria um exército monarquista. Composto
por Rússia, Prússia, França e Áustria esse acordo firmou plena
cooperação bélica e militar, caso alguma das nações integrantes
tivessem sua hegemonia política ameaçada. Na prática, a Santa
Aliança não conseguiu cumprir suas funções originais. A disseminação
das idéias iluministas e a experiência revolucionária francesa já haviam
tomado toda a Europa. No continente americano, as colônias
européias iniciaram seu processo de independência. Na Europa,
liberais e socialistas empreenderam lutas que esfacelaram as
monarquias européias ao longo do século XIX.
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1.4.5.A CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES
DIPLOMÁTICAS E CONSULARES E SEUS EFEITOS.
Decreto-Lei n.º 48295 Convenção sobre Relações Diplomáticas,
celebrada em Viena em 18 de Abril de 1961 Usando da faculdade
conferida pela 2.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o
Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
Artigo único. É aprovada para adesão a Convenção sobre Relações
Diplomáticas, celebrada em Viena aos 18 dias de Abril de 1961, cujo
texto em línguas francesa e portuguesa é o que segue em anexo ao
presente decreto-lei. Publique-se e cumpra-se como nele se
contém. Paços do Governo da República, 27 de Março de 1968. -
AMÉRICO DEUS RODRIGUES THOMAZ - António de Oliveira Salazar
- António Jorge Martins da Mota Veiga - Manuel Gomes de Araújo
- Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior - Mário Júlio de Almeida
Costa - Ulisses Cruz de Aguiar Cortês - Joaquim da Luz Cunha -
Fernando Quintanilha Mendonça Dias - Alberto Marciano Gorjão
Franco Nogueira - José Albino Machado Vaz - Joaquim Moreira da
Silva Cunha - Inocêncio Galvão Teles - José Gonçalo da Cunha
Sottomayor Correia de Oliveira - Carlos Gomes da Silva Ribeiro -
José João Gonçalves de Proença - Francisco Pereira Neto de
Carvalho. CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE RELAÇÕES
DIPLOMÁTICAS Os Estados Partes na presente Convenção.
Considerando que, desde tempos remotos, os povos de todas as
nações têm reconhecido o estatuto dos agentes diplomáticos;
Conscientes dos propósitos e princípios da Carta das Nações
Unidas relativos à igualdade soberana dos Estados, à manutenção
da paz e da segurança internacional e ao desenvolvimento das
relações de amizade entre as nações; Persuadidos que uma
convenção internacional sobre relações, privilégios e imunidades
diplomáticas contribuirá para o desenvolvimento de relações
amistosas entre as nações, independentemente da diversidade dos
seus regimes constitucionais e sociais; Reconhecendo que a
finalidade de tais privilégios e imunidades não é beneficiar
indivíduos, mas sim a de garantir o eficaz desempenho, das funções
das missões diplomáticas, em seu carácter de representantes dos
Estados; Afirmando que as normas de direito internacional
consuetudinário devem continuar regendo as questões que não
tenham sido expressamente reguladas nas disposições da presente
Convenção; Convieram no seguinte ARTIGO 1.º Para os feitos da
presente Convenção: a) «Chefe de missão» é a pessoa encarregada
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pelo Estado acreditante de agir nessa qualidade; b) «Membros da
missão» são o Chefe da missão e os membros do pessoal da
missão; c) «Membros do pessoal da missão» são os membros do
pessoal diplomático, do pessoal administrativo e técnico e do
pessoal de serviço da missão; d) «Membros do pessoal
diplomático» são os membros do pessoal da missão que tiverem a
qualidade de diplomata; e) «Agente diplomático» é tanto o chefe
da missão como qualquer membro do pessoal diplomático da
missão; f) «Membros do pessoal administrativo e técnico» são os
membros do pessoal da missão empregados no serviço
administrativo e técnico da missão; g) «Membros do pessoal de
serviço» são os membros do pessoal da missão empregados no
serviço doméstico da missão; h) «Criado particular» é a pessoa do
serviço doméstico de um membro da missão que não seja
empregado do Estado acreditante; i) «Locais da missão» são os
edifícios, ou parte dos dos edifícios e terrenos anexos, seja quem
for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão,
inclusive a residência do chefe da missão. ARTIGO 2.º O
estabelecimento de relações diplomáticas entre Estados e o envio
de missões diplomáticas permanentes efectuam-se por
consentimento mútuo. ARTIGO 3.º As funções de uma missão
diplomática consistem, nomeadamente, em: a) Representar o
Estado acreditante perante o Estado acreditador; b) Proteger no
Estado acreditador os interesses do Estado acreditante e de seus
nacionais, dentro dos limites estabelecidos pelo direito
internacional; c) Negociar com o Governo do Estado acreditador; d)
Inteirar-se por todos os meios lícitos das condições existentes e da
evolução dos acontecimentos no Estado acreditador e informar a
esse respeito o Governo do Estado acreditante; e) Promover
relações amistosas e desenvolver as relações económicas, culturais
e científicas entre o Estado acreditante e o Estado acreditador. 2.
Nenhuma disposição da presente Convenção poderá ser
interpretada como impedindo o exercício de funções consulares
pela missão diplomática. ARTIGO 4.º O Estado acreditante deverá
certificar-se de que a pessoa que pretende nomear como chefe de
missão perante o Estado acreditador obteve o agrément daquele
Estado. 2. O Estado acreditador não está obrigado a dar ao Estado
acreditante as razões da recusa do agrément. ARTIGO 5.º O Estado
acreditante poderá, depois de haver feito a devida notificação aos
Estados acreditadores interessados, nomear um chefe de missão ou
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designar qualquer membro do pessoal diplomático perante dois ou
mais Estados, a não ser que um dos Estados acreditadores a isso se
oponha expressamente. 2. Se um Estado acredita um chefe de
missão perante dois ou mais Estados, poderá estabelecer uma
missão diplomática dirigida por um encarregado de negócios ad
interim em cada um dos Estados onde o chefe da missão não tenha
a sua residência permanente. 3. O chefe da missão ou qualquer
membro do pessoal diplomático da missão poderá representar o
Estado acreditante perante uma organização internacional. ARTIGO
6.º Dois ou mais Estados poderão acreditar a mesma pessoa como
chefe de missão perante outro Estado, a não ser que o Estado
acreditador a isso se oponha. ARTIGO 7.º Sob reserva das
disposições dos artigos 5, 8, 9 e 11, o Estado acreditante poderá
nomear livremente os membros do pessoal da missão. No que
respeita aos adidos, militar, naval ou aéreo, o Estado acreditador
poderá exigir que os seus nomes lhe sejam prèviamente
submetidos para efeitos de aprovação. ARTIGO 8.º Os membros do
pessoal diplomático da missão deverão, em princípio, ter a
nacionalidade do Estado acreditante. 2. Os membros do pessoal
diplomático da missão não poderão ser nomeados de entre
pessoas que tenham a nacionalidade do Estado acreditador,
excepto com o consentimento do referido Estado, que poderá
retirá-lo em qualquer momento. 3. O Estado acreditador pode
reservar-se o mesmo direito a nacionais de terceiro Estado que não
sejam igualmente nacionais do Estado acreditante. ARTIGO 9.º O
Estado acreditador poderá a qualquer momento, e sem ser
obrigado a justificar a sua decisão, notificar ao Estado acreditante
que o chefe de missão ou qualquer membro do pessoal
diplomático da missão é persona non grata ou que outro membro
do pessoal da missão não é aceitável. O Estado acreditante,
conforme o caso, retirará a pessoa em questão ou dará por
terminadas as suas funções na missão. Uma pessoa poderá ser
declarada non grata ou não aceitável mesmo antes de chegar ao
território do Estado acreditador. Se o Estado acreditante se recusar
a cumprir, ou não cumpre dentro de um prazo razoável, as
obrigações que lhe incumbem nos termos do parágrafo 1 deste
artigo, o Estado acreditador poderá recusar-se a reconhecer tal
pessoa como membro da missão. ARTIGO 10.º Serão notificados ao
Ministério dos Negócios Estrangeiros do Estado acreditador, ou a
outro Ministério em que se tenha convindo: a) A nomeação dos
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membros da missão, a sua chegada e partida definitiva ou o termo
das suas funções na missão; b) A chegada e partida definitiva de
pessoas pertencentes à família de um membro da missão e, ser for
o caso, o facto de uma pessoa vir a ser ou deixar de ser membro da
família de um membro da missão; c) A chegada e a partida
definitiva dos criados particulares ao serviço das pessoas a que se
refere a alínea a) deste parágrafo e, se for o caso, o facto de terem
deixado o serviço daquelas pessoas; d) A admissão e a despedida
de pessoas residentes no Estado acreditador como membros da
missão ou como criados particulares com direito a privilégios e
imunidades. 2. Sempre que possível, a chegada e a partida
definitiva deverão também ser prèviamente notificadas. ARTIGO
11.º Não havendo acordo explícito acerca do número de membros
da missão, o Estado acreditador poderá exigir que o efectivo da
missão seja mantido dentro dos limites que considere razoáveis e
normais, tendo em conta as circunstâncias e condições existentes
nesse Estado e as necessidades da referida missão. 2. O Estado
acreditador poderá igualmente, dentro dos mesmos limites e sem
discriminação, recusar-se a admitir funcionários de uma
determinada categoria. ARTIGO 12.º O Estado acreditante não
poderá, sem o consentimento expresso e prévio do Estado
acreditador, instalar escritórios que façam parte da missão em
localidades distintas daquela em que a missão tem a sua sede.
ARTIGO 13.º Considera-se que o chefe de missão assumiu as suas
funções no Estado acreditador a partir do momento em que tenha
entregado as suas credenciais ou tenha comunicado a sua chegada
e apresentado as cópias figuradas das suas credenciais ao
Ministério dos Negócios Estrangeiros, ou ao Ministério em que se
tenha convindo, de acordo com a prática observada no Estado
acreditador, a qual deverá ser aplicada de maneira uniforme. 2. A
ordem de entrega das credenciais ou de sua cópia figurada será
determinada pela data e hora da chegada do chefe da missão.
ARTIGO 14.º Os chefes de missão dividem-se em três classes: a)
Embaixadores ou núncios acreditados perante Chefes de Estado e
outros chefes de missão de categoria equivalente; b) Enviados,
ministros ou internúncios acreditados perante Chefes de Estado; c)
Encarregado de negócios acreditados perante Ministros dos
Negócios Estrangeiros. 2. Salvo em questões de precedência e
etiqueta, não se fará nenhuma distinção entre chefes de missão em
razão da sua classe. ARTIGO 15.º Os Estados, por acordo,
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determinarão a classe a que devem pertencer os chefes de suas
missões. ARTIGO 16.º A precedência dos chefes de missão, dentro
de cada classe, estabelecer-se-á de acordo com a data e hora em
que tenham assumido as suas funções, nos termos do artigo 13.º 2.
As modificações nas credenciais de um chefe de missão, desde que
não impliquem mudança de classe, não alteram a sua ordem de
precedência. 3. O presente artigo não afecta a prática que exista ou
venha a existir no Estado acreditador com respeito à precedência
do representante da Santa Sé. ARTIGO 17.º O chefe de missão
notificará ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, ou a outro
Ministério em que as partes tenham convindo, a ordem de
precedência dos membros do pessoal diplomático da missão.
ARTIGO 18.º O cerimonial a observar em cada Estado para a
recepção dos chefes de missão deverá ser uniforme a respeito de
cada classe. ARTIGO 19.º Em caso de vacatura do posto de chefe de
missão, ou se um chefe de missão estiver impedido de
desempenhar as suas funções, um encarregado de negócios ad
interim exercerá provisòriamente a chefia da missão. O nome do
encarregado de negócios ad interim será comunicado ao Ministério
dos Negócios Estrangeiros do Estado acreditador, ou ao Ministério
em que as partes tenham convindo, pelo chefe de missão ou, se
este não puder fazê-lo, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros
acreditante. 2. No caso de nenhum membro do pessoal diplomático
estar presente no Estado acreditador, um membro do pessoal
administrativo e técnico poderá, com o consentimento do Estado
acreditador, ser designado pelo Estado acreditante para encarregar-
se dos assuntos administrativos correntes da missão. ARTIGO 20.º
Tanto a missão como o seu chefe terão o direito de usar a bandeira
e o escudo do Estado acreditaste nos locais da missão, inclusive na
residência do chefe de missão, bem como nos seus meios de
transporte. ARTIGO 21.º O Estado acreditador deverá facilitar a
aquisição em seu território, de acordo com as suas leis, pelo Estado
acreditante, dos locais necessários à missão ou a ajudá-lo a
consegui-los de outra maneira. 2. Quando necessário, ajudará
também as missões a obterem alojamento adequado para os seus
membros. ARTIGO 22.º Os locais da missão são invioláveis. Os
agentes do Estado acreditador não poderão neles penetrar sem o
consentimento do chefe de missão. 2. O Estado acreditador tem a
obrigação especial de adoptar todas as medidas apropriadas para
proteger os locais contra qualquer intrusão ou dano e evitar
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perturbações que afectem a tranquilidade da missão ou ofensas à
sua dignidade. 3. Os locais da missão, o seu mobiliário e demais
bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão,
não poderão ser objecto de busca, requisição, embargo ou medida
de execução. ARTIGO 23.º O Estado acreditante e o chefe de missão
estão isentas de todos os impostos e taxas nacionais, regionais ou
municipais sobre os locais da missão de que sejam proprietários ou
inquilinos, exceptuados os que representem o pagamento de
serviços específicos que lhes sejam prestados. 2. A isenção fiscal a
que se refere este artigo não se aplica aos impostos e taxas cujo
pagamento, em conformidade com a legislação do Estado
acreditador, incumba às pessoas que contratem com o Estado
acreditante ou com o chefe de missão. ARTIGO 24.º Os arquivos e
documentos da missão são invioláveis, em qualquer momento e
onde quer que se encontrem. ARTIGO 25.º O Estado acreditador
dará todas as facilidades para o desempenho das funções da
missão. ARTIGO 26.º Salvo o disposto nas leis e regulamentos
relativos a zonas cujo acesso é proibido ou regulamentado por
motivos de segurança nacional, o Estado acreditador garantirá a
todos os membros da missão a liberdade de circulação e transito
em seu território. ARTIGO 27.º O Estado acreditador permitirá e
protegerá a livre comunicação da missão para todos os fins oficiais.
Para comunicar-se com o Governo e demais missões e consulados
do Estado acreditante, onde quer que se encontrem, a missão
poderá empregar todos os meios de comunicação adequados,
inclusive correios diplomáticos e mensagens em código ou cifra.
Não obstante, a missão só poderá instalar e usar uma emissora de
rádio com o consentimento do Estado acreditador. 2. A
correspondência oficial da missão é inviolável. Por correspondência
oficial entende-se toda a correspondência relativa à missão e suas
funções. 3. A mala diplomática não poderá ser aberta ou retida. 4.
Os volumes que constituam a mala diplomática deverão ter sinais
exteriores visíveis que indiquem o seu caracter e só poderão conter
documentos diplomáticos e objectos destinados a uso oficial. 5. O
correio diplomático, que deverá estar munido de um documento
oficial que indique a sua condição e o número de volumes que
constituem a mala diplomática, será, no desempenho das suas
funções, protegido pelo Estado acreditador. Gozará de
inviolabilidade pessoal e não poderá ser objecto de qualquer forma
de prisão ou detenção. 6. O Estado acreditante ou a missão
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poderão designar correios diplomáticos ad hoc. Em tal caso,
aplicar-se-ão as disposições do parágrafo 5 deste artigo, mas as
imunidades nele mencionadas deixarão de se aplicar, desde que o
referido correio tenha entregado ao destinatário a mala diplomática
que lhe fora confiada. 7. A mala diplomática poderá ser confiada ao
comandante de aeronave comercial que tenha de aterrar num
aeroporto de entrada autorizada. O comandante deverá estar
munido de um documento oficial que indique o número de
volumes que constituem a mala, mas não será considerado correio
diplomático. A missão poderá enviar um dos seus membros para
receber a mala diplomática, directa e livremente, das mãos do
comandante da aeronave. ARTIGO 28.º Os direitos e emolumentos
que a missão perceba em razão da prática de actos oficiais estarão
isentos de todos os impostos ou taxas. ARTIGO 29.º A pessoa do
agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objecto de
qualquer forma de detenção ou prisão. O Estado acreditador tratá-
lo-á com o devido respeito e adoptará todas as medidas adequadas
para impedir qualquer ofensa à sua pessoa, liberdade ou dignidade.
ARTIGO 30.º A residência particular do agente diplomático goza da
mesma inviolabilidade e protecção que os locais da missão. 2. Os
seus documentos, a sua correspondência e, sob reserva do disposto
no parágrafo 3 do artigo 31.º, os seus bens gozarão igualmente de
inviolabilidade. ARTIGO 31.º O agente goza de imunidade de
jurisdição penal do Estado acreditador. Goza também da imunidade
da sua jurisdição civil e administrativa, salvo se se trata de: a) Uma
acção real sobre imóvel privado situado no território do Estado
acreditador, salvo se o agente diplomático o possuir por conta do
Estado acreditante para os fins da missão; b) Uma acção sucessória
na qual o agente diplomático figura, a título privado e não em
nome do Estado, como executor testamentário, administrador,
herdeiro ou legatário; c) Uma acção referente a qualquer actividade
profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no
Estado acreditador fora das suas funções oficiais. 2. O agente
diplomático não é obrigado a prestar depoimento como
testemunha. 3. O agente diplomático não está sujeito a nenhuma
medida de execução, a não ser nos casos previstos nas alíneas a), b)
e c) do parágrafo 1 deste artigo e desde que a execução possa
realizar-se sem afectar a inviolabilidade de sua pessoa ou
residência. 4. A imunidade de jurisdição de um agente diplomático
no Estado acreditador não o isenta da jurisdição do Estado
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acreditante ARTIGO 32.º O Estado acreditante pode renunciar à
imunidade de jurisdição dos seus agentes diplomáticos e das
pessoas que gozam de imunidade nos termos do artigo 37.º 2. A
renúncia será sempre expressa. 3. Se um agente diplomático ou
uma pessoa que goza de imunidade de jurisdição nos termos do
artigo 37.º inicia uma acção judicial, não lhe será permitido invocar
a imunidade de jurisdição no tocante a uma reconvenção
directamente ligada à acção principal. 4. A renúncia à imunidade de
jurisdição no tocante às acções cíveis ou administrativas não implica
renúncia à imunidade quanto às medidas de execução da sentença,
para as quais nova renúncia é necessária. ARTIGO 33.º Salvo o
disposto no parágrafo 3 deste artigo, o agente diplomático está, no
tocante aos serviços prestados ao Estado acreditante, isento das
disposições de seguro social que possam vigorar no Estado
acreditador. 2. A isenção prevista no parágrafo 1 deste artigo
aplicar-se-á também aos criados particulares que se acham ao
serviço exclusivo do agente diplomático que: a) Não sejam
nacionais do Estado acreditador nem nele tenham residência
permanente; e b) Estejam protegidos pelas disposições sobre
seguro social vigentes no Estado acreditante ou em terceiro Estado.
3. O agente diplomático que empregue pessoas a quem não se
aplique a isenção prevista no parágrafo 2 deste artigo deverá
respeitar as obrigações impostas aos patrões pelas disposições
sobre seguro social vigentes no Estado acreditador. 4. A isenção
prevista nos parágrafos 1 e 2 deste artigo não exclui a participação
voluntária no sistema de seguro social do Estado acreditador, desde
que tal participação seja admitida pelo referido Estado. 5. As
disposições deste artigo não afectam os acordos bilaterais ou
multilaterais sobre seguro social já concluídos e não impedem a
celebração ulterior de acordos de tal natureza. ARTIGO 34.º O
agente diplomático gozará de isenção de todos os impostos e
taxas, pessoais ou reais, nacionais, regionais ou municipais, com as
excepções seguintes: a) Os impostos indirectos que estejam
normalmente excluídos no preço das mercadorias ou dos serviços;
b) Os impostos e taxas sobre bens imóveis privados situados no
território do Estado acreditador, a não ser que o agente
diplomático os possua em nome do Estado acreditado e para os
fins da missão; c) Os direitos de sucessões percebidos pelo Estado
acreditador, salvo o disposto no parágrafo 4 do artigo 39.º; d) Os
impostos e taxas sobre rendimentos privados que tenha a sua
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origem no Estado acreditador e os impostos sobre o capital
referentes a investimentos em empresas comerciais situadas no
Estado acreditador; e) Os impostos e taxas que incidam sobre a
remuneração relativa a serviços específicos; f)Os direitos de registo,
de hipoteca, custas judiciais e impostos do selo relativos a bens
imóveis, salvo o disposto no artigo 23.º ARTIGO 35.º O Estado
acreditador deverá isentar os agentes diplomáticos de toda a
prestação pessoal, de todo serviço público, seja qual for a sua
natureza, e de obrigações militares, tais como requisições,
contribuições e alojamento militar. ARTIGO 36.º De acordo com as
leis e regulamentos que adopte, o Estado acreditador permitirá a
entrada livre de pagamento de direitos aduaneiros, taxas e outros
encargos conexos que não constituam despesas de armazenagem,
transporte e outras relativas a serviços análogos: a) Dos objectos
destinados ao uso oficial da missão; b) Dos objectos destinados ao
uso pessoal do agente diplomático ou dos membros de sua família
que com ele vivam, incluindo os objectos destinados à sua
instalação. 2. A bagagem pessoal do agente diplomático não está
sujeita a inspecção, salvo se existirem motivos sérios para crer que a
mesma contém objectos não previstos nas isenções mencionadas
no parágrafo 1 deste artigo, ou objectos cuja importação ou
exportação é proibida pela legislação do estado acreditador, ou
sujeitos aos seus regulamentos de quarentena. Nesse caso, a
inspecção só poderá ser feita na presença do agente diplomático
ou do seu representante autorizado. ARTIGO 37.º Os membros da
família de um agente diplomático que com ele vivam gozarão dos
privilégios e imunidades mencionados nos artigos 29.º a 36.º, desde
que não sejam nacionais do Estado acreditador. 2. Os membros do
pessoal administrativo e técnico da missão, assim como os
membros de suas famílias que com eles vivam, desde que não
sejam nacionais do Estado acreditador nem nele tenham residência
permanente, gozarão dos privilégios e imunidades mencionados
nos artigos 29.º a 35.º, com a ressalva de que a imunidade de
jurisdição civil e administrativa do Estado acreditador, mencionada
no parágrafo 1 do artigo 31.º, não se estendera aos actos por eles
praticados fora do exercício de suas funções; gozarão também dos
privilégios mencionados no parágrafo 1 do artigo 36.º, no que
respeita aos objectos importados para a primeira instalação. 3. Os
membros do pessoal de serviço da missão que não sejam nacionais
do Estado acreditador nem nele tenham residência permanente
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gozarão de imunidades quanto aos actos praticados no exercício de
suas funções, de isenção de impostos e taxas pobre os salários que
perceberem pelos seus serviços e da isenção prevista no artigo 33.º
4. Os criados particulares dos membros da missão que não sejam
nacionais do Estado acreditador nem nele tenham residência
permanente estarão isentos de impostos e taxas sobre os salários
que perceberem pelos seus serviços. Nos demais casos, só gozarão
de privilégios e imunidades na medida reconhecida pelo referido
Estado. Todavia, o Estado acreditado deverá exercer a sua jurisdição
sobre tais pessoas de modo a não interferir demasiadamente com o
desempenho das funções da missão. ARTIGO 38.º A não ser na
medida em que o Estado acreditador conceda outros privilégios e
imunidades, o agente diplomático que seja nacional do referido
Estado ou nele tenha residência permanente gozará da imunidade
de jurisdição e de inviolabilidade apenas quanto aos actos oficiais
praticados no desempenho de suas funções. 2. Os demais membros
do pessoal da missão e os criados particulares que sejam nacionais
do Estado acreditador ou nele tenham a sua residência permanente
gozarão apenas dos privilégios e imunidades que lhes forem
reconhecidos pelo referido Estado. Todavia, o Estado acreditador
deverá exercer a sua jurisdição sobre tais pessoas de maneira a não
interferir demasiadamente com o desempenho das funções da
missão. ARTIGO 39.º Toda a pessoa que tenha direito a privilégios e
imunidades gozará dos mesmos a partir do momento em que
entrar no território do Estado acreditador para assumir o seu posto
ou, no caso de já se encontrar no referido território, desde que a
sua nomeação tenha sido notificada ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros ou ao Ministério em que se tenha convindo. 2. Quando
terminarem as funções de uma pessoa que goze de privilégios e
imunidades, esses privilégios e imunidades cessarão normalmente
no momento em que essa pessoa deixar o país ou quando
transcorrido um prazo razoável que lhe tenha sido concedido para
tal fim, mas perdurarão até esse momento, mesmo em caso de
conflito armado. Todavia, a imunidade subsiste no que diz respeito
aos actos praticados por tal pessoa no exercício das suas funções
como membro da missão. 3. Em caso de falecimento de um
membro da missão, os membros de sua família continuarão no
gozo dos privilégios e imunidades a que têm direito até à expiração
de um prazo razoável que lhes permita deixar o território do Estado
acreditador. 4. Em caso de falecimento de um membro da missão
1
O Regulamento de Viena de 1815, ao contrário, adotava o critério da data de notificação oficial da chegada do Chefe da missão, o
qual, conforme a prática, se confundia com a data de apresentação das credenciais.
2
A lista diplomática é um volume publicado pelo Ministério das Relações Externas onde são enumerados os agentes diplomáticos
que desempenham funções oficiais numa determinada embaixada acreditada. Na lista, encontram-se o nome do Estado
acreditante, o nome do diplomata, sua titulação, sua posição hierárquica, sua data de chegada, seu endereço etc. Em geral, a lista
diplomática tem um valor administrativo e não constitutivo, isto é, não constitui título que possa justificar a qualidade oficial do
agente diplomático. Esta, ao contrário, é dada, segundo a prática dos Estados, por uma declaração expressa do Poder Executivo do
Estado acreditado. O mesmo vale pelo passaporte diplomático.