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Publicações do Cidehus
Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da
Universidade de Évora
História e Relações Internacionais | Luís Nuno Rodrigues,
Fernando Martins

A prática diplomática na Europa do Antigo


Regime
**Pedro Cardim**

Ο presente ensaio apresenta os resultados parciais do projecto de investigação


Optima Pars II – As Elites da Sociedade Portuguesa do Antigo Regime, coordenado
por Nuno Gonçalo Monteiro e financiado pela Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (Ministério da Ciência e da Tecnologia), pelo Instituto de Ciências Sociais
da Universidade de Lisboa, pela Universidade de Évora e pela Universidade Nova de
Lisboa. Desejo agradecer a Isabel Cluny a leitura e a crítica de uma primeira versão
deste texto. As suas sugestões em muito ο beneficiaram.

No longo período compreendido entre 1450 e ο final do século XVIII a


diplomacia sofreu uma profunda transformação. Em meados de
Quatrocentos a interacção diplomática surge ainda como uma actividade
pouco desenvolvida e pouco frequente; em pleno século XVIII, pelo
contrário, os laços diplomáticos apresentam já contornos bastante
complexos, afirmando-se como um ramo cada vez mais importante da
acção da Coroa. Foram três séculos de mudanças, três séculos que
alteraram por completo a natureza das missões diplomáticas, bem
como ο seu lugar napolítica europeia.
Estas mudanças não passaram despercebidas à recente historiografia, e a
verdade é que, nos últimos quinze anos, a diplomacia se converteu num
dos temas mais frequentados pelos historiadores que se ocupam da
Europa da época moderna. A este investimento historiográfico não é
certamente alheio ο facto de, entre 1996 e 1998, se terem realizado vários
encontros científicos para assinalar a passagem de trezentos e cinquenta
anos sobre a assinatura dos tratados de Vestefália (1648-1998). As actas
das grandes conferências realizadas em Münster, em Osnabrück, em
Paris e em outros locais da Europa foram já publicadas, proporcionando
uma enorme quantidade de novos dados e de novas perspectivas sobre a
diplomacia e a sua evolução histórica2. Como resultado desse inusitado
interesse, dispomos hoje de um considerável número de trabalhos sobre
as origens e ο desenvolvimento da actividade diplomática, e, em
especial, sobre ο impacto que os «tratados da paz geral», assinados em
1648, exerceram sobre as relações externas.
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Nesta recente massa de investigação sobre a história do dispositivo
diplomático há um aspecto que ressalta: a análise da diplomacia e da sua
evolução possui uma relação cada vez mais estreita com ο estudo da
formação dos aparelhos de governo e de administração3. De facto, os
historiadores têm demonstrado que uma das facetas mais importantes
do desenvolvimento da actividade governativa e administrativa terá sido
ο crescimento do dispositivo diplomático das diversas casas reais. Ο
presente ensaio tem precisamente como finalidade dar conta dos
aspectos mais salientes dos trabalhos produzidos pela recente
historiografia, concedendo uma especial atenção a esta articulação entre
ο desenvolvimento da diplomacia e ο crescimento do aparelho
administrativo. Como se poderá verificar, ο ponto de vista adoptado será,
em geral, europeu, se bem que, aqui e ali, ο caso português seja
convocado.

A matriz itálica
Apesar de ser um fenómeno geral e registado à escala europeia, não
restam hoje dúvidas de que ο desenvolvimento da diplomacia ocorreu, de
um modo especialmente precoce, no espaço italiano. A Itália do século
XV era composta por várias cidades-estado, cada uma delas com um
grau de organização e de desenvolvimento bastante acentuado, contando
com cinco principais entidades - ο ducado de Milão, a República de
Veneza, a República de Florença, ο Estado da Igreja, ο Reino de Sicília e
Nápoles -, e com um número significativo de cidades-estado com um
menor poderio político. Devido a esta situação de partilha do poder, a
Itália deste tempo costuma ser encarada como uma espécie de
microcosmos da evolução do dispositivo político- diplomático, sendo
costume dizer-se que ο facto de esta região da Europa se caracterizar por
uma acentuada fragmentação política foi propício ao desenvolvimento
prematuro de um sofisticado dispositivo diplomático. A situação de
fragmentação do poder proporcionou aos italianos uma peculiar
experiência, impondo ο convívio quotidiano entre regimes governativos
muito díspares, já que principados e repúblicas coexistiam face-a-face.
Ao mesmo tempo, esta situação obrigou os grandes potentados a
relacionarem-se com as pequenas cidades-estado, para além de ter
levado as autoridades urbanas a uma permanente vigilância face às
ingerências vindas do exterior. Em certo sentido, a Itália representava,
em miniatura, aquilo que a Europa viria a ser nos séculos que se
seguiram.
Entre os estados que compunham a Peninsula Itálica chegou mesmo a
existir uma certa ideia de «Lega Italica», de confederação, a qual foi
concebida, pela primeira vez, pelo papa Martinho V, com ο objectivo
confesso de criar, em torno da Santa Sé, uma cintura de protecção contra
os projectos de hegemonia europeia que estavam então a surgir,
sobretudo por parte das Coroas ibéricas, de França e do Sacro-Império4.
Como assinalou recentemente Ricardo Fubini, independentemente da
sua realização, a mera formulação da ideia de «Lega Italica» representa ο

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reconhecimento da existência de um novo tipo de estado territorial, à
margem das rígidas hierarquias feudais5.
Todo este ambiente político terá também sido favorável a uma profusa
reflexão sobre cerimonial e cortesias, e, ainda, à curialização da elite
aristocrática, a qual monopolizou os principais postos nas várias cortes
principescas da Península Itálica. A aristocracia logrou controlar os
principais postos de governo, civil e militar, e os cargos diplomáticos não
foram excepção, pois também nessa área se fez sentir ο predomínio
aristocrático.
Por último, a circunstância de os italianos se encontrarem
geograficamente situados entre a Europa Ocidental e ο Mediterrâneo
Oriental também foi determinante, pois fez com que entre eles
surgisse uma especial aptidão para desempenhar ο papel de
interlocutores entre ο Ocidente e Bizâncio. A República de Veneza, em
particular, especializou-se nesta prática, e após a queda de
Constantinopla muitos venezianos continuaram a monopolizar os
contactos entre a Sublime Porta e os príncipes ocidentais6.A par da
precocidade do caso italiano, um outro aspecto que se destaca nos
trabalhos dedicados à diplomacia do Antigo Regime é a chamada de
atenção para a dimensão de alteridade. Na verdade, quase todos os
estudiosos sublinham as muitas diferenças que existem entre aquele que
era ο entendimento das relações externas durante ο período que se
estende do século XV ao XVIII, e aquilo que actualmente se encontra por
detrás da palavra Diplomacia. A Diplomacia, hoje, é vista como um
ramo da administração pública, como uma actividade exclusiva da
instituição estatal de cada país, sendo assegurada por funcionários
públicos naturais do país que representam, actuando em nome do Estado
a cujo serviço se encontram, e agindo em prol dos interesses da
população que está sob essa entidade estatal. Além disso, a actividade
diplomática é regulada por princípios e por normas que pertencem a um
ramo específico do Direito Público, ο Direito Internacional Público, ο
corpus normativo que disciplina a interacção entre Estados soberanos.
José Calvet de Magalhães - um destacado diplomata português e ele
próprio um estudioso do fenómeno diplomático - propôs recentemente
uma definição de diplomacia. Para Calvet de Magalhães, a diplomacia é
ο instrumento pacífico mais típico desse sector da acção do Estado que é
a «Política Externa», devendo ser definida, fundamentalmente, como
técnica de «contacto internacional». Tal contacto supõe, desde logo, uma
noção mais ou menos consensual de paridade entre os vários Estados
envolvidos nessa interacção, bem como ο reconhecimento de um
determinado conjunto de normas que governam esse relacionamento, ο
qual, na sua essência, procede por meios pacíficos. Quanto a métodos de
negociação, segundo Calvet de Magalhães a política externa assenta,
fundamentalmente, em três procedimentos: as negociações directas, a
diplomacia e, ainda, a mediação7. Por último, outra faceta da actual
diplomacia é ο facto de os representantes desempenharem ο papel de
expositores, e não de autores, da política externa do Estado a cujo se
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serviço se encontram.
Na Europa de finais do século XV ο cenário diplomático era bem
diferente daquele que acabou de ser apresentado de forma muito
esquemática, pois boa parte dos traços mais típicos da actual diplomacia
estão pura e simplesmente ausentes. Desde logo porque em vez do
Estado, eram as casas reais quem protagonizava a pouca interacção
diplomática que então existia, e até ao século de Quinhentos as relações
entre entidades políticas resumiram-se, praticamente, aos laços de
parentesco estabelecidos entre membros de diversas casas reais. Em vez
de contactos pacíficos numa base permanente, predominavam as
situações de guerra, e as poucas iniciativas diplomáticas que tiveram
lugar nesses anos visaram precisamente sanar conflitos militares. É certo
que, com ο tempo, a prática diplomática começou a dar mostras de se
querer autonomizar da mera tarefa de resolver conflitos, passando a ser
vista, também, como instrumento de negociação sobre outro tipo de
matérias para lá das questões bélicas, como era ο caso dos interesses
comerciais. Todavia, a original ligação entre a guerra e a diplomacia
revelou-se perene, perdurandodurante muito tempo.
Outra faceta da prática diplomática desses tempos recuados é ο facto de
a Coroa não deter ο monopólio da comunicação oficial com as
autoridades exteriores ao reino. De facto, nenhuma das coroas da
Europa detinha ο exclusivo da representação no exterior, pois para além
da família real, outras entidades mantinham uma representação
permanente além-fronteiras, como era ο caso da Igreja e das principais
casas aristocráticas. Como se pode calcular, essas diversas
representações diplomáticas nem sempre actuavam de uma forma
concertada. Acresce que não era raro um dignitário representar, em
simultâneo, vários príncipes, por vezes nem sempre amigos entre si –
prática que seria impensável na diplomacia nos nossos dias.
Ainda assim, ao longo do século XV, e muito por influência da
experiência italiana, a actividade diplomática foiapresentando
contornos mais complexos, sendo já possível encontrar uma prática
negocial com uma componente de representação mais vincada, ou seja,
ο ambasciatore surge já como ο representante, como aquele que fala em
nome do seu senhor, ο qual poderia ser tanto uma autoridade secular
como um dignitário eclesiástico. Além disso, alguns diplomatas vão
assumindo a função de recolha de informação, tarefa que, no futuro,
constituirá uma das suas mais fundamentais incumbências. Por ultimo,
neste período surgem os primeiros diplomatas envolvidos em
negociações complexas e demoradas.
Como se sabe, a difusão da prática diplomática, desde Itália, é um
processo que se relaciona com a emergência de novos potentados na
Europa Ocidental de Quatrocentos e de Quinhentos. Ao mesmo tempo
que se afirmavam na cena internacional, as casas reais que estavam à
frente de tais potentados desenvolveram ο seu dispositivo governativo e
administrativo, criando as condições necessárias para encetar relações a
uma escala muito mais vasta. Com ο século de Quinhentos surgem os
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primeiros príncipes seculares capazes de pôr em prática estratégias
políticas com uma projecção mundial, algo que, como não podia deixar de
ser, se reflectiu profundamente nos processos negociais. Até aí as
diferentes cortes régias limitavam-se aos contactos bilaterais com os seus
vizinhos mais próximos, comunicando entre si numa base irregular,
mediante enviados ou outro tipo de intermediários mais ou menos
temporários. No século XVI, pelo contrário, as possibilidades de
comunicação a longa distância tornaram-se muito mais amplas, ο que
ditou ο alargamento do espaço de interacção política.
Outra importante novidade da actividade diplomática desenvolvida
nestes anos foi ο aparecimento de representantes com um carácter
permanente. As primeiras embaixadas permanentes de que temos
notícia são, uma vez mais, italianas, tendo surgido ainda no século XV.
Porém, aos poucos as demais entidades políticas europeias foram
adoptando ο sistema de embaixador residente, ou seja, passaram a
contar com representantes com um carácter permanente junto de cortes
estrangeiras. Tanto a Santa Sé como os Habsburgo austríacos –
sobretudo sob Maximiliano I –, implementaram muito rapidamente esse
sistema de embaixadores permanentes8. Na Península Ibérica ο
dispositivo diplomático desenvolveu-se no mesmo sentido, tanto em
Aragão como em Castela, se bem que mais lentamente9. Em Portugal,
um dos primeiros embaixadores residentes em Roma foi designado em
1512: tratava-se de João de Faria, um jurista de formação, seguindo-se ο
famoso D. Miguel da Silva. De acordo com Calvet de Magalhães, a França
também demorou algum tempo a estabelecer ο seu dispositivo
permanente de embaixadores, mantendo-se apegada a um outro regime
de relacionamento entre diferentes casas reais, regime esse que tinha
origens ancestrais: os encontros pessoais entre monarcas10.
Construida a partir do século XVI, a rede europeia de diplomatas
permanentes assumiu, rapidamente, dimensões absolutamente inéditas,
em termos da sua extensão mas também da intensidade e da
complexidade das relações estabelecidas entre os diversos príncipes
seculares e eclesiásticos. E a despeito da radicalização do antagonismo
religioso entre Católicos e Protestantes, e do esforço dos principes
católicos para restringir a comunicação com ο Norte Protestante, ao
longo do século de Quinhentos a actividade diplomática contou com
excelentes condições para se desenvolver.
Sintomaticamente, foi também em Itália que viu a luz um dos
primeiros tratados especificamente dedicados à arte diplomatica: ο De
officio legati, escrito em 1436 pelo diplomata veneziano Ermolao
Barbaro e impresso em Roma nos finais de Quatrocentos. Em face do
grande número de obras publicadas nos anos subsequentes, podemos
afirmar, com segurança, que ο interesse pela temática diplomática não
parou de aumentar: de 1498 a 1598 foram impressos dezasseis livros
sobre diplomacia; nas duas décadas que se seguiram, e até 1620,
surgiram vinte e um novos livros, um quantitativo sem dúvida
impressionante.
Devido a esta literatura, e também a toda a experiência que ia sendo
adquirida e acumulada, ο ofício de diplomata começou a ganhar
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contornos mais nítidos, embora seja notória, ainda, alguma fluidez. A
designação que era então atribuída ao servidor diplomático, por
exemplo, denotava uma certa indefinição: falava-se em Orator, em
Commissarius, em Nuncius, em Deputatus, em Legatus ou em
Consiliarius. Além disso, apesar da vulgarização da figura do
embaixador residente, vários príncipes europeus continuaram a
manifestar relutância em aceitar a presença cada vez mais constante, na
sua corte, de representantes de príncipes estrangeiros. Muitas
autoridades deste período chegaram mesmo a recusar-se a receber
enviados diplomáticos, expressando a sua desconfiança face ao
verdadeiro propósito dessas missões, devido ao receio de espionagem. A
propria profissão diplomática, como veremos mais adiante, tinha ainda
fronteiras algo ambíguas, e em certos momentos mal se distinguia da
função de agente secreto ou de espião. Significativamente, no léxico
coetâneo não marcam presença nem a palavra «diplomata» nem ο
conceito «diplomacia».

Ο projecto do «Império Universal»


Durante ο século XVI as relações diplomáticas entre os diferentes
príncipes (eclesiásticos e seculares) foram fortemente condicionadas por
um ideal que, apesar das suas ancestrais origens, continuava a contar
com muitos adeptos: a ideia de «Império Universal». Como é bem
sabido, em pleno século de Quinhentos continuavam a ser numerosos
aqueles que acreditavam que a humanidade deveria organizar-se
segundo um domínio único, alegando que essa situação política era a
mais conforme aos desígnios da divindade.
Este ideal, que tinha também muito de crença religiosa, estava
estreitamente associado aquele que era ο entendimento coetâneo do
conjunto formado pelas várias entidades políticas cristãs. De facto, em
pleno século XVI todas as entidades políticas continuavam a
reconhecer-se na ideia de que faziam parte de um cosmos
harmoniosamente ordenado pela divindade, estruturado de forma
orgânica numa estrita hierarquia de graus, distinções e dignidades.
Neste contexto, as repúblicas, os marquesados, os ducados, os
principados e os reinos eram tidos como membros de um todo
orgânico, membros qualitativamente muito diversos, escalonados
numa linha ascendente convergente para Deus. Acreditava-se que esse
todo orgânico, criado por Deus, era, por isso, mesmo fixo, imutável e
indisponível para os homens. Todos os propósitos de organização
deveriam levar em conta essa estrutura orgânica e respeitar essas
diferenças, e para aqueles que não respeitassem tais princípios ou que
atacassem essa organizaçao, a guerra era não só «justa» mas também
um dever de todos os cristãos11.
É inegável que esta maneira de conceber as relações no espaço europeu
reflectia, também, uma profunda aspiração de concórdia e um desejo
religioso de paz, sentimentos ardentemente acalentados pelos europeus
numa época em que a cena internacional se revelava cada vez mais
competitiva12. Ο ideal de «Império Universal» possuía fortes ressonâncias
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religiosas, pois estava associado à noção de Respublica Christiana,
expressão que denotava um conceito de comunidade caracterizado, antes
de mais nada, por assentar em laços espirituais instaurados pela religião.
Na Europa de Quatrocentos e de Quinhentos todas estas aspirações de
unidade e de paz estiveram bastante em voga e, à semelhança do que se
passara em épocas anteriores, muitos manifestaram a convicção de que
certos príncipes – eclesiásticos ou profanos – estavam investidos da
missão divina de instaurar essa comunidade espiritual e de promover a
paz em todo ο mundo. A nostalgia da idade imperial da Antiguidade
Romana, muito presente em toda a Europa Ocidental deste período,
também concorreu paramanter viva a admiração pelo poder universal.
Foi em Italia que estes ideais encontraram mais adeptos. Nessa região
chegaram mesmo a escutar-se apelos à formação de uma «Lega Italica»,
a qual, para muitos, seria ο primeiro passo para a unificação da
Península Itálica, um processo que tinha subjacente a ideia de que tal
união iria ser ο prelúdio de uma paz universal, uma reedição, uma
renovatio do imperium, da paz e da justiça. Esta ideia de renovatio
imperial inspirou muitos humanistas italianos, para quem ο Latim iria
ser como que a língua franca dessa ordem universal. Cumpre não
esquecer que ο irenismo, ο profundo desejo de paz e a pacificação entre
os homens – a querelapacis, a «luta pela paz» de que falava Desidério
Erasmo – eram alguns dos temas mais salientes do ideário humanista13.
Marcel Bataillon, grande estudioso do pensamento de Erasmo de
Roterdão, demonstrou que ο irenismo constitui um dos temas mais
omnipresentes do ideário erasmiano. Ainda que não tivesse dedicado
uma obra à temática imperial, Erasmo, em alguns dos seus escritos,
confessa a admiração que sentia pelo imaginário do Império, associando-
o a um projecto de paz universal, a qual anunciaria a renovação da
Cristandade e ο seu regresso a uma certa Idade de Ouro14. Cumpre não
esquecer que, nas gerações que se seguiram, as posições irenistas de
Erasmo de Roterdão continuaram a ter muitos adeptos, contando-se entre
eles ο famoso Hugo Grócio.
Este excurso sobre a temática imperial poderá parecer, talvez, demasiado
longo, mas a verdade é que ele é importante para ο tema que estamos a
analisar, pois permite compreender melhor ο modo como ο imaginário
do «domínio universal» condicionou toda a evolução da diplomacia no
século XVI. Na verdade, enquanto teve adeptos, este ideário favoreceu
uma moral muito mais voltada para os interesses do conjunto da
Cristandade, concedendo pouco espaço para a afirmação do
individualismo político. Além disso, ele serviu também para justificar a
subordinação dos vários principes cristãos à autoridade que se
apresentava como investida da dignidade Imperial. Ο Papado, os
Habsburgo austríacos e a Monarquia Hispânica, cada um à sua
maneira, apropriaram-se deste imaginário, utilizando-o para legitimar
projectos políticos hegemónicos, ο mesmo sucedendo, um pouco mais
tarde, com a Monarquia Francesa. Como consequência, a estratégia
diplomática destes vários potentados foi modelada por uma visão

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imperial da política europeia, facto que concorreu para converter os
embaixadores dos Habsburgo e os legados do Papado em representantes
activos de projectosuniversalizantes.

A Santa Sé e a pretensão do domíniouniversal


A presença do imaginário imperial na diplomacia é muito visível no caso
da Santa Sé e na sua postura face às autoridades políticas da Europa
medieval e moderna. Como mostrou Paolo Prodi15, desde meados do
século XI ο Papado teve de se adaptar à afirmação dos novos reinos
cristãos europeus, tendo sido precisamente nessa altura que surgiu um
sistema duradouro de coexistência entre a Santa Sé e os príncipes
seculares, sistema esse que só se dissolveu a partir de 1648, com os
acordos assinados na Vestefália. De facto, até esse período a Igreja,
enquanto entidade supra-nacional, reivindicou uma autoridade espiritual
universal e, com base nisso, não se limitou a desempenhar ο papel de
árbitro entre as diversas casas reais, acabando mesmo por intervir
activamente nos assuntos internos dos vários reinos cristãos. Para
legitimar esse seu comportamento ο Papado invocou, precisamente, ο
título de «Vigário de Cristo» e de «Chefe da Igreja», uma chefia que
transcendia as soberanias temporais, em especial em matérias que se
relacionavamdirecta ou indirectamente com a religião.
Ao comportarem-se deste modo, os sucessivos Papas apresentavam-se
como autoridades investidas de uma missão providencial de pacificação.
Porém, esta postura interventora da Santa Sé supunha, igualmente, um
entendimento vertical e hierárquico das relações entre ο Papado e os
demais príncipes cristãos, no quadro do qual se reconhecia ao pontífice ο
direito de ingerência nos assuntos internos de cada reino. A fim de pôr
em prática esses propósitos, ο Papado desenvolveu instrumentos que
regulavam ο seu relacionamento com as diversas autoridades cristãs.
Entre esses instrumentos destacam-se asConcordatas e as Nunciaturas.
As primeiras são, como se sabe, acordos individuais entre autoridades
espirituais e políticas, acordos esses regulados, naquele período,
exclusivamente pelo Direito Canónico. Nesse sentido, as concordatas
podem ser vistas como um desenvolvimento importante no que toca ao
Direito Internacional, pois reflectem um esforço para disciplinar,
juridicamente, as relações entre ο Sumo Pontífice e as diversas casas
reais. Porém, cumpre não esquecer que essas concordatas tinham
implícita a noção de que entre as partes não existia uma relação
paritária. Em vez disso, reconhecia-se à Santa Sé uma posição
jurisdicional mais preeminente, e muitas dessas concordatas
consagravam, precisamente, ο direito que assistia ao Papado de intervir
nas questões internas dos vários reinos cristãos.
Quanto às Nunciaturas, elas eram os órgãos de ligação entre ο Papado, as
Igrejas locais e, sobretudo, os vários príncipes seculares. As nunciaturas
tinham à sua frente ο Núncio, um ministro que, em termos de estatuto,
possuía a condição de representante de um príncipe – ο Papa, suprema
autoridade espiritual – junto de outro príncipe, desta feita temporal. Ο

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Núncio representava ο estado pontifício junto dos poderes seculares, e a
sua presença nas diversas cortes europeias generalizou-se no século XVI,
substituindo os Legados, muito mais frequentes no período medieval. A
partir do século de Quinhentos cada rei que reconhecia ο estatuto do
Núncio enviado por Roma ficava com a obrigação de manter um
embaixador residente na Santa Sé. Em nome do princípio da
reciprocidade, ο reino que recebesse um Núncio teria de manter um
embaixador residente em Roma, embaixador esse que, ao chegar à sede
pontifícia, deveria pronunciar a chamada «oração obediencial», ou seja,
a oração solene em que ο diplomata – falando em nome do príncipe que
ο enviara – afirmava solenemente que ο seu senhor reconhecia a
autoridade do Papa e ο seu estatuto de soberano espiritual16.
Manifestações ritualizadas de reconhecimento da soberania pontifîcia,
essas orações comportavam também ο reconhecimento, por parte do
senhor que enviou esse emissário, do lugar da sua coroa na ordem
hierárquica da Cristandade, no topo da qual se encontrava ο Sumo
Pontifice.
Os Núncios estavam investidos de vastos poderes fiscais e jurisdicionais,
representando, no fundo, um poder supra- nacional que, em nome do
Papa, interferia no espaço jurisdicional das diversas coroas europeias.
Em teoria, a fînalidade do Papado era promover a paz entre as
autoridades cristãs, mas a verdade é que acabou por provocar toda
uma série de conflitos. Até 1559 a diplomacia pontifícia teve uma
actuação relativamente moderada, pois estava condicionada pelo
equilíbrio de poderes na Península Itálica. Porém, nesse ano foi assinado
ο pacto entre Roma e a Monarquia Hispânica, ο qual viria a tornar-se na
base do sistema da Contra-Refoma, conferindo à diplomacia pontifîcia –
e também à dos Habsburgo17 – uma feição muito mais autoritária e
interventora. Como se sabe, apesar da oposição que gerou, esse tratado
ditou ο alargamento da jurisdição da Igreja nos diversos reinos católicos,
autorizando a intervenção pontifîcia em sectores muito vastos da política
interna desses territórios18.
Face à Santa Sé a situação da Inglaterra e da França era distinta, e nestes
reinos a ingerência pontifícia enfrentou sempre uma grande resistência,
sobretudo no segundo caso, pois no contexto francês existia uma antiga e
pujante tradição “galicana”. No contexto da fragmentação confessional e
das guerras da religião, ο Papa surgiu como ο paradigma do príncipe
simultaneamente espiritual e temporal, um modelo que ja não era viável
na paisagem política francesa. Ainda assim, a interferência pontifícia nos
assuntos internos franceses continuou a ser fortíssima, e ο Papado,
juntamente com a Monarquia Hispânica, estiveram por detrás das
guerras civis e religiosas que dividiram os franceses a partir de meados
de Quinhentos19. Em Inglaterra, por seu turno, a posição de cisma
assumida por Henrique VIII e a decisão de fundar a Igreja Anglicana,
tornaram a intervenção romana bem mais reduzida.
Os Concilies, enquanto assembleias que reuniam representantes do clero
de toda a Europa, eram outra forma de ο Papado intervir na cena
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política. Aliás, até ao século XV as grandes questões do interesse comum
da Respublica Christiana foram debatidas e resolvidas, sobretudo, no
quadro dos Concílios, onde ο papel mais fundamental era desempenhado
por dignitários com formação em Teologia ou em Direito Canónico.
Todavia, a partir de meados de Quatrocentos a situação começou a
mudar, registando-se a mobilização de leigos para ο desempenho de
algumas dessas missões de representação. Deu-se aquilo que Marc
Fumaroli designou de «crepúsculo político da teologia diplomática»20.
Ainda assim, nos concílios realizados durante ο século XVI coube aos
teólogos ο papel mais marcante, e ο Concilie de Trento, mais do que
qualquer outro, ilustra na perfeiçãoaquilo que acabámos de afirmar.
No que concerne à época em que se realizou ο Concílio de Trento,
cumpre referir que, na segunda metade de Quinhentos e ao longo do
século XVII, ο Papado, a fim de vincar ο seu protagonismo politico, tirou
partido dos dois grandes conflitos em que os católicos se viram
envolvidos: a luta contra os Protestantes, e, sobretudo, ο combate contra
ο avanço dos Turcos na Europa Oriental. Há que não esquecer que, a
pretexto da guerra contra os Otomanos, ο ideal de cruzada voltou a ser
reavivado, e ο Papado liderou esses apelos, deles retirando dividendos
políticos muito amplos21. No fundo, através desses gestos ο Sumo
Pontífice procurava afirmar-se como ο principal líder da Cristandade.

Os Habsburgo e ο seu projecto hegemónico: hierarquia e


ingerência
No seu magistral estudo sobre ο ideário imperial, Frances Yates analisou
detalhadamente a figura de Carlos de Habsburgo, ο qual, como é bem
sabido, foi sagrado imperador em 1519. Após a morte de Maximiliano I,
Carlos conseguiu levar a melhor sobre os demais candidatos ao título
imperial. Uma vez no poder, e graças a uma estratégia que conjugou as
alianças dinásticas e a conquista militar,
Carlos V alcançou uma autoridade efectiva sobre uma parte substancial
da Europa, submetendo, também, vastos territórios nos outros
continentes. Este domínio tão alargado conferiu ainda mais força ao
projecto imperial que, desde ha séculos, andava associado à família dos
Habsburgo, e sob Carlos V ο desígnio de poder universal foi mais do que
nunca entendido como uma renovação, operada através da instauração
de um domínio único em todo ο mundo22.
De acordo com a mesma F. Yates, a personalidade de Carlos V concorreu
decisivamente para intensificar a ideia de renovatio, não só na política
terrena mas também na sua dimensão mais propriamente espiritual. Ο
imperador sentiu-se continuador da tradição da monarchia universalis, ο
que comportava ο dever e a obrigação sagrada de proteger a Cristandade.
Porém, no caso específico de Carlos de Habsburgo, este imaginário, de
raiz germânica, foi reforçado por elementos de variada proveniência,
como ο ideário de Cruzada de cunho hispânico, ο ideal cavaleiresco e ο
humanismo de raiz erasmista23. Profundamente religioso e piedoso,
Carlos V esforçou-se por assumir uma postura imperial, ostentando
constantemente um intenso sentido da responsabilidade da sua missão.
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Dessa maneira, corporizou, de um modo extremamente visível, a
missão/vocação renovadora do império, e os seus diplomatas
personificaram essa postura imperial, pois encararam as outras casas
reais europeias como entidades que deveriam acomodar-se aos
superiores desígnios do imperador.
A par dos propósitos hegemónicos, há que reconhecer que a estratégia
imperial dos Habsburgo envolvia um determinado conceito de segurança
e de equilíbrio à escala europeia. De facto, ο projecto imperial visava
instaurar uma situação de convívio pacífico entre diversos potentados,
embora tal dependesse, necessariamente, da submissão dos pequenos
estados, dos príncipes e das diversas comunidades, processo que nem
sempre se revelou pacífico. É bem sabido que, após Carlos V, ο título
imperial não passou para ο seu filho Filipe, e que este, logo no início do
seu reinado, deu mostras de não ter esperança de algum dia poder
governar todo ο mundo24.
No entanto, importa frisar que, apesar de tudo, a noção de Monarquia
Universal continuou associada à casa real dos Habsburgo espanhóis,
reflectindo não só a extensão do domínio, mas também ο carácter
heterogéneo dos reinos e dos territórios sobre os quais essa casa
dinástica erasoberana25.
Foi justamente nesse contexto que ο monarca hispânico passou a
ostentar ο título de Rex Catholicus, assumindo ο papel de Defensor
Fidei, de defensor da «Cristandade aflita» contra os ataques dos
Protestantes26. Como dissemos, Filipe de Habsburgo parece já não
acalentar a esperança de se converter em senhor de todo ο mundo.
Contudo, a despeito desta tomada de consciência de uma relativa
impotência, a noção de Monarquia Universal permaneceu associada à
casa real castelhana, condicionando fortemente ο estilo das relações
externas que foram mantidas por Filipe II e pelos seus sucessores. Os
enviados dos Habsburgo espanhóis desenvolveram, fundamentalmente,
uma diplomacia “confessional”, marcada por uma estreita articulação
entre as finalidades religiosas e os objectivos políticos da Monarquia
Hispânica27.
Num estudo recente dedicado a esta temática, Miguel Angel Ochoa Brun
qualificou a política exterior de Filipe II como «diplomacia de
predomínio»28. Segundo Ochoa Brun, este monarca promoveu uma
prática diplomática que jamais perdeu de vista um projecto de
hegemonia político-militar, algo que se tornou especialmente notório no
estilo de relações estabelecidas tanto com Inglaterra como com França.
Com os primeiros, os desentendimentos políticos e religiosos estiveram
na origem de uma situação de fricção quase permanente. No caso
francês, Filipe II manteve uma rede de agentes e de espiões que
apoiaram, constantemente, a Liga Católica, interferindo, sem qualquer
pejo, nos assuntos da política interna francesa29. Como consequência, no
quadro das atribuladas relações franco-espanholas da segunda metade
de Quinhentos, a fronteira entre a diplomacia e a espionagem tornou-se
muito ténue.

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Nas demais frentes diplomáticas a postura de Filipe II não foi muito
diferente daquela que acabámos de descrever. Isso mesmo é visível no
estilo de relacionamento que manteve com os estados de Itália,
incluindo a Santa Sé. De facto, entre Filipe II e ο Papado notam-se
muitos sinais da ancestral rivalidade entre os dois projectos de
hegemonia universal, e a postura regalista hispânica foi tenazmente
defendida pelos sucessivos embaixadores espanhóis em Roma, os quais
se intrometeram constantemente nos assuntos da Igreja. Importa não
esquecer, para além disso, que a Coroa hispânica tinha uma forte posição
territorial em Itália, já que os reinos de Nápoles, da Sicília e da Sardenha
faziam parte dos domínios de Filipe II, ο mesmo sucedendo com a região
Lombarda. Como seria de prever, tal situação gerou tensões tanto com ο
Papado como com as pretensões imperiais dos Habsburgo austríacos,
pois parte do Norte de Itália (Tirol e Trentino) pertencia ao ramo centro-
europeu dos Habsburgo.
A mesma postura de predomínio caracterizou a diplomacia de Filipe II
em relação à Península Ibérica. A ingerência da casa real castelhana nos
assuntos internos Portugueses tornou-se extremamente forte desde as
primeiras décadas do século XVI. Os seus embaixadores, e sobretudo as
princesas castelhanas que casaram com membros da família real
portuguesa, condicionaram fortemente a política interna lusitana,
desenvolvendo uma crescente pressão durante ο tempo que antecedeu
a crise sucessória de 1580, como que preparando a união dinástica que
viria a consumar-se em 158130.
Filipe II manteve, com grande consistência, a mesma atitude de
predomínio em todos os palcos diplomáticos em que se envolveu. Tal
sucedeu no âmbito dos seus contactos com ο Mediterrâneo Oriental, e
também nas negociações motivadas pela competição europeia na Ásia,
em África e, especialmente, na América. Ο incremento da pirataria,
aliado às primeiras incursões francesas e inglesas em terras americanas,
levou Filipe II a negociar, mas fê-lo sempre, e uma vez mais, com uma
postura de predomínio, exigindo ο direito exclusivo a estabelecer-se nos
territórios americanos, africanos e asiáticos. Nos últimos anos de
Quinhentos a diplomacia de Filipe II manteve a sua já habitual atitude
hegemónica, não obstante ο impacto negativo da derrota da «Armada
Invencível» ao largo da costa britânica (1588). Os seus sucessores,
Filipe III e Filipe IV, mantiveram, de um modo geral, esta postura de
predomínio ante os demais reinos europeus e face aos seus intentos para
ocupar parcelas do território ultramarino31.
Na primeira metade do século XVII a diplomacia da Monarquia
Hispânica permaneceu em consonância com ο projecto hegemónico dos
Habsburgo, embora se tenha ajustado ao curso dos acontecimentos.
Miguel Angel Ochoa Brun considera que a política exterior de Filipe III e
Filipe IV foi animada por três sucessivas preocupações: primeiramente,
entre 1598 e 1621 (reinado de Filipe III), nota-se um claro esforço de
pacificação, preconizado por D. Francisco de Sandoval y Rojas, duque de
Lerma e durante boa parte do reinado ministro favorito do rei32. Importa
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no entanto frisar que a Pax Hispanica instaurada nestes anos era uma
paz “à romana”, ou seja, era uma situação inseparável do predomínio da
casa de Habsburgo e dos seus interesses. Como demonstrou
recentemente Bernardo Garcia, apesar dos esforços para encerrar
conflitos que lavravam desde há muito, durante as primeiras décadas de
Seiscentos a Coroa espanhola continuou a preconizar uma
«diplomacia de predomínio», não se vislumbrando nenhum
entendimento mais paritário da cena política europeia33. Todavia, a este
período sucederam-se duas décadas de grande envolvimento bélico, uma
época durante a qual ο conde-duque de Olivares liderou a política
hispânica, levando as forças de Filipe IV a intervir em diversos teatros de
guerra. Por fim, a partir de 1640, e numa altura em que a Monarquia
Hispânica estava a ser derrotada em várias frentes militares e a ser
desestabilizada por graves revoltas internas, a prioridade terá sido a
defesa da reputação34.
Em síntese, até meados do século XVII predominou uma prática
diplomática muito marcada pelos dois principais projectos de poder
universal, ο Pontifício e ο dos Habsburgo espanhóis. Esta situação fez
com que a diplomacia do período compreendido entre 1550 e 1650 fosse
modelada por um entendimento organicista do conjunto formado pelas
entidades políticas cristãs. Vigorava um sistema de relações vertical e
fortemente hierarquizado, pautado por uma flagrante ausência de
igualdade, dado que os estados pequenos tinham de prestar vassalagem
às autoridades que se apresentavam como universais. Além disso,
negava-se ο direito de soberania a muitos estados pequenos, os quais
foram objecto de sistemáticas ingerências por parte dos poderes com
intenções imperiais, sem que tal tivesse sido denunciado ou criticado.
Acresce que as relações diplomáticas quase que se resumiram à
resolução de questões entre diferentes famílias reais, ou a
negociações preparatórias de uniões matrimoniais entre membros de
diferentes casas dinásticas.
Por último, é importante sublinhar que a postura de predomínio dos
Habsburgo não significou que ο relacionamento entre essa casa dinástica
e os demais estados tenha sido necessariamente tirânico ou autoritário.
Estudos recentes demonstraram que organizações políticas como a
Monarquia Hispânica ou os domínios dos Habsburgo austríacos se
assemelhavam bastante a uma confederação, pois garantiam às partes
que as compunham um grau muito acentuado de autonomia. Além disso,
tais organizações desenvolveram as suas próprias formas de regulação,
as quais, durante um considerável periodo de tempo, se revelaram
capazes de harmonizar as relações entre os reinos e os territórios que
integravam esses grandes conglomerados políticos. No entanto, embora
desfrutassem de amplíssimas liberdades, os territórios que integravam a
Monarquia Hispânica viam negados alguns direitos que, com ο tempo,
viriam a ser considerados fundamentais: não podiam optar por sair
desse grande aglomerado político, nem podiam desenvolver contactos
exteriores sem a prévia autorização dos Habsburgo.

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Ο Congresso de Vestefália. Um momento de viragem?
Os europeus acalentaram, durante muito tempo, ο ideal do poder
universal, revelando, até, alguma relutância em abdicar dele, mesmo
quando a Europa se viu mergulhada em conflitos intestinos. A verdade é
que, no século XVI, esse “sonho” estava já a dar sinais de desgaste. A
Reforma Protestante, mais do que qualquer outro evento, representou um
rude golpe nos projectos universalizantes, abalando seriamente os
propósitos católicos de unidade. A Inglaterra e a França, e mais tarde as
Províncias Unidas, tiraram partido do enfraquecimento sofrido tanto
pelo Papado como pelos Habsburgo centro-europeus. Quanto à
Monarquia Hispânica, desde ο final de Quinhentos e até à década de
1640 viu-se acossada em várias frentes bélicas, envolvendo- se numa
série de conflitos cuja intensidade se acentuou a partir da década de
1620, altura em que a chamada «Guerra dos Trinta Anos» assumiu
proporções europeias.
Retrospectivamente, podemos dizer que ο século de Seiscentos acabou
por ser marcado pelo grande desafio que a Coroa francesa lançou à
hegemonia dos Habsburgo. Ao mesmo tempo que as forças hispânicas
iam acumulando derrotas militares, ο dispositivo agregatório que
durante algumas décadas conferira coesão à Monarquia Hispânica foi,
aos poucos, perdendo eficácia, e os conflitos sucederam- se no interior
dos domínios dos Habsburgo. Com ο eclipse do poderio espanhol, iam-
se afirmando outros projectos hegemónicos, como ο da casa real de
França e, mais tarde, ο de Inglaterra, embora nenhum deles tenha
chegado a alcançar ο poderio que caracterizara, nas décadas anteriores, ο
Monarca Hispânico. Na verdade, no vazio de poder resultante da
«Guerra dos Trinta Anos» nenhum potentado se revelou suficientemente
forte para alcançar a hegemonia, e tal situação acabou por se revelar
propícia ao aparecimento de uma situação internacional caracterizada
por um certo conceito de equilíbrio.
Significativo é também ο facto de, ao longo destes anos, a própria
postura dos embaixadores de Filipe IV ter começadoa mudar. A partir de
1641, e depois de sucessivas derrotas, a prioridade da diplomacia
hispânica foi a defesa da reputação da Coroa dos Habsburgo espanhóis, ο
que, segundo Ochoa Brun, terá implicado uma incessante negociação,
mas agora com uma disposição nova, já que os embaixadores espanhóis
desenvolveram um esforço inédito de conciliação com as entidades
políticas exteriores à Monarquia Hispânica35.
A mudança estendeu-se a todos os sectores, e nem sequer ο Sumo
Pontífice foi poupado. Até aí assistira-se a sucessivas tentativas da Santa
Sé para condicionar as opções políticas dos vários príncipes católicos,
tanto mediante os Núncios e as Concordatas, como através de
expedientes punitivos como ο Interdite ou a Excomunhão. Porém, a
verdade é que, em pleno século XVII, esses expedientes pontifícios
estavam a tornar-se cada vez menos eficazes. Ο protagonismo do Papado
na cena europeia estava claramente a diminuir, e ο que melhor simboliza
esta viragem são os termos em que assentaram quer a paz de Vestefália
(1648), quer a paz entre França e a Monarquia Hispânica (1659). A Santa
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Sé foi praticamente marginalizada dos tratados resultantes dessas
negociações, ο que representou uma clara derrota para os seus esforços
de protagonismo e para ο seu empenho em desempenhar um papel de
mediação36.
A prioridade passava agora por alcançar uma paz segura, duradoura e
mais ou menos digna para todas as partes. Procurava-se criar um regime
de relações que se caracterizasse por uma certa complementaridade, à
semelhança do que já se passava no interior de cada reino. Falava-se,
com cada vez maior insistência, em «paz geral», expressão que, de resto,
foi frequentemente utilizada pelos diplomatas presentes em Münster e
em Osnabrück em meados da década de 1640. Sucederam-se as
propostas de dispositivos de segurança colectiva, começando-se a
conceber a noção de protecção das partes contratantes. Vislumbrou-se
uma certa ideia de “comunidade internacional”, uma comunidade que,
de alguma maneira, deveria estar baseada no direito positivo, e na
preservação da qual deveriam participar todos os membros dessa
organização.
Podemos assim dizer que, desde meados de Seiscentos, a generalidade
dos reinos e das repúblicas se empenhou em alcançar uma situação de
paz na Europa, traduzindo-se tal empenho na realizaçao de várias
negociações multilaterais para calar as armas e para que fossem firmados
acordos. Foi precisamente nessa altura que começou a estar em voga um
novo procedimento diplomático: a negociação multilateral, através dos
congressos de paz. A partir da terceira década de Seiscentos os
congressos tornaram-se eventos frequentes: um dos primeiros teve lugar
em Colónia (1636), realizando- se um outro em Regensburg (1640), e
outro ainda em Passau (1644). Finalmente, a partir de 1643 teve lugar,
nas cidades de Münster e de Osnabrück, ο mais famoso destes eventos: ο
«congresso da paz geral».
As negociações de Vestefália – realizadas, como se sabe, entre 1643 e
1648 – acabam por ser ο sinal visível de que ο campo das relações entre
os diversos potentados europeus estava a sofrer uma profunda mutação.
Mais do que iniciadores da mudança, os tratados firmados em Münster e
em Osnabrück, para além de terem posto fim à «Guerra dos Trinta
Anos», representam uma das faces mais notórias da emergência de um
outro entendimento das relações entre reis, princípes, repúblicas e
Papado. A esse novo entendimento do xadrez político europeu os
historiadores actuais costumam dar ο nome de «equilíbrio do poder».
Depois de séculos em que imperou uma visão em que os aspectos mais
salientes das relações externas eram a hierarquia e a diferenciaçao
qualitativa entre as várias autoridades europeias, os líderes das diversas
casas reais começaram a falar, com crescente insistência, em igualdade,
em «paz duradoura» e em «equilíbrio do poder». Na mente dos chefes
dos principais reinos europeus que se opunham aos Habsburgo, esse
«equilíbrio» significava, no fundo, a convicção de que era necessário, e
possível, instaurar uma partição razoável e realista das forças em
presença.
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É certo que existia uma grande disparidade de opiniões face aos
congressos e face à negociação multilateral como forma de concertação.
Alguns princípes não esconderam a sua oposição face a esses
procedimentos diplomáticos. Além disso, importa ter em conta que ο
recurso a congressos para resolver conflitos era um expediente mais
próprio da Europa Central, sendo visto com desconfiança pelos
governantes das regiões mais ocidentais do velho continente. Seja como
for, ο facto de os congressos se terem tornado cada vez mais frequentes é
um indício evidente de que estava em curso uma profunda mudança na
cena internacional. Eram eventos que, no fundo, tinham subjacente ο
reconhecimento do direito que assistia aos pequenos estados de existir e
de perseguir os seus próprios interesses, sem verem a sua soberania
violada pelos demais potentados.
Estes valores estão na génese do Congresso de Vestefália, ο qual,
basicamente, visou substituir os mecanismos reguladores da Monarquia
Hispânica por um outro dispositivo. Esse novo dispositivo regulador
supunha, pelo menos em teoria, ο reconhecimento da igualdade jurídica
entre todos os estados, grandes e pequenos. Heinz Duchhardt,
especialista alemão nas negociações de Vestefália, recorda que por
Münster e por Osnabrück passaram delegações muito heterogéneas,
representando cento e quarenta e nove entidades políticas extremamente
diversas, caso das cidades alemãs (que se esforçavam por obter a
Reichsfreiheit ou Reichsstandschaft, ou seja, uma autonomia alargada
para as suas cidades); dos delegados da Hansa; dos representantes de
territórios em situação de rebelião armada, como a Catalunha; ou, ainda,
dos diplomatas de casas reais em busca de reconhecimento, como a de
Bragança ou a da Transilvânia37.
Além disso, Vestefália representou, também, a relativa consagração de
uma série de importantes princípios: estabeleceu, pelo menos no plano
teórico, a igualdade de direitos no que toca à crença religiosa;38;
consagrou ο princípio da intervenção; estatuiu ο direito de formar
alianças de uma forma livre e descomprometida; e, ainda mais
importante, de Vestefália saiu uma noção mais ou menos consensual de
que era necessário erigir um enquadramento normativo que regulasse,
de forma pacífica e com eficácia duradoura, as relações entre as diversas
casas reais, as várias repúblicas e a Santa Sé. Entre as principais
características das propostas de enquadramento entao debatidas
destacava-se, como vimos, ο seu caracter jurídico e positivo. Porém,
porventura ainda mais relevante era ο facto de muitas das entidades
presentes na Vestefália manifestarem a intenção de instaurar uma
separação mais ou menos clara entre a esfera normativa reguladora das
relações exteriores e aquilo que respeitava às questões religiosas. Dito de
outra forma, pretendia-se uma ordem internacional para a qual as
diferenças confessionais fossem irrelevantes.

Um novo entendimento das relações exteriores


Ao multissecular período marcado por relações hierárquicas e verticais

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entre as autoridades dos diversos estados, sucedia assim uma época
propícia a uma relativa paridade. Esta mudança de cenário teve
imediatas repercussões no campo da diplomacia, pois exigiu, da parte
dos vários príncipes, um esforço diplomático muito mais intenso e
diversificado. Pouco tempo antes do congresso de Vestefália, ο cardeal de
Richelieu afirmara, numa das suas mais famosas declarações, que a sua
grande preocupação enquanto governante era, cada vez mais, «négocier
sans cesse, ouvertement ou secrètement, en tous lieus...»39. Após 1648,
esta máxima tornou-se ainda mais acertada, e a fim de dar resposta a
essa exigência as várias casas reais não tardaram em desenvolver
serviços de “relações exteriores” com maior capacidade de resposta.
Importa no entanto frisar que, apesar de tudo, a segunda metade do
século XVII é ainda muito marcada por projectos de domínio universal,
ou pelo menos de domínio bastante extensivo, projectos esses que
continuaram a ser animados, de um modo mais ou menos explícito, por
uma fundamentação religiosa ou por reivindicações legalistas. Os antigos
territórios do império de Carlos Magno, por exemplo, serviram de
argumente para a Coroa de França reivindicar ο direito à soberania sobre
certas regiões40, levando a cabo a chamada «politique des réunions».
Registaram-se, portanto, muitas continuidades, designadamente no que
respeita às ânsias de domínio universal, ο que significa que Vestefália
não representou a passagem súbita e imediata de um sistema hierárquico
para um regime paritário.
A este respeito, é importante dizer que a «Paz da Vestefália» costuma ser
objecto de alguma mistificação, exagerando-se, frequentemente, ο seu
impacto no campo das relações externas. Na verdade, ao observarmos ο
panorama europeu posterior a 1648 rapidamente verificamos que ο
efeito da «paz geral», no que toca aos princípios mais fundamentais,
deixara bastante a desejar: ο respeito pela soberania só pontualmente foi
cumprido; a noção de igualdade, apesar de tantas vezes proclamada, só
em raras ocasiões foi efectivamente aplicada; quanto à neutralidade
confessional, este princípio demorou muito tempo até ser concretizado;
por fim, da «Paz de Vestefália» não resultou nenhum sistema eficaz de
segurança colectiva41. Em face disto, podemos dizer que, mais do que um
momento fundador, as negociações de Münster e de Osnabrück
foram sobretudo um sintoma de que algo estava a mudar no campo das
relações externas42, uma mudança que, em alguns aspectos, antecedeu
mesmo ο Congresso da Vestefália.
É importante ter em conta que este novo entendimento da interacção
internacional, emergente em meados de Seiscentos, se insere no
movimento mais geral de centralização administrativa, um movimento
que teve lugar um pouco por toda parte. No essencial, esse “impulso
centralizador” traduziu-se no esforço para conferir mais eficácia aos
aparelhos administrativos, e tal foi realizado não só através de reformas
institucionais, mas também mediante a utilização mais generalizada das
relações contratuais. Por outras palavras, ο contrato tornou-se no
instrumento a que cada vez mais se recorria para regular a interacção
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entre partes com interesses potencialmente conflituosos43,recorrendo-se
à força jurídica para comprometer as partes e para as fazer cumprir as
suas obrigações. Este sistema, aplicado ao terreno dos negócios
estrangeiros, previa também a existência de um dispositivo jurídico para
vigiar ο cumprimento das condições contratuais, ο que era decisivo para
gerar confiança e previsibilidade às relações entre as diversas entidades
políticas. Vislumbrava-se, no fundo, ο aparecimento de um determinado
conceito de “sociedade internacional”, e a pertença a essa “sociedade”
supunha ο reconhecimento e ο cumprimento de uma série de regras
partilhadas. Como notou Manuel Rivero, um outro sinal da valorização
do contrato como instrumento de regulação é ο aparecimento de
numerosas compilaçães de tratados, de que um dos primeiros exemplos é
a obra de Jean du Tillet, Recueil des guerres et traités de paix, de trêve,
d'alliance d'entre les roys de France jusqu'à Henry II (Paris, 1577- 78)44.
Para além destas novas perspectivas sobre ο relacionamento entre
estados, um outro traço marcante da diplomacia do século XVII é a
postura de pragmatismo que caracteriza muitos dos que protagonizam
essa actividade. Isso mesmo é notório no campo da arbitragem
internacional. É bem sabido que os primeiros esforços consistentes de
arbitragem de conflitos entre casas reais remontam ao século XV. Porém,
foi realmente no período de Seiscentos que tiveram lugar as iniciativas
mais notórias e com maiores implicações, tendo sido também nessa
época que surgiram algumas das mais marcantes propostas de
organização internacional, antes de mais da parte de franceses.
Ο texto Sages et Royales Oeconomies d'Estat (ca. 1617), da autoria de
Maximilien de Béthume, duque de Sully, aponta precisamente nesse
sentido. Nesse texto, Sully propõe um dispositivo jurídico de organização
das relações entre os diversos estados, e a finalidade confessa desta e de
várias outras propostas coetâneas era construir uma determinada ordem
que permitisse não só alcançar a paz, mas também mantê-la durante
um período longo. Além de um entendimento tendencialmente paritário
das relações entre os príncipes, estas propostas implicavam, também, ο
redesenho dos limites territoriais dos diversos estados, com ο intuito de
conferir mais estabilidade a certas regiões europeias caracterizadas por
disputas fronteiriçasendémicas45.
M. A. Anderson nota que algumas dessas propostas estavam ainda
marcadas por um claro idealismo, já que os seus autores acreditavam
que a convivência pacífica podia depender, única e exclusivamente, de
uma alegada boa natureza dos homens que os encaminharia para a
concórdia e para colocar ο bem colectivo da Cristandade acima dos seus
próprios interesses46. Porém, figuras como Hugo Grócio defendem
concepções muito mais realistas e pragmáticas, e nos seus escritos ο
famoso jurisconsulto neerlandês revela plena consciência dos choques de
interesses dos vários povos cristãos, bem como da necessidade de criar
um dispositivo que tornasse esses conflitos mais raros47. Grócio, e depois
dele Thomas Hobbes, encararam mesmo ο campo das relações entre
diferentes potentados como ο espaço da desordem natural, um espaço
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absolutamente carente de uma intervenção organizadora por parte dos
homens48.
Um dos sectores onde a regulação se revelava mais urgente era a
interacção nos mares, e foi precisamente Hugo Grócio quem deu ο mais
decisivo impulso àquilo que mais tarde viria a ser conhecido por «Direito
do Mar»49. Até essa data, a Santa Sé, através das Bulas, ia introduzindo
alguma ordem nas relações marítimas entre os diversos reinos cristãos,
concedendo direitos de ocupação e estabelecendo regimes de
exclusividade. Estes, por sua vez, costumavam estabelecer acordos e
tratados entre si, como ο famoso Tratado de Tordesilhas, de 1494, ou ο
Tratado de Saragoça, de 1529. Todavia, a eficácia desses pactos deixou
muito a desejar, tendo sido no Atlântico que se fez sentir, de um modo
mais premente, a necessidade de outro tipo de regulamentação, devido à
proliferação da pirataria e do corso50. A obra de Hugo Grócio visou
precisamente dar resposta a estas necessidades. Em livros como Mare
Liberum ou De jure belli ac pacis, este último datado de 1625, H. Grócio
retomou diversos problemas já discutidos anteriormente, como a justeza
da guerra ou os direitos dos embaixadores, sublinhando, entre outros
aspectos, que ο direito não cessava em situações de conflito militar51.
Um outro elemento que ressalta da obra de Hugo Grócio é a ênfase que
concede ao ser humano e ao seu papel no processo de construção da
ordem. Dito de outra forma, ο jurisconsulto neerlandês propõe um
dispositivo normativo cujo artifice é ο ser humano (e não a divindade) e,
nesse processo de construção de uma ordem artificial, uma das regras
mais fundamentais – segundo Grócio – seria a defesa do proprium de
cada um e a não-invasão da esfera alheia. À luz destas concepções, sobre
cada um dos seres humanos pesava ο dever de não subtrair os bens
pertencentes a outras pessoas. A esse dever correspondia ο direito de
reclamar aquilo que havia sido tirado injustamente, e até à defesa do
proprium em caso de necessidade. Neste quadro, ο direito de obter
respeito pela esfera própria só se alcançava desde que se cumprisse a
regra de abstenção de invadir a esfera do próximo. Como salientou Pietro
Costa, a grande novidade do pensamento de Hugo Grócio é a sua
proposta de um sistema de relações que escapa à lógica vertical, onde ο
garante da ordem já não reside na estrutura hierárquica dos diversos
níveis da realidade. A lógica predominante na proposta de Grócio, pelo
contrário, é claramente horizontal52.
A par do seu contributo para aquilo que viria a ser, décadas mais tarde, ο
Direito Internacional, as propostas de Grócio representam igualmente
uma contribuição importante para a consolidação do jus legationis, um
ramo do direito que pouco tempo antes tinha começado a afirmar-se,
concorrendo decisivamente para a estabilização do serviço diplomático.
É certo que a questão da imunidade dos representantes diplomáticos
havia sido enunciada, e reconhecida, em termos gerais, a partir do final
da Idade Média, sendo retomada periodicamente a pretexto de querelas
e de conflitos, os quais costumavam provocar polémicas com uma
ressonância muito alargada. Porém, foi só no século XVII que surgiu,
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verdadeiramente, um conjunto de normas jurídicas especificamente
ligado ao estatuto dos diplomatas, prefigurando uma jurisdição cujos
titulares viriam a ser conhecidos por «corpo diplomático». Consolidava-
se assim ο carácter corporativo dos servidores diplomáticos, um
conjunto de oficiais sujeito a normas e a regras comuns, normas essas
que, aos poucos, foramobservadas em toda a Europa Ocidental53.

Ο desenvolvimento do dispositivoinstitucional da diplomacia


Na segunda metade de Seiscentos ο esforço de centralização atingiu
todos os sectores da administração régia, reflectindo- se, muito em
especial, no modo como as missões diplomáticas eram organizadas. Até
esse período a diplomacia costumava confundir-se com grandes missões
de ostentação, e muitos dos contactos acabavam por ter muito pouco a
ver com a negociação propriamente dita54. Contudo, a partir do último
quartel do século XVII as embaixadas de aparato foram aos poucos
substituídas por comitivas mais modestas, menos dispendiosas e mais
“profissionais”. A embaixada “circular”, que costumava efectuar um
'tour' por diversos locais, tendeu também a ser substituída por
embaixadas residentes. Quanto aos juramentos de fidelidade dos
embaixadores, eivados de ressonâncias religiosas, começaram também a
desaparecer, e em vez deles surgiram «Instruções» e compromissos de
prestação de serviços, os quais fixavam, de um modo mais objectivo e
claro, as obrigações do diplomata. A imunidade dos servidores
diplomáticos face à jurisdição do local onde se encontravam, por sua vez,
foi adquirindo contornos mais estáveis e delimitados55, e deste modo ο
serviço diplomático ganhou um perfil mais nítido e uma vocação negocial
mais vincada.
Como começámos por assinalar, ο aperfeiçoamento do dispositivo
diplomático esteve quase sempre ligado a projectos de concentração do
poder nas mãos do rei. Ao reforço da autoridade no plano interno
correspondeu habitualmente a busca de reconhecimento no plano
internacional. Aliás, não por acaso, foi também nessa altura que
surgiram, um pouco por toda a Europa, as primeiras “juntas de negócios
estrangeiros” com capacidade e vocação para fazer face ao rápido
crescimento do volume dos assuntos que era necessário despachar. Este
desenvolvimento institucional intensificou-se ao longo do século XVII,
especialmente na França de Luís XIV, embora seja notório, um pouco
por toda a parte, ο incremento do profissionalismo e a afirmação da
noção de que a diplomacia era um ofício distinto e específico56. Viviam-se
tempos em que dos diplomatas se esperava, cada vez mais, um
desempenho ágil, rápido e eficaz.
Ο mapa dos representantes diplomáticos, por seu turno, alargou-se
drasticamente, estendendo-se a todos os continentes, registando-se
igualmente um alargamento das questões negociadas e do leque de
países intervenientes na cena internacional, sobretudo com a ascensão
da Prússia e da Rússia. Quanto aos assuntos debatidos, ο comércio era,
cada vez mais, a matéria que dominava as negociações. Eram tempos em
que as chamadas «doutrinas mercantilistas» reuniam muitos adeptos, e
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21
em que a principal prioridade era a acumulação de riqueza, através da
manutenção de um volume de exportações superior ao das importações.
Nesse contexto, muitos diplomatas converteram-se em agentes
transmissores de reivindicações comerciais57.
E para além deste alargamento de incumbências, a diplomacia foi
apresentando uma especialização mais acentuada, comprovada pelo
surgimento dos primeiros «adidos militares» e «adidos navais». A
tipologia dos enviados também foi assumindo contornos mais claros, e a
distinção entre «embaixador residente» e «embaixador extraordinário»
tornou-se mais nítida. Quanto à palavra «plenipotenciário», no
século XVIII, tendeu a ser menos usada58. A par do aperfeiçoamento
institucional, registaram- se outros desenvolvimentos, como foi ο caso da
institucionalização do sistema de pagamento dos diplomatas.
Um outro aspecto revelador do desenvolvimento institucional do sector
da diplomacia relaciona-se com a preparação daqueles que iam
protagonizar as negociações no exterior. De facto, foi no início de
Setecentos que surgiram as primeiras instituições especificamente
vocacionadas para ο ensino da arte da diplomacia. Até aí a técnica
negocial era um saber adquirido fundamentalmente através da prática e
da experiência. Contudo, por iniciativa de figuras como ο marquês de
Torcy, a diplomacia ganhou um perfil teórico mais marcado. Torcy criou,
em 1712, uma academia política especificamente vocacionada para a
formação de diplomatas, a qual, apesar de ter sido uma experiência
efémera e com pouca continuidade - foi abolida em 1721 -, acabou por
ficar para a posteridade como a primeira instituição com esta vocação.
Durante os anos que se seguiram apareceram novas propostas educativas
para diplomatas: em Inglaterra foi criada, em 1724, uma cadeira de
«história moderna» em Oxford e uma outra em Cambridge, ambas
especificamente destinadas àqueles que iriam servir no estrangeiro; em
1747 foi a vez de Frederico II da Prússia fundar um «Seminário de
Embaixadores», ο qual, à semelhança dos seus antecessores, também
teve uma existência bastante efémera59.
Não obstante, aquilo que sem dúvida marcou esta época foi ο
aparecimento de orgãos de coordenação da actividade diplomatica
dotados de uma especificidade muito mais nítida. Um pouco por toda a
Europa, entre meados do século XVII e os inícios de Setecentos, surgiram
os primeiros “gabinetes de negócios estrangeiros” destinados a fazer face
ao rápido crescimento dos assuntos que era premente despachar.
Importa não esquecer que, até essa data, as questões ligadas às relações
exteriores eram resolvidas e despachadas por órgãos sem um perfil
específico. Na Monarquia Hispânica de finais de Quinhentos, por
exemplo, e segundo Miguel Angel Ochoa Brun, os secretários do rei eram
os principais executores da política externa da casa real, sem que às
relações externas correspondesse um ramo específico e separado da
acção governativa. Foi apenas sob Filipe II que a figura do Secretário
de Estado começou a surgir mais claramente autonomizada, assumindo
um papel de coordenação de uma série de matérias governativas, entre as

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22
quais figuravam as questões diplomáticas60.
Porém, ο aparecimento de órgãos verdadeiramente especializados em
assuntos externos, no quadro das várias «secretarias de estado»
europeias, só iria ocorrer bem mais tarde. Foi apenas na segunda metade
de Seiscentos que, um pouco por todo ο lado, começaram a ser criadas
as «Secretarias de Negócios Estrangeiros e de Guerra» – a designação
dada ao órgão que foi criado em Portugal, corria ο ano de 1736, uma data
tardia, já que, pela mesma altura, a maioria dos reinos da Europa
Ocidental possuía, desde há muito, estruturas análogas61.
No fundo, a criação de secretarias especializadas em relações externas era
ο corolário do atrás citado processo de reorganização do dispositivo
diplomático. A sua principal finalidade consistia em tornar esse serviço
mais ágil, mais permanente e submetido a uma direcção política mais
clara. Trata-se de um processo que se insere numa tendência europeia e
que, como referimos, é inseparavel do sistema surgido na sequência da
paz de Vestefália. Na segunda metade de Seiscentos, com ο
desenvolvimento das relações externas numa base tendencialmente mais
paritária, registou-se um claro alargamento da esfera de intervenção da
diplomacia. Em França, por exemplo, os efectivos do corpo diplomático
conheceram um grande crescimento, sobretudo durante ο consulado do
Cardeal Mazarin, ao mesmo tempo que se incrementou ο controlo
político sobre a política externa, agora monopolizada pelos principals
ministros régios62.
As mudanças introduzidas na gestão da correspondência diplomática
confirmam esta impressão de que a diplomacia estava a adquirir uma
maior especificidade. Caminhava-se para um entendimento mais
“burocrático” do serviço diplomático, e, nesse sentido, as autoridades
régias preocuparam-se também em formar os primeiros arquivos de
correspondência diplomática, arquivos esses que se revelavam cada vez
mais indispensáveis enquanto suporte de trabalho para a secretaria dos
assuntos exteriores. Desde meados de Seiscentos que se assiste à criação
de colecções documentais especificamente ligadas à actividade
diplomática, tendo em vista dar apoio à acção dos enviados ao
estrangeiro. As colecções de correspondência eram como que uma
“memória” que apoiava as iniciativas governativas, e ο próprio
intercâmbio de cartas, entre embaixadores e enviados, começou a
obedecer a normas rigorosas. Não exageramos se dissermos que a troca
de missivas possuía uma importância verdadeiramente estratégica, pois
era por essa via que se obtinha informação. Terá sido isso ο que motivou
ο aparecimento de directivas precisas quanto à obrigação dos
embaixadores de deixarem «memórias» da corte onde se encontravam,
as quais se destinavam aos seus sucessores nesse posto.
Até este ponto enumerámos os desenvolvimentos ocorridos na
diplomacia de Seiscentos e de Setecentos. Porém, é importante salientar
que nem tudo foram mudanças no sentido do aperfeiçoamento ou da
modernização. A par das transformações que acabaram de ser referidas,
detectam-se, também, numerosas persistências. Desde logo porque
muitas das mudanças atrás referidas jamais foram postas em prática de
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um modo sistemático e duradouro. Ο princípio da paridade entre os
estados, por exemplo, apesar de tantas vezes defendido, em muitos casos
acabou por não ser mais do que uma mera intenção. Ο princípio da
inviolabilidade da soberania, por seu turno, foi frequentemente
desrespeitado. Quanto aos desígnios imperiais, a verdade é que à
ancestral ingerência dos Habsburgo e da Santa Sé sucedeu uma política
de ingerência – menos impositiva, é certo – de reinos como a França ou
a Inglaterra. No que toca à identidade “profissional” do diplomata,
cumpre ter em conta que ela não deixou de apresentar, de um momento
para ο outro, os contornos fluidos que desde há muito a caracterizavam.
A espionagem, por exemplo, continuou a fazer parte do dia-a-dia do
diplomata - ou pelo menos dos agentes pagos por ele -, até porque uma
das principais incumbências de um embaixador residente era a recolha
de informação. Em muitos casos os diplomatas mantiveram ο hábito de
recorrer a meios ilícitos para obter e para enviar essa informação, apesar
de, com ο tempo, e já no final de Seiscentos, se notar uma preocupação
pela «boa fé», pela honestidade e pela adopção de procedimentos
correctos63.
A mesma impressão de continuidade é visível no campo do cerimonial.
Na verdade, a preocupaçao pela ostentação, pela cerimónia e pelas
precedências permaneceu bem viva durante toda esta época, e nem
sequer os apelos para uma maior contenção foram suficientes para
moderar os excessos ostentatórios. Não exageramos se dissermos que a
preocupação pelos tratamentos se tornou verdadeiramente obsessiva, ο
que revela que, em certo sentido, continuava a prevalecer um
entendimento hierarquizado do conjunto formado pelas entidades
políticas europeias. Só assim se percebe porque é que as grandes
conferências de paz do século XVII exigiram preparativos cénicos tão
complexos. Na ilha dos Faisões, por exemplo, aquando da ratificação do
Tratado dos Pirenéus, assinado por França e pela Monarquia Hispânica
em 1659, os preparativos ligados ao cerimonial revelaram-se
complicadíssimos, ο mesmo se podendo dizer da Paz de Ryswick (1697),
entre a Suécia e a coligação pró-francesa. Ο principal objectivo desses
aturados preparativos era organizar a cerimónia de modo a que todos os
dignitários aparecessem em público numa posição equivalente ou, pelo
menos, num lugar consentâneo com aquele que julgavam ser ο seu
estatuto. Ο mesmo tipo de problemas continuou a marcar presença nas
negociações realizadas ao longo de todo ο século XVIII.
Por fim, um último elemento de continuidade é a situação mais ou
menos permanente de guerra que se viveu na Europa após 1648, algo
que está obviamente relacionado com ο facto de a cultura das elites
dirigentes dos diversos reinos europeus continuar a assentar num
ethos onde os ideais cavaleirescos eram dominantes. Como bem frisou
Manuel Rivero, não obstante todos os apelos à paz, continuava muito
presente a antiga crença de que a força militar e a aquisição de territórios
era algo que prestigiava os príncipes e que beneficiava os súbditos,
materializando-se numa sucessão de conflitos onde ο critério
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predominante era a força, e não propriamente ο respeito por princípios
como aigualdade ou a inviolabilidade da soberania64

Os métodos e ο «carácter» dos diplomatas


A prática diplomática posterior a 1648 continuou a apresentar duas
principais vertentes: ο elemento de representação oficial, e a
componente de negociação. Os métodos de negociação então
desenvolvidos alternavam entre a «diplomacia bilateral» e a «diplomacia
directa»65. Quanto à primeira, a «diplomacia bilateral», ela estava
fundamentalmente a cargo dos embaixadores, enquanto que a
«diplomacia directa» era incumbência dos próprios reis e príncipes,
através de entrevistas pessoais.
As entrevistas e os encontros entre figuras régias foram uma prática
corrente na primeira metade do século XVI, e ο imperador Carlos V,
incansável viajante pelos seus domínios europeus, constitui uma das
figuras que melhor personifica esse estilo de diplomacia presencial.
Contudo, na segunda metade do século XVI ο panorama modificou-se
bastante: ο conflito político-religioso adensou-se, e este facto, aliado ao
temperamento dos reis de finais de Quinhentos, contribuiu para tornar
menos frequente a diplomacia directa. As entrevistas entre monarcas
converteram-se, por conseguinte, em eventos mais raros, mas ainda
assim alguns reis viajaram para se avistarem directamente com
autoridades não-naturais do seu reino. Ο próprio Filipe II, apesar do seu
temperamento mais recolhido, realizou algumas jornadas no interior da
Peninsula Ibérica, com ο intuito de se avistar com a elite dirigente de
cada reino e, desse modo, apaziguar ο ambiente politico. No século XVII
as entrevistas entre monarcas continuaram a ser eventos mais ou menos
frequentes, realizando-se alguns importantes encontros, de que um dos
mais celebrados foi ο que reuniu Filipe IV e ο jovem Luís XIV de França,
na fronteira dos Pirenéus, para a assinatura da paz entre os dois reinos
(1659). Porém, a verdade é que, desde finais do século XVI, a negociação
diplomática estava cada vez mais a assumir a forma bilateral, a qual
assentava numa rede de embaixadas permanentes e escalonadas
segundo uma hierarquia de postos, uns mais importantes do que
outros66. Importa assinalar que a diplomacia bilateral implicava uma
regra tácita de reciprocidade, quer dizer, se um monarca aceitasse um
embaixador de um determinado rei, então teria como que a obrigação de
manter um representante de igual dignidade junto desse seu homólogo.
Além disso, só os principes soberanos reconhecidos pelos demais
potentados europeus - e muito em especial pela Santa Sé - podiam enviar
embaixadores ou representantes com um estatuto de topo, ou, nas
palavras do famoso Abraham de Wicquefort, de «primeira ordem»67. Ο
mesmo critério não se aplicava a enviados com outro «carácter», como
sucedia com os «residentes» e com os «enviados extraordinários».
Quanto aos líderes de territórios ou reinos que se procuravam desligar da
Monarquia Hispânica, tiveram sempre grandes dificuldades para
conseguir que os seus enviados fossem aceites como interlocutores
válidos.
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25
Em meados do século XVII os representantes diplomáticos de Portugal
perceberam bem ο que significava não serem tratados condignamente.
Como se sabe, após 1640 a dinastia de Bragança não foi formalmente
reconhecida por nenhuma autoridade estrangeira, razão pela qual os
seus embaixadores e enviados sentiram enormes dificuldades para serem
tratados como interlocutores legítimos68. Ο mesmo se pode dizer dos
emissários das Províncias Unidas, os quais, nesse mesmo período,
sempre exigiram que tivessem ο mesmo tratamento que os
representantes de estados considerados equivalentes, como era ο caso da
República de Veneza. A verdade é que os neerlandeses nem sempre
conseguiram concretizar esse objectivo, em boa medida porque cabia à
Monarquia Hispânica, à França e à Santa Sé ditar ο modo de tratamento,
ο qual, como já se vê, dependia dos interesses próprios de cada um
desses potentados. No que concerne ao «carácter» dos diplomatas,
importa lembrar que, desde ο final de Quinhentos, se encontrava
consagrada uma determinada tipologia de missões diplomáticas.
Existiam vários tipos de missão, e cada um deles articulava-se com um
«carácter» conferido ao enviado. Assim, as missões de representação
permanente eram desempenhadas, em regra, pelo Embaixador
Ordinário ou pelo Residente, enquanto que as enviaturas de índole
extraordinária podiam ser desempenhadas por ministros com diverso
carácter. Quando se tratava de condolências pela morte de um rei ou do
acompanhamento de uma princesa estrangeira para casar em Portugal,
essa tarefa era por norma confiada a Embaixadores Extraordinários. No
caso de missões especialmente urgentes - por exemplo a angariação de
auxílio militar -, era costume recorrer-se a Enviados Especiais ou a
Agentes. Finalmente, para assegurar a participação em congressos e em
conferências internacionais, a Coroa recorria normalmente aos
chamados Ministros Plenipotenciários, ou seja, a enviados investidos de
uma certa margem de poder para tomar decisões e para assinar acordos
em nome do rei seu senhor.
Ο Legado era, em princípio, um servidor diplomático ligado ao mundo
eclesiástico – daí a expressão Legado a Latere, a qual designava os
ministros eclesiásticos que serviam junto da pessoa do Papa. Com ο
tempo, porém, a palavra “legado” passou também a designar os
representantes diplomáticos não-eclesiásticos. Importa referir, de resto,
que ο termo Legatus surge, sobretudo, na literatura escrita em latim que
discorria sobre política externa, designando, aí, ο servidor diplomático
em geral, sem especificar ο seu estatuto. Já a palavra Residente denota ο
representante de menor dignidade estabelecido em cidades capitais de
grandes reinos. De uma forma geral, ο Residente substituía, a título
permanente, ο Embaixador, embora tivesse uma margem decisória
muito menor. Significativamente, a palavra Diplomata não surge nos
dicionários ibéricos do século XVII, ο que indicia que, pelo menos até às
primeiras décadas de Setecentos, este vocábulo ainda não era
correntementeutilizado, apenas entrando em uso algum tempo mais
tarde. Em vez dele, os termos mais habituais são Embaixador e Enviado.
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Em face do que acabou de ser exposto, podemos dizer que estes diversos
cargos supunham não só uma certa especialização funcional, mas
também uma determinada hierarquia. No conjunto dos postos atrás
enumerados, os embaixadores eram os servidores que desfrutavam da
posição mais elevada, primando sobre os restantes em virtude do
carácter de que estavam investidos, algo que era também fundamental
para determinar a imunidade de que desfrutavam. Esta supremacia
hierárquica tinha amplas consequências, antes de mais porque ditava
quem detinha a principal capacidade decisória no quadro de uma
missão. Além desse importante aspecto, a disparidade hierárquica
afectava também ο modo como os diplomatas comunicavam entre si e
com ο Príncipe em cujo nome falavam. Cumpre lembrar que apenas os
representantes de maior dignidade podiam contactar directamente com
ο rei, e muitos estavam somente autorizados a escrever à pessoa do
secretário de estado, ο qual seria como que um intermediário entre ο
enviado e ο monarca. Quanto aos diplomatas de menor dignidade, em
regra estava-lhes vedada a comunicação directa com ο rei, sendo
obrigados a recorrer a diplomatas de maior dignidade para que
desempenhassem ο papel de intermediários.
A diferença hierárquica reflectia-se, igualmente, no processo de tomada
de decisões. De facto, em princípio a autonomia do embaixador ordinário
era muito mais alargada do que a de um servidor de menor dignidade, ο
mesmo se podendo dizer de outras questões fulcrais, como era ο caso da
escrita de correspondência ou da gestão do dinheiro para financiamento
das actividades fora do reino. A diferenciação no seio do corpo
diplomático era de tal modo vincada que se estendia, até, ao próprio
grupo dos embaixadores: no caso português, ο embaixador em Paris
costumava ser aquele que gozava de uma maior preeminência, acabando
mesmo por coordenar ο conjunto da actividade desenvolvida pelos
restantes diplomatas espalhados pelas diversas cortes do norte e do
centra da Europa, trocando informação com eles e seleccionando os dados
que deveriam ser remetidos para a corte.

Ο recrutamento do pessoal diplomático: entre a fidelitas e ο


contrato
Em princípio, a escolha e a nomeação dos embaixadores era uma
atribuição que pertencia, em exclusivo, ao rei. Contudo, de uma forma
geral ο processo de selecção acabava por ser complexo, pois era sempre
fortemente condicionado pelas diversas sensibilidades e facções
existentes nas cortes régias.
No que toca ao recrutamento para a diplomacia é possível identificar um
aspecto comum a toda a Europa Ocidental: a partir de meados de
Quinhentos os diversos monarcas recorreram sistematicamente às
principais figuras da aristocracia para preencher os postos de
embaixador. Era opinião bastante consensual que a diplomacia
constituía ο terreno por excelência dos grandes aristocratas, razão pela
qual os monarcas não tinham outra alternativa a não ser escolher os seus
embaixadores quase que exclusivamente entre a grande nobreza.
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27
Porém, cumpre não esquecer que, do ponto de vista da Coroa, a escolha
de aristocratas tinha algumas vantagens, antes de mais, porque se
confiava na natural autoridade moral dos membros da nobreza. Depois,
porque se esperava que esses dignitários pagassem, do seu bolso, parte
dos custos da missão. A escolha de nobres abonados constituia afinal
uma forma de financiar a embaixada e de fazer face às grandes despesas
que as missões normalmente envolviam.
É importante frisar, por outra lado, que alguns desses diplomatas de
nobre estirpe podiam ser do sexo feminino. No quadro das relações entre
famílias régias, varias mulheres tiveram um forte protagonismo, e as
princesas da casa de Habsburgo, mais do que quaisquer outras,
revelaram uma especial apetência por essas tarefas. Na verdade, tanto a
rainha Catarina de Áustria – mulher de D. João III de Portugal – como
a princesa D. Joana – irmã de Filipe II eesposa do príncipe D. João
de Portugal – foram interlocutoras muito activas nas relações
diplomáticas daCoroa portuguesa de meados de Quinhentos69.
A opção por aristocratas para servir na diplomacia relacionava-se,
também, com ο que era exigido àqueles que partiam em missões: saber
comportar-se e adaptar-se a cortes estrangeiras, bem como representar
condignamente ο seu senhor. À excepção daquilo que era implícito ao
estilo de vida aristocrático - e cuja aprendizagem ocorria,
fundamentalmente, durante a infância, no ambiente doméstico das casas
nobres -, até ao início do século XVIII não encontramos praticamente
nenhuma disposição específica relativa à preparação teórica do
diplomata. Como vimos, até bastante tarde não existiram nem escolas
nem centros de formação especializados no treino de diplomatas. Em vez
disso, todos consideravam que a melhor escola era, por um lado, a
formação recebida no seio da casa aristocrática e, por outra, a iniciação
numa missão diplomática. Compreende-se assim porque é tão frequente
encontrar jovens nobres integrados na «família» do embaixador. E a
verdade é que muitos dos aristocratas que melhor serviram como
diplomatas iniciaram a sua carreira precisamente como acompanhantes
ou como membros da comitiva de um embaixador.
Por todos estes motivos, no período compreendido entre ο final de
Quatrocentos e ο início do século XVIII ο topo do universo diplomático
caracterizou-se por uma clara dominância aristocrática. Nos anos que se
seguiram a conexão entre diplomacia e estatuto nobiliárquico continuou a
ser forte, ao ponto de esse tema se converter num topos da literatura que
discorria sobre ο perfil do perfeito embaixador. É claro que esta situação
de predomínio aristocrático no terreno da diplomacia se relaciona
também com ο processo de curialização da nobreza a que fizemos alusão
no início deste texto. Referimos que, um pouco por toda a parte, a grande
nobreza se agrupou em torno das cortes régias, monopolizando os
principais postos de governo, entre eles os cargos de embaixador. Para
os chefes das casas aristocráticas, ο serviço diplomático, tal como ο
serviço militar, era algo de dignificante e honorífico, para além de ser
uma importante fonte de proveitos materiais, através das mercês
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concedidas pelo rei como recompensa pelos bons serviços recebidos.
À semelhança do que se passava nos demais sectores do governo, a
relação instaurada entre ο rei e os diplomatas aristocráticos assentava
em laços fortemente personalizados. Tanto ο rei como a aristocracia
partilhavam um ethos onde eram predominantes as relações de
confiança pessoal, os laços de serviço e os vínculos de fidelitas70. Todavia,
a prazo esta modalidade de delegação da autoridade acabaria por colidir
com os intuitos centralizadores que atrás assinalámos, pois a cultura de
serviço que animava ο laço entre a Coroa e a aristocracia pouco tinha a
ver com ο emergente entendimento comissarial e jurídico das obrigações
do embaixador, no quadro do qual ο representante diplomático era cada
vez mais visto como uma espécie de “funcionário” obrigado a envolver-se
em negociações cujo carácter técnico não cessava de aumentar.
Significa isto que, no seio do universo diplomático, coexistiam
entendimentos bem diversos do serviço no estrangeiro, entendimentos
esses que apontavam para modalidades muito diferentes de delegar a
autoridade. É certo que, durante todo ο Antigo Regime, a diplomacia
jamais deixou de ser ο terreno por excelência da aristocracia, ou seja, de
dignitarios que representavam ο monarca seu senhor animados pelos
valores da cultura de serviço71. Porém, não ha dúvida de que os
aristocratas seiscentistas e setecentistas tiveram de conviver com uma
visão cada vez mais funcionalizada da diplomacia. Ε não deixa de ser
sintomático que os principals representantes desse entendimento mais
“burocrático” da diplomacia possuam, na maioria dos casos, uma
formação universitária em Direito.
Cumpre não esquecer que um número significativo de diplomatas tinha
formação jurídica72, e foi precisamente nos escritos e na prática destes
jurisconsultos que a diplomacia adquiriu contornos mais nítidos. No
âmbito jurídico a diplomacia, enquanto actividade administrativa, surgia
cada vez mais associada à contratualização das relações, ao esforço de
centralização, e a princípios como ο respeito pela soberania de cada
entidade política, ο empenho em instaurar um enquadramento jurídico
para as relações externas ou, ainda, a noção de paridade entre os vários
estados, fossem eles grandes ou pequenos.
Assim, tal como sucedeu em outros terrenos do governo e da
administração, no seio da diplomacia também se fez sentir a tensão entre
dois conceitos diametralmente opostos de serviço ao rei: de um lado, a
«honra» aristocrática; do outro, a preocupação pela «funcionalidade»,
pela objectividade e pelo pragamatismo73. Todavia, e na linha do que
sugerimos atrás, é imprescindível ter em conta que os esforços no
sentido da burocratização enfrentaram pesadas inércias, e a este respeito
a estudiosa italiana Daniela Frigo notou que, na segunda década do século
XVIII, ο laço que unia ο rei ao seu servidor diplomatico continuava ainda
a pertencer à esfera privada. Continuava a ser uma relação que se
encontrava mais próxima do status de secretário privado do rei, do que
do estatuto de ministro ou de funcionário. Continuava a ser uma relação
fortemente personalizada, ο que explica a profusão de recomendações
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acerca do perfil moral e das qualidades pessoais do servidor que se
preparava para representar ο seu senhor junto de uma corte
estrangeira74. A mesma ambiguidade é notória ao nível do governo, na
distinção entre assuntos internos e assuntos externos. De facto, as
fronteiras entre esses dois campos nem sempre eram claras, e os
ministros de secretarias especializadas em assuntos internos interferiam
amiúde em áreas que, em princípio, eram do foro externo.
Em termos doutrinais, foi nas universidades setecentistas, e mais
precisamente nas faculdades de Direito, que ο ofício diplomático
começou a ser entendido de outra maneira. Na segunda e terceira década
do século XVIII alguns docentes das faculdades de Direito Civil
começaram a contemplar a introdução de mudanças no curriculum dos
estudos jurídicos, nomeadamente através da criação de novas cadeiras
relacionadas com ο «direito natural». Em França, a recepção do ideário
de figuras como Hugo Grócio ou Samuel von Pufendorf foi até bastante
precoce, e vimos já que em terras gaulesas ο marquês de Torcy,
secretário de estado, se destacou na criação de aulas sobre jus gentium,
aulas essas que decorriam na atrás citada Académie Politique (criada em
1710).
Nas décadas que seguiram, a grande prioridade da tratadística
jusnaturalista foi encontrar uma forma de instaurar uma coexistência
pacífica entre os diversos poderes europeus. Vários foram aqueles que
encararam ο acordo tácito e partilhado como a melhor forma de
instaurar a convivência europeia – caso de Emerich de Vattel, autor de Le
droit des gens, ou principes de la loi naturelle appliqués à la conduite et
aux affaires des nations et des souverains (Londres, 1758) –, a qual
passaria a ser regulada por um conjunto de normas que remeteriam para
ο direito natural. No entanto, de um modo geral a introdução de
liçoes de «direito público» nos curricula das universidades acabou
por ser um processo muito lento, encontrando, como seria de esperar,
bastante resistência. Como se sabe, essas propostas de mudança estavam
integradas no quadro da renovação geral dos estudos jurídicos, razão pela
qual enfrentaram a relutância e a oposição dos sectores mais
tradicionalistas75. Ainda assim, a partir de meados do século XVIII ο
processo de reforma tornou-se irreversível, surgindo, um pouco por toda
a parte, lições sobre os princípios fundamentals do jus gentium, algo que
esteve sem dúvida relacionado com ο esforço de centralização e com a
preocupação por dotar os servidores diplomáticos de uma preparação
mais técnica e mais adequada ao novo tipo de funções que iriam
desempenhar. Ο facto de os embaixadores contactarem com ambientes
estrangeiros, e sobretudo com ο ideário que se respirava nas Províncias
Unidas, foi também determinante para que muitas destas concepções se
fossem impondo.
Ο corolário desta evolução foi a reivindicação, por parte dos príncipes de
cada reino, do direito exclusivo de se fazerem representar junto de
autoridades estrangeiras. Ο neerlandês Abraham de Wicquefort escreveu
que a mais ilustre marca da soberania era ο direito exclusivo de enviar e
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de receber os Embaixadores. No fundo, aquilo que estava em jogo era a
transformação do instituto da representação diplomática, ο qual,
originário do âmbito privatístico, foi aos poucos transitando para ο
campo do Direito Público, um processo que fez com que a capacidade de
enviar embaixadores se convertesse numa faculdade detida, a título
exclusivo e monopolístico, pela Coroa.

Comentários finais
Para a maioria dos estudiosos, ο «equilíbrio de poder» tera sido ο
sistema vigente na Europa durante ο longo período compreendido entre
1648 e a Revolução Francesa. Era um sistema que, como assinalámos,
implicava uma noção de paridade e de equidistância entre os diversos
estados, para além de depender de mecanismos de controlo recíproco.
No fundo, era um regime de relações que existira desde tempos antigos,
mas sempre a uma escala reduzida. Esse sistema já estava presente, por
exemplo, dentro de alguns reinos ou no quadro de uma região, como
sucedia na Península Itálica, ou ainda no interior dessa vasta e
plurifacetada organização política que era a Monarquia Hispânica. Esta
última, é importante não esquecer, enquanto monarquia compósita, deu
corpo a uma situação de coexistência pacífica entre territórios com
estatutos muito diversos, os quais, dessa forma, mantiveram
praticamente incólume a sua identidade jurisdicional, encetando uma
convivência que obedeceu a um conjunto de regras que acabou por
adquirir um carácter “constitucional”.
Ο dispositivo organizativo desenvolvido pelos monarcas hispânicos
revelou-se eficaz durante varias décadas, proporcionado a uma parte
substancial da Europa - e a vastas regiões dos outros continentes - uma
existência mais ou menos pacífica.
A partir da segunda metade de Seiscentos, com a falência dos
projectos universalizantes dos Habsburgo e do Papado, as relações
externas assumiram uma configuração bem diversa, a qual pode
sintetizar-se da seguinte forma: a França e a Inglaterra passaram a
disputar entre si a hegemonia europeia, sem jamais a alcançarem de uma
forma plena. Os Países Baixos, por seu turno, foram um caso especial de
conflitualidade, pois os diversos acordos e tratados celebrados desde
meados do século XVII revelaram-se pouco eficazes para organizar e
pacificar as relações naquela região. Por outro lado, nota-se a
preocupação por fazer respeitar, com mais rigor, os limites fronteiriços
entre os diversos reinos, registando-se um esforço para organizar as
linhas fronteiriças, tornando-as mais lineares, ο que supunha a aceitação
da noção de que as fronteiras eram algo que ο homem podia modificar.
Verifica- se, também, ο recurso à cartografia para aumentar ο rigor das
demarcações fronteiriças e para clarificar situações de disputa endémica.
Nota-se, igualmente, um empenho para estabilizar fronteiras, ο que
conduziu a um crescente investimento nos sistemas defensivos, caso das
fortificações seguindo ο modelo de Vauban.
Em termos de idioma diplomático, é de registar ο gradual abandono do
Latim como língua franca das negociações, notando-se, paralelamente, a
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afirmação dos idiomas vernaculares, em especial do Francês, como língua
de negociação. No que toca aos actores da interacção internacional, ja no
século XVIII teve lugar a afirmação da Prússia e da Rússia, ο que
implicou uma alteração substancial dos termos em que assentava ο
equilíbrio no espaço europeu. Por fim, outro atributo marcante da
diplomacia destes anos é ο empenho dos pequenos estados em se
afirmarem internacionalmente através do desempenho de um papel de
mediação de conflitos entre grandes potências.
Esta foi também a época em que se generalizou ο hábito de encetar
negociações multilaterais para pôr fim a conflitos militares e para
instaurar, em acordos sucessivos, a paz.
Curiosamente, para os diplomatas que prestaram funções no período
posterior a 1648, a «Paz de Vestefália» representou um símbolo e um
modelo a seguir nesse esforço para implementar um «equílibrio
europeu». Assim, e como notou Heinhard Steiger76, ο texto dos tratados
de 1648 é citado em quase todos os grandes acordos posteriormente
assinados, sendo a «Paz de Vestefália» aí apresentada como ο melhor
exemplo de um pacto sólido e duradouro. Tal sucede no tratado que a
França e a Monarquia Hispânica assinaram nos Pirenéus (em 1659), na
«Paz de Oliva», entre a Suécia e ο Sacro Império (em 1660), na «Paz de
Nimwegen», entre França e as Províncias Unidas (1678-79), na «Paz de
Utrecht»77 (1713-1714) e, ainda, na «Paz de Rastatt», entre a França e ο
Império (1714).
Como facilmente se compreende, a ideia de «equilíbrio de poder» só teve
condições para perdurar devido ao ambiente político-religioso que se
viveu na Europa de Setecentos. Trata-se de um período em que não se
registaram movimentos generalizados de radicalização religiosa ou
militar, existindo, por isso, condições para ο desenvolvimento de esforços
no sentido da pacificação. No campo doutrinal, a afirmação do
jusnaturalismo racionalista também desempenhou ο seu papel nesta
constante busca de harmonização das relações entre as diversas casas
reais, mas, como é óbvio, não impediu que este sistema tivesse
disfunções. Os conflitos militares continuaram a ocorrer, quer no
interior da Europa - Guerra da Sucessão da Polónia, Guerra da Sucessão
da Áustria, Guerra dos Sete Anos -, quer no exterior, nomeadamente nos
impérios ultramarinos detidos pelos europeus. De resto, ο incremento da
exploração económica das colónias, assim como a intensificação das
trocas comerciais transoceânicas, foram fenómenos geradores de
bastantes tensões, e os territórios extra-europeus acabaram mesmo por
ser ο palco de alguns dos mais graves conflitos entre os potentados do
velho continente78.
Além disso, e para concluir, cumpre frisar que ο terreno diplomático
continuou a apresentar vários traços de ambiguidade. Ao longo do
século XVIII muitos diplomatas actuaram ainda como espiões, e em
diversos momentos é difícil distinguir, com clareza, se os embaixadores
estavam a representar os interesses dinásticos do soberano e da sua casa
familiar, ou se, em vez disso, defendiam já eventuais “interesses gerais”
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do conjunto da população do seu país. Como assinala Daniela Frigo, não
devemos esquecer que lidamos com uma época em que os estados eram
ainda realidades que estavam longe de serem pensadas como qualquer
coisa de abstracto, impessoal e separável da dinastia familiar que os
conduzia. Ο Estado, à semelhança de quase todas as instituições que
compõem ο sistema político em que hoje vivemos, estava ainda por
nascer.

Notas
2. Veja-se, sobretudo, Heinz Duchhardt (org.), Der Westfàlische Friede.
Diplomatie, politische Zäsur, Kulturelles Umfeld, Rezeptionsgeschichte,
Munique, R. Oldenbourg, 1988; Lucien Bély (org.), L'invention de la
Diplomatie. Moyen Age – Temps Modernes, actas da mesa redonda realizada
em Paris, 9-10 de Fevereiro de 1996, Paris, Presses Universitaires de France,
1998; e, também de Lucien Bély & Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe des
Traités de Westphalie. Esprit de la Diplomatie et Diplomatie de l'Esprit, Paris,
P.U.F., 2000.
3. Cfr. in genere Daniela Frigo (org.), Politics and Diplomacy in Early Modern
Italy. The Structure of Diplomatic Practice, 1450-1800, Cambridge, Cambridge
University Press, 2000; Lucien Bély, Les Relations Internationales en Europe,
Paris, Presses Universitaires de France, 1992; e, de Μ. A. Anderson, The Rise of
Modern Diplomacy, 1450-1919, Londres, Longman, 1993. Para Portugal, ο
melhor estudo sobre esta temática é D. Luis da Cunha e a Ideia de Diplomacia
em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1999, da autoria de Isabel Cluny.
4. Cfr. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y Relaciones Exteriores en la
Edad Moderna. 1453-1794, Madrid, Alianza Editorial, 2001, pp. 37 segs.
5. Ricardo Fubini, «Aux origines de la balance des pouvoirs: le système
politique en Italie au XVe siècle» in Lucien Bély & Isabelle Richefort (orgs.),
L'Europe des Traités de Westphalie..., cit., 2000, pp. 111-121.
6. Para esta prioridade italiana no desenvolvimento da diplomacia terá
também contribuído a influência bizantina, civilização que, em muitos aspectos,
possuía um dispositivo diplomático mais aperfeiçoado do que ο dos príncipes
ocidentais.
7. José Calvet de Magalhães, A Diplomacia Pura, Venda Nova, Bertrand, 1995,
pp. 27-29. Ο mesmo estudioso lembra, porém, que os Estados actuais dispõem
de outros instrumentos de contacto unilateral, os quais não passam
necessariamente pela diplomacia: a propaganda; a espionagem; a intervenção
económica de um Estado contra ο outro (por exemplo, ο bloqueio); a
intervenção; a política (por exemplo, a ingerência nos assuntos internos). Cfr.,
também de Calvet de Magalhães,
«A Acção Diplomática no Pensamento dos Diplomatas Portugueses dos séculos
XVII e XVIII» in AA. VV., A Diplomacia na História de Portugal, Actas do
Colóquio, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1990, pp. 15-28.
8. Friedrich Edelmayer, «Kaisertum und Casa de Austria. Von Maximiliam I.
zu Maximilian II.» in Alfred Kohler & F. Edelmayer (orgs.), Hispania-Austria.
Die Katholischen Könige, Maximilian I. und die Anfdnge der Casa de Austria
in Spanien, Munique, R. Oldenbourg Verlag, 1993, pp. 157-171.
9. Miguel Ángel Ochoa Brun, «Die spanische Diplomatie an der Wende zur
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33
Neuzeit» in Alfred Kohler & F. Edelmayer (orgs.), Hispania-Austria. Die
Katholischen Konige, Maximilian I. und die Anfdnge der Casa de Austria in
Spanien, Munique, R. Oldenbourg Verlag, 1993, pp. 52-66.
10. José Calvet de Magalhães, A Diplomacia Pura..., cit., 1995, pp. 61 segs.;
Meredith Kingston de Leusse, Diplomate. Une sociologie des ambassadeurs,
Paris – Montréal, l'Harmattan, 1998, pp. 21 segs. Acerca das relações entre a
Coroa portuguesa e as suas congéneres ibéricas, ao longo do século XV,
consulte-se os importantes trabalhos de Luis Adão da Fonseca; veja-se,
também, de A. H. de Oliveira Marques, «O Estado e as Relações Diplomáticas»
in Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV, Lisboa, Presença, 1987, pp. 279-
334.
11. Cfr. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y relaciones exteriores...,
cit., 2001, pp. 12 segs.
12. Cfr. in genere Frances Yates, Astraea. The Imperial Theme in the Sixteenth
Century, Londres-Boston, Routledge & K. Paul, 1975.
13. Veja-se in genere ο excelente estudo de Francisco Rico, El Sueno del
Humanismo. De Petrarca a Erasmo. Madrid, Alianza, 1993.
14. Cfr. Marcel Bataillon, Erasmo y España, Estudios sobre la Historia
Espiritual del siglo XVI, Mexico, Fondo de Cultura Economica, 1983. Contudo,
de acordo com M. Bataillon, para Erasmo ο Império não passava de um
projecto teórico - mas ainda assim sedutor -, pois ο próprio humanista não
parece acreditar na possibilidade da sua efectiva realização.
15. Paolo Prodi, The Papal Prince. One Body and Two Souls. The Papal
Monarchy in Early Modern Europe, Cambridge, Cambridge UniversityPress,
1982 (tradução do original italiano publicado em 1982), pp. 157 segs.
16. Veja-se, por exemplo, Justino Mendes de Almeida, «A Diplomacia
Portuguesa no Periodo Áureo dos Descobrimentos. As Orações Obedienciais
(De Oboedientia) ao Papa» in AA. VV., A Diplomacia na História de Portugal,
Actas do Colóquio, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1990, pp. 59-77.
17. Cfr. José Martínez Millán, «Introducción. Los estudios sobre la Corte.
Interpretación de la corte de Felipe II» in J. Martínez Millán (org.), La Corte de
Felipe II, Madrid, Alianza Universidad, 1994, pp. 21 segs.
18. Para ο contexto português, veja-se ο recente estudo de José Pedro Paiva,
«Interpenetração da Igreja e do Estado» in João Francisco Marques & Antonio
Camões Gouveia (coords.), Humanismos e Reformas, vol. 2 da História
Religiosa de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 2001, pp. 138-185.
19. Alain Tallon, «Les puissances catholiques face à la tolérance religieuse en
France au XVIe siècle: Droit d'ingérence ou non- intervention?» in Lucien Bély
& Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe des Traités de Westphalie..., cit., 2000,
pp. 21-30.
20. Cfr. Marc Fumaroli, «La diplomatie de l'esprit» in Lucien Bély & Isabelle
Richefort (orgs.), L'Europe des Traités de Westphalie..., cit.,2000, pp. 7 segs.
21. Paolo Prodi, The Papal Prince..., cit., 1982, 157-181.
22. Frances Yates, Astraea. The Imperial Theme in the Sixteenth Century,
Londres-Boston, Routledge & K. Paul, 1975.
23. Cfr. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y relaciones exteriores...,
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34
cit., 2001, pp. 59 segs.
24. Alfred Kohler, «Vom Habsburgischen Gesamtsystem Karls V. zu den
Teilsystemen Philipps II. und Maximilians II.», Wiener Beiträge zur Geschichte
der Neuzeit, 19 (1992) pp. 13-37.
25. Jesús Lalinde Abadía, «España y la Monarquia Universal (en torno al
concepto de "Estado Moderno")», Quaderni Fiorentini per la Storia del
Pensiero Giuridico Moderno, 15 (1986) pp. 138 segs.
26. Em Astraea..., cit., 1975, Frances Yates lembra que no contexto francês,
em contrapartida, ο rei ostentou ο título de «Rex Christianissimus», ou «Roi
très Chrétien», noção reforçada pelo carácter sagrado da monarquia gaulesa,
cujos reis eram ungidos e coroados. Além disso, os monarcas franceses
pretendiam descender directamente de Carlos Magno, apresentando-se, desse
modo, como aqueles que mais mereciam ο título e os direitos imperiais; a ideia
de missão universal e imperial da monarquia francesa foi retomada, entre
outros, por Guillaume Postel, no seu Les Raisons de la Monarchie (1551).
Quanto à dinastia dos Tudor, em Inglaterra, também ela incorporou algo da
noção de renovatio inerente ao império de Carlos V – Isabel I foi, em termos
simbólicos, a Astrea, a «Virgem Justa» da Idade de Ouro, e em The Fairy
Queene, epopeia cavaleiresca dedicada à rainha Isabel, Edmund Spenser
parafraseia passos de Orlando Furioso, ο famoso poema de Ludovico Ariosto,
uma vez mais no sentido de renovatio, de ressurreição do ideal imperial.
27. Cfr. Jesús Lalinde Abadía, El Estado en su Dimension Histórica,
Barcelona, Promociones Publicaciones Universitarias, 1984; José Martínez
Millán, «Introducción. Los estudios sobre la Corte..., cit., 1994.
28. Miguel Ángel Ochoa Brun, Historia de la Diplomacia Espanola. VI – La
Diplomacia de Felipe II, Madrid, Ministério de Asuntos Exteriores, 2000, pp.
46 segs.
29. Veja-se, por exemplo, os comentários tecidos por Alain Talion acerca deste
tema, em «Les puissances catholiques face à la tolérance religieuse en France
au XVIe siècle: Droit d'ingérence ou non-intervention?» in Lucien Bély &
Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe des Traités de Westphalie..., cit., 2000, pp.
21-30.
30. Cfr. José Martínez Millán, «Familia Real y Grupos Políticos: la Princesa
Doña Juana de Austria (1535-1573)» in J. Martínez Millán (org.), La Corte de
Felipe II, Madrid, Alianza Universidad, 1994, pp. 73- 105.
31. Enquanto a Monarquia Hispânica desenvolvia esta estratégia de
predominio à escala mundial, no final do século XVI ο italiano Tommaso
Campanella fazia reviver ο ideário imperial, em La città del sole (1599), um
livro onde é descrita uma cidade ideal cujo chefe era ο sol, figura que
desempenhava simultaneamente as funções de príncipe e de sacerdote. A
religião dessa cidade imaginada por Campanella era um sincretismo de todos os
sistemas de crença e de todas as confissões religiosas, formando, no seu
conjunto, uma espécie de paraíso terrestre modernizado. Ο livro visava
instaurar essa cidade ideal em Nápoles, mas Campanella acabou por ser preso
devido ao facto de algumas das suas ideias serem classificadas como
heterodoxas. Contudo, anos mais tarde, em 1620, escreveu uma nova obra, com
ο título Monarchia di Spagna, onde apresentou a realeza espanhola como a
verdadeira monarquia católica em todo ο mundo, associando ο ramo ibérico
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dos Habsburgo ao projecto de domínio universal. Em 1634, contudo, ο
irrequieto Campanella estabeleceu-se em França, onde desta feita profetizou ο
declínio espanhol e a irresistível ascensão da França. Sobre Campanella e sua
relação com os desígnios imperiais da Monarquia Hispânica, veja-se, de
Anthony Pagden, Spanish Imperialism and the Political Imagination. Studies
in European and Spanish-American Social and Political Theory, 1513-1830,
New Haven, Yale University Press, 1990.
32. Antonio Feros, Kingship and Favoritism in the Spain of Philip III, 1598-
1621, Cambridge, Cambridge University Press, 2000, pp. 232 segs.
33. Bernardo García García, La Pax Hispanica. Política Exterior de Felipe III,
Lovaina, Leuven University Press, 1996.
34. Miguel Ángel Ochoa Brun, «La diplomatie espagnole dans la première
moitié du XVIIe siècle» in Lucien Bély & Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe
des Traités de Westphalie..., cit., 2000, pp. 537-554.
35. Miguel Ángel Ochoa Brun, «La diplomatie espagnole..., cit., 2000, pp. 537-
554.
36. Em termos doutrinais, muitos foram aqueles que questionaram ο alcance
universal da jurisdição pontifícia. Entre eles contavam-se não só publicistas
protestantes, mas também teólogos católicos, como ο dominicano Francisco de
Vitória – cfr. Anthony Pagden & Jeremy Lawrance, «Introduction» in Francisco
de Vitória, Political Writings, Cambridge, Cambridge University Press, 1991,
pp. XIII-XXVIII.
37. Heinz Duchhardt, «Un regard nouveau sur les traités de Westphalie: Le
colloque de Münster de 1996» in Lucien Bély & Isabelle Richefort (orgs.),
L'Europe des Traités de Westphalie..., cit. 2000, pp. 16 segs.
38. A efectiva aplicação deste princípio, no entanto, demorou bastante tempo,
e Richard Bonney lembra que, após Vestefália, todas as casas reais católicas
continuaram a manter uma política de séria restrição dos direitos dos seus
súbditos protestantes – cfr. «La France après la paix de Westphalie:
absolutisme ou pluralisme confessionnel?» in Lucien Bély & Isabelle Richefort
(orgs.), L'Europe des Traités de Westphalie..., cit.,2000, pp. 147-162.
39. Citado por Françoise Hildesheimer, em «Guerre et paix selon Richelieu»
in Lucien Bély & Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe des Traités de
Westphalie..., cit., 2000, pp. 31-54.
40. Fanny Cosandey & Isabelle Poutrin, Monarchies Espagnole et Française.
1550-1714, Paris, Atlande, 2001.
41. Cfr. Heinhard Steiger, «Der Westfalische Frieden – Grundgesetz für
Europa?» in Heinz Duchhardt (org.), Der Westfalische Friede. Diplomatie,
politische Zäsur, kulturelles Umfeld, Rezeptionsgeschichte, Munique, R.
Oldenbourg, 1998, pp. 66 segs.
42. Na linha do que sugere José Manuel Pureza em «Eternalizing Westphalia?
International Law in a Period of Turbulence», Nação e Defesa, 2a série, n° 87
(Outono de 1998) pp. 31-48; veja-se, também, de Stephen Krasner,
«Westphalia and all that» in Judith Goldstein, Robert
O. Keohane (orgs.), Ideas & Foreign Policy. Beliefs, Institutions, and Political
Change, Ithaca, Cornell University Press, 1993.
43. Daniela Frigo, Principe, Ambasciatori e "Jus Gentium".
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L'Amministrazione della Politica Estera nel Piemonte del Settecento,
Roma, Bulzoni, 1991, pp. 6 segs.

44. Cfr. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y relaciones exteriores...,


cit., 2001, pp. 104 segs. e 136 segs.
45. Ο Congresso de Utrecht, para Daniela Frigo, representou uma etapa
fundamental no processo de racionalização das fronteiras centro- europeias –
cfr. Principe, Ambasciatori e "Jus Gentium"..., cit., 1991.
46. M. A. Anderson, The Rise of Modem Diplomacy..., cit., 1993, pp. 204segs.
47. Pietro Costa, Civitas. Storia della Cittadinanza in Europa. Dalla Civiltà
Comunale al Settecento, Bari, Laterza, 1999, I, pp. 141 segs.
48. Sobre este tema, Richard Tuck, «The 'modern' theory of natural law» in
Anthony Pagden (org.), The Languages of Political Theory in Early- Modem
Europe, Cambridge, Cambridge University Press, 1987, pp. 106 segs.
49. E. H. Serra Brandão, As Relações Intemacionais antes de Hugo Grotius,
Lisboa, Academia de Marinha, 1985.
50. Cfr. Margarida Garcez Ventura, João da Silveira, Diplomata Português do
século XVI, Lisboa, Gabinete Português de Estudos Humanísticos, 1983; e, de
Ana Maria Pereira Ferreira, Problemas Maritimos entre Portugal e a França
na primeira metade do séculoXVI, Cascais, Patrimónia, 1995.
51. É importante não esquecer que, em parte, ο labor de Hugo Grocio tinha
como finalidade proporcionar uma base doutrinal legitimadora das incursões
neerlandesas nas águas dos outros reinos; dito de outra forma, a obra de Grocio
é inseparável das pretensões neerlandesas de assegurar a liberdade de
exploração, de comércio e de navegação – cfr. Manuel Rivero Rodríguez,
Diplomaciay relaciones exteriores..., cit., 2001, pp.115 segs.
52. Pietro Costa, Civitas. Storia della Cittadinanza in Europa..., cit., 1999, pp.
144 segs.
53. Contudo, ο desenvolvimento da prática diplomática no Ocidente europeu
teve contacto com evoluções paralelas ocorridas em outras áreas, como era ο
caso do Mediterrâneo Oriental. Há que não esquecer que vários príncipes da
Europa Ocidental mantiveram um relacionamento assíduo com os Turcos
Otomanos. Esse foi, alias, um dos terrenos onde se verificaram maiores
desencontros, pois entre os Otomanos vigorava um «idioma» diplomático
profundamente diferente daquele que estava a ganhar forma no Ocidente
Europeu. Sobre este tema consulte-se, maxime, os trabalhos de Dejanirah
Couto.
54. Um dos exemplos mais flagrantes é a faustosa embaixada que, em 1513, D.
Manuel I, rei de Portugal enviou a Roma, liderada por Tristão da Cunha. Sobre
ο tema, veja-se, de António Alberto Banha de Andrade,História de um
Fidalgo Quinhentista Português. Tristão da Cunha,
Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1974.
55. M. A. Anderson, The Rise of Modem Diplomacy..., cit., 1993, pp. 47- 54.
56. A respeito da Inglaterra, de acordo com Kevin Sharpe foi em Abril de 1635
que surgiu, no quadro do governo inglês, um «Comité dos Assuntos
Estrangeiros». Porém, este órgão foi profundamente afectado pela convulsão
política vivida em Inglaterra no final da década de 1630, e a partir de 1642 ο
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governo inglês deixou de contar com estruturas diplomáticas de facto – cfr.
Kevin Sharpe, The Personal Rule of Charles I, New Haven e Londres, Yale
University Press, 1992, pp. 536 segs.
57. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y relaciones exteriores..., cit., 2001,
pp. 142 segs.
58. M. A. Anderson, The Rise of Modem Diplomacy..., cit., 1993, pp. 81 segs.
59. M. A. Anderson, The Rise of Modem Diplomacy..., cit., 1993, pp. 92 segs.
60. Gonzalo Pérez, conselheiro de Filipe de Habsburgo desde os tempos de
Bruxelas, apreciava todo ο tipo de questões governativas, ocupando- se,
também, das relações externas, detendo a palavra mais decisiva na nomeação
dos embaixadores e no despacho dos assuntos ligados à política exterior. Em
1567, e já depois da morte de G. Pérez, Filipe II decidiu dividir a Secretaria de
Estado em duas secções: a do «Norte», onde pontificava Gabriel de Zayas; e a
de «Itália», cuja figura mais preeminente era Antonio Pérez. Trata-se de uma
reforma onde era manifesta a intenção de conferir mais eficácia à acção
desenvolvida no interior dos domínios da Monarquia Hispânica – Miguel Ángel
Ochoa Brun, Historia de la Diplomacia Espanola..., cit., 2000, pp. 354 segs.
61. Eduardo Brazão, «A Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros de D.
João V», Revista Portuguesa de História, tomo XVI (1978) pp. 51- 61.
62. Fanny Cosandey & Isabelle Poutrin, Monarchies Espagnole et Française.
1550-1714, Paris, Atlande, 2001, pp. 513 segs.
63. Veja-se in genere Lucien Bély, Espions et Ambassadeurs au Temps de
Louis XIV, Paris, Fayard, 1990.
64. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y relaciones exteriores..., cit., 2001,
pp. 113 segs.
65. Miguel Ángel Ochoa Brun, Historia de la Diplomacia Espanola...,
cit., 2000, pp. 349 segs.
66. A Monarquia Hispânica, por ser tão vasta e integrar territórios tão
díspares, desenvolveu aquilo que Ochoa Brun designou de «diplomacia
interior», ou seja, a presença mais ou menos permanente de representantes
dos vários territorios que integravam ο domínio dos Habsburgo espanhóis.
Alguns desses territórios, devido à sua importância, chegaram mesmo a manter
uma diplomacia própria, caso dos Países Baixos no último quartel de
Quinhentos – Miguel Ángel Ochoa Brun, Historia de la Diplomacia
Española..., cit., 2000, p. 363.
67. Como é bem sabido, ο neerlandês Abraham de Wicquefort é autor de
L'Ambassadeur et ses fonctions... (1681), um dos mais famosos tratados
dedicados à diplomacia.
68. Cfr. Pedro Cardim, «Os "rebeldes de Portugal" no congresso de Münster
(1645-1648)», Penélope. Fazer e desfazer a história, 19-20 (1998), pp. 101-128.
69. Cfr. José Martínez Millán, «Familia Real y Grupos Políticos..., cit., 1994,
pp. 73-105.
70. Sobre este tema veja-se, de Renata Ago, La Feudalità in Età Moderna,
Roma-Bari, Editori Laterza, 1994.
71. Acerca desta questão, é fundamental ο estudo de Nuno Gonçalo Monteiro,
«O 'Ethos' da Aristocracia Portuguesa sob a dinastia de Bragança. Algumas
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notas sobre a Casa e ο Serviço ao Rei», Revista de História das Ideias
(Coimbra), vol. 19 (1997) pp. 383402. Para uma interessante perspectiva
europeia sobre esta matéria, veja-se, de Renata Ago, La Feudalità..., cit., 1994,
em especial ο Capítulo V – «Il sistema culturale», pp. 137 segs.

72. Cfr. a este respeito Pedro Cardim, «Embaixadores e representantes


diplomáticos da Coroa portuguesa no século XVII», Cultura, revista do Centro
de História da Cultura da FCSH-UNL, 2002, IIa Série, vol. XV, pp.47-86.

73. Ο mesmo tipo de tensões ocorreu entre os representantes franceses


presentes nas negociações de Münster, um tema analisado por Frank
Lestringant em «Claude de Mesmes, comte d'Avaux, et la diplomatie de
l'esprit» in Lucien Bély & Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe des Traités de
Westphalie..., cit., 2000, pp. 439-455.
74. Cfr. Daniela Frigo, Principe, Ambasciatori e "Jus Gentium"..., cit., 1991,
pp. 26 segs.
75. Veja-se, de Mário Júlio de Almeida e Costa e Rui Manuel de Figueiredo
Marcos, «Reforma Pombalina dos Estudos Jurídicos» in Ana Cristina Araújo
(org.), Ο Marquês de Pombal e a Universidade, Coimbra, Imprensa da
Universidade, 2000, pp. 97-125.
76. Heinhard Steiger, «Der Westfälische Frieden – Grundgesetz fur Europa?»
in Heinz Duchhardt (org.), Der Westfälische Friede. Diplomatie, politische
Zäsur, kulturelles Umfeld, Rezeptionsgeschichte, Munique, R. Oldenbourg,
1998, pp. 55 segs.Acerca do Congresso de Utrecht e a participação de Portugal
nessas negociações, cfr. Eduardo Brazão, Portugal no Congresso de Utrecht
(1712-1715), Lisboa, e.a., 1933; e Isabel Cluny, «A Diplomacia Portuguesa no
Congresso de Paz de Utreque» in Zília Osório de Castro (org.), Portugal e os
Caminhos do Mar, Lisboa, Inapa, 1998, pp. 29-49.
77. Veja-se, por exemplo, Luís Ferrand de Almeida, A Colónia do Sacramento
na época da sucessão de Espanha, Coimbra, 1973.

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