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História das Relações

Internacionais
Prof. Péricles Pedrosa Lima

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Prof. Péricles Pedrosa Lima

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

L732h

Lima, Péricles Pedrosa

História das relações internacionais. / Péricles Pedrosa Lima.


Indaial: UNIASSELVI, 2020.

194 p.; il.

ISBN 978-65-5663-022-9

1. Relações internacionais. - Brasil. 2. Política internacional. –


Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 327.09

Impresso por:
Apresentação
O estudo da disciplina de História para o acadêmico de Relações
Internacionais deverá proporcionar a compreensão das contradições políticas
e ideológicas, das pressões que influenciam os homens de Estado, dos
condicionantes econômicos, sociais e culturais. Nesse sentido, a disciplina
de História das Relações Internacionais (HRI) encontra-se dentro da
grande área que são as Relações Internacionais (RI). A ampliação do campo
historiográfico busca ultrapassar a tradicional história diplomática e, assim,
superar o simples conhecimento do desenrolar dos processos históricos,
muitas vezes interpretados por tratados, documentos oficiais e arquivos
diplomáticos. Portanto, o estudo da História das Relações Internacionais
não se encontra apenas no monitoramento dos movimentos diplomáticos
e de seus respectivos processos políticos, mas também em uma análise de
condicionantes diversos que gerariam os movimentos políticos, sociais
e econômicos, por exemplo, como os diferentes processos de decisão e
barganha em seus diferentes momentos. As Escolas Inglesa e Francesa são as
precursoras dessa reflexão e evolução teórica-metodológica.

Partindo de uma visão econômica, torna-se importante ressaltar a


obra de Giovanni Arrighi, O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso
tempo, na qual o autor busca em Braudel e Wallerstein o suporte para o debate
histórico, propondo ciclos sistêmicos para entender o desenvolvimento da
economia mundial. O autor associa o desenvolvimento e a maturação do
sistema de estados com o desenvolvimento do capitalismo moderno em uma
perspectiva histórica-mundial, tornando-se assim uma abordagem teórica
e uma interpretação da evolução dos estados capitalistas e da economia
capitalista. A análise dos quatro ciclos históricos desenvolvidos pelo autor –
Genovês, Províncias Unidas, Grã-Bretanha e Estados Unidos – amplia nossa
visão sobre o desenvolvimento do capitalismo associado à formação do
Estado-nação e ao conceito de hegemonia; a competência de um Estado em
exercer funções de liderança e de governo. O ciclo genovês estende-se entre
o século XV e o início do século XVII. O ciclo das Províncias Unidas pode
ser entendido entre o fim do século XVI e o século XVIII. Por sua vez, o ciclo
britânico entre o fim do século XVIII e o início do século XX, e, por fim, o ciclo
norte-americano, a partir do fim do século XIX (ARRIGHI, 1994).

A proposta deste livro é trazer para você, acadêmico de Relações


Internacionais, os processos históricos, os acontecimentos políticos, militares,
econômicos e sociais no contexto das diferentes sociedades e estados, tendo
como ponto de partida a sociedade internacional europeia e os elementos
que a configuraram e que propiciaram a sua expansão. O modelo de Estado
Nacional, desenvolvido no continente europeu, e a sua maturidade, fruto
de diferentes conflitos internos e externos, conduziram ao domínio e

III
aprimoramento da economia e do comércio, consagrando uma forma de
poder que se tornou a base da sociedade europeia e de sua expansão.

É importante ressaltar que o presente livro tem como objeto de estudo


o mundo ocidental, o qual teve a Europa como berço. Mas poderíamos nos
perguntar: Por que a Europa?

Durante os séculos XV e XVI, a Europa viveu o apogeu de sua


Revolução Cultural: a Renascença. Quando atingiu o século XVIII, o continente
já apresentava uma considerável expansão para diferentes regiões do globo,
e no século XIX consolidava-se exportando valores culturais, principalmente
sua organização política, social e econômica que moldava diferentes Estados.

Nessa mesma altura observa-se que Impérios muçulmanos estavam


no auge na Pérsia, na Índia e na atual Turquia, assim como o império russo
estava em expansão para o Oriente, e a China com a dinastia Qing (1644-
1912) se consolidava como a última grande dinastia imperial.

A África, com suas particularidades, principalmente o norte africano


muçulmano, já apresentava laços comerciais com o Oriente Médio e com a
Ásia. Na sua parte subsaariana formaram-se vários impérios, dentre eles, os
impérios malinês e Songhay no Oeste, no Centro-Sul, o grande Zimbábue.

Particularmente, a China, objeto de estudo de grande interesse


e importância na atualidade, foi durante muito tempo uma civilização
mais avançada do que a europeia. A China da dinastia Ming era a grande
potência do final do século XV e contava com mais de cem milhões de
habitantes e capacidade para realizar expansão para outros territórios, pois
dominavam a arte da navegação, dispunham de tecnologia e força militar. A
Europa, menos populosa, adquirira da China entre outras particularidades
uma forma rudimentar de imprensa e fabricação de papel, a bússola e a
pólvora. Por volta de 1480, o imperador chinês da dinastia Ming (1368-1644)
proibiu a exploração e o comércio ultramarino, e aqueles mercadores que
insistissem com a prática seriam declarados contrabandistas e teriam seus
estabelecimentos destruídos. Por motivos diversos, ela não realizou a sua
expansão marítima, talvez para preservar suas fronteiras, concentrar esforços
internos e se prevenir de invasões. O Estado chinês era forte e centralizador,
concentrando para si todo o comércio de especiarias com os portugueses e
espanhóis e, assim, em decisão imperial, fechou-se para o mundo.

Tal fato não ocorreu com a Europa, pelo contrário. Os líderes


europeus viviam em uma rede de estados rivais que competiam entre si pelo
poder e por territórios, seja em termos de ocupação ou de influência. As casas
dinásticas europeias estabeleciam casamentos e projetavam influências.
O imperador chinês não precisava enfrentar rivais que tinham poderes
semelhantes ao seu, e, nesse caso, a rivalidade existente entre os líderes
europeus favoreceu a disputa comercial e a expansão do continente. Após

IV
a queda do Império Romano no Ocidente, nenhum poder absoluto voltou
a controlar o continente e considerável parte da história da Europa deriva
desse momento de formação.

Séculos depois, a China volta a se abrir para o mundo, para o comércio.


Ao despertar de um longo sono, provoca profundos impactos nas estruturas
da ordem econômica liberal desenvolvida e difundida no Ocidente.

Para entendermos como ocorreu o processo de formação dos estados


ocidentais no âmbito econômico e social, torna-se importante entender a
trajetória, formação e desenvolvimento do sistema de estados europeus,
assim como sua expansão para outros continentes.

Ao fim de cada parte das unidades que compõem o guia de estudos


em História das Relações Internacionais, encontram-se questões dissertativas
e questões objetivas que devem ser realizadas por você, a fim de fixar a sua
compreensão. Você, acadêmico, deverá construir durante a sua formação
como internacionalista uma considerável base historiográfica que o habilitará
a compreender como os diferentes estados desenvolveram os princípios que
pautam as Relações Internacionais Contemporâneas.

Desejamos uma boa leitura e que o texto possa despertar em você o


internacionalista curioso e atento aos fatos históricos.

Prof. Péricles Pedrosa Lima

V
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

VI
VII
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!

VIII
Sumário
UNIDADE 1 – DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX.............1

TÓPICO 1 – EXPANSÃO EUROPEIA....................................................................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................3
2 EXPLICANDO A EXPANSÃO EUROPEIA........................................................................................4
3 O TRATADO DE WESTFÁLIA (1648)...............................................................................................12
4 O ACORDO DE UTRECHT (1714).....................................................................................................17
5 A RACIONALIDADE DO SÉCULO XVIII......................................................................................19
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................24
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................25

TÓPICO 2 – AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII........................................................................29


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................29
2 AS REVOLUÇÕES.................................................................................................................................29
2.1 A REVOLUÇÃO AMERICANA E A INDEPENDÊNCIA DAS COLÔNIAS..........................30
3 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A EMERGÊNCIA INGLESA.................................................32
4 A REVOLUÇÃO FRANCESA E A OBRA POLÍTICA E MILITAR DE NAPOLEÃO...............34
4.1 AS GUERRAS NAPOLEÔNICAS..................................................................................................36
5 O CONGRESSO DE VIENA (1814-1815) E A HEGEMONIA COLETIVA.................................40
5.1 PÓS-VIENA: O CAMINHO DAS REVOLTAS LIBERAIS..........................................................42
5.1.1 Pan-eslavismo...........................................................................................................................44
5.1.2 Pan-italianismo.........................................................................................................................45
5.1.3 Pangermanismo.......................................................................................................................46
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................48
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................49

TÓPICO 3 – O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX..............................51


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................51
2 A DIPLOMACIA DE BISMARCK (1871-1890)................................................................................51
3 O DESENVOLVIMENTO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA.......................................57
4 A CONFERÊNCIA DE BERLIM..........................................................................................................59
5 O IMPERIALISMO NA ÁSIA.............................................................................................................63
6 O IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO....................................................................................66
7 OS ANOS FINAIS DO SÉCULO XIX................................................................................................67
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................70
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................74
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................75

UNIDADE 2 – A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA:


O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE..............................................77

TÓPICO 1 – O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA


GRANDE GUERRA.........................................................................................................79
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................79
2 AS FORÇAS QUE EMERGEM DO SÉCULO XIX...........................................................................80
IX
3 A GRANDE GUERRA (1914-1918).....................................................................................................87
4 O ACORDO POSSÍVEL E O TRATADO DE VERSALHES..........................................................90
5 O IDEALISMO WILSONIANO E A LIGA DAS NAÇÕES..........................................................93
6 NACIONALISMOS (DITADURAS E DEMOCRACIAS).............................................................96
6.1 POLÍTICA EXTERNA DE MUSSOLINI........................................................................................98
6.2 POLÍTICA EXTERNA DE HITLER................................................................................................98
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................100
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................101

TÓPICO 2 – A POLÍTICA INTERNACIONAL NO CONTEXTO DA SEGUNDA


GUERRA MUNDIAL......................................................................................................103
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................103
2 A DEFLAGRAÇÃO DE UM NOVO CONFLITO: A SEGUNDA GUERRA
MUNDIAL (1939-1945)........................................................................................................................103
3 A OCUPAÇÃO DA FRANÇA E MUNDIALIZAÇÃO DA GUERRA........................................105
4 A ALIANÇA EUA, URSS E GRÃ-BRETANHA.............................................................................106
5 A SOLUÇÃO FINAL...........................................................................................................................110
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................113
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................114

TÓPICO 3 – O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL NO


PÓS-GUERRA..................................................................................................................115
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................115
2 CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA E OS ACORDOS DE PAZ...................................................115
3 AS NAÇÕES UNIDAS........................................................................................................................116
4 A CRIAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL..........................................................................................120
5 O AVANÇO RUSSO NO LESTE EUROPEU..................................................................................122
6 A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA OCIDENTAL ......................................................................124
7 A DOUTRINA TRUMAN..................................................................................................................125
8 O PLANO MARSHALL......................................................................................................................126
9 REAÇÕES SOVIÉTICAS...................................................................................................................127
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................130
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................134
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................135

UNIDADE 3 – A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL


NA CONTEMPORANEIDADE...............................................................................137

TÓPICO 1 – A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA


E NA AMÉRICA...............................................................................................................139
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................139
2 A FLEXIBILIZAÇÃO DA ORDEM BIPOLAR...............................................................................139
3 A EUROPA REESTRUTURADA: A CONSTRUÇÃO DA COMUNIDADE EUROPEIA......145
4 A DESCOLONIZAÇÃO AFRICANA E ASIÁTICA......................................................................149
5 A CORRIDA ARMAMENTISTA E NUCLEAR.............................................................................151
5.1 CHINA E GUERRA DA COREIA ...............................................................................................153
5.2 A CRISE DOS MÍSSEIS DE CUBA...............................................................................................154
5.3 GUERRA DO VIETNÃ...................................................................................................................156
5.4 O CHILE E A DERRUBADA DE SALVADOR ALLENDE.......................................................160
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................162
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................163

X
TÓPICO 2 – O FIM DA GUERRA FRIA E O COLAPSO DO COMUNISMO...........................165
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................165
2 A DISSUASÃO POSSÍVEL...............................................................................................................165
3 O COLAPSO DO COMUNISMO.....................................................................................................167
3.1 A QUEDA DO MURO DE BERLIM . ..........................................................................................171
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................173
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................174

TÓPICO 3 – A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE......................175


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................175
2 CONFLITOS REGIONAIS................................................................................................................175
3 GUERRA AO TERROR.......................................................................................................................178
3.1 AS NAÇÕES UNIDAS E A LUTA CONTRA O TERROR........................................................180
4 O PAPEL DO ESTADO-NAÇÃO......................................................................................................181
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................185
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................190
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................191

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................192

XI
XII
UNIDADE 1

DA EXPANSÃO EUROPEIA AO
NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• apresentar a expansão europeia e sua relação com a formação do Novo Mundo;

• buscar entender a organização política e social no continente europeu e


seus reflexos em diferentes espaços;

• desenvolver os principais aspectos das revoluções do século XVIII e seus efeitos;

• ressaltar a obra política e militar de Napoleão e o nacionalismo despertado


na sociedade;

• entender o Congresso de Viena e a Hegemonia Coletiva;

• verificar os efeitos do nacionalismo na Europa;

• identificar o imperialismo europeu em diferentes continentes.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – EXPANSÃO EUROPEIA


TÓPICO 2 – AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII
TÓPICO 3 – O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

EXPANSÃO EUROPEIA

1 INTRODUÇÃO
A Europa dos séculos XV e XVI é caracterizada pelo avanço dos povos
ibéricos, principalmente por portugueses e espanhóis, para fora do continente.
Usualmente, considera-se a chegada dos portugueses em Ceuta, norte de África,
em 1415, como marco inicial do que chamamos Expansão Europeia. A importância
do fato e dos momentos que se seguem na próxima década do século XV, quando
alcançam diferentes ilhas no Atlântico Norte (Madeira em 1420 e Açores 1427),
vêm impulsionar a navegação de cabotagem ao longo da costa ocidental da África
realizada pelos navegadores portugueses. O sentido das expedições marítimas
para o Atlântico Sul está fortemente associado à busca de rotas comerciais e
de matéria-prima para um capitalismo incipiente no continente europeu. O
surgimento em séculos posteriores – séculos XVI, XVII e XVIII – de entrepostos
comerciais e colônias ao sul do Equador, que mais tarde no século XIX tornaram-
se Estados independentes, reforça a importância de iniciarmos nossos estudos
por essa Europa Moderna expansionista.

Torna-se importante entender a organização política e social no continente


europeu moderno, pois há um reflexo direto, principalmente no Novo Mundo, na
organização do comércio e na maneira como se estruturaram a nova sociedade
americana. Ao norte da América, a influência britânica e suas particularidades
formam colônias que se projetam na relação comercial com a metrópole e que
mais tarde, no século XVIII, inaugura o movimento emancipatório. Mais ao sul da
América, a exploração e a dependência das metrópoles europeias de suas colônias
reforça o cerco a movimentos emancipatórios e propaga sob estreita vigilância
a exploração e a censura intelectual, principalmente na América Portuguesa.
A emancipação ao sul do continente somente ocorreria no século XIX, com as
independências na América espanhola e portuguesa.

Retornando ao continente europeu, passaremos a avaliar os impactos


e os principais aspectos das revoluções do século XVIII – Revolução Industrial,
a Revolução Americana que culminou com a independência das treze colônias
britânicas na América e, por fim, a Revolução Francesa e seus efeitos. O mundo, e
não só a Europa, não seria o mesmo após esse período revolucionário e de guerras.
Os efeitos se propagaram por boa parte do continente europeu e atingiram a
América de diferentes maneiras. Os movimentos libertadores ocorridos na América
estão em sintonia com os movimentos revolucionários ocorridos na Europa.

3
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

É de importância ressaltar a obra política e militar de Napoleão e o


nacionalismo despertado na sociedade. O regime monárquico absolutista
encontra seu fim na propagação dos valores e ideias revolucionárias trazidas por
Napoleão. O absolutismo constitucional ganha espaço em diferentes Estados e
a classe média emergente busca adquirir poder político e intervir nos negócios
públicos. O século XVIII é o século da gênese do nacionalismo e da racionalidade
nos negócios públicos.

O avançar das tropas de Napoleão altera a configuração política da Europa


e seu império, em meio a um nacionalismo emergente, tenta centralizar em
Paris um novo momento hegemônico. O imperador francês, ao ser vencido pela
Inglaterra e desterrado, trouxe aos líderes europeus a oportunidade de realizar
um Congresso que buscava restabelecer a ordem política e social alterada por ele.

O Congresso de Viena e a Hegemonia Coletiva que dele surge tem um


aspecto conservador, mas não consegue anular o ganho trazido pelo nacionalismo
propagado pelos franceses. Assim, o século XIX surge como o século do
nacionalismo que novamente vem alterar a configuração do espaço europeu
e nele surgem novos Estados fruto de unificações. O século XIX é o século do
amadurecimento do nacionalismo.

ATENCAO

Esta unidade tem como objetivo o estudo da expansão da Europa para


diferentes partes do globo, assim como de sua cultura e da evolução de sua organização
política e social. Tal fato se torna de extrema importância, pois a difusão dos valores
europeus moldou os novos Estados na Idade Moderna e também sua organização política
e econômica. Não serão aqui desenvolvidas a cultura oriental, seus valores e organização
política, que paralelamente ao Ocidente também apresentavam seu desenvolvimento.

2 EXPLICANDO A EXPANSÃO EUROPEIA


No fim do século XV, os habitantes da Europa pouco conheciam sobre
outras civilizações existentes fora do seu continente e o território não era o espaço
geopolítico mais populoso da Terra. China e Índia eram e ainda são os mais
populosos. O continente europeu ainda se via ameaçado por muçulmanos e pelos
turcos otomanos que se expandiam sobre seus territórios, apesar da “reconquista
cristã” ocorrida na península ibérica. A conquista da cidade de Constantinopla,
em 1453, representou um avanço dos “infiéis” na visão do cristão europeu.

A Europa também não era unida como um território homogêneo, apesar


de professarem em sua grande parte a fé cristã, fruto do período romano do
Ocidente. Encontrava-se fragmentada em diversos pequenos reinos e feudos que

4
TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA

muitas vezes lutavam entre si e não prezavam pelo saber científico e tecnológico
das grandes civilizações do Oriente. Ainda assim, o continente viveu nos séculos
XV e XVI uma revolução cultural impulsionada pelo despertar da curiosidade
científica, da busca pelos avanços tecnológicos e por novas rotas de comércio,
seja por terra e, principalmente, pelo mar. As viagens marítimas se tornaram
projetos de colonização que alcançaram a América, a África e a Ásia, chegando
até o Japão. O processo avançou de forma progressiva e abrangente e, em meados
do século XVIII, vários países europeus haviam se tornado potências mundiais
com colônias em diferentes partes do globo.

Ainda nos séculos XVI e XVII, verifica-se que o europeu transforma


sua maneira de pensar o mundo e os reflexos são sentidos na arte, na cultura,
na política e no comércio. A Renascença, primeira grande ruptura do mundo
medieval e entendida como a descoberta ou redescoberta dos ensinamentos greco-
romanos, atinge também a forma de pensar a religião, a relação do homem com
Deus e, assim, começa o longo processo de secularização da sociedade europeia.
O conceito de mundo secular, aquele no qual poderá existir religião como uma
questão privada ou como uma associação de pessoas que professam uma crença,
deverá estar afastada das questões políticas. Outro processo no século XVI abala o
mundo cristão. A reforma traz uma fenda considerável nas estruturas do dogma
religioso e a questão religiosa traz o debate sobre as estruturas da igreja cristã
romana, questionando a infalibilidade e outros dogmas, como o da salvação.

NOTA

A Renascença pode ser entendida como um movimento que nasceu


na península itálica, uma revolução cultural que emergiu em meados do Século XV. O
contexto era caracterizado como uma retomada do mundo clássico, um novo interesse
pelas artes e cultura clássicas. Surge um novo espírito de curiosidade científica com
avanços tecnológicos, mas o maior efeito foi visto nas artes, na arquitetura e também na
literatura.

No início do século XVIII, o continente americano central e meridional


estava em sua maior parte controlado pela Espanha, com exceção do Brasil. No
Norte havia grandes colônias inglesas e francesas em progressivo crescimento.
A relação das colônias inglesas com a metrópole se caracterizava pelo intensivo
desenvolvimento do território e pela taxação exercida pela metrópole dos
produtos exportados pelos colonos. No centro e no sul do continente americano,
o processo colonial apresentava-se com características muito mais exploratórias
do que desenvolvimentistas. Pode-se observar que ocorreram diferentes
procedimentos de colonização no Norte e no centro-sul do continente, mediante
diferentes visões das respectivas metrópoles e dos colonos, assim como diferentes
formas de organização e de governo estabelecidas nos territórios.

5
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

NOTA

As viagens de exploração dos europeus, fruto da própria Renascença que


trouxera avanços científicos, logo se transformaram em colonizações, algumas com
caráter mais exploratório devido ao contexto econômico dos estados europeus entre os
séculos XVI e XVIII (Portugal e Espanha na América do Sul e Central). O processo pode
ser entendido como de ocupação dos territórios, mas se observava mais fortemente o
caráter exploratório. Por sua vez, os colonos que se destinaram à costa leste do norte do
continente americano, formando as treze colônias britânicas, atendiam a uma demanda
não só econômica como também de ordem política, social e religiosa. Diferente da
colonização mais ao sul, que tinha por base o latifúndio monocultor escravista, ao norte a
colonização se deu com base em pequenas propriedades, com diferentes cultivos e com
o trabalho livre.

O conceito de grandes descobertas é hoje motivo de debate e polêmica.


Os europeus chegaram a um continente onde habitavam inúmeros povos com
suas culturas e organizações sociais e políticas. A colonização forçada e agressiva
dizimou civilizações, provocando o genocídio de diferentes grupos étnicos.

Não há um consenso no termo colonização por ocupação ou por exploração


e mesmo com relação à fixação de contingentes populacionais em determinados
locais ou regiões. No início da Idade Moderna não houve grandes movimentos
demográficos, deslocamentos migratórios consideráveis, mas pode-se afirmar que
comerciantes europeus construíram feitorias nos litorais das regiões alcançadas,
na África, América e Ásia onde trocavam os produtos.

A verdadeira colonização europeia na Idade Moderna, com deslocamentos


populacionais e criação de um sistema administrativo, ocorreu no continente
americano por volta do século XVIII, gerando um intenso aproveitamento de
recursos em benefício das metrópoles europeias. Paralelamente à fixação de
contingentes de colonos europeus, ocorreu a incorporação pela população
local de modelos sociais, culturais e religiosos e um processo de miscigenação,
principalmente no centro e no sul da América. Portanto, nossa sociedade atual
é descendente do sistema europeu e desse processo de colonização marcado por
valores, regras e instituições originalmente traçadas pela sociedade europeia.

6
TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA

NOTA

O termo “sistema” é usado em associação ao arranjo do sistema solar de


Newton. No sistema de atores estatais existe, como no sistema solar, um equilíbrio entre
atores menores e maiores, cada um com sua autonomia e dentro de um ajuste que
mantém esse equilíbrio. A Escola Inglesa acrescenta a essa ideia a visão realista das relações
internacionais, de um sistema anárquico em que dois ou mais atores apresentam contato
suficiente entre eles e essa interação produz impacto nas decisões e no comportamento
desses mesmos atores.

O Reino de Portugal deu início à expansão marítima e foi seguido pelo


Reino de Espanha, pela Holanda, França e Inglaterra. O pioneirismo português
deu-se pela precoce concentração do poder nas mãos do rei e por influência de um
grupo mercantil. A Espanha, por sua vez, formou-se pela união de monarquias
feudais e cristãs em torno de um único reino. O casamento em 1469, de Fernando,
rei de Aragão, e Isabel, rainha de Castela, reis católicos, consolida a formação do
Reino de Espanha. Os reis católicos, além de responsáveis pela união de todo o
reino, eram também incentivadores da expansão europeia.

A partir dos séculos XV e XVI, os europeus passaram a ocupar diferentes


espaços, África e América, inicialmente, e a difundir seu modus vivendi, ou seja,
passam a propagar a sua forma de organização social, política, econômica e religiosa.
O mundo no qual os europeus se expandiam era formado por diferentes tipos de
comunidade e civilizações. Encontraram povos cuja existência era completamente
desconhecida do mundo dito civilizado a Ocidente, e também passaram a conviver
mais intimamente com o mundo muçulmano a Oriente e suas particularidades
políticas e religiosas. Watson (2004) enfatiza que os muçulmanos não eram
considerados “elegíveis” pelos europeus, a despeito de um envolvimento mais
estreito entre o Islã e a sociedade europeia de estados cristãos após a expansão. A
tomada de Constantinopla pelos otomanos, em 1453, encontra-se associada à busca
de novas rotas comerciais e pode ser considerada um dos fatores propulsionadores
da expansão. Pode-se considerar que a primeira etapa da expansão ultramarina da
Europa teve início por volta de 1419, quatro anos depois da tomada de Ceuta pelos
portugueses, em 1415, no norte da África. Também foram eles que inicialmente se
aventuraram na circum-navegação do continente africano e, junto aos espanhóis,
fizeram a descoberta e ocupação do novo mundo.

Todos esses processos expansionistas possuem conotação comercial


e religiosa, mas também estão intimamente ligados à nova visão de mundo
propagada e defendida pelos europeus. Ocorrera uma desagregação do mundo
medieval a partir dos séculos XIV e XV, que afetou a vida econômica e social
do continente. O declínio da nobreza feudal e o surgimento da classe burguesa
impulsionaram o surgimento da Europa Moderna.

7
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

FIGURA 1 – MAPA COM AS VIAGENS DOS PORTUGUESES E ESPANHÓIS NOS SÉCULOS XV E XVI

FONTE: <https://images.slideplayer.com.br/6/5652141/slides/slide_2.jpg>. Acesso em: 20 jul. 2019.

Quando Cristóvão Colombo atingiu o continente americano, em outubro


de 1492, não tinha conhecimento do território que alcançara. A Espanha,
financiadora do projeto marítimo, recorre ao papa, que era espanhol, para
legitimar o processo ocorrido. A proclamação do Papa Alexandre VI (1431-1503),
em 4 de maio de 1493 – Bula Inter Coetera – veio mediar e estabelecer regras para
o avanço de portugueses e espanhóis no novo mundo. O documento apresentava
uma linha imaginária a 100 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde e determinava
que as terras a oeste da linha pertencessem ao Reino de Espanha e a leste ao Reino
de Portugal.

Mediante os intensos protestos dos soberanos portugueses contra a


divisão feita pelo papa e visando evitar conflitos na península ibérica, Alexandre
VI arbitrou um novo acordo em 1494, o Tratado de Tordesilhas, em referência à
cidade espanhola, o qual estabelecia uma linha imaginária traçada a 370 léguas a
oeste das ilhas de Cabo Verde.

8
TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA

FIGURA 2 – INTER COETERA E TORDESILHAS

FONTE: <https://i1.wp.com/files.professor-leandro.webnode.com.br/200000227-82a2284978/
cabral2.png>. Acesso em: 12 mar. 2020.

Dessa forma, os Tratados de Tordesilhas, de 7 de junho de 1494,


celebrados entre o Reino de Portugal e de Espanha vieram efetivar a divisão das
terras a descobrir e a serem ocupadas por esses dois atores europeus. Enquanto
os europeus dominavam o novo mundo, no Oriente as relações que procuravam
estabelecer tinham outro sentido: eram “clientes de autoridades asiáticas”
(WATSON, 2004, p. 310).

Os comerciantes portugueses no oceano Índico se encontravam na mesma


situação dos comerciantes árabes que também por ali comercializavam. Além dos
portugueses e dos árabes, tal comércio marítimo não só no Índico, mas também
no Pacífico, contava com a presença de chineses. Às relações comerciais com o
Oriente acrescentava-se alguma espécie de relação política com os governantes da
área. Comerciantes portugueses lidavam, portanto, com muçulmanos e com não
muçulmanos, além de diferentes autoridades asiáticas. Procuravam vender seus
produtos e obter vantagens comerciais e estratégicas, tornando essa empreitada
comercial lucrativa. Mais tarde, comerciantes e banqueiros dos Países Baixos
se sentiram atraídos por esse comércio que era praticado pelos portugueses e
passaram a ocupar o lugar destes nas feitorias criadas em diferentes pontos, não
só na Ásia como também na África.

A União Ibérica (1580 a 1640) colocou Portugal sob controle dos Habsburgos
espanhóis – a dinastia Filipina – deixando os holandeses impossibilitados de
receber os produtos do Oriente trazidos pelos portugueses. Tal fato impulsionou
os holandeses a começarem a comercializar diretamente com o Oriente por meio
de empresas mercantes holandesas. A primeira expedição holandesa chegou à

9
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

China em 1542, onde os portugueses já estavam desde 1516. As relações entre


esses europeus e asiáticos marcou o início de um envolvimento econômico e
estratégico do sistema europeu com as civilizações da Ásia.

Watson (2004) chama a atenção para a forma das relações estabelecidas


e que por vezes eram determinadas pelos governantes asiáticos. Os europeus
eram enviados dos soberanos e esses comandantes mercantes levavam cartas
credenciais autorizando-os a agir em nome dos seus soberanos, gerando formas
modificadas de negociar para adequar aos usos e costumes do Oriente.

Na América, o ritmo das negociações se dava de forma diferente. Buscavam


a exploração direta dos recursos da terra, inicialmente com o auxílio dos nativos,
posteriormente dos africanos traficados. Na ocupação e distribuição de terras para
novos colonos, criou-se um sistema de exploração e uma população miscigenada.
Havia, principalmente, entre os portugueses, uma capacidade de miscigenação
nos trópicos não encontrada entre ingleses e franceses.

FIGURA 3 – A CRIAÇÃO DE ADÃO DE MICHELANGELO (1508-1510)

FONTE: <https://arteeartistas.com.br/wp-content/uploads/2016/11/
cria%C3%A7%C3%A3oMichelangelo.jpg>. Acesso em: 23 jun. 2019.

Essa figura do século XVI traz a imagem de Deus criando o homem, Adão.
O catolicismo e seus valores estavam presentes em considerável parte da Europa
Ocidental e moldavam a vida dos homens, mesmo depois do fim da Idade Média.
A ideia de um Deus Pai, criador e criatura, estavam presentes no cotidiano e
na fé professada. Os europeus, ao se expandirem para diferentes regiões do
globo, levaram consigo a fé cristã e propagavam tais valores para os povos que
encontravam.

Enquanto o comércio dos europeus prosperava no Oriente, na costa


atlântica ocorria uma europeização do novo mundo, criando uma dependência
entre colônia e metrópole. O avanço ocorrido no espaço americano durante os

10
TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA

séculos XVI e XVII criou colônias dependentes e espoliadas por suas metrópoles
em seus diferentes recursos e, por vezes, travadas em seu desenvolvimento,
resultando assim uma periferia no sistema. Ao fim do século XVIII, a América era
composta de províncias dependentes da sociedade europeia de Estados.

Outra consequência do deslocamento das rotas marítimas para o Atlântico


foi o declínio das tradicionais rotas comerciais europeias. O Mediterrâneo, já
no fim do século XVI, deixou de ser a principal rota comercial e os portos de
Lisboa, em Portugal, Sevilha, na Espanha, e Roterdã, na Holanda, tornaram-
se importantes pontos comerciais, recebendo intenso fluxo vindo da América
e do Oriente, configurando-se um mercado mundial interligando diferentes
regiões. Esse comércio mundial fortalecia as monarquias nacionais europeias e
aperfeiçoava o sistema financeiro. Surgiam os novos instrumentos de crédito,
notas promissórias e letras de câmbio, gerando um capital fruto de um comércio
e de manufaturas que enriquecia os burgueses.

O acesso a novas terras levou à confecção de novos mapas, com mais


detalhes e mais credíveis, tornando o planeta mais conhecido e a navegação
mais rápida e segura. Desenvolveu-se e aperfeiçoaram-se novos instrumentos de
navegação, como o telescópio e a bússola de navegação. Essa valorização que se
passa a dar para a ciência e tecnologias trouxe para a Europa uma superioridade
técnica e militar diante das outras civilizações e permitiu ao continente se impor
a diferentes povos e regiões nos séculos seguintes.

Foi nessas circunstâncias que as Províncias Unidas, um agrupamento


de províncias do norte dos Países Baixos, se tornaram um ator hegemônico no
moderno sistema de estados do século XVI. O “caos sistêmico”, entendido como
a total falta aparentemente irremediável de organização (ARRIGHI, 1994), que
se estabeleceu no continente europeu durante a guerra dos trinta anos (1618-
1648), resultado de disputas religiosas na Europa central, criou espaço para o
surgimento das propostas holandesas de reorganização. Nascia assim uma
liderança que propunha uma grande reorganização do sistema e que passou a
conquistar diversos defensores entre os governantes europeus. Um novo sistema
emergiria com o Tratado de Westfália de 1648.

DICAS

Assista aos seguintes filmes:


• 1492 – A Conquista do Paraíso (1992).
• Elizabeth – A Era de Ouro (2007).
• Portugal Desconhecido – Documentário History Channel Brasil. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=jhRTx9vkldg.
• Memória de Espanha – Os reis católicos. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=ISj5qGfLvy0.

11
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

3 O TRATADO DE WESTFÁLIA (1648)


A Reforma Protestante abriu uma fenda na vida cristã ao separar
a comunidade entre católicos, luteranos e calvinistas. Os líderes europeus
buscavam manter a soberania acima dos seus governados, divididos entre
católicos e reformados. Até o momento, as funções do Estado eram entendidas
como subordinadas à igreja, ao papa, e o rompimento provocado pela Reforma
Protestante conduziu a política e religião ao centro do debate.

NOTA

A Reforma Protestante iniciou pelas mãos de um padre que lecionava


teologia na Universidade de Wittenberg, na Alemanha atual. Seu protesto público estava
principalmente centrado na denúncia de vendas de “indulgências” – perdão para os pecados
– exercida pelo poder clerical, entre outras críticas ao papado. Mais tarde, os protestos de
Lutero foram abraçados pelos príncipes germânicos, surgindo os termos “protestantismo”
e “luteranismo”. Posteriormente, as ideias de Lutero também foram seguidas por outros
reformadores, notadamente João Calvino, surgindo assim o termo Calvinismo.

Em Westfália, a separação entre igreja e Estado torna-se um objetivo a ser


perseguido no campo diplomático, assim como a possibilidade de construção do
Estado laico. É o momento em que se pensa na secularização da ordem política
e diplomática, afastando a Santa Sé e o papa, que até então era a maior figura
internacional, do papel de árbitro entre os diferentes soberanos. Ficam para trás
as relações medievais baseadas no direito canônico e na legitimidade do poder
e da autoridade suprema do papa. A Santa Sé se vê retirada do xadrez político
europeu, agora ocupado por líderes de potências protestantes e católicas que
em concordância assinam textos em que recusam a obedecer ao sumo pontífice
e sua pretensão teocrática. Desde princípios do século XVI, a única instituição
que transcendia as fronteiras geográficas, étnicas e linguísticas estava sofrendo
um ataque severo. A Igreja Católica durante séculos exercia influência sobre a
sociedade e a vida cultural da Europa, se envolvendo em disputas internacionais
de poder e influenciando a política do continente. Os humanistas europeus
influenciados pela Renascença e com a autoconfiança adquirida abriam o
caminho para a renovação da Igreja Católica. A Reforma Protestante acontece
nesse momento de questionamentos das práticas eclesiásticas como um desafio à
autoridade central.

12
TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA

NOTA

Por Santa Sé entende-se a jurisdição eclesiástica da Igreja Católica, a Igreja de


Roma localizada no Vaticano.

O Tratado de Westfália gerou um sistema europeu de Estados com


considerável estabilidade por um século e meio e é o primeiro acordo internacional
que estabelece um regime estatocêntrico de ordem mundial. Procurava garantir a
soberania dos estados com a promessa de não intervenção entre eles e a separação
do mundo político e religioso. A soberania aplicada enfatizava o caráter de
separação e respeito entre os estados europeus, até então entendidos como uma
unidade na cristandade, um “todo” cristão alinhados horizontalmente. A figura
do papa era vista como universal nessa organização em que os atores se sentiam
unidos pela cristandade.

NOTA

A Escola Inglesa também nos auxilia ao trazer a concepção, o entendimento


de como se pode interpretar um grupo de estados. Tal grupo pode ser entendido como
comunidades políticas independentes que, além de formarem um sistema no sentido de
que o comportamento de cada ator importa nos cálculos dos outros, apresentam também
a intenção de construir regras e instituições em que se reconhecem os interesses diversos
e assim estabelecerem relações.

Ao mesmo tempo que era anti-hegemônico, preocupava-se com a


possibilidade de um ator exercer influência sobre os demais, desenvolvendo
ambições hegemônicas. Em termos de hegemonia, pensava-se sempre nas
ambições dos Habsburgos. Criou-se assim condições para a atividade diplomática
do Estado Moderno, sua independência e soberania por meio de dois tratados
assinados simultaneamente em diferentes locais: um em Münster e o outro em
Osnabrück. A assinatura simultânea se deve ao fato de que um dos signatários,
o imperador do Sacro Império, enfrentou resistência de seus opositores, o que
levou à celebração em diferentes locais. No aspecto jurídico, Watson (2004)
chama atenção para a concepção de um “novo Direito Internacional” por meio de
um conjunto de regras concebidas pelos soberanos que passariam a regular seus
negócios.

13
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

NOTA

A família Habsburgos foi influente na Europa do século XIII ao século XX. A


dinastia e o poder de seus membros se espalhou para diferentes partes do continente
europeu, ocupando tronos e realizando casamentos de caráter político.

FIGURA 4 – A EUROPA DE WESTFÁLIA

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Paz_de_Vestfália#/media/Ficheiro:Europe_map_1648.
PNG>. Acesso em: 21 jun. 2019.

O mapa traz a representação da Europa do século XVII com sua divisão


política e administrativa. O Tratado de Westfália foi um marco na soberania e no
respeito aos limites desses reinos, sendo considerado o momento inaugural das
relações internacionais.

Para Hedley Bull era necessário construir uma nova sociedade internacional
onde deveriam conter forças hegemônicas e prezar pelas independências,
criando uma base anti-hegemônica, o que veio a contribuir para o crescimento
da consciência nacional. As tendências hegemônicas dos Habsburgos marcaram
o Século XVI e acabaram por criar uma aliança anti-Habsburgos liderada pela
França. Nesse sentido entende-se que, sob o ponto de vista da disputa entre os

14
TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA

Bourbons, que ocupavam o poder na França, e os Habsburgos, que ocupavam


o trono na Espanha, os tratados podem ser considerados mais favoráveis aos
Bourbons por conseguirem conter a ânsia expansionista dos Habsburgos. Os
tratados estabelecidos também alcançaram o comércio entre os atores. Inseriu-
se uma cláusula que revisava restabelecer a liberdade de comércio abolindo
barreiras comerciais que haviam sido desenvolvidas no curso das guerras dos
trinta anos. Assim, pelo bem do comércio, também se estipulou normas e regras
no novo sistema europeu de estados nacionais (ARRIGHI, 2004) e também uma
nova ordem anárquica veio substituir o caos sistêmico que havia se estabelecido
no início do século XVI.

NOTA

Assim como os Habsburgos, os Bourbons eram uma dinastia influente na


Europa Central vindo a ocupar tronos na França, na Espanha e na Península Itálica do
século XVI ao Século XVIII.

Essa reorganização do espaço político favoreceu a acumulação de


capital e, além de marcar o surgimento do moderno sistema interestatal, trouxe
o desenvolvimento da ordem capitalista ao sistema sob a liderança de uma
oligarquia capitalista holandesa. O surgimento e estabelecimento de redes
comerciais e financeiras por essa oligarquia capitalista se expandiu e atravessou
o mundo, tendo uma predominância maior no setor financeiro do que comercial.
As habilidades de gestão de Estado em torno de interesses capitalistas renderam
também à oligarquia capitalista holandesa uma predominância nas técnicas
militares e na eficiência da mão de obra militar.

Torna-se importante ressaltar que desde os princípios do século XVII,


os europeus haviam desenvolvido um conceito de Estado – uma entidade
política soberana dentro de suas fronteiras na qual seus súditos tinham deveres
e obrigações. Watson enfatiza que o Estado na Europa do século XVII era
compreendido no que Hobbes chamou “a pele de um leviatã”, e internamente
cada leviatã era politicamente independente dos demais (WATSON, 2004, p. 271).
Para Hobbes, a ideia de um Leviatã estava contida na metáfora de um monstro
bíblico, o Leviatã. O poder absoluto designado ao monarca por meio de um pacto
social geraria um regime altamente controlador. Assim, o Estado na Europa do
século XVII era absolutista e controlador, na pele de um Leviatã. O século XVII
foi decisivo para a sociedade europeia de estados, mas a propensão à hegemonia
no sistema intereuropeu continuou a ser um traço constitutivo, a despeito da
legitimidade anti-hegemônica trazida por Westfália.

As bases de Westfália foram ameaçadas por Luís XIV, rei da França, entre
1661 e 1714, apesar dos tratados terem proporcionado um cenário que propiciou
15
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

o apogeu do reinado do monarca francês. Apoiador de causas católicas, esse rei


Bourbon-Habsburgo teve como um de seus objetivos conduzir ao trono da Espanha
seu neto e assim criar um eixo franco-espanhol de hegemonia. O rei encarnava
o Estado, o poder absolutista na sua forma mais integral, e como um monarca
“divinamente” autodesignado, acreditava que todos os demais governantes
deviam se inclinar a ele. Devido a sua ambição de poder hegemônico, o rei
francês encontrou opositores que eram fiéis à ordem de Westfália, principalmente
os holandeses fortemente anti-hegemônicos.

Voltando ao desenvolvimento histórico-econômico dos ciclos hegemônicos


apresentados por Arrighi (1994) – Províncias Unidas e posteriormente Grã-
Bretanha – observa-se que a ordem estabelecida em Westfália, e depois ratificada
em Utrecht, traz um novo entendimento e configuração nas relações entre os
atores. Nesse período, observa-se o declínio do ciclo das Províncias Unidas e o
surgimento do poderio naval britânico. Os holandeses não governaram o sistema
que haviam criado e as bases estabelecidas nos tratados citados anteriormente
altera a configuração política. O poderio naval holandês e as companhias de
comércio de capital acionário e ligadas ao Estado começam a entrar em declínio e
outros atores passaram a ter predominância no sistema de estados, notadamente
França e Inglaterra. Esta última, devido a sua condição insular, passa a desenvolver
e ampliar a sua capacidade marítima, tanto para defesa quanto para o comércio.
Estabelece-se assim uma luta pela supremacia mundial entre França e Inglaterra,
a qual terminará somente com a derrota de Napoleão pelas forças britânicas.
Após 1815, término do período napoleônico, consolida-se o poderio inglês não só
no continente europeu, mas em todo sistema internacional.

O domínio inglês se expandia no norte atlântico e o desenvolvimento de


suas colônias na América sinalizava a pujança de um futuro império marítimo
que ameaçou e superou o domínio naval holandês. Por outro lado, mesmo a
rivalidade entre França e Inglaterra, que sinalizava uma possível bipolaridade
no sistema de estados europeus no século XVIII, fora mascarada após 1815 com
o Congresso de Viena. A ideia de uma hegemonia coletiva surgida pós-Viena
manteve uma pluripolaridade no comando dos estados europeus, mesmo com a
emergência do império russo e a consolidação de um forte ator político no centro
do continente, a Áustria.

NOTA

As Províncias Unidas reuniam sete regiões no norte da Europa e foi um Estado


antecessor da Holanda atual. Existiu do final do Século XVI ao final do Século XVIII.

16
TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA

4 O ACORDO DE UTRECHT (1714)


A disputa pelo trono espanhol no início do século XVIII envolveu França,
Grã-Bretanha, Holanda, Prússia e Portugal. O rei francês, Luís XIV, pretendia
colocar no trono espanhol seu descendente, Felipe de Anjou, e assim fortalecer
o poderio francês, estendendo-o até a Península Ibérica. Opuseram-se a tal fato
vários atores europeus temerosos de uma possível hegemonia francesa. Mediante
issi, formou-se uma grande aliança contra Luís XIV. Por fim, o Tratado de Utrecht
veio conter a França e suas ambições, aceitando Felipe de Anjou, mas impedindo
a união das coroas francesas e espanholas. Felipe foi, portanto, obrigado a
renunciar ao trono francês, visto que o maior receio dos governantes europeus
era o considerável aumento de poder ao concentrar em suas mãos dois reinos.
Dessa forma, colocou-se fim à disputa pelo trono espanhol.

O novo rei da Espanha, o francês Felipe de Anjou, por meio do Tratado


de Utrecht passa a ser reconhecido pela Grã-Bretanha como rei da Espanha. Em
tal negociação, a ilha recebe o estreito de Gibraltar, importante espaço geopolítico
para a o futuro do Império Britânico.

E
IMPORTANT

Gibraltar é um estreito com 58 km de comprimento e 13 km de largura entre a


Europa e a África. Ponto estratégico econômico devido à passagem de navios entre o mar
Mediterrâneo ao oceano Atlântico. Está localizado no extremo sul da Espanha.

O acordo foi além dos pressupostos anti-hegemônicos de Westfália e os


líderes da coalização contra Luís XIV, responsável pela indicação de Felipe de
Anjou, buscaram estabelecer no sistema intereuropeu um equilíbrio móvel em
que todos os Estados deveriam ter um papel a desempenhar. Conhecido por la
paix anglaise (a paz inglesa) devido às negociações entre Inglaterra e Espanha,
os acordos terminam por aceitar esse neto de Luís XIV no trono espanhol, mas
estipulava a proibição das coroas da Espanha e da França de se unirem como
anteriormente dito.

Buscava-se trazer a paz, mas principalmente estabelecer e fortalecer


o equilíbrio de poder no continente, uma prática acordada pelos estadistas do
século XVIII. A partir do acordo, um considerável período de paz se estabelece
na Europa e nenhum Estado contesta os pressupostos anti-hegemônicos, gerando
um sistema com características de equilíbrio multipolar de poder em torno das
potências: França, Áustria, Inglaterra, Prússia e Rússia.

17
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

FIGURA 5 – TRATADO DE UTRECHT

FONTE: <https://static.alunosonline.uol.com.br/conteudo_legenda/
c69e33385b91272beb1c7d37268df101.jpg>. Acesso em: 14 dez. 2019.

O equilíbrio tornou-se uma prática dos estadistas do século XVIII em


uma coalizão de Estados onde não haveria um ator dominante e o interesse
no funcionamento desse sistema era partilhado por todos. Era necessário que
um ator cooperasse com o outro para evitar a ruptura, evitar que ocorresse a
ascensão de algum dos componentes e se possível promover maior cumplicidade
e ligação através dos casamentos dinásticos. O sistema poderia ser caracterizado
como multilateral de poder e girava em torno da Inglaterra, França, Áustria,
Prússia e Rússia, os atores centrais. As regras da instituição eram claras e existia
a dificuldade em aceitar atores que não compartilhassem delas. A existência de
potências menores, ditas de “segunda classe” (WATSON, 2004, p. 281), reforçava e
estabilizava o sistema. O predomínio nas negociações e na elaboração dos acordos
girava em torno dos atores centrais citados anteriormente, cabendo aos atores
menores aceitarem as condições. O reino de Espanha e de Portugal, os Países
Baixos, Suécia, o reino da Dinamarca, a Baviera, Saxônia e Polônia integravam
esse complexo equilíbrio de poder que atravessa o século XVIII europeu.

18
TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA

FIGURA 6 – EUROPA E OS TRATADOS DO SÉCULO XVIII

FONTE: <https://sz.jus.com.br/system/graphics/51179-1.jpg>. Acesso em: 21. Jun. 2019.

Na ilustração, pode-se observar o Estreito de Gibraltar, no extremo sul da


Espanha, assim como as possessões espanholas no continente europeu quando
dos tratados do século XVIII, sendo o principal o Tratado de Utrecht de 1714.

5 A RACIONALIDADE DO SÉCULO XVIII


Os filósofos do século XVIII, principalmente os franceses, amadureceram
a concepção de que as leis do universo poderiam ser explicadas por intermédio
das leis racionais. O movimento denominado Ilustração ou Iluminismo marcou
a trajetória do século das luzes e sua força se expandiu pela Europa, atingindo a
América, sendo a classe burguesa a sua principal difusora.

A razão nos negócios públicos e a ideia de equilíbrio entre os estados


tornaram-se também características das relações internacionais intereuropeias no
período. A razão nos negócios públicos era pautada pelo cálculo de interesses,
longe de sentimentos que envolvessem a emoção. Buscava-se no plano político e
comercial um equilíbrio que favorecesse os negócios, o comércio multilateral e os
estados grandes e pequenos exerciam atração uns sobre os outros.

19
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

O próprio conceito de Estado passa por uma nova interpretação. Se


anteriormente o soberano era o Estado, agora o Estado já se distinguia do
soberano, mas as bases em que a comunidade de estados europeus administrava
sua sociedade internacional permaneciam sob quatro instituições constitutivas: o
direito internacional, que estipulava as regras do jogo e os códigos; a legitimidade
dinástica; o diálogo diplomático contínuo conduzido por embaixadores residentes,
ministros plenipotenciários e, por fim, a guerra limitada como recurso de última
instância (WATSON, 2004).

E
IMPORTANT

O Sistema de estados europeus expandiu suas influências, assim como as


regras políticas, econômicas e sociais para fora da Europa, principalmente durante
os séculos XVIII e XIX. Já na metade do Século XIX, vê-se que surgia uma sociedade
internacional que prezava pelos valores europeus em diferentes instâncias.

Os líderes anti-hegemônicos acreditavam que para a manutenção do


equilíbrio de poder eram necessárias regras e que estas não poderiam ser ditadas
por um único ator, sendo então necessários contratos com acordos estabelecidos.
Tais acordos conduziriam as negociações e padronizariam práticas que regulariam
as guerras e o comércio, trazendo igualdade entre os estados perante a lei. Surge
nesse contexto o Direito Internacional como um conjunto de regras entre os
Estados membros, juridicamente iguais, tornando a relação entre os atores mais
previsíveis, mais seguro. A legitimidade do soberano com o direito de falar e agir
em nome do Estado era fundamentalmente caracterizada pelo princípio dinástico.

O herdeiro primogênito receberia o trono e teria sua legitimidade


ratificada por tratados e acordos, principalmente depois de Utrecht. A autoridade
legítima por herança deveria ser aceita pelos súditos, o que favoreceria a ordem e
a previsibilidade do sistema.

Uma terceira instituição organizadora da ordem do século XVIII foi o


diálogo diplomático multilateral contínuo. Principalmente depois de Utrecht,
a manutenção rotineira do diálogo e troca de informações por intermédio de
embaixadores e ministros residentes foi se profissionalizando. Surgiram os
Ministérios dos Negócios Estrangeiros e Relações Exteriores, constituindo assim
um corpo diplomático coletivamente consciente de suas funções, tanto de diálogo
bilateral e intermitente coletivo para a preservação do equilíbrio de poder como
para revisão contínua do Direito Internacional.

A guerra na Europa do século XVIII tornou-se uma questão moderada


e a consciência do custo para o Estado de um envolvimento bélico passou a ser
discutida. Era a razão aplicada à política, evitar a guerra com seus desperdícios,

20
TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA

seus danos, em busca de uma república diplomática na concepção kantiana:


uma “paz perpétua”. Havia, portanto, uma “prevalência da razão e nenhuma
potência se propunha a fazer uma tentativa hegemônica com a ausência de causas
passionais como a religião e o nacionalismo” (WATSON, 2004, p. 285-299).

NOTA

Para o filósofo Kant, a “Paz Perpétua” tem a ver com o sentido republicano de
separação de poderes no plano interno dos estados. Já no plano externo, a interação entre
os atores estatais deveria sempre ocorrer buscando soluções pacíficas e evitando a guerra.

A Europa do século XVIII pode ser entendida como sendo um continente


que ao mesmo tempo em que se encontrava integrado era também dividido em
três “Europas”. De um lado encontrava-se a França, Inglaterra, Itália e a região
onde posteriormente no século XIX surgiria a Alemanha, considerados centros
de irradiação do pensamento e da prática iluminista; de outro lado tinha-se
uma Europa mais periférica, composta pela Espanha, Portugal e Rússia, que
se encontravam como receptoras de cultura e apresentavam uma estrutura
econômica semifeudal. Entre a Europa mais central e a Europa mais periférica
encontrava-se ainda uma Europa intermediária, composta pelos Países Baixos e a
Suíça, que absorviam a cultura ilustrada e procuravam transformar sua economia.

A idade da razão pode ser entendida como um movimento que defendia


o domínio da razão sobre a visão teocêntrica que dominou a Europa na Idade
Média. Para os filósofos iluministas, essa forma de pensamento tinha o propósito
de iluminar as trevas em que se encontrava a sociedade. Os pensadores que
defendiam esses ideais acreditavam que o pensamento racional deveria ser
levado adiante, substituindo as crenças religiosas.

Dentre os movimentos revolucionários do século XVIII, considera-se de


profundo impacto para o Ocidente do ponto de vista político, a Independência
das Trezes Colônias Inglesas na América do Norte, em 1776, e a Revolução
Francesa, em 1789. Essas revoluções marcaram a virada do século XVIII para
o XIX, pois “punham em xeque toda a autoridade exterior, não justificada pela
razão, na política, na estética, no direito e na moral” (FALCON, 1982, p. 100). O
ciclo das revoluções pautadas pelas ideias liberais inicia-se no século XVII com a
Revolução Inglesa, no século seguinte pela independência das colônias britânicas
e constituição dos Estados Unidos, em 1776, e, por fim, com a Revolução Francesa,
em 1789. Em todos os processos vê-se ruptura da ordem absolutista, movimentos
revolucionários que promoveram a destruição progressiva do Antigo Regime
e a construção de novas instituições do Estado. Os movimentos trouxeram um
conhecimento crítico empenhado no melhoramento do Estado e da sociedade e
marcaram de maneira indelével o sistema de Estados Modernos.
21
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

A ideia trazida pelo filósofo Immanuel Kant, de um Estado justo e racional


que poderia evitar a guerra e seus desperdícios em busca de uma “Paz Perpétua”,
ecoava entre os líderes do século XVIII. Não era possível abolir as soberanias
separadas para favorecer um único governo e, sendo de tal forma impossível
esse governo único, “o equilíbrio tinha seu valor e sustentaria os estados; uma
proposta impressionantemente contemporânea” (WATSON, 2004, p. 298-299).

FIGURA 7 – LUÍS XIV – REI DA FRANÇA ENTRE 1643-1715

FONTE: <https://miro.medium.com/max/2780/1*Oc1aLgnHQTE30Mu8KlJL5g.jpeg>.
Acesso em: 12 mar. 2020.

Após a coalizão anti-hegemônica contra os avanços de Luís XIV, nenhuma


potência se aventurou em uma tentativa hegemônica. Acredita-se que havia
uma prevalência da razão e também a ausência de questões religiosas ou de um
forte nacionalismo contribuíram para la paix anglaise. Os estados europeus do
século XVIII desenvolveram formas de governar que incluíam o respeito mútuo
às soberanias e aos limites territoriais, sendo exercícios de governança que
conduziam ao equilíbrio entre os atores e que se refletem até hoje na sociedade
internacional.

Muitos historiadores e autores de Relações Internacionais definem o século


XVIII como o século da França, assim como o século XIX, o século da Inglaterra e o
século XX, dos Estados Unidos. Para uma melhor compreensão dessa afirmação,
passaremos a desenvolver no Tópico 2 o que foram as revoluções acontecidas no
século XVIII e que influenciaram o desenvolvimento político, social e econômico
do cenário internacional.

22
TÓPICO 1 | EXPANSÃO EUROPEIA

FIGURA 8 – IMMANUEL KANT

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/f/f2/Kant_gemaelde_3.jpg>.
Acesso em: 12 mar. 2020.

NOTA

A Figura 8 traz o filósofo Immanuel Kant, que em 1795 publicou a sua obra A
paz perpétua. O autor se torna referência ao abordar e defender a razão como uma força
de poder dos estados, seja no plano doméstico, com a divisão de poderes, seja no plano
internacional, na busca de relações pautadas pela paz.

DICAS

Sugerimos que você assista aos seguintes vídeos:


• Revolução Francesa – Documentário – History
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IVfsFeYKM-s.
• Napoleão Império – History Channel
Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=eyWCkH1rudg.
• Immanuel Kant Philosophical
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=br6OowwqrP8.
• O Sonho de um Rei – Versalhes Parte 1/3
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7bRf6L3K5-8.
• A História do Capitalismo: o Surgimento da Indústria dos Estados Unidos
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p_M5mMDAARU.
• Documentário: As Consequências da Revolução Industrial
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TODNsS8vIGE.

23
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• É de grande importância a Expansão Europeia iniciada nos séculos XV e


XVI e a consequente colonização e formação do Novo Mundo: a América.
A colonização ocorreu de diferentes formas, trazendo assim um continente
americano marcado por diferenças estruturais. Os países europeus envolvidos
na colonização da América, Portugal, Espanha e Inglaterra utilizaram diferentes
práticas para explorar e ocupar o novo continente.

• Com o surgimento da modernidade, iniciou-se novos debates políticos e


econômicos na Europa. Os estados europeus passam a utilizar suas colônias
para o seu enriquecimento e desenvolvimento próprios. A relação colônia/
metrópole é marcada por momentos tensos em que a exploração passa a ser
predominante, principalmente no centro e no sul do continente.

• No continente europeu, a organização política e a soberania dos estados são


debatidas no Tratado de Westfália de 1648, marco inaugural das Relações
Internacionais. Mais tarde, no início do século XVIII, o caráter anti-hegemônico
é reforçado no debate sobre a possível ocupação do trono espanhol por um
descendente francês. A ideia de evitar o aumento do poder francês predomina
no debate e é confirmada pelo Acordo de Utrecht de 1714. Felipe de Anjou
assume o trono espanhol, mas as coroas espanholas e francesas ficam impedidas
de se unirem.

• Os ciclos hegemônicos dos Países Baixos e da Inglaterra marcaram os séculos


XVII, XVIII e XIX. A Inglaterra passa a assumir a partir do século XVIII,
principalmente após o fim do Império Napoleônico, em 1815, predominância
econômica e política, não só no continente europeu como também em todo o
sistema.

• Os homens do século XVIII passam a enfatizar a racionalidade nas questões


públicas, seja no campo doméstico, seja no ambiente internacional.

24
AUTOATIVIDADE

1 Quais foram as transformações ocorridas na Europa a partir dos séculos XIV


e XV e quais as suas consequências?

2 Como entender os acordos de Westfália e suas concepções? Os tratados


podem ser entendidos como o nascimento das Relações Internacionais?
Explique.

3 Como entender a racionalidade do século XVIII nos negócios públicos?

4 Leia a afirmação a seguir, que aborda as transformações políticas ocorridas


durante os séculos XVII e XVIII em relação à questão da hegemonia e
classifique V para as verdadeiras e F para as falsas:

O equilíbrio tornou-se uma prática dos estadistas após Westália, em 1648, e


Utrecht, em 1714. Formou-se uma coalizão de estados onde não haveria um
ator dominante e o interesse no funcionamento desse sistema era partilhado
por todos com característica anti-hegemônica. Era necessário que um ator
cooperasse com o outro para evitar a ruptura, evitar que ocorra a ascensão
de algum dos componentes e, se possível, promover maior cumplicidade e
ligação através dos casamentos dinásticos.

I- O conceito de Estado torna-se mais absolutista e não passa por uma nova
interpretação. Se anteriormente o soberano era o Estado, agora, mais
fortalecido, o soberano centraliza seu poder e domínio tanto interna quanto
no externamente.

II- Os Estados europeus do século XVIII desenvolveram exercícios de


governança e equilíbrio e assim conseguiram durante o século se preservar
de avanços hegemônicos.

III- A razão aplicada à política evitaria a guerra e seus desperdícios, seus


danos. Na concepção kantiana de uma “paz perpétua”, a prevalência da
razão conduziria os estados a evitar tentativas hegemônicas por meio de
causas passionais como a religião e o nacionalismo.

IV- As bases em que a comunidade de estados europeus administrava sua


sociedade internacional permaneciam sob quatro instituições constitutivas:
o direito internacional, que estipulava as regras do jogo e os códigos; a
legitimidade dinástica; o diálogo diplomático contínuo conduzido por
embaixadores residentes, ministros plenipotenciários e, por fim, a guerra
limitada como recurso de última instância.

V- O Estado na Europa do século XVII era compreendido no que Hobbes


chamou de “a pele de um leviatã” e, internamente, cada leviatã era

25
politicamente independente, mas mesmo no século XVII deve-se entender
que a propensão à hegemonia no sistema intereuropeu continuou a ser um
traço constitutivo, a despeito da legitimidade anti-hegemônica trazida por
Westfália.

Com relação às afirmações, são verdadeiras apenas as alternativas:


a) ( ) I, II e III, apenas.
b) ( ) II, III e V, apenas.
c) ( ) I, II e V, apenas.
d) ( ) III, IV e V, apenas.
e) ( ) I, III e IV, apenas.

5 Leia as asserções a seguir:

A Renascença, primeira grande ruptura do mundo medieval e entendida


como a descoberta ou redescoberta dos ensinamentos greco-romanos, atinge
também a forma de pensar a religião, a relação do homem com Deus e assim
começa o longo processo de secularização da sociedade europeia.

PORQUE

O conceito de mundo secular, aquele no qual poderá existir religião como


uma questão privada ou como uma associação de pessoas que professam
uma crença, deverá estar afastada das questões políticas.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Ambas as afirmações são verdadeiras e a segunda justifica a primeira.
b) ( ) Ambas as afirmações são verdadeiras e a segunda não justifica a
primeira.
c) ( ) A primeira afirmação é verdadeira e a segunda é falsa.
d) ( ) A primeira afirmação é falsa e a segunda é verdadeira.
e) ( ) Ambas as afirmações são falsas.

6 Leia as asserções a seguir:

A legitimidade do soberano com o direito de falar e agir em nome do Estado


era fundamentalmente caracterizada pelo princípio dinástico. O herdeiro
primogênito receberia o trono e teria sua legitimidade ratificada por tratados
e acordos, principalmente depois de Utrecht.

PORQUE

Principalmente, depois de Utrecht, a manutenção rotineira do diálogo e troca


de informações por intermédio de embaixadores e Ministros Residentes foi
se profissionalizando. Surgiram os Ministérios dos Negócios Estrangeiros e
Relações Exteriores, constituindo assim um corpo diplomático coletivamente
consciente de suas funções.

26
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) Ambas as afirmações são verdadeiras e a segunda justifica a primeira.
b) ( ) Ambas as afirmações são verdadeiras e a segunda não justifica a
primeira.
c) ( ) A primeira afirmação é verdadeira e a segunda é falsa.
d) ( ) A primeira afirmação é falsa e a segunda é verdadeira.
e) ( ) Ambas as afirmações são falsas.

27
28
UNIDADE 1
TÓPICO 2

AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, abordaremos as revoluções que marcaram de forma
indelével a Europa e, consequentemente, o novo mundo, a América. A Revolução
Americana com a independência das treze colônias britânicas trouxe uma
nova configuração política, muito distante do “antigo regime” que durante
séculos predominava no espaço europeu. A emergência política e econômica da
Inglaterra não só na Europa, mas em boa parte do sistema internacional, deve
ser entendida como fruto do desenvolvimento da revolução industrial. Por sua
vez, a Revolução Francesa, ocorrida no espaço doméstico francês, e a posterior
obra militar e política de Napoleão no espaço europeu, trazem alterações e um
contexto de guerra para o continente. O Congresso de Viena (1814-1815), fruto
do fim do Império Napoleônico, procura restabelecer a paz europeia e de forma
conservadora trazer os monarcas aos tronos numa configuração denominada
de Hegemonia Coletiva. Na segunda metade do século XIX surge diferentes
nacionalismos, que trazem novas turbulências à Europa.

2 AS REVOLUÇÕES
As revoluções que marcaram o século XVIII e o sistema de estados
europeus deverão ser entendidas à luz do Iluminismo. O desenvolvimento da
economia de mercado, a ascensão da classe burguesa e o declínio da influência
dos nobres vieram acompanhados pelo questionamento do poder da Igreja
Católica, dos privilégios desses nobres e do sistema absolutista pautado no
direito divino dos reis. A Europa do século XVIII abandonava antigos valores e
crenças e começava a se pautar pelo conhecimento científico e filosófico, e assim,
também na política, mudam-se as concepções, valores e entendimentos. Como
dito anteriormente, esse sentimento de racionalidade atingiu a América e se
propagou em movimentos revolucionários.

Na Europa, os burgueses, uma classe emergente, queria tomar o poder


e acabar com privilégios da aristocracia, reformular as instituições políticas,
implantar a livre iniciativa e a liberdade comercial, impedir a intervenção do
Estado na economia e garantir a igualdade de todos perante a lei. O Estado, ao
restringir a ação econômica dos burgueses, restringia o próprio avanço das forças
do capitalismo. Tal fato alimentava a concepção de que ao derrubar o Estado
29
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

absolutista ou reformulá-lo seria possível pôr fim às restrições e aos monopólios


mercantilistas do Estado. O pensamento burguês encontrou apoio no povo
oprimido em sua luta contra o poder autoritário dos monarcas e o privilégio da
nobreza.

Na América, as forças do movimento iluminista e do movimento


capitalista pautaram as revoltas e batalhas nas colônias inglesas, culminando
com o surgimento de uma nação difusora dos valores liberais. Os valores do
liberalismo trazem o debate de uma menor intervenção do Estado na economia,
pautando as ações econômicas em patamares individuais. Essa filosofia política
emerge no século XVIII, na Europa, com o fim do mercantilismo. Pelas mãos de
Adam Smith, o debate avança e alcança a ideia da autorregulação do mercado,
posteriormente conhecida como “a mão invisível” do mercado. O liberalismo
passa assim a ser entendido como um processo de autorregulação que visa à
liberdade econômica, meta que seria alcançada afastando o intervencionismo
estatal. O liberalismo clássico, como dito anteriormente, surge no século XVIII
e ao longo de sua trajetória vai sendo interpretado e difundido por diferentes
pensadores econômicos.

2.1 A REVOLUÇÃO AMERICANA E A


INDEPENDÊNCIA DAS COLÔNIAS
A independência dos Estados Unidos foi uma revolta bem-sucedida
contra o colonialismo europeu. Os revolucionários americanos conquistam
a independência com o apoio da França e, posteriormente, os líderes da nova
nação norte-americana, mediante a desestabilização econômica do continente
europeu – Revolução Francesa e as posteriores guerras napoleônicas – buscam se
estabelecer política e economicamente no cenário internacional.

O processo de independência das colônias britânicas na América do Norte


dentro do contexto político e social do século XVIII tem fundamental importância
não só pelo processo em si, mas também pelos efeitos gerados em diferentes
continentes, pelo impulso que trouxe para outras revoluções e pela difusão de
concepções nacionalistas que questionavam o papel do Estado e sua forma de
governo.

As colônias britânicas eram obrigadas a pagar impostos à Grã-Bretanha


e não tinham o direito de representação no parlamento inglês. A metrópole
havia iniciado na segunda metade do século XVIII uma captação de fundos
por meio de aumento de taxações e impostos que incidiram diretamente as
colônias. O movimento gerado pela revolta dos colonos contra as ordens da
metrópole exigia, entre outras coisas, o fim do aumento dos impostos e direito
à representação política. Em represália, os britânicos aprovaram diferentes leis
visando restabelecer a ordem, mas que serviram apenas para trazer mais união
às colônias.

30
TÓPICO 2 | AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII

Em setembro de 1774, o Congresso Continental Colonial, ocorrido


na Filadélfia, exigia a revogação de imposições que os norte-americanos
denominavam de “atos intoleráveis”, medidas para restaurar a ordem. A
declaração de independência surgiu como resultado das habilidades de Thomas
Jefferson que, mais tarde, se tornaria um dos primeiros presidentes norte-
americanos. Assim, em 1778, franceses e norte-americanos assinaram tratados
isolando os britânicos, o que conduz em 1782 ao acordo de reconhecimento da
independência dos EUA e sua ratificação pelo Tratado de Paris de 1783. Durante
o processo de independência, as fronteiras das ex-colônias britânicas estavam ao
longo do rio Mississipi, no Oeste, e o avanço para além desses limites ocorreria
no início do século XIX.

E
IMPORTANT

O Congresso Continental ocorrido em 1774, na Filadélfia, foi composto por


doze delegados das treze colônias britânicas. Visava discutir as leis impostas pela Inglaterra,
que sufocavam o comércio dos colonos ingleses. No ano seguinte, iniciou-se a guerra
de independência, uma série de conflitos armados que culminaram com a separação
definitiva entre colônia e metrópole.

Como qualquer nação, o objetivo inicial era a consolidação do território


e da sua população: fase formativa e evolutiva da nação. Desde 1776, pode-se
observar um padrão histórico que tem raízes em dois processos: o de construção
da nação e de desenvolvimento interno e expansão, claramente identificados nos
séculos XVIII e XIX; e a partir de 1898 até 1945, o de posicionamento relativo no
mundo. A prioridade era a conformação da nação em termos políticos, a união das
colônias e dos ideais os quais conduziram à guerra de independência. A expansão
territorial, que se torna central ao longo do século XIX, buscou estrategicamente
atingir o Pacífico e ter controle sobre o território, anexando e conquistando novos
espaços. O apoio à independência de Cuba em um confronto com a Espanha pode
ser entendido dentro da fase de expansão em direção à América Latina.

Portanto, é a Revolução Americana e o processo de independência,


a consolidação do regime político, a expansão e conquista de territórios que
definiram os limites geográficos da nação. Associa-se a essas variáveis a Doutrina
Monroe, que busca estipular limites políticos ao continente americano frente
aos europeus; o boom econômico após a Guerra de Secessão; e, por fim, a Guerra
Hispano-Americana, em 1898. Todos esses elementos marcam a trajetória histórica
e política da nova potência que, para Arrighi (1994), alcançou seu momento
hegemônico no período de entre guerras no século XX.

31
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

E
IMPORTANT

A Doutrina Monroe remete a uma mensagem proferida pelo poder executivo


(presidente dos EUA – Thomas Monroe) no congresso norte-americano, em 1823. Nela,
afirmava-se que os Estados Unidos iriam se abster de intervir em assuntos europeus e
ao mesmo tempo conclamava os europeus a não exercerem intervenções em assuntos
americanos. Os EUA desejavam enfraquecer a presença europeia na América Latina e
preservar a região como sua área de influência.

Desde 1823, busca-se propagar para o Centro-Sul do continente americano


a doutrina que possa impedir possíveis intervenções europeias no continente –
Doutrina Monroe – e passa a auxiliar as colônias europeias em seus processos
emancipatórios. Anexou territórios ao Sul e estendeu-se da costa Leste até
o Pacífico. Torna-se uma nação formada fundamentalmente por emigrantes
europeus e que apresenta desde o início de sua formação uma política econômica
protecionista associada ao movimento expansionista.

Portanto, na América, os Estados Unidos buscam afastar a influência


europeia nos assuntos do continente apoiando e promovendo independências
de territórios colonizados pelos europeus, e posteriormente passam a exercer
influência nesses mesmos territórios chegando ao controle de forma direta ou
indireta. Tais características presentes nos movimentos de formação e consolidação
dos EUA sinalizaram bases hegemônicas da nação.

A partir da segunda metade do século XIX, em consonância com o avanço


da Revolução Industrial, a prioridade passaria a ser a construção das bases
econômicas que, posteriormente, passa a influenciar todo o sistema internacional,
principalmente com a derrocada da Inglaterra e de seu ciclo hegemônico no
século XVIII.

3 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A EMERGÊNCIA INGLESA


A Inglaterra é o nosso ponto de partida para entendermos a Revolução
Industrial e seu impacto no mundo moderno e contemporâneo. As repercussões
desse processo alteraram de forma indelével o sistema de estados intereuropeu
e, mais tarde, todo o sistema internacional. Para Hobsbawm (2016), pode-se
considerar que até aproximadamente a metade do século XIX, os efeitos do
processo revolucionário não se fizeram sentir fora do espaço inglês. Houve,
portanto, um reflexo mais tardio da revolução que acontecia na Inglaterra nas
demais partes do continente europeu.

O movimento de transformação econômica e social inicia-se na


segunda metade do século XVIII em território inglês, onde passa a ocorrer um
32
TÓPICO 2 | AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII

aprimoramento de métodos e técnicas, principalmente aquelas que conduzem


progressivamente a uma escalada na produção manufatureira e, ao mesmo tempo,
incorporação de mão de obra do campo. São assim construídas as bases sociais
para uma sociedade industrial que transformaram a Inglaterra no século XIX em
uma nação onde o capital privado estará associado ao público com expansão de
suas redes bancárias, levando à prosperidade de uma burguesia. A Inglaterra
desenvolverá uma rede de entrepostos comerciais e financeiros pelo mundo, de
caráter imperialista, que avançará sobre o mercado mundial; o Imperialismo do
livre comércio (ARRIGHI, 1994).

No continente europeu, uma vez iniciada a industrialização na Inglaterra,


seus efeitos se expandiram principalmente ao longo do século XIX para outros
países que aproveitaram os benefícios da expansão econômica inglesa. A base
inicial desse processo revolucionário era a indústria algodoeira, a qual havia
se desenvolvido pelo comércio inglês ultramarino que buscava a sua matéria-
prima em diferentes locais no globo e em boa parte era uma transação econômica
alimentada pelo comércio de escravos. Dessa forma, no século XVIII, o comércio
colonial inglês se desenvolveu nos maiores portos coloniais ingleses: Bristol,
Glasgow e, especialmente Liverpool, que era fundamentalmente o “grande centro
do comércio de escravos” (HOBSBAWM, 2016, p. 67).

O processo econômico e industrial inglês veio acompanhado de um


movimento populacional do campo para as cidades junto ao aprimoramento
técnico e científico. A Inglaterra se destacava nesse processo de industrialização
primária com a construção de ferrovias e outras infraestruturas que facilitariam o
avanço da metamorfose econômica.

Nesse sentido, entendemos que a Revolução Industrial presente


inicialmente na Inglaterra no século XVIII, já por volta de 1760, antecedeu a
Revolução Francesa que ocorreu mais ao fim do século, ou seja: o processo
econômico do século XVIII é anterior ao processo de transformação política que
recai sobre o continente europeu.

O avanço do processo em solo inglês apresenta suas particularidades


e devem ser entendidas. A França, no contexto do século XVIII, era território
central no desenvolvimento das artes e das ciências em suas diversas formas.
Na Inglaterra, paralelamente ao desenvolvimento intelectual que ocorria na
França, o processo de desenvolvimento econômico aparentemente era tido como
prioridade. Tal fato não significa que não havia um desenvolvimento intelectual
nas artes, na literatura e nas ciências sociais como ocorria na França, mas nos leva
a considerar que a importância das questões econômicas e sua abrangência em
contexto muito mais amplo, internacional, eram priorizadas pelos ingleses.

Adam Smith, em Riquezas das Nações, obra publicada em diversos volumes


ao longo da segunda metade do século XVIII, pode ser considerado um sinal da
prioridade inglesa em que as tendências manufatureiras eram predominantes, e
da Escócia calvinista, em que o estudo sobre o desenvolvimento das sociedades

33
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

comerciais, da acumulação de capital foi base para o pensamento econômico,


não só na Inglaterra como também nas colônias britânicas que conquistaram sua
independência na América do Norte.

A política governamental inglesa encontrava-se associada ao


desenvolvimento econômico, ao lucro privado, e buscava associar às questões
do campo a urbanização e industrialização nas cidades. Tornam-se necessárias
soluções para as demandas do mercado que exigia aumento da produção e da
produtividade. Tais características tinham por objetivo alimentar uma população
em crescimento e solidificar um nacionalismo econômico.

Para Arrighi, o processo inglês de desenvolvimento econômico e


construção de um Imperialismo do Livre Comércio teve “três componentes
estruturais extremamente inter-relacionados: a colonização direta, a escravatura
capitalista e o nacionalismo econômico” (ARRIGHI, 1994, p. 49).

As condições criadas pós-Westfália favoreceram a França e a Inglaterra,


colocando as duas potências europeias em confronto direto durante o século
seguinte na luta pela hegemonia, não só no continente europeu como também no
Atlântico. A Inglaterra se beneficiou de sua condição insular e desenvolveu seu
poderio marítimo – Royal Navy – e avança sobre os mares, sempre associado ao
progresso industrial que ocorria na ilha. A França revolucionária e napoleônica
apresentava um tardio avanço industrial e pouca capacidade naval.

Foi somente após as guerras napoleônicas e com o Congresso de Viena de


1815 que os líderes europeus atingem um equilíbrio de poder com a construção de
uma hegemonia coletiva, a qual possibilitou que a Inglaterra se estabelecesse no
sistema internacional como um ator hegemônico e assim o faz progressivamente
ao longo de todo o século XIX.

4 A REVOLUÇÃO FRANCESA E A OBRA


POLÍTICA E MILITAR DE NAPOLEÃO
O apoio dado pela França ao processo revolucionário norte-americano e
a colheita ruim nos anos de 1788-1789 deixaram a situação financeira do país
em condições difíceis. Associado às tensões econômicas, as tensões sociais
aumentavam o descontentamento com o ancien regime.

O processo revolucionário francês, iniciado em 1789, se desenvolveu ao


longo dos anos seguintes adotando diferentes estruturas políticas com adaptações
– Estados Gerais, Assembleia Nacional, Convenção/Monarquia Constitucional e,
por fim, República.

A primeira fase tem início em 1789, quando o rei Luís XVI convoca os
“Estados Gerais”, o parlamento, que era formado pelo clero, nobreza e pelos
representantes do terceiro Estado, o povo. Esse terceiro Estado queria mais voz e

34
TÓPICO 2 | AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII

direito a voto, o que lhe fora negado. A rebelião iniciada posteriormente conduz
à segunda fase do processo conhecida como “Assembleia Nacional”.

A “Assembleia Nacional”, para alguns historiadores é de fato a primeira


fase revolucionária, visto que proclamada em 09/07/1789 conduz o povo
parisiense, cinco dias depois, a derrubar prisão/fortaleza da Bastilha. Nessa
Assembleia é aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
que visava estabelecer igualdade de todos perante a lei, o direito à propriedade
privada e à luta contra a opressão.

Dois anos após a proclamação da Assembleia, em 1791, o rei tenta fugir da


França e é preso na fronteira e reconduzido à capital francesa, sendo mantido sob
controle e vigilância. Nesse mesmo ano é votada a primeira constituição francesa,
que traz a liberdade de comércio, o voto censitário e a confiança na propriedade
privada. A partir desse momento, o governo passa a ser o de uma monarquia
constitucional.

A “Assembleia Nacional” é dissolvida em setembro de 1791 e é eleita uma


nova Assembleia Legislativa que se posicionava favoravelmente à formação de
uma Monarquia Constitucional. Essa Assembleia era composta pela maioria de
membros da alta burguesia.

Mais tarde, os radicais se fortalecem e entra-se na fase denominada


“Convenção”, que por sua vez deve ser entendida como uma nova assembleia
mais radical que se forma após a tentativa de fuga do rei.

Por fim, na última fase revolucionária, denominada de República, assista-


se a um debate entre girondinos (direita) e jacobinos (esquerda). Entre as duas
facções encontravam-se os indecisos, denominados Pântanos (centro).

Em janeiro de 1793, o rei Luís XVI foi acusado de crimes contra a nação,
sendo condenado e executado. Em 1795, após o período de terror revolucionário
em que milhares de pessoas foram expulsas ou executadas, acusadas de serem
antirrevolucionárias ou pró-monarquistas, o comitê criado de segurança pública
é substituído por uma nova organização.

O “Diretório” (1795-1799), a última fase, teve como finalidade resgatar


o processo revolucionário, mas acaba por trazer um período de grande
instabilidade econômica e política. Nessa fase inicia-se a Campanha da Itália,
uma ofensiva militar liderada pelo general Napoleão Bonaparte, o qual obtém
vitórias sucessivas. A Campanha do Egito, que vem a seguir, também foi liderada
por Napoleão, despertando uma rivalidade com os ingleses e gerando a formação
do que se denominou Segunda Coligação. Nela, Inglaterra, Áustria, Rússia e
Turquia se juntaram contra os avanços franceses.

35
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

Em Paris, Napoleão tem o apoio do exército e da alta burguesia e assim


consegue derrubar o Diretório por meio do Golpe do 18 de Brumário. A Revolução
Francesa chega ao fim e inicia-se o período Napoleônico.

Napoleão, ao se proclamar cônsul vitalício, assume o controle da situação


política e militar, o que o conduzirá em dezembro de 1804 a sua autoproclamação
como imperador, em cerimônia presidida pelo Papa Pio VII.

4.1 AS GUERRAS NAPOLEÔNICAS


As reformas de Napoleão atingem praticamente quase todas as esferas
da vida política, econômica e administrativa da França. Na Economia, a criação
do Banco da França visava ao controle da moeda e da inflação; na questão
religiosa, reconhecia-se o catolicismo como a religião da maioria dos franceses
e buscava na Igreja Católica a legitimação de seu governo; no Direito, cria-se o
Código Napoleónico, um código civil de interesses dos burgueses; na Educação,
direcionou-se o ensino preferencialmente para a formação do cidadão francês;
e, por fim, na Administração, instalaram-se pessoas da extrema confiança de
Napoleão em cargos administrativos e militares. O serviço militar passa a ser
obrigatório e necessário à construção de um Estado militar voltado para a defesa
e para a guerra e após remodelar o Estado francês, tornando-o mais secular e
fundamentalmente militar, inicia-se um processo de expansão territorial dentro
do continente europeu, rompendo com os valores e bases de Westfália.

O Estado francês torna-se agressivo aos inimigos e aos aliados. A finalidade


era a expansão física, geográfica, o controle político dos territórios conquistados
e o sufocamento da economia inglesa. A tradicional rivalidade entre França e
Inglaterra torna-se novamente o centro do debate político na Europa.

A política exterior da França, como anteriormente dito, torna-se invasora,


agressiva, e tinha como objetivo, além de exportar o ideal da revolução, ocupar
territorialmente novos espaços europeus, expandindo as ideias nacionalistas
revolucionárias. Em 1802, quando Napoleão ainda não havia se autoproclamado
imperador, Inglaterra e França assinam a Paz de Amiens numa tentativa de pôr
fim às hostilidades francesas. Em 1805, agora já imperador, Napoleão, com as
forças navais da França e da Espanha, sofre derrota em uma batalha naval na costa
sudoeste da Espanha – Batalha de Trafalgar – batalha naval contra a Inglaterra
comandada pelo almirante britânico Nelson. Em 1806, após a derrota em Trafalgar
e impossibilitado de invadir a Inglaterra, declara o Bloqueio Continental europeu
com a intenção de sufocar economicamente o comércio inglês. Em 1807, assina a
Paz de Tilsit com a Rússia e com a Prússia e assim decide direcionar sua expansão
e movimento bélico em direção ao sul do continente, para a Península Ibérica.

Deve-se observar que o avanço das tropas francesas sob o comando de


Napoleão ocorreu em diferentes frentes que poderiam acontecer simultaneamente

36
TÓPICO 2 | AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII

ou não. As campanhas da Península Ibérica em 1807-1808, Espanha e Portugal,


ocorreram com a ocupação do Reino de Espanha e a deposição e prisão do rei
espanhol e seu herdeiro. No território espanhol, o governo foi entregue a José
Bonaparte, irmão de Napoleão, e em Portugal a invasão conseguida pelo General
Junot, oficial francês, não obteve o sucesso desejado, pois fracassou ao não
capturar o príncipe regente português, D. João VI, o qual havia sido previamente
deslocado junto a boa parte de sua corte para o Rio de Janeiro em fins de 1807,
após acordo com a Inglaterra.

No caso específico de Portugal, após a invasão francesa de 1808 e posterior


expulsão dos franceses do território português pelas tropas inglesas e portuguesas,
ocorreram novamente duas novas tentativas de invasões – 1809 e 1810 – ambas
fracassadas devido à ocupação do território pelas tropas britânicas. O domínio
da cidade de Lisboa e de sua zona portuária, a mais ocidental do continente,
era primordial para se completar o projeto político-econômico de domínio dos
portos europeus. O porto lisboeta era rota de comércio do norte europeu para
o sul – Mediterrâneo, África, América – sendo para o Império napoleônico
entreposto comercial estratégico. Como dito anteriormente, já em 1806, dentro
de sua estratégia econômica, Napoleão havia tentado fechar os portos europeus
ao comércio com os ingleses mediante o bloqueio marítimo. O rompimento do
bloqueio pelo Czar russo motivou o plano de Napoleão de expansão para leste e
invasão de Moscou.

O avanço em direção ao leste europeu, rompendo os acordos assinados


anteriormente com a Prússia e com a Rússia, conduziu a Grande Armée de Napoleão
até Moscou, onde a invasão da cidade não necessariamente foi alcançada por meio
de batalhas. Na Campanha da Rússia de 1812, o exército de Napoleão foi vencido
pelo frio russo, sendo os militares obrigados a recuarem em direção a Paris em
condições extremamente desfavoráveis. Nesse recuo, mediante o intenso frio e
falta de alimento, Napoleão perde a maioria dos homens que havia marchado
para o leste europeu.

Em 1813, novamente as tropas francesas sofrem considerável derrota em


Leipzig, noroeste do continente europeu, levando a deserções de oficiais e, por
fim, a abdicação de Napoleão que posteriormente foi exilado na ilha de Elba, sul
do continente entre a Córsega e a Itália. O imperador ainda consegue retornar no
ano seguinte e reorganiza parte de suas tropas, mas é novamente vencido pelos
prussianos e ingleses em Waterloo, norte do continente europeu. Novamente,
a derrota o obriga a abdicar, agora de forma definitiva, terminando assim as
guerras napoleônicas e iniciando o seu exílio, também definitivo, na Ilha de Santa
Helena, território britânico no Atlântico Sul. Em Santa Helena, ele escreve as suas
memórias e é onde permanece até a sua morte, em 1821.

37
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

FIGURA 9 – NAPOLEÃO BONAPARTE

FONTE: <https://bityli.com/tOCRr>. Acesso em: 12 mar. 2020.

A França napoleônica, resultado da Revolução Francesa e da propagação


das ideias liberais e nacionalistas, foi o primeiro Estado-Nação a empreender
um projeto de unificação do continente europeu sob a hegemonia de um único
ator. Nesse sentido, transformou o continente em um espaço de lutas e batalhas
e desorganizou o sistema de estados intereuropeus deslocando monarcas de
seus tronos e propagando movimentos revolucionários e contestatórios. Em
outros momentos da história, o continente europeu esteve unificado pelo
Império Romano na Antiguidade e na Idade Média por Carlos Magno. Na
contemporaneidade, o projeto político francês durou menos de duas décadas e
colocou frente a frente estados modernos pós-westfalianos: Prússia, Áustria e
Rússia, que junto à Inglaterra formaram uma coalização com poder terrestre e
marítimo para enfrentar a França.

As legitimidades anti-hegemônicas, definidoras e propagadas por


Westfália e Utrecht, e que eram defendidas pelo clube de soberanos europeus
do século XVIII, traziam um equilíbrio mantenedor da paz no continente e que
preservava as independências múltiplas. A Revolução Francesa foi o ato mais
dramático de afirmação da classe média europeia e estimulou as energias da França,
as quais Napoleão soube explorar com sua ordem imperial. A arma ideológica
utilizada durante a revolução – o movimento iluminista – foi por onde a classe
burguesa conseguiu uma unidade de pensamento que legitimava o movimento
revolucionário. Tal força liberada no seio do estado francês é reforçada por ideias
nacionalistas que trouxeram a demanda por participação popular no governo,
mobilizando o patriotismo e o sentimento de amor à liberdade e à igualdade, o
que facilitou a movimentação de grandes contingentes militares que morreriam
a serviço da pátria “em um ato demasiado nobre para ser deixado nas mãos de
mercenários” – Allons enfants de la patrie (WATSON, 2004).

38
TÓPICO 2 | AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII

FIGURA 10 – REVOLUÇÃO FRANCESA: A LIBERDADE GUIANDO O POVO

FONTE: <https://imagenes.universia.net/gc/net/images/cultura/l/li/lib/liberdade-liderando-o-
povo-noticias.jpg>. Acesso em: 12 mar. 2020.

A Inglaterra, até a Revolução e a emergência de Napoleão, cumpria um


papel de mantenedora de um equilíbrio de estados no continente, e o avanço da
França Napoleônica ameaçou esse sistema, além de desafiar o desenvolvimento
econômico e político dos britânicos no sistema internacional.

A liberdade de ação inglesa nos oceanos e nas colônias era ameaçada


pelos planos de Napoleão. O condottiere francês buscava fazer da França o centro
de seu império e procurava expandir para além das fronteiras francesas os
limites territoriais e sua influência política e administrativa. Quando não ocupava
os territórios que se projetava, procurava torná-los aliados, transformando
em estados-satélites incorporados à administração dos franceses, por vezes
governados por membros de sua família. Uma política protecionista guiava os
princípios econômicos da França napoleônica, sempre visando sufocar os ingleses.

FIGURA 11 – JOSÉ BONAPARTE, REI DE NÁPOLES E REI DA ESPANHA

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/14/Joseph-Bonaparte.
jpg/390px-Joseph-Bonaparte.jpg>. Acesso em: 12 mar. 2020.

39
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

A dinastia de Napoleão se tornara aceitável às casas dinásticas europeias


após o seu casamento com uma princesa Habsburgo, Maria Luíza de Áustria,
filha do imperador Francisco I de Áustria, que o legitimou como herdeiro da
tradição hegemônica. Outros casamentos reais da família Bonaparte tornara a
dinastia Bonaparte parte integrante da realeza europeia, visto que Napoleão não
era um nobre e sim um militar oriundo da ilha de Córsega, ao sul do continente
europeu.

Desde Westfália e Utrecht, a Europa estava comprometida com o equilíbrio


de Estados, um equilíbrio anti-hegemônico. Os estados que se aliaram contra a
França napoleônica desde 1813, e que com a Inglaterra conseguiram derrotar os
exércitos franceses, “declararam que se opunham ideologicamente às doutrinas
da Revolução Francesa as quais Napoleão se declarava o paladino, e defendiam
especialmente a legitimidade dos soberanos depostos” (WATSON, 2004, p. 327).

As ideias propagadas pelo avanço francês sobre a Europa deram força


ao nacionalismo e a partir desse momento as pessoas queriam ser tratadas como
iguais e não mais como súditos leais a um soberano e em posição subalterna,
queriam ser leais a sua pátria, pertencer e lutar por sua nacionalidade. Assim,
uma grande parte do que a Revolução Francesa e o império napoleônico haviam
difundido pelo continente europeu não se perderia, pelo contrário, alterou
para sempre as bases políticas e sociais. A classe média tornara-se mais forte, o
sentimento nacionalista atingira as classes populares, a liberdade e a cidadania
eram propostas de luta.

5 O CONGRESSO DE VIENA (1814-1815)


E A HEGEMONIA COLETIVA
Como dito anteriormente, os líderes europeus que enfrentaram a França
revolucionária não comungavam das ideias difundidas por Napoleão, ideias
liberais e nacionalistas oriundas da Revolução Francesa que foram abraçadas
pelo imperador. O congresso que se reuniu entre 1814 e 1815, em Viena, buscava
resgatar os valores europeus anteriores ao movimento revolucionário e as guerras
napoleônicas, devolvendo o trono a seus respectivos monarcas e estabelecendo,
dentro de certos parâmetros, o sistema europeu vigente anteriormente. Os
monarcas decidiram estabelecer um “concerto” ou um “congresso de poderes”
em que se reuniriam periodicamente para decidir sobre os assuntos políticos
envolvendo seus membros e o continente europeu. Inglaterra, Rússia, Prússia e
Áustria teriam que lidar a partir de agora não somente com o restabelecimento do
poder de seus respectivos monarcas, como também com as ideias nacionalistas
que foram propagadas entre os diferentes grupos étnicos. Ocorreu em Viena
o que poderíamos chamar de restabelecimento do status quo, agora buscando
adaptar ao movimento nacionalista presente no cenário europeu e que mais tarde
transformou-se em novos movimentos revolucionários.

40
TÓPICO 2 | AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII

Entretanto, a velha Europa, anterior à Revolução Francesa, não conseguiria


apagar a obra política e militar de Napoleão difundida nesses tempos modernos. O
princípio da legitimidade dos monarcas defendido em Viena seria posteriormente
contestado, pois as estruturas políticas e social da Europa Ocidental e Central
estavam alteradas.

As potências exerciam uma hegemonia coletiva, difusa, e nenhuma


delas concordaria que um dos atores exercesse sozinho o papel de hegemon no
sistema. Watson apresenta uma raison de système que não exclui conflitos de
interesses, mas era guiada por regras e códigos de conduta de uma “sociedade
internacional revisada” (WATSON, 2004, p. 337). Enfim, era uma harmonia que
deveria funcionar para que o concerto pudesse ter legitimidade, uma nova ordem
internacional que buscasse o caminho da reconstrução da Europa e do impulso
econômico perdido por anos de guerras. O período napoleônico (1799-1815) havia
rompido o equilíbrio dos estados soberanos que vinha de Westfália, em 1648, e
que foi ratificado por Utrecht, em 1715.

A Inglaterra saíra de todo o processo revolucionário ocorrido na Europa no


século XVIII como um ator forte, central e consolidado, uma potência que chegaria
ao século XIX exercendo considerável influência tanto no cenário europeu como
no cenário internacional. Dentro do continente europeu, defendia com seus pares
o projeto de uma hegemonia coletiva baseada em um concerto de atores e no
cenário internacional desenvolvia o Imperialismo de Livre Comércio. Os ingleses
enxergavam além de Viena e necessitavam de equilíbrio e paz na Europa para
que pudessem explorar e comercializar em diferentes espaços; viam o continente
europeu como um elemento em um “sistema econômico e estratégico mais amplo
que incluía a América e o oceano Índico” (WATSON, 2004, p. 335).

Um dos pontos centrais na discussão sobre o concerto europeu surgido


em Viena, em 1815, e ressaltado por Watson e outros analistas é a decisão
sobre a inclusão da França no concerto de atores que passaria a gerir o sistema
intereuropeu. Era necessária uma França forte para que se obtivesse uma Europa
equilibrada. Assim, o concerto seria composto pela Inglaterra, Rússia, Prússia,
Áustria e França. O país não deveria ser punido por seus avanços revolucionários
e por seu anseio hegemônico, não deveria ser privado de seus territórios na Europa,
deveria ser bem-vindo e tratado como um ator igual aos demais em um exercício
prudente e inteligente da diplomacia. Um século depois, em circunstâncias
semelhantes, tal apreço diplomático não foi exercido pelos homens de Estado
quando da assinatura das cláusulas do Tratado de Versalhes, que vieram causar
consideráveis danos à Alemanha derrotada.

41
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

FIGURA 12 – CONGRESSO DE VIENA

FONTE: <https://lh5.ggpht.com/_5ZVfrqNx7ZM/SiKjH0xr6EI/AAAAAAAAEbY/Kfto9FWz-30/
Congresso%20de%20Viena.jpg>. Acesso em: 12 mar. 2020.

5.1 PÓS-VIENA: O CAMINHO DAS REVOLTAS LIBERAIS


Os caminhos da propagação das ideias liberais seguiam diferentes direções
e alcançavam diversos territórios no continente. Os acordos estabelecidos no
Congresso de Viena de 1815 e o Concerto europeu regido por uma hegemonia
coletiva encontraram nas décadas seguintes uma solidariedade entre os líderes
no sentido da raison de système. Procuravam associar os resultados do congresso,
considerado conservador por recolocar aos tronos os seus monarcas, com as
ideias liberais difundidas no continente.

NOTA

A Razão do Sistema, termo utilizado por Adam Watson, é um contraponto


à raison d'état – razão de Estado – política defendida pelo Cardeal Richelieu, primeiro
ministro de Luís XIII. O primeiro-ministro defendia uma política de autoridade real e
justificava que qualquer política, inclusive o uso da força e da fraude, era possível. No
contraponto de Watson, a razão do sistema é fazer o sistema funcionar e não exclui
os conflitos e interesses dos atores, mas estes devem ser resolvidos dentro do sistema
segundo as regras e códigos de conduta da sociedade.

Na década 1820, já haviam eclodido revoltas liberais na Espanha e em


Portugal. O regime monárquico absolutista que se tornara predominante
em solo europeu nos séculos anteriores perdia espaço para uma monarquia
constitucional com características liberais. No caso específico de Portugal, a
Revolta Constitucionalista do Porto de 1820 exigia, entre outras coisas, a volta da

42
TÓPICO 2 | AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII

corte portuguesa que se encontrava no Rio de Janeiro desde 1808. O movimento


deflagrado no Porto trouxe auxílio e, posteriormente, acabou por impulsionar o
movimento separatista entre Brasil e Portugal em 1822. O rei de Portugal, Brasil
e Algarves, D. João VI, ao chegar de volta do Brasil a Lisboa, foi obrigado pelas
cortes portuguesas a assinar uma constituição para que pudesse ser reconhecido
como rei legítimo.

Na França, em 1830, uma insurreição em Paris suprimiu o absolutismo,


originando uma monarquia constitucionalista e disseminando ideias liberais por
diferentes partes do continente. A legitimidade dos monarcas, tão propagada por
Viena e utilizada como justificativa para que voltassem a ocupar seus tronos e
restabelecessem o absolutismo monárquico, sofreria um abalo considerável. Em
1848, em praticamente todo o continente europeu, as revoluções liberais haviam
se disseminado.

Portanto, nos primeiros trinta anos pós-Concerto de Viena houve por


parte dos atores envolvidos na hegemonia coletiva um domínio considerável de
boa parte do continente com pequenos desacordos entre seus membros. Watson
enfatiza o papel da Áustria de Metternich, ator central no sistema e enfaticamente
defensor da raison de système, o que lhe permitia exercer maior influência no centro
do continente enquanto nos extremos encontravam-se Inglaterra e Rússia, pilares
como “um par de suporte de livros, empurrando-se uma à outra e mantendo o
sistema no lugar” (WATSON, 2004, p. 340).

Dentre as cinco potências que exerceram em boa parte do século XIX o


concerto europeu, Rússia e Inglaterra foram os atores que acabam por se destacar
como grandes potências, estando o império russo e seu poder mais concentrado
no leste da Europa em sua expansão em direção à Sibéria, e o império britânico
destacando-se não só no continente europeu como também na propagação do
livre comércio e na influência em diferentes partes do globo. Na metade do século
XIX, os atores passaram a sentir com mais intensidade a força do nacionalismo
que se propagava, causador de movimentos revolucionários que questionavam a
ordem política estabelecida.

A classe média, cada vez mais consciente de sua posição social e influência
adquirida, questionava a legitimidade dinástica e promovia revoluções em
diferentes comunidades europeias. Chamava para si uma nova legitimidade
que se contrapunha à antiga legitimidade dinástica; era o “direito dos povos”
que passaria a determinar a que Estado queriam pertencer e como deveriam
ser governados. A ideia de Estado-nação passa a ser incorporada nos debates
europeus do século XIX, nacionalismo e democracia passariam a fazer sentido
para se questionar a legitimidade dos estados europeus, para se transformar a
sociedade europeia e a forma de governar. Os europeus passavam a se sentir muito
mais como cidadãos e cada vez menos como súditos e assim acreditava-se na
necessidade da participação popular nos governos, exigia-se uma reestruturação
da Europa e do seu sistema de estados em bases nacionalistas e liberais.

43
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

Os nacionalistas europeus do século XIX queriam um Estado-nação


com independência plena e exercício da soberania popular. Estava, nesse
sentido, estabelecida uma ameaça à ordem dinástica e ao equilíbrio construído e
propagado pelos conservadores europeus em 1815. A ameaça ao equilíbrio surgia
dos movimentos nacionalistas e dentre eles ressalta-se o pangermanismo, o pan-
eslavismo e o pan-italianismo.

Desde as revoluções surgidas após 1848, na Europa – manifestações


de forças populares em busca de autonomia política – suscitaram sentimentos
nacionalistas que unificaram povos incorporando-os em novos estados.

A seguir, apresentaremos os principais movimentos nacionalistas


surgidos na Europa do século XIX. Alguns geraram novos atores no Sistema de
Estados Europeus, notadamente a Alemanha e a Itália.

5.1.1 Pan-eslavismo
A Rússia, após o término do período napoleônico, torna-se um importante
ator no cenário europeu, não só pela participação na derrota das tropas francesas
como também na proporção territorial que atingia ao se expandir em diferentes
frentes. Na onda nacionalista que varria o continente europeu, a possibilidade de
união e formação de um grande Estado nacionalista que abrigaria os povos eslavos
– ameaça remota para Watson (2004) e de difícil administração – desestabilizaria o
equilíbrio europeu. O suposto estado nacionalista se estenderia da Boêmia ao sul,
no mar Mediterrâneo, ao norte até o Ártico e mar Báltico, e por fim no extremo
leste até o Pacífico. A religião ortodoxa era a base da sociedade, assim como a
monarquia dos czares que vinha desde o século XVI. O estado nacionalista não
surgiu e, somente com a revolução de 1917, a monarquia russa é destronada.

NTE
INTERESSA

A família Romanov foi mais uma das grandes famílias que estavam no poder
na Europa. A Dinastia dos Romanov, também conhecida como família imperial russa,
governou o Grão-Ducado de Moscou e depois o Império russo do século XVII ao século
XX, tendo sido eliminada pelos revolucionários de 1917. A Revolução Russa de 1917 pôs fim
ao regime monárquico na Rússia e levou ao poder o partido bolchevique sob a liderança
de Lênin. A Dinastia dos Romanov termina com a execução do czar Nicolau II e de toda
a sua família. Era o fim de uma aristocracia no país mais populoso da Europa, fortemente
rural e onde 90% da população era analfabeta.

44
TÓPICO 2 | AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII

FIGURA 13 – PEDRO, O GRANDE – IMPERADOR DE TODAS AS RÚSSIAS (1682-1721)

FONTE: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Império_Russo#/media/Ficheiro:Peter_de_Grote.jpg>.
Acesso em: 13 jul. 2019.

5.1.2 Pan-italianismo
O Congresso de Viena confirmara a divisão da Península Itálica em um
conjunto de pequenos estados. O movimento pan-italianismo nasceu, inicialmente,
de uma sociedade revolucionária – Carbonaro – que lançou a proposta de
unificação, da criação de uma nação italiana independente e republicana. Dentre
os vários movimentos nacionalistas que se espalharam pela península, diferentes
líderes foram projetados na cena política italiana do século XIX, como Camilo
Cavour, primeiro-ministro do Piemonte ao Norte, associado a Vítor Emanuel e
Giuseppe Garibaldi ao Sul, com seu exército de voluntários.

O processo de unificação completou-se quando se conquistou a região


de Veneto e a ocupação de Roma. A solução viria pelos planos de Cavour –
uma Itália unificada e monárquica – vencendo a resistência do papa e a divisão
entre monarquistas e republicanos. A guerra pela unificação fora conduzida
por Garibaldi e Cavour, que apesar de rivais lutaram pela mesma causa. O
sentimento nacionalista conduziu à Unificação e o surgimento do Estado italiano
se consumou em 1870.

NOTA

A sociedade revolucionária conhecida como Carbonaro ou queimadores


de carvão participou de diversos movimentos revolucionários ao longo do século XIX e
também do processo de unificação italiana. Com ideias liberais, se reuniam secretamente
em cabanas de carvoeiros, ficando assim conhecidos como carbonaros.

45
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

FIGURA 14 – PENÍNSULA ITÁLICA

FONTE: <https://static.todamateria.com.br/upload/un/if/unificacaoitalianamapa-cke.jpg>.
Acesso em: 12 mar. 2020.

Na Figura 14 se pode verificar como a Península Itálica estava dividida


em diferentes regiões que professavam a mesma fé, tinham a mesma cultura e
falavam a mesma língua. Tais características se tornaram fundamentais para o
processo de unificação, não só no caso italiano como também no caso germânico,
que veremos a seguir.

5.1.3 Pangermanismo
Dentre os cinco estados do Concerto europeu, a Prússia “era claramente a
mais fraca das cinco potências” e não se caracteriza, segundo Watson (2004, p. 345),
como uma força considerável. Sua política era conduzida pelo chanceler Otto Von
Bismarck e, sempre que podia, o Estado se comportava independentemente do
concerto europeu. O chanceler desconfiava do nacionalismo popular germânico
e o enxergava como desestabilizador das monarquias prussianas e austríaca.
Na condução do processo de unificação alemã não se incluiu a Áustria, outra
potência germânica, mas que se opunha ao processo de unificação.

A guerra gerada entre essas duas potências germânicas despertou o


nacionalismo germânico, tendo o chanceler Bismarck à frente e conseguiu-se
eliminar o veto austríaco ao projeto sem grandes danos diplomáticos. Mais tarde,
quando do surgimento da Alemanha, o Estado austríaco se tornaria um aliado
alemão no sistema europeu de fins do século XIX e nas guerras do século XX
(WATSON, 2004, p. 345; CERVO, 2008).

46
TÓPICO 2 | AS REVOLUÇÕES DO SÉCULO XVIII

A guerra Franco-Prussiana surge nesse contexto como uma tentativa da


França de evitar a unificação da Alemanha. A derrota francesa na guerra deixou
um lastro de revanchismo no centro da Europa que se propagaria pelas décadas
seguintes e seria causa de consideráveis disputas territoriais e novas guerras
envolvendo o continente europeu. A Alemanha se unificara após a guerra
Franco-Prussiana sob a liderança da antiga Prússia e, junto aos novos estados
que surgem também nesse período, adquire características ocidentais, como a
monarquia constitucional que procurou dividir o poder da nação soberana com
os seus súditos-cidadãos.

A França derrotada viu surgir um novo império – o Império Alemão – que


por meio do tratado de Frankfurt, de maio de 1871, viu sancionados os resultados
da guerra e a anexação da Alsácia-Lorena, território que a França havia tentado
salvar durante o conflito.

O século XIX encerra-se na Europa com os atores em um preliminar estágio


de beligerância. A unificação da Itália e da Alemanha alterou consideravelmente
a configuração de poder no território. Desde 1850, os homens de Estado já se
encontravam distante da configuração coletiva trazida pelo Tratado de Viena de
1815. Vê-se que os atores caminham para a formação de alianças criando uma
polaridade, o que mais tarde, no início do século XX, desencadeara a Grande
Guerra de 1914.

NOTA

O Tratado de Frankfurt, assinado em maio de 1871 entre a França e o recém-


criado Império alemão, colocava fim à Guerra Franco-Prussiana. Depois de várias reuniões
preliminares decidiu-se que a França derrotada deveria pagar uma indenização e ainda
perderia parte de seus territórios, a Alsácia e Lorena.

47
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• As revoluções ocorridas na Europa e na América do Norte durante o século


XVIII, Revolução Francesa, Industrial e a Revolução Americana, marcaram
a configuração política e social dos continentes. Seus efeitos se espalharam,
gerando ondas nacionalistas.

• A Revolução Americana, com a consequente independência das treze colônias


britânicas, questionava o “antigo regime” e a relação metrópole/colônia. O
surgimento dos Estados Unidos da América, uma nação com valores liberais
e que questionava a relação com a metrópole trouxe fôlego a um emergente
nacionalismo europeu.

• A Inglaterra se consolidou no sistema internacional como um ator hegemônico


devido ao desenvolvimento de sua Revolução Industrial, enquanto a França,
após a Revolução Francesa e a derrubada da monarquia absolutista, mergulhou
em um sistema imperial sob o comando de Napoleão Bonaparte. O período
napoleônico traz para o espaço político e social europeu guerras e rompimento
de soberanias. A Europa se encontra distante dos valores de Westfália; respeito
às soberanias e aos limites territoriais.

• O Congresso de Viena (1814-1815), ocorrido ao fim do império napoleônico,


procurou restabelecer a paz europeia e trouxe de volta a seus tronos os
monarcas europeus. Os principais atores do congresso estipulam uma
configuração coletiva de poder, denominada de hegemonia coletiva. Essa
configuração coletiva de poder trouxe a paz para a Europa, estando os
atores maiores no comando do sistema. Na metade do século XIX, a onda
nacionalista revolucionária começava se propagar pelo continente europeu,
e principalmente na região dos povos germânicos e na Península Itálica essa
onda nacionalista gerou a unificação de regiões, surgindo dois novos estados:
a Alemanha e a Itália.

48
AUTOATIVIDADE

1 Como as revoluções que marcaram o século XVIII e o sistema de estados


europeus estavam associadas ao movimento Iluminista?

2 Explique como a Grã-Bretanha se tornou uma potência hegemônica de base


econômica capitalista liberal no século XIX.

3 Por que as legitimidades anti-hegemônicas definidas em Westfália e Utrecht


foram postas em causa pela França napoleônica?

4 Leia as asserções a seguir:

A França napoleônica transformou o continente em um espaço de lutas e


batalhas e desorganizou o sistema de estados intereuropeus deslocando
monarcas de seus tronos e propagando movimentos revolucionários e
contestatórios.

PORQUE

As ideias propagadas pelo avanço francês sobre a Europa deram força ao


nacionalismo e a partir desse momento as pessoas queriam ser tratadas como
iguais e não mais como súditos leais a um soberano e em posição subalterna,
queriam ser leais a sua pátria, pertencer e lutar por sua nacionalidade.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Ambas as afirmações são verdadeiras e a segunda justifica a primeira.
b) ( ) Ambas as afirmações são verdadeiras e a segunda não justifica a
primeira.
c) ( ) A primeira afirmação é verdadeira e a segunda é falsa.
d) ( ) A primeira afirmação é falsa e a segunda é verdadeira.

49
50
UNIDADE 1
TÓPICO 3

O FIM DO SÉCULO XIX E A


EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, você estudará que a diplomacia de Bismarck (1871-1890)
conseguiu formar um sistema de alianças que visava principalmente isolar a
França após a Guerra Franco-Prussiana. Na segunda metade do século XIX, os
nacionalismos, por vezes, não foram contidos e guerras como a Franco-Prussiana,
principalmente, colocam em campo de batalha o império alemão recém-criado e
a França. A Europa estava longe de uma ação coletiva como queriam os homens
de Viena em 1815 e a nova estratégia dos atores era o militarismo e a formação de
alianças. Esses cenários trazem novas turbulências à Europa no século XX.

Por sua vez, os Estados Unidos da América apresentaram ao longo


do século XIX um considerável crescimento e desenvolvimento econômico,
expandindo para o oeste em direção ao Pacífico, prenunciando a nova potência
que viria a ser. O novo ator, logo no início do século XIX, passa a exercer uma
forte influência ao sul de suas fronteiras, comportando-se de forma imperialista
principalmente na América Central. A Doutrina Monroe de 1823 preconiza a
América para os americanos, buscando afastar as potências capitalistas europeias
do Novo Mundo.

Na Europa de fins do século XIX, a Conferência de Berlim (1884-1885) trouxe


a partilha do continente africano entre as potências europeias e o imperialismo dos
atores europeus, uma forma de governo autoritária, exploratória e de ocupação,
se estabelece não só em África, mas também em parte da Ásia. Tal processo
deverá ser entendido por você, acadêmico de relações internacionais, como um
avanço do processo de industrialização e da ordem capitalista. Os anos finais do
século XIX trazem uma configuração bélica e militar ao continente europeu. Os
atores recorrem às alianças e à diplomacia secreta, levando o sistema de estados
europeus a se dividir em diferentes blocos, fazendo com que o espectro da guerra
passe a rondar o continente, o que de fato acontece em 1914.

2 A DIPLOMACIA DE BISMARCK (1871-1890)


As relações internacionais e o sistema de estados intereuropeus estiveram
marcados entre 1871 e 1890 pelas concepções políticas e estratégicas do chanceler
Otto Von Bismarck, que além de estabelecer um equilíbrio na região e preservar

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UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

as conquistas da Guerra Franco-Prussiana, mantendo a integridade do território


recém-unificado, buscava isolar a França.

O concerto europeu e a raison de système foram profundamente abalados


após 1870 com os processos de unificação e, principalmente, com o revanchismo
surgido no centro da Europa entre a França e Alemanha. O equilíbrio que havia
sido construído em Viena tornou-se instável e o controle e equilíbrio passam para
as mãos do chanceler Bismarck e seu malabarismo diplomático, desenvolvido por
meio de um sistema de alianças que manteve temporariamente a ordem europeia.

NOTA

A ideia de raison de système – razão do sistema – está ligada à concepção de


que os atores devem resolver seus conflitos de interesses dentro do sistema de estados,
levando em conta o reconhecimento mútuo de vantagens para todos. Era a base dos
arquitetos do acordo de Viena e deveria ter sempre em mente as regras e códigos de
conduta.

As últimas décadas do século XIX foram anos de expansão da Revolução


Industrial e do nacionalismo e o novo Estado alemão avançou em tecnologia
industrial e militar causando desconforto aos vizinhos, principalmente à Inglaterra
e à França. Em 1890, quando o chanceler Bismarck saiu de cena, “a Alemanha
já havia ultrapassado a Inglaterra e se tornado a maior potência industrial da
Europa estando na mesma situação dos ingleses e dos franceses em realizações
científicas, médicas e outras” (WATSON, 2004, p. 349).

Ao fim do século XIX, a Europa já não era a mesma Europa do Concerto


europeu e da hegemonia coletiva. O avanço da Revolução Industrial e o
desenvolvimento da ordem capitalista alteraram a raison de système e a capacidade
industrial e rivalidades nacionalistas acabam por ocupar as agendas dos homens
de Estado. Desde 1850, a geração de líderes políticos europeus já se encontrava
distante da ordem de Viena de 1815 e o avanço do nacionalismo e a rivalidade
alimentada pelo processo industrial apagou da memória os possíveis danos e
prejuízos que uma guerra no continente poderia causar ao sistema de estados
intereuropeus.

O chanceler Otto Von Bismarck foi personagem central nas relações


internacionais entre os anos de 1871 e 1890 e seu maior objetivo era manter a
integridade do império Alemão, isolar a França para impedir sua aliança com
outros estados. A ordem europeia de Bismarck iniciara no sentido de uma futura
unificação por meio de uma união alfandegária dos estados alemães – Zollverein – e
que tinha como eixo a Prússia. A nomeação do chanceler em 1862 e as consequentes
disputas que ele liderou contra a Dinamarca em 1864; contra a Áustria na guerra

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TÓPICO 3 | O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

Austro-Prussiana de 1866, resultou na constituição da Confederação Germânica


do Norte. Em 1870, quando eclode a Guerra Franco-Prussiana, os estados
germânicos do Sul acabam por se aliar em torno do chanceler. A França tentaria
impedir a unificação e sua derrota na guerra consolida o poder de Bismarck,
assim como o processo de unificação alemã.

FIGURA 15 – CHANCELER OTTO VON BISMARCK

FONTE: <https://static.todamateria.com.br/upload/ot/to/otto_von_bismarck.jpg>.
Acesso em: 2 jul. 2019.

O coroamento do imperador Guilherme I e a proclamação do Segundo


Reich em 1871, no salão dos Espelhos em Versalhes, feriram o orgulho francês já
dilacerado pela perda da Alsácia e Lorena. O terreno fértil para futuras guerras
estava sendo cultivado. O receio do crescimento da França após sua derrota na
guerra franco-prussiana estava ligado à possibilidade de uma revanche francesa
no sentido de resgatar a região da Alsácia e Lorena perdida no combate; era
preciso isolá-la.

Os estados vizinhos passaram a ver com desconfiança o surgimento de


uma potência no centro da Europa e a possibilidade de uma hegemonia passou
a afetar novamente o sistema. O Sistema de Estados do século XVIII, criado por
Metternich, estava definitivamente sepultado em 1871, com o surgimento da
Alemanha e a ordem europeia de Bismarck tendo a Alemanha como o centro do
sistema. Em pouco tempo, a nova nação ultrapassaria a Inglaterra, tornando-se a
maior economia europeia.

O período compreendido entre 1870 e 1890 significou um declínio do que


é denominado pax britannica. Foram diversos acontecimentos que alteraram as
relações internacionais e que consolidaram a hegemonia europeia em diferentes
partes do globo. Inicia-se uma derrocada da proeminência da hegemonia
britânica, o surgimento da hegemonia política alemã no continente e associado
a esse processo europeu tem-se a ascensão dos Estados Unidos no processo
modernizador industrial.

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UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

NOTA

Denomina-se de pax britannica – paz britânica – o período compreendido


entre o fim do Império Napoleônico/Congresso de Viena até o início do século XX. Durante
a hegemonia britânica, o continente europeu esteve relativamente em paz, com algumas
pequenas guerras pontuais como a Franco-Prussiana. O declínio da hegemonia britânica
está relacionado com o surgimento da nova potência norte-americana e também com o
cenário de guerra que se desenvolveu na Europa.

A Grã-Bretanha se vê afetada tanto pelo surgimento da Alemanha e


sua projeção econômica quanto pelos EUA e seu processo de modernização
econômica. O cenário agora era composto por novos atores europeus, e fora da
Europa, que passavam a dividir as correntes de comércio e as relações econômicas
internacionais se tornando mais complexas com a expansão do capitalismo em
uma escala global. A abertura do canal de Suez, em 1869, reduziu a distância entre
a Europa e o Oriente, facilitando o comércio e barateando os preços dos alimentos
nos países europeus, gerando uma crise no setor agrícola. A crise faz com que o
setor industrial e agrícola se associe à reinvindicação comum para restabelecer
medidas que preservassem o desenvolvimento industrial e a agricultura. A
partir de 1878, surgem na economia mundial medidas protecionistas, e somente
a Inglaterra se mantém defensora de um liberalismo comercial. A ligação entre
a economia política internacional e a ação política dos governos adquirem
dimensões que gerariam medidas protecionistas, nacionalistas e polarizações
no sistema. As concorrências não estavam restritas somente a conglomerados
empresariais, mas também a atores estatais que se moviam mediante os ganhos
econômicos dos outros atores.

A França, após 1870, derrotada pela Alemanha na guerra Franco-


Prussiana, procura se mover e recuperar a sua condição de prestígio internacional.
A Inglaterra ainda dominava a economia mundial, mas se via frente a uma
depressão econômica e tendo que enfrentar os novos atores que se consolidavam
no cenário político econômico, dentro e fora da Europa. A Rússia, distante
da corrida pelo processo de modernização industrial, se mantinha como um
importante ator político no Oriente e procurava avançar sua influência sobre o
império turco e os Balcãs. A Itália unificada patinava em seu atraso econômico,
diferente da Alemanha unificada, que centralizaria o debate econômico e político
no continente.

Nesse contexto europeu, o desempenho de Bismarck foi essencial para


se manter uma “paz armada”. Por meio de tratados, Bismarck firma alianças
com a Rússia, Áustria-Hungria e Itália, em um jogo diplomático estruturado em
acordos e alianças.

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TÓPICO 3 | O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

O “sistema de Bismarck” pode ser dividido em três períodos:

• Tratado dos Três Imperadores – 1872-1873: celebrado entre Alemanha, Áustria-


Hungria e Rússia.
• Dupla aliança – em 1879, entre Alemanha e Áustria-Hungria que mais tarde, em
1882, incluiu a Itália, tornando-se assim uma Tríplice aliança. Paralelamente às
alianças, renova-se o Tratado dos Três Imperadores, em 1881, e também ocorre
em 1883 a adesão da Bulgária à Dupla aliança.

Entre 1885 e 1888, uma crise na Bulgária conduziu à dissolução do


Tratado dos Três Imperadores levando o chanceler a refazer seu sistema. Surgiu
uma Tríplice Aliança entre a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Itália; o Acordo do
Mediterrâneo entre Inglaterra, Áustria-Hungria e Itália visando impedir avanços
russos ou de franceses no Mediterrâneo e no estreito de Bósforo, e, por fim, o
Tratado do Resseguro, entre Alemanha e a Rússia (DÖPCKE, 2008).

O império alemão era fortemente prussiano e o imperador alemão e rei


da Prússia, Guilherme I (1861-1888), junto ao chanceler Bismarck, guiavam um
exército alemão e um funcionalismo público formado basicamente por prussianos.
O parlamento alemão, Reichstag, torna-se a base para a nova nação que surgira
na antiga capital da Prússia, Berlim, assim como o predomínio da aristocracia
proprietária de terras, os junkers, imprimiram o caráter ao estado alemão.

O próprio Bismarck, um junkers, passaria a enfrentar, anos depois, a


resistência de Guilherme II – neto de Guilherme I, que chegara ao poder em 1888.
O chanceler Bismarck cultivava o parlamento e era favorável ao sufrágio. Buscava
um parlamento democrático que abrigasse liberais, conservadores, democratas e
até os socialistas do Partido Social-Democrata. Embora sendo ele um conservador,
buscou promover reformas sociais e no parlamento articulou para que o governo
não se visse refém dos parlamentares.

FIGURA 16 – GUILHERME I (REI DA PRÚSSIA E PRIMEIRO IMPERADOR ALEMÃO 1861-1888)

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/0/01/Kaiser_
Wilhelm_I._.JPG/245px-Kaiser_Wilhelm_I._.JPG>. Acesso em: 12 mar. 2020.

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UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

No plano internacional, Bismarck projetou-se como estadista na


Conferência de Berlim – 1884-1885 – e trazendo a imagem de uma Alemanha
desinteressada em se expandir territorialmente. Com a chegada ao poder de
Guilherme II, o chanceler passa a enfrentar considerável resistência e oposição do
novo imperador, o que o conduz à renúncia em 18 de março de 1890.

Guilherme II apresentou uma política externa agressiva e pouco


conciliadora que se orientava cada vez mais à guerra. O pacto entre Rússia
e Alemanha se rompera com a saída de cena de Bismarck e de seu sistema de
alianças. Tal fato acaba por levar a aproximação da França e da Rússia em um
entendimento – entente franco-russa – para se prevenir das possíveis hostilidades
alemãs e de seus aliados austríacos.

FIGURA 17 – GUILHERME II (REI DA PRÚSSIA E IMPERADOR ALEMÃO 1888-1918)

FONTE: <https://bityli.com/ILSqP>. Acesso em: 12 mar. 2020.

O sistema de Bismarck, uma construção que trouxe uma estabilidade ao


sistema europeu, desapareceria levando ao colapso do equilíbrio europeu e ao
surgimento de alianças, cenário distante da conformação da ordem anterior. O
jogo das alianças avançou sobre o sistema e chega ao século XX com a França
celebrando com a Grã-Bretanha a entente cordial de 1904, que mais tarde, em 1907,
atrai a Rússia, derrotada na guerra Russo-Japonesa de 1905. Surgia a Tríplice
Entente e o cenário para um enfrentamento de grandes proporções armava-se.

O triunfo dos nacionalismos, tanto na Itália quanto na Alemanha, alterou


a configuração geopolítica central do continente, anteriormente composta por
vários pequenos estados que desempenhavam o papel de Estados-tampão entre
as grandes potências. Ao mesmo tempo em que a alteração do mapa político
europeu ocorria, a proeminência do continente no âmbito mundial tomava forma
de uma hegemonia global do sistema europeu por meio de um novo imperialismo,
que abria caminho para a Europa e sua sociedade estabelecerem uma rede global
de relações econômicas, estratégicas e políticas.

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TÓPICO 3 | O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

A partilha da África, a ocupação territorial de grande parte da Ásia e a


abertura da China, expandem o poder e a influência europeia. Os EUA, próximo
à virada do século e após a guerra civil, vêm se associar aos atores europeus na
balança de poder, mas ainda sem as capacidades militares e bélicas que nesse
momento se encontravam restritas aos europeus. Tal capacidade europeia
favoreceu esses estados no processo de subjugação imposto às colônias. África e
Ásia resistiram dentro de suas capacidades disponíveis à conquista europeia, ao
novo imperialismo.

3 O DESENVOLVIMENTO DOS ESTADOS


UNIDOS DA AMÉRICA
As treze colônias britânicas situadas no litoral leste da América do Norte
se tornariam, na segunda metade do século XVIII, os Estados Unidos da América.
A obrigatoriedade de pagarem impostos à Grã-Bretanha, sem o benefício de
representação no parlamento britânico, foi uma das causas iniciais da tensão entre
a metrópole e a colônia, mais tarde agravadas por medidas impostas visando
aumentar o lucro do governo inglês.

A série de leis aprovadas pelos britânicos, em 1774, conhecida como “Atos


intoleráveis”, tinha como objetivo restaurar a ordem nas colônias, mas teve efeito
contrário ao estimular protesto e o movimento separatista. No Congresso da
Filadélfia, de setembro de 1774, exigiu-se a revogação dos Atos, apelo que não
surtiu efeito junto ao governo britânico.

Em 1776, Nova York é tomada pelos britânicos, o que fez iniciar uma série
de negociações entre as partes, o que não evitou que se proclamasse em 4 de
julho de 1776, a Declaração de Independência. Somente em novembro de 1782 os
britânicos assinam um acordo reconhecendo a independência dos EUA, acordo
este ratificado no ano seguinte em Paris, quando George Washington se torna o
primeiro presidente; acordo que ficou conhecido como Acordo de Paris de 1783.
Nos anos seguintes, os limites das treze colônias começam a ser rompidos com o
avanço para o oeste.

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UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

FIGURA 18 – COLÔNIAS BRITÂNICAS NA AMÉRICA DO NORTE

FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/01/4b/ff/014bff7144c406d567f3f3461b9e1e68.jpg>.
Acesso em: 12 mar. 2020.

Os EUA mantiveram as prioridades de seus interesses, que nasceram com


a nação no século XVIII, e que continuam sendo suas diretrizes: garantir a paz
e a prosperidade, a manutenção da segurança e da estabilidade institucional, e
a promoção da democracia e da defesa. Para Pecequilo (2003), os EUA sempre
agiram no sistema internacional buscando disseminar os ideais de democracia
e da liberdade, mesmo quando tiveram um comportamento imperialista e
intervencionista visando à conquista de mercado ou controle de territórios. Suas
políticas, ao disseminar e propagar tais valores, desde sua formação como nação,
“acabam sendo apresentadas como um direito e um dever de ação do país em
todas as épocas e circunstâncias” (PECEQUILO, 2003, p. 32).

Já no século XIX, os EUA davam sinais de que não permaneceriam


na periferia do sistema, como outros territórios colonizados pelas potências
europeias dos séculos anteriores. Pode-se observar, a partir de finais do século
XIX, o considerável desenvolvimento social, político e econômico que sinaliza a
sua posterior proeminência no sistema em termos estratégicos. As transformações
econômicas proporcionadas pela Revolução Industrial e a expansão das rotas
comerciais favoreceram o desenvolvimento econômico e o rápido crescimento
dos Estados Unidos. O país se encontrava inserido no processo revolucionário
econômico inglês como um dos principais fornecedores de matérias-primas,

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TÓPICO 3 | O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

principalmente o algodão, que alimentava as indústrias de tecelagem, e com


os recursos financeiros recebidos do comércio algodoeiro modernizava a sua
estrutura produtiva e ampliava os meios de transporte. Na segunda metade do
século XIX, os empreendedores norte-americanos preparavam-se para construir
as primeiras estradas de ferro transcontinentais ligando a costa leste à costa oeste
– o Atlântico ao Pacífico.

O equilíbrio federativo da nova nação foi abalado pelas consideráveis


diferenças existentes entre o norte urbano, mercantil e industrial e o sul rural e
agroexportador. O Sul se consolidara pela exportação principalmente do algodão,
matéria-prima da revolução industrial e que tinha como base a mão de obra
escrava. O Norte, por sua vez, em processo de industrialização, buscava políticas
comerciais protecionistas que pudessem favorecer a consolidação do mercado
interno de produtos manufaturados. Assim, norte e sul apresentavam visões de
economia política distintas, além do debate político com relação à escravidão.

As contradições evoluem e ganham forma na eclosão de uma guerra


civil, a Guerra de Secessão (1861-1865). Os estados se veem divididos em dois
grupos: os confederados da América e os estados que compunham a União. Esta
última possuía melhores condições militares e econômicas. Em abril de 1861, a
Confederação declara guerra à União e até o término do conflito, vencido pelos
estados da União, havia ocorrido centenas de mortes.

Após a Guerra de Secessão, o país entrou em uma nova fase de crescimento


e equilíbrio econômico com a expansão das atividades industriais e agrícolas e a
consolidação do mercado doméstico.

DICAS

Assista ao seguinte vídeo: A Saga dos EUA EP. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=KXVkimSfTJ0&list=PLfNlc9-a0AD4NcqRAjupJEhyI2c3CmqP9&index=2.

4 A CONFERÊNCIA DE BERLIM
A segunda metade do século XIX ficou marcada pelo avanço das forças
capitalistas, com um acelerado desenvolvimento da Revolução Industrial
e com a corrida em busca de novos mercados e novas fontes de matérias-
primas. A ideia de superioridade da sociedade europeia frente aos novos
povos determina o imperialismo praticado pelos estados capitalistas europeus,
sendo tal fato legitimado pelos povos e pela diplomacia europeia. Dessa vez,
os europeus lançavam-se sobre outros territórios dentro de um modelo liberal
de empreendimento, por meio de companhias de comércio e transporte que

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UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

investiam no negócio. Além desse aspecto comercial, os europeus enxergavam


os territórios a serem explorados nesse “neocolonialismo” como locais a serem
incorporados ao mundo europeu, civilizado à moda europeia e explorado pelas
companhias europeias para o enriquecimento privado.

No ambiente europeu, o equilíbrio entre os atores na segunda década


do século XIX era tenso, estando o continente se movendo lentamente para um
estado de beligerância e formação de blocos que se opunham. As tensões eram
internas, visto que externamente compartilhavam a ideia neocolonial. Dessa
forma, a Conferência de Berlim torna-se um marco não só da expansão territorial
europeia como das forças capitalistas.

A partilha da África pelas potências europeias, oficializada na Conferência


de Berlim, representa a consolidação do novo imperialismo dentro da lógica da
expansão da ordem econômica capitalista. As potências europeias repartem o
continente africano, alcançam a Ásia e repartem entre si territórios em busca de
objetivos econômicos e estratégicos.

As potências europeias participaram na segunda metade do século XIX de


uma expansão com características imperialistas frente à necessidade de expansão
do capitalismo. Dessa forma, a Europa ocidental e os Estados Unidos, uma
jovem nação no século XIX que avançava em seu processo de industrialização,
arquitetaram a conquista política, econômica e cultural em diferentes continentes.

Os europeus construíram poderosos impérios coloniais que vieram


favorecer o acúmulo de capital, colocando a nova expansão europeia associada
ao desenvolvimento econômico dos estados europeus. O processo pode ser
entendido mediante o crescimento populacional ocorrido na Europa durante o
século XVIII, ao processo de Revolução Industrial e à transformação nas relações
sociais e econômicas e, por fim, pela busca de matérias-primas e mercados em
um imperialismo econômico e financeiro pautado pela exportação de excedente
de capitais.

A corrida pela África, ou partilha da África, se concretiza na Conferência


de Berlim (1884-1885) de onde emergem tratados que alteram a história da
África e que não foram assinados por nenhum africano. A expansão imperialista
europeia vem acompanhada da expansão da Revolução Industrial e da busca
pela ampliação e integração do mercado global, como dito anteriormente.

Assim, estava-se frente a um Neocolonialismo – termo utilizado em


referência ao colonialismo desenvolvido pelos europeus a partir dos séculos XVI
e XVI. Dessa vez, no século XIX, as bases do neocolonialismo estavam associadas
à expansão da ordem capitalista europeia e ao avanço das forças da Revolução
Industrial. A burguesia industrial europeia defendia a ordem liberal se opondo
às restrições do Estado aos avanços de seus negócios, assim como buscavam
intensamente a abertura de novos mercados em outros continentes. O Estado
se posicionava como um parceiro do avanço do capital, como um patrocinador,

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TÓPICO 3 | O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

por vezes enviando suas forças militares para defender e ocupar, além de
formalizarem partilhas por meio de conferências e tratados.

DICAS

Assista aos seguintes vídeos:


• Civilizações Perdidas: África, Uuma História Oculta (Dublado) Discovery Channel.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lfwjHEZdU30.
• Estados de Independência: a disputa pela África.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4ZWlqSCPv48.

FIGURA 19 – PARTILHA DA ÁFRICA

FONTE: <https://bityli.com/boqDu>. Acesso em: 12 mar. 2020.

Esse era o caso do continente africano e dos tratados assinados em Berlim


nos últimos anos do século XIX. A diplomacia europeia legitimava o processo
de expansão europeu com a criação de regras, tratados em que se associavam
grandes companhias de comércio e o Estado. A ideia era assumir novo mercado
e novas fontes de matérias-primas. Os trustes internacionais, conglomerados de
várias empresas, se desenvolvem nesse processo de expansão do século XIX e se
associam aos bancos em um fenômeno característico do capitalismo. A associação

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UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

entre empresas e bancos foi o meio para grande parte dos excedentes de capital
ser colocado no exterior e investido. O jogo político agora estava fortemente
associado ao jogo econômico e a Grã-Bretanha liderava o processo.

A Grã-Bretanha, potência hegemônica consolidada no século XIX, de base


econômica capitalista liberal, procurou obter o compromisso dos demais estados
presentes à Conferência de Berlim de lutarem contra o tráfico de escravo. Desde o
início do século XIX, os britânicos difundiam e por vezes ameaçavam os estados
que tinham sua economia associada ao tráfico negreiro. A marinha britânica, desde
o início do século XIX, policiava a navegação no Atlântico e procurava destruir
mercados negreiros na costa africana ocidental. Esse policiamento da costa africana
fez com que ingleses se estabelecessem em alguns portos e assim o comércio e
exploração por eles praticados já se encontrava em estágio avançado frente a
outros estados capitalistas europeus. Por outro lado, os europeus enxergavam
o continente africano como um lugar a ser civilizado como anteriormente havia
enxergado a América a partir do século XVI. Os colonizadores do século XIX
assinavam tratados para solucionar disputas territoriais, delinear espaços, traçar
fronteiras para uma África Contemporânea, sem respeito às diversidades étnicas,
culturais encontradas no continente.

FIGURA 20 – PARTILHA DA ÁFRICA 2

FONTE: <https://static.todamateria.com.br/upload/pa/rt/partilhadaafricamapa-cke.jpg>.
Acesso em: 12 mar. 2020.

A neocolonização encontrava respaldo no racionalismo, que no século XIX


estava apoiado por um cientificismo desenvolvido na Europa. A ciência era a nova
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TÓPICO 3 | O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

religião e suas conclusões e afirmações assumiam contornos de dogmas. Dessa


forma, acreditava-se em “atraso africano” para justificar o imperialismo. As teses
evolucionistas ganhavam corpo com os estudos de Charles Darwin (1809-1882) e
sua interpretação dava margem a um “darwinismo social”, em que se acreditava
em um processo de seleção natural também entre as sociedades humanas em uma
superioridade do homem branco frente ao índio e ao negro. A visão racista era
partilhada não só entre os homens europeus do século XIX, mas também pelos
norte-americanos em sua caminhada rumo ao oeste na construção da nação.

Na América do Norte, o “Destino Manifesto” inspirado no “Darwinismo


Social” servira para justificar o massacre de índios, a conquista de terras do Oeste
e encontrava ainda respaldo pela religião propagada no território.

O avanço das potências capitalistas europeias sobre o continente africano


iniciou antes da Conferência de 1875/75. Além da presença britânica no continente
africano, desde 1830 a França já dominava a Argélia e parcialmente o Marrocos.
Portugal mantinha suas possessões, as mesmas desde o século XVII. O valor
estratégico do continente é, portanto, despertado na segunda metade do século
XIX com o objetivo, dentre outros, da inserção desses espaços nas vias do livre
comércio. A partir da segunda metade dos anos 70 do século XIX, a maior parte
do continente africano se encontraria dividida pelos europeus.

Na Conferência de Berlim, quatorze estados europeus reunidos na tradição


diplomática europeia decidiriam, portanto, a partilha do continente africano,
assim como as regras do livre comércio nas regiões em disputa, estabelecendo
a ocupação efetiva do espaço reivindicado e a soberania sobre o território com
reconhecimento internacional.

5 O IMPERIALISMO NA ÁSIA
O imperialismo na Ásia pode ser entendido como uma associação entre
conquistas territoriais e influência política e social. O exemplo mais notável é o caso
da Inglaterra na Índia, em que se exerceu uma dominação indireta promovendo a
preparação de uma elite local para o exercício do poder.

No território situado a oeste da Índia, onde atualmente se encontra o


Afeganistão, a Inglaterra procurou manter-se influente frente a possíveis ameaças
russas ao território. Já na fronteira a leste da Índia, a Inglaterra foi ameaçada pela
expansão colonial francesa.

A expansão inglesa para a Ásia está relacionada às companhias de


comércio, e desde o século XVIII, os britânicos da Companhia das Índias
Orientais estabeleceram negócios com os indianos e defenderam seus interesses
no território estrangeiro. Ao longo da primeira metade do século XIX, os negócios
britânicos estavam no sul e no norte do continente e estavam unificados sob uma
administração central. A revolta contra os ingleses gerou a centralização do poder
e do comércio nas mãos da coroa britânica por volta de 1858, tirando os direitos
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UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

da Companhia das Índias Orientais. Os cinquenta anos seguintes de governo


britânico na Índia, conhecidos como Raj, foram marcados pela passividade
dos indianos com poucos episódios de reinvindicações de direitos políticos. O
território se consolidara como a “joia da coroa britânica” e, em 1877, a rainha
Vitória recebeu o título de “Imperatriz da Índia”: a bandeira britânica tremulava
por todos os continentes.

A Inglaterra vitoriana era o símbolo de cultura e prosperidade econômica,


e quando da morte da rainha, em 1901, a superioridade britânica era incontestável
e seus descendentes haviam se casado dentro das principais casas dinásticas
europeias. A amplitude do império britânico estava nas possessões territoriais e
na influência política.

FIGURA 21 – ÍNDIA

FONTE: <https://www.google.com/search?tbm=isch&q=%C3%A1sia+india+imagens>.
Acesso em: 5 jul. 2019.

NOTA

No mapa da Figura 21 podemos observar a região denominada Índia, região onde


os britânicos se envolveram desde o século XVIII por meio de suas Companhias de Comércio.
No século XIX começam a adquirir terras e poder, provocando ondas de descontentamento
entre os indianos e, consequentemente, revoltas. Em 1858, os direitos da Companhia das Índias
Orientais foram transferidos para o governo britânico, sendo criado em 1885 o Congresso
Nacional Indiano. A Índia era a “joia da coroa britânica”. O processo de independência da
Índia ocorreu em 1947, trazendo uma nova configuração política à região. Surgem, após esse
processo, duas nações: Paquistão e Índia, o que pode ser observado no mapa.

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TÓPICO 3 | O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

DICAS

Assista ao seguinte vídeo: Archaeology: India The First Civilization


Documentary. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ei_JGATir2Y.

A França estava presente no extremo sul dessa região peninsular asiática


conhecida por Cochim-China, denominação dada ao local pelos portugueses
quando alcançaram a região no século XVI para diferenciá-la da região de
Cochin, outra conquista portuguesa na Índia. Os franceses, portanto, já presentes
na Cochim-China desde 1867, avançaram em direção ao norte e, mais tarde, a
península asiática passaria a ser denominada Indochina. Atualmente, encontramos
nessa região a República Democrática Popular do Laos, o Reino do Camboja e a
República Socialista do Vietnã.

FIGURA 22 – COCHIM-CHINA E INDOCHINA

FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/d6/21/f4/d621f438e5c25265a67c2d4d635a3e3c.png>.
Acesso em: 12 mar. 2020.

A China não sofreu uma ocupação direta em seu território ou sua partilha
pelas potências europeias, entretanto, por meio das guerras do ópio – a primeira
entre 1838 e 1842 e a segunda, entre 1856 e 1860 – conseguiu a abertura da China
às mercadorias europeias e privilégios diplomáticos intensificaram a presença de
tropas estrangeiras nos portos e em Pequim.

Na segunda metade do século XIX, a presença dos russos e dos japoneses


em regiões periféricas da China intensifica a presença de estrangeiros em
território chinês, levando a violentas reações populares contra a ocidentalização.

65
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

A expansão e a maior influência no Extremo Oriente entre o fim do século XIX e


início do Século XX, até a Segunda Guerra Mundial, foi marcada pela presença
japonesa. O Japão se destacaria no século XX como a potência imperialista no
Oriente e acaba por se ver envolvido nas grandes guerras do século XX.

6 O IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO
Pode-se entender o surgimento de um avanço norte-americano com
características imperialistas ao darmos atenção aos diferentes movimentos de
emancipação, tanto na América Central quanto na Ásia – Caribe e Pacífico – em
que os EUA tiveram atuação.

A Doutrina Monroe, que desde 1823 preconizava uma América para


os americanos, sem interferência de estados europeus nos assuntos políticos,
se tornaria na virada do século XIX para XX, o instrumento para a defesa dos
interesses econômicos dos EUA na região.

NOTA

A Doutrina Monroe foi formulada e apresentada ao congresso americano em


2 de dezembro de 1823, por James Monroe, presidente dos Estados Unidos da América
de 1817 a 1825. O presidente norte-americano, em discurso, afirmou que os europeus não
deveriam mais participar dos assuntos relacionados às nações americanas. Para muitos
historiadores, a doutrina traz indícios de projetos imperialistas para a região, ao tentar
afastar a presença europeia das questões internacionais envolvendo suas ex-colônias.

FIGURA 23 – EXPANSÃO DOS EUA

FONTE: <https://bityli.com/C6RLX>. Acesso em: 12 mar. 2020.

66
TÓPICO 3 | O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

Na América Central, a presença norte-americana ocorreu principalmente


por meio do suporte oferecido às colônias espanholas em seu processo de
separação da metrópole europeia. A intervenção na Guerra Hispano-Americana,
em 1868, foi fundamental para que Cuba se tornasse independente e Porto Rico
um protetorado norte-americano. Em 1901, por meio da Emenda Platt, Cuba
também se tornaria um protetorado norte-americano. A ilha caribenha esteve na
condição de semicolônia dos EUA até 1959, quando a Revolução Cubana expulsou
o governo pró-americano de Fulgêncio Batista. Em 1902, uma nova intervenção
norte-americana no Caribe, agora no Panamá, em 1902, levou à construção do
canal do Panamá entre 1907 e 1914, consolidando a sua hegemonia na América
Central. Ainda no século XX, ocorreram intervenções e ocupações: em Cuba, na
República Dominicana, no Haiti, no México e na Nicarágua.

Na América do Sul, os norte-americanos enfrentaram a concorrência da


Inglaterra que exercia um domínio econômico no subcontinente, mas quando era
de seu interesse, interviram nas políticas domésticas do Chile, Brasil e Venezuela.

Na Ásia, em associação com os rebeldes filipinos, os norte-americanos


ocuparam a cidade de Manila e também terminaram com o colonialismo espanhol.
Mais tarde, ocuparam as ilhas de Wake e Guan e anexaram o Havaí, territórios
no Pacífico.

Diferente dos europeus, os norte-americanos não pensavam na construção


de um grande império, como havia sido o objetivo de alguns europeus no
século XIX. A ocupação e a influência em determinados territórios estavam mais
associadas às questões econômicas e proximidades de mercados que poderiam
favorecer a economia norte-americana.

7 OS ANOS FINAIS DO SÉCULO XIX


Nos últimos anos do século XVIII, a Europa se apresenta distante das
concepções políticas traçadas pelos homens de Estado do início do século no
Congresso de Viena de 1815. A hegemonia coletiva estava em descrédito e as
potências se organizavam em alianças, em um dilema de segurança pautado pela
disputa econômica e territorial, como foi visto anteriormente.

O século XIX representou para as relações internacionais o período em


que os estados europeus experimentaram diferentes formas de organização como
sistema de estados e, após um período de guerras, alcançaram a paz em uma
hegemonia coletiva que durou algumas décadas.

Já na segunda metade do século, as forças que mantinham a ordem de


Viena estavam enfraquecidas e a intensificação do nacionalismo acabou por
dissipar um sentimento de união e consenso entre os atores. Com o surgimento
de novos estados, principalmente a Alemanha, a Balança de Poder altera-se
consideravelmente e o jogo de alianças volta à cena internacional.

67
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

A França consegue superar seu isolamento construído pelas políticas


de Bismarck e atrai a Inglaterra em 1904 para uma aliança – Entente Cordiale –
que mais tarde se tornaria a Tríplice Entente com a adesão da Rússia. Esse bloco
esteve unido no contexto da Primeira Guerra Mundial. A aliança, inicialmente
construída para um apaziguamento dos conflitos entre os atores na África do
norte e na Indochina, também pode ser entendida como um bloco defensivo,
visto que desde o surgimento da Alemanha o incômodo com o seu rápido
progresso econômico e a política externa agressiva de Guilherme II havia atraído
os atores para uma aproximação formal e retirado a Inglaterra de seu tradicional
isolamento em questões envolvendo o continente, além de superar seu tradicional
antagonismo com a França. Ainda no contexto da formação da Tríplice Entente, a
aproximação da Rússia aos demais atores vem acompanhada pela derrota russa
na guerra contra o Japão, em 1904 e 1905, o que enfraquecera o Czar e o colocara
disposto a celebrar compromissos com a Inglaterra.

A Alemanha, por sua vez, desde 1882 desenvolvia uma aliança com
a Áustria-Hungria e a Itália, uma Tríplice Aliança que seria no contexto da
Primeira Guerra Mundial, o outro bloco presente nos enfrentamentos. No
contexto da expansão ultramarina das grandes potências europeias, a Alemanha
passa a reivindicar igualdade de direitos com as demais potências com relação
às possessões coloniais. Esse debate se estende até por volta de 1905, pautado em
questões que estavam localizadas fora do continente europeu.

FIGURA 24 – ÁUSTRIA-HUNGRIA

FONTE: <https://www.google.com/search?tbm=isch&q=austria+hungria&chips>.
Acesso em: 5 jul. 2019.

68
TÓPICO 3 | O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

Nos primeiros anos do século XX, as questões políticas e as disputas


voltam-se para dentro do continente com as crises que surgem nos Balcãs. Desde
o Congresso de Berlim de 1878, as regiões da Bósnia e da Herzegovina estavam
ocupadas pela Áustria-Hungria sem grandes questionamentos diplomáticos.
Quando em 1908, com a possibilidade de anexação, surgem protestos da Sérvia
com apoio russo que abrem caminho para divergências e que trazem um novo
confronto ao continente europeu.

DICAS

Assista ao seguinte vídeo: El emperador Francisco José y la Primera Guerra


Mundial. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BLfdRbG2DRI.

69
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

LEITURA COMPLEMENTAR

NAPOLEÃO

Paulo Henrique Martinez

Um pequeno volume dedicado a um personagem singular. O "século


XIX foi o século de Napoleão", explica Thierry Lentz, neste livro destinado a
conferir maior historicidade à vida deste militar francês, a época napoleônica e
as narrativas míticas sobre Bonaparte. Lentz vai além da simples biografia e da
história política do século XIX. Ele nos oferece um atualizado guia de iniciação
aos estudos napoleônicos. Publicado na França em 2003, o magro volume está
organizado com introdução, cronologia, oito capítulos e bibliografia que inclui
comentários sobre estudos existentes, livros em francês e outros idiomas, revistas,
periódicos e sites na internet. Pouco criativo, o estereótipo da capa conspira contra
o conteúdo do livro. Mais um argumento de que é preciso, e melhor, lê-lo.

Lentz ocupou-se em proporcionar esclarecimentos aos leitores para a


compreensão da vida e da ação política de Napoleão. Em sua avaliação, estas se
tornaram mais complexas devido a inúmeros mitos que pairam sobre Napoleão,
suas realizações, sua época e história, e pela instrumentalização que sempre
fizeram delas, tanto líderes partidários, quanto escritores, militares e artistas,
de pintores a cineastas, na posteridade, desde o exílio, em 1815. O autor sugere
percorrer algumas "linhas de reflexão sobre a biografia desse personagem". Oito
capítulos são desfiados em perspectiva cronológica e abordam desde o nascimento
biológico, na Córsega do século XVIII, e o do mito Bonaparte, no início do XIX,
até a derrocada do imperador dos franceses e do exército de lendas que acossa
os historiadores nas universidades. Um Napoleão histórico surgiu apenas na
segunda metade do século XX. Escrever a história nos livros parece, assim, mais
difícil do que a escrever com as próprias mãos, no tempo e espaço, no mundo dos
homens.

Em uma periodização clássica da vida e da trajetória militar e política


de Napoleão Bonaparte, os acontecimentos são confrontados com a gestação
de relatos fabulosos sobre diferentes lances de sua vida. Estas medições não
ocorrem com vistas a um desmascaramento da história. Elas apontam antes para
a contextualização e o superfaturamento que o discurso da posteridade fez de
aspectos em torno da "formação enciclopédica" de Napoleão, leitor de clássicos
gregos e latinos e de filósofos da Ilustração, e da publicação de livros, entre 1789 e
1793 - ensaios filosóficos e políticos, romances e trabalhos técnicos. Um indivíduo
que foi legítimo filho do século XVIII, ainda que autor de livros, não adquire
automaticamente o estatuto de filósofo das Luzes. Tanto quanto o general político
que despontou na campanha da Itália, a partir do chefe militar, do exercício de
governo e da diplomacia, do criador de repúblicas, da reforma de instituições,
administração de recursos financeiros, e que acalentou o registro simultâneo

70
TÓPICO 3 | O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

dessas glórias em jornais, odes e pinturas. A erudição atribuída à expedição


ao Egito, em 1798, unindo ciência, política e ação militar não logrou apagar o
fracasso na estratégica busca de estrangulamento econômico da Inglaterra e que
dera origem a essa campanha malograda.

A unificação das atividades administrativas, sob o grande Consulado,


solucionando na prática querelas entre a colaboração e a separação dos poderes
de Estado, propiciou a estabilidade política interna na França e, pela primeira
vez, em dez anos, a paz externa. As reformas foram tangidas por inúmeras leis
e decretos que ordenaram a ação governamental, a organização e a hierarquia
administrativa, judiciária, das finanças e da educação. A anistia política e obras
para a restauração da atividade econômica reforçariam o poder político pessoal
de Napoleão. Em 1804, sem hesitar, foi proclamado Imperador dos franceses.
A paz, a ordem e a retomada dos negócios foram fontes de acumulação e de
legitimação do poder por Bonaparte. Neste esforço, Napoleão buscou fundir
a soberania monárquica e a soberania nacional na figura de Carlos Magno,
evocando sua lembrança como unificador do antigo império romano e fundador
do novo império franco. Apresentando-se como sucessor daquele, apegou-se aos
símbolos políticos do Antigo Regime, como o cetro, a coroa e a espada.

As guerras da França fornecem outra linha de reflexão. Lentz distingue


aquelas que foram as guerras da revolução, entre 1792 e 1802, quando os girondinos
queriam "levar a liberdade ao mundo", marcadas pelas disputas ideológicas e
militares entre o Antigo Regime e a Revolução. Estas seriam encerradas apenas
com o Consulado. Já as guerras da França napoleônica retomaram a secular
rivalidade com a Inglaterra, os históricos conflitos diplomáticos na Europa e
adicionaram as ambições pessoais de Bonaparte. Entre 1803 e 1815, a guerra foi um
instrumento para impor sua política imperial no continente, uma compensação
pelo desmantelamento do império colonial. Esta foi uma história de sucessivos
decréscimos. Em 1805, houve a destruição da frota francesa e espanhola pelos
ingleses, na batalha de Trafalgar. No ano seguinte, teve início o embargo à Grã-
Bretanha, visando, novamente, sufocar o comércio e as finanças britânicas. Este
gesto seria incrementado a partir de 1809, quando a revolta popular espanhola
colocou fim ao período de vitórias contínuas, desde a Itália até aquela data.
Revelou-se, aos olhos do mundo, que Napoleão não era invencível. O último feliz
acontecimento político e pessoal veio com o nascimento do herdeiro masculino
de Napoleão, em março de 1811. O Grande Exército, montado sobre o sistema
de recrutamento, travou as grandes guerras de massas, com longos e contínuos
deslocamentos, moral e coragem elevadas. Contudo, ele foi movido pela farta
distribuição de aguardente, sempre mal equipado, com os soldos atrasados,
dotado de arriscados serviços de saúde, alimentado pela pilhagem das cidades e
dos territórios ocupados e a espoliação dos vencidos.

Na França, o Estado napoleônico, piramidal, fundado sobre princípios de


autoridade e hierarquia – era o modelo militar – buscava pelo rigor e eficácia
obter a centralização governamental, administrativa e social. O poder Executivo
forte e concentrado não era, porém, controlável, mesmo com uma administração

71
UNIDADE 1 | DA EXPANSÃO EUROPEIA AO NACIONALISMO DO SÉCULO XIX

pouco numerosa. As distâncias físicas, as comunicações precárias e limitadas


tornavam morosa a transmissão e a execução de ordens governamentais. As
administrações locais foram entregues às mãos dos prefeitos, então, ungidos
representantes do governo central. Os sucessivos códigos napoleônicos - civil,
comercial, criminal, penal, rural - visavam armá-los até os dentes com a força da
lei e da justiça do Império. Segundo Lentz, "com sua expansão alcançando até a
metade do continente, o Império não poderia ser eficazmente gerido de maneira
centralizada". Dirigir centralmente, governar localmente, foi outra estratégia
política do general no comando da França imperial.

Cabe a indagação: como e por que foi vencido? A batalha e a derrota em


Waterloo alimentaram a lenda e o desencantamento de Napoleão. Ele seria vencido
no apogeu do prestígio e da fama que alcançara, com a expansão geográfica do
império, a estabilidade política, a instauração da sua dinastia. Das extremidades
da Europa partiram os abalos que fizeram ruir a paz e a ordem napoleônica. Na
Espanha e na Rússia, o inesperado e surpreendente engajamento popular contra
as tropas francesas anunciava que o alvorecer das nações não comportava a
ordem militar e diplomática instaurada por Bonaparte. Napoleão foi vitimado
pelos seus próprios louros. Ao fecundar a Europa com os trunfos ideológicos e
técnicos da revolução francesa, sobretudo, a nação e o recrutamento militar, estes,
tão rápida e eficazmente absorvidos em distintas partes daquele continente, foram
mobilizados também contra suas tropas invasoras e de ocupação. Em março de
1814, os exércitos coligados ocuparam Paris. Um ano depois, é Bonaparte quem
estará na capital da França, reconduzido ao trono. Uma política de "soberania
nacional" não agradou a nenhum segmento, recomeçou a guerra. Abdicou, em
favor de seu filho, em junho de 1815, mas a saída "Napoleão II" fracassou. Feito
prisioneiro dos ingleses, em outubro desembarcou na ilha de Santa Helena, no
Atlântico sul. Nela sobreviveu até 1821. Ali seu corpo repousou até 1840, quando
foi trasladado para a França e o novo sepultamento foi acompanhado por mais
de um milhão de pessoas.

Em Santa Helena, Napoleão começou a reconstruir sua trajetória, carreira


e a história do último quarto de século para a posteridade. Na França o consenso
anti-napoleônico "quase não tinha raízes populares". Em pouco tempo surgiu a
lenda branca, na pena dos românticos, na geração seguinte à dos protagonistas
e que não participara daquele momento, agora, tornado memorável. A "epopeia
napoleônica tornou-se assim o pano de fundo da literatura romântica" e dela
brotou um "Napoleão do povo". Este penetrou a sociedade e a glorificação do
passado pavimentou o caminho do bonapartismo político, este biombo cênico
da dominação burguesa, que marcaria indelevelmente a França e que serviria
ainda em muitos outros países europeus ou não. Logo, o personagem e a lenda
inspiraram as artes e, já em 1897, o cinema dos irmãos Lumière. Napoleão tornou-
se, assim, mais conhecido pelas fantasias da imaginação do que pela pesquisa
histórica.

Os distintos legados da época napoleônica ganharam novas expressões


no nacionalismo, nas instituições governamentais, nas codificações legais, na

72
TÓPICO 3 | O FIM DO SÉCULO XIX E A EMERGÊNCIA DO SÉCULO XX

relação entre indivíduos e classes sociais em busca de ascensão e supremacia,


ao longo do século XIX e mesmo no XX. Este espólio alimenta a diversidade,
a instrumentalização e, logo, a necessidade dos estudos napoleônicos também
nas universidades. Estes ganharam impulso apenas a partir de meados do século
passado. São, portanto, muito recentes e desafiadores.

Este Napoleão de Thierry Lentz contempla os leitores da vida dos "grandes


homens" com um texto agradável, fluente e informativo. Apresenta o debate aos
iniciantes e alimenta os estudiosos devotados com uma síntese recente e erudita.
Milita pelos estudos napoleônicos realizados pelos historiadores profissionais, ou
seja, com o exame meticuloso de fontes, conhecimento crítico, novas informações,
pesquisas monográficas, comparações, organização e divulgação de documentos
e das análises. Unifica a história política ao redor dos atores, contextos e da
apropriação social da história, contornando o gênero biográfico ou a microfísica
do poder. Alerta, por fim, para o esforço permanente e necessário do estudo e
da compilação sistemática do universo napoleônico, sem os quais as sínteses,
imprescindíveis, não poderão ser alcançadas com sucesso interpretativo da
história.

FONTE: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752010000100017>.
Acesso em: 9 abr. 2020.

73
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Nesses primeiros anos após a formação do império alemão, o objetivo era isolar
a França e manter aliados no sistema. Por isso a importância para a estabilidade
do sistema de estados europeus da diplomacia de Bismarck e seu sistema de
alianças.

• Os homens de Estado na Europa, principalmente depois de 1850, foram se


distanciando dos objetivos criados em Viena e a nova estratégia passa a ser
o militarismo e a consequente formação de alianças. Esse cenário traz novas
turbulências à Europa no século XIX e guerras no século XX.

• Paralelamente ao desenvolvimento geopolítico no continente europeu, os


Estados Unidos da América apresentavam um considerável desenvolvimento
econômico, ampliando seu território e sinalizando possíveis políticas
imperialistas para o continente, principalmente para a América Central. A
Doutrina Monroe de 1823 preconiza a América para os americanos, parte
estratégica da política do presidente James Monroe.

• A Conferência de Berlim (1884-1885), que trouxe a partilha do continente


africano entre as potências europeias, representa para os estudantes de
Relações Internacionais o momento crucial da expansão da ordem capitalista
e do imperialismo europeu. Um novo colonialismo marca as relações entre a
Europa e outros continentes, principalmente a África. Assim pode-se associar
o episódio ao avanço do processo de industrialização e da força do capitalismo,
ordem econômica que se expandia e moldava os estados.

• A Europa, nas últimas décadas do século XIX, caminhava para uma configuração
bélica em que os atores recorreram às alianças se dividindo em diferentes
blocos, prenunciando uma guerra que se iniciou em 1914.

74
AUTOATIVIDADE

1 Por que o sistema de Bismarck trouxe uma estabilidade ao sistema europeu


e o seu desaparecimento levou ao colapso do equilíbrio e ao surgimento de
alianças?

2 Leia o seguinte trecho que se refere à Partilha da África:

A partilha da África pelas potências europeias, oficializada na Conferência de


Berlim, representou a consolidação do novo imperialismo dentro da lógica da
expansão da ordem econômica capitalista.

Agora leia as asserções a seguir e classifique-as em verdadeiras e falsas:

I- A Revolução Americana e o processo de independência, assim como a


consolidação do regime político e a expansão e conquista de territórios,
definiram os limites geográficos da nação. Associa-se a essas variáveis
a Doutrina Monroe, que busca estipular limites políticos ao continente
americano frente aos europeus; o boom econômico após a Guerra de
Secessão; e, por fim, a Guerra Hispano-Americana em 1898.

II- A França napoleônica, resultado da Revolução Francesa e da propagação


das ideias liberais e nacionalistas foi na época moderna o primeiro Estado-
Nação a empreender um projeto de unificação do continente europeu sob
a hegemonia de um único ator.

III- As ideias propagadas pelo avanço francês sobre a Europa deram força ao
nacionalismo e, a partir desse momento, as pessoas queriam ser tratadas
como iguais e não mais como súditos leais a um soberano, e em posição
subalterna.

IV- Um dos pontos centrais na discussão sobre o concerto europeu, surgido em


Viena em 1815, é a decisão sobre a inclusão da França no concerto de atores
que passaria a gerir o sistema intereuropeu. A França não era necessária ao
concerto para que o projeto anti-hegemônico tivesse êxito, mas foi incluída
para promover a paz.

V- Ao fim do século XIX, a Europa já não era a mesma Europa do concerto


europeu e da hegemonia coletiva. O avanço da Revolução Industrial e
o desenvolvimento da ordem capitalista reforçaram a raison de système,
assim como a capacidade industrial trouxe união das ideias nacionalistas
que acabaram por ocupar as agendas dos homens de Estado.

Com relação às afirmações são verdadeiras apenas:


( ) I, II e III, apenas.
( ) II, III, e V, apenas.

75
( ) I, II e V, apenas.
( ) III, IV e V, apenas.
( ) I, III e IV, apenas.

3 Explique a Doutrina Monroe no contexto do século XIX. Leve em consideração


o desenvolvimento da nação norte-americana e as relações metrópole/
colônia estabelecidas nos séculos anteriores pelos atores europeus.

4 Como entender as alianças que surgem na Europa em fins do século XIX?

76
UNIDADE 2

A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO
DA EUROPA: O CENTRO DE PODER
FORA DO CONTINENTE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender as forças que emergem do século XIX;

• identificar os blocos que se enfrentam no espaço europeu;

• interpretar o idealismo wilsoniano;

• entender por que o nacionalismo do século XX faz emergir forças bélicas;

• discutir a frágil aliança entre EUA, URSS e Grã-Bretanha;

• verificar as condições que propiciaram o surgimento das Nações Unidas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA


GRANDE GUERRA
TÓPICO 2 – A POLÍTICA INTERNACIONAL NO CONTEXTO DA
SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
TÓPICO 3 – O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL
NO PÓS-GUERRA

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

77
78
UNIDADE 2
TÓPICO 1

O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS


E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

1 INTRODUÇÃO
A Europa do século XIX, após o Tratado de Viena, foi marcada por um
sistema que primava pela hegemonia coletiva e assim se manteve até a metade do
século. Os homens de Estado da segunda metade do século XIX abandonaram os
princípios e valores oriundos de Viena e uma nova configuração política passou a
moldar as relações internacionais no continente europeu. O Sistema Bismarckiano
de alianças foi essencial para manter a paz após o surgimento do império alemão
em 1870, oriundo da vitória prussiana na guerra franco-prussiana.

Depois de 1871, o concerto europeu desaparece do sistema de estados


europeus. Surge um sistema de alianças polarizando a relação entre os estados,
principalmente após 1879, regido por dois blocos de poder envolvendo distintos
grupos de atores: Alemanha, Áustria-Hungria e Itália; Grã-Bretanha, França e
Rússia. Mais tarde, no início do século XX, um conflito de grandes proporções
devastaria boa parte do continente europeu.

FIGURA 1 – O SISTEMA DE ALIANÇAS EUROPEU NO FINAL DO SÉCULO XIX

FONTE: <https://img.haikudeck.com/mi/B9CF64F7-F63D-451B-AE9D-5215FDF3F6CC.jpg>.
Acesso em: 16 mar. 2020.

Esta unidade apresenta, inicialmente, as forças profundas que emergem


do século XIX e as diferentes configurações que o sistema de estados europeus
79
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

apresentou ao longo desse período, culminando em um fim de século marcado


novamente por tensões entre os atores que se ajustaram em alianças. O movimento
nacionalista que se desenvolveu e foi ampliado trouxe a formação de novos atores
no continente e, assim, consequentemente, uma nova configuração de forças e
novos desafios.

A Grande Guerra destruiu, física e moralmente, considerável parte do


continente europeu. Milhões foram mortos e a reconstrução da Europa se tornou
difícil, mesmo após o Tratado de Versalhes. Os resultados da conferência não
trouxeram cooperação entre os atores e muito menos apaziguaram os ânimos
dos estados beligerantes. A crise econômica que surgiu em 1929 contribuiu para
um acirramento do nacionalismo dentro da Europa e, consequentemente, para
o surgimento de regimes totalitários. A ascensão ao poder de homens de Estado
com perfil autoritário, nacionalista e xenofóbico conduziu a política entre os atores
a um novo patamar de beligerância. A eclosão da Segunda Guerra Mundial, em
1939, pode ser entendida como uma consequência de um tratado elaborado por
meio de revanchismos e que visava a soluções prioritárias para alguns atores e
não a busca da paz em seu sentido pleno.

A Alemanha, ressentida, desencadeia um novo conflito e não se


compromete com as atribuições que surgiram de Versalhes. Boa parte da
opinião pública acompanha os líderes autoritários nacionalistas e, novamente,
o continente se vê inserido em um conflito de grandes dimensões. Além das
questões econômicas, o conflito foi marcado pelo avanço estratégico de diferentes
armamentos desenvolvidos pelas potências capitalistas, armamentos estes que
ceifaram milhões de vidas e, novamente, causaram um cenário de destruição. A
perseguição a determinadas etnias, principalmente no centro e no leste da Europa,
desencadeou movimentos migratórios de grandes proporções, associados a
genocídios. Novamente, a reconstrução da Europa é, dessa vez, direcionada por
meio de uma nova organização internacional, que se compromete com a busca
pela paz, não só no continente europeu, mas de todo o sistema, pautada por
instituições e regimes.

Também nesse cenário, a Europa deixou de ser o centro de poder das


relações internacionais, papel que havia ocupado ao longo dos últimos séculos.
Paris, Londres e Berlim deixam de ser o centro político e uma nova configuração
no pós-guerra estaria centrada entre Washington e Moscou.

2 AS FORÇAS QUE EMERGEM DO SÉCULO XIX


O século XIX é fundamentalmente o século de consolidação da hegemonia
inglesa no sistema internacional. No continente europeu, uma hegemonia
coletiva se formaria entre os cinco grandes atores: Grã-Bretanha, Rússia, Áustria,
Prússia e França, mas no sistema internacional, a Grã-Bretanha mantinha um
predomínio nas rotas comerciais e na difusão do liberalismo econômico. Para ela,
era importante manter o continente europeu dentro de um equilíbrio estável com

80
TÓPICO 1 | O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

a sua presença, o que facilitaria a difusão de seu comércio pelas rotas mundiais e
ao mesmo tempo evitaria o nascimento de um concorrente de grandes proporções
comerciais e bélicas.

Nos primeiros trinta anos de século XIX, a ordem de Viena predominou


entre os atores dentro de uma diplomacia de conferências, administrando o
sistema de estados europeus, sendo que para Watson (2004), até o ano de 1848,
conclui-se um sistema com legitimidade dinástica dentro dessa comunidade
europeia, em que a importância de Metternich, príncipe austríaco, na condução
do funcionamento do sistema europeu era predominante.

NOTA

A Importância de Metternich no Sistema Europeu


Metternich foi Ministro das Relações Exteriores do império austríaco de 1809 a 1848.
Recebeu o título de Príncipe em 1813, em reconhecimento a suas ações como hábil
diplomata. Foi responsável por presidir o Congresso de Viena, entre 1814 e 1815, direcionado
ao redesenho do mapa político da Europa após as Guerras Napoleônicas.
Outra figura importante da Europa do século XIX foi a Rainha Vitória, da Grã-Bretanha. Sob
sua liderança, a atividade industrial britânica cresceu e prosperou, tornando a burguesia
a principal classe social do país à época. Na denominada “Era Vitoriana”, a busca por
mercados, matérias-primas e mão de obra levou a Inglaterra a dominar e explorar os
continentes asiático e africano. Em 1838, foi responsável pela assinatura da Abolição da
Escravidão no império britânico.

FIGURA 2 – RAINHA VITÓRIA

FONTE: <https://1.bp.blogspot.com/-YRybiTTCHF0/UKGjBiNtAxI/AAAAAAAAcUI/LFxUGl9pn9M/
s1600/82421-004-21842b2b.jpg>. Acesso em: 16 mar. 2020.

81
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

DICAS

Assista ao: Documentario - Londres, A Cidade Da Rainha Vitória. Disponível


em: https://www.youtube.com/watch?v=4HF6d783RZ4.
A Jovem Rainha Vitória – 2006 Dublado 720p (Drama / Épico / História / Romance) Replay
Filmes 2.

O nacionalismo passa a ser uma característica emergente nas décadas que


se seguem e vemos consolidar na Europa, além do nacionalismo como categoria
política, a ideia de nação que passa a ser aceita como uma unidade política
básica de organização. Para os europeus do século XIX, ideias de nacionalismo
e democracia passam a estar interligadas (WATSON, 2004) e também passam a
questionar a legitimidade dos estados europeus, a legitimidade dos governos,
fazendo surgir então, um sentimento que emana do povo, que passa a se sentir
muito mais cidadão que súdito. Nesse sentido, os estados monárquicos, como
uma expressão constitucional e política, passam a ser questionados e os governos
liderados por soberanos deveriam ter em conta a participação popular. A
nacionalidade passa a ser uma questão cultural e de caráter nacional. A Europa
do século XIX vai se estruturando entre nacionalistas, liberais e conservadores.

Na segunda metade do século XIX, o desenvolvimento dessas ideias já


apresenta um grande avanço, o que coloca em perigo o equilíbrio europeu. O
fervor nacionalista pode ser evidenciado pelo surgimento de um pan-italianismo,
um pan-germanismo e um pan-eslavismo. Devemos, contudo, nos lembrar de
que essas ideias de nação e soberania popular vêm enraizadas desde a Revolução
Francesa e vêm desestabilizar o Acordo de Viena, fazendo com que, anos mais
tarde, surjam novos estados, frutos desse nacionalismo: a unificação da Itália e a
unificação da Alemanha.

A forma de governo monárquica-constitucional vai lentamente perdendo


espaço, passando a dividir poder político com seus súditos-cidadãos. Na segunda
metade do século XIX, os homens de Estado, ou essa nova geração de estadistas
europeus (CERVO, 2008) já não apresentam compromissos diretos com a ordem de
Viena, e ao mesmo tempo não conseguiam manter o movimento revolucionário,
oriundo da Revolução Francesa e do império napoleônico. Dentro desse
contexto político, a Inglaterra consegue prevalecer suas concepções econômicas,
financeiras e políticas, mantendo também sua legitimidade dinástica, agregando
à política internacional os seus interesses macroeconômicos de ordem capitalista
(o comércio internacional, o liberalismo econômico, o comércio internacional
e o constitucionalismo). É muito claro que o ponto de desafio entre os atores
nessa metade do século XIX é a conciliação entre democracia e um absolutismo,
procurando satisfazer às demandas da expansão do capitalismo no continente e
a busca por abrir novos mercados para os excedentes industriais que começavam

82
TÓPICO 1 | O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

a surgir e, fora do continente, também a busca por novas fontes de matérias-


primas. As forças que emergem do século XIX são, portanto, o nacionalismo, a
democracia, o interesse popular, o avanço do capitalismo, forças estas que agem
dentro do continente europeu e que forçam também a expansão desses atores
fora do continente.

A partir de 1871, com a formação do império alemão, e sua posterior


ascensão como uma possível nova potência continental, as relações internacionais
sofrem consideráveis mudanças e um sentimento defensivo contra a Alemanha
passa a ser difundido, principalmente na França e na Inglaterra. Assim, depois de
1871, os objetivos de uma hegemonia coletiva, de um concerto europeu e de um
equilíbrio de poder são fortemente ameaçados, o que gerará a partir de 1890, um
novo sistema de alianças em tempos de paz.

No fim do século XIX, fica claro que um sistema bipolar estava se


consolidando no sistema europeu, com dois blocos de poder: uma tríplice aliança
entre Alemanha, Áustria-Hungria e Itália e uma tríplice entente, entre França,
Grã-Bretanha e Rússia, proveniente de uma entente cordiale, anteriormente
formada entre Inglaterra e França.

QUADRO 1 – AS ALIANÇAS NA EUROPA DO SÉCULO XIX

TRÍPLICE ALIANÇA TRÍPLICE ENTENTE


Alemanha França
Áustria-Hungria Grã-Bretanha
Itália Rússia

FONTE: O autor

Por sua vez, fora do continente europeu, os Estados Unidos avançam em


seu desenvolvimento econômico depois da guerra civil, e na virada do século já
podem ser considerados uma potência industrial fora da Europa, mas ainda sem
se consolidar como uma potência militar mundial. O Japão também passa por
transformações nesse período: de um país agrofeudal em uma potência também
industrializada. A Rússia, como país mais populoso da Europa, mantém sua
fraqueza em questões industriais e a Itália, apesar de também unificada, mantém
seu atraso econômico e sua insuficiência militar.

Para Hobsbawm (2016), o nacionalismo do século XIX traz novas referências


para diversos grupos políticos e sociais, altera profundamente a sociedade e
solidifica a luta contra um domínio aristocrático. Lentamente, vamos vendo uma
sociedade de mercado se formando, nesse momento com bases em nacionalismos
que produzem tensões, com uma militarização, com o fim de solidariedade entre
os atores e uma ofensiva em diferentes políticas externas agressivas, que geram
crescentes tensões.

83
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

O império alemão, enquanto manteve Bismarck no poder, gerou um


sistema de alianças que tinha como principal meta isolar a França e garantir
a integridade do recém-criado império alemão contra seus vizinhos, que se
encontravam temerosos e apreensivos, frente à possibilidade de uma hegemonia
alemã. A perda da Alsácia e Lorena, na guerra franco-prussiana, vitória importante
para o império alemão, deveria ser mantida e não despertar revanche francesa. E,
dessa forma, Bismarck vinculou alianças por meio de diferentes tratados e acordos
diplomáticos, alianças externas que passam a ser conhecidas como “sistemas de
Bismarck”.

FIGURA 3 – A REGIÃO DE ALSÁCIA E LORENA

FONTE: <https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn%3AANd9GcQT8jgcBPpLLsGSHvN-
FSENInWpsSqPTwrwpfdOzTWL5rgU8edR>. Acesso em: 16 mar. 2020.

Na Conferência de Berlim (1884-1885), em que os atores primam pela


divisão da África, Bismarck se apresentou como um mediador sem interesses de
expansão territorial no continente europeu e a partilha da África é consolidada,
procurando manter o livre comércio na região, trazendo aquisições coloniais para
os estados europeus, com uma posterior ocupação efetiva do continente africano.

Por sua vez, os Estados Unidos, enquanto as atividades coloniais dos


estados europeus se expandiam para a África, consolidam a sua influência
informal na América Latina, ao manter viva a Doutrina Monroe de 1823, que
procura evitar interferências europeias em questões americanas. Assim, verifica-
se o apoio americano à revolta cubana contra o colonialismo espanhol, além do
apoio à expulsão de espanhóis de Porto Rico. Mais tarde, no início do século XX,
o imperialismo americano já atingia o Panamá, com uma intervenção e posterior
construção do canal (entre 1907 e 1914), assim como na República Dominicana,
Haiti, México e Nicarágua. Encontravam forte concorrência com a Grã-Bretanha,
que ainda se mantinha como uma hegemonia e demonstrava seu predomínio
econômico e financeiro no continente americano. Nesse sentido, a Doutrina
Monroe pode ser considerada um mecanismo de defesa e de avanço dos interesses
econômicos norte-americanos em todo o continente.

84
TÓPICO 1 | O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

NOTA

A atuação norte-americana na América Latina no século XIX


Ao fim do século XIX, por influência da Doutrina Monroe de 1823, anticolonialista e de
espírito americanista, os Estados Unidos se opuseram à influência espanhola em Cuba
e Porto Rico e iniciaram o processo de ampliação de sua influência sobre o continente.
No caso cubano, o apoio norte-americano à independência levou à declaração de
guerra contra a Espanha, à consequente ocupação do território cubano, de 1899 a 1902,
e a posterior promulgação da “Emenda Platt”, que dava aos Estados Unidos o direito
de intervenção periódica na ilha. Em Porto Rico, a invasão foi justificada pelos norte-
americanos como sendo uma resposta à explosão do navio de guerra USS Maine.

Com a queda de Bismarck, em 1890, o Segundo Reich alemão dirigido


pelo Kaiser (imperador) Guilherme II, inicia uma política externa agressiva
orientando-se por uma política de expansão pela força. Tal política traz para o
continente um dilema de segurança, incerteza, uma corrida armamentista e um
clima favorável à guerra. A política dos estados passa a ser o fortalecimento
dos seus exércitos e marinhas, a busca pelo crescente e contínuo processo de
industrialização direcionando para a tecnologia militar.

A partir de 1897, o império alemão inicia um programa de construção


naval, intensificando a bipolaridade das relações internacionais e o antagonismo
germano-britânico. A Alemanha Guilhermina e sua política externa agressiva
buscava, em escala mundial, um avanço junto à construção de uma marinha de
guerra que visava aproximar-se do poder inglês e, ao mesmo tempo, pressionar
a Inglaterra a fazer concessões aos planos imperiais alemães. Do outro lado do
Canal da Mancha, a Inglaterra considerava o programa de construção naval uma
ameaça aos seus interesses vitais e, em um claro dilema de segurança, responde
reforçando o seu próprio armamento e aproximando-se diplomaticamente
primeiro da França e, posteriormente, da Rússia. Tal movimento diplomático
representa um momento particular da política britânica, que se caracterizava por
um distanciamento de questões políticas do continente europeu. A aproximação
da Grã-Bretanha a esses dois atores pode ser compreendida como uma reação à
política externa alemã. Essa entente cordiale, nascida em 1904, pode ser considerada
como um ato dirigido contra a Alemanha e a busca por um isolamento desta.

Denominamos esse período compreendido entre 1871 e 1914 de Paz


Armada, no qual os estados sem se enfrentarem diretamente buscaram construir,
aprimorar e desenvolver seu potencial bélico. Foram 43 anos de convivência
pautada por crises diplomáticas e por soluções de conflitos que evitaram
enfrentamentos de grandes proporções. O exército passa a ter uma influência
direta na sociedade – principalmente na sociedade alemã estruturada por rígidos
valores do militarismo prussiano – com o serviço militar obrigatório e também
na política, com uma exaltação patriótica e cívica que traz um nacionalismo por
vezes revanchista e propagador de tensões. O sentimento nacionalista difundido
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UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

e alimentado pelos avanços econômicos, principalmente no império alemão, traz


a perspectiva de um avanço imperialista e estimula sentimentos de insatisfação
quanto à divisão do continente africano.

Quanto às formas de governo, os estados se diferenciavam entre


democráticas e centralizadoras. Os EUA, a Grã-Bretanha e a França apresentavam-
se sob regimes democráticos parlamentaristas. Já a Alemanha, apesar do governo
apresentar um parlamento (Reichstag), o poder se encontrava em desequilíbrio
pela presença do Kaiser (imperador) e do chanceler (primeiro-ministro). Ambos
por vezes se opunham ao parlamento e avançavam sobre as decisões dos
parlamentares. Na Rússia (Czar) e no império austro-húngaro (imperador e rei),
os governos se mantinham autocráticos e absolutos.

Dessa forma, a Europa chega ao fim do século XIX motivada por um


imperialismo que se concretiza através de conquistas territoriais na África e na
Ásia, assumindo controles de novos mercados e novas fontes de matérias-primas.
Nessa corrida imperialista, novos atritos surgem no cenário internacional, que
passam a influenciar a paz no continente.

Para Watson (2004), o imperialismo desenvolvido no século XIX pelos


estados capitalistas europeus conduz a uma rede global de relações econômicas
e políticas. O Sistema Internacional passa a absorver valores europeus e ao
mesmo tempo forma-se uma considerável desigualdade econômica, militar e
tecnológica entre os estados europeus industrializados e o restante do sistema.
Uma relação centro-periferia começa a ser estabelecida, o que mais tarde passa a
ser denominado de Sistema Mundial Moderno, baseado nas relações simbióticas
entre países centrais e periféricos. Uma relação desigual que mantém a periferia do
sistema no subdesenvolvimento à custa da exploração do centro industrializado
e capitalista.

A rivalidade militar entre Inglaterra e Alemanha assume proporções


que sinalizam a possibilidade de um futuro conflito, associado à insatisfação da
França frente à perda da região da Alsácia e Lorena na guerra franco-prussiana
de 1871. A Alemanha e sua política de expansão mundial (Weltpolitik) achava-
se em desvantagem em comparação com outras potências europeias. Os russos,
sempre interessados na região dos Balcãs por motivos geopolíticos e econômicos,
se encontravam receosos quanto às ambições austríacas na região e também
com o crescimento da força militar alemã. A Rússia era o país mais populoso da
Europa, mas ainda arrastava uma condição precária de industrialização, o que
naquele momento do Sistema internacional era condição que alçava os países ao
protagonismo.

Nos Balcãs, os diferentes nacionalismos presentes – húngaros, eslovenos,


croatas, sérvios, bósnios, albaneses e romenos – formavam uma colcha de retalhos
com um estado permanente de tensão entre os impérios austro-húngaro e turco-
otomano. Grupos nacionalistas buscavam a formação de um novo Estado, a
grande Sérvia, o qual reuniria os povos eslavos dos Balcãs em um projeto pan-
eslavista. O assassinato do herdeiro do trono austríaco, o arquiduque Francisco
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TÓPICO 1 | O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

Ferdinando, o qual planejava anexar os territórios eslavos da região ao império


austro-húngaro afrontando a independência da Sérvia foi o estopim para tensões
que se acumulavam ao longo dos anos. Não se pode considerar o episódio como
um fato isolado, visto que uma série de eventos acontecidos alimentavam tensões
e disputas entre os diferentes atores europeus: a crise do Marrocos de 1905-1906,
uma tentativa dos alemães de expandir seu império no norte da África; o acordo
britânico de 1907, com a Rússia, considerado pelos alemães como uma atitude
hostil; a crise da Bósnia de 1908, deflagrada pela anexação dessa província turca
pela Áustria e que afrontava a Sérvia portadora das mesmas intenções; a crise
de Agadir de 1911, desencadeada pela presença francesa na capital do país;
a primeira guerra dos Balcãs de 1912, quando a Sérvia, Grécia, Montenegro e
Bulgária que se denominavam Liga Balcânica, lançaram uma série de ataques à
Turquia; e, por fim, a segunda guerra da Bósnia, com o ataque búlgaro à Sérvia.

O assassinato do arquiduque trouxe para o centro do conflito a Alemanha,


a Rússia e, posteriormente, a França e a Inglaterra, visto que a bipolaridade no
sistema estava centrada nas alianças anteriormente desenvolvidas.

DICAS

AssistaSarajevo.Disponívelem:https://www.youtube.com/watch?v=pKhnFHrDp7U.

3 A GRANDE GUERRA (1914-1918)


A guerra trouxe efeitos consideráveis ao sistema europeu polarizado
em blocos – Tríplice Entente (Grã-Bretanha, França e Rússia) e Tríplice Aliança
(Alemanha, Áustria-Hungria, Itália). A questão iniciou de uma disputa entre o
império Austro-Húngaro e a Sérvia e o sistema de alianças europeu alimentou
o conflito, tornando a guerra inevitável e de grandes proporções. O apoio russo
à Sérvia e o apoio Alemão ao império Austro-Húngaro puxaram as potências
europeias para um conflito arrasador, considerado a primeira grande guerra
total da história da humanidade, o grande conflito entre as nações modernas
e industrializadas com uma quantidade assustadora de mortes entre as forças
armadas.

A guerra apresentou uma primeira fase de movimentação das tropas


dos atores, principalmente da Alemanha em direção à França, passando sobre a
Bélgica, e mais tarde tomou forma de uma guerra de trincheiras que exauriu as
forças dos combatentes durante três anos seguintes e assim dizimou boa parte da
população civil dos beligerantes e esgotou os recursos dos estados.

87
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

Em abril de 1917, os EUA aderem ao conflito ao lado da Tríplice Entente,


declarando guerra à Alemanha. Os norte-americanos foram impulsionados pela
possibilidade de sofrerem consideráveis danos em seu comércio pelo bombardeio
promovido pelos submarinos alemães que ameaçavam suas exportações.

A entrada dos EUA pode ser também entendida pela descoberta de


que a Alemanha estava tentando influenciar, ou persuadir, o México a declarar
guerra aos Estados Unidos, prometendo a este ator o território do Texas, do Novo
México e o Arizona. Por sua vez, os EUA resistiam em entrar na guerra ao lado
do governo autocrático da Rússia, mas a derrubada do Czar removeu o obstáculo
que prendia os Estados Unidos. A entrada da nação norte-americana traz uma
contribuição fundamental, pois além de fornecerem comida, navios mercantes e
crédito à Grã-Bretanha e à França, passam de forma gradual a também oferecer
ajuda militar, além de forte estímulo psicológico e moral.

O conflito levou à Europa ao declínio e os reflexos nos estados beligerantes


se fizeram sentir de diferentes formas. Na Alemanha, a derrota no conflito causou
a renúncia do Kaiser Guilherme II, surgindo uma República, a de Weimar, que
atravessou profundos problemas econômicos, políticos e sociais. O império
Austro-Húngaro entrou em colapso e várias nacionalidades anteriormente
unidas se declararam independentes, assim como surgem separados: a Áustria
e a Hungria. Na Rússia, as pressões da guerra e a considerável quantidade de
mortos em combate conduzem o país à retirada do conflito e à Revolução de
1917, a qual derruba o czar russo Nicolau II, levando ao poder os bolcheviques.
Na Itália, que apesar de ter se deslocado para o lado vencedor, o conflito destrói
economicamente o país, levando à grande insatisfação popular, o que propiciou
o surgimento de um governo fascista liderado por Mussolini.

NOTA

Os Bolcheviques
O partido Bolchevique (em russo, “maioritário”) representava a população operária na URSS
do final do século XIX, início do século XX. Liderados por Lênin, defendiam uma revolução
armada que desse ao povo soviético o poder e a autonomia sobre as decisões do Estado.

88
TÓPICO 1 | O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

FIGURA 4 – ARQUIDUQUE FRANZ FERDINAND

FONTE: <https://historiamilitaronline.com.br/wp-content/uploads/2019/01/arquiduque-franz-
ferdinand-em-sarajevo.jpg>. Acesso em: 12 mar. 2020.

Os EUA entraram na guerra em 1917, mas por estarem geograficamente


isolados do conflito não sofreram danos materiais e puderam assim continuar seu
processo de industrialização e desenvolvimento, aumentando posterior ao conflito,
as suas exportações para um continente destruído economicamente. A entrada
dos norte-americanos fora fundamental e a partir de setembro de 1918, os aliados
alemães – Bulgária, Turquia e o império Austro-Húngaro solicitam o cessar-fogo. A
abdicação de Guilherme II fez com que a Alemanha aceitasse as condições de um
cessar-fogo e assinasse um armistício em 11 de novembro de 1918.

Em janeiro de 1918, o primeiro-ministro britânico, Lloyd George,


ressaltava a defesa da democracia e conclamava por justiça com a França devido
à perda de seus territórios – Alsácia e Lorena – em 1871, na guerra franco-
prussiana. Ressaltava também a restauração da Bélgica, que fora invadida pelos
alemães, pela restauração da Polônia e da Sérvia, assim como pela constituição
de governos democráticos para as nacionalidades do império Austro-Húngaro
e, por fim, para a criação de uma instituição internacional que buscasse prevenir
guerras entre os estados.

O presidente dos EUA, Woodrow Wilson, por sua vez, também em


janeiro de 1918, declarava os objetivos dos EUA ao apresentar um plano com
14 pontos destinados a orientar as discussões naquele momento em que se
buscava construir a paz. Os 14 pontos de Wilson passam a ser conhecidos nas
relações internacionais como a proposta de configuração de uma ordem na
concepção idealista. O líder norte-americano acreditava em uma revolução nas
práticas da política internacional e da diplomacia. Buscava com seu plano evitar a
diplomacia secreta, busca o equilíbrio entre as nações por meio do debate público
e democrático, eliminar as guerras por meio de sanções econômicas e políticas
ao Estado agressor, criação de um organismo internacional que instituísse a
segurança coletiva e preservasse as relações internacionais, entre outros pontos.

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UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

FIGURA 5 – PRESIDENTE WOODROW WILSON

FONTE: <https://citacoesdosampaio.files.wordpress.com/2016/05/woodrow-wilson-escritor-
presidente-americano.jpg>. Acesso em: 16 mar. 2020.

4 O ACORDO POSSÍVEL E O TRATADO DE VERSALHES


Os impactos da guerra foram extremamente abrangentes, podendo ser
considerada uma guerra total, em que se envolveram exércitos, mas também
a população civil, trazendo dimensões de um grande conflito entre as nações
modernas e industrializadas. Sob o ponto de vista estratégico, introduziu-se novos
armamentos, como tanques, submarinos, bombardeiros, metralhadoras, armas
químicas e outras formas de artilharia pesada. Em termos sociais, as mulheres
passam a assumir diferentes papéis na sociedade, devido ao intenso número de
homens deslocados para os campos de conflito. O conflito trouxe um declínio
considerável ao continente europeu, que outrora fora considerado o centro da
civilização ocidental, e colocando fim a uma dominação europeia sobre o resto
do mundo.

Os antigos impérios europeus foram destruídos, impérios que


anteriormente haviam dominado o centro da Europa e o leste europeu por mais
de dois séculos. Uma impressionante quantidade de mortes militares e civis de
diferentes nacionalidades – alemães, russos, franceses, ingleses, austro-húngaros,
turcos, sérvios, entre outros – foram um dos efeitos mais impressionantes da
guerra. Em diferentes países, os efeitos que surgiram após esse grande conflito
trouxeram alterações políticas que marcaram a trajetória desses países. Na
Alemanha, surge uma república com graves problemas econômicos, políticos e
sociais, após a renúncia do kaiser Guilherme II – problemas políticos e econômicos
que não foram superados e que, mais tarde, conduzem ao poder um chanceler
alemão de consideráveis tendências nacionalistas e autoritárias. A Áustria e
Hungria dividem-se em dois estados e a Rússia leva ao poder pela revolução os
bolcheviques comunistas. Na Itália, surge um nacionalismo que mais tarde se
transformará em uma ditadura fascista nas mãos de Mussolini, que se aproveitou
da impopularidade do governo para ascender ao poder.

Os Estados Unidos, por sua vez, aproveitam-se da situação europeia para


expandir seu comércio mundial. Na década de 1920, os norte-americanos vivem
uma grande explosão econômica que, de forma incontrolável, produz mais tarde
90
TÓPICO 1 | O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

uma crise econômica que se espalha pelo mundo e que ficou conhecida como “A
Grande Depressão de 1929”. Ao mesmo tempo, o Japão e a China iniciam seus
programas de industrialização, se inserindo lentamente na economia mundial.

Assim, instalou-se em 18 de janeiro de 1919 uma Conferência de Paz na


qual se excluiu os vencidos da mesa de negociações. A França buscava retaliações
e queria construir uma paz que cercasse a Alemanha, sufocando-a econômica e
militarmente. A Grã-Bretanha era favorável a um acordo que preservasse o seu
comércio e, os EUA, sem grandes sucessos em seus 14 pontos, buscava conciliar
interesses britânicos e franceses.

A conferência gerou o Tratado de Versalhes, de junho de 1919, o qual foi


apresentado à Alemanha, posteriormente outros tratados foram apresentados
para seus aliados. O tratado construído para a Alemanha foi considerado rígido
demais por parte não só dos alemães como também de outros estados, o que
proporcionou críticas e uma violenta reação por parte da Alemanha. Alguns
termos mostraram-se improváveis de serem implementados e cumpridos.
Reparações de guerras e desarmamentos eram fortemente criticados.

A Alemanha tinha que perder territórios na Europa, entre eles a Alsácia


e Lorena, para a França; Estônia, Letônia e Lituânia, que tinham sido entregues
à Alemanha pela Rússia pelo Tratado de Brest-Litovsk, além de não poderem
ser unir à Áustria. Na África, as colônias alemãs passaram ao controle da Liga
das Nações, também criada pelo Tratado de Versalhes. Os armamentos alemães
estavam limitados a apenas 100 mil soldados, sem serviço militar obrigatório,
sem tanques, aeronaves e submarinos. A indenização estipulada para cobrir
danos causados aos aliados fora anunciada depois de Versalhes, causando
grande impacto e discussão. Praticamente forçados a assinar, os alemães não
tiveram muita alternativa, mas as cláusulas abriram espaço para constantes
questionamentos por parte da diplomacia alemã do pós-guerra e criou-se um
revanchismo que propiciou o surgimento de forças nacionalistas radicais,
principalmente após a eleição de Hitler como chanceler em 1933. Aos alemães não
foi permitido participar da elaboração do Tratado que lhes foi imposto e assim
sua imposição abriu espaço para um discurso que enfatizava que em função da
paz imposta e ditada por Versalhes não haveria obrigação moral de cumprir o
tratado ou seguir as cláusulas estipuladas.

NOTA

O Tratado de Brest-Litovsk
O Tratado de Brest-Litovsk foi assinado pelos bolcheviques e por Alemanha, Império Austro-
Húngaro, Bulgária e Império Otomano, com o objetivo de formalizar a saída soviética
da Primeira Guerra Mundial. Foi considerado por Lênin um acordo vergonhoso, pois a
partir dele, a Rússia abriu mão do controle sobre os territórios da Finlândia, Países Bálticos,
Bielorrússia, Ucrânia e Polônia.

91
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

O Artigo 231 impunha toda a culpa pela deflagração da guerra à Alemanha,


as indenizações representaram uma humilhação, sendo inclusive questionada
pelo assessor econômico da delegação britânica, J. M. Keynes. A cifra em torno
de 6,6 bilhões de libras esterlinas foi contestada pelos alemães que alegavam ser
impossível cumprir com suas prestações. Os aliados contavam com o dinheiro
das indenizações para reconstruírem seus prejuízos, além de pagarem o suporte
financeiro dado pelos EUA aos beligerantes. A tensão internacional criada devido
ao fato agravou-se quando a França tenta forçar os pagamentos. Mais tarde, pelo
Plano Young de 1929, a dívida de guerra alemã é reduzida para 2 bilhões de
libras, mas mesmo assim, quando da chegada de Hitler ao poder, os pagamentos
são suspensos.

O conjunto dos tratados estipulados no pós-guerra não obteve sucesso,


voltando a dividir a Europa entre os países que queriam uma revisão dos acordos
e os que queriam preservá-lo.

O Artigo 231 do Tratado de Paz de Versalhes responsabiliza o império


alemão e seu avanço sobre os territórios europeus pela deflagração da Primeira
Guerra Mundial e pelas perdas humanas e imateriais. Atribui-se uma culpa
jurídica ao Estado alemão e uma responsabilidade pela deflagração intencional do
conflito. A França exerce, por meio de seus líderes, representados por Clemenceau,
uma influência sobre as negociações estabelecidas em Versalhes. A conferência
gerou o Tratado de Versalhes para a Alemanha, considerado em si como um
acordo polêmico, extremamente rígido com os alemães, que passam a se opor de
forma incisiva e violenta ao tratado, o que mais tarde, de forma inevitável, levaria
a uma outra guerra – principalmente porque muitos termos do tratado (como
desarmamento, reparações) eram impossíveis de serem implementados em uma
Alemanha completamente destruída.

NOTA

O importante papel de Georges Clemenceau nas negociações de paz


A Conferência de Paz de Paris foi protagonizada por três principais figuras históricas:
Woodrow Wilson, presidente norte-americano, Lloyd George, primeiro-ministro britânico
e Georges Clemenceau, primeiro-ministro francês. Clemenceau posicionou-se a favor do
revanchismo, exigindo indenizações do governo alemão, o retorno do território de Alsácia
e Lorena e a anexação de uma região próxima ao rio Reno.

O argumento, posteriormente utilizado por Adolf Hitler, de que o tratado


e a paz imposta foram imposições, abriu oportunidade para se difundir a ideia de
que não havia obrigação moral para segui-lo.

92
TÓPICO 1 | O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

DICAS

Assista aos seguintes vídeos:


• President Woodrow Wilson, Movie.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3EP14wD7g88.
• Woodrow Wilson's Fourteen Points | History.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lbdhxLVlrhI.

5 O IDEALISMO WILSONIANO E A LIGA DAS NAÇÕES


O presidente norte-americano, Woodrow Wilson, defendeu durante as
negociações uma paz que estava baseada em 14 pontos. Wilson era favorável
à autodeterminação das nações, ou seja, elas deveriam ficar livres do domínio
estrangeiro e deveriam ter governos democráticos. O líder norte-americano
acreditava em uma revolução nas práticas da política internacional, erradicando
a diplomacia secreta, os acordos e alianças entre blocos de países, buscando
uma paz de equilíbrio entre as nações, baseada no debate público e democrático
das questões internacionais. Previa a eliminação da guerra por meio de sanções
econômicas e políticas ao Estado agressor, instituindo também um princípio de
segurança coletiva e uma instituição a gerir os mecanismos que seria, portanto, a
Liga das Nações.

A França, por sua vez, ocupava na conferência de paz uma posição que
lhe dava uma projeção como vitoriosa contra a Alemanha, o que levaria aos seus
representantes uma desenvoltura para regulamentar as condições e prevalecer
a sua percepção de que a paz somente seria possível com o enfraquecimento da
Alemanha. Não encontrara a resistência pela Áustria e a Hungria, que havia sido
desfeita, e nem pela Rússia, que estava em plena guerra civil. O presidente Wilson, e
seu idealismo de criar uma sociedade das nações, fora obrigado a barganhar entre
os atores europeus, mas não obteve apoio em seu próprio ambiente doméstico.

As consequências econômicas da paz de 1919 foram previstas por outros


delegados, como o economista John Maynard Keynes, membro da delegação
britânica na conferência. Os Estados Unidos, por sua vez, regressaram ao seu
isolamento, rejeitando a entrada do país na Sociedade das Nações, novamente
reforçando a sua posição isolacionista de não se envolver em questões europeias.

As colônias alemãs na África e na Ásia e os territórios resultantes da


dissolução do império Otomano foram distribuídos entre os membros da
Sociedade das Nações, sendo que a França e a Grã-Bretanha foram as grandes
beneficiárias dessa partilha. As relações internacionais pós-Tratado de Versalhes
passaram a novamente se desenvolver sob um clima de tensão, pois os acordos
oriundos da conferência levavam em conta interesses econômicos, estratégicos e

93
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

territoriais dos atores vencedores. Por fim, podemos ressaltar que os europeus
se tornaram devedores da nova potência norte-americana. Os Estados Unidos já
se tornaram uma potência industrial em 1914, chegando em 1919 como também
uma potência comercial e financeira com grandes estoques de moeda, de ouro e
tendo o dólar com a sua conversibilidade no pós-guerra garantida.

FIGURA 6 – VITORIOSOS DE VERSALHES

FONTE: <https://i.pinimg.com/170x/61/8d/a2/618da2cf5024450d8361a66552c7b940.jpg>.
Acesso em: 16 mar. 2020.

Ao término da guerra, EUA e Japão exportavam consideravelmente


mais do que antes do conflito, ao passo que França e Grã-Bretanha registravam
consideráveis quedas em suas exportações. A Alemanha, por sua vez, além de
perder as suas colônias, perdera considerável parte de seu comércio no exterior. Os
EUA passavam lentamente a ter o controle das relações econômicas internacionais,
ao mesmo tempo em que aumentavam sua capacidade de comércio, criando
bancos e expandindo mercados na América Latina e Ásia.

Frente a esse quadro econômico internacional do pós-primeira guerra, o


protecionismo nas economias nacionais dos estados europeus começa a crescer e
a disputa por fontes de energia e matérias-primas passa a criar novamente zonas
de tensão, dessa vez não só dentro do continente europeu, como também fora
da Europa. Na Itália, triunfaria o fascismo, em 1922. Na Alemanha, o nazismo
chegaria ao poder com a eleição do chanceler, em 1933.

A Europa passaria a conviver com forças nacionalistas em diferentes


estados, o que dificultaria a implementação de decisões emanadas da conferência
de paz e levaria ao colapso valores e instituições do mundo liberal, dividindo
opiniões em todo o mundo. As relações intereuropeias se tornariam difíceis,
destruindo perspectivas de atuação da Sociedade das Nações, e dificultando a
aplicação do princípio de segurança coletiva. A crise de 1929, por fim, aceleraria
o processo de protecionismo e nacionalismos econômicos, trazendo de volta
problemas internacionais. A ordem estabelecida em Versalhes apresentou-se
inviável, insuficiente para administrar a Europa pós-guerra, pois acabaram por
trazer mais tensões e conflitos.

94
TÓPICO 1 | O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

FIGURA 7 – CRISE DE 1929

FONTE: < https://static.todamateria.com.br/upload/cr/is/crise-de-1929-og.jpg>.


Acesso em: 16 mar. 2020.

A questão alemã era o centro das tensões do sistema europeu de relações


internacionais, associada a uma recuperação econômica de uma Europa precária e
que dependia financeiramente dos Estados Unidos e do pagamento aos europeus
das reparações por parte da Alemanha.

A Sociedade das Nações não conseguiu organizar a segurança coletiva,


nem desarmar ou evitar novos conflitos. Considerada uma criação do presidente
norte-americano, Woodrow Wilson, um grande apoiador da ideia de organização
internacional pela paz, ela passou a existir formalmente a partir de janeiro de 1920
e ajudou milhares de refugiados e ex-prisioneiros de guerra a voltar para casa.
Já nos anos 30, sua autoridade era questionada frente a situações como a invasão
japonesa da Manchúria, em 1931, posteriormente pelo ataque italiano à Abissínia,
em 1935, em que ambos os estados agressores ignoraram as ordens da Liga das
Nações para se retirarem dos territórios invadidos. O seu fracasso em administrar
e evitar conflitos pode ser assinalado quando da invasão da Tchecoslováquia e da
Polônia pela Alemanha, que conduziram a um novo conflito mundial, em que a
Liga sequer foi consultada, sendo totalmente incapaz de impedir a deflagração de
uma nova guerra. A partir de dezembro de 1939, ela não voltou mais a se reunir,
sendo oficialmente dissolvida em 1946.

NOTA

A invasão japonesa à Manchúria


Em 1931, os japoneses invadiram a região nordeste da China, denominada Manchúria,
estabelecendo um estado denominado Manchukuo. Como não tinham condições de
enfrentar o Japão diretamente, os chineses apelaram à Liga das Nações, que condenou
e expulsou os japoneses, não surtindo o efeito desejado: os conflitos entre os dois países
nessa época tiveram como consequência a Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945).

95
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

NOTA

O ataque italiano na Abissínia


A Itália tinha pretensões colonizadoras tardias, em virtude de sua unificação recente, e a
Abissínia, atual Etiópia, era um dos territórios desejados. Mussolini utilizou a conquista do
território como forma de recuperação da honra e orgulho italianos. A Liga das Nações
condenou o conflito entre dois de seus membros, mas não tomou nenhuma medida
específica para evitá-lo. Desse modo, o ditador italiano tomou o controle da região e lá
permaneceu até 1941.

6 NACIONALISMOS (DITADURAS E DEMOCRACIAS)


A ascensão de Adolf Hitler, em janeiro de 1933, trouxe uma nova
concepção para as relações internacionais, não só no continente europeu,
como para todo o sistema. Hitler rejeitava a igualdade dos povos, desprezava
os tratados internacionais, manifestava o desejo de dominar pela violência,
pelo rearmamento e pela anexação de territórios. Em seus discursos defendia a
necessidade de um espaço vital para a Alemanha e um projeto de domínio do
III Reich, que iniciaria na Europa Oriental e se estenderia por toda a Europa
continental e, posteriormente, para o mundo.

NOTA

O III Reich
O período de domínio nazista na Alemanha foi denominado “III Reich”. Reich, em alemão,
significa “reino”, e foi um termo utilizado para designar períodos específicos da política no
país. O primeiro reich teria existido do ano 800 a 1806; o segundo, de 1871 a 1918 e, o
terceiro, teve início em 1933, com a ascensão de Adolf Hitler.

Na base da expansão do III Reich estava um profundo ódio aos judeus e


aos bolchevistas, sendo, portanto, um projeto racista, doutrinário, pautado numa
propaganda de Estado, numa diplomacia agressiva recheada de espetáculos
midiáticos, sem respeito às instituições e aos estados. Entre 1934 e 1935, o
plano de Hitler era rearmar o Estado alemão, avançar sobre a Europa do leste,
posteriormente sobre a França e a Inglaterra e, por fim, o mediterrâneo. Os
demais estados menosprezaram as ambições de Hitler, sendo que EUA e URSS
estavam voltados aos seus interesses internos, permanecendo inertes ao avanço
da política externa de Hitler.

96
TÓPICO 1 | O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

As tensões mundiais que se consolidavam frente à estratégia de Hitler,


de dominar o leste europeu, não foram suficientes nesse primeiro momento para
despertar os líderes franceses, ingleses e norte-americanos, os quais deixaram
Hitler agir inicialmente na Europa, assim como Mussolini, na Etiópia e, no extremo
oriente, o Japão, na China. Tanto EUA, de Franklin Delano Roosevelt, quanto à
URSS, de Stalin, praticavam um egoísmo frente à Europa, que novamente parecia
desenvolver um novo conflito de proporções ainda imprevisíveis. Os regimes
ditatoriais estimulavam e organizavam ondas de opinião pública que atingiam
a política externa e influenciavam não só os objetivos internos, mas os objetivos
externos, em nome de necessidades vitais para os respectivos povos.

A opinião pública alemã estava dividida entre a guerra perdida e a revolta


pelas decisões de Versalhes. A escalada da violência era esperada desde que
Hitler se retirou da Conferência do Desarmamento e da Sociedade das Nações,
em 1933. Hitler tinha como objetivo negociar bilateralmente o desarmamento
e, novamente, isolar a França. Hitler romperia unilateralmente os acordos de
Versalhes e reiniciaria, em 1934, o rearmamento alemão.

FIGURA 8 – HITLER NO PODER

FONTE: <https://bityli.com/AEWfs>. Acesso em: 16 mar. 2020.

A França reagiu com a reaproximação a URSS, tentando propor um pacto


para o leste europeu que não se consolidou. Assim, a política de contenção da
Alemanha não obteve sucesso pela Sociedade das Nações, destruindo o seu
prestígio, sendo que nenhuma regra do direito internacional valia para as grandes
potências. Por sua vez, o sistema de segurança coletiva não funcionaria e Hitler,
além de sua política externa agressiva, passa a dar apoio a outras ditaduras,
como a que surge na Espanha, em 1936, com o golpe do General Franco, e na
Itália fascista trazendo, portanto, uma frente de direita militarizada, que reunia a
Espanha, de Franco, a Itália fascista e a própria Alemanha.

A Espanha pode ser considerada um primeiro momento de uma guerra


civil verdadeiramente europeia, palco de testes de novas armas, inclusive alemãs,
de fortalecimento de ditaduras de direita, o que fortemente contribuiu para
manter na Europa um clima de alta pressão. O entendimento ítalo-alemão formou
um eixo Roma-Berlim, a partir de novembro de 1936.
97
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

6.1 POLÍTICA EXTERNA DE MUSSOLINI


Mussolini chegou ao poder em 1922 com o objetivo de tornar a Itália um
país grande, respeitado no continente europeu e, portanto, por meio de uma
política externa também ousada e agressiva, avança sobre territórios vizinhos.
Mussolini desperta rivalidade com os franceses no Mediterrâneo e nos Balcãs,
assina um pacto de não agressão entre a Itália e a URSS, em 1933, e até 1935 não
manifestava apoio a Hitler e sua política externa, sendo que em março de 1935 se
juntou aos britânicos e franceses para condenar a política externa alemã.

A invasão da Abissínia (Etiópia), em outubro de 1935, foi a grande vitória


na carreira de Mussolini, pois a Etiópia era o único Estado independente que
havia no continente africano. Ao invadir a Abissínia, Mussolini acrescentava às
colônias no leste da África – Eritreia e Somália – um novo território. A vitória
italiana sobre os etíopes levou à posterior condenação na Liga das Nações à Itália
e à aplicação de sanções econômicas, medidas que foram inúteis.

Mussolini se tornou incomodado com as sanções aplicadas à Itália, o que


o levou à aproximação e estabelecimento de amizade com Hitler que, por sua vez,
não havia criticado a invasão. A partir desse momento, Mussolini suspende suas
objeções à anexação da Áustria pela Alemanha e também como Hitler, manda
ampla ajuda à Franco, o líder nacionalista de direita na Espanha. Ambos, Hitler e
Mussolini, buscavam estabelecer um terceiro Estado fascista na Europa. Parte da
população italiana não aceitou essa inversão da política externa de Mussolini, a
qual anteriormente se opunha a Hitler, e agora ressurgia com um apoio e amizade.

Em abril de 1939, tropas italianas ocupam a Albânia e tropas de Hitler


ocupam a Tchecoslováquia. Observa-se, nesse sentido, uma aliança entre
Mussolini e Hitler, denominada “Pacto de Aço”, de 1939, no qual a Itália prometia
apoio militar à Alemanha em caso de guerra. A política externa de Mussolini,
enfim, comprometia-se com a política externa alemã.

6.2 POLÍTICA EXTERNA DE HITLER


Hitler pretendia fazer da Alemanha novamente uma grande potência e
buscava reduzir espaços de influência da França no continente, destruir o acordo
de Versalhes, fortalecer o exército alemão, recuperar territórios perdidos, reunificar
os povos de língua alemã para dentro do Reich, o que, consequentemente,
implicaria a anexação da Áustria, e de parte da Tchecoslováquia e da Polônia.
Para alguns historiadores, isso era apenas o início do que Hitler pretendia, pois
a longo prazo buscava conquistar e ocupar a Rússia, avançando ainda mais para
o leste. A busca do espaço vital que ele alegava ser necessário para a população
da Alemanha, pois ela seria grande demais para a região onde se encontrava
inserida, era ponto central para suprir as necessidades do povo daquele país.
Outro ponto a ser considerado era a luta de Hitler contra o comunismo. O avanço
em direção ao leste pode também ser entendido como um projeto para destruir o
comunismo que havia sido implantado na Rússia pela revolução de 1917.
98
TÓPICO 1 | O SÉCULO XIX: O SISTEMA DE ALIANÇAS E A PRIMEIRA GRANDE GUERRA

Hitler iniciou sua política externa obtendo sucessivas vitórias, o que


conduziu a altos índices de popularidade de seu governo na Alemanha. Ao
anexar a Áustria e parte da Tchecoslováquia, e ao obter de volta a região do Sarre,
em 1935, sua popularidade é comprovada por meio de um plebiscito em que 90%
do povo alemão votou a favor de seu governo. Nesse mesmo ano de 1935, Hitler
anuncia a volta do serviço militar obrigatório, alegando que a Grã-Bretanha
anunciara um aumento expressivo de sua força aérea e a França havia ampliado
o serviço militar de 12 para 18 meses. Observa-se uma ação e reação entre os
estados europeus, visto que a justificativa da França e da Grã-Bretanha era, por
sua vez, o rearmamento alemão.

FIGURA 9 – HITLER E MUSSOLINI

FONTE: <https://bityli.com/TUuZT>. Acesso em: 16 mar. 2020.

99
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O século XIX foi marcado pela hegemonia britânica e sua superioridade


econômica, consequência de uma política industrial forte. Nesse contexto
se expande e se fortalece o sistema capitalista baseado na competição por
mercados, matérias-primas e mão de obra. Esses fatores, somados à consequente
concentração de capital e transformação de uma grande quantidade de pessoas
em trabalhadores assalariados, leva à necessidade de expansão do capitalismo,
o que encoraja o colonialismo e o acirramento das disputas entre as grandes
potências.

• Nesse cenário, emergem duas grandes alianças: a Tríplice Entente (França,


Grã-Bretanha e Rússia) e a Tríplice Aliança (Alemanha, Itália e império Austro-
Húngaro), protagonistas do maior conflito entre potências até aquele momento:
a Primeira Guerra Mundial. O conflito foi marcado por batalhas em trincheiras,
pela fome e doenças, além do desenvolvimento de novas tecnologias, como
tanques de guerra e uso de aviões. A entrada dos EUA, em 1917, foi central para
a vitória da Entente, que negociou um tratado de paz que impunha restrições
e punições aos seus rivais.

• Uma das consequências mais importantes da guerra foi a emergência de uma


estrutura institucional estabelecida para evitar novos conflitos: a Liga das
Nações. Projetada pelo ex-presidente norte-americano, Woodrow Wilson, a
organização se dedicou ao acompanhamento e à tentativa de mediação de uma
série de conflitos entre países. O século XX, porém, reservava ao mundo um
dos maiores conflitos já ocorridos: a Segunda Guerra Mundial, colocando fim
aos anseios por uma paz que perdurasse.

100
AUTOATIVIDADE

1 Como podemos descrever as forças que emergem do século XIX? Desenvolva


as ideias principais que foram a construção e o exercício da hegemonia
coletiva (1815-1848), o movimento das nacionalidades e o novo equilíbrio
entre 1848 e 1871.

2 O Artigo 231 do Tratado de Paz de Versalhes (1919) culpa e responsabiliza


o império alemão e os seus aliados pela deflagração da Primeira Guerra
Mundial. Construa um texto dissertativo enfatizando os resultados que
o tratado trouxe para a Alemanha e para as relações políticas entre seus
participantes.

3 Explique os motivos que conduziram os EUA a entrarem no conflito.

101
102
UNIDADE 2 TÓPICO 2

A POLÍTICA INTERNACIONAL NO CONTEXTO


DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

1 INTRODUÇÃO
A política internacional do início do século XX foi marcada, conforme visto
anteriormente, pela deflagração do maior conflito entre potências visto até então
e pela tentativa fracassada de estabelecimento de uma estrutura institucional que
findasse o histórico de guerras e destruição. O presente tópico tem como objetivo
discutir as etapas da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), seus principais atores
e consequências.

No primeiro subtópico será discutido o início do conflito, a partir de


suas motivações e da estrutura de alianças. A Europa do início do século XX foi
marcada pela forte concorrência econômica e política entre os países europeus,
gerando uma série de conflitos de interesse entre as potências. Os governos nazista
e fascista, na Alemanha e na Itália, respectivamente, apresentavam ambições
que não se limitavam aos seus territórios nacionais e guardavam o revanchismo
consequente do conflito anterior.

O segundo e terceiro subtópicos serão dedicados à discussão sobre a


ocupação da França e a formação da aliança entre EUA, URSS e Grã-Bretanha, que
consolidou o caráter mundial da guerra, anteriormente limitada ao continente
europeu. Por fim, o presente tópico abordará os desdobramentos da guerra e os
últimos momentos do conflito.

2 A DEFLAGRAÇÃO DE UM NOVO CONFLITO: A


SEGUNDA GUERRA MUNDIAL (1939-1945)
A deflagração da guerra pode ser entendida por meio de duas campanhas
desenvolvidas pela política externa de Hitler: uma contra a Tchecoslováquia e
outra contra a Polônia. No caso do primeiro país, a localização era importante
do ponto de vista estratégico, pois o controle dessa área traria consideráveis
vantagens no domínio militar e econômico da Europa central. Com a desculpa de
que alemães estavam sendo discriminados pelo governo tcheco, as tropas alemãs
invadem o país procurando restaurar a ordem. No caso da Polônia, Hitler volta
as suas atenções devido à perda do corredor polonês pelo acordo de Versalhes e,
em abril de 1939, Hitler exige a devolução de Danzig, uma estrada e uma ferrovia

103
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

através do corredor, ligando a Prússia oriental ao resto da Alemanha – Danzig é


uma região de fala predominantemente alemã.

A guerra eclodiu tendo como foco as questões trazidas pelo Tratado de


Versalhes, que encheram os alemães de ressentimento e vingança, pelo fracasso
da ideia de segurança coletiva trazida pela Liga das Nações e, por fim, pela crise
econômica mundial. Esses três fatores certamente ajudaram Hitler a chegar ao
poder.

FIGURA 10 – A ECLOSÃO DE UMA NOVA GUERRA

FONTE: <https://bityli.com/aF9qy>. Acesso em: 16 mar. 2020.

Em maio de 1940, a política externa de Hitler avança com uma grande


ofensiva militar, agora contra a França. As forças mobilizadas eram consideráveis,
visto que a Alemanha, em 1939, já possuía 3228 aviões de guerra, conforme afirma
Saraiva (2008, p. 171): “os alemães possuíam, em setembro de 1939, 3228 aviões
de guerra, contra os 1377 do Reino Unido e 1254 da França”.

Em 1939, Alemanha e a URSS assinam acordos nos quais Stalin buscava


reforçar a segurança de suas fronteiras, e ampliar sua influência na Polônia
oriental, nos países bálticos e da Finlândia. Nesse momento, ressalta-se o avanço
da URSS sobre a Finlândia, a qual passa a dominar totalmente em março de 1940.

DICAS

Veja: A história da Segunda Guerra Mundial 01 - O caminho para a guerra.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hS_3UWGm9YM.

104
TÓPICO 2 | A POLÍTICA INTERNACIONAL NO CONTEXTO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

3 A OCUPAÇÃO DA FRANÇA E
MUNDIALIZAÇÃO DA GUERRA
Em abril de 1940, Hitler desembarca na Dinamarca e na Noruega. Em
junho, as tropas alemãs já estão em Paris. A invasão alemã à França levou ao
êxodo – cerca de 8 milhões de civis franceses – e dividiu o governo francês. A
França encontrava-se dividida e paralisada frente dois líderes: o general De Gaulle
e o marechal Pétain, este, por sua vez, defensor do armistício com a Alemanha.
A França se torna um país vencido e que assinara um armistício. O General
De Gaulle cria um governo de resistência em Londres. A França foi dividida,
encontrando-se parte sobre ocupação alemã, uma pequena zona sobre influência
italiana e o restante uma zona livre. A Bélgica, por sua vez, assinara a rendição e
a Holanda optou pela capitulação militar.

FIGURA 11 – FRANÇA OCUPADA E DIVIDIDA

FONTE: <https://bityli.com/JgX0I>. Acesso em: 16 mar. 2020.

De Gaulle, na Grã-Bretanha, se tornava o líder da França livre e, junto


a Churchill, primeiro-ministro inglês, buscava evitar a rendição de navios
franceses. Em outubro de 1940, Hitler passa a comandar, das bases alemãs na
França, Bélgica e na Holanda, o ataque aéreo ao território inglês. Sem conseguir
sensibilizar o governo de Churchill e, pelo contrário, estimulando a luta da
população inglesa e com a opinião pública favorável ao primeiro ministro inglês,
Hitler decide poupar suas aeronaves e parte para um ataque à URSS, encerrando
assim sua batalha aérea contra a Inglaterra.

105
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

FIGURA 12 – HITLER EM PARIS

FONTE: <https://bityli.com/Mf1EU>. Acesso em: 16 mar. 2020.

Os alemães bombardearam estações de radar, aeródromos, fábricas de


munição, em retaliação a um ataque aéreo britânico sobre Berlim. Hitler manda
suspender a invasão aérea quando constata que o poder aéreo britânico estava
longe de ser destruído. A rede britânica de estações de radar implantadas ao
longo da costa foi fundamental para alertar a aproximação de aeronaves alemãs.
A batalha aérea contra a Grã-Bretanha foi um momento decisivo da guerra, pois
pela primeira vez os alemães foram contidos, o que demonstrava que não eram
invencíveis.

DICAS

Veja: History's Verdict: Charles de Gaulle (WWII Documentary). Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=L0Jt7Wth73s.

4 A ALIANÇA EUA, URSS E GRÃ-BRETANHA


Os norte-americanos, em sua posição isolacionista, foram sensibilizados
pela rápida derrota francesa e passaram a enxergar o desenvolvimento da guerra
em duas frentes diferentes, seja no continente europeu, seja no asiático, por sua
vez ameaçado pelo expansionismo japonês no pacífico. Na URSS, a vitória de
Hitler sobre a França também passara a ser percebida com apreensão, o que levou
Stalin a reforçar ainda mais suas fronteiras.

No ano de 1941, vários acontecimentos alteraram o rumo do conflito, pois


o ataque alemão contra a União Soviética, em junho de 1941, e o ataque japonês

106
TÓPICO 2 | A POLÍTICA INTERNACIONAL NO CONTEXTO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

contra as bases americanas, em dezembro do mesmo ano, trouxeram um caráter


de mundialização da guerra. As guerras na Europa e na Ásia, que ocorriam de
forma paralela, se reuniriam na maior confrontação entre estados vista na história
da humanidade. O declínio naval britânico, a perda gradativa e profunda de
influência e poder da velha potência liberal, criadora da ordem internacional
liberal do século XIX, iniciaria um novo ciclo, abrindo espaço de poder para os
Estados Unidos.

DICAS

• O Dia D (D-Day the Sixth of June, 1956).


• Documentário Heróis do Dia D Completo Dublado em HD.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=trRvhvxECwM.
• A Lista de Schindler (1993).
• Cinzas de Guerra (2001).
• O pianista.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZWxMLPkJr-M.
• A Queda! – As Últimas Horas de Hitler (2004).

Os britânicos haviam sofrido perdas navais consideráveis, estavam com


seu esforço de guerra limitado, enfrentavam sérios problemas econômicos e
passavam a depender dos Estados Unidos para que não entrassem totalmente
em falência. O endividamento da Grã-Bretanha demonstrava que ela não tinha
condições de resistir à guerra, e nem de comprar produtos norte-americanos.
Nesse sentido, os EUA passam a se sensibilizar e, consequentemente, os seus
cidadãos, da necessidade de lutar não apenas para manter o poder norte-
americano, mas também para preservar valores e regras do mundo liberal e
democrático. O presidente Roosevelt consegue convencer a opinião pública do
engajamento dos EUA no conflito, por meio de uma preparação psicológica que
conduz os EUA a uma economia de guerra.

A partir de 1941, Roosevelt adquire plena autonomia para emprestar e


vender produtos militares e estratégicos. Dessa forma, a ajuda norte-americana
conduz os países receptores a uma dependência das práticas comerciais
lideradas pelos EUA e ao projeto de abertura econômica aos seus produtos, se
caracterizando, assim, como um momento crucial de avanço econômico e político
para uma futura hegemonia norte-americana.

Os EUA trazem para a situação de dependência em relação aos seus


próprios princípios e interesses boa parte do continente europeu, principalmente
sua ex-metrópole. Em 1941, portanto, surge uma superpotência que passa a gerir
a ordem internacional, econômica, sobrepujando antigas potências europeias
e conduzindo decisões internacionais de uma forma alternativa à antiga ideia

107
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

de hegemonia coletiva. Era o início de uma nova fase da política mundial, em


que as relações diplomáticas passam a ser fortemente influenciadas pela nova
superpotência. Em dezembro de 1941, os EUA unem as duas guerras – na Ásia
e na Europa – em uma só guerra, buscando administrar a lenta agonia europeia,
conter a emergência do Japão na Ásia e o avanço da URSS no leste europeu. A
supremacia econômica dos EUA era acompanhada por sua vontade política.

FIGURA 13 – ROOSEVELT ASSINA DECLARAÇÃO DE GUERRA

FONTE: <https://bityli.com/whpiW>. Acesso em: 16 mar. 2020.

O ataque alemão à União Soviética, em junho de 1941, foi outro


importante momento da Segunda Guerra Mundial. Stalin rompe com Hitler
após explorar durante um considerável tempo as potencialidades da convivência
com o líder alemão. Entende-se esse momento como uma estratégia soviética
frente à dificuldade de manter uma guerra em duas frentes: no Ocidente, com
a Alemanha, e no Oriente, com o Japão. O ataque alemão à URSS leva Stalin a
firmar uma aliança com os britânicos e, mais tarde, em outubro de 1941, a URSS
era também incluída na aliança ocidental.

DICAS

Acesse:
• Segunda Guerra Mundial - a visão russa da história.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eKnkwKetX5I.
• Segunda Guerra Mundial - Batalha de Stalingrado.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=50lPIxaNIDw.
• Rússia comemora os 70 anos da Batalha de Stalingrado.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YwePI2R9KiA.

108
TÓPICO 2 | A POLÍTICA INTERNACIONAL NO CONTEXTO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Entre 1942 e 1945, a guerra se torna total, envolvendo quase todo o planeta
e mobilizando diferentes forças. Buscava-se conter tanto o avanço militar japonês,
quanto o avanço militar alemão. De Stalingrado a Casablanca, as resistências ao
exército alemão marcavam os destinos da guerra. Em 1944, o exército soviético
consegue forçar o recuo das tropas alemãs no leste europeu. A balança de poder
começa a se alterar em direção aos aliados, também com a tomada da Normandia
e a ocupação da Alemanha, momentos marcantes da recomposição das forças
militares e morais dos aliados.

O ataque a Pearl Harbor deverá ser visto não só como a entrada do Japão
na guerra europeia, mas como uma etapa decisiva do processo de mundialização
do conflito. Os Estados Unidos foram trazidos para a guerra pelo ataque japonês a
sua base naval em suas ilhas no Havaí, em dezembro de 1941. O ataque teve como
motivações japonesas os seus problemas econômicos. As relações entre os EUA
e o Japão se deterioravam na medida em que os norte-americanos auxiliavam os
chineses a enfrentar os japoneses. Acrescido a isso podemos ressaltar o embargo
americano ao fornecimento de petróleo ao Japão, em julho de 1941, a exigência
norte-americana da retirada japonesa, não só do território chinês, mas também da
península da Indochina.

FIGURA 14 – ATAQUE A PEARL HARBOUR

FONTE: <https://bityli.com/JSbLj>. Acesso em: 16 mar. 2020.

Nesse sentido, o ataque japonês ocorreu sem uma declaração de guerra.


Segundo Lowe (2011, p. 114): “353 aviões japoneses chegaram à Pearl Harbor,
sem ser detectados e em 2 horas destruíram 350 aeronaves e 5 navios de guerra”.

O resultado de Pearl Harbor deu aos japoneses um considerável controle


sobre o pacífico e ampliou a sua capacidade de ocupar territórios como a Malásia,
Singapura, Hong Kong e possessões norte-americanas, como Guam. Ainda como
um importante resultado de Pearl Harbor, tem-se a declaração de guerra por
Hitler contra os Estados Unidos.
109
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

Em agosto de 1945, os norte-americanos lançaram uma bomba atômica


sobre a cidade de Hiroshima, no Japão, matando cerca de 84.000 pessoas e
deixando milhares morrendo lentamente sob o efeito da radiação. Três dias mais
tarde, outra bomba foi lançada sobre Nagasaki, levando à morte cerca de 40.000
pessoas, levando ao consequente rendimento do governo japonês. O uso das
bombas pode ser entendido também como uma demonstração de força norte-
americana à URSS.

FIGURA 15 – BOMBAS EM HIROSHIMA

FONTE: <https://bityli.com/ox5zJ>. Acesso em: 16 mar. 2020.

DICAS

Assista aos seguintes vídeos:


• Redescobrindo a Segunda Guerra Pearl Harbor Dublado.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UhPpuVwc4Lc.
• Tora! Tora! Tora! (1970)
• Nimitz – De Volta ao Inferno (1980)
• Pearl Harbor (2001)
• Luz Branca, Chuva Negra: A destruição de Hiroshima e Nagasaki (2007)
• Documentário Natgeo - Hiroshima o dia seguinte.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KH4LZvaGYx0.
• Segundos Fatais - Nagazaki a bomba esquecida.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=QkiVE6QtlvE.

5 A SOLUÇÃO FINAL
O comportamento dos alemães e dos japoneses em territórios que
conquistavam era violento e brutal. Os nazistas tratavam os povos do leste europeu
como raça inferior. Nesse sentido, Hitler defendia a destruição do poder dos
judeus e dentro do partido nazista defendia a ideia de expulsá-los da Alemanha.
Ao longo das últimas décadas, não havia uma forma exata com que isso fosse
posto em prática. Para Hitler, era necessário que a opinião pública abraçasse

110
TÓPICO 2 | A POLÍTICA INTERNACIONAL NO CONTEXTO DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

também a ideia de expulsão e destruição do poder dos judeus. A “questão


judaica” não era inicialmente uma grande preocupação para o povo alemão. Um
dos motivos e um dos caminhos necessários era estimular semelhante sentimento
popular. Assim, desde que chegou ao poder, Hitler buscou excluir os judeus o
máximo possível do cotidiano e da vida dos alemães, estimulando-os a emigrar e
confiscando bens e propriedades.

Antes mesmo da eclosão da guerra, bem mais de um milhão de judeus havia


deixado o país. A situação ampliou-se de forma considerável após a invasão da Rússia,
em 1941, sendo considerada por alguns historiadores uma medida antissemita, assim
como a ocupação da Polônia, o que fez com que muitos judeus passassem a estar
sobre controle alemão, tornando praticamente impossível a sua emigração.

Na Polônia, especificamente, cerca de 2,5 milhões de judeus foram retirados


de suas casas e conduzidos para guetos superlotados. Em Varsóvia, os alemães
construíram um muro isolando os bairros judeus, que passaram posteriormente a
receber habitantes judeus de outras partes da Polônia. Após a declaração de guerra
aos EUA, em 1941, a situação contra os judeus avança, colocando em prática um
propósito de Hitler que havia sido publicamente defendido em janeiro de 1939:
a aniquilação dos judeus da Europa. O extermínio dos judeus passava a ser uma
consequência necessária e a implementação da “solução final”, matar os judeus,
inicia-se a partir do outono de 1941.

Fruto de uma combinação de diferentes circunstâncias, como a


autoconfiança de Hitler em suas expressivas e seguidas vitórias e fruto de uma
guerra ideológica de destruição, o extermínio de judeus era somente mais um
passo. O longo histórico de antissemitismo defendido pelo líder alemão passava
agora a ser implementado na Polônia e na União Soviética. Hitler não precisava
mais se preocupar com a opinião pública, e na medida em que suas forças
avançavam para dentro da URSS, tanto os judeus, quanto os comunistas, eram
eliminados pelo exército regular de Hitler e pela URSS. Judeus foram mortos em
Kiev, na Ucrânia e em Odessa, na Crimeia. Além disso, qualquer não judeu que
tentasse ocultar ou proteger judeus também seria eliminado.

Judeus eram mortos não somente por meio de trabalho forçado ou pela
inanição, mas por uma política de total destruição. O genocídio implementado por
meio de um programa de extermínio cada vez mais ganhava força e a eliminação
de judeus do leste europeu, e boa parte dos que vinham da Europa ocidental,
continuou mesmo quando o desenvolvimento dos conflitos não se tornava mais
favorável aos alemães. Mesmo assim, Hitler insiste que o programa de extermínio
deveria continuar, mesmo quando percebeu que a guerra seria perdida.

Em julho de 1944, após as forças alemães terem ocupado a Hungria, cerca


de 400.000 judeus húngaros foram levados a Auschwitz. Em agosto, outros 70.000
do sudoeste de Varsóvia também foram levados a esse campo de concentração.
Auschwitz foi apenas um dos vários campos de concentração nos quais os judeus
foram eliminados por meio de câmaras de gás.

111
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

FIGURA 16 – CAMPO DE CONCENTRAÇÃO NAZISTA

FONTE: <https://bityli.com/bIGFs>. Acesso em: 16 mar. 2020.

DICAS

Acesse: A queda do Terceiro Reich - History Channel. Disponível em: https://


www.youtube.com/watch?v=CTIxJqXd-v8.

112
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• A Segunda Guerra Mundial eclodiu em 1939 e as hostilidades foram


inicialmente limitadas ao continente europeu. Não há uma única causa que
explique o conflito, mas é possível apontar três questões centrais para a sua
deflagração: o revanchismo causado pelas negociações de paz e pelo Tratado
de Versalhes, decorrentes da Primeira Guerra Mundial; o fracasso da Liga das
Nações em garantir e manter a paz mundial e a crise econômica que assola a
Europa no início do século XX. Desses fatores deriva uma nova combinação de
forças, marcada pela divisão das grandes potências em duas grandes alianças:
o Eixo, composto por Alemanha, Itália e, mais tarde, Japão, e os Aliados, da
qual faziam parte França, Inglaterra e, posteriormente, EUA e URSS.

• Nesse período, a política externa de Hitler foi focada no avanço militar contra
a França, sua principal rival desde o conflito anterior. O líder ocupa o norte do
território francês logo no início do conflito e bombardeia a Grã-Bretanha, em
uma demonstração de força militar.

• A segunda fase da guerra ocorreu com a entrada dos EUA e da URSS, além da
consolidação do Eixo, com a entrada do Japão. Esses movimentos deram início
à fase de fato mundial do conflito.

• Na Alemanha, o período da Segunda Guerra Mundial também foi marcado


por destruição e mortes sem precedentes. O Holocausto foi um dos maiores
genocídios da história e causou a morte de aproximadamente 5 milhões de
judeus.

113
AUTOATIVIDADE

1 Como entender o cenário pós-crise econômica de 1929, em que o capitalismo


desmoronou? Construa um texto explicando e justificando as políticas
adotadas pelos Estados.

2 Explique o fracasso do Tratado de Versalhes.

3 Como os Estados europeus se comportaram econômica e politicamente no


pós-primeira guerra?

4 Quais foram os principais pontos que marcaram a Política Externa de Hitler?

114
UNIDADE 2 TÓPICO 3

O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA
POLÍTICA MUNDIAL NO PÓS-GUERRA

1 INTRODUÇÃO
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, coube às potências vitoriosas
negociar os termos de paz e estabelecer uma estrutura institucional e política
responsável por evitar outro conflito de grandes proporções. Este tópico
será dedicado à discussão das consequências da guerra, tanto em termos
quantitativos quanto em termos qualitativos. Quantitativamente, a Segunda
Guerra Mundial foi o conflito mais sangrento e letal da história até o presente
momento. Qualitativamente, provocou a busca pela manutenção da paz pela via
institucional, dessa vez procurando evitar os problemas que levaram ao fim da
Liga das Nações.

O fim da guerra não significou, porém, o fim das rivalidades entre


potências. A segunda metade do século XX experimentou a ascensão de uma
rivalidade bipolar entre EUA e URSS, que deu origem à “Guerra Fria”. A
atuação dessas duas potências no cenário internacional definiu os rumos da
política internacional contemporânea e trouxe ao estudo da história das relações
internacionais novos elementos e desafios.

2 CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA
E OS ACORDOS DE PAZ
A Segunda Guerra Mundial provocou cerca de 40 milhões de mortes. Mais
da metade era russa, 6 milhões de poloneses, 4 milhões de alemães, 2 milhões de
chineses e 2 milhões de japoneses. Em termos comparativos, EUA e Grã-Bretanha
saíram da guerra com poucas perdas. Consideráveis regiões da Alemanha e
suas áreas industriais e cidades importantes foram completamente arrasadas.
Parte da Rússia ocidental foi destruída e cerca de 25 milhões de pessoas ficaram
desabrigadas (LOWE, 2011).

De forma diferente do final da Primeira Guerra Mundial, quando um


acordo em Versalhes foi negociado, o final da Segunda Guerra Mundial foi marcado
pela desconfiança entre URSS e o Ocidente nos meses finais da guerra, o que
veio impossibilitar um acordo entre vários pontos. Contudo, podemos assinalar
algumas questões: a Itália perdeu suas colônias em África, a URSS assumiu a

115
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

parte leste da Tchecoslováquia, o Japão mais tarde concorda em entregar todo o


território tomado, implicando uma retirada completa de suas tropas da China.
A guerra trouxe importantes mudanças sociais, nas quais milhares de pessoas
foram deslocadas e passaram a viver em diferentes locais.

Cerca de 10 milhões de alemães foram forçados a sair e se mudar para


a parte ocidental, assim como a guerra trouxe pela primeira vez o uso de armas
nucleares. Outro efeito resultante da guerra foi o processo de descolonização em
diferentes territórios. As derrotas impostas aos colonizadores europeus (Grã-
Bretanha, França e Holanda) pelo Japão e a ocupação de seus territórios na Malásia,
Singapura e Birmânia, assim como nas Índias orientais holandesas, destruíram a
superioridade europeia. No caso africano, os anos posteriores à Segunda Guerra
permitiram preparar o ambiente para um processo de descolonização. A guerra
trouxe consciência aos povos africanos, pois parte dos colonizados foram recrutados
para lutar nos exércitos das metrópoles, em mais uma forma de violência frente às
desigualdades estruturais que subjugavam a sociedade colonial.

O ensejo nacionalista que proliferou no continente africano entre os jovens


pode ser entendido também pela conscientização das regras da colonização e do
poder europeu sobre o continente africano. O enfraquecimento das potências
coloniais europeias era nítido após a Segunda Guerra Mundial.

DICAS

Acesse: 2GM Y GUERRA FRIA 1 - A CONFERENCIA DE YALTA - DOCUMENTAL


2019 - DOCUMENTALES INTERESANTES. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=zaH9CXZ3zuM.

3 AS NAÇÕES UNIDAS
As Nações Unidas sucedem a Liga das Nações, tendo como um dos seus
principais objetivos manter a paz e a ordem mundiais. A organização foi criada
em São Francisco como uma organização para a paz e cooperação internacional.
A Carta de São Francisco, assinada em 25 de junho de 1945, tornou-se um dos
grandes instrumentos de regulação das relações internacionais. Ao se construir
um sistema de veto do Conselho de Segurança das Nações Unidas, construiu-
se um diretório de cinco grandes vencedores da guerra, que visava garantir
o compromisso de controle da segurança mundial. A carta também previa
instrumentos para a cooperação internacional.

Os três grandes atores reunidos em Potsdam – Estados Unidos, Inglaterra


e União Soviética – em outubro de 1945, buscavam criar instrumentos para
gerenciar a paz no pós-guerra. Buscava-se um esforço de reconstrução das relações
116
TÓPICO 3 | O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL NO PÓS-GUERRA

internacionais. Anteriormente, em Yalta, em fevereiro de 1945, a divisão entre os


aliados ocidentais e a União Soviética já era nítida, pois o unilateralismo do poder
soviético na Europa oriental já predominava e a criação de um governo provisório,
na Polônia, gerara uma ruptura aberta entre Churchill e Stalin. O sistema de Yalta
traz áreas de influência na Europa, implicando novas alterações na política mundial.

FIGURA 17 – CONFERÊNCIA DE YALTA

FONTE: <https://bityli.com/RQn6k>. Acesso em: 16 mar. 2020.

NOTA

A Conferência de Potsdam (1945)


A Conferência de Potsdam aconteceu em julho de 1945, quando três líderes: Stalin, Truman,
Churchill (e, posteriormente, Clement Attlee) se reuniram. Acertou-se que os alemães
deveriam indenizar os países pelos danos de guerra. Nessa conferência houve divergências
com relação à Polônia e com relação à demarcação da Alemanha ao leste. O líder norte-
americano também não colocou Stalin a par da natureza da bomba atômica, prestigiando
apenas os ingleses com essa informação. Após essa conferência, duas bombas atômicas
foram lançadas sobre o Japão, finalizando a guerra sem a necessidade de ajuda russa.

NOTA

A Conferência de Yalta (1945)


Essa conferência aconteceu na Crimeia, em fevereiro de 1945, portanto, anterior à
conferência de Potsdam, em que teve a participação dos três líderes aliados – Stalin,
Truman e Churchill. Nessa conferência, vários pontos foram decididos, como a criação de
uma nova organização, as Nações Unidas, que viria a substituir a Liga das Nações. Também
se decidiu nessa conferência a divisão da Alemanha em zonas que seriam ocupadas pela
Rússia, pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha. Mais tarde, também se decidiu por uma
zona francesa. Da mesma forma, a cidade de Berlim, que havia ficado dentro da zona
russa, seria dividida de forma correspondente.

117
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

As oposições entre aliança ocidental e a URSS eram baseadas nas


fronteiras ocidentais da Polônia, nas reparações alemãs e na situação da Itália. A
reconstrução de um sistema internacional sustentado na paz e na cooperação não
parecia ser de fácil construção. A convivência entre as potências e superpotências
era baseada em divergências e à sombra do poder atômico.

O Tratado de Paris, em fevereiro de 1947, firmado por 21 países vencedores,


encerrou simbolicamente os turbulentos anos das relações internacionais. A ordem
internacional do pós-guerra trouxe a emergência de dois flancos na Europa e trouxe
condições para os EUA imporem sua multilateralidade econômica e seu projeto
de poder ocidental. A União Soviética enfraquecida reconstruiu-se militarmente
e, assim, um novo ambiente de convivência entre as duas superpotências trouxe
uma nova situação política, baseada em tensões e disputas. Dessa vez, dividindo
o sistema internacional entre dois atores, em uma corrida econômica e nuclear.

Ao fundar a ONU, as Grandes Potências tentam eliminar fragilidades


que anteriormente haviam prejudicado a Liga das Nações e, assim, a instituição
tem como objetivos preservar a paz e eliminar a guerra; fomentar o progresso
econômico, social, cultural, científico, educacional em todo o mundo e,
principalmente, nos países subdesenvolvidos; promover os direitos individuais
e de todos os seres humanos, povos e nações. A ONU cumpre um papel
importante em diferentes crises internacionais, promovendo negociações, cessar-
fogo e fornecendo missões de paz. Por outro lado, acumula êxitos ao cuidar de
refugiados, proteger direitos humanos, buscando solucionar problemas de saúde
e de fome no mundo. A ONU é composta por sete órgãos principais: Assembleia
Geral, Conselho de Segurança, Secretariado, Tribunal Internacional de Justiça,
Conselho de Tutela, Conselho Econômico e Social e Tribunal Penal Internacional.

FIGURA 18 – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU)

FONTE: <https://bityli.com/LnHmU>. Acesso em: 16 mar. 2020.

A ONU, em seu objetivo de manutenção da paz, tem sido importante


ator, principalmente em crises que não envolvem diretamente o interesse das
grandes potências, como no caso da Guerra Civil no Congo (1960-1964) e, ao
mesmo tempo, se mostrou ineficaz frente ao levante na Hungria, em 1956, e na
crise tcheca de 1968. Nesses dois últimos casos observa-se que os interesses das
grandes potências estavam presentes.

118
TÓPICO 3 | O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL NO PÓS-GUERRA

Outro exemplo da presença da organização foi a Guerra da Coreia (1950-


1953), quando agiu diretamente por meio do Conselho de Segurança (CSNU),
aprovando uma resolução que condenava a invasão da parte sul da península
pela parte norte, comunista, em junho de 1950. Ressalta-se que essa resolução
aprovada pelo CSNU foi possível devido à ausência de delegados russos, os
quais possivelmente a teriam vetado. Nesse sentido, vê-se que essa ação da
ONU, entendida por muitos como um grande sucesso, foi em grande parte uma
operação do governo dos EUA, que já havia anteriormente decidido intervir.

Ainda, outro momento em que devemos ressaltar a presença da


organização foi na Crise do Canal de Suez, em 1956, na qual franceses e britânicos
que detinham participações se viam atingidos com a nacionalização do referido
canal pelo presidente egípcio Nasser. A tentativa de derrubada de Nasser por
israelenses era o objetivo real também dos outros países, e uma resolução do
CSNU, condenando o uso da força, foi vetada pela França e pela Grã-Bretanha.
A Assembleia Geral, porém, por maioria de votos, condenou a invasão israelense
e exigiu a retirada das tropas. Os atores envolvidos nesse importante processo
concordaram em se retirar, desde que a ONU garantisse um acordo sobre o Canal
e impedisse um conflito de grandes proporções entre árabes e israelenses. Nesse
momento, vemos uma força da ONU, de 5000 soldados de 10 diferentes países,
ser criada. Dez anos depois, a ONU não obteve o mesmo sucesso no conflito
árabe-israelense de 1967.

A crise da Tchecoslováquia, em 1968, também deve ser ressaltada, quando


os tchecos procuram se manifestar de forma independente. Nessa crise, Moscou
envia tropas russas, junto a outras do Pacto de Varsóvia, para garantir obediência
ao país. O CSNU tenta aprovar uma moção condenando a ação soviética, mas os
representantes russos no Conselho a vetam, alegando que a intervenção havia
sido solicitada pelo governo tcheco.

Também vale ressaltar, além dessas instituições criadas no pós-guerra,


a Conferência de 1964 das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD), que se transformou em um órgão permanente, destinado a estimular
o desenvolvimento de países do terceiro mundo, além de buscar a promoção das
exportações dos produtos desses mesmos países.

Por fim, é necessário ressaltar que a ONU se mostra historicamente incapaz


de resolver questões importantes da política internacional, como a disputa entre
judeus e árabes na Palestina. A própria organização se vê diretamente envolvida
nesse conflito, ao estabelecer a divisão da Palestina e a criação do Estado de Israel,
no que ficou conhecido como “Solução de Dois Estados”. A ONU foi incapaz de
impedir uma sequência de guerras entre o recém-criado Estado de Israel e outros
Estados árabes em 1948, 1967 e 1973, embora tenha conseguido organizar cessar-
fogo e levar socorro aos refugiados.

119
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

4 A CRIAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL


A criação do Estado de Israel pode ser entendida e associada à fundação, em
1887, por alguns judeus que viviam na Europa, da Organização Sionista Mundial.
Tal organização, criada na Suíça, defendia que os judeus deveriam retornar à
Palestina e a consideravam sua terra natal. Na realidade, pequenas comunidades
judaicas viviam na Palestina, mas a maioria dos judeus havia sido expulsa pelos
romanos desse território há quase 2000 anos. Portanto, até o final do século XIX
não havia na Palestina quantidades suficientes de judeus para concretizar a ideia
da terra palestina. Por sua vez, os árabes, que também consideravam a Palestina
sua terra, se sentiram ameaçados pela movimentação sionista. O Estado judeu era
reivindicado cada vez mais como um lar nacional, devido às constantes e intensas
perseguições sofridas por esse povo, seja na Rússia, na França e, principalmente,
no século XX, pelo Estado alemão.

O objetivo da criação de um Estado judeu era dar um refúgio seguro à


diáspora. Esse problema esbarra com a Palestina ocupada pelos árabes, os quais
se sentem agredidos com a possibilidade de perderem parte de suas terras. Desde
o início do século XX, a discussão sobre um lar nacional judeu na Palestina vem
sendo pautada no ambiente britânico, visto que o território palestino, depois de
1919, tornou-se um mandato britânico e, a partir daí, considerável número de
judeus começou a chegar, mesmo sob o protesto da população árabe. Os britânicos
tinham a esperança de convencer judeus e árabes a viverem pacificamente sob o
mesmo território, menosprezando a considerável lacuna religiosa entre os dois
povos.

Após a perseguição nazista aos judeus, na Alemanha, um intenso número


de refugiados chegou à Palestina, sob protestos violentos dos árabes. A primeira
tentativa de criação de dois Estados separados surge em 1937 e em 1939, sem
obter sucesso. Assim, após a Segunda Guerra Mundial, mediante o Holocausto,
os judeus se tornam fortemente empenhados a lutar por seu lar nacional.

120
TÓPICO 3 | O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL NO PÓS-GUERRA

FIGURA 19 – DIVISÃO DA PALESTINA

FONTE: <https://bityli.com/uqOgZ>. Acesso em: 16 mar. 2020.

DICAS

Acesse: Sem Fronteiras - Israelenses e palestinos: a paz impossível. Disponível


em: https://www.youtube.com/watch?v=9BpNIHZy5uE.

Em novembro de 1947, a ONU votou pela divisão da Palestina, destinando


boa parte do território para a formação de um Estado judeu independente. A
seguir, em 1948, os britânicos decidem se retirar do território, abrindo espaço para
a ONU implementar o seu próprio plano. Em 1948 é declarada a independência do
novo Estado de Israel, que foi imediatamente atacado pelo Egito, Síria, Jordânia,
Iraque e Líbano. Os conflitos na região se propagaram ao longo das décadas
seguintes, ocorrendo progressivamente um crescimento e um avanço das forças
armadas israelenses – não só em termos qualitativos, como também em termos
quantitativos. Os israelenses passam a derrotar sucessivamente seus vizinhos e
conquistam mais territórios do que a divisão estipulada pela ONU havia lhes
dado. Dentro desse cenário, os próprios palestinos se tornavam marginalizados,
vítimas de ações militares e de ocupações sucessivas e com a consequente perda
de boa parte de sua pátria.

A criação da Organização para Libertação da Palestina (OLP), sob a


liderança de Yasser Arafat, representou uma resistência do povo palestino, assim
como a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP). Esta, por sua vez,
iniciou uma série de atentados terroristas para chamar atenção à grave situação
de injustiça cometida contra os árabes na Palestina. Diferentes acordos foram
tentados para amenizar a situação na região e tentar implementar soluções,
121
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

visando à criação de dois Estados. Até os dias de hoje a situação encontra-se sob
fortes tensões, e longe de uma solução que pudesse satisfazer às partes envolvidas
no processo. Diferentes acordos foram assinados nas décadas de 70, 80 e 90 do
século XX, mas a paz continua distante.

NOTA

A sessão da AGNU que criou o Estado de Israel em 1947 foi presidida pelo
chanceler brasileiro Osvaldo Aranha.

DICAS

Veja:
• Inch´ Allah (2011)
• Nós, Eles e Eu (2016)
• 1967 La Guerra de los Seis Días documental canal historia 12 hd
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PzQaNa8YJgQ.

5 O AVANÇO RUSSO NO LESTE EUROPEU


O balanço da Segunda Guerra Mundial trouxe para o sistema internacional
uma nova configuração de cooperação. A Europa, ao deixar de ser o centro do
mundo, destruiu o seu prestígio junto as suas colônias na África e na Ásia. A
harmonia que existia entre a URSS, os EUA e o Império Britânico já havia iniciado
o seu desgaste, mesmo antes do fim da guerra. As relações entre a Rússia e o
Ocidente se tornariam cada vez mais difíceis, embora nunca viesse a ocorrer um
enfrentamento direto entre as partes. As hostilidades entre as potências foram
pautadas por medidas econômicas restritivas e por uma total falta de cooperação.
As superpotências, Estados Unidos e União Soviética passaram a atrair para as
suas órbitas outros Estados, que seriam conhecidos por “Estados Satélites”, seja
no Ocidente, seja no leste europeu.

Especificamente no leste da Europa, chegam ao poder governos comunistas


pró-Moscou, na Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Iugoslávia, Albânia,
Tchecoslováquia, e na própria Alemanha em sua parte oriental. É importante
ressaltar que a Alemanha, assim como a cidade de Berlim, fora dividida no
pós-guerra, sendo a parte oriental designada aos soviéticos e a parte ocidental
repartida entre Estados Unidos, França e Inglaterra.

122
TÓPICO 3 | O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL NO PÓS-GUERRA

Os objetivos de Stalin eram fortalecer a influência da Rússia na Europa,


consolidar a situação militar e, se possível, adquirir um maior espaço de influência
e a difusão do comunismo na maior parte possível, não só da Europa, como
também do planeta. Stalin culpava o ocidente por ter conduzido sozinho um dos
maiores conflitos no qual milhões de russos foram mortos e também, por sua
vez, ressaltava que a destruição final do regime nazista não teria ocorrido se não
fosse pela presença soviética. Os motivos do líder, além de serem defensivos,
para muitos no Ocidente, como por exemplo, os líderes ingleses e americanos,
eram interpretados como sendo parte de uma política agressiva e de avanço.

As políticas externas norte-americana e inglesa viam em Stalin um


oportunista que poderia aproveitar-se de fragilidades do Ocidente para influenciar
outros Estados a implementar governos comunistas, como havia acontecido no
leste europeu. Era clara a desconfiança entre EUA e URSS, que veio a criar uma
atmosfera em que as tomadas de decisões pelos atores no tabuleiro político eram
interpretadas de formas diferentes. O sistema internacional se transforma em uma
bipolaridade defensiva em que os atores, no primeiro momento, não dialogam e
partem para uma corrida armamentista e atômica.

Conforme dito anteriormente, Stalin assustava o Ocidente, o que pode ser


comprovado quando, em fevereiro de 1946, no imediato pós-guerra, ele define que
comunismo e capitalismo não poderiam viver em paz e que inevitáveis guerras
aconteceriam até uma vitória final do comunismo. Para os historiadores russos,
esse discurso foi mal interpretado no Ocidente, principalmente pelo representante
diplomático dos EUA, em Moscou. Por sua vez, Churchill respondeu a essa
manifestação com um discurso em Missouri, nos EUA, em março de 1946, no
qual afirma que uma cortina de ferro havia descido sobre o continente europeu, e
alertando para uma expansão indefinida de poder e de doutrina pelos soviéticos.

FIGURA 20 – STALIN

FONTE: <https://bityli.com/t1YC2>. Acesso em: 16 mar. 2020.

O distanciamento entre o Ocidente e o Oriente aumenta consideravelmente


após essas manifestações dos respectivos líderes, nas quais cada um, Stalin e
Churchill, denunciam um ao outro como provocadores de guerra. Enquanto isso,
as eleições no leste europeu traziam governos comunistas ao poder, partidos

123
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

políticos de oposição ao comunismo eram dissolvidos e Stalin tratava a zona russa,


na Alemanha, sob seu comando como se fosse um território russo, permitindo
apenas a presença do Partido Comunista.

Ainda no leste europeu, mais ao Sul, uma exceção à influência incisiva


de Stalin foi a Iugoslávia. Nesse país, a eleição do Marechal Tito, em 1945, vem
em resposta ao seu prestígio como um grande líder de resistência antialemã. A
Iugoslávia foi liberta da ocupação alemã pelas forças de Tito e não por forças
russas. Assim, o marechal não permitiu interferências de Stalin nessa região dos
Balcãs e, até sua morte, foi responsável pela existência da Iugoslávia.

6 A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA OCIDENTAL


A consolidação da hegemonia norte-americana no pós-guerra estava
pautada pela sua capacidade de exercer uma forte influência no multilateralismo
econômico, assim como na difusão de valores do capitalismo. Para os líderes norte-
americanos, sejam eles democratas ou republicanos, a consolidação da potência
norte-americana e de seu poder mundial estaria pautada na sua influência e
controle no ambiente econômico. Para tanto, desde 1944, na Conferência de
Bretton-Woods, pautam a hegemonia norte-americana em instituições que
estariam fortemente ligadas a este ator.

NOTA

A Conferência de Bretton-Woods
Bretton-Woods criou um tripé institucional, composto pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI), Banco Mundial e o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Essas três instituições
pautaram a hegemonia norte-americana no imediato pós-guerra. O FMI tem o objetivo de
fomentar a cooperação entre os países e estimular o comércio e o desenvolvimento do
potencial econômico dos Estados. Proporciona empréstimos de curto prazo a países com
dificuldades financeiras, após a aprovação pelo próprio fundo de políticas econômicas.
Nesse caso, os Estados deverão estar dispostos a alterar suas políticas sob a orientação
do fundo.

O Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Banco


Mundial) oferece empréstimos para a implementação de projetos específicos,
voltados ao desenvolvimento e crescimento econômico. Por fim, têm-se o GATT,
assinado em 1947, pelos Estados-membros da ONU que concordavam em reduzir
algumas de suas tarifas para estimular o comércio internacional. Mais tarde, em
janeiro de 1995, o GATT se transforma na Organização Mundial do Comércio
(OMC), cujo objetivo era liberalizar e monitorar o comércio mundial, além de
resolver possíveis disputas comerciais entre os atores.

124
TÓPICO 3 | O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL NO PÓS-GUERRA

O impulso desenvolvimentista norte-americano, iniciado durante a


guerra, se manteria mediante a atuação diplomática dos EUA em diferentes
territórios, não só na Europa, como também no Oriente Médio e na Ásia. Os
interesses econômicos dos norte-americanos estavam fortemente associados a
interesses políticos e, nesse sentido, passou-se a formular doutrinas políticas que,
por sua vez, estariam associadas a planos de recuperação econômica. Assim, a
potência ocidental buscava espaços econômicos, ideológicos e políticos no sistema
internacional do pós-guerra.

7 A DOUTRINA TRUMAN
A Doutrina Truman foi a primeira formulação política nos Estados Unidos,
em 1947, no sentido de auxiliar a Grã-Bretanha, inicialmente, a combater regimes
comunistas da Grécia e na Turquia. A Grã-Bretanha, destruída economicamente
pela guerra, apresentava pouca capacidade de intervir em questões internacionais.
O apoio norte-americano oferecido pelo presidente foi de primorosa importância,
associado a uma dimensão ideológica, fato este que veio pautar a política externa
dos Estados Unidos. A doutrina Truman pregava uma concepção de liderança
norte-americana em que a missão dos Estados Unidos era a busca pela paz
mundial, dentro de suas concepções, o que refletiria na segurança da própria
nação norte-americana.

Do outro lado da bipolaridade, a União Soviética percebe a doutrina como


um desafio. A política exterior dos EUA e suas concepções acerca do mundo
foram entendidas por Stalin como uma ameaça do ocidente à presença soviética
no continente europeu. Os Estados Unidos, por meio da doutrina Truman,
deixavam bem claros ao sistema internacional que não voltariam mais ao
tradicional isolamento e se lançariam a uma política de contenção ao comunismo
não apenas na Europa, mas também na Ásia.

FIGURA 21 – TRUMAN

FONTE: <https://s1.static.brasilescola.uol.com.br/be/e/truman.jpg>. Acesso em: 16 mar. 2020.


UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

8 O PLANO MARSHALL
Pode-se entender o Plano Marshall como a tradução econômica da
Doutrina Truman. Como anteriormente dito, a consolidação da hegemonia norte-
americana tem como pilares a questão política e a questão econômica. Nesse
sentido, o plano do secretário de Estado norte-americano, George Marshall, vem
em sintonia com o aumento dos votos para os comunistas nas eleições europeias
no imediato pós-guerra. O plano anunciado em junho de 1947 apresentou um
programa para recuperação da Europa por meio de ajuda financeira e econômica,
que viria garantir mercados para as exportações europeias, mas que politicamente
procuraria impedir o avanço político do comunismo.

DICAS

Acesse Plano Marshall 1947-1952 (Parte 324, Documentário Cold War)


Legendado. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YQyZk-uAayo.

FIGURA 22 – GEORGE MARSHALL

FONTE: <https://bityli.com/0nEHl>. Acesso em: 16 mar. 2020.

Em setembro de 1947, 16 países (Grã-Bretanha, França, Bélgica, Itália,


Luxemburgo, Grécia, Turquia, Portugal, Holanda, Dinamarca, Noruega, Islândia,
Áustria, Suécia, Alemanha Ocidental e Suíça) elaboraram um plano para o uso
da ajuda norte-americana. Em torno de 13 bilhões de dólares foram colocados à
disposição dos países da Europa Ocidental, visando recuperar economicamente
a agricultura e a indústria no continente.

A ideia era entendida na Rússia como uma ação imperialista norte-


americana e, assim, uma forma de controle da Europa ocidental. Para Stalin, a
ajuda econômica oferecida pelos norte-americanos vinha acompanhada de uma

126
TÓPICO 3 | O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL NO PÓS-GUERRA

forte influência política, que poderia se estender até o leste europeu. Nesse sentido,
o bureau comunista de informações surge em resposta ao Plano Marshall.

9 REAÇÕES SOVIÉTICAS
O Cominform pode ser considerado um comitê de informação política
que nasceu na Conferência dos Nove Partidos Comunistas, em setembro de
1967. Assim, foi articulado e desenvolvido pelos comunistas franceses, italianos,
húngaros, búlgaros, romenos, iugoslavos, romenos e tchecos, sob a liderança dos
russos. Passou a funcionar como um instrumento de propagação do comunismo
no mundo e como um controle ideológico no leste europeu. Para tanto, Stalin
acreditava que não bastava ser comunista, mas praticar um comunismo no estilo
russo. Buscava trazer para o leste europeu um processo de industrialização
coletivizado e centralizado e, assim, o comércio basicamente passaria a funcionar
com os membros do Cominform, não estimulando contato com países não
comunistas. Ainda nesse sentido, em 1947 foi estabelecida outra organização,
o Conselho de Assistência Econômica Mútua (Comecon) para que as políticas
econômicas pudessem estar articuladas.

A Tchecoslováquia, o último Estado democrático na Europa, torna-se


comunista a partir de 1948, com uma coalizão entre comunistas e outros partidos
de esquerda que haviam sido eleitos livremente em 1946. O país passa a ser
uma ponte entre o Ocidente e o Oriente. Stalin não aprovava conexões tchecas
com o Ocidente, o que o levou a designar divisões russas que vieram ocupar a
Áustria, próximo à fronteira tcheca, forçando o desaparecimento da conexão e a
consolidação da cortina de ferro.

De junho de 1948 a maio de 1949, a Guerra Fria apresenta a sua primeira


grande crise quando surgem divergências com relação ao tratamento dado à
Alemanha. Observa-se que no início de 1948, as áreas ocidentais sob o controle
inglês, francês e norte-americano haviam sido beneficiadas pelo Plano Marshall,
contrastando com a pobreza e as dificuldades que o lado russo apresentava. A
possível reunificação do lado ocidental alarmava Stalin em termos políticos e
econômicos. Os russos decidem atuar em Berlim após o avanço do capitalismo no
lado ocidental, principalmente quando se cria uma nova moeda a partir de junho
de 1948, em Berlim ocidental. Considerando ser impossível ter duas moedas
diferentes na mesma cidade, o que aguçaria o contraste entre uma possível
prosperidade econômica em Berlim ocidental e dificuldades econômicas e
pobreza na parte oriental, Stalin reage bloqueando todas as ligações por estradas,
ferrovias e canais entre Berlim ocidental e a Alemanha ocidental. Tal ação tinha
como objetivo forçar o Ocidente a se retirar de Berlim ocidental.

A resistência impetrada pelas potências ocidentais, ao levarem


suprimentos por meio aéreo, à população de Berlim ocidental, assim como o envio
de bombardeiros B29 pelo governo norte-americano para as pistas de decolagem
britânicas, conduziu ao fracasso do bloqueio estipulado por Stalin. Esse ponto

127
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

pode ser considerado uma vitória dos EUA e um aprofundamento da divisão da


Europa. O resultado da ação gerou um estímulo às potências ocidentais, piorando
assim as relações com a Rússia. A Alemanha permanecia dividida e as potências
ocidentais passam a articular suas defesas por meio de uma organização que
passou a ser designada de Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). A
criação dessa organização veio suprir a falta de prontidão militar que o Ocidente
apresentava. Era composta pela Grã-Bretanha, França, Holanda, Estados Unidos,
Canadá, Portugal, Noruega, Irlanda, Dinamarca e Itália, países que assinaram
o Tratado do Atlântico Norte, no qual consideravam que um ataque a um deles
seria um ataque a todos.

Ao colocarem suas forças de defesa sob o comando da organização, os


norte-americanos abandonaram sua tradicional política contrária a alianças e se
comprometiam com uma ação militar em conjunto. Mais uma vez, a bipolaridade
se aprofunda, pois, há a criação de semelhante organização pelo bloco comunista,
o que levaria ao aprofundamento das tensões entre os atores.

Em 1955 era assinado entre a Rússia e seus Estados-satélites o Pacto de


Varsóvia, também como um acordo de defesa mútua. Nesse sentido, observa-
se que os russos continuam a construir armamentos nucleares, aprofundando
também a situação em Berlim. As potências ocidentais se recusavam a reconhecer
oficialmente a Alemanha Oriental (República Democrática Alemã), a qual havia
sido criada em resposta à criação da Alemanha ocidental em 1949. O novo líder
soviético, Nikita Kruschov, que inicialmente buscou uma aproximação com
o Ocidente, não reconhece os direitos das potências ocidentais sobre Berlim
ocidental. Kruschov explicou a sua nova política em um discurso em 1956, no
qual criticava Stalin, e propunha uma coexistência pacífica com o Ocidente. Tal
discurso não significava que o líder soviético abria mão do mundo dominado
pelo comunismo, mas que procurava conquistar Estados neutros por meio de
ajuda econômica.

Os líderes ocidentais não compreendiam totalmente a política de Kruschov,


pois ao mesmo tempo em que tomava atitudes conciliatórias, ele respondia com
políticas de ameaça, visando à manutenção do controle da Rússia sobre os seus
Estados-satélites. Dessa forma, pode-se observar a ação de Kruschov em Budapeste
quando de um levante contra o governo comunista esmagado por tanques
russos. Em 1960, também seguindo a mesma linha política, Kruschov se retira da
Conferência de Paris, como forma de protestar pela presença de um avião espião
(U-2), que havia sido derrubado dentro do território russo. Kruschov insistia que
o Ocidente deveria retirar-se de Berlim, fato que era incentivado pelo líder russo,
devido ao alto número de refugiados que buscava escapar da Alemanha oriental
para a Berlim ocidental. Quando o presidente norte-americano, John Kennedy,
recusa a retirada de Berlim ocidental, os russos iniciam a construção de um muro,
em agosto de 1961. O muro possuía 45 km, que cruzava toda a cidade, bloqueando
rotas de fuga.

128
TÓPICO 3 | O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL NO PÓS-GUERRA

FIGURA 23 – NIKITA KRUSCHOV E KENNEDY

FONTE: <https://bityli.com/0QqpV>. Acesso em: 14 dez. 2019.

129
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

LEITURA COMPLEMENTAR

AS ORIGENS DA GRANDE GUERRA E O ESTATUTO DE GRANDE


POTÊNCIA: O CASO DA ALEMANHA

Patrícia Daehnhardt

Aniversários são catalisadores da memória histórica. 2014 proporciona


logo três eventos importantes para recordar: o centenário do início da Primeira
Guerra Mundial, os 75 anos do início da Segunda Guerra Mundial e os 25 anos da
unificação da Alemanha. Mas provavelmente sobre nenhum outro acontecimento
mundial foi publicado e discutido tanto como sobre a «Grande Guerra». É
consensual entre historiadores e analistas que a Primeira Guerra Mundial foi a
«catástrofe seminal do século XX», como George F. Kennan lhe chamou, e que dela
decorrem implicações importantes que em parte explicam a ocorrência da Guerra
de 1939-45, após duas décadas de ressentimentos mútuos entre as potências
europeias enfraquecidas. Isso levou historiadores e politólogos a falarem de uma
nova ‘Guerra dos Trinta Anos’ ou de uma ‘crise dos vinte anos’. Paradoxalmente
o ‘longo’ século XIX fora marcado por uma prosperidade econômica considerável
– o que explica parte da surpresa de muitos pela eclosão da Guerra quando a
estabilidade da ordem internacional, e europeia, em particular, parecia sustentar-
se no florescimento da economia. O fato de a guerra inicialmente europeia se ter
alastrado para fora da Europa terá sido, igualmente, subestimado.

Entre 1914 e 1918 viveram-se quatro anos de «guerra total», com cerca de
24 milhões de mortes, miséria generalizada e destruição total que mudou o mundo
fundamentalmente. Na gestão de conflitos políticos e militares, a Primeira Guerra
Mundial foi a primeira «guerra total», um conflito tecnológico-industrial em grande
escala que desenvolveu e testou a utilização de armas novas, como tanques, aviões
e submarinos e a arma química como a primeira arma de destruição maciça. Entre
agosto e setembro de 1914, a mais poderosa e próspera parte do mundo, escreve a
historiadora Margaret MacMillan, tinha iniciado um processo de autodestruição.
Foi uma guerra que poderia estar concluída no final do outono de 1914, quando se
tornou claro que os planos de guerra de todas as Grandes Potências participantes
falharam e que a continuação da guerra poria em marcha desenvolvimentos que
todas elas tinham procurado evitar. Mas a Guerra perdurou durante quatro longos
anos e quando terminou, em novembro de 1918, as potências europeias estavam
enfraquecidas, com novos regimes e impérios coloniais debilitados.

O fim da guerra não só marcou o colapso dos regimes monárquicos


das dinastias dos Hohenzollern, Habsburgos e Romanov, a Paz de Versalhes
e o começo do fim do imperialismo europeu e do estatuto da Inglaterra e da
França como duas potências globais; significou também a ascensão dos Estados
Unidos como potência mundial e a revolução comunista na Rússia: a par com
as fraquezas da Europa pós-imperial, os Estados Unidos e a Rússia soviética
ascenderiam a potências extraeuropeias com projetos ideológicos universais
130
TÓPICO 3 | O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL NO PÓS-GUERRA

opostos, a democracia e o comunismo. Por seu turno, a Alemanha imperial foi


derrotada, e o regime político sucessor, a República de Weimar foi incapaz de
travar a emergência, pouco mais de uma década depois, do nacional-socialismo,
o terceiro projeto político de cariz universalista. São estes três Estados com as
suas ideologias opostas, a democracia liberal norte-americana, o marxismo-
leninismo soviético e o nacional-socialismo alemão, que iniciam uma competição
e que se afirmariam como as principais potências do sistema europeu durante os
próximos vinte anos, entrando em conflito, no espaço euro-atlântico e fora dele,
numa segunda «guerra total», entre 1939 e 1945.

Se estas foram as consequências sistémicas decorrentes da Primeira Guerra,


com consequências relevantes para a definição do estatuto de Grandes Potências
e a sua hierarquização sistêmica, outra implicação significativa foi a questão da
culpabilização pelas origens da Primeira Guerra Mundial. A problemática da
«culpa de guerra» é uma temática que tem sido debatida ao longo de décadas
por historiadores, e que reflete o modo como as potências europeias definem as
percepções que têm umas das outras. Por outras palavras, não foram apenas as
consequências geopolíticas da guerra e as cláusulas dos tratados de paz impostas
pelos vencedores que definiriam o futuro relacionamento entre a Alemanha,
Inglaterra, França, Rússia e Estados Unidos; interpretações justapostas sobre as
causas da Guerra, a classificação do papel de cada um dos intervenientes e a
identificação dos culpados pela Guerra e daqueles que para ela foram arrastados
– a culpa versus a passividade e a inocência – continuam a influenciar ainda hoje
o debate sobre as causas da Primeira Guerra Mundial.

Este artigo, não sendo escrito por uma historiadora e não tendo a autora
realizado investigação em arquivos para o efeito, tem como objetivo analisar o
conjunto de debates e de publicações mais recentes sobre o papel da Alemanha
em inícios da Primeira Guerra Mundial. A primeira seção problematiza a temática
do ‘estatuto’ de uma Grande Potência; a segunda seção analisa o debate histórico
sobre a questão da culpabilização e o papel da Alemanha, desde a análise
convencional prevalente na Alemanha até ao revisionismo das décadas de 1960
e 1970 que deu origem ao chamado primeiro ‘debate histórico’ na Alemanha
Federal, até à interpretação prevalente na Alemanha unificada.

A política europeia da Alemanha: ascensão ao estatuto de Grande Potência

Em inícios do século XX, como em tantas épocas da história europeia, a


questão do estatuto de poder de Grande Potência foi um dos catalisadores para a
atuação política dos Estados. A ambição de confirmação de um novo estatuto de
poder ou o receio de perda do estatuto adquirido motivou os principais atores.
No século XIX, o historiador alemão Leopold von Ranke definiu uma Grande
Potência como «aquela que consegue assegurar a sua existência contra todas as
outras, mesmo quando estas estão unidas. (...) Essa Grande Potência é tão potente
que não necessita de nenhuma aliança, dependendo apenas dela própria». No
verão de 1914, a Alemanha parecia segura da sua capacidade de autossuficiência,
da dispensabilidade de alianças e da sua força militar para contrariar alianças

131
UNIDADE 2 | A DESTRUIÇÃO E A RECONSTRUÇÃO DA EUROPA: O CENTRO DE PODER FORA DO CONTINENTE

contra ela criadas. Economicamente, a Alemanha estava a desenvolver uma forte


capacidade industrial e nas ciências naturais e humanas assim como no domínio da
cultura, a Alemanha era um dos países europeus mais modernos. Como afirmara o
historiador Fritz Stern, o século XX poderia ter sido «um século alemão».

Em tempo de paz, o estatuto de Grande Potência pressupunha a aceitação


de deveres e responsabilidade pela estabilidade da ordem europeia e mundial
e o reconhecimento desse estatuto pelas outras potências. Segundo a definição
de Hedley Bull, o primeiro atributo de Grande Potência implica a aceitação de
direitos e deveres e um sentido de responsabilidade pela estabilidade da ordem
do sistema internacional, da segurança e paz internacionais. A França napoleônica
e a Alemanha nacional-socialista, por exemplo, recusaram essa responsabilidade
internacional ao adotarem um revisionismo autodestrutivo. O segundo atributo
de uma Grande Potência é o reconhecimento do estatuto de Grande Potência pelos
outros atores políticos, ou seja, a legitimação desse estatuto no sistema internacional.
O concerto europeu do século XIX, por exemplo, foi a institucionalização de um
sistema internacional assente na aceitação da responsabilidade coletiva de todas
as Grandes Potências pela segurança europeia, articulado com um princípio de
intervenção em caso de conflito para a reposição da ordem do status quo ante.

Em 1914, a Alemanha tinha feito o percurso de ascensão de Grande


Potência, mas o reconhecimento desse novo estatuto pelas outras potências
oscilava entre a rejeição do mesmo, por parte da França, e a necessidade de
acomodação do novo elemento de poder, por parte da Inglaterra. Para além das
potenciais alterações de poder na Europa, esta indefinição no reconhecimento do
novo estatuto à Alemanha tinha a ver com a projeção desta no Próximo Oriente
e no norte de África, o que refletia o aumento do seu poder: Berlim queria ter
também um ‘lugar ao sol’, participar na mesa das Grandes Potências e obter uma
fatia maior dos espólios dos conflitos. Inevitavelmente, esta alteração do estatuto
de poder tinha implicações no estatuto das outras potências europeias, a começar
pela Inglaterra. Na sua ambição de tornar a Alemanha uma potência mundial
que alcançasse um estatuto de poder superior ao da Inglaterra, o imperador
Guilherme II ordenou a construção de uma moderna frota marítima sob o
comando do Almirante von Tirpitz que poderia vir a rivalizar diretamente com a
frota inglesa e destronar a Inglaterra como detentora da maior frota marítima do
mundo. Enquanto que para os alemães o rápido crescimento da marinha imperial
era um marco vital para consolidar a sua posição como potência mundial, bem
como uma alavanca útil para induzir a Inglaterra a aceitar este ‘new kid on the
block’, os ingleses viam a nova política imperial alemã como uma ameaça ao
estatuto de grande império britânico. Por outro lado, a não renovação do tratado
de contrassegurança com a Rússia, significou para esta que a Alemanha estava
a opor-se aos interesses russos, o que levou São Petersburgo a voltar-se para o
inimigo alemão, a França, com a qual veio assinar uma aliança militar em 1892.
O aumento do seu poder material arrastaria consigo um aumento das formas de
projeção desse mesmo poder, mudando a distribuição de poder favoravelmente
para a Alemanha, empenhada no aumento significativo da produção de carvão e
de aço, aproximando-se do nível de produção britânico.

132
TÓPICO 3 | O SÉCULO XX E OS DESAFIOS DA POLÍTICA MUNDIAL NO PÓS-GUERRA

Quando em 2 de agosto de 1914 as tropas alemãs ocuparam o Luxemburgo,


estado neutro, e dois dias depois, em 4 de agosto, invadiram a Bélgica, igualmente
neutra, a caminho da França, a Alemanha deparou-se com uma coligação oposta
de todas as potências europeias – como em 1761 quando Frederico o Grande viu-
se rodeado por uma coligação europeia antiprussiana. Se se partir do pressuposto
de que a hostilização por parte dos seus Estados vizinhos à pretensão de ascensão
a Grande Potência e logo de alteração do status quo na Europa era previsível, em
1914 a Alemanha não atuou como Grande Potência responsável: localizada no
centro da Europa cabia-lhe uma responsabilidade acrescida pela estabilidade do
continente europeu, o que implicava garantir que pelo menos uma das Grandes
Potências europeias – não a enfraquecida Áustria-Hungria – aceitasse coligar-
se com a Alemanha. Uma atitude menos responsável por parte da Áustria ou
da Sérvia não teria produzido implicações tão significativas como a ação da
Alemanha que, conhecendo os riscos envolvidos de uma Guerra com a Rússia
e a França, optou por subjugar o interesse da paz e da estabilidade na Europa
aos seus interesses imediatos – os da consolidação de um estatuto de Grande
Potência através de uma Guerra. Na interpretação do historiador Ludwig Dehio,
a busca em vão da Alemanha de Guilherme II de quebrar a hegemonia mundial
britânica e afirmar a hegemonia alemã como definidora do novo equilíbrio de
poder na Europa precipitou a Guerra, quando a Alemanha iniciou uma «Guerra
defensiva contra a Inglaterra e a sua grande coligação».

A derrota em 1918 evidenciou que, apesar de ter força suficiente para


combater uma potência, a Alemanha seria sempre demasiadamente fraca para
combater todas as outras ao mesmo tempo. A complexidade da posição da
Alemanha no centro da Europa e a forma como os Estados vizinhos responderam
corresponde, historicamente, ao que se denomina de ‘questão alemã’: o dilema
que resultava ou da acentuada fraqueza, ou da excessiva força do Estado alemão,
e da dificuldade de se criar um sistema de equilíbrio que contivesse esta tensão
constante. No primeiro caso, a fraqueza tornava o Estado alemão vulnerável a
pressões externas; no segundo, a Alemanha tornava-se demasiadamente forte
para se manter uma potência europeia equilibrada, com fronteiras estáveis e uma
política externa de uma Grande Potência responsável. Por outro lado, a forma
como as potências vencedoras lidaram com a Alemanha, em 1919, a aplicação de
elevadas reparações de guerra e a ostracização política no sistema internacional,
contribuiu para a debilidade do novo regime democrático da República de
Weimar e facilitou a emergência de uma Alemanha revisionista, que, a partir de
1933, seguiu o objetivo de alteração do  status quo precário do período entre as
duas guerras através de uma política expansionista de germanização da Europa.
Como afirmou recentemente Joseph Nye, «a Primeira Guerra Mundial não era
inevitável. Tornou-se mais provável pelo poder emergente da Alemanha e o
receio que isto provocou na Inglaterra. Mas também se tornou mais provável
pela resposta receosa da Alemanha face ao poder crescente da Rússia, bem como
uma miríade de outros fatores, incluindo erros humanos. »
 
FONTE: <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-91992014000200006>.
Acesso em: 10 abr. 2020.

133
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O fim da Segunda Guerra Mundial inaugurou uma nova fase da política


internacional, marcada pela necessidade de reconstrução das relações entre as
potências e pela tentativa de manutenção de uma paz duradoura. A criação
das Nações Unidas, em junho de 1945, foi fundamental nesse processo,
estabelecendo a estrutura normativa necessária para gerir conflitos entre as
nações e promover a cooperação.

• A rivalidade entre as potências, derivada do conflito mundial, porém, não


foi apagada com o fim da guerra. EUA e URSS emergem como dois grandes
polos divergentes e se estabelecem como as duas maiores potências da política
internacional no século XX.

• Outros acontecimentos marcantes envolveram: (1) a criação do Estado de Israel,


em maio de 1948, como consequência de uma decisão da ONU que previu a
divisão do território da Palestina em dois Estados: um árabe e um judeu; (2) a
criação de uma estrutura de gestão econômica internacional que estabelecesse
regras comerciais e financeiras aos países: o denominado sistema de Bretton-
Woods; e (3) o Plano Marshall, desenvolvido pelo governo americano com o
objetivo de contribuir para a reconstrução da Europa e seus aliados no pós-
guerra.

134
AUTOATIVIDADE

1 A ordem internacional da Guerra Fria teve origem no seio da Segunda


Guerra Mundial. Se formos tomar como “ponto de partida” a Conferência
de Yalta, em 1945, verificamos que os Estados saem da conferência com
diferenças, e a partir dali sucedem vários episódios que escalam um novo
conflito. Apresente os principais episódios dos anos iniciais do período pós-
segunda guerra.

2 Leia as afirmativas a seguir com relação ao Tratado de Versalhes e classifique


V para as verdadeiras e F para as falsas.

I- ( ) A França havia suportado por duas vezes o peso da guerra, contava


com milhares de mortos e era a segunda guerra contra os alemães em
menos de 50 anos.
II- ( ) A Inglaterra não tinha as mesmas exigências de segurança nem de
reparação apresentadas pela França, além disso, via na Alemanha
uma excelente parceira, fornecedora e cliente.
III- ( ) O senado americano ratificou o tratado de Versalhes, cuja elaboração
o presidente Wilson tanto havia contribuído e portanto, recrutou um
exército e enviou ao outro lado do Atlântico em 1917 contribuindo
para o fim da guerra.
IV- ( ) O Tratado de Versalhes levou em consideração e ratificou os 14 pontos
de Wilson, e assim a Alemanha assinou o armistício.
V- ( ) A posição de força que a França ocupava nas conferências do pós-
guerra advinha de três fatores: era considerada a grande vitoriosa
contra a Alemanha, saira da guerra como uma grande potência militar
e era sede das conferências em Paris e em Versalhes.

São afirmativas VERDADEIRAS:


a) ( ) I, II e IV.
b) ( ) I, II e V.
c) ( ) II, IV e V.
d) ( ) I, III e V.
e) ( ) III, IV e V.

3 Leia as asserções que seguem.

Os 43 anos entre 1871 e 1914, apesar de todas as crises diplomáticas,


representaram o segundo maior tempo de paz entre as grandes potências, na
recente história europeia.

PORQUE

No período de 1871 a 1890, a diplomacia da Europa e as relações internacionais


foram dominadas pelas alianças do sistema Bismarck e, posteriormente, com

135
a renúncia forçada de Bismarck inicia-se uma política externa ofensiva que
se caracterizou por tensões crescentes.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma
justificativa correta da I.
b) ( ) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.
c) ( ) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justificativa
correta da I.
d) ( ) A asserção II é uma proposição verdadeira, e a I é uma proposição falsa.
e) ( ) As asserções I e II são proposições falsas.

4 A consolidação da hegemonia norte-americana no pós-guerra estava pautada


pela sua capacidade de exercer uma forte influência no multilateralismo
econômico, assim como na difusão de valores do capitalismo. Para os líderes
norte-americanos, sejam eles democratas ou republicanos, a consolidação
da potência norte-americana e de seu poder mundial estaria pautada na
sua influência e controle no ambiente econômico. Para tanto, desde 1944,
na Conferência de Bretton-Woods, pautam a hegemonia norte-americana
em instituições que estariam fortemente ligadas a este ator. Apresente as
instituições criadas em 1944, suas funções e procure desenvolver como
ajudaram na consolidação da hegemonia norte-americana.

5 Pode-se entender o Plano Marshall como a tradução econômica da


Doutrina Truman. Como anteriormente dito, a consolidação da hegemonia
norte-americana tem como pilares a questão política e a questão econômica.
Apresente as consequências econômicas e políticas do Plano Marshall para
o continente europeu.

136
UNIDADE 3

A GUERRA FRIA E A
POLÍTICA INTERNACIONAL
NA CONTEMPORANEIDADE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender os impactos da Guerra Fria e seus reflexos na Europa, na


Ásia, na África e na América;

• estudar a Corrida Armamentista Nuclear;

• conhecer como se deu o fim da Guerra Fria e o Colapso do Comunismo;

• realizar uma análise em termos gerais da Política Internacional na


Contemporaneidade.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades, com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA


ÁFRICA E NA AMÉRICA

TÓPICO 2 – O FIM DA GUERRA FRIA E O COLAPSO DO COMUNISMO

TÓPICO 3 – A POLÍTICA INTERNACIONAL NA


CONTEMPORANEIDADE

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

137
138
UNIDADE 3
TÓPICO 1

A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA,


NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico, você acompanhará a reconstrução da Europa e a descolonização
da África com o direito à autodeterminação dos povos. A descolonização e a
formação das Organização das Nações Unidas (ONU) buscavam colocar em pé de
igualdade as nações. As superpotências desenvolveram uma corrida armamentista
e espacial, e ainda, dentro desse espírito de disputa enfrentaram crises na América
Central e na Ásia. A hegemonia norte-americana passa a ser central para as relações
internacionais e, assim, não somente na Ásia, mas também na América Central e do
Sul, os EUA promoveram interferências políticas e militares.

2 A FLEXIBILIZAÇÃO DA ORDEM BIPOLAR


A flexibilização da ordem bipolar marcou a segunda metade dos anos
1950, até o fim dos anos 1960. As superpotências já não agiam de forma agressiva
como no imediato pós-guerra. A percepção da capacidade destrutiva de ambos
os atores conduziu a uma coexistência pacífica, sendo este momento definido
como um prenúncio para uma futura dissuasão e flexibilização das relações
internacionais. A Europa, por sua vez, reconstruída sob os auspícios dos Estados
Unidos, incorpora um liberalismo associado a questões sociais que a conduzem
a um desenvolvimento econômico, social e político, com a perspectiva de criação
de uma comunidade europeia entre os atores após décadas de declínio acelerado.

Fora do continente europeu, o nacionalismo aparece em diferentes


espaços geopolíticos, ressaltando o continente africano e o início de sua luta para
um processo de descolonização e independência das colônias, se tornando um
dos fenômenos mais importantes das relações internacionais no final dos anos
1950 e início dos anos 1960. A debilidade econômica das metrópoles europeias e
as redefinições de seus interesses nacionais e estratégicos frente à bipolaridade do
sistema conduziram a transição das colônias africanas para a condição de Estados
independentes. O nacionalismo surgiu, não só na África, mas também na Ásia,
fruto da crise estabelecida no pós-guerra.

Por outro lado, se estabelece uma corrida armamentista entre o Oriente e o


Ocidente, também no início dos anos 1960, principalmente após os russos produzirem
sua bomba atômica. A corrida armamentista e nuclear marca a rivalidade entre as
139
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

superpotências em diferentes espaços, seja em Cuba, seja na Ásia e dentro da nova


instituição internacional criada. Agências de inteligência são criadas em ambos
os lados, profundamente envolvidas em serviços secretos de espionagem. As
manifestações da bipolaridade são mais evidentes na Guerra da Coreia, na Crise dos
Mísseis em Cuba e na Guerra do Vietnã. Observa-se nesse período uma mudança nos
padrões de conduta dos atores, que por vezes se apresentam até como parceiros em
negociações para limitações da proliferação de armas nucleares.

O colapso da ordem comunista, ao fim dos anos 1980, início dos anos
1990, marca o fim de um período de extrema rivalidade entre os atores, e
o surgimento de uma nova ordem internacional, pautada pelo liberalismo
econômico. Logo de início, prenuncia-se uma substituição do mundo bipolar por
um momento unipolar. Entretanto, a potência norte-americana nos anos 1980
passa a manifestar um declínio econômico relativo, com o surgimento de novas
potências tecnológicas e comerciais – o Japão e a própria Alemanha unificada.
Outra característica do período são os conflitos que não mais ocorrem em grande
escala, mas em escala regional, envolvendo atores estatais e não estatais.

O papel do Estado-nação passa a ser repensado mediante a novos


fenômenos que surgem nessa nova ordem internacional, fenômenos de dimensão
política e econômica, como a globalização, a regionalização ou integração. Ao fim
do século XX, início do século XXI, a ordem liberal se expande para espaços nos
quais não era prevista a sua presença. A economia internacional ao longo do fim
do século XX, início do século XXI, se desloca em direção ao Pacífico, em busca
de fatores de produção mais baratos. A China, que já vinha em seu processo de
transformação desde 1949, alcança em finais do século XX, início do século XXI,
patamares de crescimento econômico invejáveis, atraindo para si boa parte de
empresas do Ocidente, transformando a economia política internacional.

DICAS

Assista ao vídeo: 1945 a 1946 - A Guerra Fria - A Vida Após Hitler 1. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=4tv4zU2SonM.

NTE
INTERESSA

Atualmente, a Europa tem revivido os tempos de xenofobia e de nacionalismos


do Período Entreguerras. A Alemanha, após unificação, volta a ser um gigante econômico,
mas ainda hoje convive com movimentos de Direita que estão em ascensão.

140
TÓPICO 1 | A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

É evidente que a coexistência pacífica entre os atores pós 1955, durante


a Guerra Fria, deve ser interpretada como uma flexibilização da ordem bipolar
e também deverá ser interpretada como uma perda de importância relativa das
superpotências nas definições do jogo internacional (SARAIVA, 2008).

Tanto a URSS quanto os EUA passaram a enfrentar obstáculos aos seus


projetos políticos. Por outro lado, a Europa se recompõe de seu quadro dramático
do pós-guerra e volta a ocupar o centro das relações internacionais a partir dos
anos 1950, associando ao seu crescimento e desenvolvimento um projeto de
cooperação econômica. O curso das relações internacionais no continente europeu
passa a ser marcado pelo soerguimento econômico da Europa ocidental e que não
alcança a Europa do Leste, sob influência soviética.

Os europeus ocidentais conseguem transformar a estrutura de seus


respectivos países, fruto da implementação do Plano Marshall. A Europa
restabelece uma mentalidade coletiva, afastando-se do nacionalismo econômico
que fora desenvolvido antes da Segunda Guerra Mundial, e dentro dessa nova
mentalidade, volta-se para um projeto de crescimento e busca de soluções das
respectivas fraquezas dos Estados. As reaproximações ocorrem tanto no âmbito
bilateral quanto no contexto maior, multilateral. Uma nova lógica keynesiana,
baseada na interferência do Estado na economia, foi abraçada na tentativa de
solucionar problemas sociais e econômicos. O crescimento econômico europeu dos
anos 1950 e dos anos 1960 alterou a balança de poder nesse sistema bipolarizado,
trazendo contextos políticos novos, em uma ordem bipolar inflexível e certa
harmonia nas relações intraeuropeias.

Podemos também acrescentar que nesse momento pós-Segunda Guerra


Mundial, o curso das relações internacionais foi ditado por dois polos de poder,
sendo assim caracterizado como um sistema bipolar. Observamos, dessa forma,
que pela primeira vez os centros de poder não estão mais confinados ao continente
europeu. Moscou e Washington passam a disputar a supremacia em diferentes
espaços e estabelecem uma lógica de poder bélica cada vez mais intensa.

Em um primeiro momento, a relação se caracteriza por uma disputa em


termos políticos, econômicos e de segurança, portanto, ideológico, comercial e
estratégico. De 1947 a 1968, essa ordem bipolar é consolidada pela percepção de
uma capacidade destrutiva de ambos os atores. Essa rivalidade já era percebida
desde o fim da Segunda Guerra Mundial, após a Conferência de Teerã, em
novembro de 1943, em Yalta, em fevereiro de 1945, e em Potsdam, em julho de
1945. Nesses três momentos, os aliados (EUA, Grã-Bretanha e URSS) conseguem
estabelecer uma aliança frágil e não conseguiam esconder a emergência de um
antagonismo – entre Grã-Bretanha e EUA e a URSS.

Nesse momento, as diplomacias inglesa e americana passavam a enxergar


Stalin e seu projeto de socialismo como uma ameaça ao desenvolvimento
praticado no Ocidente e defendido pelos gestores dos Estados norte-americano
e inglês. Stalin, por sua vez, assinalava que os mais de 20 milhões de mortos na

141
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

guerra e a reconstrução de seu país eram prioridades e que essas ações seriam a
base formadora de sua política externa. Foi, portanto, um projeto expansionista
soviético que veio ameaçar o Ocidente, principalmente os Estados Unidos.

Esse primeiro momento da Guerra Fria, de 1947 a 1955, é caracterizado


por diferentes historiadores como sendo um período de forte efervescência
política e consolidação de um antagonismo entre os polos. A consolidação da
hegemonia americana viria por meio da diplomacia de George Marshall, e seu
plano de reconstrução da Europa, junto à Doutrina Truman, uma formulação
política universalista feita pelos Estados Unidos, na tentativa de conter
regimes comunistas. Esses dois projetos serão melhor detalhados e discutidos
posteriormente, quando será abordada a reconstrução europeia.

Também nesse primeiro período vê-se a construção de uma organização de


segurança no contexto ocidental e no contexto da Guerra Fria, em que doze nações
ocidentais foram agrupadas em torno de um pacto de defesa contra possíveis
agressões soviéticas. Assim, sob a liderança dos EUA, em abril de 1947, é criada
a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Os EUA apresentavam
a OTAN como uma organização que visava promover a proteção da Europa
ocidental contra possíveis ameaças soviéticas. A Guerra Fria vinha assumindo
proporções globais ao longo dos anos seguintes e, em 1953, quando Eisenhower
assume a presidência dos EUA, a luta contra o comunismo e sua expansão se
fortalece com a criação da Lei de Segurança Nacional e do Departamento de
Defesa norte-americano. A Central Inteligence Agency (CIA) e o Conselho de
Segurança Nacional passaram a ser centrais no sistema político norte-americano
e na sua ambição de defender o mundo do comunismo.

Por seu lado, a URSS, junto ao seu processo de reabilitar as suas zonas de
guerra, reflete a movimentação do Ocidente quando, em 1947, cria o bureau de
informação política, por ocasião da Conferência dos Nove Partidos Comunistas
Europeus, bureau este denominado Cominform, que era articulado entre
comunistas búlgaros, romenos, húngaros, tchecos, iugoslavos, poloneses, italianos
e franceses. O bureau funcionava não só como um instrumento de propagação do
comunismo no mundo, mas também como uma forma de controle ideológico
dos partidos comunistas no leste europeu por Moscou. Tal fato demonstrava a
capacidade soviética de influenciar e intervir no Leste Europeu e a adesão de
Stalin à bipolaridade. Ainda dentro desse primeiro período da denominada
Guerra Fria, ressalta-se o bloqueio da cidade de Berlim, realizado em 1948,
estipulado por Stalin como uma forma de reação à Doutrina Truman.

Berlim estava dividida em quatro áreas de ocupação, conforme a figura a


seguir:

142
TÓPICO 1 | A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

FIGURA 1 – A DIVISÃO DA CIDADE DE BERLIM NO PÓS-GUERRA

FONTE: <https://bityli.com/3fFqb>. Acesso em: 2 abr. 2020.

A cidade de Berlim, que fora dividida por americanos, ingleses, franceses e


soviéticos, tinha o seu lado oriental sob o controle soviético e o lado ocidental sob o
controle dos demais atores. Deve-se lembrar, entretanto, que Berlim, por sua vez,
estava situada dentro da Alemanha Oriental, que estava sob controle soviético. Ao
impedir o tráfego ferroviário e rodoviário do Ocidente, Stalin desafiava os norte-
americanos e tentava impedir a influência inglesa, americana e francesa na cidade
que, por sua vez, estava dentro de uma região sob o seu comando. Assim, Stalin
estabelece um bloqueio à cidade de Berlim, ao que norte-americanos e britânicos
respondem com o transporte aéreo de alimentos, combustíveis e outros materiais
que ajudariam na resistência de Berlim Ocidental. O bloqueio foi lentamente
dissipado quando Stalin se certifica de que seria inapropriado bloquear voos
de norte-americanos e britânicos que davam suporte à população de Berlim
Ocidental. O fracasso do bloqueio estabelecido pelo líder soviético trouxe uma
sensação de vitória aos EUA e alimentava ainda mais a rivalidade entre os blocos.

No segundo momento da Guerra Fria, entre 1955 e 1968, observa-se


uma flexibilização das forças antagônicas das superpotências, principalmente
alimentada pela percepção de ambos os lados da possibilidade de destruição
mútua. Passa-se a alimentar um cenário de coexistência entre os polos,
principalmente porque as tensões passaram a ser secundárias frente a novos
processos que, paralelamente, ocorriam nesse período, como: a recuperação
econômica e política da Europa Ocidental, fruto do êxito da implementação do
Plano Marshall; a própria morte de Stalin, em março de 1953, quando ocorre
um abrandamento da tensão entre os líderes e, paralelamente, passa a ocorrer
um processo de “desestalinização” e, por fim, a ruptura da China com o poder
soviético, com o conflito sino-soviético, no início dos anos 60. Nesse período
também ocorre, além da Crise de Berlim, a Crise dos Mísseis de Cuba, entre
1961 e 1962, em que as duas superpotências quase se enfrentam em uma crise
diplomática, assunto que será melhor abordado posteriormente neste capítulo.

143
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

Surgem também, nesse contexto, divergências dentro dos próprios


partidos comunistas no Leste Europeu, a exemplo da Iugoslávia, em que se
percebe o surgimento de um nacionalismo que confronta uma possível unidade
comunista desenvolvida por Stalin. No contexto internacional, observamos
também os processos de descolonização africanos e asiáticos, assim como o avanço
dos organismos multilaterais criados em 1944 na Conferência de Bretton-Woods.
No campo da segurança pode-se assinalar também o início de um declínio do
desenvolvimento de armas nucleares nessa balança de poder. Todos esses fatores
fazem com que esse segundo momento da Guerra Fria seja conhecido como
“Coexistência Pacífica” (SARAIVA, 2008).

A terceira e última fase da Guerra Fria, que se segue à flexibilização


do relacionamento entre as duas superpotências, ocorre entre 1969 e 1979 e é
denominada “Détente Americano-Soviética”. Nesse momento visualizamos
novos arranjos que trazem uma nova conotação às relações internacionais, em
que por vezes EUA e URSS apresentam-se em uma inédita parceria que poderá
ser vislumbrada já em 1968, quando se assina o Tratado de Não Proliferação
de Armas Nucleares (TNP), depois de anos de intensas negociações. Com
esse Tratado observa-se que, os países que não haviam desenvolvido armas
nucleares, renunciam ao seu desenvolvimento e aquisição. Por sua vez, também
concordavam em submeter seus possíveis programas nucleares à inspeção da
Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

Na sequência desse período denominado Détente, se estabelece em 1968 o


Plano SALT (Strategic Arms Limitation Talks), uma série de reuniões entre norte-
americanos e soviéticos que buscavam o congelamento do desenvolvimento da
produção de armas, bem como o controle de mísseis. Observa-se, em maio de
1972, a assinatura do Acordo SALT, em Moscou, por Nixon e Brechnev. Nos anos
seguintes, os dois chefes de Estado encontrar-se-iam novamente e o Acordo SALT
se transforma no Tratado SALT, que visava reordenar a inserção internacional das
duas grandes potências, em um clima de dissuasão. O avanço dos entendimentos
entre Washington e Moscou traz consigo, também, uma abertura comercial entre
os atores.

DICAS

Assista aos seguintes vídeos:


• 1961 a 1989 - A Guerra Fria - Muro de Berlim.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8TB_2zaiX4k.
• Criação da Comunidade Econômica Europeia 157.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=TGxMbGXoLL4.

144
TÓPICO 1 | A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

3 A EUROPA REESTRUTURADA: A CONSTRUÇÃO


DA COMUNIDADE EUROPEIA
A cooperação intergovernamental trouxe novamente a possibilidade
de uma unificação europeia pela via da integração em busca de prosperidade,
longe de um passado em que a rivalidade entre os atores pautava as agendas dos
europeus. Uma primeira instituição de caráter supranacional europeia nasce em
abril de 1951, fruto do tratado assinado entre atores que seriam denominados
posteriormente como a “Europa dos Seis” (França, Alemanha, Itália, Países
Baixos, Bélgica e Luxemburgo).

FIGURA 2 – A EUROPA DOS SEIS

FONTE: <https://bityli.com/SRyne>. Acesso em: 2 abr. 2020.

A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) pode ser considerada


a base para a evolução da Europa dos Seis em direção ao mercado comum.
Dentro do quadro internacional da Guerra Fria, a integração das forças europeias
buscava conduzir a Europa em direção a uma comunidade não só econômica,
mas também de defesa. Enfim, uma verdadeira comunidade política, uma matriz
que reacomodaria diferentes interesses por meio de conversações bilaterais.

Em outubro de 1954, Jean Monnet, que fora o primeiro presidente da


CECA, propõe a criação de uma comunidade econômica europeia. Tal projeto
buscava reinserir internacionalmente os países europeus. O avanço progressivo
em direção à integração europeia por meio de instituições supranacionais deve
ser entendido ao se detectar a própria fraqueza dos Estados nacionais em operar
isoladamente, seja no campo político, seja nos campos econômico e social. Uma
concertação supranacional seria de interesse de todos.

145
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

NOTA

A importância de Jean Monnet para a integração europeia


Jean Monnet foi consultor de alto nível do governo francês durante as duas guerras mundiais
e responsável pela “Declaração Schuman”, que conduziu à criação da Comunidade
Europeia do Carvão e do Aço (CECA), considerada o primeiro passo para a construção da
União Europeia. Entre 1952 e 1955, foi o primeiro presidente do órgão executivo da CECA.

A articulação de outro chanceler, dessa vez da Alemanha – Konrad


Adenauer – no sentido da construção da unidade europeia, foi fundamental
para fortalecer as ideias atribuídas a Jean Monnet. Ressalta-se que os britânicos
se mostravam reticentes ao projeto de integração europeia. Receosos de um
mercado comum na Europa, os britânicos preocupavam-se com sua soberania e
com implicações na sua economia. A Europa se reconstruía por meio de diferentes
tratados que foram ratificados ao longo das décadas seguintes e contando com o
usual apoio dos Estados Unidos, que enxergavam no processo de ressurgimento
da força europeia uma contenção da expansão do comunismo. A integração
ocidental europeia representava para os Estados Unidos um ambiente econômico
propício para investimento das empresas norte-americanas.

NOTA

O papel de Konrad Adenauer na construção da unidade europeia


Konrad Adenauer foi o político responsável pela fundação da República Federal da Alemanha.
Sua chancelaria (1949-1963) foi responsável por uma série de mudanças na estrutura
institucional do Estado alemão, além da reconciliação com a França e o fortalecimento da
integração regional europeia, que levaram à criação da União Europeia, em 1992.

FIGURA 3 – JEAN MONNET

FONTE: <https://bityli.com/1CTpl>. Acesso em: 9 abr. 2020.

146
TÓPICO 1 | A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

FIGURA 4 – KONRAD ADENAUER

FONTE: <https://bityli.com/qffRl>. Acesso em: 9 abr. 2020.

Ao fim da década de 1950, e durante praticamente toda a década de 1960,


houve uma defesa da “Europa dos Estados” para alguns atores e, quanto para
outros, a defesa de uma “Europa Supranacional”. Essas divergências marcaram
a vida política da comunidade europeia, mas não impediram que o continente
rumasse em direção a uma posterior união aduaneira para um mercado comum,
com uma política agrícola comum e, por fim, com um sistema monetário unificado.
Os estados europeus se inseriram nas relações internacionais contemporâneas
pautados por um movimento contínuo de integração europeia, trazendo novos
desafios à ordem internacional.

O processo passou por diferentes etapas, sendo inicialmente conhecido


como Comunidade Econômica Europeia, ou Mercado Comum Europeu, processo
concretizado por meio do Tratado de Roma de 1957, que foi assinado pelos seis
membros fundadores: França, Alemanha Ocidental, Itália, Holanda, Bélgica e
Luxemburgo. Anteriormente, esse mesmo grupo de países já havia concretizado
a Comunidade Europeia de Carvão e Aço (CECA), no ano de 1951, uma criação
de Robert Schuman, ministro das Relações Exteriores da França.

Na Comunidade Econômica, os seis países se prontificavam a remover


aos poucos os impostos e as cotas alfandegárias para que ocorresse um mercado
comum com concorrência livre. Esse processo estaria reduzido aos membros e,
para os não membros, havia redução de tarifas. Para dirigir essa Comunidade
Econômica Europeia foi criada a Comissão Europeia, órgão que ficou responsável
por dirigir a comunidade, estando a Comissão sediada em Bruxelas e composta
por funcionários públicos e economistas. Ao mesmo tempo, criou-se um conselho
de ministros, que consistia em representantes dos governos de cada um dos
países-membros, o qual trocava informações sobre as políticas econômicas de
seus respectivos governos.

É importante ressaltar que a Grã-Bretanha, mesmo tendo Churchill como


primeiro-ministro novamente em 1951, não parecia ter grandes interesses em
participar do processo. Posteriormente, o primeiro-ministro inglês, Anthony Eden,
não assinou o Tratado de Roma de 1957, que oficialmente criou a Comunidade

147
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

Econômica Europeia (CEE). A objeção da Grã-Bretanha em participar da


comunidade vem no sentido do entendimento de que haveria uma perda de
controle de sua economia e, por sua vez, que decisões da Comissão Europeia
poderiam afetar questões internas da Grã-Bretanha.

ATENCAO

A questão atual envolvendo o Brexit (processo de saída do Reino Unido da


União Europeia, iniciado em 2016, a partir de um referendo popular) pode estar associada
a esse sentimento inglês com relação ao temor de um pertencimento a uma comunidade
econômica.

A maioria dos políticos britânicos estava receosa que a unidade econômica


levasse a uma unidade política e, consequentemente, a uma perda da soberania
britânica. Por volta de 1961, a situação se altera, quando os britânicos anunciam o
seu interesse em entrar na CEE. A economia britânica, estagnada em comparação
às outras economias, com uma redução do poder de compra, conduziu os ingleses a
alterarem sua convicção e a entrada na Comunidade poderia estimular a indústria
britânica a ter mais eficiência. A entrada da Grã-Bretanha na Comunidade não
foi bem aceita pelos membros, principalmente pelo presidente francês Charles
De Gaulle. O líder francês afirmava, em 1961, que os problemas financeiros da
Grã-Bretanha poderiam afetar a comunidade e, dessa forma, vetou o ingresso do
país, decisão ratificada em 1967. A Grã-Bretanha somente consegue aderir à CEE
em 1973, junto à Irlanda e à Dinamarca. Dessa vez, a entrada foi possível devido
à renúncia de De Gaulle em 1969, e seu sucessor, Georges Pompidou, ser mais
acessível ao caso inglês.

A Comunidade passa por sucessivas mudanças, com eleições diretas para


o Parlamento Europeu em 1979, com a introdução do Mecanismo de Taxas de
Câmbio, no mesmo ano, com a adesão da Grécia em 1981 e de Portugal e Espanha,
em 1986. Em dezembro de 1991, a reunião dos Chefes de Estado-membros, em
Maastrich, na Holanda, trouxe maior poder para o Parlamento Europeu, uma
maior união econômica e monetária, que estipularia para um futuro breve a
adoção de uma moeda comum – que seria o Euro – compartilhada por todos os
Estados-membros, próximo ao fim do século XX. É importante ressaltar que a
Europa devastada por duas guerras atingiria, nessa última década do século XX,
um patamar de aliança e cooperação que conduziria a uma política exterior e de
segurança comum.

Nesse sentido, observa-se que os ingleses mantiveram a sua oposição


às ideias de uma Europa federal, de uma união monetária, afirmando que tais
medidas aumentariam os custos de produção e gerariam desemprego. A partir
de 1992, a Comunidade Econômica Europeia passa a ser conhecida como União

148
TÓPICO 1 | A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

Europeia, representando um grande sucesso econômico e boas relações entre os


Estados-membros. O próximo passo seria a adesão de novos Estados do leste
europeu, após o colapso do comunismo. Os primeiros Estados a solicitarem
formalmente sua adesão em 1994 foram Polônia e Hungria.

NTE
INTERESSA

O Reino Unido, depois de um longo debate, se retira da União Europeia


(BREXIT) em 31 de janeiro de 2020.

FIGURA 5 – BANDEIRA DA UNIÃO EUROPEIA

FONTE: <https://bityli.com/UxjS3>. Acesso em: 9 abr. 2020.

Para além das profundas transformações ocorridas na Europa nesse


período, os continentes africano e asiático também passaram durante a Guerra
Fria por processos de mudança. Grande parte das independências de antigas
colônias ocorreu nesse período, conforme abordado será a seguir.

4 A DESCOLONIZAÇÃO AFRICANA E ASIÁTICA


A descolonização da África pode ser considerada um dos grandes
fenômenos das relações internacionais contemporâneas, pois altera não só o
mapa político africano, mas a realidade das relações entre a Europa e a Ásia. A
história da descolonização, não só africana, mas também asiática, está fortemente
associada à Conferência de Bandung, na Indonésia, iniciada em abril de 1955,
quando 29 países (sendo 23 da Ásia e 6 da África) iniciam um processo que ficou
conhecido nas relações internacionais como um terceiro grupo de Estados.

149
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

FIGURA 6 – CONFERÊNCIA DE BANDUNG

FONTE: <https://bityli.com/UmvNZ>. Acesso em: 9 abr. 2020.

Tais atores procuravam uma equidistância em relação aos dois polos que
norteavam o sistema econômico internacional. Tinham, portanto, como objetivo,
a busca de uma alternativa de inserção internacional independente, autônoma,
sem um alinhamento dirigido. O espírito de Bandung vem em sintonia ao espírito
libertário, que conduzira à independência, no pós-guerra, de diferentes países.
O primeiro conjunto de independências pode ser identificado em um grupo de
países eminentemente asiáticos, já em 1947 (Índia, Paquistão, Birmânia e Ceilão).
A Índia conseguira sua independência dos britânicos, o que resultou na separação
entre hindus e muçulmanos, surgindo, portanto, o Paquistão.

NOTA

O processo de independência da Índia


O processo de independência da Índia foi liderado por Mahatma Gandhi e Jawaharlal
Nehru, que defendiam a política da não violência e o pacifismo. O período da Segunda
Guerra Mundial foi marcado na Índia pelo auge das campanhas por independência e pela
participação de movimentos sociais nesse processo. A lei de independência, decorrente
das lutas sociais, foi assinada em 1947 e garantiu a criação de dois Estados: um hindu
(Índia) e um muçulmano (Paquistão).

A França, por sua vez, reconhece ao longo da década de 1940 o Vietnã


como um Estado livre. No caso do continente africano, a experiência de transição
para a independência foi por vezes marcada por guerras violentas, como no caso
da Argélia e do Congo Belga. Em outros espaços, a independência ocorre de
forma mais organizada, como em Gana, em 1957. Não existe um padrão fixo de
transição da situação de colônia para independência, tanto na Ásia, quanto na
África. Alguns conseguem sua independência por meio de negociação pacífica,
outros por meio de conflitos violentos. O colonialismo torna-se uma estrutura
disfuncional para as metrópoles, tanto no contexto militar, quanto no contexto
político-diplomático.

150
TÓPICO 1 | A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

No continente africano, os reflexos da Guerra Fria podem ser observados


quando os EUA e a URSS se envolvem no contexto da descolonização, fato
que também ocorreu em alguns momentos na Ásia. No final dos anos 1960, os
Estados Unidos possuíam cerca de 20 embaixadas na África e em torno de 40
postos diplomáticos e consulares em diferentes partes do continente. A URSS
também buscava manter-se presente na política africana, promovendo diferentes
postos culturais que formariam jovens para desenvolver experiências socialistas
nas regiões. Os soviéticos passam a conceder empréstimos a diferentes governos,
assim como a fornecer aviões e equipamentos que contribuíram para o contexto
das independências desses Estados.

A ruptura com o colonialismo foi uma das grandes conquistas do


nacionalismo africano – seja por meio de transições negociadas, seja por meio
de transições violentas. O grande problema que se descortina posteriormente
à descolonização é a reinserção internacional dos Estados independentes,
sejam eles africanos ou asiáticos, principalmente nesse momento em que está
estabelecida uma guerra fria, em que as superpotências trazem tensões por meio
de sua corrida armamentista. Mesmo com a ordem política da Guerra Fria e
com as independências, os conflitos regionais, tanto na África quanto na Ásia,
persistem. A inserção internacional dos países afro-asiáticos tornou-se complexa,
onde cada país buscava suprir as suas demandas específicas domésticas e tendo
que, ao mesmo tempo, lidar com as dificuldades regionais, além de restabelecer
relações com as ex-metrópoles e com as superpotências.

FIGURA 7 – O PROCESSO DE DESCOLONIZAÇÃO NA ÁFRICA

FONTE: <https://bityli.com/soUgB>. Acesso em: 9 abr. 2020.

5 A CORRIDA ARMAMENTISTA E NUCLEAR


A corrida armamentista entre o Oriente e o Ocidente começa a tomar
grandes proporções a partir dos anos 1950. Os norte-americanos apresentavam
151
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

uma considerável vantagem na fabricação da bomba atômica e os russos se


empenhavam em alcançá-los. A corrida nuclear representava um aporte econômico
considerável para os Estados. Assim, os russos buscam como meta ultrapassar os
norte-americanos, o que aparentemente conseguem em agosto de 1957, quando
produziram um novo tipo de arma (míssil balístico intercontinental), que era
uma ogiva nuclear transportada por um foguete que tinha capacidade de atingir
o território norte-americano.

Nesse sentido, os EUA logo produzem a sua própria versão e, além de


mísseis de longo alcance, passam também a produzir mísseis com alcances mais
curtos, estes poderiam atingir a URSS a partir de pontos de lançamento na Europa
e na Turquia. No ano seguinte, em 1958, os russos lançam o primeiro satélite
terrestre (Sputnik I), o que os Estados Unidos replicam poucos meses depois.

O quadro a seguir ilustra os principais processos ocorridos durante a


Guerra Fria:

QUADRO 1 – LINHA DO TEMPO DA GUERRA FRIA

Fevereiro: Conferência de Yalta/Divisão da Alemanha em zonas de


ocupação.
Junho: Criação da ONU.
1945 Julho: Conferência de Potsdam/Conclusão da bomba atômica pelos
americanos.
Agosto: ataquesaà Hiroshima e Nagasaki.
1946 Março: Ruptura entre os aliados.
Fevereiro: lançamento da Doutrina Truman.
1947 Junho: Criação do Plano Marshall.
Criação do Comecon.
Março: criação da OTAN.
1949 Agosto: conclusão da bomba atômica pelos soviéticos.
Outubro: divisão da Alemanha em dois Estados.
1950 Junho: início da Guerra da Coreia.
1952 Novembro: obtenção da bomba de nitrogênio pelos norte-americanos.
1953 Julho: fim da Guerra da Coreia.
1955 Maio: criação do Pacto de Varsóvia.
1959 Revolução Cubana.
1961 Construção do Muro de Berlim.
1964 a 1975 Guerra do Vietnã.
1985 Governo Gorbatchev na Rússia/Perestroika e Glasnost.
1989 Queda do Muro de Berlim.
1992 Declaração formal do fim da Guerra Fria.
FONTE: O autor

152
TÓPICO 1 | A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

DICAS

Assista a este vídeo: 1959 a 1961 - A Conquista do Espaço - Corrida Espacial


- 03 – Sobrevivência. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=udjZgg3-vmE.

5.1 CHINA E GUERRA DA COREIA


O impacto da Guerra Fria na Ásia contribuiu para a experiência comunista
na China. A ocupação japonesa durante a Segunda Guerra Mundial trouxe para a
Ásia o equilíbrio do poder mundial. Os Estados Unidos apoiam Chang Kai-Chek,
chefe do governo nacional chinês, à época, e diretor-geral do partido Kuomitang,
enquanto os soviéticos apoiam Mao Tsé-Tung, líder do partido comunista. As
alianças se justificam pela proximidade ideológica entre as ideias de Mao e Stalin
e pela intenção norte-americana de se opor à transformação da China em um país
comunista. A expansão do poder de Mao atrai o apoio de Stalin, o que contribui
para a derrota de Chang Kai-Chek e para seu refúgio na ilha de Formosa (Taiwan)
e, em 1949, é proclamada a República Popular da China.

Os americanos, frente a esse processo chinês, concentram suas energias na


reconstrução do Japão, buscando evitar um novo avanço da ideologia comunista.
A Guerra Fria também se manifestou em outras áreas da Ásia, como a península
coreana. Entre 1950 e 1953, a União Soviética e os Estados Unidos demonstraram
seu poder mundial na disputa no nordeste asiático. A Ásia se tornava uma região
de difíceis definições de influência, e a proclamação da República Democrática
Popular da Coreia, pelos comunistas, obrigou os Estados Unidos a desembarcarem
tropas ao sul do país. A península coreana passa a estar dividida em dois países
pelo paralelo 38.

A Guerra da Coreia pode ser entendida como parte do conjunto de crises


da Guerra Fria. Teve início em junho de 1950, quando cerca de 75.000 soldados
do exército popular da Coreia do Norte atravessaram o paralelo 38 (fronteira
entre a República Popular Democrática da Coreia, apoiada pelos soviéticos e pela
China, ao norte, e a República pró-Ocidental da Coreia, ao sul). Essa invasão foi
a primeira grande ação militar do período da Guerra Fria. Os EUA reiteraram
seu apoio à Coreia do Sul em julho, sinalizando seus esforços no combate ao
comunismo internacional.

Durante a guerra, houve uma série de tensões que levaram às grandes


potências a ensaiar um armistício, temendo a expansão do conflito e sua
mundialização. Desse modo, em julho de 1953, a Guerra da Coreia chegou ao
fim. Estima-se que 5 milhões de soldados e civis tenham morrido durante o
conflito. A recuperação pós-guerra foi distinta nas duas coreias. A Coreia do Sul
teve uma das economias de crescimento mais rápida do mundo desde o início

153
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

dos anos 1960 até o fim dos anos 1990. A Coreia do Norte, por outro lado, após
extensivos bombardeios norte-americanos, foi praticamente destruída em termos
industriais. Após o armistício, o líder norte-coreano, Kim Il-Sung, solicitou
assistência econômica e industrial à URSS e à China, que se tornaram os dois
principais parceiros comerciais e políticos do país.

DICAS

Assista aos seguintes vídeos:


• Especial Completo - Coréia Do Norte, Segredos Obscuros - History
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WzwuoqWvOHs.
• Coreia do Norte: O fardo da dinastia Kim.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qN98pj2WnP4.
• Guerra Fria - COREIA: 1949/1953 (EP05-24).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H_hwa0PGDVY.
• BBC tem acesso inédito à Coreia do Norte.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WOUlU7E-MKQ.
• The Creation of The Chinese Empire Documentary - History of China - Emperors &
Power.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Idruy19n2Dg.
• Mao Zedong Documentary - Biography of the life of Chairman Mao Zedong of China.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EnudA5M9l_w.
• O Comunismo Asiático: China, Indochina e Coréia (1946-1989).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DOocTJEqfU4.

NTE
INTERESSA

A Coreia do Norte continua sendo um dos grandes problemas para os EUA,


70 anos depois da divisão da península. A China, por sua vez, é atualmente um dos grandes
desafios econômicos aos EUA. A economia mundial tem se deslocado para a Ásia nas
últimas décadas causando consideráveis prejuízos à economia norte-americana. Já no
início do século XXI, a China torna-se a grande potência econômica que passa a ameaçar
o EUA em diferentes frentes.

5.2 A CRISE DOS MÍSSEIS DE CUBA


Após a Revolução Cubana, de 1959, quando o exército de Fidel Castro
consegue tomar o poder na ilha, depondo o ditador Batista apoiado pelos EUA, as
relações de Cuba com os Estados Unidos pioram consideravelmente. Em janeiro
de 1961, os EUA rompem relações diplomáticas com Cuba e nesse sentido os
russos intensificam a ajuda econômica.

154
TÓPICO 1 | A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

Para os EUA, Cuba era um Estado comunista e, para tanto, o presidente


Kennedy procura invadir a ilha a partir de bases americanas na Guatemala e com
um forte envolvimento da CIA – a agência central de inteligência do país. Os
Estados Unidos buscavam agir para derrubar regimes que considerassem hostis
a sua política. A invasão à Baía dos Porcos, em abril de 1961, foi uma operação
pouco planejada que encontrou resistência nas forças de Fidel Castro. O líder
revolucionário cubano anunciou, no ano a seguir, que havia se tornado marxista
e que Cuba era um Estado socialista. A partir desse momento, o governo norte-
americano anuncia uma campanha para destruir Castro e seu governo.

DICAS

Assista ao vídeo: Fidel Castro. Documentário Discovery completo dublado.


Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=BT7yXpuNCvI.

Nesse sentido, o líder cubano passa a solicitar ajuda militar à URSS. A


ajuda se torna considerável quando Kruschov decide instalar mísseis nucleares
em Cuba, apontados para os EUA, em uma distância de 150 km. Presume-se que
Kruschov pretendia instalar mísseis com alcance de até 3000 km, colocando sobre
a mira dos mísseis soviéticos diferentes cidades norte-americanas. Em outubro
de 1962, aviões espiões norte-americanos conseguem fotografar uma possível
base de mísseis em construção, gerando uma das maiores crises internacionais
da contemporaneidade. É claro que devemos considerar que essa situação
colocaria os americanos sob uma forte ameaça, da mesma forma que os russos se
encontravam frente aos mísseis norte-americanos instalados na Turquia. Os norte-
americanos haviam cercado os russos com bases militares e agora se encontravam
possivelmente sob a mira dos inimigos.

A crise dos mísseis de Cuba foi um dos processos de negociação mais


intensos e, ao mesmo tempo, tensos, que se viu durante o período denominado
Guerra Fria. Talvez Kruschov pretendesse apenas barganhar com o Ocidente
para que os mísseis norte-americanos pudessem ser retirados da Europa. A crise
durou apenas alguns dias, mas foi extremamente tensa e seus resultados foram
importantes, principalmente porque os atores compreenderam a facilidade com
a qual uma guerra nuclear poderia ser iniciada e os resultados poderiam ser
terríveis para a humanidade.

155
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

FIGURA 8 – FIDEL CASTRO E NIKITA KRUSCHEV

FONTE: <https://bityli.com/Td8Ak>. Acesso em: 9 abr. 2020.

DICAS

Assista ao filme Treze dias que Abalaram o Mundo (2000). Trata-se de um


filme no qual o Presidente John F. Kennedy e os membros de sua equipe descobrem que
uma base nuclear está sendo construída em Cuba. Vale a pena conferir.

NTE
INTERESSA

Cuba sofre até hoje com o embargo econômico implementado pelos EUA
nos anos 60, mesmo não representando nenhuma ameaça ao país. Durante o governo
Obama houve certo relaxamento das relações tensas entre os atores, mas atualmente, na
gestão Trump, voltam a existir tensões e forte embargos à ilha.

5.3 GUERRA DO VIETNÃ


A península da Indochina consistia em três áreas – Vietnã, Laos e Camboja
– e fazia parte do império francês no sudeste da Ásia. Também nesse território,
os EUA intervieram para conter a expansão do comunismo. No imediato pós-
guerra, de 1946 a 1954, os vietnamitas lutaram pela independência em relação
à França. Durante a guerra também tiveram que resistir aos japoneses. No final
da guerra, o líder Ho Chi Ming declara a independência do Vietnã. Passa a
enfrentar hostilidades dos franceses, em uma luta que se prolonga por oito anos,
culminando na derrota francesa e uma França desgastada pela Segunda Guerra.

156
TÓPICO 1 | A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

FIGURA 9 – A PENÍNSULA DA INDOCHINA

FONTE: <https://too.by/webimage/countrys/asia/indochina.gif>. Acesso em: 9 abr. 2020.

Foi decisivo o apoio de Mao Tsé-Tung a esse conflito, fornecendo armas


e equipamentos. Por sua vez, os EUA também se envolveram, transformando
o conflito na península em parte da Guerra Fria e da luta contra o comunismo.
Enquanto os norte-americanos forneceram aos franceses ajuda militar e
econômica, o novo governo chinês fornecia equipamentos e armas aos rebeldes.
O Acordo de Genebra de 1954 traz a independência ao Laos e ao Camboja e o
Vietnã fica dividido em dois Estados pelo paralelo 17. O governo de Ho Chi Ming
é reconhecido pelo Vietnã do Norte e para o Vietnã do Sul propõem-se eleições em
julho de 1956. As eleições não foram realizadas e a situação se tornava semelhante
à da península coreana. Por fim, uma guerra civil se desenvolve na península,
com a presença dos Estados Unidos.

NOTA

A Conferência de Genebra (1954)


Entre abril e julho de 1954 ocorreu a Conferência de Genebra, na Suíça, com o objetivo de
solucionar as tensões políticas na península coreana, além da tentativa de unificação do
Vietnã e da discussão sobre a restauração da paz na Indochina.
As grandes potências à época estiveram presentes e discutiram os denominados “Acordos
de Genebra”, que separaram o Vietnã em duas zonas: ao norte, governada por Viet Minh,
e ao sul, chefiada pelo imperador Bao Dai.

157
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

Os EUA apoiavam o Vietnã do Sul, também numa tentativa de impedir


uma vitória comunista nas eleições, o que poderia causar um efeito dominó,
implicando que vários países da região pudessem desenvolver governos
comunistas. O envolvimento norte-americano no Vietnã foi diferente do ocorrido
na Coreia, onde eles lutaram como parte de uma coalizão da ONU. Em diferentes
fases, a guerra do Vietnã atravessa a década de 60 com um envolvimento cada
vez mais profundo dos Estados Unidos. Três líderes norte-americanos estiveram
envolvidos no Vietnã: Kennedy (1961-1963); Johnson (1963-1969) e, por fim,
Nixon (1969-1974).

NTE
INTERESSA

A guerra do Vietnã é considerada uma das grandes derrotas inexplicáveis que


os EUA tiveram no século XX.

O governo Nixon acaba por organizar um cessar-fogo, acordando que


as tropas norte-americanas seriam retiradas do Vietnã e, consequentemente, o
Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul teriam como fronteira o paralelo 17. Essa atitude
foi resultado da extrema pressão popular para a saída do conflito, uma vez que
uma série de fotografias e imagens da guerra foram divulgadas na mídia norte-
americana e a quantidade de mortos no exército americano chegou a números
alarmantes. Os protestos pelo fim da participação norte-americana na guerra são
inseridos na série de movimentos de contracultura, que defendiam o pacifismo e
o fim da sociedade moralista e tradicional.

A retirada dos EUA não cessou o conflito e, em abril de 1975, Saigon, no


Vietnã do Sul, foi ocupada pelo Vietnã do Norte. Estava, enfim, o país unificado
e livre de intervenção estrangeira e sob um governo comunista. O comunismo
também se expandiu para os vizinhos Laos e Camboja, tornando assim a política
externa dos EUA, que visava impedir a expansão do comunismo, um completo
fracasso. O Vietnã foi unificado com um custo enorme de vidas.

Os problemas causados pela guerra afetaram não só o Vietnã, mas


representaram um golpe considerável nos EUA, levando a um profundo impacto
na sociedade norte-americana. Associa-se à guerra, e ao escândalo Watergate, a
renúncia do presidente norte-americano Richard Nixon. Futuros governos norte-
americanos deveriam, a partir desse episódio, avaliar de forma mais criteriosa o
comprometimento do país em situações semelhantes. A guerra foi uma vitória
para o comunismo na Ásia.

158
TÓPICO 1 | A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

NOTA

O Escândalo Watergate
Richard Nixon era membro do partido republicano e candidato à reeleição à Presidência
dos Estados Unidos em 1972. Durante a campanha, o jornal Washington Post denunciou
um assalto ao Comitê do Partido Democrata no complexo de prédios “Watergate” e
verificou-se a tentativa de instalação de aparelhos de escuta, provavelmente com o
objetivo de descobrir a estratégia democrata para as eleições. Durante a investigação do
caso, verificou-se a participação de Nixon no incidente, levando a sua posterior renúncia
em agosto do mesmo ano.

FIGURA – NIXON

FONTE: <https://bityli.com/Pootv>. Acesso em: 15 dez. 2019.

No contexto da Guerra Fria, pode-se verificar na América Latina a


interferência dos EUA em assuntos de domínio interno. A região foi uma
área estratégica nesse período, pois importantes acontecimentos em que as
hostilidades do governo norte-americano foram manifestadas alteraram o rumo
político próprio da região, seja no Brasil, com a instalação de um governo militar,
seja no Chile, com a derrubada do governo socialista de Salvador Allende, seja
na Argentina, com um golpe que também trouxe anos de governos militares. O
subtópico a seguir apresentará o caso do Chile, em que um governo socialista
eleito é retirado do poder por meio de um golpe e, posteriormente, resulta na
morte de seu líder.

DICAS

Assista aos seguintes vídeos:


Bom dia, Vietnã (1987)
The Post (2017)
Vietcong 45
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lKBDxsZEqIk.

159
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

5.4 O CHILE E A DERRUBADA DE SALVADOR ALLENDE


Em setembro de 1970, o médico chileno, Salvador Allende, de formação
marxista, vence as eleições presidenciais, com uma coalizão de esquerda que
incluía sociais-democratas, socialistas e comunistas. A vitória da unidade popular
foi uma vitória que trouxe ao poder o primeiro líder marxista do mundo eleito
democraticamente. O Chile passava por consideráveis problemas econômicos
e Allende acreditava na distribuição de renda, na redistribuição de terras e na
nacionalização de indústrias de base, assim como de bancos. Diplomaticamente,
reatou reações com Cuba de Fidel Castro, com a China e com a Alemanha oriental.
As políticas implementadas pelo presidente chileno começam a sofrer duras
críticas, sendo fortemente desaprovadas pelos Estados Unidos.

Grupos de oposição se uniram para agir contra Allende, organizando uma


grande greve e conquistando o apoio do exército. Nesse sentido, a direita chilena
deu um golpe militar organizado por generais e estabeleceram uma ditadura
militar, liderada pelo general Pinochet, em que líderes de esquerda foram
assassinados ou presos, e o próprio Allende, segundo alguns autores, cometera
suicídio. A CIA, em associação ao governo militar repressivo brasileiro, cumpriu
um papel vital na preparação do golpe, também como parte vital do esforço para
impedir a expansão do comunismo na América Latina.

Portanto, as intervenções dos Estados Unidos, na tentativa de conter o


comunismo, podem ser evidenciadas na América: Chile e Cuba, e na Ásia: no
Vietnã e na Coreia, sempre um trabalho associado entre o Departamento de
Estado e a Agência Central de Inteligência (CIA). Muitas vezes alguns regimes
passaram a ser rotulados de comunistas, sem de fato serem, e tentavam derrubá-
los simplesmente porque implementavam políticas contrárias aos interesses
norte-americanos.

NTE
INTERESSA

O Chile vive nos dias atuais os efeitos da política econômica neoliberal


implementada pela ditadura militar que derrubou Pinochet.

DICAS

Assista ao seguinte vídeo: A Batalha do Chile Parte II O Golpe de Estado.


Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UEw7aL1jjcI.

160
TÓPICO 1 | A GUERRA FRIA: REFLEXOS NA EUROPA, NA ÁSIA, NA ÁFRICA E NA AMÉRICA

FIGURA 10 – SALVADOR ALLENDE

FONTE: <https://bityli.com/B6LIS>. Acesso em: 15 dez. 2019.

No próximo tópico, abordaremos os últimos momentos da Guerra Fria e o


processo de negociação entre as duas grandes potências. Além disso, o foco será
no colapso do comunismo na URSS e a queda do Muro de Berlim.

161
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• A Guerra Fria teve várias fases, não sendo um período histórico homogêneo e
de fácil compreensão.

• A bipolaridade entre EUA e URSS definiu os rumos da política internacional


no século XX e foi responsável por uma série de conflitos que envolveram,
direta ou indiretamente, as duas grandes potências.

• As Guerras do Vietnã e das Coreias, além da Crise dos Mísseis em Cuba


são exemplos de acontecimentos marcantes nesse período, que definiram
o tom e o nível de escalada de tensões, marcada pela corrida nuclear e pelo
desenvolvimento de tecnologia militar de ponta.

• O período também foi marcado por mudanças no ordenamento europeu, que


passa a adotar a integração regional como ferramenta de articulação política e
de manutenção da paz no continente. Nesse contexto, destaca-se a criação da
Comunidade Econômica Europeia (CEE), que foi o embrião da União Europeia,
criada em 1992.

• As mudanças trazidas pelo século XX também afetaram os continentes


africano e asiático, que passaram por processos importantes de descolonização
e independência, reafirmando o princípio de autodeterminação dos povos e se
inserindo na sociedade internacional como um todo.

162
AUTOATIVIDADE

1 “A Partilha da África entre as potências europeias representa o fenômeno


mais espetacular e, ao mesmo tempo, menos compreensível do novo
imperialismo. Por volta de 1876, só 10% do território africano estavam sob
domínio colonial: incluíam a colônia francesa da Argélia, a colônia britânica
do Cabo, os resíduos marginais do primeiro Império Português e algumas
pequenas posses territoriais no litoral da África Ocidental [...]. A posse
colonial que abrangia 10% do território africano passou a cobrir, em 1900,
90% do território” (SARAIVA, 2008, p. 99). Observamos na citação que o
avanço das forças capitalistas, na segunda metade do século XIX e no início
do século XX, expandiram para outros territórios, no caso citado, a África.
Associe e descreva o movimento de descolonização com o fim da segunda
guerra mundial.

2 Após a guerra iniciou-se uma nova fase das relações internacionais no qual
EUA e URSS assenhorearam-se dos espaços e criaram um condomínio de
poder. Os anos entre 1947 e 1968 evidenciaram a consagrada ordem bipolar.
Stalin não reconstruiria a economia soviética na lógica da abertura comercial
ao Ocidente. Dessa forma, doutrinas, planos e instituições surgiram de
ambos os lados, em um movimento de ação e reação. Desenvolva a temática,
descrevendo-a.

3 Após a Segunda Guerra Mundial, uma “Cortina de Ferro”, nas palavras


de Churchill, caiu sobre a Europa. É importante lembrarmos que não
só o continente europeu sofreu os impactos do período que passou a ser
denominado Guerra Fria. Identifique os processos na Ásia, Europa e na
América. Desenvolva um texto dissertativo apresentando a Guerra Fria e
suas dimensões.

163
164
UNIDADE 3
TÓPICO 2

O FIM DA GUERRA FRIA E O


COLAPSO DO COMUNISMO

1 INTRODUÇÃO
Os últimos momentos da Guerra Fria foram marcados por uma coexistência
e por dissuasão entre as grandes potências, assim como pela gradual necessidade
de reformas políticas e econômicas na URSS. O presente tópico tem como objetivo
discutir os acontecimentos derradeiros do conflito, a emergência de Gorbatchov
na Rússia e o declínio do comunismo ao leste europeu. O primeiro subtópico
trata dos acordos de limitação do uso de armas nucleares, o que já sinalizava que
o conflito estaria próximo do fim. O segundo discute os últimos momentos da
URSS e sua dissolução gradual, a partir das reformas e mudanças implementadas
por Gorbatchov.

2 A DISSUASÃO POSSÍVEL
O relaxamento permanente das tensões entre os atores, denominado
“détente”, pôde já ser percebido a partir de 1970. Após as crises em Berlim, nos
anos 60 e em Cuba, os atores reavaliam o padrão de conduta e de política frente
aos limites impostos, respectivamente, por ambos. A partir de um equilíbrio do
terror acadêmico, de uma corrida espacial, e de uma constante disputa entre
Washington e Moscou, durante uma boa parte dos anos 60, atinge-se uma fase
mais madura do relacionamento entre as superpotências e novos arranjos passam
a ser estabelecidos.

DICAS

Assista ao seguinte vídeo: President Nixon Welcomes Leonid Brezhnev to the


United States. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B9IcLbgnzfY.

165
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

NTE
INTERESSA

O líder soviético, Brezhnev, ficou no poder por décadas tendo que conviver
com diferentes líderes norte-americanos, democratas e republicanos.

Ocorre uma progressiva erosão da ideologia implementada nos dois


blocos e cria-se uma nova conotação das relações internacionais. Por vezes,
EUA e URSS apresentam-se como parceiros e, de uma forma inédita, trocam a
confrontação direta por negociações e limitações das armas nucleares. O medo
de uma catástrofe nuclear, em que não poderia haver um só vencedor, e frente
aos horrores da Guerra do Vietnã, os países se propunham a estabelecer uma
nova relação. Para a União Soviética, as despesas militares e da corrida nuclear
e espacial se tornavam elevadas, levando o país e seus Estados-satélites a sérias
dificuldades econômicas. Por sua vez, os EUA buscavam uma nova forma de
enfrentar o comunismo em comparação àquela que estava sendo implantada até
o fracasso no Vietnã.

Um acordo assinado em 1967 proibiu o uso de armas nucleares, mas


o grande avanço veio em 1972, quando os dois países assinaram o Tratado de
Limitação de Armas Estratégias (Strategic Arms Limitation Treaty), conhecido
como SALT I. Os países não nucleares, ou seja, aqueles que não haviam realizado
experimentos nucleares até julho de 1967, deveriam cumprir com o tratado na
categoria de países não nucleares, renunciando ao desenvolvimento e aquisição
de armas nucleares, além de concordar em submeter seus programas nucleares à
inspeção da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

FIGURA 11 – ASSINATURA DO SALT I

FONTE: < https://bityli.com/0zSUi>. Acesso em: 15 dez. 2019.

Os presidentes Brejnev e Nixon se reuniram em negociações por três vezes


para mais um tratado, que passou a ser conhecido como SALT II. As suspeitas
com relação aos russos voltam à agenda internacional quando eles invadem o

166
TÓPICO 2 | O FIM DA GUERRA FRIA E O COLAPSO DO COMUNISMO

Afeganistão, em fins de 1979, o que conduz a ambos os lados novamente, na


primeira metade dos anos 80, a fortalecerem seus arsenais nucleares. O presidente
norte-americano, Ronald Reagan (1981-1989), buscava um novo sistema de
armamentos, a iniciativa estratégica de defesa, também conhecida como “Guerra
nas Estrelas”, que visava usar armas instaladas no espaço para destruir mísseis
balísticos. O projeto não tem apoio e, por sua vez, o novo líder soviético, Mikhail
Gorbachev, e Reagan realizam uma série de reuniões de cúpula que buscam
eliminar, num prazo de 15 anos, o uso de armas nucleares.

3 O COLAPSO DO COMUNISMO
As duas últimas décadas do século XX representam um momento de
transição entre a Guerra Fria e uma nova ordem internacional. Assim, separa-se
um momento de bipolaridade com uma nova situação política e econômica, que
pode ser entendida num momento inicial como unipolaridade norte-americana,
mas que avança para múltiplas polaridades na medida em que a União Europeia
se fortalece na Europa e os demais continentes passam por mudanças que levam
à emergência de uma série de lideranças regionais.

O período é marcado, então, por uma crise do regime socialista, o seu


modo de produção e organização política e, nesse sentido, reafirma-se uma
economia de mercado e a ordem democrática.

Os países do leste europeu aparentemente estavam sob um firme


controle de Moscou, mas ao longo da última década houve um crescimento do
descontentamento com a linha dura e com as políticas direcionadas à Polônia e
à Tchecoslováquia. Pode-se também associar aos graves problemas econômicos
que os países do Leste estavam sofrendo, situação muito pior que os demais
Estados-membros da Comunidade Econômica Europeia. Num curto prazo, entre
agosto de 1988 e dezembro de 1991, o comunismo desaparece do leste europeu.
O primeiro Estado a rejeitar o comunismo foi a Polônia, seguido pela Alemanha
Oriental, Hungria e os demais Estados-satélites de Moscou.

No fim de 1991, a própria Rússia, depois de 74 anos, deixa de ser


comunista. As causas que conduziram a esse fenômeno podem estar associadas
a diferentes variáveis. O comunismo foi um fracasso econômico, na forma como
existia no leste europeu. Não houve melhora do poder de compra da população,
o sistema econômico era centralizado e sujeito a restrições, como a obrigação dos
países-membros realizarem comércio dentro do bloco comunista. Deve-se levar
em consideração também o relativo contato com o Ocidente a partir da década
de 1980, o que veio trazer informações à população do leste europeu sobre a
considerável diferença do padrão de vida entre a Europa ocidental e a Europa
oriental.

Nesse sentido, a opinião pública acabou por canalizar a culpa de toda


a situação econômica deteriorada no regime político e nos próprios líderes do

167
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

sistema comunista. Mikhail Gorbachev, líder da URSS a partir de 1985, reconhece


os problemas e a ineficiência do sistema. Na tentativa de salvar o comunismo,
revitalizando-o e modernizando-o, introduz novas políticas, como a Glasnost
(transparência) e a Perestroika (reforma econômica e social). As políticas tinham
como objetivo aproximar a população das decisões governamentais, trazendo
maior participação política e liberdade de manifestação. Fora previsto o fim da
censura à mídia, anistia a presos políticos, desmilitarização gradual da política
externa, redução da indústria bélica, redução gradual de subsídios à economia, e
liberalização gradual da economia.

O líder soviético também busca atrair novos líderes mais progressistas,


não só dentro da Rússia, mas também nos Estados-satélites, como Polônia,
Albânia e Romênia. A certa altura, o movimento de reformas mostrou-se sem
controle, quando críticos de diferentes matizes se voltaram contra o próprio
partido Comunista e a opinião pública contra o próprio Gorbachev. Semelhante
processo ocorreu também nos Estados-satélites, nos quais os líderes dos governos
não estavam preparados para a avalanche de reformas que se demandava. As
rebeliões se espalham em diferentes Estados e os manifestantes passam a desafiar
a ameaça de violência de seus respectivos governos.

FIGURA 12 – BUSH E GORBACHEV

FONTE: < https://bityli.com/uTiKG>. Acesso em: 9 abr. 2020.

A revolução proposta por Gorbachev, em 1985, quando assumiu a


liderança da URSS, pode ser considerada como o mais profundo processo ocorrido
em território russo desde a Revolução de outubro de 1917, que pôs fim ao regime
czarista. A descentralização da economia, uma menor rigidez na planificação
econômica e mais liberdade de expressão eram movimentos inéditos e pouco
esperados pelos russos, pois sinalizam mais democracia. Todo esse processo
impulsionou os movimentos pró-democracia, mas também trouxe à tona os mais
conservadores, saudosos do período stalinista alocados principalmente no partido
comunista soviético. Existia uma camada dirigente soviética dentro do partido
que ao mesmo tempo estava na direção das fábricas, nas Forças Armadas, no alto
escalão do funcionalismo estatal. Tais membros não estavam dispostos abrir mão
de privilégios, a maioria inacessível para grande parte dos trabalhadores russos.

168
TÓPICO 2 | O FIM DA GUERRA FRIA E O COLAPSO DO COMUNISMO

O novo líder soviético encontrava, portanto, forte resistência a sua proposta


revolucionária.

A liberalização do regime soviético, a partir de 1985, e o abandono do


regime comunista na forma como foi inicialmente implementado nos países da
Europa central e oriental, acabam por conduzir ao próprio desaparecimento da
URSS, em 1991. Tal fato pode ser entendido como a grande transformação do
sistema internacional ocorrida desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Caracteriza-se, portanto, com esse momento derradeiro soviético, o fim da


Guerra Fria – momento que havia sido caracterizado pela disputa entre a União
Soviética e os Estados Unidos – e o surgimento de um sistema internacional
designado por “pós-hegemônico”. O fenômeno termina com um sistema baseado
em diferentes zonas de influência, regidas cada uma por sua respectiva liderança
– ocidental e o leste europeu. As economias que anteriormente eram economias
planejadas vão se transformando lentamente em economias de mercado, processo
que há quase uma década já havia sido iniciado na República Popular da China
por Deng Xiaoping.

Devemos lembrar que, no caso chinês, o líder Xiaoping implementou


reformas, a partir de 1978, que reformularam o papel da China na economia
mundial e transformaram o perfil do país: de agrário e tecnologicamente
defasado a uma das maiores indústrias do mundo. Houve modernizações nos
setores da ciência e tecnologia, comércio, indústria, agricultura e no setor militar.
A diplomacia chinesa também se expandiu, promovendo acordos e atração de
investimentos estrangeiros, a partir da criação das Zonas Econômicas Especiais
(ZEEs), nas quais as empresas multinacionais puderam se instalar.

Deng Xiaoping, ao ser conduzido à direção do Partido Comunista Chinês,


se torna o novo homem forte da China e não abandona a ideologia comunista. Ao
mesmo tempo, faz uma inédita abertura econômica acompanhada de redução nos
gastos militares, restabelece formas de propriedade privada na agricultura e traz
para a agenda de debates a ideia de lucro nas empresas e atração de investimentos.

Uma década mais tarde, em 1989, inicia o debate sobre privatizações de


empresas estatais, além de ampliar contatos com os EUA e reaproximar-se da
URSS. Todo esse processo ocorrido, como dito anteriormente, foi sem abandonar
a ideologia comunista, portanto, não se adotou o modelo político das democracias
ocidental, estando o partido comunista monopolizando o poder e barrando
qualquer reivindicação por democracia. A conhecida Manifestação na Praça da
Paz Celestial, ocorrida em 1989, quando o exército sufocou de maneira violenta o
movimento pró-democracia, pode ser considerado um dos maiores exemplos de
repressão manifestada pelo rígido regime chinês.

169
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

E
IMPORTANT

A partir das reformas de 1978, o país avançou em direção à adoção de um


“socialismo de mercado”, um modo de produção complexo regido por diferentes modos e
relações de produção. Em suma, consiste em um modelo em que os meios de produção
básicos são de propriedade estatal, sendo operados socialmente como uma economia de
mercado. Os lucros gerados por empresas estatais no país são alocados para a remuneração
dos empregados, ou acumulados em uma forma de financiamento público.

Por sua vez, a URSS avança para a economia de mercado de forma pouco
organizada, com o processo se espalhando pela Europa Oriental, principalmente
após a queda do Muro de Berlim em 1989. O fenômeno da integração econômica
mundial, dentro de um sentido maior de economia de mercado, passa a ser
identificado como um fenômeno de globalização econômica. O processo de
transição do socialismo para o capitalismo, que vários países atravessam nesse
momento, trouxe mais impacto ao fenômeno da globalização. Outros países do
terceiro mundo também aumentam a sua presença nessa economia a partir dos
anos 1980, buscando diminuir sensivelmente o grau de intervenção governamental
e uma abertura econômica e maior liberalização comercial.

DICAS

Assista a estes vídeos:


• Os últimos dias da URSS - completo dublado.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9VN3Sd2H66Y.
• Entrevista Gorbachev - 20 Anos do Fim da URSS.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oyQs7lwA_PY.

NTE
INTERESSA

Na entrevista indicada no UNI anterior, verificamos que apesar do fracasso


de seu plano político e econômico, Gorbachev é considerado um dos grandes líderes
mundiais do século XX.

170
TÓPICO 2 | O FIM DA GUERRA FRIA E O COLAPSO DO COMUNISMO

3.1 A QUEDA DO MURO DE BERLIM


A rejeição gradual do comunismo também ocorreu nas zonas de influência
da União Soviética. O caso mais paradigmático foi o da Alemanha Oriental.
Dividido desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o país tinha o Muro de Berlim
como o grande símbolo da Guerra Fria e da bipolaridade mundial. O fim da
década de 1980 também foi de crise econômica, aumento da dívida externa e
escassez de recursos na Alemanha Oriental, o que levou à crescente insatisfação
popular e emergência de partidos e grupos não comunistas com apoio civil.

Uma série de manifestações levou o governo a anunciar uma lei de


mobilidade que acabava com as restrições na fronteira da Alemanha Oriental.
Em novembro de 1989, uma multidão de manifestantes empreende esforços para
derrubar o muro, simbolicamente iniciando a reunificação do país. O processo foi
formalizado em outubro de 1990 e finalizado em1991. A figura a seguir ilustra um
dos momentos da derrubada do Muro de Berlim.

FIGURA 13 – A QUEDA DO MURO DE BERLIM

FONTE: <https://bityli.com/KVwjS>. Acesso em: 9 abr. 2020.

Assim, conclui-se que a crise do socialismo, no fim dos anos 1980, atuou
como um catalisador no poderoso processo de transformação do sistema em
termos políticos e econômicos, abrindo assim um novo espaço nas relações
internacionais. A ordem de Vestfália e o equilíbrio de poder conhecido desde o
século XIX foram colocados em xeque, não só pelas transformações ocorridas, mas
pelo surgimento de outras formas de conflito, mais regionalizadas, envolvendo
etnias ou movimentos nacionalistas.

171
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

NTE
INTERESSA

Os conflitos regionalizados são a nova vertente das guerras na segunda


metade do século XX. O sistema não traz grandes guerras envolvendo atores estatais
como na primeira metade do século XX.

172
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• O fim da Guerra Fria foi marcado pelo colapso gradual do comunismo, não só
na URSS em si, mas em boa parte de suas zonas de influência.

• Uma série de crises econômicas, o aumento da dívida externa, escassez de


recurso e a perda de sustentação popular foram alguns dos fatores que levaram
ao crescimento da insatisfação da população e à emergência de movimentos de
oposição ao comunismo.

• A queda do Muro de Berlim foi o grande símbolo desse processo, que culminou
com a abertura econômica soviética e com uma série de reformas político-
econômicas no país.

173
AUTOATIVIDADE

1 A détente americano-soviética dos anos 1970 trouxe um novo impulso às


relações internacionais. Desde a crise dos mísseis, em Cuba, pode-se perceber
uma modificação nos padrões de conduta da política externa dos gigantes.
Apresente a nova conotação das relações internacionais percebida na etapa
final da Guerra Fria.

2 Apresente como podemos entender o fim do comunismo na URSS e como


no território chinês o novo líder traz uma nova concepção econômica, sem
abandonar o dogmatismo comunista.

3 Apresente as reformas propostas para a URSS e as resistências encontradas


pelo novo líder soviético, como associar o momento à queda do Muro de
Berlim.

174
UNIDADE 3
TÓPICO 3

A POLÍTICA INTERNACIONAL NA
CONTEMPORANEIDADE

1 INTRODUÇÃO
A política internacional pós-Guerra Fria é marcada majoritariamente pela
ascensão de temas não tradicionais, como a agenda de governança ambiental,
proteção aos direitos humanos, não proliferação de armas nucleares e gestão
econômica. Essa ampliação de temas na agenda internacional foi reflexo dos
esforços dos Estados de manutenção de uma ordem internacional pacífica. Isso
não significa, porém, que os conflitos internacionais findaram – o fim da Guerra
Fria também marca uma mudança na temática de segurança internacional. Se
antes os conflitos eram fortemente marcados por rivalidades e alianças em nível
mundial, agora passam a ter caráter regional.

Além disso, a contemporaneidade traz uma dimensão “desterritorializada”


dos conflitos, principalmente a partir dos atentados terroristas em setembro de
2001, nos Estados Unidos. O medo e o “terror” passam a ser dimensões de análise
das Relações Internacionais e a condução das estratégias de combate a essas
ameaças acabam por moldar a política internacional no século XXI.

O terceiro e último tópico do presente capítulo será dedicado à reflexão


da política internacional pós-Guerra Fria, a partir da análise das agendas que
ascendem e se estabelecem nesse período, com ênfase ao combate ao terrorismo e
aos desafios da segurança internacional na contemporaneidade.

2 CONFLITOS REGIONAIS
A evolução das relações internacionais no pós-Guerra Fria trouxe diferentes
enfrentamentos, seja no Oriente Médio, na Ásia ou na África, caracterizados pelo
envolvimento de questões étnicas ou envolvendo nacionalismos reprimidos,
ou com dinâmicas regionais próprias. Nesse sentido, passamos a ver conflitos
no Oriente Médio, como conflitos no Líbano, a guerra Irã-Iraque (1980-1988),
a guerra do Golfo (1990-1991), a continuação do conflito árabe-israelense, na
África, conflitos envolvendo etnias e tribos e no leste europeu, tensões na região
balcânica.

Os conflitos regionais apresentam dinâmicas próprias, que podem por


vezes estar associadas a intervenções externas, como no caso da Guerra Irã-
175
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

Iraque, na qual algumas potências ocidentais inicialmente apresentaram apoio ao


regime de Saddam Hussein, no sentido de fazer oposição à revolução Islâmica no
Irã, mas que, posteriormente, nos anos 90, vieram a ter que combater o próprio
líder iraquiano. O acesso às fontes petrolíferas do Golfo Pérsico está no centro dos
conflitos surgidos nessa região, onde uma coalizão liderada pelos EUA intervém
nesse complexo regional de segurança, fazendo com que as relações entre os atores
evoluam para situações de alto risco. No contexto das ex-repúblicas soviéticas
ocorrem conflitos interétnicos envolvendo Chechênia, Armênia e Georgia. Nos
Balcãs, a questão do nacionalismo albanês e as operações de limpeza étnica
colocaram a Sérvia em confronto com boa parte da comunidade internacional, o
que ocasionou em intervenções da OTAN.

Na África, ocorre uma intensificação de guerras civis, envolvendo o Sudão,


a Somália, Serra Leoa e Ruanda. A Segunda Guerra Civil Sudanesa, como ficou
conhecido o conflito no país, durou até 2005 e foi um dos maiores conflitos do fim
do século XX. Ocorreu a partir da imposição, por parte do governo muçulmano,
da Charia em todo o país, incluindo o sul cristão. Na Somália, os conflitos
iniciados nos anos 1990 duram até os dias atuais, causados majoritariamente por
confrontos entre agrupamentos sociais rivais. Hoje, o país vive uma das maiores
crises humanitárias do mundo e recebe auxílio de uma série de organizações,
incluindo intervenções das Nações Unidas para a construção e manutenção da
paz no país.

Em Serra Leoa, o conflito foi decorrente de uma crise política que durava
desde a independência do país, em 1961. A violência nos processos eleitorais,
além da má administração governamental, levou à população a recorrer a grupos
extremistas armados, como a Frente Revolucionária Unida, que toma o controle do
país. O conflito teve fim formalmente em 2002, mas as consequências econômicas
e sociais perduram até os dias atuais no país.

O conflito mais conhecido e emblemático ocorrido no continente africano


foi a Guerra Civil, em Ruanda. Entre 1990 e 1994, mais de 800.000 pessoas, em sua
maioria membros da etnia tutsi, morreram no genocídio decorrente do conflito. A
rivalidade entre tutsis e hutus, as duas maiores etnias do país, remonta ao século
XVIII, mas a tentativa de tomada do poder por parte dos tutsis, em 1994, levou ao
aumento exponencial das tensões no país e à Guerra Civil entre os dois grupos.
A Guerra Civil, em Ruanda, foi um dos grandes exemplos de negligência das
Nações Unidas, que foi incapaz de prover soluções e evitar o conflito de grandes
proporções.

No caso da África do Sul, o fim da Guerra Fria vem acompanhado do


fim do regime do Apartheid, dando início a uma transição para um sistema de
maioria negra no país, sob a liderança do líder Nelson Mandela. O Apartheid
foi um regime que durou de 1948 a 1994, marcado pela segregação racial e pelo
cerceamento de direitos da população negra no país. Na década de 1970, dessa
população chegou a ter retirado o direito à cidadania, tendo direito apenas a
serviços inferiores aos da população branca no país. O apartheid trouxe uma

176
TÓPICO 3 | A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

onda de violência à África do Sul, tanto por parte do governo, quanto por parte
dos movimentos de resistência. A crescente oposição no fim da década de 1980,
somada à série de embargos econômicos impostos ao país por parte das grandes
potências, levou à vitória do Congresso Nacional Africano nas eleições de 1994,
liderado por Nelson Mandela.

Na Ásia, durante os anos 1980 e 1990, as atenções estavam voltadas para


o Japão como um novo poder na região da Ásia-Pacífico, com potência comercial
e tecnológica, trazendo uma liderança regional. O Japão era apontado como um
novo poder econômico nos anos 1990, ameaçando a indústria norte-americana
em diferentes ramos da inovação, mas a sua projeção entra em ritmo de declínio
após ser afetada por uma intensa bolha financeira e imobiliária.

FIGURA 14 – O FIM DO APARTHEID EM 1991

FONTE: <https://bityli.com/4d1Km> . Acesso em: 9 abr. 2020.

A China desponta, nesse sentido, com consideráveis taxas de crescimento


e expansão política econômica inicialmente regional e, posteriormente, mundial.
O seu desempenho econômico, em termos de industrialização e comércio, vem
acompanhado também do desenvolvimento dos chamados “tigres asiáticos”
(Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura). O crescimento da China e a sua
ideia de uma potência “socialista de mercado” davam início a um processo de
contínua participação no comércio internacional.

Os recentes conflitos que surgiram no norte da África, inicialmente na


Tunísia e no Egito, buscam trazer alterações políticas no sentido mais democrático
para países que ao longo de décadas passaram por ditaduras. As insurreições
se prolongaram por diferentes países, atingindo não só o norte da África, como
o Oriente Médio. Em alguns Estados, esses governos autocráticos conseguiram
ser derrubados. Em outros, modificações surgiram, alterando a centralidade
governamental e, em alguns casos, como na Síria, a guerra civil ainda persiste.
Devemos considerar esses acontecimentos, a partir do início de 2011, como
fenômenos que trazem a vulnerabilidade de autocracias e a fragilidade que elas
mostram perante manifestações populares. Pode-se associar a esses movimentos
a crise global econômica e a nova configuração da mídia, pautada pela facilidade
que as revoluções tecnológicas trouxeram com o acesso amplo à internet, o que
veio impulsionar a crise a partir de manifestações populares.
177
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

Os regimes passaram a enfrentar, a partir desse momento, uma pressão


vinda das ruas e que por vezes foram reprimidas de forma violenta. As
diferentes naturezas políticas dos regimes implicam em diferentes repressões
aos movimentos. No caso da Líbia, onde vigorava uma autocracia total,
desencadeou-se uma guerra civil. No caso do Egito, ocorre a derrubada do
governo ditatorial. No caso da Tunísia há uma considerável alteração no governo.
Também o Marrocos passa por perturbações e distúrbios em suas cidades, mas a
monarquia marroquina responde com alterações constitucionais e com melhoria
nas condições econômicas através do aumento de salários. No caso da Argélia,
medidas semelhantes parecem ter aliviado o descontentamento popular. Tanto
na Argélia quanto no Marrocos, a agitação foi iniciada devido a circunstâncias
econômicas, mas não alcançou escalas mais elevadas a ponto de haver um
confronto direto com o regime. Vê-se, portanto, que a situação da Argélia e do
Marrocos é diferente da situação do Egito, da Tunísia e da Líbia.

A política internacional contemporânea também foi marcada por um


fenômeno novo, que remodelou o modo como os Estados percebem ameaças e
lidam com questões de segurança internacional: o terrorismo.

3 GUERRA AO TERROR
Os Estados Unidos pós-Guerra Fria tornaram-se a única superpotência
do mundo. Para muitos era considerado o fim da história e o surgimento de um
período de paz e harmonia, no qual a potência norte-americana lideraria o restante
do mundo no avanço rumo à democracia e à prosperidade. Nesse sentido, Estados
considerados “delinquentes” deveriam estar sob o controle da superpotência. O
desenvolvimento da sociedade e de suas diferentes formas de governo deveriam
ter como meta a democracia liberal e o capitalismo de mercado. O que se pôde
comprovar é que considerável parte do sistema não pretendia estar sob a égide
norte-americana.

Mesmo os EUA sendo considerados militar e economicamente a nação mais


poderosa, não conseguia manter um completo controle sobre o sistema. Alguns
grupos extremistas passam a utilizar o terrorismo como uma forma reivindicatória,
não só contra aliados dos EUA, mas, por fim, contra a própria nação.

Nos anos 1980, os EUA começam a ser alvo de atentados terroristas:


primeiramente no Líbano, quando ocorre um atentado à embaixada norte-
americana em Beirute, em 1983; em 1988, quando um avião de uma companhia
aérea norte-americana é derrubado quando voava de Frankfurt para Nova
York, após uma explosão de uma bomba a bordo; em 1983, quando uma bomba
explodiu no World Trade Center em NY; em 1988, quando as embaixadas dos
Estados Unidos no Quênia e na Tanzânia são atacadas; em 2000, quando ocorre
um atentado a um navio de guerra norte-americano no Iêmen e, por fim, em 11
de setembro de 2001, quando o World Trade Center, em Nova York, e o Pentágono,
em Washington, são atacados.

178
TÓPICO 3 | A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

Após esse último episódio, o presidente dos Estados Unidos, George W.


Bush, declara oficialmente guerra ao terrorismo e apresenta como objetivos diretos
derrubar o regime Talibã no Afeganistão, capturar o líder terrorista Osama Bin-
Laden e destruir sua organização Al-Qaeda, assim como combater regimes que
representassem ameaças aos Estados Unidos, como o regime de Saddam Hussein,
no Iraque, por exemplo. Nesse sentido, também procurariam agir contra o Irã e a
Coreia do Norte, países que junto ao Iraque, foram designados de “Eixo do Mal”.

FIGURA 15 – O ATENTADO TERRORISTA DE 11 DE SETEMBRO

FONTE: <https://bityli.com/NpNlh>. Acesso em: 9 abr. 2020.

Os Estados Unidos conseguem, com êxito, derrubar o regime Talibã


no Afeganistão, com ajuda da Grã-Bretanha e liquidam no Iraque o regime de
Saddam Hussein. A intervenção dos EUA nesses dois Estados não se revelou como
uma política que trouxesse administrações estáveis e muito menos prosperidade
econômica e social. Ao não conseguir tratar o terrorismo como um fenômeno e
identificá-lo de forma localizada, os Estados Unidos continuam fracassando em
sua tentativa de conter o avanço e as hostilidades contra a nação.

A política exterior dos EUA continua a ser intervencionista, como nos


tempos da Guerra Fria. Em diferentes momentos, a nação norte-americana
procura intervir em situações à revelia da opinião pública internacional e, por
vezes, das instituições. Nesse sentido, o terrorismo considerado um fenômeno de
ação política, que tem por meios produzir violência em alta escala contra civis,
contra a infraestrutura da sociedade civil e com forte sentido de vingança, deve ser
encarado como um instrumento que pode ser aplicado em diferentes momentos
e locais como forma de manifestação política. Não há uma definição clara do
terrorismo, o que dificulta um combate preciso e uma identificação global.

Logo após o 11 de setembro, o direcionamento da política dos EUA


buscou estimular a solidariedade mundial e criar uma coalizão para lutar contra
o terrorismo. Ao designar determinados Estados como componentes de um
“eixo do mal” e conclamar os demais atores do sistema a se unirem aos Estados
Unidos, a nação busca abrir possibilidades de uma série de operações militares
e passa a se comportar como “polícia do mundo” e criar um estado de guerra
mundial, envolvendo o mundo islâmico e buscando respaldo no Ocidente. A
resposta militar dos EUA, ao formar uma coalizão contra o terrorismo, ampliou a

179
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

capacidade de autodefesa da nação e estimulou, com o apoio da opinião pública,


diferentes intervenções. A luta contra o terror não pode ser compreendida como
uma luta entre o islã e o Ocidente. Embora alguns procurem associar a religião
islâmica ao terrorismo, os muçulmanos que viviam em diferentes países do
mundo e não estavam ligados aos atos terroristas, passam a sofrer discriminações
de diferentes formas.

NTE
INTERESSA

O estudo da História das relações internacionais no pós-Guerra Fria está


intensamente associado ao fenômeno do terrorismo mundial.

3.1 AS NAÇÕES UNIDAS E A LUTA CONTRA O TERROR


Em novembro de 2002, o Conselho de Segurança das Nações Unidas
(CSNU) manifesta-se por meio da resolução 1441, a qual conclama o líder Saddam
Hussein a se desarmar ou enfrentar consideráveis consequências. A resolução
não dava aos EUA o direito de atacar o Iraque e apenas conclamava, por meio
de uma mensagem forte a Hussein, que procurasse se desarmar e atendesse à
solicitação. O Iraque, por sua vez, aceitou a resolução, se submetendo à inspeção
de uma equipe de 17 inspetores de armas químicas e nucleares.

FIGURA 16 – SADDAM HUSSEIN

FONTE: <https://bityli.com/9XLBn>. Acesso em: 15 dez. 2019.

Em janeiro de 2003, meses após a resolução de novembro de 2002, a Inglaterra


do primeiro-ministro Tony Blair passa a pressionar o CSNU para que autorizasse
uma invasão ao Iraque. Por sua vez, o presidente norte-americano, Bush, afirmava
que a resolução já era suficiente para os EUA atacarem Saddam Hussein. Enquanto
180
TÓPICO 3 | A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

alguns atores – EUA, Reino Unido e Espanha – pressionavam por outra resolução,
outros atores – França, Rússia e China – acreditavam que os inspetores de armas
deveriam permanecer mais tempo antes de qualquer ação militar.

No final de 2003, a ONU tem a informação de que os iraquianos estavam


cooperando e haviam concordado em destruir alguns mísseis. Mesmo assim, EUA,
Reino Unido e Espanha desconsideram a informação. Por sua vez, o presidente
francês, Chirac, anuncia que vetaria qualquer resolução do CSNU que autorizasse
a guerra. Os norte-americanos não levam em consideração as diferentes posições
políticas e, assim, as forças dos Estados Unidos e do Reino Unido iniciam ataques
aéreos e uma invasão do sul do Iraque, adotando uma política de autodefesa
preventiva. A derrubada de Hussein aconteceu como o presidente norte-americano
esperava, mas as temidas armas de destruição em massa não foram encontradas.
O discurso sobre tais armas para muitos representava apenas uma cobertura ao
objetivo maior do governo norte-americano, que era a derrubada do governo
iraquiano de Saddam Hussein. Os conflitos civis no Iraque se prolongaram ao
longo dos anos seguintes e os norte-americanos não aparentavam estar dispostos
a reconstruir a nação, não apresentando planos para a reconstrução do país.

O sentimento antiamericano se propagava por todo o Oriente Médio,


aumentando a violência e incentivando o desenvolvimento de diferentes grupos
terroristas. As repercussões da invasão ao Iraque no Oriente Médio despertaram
conflitos entre grupos religiosos, étnicos e políticos diferentes. Alguns grupos,
como Al-Qaeda, se fortaleceram devido ao sentimento antiamericano e
antiocidental. Novas redes de militantes islâmicos radicais se propagaram pela
Europa e Oriente Médio, impulsionados por esse sentimento. Assim, o terrorismo
não foi combatido e os atos terroristas continuaram a ser praticados.

Nesse sentido, pós 11 de setembro, ocorreram atentados terroristas na ilha


de Bali (Indonésia), matando quase 200 pessoas, sendo muitas delas australianos
em férias; novamente, em agosto de 2003 na Indonésia, quando uma bomba
explode em um hotel de propriedade norte-americana na capital, Jakarta; na
Turquia, quando a capital Istambul sofre uma série de atentados suicidas durante
cinco dias. A muitos desses atentados foram imputadas a culpa ao grupo Al-
Qaeda. A seguir, em 2004, cerca de 200 pessoas morrem em Madri, em múltiplos
atentados à bomba, ligados a um grupo marroquino aliado à Al-Qaeda. No caso
específico desse atentado na Espanha, pode-se associar ao apoio dado por esse
país aos EUA e ao Reino Unido quando do ataque ao Iraque. O próximo passo na
Guerra ao Terror constrange os Estados Unidos, quando vem a público histórias
de prisioneiros iraquianos sendo torturados, humilhados e, por vezes, sofrendo
abusos por soldados norte-americanos.

4 O PAPEL DO ESTADO-NAÇÃO
Deve-se considerar, após os anos 1990, que a construção de uma nova
ordem internacional, tanto em dimensões políticas quanto econômicas, trazem

181
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

um novo papel para o Estado-nação. Os próprios fenômenos da globalização


e regionalização colocam em xeque o conceito de Estado nacional, soberania,
sociedade e, consequentemente, os limites que eles representam. O realismo
enquanto teoria de Relações Internacionais, que tem o Estado como ator principal,
precisa ser fortemente revista devido à existência de atores estatais e não estatais
e, por vezes, a própria desagregação da ideia de Estado, com seus diversos
componentes. Observa-se uma interação, de forma transnacional, que envolve
processos que buscam por vezes mais preocupações e fins socioeconômicos que
questões de segurança em si.

Nesse sentido, as relações internacionais podem ser entendidas como


uma evolução do capitalismo, em que se priorizam por vezes fatores econômicos
como determinantes. A visão realista não consegue explicar por si só as diferentes
transformações econômicas e, portanto, é alvo de críticas em razão da dificuldade
que apresenta o Estado em administrar as forças transnacionais (CERVO, 2008).

O surgimento de atores não estatais que passam a atuar paralelamente


ao Estado, traz mudanças na condução das políticas domésticas e da política
externa, exigindo do Estado maior atenção à interdependência aos diferentes
problemas globais que passam a afetar a comunidade internacional. Uma visão
mais ampliada da segurança internacional, não mais a visão vigente no período
de guerras, entreguerras e na própria Guerra Fria, em que o predomínio do ator
estatal e seus armamentos eram o centro das relações, torna-se necessária. Nessa
visão ampliada, a segurança e o desenvolvimento humano passam a ser tão
importantes quanto a segurança em termos defensivos e bélicos.

Em termos econômicos, observa-se que a economia internacional está


cada vez mais desligada das decisões que envolvem atores estatais, assim,
menos suscetíveis às regulamentações do Estado. Uma nova ordem liberal passa
a ser propagada e difundida como uma ideologia que envolve o conceito de
globalização e do próprio capitalismo. Mesmo com a transição de uma ordem
estatal bipolar para uma nova ordem com características mais econômicas
e multipolar, os problemas globais não são superados – muito pelo contrário,
apresentam novas faces. Os grandes conflitos interestatais são substituídos por
conflitos mais regionalizados, que envolvem questões mais regionalizadas, e que
fogem ao alcance da própria ONU. É necessária uma reforma das instituições
internacionais para que possam se adequar às novas dimensões, ao maior grau
de interdependência, à própria situação em que há uma diminuição do papel do
Estado e uma própria adaptação do conceito de Estado nacional.

Por sua vez, o dinamismo da economia internacional, anteriormente sob os


auspícios de instituições criadas no pós-guerra, vê-se como um novo dinamismo
ao observarmos o contínuo deslocamento de fluxos econômicos e de empresas
em direção à Ásia. O capitalismo produtivo se desloca, enquanto no Ocidente
há um predomínio do capitalismo especulativo e financeiro. O dinamismo das
forças econômicas altera consideravelmente a geopolítica econômica mundial.

182
TÓPICO 3 | A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

Também é importante enfatizar que, após os anos 1990, novos temas


passam a ser discutidos na agenda internacional, como por exemplo, o meio
ambiente. Após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
o Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, no Rio de Janeiro, difundiu-se a
concepção de Desenvolvimento Sustentável, das questões climáticas, da finitude
dos recursos do planeta, da incompatibilidade de um crescimento ilimitado frente
às condições ilimitadas do próprio planeta. Nesse mesmo contexto são criadas
as Convenções das Nações Unidas para as Mudanças do Clima (UNFCCC)
e para a proteção da Biodiversidade (CDB). Com relação à agenda do clima,
destaca-se a tentativa de atribuir responsabilidades aos atores industrializados
que contribuíram em maior grau com o problema, como os Estados Unidos, as
potências europeias e os antigos países da União Soviética. O Protocolo de Kyoto,
de 1997, foi um marco nessa questão e é lembrado pela recursa norte-americana
em ratificá-lo.

FIGURA 17 – RIO 92

FONTE: <https://bityli.com/dD9vY>. Acesso em: 15 dez. 2019.

A questão da defesa dos direitos humanos também emergiu nesse período


como uma agenda relevante da política internacional. Pauta as questões internacionais,
em busca de respeito às liberdades individuais e aos direitos civis e políticos. Outra
agenda relevante, e não tradicional, é a agenda de busca por igualdade de gênero,
após a decisão da ONU de declarar o período de 1975 a 1985 como a “década das
mulheres”. Todas essas agendas, anteriormente consideradas temas de “low politics”,
tornam-se palco para a emergência de potências não tradicionais.

Os conflitos que surgem nessa nova ordem que emerge no século XXI são
conflitos que refletem a transição de poder e o surgimento de novas potências
como a China, como a Rússia, recuperada de uma prolongada crise econômica
e com o surgimento de novas coalizões, como os BRICS. A partir de 2001, essa
cooperação envolvendo Brasil, Rússia, Índia, China e, posteriormente, África
do Sul, traz a ideia de um grupo de países em desenvolvimento com potencial
significativo para um crescimento econômico e para investimentos estrangeiros.
O que inicialmente era apenas um acrônimo evoluiu para uma coalizão política e
um esforço cooperativo entre esses países considerados emergentes.

183
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

Nessa ordem internacional que lentamente se movimenta para adaptar-


se a uma nova realidade, em que a centralidade do poder e a predominância
econômica e geopolítica encontra-se no G7 (Estados Unidos, Canadá, Inglaterra,
França, Itália, Alemanha e Japão) e, posteriormente, no G8 (com a adição da
Rússia), surge esse grupo de países que traz a China e a Índia junto ao Brasil,
para o centro das relações econômicas internacionais.

FIGURA 18 – BRICS

FONTE: <https://bityli.com/LXhQ5>. Acesso em: 9 abr. 2020.

184
TÓPICO 3 | A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

LEITURA COMPLEMENTAR

TERRORISMO E OS ATENTADOS DE 11 DE SETEMBRO


(Adaptado)

Saly da Silva Wellausen


[...]

Geopolítica e fragmentação

Após a desagregação dos blocos geopolíticos, formados com a Segunda


Guerra Mundial e a Guerra Fria, em conjugação com o desenvolvimento intensivo e
extensivo do capitalismo no mundo, observa-se a emergência da questão nacional. Nos
anos 90, o mundo viu o nascimento de um mundo “plural”, com o desaparecimento
do comunismo do cenário ocidental, marcando a transição histórica da geopolítica
ocorrida na segunda metade do século XX, determinada pela rivalidade ideológica
entre as duas potências mundiais. De um lado, o socialismo nasceu como programa
em 1848, com o Manifesto Comunista de Karl Marx. O comunismo assumiu o
poder na Rússia em 1917, estendeu-se ao Leste europeu no pós-guerra e findou,
simbolicamente, em 9 de novembro de 1989 com a queda do Muro de Berlim. No
Extremo Oriente, na China, a doutrina marxista influenciou poderosamente a vitória
de Mao Tse-Tung na luta contra Chiang-Kai-Shek, estabelecendo novo regime
comunista a partir de 1949, e que é até hoje a grande expressão do socialismo.
De outro lado, o capitalismo moderno nasceu da Revolução Industrial Britânica
no século XVIII e da Revolução Francesa em 1789. O fim dos blocos geopolíticos,
desenvolvendo o conteúdo puramente geográfico aos conceitos “leste” e “oeste”,
criou condições para o surgimento de um mundo multipolar.

Ao lado do processo de quebra de barreiras no mundo, desenvolve-se


o fenômeno da fragmentação, em que tensões e conflitos entre setores sociais
dominantes e setores subalternos realimentaram as mais diversas manifestações
de intolerância e opressão. Dentre os inúmeros casos observados, o povo curdo,
por exemplo, que forma a quarta maior nacionalidade do Oriente Médio, continua
oprimido e perseguido, sofrendo contínuas operações de violência por parte de
governos, aos quais se encontram submetidos; na última década do século XX, os
curdos continuaram a lutar pela autodeterminação, sem êxito. O que ocorreu neste
período é o reflexo do ocorrido no passado. Problemas como esses são sempre
mesclados com problemas sociais, econômicos, políticos e culturais. O fim da
Guerra Fria reabriu lutas étnicas, em que questões regionais e locais substituíram
blocos mundiais na relação entre países. Do enclave armênio, da Ásia Central
aos países bálticos, do Kosovo iugoslavo à Transilvânia romena, da Moldávia
à Bulgária surgiram tipos de reivindicações etno-regionais, evidenciando,
cada uma à sua maneira identidades coletivas em busca de sua autonomia.
As mutações da sociedade civil caminharam lado a lado com as tentativas de
reorganizar seu espaço geopolítico: Hungria e Romênia deterioraram suas
relações; graves tensões abalaram Albânia e Iugoslávia; sangrentos combates
185
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

ocorreram entre armênios e azerbaijanos, enquanto um acordo de paz entrou em


vigor em Angola e na Namíbia, em 1988. No Terceiro Mundo, a queda dos blocos
acarretou o recrudescimento de conflitos etno-regionais: o conflito norte-sul no
Sudão, a guerra da Eritréia, as disputas no interior do Paquistão, as matanças
inter e intra-religiosas no Líbano. Como desideologização das relações entre
as grandes potências, esse fenômeno promoveu novas formas de clientelismo
internacional. A revalorização da etnicidade, enquanto recurso político, regeu
esse fenômeno: as ideologias “fracas”, centradas sobre o jogo das afinidades
culturais e históricas, recusaram a forte ideologia das rivalidades entre Leste
e Oeste. “Quando se debilitam os estados nacionais preexistentes, logo ocorre
a ressurgência de nações e nacionalismos, religiões e línguas, territórios e
geografias, histórias e tradições, identidades e fundamentalismos, etnicismos e
racismos” (cf. Ianni, 1996, p.12). Sob diversas formas, a etnicidade desempenhou
o papel de uma moeda de troca, cujo valor simbólico ou estratégico dependeu da
conjuntura e do contexto onde ela circulou. Quando o exército da Etiópia sofreu
graves derrotas militares na Eritréia, as autoridades de Adis Abeba não hesitaram
em trocar o “direito de saída” dos judeus falashas por armas vindas de Israel. No
Chade, a retirada do apoio líbio à dissidência “árabe” é entendida por Muamar
Gadafi como um compromisso necessário com vistas a uma ordenação do grupo
de Aouzou e como um primeiro passo para a libertação dos líbios capturados nos
campos de batalha de Burku. A União Soviética tentou enfrentar um outro tipo
de negociação para manter as irredutíveis pressões separatistas dos ucranianos,
bálticos, moldovos, azerbaijanos, armênios, georgianos e russos, isto sem falar
das minorias étnicas enraizadas no interior de cada uma dessas nacionalidades.
A etnicidade não foi apenas um recurso negociável, muitas minorias, na Europa
e em todo mundo, foram tratadas como simples bodes expiatórios, quando não
usadas como pretexto para ingerências assassinas na vida política dos Estados: o
eterno problema palestino, a destruição do Líbano pelas intervenções israelenses
e sírias, os conflitos no Sri Lanka. Através dos massacres, uma nova lógica do
conflito tendeu a se impor aos protagonistas em favor das ingerências vindas de
fora. Os espaços geopolíticos do Terceiro Mundo delinearam-se por crises, cuja
intensidade dependeu do ritmo de crescimento das desigualdades entre etnias e
regiões, contaminando as relações entre Estados (cf. World Media, 1990).

As relações de poder que se bipolarizaram, depois dos anos 90,


disseminaram-se no interior do planeta, com o aparecimento de novos focos de
poder. Minorias esmagadas e massacradas pelos Estados ocupam um novo espaço,
dando lugar à emergência de novas estratégias expressivas de velhas relações de
poder. A história oferece um campo de possibilidades para a emergência dos que
não detêm o poder, mas que podem irromper no seio da sociedade e se fazerem
ouvir. O deslocamento de velhas relações de poder se encaminha para uma nova
maneira de resolver antigas tensões. Nesse novo espaço, o terrorismo vai mostrar
sua fisionomia, como uma forma surpreendente de utilizar a violência.

Se a polaridade política, em meados do século XX, definiu horizontalmente


as relações de poder entre leste e oeste, como “direita” e “esquerda”, no final
do século, particularmente nos anos 90, essa denominação tomou outra direção,
verticalizando as relações de poder entre os de “cima” e os de “baixo”. Ao mesmo
186
TÓPICO 3 | A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

tempo em que a escala de economia e administração de negócios fica mais ampla,


existe a tendência psicológica de se olhar para algumas coisas com as quais
se possa identificar, se reconhecer, no vasto mar do anonimato. A busca pela
identidade é a afirmação de um modo de ser, mobilizando relações e elementos
culturais, formas de agir, sentir e pensar alheios, com os quais se busca afirmar ou
imaginar a identidade individual ou coletiva. Aqueles que estão fechados dentro
de um grupo, religião ou nação, tendem a imaginar que sua própria maneira de
viver, de pensar, de ver o mundo, tem validade absoluta e imutável.

A fragmentação histórica gera sectarismos e fanatismos, contribuindo


para a formação de identidades grupais e coincidindo com a identidade de grupos
oprimidos. É nessa busca que essa consciência-em si está sujeita a transformar-
se em consciência para si. Os elementos formadores das identidades oprimidas,
enquanto características reais ou imaginárias, aspiram à afirmação de um modo
de ser, constituindo o caráter ontológico da personalidade coletiva, revestida de
uma linguagem comum introjetada pelo grupo que permite delimitar, localizar,
classificar as diversidades e oposições constitutivas da dinâmica da realidade
social e histórica. É esse caráter ontológico da personalidade terrorista, seja
individual ou grupal, que nos interessa estudar.

Exterminação e terrorismo

A história registra a presença da violência em suas formas mais extremas:


guerra, massacre, genocídio, extermínio, terrorismo. A guerra ressalta de uma
violência institucionalizada, ritualizada, e por mais cruel que seja, admite regras
e leis que engendram a beligerância e supõe a busca da paz; reconhece o inimigo
como pessoa, respeita os feridos e prisioneiros, poupa as populações civis. Essa
prática ideal é negada pelo massacre, pelo desencadear selvagem do ódio e das
pulsões destrutivas: abandono de feridos, matança de prisioneiros, tortura,
violação, mutilações, queima, execução de mulheres, crianças e velhos. Através
de destruições deliberadas, sistemáticas e programadas, o genocídio atinge o
auge do horror na eliminação total de indivíduos. O terrorismo age de forma
contrária ao extermínio. Enquanto este tem produzido massacres e genocídios
no curso da história, no interior da qual Estados, identificados em torno de um
projeto ou de uma crença, lançam-se sobre seus semelhantes (percebidos como
diferentes) para matá-los em massa, abrangendo quantitativamente o maior
número de indivíduos, o terrorismo pretende exercer uma violência qualitativa,
com métodos econômicos, quase cirúrgicos.

A prática de exterminação estalinista é extensiva: todos, sem excluir ninguém


e de forma igualitária, são bons para o gulag; os massacres realizam-se durante
um tempo indefinido, espalhando milhões de vítimas pelos vastos territórios
siberianos, que vão morrendo aos poucos. A prática nazista tem um ritmo mais
intensivo, agindo rápido, liquidando os grupos humanos de forma mais seletiva,
em espaços limitados ou fechados, em campos de concentração, câmaras de gás,
caminhões asfixiantes, guetos e empilhamento de cadáveres em valas comuns (cf.
Dadoun, 1993). É também uma forma de violência de Estado a estratégia praticada
pelos americanos – o lançamento das bombas atômicas nas cidades japonesas de
187
UNIDADE 3 | A GUERRA FRIA E A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

Hiroshima e Nagasaki, na Segunda Guerra Mundial. A guerra na Europa já havia


sido definida desde 8 de maio de 1945, com a rendição dos alemães e seus aliados.
Na mesma época, na frente do extremo oriente, a guerra continuava contra o Japão,
tendo este perdido suas principais ilhas de apoio e de defesa (desde 1944), sofrendo
constantes ataques e bombardeios em seus principais centros industriais. Em fins
de julho de 45 a rendição das forças japonesas era iminente, quando o estado maior
nipônico discutiu com o imperador as condições e termos da rendição. A guerra já
havia sido vencida pelos americanos, mas os EUA resolveram, “para apressar o fim
da luta e poupar seus exércitos”, lançar em 6 de agosto de 1945 a primeira bomba
atômica sobre Hiroshima e três dias depois a segunda bomba sobre Nagasaki,
exterminando instantaneamente mais de 200.000 pessoas, na maioria, velhos,
crianças e mulheres.

O êxito do ato terrorista, enquanto violência qualitativa, reside nas


estratégias da ação pontual: o “atentado” concentra-se num ponto limitado no
tempo e no espaço, apanhando de surpresa a multidão anônima e passante, e que
pode ser praticado pelos indivíduos dessa mesma população (cf. Dadoun, 1993).
“A principal característica desse terrorismo é que ele ataca, sobretudo, os civis.
Eles querem o maior número de mortos e a maior visibilidade possível. É muito
difícil se proteger desse tipo de ataque” (cf. Maxwell, 2001, p. 19).

Para Norberto Bobbio, o terrorismo, como recurso comum à violência,


distingue situações diversas, conforme seu peso político. Tanto pode ser um
instrumento de governo para se manter no poder, quanto instrumento de libertação
nacional em nações dominadas; de uma forma ou de outra, o terrorismo é sempre
a quebra da ordem imposta pelo poder dominante. A palavra terror entrou na
política em 1792, com a Revolução Francesa: em dois anos foram sumariamente
guilhotinados, em Paris, 1.300 supostos adversários do novo regime. É ainda
consensual que o terrorismo tenha nascido entre os anarquistas russos que, em
1881, mataram o czar Alexandre II. O ato terrorista de maior amplitude ocorreu
em 1914, quando um ativista sérvio matou, em Sarajevo, o arquiduque Francisco
Ferdinando, herdeiro do trono da Áustria, sendo o estopim da 1ª Guerra Mundial.

O terrorismo, enquanto prática pontual, é expressão da necessidade de


afirmação política. Alguns grupos, no combate militar mais amplo, conseguiram
chegar ao poder: na África do Sul, Nelson Mandela, de terrorista durante o
Apartheid, chegou a presidente em 1994 e depois a Nobel da Paz; Iasser Arafat
também recebeu o mesmo Nobel, mesmo sendo terrorista no passado, quando
era dirigente da OLP. Israel e os norte-americanos são alvos preferenciais de
atentados, estes últimos, não só pela política pró-Israel no Oriente Médio, mas
porque o terrorismo islâmico se opõe à modernização dos costumes estimulada
pela globalização (cf. Natali, 2001). É comum a mídia falar de terrorismo de
Estado, e neste caso trata-se do processo de exterminação, de matança extensiva:
durante a Guerra Fria, é atribuída não só à ex-União Soviética, como aos Estados
Unidos uma profusão de atentados. Irã, Síria, Líbia e Iraque seguiram os mesmos
passos. Trata-se, no fundo, de um Estado que pode mandar matar e financiar
grupos clandestinos para realizar extermínios em massa. E foi justamente na
guerra do Afeganistão contra os soviéticos que os EUA prepararam e financiaram
188
TÓPICO 3 | A POLÍTICA INTERNACIONAL NA CONTEMPORANEIDADE

o grupo de Osama Bin Laden (como também foram os EUA que financiaram e
contrataram Saddam Hussein para atacar o Irã).

Os Estados poderosos detêm a hegemonia do princípio estratégico:


“poder matar para poder viver”. Se o genocídio é de fato o sonho dos poderes
modernos, é porque o poder se situa e se exerce no nível da vida, da raça,
dos fenômenos maciços de população, como biopoder. Nas relações entre
exterminação e terrorismo pontual existe uma assimetria que escapa à lógica das
guerras tradicionais. Antes de ser causa da violência, os terroristas se percebem
e se designam como produto de uma violência antecedente: dominação política,
colonial, exploração econômica, opressão social, etc. Sempre uma violência
anterior legitima uma violência ulterior (cf. Dadoun, 1993). Para o pensamento
terrorista, o inimigo é o outro, aquele que detém um poder maior que o seu no
uso de práticas de extermínio. Como é estrategicamente inferior, o terrorismo
precisa combater o poder maior através do ataque pontual, pela surpresa e pelo
inesperado. A natureza dos ataques montados com base em funções regulares da
sociedade significa que não existe defesa abrangente ou conclusiva.
[...]

FONTE: WELLAUSEN, Saly da Silva. Terrorismo e os atentados de 11 de setembro. Tempo Social;


Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 14(2): 83- 112, outubro de 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/
pdf/ts/v14n2/v14n2a05.pdf. Acesso em: 13 abr. 2020.

189
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• O fim da Guerra Fria representou uma dinâmica de transformações na política


internacional. Os conflitos se regionalizaram, como fica claro nos casos da
África, Ásia e Oriente Médio, mudando a configuração geopolítica nessas
regiões.

• O papel das Nações Unidas também passa a ser mais relevante e as instituições
internacionais tornam-se atores importantes da política internacional.

• O fenômeno do terrorismo, que teve seu ápice com o atentado em 11 de


setembro de 2001, nos Estados Unidos, também marca a política internacional
contemporânea e modifica as diretrizes para a segurança dos países e para o
sistema internacional como um todo.

• O fim do século XX e início do século XXI também marca a expansão dos temas
da agenda internacional, que se torna menos baseada no papel do Estado-
nação Westfaliano tradicional e mais aberta a temáticas como meio ambiente,
direitos humanos, questões de gênero etc. e a atores para além do Estado, como
organizações internacionais, empresas, grupos transnacionais e a sociedade
civil como um todo.

190
AUTOATIVIDADE

1 As duas últimas décadas do século XX foram marcadas pelo fim do


socialismo e a retomada da globalização. Como podemos entender as
relações internacionais e sua nova configuração?

2 Os Estados Unidos pós-Guerra Fria tornaram-se a única superpotência do


mundo. Para muitos era considerado o fim da história e o surgimento de um
período de paz e harmonia, no qual a potência norte-americana lideraria o
restante do mundo no avanço rumo à democracia e à prosperidade. Esta
afirmação, nos dias de hoje, pode ser considerada um equívoco em termos
políticos e econômicos? Explique.

3 Deve-se considerar, após os anos 90, que a construção de uma nova ordem
internacional, tanto em dimensões políticas quanto econômicas, trazem um
novo papel para o Estado-nação. Como entender as novas dimensões que
afetam o ator estatal?

191
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