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Direito Internacional Público:

Raquel Oliveira
Capítulo I - A identidade do direito internacional público:

Secção I - O DIP: relance introdutório:

1º Noção adoptada:

1.1 O Direito Internacional Público é o conjunto de normas e princípios gerais


definidos no quadro da ordem jurídica global que visam regular a existência e o
funcionamento da comunidade internacional.

Elementos da definição:
1 - Fica claro que estamos perante uma disciplina jurídica com a sua base normativa,
é o conjunto de normas e princípios.
2 - A génese, estas normas e princípios nascem do contexto da ordem global.
3 - O objeto —> regular a existência e o funcionamento da comunidade internacional.

1.2 Para a regência, o DIP define-se como o estatuto jurídico da comunidade


internacional, pelo que os critérios distintivos da norma internacional são: a origem,
os destinatários e a sua função de disciplinar as relações de natureza jurídico-
pública no seio da comunidade internacional.

1.3 A caracterização do DI depende, em primeiro lugar, da abordagem metodológica


que somos levados a experimentar. Para simplificar, seguindo a sistematização
proposta por José A. Pastor Ridruejo, o DI pode ser abordado sob três ângulos
distintos:

A) técnico-jurídico;
B) Axiológico;
C) Histórico-sociológico

Análise técnico-jurídica: objeto de análise são as regras jurídicas, sob a forma de


normas codificadas ou princípios gerais, vinculativas pelo seu enunciado e integradas
no corpo jurídico complexo e alargado que é ordenamento jurídico-internacional.

Análise axiológica: Os valores que encimam a pauta axiomática de referência no DIP


são: a paz e a dignidade da pessoa humana. Três exemplos: 1 - a noção de ius
cogens; 2 - A carta das NU (art 1, nº1) manutenção da paz e da segurança
internacional; 3 - crescente afirmação da importância e autonomia do chamado DI dos
DH.

Análise histórico-sociológica: realiza a necessária aproximação entre a norma e a


realidade, entre a norma e os factos que condicionam a sua aplicação efetiva. Mas
também observar a evolução das relações entre os protagonistas da vida
internacional que são, historicamente, os Estados.

1.5 Sem prejuízo de uma caracterização do DIP que conjugue o elemento jurídico
com o referente axiológico e com a realidade social, a definição do DIP socorre-se de
critérios jurídicos e são estes que se revelam determinantes na resposta ao problema
de saber se e quando estamos perante uma norma de natureza jurídico-internacional.

A noção que a regência adotou assenta na ideia-chave que se trata do estatuto


jurídico da comunidade internacional - são normas que surgem no quadro
internacional e que visam regular o comportamento dos sujeitos internacionais.
A expressão “comunidade internacional” ajuda-nos a perceber a natureza.
Outra expressão que podia ser utilizada era a “sociedade internacional”, numa
linguagem comum e num quadro da terminologia temos ambas as expressões.
Porém, se quisermos ser rigorosos existem diferenças entre ambas as expressões.

Distinção entre sociedade vs comunidade:


A institucionalização de tipo comunitário, por comparação com a institucionalização
de tipo societário, reproduz o significado que lhe foi dado por Ferdinand Tonnies. Para
este sociólogo alemão do séc. XIX, a organização interna de qualquer agregado
humano há de refletir uma de duas formas possíveis: a comunidade ou a sociedade.
Nas relações de tipo societário, são mais fortes as pulsões centrífugas e os Estados
permanecem separados apesar de tudo quanto fazem para se unir; nas relações de
tipo comunitário, prevalecem os interesses comuns, são mais fortes as pulsões
centrípetas e, por consequência, os Estados estão unidos apesar de tudo o que os
separa.
A institucionalização de tipo societário funciona com base em critérios de mera
coordenação de autoridade, diremos, tratando-se de Estados, de coordenação de
soberanias.

Regras de tipo societário: são aplicáveis no quadro de relações de igualdade entre


os Estados, desenvolvidas no cenário clássico da coexistência de soberanias, através
de, por exemplo, tratados bilaterais ou, porventura de tratados multilaterais, mais
destituídos do enquadramento institucional próprio ou confiado a uma organização
internacional. Um patamar superior de desenvolvimento e de aprofundamento das
relações de tipo societário compreende a função da cooperação que, em domínios
muito variados, serve de base da criação de organizações internacionais e outras
formas de agregação institucionalização que conferem um grau de superior de
eficácia à realização de interesses comuns.
Regras de tipo comunitário: significa que as normas internacionais não são na sua
expressão direta da vontade soberana dos estados e existem, por outro lado, sanções
previstas como mecanismos de defesa dos valores contra os Estados que desafiam
a ordem internacional e também contra os indivíduos que praticam regimes
internacionais.
Exemplo prático:

Se olharmos para a Carta das NU, o art 2 estabelece a igualdade soberana entre os
estados, do ponto de vista formal têm essa garantia, no entanto, no conselho de
segurança apenas estão 15 membros (de 193), onde 5 são permanentes e 10 não
permanentes.
Permanentes - EUA, França, ING, China e Rússia.
Para além da permanência destes cinco estados, ainda têm nas suas mãos uma
“arma” importante e eficaz - o direito de veto - qualquer destes membros têm o direito
de impedir uma resolução no conselho de segurança. P.e - guerra na Síria, a Rússia
e a China vetaram.
Ou seja, a carta das NU, na parte da segurança coletiva tem um elemento comunitário
mas que não tem funcionado.
Todos os estados se têm refugiado na própria soberania, no entanto, a ideia de DIP
é de multilateralismo.

2 - terminologia e instituições:

Em Portugal, a expressão mais comum para designar a disciplina é DIP. No


estrangeiro, especialmente no espaço de influência anglófona, é mais frequente a
fórmula singela DI, que curiosamente, foi consagrada na epígrafe do artigo 8 da CRP.
A regência prefere a designação DIP, pois traduz melhor a natureza e o âmbito desta
disciplina jurídica, tornando explícito o critério formal de distinção com essa outra
disciplina jurídica que é o DI privado.

A locução abreviada Direito Internacional foi cunhada pelo filósofo inglês Jeremy
Bentham.

3 - Direito Internacional Público: um direito difícil de conhecer:

Fatores relacionados com as características próprias do Direito Internacional, que


complicam a metodologia da investigação jurídica sobre as as fontes
jusinternacionais:
● A pluralidade de fontes e a relação incerta entre elas.
● A dispersão das normas que se apresenta, desde logo, como consequência
da ausência de um decisor normativo de âmbito universal. Embora existam
tratados de âmbito universal ou parauniserval, como a Carta das Nações
Unidas, os Pactos Internacionais sobre os Direitos Humanos de 1966 ou a
Convenção sobre o Direito dos Tratados, a situação mais comum é a da
dispersão de vários tratados, isto para centrar o problema apenas na dispersão
de normas de fonte convencional, de âmbito geográfico e material diferentes.
● A fragmentação do DI sob a forma de diferentes regimes específicos aos
quais falta uma lógica comum de superação de inevitáveis antinomias.

4 - O DIP e os seus semelhantes:

O DIP não está sozinho na função de regular as relações de natureza transnacional,


como não está isolado no propósito ambicioso de compreender o fenómeno
internacional na sua dimensão normativa.
Existem disciplinas afins e disciplinas aliadas.
Afins —> Direito Internacional privado e o direito comunitário, ou o DUE.
Aliadas —> Economia política, sociologia internacional…

—> O Direito Internacional Privado visa regular as relações jurídico-privadas


resultantes de situações de vida plurilocalizadas que põem em contacto várias ordens
jurídicas potencialmente competentes para regular o litígio.
Em suma, podemos aceitar que o DIP se destina a regular as relações de natureza
jurídica-pública, enquanto o DIprivado se aplica às relações jurídico-privadas,
ainda que envolvam, no caso concreto, entidades públicas como Estados que aceitam
os direitos e obrigações definidas pela autonomia da vontade contratual.

—> em relação ao DUE, importa sublinhar a sua natureza atípica, porque não é Direito
estadual, mas também já não é Direito Internacional.
O DUE designa o conjunto de regras e princípios que regem a existência e o
funcionamento da UE. A par do DIP e do Direito Interno dos Estados, o DUE é a
expressão de uma ordem jurídica própria e autónoma. Se o DIP é, como foi dito, o
estatuto jurídico da comunidade internacional, o DUE é o estatuto jurídico da União
Europeia.
São diferentes na exata medida em que, do ponto de vista estrutural e político, são
distintas a comunidade internacional e a UE, esta é uma associação comunitária de
integração com 28 estados europeus.

Para além das relações de afinidade e de cruzamento metodológico com diferentes


áreas do saber, a ciência do Direito Internacional Público beneficia ainda da
proximidade com o DC, o DA, o Direito judiciário e, em última análise, teoria geral do
direito. Matérias centrais do estudo do DIP, como o direito dos tratados ou o direito
da responsabilidade internacional, orientam-nos para o estudo de regimes jurídicos
definidos e interpretados à luz de conceitos e de princípios gerais aplicados nos
sistemas jurídicos do Estado - e daí a notória relevância do Direito Comparado.

5 - Direito Internacional Público e Direito Interno: uma comparação:


Segundo uma conhecida frase de pretensão aforística, o DIP não teria legislador, não
teria polícia e não teria juiz. Esta conclusão é extraída de um exercício de comparação
direta, sem filtros, entre o DIP e o direito interno ou direito estadual. E nisto reside o
maior equívoco.

No DI, o legislador, no sentido de centros da decisão normativa, existe, mas não sob
a forma estadual típica de um parlamento mundial ou governo mundial. Basta recordar
que, nas últimas décadas, o desenvolvimento do multilateralismo à escala universal
esteve na origem de conferências internacionais sob a égide das Nações Unidas
sobre matéria de extraordinária relevância para o futuro da humanidade e progresso
dos povos p.e - O protocolo de Quioto sobre as alterações climáticas.

No que se refere à ausência de um polícia internacional, dotado de poderes de


controlo e de sanção no caso de violação da lei internacional, importa lembrar de tal
missão, desenhada com as especificidades adequadas à natureza da comunidade
internacional, foi confiada pela Carta das NU, concretamente pelo capítulo VII, à ONU.
A ONU só de modo intermitente e insuficiente tem logrado desempenhar esta missão.
Na sua ausência, a tarefa de vigiar e policiar o mundo acaba por ser assumida, com
ou sem a chancela do Direito das NU, pelos Estados que estão em condições de
impor a paz pelo uso ou ameaça do uso da força - suportências.

No respeitante à suposta inexistência de um juiz internacional, cumpre desfazer o


equívoco. Pelo menos desde a criação do Tribunal Permanente de Justiça
Internacional no quadro da Sociedade das Nações em 1921, já para não falar dos
tribunais arbitrais de existência anterior a esta data, a comunidade internacional tem
instâncias próprias. Ex - Tribunal Internacional de Justiça (1945), o Tribunal Penal
internacional (2002)…
Uma fragilidade assinalada habitualmente à justiça internacional seria o seu caráter
facultativo, dependente no caso dos estados de aceitação da jurisdição dos respetivos
tribunais. Embora este princípio se mantenha em relação, p.e, ao tribunal
internacional de justiça, verifica-se crescente adesão ao modelo de tribunal de
competência obrigatória.

6 - DIP ou Direitos Internacionais Públicos?

O artigo 53 da convenção de Viena sobre o direito dos tratados estipula a nulidade


dos tratados contrários a normas imperativas de direito internacional geral (ius
cogens). No artigo 27, a Carta das NU define o procedimento de exercício
controverso direito de veto no seio do Conselho de Segurança. Já o artigo 3 da
Convenção Europeia dos Direito Humanos proibe a tortura e as penas ou
tratamentos desumanos e degradantes… Todas as normas referidas integram a
esfera de regulação do DIP, mas é patente que pertencem a áreas diferentes de
incidência da lei internacional. Várias classificações e divisões podem ser adoptadas
com o objetivo de ordenar a pluralidade do DI. Em face de uma tal pluralidade,
marcada pela diversidade de regimes jurídicos, alguns autores chegam mesmo a
questionar a existência de UM DIP. Não existe, com efeito, um DIP na aceção comum
de ramo do direito. O DI é a expressão de uma ordem jurídica própria e autónoma,
com todas as consequências associadas nomeadamente a sua divisão em
vários ramos do direito.

Em função do critério relativo ao objeto de regulação, é uso distinguir o DI


institucional do DI material. O primeiro corresponde ao conjunto de regras e
princípios que definem, por um lado, a estrutura da ordem jurídica internacional,
designadamente as fontes, os sujeitos, os meios de garantia.
O segundo desdobra-se num conjunto vasto de ramos e sub-ramos, ora resultantes
de necessidades específicas de regulação das relações internacionais, ora refletindo
a projeção no plano internacional de ramos do direito de gênese estadual.
Secção II - Formação e evolução histórica do DIP:

1 - O longo período de gestação do DIP:


1 periodo (pré história do DIP)

Note-se que mesmo a partir do século XIX, com a progressiva universidade da


comunidade internacional e do direito aplicável, a matriz do DI continuou a ser
europeia, como europeias são as tendências vanguardistas de evolução do DI, seja
no plano institucional com as organizações internacionais de integração, seja no plano
substantivo da defesa dos direitos humanos. Em termos de análise, o eurocentrismo
não é na opinião da regência uma pré compreensão limitadora do atual alcance
universalista do DIP.

A manifestação mais antiga de um tratado internacional data de 3010 a.C, na


passagem do milénio IV para o milénio III - um texto com mais de cinco mil anos, um
acordo de paz entre cidades rivais.
Outro exemplo é o tratado de Qadesh, celebrado por volta de 1279 a.C, símbolo
antigo do espírito da paz através de tratados.
No mundo antigo da bacia oriental do Mediterrâneo, os tratados traduziam sobretudo,
uma política de alianças entre os cinco grandes reinos ou impérios relativos à guerra
e às condições de paz, incluindo as regras de exercício do comércio.
Os tratados invocavam as divindades supremas das partes, cuja cólera deveria
castigar o infrator.

A Grécia Antiga adotou duas instituições conhecidas das civilizações orientais: a


técnica dos tratados e a arte da diplomacia.
Um outro fenómeno tipicamente helénico, que influenciou a formação do DI, respeita
à existência de alianças ou confederações de cidades-estado, as chamadas
anfictionias, manifestação embrionária das atuais organizações internacionais. As
anfictionias eram criadas para gerir em comum os santuários religiosos. A mais
importante foi instituída no século VI a.C destinada à proteção do santuário de Delfos
e congregou doze cidades-estado. Outra forma de organizações de cidades-estados
foram as simachias e as epimachias, verdadeiras associações federais fundadas por
um tratado de aliança e assistência militar - a mais conhecida, a Liga de Delos, criada
em 476 a.C.

Na Roma Imperial, as relações com os povos conquistados e com os povos vizinhos


eram definidas no pressuposto da superioridade de Roma sobre os demais. Sob
inspiração helénica, o Direito Romano cuidou de regular a situação jurídica dos
estrangeiros através do ius fetiale e do ius gentium.

Este último constituía um ramo inteiro do direito privado que, como vimos, esteve na
origem do Direito das Gentes, designado Direito Internacional.
A seguir à queda do Império Romano no ano 476 da nossa era, a Europa mergulha
no caos e no desmembramento provocados pelas invasões dos povos dito bárbaros.
Só a partir do século XI, com uma certa estabilização dos reinos cristãos e o
aprofundamento das relações comerciais com o exterior, se verificaram condições
políticas e económicas para o estabelecimento de relações internacionais.

Entre o século XII e o século XIV, afirmou-se o Direito Canónico, direito comum,
de fundamento religioso, partilhado entre as nações cristãs do Ocidente e o poder de
Bizânico. Uma outra dimensão deste direito supranacional, resultava do direito
romano e constituiu, enquanto ius commune, um elemento fundamental de unidade
funcional no mosaico complexo das relações de poder no mundo cristão da Idade
Média

Neste período, a dimensão internacional do ius commune refletiu-se, em especial,


na aplicação de dois regimes normativos:

- A lex mercatória, reguladora das trocas comerciais no âmbito da Liga Hanseática,


associação de cidades germânicas situadas ao longo das costas do Mar do Norte, do
Báltico e do interior do território alemão…

- A lei marítima de fonte consuetudinária, inspirada pelos usos helénicos


compilados na Lex Rhodia romana, confirmada por códigos vigentes em várias destas
talassocracias ao longo da bacia do mediterrâneo, como a Tavola Amalfitana, em
vigor até ao séc. XVI…

O progressivo declínio do Papado e do Império coincidiu com a afirmação dos Estados


no sentido moderno, sinónimo de Estado soberano, a partir do século XV. O colapso
definitivo da ordem dual, mas assimétrica, da Respublica Christiana verifica-se com o
movimento da Reforma Protestante que dará origem a uma nova ordem europeia
negociada no epílogo da Guerra dos Trinta Anos em 1648, com a chamada Paz de
Vestefália.

O interesse da doutrina deve-se por um lado, ao florescimento das universidades em


Itália, nos Países Baixos e na PI, mas deriva, sobretudo, do impulso de questões
concretas de elevada controvérsia jurídica, relacionadas com problemas de notável
magnitude política e económica:

a) o impacto do movimento dos descobrimentos marítimos, em especial a


querela em torno do mare clausurum versus mare liberum;

b) o fundamento e os limites da guerra, com a oposição já delineada entre guerra


justa e guerra injusta;
c) O fundamento do poder de reis e príncipe fora da alçada tutelar do papado e do
império.

Sobre estas grandes questões vão tomar posição os mais reputados professores e
sábios da época cuja obra para a posteridade reflete, nalguns casos, a resposta de
jurisconsultos a questões concretas que lhe foram colocadas (p.e o ópusculo Mare
Liberum de Hugo Grócio, publicado em 1609). A paternidade científica do DI, nesta
transição da idade média para a idade moderna, deve ser reconhecida no contributo
de vários autores e não apenas de Hugo Grócio, embora não seja difícil de admitir a
importância do se trabalho De Iure Belli ac Pacis para o tratamento sistemático e
integrado das questões jurídico-internacionais.

→ Francisco de Vitória foi professor na Universidade de Salamanca onde publicou


as suas lições sobre a relação entre o Direito público interno e o Direito das
Gentes, designadamente sobre o poder civil (De potestate civil, 1528), o estatuto
dos índios recentemente descoberto (De indis, 1539) e o direito da guerra (De jure
belli, 1539).

→ Francisco Suarez o mais conhecido dos discípulos de Vitória, frade e teólogo como
o seu mestre, ensinou na universidade de coimbra até à sua jubilação

→ Alberico Gentili, nasceu na Itália, mas, depois da conversão ao protestantismo,


refugiou-se na Inglaterra e ensinou na universidade de Oxford. No seu livro De
iure Beli, Gentili continua a associar o DI a uma expressão do Direito Natural de
inspiração divina.

→ Frei Serafim de Freitas, nasceu em Lisboa, foi catedrático na Universidade de


Valladolid, cidade onde ingressou na ordem de nossa senhora das mercês e na
qual publicou em 1625 a sua obra mais conhecida De Iusto Imperio Lusitanorum
Asiatico. Neste tratado dedicado ao império asiático de Portugal, Serafim de
Freitas responde com a tese do Mare clausum à tese do mare liberum de
Hugo Grócio.

→ Hugo Grócio – nascido na cidade holandesa de Delft, Huig de Groot não


ingressou em ordens religiosas, como boa parte dos seus assessores e
contemporâneos do círculo de eruditos e académicos, e talvez este facto ajude a
explicar seu papel determinante na secularização do fundamento jusnaturalista
do DI. Aos 12 anos iniciou os seus estudos na Universidade de Leiden. Na
desenvoltura dos seus 21 anos, em 1604, escreve o De Iure Predae.

Grócio reconhece, na esteira de Jean Bodin, o Estado soberano como “aquele


cujos atos são independentes de qualquer outro poder superior e não podem
ser anulados por vontade humana”
Grocio aprofunda a doutrina de Suarez sobre a distinção entre direito natural e direito
voluntário, este último resultante da vontade das nações sob a forma de acordos.
Embora ligadas pela obrigatoriedade da palavra dada (pacta sunt servanda, as
nações não podem aplicar direito voluntário contrário ao direito natural. Assim, em
última análise, a soberania dos Estados ou nações não é ilimitada, porque o respeito
do direito natural condiciona os seus comportamentos e as respetivas escolhas
políticas nas relações com os outros Estados e nações.

A evolução do DIP, na passagem da idade dos primeiros passos para a idade da


maturidade e autonomia, é indissociável da afirmação do modelo europeu do Estado
soberano. A partir da Paz de Vestefália, tornar-se-á indissociável dos avatares que
fizeram o destino da comunidade internacional, em especial os grandes conflitos
militares a nível internacional, para nos dias de hoje se confrontar com a crise
profunda do Estado Soberano.

Dois autores vão marcar, de modo relevante e duradouro, a doutrina da


institucionalização do Estado através de uma compreensão racional sobre a origem
e o exercício poder político: Jean Bodin sobre a identidade do Estado como entidade
soberana; Nicolau Maquiavel sobre a forma de conquistar a manter as rédeas do
poder numa lógica de “razão de estado”.

Para Jean Bodin, o Estado que designa como Respublica, deve deter e exercer a
força soberana, caracterizada como poder supremo na ordem jurídica interna e
independente e igual na ordem jurídica internacional.

No livro O principe, Nicolau Maquiavel aconselha Lourenço de Médicis, que


governava a cidade de Florença, sobre a forma como deve exercer a manter o poder
político, designadamente nas situações de conflito entre a lei e a moral. O objetivo
maior de preservar o Estado contra as alianças e ataques dos inimigos externos,
justifica o recurso aos meios mais eficazes, mesmo que contrários à lei e aos juízos
morais, em nome da “razão do Estado”.

Súmula:

1 - Pequenas manifestações de DIP.

→ período clássico; (primeiros acordos de amizade entre as cidade estado já é uma forma
de política externa)
- acordos amizade
- ius gentium (romanos com estrangeiros) regulava o império com os povos
conquistados.Direito especial para tratar as “pessoas de fora”
→ Idade média: (com a queda do império romano,surgimento de vários centros de poder
dispersos e heterogêneos):
- ius commune - lex mercatoria;
- descobrimentos: duas teses: mare liberum (grocio) e mare clasurm (freitas)

2 – A Paz de Vestefália e o Período Clássico (1648-1815)

O progressivo enfraquecimento do sistema internacional da idade média baseado no


poder dual do papa e do imperador, deu lugar a uma situação de grande
instabilidade, marcada por sucessivas guerras entre os reinos cristãos.

- A guerra dos trinta anos (1618-1648), pela sua duração e intensidade, foi
particularmente devastadora. Na origem, esta guerra foi religiosa e política. A partir
de 1635, tornou-se mais claramente, uma luta de influência travada entre a França e
a Espanha que arrastou consigo as outras nações da Europa: Inglaterra, Noruega,
Dinamarca, Polónia e também Portugal em virtude da união real com a Coroa
Espanhola.

A guerra termina em 1648, com a celebração dos Tratados de Osnabrück e de


Munster, dois tratados bilaterais que formam a chamada Paz de Vestefália.

Os Tratados de Vestefália foram concluídos entre, de um lado, o Imperador Fernando


III e os príncipes alemães (derrotados) e, do outro lado, a Rainha Cristina da Suécia
e os seus aliados, designadamente a França com Luís XIV (os vencedores). Emerge
um novo quadro geopolítico na Europa que até ao congresso de Viena (1815)
será marcado pelo domínio da França, sob Luís XIV e Napoleão Bonaparte, enquanto
o império Romano-Germâmico se manterá formalmente até ao século XIX, mas a
Alemanha será pulverizada em 335 pequenos Estados independentes. A república
das províncias unidas dos países baixos e a confederação Helvética obtiveram na
Paz de Vestefália o reconhecimento da sua independência. No caso da Holanda, a
guerra de secessão contra a Espanha prolongou-se por 80 anos (1568-1648). A Paz
de Vestefália simboliza o fim há muito anunciado da ordem representada pela
Respublica Christiana e, no seu lugar, coloca uma nova ordem europeia inter gentes
baseada na existência de Estados soberanos. Não é a garantia da paz duradoura,
mas é o reconhecimento da centralidade do Direito nas relações internacionais.

O significado da Paz de Vestefália ultrapassa largamente a importância de um tratado


de paz entre beligerantes. Os Tratados de Osnabrück e de Munster definiram um
novo quadro de regulação das relações entre os novos Estados europeus. A
sua função instituidora de uma nova ordem europeia justificará a qualificação
doutrinária da Carta Constitucional da Europa, associando princípios de articulação
coerente no plano jurídico e no plano político. A paz de Vestefália representa uma
primeira configuração por via pactícia de corpus iuris gentium europeu, ou seja,
o direito público internacional europeu.

A Paz de Vestefália constitui a referência para a afirmação como fundamentais dos


seguintes princípios:

- Respeito pelas fronteiras dos Estados;

- Autoridade legislativa, administrativa e judicial dos Estados baseada no critério


da jurisdição territorial e não da jurisdição territorial e não da jurisdição pessoal;

- Igualdade soberana dos Estados;

- Tolerância religiosa e igualdade confessional entre o catolicismo, luteranismo e


calvinismo;

- Não intervenção nos assuntos internos ou domésticos dos outros Estados,


incluindo o credo religioso dos seus súbditos. (Este princípio coloca questões, uma
delas p.e se uma estado violar direitos humanos até que ponto não se pode intervir -
princípio da ingerência, a proteção dos direitos humanos prevalece ao principio da
não ingerência) - a regente concorda.

No respeitante à garantia da relações pacíficas no futuro, a Paz de Vestefália apontou


vários instrumentos que se tornaram meios clássicos do DI:

- Observância dos tratados pelos Estados celebrantes que os devem respeitar e


cumprir (pacta sunt servanda);

- Os conflitos que constituem uma ameaça à paz devem ser ultrapassados de


preferência, pela via da negociação político-diplomática;

- Uma guerra iniciada na ausência de justa causa seria contrária ao direito, devendo
os estados partes nos tratados de paz zelar pela reposição da ordem, incluindo o uso
da força contra o Estado infrator. (este principio não se aplica atualmente)

O período clássico, para além do enquadramento pactício que saiu da Paz de


Vestefália, com a expressão normativa que acabamos de analisar, fica ainda
associado a dois aspetos de inegável significado para a compreensão hodierna do
DIP:
1) O desenvolvimento da doutrina jusinternacionalista no sentido de dotar o DI
de um fundamento próprio, independente de fatores religiosos e morais ou de pura
identificação com o direito natural. De destacar os nomes de Zouch, Bynkershoek e
Moser que elaboram sobre o fundamento voluntarista do DIA considerando que a
fonte do Direito das Gentes se encontra na prática dos Estados.

2) O tema da “paz perpétua" mobiliza a convicção humanista dos juristas, filósofos e


políticos que, guiados pela vontade genuína de eliminar a guerra entre as nações
europeias, arquitetam planos visionários que, à partida padecem de uma relação de
incompatibilidade, total ou parcial, com a realidade. A manifesta utopia de muitos
destes projetos não lhe retira, contudo, o significado que tiveram na determinação de
uma linha primordial de construção do DIP em torno da garantia duradoura e
institucionalizada da paz que vai influenciar, profundamente, a evolução da
jusnormatividade internacional, no período moderno e período contemporâneo, ou
seja, até aos nossos dias.

Paradigma Vestefaliano: a existência de um estado soberano.

O que é o estado soberano, o que é a soberania?

→ Jean Bodin (6 livros da república sex XVI): “A soberania de um estado invoca um


poder supremo na ordem jurídica interna e o poder independente na ordem jurídica
externa”

1780 - Expressão de International Law

Finalmente, importa assinalar dois acontecimentos ocorridos no final do século


XVIII que estão na origem de fatores de mudança do DI até aos nossos dias:

1) A criação dos EUA a partir da declaração de independencia das treze colônias


britânicas (1776) e o consequente reconhecimento à auto-determinação e do princípio
das nacionalidades, com notáveis implicações, primeiro nos movimentos
nacionalistas e secessionistas do século XIX na Europa e na América do Sul e, depois
já na segunda metade do século XX, com o processo de descolonização e criação de
novos Estados, sobretudo em África e na Ásia. Povo oprimido que se pretende libertar
de um opressor.

Também se encontra na carta das NU o principio da auto-determinação.


2) A revolução francesa (1789) e a proclamação de direitos do homem sob uma
perspetiva universalista, enquadrada pelos valores fundamentais da liberdade, da
igualdade e da fraternidade.

primeira grande declaração de direitos humanos, direitos alienáveis, direito à vida,


direitos penais, direito a ser julgado…

3 – O período moderno (1815-1945):

Subperíodo A - congresso de viena

Subperíodo B - 1GM

O Congresso de Viena (1814-15), epílogo longo de negociações após a derrota


definitiva de Napoleão Bonaparte, imperador dos franceses, que prolongou por vinte
e cinco anos ciclos sucessivos de guerras de conquista na europa, é diferente na Paz
de Vestefália.

Por um lado, a paz que selou foi acordada em pactos anteriores (Tratados de Paris
e Tratado de Chaumont) e, por outro lado, a Ata geral aprovada em viena constitui
um tratado multilateral sob a forma de declaração, subscrita pela Áustria, França, Grã-
Bretanha, Portugal, Prússia, Rússia Suécia, e com Espanha a aderir em 1817. O
tratado multilateral passa a funcionar como instrumento privilegiado nas
relações internacionais, porque melhor se adequa à regulação das questões da
cooperação internacional no contexto de uma comunidade internacional que alberga
um número maior de Estados que apresenta um leque muito mais alargado de
interesses comuns que importa definir e decidir em comum. É a exigência básica da
institucionalização de relações internacionais que vai marcar, de modo
determinante, o DI no século XIX e, especialmente, no século XX.

Dois nomes sobressaem nas negociações conduzidas em Viena entre Setembro de


1814 e Junho de 1815: a autoridade negocial do anfitrião, o chanceler Metternich, e
mestria diplomática do representante da França, Talleyrand que conseguiu colocar o
país derrotado no grupo dos países vencedores.

O “congresso que dança” decidiu ou abriu as portas a decisões que foram importantes
no aprofundamento da linguagem normativa das relações internacionais:

- A política de alianças conduzida pelo método das consultas periódicas


congregando primeiro as potências da chamada Santa Aliança;

- O reforço da negociação pela via diplomática alargada e a celebração de tratados


multilaterais sobre o regime de navegação de rios internacionais, criação das
comissões fluviais e uniões administrativas que foram o embrião das primeiras das
primeiras organizações internacionais…

- O desenvolvimento do DI de fonte convencional impulsiona o movimento de


codificação das normas consuetudinárias.

- A comunidade internacional mantém a sua estrutura interestadual, composta


por Estados soberanos e independentes, mas cresce em numero de membros e
alarga-se para lá dos tradicionais limites da Europa e EUA: 15 de membros em 1815
para 44 Estados que, em 1907, participaram na II convenção de Paz de Haia.

A relativa heterogeneidade da comunidade internacional do final de oitocentos levaria


Franz von Liszt, no seu proclamado tratado “Direito das Gentes:exposição
sistemática” (1898), a propor a distinção entre Estados (ou povos) civilizados, nos
quais incluía os Estados europeus e de matriz europeia, Estados (ou povos) semi
civilizados, incluindo nesta categoria a China e a Pérsia, e os povos não civilizados.
→ discriminatório.

A celebração de tratados para acudir aos problemas concretos e reais da cooperação


internacional contribui para alentar a componente positivista do DI.

A 1 Grande guerra precipita a queda e o desmembramento dos grandes


impérios centrais. Fazendo jus à tradição, de celebrar tratados sobre a paz obtida
na sequência de guerras prolongadas e de sofrimento excruciante para as
populações, foi concluído o Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919.

Em anexo ao Tratado de Versalhes e concretizando um dos objetivos definidos no


Plano dos Catorze Pontos, submetido pelo Presidente Woodrow Wilson, em janeiro
de 1918 ao Congresso norte-americano, foi aprovado o Pacto das Sociedades das
Nações SDN. A SDN foi a primeira organização de segurança coletiva, com
vocação universal.

Outro elemento inovador e marcante da evolução do DI foi a criação do Tribunal


Permanente de Justiça Internacional, em 1921, com sede em Haia, precursor do
atual Tribunal Internacional de Justiça.

Neste período entre guerras, importa ainda destacar:

1) O pacto Briand-Kellog, de 27 de agosto de 1928, Tratado de Renúncia à Guerra,


que anuncia o futuro regime onusiano de proibição da guerra e de proibição do uso
da força como meio de resolução de controvérsia.
2) A aplicação do sistema de mandatos internacionais que confiavam a um
Estado, sob supervisão da SDN, a administração de territórios antes integrados como
colónias nos impérios derrotados da Alemanha e da Turquia Otomana , como
aconteceu com o Iraque e o Líbano foram administrados pela França.

3) Foi criado a OIT (organização internacional do trabalho ) que ainda hoje subsiste,
direito à saúde e higiene no trabalho, contra a exploração dos migrantes…

4 – O período contemporâneo (1945 aos nossos dias):

Multilateralismo

A entrada em vigor da Carta das NU, em 24 de outubro de 1945, que cria a


organização internacional “que será conhecida pelo nome de Nações Unidas”,
representa para a comunidade internacional o virar de página em relação às
condições e às causas que, sobejamente conhecidas, estiveram na origem da 2GM.
A Carta tem subjacente um projeto muito ambicioso de nova ordem jurídico
mundial, cuja expressão mais visível é o sistema de segurança coletiva que, previsto
no Capitulo VII, investe o Conselho de Segurança – órgão de composição restrita e
poderes inigualitários entre os seus membro (EUA, Russia, China, França e Reino
Unido com estatuto permanente e direito de veto) – de verdadeiros poderes de
autoridade supraestadual em caso de violação da paz e segurança internacionais.

Para além da questão existencial relativa à paz internacional e à segurança


coletiva, outra consequência direta do trauma produzido pelas atrocidades cometidas
durante a guerra é a dimensão ética da ação internacional, refletida num quadro
jurídico assente sobre “o respeito dos direitos do homem e das liberdades
fundamentais para todos” (art 1, n3 CNU) primacialmente inspirado pelo arquétipo
ontológico da condição humana que se traduz no “reconhecimento da dignidade
inerente a todos os membros da família humana”. O início de um salto gigante: o DI
já não é apenas o direito de Estados e entre Estados; o DI é também o direito
que define e protege os direitos das pessoas, baseados em princípios gerais que
dão testemunho de um sentimento jurídico partilhado pela comunidade internacional
ou decorrente de convénios internacionais livremente aceites pelos Estados.
As elevadas expetativas geradas pela criação das NU, enquanto estrutura
institucionalizada de uma espécie de governo mundial, não resistiram às dificuldades
provocadas pelo antagonismo abeto e declarado entre o bloco ocidental, liderado
pelos EUA, e o bloco do leste, satelizado pela US. A chamada Guerra Fria,
produzida põe uma cisão de natureza político-ideológica no seio da comunidade
internacional, conhece momentos críticos de beligerância como a Guerra da Coreia
(1950-53) e a Guerra do Vietname (1955-1975). A comunidade internacional vive a
espiral da dramática da ameaça nuclear que culmina na crise dos mísseis de Cuba
(outubro de 1962). Recuperado e reconhecido um certo equilíbrio entre as duas
superpotências, inicia-se a era do desanuviamento e da política de coexistência
pacífica.

Na geopolítica internacional, os EUA emergem como potência hegemónica, o


que prejudicou o multilaterialismo nas relações internacionais e enfraqueceu o papel
das NU na resolução dos conflitos internacionais. O multilateralismo triunfou, contudo,
no domínio das relações comerciais quando em 1995 foi criada a OMC e, após o ciclo
de negociações do Uruguay Round, foi assinado o maior e mais importante pacote de
acordos entre Estados com vista à liberalização do comércio internacional.

Em rigor, o DIP, através de instrumentos de auto-vinculação (p.e convenções


internacionais) ou de hétero-vinculação (p.e princípios gerais de direito), limita
e condiciona a soberania dos Estados.

Ao refletir sobre a evolução do DIP e concomitante, da comunidade internacional, é


legítima a interrogação se esta etapa, iniciada em 1945, perdura no futuro ou se, pelo
contrário, acontecimentos como a Queda do Muro de Berlim (1989), o ataque aos
EUA em 11 de setembro de 2001 ou, eventualmente, a crise financeira de 2008,
serão uma especia de pontos de viragem que nos transportam para uma dimensão
pós-moderna do DIP, em rutura com o paradigma clássico do modelo de Vestefália.

Vamos ter a continuação de conflitos, e até uma sistemática violação de direitos


humanos, todos os estados violam direitos humanos, até em portugal mas de forma
esporádica (portugal foi condenado por violação de DH no caso de más condições
nas prisões).

Crise do cisne negro - Talim Nasseh:

cisne negro - acontecimento que ninguem previu e tem consequências catastrofricas.


Ex: covid 19

O DI contemporâneo deve a sua relativa coerência de ciclo a características, algumas


delas em registo de contraste com períodos anteriores e, até certo ponto,
contraditórias entre si, que fazem dele um ordenamento jurídico que se apresenta
como:
→ Institucionalizado e multilateral, resultante da criação de um número de cada
vez maior de organizações internacionais com papel decisivo no respeitante, por
um lado «, ao processo de elaboração das normas internacionais e, por outro lado,
em relação à fase da sua aplicação; com um grau superior de institucionalização,
de tipo comunitário, que envolve da parte dos Estados o exercício em comum de
poderes de soberania e a criação de tribunais internacionais competentes para
exercer poderes tradicionalmente associados às prerrogativas internas de
soberania, como é o caso do Tribunal Penal Internacional e da sua competência
para julgar e condenar indivíduos pela prática de crimes.

→ Democrático, por oposição ao pendor oligocrático do DI clássico e moderno,


concebido basicamente pelas grandes potências para dar satisfação aos seus
interesses e perpetuar a sua hegemonia; depois de 1945, a criação das NU e de
outras organizações internacionais, bem como a realização de grandes
conferências internacionais sobre as permanentes questões que interessam a
humanidade.

→ Expansivo, com a regulamentação internacional a estender-se às mais


variadas áreas de relevância jurídica transnacional, acompanhada de um
importante movimento de codificação em áreas fundamentais como o Direito
humanitário, o Direito do Mar, o Direito dos Tratados…

→ Internormativo e prevalecente, sem prejuízo da autonomia inerente à uma


ordem jurídica própria, que coexiste com as ordens jurídicas nacionais e regionais,
o DI é parte integrante destas ordens jurídicas.

→ Humanista e social, na medida em que a centralidade reconhecida ao


princípio da dignidade da pessoa humana pela DUDH foi desenvolvida e
aprofundada através da celebração de um número vastíssimo de convenções
internacionais sobre Direitos humanos, incluindo sobre direitos económicos e
sociais, tendo sido possível em relação a alguns destes instrumentos normativos
a criação de tribunais (p.e Tribunal Europeu dos Direitos do Homem) ou órgãos
de controlo (p.e Comité dos Direitos Humanos).

→ Global, como resposta às necessidades específicas de uma comunidade de


Estados em processo acelerado de partilha de interesse, de problemas e de
riscos, profundamente independente, cuja dimensão transnacional, e, sobretudo,
extraterritorial.

→ Universal, porque, numa aceção conhecida, é o ordenamento jurídico que tem


por base o conjunto de Estados, cujo numero ultrapassa dos atuais 193 que são
membros das NU; embora a comunidade internacional não seja apenas formada
por Estados, nem o DI se limite a exprimir a vontade soberana dos Estados,
importa não esquecer que os Estado ainda são o elemento estruturante da
comunidade internacional e a sua cooperação voluntária, permanente e
institucionalizada é fundamental para garantir o respeito e a aplicação das normas
internacionais; por outro lado, sendo esta aceção menos conhecida, o DI evoluiu
no sentido da configuração normativa de uma supralegalidade que, sob a forma
de direito cogente (ius cogens) e obrigações gerais (erga omnes) impõe a
todos os Estados deveres em relação à comunidade, de internacional no seu
conjunto, seja a proibição do uso da força nas relações com os outros Estados,
seja a proibição do genocídio ou de atos de tortura em relação aos indivíduos.

→ Assimétrico, palavra que resume a fragilidade do ordenamento internacional,


o qual, em função de fatores basicamente extrajurídicos, apresenta graus muito
diferenciados de regulação e de efetividade.
Secção III. A questão existencial do DIP: existe porquê e para quê?

1. Colocação do problema:

Uma questão clássica e que teima em ser colocada nos nossos dias é esta: existe
mesmo DIP? A única resposta possível, existe, porque tem de existir.

Ao ler o que se escreveu sobre o fundamento do DI, verificamos que um erro


relativamente generalizado de análise é o de ligar e mesmo de confundir dois aspetos
distintos: o fundamento teórico da juridicidade do DI e o problema relativo às suas
características de obrigatoriedade, e ao consequente grau de efetividade.

Uma norma jurídica não perde a sua natureza vinculativa, como fonte de direitos
e deveres, em virtude da sua violação e/ou insuficiência dos mecanismos
institucionais de garantia da efetividade. A reputação do DI como direito imperfeito
reproduz uma espécie de “mito normativo” que nos separa da verdadeira natureza do
DIP como espaço de juridicidade.

Em primeiro lugar, a coercibilidade é uma característica do Direito enquanto sistema


jurídico e não de cada uma das normas ou regimes normativos que o integram;
podemos encontrar no DI, aplicável às relações jurídico-privadas e às relações
jurídico-públicas, vários exemplos de normas jurídicas destituídas de sanção
específica.

Em segundo lugar, importa relativizar o grau de incumprimento das normas


internacionais, na sua generalidade dos casos, as regras são respeitadas.

2 – Principais correntes doutrinárias:

Depois do DIP ter nascido, sob o signo da justificação jusnaturalista, de inspiração


divina ou secular, no século XIX e no primeiro quartel do século XX a corrente
maioritária passa a ser a do positivismo voluntarista e estatista.

O voluntarismo jurídico assente sobre a seguinte proposição: as normas jurídicas


são produto da vontade humana e existem por causa desta vontade e em função dela.
O voluntarismo estatal identifica esta vontade com a vontade do Estado, segundo
uma conceção que reflete o pensamento de Hobbes sobre a autoridade centralizada
e necessária do Estado Absoluto e, já no seculo XIX, a teoria de Hegel sobre a
natureza do Estado de comunidade suprema e protetora. O direito positivo é o direito
“posto” pela vontade única do Estado.
O positivismo voluntarista e estatista conduzia, contudo, a uma espécie de beco sem
saída no que respeita à explicação sobre a vinculação do Estado apenas quando quer
e se quiser, o que, em rigor, contrariava a própria ideia de sociedade internacional e
de um Direito das gentes. Dois autores alemães, vão procurar uma justificação. Para
George Jellinek, é a teoria da autolimitação: na ordem internacional, o Estado não
conhece autoridade superior, mas a prerrogativa soberana da autodeterminação
implica a auto-limitação.

Para Heinrich Triepel, é a teoria da vontade comum: No DIP, a vontade comum ou


conjunta exprime-se de modo expresso através dos tratados ou de modo tácito
através do costume.

Ao longo do século XIX e XXI, a doutrina é confrontada com problema, o que


provoca uma certa contraposição entre a corrente normativista e as correntes
substancialistas.

A teoria normativista de Kelsen que, com Alfred Verdross e Joseph Kunz criou a
Escola de Viena, foi marcada pelo objetivo de “libertar” a construção jurídica das suas
ligações aos critérios não jurídicos.

O formalismo jurídico de Kelsen assimila a existência do Estado a um complexo


ordenado de normas, o ordenamento jurídico, pelo que a função primordial do Estado
é a unificação e aplicação do Direito. Estado e Direito não se distinguem. Kelsen
justifica a força vinculativa do Direito pela ideia da ordenação hierárquica das normas,
em que a norma inferior retira a sua força de referência à norma imediatamente
superior, até chegar ao topo da pirâmide normativa. No direito interno, a norma
fundamental é a constituição. No DI, o fundamento jurídico convencional é o princípio
pacta sunt servanda, enquanto que o direito costumeiro retira a sua obrigatoriedade
da regra hipotética ou pressuposta – consuetudo est servanda.

No campo das correntes que designamos como substancialistas, destacamos:

- A fileira sociológica, que rejeita a noção dogmática e explicativa da soberania.

- A fileira jusnaturalista, que recupera a ideia original do DI identificado com o direito


natural, de origem divina para a doutrina escolástica. Os autores reconduzem o
fundamento do DIP a um conjunto de valores suprapositivos, uma pauta axiomática
que, ao mesmo tempo, justifica a autoridade do DI e orienta os seus conteúdos
normativos.
3 – Posição adotada:

A existência do DIP não é uma opção ideológica ou dependente de modelos


doutrinários. A organização social entre Estados e outros sujeitos internacionais,
baseada em critérios de segurança, de previsibilidade e de justiça, depende de um
quadro jurídico coerente e funcionalmente adequado – é o DI.

Neste sentido, o fundamento do DI é social, contratual e racional.

Negar o fundamento jurídico do DIP ou reduzir a sua autoridade normativa à


expressão de um Direito imperfeito, relativo e parcial, pressupõe a aceitação da
sociedade internacional como expressão de uma mera correlação de forças entre os
atores da vida internacional em risco permanente de desagregação.

Enquanto membros da sociedade internacional, os Estados são partes do contrato


originário. Em relação ao DIP, cumprem porque devem e não porque querem.

A obrigatoriedade dos tratados resulta do princípio Pacta Sunt servanda e, por outro
lado, o seu conteúdo, resultante da negociação diplomática e da concertação de
vontades das partes contratantes, pode sofrer limitações em virtude da eventual
oposição com regras imperativas de direito geral (ius cogens).

Um dever civilizacional e humanista de obediência aos valores suprapositivos


da garantia da paz e do respeito pela dignidade da pessoa humana que podemos,
dada a sua relação de cumplicidade finalística, reconduzir ao valor agregador da
dignidade individual e social da pessoa humana.
4 – As funções sociais do DIP:

Como estatuto jurídico da comunidade internacional, o DIP vincula os destinatários


mediante regras de tipo societário e comunitário.

As regras de tipo societário são aplicáveis no quadro de relações de igualdade entre


Estados, desenvolvidas no cenário clássico da coexistência entre soberanias. Um
patamar superior de desenvolvimento e de aprofundamento das relações de tipo
societário compreende a função da cooperação.

Sobre certas matérias, o DIP adquire uma função de integração de interesses e de


autoridade.

Estas três dimensões – coexistência, cooperação e integração – estão presentes


do DIP do século XXI de uma forma complementar, por vezes em simultâneo como
acontece no seio da ONU.

Dois grandes fundamentos axiológicos do DIP:

1 - A dignidade da pessoa humana;

2 - A paz e a segurança internacional.


Capítulo 2 - Fontes de Direito Internacional Público:

Secção I. Elementos de uma teoria geral das fontes internacionais

1. Fontes, obrigações e atos jurídicos no DI:

2.1 - A dogmática jurídica tradicional associa a noção de fontes do Direito ao seu


sentido formal e limita o elenco das fontes aos modos de formação e de revelação
das normas jurídicas, como o são, reconhecidamente, a lei o costume.
Na ausência de disposições internacionais com a função específica de inventariar e
qualificar os modos de identificação e de criação das normas internacionais aponta-
se o artigo 38º do ETIJ como referência para esse exercício. As dificuldades
suscitadas pela interpretação do artº 38 ETIJ estão diretamente relacionadas com a
vigência de um texto quase centenário que não acompanhou a notável evolução
dos procedimentos genéticos do Direito Internacional e resultam, em especial, da
coexistência de conceitos, que, embora distintos quanto à forma, estão
funcionalmente próximos e são interdependentes no que respeita à produção de
efeitos jurídicos - fontes, obrigações e atos jurídicos.

2.2 -
→ As fontes designam os procedimentos e modos de criação do DIP: formais se
o sistema jurídico lhe reconhece a propriedade de criar Direito e materiais se, alheias
a um tal reconhecimento acabam por influenciar e modelar o sentido da norma jurídica
e contribuem, fortemente, para erodir a distinção entre criação e aplicação da norma
jurídica (ex: jurisprudência, doutrina jurídica).
À luz de uma outra classificação de fontes, baseada no critério relevante da vontade
dos sujeitos internacionais, as fontes são espontâneas (costume, princípios gerais de
direito), convencionais ou pacticias (convenções internacionais) e autoritárias ou
unilaterais (atos dos estados e, sobretudo, das organizações internacionais).

→ As normas jurídicas, criadas e reveladas, pelo sistema de fontes, definem


obrigações para os sujeitos do ordenamento jurídico internacional. A caracterização
destas obrigações alicerça a distinção fundamental entre Direito Internacional Geral,
integrado por normas consuetudinárias e princípios gerais de Direito, e Direito
Internacional Particular ou Convencional que vincula apenas quem o aceita; entre
normas dispositivas, passíveis de substituição por outras de conteúdo diferente no
exercício da vontade normativa dos sujeitos, e normas imperativas ou peremptórias
que, protegendo valores e interesses de toda a comunidade internacional, não podem
ser derrogadas ou substituidas.
Por seu lado, as obrigações internacionais podem resultar de relações bilaterais,
de relações multilaterais ou de relações de caráter universal. Com destaque, neste
caso, para as obrigações erga omnes definidas por normas imperativas.
→ Os atos jurídicos aplicam as normas internacionais e a sua concreta expressão
depende da natureza da obrigação que vincula, ou não, o respetivo sujeito. Em
qualquer caso, estes atos jurídicos, adotados pelos Estados e, de modo crescente,
pelas organizações internacionais e sujeitos atípicos, têm eficácia jurídica,
eventualmente normativa, que condiciona o impacto regulador da norma
aplicada.
No quadro próprio das convenções internacionais, é exigida ou pressuposta a
articulação entre, por um lado, o procedimento contratual de formação da vontade
das partes (Direito dos Tratados) e, por outro lado, o mecanismo unilateral de
aprovação interna do acordo, conforme o previsto na Constituição (estados) ou no
tratado institutivo (organizações internacionais) em matéria de vinculação
internacional. Na confluência entre Direito dos Tratados e Direito Constitucional ou
Institutivo, importa determinar a incidência do convénio na ordem jurídica interna,
designadamente a questão clássica de saber se, e em que medida, a norma pactícia
prevalece sobre a Lei Fundamental e o direito ordinário. Verifica-se assim, uma
relação de interdependência necessária entre fonte institucional e fonte interna com
relevância internacional.

2. O artigo 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça e a


tipificação de fontes:

2.1 - A Carta das NU, no seu preâmbulo, refere “o respeito das obrigações
decorrentes dos tratados e de outras fontes de direito internacional”.

Quais serão estas outras fontes?


Artigo 38º

“1. O tribunal, cuja função é decidir em conformidade com o direito internacional as


controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:
a) As convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam
regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b) O costume internacional como prova de uma prática geral aceite como direito;
c) os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) Com ressalva das disposições do artigo 59º as decisões judiciais e a doutrina
dos publicistas mais qualificados das diferentes nações como meio auxiliar
para a determinação das regras de direito.
2.2 A presente disposição não prejudicará a faculdade do Tribunal de decidir uma
questão ex aequo et bono, se as partes assim convierem.

Em torno do art 38 ETIJ, a doutrina jusinternacionalista projeta e fundamenta uma


teoria geral das fontes de Direito Internacional, guiada por um método construtivista
e não meramente exegético. Apesar de, em princípio, como norma constante de um
instrumento convencional, apenas vincular os Estados que são membros da ONU, o
artigo 38º ETIJ é lido como uma disposição de alcance geral, assim considerado pela
generalidade da doutrina.
Critério relevante é, desde logo, o âmbito parauniversal da ONU que integra quase
todos os Estados atualmente existentes. Mesmo os Estados que não são membros
das NU podem estar abrangidos pelo Estatuto no caso de autorização do Conselho
de Segurança para permitir o acesso ao TIJ (artigo 35, n2).
Clara demonstração do caráter universal e geral do artigo 38 ETIJ é o facto de o
seu texto servir, de modo direto ou indireto, de referência para a redação de
disposições constantes de tratados sobre resolução pacífica de litígios.
O art 38 ETIJ não foi pensado e redigido como uma norma sobre normas, com o
alcance geral e o rigor técnico-jurídico que seria exigível no caso de ter sido essa a
sua função originária. Em larga medida, as críticas da doutrina ao artigo em causa
denotam, justamente, essa relativa incompreensão.
A começar pelo reparo sobre a natureza incompleta e desatualizada da lista de
fontes.
O Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça recupera, com pequenas
alterações, o texto do Estatuto do Tribunal Permanente de Justiça Internacional,
instituição congénere que o precedeu no quadro da SDN e cujo estatuto foi aprovado
em 1920.
Também é de notar o anacronismo da expressão “pelas nações civilizadas”,
problema que rapidamente se afasta pela interpretação atualista.

Uma outra crítica apontada ao art 38 ETIJ está relacionada com a ligação desigual
entre fontes formais (convenção internacional, costume) e fontes materiais (princípios
gerais de direito, jurisprudência e doutrina).
Para alguns autores, o art 38, cometeria ainda a heresia de integrar a equidade no rol
das fontes. O artigo 38 acabaria, supostamente, por confundir “verdadeiras fontes”
como “pretensas fontes”, de Direito Internacional. Este debate merece referência mas
na opinião da regência não justifica desenvolvimento. Em 1 lugar porque pouco ou
nada há a acrescentar aos tópicos e argumentos da abordagem clássica. Em segundo
lugar, não se deve exigir do art 38 ETIJ mais do que se pode dar. Trata-se, com efeito,
de uma disposição de um tratado, fruto de negociações e de compromissos, e não de
uma tese.
Finalmente, estamos perante uma disposição de alcance geral, mas cuja relevância
no respeitante a uma teoria geral das fontes do DI é mais indicativa que impositiva.

2.3 No campo próprio do DIP, é ainda mais vincada a irrelevância prática, também no
plano teórico, da classificação das fontes e da sua distinção entre fontes formais -
relativas aos mecanismos e procedimentos de produção jurídica, e fontes materiais -
que remetem para as condicionantes sociais, políticas, económicas e culturais que
influenciam o nascimento e os ciclos de vida da norma jurídica, incluindo as decisões
dos tribunais internacionais e nacionais, e a doutrina científica. Através das fontes
formais, a norma é revelada como direito positivo, com a inerente vantagem da
certeza jurídica, fundamento de obrigatoriedade e estabilidade do ordenamento
jurídico internacional. Através das fontes materiais, incluindo numa aceção mais
ampla os princípios gerais de Direito, é garantida a transformação da norma positiva
ou mesmo a sua recriação em função de exigências novas e fundamentais de
regulação normativa. Ao intérprete da norma internacional compete, em primeiro
lugar, a identificação da norma positiva sobre a matéria em apreciação, de fonte
convencional ou costumeira, o que não prejudica o dever de procurar a solução mais
justa e equilibrada no quadro de uma leitura integrada sobre “as tendências” de um
regime normativo em transformação ou em formação.
Alguns autores, sobretudo na doutrina anglo-saxónica, condenam como obsoleta e
formalista a teoria das fontes e propõem em alternativa o estudo dos processos de
criação do DI.

3. Fontes tipificadas:

A. A convenção internacional:

A convenção internacional é o instrumento contratual típico de Direito


Internacional. As expressões que a designam, nos textos normativos e na prática
diplomática, são variadas: para além de convenção, encontramos acordo, tratado,
convénio, pacto, estatuto, protocolo, memorando, carta, constituição, compromisso,
ato final, concordata, modus vivendi. A maior parte destas designações são
equivalentes, outras são específicas para, por exemplo, identificar um tratado
celebrado entre Estados e a Santa Sé (concordata), um acordo temporário e
provisório (modus vivendi) ou um regime de alteração ou de adaptação de um tratado
base, eventualmente limitado a algumas partes (ex: protocolos adicionais à
convenção europeia dos direitos humanos).
O art 38 ETIJ, no seu n.1 alínea a), refere “as convenções internacionais”, mas outras
disposições do Estatuto usam a expressão “tratado ou convenção” (art 37).
Por outro lado, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, define o tratado
como “um acordo internacional” (art 2, n.1 alinea a) e ao longo do texto, utiliza
indistintamente as expressões tratado e acordo (art 58 n1).

Tendo por base a prática costumeira, antiga e coerente, a doutrina


jusinternacionalista, com diferenças de formulação pouco relevantes no que se
refere à seleção e harmonização dos elementos que integram o conceito, define o
tratado como “o acordo concluído entre dois ou mais sujeitos de direito internacional,
destinado a produzir efeitos jurídicos e regido pelo Direito Internacional”.
A convenção de viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados, de 23 de meio
de 1969, codifica a seguinte definição de tratado:
“(...) designa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido
pelo Direito Internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em
dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação
particular”.
Esta definição requer algumas observações sobre os seus pressupostos:

● Acordo: pressupõe uma manifestação de vontades convergentes e


coincidentes por parte dos sujeitos de direito (o chamado consensus ad idem).
Para o TIJ é o entendimento aplicável à vinculação de fonte convencional por
parte de qualquer outro sujeito de Direito Internacional para além dos Estados.
● Acordo internacional: é regulado pelo DI que determina o regime aplicável,
designadamente o procedimento de celebração e as modalidades de vigência
e eficácia. Existem instrumentos de natureza contratual que não são tratados,
na medida em que a respetiva base jurídica é o direito interno, ainda que
aplicado num quadro da transnacionalidade.
● Concluído por escrito: o requisito de forma escrita condiciona a aplicação do
CVDT-I, mas não proíbe a possibilidade de acordos verbais, cujo eventual valor
juridico não é excluido (artigo 3, alínea a) ); aos acordos verbais não são
contudo, aplicáveis as regras da CVDT e, insuscetíveis de registo de
publicação, os acordos verbais não podem ser invocados perante os órgãos
das NU, incluindo o TIJ (art 102, n 2 da Carta das NU).
● Entre estados: ou à luz da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados,
de 20 de março de 1986, entre Estados e organizações internacionais ou ainda
entre organizações internacionais.
● Número de instrumentos: o corpo do tratado pode ser constituído por um ou
vários acordos conexos e, por outro lado, o tratado pode designar o conteúdo
do acordo entre as partes e o instrumento que formalizou e aprovou o acordo,
por exemplo, através da troca de cartas ou por declaração.
A pluralidade de instrumentos não deve prejudicar a unidade de acordo,
principalmente no momento de o interpretar e aplicar. Na prática, são
frequentes as dúvidas sobre a natureza jurídica ou política de alguns dos
elementos que compõem o acordo e sobre a relevância consensual ou
meramente unilateral de atos imputáveis aos Estados.

→ A produção de efeitos jurídicos, intencional ou mero resultado do acordo, não


consta da definição registada pela CVDT-I ao contrário da versão comumente
proposta pela doutrina que será mais próxima da noção costumeira.
Não obstante, a produção de efeitos jurídicos integra a noção relevante de tratado,
implicitamente acolhida na versão codificada pela expressão “regido pelo Direito
Internacional”, segundo justificação constante do Relatório da Comissão de Direito
Internacional.
A eficácia jurídica do acordo pode revestir a forma comum e típica de criação de
direitos e obrigações para as partes ou, em certos casos, limitar-se-á a uma
confirmação de situação jurídica pré vigente, mas com o aspecto distintivo de envolver
caráter obrigatório e não meramente político ou exortativo. A questão da qualificação
dos efeitos, no plano jurídico ou no plano meramente político, suscita dificuldades
particulares.
Também carecem de efeito obrigatório os chamados "gentlemen 's agreements” que,
em princípio, exprimem um compromisso pessoal e ético entre representantes
políticos, insuscetível de invocação perante os sujeitos de direito representados,
maxime os Estados. Têm a natureza de acordos extrajurídicos, e o seu significado
está limitado ao campo das intenções políticas, com eventual relevo no processo
formativo de regras jurídicas.

→ Da noção de convenção ou tratado internacional faz parte integrante a ideia


fundamental de um acordo vinculativo para as partes que se submetem ao
império do princípio pacta sunt servanda. O princípio fundamental segundo o qual
os pactos ou tratados são para cumprir tem origem consuetudinária, devidamente
explicitado pelo art 26 CVDT-I.

→ A convenção internacional é um contrato, mas nem todos os contratos no contexto


internacional ou transnacional integram a categoria de convenções internacionais.
São vários os exemplos de instrumentos convencionais atípicos, aparentados com o
tratado, mas diferentes na sua natureza e regime jurídico. Justamente, o ponto
relativo ao estatuto das figuras afins é enorme relevância prática, porquanto a questão
de saber se é ou não é um tratado, para além das exigência teórica que envolve, é
decisiva na determinação das regras aplicáveis, por exemplo, qual o órgão
competente do Estado para o aprovar e quais serão as condições relativa ao controlo
político e judicial de aplicação interna.

Estão em causa contrato celebrados:

- entre Estados ou entre estados e outras coletividades de direito público


internacional (organizações internacionais) e interno (empresa pública), em
que se decide expressamente aplicar o direito interno de um dos estados
contraentes ou de um terceiro Estado (contratos públicos internacionais).
Ex: um contrato de venda de bens ou serviços do Estado A ao Estado B, fazendo
parte do acordo uma cláusula que determina, em caso de conflito, o direito interno do
Estado A e a competência dos tribunais deste Estado.

- Entre Estados e pessoas de direito privado, físicas ou coletivas, como


empresas comerciais e organizações não-governamentais.
Ex: um contrato sobre um projeto de investimento ou desenvolvimento. Dependendo
das cláusulas relativas ao direito aplicável, poderemos estar perante 1) um contrato
internacional privado que remete o DIPrivado, especialmente nos domínios das
relações comerciais (lex mercantoria); 2) um contrato privado internacional que define
como aplicável o direito interno, designadamente sobre questões fundamentais
relativas ao equilíbrio contratual e ao foro competente; 3) um tratado se deste constar
uma remissão clara para o DI e este se apresentar como o “ordenamento regulador
em bloco do acordo”.

Classificações:

A categoria jurídica que é o tratado presta-se a um exercício quase ilimitado de


classificações, dependendo do desdobramento das modalidades dos critérios
aplicados e das especificidades que são consideradas para o efeito.
Na doutrina prevalecem dois métodos de classificação:
- classificação material (que incide sobre o conteúdo e função jurídica da
convenção);
- classificação formal (trabalha os aspectos externos e formais da convenção
internacional).

A classificação material:

I. Tratados-lei e tratados-quadro → diferença invocada a propósito dos Tratados


institutivos das Comunidades Europeias. O Tratado de Paris que instituiu a
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço em 1951 seria um tratado-lei pela
maneira de regulação das condições de funcionamento do mercado
siderúrgico, enquanto o Tratado de Roma de 1957 que criou a Comunidade
Económica Europeia (CEE), Tratado da União Europeia, se limitaria a enunciar
objetivos gerais e a fixar as competências para os realizar.

II. Tratados gerais e tratados especiais → Com base no artigo 38, n1, alínea a)
ETIJ, padece de ambiguidade da noção de “tratado geral” e não tem
correspondência prática no regime normativo definido pelas CVDT.

III. Tratados-lei e tratados-contrato → a distinção é antiga, proposta no século XIX


na sequência dos primeiros tratados multilaterais com regras gerais
equivalentes a uma função legislativa internacional por oposição ao cânone
clássico do tratado bilateral de conteúdo subjetivo e equilíbrio sinalagmático
(tratado-contrato).

Classificação formal:

I. A qualidade das partes permite distinguir três tipos de tratados:


- celebrados entre Estados;
- celebrados entre Estados e organizações internacionais;
- celebrados entre organizações internacionais.

II. O número das partes, com duas modalidades claramente identificadas:


tratados bilaterais, celebrados entre dois sujeitos, foram durante séculos a
fórmula convencional das relações interestaduais; tratados multilaterais, que
vinculam mais do que dois sujeitos, na modalidade de plurilaterais, universais
ou tendencialmente universais.
Relacionada com esta distinção, temos a classificação que divide os tratados em
função da natureza da obrigação jurídica prevista: tratados que impõem obrigações
bilaterais, relevantes no quadro estrito de uma relação de reciprocidade entre as
partes, e tratados que gera, obrigações erga omnes porque são relativas a interesses
públicos internacionais e comuns a todas as partes no convénio.

III. Em função do procedimento de conclusão, as convenções podem ser “tratados


sob forma solene” (exigem processo de ratificação) e “acordos sob forma
simplificada”. (podem tornar-se vinculativos através da assinatura daquela
pessoa que está a representar o estado)
B. O costume internacional

a) Fundamento do costume internacional:

Existe uma questão teórica importante a ser referida como o relativo à sua relação
com a vontade dos destinatários. A doutrina, numa visão intencionalmente
simplificadora, está dividida em duas correntes:

I. A escola voluntarista:
Cujos fundadores foram Heirinch Triepel e Dionosio Anzilotti, firmemente sustentada
por Gregori Tunkin.
Para a corrente voluntarista, a norma só pode existir como manifestação da vontade
dos Estados: expressa se for um tratado e tácita se for um costume.
O fundamento do costume seria, pois, o chamado acordo tácito.
O costume teria assim, uma natureza próxima da convenção e não poderia ser
imposto a um Estado se da sua prática não fosse possível deduzir a aceitação da
regra em causa como jurídica e, logo, obrigatória. A aceitação do Estado estaria
claramente afastada no caso de existir da sua parte uma oposição expressa e
reiterada (teoria do objetor consistente).
A tese do costume como pacto tácito foi rejeitada pela larga maioria da doutrina com
o apelo a um conjunto vasto de argumentos em que se destacam as seguintes
considerações:
1) uma norma costumeira pode vincular um Estado mesmo na ausência da sua
participação ou aceitação;
2) a formação do costume, na parte relativa ao apuramento da convicção do Estado,
não depende da manifestação de vontade por parte dos órgãos internos competentes
no processo de vinculação internacional (p.e, na nossa constituição, a AR, o GOV, ou
o PR);
3) O costume é de aplicação direta e imediata a todos os Estados, mesmo os recém-
formados, por independência ou sucessão, e que, por definição, não participaram
autonomamente no processo de formação da norma consuetudinária.

Já em relação à teoria do objetor persistente, não devemos por mero preconceito


dogmático afastar a sua relevância, porque, tal como veremos, não é irrelevante na
formação do costume a manifestação do consentimento do Estado no que respeita à
obrigatoriedade jurídica da norma espontânea.
II. A escola objetivista:
Fundada nos contributos seminais de Georges Scelle e de Charles de Vissgher, no
período entre as duas grandes guerras do século passado, avalia o costume como a
resposta a uma necessidade social que nasce do tipo de relações existentes entre os
membros da comunidade internacional e que os leva a atuar entre si sob o império de
certas regras jurídicas. No costume prevalece a função sociológica que Luigi
Condorelli designa por “sedimentação social”.

A corrente objetivista abriu as portas a uma conceção maioritária na doutrina, na


qual a regência integra, que classifica o costume como uma resposta cultural e
construída - justificada por uma pauta de valores e princípios de estruturação
societária. Sob este prisma, o costume subordina a vontade dos Estados e
demais sujeitos internacionais.
Ao contrário da escola voluntarista, o costume auto-referenciado da corrente
objetivista não faz depender a formação da norma costumeira de uma prática aceite
por todos como obrigatória.
As duas correntes convergem na exigência de dois elementos do costume (o
elemento material e o elemento subjetivo), embora haja ainda diferentes
perspetivas.

Nota: Corrente positivas exclui o costume.

b) Noção de costume internacional:

A seguir às convenções internacionais, o art 38º do Estatuto do Tribunal Internacional


de Justiça (ETIJ), refere “o costume internacional" que apresenta como “prova de
uma prática geral aceite como Direito”.
→ O conjunto das normas costumeiras forma o Direito Internacional Geral que
representa uma espécie de base sobre a qual se desenvolvem as relações
internacionais.

O costume ao qual apelam os Estados, aplicado pelos tribunais internacionais, que


influencia o curso dos trabalhos de conferências internacionais, minuciosamente
estudados pela doutrina, permite a formação de um regime jurídico geral e uniforme,
que nesta medida, exprime o consenso historicamente assumido pela comunidade
internacional sobre o conteúdo dos direitos e deveres dos seus membros.

Em relação ao tratado, que só pode vincular os Estados que o aprovaram e não cria
direitos ou obrigações para os Estados terceiros (art 34º Convenção de Viena sobre
o Direito dos Tratados), o costume oferece a vantagem de constituir um regime
normativo geral, com eficácia erga omnes e cuja aplicação pelos Estados nas suas
ordens jurídicas internas não fica dependente, como acontece com o tratado, de
procedimentos internos de receção ou de aceitação.
→ Em vastos e relevantes domínios da legalidade internacional, o costume mantém
a função primordial de formação das normas aplicáveis. Ex: Direito Internacional
Humanitário, Direito do Mar…

Nota: o costume é uma prática que é mantida pelos sujeitos de direito convencidos
que estão a isso obrigados, ao passo que no uso existe a prática mas não a convicção
de obrigatoriedade, no plano jurídico tal comportamento não lhe é exigido.

A determinação do costume internacional, como acontece com o costume da teoria


geral das fontes, depende da avaliação dos chamados elementos do costume: o
elemento material - corresponde a uma prática continuada (repetitio facti ou
diuturnitas), e o elemento subjetivo, traduzido na convicção sobre a obrigatoriedade
jurídica de certos comportamentos ou atitudes que foram adotados (opinio juris ac
necessitatis).

Resolução 73/203 - Determinação do DI costumeiro.

A teoria dos dois elementos encontra apoio claro e reafirmado na jurisprudência


internacional que aplica o art 38, n1, alínea b), ETIJ, a qual, na sua definição de
costume, explicita uma dupla exigência quanto à prova “de uma prática geral” que
seja “aceite como Direito”.

A teoria dos dois elementos, apesar de criticada por alguns setores da doutrina, foi
confirmada em jurisprudência recente, no acórdão de 3 de fevereiro de 2012, caso
das Imunidades Jurisdicionais de Estado (Alemanha c. Itália) ao sublinhar que uma
norma costumeira exige “a settled practice together with opinion juris.”
A verificação sobre a convicção da obrigatoriedade recai sobre factos e, estando em
causa Estados e outras entidades de personalidade coletiva, não inquire dos aspetos
psicológicos ou motivações íntimas. Trata-se de uma convicção objetivada sob a
forma de indícios cuja reiteração ou expressão material constitui a “prática quase
universal”, a “prática constante” ou a “prática geralmente seguida”.

A prova sobre esta prática pode resultar de documentos diplomáticos, parlamentares


e legislativos, de tomadas de posição dos representantes dos Estados em
conferências e cimeiras internacionais ou no seio de organizações internacionais e
mesmo de jurisprudência dos tribunais nacionais. A jurisprudência internacional
concentra a sua análise sobre os seguintes agregados:

● Práticas diplomáticas;
● Jurisprudência, internacional e interna, e doutrina;
● Legislações nacionais;
● Convenções internacionais, celebradas pelos Estados envolvidos ou
convenções multilaterais que, mesmo não tendo sido por eles aceites, serão
de codificação do direito existente;
● Recomendações e declarações adotadas no quadro da Assembleia Geral das
NU ou de conferências internacionais.

Dada a dificuldade em selecionar os factos relevantes e em provar que existe uma


prática constante e geral, alguns autores têm defendido que a prática é apenas um
elemento de prova que poderá ser minimizado ou mesmo substituído por outros
meios de prova naqueles casos em que é possível identificar a opinio juris como
verdadeiro elemento constitutivo do costume. A norma seria assim proclamada
como existente sem o apoio de uma prática anterior.
Alguns autores referem mesmo a figura do costume instantâneo ou imediato. Esta
ideia radica, contudo, na confusão entre formação do costume e a constatação do
costume, designadamente por via de codificação sob a forma de uma declaração ou
proclamação internacional.
Em suma, a prática continuada e reiterada não obedece a um período mínimo,
ou máximo de repetição dos atos, mas é incompatível com um critério de formação
instantânea que provocaria uma rutura imediata com o enquadramento normativo
anterior.

1 - A prática constante dos sujeitos de DI deve ser geralmente seguida no quadro


universal da comunidade internacional. Tal não significa que todos os Estados tenham
de revelar um comportamento de sentido concordante. Existem Estados que pelas
suas características objetivas não estão em condições de participar na formação da
norma constante.

Por outro lado, é difícil não admitir, por razões de elementar realismo político, que o
peso específico de cada Estado na balança internacional também conta. Concluía,
Charles de Visscher, que são as potências, isto é, os Estados mais importantes no
contexto internacional.
Podemos acrescentar, concluindo: a característica relativa à generalidade da prática
resulta mais do tipo de Estados que para ela contribuíram do que do número de
Estados que a adotaram. P.e, em matéria de DI dos conflitos armados, dado o papel
central desempenhado pelo Conselho de Segurança das NU, importa atender, em
especial, ao comportamento seguido pelos EUA, Rússia, China, França e Reino
Unido como membros permanentes do Conselho de Segurança.

2 - Pode a oposição expressa e consistente de um Estado interessado impedir a


formação da norma costumeira? A teoria do “objetor persistente” ou da
“contestação permanente” aponta na seguinte direção: a objeção reiterada por
parte de um Estado pode não ser suficiente para impedir a formação do costume, mas
garante a sua não vinculação. A objeção reiterada de um conjunto significativo de
Estados constituiria já um entrave à formação do costume.

Importa aqui estabelecer uma distinção fundamental em função do momento em que


ocorre o protesto ou a objeção: antes ou depois da formação do costume? Se a
oposição for permanente por parte do Estado particularmente interessado, tal
impedirá, em princípio, a formação da norma de DIG ou, no limite, permitirá o
aparecimento da norma costumeira que não vincula, contudo, o objetor persistente.
Ex: o caso Pescas, Reino Unido c. Noruega (acórdão de 18 de dezembro de 1951).
Ressalve-se que, ponderando a relevância que no DI contemporâneo tem a proteção
de valores comuns ligados ao fundamento normativo da comunidade internacional,
como a proteção da dignidade da pessoa humana e a garantia da paz, a objeção de
um Estado, mesmo de um grupo de Estados, pode ser insuficiente para travar o
aparecimento de uma norma geral e imperativa. Neste caso, o caráter imperativo e
cogente da norma reconhecida fundamenta uma obrigação erga omnes, pelo que o
estado objetor não pode invocar o precedente jurisprudencial de 1951 para se furtar
ao seu cumprimento. Na verdade, o critério do objetor persistente só opera antes da
formação da norma costumeira.

Nota: O objetor persistente define a posição de um estado que de forma consistente


e continuada se opõe a uma determinada conduta e se opõe à transformação dessa
conduta numa norma costumeira. Sempre que um estado objeta sobre uma norma
costumeira é invocada no processo de formação da norma, depois da formação
simplesmente há uma objeção.
Essa objeção não impede a formação da norma (a prática geral não tem de ser a
prática de todos os estados, mas sim de uma maioria representativa dos estados,
existem estados mais representativos que outros ex: membros do CS, também por
questões de territorialidade, multiculturalidade.
Consequência: torna a norma inoponível ao objetor, a norma não lhe é exigível.

3 - A caracterização pelo art 38, n1, alínea b), ETIJ, do costume como “prática geral”
não exclui a existência de costumes regionais, locais e bilaterais.
P.e - No caso de direito de passagem sobre o território indiano, em processo
instaurado por Portugal contra a República da Índia, que o TIJ realizou “o
reconhecimento explícito e categórico daquilo a que se chamou costume bilateral e
que consiste em costume formado pela prática de apenas dois Estados e vinculando
somente esses dois estados.

c) Relação entre costume e convenção:

A relação entre fontes não é compatível com uma visão hierarquizada que concederia
um estatuto de superioridade a alguma ou algumas fontes sobre as outras.
Em concreto, a relação entre tratado e costume está associada a uma longa querela
opondo voluntaristas a não voluntaristas que germina sobre terreno filosófico, mas
apresenta, inevitavelmente, consequências no plano da determinação do direito
aplicável.
A análise que se segue sobre a relação entre o costume e o tratado assenta sobre o
princípio basilar da equivalência paritária, o que exclui o critério abstrato e apriorístico
tanto de prevalência como de cedência da norma costumeira na relação de potencial
conflito com a norma pactícia.

Regência - a relação entre tratado e costume é em regra da igualdade.

A norma consuetudinária não é sinônimo de norma inderrogável, insuscetível de


modificação através de acordo entre os Estados. Se for uma norma costumeira de
caráter dispositivo (iuris dispositivo), pode ser substituída por norma de conteúdo
diferente, resultante de prática contrária ou da celebração de um tratado internacional,
tal como pode deixar de vigorar em virtude do efeito do desuso.
Se for uma norma costumeira imperativa (iuris cogentis), os Estados estão
impedidos de aplicar normas convencionais contrárias, feridas de nulidade (artigo 53
CVDT-I), pelo que o seu eventual afastamento ou substituição só pode ocorrer através
do processo consuetudinário equivalente de renovação do ius cogens.

1 - A relação de vigência entre norma costumeira e norma convencional obedece, em


princípio, aos critérios gerais de sucessão das normas: 1) norma posterior revoga
norma anterior; 2) norma especial derroga norma geral.
A um costume pode suceder um regime jurídico definido por convenção internacional
posterior, respeitados os limites impostos pela noção de ius cogens.

d) Costume e mutações da comunidade internacional:

A importância relativa do costume varia em função de fatores extrajurídicos como


sejam a composição da comunidade internacional e, em especial, a maior ou menor
coesão política e cultural dos Estados que a compõem. Todo o costume internacional
é fruto do poder, como afirmava Charles de Visscher. A comunidade internacional
eurocêntrica do século XIX e da primeira metade do século XX, era suficientemente
homogénea para gerar o consenso requerido pela formação consuetudinária de
normas internacionais. O costume gozou neste período de uma certa supremacia
reguladora que compensava a insuficiente institucionalização das relações
internacionais.
Em 1945 com a criação da ONU, uma organização de vocação assumidamente
mundialista; a independência de dezenas de estados; a contestação do fundamento
e a legitimidade do DIG… tendem a ver no costume a expressão de regras antigas,
mesmo anacrónicas, em cuja formação não participaram, a crise do costume
acentua-se também pode via de uma tendência de regionalização do DI.
O aprofundamento das estruturas de institucionalização das relações internacionais,
resultante da criação de novas organizações internacionais, favorece a opção como
tratado.

Na era da globalização, o equilíbrio entre os poderes pode revelar-se, quanto a nós,


favorável a um certo renascimento do costume. A perspetiva favorável ao referido
renascimento da formação consuetudinária de normas internacionais é, de algum
modo, condicionada por duas tendências igualmente recentes. Por um lado, a
abordagem positivista que ressurge com expressão na doutrina jusinternacionalista
no sentido de demonstrar por razões de certeza jurídica e até de efetividade a
superioridade funcional da norma convencional sobre a norma costumeira. Por outro
lado, e com maior peso explicativo, a intervenção institucional no processo de
formação das normas internacionais.

C. Os princípios gerais de Direito:

1.
A seguir ao costume, o artigo 38º ETIJ adiciona à lista das fontes “os princípios gerais
de direito reconhecidos pelas nações civilizadas”. A formulação é muito curiosa,
porque denuncia uma marca dupla do tempo: é arcaica na referência expressa a
“nações civilizadas” e é muito atual na remissão para os "princípios gerais de direito”.
As “nações civilizadas” dos nossos tempos são os Estados democráticos ou liberais,
identificados com o respeito pelos direitos humanos e o programa internacional da
segurança coletiva. Uma interpretação atualista e intra sistemática poderia, por
referência ao 4º da Carta das Nações Unidas, relativo às condições de admissão no
seio da organização, substituir “nações civilizadas” por “Estados amantes da paz” na
alínea c), n1 do artigo 38 ETIJ.

A remissão para os princípios gerais de Direito visa assegurar a autonomia e auto-


suficiência normativa de um ordenamento jurídico. No DIP, onde falta um poder
legislativo concentrado, uniforme e programado para acudir às necessidades
específicas de regulação, avulta a função integrativa dos princípios gerais de Direito.

2.
A função interpretativa e de integração de lacunas atribuída aos princípios gerais de
Direito no quadro próprio do DIP não se esgota, contudo, na alínea c) no n1 do artigo
38 ETIJ. Para além dos princípios gerais reconhecidos e aplicados pelos Estados in
foro domestico, são também aplicáveis os princípios gerais de Direito
Internacional Público. Uma eventual referência expressa a este conjunto de
princípios no corpo do artigo 38 ETIJ seria, na verdade, redundante e inútil, porque o
seu conteúdo e a sua função são inerentes ao ordenamento jurídico internacional.
Por exemplo, o princípio estruturante da pacta sunt servanda tem origem costumeira,
enquanto o princípio da proibição do uso de força resulta, em parte, do costume e,
em parte, da Carta das NU, completado pela prática subsequente à sua entrada em
vigor.

A prática dos Estados e a jurisprudência internacional invocam, amiúde, “os princípios


gerais de Direito Internacional” ou “os princípios gerais reconhecidos pelo Direito
Internacional”.
A conhecida Resolução 2625 da Assembleia das Nações Unidas aprovou em 1970 a
Declaração de princípios de Direito Internacional que devem reger as relações de
amizade e de cooperação entre os Estados em conformidade com a Carta. Estes são
princípios de DI na aceção das regras básicas de ordem jurídica internacional.

3.
Na aceção de regras comuns aos sistemas jurídicos dos Estados, os princípios gerais
de Direito devem ser considerados aplicáveis (a) e transponíveis (b).

Aplicáveis → A generalidade destes princípios pressupõe que seja comuns aos


Estados sem exigir, naturalmente, a universalidade. Já o particularismo de um
princípio partilhado apenas por “certos sistemas de direito interno” será de molde a
afastar a aplicação destes princípios do artigo 38, n1, alínea c) ETIJ. Como vimos a
propósito do costume, a conclusão favorável ao caráter geral e, portanto, aplicável do
princípio jurídico depende, em larga medida, das circunstâncias do caso concreto e
da apreciação do tribunal internacional sobre o elemento relevante de conexão ou de
analogia com o direito interno.
O TJUE, por exemplo, aplica princípios gerais que são comuns à generalidade dos
Estados-membros e outras que, não sendo comuns, se afiguram mais adequados a
dirimir o litígio em torno da aplicação das normas euro comunitárias, critério que temos
designado por adequação funcional.

Transponíveis → A receção e a aplicação na ordem jurídica internacional dos


princípios gerais de Direito, nascidos e amadurecidos na legislação e jurisprudência
dos Estados, implica, por outro lado, que sejam suscetíveis de transposição ou de
internacionalização.
A transposição do princípio jurídico de direito de interno depende, em particular, do
factor de analogia ou elemento de conexão. São múltiplos os exemplos relativos ao
funcionamento das organizações internacionais, cujo estatuto está muito próximo do
modelo estadual de orgânica e de procedimento da decisão pública. Refira-se o
exemplo do princípio da implicação de poderes, ou teoria dos poderes implícitos,
nascido no sistema constitucional norte-americano e absorvido pela generalidade dos
Estados em relação à interpretação dos poderes legislativos e administrativos, e que
esteve na base do Parecer do TIJ de 11 de abril de 1949 sobre Prejuízos sofridos ao
serviço das NU.
4.
É longa a lista de decisões do TIJ e de outros tribunais internacionais, incluindo os
tribunais da UE, que invocam os princípios gerais de Direito como elemento
fundamental de identificação do regime normativo aplicável ao caso concreto.
Cumpre, todavia, frisar que esta importante função de suporte normativo dificilmente
chegará para lhes reconhecer um estatuto de fonte autônoma.
No contexto da codificação da prática internacional ou da negociação internacional,
estes princípios gerais de Direito, se adaptados às exigências de regulação
internacional, acabam por encontrar o selo da autonomia sob a forma de norma
costumeira ou norma convencional.

Notas:
→ Quanto maior a legislação implica cada vez mais o recurso aos princípios gerais
de direito.
→ Têm uma dupla função:
critério de interpretação;
critério de integração da lacunas;

Tal como referido, os princípios gerais de direito podem ser específicos do DI:
“Utis possidetis” - princípio de acordo com o qual não se devem alterar as fronteiras
internacionalmente reconhecidas.

Princípios gerais que nascem no direito interno e são absorvidos pelo DIP: (ex)
natureza transversal.
- princípio da proporcionalidade;
- princípio da boa fé

Triângulo mágico - regente.

Princípio da boa fé;


Princípio da proporcionalidade;
Princípio da humanidade.

Os princípios gerais de direito não são meramente indicativos, são vinculativos, são
geradores de direito e obrigações.
D. A jurisprudência e a doutrina:

1.
Nos termos do artigo 38, n1, alínea d), ETIJ, “as decisões judiciais e a doutrina dos
publicistas mais qualificados das diferentes nações” são um meio auxiliar de
determinação das regras de direito.
A jurisprudência e a doutrina científica não são fontes de DI, pelo que não estão
habilitadas a criar ou recriar normas internacionais, mas delas se pode esperar uma
ajuda fundamental e diferenciada na de determinação e de prova sobre normas
contidas em tratados, normas costumeiras ou princípios gerais de Direito.

2.
As sentenças e demais decisões judiciais têm valor obrigatório inter partes, ao abrigo
do artigo 59º ETIJ e ao artigo 94º CNU (efeito relativo do caso julgado). Fora do
contexto processual em que foram proferidas, as decisões judiciais são relevantes
como precedentes atípicos, passíveis de invocação em processos futuros sobre
casos ou situações materialmente idênticos como prova de uma prática estadual,
como manifestação de uma determinada interpretação de norma convencional ou
ainda reconhecimento de um princípio jurídico geral.

O princípio do precedente jurisprudencial que atribui autoridade normativa e oponível


a terceiros não é reconhecido no DI. Por força do artigo 38, n1, alinea d) ETIJ, que
limita a eficácia normativa das decisões judiciais a “meio auxiliar para a
determinação das regras de direito”, a jurisprudência é, na expressão que
adotamos um precedente atípico. Não obriga o juiz em processos futuros, não cria
obrigações ou direitos para os estados ou outros sujeitos que não sejam partes, mas,
verificando-se analogia entre as situações ou qualquer outro elemento de conexão, é
um instrumento principal no raciocínio de determinação na norma aplicável, referido
pelo próprio TIJ como precedente.

O artigo 38, n.1, alínea d) ETIJ. não limita a relevância das decisões judiciais às
proferidas pelos tribunais internacionais, pelo que se deve entender que, igualmente,
abrange a jurisprudência dos tribunais nacionais, sendo esta especialmente atendível
para a determinação da prática estadual a considerar na formação de norma
costumeira.

3.
A caracterização que é feita da doutrina é curiosa e merece alguns esclarecimentos.
O contributo doutrinário é descrito como individual, resultante de autores publicistas
qualificados, vindo “Das diferentes nações” e não, como é dito em relação aos
princípios gerais de Direito, das nações civilizadas.
Nos laudos arbitrais do século XIX eram frequentes as remissões para as obras dos
juspublicistas clássicos dos séculos XVII e XVIII. O desenvolvimento institucional do
DIP, maxime pela via da jurisprudência definida pelo TPJI e pelo TIJ, limitou a
necessidade e a conveniência de procurar o amparo de um argumento jurídico
ou de uma decisão na douta opinião dos autores consagrados e reverenciados. As
citações de doutrina nas sentenças, despachos ou pareceres do TIJ são raras;
deveres excepcionais são as remissões para a obra individual de académicos.

Em todo o caso, a doutrina conserva uma função apreciável no respeitante à


interpretação e à determinação de estratégias de prevalência da norma internacional,
em torno das seguintes principais modalidades:

- As declarações de voto dos juízes que são publicadas com as decisões


judiciais;
- Os trabalhos da Comissão de DI, formada por juristas de reconhecido mérito,
órgão auxiliar da AG das NU, especificamente incumbid de tarefas de estudo
e de codificação no quadro de processos de preparação de projetos de
convenções internacionais.
- O trabalho realizado por associações criadas para o estudo e divulgação do
DI.
- As conclusões fundamentadas dos advogados-gerais no TJUE que intervêm
no processo como jurisconsultos independentes.

E. A função atípica da equidade (ex aequo et bono):

1.

Na Teoria Geral do Direito, a equidade indica, mais do qualquer outra palavra, uma
ideia concretizada de justiça. A equidade convoca um juízo valorativo que se
apresenta como sinônimo de imparcialidade, lealdade, benevolência, solicitude
pessoal para lá do que é imposto pelo Direito estrito, ou como o que é imposto pelo
sentido de justiça”.
A sua função no Direito é muito antiga.
Já antes, Aristóteles via a equidade como a justiça do caso concreto.

Percebe-se à luz de um critério elementar de rigor concetual, que a equidade não


cria Direito e não é, nesta perspectiva, uma fonte de Direito. O art 38 arruma a
equidade numa disposição sobre fontes, embora o faça em separado, cujo n.2 reza
assim:
“ A presente disposição não prejudicará a faculdade do Tribunal de Justiça de decidir
uma questão ex aequo et nobo, se as partes assim convierem.”

2.
O julgamento de um litígio por via do princípio ex aequo et bono, em função do critério
do que é igual é bom, depende do acordo prévio e expressos das partes no
processo, porque se trata de atribuir ao juiz o poder extraordinário de substituir a
regra estrita pela regra que, no caso concreto e por critérios pessoais de avaliação,
eventualmente extrajuridicos, se mostra a mais justa.
Com esta dimensão, a equidade substitui o Direito aplicável, é a sua alternativa
edulcorada, e não pode, por isso, ser considerada uma fonte, nem no sentido formal
nem no material.

Na jurisprudência existe, contudo, espaço para os chamados "princípios equitativos”


que são uma outra expressão da equidade que importa não confundir com a
modalidade no art 38 ETIJ.

3.
Na aceção de "princípios equitativos”, a equidade é um critério geral de aplicação
do Direito, inerente ao processo de determinação e de aplicação da regra jurídica
existente pelos tribunais (equidade infra legem).
A ideia de equidade fundamenta a representação pelo juiz de uma solução justa e
equilibrada. Sobre o juiz recai a obrigação de procurar a decisão mais próxima do
objetivo do “ius aequum”, o que implica, sem paradoxo, a aplicação do “prudente
arbítrio" no terreno algo impreciso da “apreciação livre” ou “margem de livre
apreciação” orientada por critérios de razoabilidade, temperança e boa fé.

Pese a sua natureza de regra presumida ou inerente, cuja obrigatoriedade dispensa


a certificação do enunciado positivo, a equidade é referida, de modo expresso, nos
trabalhos internacionais de codificação e em convenções internacionais sobre as mais
variadas matérias. A título meramente exemplificativo, a CVDT-I remete para
considerações de equidade quando permite a vigência de cláusulas de um tratado
declarado nulo ou denunciado se não for “injusto continuar a cumprir o que subsiste
no tratado (art 44, n 3 alínea c) ).

Nota:
Equidade no sentido de princípios quantitativos - todos os tribunais estão obrigados a
procurar as decisões mais equilibradas não para afastar a norma existente, mas para
procurar a decisão mais ponderada e equilibrada para o litígio concreto.
4. Fontes não tipificadas:

A. Os atos unilaterais:

a) Aspetos gerais:
Não é pacifico na doutrina o tratamento dos atos unilaterais no ponto dedicado às
fontes. Entre muitas obras gerais, publicadas em Portugal e no estrangeiro, e cursos
gerais ministrados na Academia de DI (Haia) que consultámos, verificamos que a
maioria dos autores integra os atos unilaterais no estudo dos modos de formação do
DI, embora alguns suscitando reservas sobre este tratamento sistemático, enquanto
outros remetem à figura dos atos unilaterais para o capítulo relativo à aplicação do
DI.
Se é certo que existem atos unilaterais só de forma indireta participam na formação
das normas internacionais, outros atos unilaterais terão relevância normativa e
interessa, por isso, proceder à sua análise conjunta.

→ Os atos unilaterais são declarações de vontade do sujeito jurídico do qual


emanam que, por referência a princípios e regras do DI, produzem efeitos jurídicos,
de âmbito geral, de modo autônomo.
A noção de ato unilateral merece algumas observações sobre os elementos que a
compõem, relativos à morfologia um tanto difusa desta categoria jurídica:

I. Sujeitos jurídicos - entidades dotadas de personalidade jurídica internacional.


A prática internacional refere-se aos Estados e organizações internacionais,
mas na opinião da regente, nada impede que se reconheça relevância jurídica
a uma declaração unilateral cujo emitente seja um indivíduo no quadro.
II. Caráter unilateral - o ato é adotado por um só sujeito e apenas este deve ser
imputado. Se se trata, por exemplo, de uma declaração feita por um conjunto
de Estados, cujos Chefes de Estado estão reunidos em cimeira, este ato tem
a natureza de ato concertado de natureza não convencional.
III. Efeitos jurídicos - são vinculativos para os autores e, eventualmente, para
terceiros, dependendo neste caso do seu caráter normativo, de conteúdo geral
e abstrato (p.e resoluções ou decisões dos órgãos competentes das OI).
Certas declarações feitas por Estados ou resoluções adotadas por OI não passarão
de simples proclamações políticas das quais se infere que não criaram direitos e
obrigações.

2.
A jurisprudência internacional reconheceu, em vários processos, que declarações
feitas pelas autoridades de um Estado podem criar, verificadas certas condições,
obrigações juridicas para esse Estado.

A doutrina distingue entre, por um lado, atos unilaterais autonomos e, por outro
lado, atos unilaterais não autonomos. A distinção tem por base a circunstância de
o ato unilateral em causa se integrar ou não no processo de formação de um outro
ato jurídico internacional.
Exemplos típicos de atos unilaterais não autonomos são os atos praticados no âmbito
do procedimento de aprovação e vigência de um tratado internacional ou do processo
de formação da norma costumeira. No ponto relativo às fontes e atos jurígenos afins,
só nos interessa analisar os atos unilaterais suscetíveis por si de criar direitos e
obrigações, já que os atos unilaterais não autônomos estarão sujeitos ao regime
aplicável ao ato subordinante.

b) Atos unilaterais das OI:

As OI são pessoas coletivas de DI, dotadas de personalidade jurídica e que exprimem


uma vontade própria de decisão, distinta da vontade dos seus membros.
Composta por Estados e outras entidades de DI, a OI atua na ordem jurídica
internacional como sujeito internacional autônomo, cujos atos de vontade são
unilaterais, radicalmente diferentes, no procedimento de adoção e no regime jurídico
aplicável, dos atos concertados ou multilaterais.

Como qualquer entidade coletiva, a OI é criada para concretizar um certo desígnio de


utilidade social, cujas finalidades e meios jurídicos de ação estão definidos no tratado
institutivo. O âmbito dos poderes de cada OI e a forma como os deve exercer
dependem, em primeiro lugar, das regras inscritas no pacto fundacional.

2.
Não existe uma terminologia uniforme dos atos unilaterais das OI: resoluções,
recomendações. Alguns destes atos previstos e tipificados nos Tratados (art 288
TFUE que elenca, entre os atos vinculativos, o regulamento, a diretiva e a decisão),
outros resultantes da prática institucional.
Na prática geral das OI’s, resolução é a designação mais corrente para um ato que
tanto pode ser como não ter natureza vinculativa. A decisão indicia que se trata de
ato obrigatório, enquanto a recomendação será, em princípio, um ato de conteúdo
indicativo ou exortativo.

3.
No exercício das competências atribuídas pelos tratados institutivos, as OI’s
exercerão uma função normativa direta no sentido em que os seus atos são
obrigatórios, criando direitos e obrigações na esfera jurídica de um conjunto plural e
aberto de destinatários.
No exercício da função normativa, as OI’s aprovam atos de regulação da vida interna,
cujos destinatários são os seus próprios órgãos e funcionários (p.e códigos de
conduta; regimentos e regulamentos internos). Outros atos como o Orçamento têm,
em rigor, uma natureza mista, porque condicionam os gastos da organização e, ao
mesmo tempo , impõem aos Estados membros deveres de contribuição financeira.
Temos finalmente, uma terceira categoria de atos unilaterais da função normativa de
incidência externa, cujos destinatários são os Estados membros, outras organizações
internacionais e, eventualmente, Estados não membros.

4. Fora dos casos previstos nos Tratados institutivos, as resoluções de âmbito geral
das OI’s não têm eficácia jurídica direta. Convém, no entanto, sublinhar que
relevância jurídica e obrigatoriedade jurídica não têm o mesmo alcance. Em princípio,
uma resolução da AG das NU não é obrigatória, mas, dependendo do que está em
causa, poderá ser muito mais que um mero ato político.
Exemplos:

- A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada pela resolução da


A.G de 10 de dezembro de 1948. Desde então, muitas outras declarações de
princípios gerais foram aprovadas através do veículo jurídico que é a
resolução.
- As resoluções interpretativas da Carta, votadas por maiorias esmagadoras,
exprimem o acordo dos Estados em torno de uma determinada interpretação
que assim se torna obrigatória.

Entre outros…

c) Atos unilaterais dos Estados:

Na sua condição de sujeitos de DI, os Estados podem, através de uma manifestação


unilateral de vontade, produzir efeitos jurídicos, relativos à invocação de direitos, à
assunção de obrigações ou à declinação de deveres.
De modo sumário, a doutrina cataloga os seguintes atos unilaterais imputáveis aos
Estados e com relevância jurídico-internacional:

1) Reconhecimento - declaração unilateral através da qual um Estado avalia a


existência de factos - como a proclamação de um novo Estado, um novo
governo, o estatuto de um movimento independentista, a alteração de fronteira,
a anexação de um território por um Estado - à luz das regras internacionais
existentes e exprime a aceitação dos correlativos efeitos jurídico-
internacionais.
2) Protesto - o ato mediante o qual um Estado explicita a sua oposição à
legitimidade ou licitude de uma determinada situação ou pretensão invocada
por terceiros.
3) Renúncia - declaração pela qual um Estado assume a vontade de não exercer
um direito, abandonar a sua titularidade ou transmitir o respetivo direito a outro
sujeito.
4) Notificação - ato através do qual um Estado comunica a outro sujeito de DI,
de modo oficial, a existência de certos documentos, atos ou situações, de
modo que o notificado não possa alegar que o desconhecia.
5) Promessa - declaração através da qual um Estado se compromete, para o
futuro, a atuar em determinado sentido. O fundamento e conteúdo de eventual
obrigação para o Estado promitente não fica dependente da aceitação, porque
se trata de um ato unilteral.

Com base na prática internacional e na jurisprudência relacionada, a Comissão de


Direito Internacional identificou um conjunto de princípios orientadores aplicáveis à
forma, interpretação e eficácia dos atos unilaterais dos Estados:

- O caráter obrigatório das declarações unilaterais repousa sobre o princípio da


boa fé que, igualmente, pode exigir da parte do Estado interessado o
cumprimento das obrigações decorrentes da declaração;
- Qualquer Estado tem a capacidade de assumir obrigações jurídicas através de
declarações unilaterais;
- A determinação do âmbito jurídico das declarações unilaterais depende do seu
conteúdo, das circunstâncias em que foram proferidas e das reações que
suscitaram;
- A declaração unilateral, de modo a vincular o Estado, deve emanar autoridade
interna competente, em virtude das funções que exerce ou do mandato
especial que lhe foi confiado (Chefe de Estado, PM, Ministro dos Negócios
Estrangeiros e representantes autorizados).
- As declarações unilaterais podem ter forma escrita ou oral;
- O destinatário da declaração unilateral pode ser a comunidade internacional
no seu conjunto ou um ou vários Estados, incluindo outros sujeitos
internacionais;
- A declaração unilateral só cria obrigações para o Estado se tiver sido formulada
com um objeto claro e preciso.

Como fonte potencial de obrigações jurídicas, os atos unilaterais estão sujeitos aos
seguintes limites:
- É nula a declaração unilateral contrária a uma norma imperativa de Direito
Internacional Geral (ius cogens);
- Uma declaração unilateral não gera obrigações para outros Estados, salvo se
existir da parte destes, de modo claro, declaração de aceitação;
- Uma declaração unilateral geradora de obrigações não pode ser
arbitrariamente revogada pelo Estado declarante;

d) Um caso particular de relevância jurídica da conduta unilateral do Estado - o


princípio do estoppel.
A doutrina interpreta esta limitação de uma conduta anterior, unilateral e imputável ao
Estado, como expressão do princípio conhecido no Direito da Common Law sob o
nome estoppel. Subjacente a este importante princípio jurídico de DI, está o
postulado geral da boa fé, associado a uma exigência de coerência, consistência e
continuidade da parte dos Estados no que respeita ao comportamento sobre
determinada situação.

A noção de estoppel conhece uma multiplicidade de aplicações, tanto no direito


substantivo como, principalmente, no direito processual. No campo próprio do DIP,
cumpre destacar duas modalidades principais:

- Estoppel by representation, quando um estado, em virtude do seu


comportamento, permite a representação ou percepção pelo outro estado que
existe uma determinada situação, o que leva este segundo estado a alterar a
sua posição convencido da existência da situação percecionada, não pode,
depois, o primeiro estado alegar que tal situação não existia ou era diferente-
Comportamento por ação.

- Estoppel by aquiescence, quando um Estado toma conhecimento de uma


situação e não reage, a inação ou silêncio, mantidos durante um periodo
razoável de tempo, poderão ser interpretados como aceitação ou
aquiescência, o que preclude o seu direito de oposição. Note-se que o silêncio
não tem o efeito automático de aceitação, tornada irreversível, mas atendendo
às circunstâncias concretas, o silêncio pode conferir a um Estado o direito de
opor ao Estado silente os efeitos jurídicos da sua conduta, equivalentes ao
reconhecimento ou à renúncia.

B. O chamado soft-law:

A expressão soft law é, amiúde, usada pela doutrina jusinternacionalista nos casos
mais difíceis de qualificação da eficácia normativa de um ato ou factos imputáveis aos
sujeitos internacionais.
A referência ao soft law (quase direito, direito suave, normatividade não inteiramente
vinculativa por oposição ao hard law) sinaliza, de modo algo simbólico, a rutura com
um modelo basicamente dualista de fontes, baseado na vontade normativa dos
Estados, de consentimento expresso (tratados) ou tácito (costume).

A designação de soft law compreende um vasto leque de situações: resoluções dos


órgãos deliberativos de uma organização internacional, declarações ou moções finais
de remate dos trabalhos de uma conferência internacional, acordos políticos,
orientações, códigos de conduta, declarações de princípio. Em rigor, um leque
demasiado vasto para justificar um tratamento equivalente de quase-direito.
5. Codificações e desenvolvimento progressivo do do DI:

Em DI, o processo de codificação e sistematização, sob forma escrita, das regras


preexistentes a respeito de certa matéria, dispersas e reveladas pelo costume.

A SDN definiu um objetivo de codificação parcial do DI, mas a conferência de Haia de


1930 não chegou para o concretizar, com a aprovação de um único tratado sobre o
tema da nacionalidade. Passados dezassete anos, em 1947, a Assembleia Geral das
Nações Unidas, com base na norma habilitadora do artigo 13º, nº1, alínea a) da Carta
(“incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua
codificação”), criou um órgão subsidiário permanente, a Comissão de Direito
Internacional (CDI), investida de uma missão de alcance duplo e complementar:
codificar e promover o desenvolvimento progressivo do DI.

Em termos técnico-jurídicos, a doutrina concebe, de ordinário, três métodos de


codificação: 1) o método de declaração, no qual as normas costumeiras são apenas
transcritas ou transpostas para um texto escrito; 2) o método da “Cristalização” que
garante à norma costumeira uma autoridade que ainda estava em processo de
formação; 3) o método de fertilização que, em certos casos, pode mesmo ser o ponto
de partida para o reconhecimento da opinio juris.

6. Hierarquia de fontes e de normas - origem e estatuto das “normas


fundamentais” na ordem jurídica internacional:

Desde logo, a questão da hierarquia não deve ser colocada, em termos gerais, de
modo apriorístico, em relação às fontes. A ordenação das fontes pelo artigo 38º ETIJ
foi feita na óptica puramente judiciária da sequência lógica pela qual o juiz
internacional conhece o direito aplicável ao litígio concreto.

Em suma, o art 38 ETIJ limita-se a referir as fontes principais - convenção, costume


e princípios gerais de direito - por uma ordem de consulta natural e lógica. Deste artigo
não podemos deduzir critérios válidos de relação hierárquica entre as fontes e
não será, aliás, esta pretensa hierarquia que nos permitirá resolver os conflitos entre,
p.e, costume e tratado.

Na opinião da regente, o que existe é uma relação de paridade e equivalência


hierárquica entre tratado e costume, alagada aos princípios gerais de direito que deles
emanam.
Os jusnaturlistas sustentam a superioridade do costume.
Os positivistas apostam na supremacia da convenção.
A literatura jurídica identifica três critérios operativos de solução de conflito entre
normas diferentes, também designados como antinomias normativas:

1) Critério ontológico - a norma mais recente revoga ou prevalece sobe a norma


anterior;
2) Critério da especialidade - a norma definidora de um regime especial prevalece
sobre a norma de regime geral;
3) Critério hierárquico - a norma superior prevalece sobre a norma de grau
inferior.

A doutrina jusinternacionalista revela uma tendência algo simplificadora sobre este


ponto sempre que se limita a tratar do princípio da prevalência com fundamento no
atributo ou autoridade reforçada de ius cogens. Na nossa perspetiva, seguindo um
objetivo de tratamento sistemático da questão, a prevalência de uma norma
internacional pode resultar do funcionamento autónomo ou confluente dos
seguintes critérios:

a) Natureza de ius cogens;


b) Âmbito das obrigações jurídicas (erga omnes);
c) Determinação pactícia;
d) Diferenciação material de funções.

A - Uma norma de ius cogens é, por oposição às normas de ius dispositivum,


impositiva, imperativa e insuscetível de transgressão. O que lhe confere esta
autoridade reforçada, a blindagem especial contra comportamentos contrários, é o
seu conteúdo ético-valorativo e não a respetiva forma ou fonte. Todas as normas ius
cogens são erga omnes mas não o contrário.
O art 53 da CVDT-I, que fulmina com o desvalor máximo da nulidade ipso facto o
tratado incompatível com uma “norma imperativa de direito internacional geral”,
determina que uma norma de ius cogens é:

“(...) uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no
seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que pode ser modificada por
uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza”.

A importância deste artigo extravasa o campo específico do D dos tratados, porque


consagra a evolução fundamental do DI no sentido de reconhecer normas que, em
virtude da sua dimensão ético-valorativa condicionam a própria existência da
comunidade internacional como verdadeira comunidade de direito e, nessa qualidade,
traçam uma linha vermelha, um limite absoluto à vontade soberana dos Estados e ao
livre arbítrio dos outros sujeitos de DI.

Questão de saber quais as normas têm imperatividade máxima:


Alguns exemplos: interdição da agressão entre Estados, a proibição de escravatura e
do tráfico de seres humanos, a proibição de genocidio…

B - Todas as obrigações jurídicas decorrentes de normas imperativas de DI geral


são obrigações erga omnes. Mas o inverso não se verifica, pelo que existirão
obrigações erga omnes cuja vinculatividade não resulta de normas de ius cogens.
São, contudo, obrigações perante todos (erga omnes) e obrigações de todos
(obrigações omnium). Não têm os princípios fundamentais que os princípios ius
cogens têm.

C - A primazia de uma norma internacional pode, ainda, resultar de cláusula


constante de tratado internacional. O exemplo que, neste ponto, merece a nossa
atenção é o artigo 103 da Carta das Nações Unidas:

“No caso de conflito entre as obrigações dos membros das Nações Unidas em virtude
da presente Carta e as obrigações resultantes de qualquer outro acordo internacional,
prevalecerão as obrigações assumidas em virtude da presente carta”

O art 103 estabelece o primado da Cart sobre quaisquer outras obrigações de fonte
convencional e, dada a sua reconhecida natureza de carta constitucional da
comunidade internacional, admite-se que as obrigações resultantes da carta possa,
igualmente, prevalecer sobre regras costumeiras, com exceção, naturalmente, das
normas de ius cogens.

D) O tratado institutivo de uma organização internacional é a sua carta


constitucional na aceção funcional e até formal de estatuto jurídico que delimita e
fundamenta a atuação da organização internacional em causa. Para a realização dos
fins e objetivos para que foi criada, a organização internacional está limitada aos
poderes, expressamente ou implicitamente, previstos no tratado institutivo.
Secção II - Em especial, o regime normativo de celebração de convenções
internacionais - aspetos fundamentais sobre o Direito dos Tratados:

1. Direito dos Tratados - fontes:

→ A matéria complexa do Direito dos Tratados foi objeto de um processo,


notavelmente, bem sucedido de codificação:
- A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados - 29 de maio
de 1969 (CVDT-I);1
- A Convenção de Viena sobre o Direitos dos Tratados entre Estados e
Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais - 21 de
Março de 1986 (CVDT-II).2

1 - O projeto foi elaborado pela CDI e submetido à conferência diplomática reunida em Viena, em
março de 1968 e depois em março de 1969. O texto final foi aprovado por 79 Estados, 19 abstenções
e um voto contra da França. A CVDT-I entrou em vigor no dia 27 de janeiro de 1980. À data de 15 de
fevereiro de 2014, 113 Estados tinham ratificado a Convenção de Viena e entre estes não se encontra
a França. Portugal procrastinou a ratificação, tendo se verificado a 2003.

2 - Também adotada por conferência diplomática, com base em projeto preparado pela CDI, a segunda
convenção de viena reproduz quase, por inteiro, as disposições da primeira, salvo no que respeita às
especificações de vinculação por parte de entidades que são organizações internacionais. Esta
convenção não está em vigor (apenas 30 estados a ratificaram) mas por assimilação com a primeira
convenção, a sua força jurídica resulta da autoridade costumeira de boa parte das disposições.

Antes de 1969, o estudo sistemático das regras aplicáveis aos tratados exigia da
doutrina um exercício exigente de identificação de precedentes e de determinação do
respetivo significado jurídico como expressão de normas costumeiras.

→ Desde a sua aprovação, a CVDT-I foi interpretada pela generalidade da doutrina


como um instrumento de codificação e, mesmo antes da sua entrada em vigor em
1980, foi referida em decisões de tribunais internacionais.

A novidade da CVDT-I reside na definição das condições de validade dos


tratados, especialmente o regime de normas de ius cogens, noção que suscitou
a viva oposição da delegação francesa e determinou o voto solitário de rejeição da
versão final.
Importa sublinhar que, sem afetar o seu estatuto de Tratado dos Tratados, as
Convenções de Viena não esgotam o regime jurídico aplicável ao ciclo bio jurídico
do nascimento, vida e morte dos tratados.
O art 73º CVDT-I ressalva as matérias relativas à sucessão de Estados,
responsabilidade internacional de um Estado ou da abertura de hostilidade entre
Estados. Em 23 de agosto de 1978, seria adotada a CVDT-I sobre a sucessão de
Estados em matéria de tratados. O preâmbulo da CVDT-I admite a existência de
“questões não reguladas” que continuarão a ser regidas “pelo direito internacional
consuetudinário”. Assim, podemos concluir, para simplificar, que o Direito de Viena
constitui o núcleo essencial do Direito dos Tratados, sem prejuízo de regimes
normativos integrativos especiais, de fonte consuetudinária ou convencional.
Temos, por outro lado, o direito interno do Direito dos Tratados: as disposições
constantes da Constituição de cada Estado e do tratado institutivo de cada OI,
relativas às competências e procedimentos de vinculação externa por via de ato
convencional.

2. O nascimento dos Tratados:

A. Conclusão dos Tratados:

→ Todo e qualquer Estado tem capacidade para celebrar tratados (artigo 6 CVDT-I).
O direito de negociar e de concluir acordos internacionais faz parte dos atributos
clássicos da personalidade jurídica internacional do estado soberano (ius tractuum).
O titular deste poder é o Estado soberano que o exerce, de forma livre, apenas
limitado pelas obrigações decorrentes do DI e o DC. A eventual participação de entes
estaduais não soberanos (p.e estados federados, regiões autónomas ou políticas) no
procedimento de celebração dependerá de previsão na C do Estado.

→ A representação do Estado no processo de celebração do tratado é assegurada


pelo plenipotenciário, em favor do qual foi emitido um documento de plenos poderes
(artigo 7, n1, CVDT-I) ou cujo estatuto de representante se presume em virtude das
funções que exerce:

- Chefes de Estado, chefes de governo, ministros dos negócios estrangeiros,


para a prática de todos os atos relativos à conclusão de um tratado;
- Chefes de missão diplomática (p.e embaixada), para a adoção do texto de um
tratado entre o Estado acreditante e o Estado recetor;
- Representantes acreditados dos Estados numa conferência diplomática ou
junto de uma organização internacional ou de um dos seus órgãos para a
adoção do texto de um tratado nessa conferência, organização ou órgão (art7
n2).

→ A celebração de um tratado internacional é, em sentido próprio um procedimento,


cujas diferentes fases, duração e caráter mais ou menos solene depende de fatores
como o número de Estados que participam (tratado bilateral v. tratado multilateral),
da necessidade de aprovação pelos órgãos internos, da natureza das matérias
reguladas. O procedimento-padrão desdobra-se nas seguintes fases:

- negociação, adoção e autenticação (artigos 9 e 10 CVDT-I)


- manifestação do consentimento (artigos 11-17 CVDT-I)
- entrada em vigor (artigos 24-25 CVDT-I)
- Depósito, registo e publicação (artigos 76-80 CVDT-I)

→ Negociação, adoção e autenticação do texto:


O ajuste da convenção internacional pressupõe a negociação entre as partes. Não
está regulada no CVDT-I, mas decorre segundo a prática diplomática conhecida.
No tratado bilateral, a negociação é realizada entre a missão diplomática e os órgãos
do Estado acreditador (artigo 3, alínea c), Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas) ou, eventualmente, no quadro de cimeiras bilaterais entre
representantes dos Estados, ao nível político ou ao nível técnico.
No tratado multilateral, a negociação é conduzida em conferências diplomáticas
expressamente convocadas para o efeito ou no seio de organizações internacionais,
com a vantagem de, nesta segunda modalidade, o procedimento dos trabalhos estar
aprovado e os negociadores contarem com o apoio logístico e burocrático da
organização anfitriã.

A adoção do texto significa a sua fixação. No quadro de uma negociação complexa,


prolongada, com muitos Estados envolvido, propostas e contra-propostas, a redação
definitiva do projeto de acordo exige muitos cuidados e é um momento-chave da
negociação. A regra é a do acordo de todos os Estados que participaram na
elaboração do texto (artigo 9, n1). No caso de uma conferência internacional, a CVDT-
I prevê a maioria de ⅔ dos Estados presentes e votantes, salvo se estes Estados,
pela mesma maioria, decidirem aplicar uma regra diferente, p.e, a maioria simples ou
a unanimidade (art 9 n2).

Segue-se a autenticação do texto reconhecido como verdadeiro e definitivo:


procedimento previsto no projeto de acordo ou definido pelos Estados participantes
(artigo 10 alínea a)); a regra subsidiária consiste numa de três modalidades possíveis
(alínea b) - assinatura, assinatura ad referendum ou rubrica).
À luz da CV a assinatura ainda pode ter esse duplo alcance (autenticação e
consentimento) para os chamados acordos ultra simplificados (artigo 12), embora
proibidos pela CRP. Na assinatura ad referendum e na rubrica, o efeito de
autenticação é provisório, porque exige confirmação do órgão estadual competente
para este efeito ou assinatura para este efeito ou assinatura a realizar em momento
ulterior.

Nos tratados multilaterais, os vários instrumentos negociados são reunidos na Acta


ou Acto Final da conferência diplomática, autenticada pela assinatura dos
representantes.

No caso da negociação de um tratado por uma OI, a regra é a da distinção entre os


plenos poderes para negociar e o mandato para assinar, porque frequentemente, se
tratam de competências atribuídas a órgãos diferentes (art 7, n3, CVDT-I)
Depois de autenticado, o texto só poderá ser modificado por acordo das partes ou, se
for um erro ou gralha, através do procedimento de retificação previsto no art 79º
CVDT-I.

A estrutura interna do tratado é muito variável, desde logo na sua extensão. No


formato mais comum, o tratado tem as seguintes partes:

- Preâmbulo, com a enumeração das partes e dos fundamentos;


- Corpo dispositivo, com os artigos relativos ao regime jurídico e as cláusulas
finais, definidoras de aspetos específicos sobre revisões, reservas, entrada em
vigor, língua ou línguas da versão oficial do texto; estas disposições finais,
relativas às condições de vigência e aplicação do tratado, produzem efeitos
desde a adoção do texto (art 24, n4, CVDT-I);
- Anexos, com disposições técnicas, regras normativas complementares ou
meras declarações políticas; fazem parte integrante do tratado e têm, em
princípio, idêntica força jurídica (art 51 TUE). A parte dos anexos pode ser,
particularmente voluminosa, como acontece com os Tratados da UE,
acompanhados de, entre outros anexos, 37 protocolos e 65 declarações.

→ Manifestação do consentimento - este é momento jurídico mais importante que


antecede o nascimento do tratado, coincidente com a entrada em vigor. A relevância
jurídica deste momento impõe-se com evidência lapaliciana: como acordo de
vontades, o acordo tem de ser manifestado de modo juridicamente adequado. A
CVDT-I segue a regra da escolha livre da forma de manifestação de consentimento,
referindo a título indicativo (art 11):

- Assinatura;
- Troca de instrumentos constitutivos de um tratado;
- Ratificação;
- Aceitação;
- Aprovação;
- Adesão.

A escolha de uma destas modalidades, juridicamente equivalentes para o Direito de


Viena, vai depender do conteúdo das cláusulas constitucionais em matéria de
vinculação internacional do Estado e, paralelamente, para as OI, das regras previstas
nos tratados institutivos.
A assinatura, nos procedimentos simplificados, tem o efeito de vincular o Estado (art
12.) A troca de instrumentos constitutivos do tratado, que consiste na entrega
recíproca dos textos, é usada no procedimento de acordos bilaterais (artigo 13 CVDT-
I).
A ratificação é, no léxico jurídico-internacional, o ato através do qual a autoridade do
Estado que é titular da competência de conclusão dos tratados internacionais
manifesta, de modo solene, que o Estado se considera vinculado e se compromete,
nos termos do princípio do pacto sunt servanda, a dar execução ao tratado.

Em relação às OI, o art 11, n2, CVDT-II substitui o termo ratificação pela expressão
“ato de confirmação formal”.
O ato de manifestação do consentimento produz efeitos, conforme o artigo 16 CVDT-
I, no momento:
- Da troca de instrumentos entre os Estados;
- Do depósito junto do depositário;
- Da sua notificação aos outros Estados Contratantes ou ao depositário.

O consentimento refere-se ao tratado do conjunto das suas cláusulas (princípio da


unidade material), salvo se o tratado ou as Partes Contratantes admitirem soluções
de vinculação seletiva (art 17 CVDT-I), como tem acontecido no quadro da UE com
as chamadas cláusulas de opt-out.

Outro desvio ao princípio da unidade material é a figura jurídica das reservas, cujo
conceito e regime jurídico aplicável foram codificados pelo Direito de Viena (art 2, n2,
alínea d) e artigos 19 a 23 da CVDT-I).

B. As reservas no Direito dos Tratados:

A reserva é uma declaração unilateral, feita no momento da vinculação, pela qual o


Estado manifesta a vontade de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas
disposições do tratado na sua aplicação a esse Estado (art 2 n 1 alínea d) CVDT-I).
Embora a CV não o diga de modo expresso, o instituto das reservas só se adequa
aos tratados multilaterais, porque a sua eventual invocação em acordo bilateral,
inviabilizaria, pura e simplesmente, a aplicação do convénio. A admissibilidade da
reserva depende de previsão do próprio tratado, de modo expresso ou implícito (artigo
19 CVDT-I).

A evolução do regime aplicável às reservas, desde a 2GM, foi no sentido da sua


flexibilização e admissibilidade.
O regime jurídico das reservas suscita um vasto leque de questões, algumas de
particular complexidade que podemos, contudo, sistematizar em três pontos:

1. Admissibilidade das reservas- a formulação de reservas está sujeita a vários


tipos de limites.
a) Limites materiais - de enunciação expressa pelo tratado que proíbe ou
autoriza a reserva em relação a certas disposições (artigo 19 alíneas a)
e b) CVDT-I); de enunciação implícita, nos casos em que a reserva seja
incompatível com o objeto e o fim do tratado (artigo 19, alínea c)). Se a
reserva for formulada em violação destes limites, a consequência será
a ineficácia da reserva ou a sua nulidade no caso de pretender excluir
ou modificar o alcance inderrogável de uma norma de ius cogens
codificada pelo tratado ou relativa a obrigação erga omnes. Igualmente
nula é a disposição de um tratado que autorize uma reserva sobre
matéria regulada por norma imperativa de direito internacional geral (art
53).
b) Limites temporais - a reserva deve ser comunicada durante o processo
de conclusão do tratado, no momento da assinatura, da ratificação, da
aceitação ou da aprovação (art 19). Depois de se constituir como Parte
Contratante, o Estado só poderá limitar a eficácia jurídica do tratado
através da invocação do art 46, ou solução extrema, por via de
denúncia.
c) Limites procedimentais - a reserva exige a forma escrita e deve ser
comunicada por escrito aos Estados Contratantes e aos outros Estados
que possam vir a ser Partes no tratado, assim como os atos de
aceitação, de objeção e de retirada (art 23). Se o tratado autoriza a
reserva, esta não precisa de ser aceite pelos outros Estados, salvo se
for outra a solução prevista (artigo 20, n1). Nos outros casos, o princípio
é o da aceitação ou da rejeição através da objeção (arts 20, n2, n3, n4).
A reserva é uma declaração unilateral cujos efeitos dependem da
expressão de vontade das restantes partes, corolário da natureza
contratual e concertada do tratado. Em rigor, o critério principal é o da
autonomia da vontade dos Estados que podem, por unanimidade (art
20, n2, CVDT-I) ou por maioria aceitar uma reserva, mesmo que esta se
mostre "incompatível com o objeto e o fim do tratado”.

2. Efeitos das reservas - como declaração recepticia, os efeitos jurídicos da reserva


dependem da reação dos outros Estados, no próprio tratado com uma autorização
expressa ou em reação à notificação específica sobre a reserva. A reserva só é
juridicamente relevante se for aceite, pelo menos, por outro Estado Contratante (art
20, 4, alínea c) CVDT-I).

Os efeitos das reservas são relativos ou relacionais, porque apenas se projetam na


relação entre o Estado autor da reserva e os Estados que a aceitaram ou rejeitaram
(art 21, n2). Se a reserva exclui a aplicação de uma parte do tratado, os Estados que
aceitaram a reserva não podem exigir ao Estado autor da reserva o cumprimento das
obrigações inerentes ao regime jurídico afastado.
Entre o estado autor da reserva e os Estados que formularam objeções, cumpre
distinguir:
● Se a objeção foi acompanhada de uma manifestação inequívoca de vontade
contrária à entrada em vigor do tratado, o tratado não se aplicará nas relações
entre os dois estados (art 20, n 4 alínea b)).
● Se a objeção não for interpretada no sentido de oposição à vigência do tratado,
este aplicar-se-á na relação entre ambos os Estados, salvo na parte do previsto
pela reserva (art 21, n3).
3. Reservas e figuras afins, em especial, as declarações interpretativas - já
falamos das cláusulas de opt-out.
Declarações interpretativas - formuladas por um estado ou OI, como acontece com
as reservas quando se manifesta o consentimento, visam “precisar ou clarificar o
sentido ou alcance” que o Estado declarante atribui ao tratado ou a algumas das suas
disposições.
Declarações interpretativas condicionais - pelas quais um Estado ou OI declara que
faz depender o seu consentimento da aceitação de uma interpretação específica
sobre o tratado ou algumas das suas disposições.

→ No tratado multilateral, as reservas facilitam o processo de ratificação e potenciam


a aceitação por um número mais alargado de Estados. Permitem, por outro lado, a
aprovação de regimes jurídicos mais exigentes e avançados em relação ao conteúdo
das obrigações internacionais que os Estados assumem ou recusam, em função da
representação dinâmica dos seus interesses estratégicos. Sublinhe-se que um estado
autor da reserva pode tomar a decisão de a retirar “a todo o tempo” (art 22, n1).

C. Entrada em vigor:

→ O momento da entrada em vigor é, em princípio, definido pelo próprio tratado, em


sede de disposições finais ou acordo ad-hoc (art 24, n1). Na ausência de
determinação específica, o tratado entra em vigor depois da ratificação por parte de
todos os Estados que tenham participado na negociação (art 24, n2), o que constitui
um requisito muito exigente, especialmente nos tratados multilaterais alargados.

Nos tratados bilaterais, a entrada em vigor costuma coincidir com a data em que se
concluiu a troca de notas. Nos tratados multilaterais, a vigência pode ficar dependente
de uma condição (um mínimo de ratificações) ou de um termo (p.e, passados dois
anos).

Para o Estado que adere a um tratado que já está em vigor na ordem jurídica
internacional, a data de início de vigência é a data em que ocorreu o ato de
consentimento (art 24, n3).

A chamada aplicação a título provisório ou aplicação provisória, prevista no art 25,


tende a adquirir, por força da prática diplomática recente, a autoridade de uso
frequente. A CRP, por via do art 8 n2, não permite a aplicação a título provisório.

D. Depósito, registo e publicação:

São formalidades diferentes, mas unidas pelo propósito de assegurar ao tratado a


devida publicidade e resguardo seguro. Nos tratados multilaterais, a prática é a
designar um depositário, o Estado em cujo território foi negociado o tratado, uma OI
ou o seu secretário-geral no caso de um tratado celebrado sob os auspicios da OI em
causa (art 76 n1).
O depositário exerce um encargo de carater internacional, devendo agir com
imparcialidade (art 76 n2). São várias as funções associadas ao estatuto de
depositário (art 77), sobressaindo a obrigação de custodiar o texto original do tratado,
de fazer as devidas comunicações às Partes no tratado, incluindo a relativa à data de
entrada em vigor, de providenciar o registo do tratado junto do secretariado da ONU
(art 77, n1, alinea g)e art 80 n2).

O art 80, n1, especifica o procedimento desta obrigação ao estabelecer que, após a
sua entrada em vigor, os tratados são transmitidos ao secretariado das NU para
efeitos de registo e publicação. O registo é muito importante porque, embora a sua
falta não afete a validade e eficácia inter partes do tratado, ocorre que, nos termos do
art 102 n2, CNU, depende o direito da Parte o invocar “perante qualquer órgão das
NU”, nomeadamente o TIJ.

Nota: o depositário pode não ser parte do tratado. - hipótese 2, Portugal poderia ser
depositário.

3. A vida dos tratados:

A. Princípio pacta sunt servanda:

O art 26, sob a epígrafe, Pacta sunt servanda, indica aquele que é o critério
fundamental para a interpretação das disposições dos tratados e a determinação dos
seus efeitos:

“Todo o mundo em vigor vincula as partes e deve ser por elas cumprido de boa-fé”

Para todos os efeitos, o tratado é um contrato celebrado por partes que assumem, de
boa-fé e com vontade genuína de cumprir, as obrigações inerentes ao compromisso
pactício. Mesmo antes da entrada em vigor do tratado, já o Estado que assinou o
convénio “deve abster-se de atos que privem um tratado do seu objeto ou do seu fim”
(art 18, alínea a)). Assim, um Estado signatário, se não manifestar, entretanto, a
vontade de não ratificar ou mesmo solicitar a obliteração da assinatura, estará
impedido, p.e, de entrar em negociações e concluir acordos contrários ao tratado que
assinou. Em contrapartida, enquanto manifestação da vontade soberana no caso do
Estado e da autonomia de vontade no caso das OI, o ato de celebrar ou de ratificar
um tratado é, por natureza, um ato livre. Do princípio da boa fé e podem derivar, como
vimos, limitações ao comportamento do Estado signatário (art 18).
→ Outro importante corolário do princípio pacta sunt servanda, decalcado sobre as
exigências poliédricas da boa-fé, consiste na invocabilidade do direito interno como
fundamento para descartar as obrigações de fonte convencional. O art 27 enuncia
esta regra tão importante sobre as relações entre o DI e o Dinterno:

“Uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o
incumprimento de um tratado”

O art 46 é suscetível de invocação em relação a um tratado cujas cláusulas


constituam uma violação notória e evidente de normas internas., de importância
fundamental, p.e sobre direitos fundamentais.

→ Os efeitos produzidos na base do tratado repercutem-se, sob a forma de direitos e


obrigações, na esfera jurídica das Partes Contratantes.
A determinação do âmbito de eficácia dos tratados recorta-se a partir dos seguintes
critérios:

a) Temporal - a regra é a da não retroatividade do acordo, inaplicável a atos ou


factos anteriores à sua entrada em vigor, saldo se for outra a vontade das
partes (art 28).
b) Espacial - a obrigatoriedade do tratado estende-se à “totalidade do território
de cada uma das partes”, salvo se outra regra resultar do próprio tratado (art
29)
c) Material - em princípio, um tratado é um ato jurídico autonomo e auto-
suficiente. Tal não prejudica, contudo, a existência de tratados sobre a mesma
matéria ou visando instituir regimes internacionais, celebrados em momentos
diferentes e com divergência de soluções jurídicas - os chamados “tratados
sucessivos”. O direito de viena estipula regras subsidiárias de resolução de
conflitos inter normativos resultantes de tratados sucessivos incompatíveis (art
30). Importa distinguir duas situações:
- Se se verificar identidade das partes, prevalecem as obrigações definidas pelo
tratado posterior, salvo se a relação com o tratado anterior não for de antinomia
ou incompatibilidade, caso em que se mantém a aplicação do convénio mais
antigo (art 30 n3).
- Se não se verificar identidade das Partes, o regime entre as partes comuns no
tratado anterior e posterior é o referido na primeira situação (art 30 n 4 alínea
a); nas relações entre um estado que é parte em ambos os tratados e um
estado que é parte apenas num deles, os direitos e obrigações recíprocos são
regulados pelo tratado no qual os dois estados são partes (artigo 30 n 4 alínea
b).

→ A CV dedica três artigos à interpretação dos tratados, matéria que abordamos


neste ponto dedicado ao princípio pacta sunt servanda, porque o que está em causa
é a determinação do sentido da norma convencional para o efeito de saber o que se
exige, em rigor, das partes contratantes.

a) A interpretação como operação inteletual que, inspirada pelo critério matricial


da boa fé, combina e articula os diferentes elementos de trabalho da função
interpretativa - o elemento literal, o histórico, o sistemático e o teleológico (art
31).
b) A interpretação como resultado deve refletir um significado de base objetivista,
dada a importância reconhecida ao contexto, e de base teleológica.
c) A interpretação feita do texto de harmonia com o “contexto” compreende o
articulado, o preâmbulo e os anexos. (art 31)
d) Meios complementares de interpretação (trabalhos preparatórios,
circunstâncias em que foi concluído o trabalho) têm uma função meramente
subsidiária, porque só devem servir para confirmar o sentido apurado nos
termos da cláusula geral interpretativa do art 31.
e) na interpretação de tratados autenticados em duas ou mais línguas, a regra
dispositiva é a do valor equivalente dos textos nos tratados nas diferentes
línguas em que foram redigidos e autenticados, podendo as partes selecionar
um texto que prevalecerá, em caso de divergência (art 33, n3).

B. Tratados e terceiros Estados:

→ A regra geral está consagrada no artigo 34:

“Um tratado não cria obrigações nem direitos para um terceiro Estado sem o
consentimento deste”.

Um terceiro Estado - ou Estado terceiro - é, nos termos do artigo 2, n1, alínea h), um
estado que não é parte no tratado.
Em relação a este estado, a possibilidade de um tratado criar direitos ou obrigações
na respetiva esfera jurídica depende do seu consentimento - que terá a forma de
aceitação expressa e por escrito, no caso de obrigações (art 35); se estiver em causa
a atribuição de direitos, presume-se que existe consentimento enquanto não houver
indicação em contrário, constituindo, pois, um exemplo de relevância jurídica do
silêncio por parte de estado terceiro.
A intervenção do terceiro estado, sob a forma explícita ou tácita, incluindo para a
revogação e modificação das cláusulas que o oneram ou beneficiam, parece
confirmar a teoria do acordo colateral entre os estados partes no tratado principal e
os estados terceiros. À luz desta conceção teórica, o consentimento do terceiro
Estado gera uma espécie de acordo triangular. O art 38 CV não é uma exceção à
regra do consentimento.
→ Existem, contudo, situações que tornam pertinente a questão de saber se não
serão verdadeiras exceções à regra do consentimento e ao princípio da relatividade
dos tratados. 2 exemplos:

1) Tratados aplicáveis a “situações objetivas” ou estatuto territorial - o acordo


sobre regimes jurídicos de neutralidade de um estado ou de desmilitarização
produzem uma situação objetiva oponível, em princípio, a toda a comunidade
internacional.
2) O art 2 n6 da CNU, em articulação com o art 103, impõe aos estados que não
são membros das NU, o respeito das obrigações relacionadas com “tudo
quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais''.

→ Assinalamos, por outro lado situações que, embora envolvam um efeito de


capilaridade jurídica no sentido em que as normas do tratado extravasam o perímetro
originário das partes, não devem ser tratadas como exceções ao princípio do
efeito relativo:
1) A cláusula da nação mais favorecida - muito comum nos tratados comerciais e
aduaneiros, serve para o Estado A garantir ao Estado B, por via de acordo,
todas as vantagens que vier a reconhecer em acordos futuros celebrados com
o Estado C. Note-se que a aplicação das vantagens preferenciais prevista no
tratado entre A e C ao B resulta de uma disposição convencional, plantada no
tratado celebrado entre A e B, pelo que não existe em rigor um desvio à regra
do consentimento.
2) A CV de 1978 consagra duas soluções diferentes: para os Estados de “recente
independência" cujo território estava submetido a regime de tutela colonial, o
Estado não estará obrigado a manter em vigor os tratados celebrados pelo
Estado predecessor (art 16 n1); já em relação aos Estados resultantes de
unificação ou separação de Estados, a regra aplicável é a inversa, porque o
Estado sucessor fica vinculado pelos tratados em vigor.
3) Em relação às OI, a Organização não é parte, nem terceiro, mas sim um objeto
do referido tratado.

C. Revisão e modificação dos tratados:

A vida dos tratados pode passar por processos de revisão, tal como previstos nas
regras específicas do próprio tratado ou regulados, de modo supletivo, pelas
disposições dos artigos 39 a 41. A regra costumeira vertida no art 39 é a da revisão
por acordos das partes, corolário do princípio geral tratado posterior revoga ou altera
tratado anterior. Por razões extrajurídicas, determinadas pelo contexto político que
enquadra a aplicação dos direitos e obrigações de fonte convencional, o tratado é
passível de modificação sem revisão - a chamada modificação implícita.
No exercício do poder de revisão, estão os estados proibidos ou, de algum modo,
condicionado «s pela existência de áreas de regulação protegidas insuscetíveis de
revisão.
A previsão de limites materiais em cláusulas expressas tem um significado político,
dificilmente relevante no plano jurídico. Se os limites em causa não gozarem de uma
vinculatividade reforçada, em virtude da sua natureza consuetudinária ou
imperatividade de ius cogens, uma norma convencional não pode impedir a sua
própria alteração, o que seria contraditório com o princípio da autonomia da vontade
da liberdade de contratar.

→ A modificação implícita do tratado, que dispensa os procedimentos de revisão,


pode resultar da prática subsequente dos estados ou da superveniência de novas
regras do DI.
Uma prática posterior à entrada em vigor dos tratados seguida pelas partes na sua
aplicação pode conduzir à alteração de cláusulas do tratado. Importa aqui, fazer a
destrinça entre prática interpretativa, cujos efeitos se produzem desde a entrada em
vigor do tratado, e a prática derrogatória que opera para o futuro, uma vez verificada
a modificação.
A modificação implícita ou informal permite, com vantagem, a adaptação do tratado e
contribuiu, decerto, para consolidar a efetividade entre as partes. Ajuda, em especial,
no caso de tratados cuja revisão é difícil (unanimidade, maiorias alargadas) ou se
afigura mesmo impossível, em virtude da confluência negativa de fatores jurídicos e
extrajurídicos. A modificação informal envolve, porém, certos riscos pela incerteza
que gera quanto ao texto escrito vigente e, em especial, pelo efeito de erosão que
provoca na vontade soberana e igual das partes.

4. A morte dos tratados:

A. Estabilidade e verdade das relações intermediadas por tratados

O regime jurídico aplicável à vida dos tratados, à sua interpretação e aplicação é,


claramente, dominado pelo princípio da lealdade e fidelidade ao compromisso
assumido (pacta sunt servanda). É esta a orientação mais adequada à garantia de
estabilidade e previsibilidade das relações internacionais. O problema existe quando
o compromisso nasceu de uma situação ou ligado a um facto que corrompem a
autenticidade e a liberdade de vontade. Pelo menos os vícios mais graves, para
preservar a liberdade de consentimento, figuram como causas de invalidade do
tratado (art 47 a 52). O desvalor da nulidade pode ainda resultar da violação de
normas paramétricas, de direito interno (art 46) ou de Direito Internacional (art 53).
→ A convenção de Viena sistematiza na parte V, sob a epígrafe, Nulidade, Cessação
de Vigência e Suspensão na aplicação dos tratados, as causas objetivas suscetíveis
de excluir a aplicação dos tarados, por nulidade, extinção ou suspensão.
Este trabalho de sistematização foi para além da codificação do direito existente e
representou, designadamente no campo das nulidades , um exercício de
desenvolvimento progressivo do direito internacional (art 13 n 1 alínea a) in fine CNU).
A questão das nulidades é a mais delicada, porque a noção sem causa e os
instrumentos jurídicos associados ao seu exame nasceram nos direitos nacionais,
pelo que não é, nem pode ser, direto o seu transplante para o DI.
Para evitar que a invocação das causas objetivas de invalidade provoque a ruptura
de compromissos e equilíbrios contratuais a CVDT-I estabeleceu o caráter retroativo
das suas disposições (art 4) e regulou o procedimento a seguir quanto à nulidade de
um tratado, à cessação de vigência, à retirada ou à suspensão da sua aplicação (arts
65 a 68), incluindo o recurso facultativo ao TIJ, à arbitragem e à conciliação (art 66
alínea a), e Anexo à Convenção.

→ A preocupação com a garantia do equilíbrio entre, por um lado, os deveres de


vinculação e, por outro lado, o direito à desvinculação está patente nas soluções
acolhidas pela CV que alicerçam no seu conjunto, uma presunção de validade e
vigor jurídico favorável aos tratados:

1) Tipicidade das causas de invalidade: enquanto as causas relativas à invalidade


de um tratado ou do consentimento e um estado fica obrigado são de
enunciação taxativa, apenas as previstas no texto da CV (art 42 n1), já em
relação à extinção do tratado, à denúncia ou à retirada de uma parte, bem
como no respeitante à suspensão de aplicação, as causas reguladas pela CV
não impedem a existência de outras, desde que previstas no tratado em causa
(art 42 n2).
2) Princípio da irrelevância das violações do direito interno aplicável ao processo
de vinculação internacional do estado, salvo no caso de violação grave e
manifesta na aceção do artigo 46.
3) A invalidade, bem como as outras vicissitudes de aplicação do tratado não
relacionadas com a questão de validade, não afetam o dever geral de um
estado respeitar as obrigações decorrentes do DI e às quais está vinculado por
via do costume ou de outras regras convencionais.
4) A invalidade, bem como as outras vicissitudes de aplicação do tratado não
relacionadas com questões de validade, afetam o tratado “no seu todo” (art 44
n1), admitindo-se contudo algumas exceções desde que compatíveis com a
divisibilidade das disposições do tratado (art 44, n2/3/4/5).
5) O estado não pode invocar nulidades ou causas de cessação de vigência, de
retirada e suspensão de aplicação se, após ter tomado conhecimento dos
factos: 1) aceitou expressamente a validade e vigência dos tratados, ou 2) se
deva, em razão da sua conduta, concluir que aceitou a validade do tratado ou
a sua permanência em vigor ou em aplicação (art 45), o que equivale a uma
consequência do princípio do estoppel.

B. Nulidades:

Sob a epígrafe “Nulidades dos tratados”, a CV desenha um regime jurídico que, silente
sobre a conhecida distinção doutrinária que tanto influenciou o direito processual
interno, entre a anulabilidade e a nulidade, acaba por combinar efeitos jurídicos típicos
da nulidade e efeitos jurídicos pressupostos pela anulabilidade. A noção de nulidade
significa que o ato jurídico nulo não produz efeitos desde o início da sua vigência (ex
tunc). As disposições de um tratado nulo carecem de força jurídica (art 69 n1).
Nenhum estado pode invocar a seu favor um tratado nulo e tão pouco o pode opor
aos outros estados. A nulidade do tratado fundamenta o direito de solicitar o
restabelecimento da situação que existiria se os atos não tivessem sido praticados,
mas está limitada (art 69 n 2 alínea c)).

→ As causas de invalidade dos tratados estão enumeradas e tipificadas na CV (arts


46 a 53); são objetivadas como comportamentos ilícitos, contrários aos princípios e
regras de DI.

→ Entre as oito causas de invalidade dos tratados, sete referem-se a vícios do


consentimento (arts 46 a 52) e a última respeita a violação de norma substantiva e
imperativa de DIG (art 53).
Atendendo ao regime das nulidades, que reflete o grau de gravidade da violação
em causa, cabe distinguir duas modalidades:

a) Nulidade relativa - a causa de invalidade só pode ser invocada pela parte cujo
consentimento foi manifestada ou obtido de modo contrário ao Direito, o vício
é sanável (art 45) e este tipo de invalidades não afeta a vigência do tratado,
salvo se for um tratado bilateral, e não prejudica a sua aplicação nas relações
entre as outras partes, no caso de tratado multilateral.

1) Violação das disposições de direito relativas à competência para concluir


tratados (art 46);
2) restrição específica dos poderes de manifestação do consentimento de um
estado, apenas invocável se a restrição em causa tiver sido notificada aos
outros estados que participaram na negociação (art 47)
3) erro relativo ao conteúdo do acordo, já que os erros de redação do texto
seguem o regime do art 79; relevante se respeitar a uma situação ou facto que
o estado suponha existir no momento de conclusão do tratado (art 48 n1 e 2)
4) Dolo, no caso de um estado tiver sido levado a concluir um tratado em virtude
de conduta fraudulenta de outro estado que participou na negociação (art 49)
5) Corrupção do representante do Estado: se o consentimento foi obtido através
de aliciamento por outro Estado que participou na negociação (art 50): situação
difícil de provar, como problemática é a distinção entre atos de corrupção e
atos de cortesia.

b) Nulidade absoluta - o vício não é sanável (art 45) que exclui do seu âmbito de
aplicação aos arts 51,52 e 53, relativos às três situações mais graves de invalidade,
pode ser invocado a qualquer altura, pelo estado prejudicado, por qualquer parte no
tratado, e inclusive por estados e entidades que não estão vinculados pelo tratado
nulo, mas que,neste caso, exercem um direito de proteção de interesses públicos
internacionais.

Por força do art 44, n5, a proibição da divisibilidade do tratado é uma consequência
da nulidade absoluta resultante dos casos de coação (arts 51 e 52) e da violação da
norma de ius cogens (art 53).

1) Coação sobre o representante do estado, quando a manifestação do


consentimento foi alcançada por coação exercida sobre o seu representante.
(art 51).
2) Coação sobre um estado pela ameaça ou pelo emprego da força: é nulo o
tratado cuja conclusão foi forçada pela “ameaça ou pelo emprego da força em
violação dos princípios de direito internacional consignados na CNU (art 52).
3) Violação de norma imperativa de DIG (ius cogens) - o art 53 comina com o
desvalor máximo da nulidade o tratado que, no momento da sua conclusão,
seja incompatível com uma “norma imperativa de direito internacional geral”
(nulidade originária).

→ Em suma, a eficácia jurídica dos tratados pode sofrer diferentes graus de inibição,
dependendo da causa geradora do juizo de desvalor:

- Ineficácia jurídica, limita à inoponibilidade perante a ONU, no caso de falta de


registo (art 102 CNU).
- Nulidade, absoluta e relativa (art 69);
- Inexistência jurídica, nos casos extremos de ausência de aparência de ato
jurídico, insuscetível de proteção pelo princípio da boa fé.

C. Cessação de vigência e suspensão da sua aplicação:

→ Um tratado não é eterno e a sua maior ou menor longevidade depende, qual


criatura, da vontade dos criadores. A vontade das partes está, contudo sujeita ao
princípio pacta sunt servanda e, por conseguinte, a desvinculação, a cessação de
vigência ou a suspensão dos efeitos do tratado devem respeitar os procedimentos
sedimentados pelo Direito dos Tratados e codificados pela CV.

→ Para além das causas de cessação de vigência já referidas, a CV enumera outras


(arts 54 e ss) que se reconduzem a duas modalidades:

a) causas internas:

- Previsão no próprio tratado (art 54 aliena a));


- Por vontade comum das partes, de efeito abrogante (art 54 alínea b), ou
substitutivo (art 59).
- Por vontade unilateral de uma parte, sob a forma de denúncia (tratado bilateral)
ou retirada (tratado multilateral art 59);
- Por violação do tratado (art 60).

b) Causas externas:

- Impossibilidade superveniente de execução (art 61);


- Alteração fundamental de circunstâncias (art 62).

→ A desvinculação do tratado, através de denúncia/recesso, é uma manifestação


típica da vontade soberana dos estados, aplicação do princípio da autonomia
contratual. A sua admissibilidade, se o tratado a não prevê e não a limita, suscita,
contudo, controvérsia doutrinária a respeito da extensão da competência de
desvinculação e dos riscos que uma decisão discricionária e ilimitada sobre esta
questão representa para a estabilidade das relações jurídicas entre as partes.
O art 56 reconhece um direito implícito de denúncia/retirada e para mitigar os efeitos
negativos da denuncia/retirada está, sujeita a notificação com antecedência mínima
de 12 meses.
- No entanto, entende-se que os estados não tenham só o direito a fazer tratados
(ius tractuum) mas também o direito de sair dos tratados, ou seja, a doutrina
entende que os estados não podem ficar aprisionados, contrário à soberania
dos Estados, principio da soberania (CNU), apesar de não estar previsto no art
56 da CVDT-I tem de se fazer uma interpretação à luz do principio de soberania
(art 103 CNU), os estados podem sair.

→ Uma violação do tratado por prática continuada e reiterada pode ditar a sua
extinção por desuso, com a consequente substituição pela norma resultante do
costume contra legem. Na prática concordante, a extinção da norma patricia ocorre
em virtude da sua não aplicação.
→ Pode a letra de um tratado resistir a uma alteração fundamental das circunstâncias
que existiam à data da sua conclusão? O art 62 regula esta matéria que tanto divide
a doutrina.
A posição clássica era de considerar que a conclusão de um tratado pressuponha que
a obrigações previstas estavam sujeitas a uma condição resolutória, que as suas
condições se mantenham inalteradas.
A CV, no art 52, autonomizou e objetivou esta causa de extinção ou de suspensão,
cuja invocação está sujeita a condições específicas de relevância.

O art 62 assenta a regra da irrelevância de uma alteração fundamental das


circunstâncias como fundamento de extinção ou de desvinculação. A invocação fica
condicionada à verificação de cinco requisitos, necessários e cumulativos:

- As circunstâncias em causa foram uma base essencial do acordo das partes;


- A alteração não fora prevista pelas partes;
- A alteração é fundamental, tendo por efeito a modificação radical da natureza
das obrigações assumidas no tratado;
- A alteração fundamental não resulta de uma violação, pela parte que a invoca,
de obrigação decorrente do tratado ou de qualquer outra obrigação
internacional relativa a outra parte no tratado;
- Não se refere a uma tratado sem fronteiras.

→ Nos termos do artigo 70, a extinção ou cessação de vigência do tratado, por


comparação com os efeitos da nulidade, só opera para o futuro: 1) cessa para as
partes a obrigação de continuar a cumprir o tratado (alinea a); não prejudica os
chamados direitos adquiridos e os efeitos produzidos no período de vigência (alinea
b).

→ A suspensão da aplicação do tratado, que já surgiu no excurso que fizemos pelas


causas de cessação de vigência, é uma vicissitude na vida do tratado que funciona,
em princípio, para salvar o tratado de declaração de óbito.
Em termos sistemáticos, com base na CV, a suspensão ocorre:

- Por vontade de todas Partes no tratado (art 57 aliena a));


- Por vontade de algumas das partes no tratado multilateral, com efeitos
suspensivos limitados às relações mútuas (art 58);
- Por vontade das partes por meio de acordo posterior (art 59 n2);
- Como alternativa à consequência da cessação de vigência em caso de
violação do tratado (art 60, n1 e 2), em caso de impossibilidade temporária de
execução (art 61 n1) e em caso de alteração fundamental de circunstâncias
(art 62).
Os efeitos de suspensão de aplicação do tratado são temporários e limitados (art 72).
O princípio fundamental da boa-fé enquadra a obrigação específica da abstenção que
recai sobre as partes relativamente “a qualquer ato tendente a impedir a reentrada
em vigor do tratado” (art 72, n2). Trata-se de uma obrigação equivalente à do artigo
18 aplicável à situação simétrica em que se encontram os estados antes da entrada
em vigor do tratado.

Secção III. Em especial, o procedimento de vinculação por convenções


internacionais e a Constituição Portuguesa:

1. Nas Constituições históricas portuguesas:

—> O breve excurso que se segue pelas Constituições portuguesas que precederam
a Constituição vigente tem o propósito de clarificar as origens do modelo atual de
conclusão de convenções internacionais, aprovado pela Assembleia Constituinte em
1976 e objeto de adaptações nas sucessivas revisões constitucionais.
A negociação dos tratados competia, na Monarquia, ao Rei e, na República ao PR;
Ao órgão parlamentar, as Cortes, cabia a aprovação dos tratados de aliança ofensiva
ou defensiva, de subsídios e de comércio. A primeira Constituição republicana,
integrou na competência privativa do Congresso da República o poder de “resolver
definitivamente sobre tratados e convenções”. Por seu lado, a constituição de 1933
repartiu a competência de aprovação entre a AN.

O ato de ratificação, com o qual se conclui o procedimento interno de celebração do


convénio internacional, foi confiado ao rei pelas constituições monárquicas. A
constituição de 1911, dado o seu pendor parlamentar, reservava para o PR o poder
de “negociar e ajustar convenções internacionais”, mas a ratificação pertencia ao
congresso da república. Já a constituição de 1933 reforçou os poderes de vinculação
internacional do chefe de estado, reconhecendo ao PR tal poder, com referência
governamental.

—> Do cotejo das disposições das Constituições históricas dedicadas ao poder de


celebração de tratados, apesar da notória parcimônia dos respetivos enunciados,
podemos identificar algumas constantes, seja sedimentação e desenvolvimento se
aprofundaram com a C de 1933, especialmente pós-revisão constitucional de 71:

- A negociação das convenções internacionais é confiada ao Chefe de estado;


- A aprovação depende, por regra, do órgão parlamentar;
- Distinção entre tratados em função da matéria regulada;
- Dicotomia entre tratado solene, submetido a ratificação do chefe de estado e
acordo em forma simplificada.

2.Na CRP de 1976:

A. As bases jurídicas de abertura internacional:

—> A CRP aprovada em 76, revela, por comparação com os textos constitucionais
que a precederam e mesmo no confronto com as Constituições coesas de outros
estados, designadamente dos Estados europeus, um cuidado muito particular com a
definição das regras aplicáveis ao procedimento de conclusão dos tratados. Estas
bases jurídicas formam, no seu conjunto e em articulação com as demais disposições
fundamentais, um bloco normativo que poderíamos designar como Direito
Constitucional dos Tratados. Representam, a par das disposições diretamente
relacionadas com a relevância interna das normas internacionais e as condições da
sua aplicação na ordem jurídica portuguesa, o veículo jurídico-positivo de uma opção,
esta de recorte político- axiológico, favorável à abertura internacional da CRP, com
um ângulo de desguardo, sinónimo de confiança na lei internacional, porventura difícil
de igualar em leis fundamentais de Estados soberanos. Acresce, por outro lado, que
as sucessivas revisões a que a CRP foi sujeita, todas elas introduziram no texto
alterações com repercussão sobre a relação entre a CRP e o DIP e, principalmente,
por razões ligadas à adesão de Portugal às Comunidades Europeias, sobre a relação
entre a CRP e o DUE.

—> Bases jurídicas em causa e onde se situam na CRP:

Princípios fundamentais:

- Artigo 7;
- Artigo 8; - artigo base.
- Artigo 9, alínea a).

Parte III - Organização do poder político:

- Art 112 n8 - atos normativos;


- Art 115 n3 e n5 - referendo;
- Art 119 n1 alínea b) - publicidade dos atos;
- Art 134 alínea b) - assinatura do PR dos acordos;
- Art 134 alínea g) - fiscalização preventiva de convenções;
- Art 135 - ratificar tratados internacionais;
- Art 140 - referenda do GOV;
- Art 161 alínea I) - competência da AR para aprovar tratados e acordos;
- Art 161 alínea n) - pronuncia da AR;
- Art 163 alínea f) - acompanhamento da AR;
- Art 163 alínea I) - acompanhamento da AR;
- Art 166 n5 - forma dos atos;
- Art 182 - GOV —> órgão de condução política
- Art 197 n1 alínea b) competência do GOV para negociar;
- Art 197 n1 alínea c) competência do GOV para aprovar desde que não seja da
AR.
- Art 197 n2: a aprovação pelo GOV de acordos reveste a forma de decreto;
- Art 200 n1 alínea d) - competência dos conselhos de ministros;
- Art 204;
- Art 227, n1, alínea t) - poderes das RA;
- Art 227, n1, alínea u) - poderes da RA;
- Art 227, n1, alínea x) - Poderes da RA;

Parte IV - Garantia e revisão da Constituição:

- Art 277, n2 - inconstitucionalidade por ação.


- Art 275 n5 - Forças Armadas;
- Art 278, n1 - fiscalização preventiva da constitucionalidade;
- Art 279, n1,2,4 - efeitos da decisão;
- Art 288 alínea a) - limites materiais de revisão.

Disposições finais e transitórias:

- Art 295: referendo sobre tratado europeu.

B. A importância de se chamar tratado - o problema da distinção material


entre tratado e acordo:

—> Para o Direito dos tratados, a designação própria e específica do convénio


internacional não influi sobre o regime jurídico de celebração, tão-pouco se reflete no
regime de vigência. No Direito Português dos Tratados, por razões históricas,
confirma-se pela CRP de 76 e aprofundadas nas revisões subsequentes, o género
convenção internacional desdobra-se em duas categorias: o tratado de forma solene
e o acordo em forma simplificada, ou, na fórmula abreviada, tratado e acordo.

A distinção entre tratado e acordo é, em primeiro lugar, de natureza terminológica.


A constituição emprega a expressão “convenção internacional” quando pretende
indicar qualquer tipo de convénio internacional;
Reserva a locução tratado ou tratado internacional para determinado tipo de
convenções, enquanto as demais são acordos internacionais.
O critério operativo da distinção entre tratado e acordo depende, nos termos da CRP,
do procedimento aplicável.
De modo sumário, são estas as principais diferenças de procedimento entre
tratado e acordo:

A - aprovação - Só a AR pode aprovar tratados, ao passo que os acordos podem ser


aprovados pela AR ou pelo GOV, consoante a matéria regulada.

B - ratificação e assinatura - os tratados exigem a ratificação como ato de vinculação


(art 135, alínea b CRP), enquanto nos acordos a vinculação ocorre com a aprovação,
certificado pela assinatura do PR aposta nas resoluções da AR ou nos decretos do
GOV(art 134 alínea b).

C - Fiscalização preventiva da constitucionalidade - dos tratados, está previsto de


modo expresso que, após pronuncia no sentido da inconstitucionalidade, a AR possa
confirmar por maioria qualificada; em relação aos acordos internacionais aprovados
pelo GOV não existe possibilidade de confirmação, condenados pelo veto do PR que
se segue à pronúncia de inconstitucionalidade.
O têxtil constitucional é, contudo, omisso em relação aos acordos internacionais
aprovados pela AR sobre os quais recaiu o veto do PR, mas admitimos, por analogia
com a solução consagrada para os tratados, que possam ser confirmado pela mesma
maioria (prevalência do princípio democrático).

—> Perante um regime de celebração diferente para tratados e acordos,


especialmente no que toca às relações entre o parlamento e o GOV, as questões que
importa, então, colocar são estas:
- existe ou não à luz da CRP, um critério material de distinção entre tratado e
acordo?
- Qual a margem de apreciação de que goza o GOV para a qualificação de uma
convenção internacional como tratado ou acordo?
A doutrina portuguesa não tem uma resposta única.

● Uma fileira importante, conquanto minoritária, da doutrina portuguesa advoga


a existência de uma reserva material de tratado. O principal e mais sólido
argumento é a alínea I) do art 161 que impõe a forma de tratado para as
convenções internacionais relativas à “participação de Portugal em
organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa, de
ratificação de fronteiras e os respeitantes a assuntos militares”. O termo
“designadamente” que introduz esta enumeração seria decisivo para fundar o
caráter meramente exemplificativo do tipos de matérias que exigem a forma de
tratado. O argumento literal é, decerto, importante. Neste caso, contudo, a letra
do preceito compreende também a referência aos acordos internacionais cuja
aprovação é atribuída à AR, porque relativos a “matérias da sua competência
reservada”, isto é, matérias previstas nos artigos 164 e 165. Assim, está
sempre garantida a intervenção do parlamento na fase de aprovação de
convenções internacionais sobre matérias de importância política fundamental,
seja sob a forma de tratado ou de acordo. Garantida também está a
participação do PR e a sua prerrogativa de impedir a celebração da convenção
através da recusa de ratificação ou recusa de assinatura: sem ratificação, não
existe vinculação pelo tratado; sem assinatura, a ato de aprovação do acordo
internacional é juridicamente inexistente (art 137).
Nota: na opinião da regente não há uma reserva material de tratado, o que há é uma
reserva material de matérias que têm de ser aprovadas pela AR.

O GOV, como órgão responsável pela negociação internacional, deve ter a


possibilidade de decidir, respeitados os limites expressos do art 161 alínea I), sobre
a forma de vinculação mais adequada, em função, por exemplo, de opções feitas à
mesa das negociações. Não nos parece que seja de considerar a este propósito o
risco de governamentalização e manipulação da forma de convenção, dado que as
matérias objetivamente mais importantes, as da reserva absoluta e relativa da
competência legislativa da AR, não escapam ao veredicto parlamentar, ainda que sob
a forma de acordo. De sublinhar que, contrariamente ao que se encontra previsto para
a função legislativa (art 165 n2 a n5), a CRP não contempla a figura da autorização
ou delegação em favor do GOV, pelo que só a AR pode aprovar convenções
internacionais em toda a extensão das matérias de competência reservada.

C. As quatro fases principais do procedimento interno de vinculação por


convenção internacional:

1 - Negociações e ajuste;
2 - Aprovação;
3 - Ratificação e assinatura;
4 - Publicação.

1 - Negociação e ajuste:

Ao GOV, no exercício da função de “órgão de condução da política geral do país” (art


182 CRP), compete, em regime de exclusividade, “negociar e ajustar convenções
internacionais” (art 197, n1, alínea b).

O caráter exclusivo desta competência não prejudica, contudo, o poder de


participação das Regiões Autónomas (a) e, da parte do Governo, o cumprimento de
deveres específicos de informação e de concertação.(b)

(A) - Nos termos do artigo 227, alínea t), as RA têm o direito de participar nas
negociações de tratados e acordos internacionais que “diretamente lhes digam
respeito, bem como nos benefícios deles decorrentes”. As matérias abrangidas
por esta reserva de interesse regional são, desde logo, as previstas nas alíneas
do art 227, designadamente as alíneas I), h), r) e s). Por outro lado, os
Estatutos políticos- administrativos especificam um conjunto muitíssimo
alargado de matérias em relação às quais as RA terão um direito de
participação.
Na eventualidade de violação destas prerrogativas de participação regional,
entendemos que se verifica uma inconstitucionalidade formal, relevante em sede de
fiscalização preventiva (art 279), mas insuscetível, no quadro do art 227, n2, de
impedir a aplicação interna da convenção internacional em causa e de implicar, ao
abrigo do art 46 CVDT-I a sua invalidade.

(B) - O procedimento de vinculação do Estado português por convenções


internacionais foi gizado na perspectiva de associar os diferentes órgãos de
soberania, de modo a facilitar a decisão e, sobretudo, com o objetivo de
garantir uma decisão preparada e esclarecida. Assim, na fase na negociação,
o PR, que não participa diretamente, deve ser informado do andamento nas
negociações (art 201 n 1 alínea c), e adequadamente inteirado do desfecho
previsível sobre matérias de maior relevância. Recorde-se que o PR tem um
papel importante e ativo no domínio das relações externas, como
representante da República Portuguesa e garante da independência nacional
(art 120); e, a ele, cabendo nomeadamente, o poder de ratificar\ não ratificar
os tratados internacionais, o poder de assinar\ não assinar os acordo
internacionais. Exige-se, por isso, uma prática de concertação entre o GOV e
o PR, no âmbito do pressuposto pelo princípio da interdependência entre
órgãos de soberania.
O GOV tem ainda deveres de informação, em plano institucional diferente, de
conteúdo mais genérico, em relação aos GP (art 180 n2 alínea j) e aos partidos
políticos representados na AR e que não façam parte do GOV (art 114 n3).
O incumprimento dos referidos deveres de concertação institucional e de informação
terá um significado no plano da responsabilidade política, desprovido, contudo, de
desvalor no plano jurídico-constitucional.

—> Quem tem poderes para representar o Estado português na negociação bilateral
ou multilateral? Em virtude das funções que exercem, são considerados
representantes o PR, o PM e o ministro dos negócios estrangeiros (art 7, n2, alínea
a) CVDT-I), e, verificadas certas condições, os chefes de missão diplomática (p.e
embaixadores) e representantes acreditados dos Estados numa conferência
internacional (art 7 CVDT-I). Fora destes casos de plenos poderes funcionais, o
representante português na negociação tem de ser portador de uma carta ou
credencial de plenos poderes, assinada pelo PR e pelo Ministro dos Negócios
Estrangeiros.

—> Ao GOV da república cabe a decisão sobre a abertura das negociações, a


condução das mesmas e a decisão final de ajuste que corresponde,na terminologia
da CV, à autenticação do texto, por rubrica ou assinatura.

2. Aprovação:

Esta é uma etapa fundamental no procedimento interno da celebração da convenção


que carece, contudo, de correspondência com uma das fases autonomizá-las pelo
Direito de Viena. Na verdade, a aprovação, que ocorre necessariamente depois da
adoção do texto, integra-se na fase de manifestação do consentimento, comummente
designada por ratificação.
À luz do artigo 8, n2, CRP, a aprovação é uma exigência imperativa e aplicável a
todas as modalidades de vinculação internacional através de convenção
internacional, seja pela forma de tratado (ratificação, antecedida de aprovação - art 8,
n2, em articulação com o art 135, alínea b), seja pela forma de acordo (art 8 n2, em
articulação com o art 161 alínea I) e art 197 n1, alínea c).
Por ser imperativa e necessária, a aprovação não pode ser substituída por um
qualquer outro meio alternativo ou sucedâneo, ainda eu previsto na CV e trivialmente
seguido na prática internacional. A CRP, porque exige a aprovação interna da
convenção internacional, não contemporiza, importa reiterar, com os chamados
acordos em forma ultra simplificada, vinculativos após a assinatura do representante
do Estado, nem com a modalidade muito comum de vinculação bilateral através de
acordo por troca de notas.

São igualmente incompatíveis com a letra e o espírito do art 8 n2 as chamadas


ratificações implícitas ou negativas. Alguns tratados institutivos de organizações
internacionais prevêem procedimentos simplificados e céleres de formação de novas
regras convencionais através dos quais um acordo se torna vinculativo para um
estado se, decorrido um determinado prazo, este não tive manifestado a vontade
expressa de não ratificar.

—> No sistema constitucional português, dois órgãos de soberania, AR e GOV,


partilham a competência de aprovação de convenções internacionais, de harmonia
com critérios de repartição que visam, de modo inequívoco, assegurar o primado do
órgão parlamentar, até de modo mais vincado do que acontece na função legislativa.
Como já tivemos oportunidade de analisar, a propósito da eventual distinção material
entre tratado e acordo, as disposições constitucionais que nos amparam neste
matéria são o artigo 161 alínea I)e o art 197 n1 alínea c).

1. A AR aprova:
- Os tratados, isto é, todas as convenções internacionais que ostentam a
designação de tratados e ainda aquelas que, independentemente da
instituição, versem sobre matérias identificadas pelo texto constitucional e que
correspondem a áreas de particular melindre político e de opção fundamental
no domínio das relações externas.
- Os acordos internacionais cuja designação no texto adotado não seja tratado,
relativos à matéria da competência legislativa reservada (arts 164, 165) e
também os acordos relativos a matérias da competência legislativa
concorrencial que o GOV entenda submeter à sua apreciação.

2. O GOV aprova:
- Os acordos internacionais sobre matérias que não integram a reserva de
tratado nem a reserva de competência legislativa parlamentar, salvo ser decidir
submeter à AR a sua aprovação.

—> A AR aprova tratados e acordos através de resolução (art 166, n5), enquanto o
ato governamental de aprovação toma a forma de decreto (art 197, n2), apreciado e
votado em conselho de ministros (art 200, n1, alínea d). No que toca à maioria
parlamentar exigida, é aplicável, nos termos gerais da CRP, a maioria relativa (art 116
n3).
Temos defendido, desde a revisão constitucional de 1992, relacionada com a
ratificação do tratado de Maastricht, que seria preferível uma solução consagrada,
aliás, nas Constituições de outros Estados-membros, que exigisse uma maioria
qualificada, equivalente à da revisão constitucional (art 286, n2), para a aprovação de
tratados que visem a construção e o aprofundamento da UE, cuja especificidade foi,
sublinhe-se, reconhecida pelo legislador constituinte ao introduzir, com a revisão de
2005, art 295 sobre o referendo aos tratados europeus.

—> Em princípio, a aprovação de convenções internacionais deve ocorrer em


situações que não envolvam para os órgãos competentes uma limitação
circunstancial dos seus poderes. A demissão do GOV determina a caducidade das
propostas de lei e de referendo (art 167, n6) mas, como nada diz sobre as propostas
de aprovação de tratados e acordos, a demissão do Executivo não deverá impedir a
continuação do procedimento de aprovação. Em contrapartida, o procedimento deve
considerar-se suspenso com a dissolução da AR (art 172), não sendo matéria que
caiba na competência limitada da Comissão Permanente (arts 179, n1 e 3).

Por seu lado, o chamado governo de gestão, limitado à “prática dos atos estritamente
necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos” (arts 186 n5), estará
impedido de tomar decisões de ajuste e aprovação de convenções internacionais,
incluindo a apresentação de propostas de aprovação à AR , salvo se outra solução
prevalecer por razões imperiosas ditadas pelo princípios da continuidade do Estado
ou pela urgência da resposta a um verdadeiro estado de necessidade.

—> A CRP autoriza a realização de referendo nacional sobre convenções


internacionais. O regime jurídico-constitucional, vertido na disposição genérica do art
115, e na regra específica do art 295, aplicado e desenvolvido pela Lei nº 15-A\98 de
3 de abril, com as alterações introduzidas pela Lei orgânica nº4\2005 de 8 de agosto,
permite apurar o que importa saber sobre:

A) Qual o objeto do referendo sobre convenções internacionais?


B) Quando pode ser colocada a questão referendária ao eleitorado?
C) Qual é a relevância jurídica da resposta dada pelo eleitorado?
A - O art 115 n 3 permite a realização de referendo sobre “questões de relevante
interesse nacional que devam ser decididas pela AR ou pelo GOV através de
convenção internacional ou de ato legislativo”.

A questão submetida a referendo versa sobre matérias ou questões que devam ser
objeto de convenção internacional e não sobre a convenção em si, no seu conjunto.
A única exceção admitida a esta regra é o art 295 relativo aos tratados europeus.

B - A iniciativa de referendo deve ocorrer, necessariamente, antes da aprovação da


convenção internacional pela AR ou pelo GOV, cujo texto já tenha sido adotado e
submetido para aprovação.
Resulta da LORR que no artigo 4:
“As questões suscitadas por convenções internacionais (…) em processo de
apreciação, mas ainda não definitivamente aprovadas, podem constituir objeto de
referendo”.

C - O referendo terá efeito vinculativo se, conforme o dito pelo artigo 115 n11, o
número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento.
No caso da resposta negativa à aprovação da convenção internacional, o processo
em curso de vinculação internacional terá de ser dado como extinto, porque a “AR ou
o GOV não podem aprovar convenção internacional (…) correspondente às perguntas
objeto de resposta negativa com eficácia vinculativa” (art 243 LORR).

—> No tocante à eficácia temporal do referendo vinculativo sobre convenções


internacionais, cumpre destacar:

- No caso de resposta positiva, à luz de uma exigência fundamental de execução


leal das obrigações constitucionais, neste caso de cumprimento da vontade
popular, os órgãos de soberania vinculados, devem, no cumprimento dos
prazos previstos e, na sua ausência, do respeito pelo prazo razoável, garantir
a conclusão do procedimento de vinculação à convenção internacional em
causa.
- No caso de resposta negativa do eleitorado, nos termos do art 115, n10 e do
art 243 LORR, impossibilidade de aprovação da convenção internacional em
causa até nova eleição da AR ou realização de novo referendo de reposta
afirmativa, cuja proposta só pode, contudo, ser renovada na sessão legislativa
seguinte.

3. Ratificação e assinatura:
—> Ao PR cabe a ratificação dos tratados solenes (art 135 alínea b) e a assinatura
das resoluções da AR e dos decretos do GOV que aprovam acordos internacionais
(art 134, alínea b). Recebido o ato de aprovação da convenção internacional para
ratificação ou assinatura, consoante a forma de tratado ou acordo, o PR pode, no
exercício de uma competência não vinculado, requerer ao TC a apreciação preventiva
da constitucionalidade.
A fiscalização incide sobre normas constantes da convenção internacional e não
sobre a convenção na sua totalidade. O sistema português de garantia da CRP é,
recorde-se, baseado no princípio do controlo de normas.

Tratados ou acordos, uma vez concluído o processo de celebração, exprimem o


compromisso internacional do Estado português. A solução plasmada no art 279,
fundada na distinção entre tratado e acordo, de permitir a entrada em vigor de normas
internacionais, constantes de tratado, consideradas contrárias à CRP, não é uma
solução defensável à luz do equilíbrio necessário entre interesses e valores.

—> Do ponto de vista jurídico-procedimental, a ratificação corresponde a uma


declaração solene e final de aceitação do tratado pelo estado português que, em
linha com a prática costumeira internacional e constitucional, o faz através de
intervenção do chefe de estado. Materialmente, esta intervenção é traduzida na
assinatura sobre a carta de ratificação, objeto de troca no tratado bilateral e de
depósito no tratado multilateral.
O ato presidencial, embora autônomo, está sujeito a referenda prévia do GOV, cuja
falta determina a inexistência jurídica do ato de ratificação. A referenda é, neste caso,
ato necessário, de mera natureza certificatória, pelo que nao pode ser recusada.

→ A ratificação é, por força costumeira e por razões de configuração dogmática do


instituto da ratificação, um ato livre do chefe de estado. A constituição não prevê -
nem precisaria - o procedimento de recusa de ratificação pelo PR. Em relação a
qualquer tratado, com a exceção acima referida de referendo favorável vinculativo, o
PR pode recusar a ratificação com fundamento em argumentos de discordância
política e com a legitimidade qualificada de que “representa a República Portuguesa,
garante a independência nacional, a unidade do Estado” (art 120). No caso de
discordância por dúvidas relativas à eventual incompatibilidade do tratado com a
constituição, o PR tem ao seu dispor o mecanismo de fiscalização preventiva da
constitucionalidade (art 278, n1).

A CRP não estipula um prazo para a ratificação, pelo que se deve aplicar, de acordo
com o princípio da cooperação leal, o critério do prazo razoável.

→ O ato de aprovação de acordos internacionais - resolução da AR e decreto do GOV


- é assinado pelo PR. A assinatura, ao contrário da ratificação que é, como vimos, um
ato autônomo, tem uma função meramente certificativa ou declarativa do
consentimento do Estado portugues, resultante do ato de aprovação. Não obstante,
a intervenção do PR no procedimento de vinculação de acordos internacionais não
se reduz à função de mero notário da contratação internacional.

Como acontece com o ato de ratificação dos tratados solenes, a assinatura dos
acordos internacionais está sujeita a referenda ministerial, que não pode ser recusada
e cuja falta determina a sanção da inexistência jurídica (art 140 n2).

4. Publicação:

A publicação oficial é a última fase do procedimento interno de celebração da


convenção internacional. Nos termos do n2 do artigo 8 da CRP, após a publicação,
as convenções internacionais vigoram na ordem interna, se e enquanto vincularem
internacionalmente o Estado Português. Assim, a publicação é necessária para
garantir a eficácia jurídica da convenção na ordem jurídica portuguesa, embora já
esteja a jusante do momento relevante de vinculação internacional - a ratificação no
caso do tratado, a aprovação no caso do acordo. Uma convenção internacional
regularmente ratificada e aprovada pode vincular internacionalmente o estado,
mesmo que a publicação, por atraso ou lapso, não tenha ocorrido.

→ Quais são os atos abrangidos pela obrigação de publicação oficial?


O art 119 n 1 alínea b) CRP, especifica que são as convenções internacionais, os
respetivos avisos de ratificação e os restantes avisos a elas respeitantes.

O critério geral de vigência supletiva é fixado plo art 2, n2, LPIFD, no 5 dia após a
publicação.

D. O procedimento interno de desvinculação: simetria e equivalência :

Aspeto importante, conquanto não previsto na CRP, é o relativo à desvinculação das


convenções internacionais. A ausência de regras expressas não impede a resposta
às questões específicas, no quadro de um regime jurídico aplicável à desvinculação
de convenção internacional que, igualmente, resulta da Constituição como
desenvolvimento da teoria do ato simétrico.

A denúncia/retirada é um direito do Estado enquanto Parte Contratante, a exercer


nos limites definidos pelos arts 54 e 56 da CVDT-I. A denúncia/retirada é ainda uma
prerrogativa de soberania do Estado, pelo que se justifica uma interpretação conforme
da convenção internacional ao reconhecimento do direito de desvinculação (art 56
CV); por se tratar de uma prerrogativa inerente ao estatuto de Estado soberano,
admitimos a denúncia/retirada mesmo que proibida pelo tratado ou contrária à sua
natureza e à vontade presumida das partes, sem prejuízo, neste caso, de eventual
responsabilidade internacional do estado por ato ilícito.

→ A competência de decisão sobre a desvinculação cabe ao órgão que detém, nos


termos da C, o poder de aprovar. O paralelismo funciona, parece-nos, em relação ao
que deveria ou poderia ter sido e não em relação ao que foi. Por isso, um acordo
sobre matéria de competência reservada que, contrariamente ao art 161 alínea i) foi
aprovado pelo GOV, exige, no respeito da C, a intervenção da AR para a decisão de
denúncia/retirada.
O ato parlamentar ou governamental de desvinculação toma a forma de
resolução ou decreto que segue para o PR e sujeito a referenda ministerial.

E. Especificidade das convenções internacionais celebradas no quadro da UE:

→ Uma fatia considerável das normas convencionais que vigoram na ordem jurídica
portuguesa estão integradas em tratados e acordos que foram celebrados no “quadro
da UE” e em cujo processo de celebração Portugal participou como estado-membro
da UE. Dependendo das regras inscritas nos tratados institutivos da UE, interpretadas
pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e aplicadas pela (inventiva) prática
institucional, a participação dos estados-membros no procedimento de vinculação não
é uniforme, nem sequer está suficientemente harmonizada.

Em portugal, as exigências constitucionais precisas em matéria de celebração de


convenções internacionais têm suscitado problemas concretos a propósito, em
particular, da aplicação provisória de convénios negociados “no quadro da UE” e da
sua rápida aprovação por decisão do GOV, sob a forma de acordo simplificado.
De acordo com a teoria constitucionalista, a intervenção da República Portuguesa
teria, de seguir, de modo estrito, as disposições da lei fundamental sobre celebração
de convenções internacionais. De acordo com a teoria euro comunitária, invocando o
princípio do primado do DUE e a suprema vinculatividade das obrigações enquanto
estado-membro, a CRP não deveria representar um obstáculo à aplicação das
modalidades procedimentais de decisão da UE sobre questões internacionais.

A verdade é que as convenções internacionais celebradas no quadro da UE segundo


a designação que propomos, se apresentam sob formas distintas de procedimento,
em função, basicamente, do tipo de matérias que regulam. As modalidades principais
são duas, verificando-se em cada uma delas acentuadas especificidades de regime
que não interessa, contudo, para o presente efeito, aprofundar:

a) Acordos da UE;
b) Acordos da UE e dos estados-membros.
A - Dotada de personalidade jurídica (art 47 UE), à UE é reconhecida pelos tratados
competência para celebrar com estados terceiros e organizações internacionais
convenções internacionais sobre matéria da sua competência, exclusiva ou partilhada
(art 216 n1 TFUE). Estes acordos celebrados pela UE vincula, as instituições euro
comunitárias e os estados membros. Na ordem jurídica portuguesa, produzem efeitos
através do art 8, n3.
O que antes era o exercício unilateral de um poder típico de soberania e um elemento
fundamental da personalidade jurídica internacional - o ius tractuum - passou. com o
regime euro comunitário, a um poder que, conforme caracterização rigorosa do art 7
n6 da CRP, é exercido em comum. No essencial, o estado português participa no
exercício em comum do ius tractuum da UE através do Conselho, pela voz do
respetivo representante ao nível ministerial.

B - A fórmula do acordo misto implica a celebração ao acordo com país terceiro ou OI


por decisão paralela e autônoma da UE e dos Estados-membros. Na modalidade
anterior, a dos acordos da UE a parte contratante é a UE, estando os estados-
membros obrigados a respeitar o acordo por efeito da sua conclusão por decisão do
conselho. Nos acordos mistos, sobre matérias que, em parte, ainda permanecem na
esfera reservada ou residual de competência de estados-membros, a vinculação é
um procedimento complexo que envolve, de um lado, a UE, cuja competência de ius
tractuum é exercida nos termos do art 218 TFUE e do outro lado, cada um dos estados
membros, no quadro definido pelas respectivas normas constitucionais.

Em concreto, carece de fundamento jurídico uma eventual interpretação do art 7 n6


no sentido de conferir obrigatoriedade à aprovação/ratificação de acordos mistos. Não
existe um dever de aprovação/ ratificação, de fonte euro comunitária, mesmo nos
casos em que o acordo em causa já tenha merecido a aprovação do conselho e da
generalidade dos outros estados membros. Nos convénios de celebração mista a sua
aceitação pela UE e pelos restantes membros pode no máximo constituir um indício
do interesse euro comunitário que facilitará, em princípio, uma avaliação política
favorável à decisão nacional de aprovação/ratificação.
Capítulo 3 - Normas internacionais e eficácia na ordem jurídica portuguesa:

Secção I. Articulação entre Direito Internacional e Direito interno:

1. Construções doutrinárias clássicas e modelos jurídico-constitucionais:

→ Desde finais do século XIX, com a publicação da obra “Direito Internacional e


Direito interno), em 1899, pelo jusinternacionalista Triepel, o debate gira em torno da
alternativa unidade/pluralidade para caracterizar a relação entre o ordenamento
jurídico internacional e os ordenamentos do Estados.
A resposta a várias questões sobre a articulação entre DI e direito interno vão
depender da construção teórica adotada: dualismo versus monismo:

→ Dualismo: filiado na corrente voluntarista e estatista, do qual é um corolário


importante, o dualismo teve em Triepel em Dionósio anzilotti doutrinadores de
reconhecido rigor dogmático, cuja marca foi decisiva e, sob determinada perspectiva,
com prejuízo para a aplicação efetiva do DI, perdura ainda hoje.
A teoria dualista concebe a relação entre DI e direito interno como uma relação
entre diferentes e separados - lado a lado, dois ordenamentos jurídicos. O DI regula
as relações entre estados, titulares exclusivos de personalidade jurídica internacional.
O Direito interno regula as relações sociais entre os indivíduos, cuja personalidade
jurídica, com as projeções inerentes à capacidade jurídica, está limitada às
instituições internas.
Não existe comunicação direta e aberta entre fontes internas e fontes
internacionais.
Uma das consequências do dualismo é o duplo mecanismo da recepção e
transformação: a norma internacional carece de ser introduzida no ordenamento
estadual por um ato interno específico e depois transformada ou transporta por um
ato normativo interno.
Assim sendo, a norma internacional não tem autonomia, devendo a sua eficácia
interna ao ato de transposição. O lugar da norma internacional na hierarquia interna
é o correspondente ao ato de transposição. O dualismo é coerente com uma ideia
formalista de unidade sistemática e prevalência da vontade soberana do Estado, mas
põe em causa o fundamento autônomo e heterovinculativo do DIP.

→ Monismo - nesta versão, existe uma unidade fundamental entre ordenamento


internacional e interno. Quando se procura compreender a razão de ser e as
consequências desta unidade lógica e fundamental, são muito distintos os pontos de
vista, pelo que, em rigor, o monismo é uma ficção simplificadora.
O que existiu - e existe - são versões diferentes do monismo, sendo mais realista falar
em correntes monistas:

a) Monismo com primado do Direito interno:

Esta concepção, embora assente na visão unitária entre DI e direito interno, reanima
o espectro funesto da falta de autonomia do ordenamento internacional, reduzido à
dimensão ancilar de Direito Estadual Externo. Normas internacionais e normas
internas coexistem, são aplicadas pela estrutura instituída do poder estatal,
designadamente os tribunais, mas em situação de conflito a lei interna há-de
prevalecer sobre a regra internacional.
No plano lógico-formal, esta maneira de ver o problema pouco ou nada se distingue
do dualismo. O preconceito de base é o mesmo: falta de autonomia do Direito
internacional, cuja relevância depende, inteiramente, do grau de tolerância consentido
pela Constituição e legislação de cada Estado. A 8-vontade soberana do Estado
prevalece com a força associada ao dogma sobre a autoridade normativa do Estado
no quadro das relações internacionais.
Esta construção, profundamente marcada pelo voluntarismo radical e estadista, é
hoje um anacronismo. Não podem existir dúvidas sobre o peso do veredicto que
resulta, desde logo, do art 27 da CVDT-I, tão claro ao excluir a relevância do direito
interno como fator de desaplicação ou de desvalor da norma internacional de fonte
convencional:
“Uma parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o
incumprimento de um tratado”.

b) Monismo com primado no DI:

A prevalência do DI sobre o direito interno não é difícil de entender se tivermos em


consideração que as normas internacionais visam regular as relações entre Estados
que são, juridicamente, iguais e que, por outro lado, uma parte importante dessas
normas têm uma existência objetiva , independente da vontade dos Estados (p.e
normas costumeiras ou derivadas de princípios gerais de Direito). Não se pode, por
isso, opor uma lei a um tratado ou a própria C ao costume internacional.
Tendo por base a norma fundamental - consuetudo est servanda - é o critério
hierárquico que se recorre em caso de conflito inter normativo.
Hans Kelsen, tão duramente criticado pela lógica formalista da sua teoria sobre o
direito, não poderia ser mais claro sobre o que estava em causa nos conturbados
anos trinta que precederam o deflagrar da 2GM e a responsabilidade que pesava
sobre os juristas na reconstrução do mundo civilizado das Nações e dos Povos:

“O primado do Direito internacional desempenha um papel decisivo na ideologia


política do pacifismo. (...)Tal como sucede com o primado do Direito Internacional
relativamente à ideologia pacifista, assim também o primado do Direito estadual, a
soberania do Estado, desempenha um papel decisivo na ideologia imperialista”.

→ Esta visão extremada que opõe o primado do DI ao primado do Direito Estadual


pertence, em larga medida, ao campo das hipóteses teóricas, com raras aplicações
nos modelos constitucionais. Na prática, prevalecem as soluções de perfil
moderado: 1) monismo moderado, porque, sem prejuízo da unidade essencial que
integra o ordenamento internacional e ordenamento interno, eventuais situações de
conflito entre normas não geram a nulidade da norma subordinada divergente. 2)
primado moderado do DIP, como se infere no art 46 CVDT-I que, nas condições e
limites previstos, admite que um estado invoque uma norma fundamental do seu
direito interno como fundamento legítimo para não aplicar norma constante de tratado.

→ A oposição entre dualismo e monismo, que opera no plano da articulação ou das


relações entre ordem jurídica internacional e ordens jurídicas nacionais, pressupõe,
por outro lado, sistemas diferentes de incorporação ou inserção da norma
internacional no ordenamento interno, baseados em duas técnicas distintas:
a) Transformação ou transposição - a norma internacional é sujeita a um
processo interno, de acordo com o estabelecido na CRP, que, fazendo jus ao
dualismo, “nacionaliza” o seu conteúdo e transforma a norma internacional em
norma interna - p.e, aprovação do tratado por lei parlamentar que passa a
vigorar como ato legislativo interno; transposição de diretiva do DUE, através
de lei, DL ou DLR (art 112 n8 CRP)
b) Receção - coerente com o alicerce teórico do monismo, neste modelo a norma
internacional “entra” na ordem jurídica interna sem necessidade de
procedimentos prévios de reconhecimento, validação ou qualificação. A norma
internacional vigora como norma internacional, com todas as consequências
relevantes ao plano da aplicação preferente e da interpretação. Para
exemplificar, podemos considerar dois tipos fundamentais de disposições
constitucionais relativas à incorporação direta da norma internacional:
1) Cláusula de recepção automática plena - permite a vigência interna
da regra internacional por força simples instrumento normativo (p.e
tratado) ou fonte (p.e costume) donde constem, dispensando ato de
intermediação ou incorporação. A cláusula geral de receção automática
será plena se tiver alcance global, aplicável ao conjunto das normas
internacionais ou a parte das normas internacionais de fonte
determinada - p.e uma cláusula geral de receção automática e plena do
DIG ou comum (art 8 n1). A incorporação automática da norma
internacional não é sinônimo de aplicabilidade direta ou self-executing.
Com efeito, a norma internacional direta e automaticamente incorporada
na ordem jurídica nacional depende, em muitos casos, de normas
internas de execução, gerais ou específicas, vigentes ou a adotar.
2) Cláusula de receção automática semi-plena ou parcial que limita o
seu campo de aplicação a um setor material definido da normatividade
internacional, por exemplo tratados sobre direitos humanos ou comércio
internacional.

→ Não existe no DI, nem sequer no codificado Direitos dos Tratados, uma norma que
defina a forma ou o modo de incorporação interna.
Como ensina Miguel Galvão Telles “(...) os Estados têm o dever de assegurar o
respeito interno do direito internacional, mas é-lhes lícito, em primeiro lugar, escolher
o modo de o conseguir(...)”. Dito de outro modo: o DI, nomeadamente o princípio geral
pacta sunt servanda, é fonte de uma obrigação de resultado, a de respeitar e fazer
cumprir internamente a norma internacional vinculativa para o Estado. Como o fará,
se através da transformação ou da técnica da receção, é uma questão de
competência interna, exercida através da respetiva C. Liberdade de meios não
significa, contudo, equivalência dos modelos na óptica dos resultados exigidos.
Concretizamos: se um Estado, nos termos da Lei Fundamental, segue um modelo de
transformação ou de receção sob forte condicionalidade, que, na prática, protela e
dificulta a eficácia interna da norma internacional vinculativa, temos aí um problema
de violação das obrigações internacionais, gerador de eventual responsabilidade
internacional.

→ A resistência do sistema de transformação no Reino Unido e em Itália, em relação


a DI de fonte convencional, deve-se, sobretudo, a razões históricas. A generalidade
das Constituições adota o modelo de receção automática, seguindo uma tendência
de evolução favorável à relevância e autonomia do DI.

→ Mais complexa é a questão da relação recíproca de eficácia entre norma


internacional e norma interna. Qual o lugar da norma internacional na ordem
jurídica interna como parte integrante do direito aplicável? Como vimos, no plano
teórico da articulação sistemática entre Direito Internacional e Direito Interno, o
princípio é, naturalmente, o do primado do primeiro sobre o segundo. Uma digressão
pelo DC comparado permite concluir que, por força de uma cláusula expressa de
hierarquia ou, na sua ausência, resultando de uma prática institucional e da
jurisprudência constitucional, as soluções consagradas nem sempre se mostram
compatíveis com o princípio do primado do Direito Internacional. Assim acontece
quando os textos constitucionais colocam a norma internacional de fonte
convencional em posição de paridade ou de igualdade com a lei (modelo britânico,
italiano).
A modalidade mais comum é a que reconhece valor supralegal aos tratados, de tal
modo que a norma interna de grau infraconstitucional não a pode contrariar, alterar
ou revogar.
É esta a solução que, de modo claro, resulta da Constituição Portuguesa. A
prevalência da norma internacional de fonte pactícia pode ainda depender do seu
objeto, relativo, p.e, à proteção dos direitos humanos.

2. Tribunais internacionais e primado do DI:

→ A afirmação do princípio do primado do DI sobre o Dinterno ultrapassou a dimensão


teórica e algo idealizada da construção dogmática. A CVDT-I consagra o princípio do
primado no artigo 27 em relação aos tratados, com a exceção limitada e contida do
artigo 46. No que toca às normas internacionais de fonte não pactícia, não existe uma
positivação equivalente. Recorde-se, contudo, o preâmbulo da CNU que evoca o
empenho dos povos das Nações Unidas, ou seja, a comunidade internacional e os
membros que a compõem de garantir o “respeito das obrigações decorrentes dos
tratados e de outras fontes do direito internacional”.

Significado especial deve ser reconhecido à jurisprudência proferida pelos


tribunais internacionais que, de modo direto ou inferido, constrói o primado da
norma internacional com a evidência de um pressuposto sistêmico.
Numa passagem menos conhecida do aresto, o TJ reconduz a obrigação de aplicar
a norma comunitária, ainda que contrária à legislação interna posterior, ao princípio
da auto-limitação, à aceitação por parte dos Estados-membros de uma atribuição de
poderes em favor das Comunidades.

Outra diferença marcante entre o primado do DI e o primado da DUE reside nas


consequências jurídicas. O primeiro está “desarmado” em relação a uma eventual
recusa de garantir no plano do direito interno o cumprimento estrito das obrigações
internacionais. Já o DUE conta com meios jurídicos de efetivação do primado,
nomeadamente a ação por incumprimento contra os Estados-membros acusados de
violação das regras comunitárias, com a possibilidade de aplicação de sanções
pecuniárias, e mais importante ainda, o acesso dos particulares aos tribunais
nacionais que, como tribunais comuns do DUE e no respeito pelo princípio da lealdade
comunitária devem desaplicar a norma interna contrária se tal se revelar necessário
para garantir o exercício dos direitos dos particulares consagrados nas fontes euro
comunitárias.

3. Direito Internacional e tribunais nacionais: o efeito direto:


O efeito direto da norma internacional permite ao indivíduo - ou, de modo mais
concreto, ao particular, porque estamos a falar de uma situação que abrange pessoas
físicas e coletivas - a invocação da disposição normativa junto dos tribunais nacionais.
O efeito direto é, pois, sinônimo de invocabilidade contenciosa. O direito de ação
depende tanto da natureza da norma internacional em causa, exequível por si mesma,
fonte direta e suficiente de direitos para os particulares, como da existência de vias
processuais adequadas no foro doméstico.
A questão do efeito direto tem sido colocada a propósito da eficácia de tratados e de
atos unilaterais das organizações internacionais.

Se a norma internacional em causa se apresenta com uma formulação clara e precisa,


equivalente à da norma interna que é fonte de direitos para os particulares, não deve
ser a sua origem internacional a razão de excluir ou limitar a garantia fundamental de
tutela judicial.
Em primeiro lugar, a norma internacional, especialmente a que resulta da vontade
contratante dos Estados, produz efeitos jurídicos que ultrapassam a concepção
clássica de regulação de direitos e deveres dos Estados. Em segundo lugar, o
partcular, cidadão nacional das partes contratantes .ou cidadão de país terceiro,
adquire um estatuto de destinatário ativo e direto das normas internacionais,
dependendo, bem entendido, do enunciado preciso, claro e incondicional da norma
atributiva de direitos ou impositia de deveres.

4. Direito internacional e Direito interno: no espaço da normatividade global:

Existem questões ou aspectos do debate doutrinário que estão, importa dizê-lo,


ultrapassados. É o caso do primado do DI que ninguém contesta, pelo menos no
plano dos princípios de articulação sistemática. Sob esta perspetiva, a transformação
da sociedade internacional por efeito da globalização empurrou o DI para a idade
adulta, uma espécie de estádio superior de evolução.

→ A imagem proposta por Triepel de dois sistemas jurídicos que estão próximos, mas,
reproduzindo uma espécie de condenação divina, nunca se encontram, remete para
um passado do DI minimo e puramente interestadual. Um dos traços distintivos do DI
dos nossos dias é a sua vocação material expansiva e, potencialmente, exaustiva.

No espaço global da internormatividade:


coloca em rede e em comunicação aberta normas de fonte internacional, interna e,
no caso da UE, de fonte euro comunitária, importa definir os critérios relevantes de
articulação sistemática que, em caso de conflito, permitem definir a norma aplicável.
Na opinião da regente, são três os critérios a seguir:
1) Hierarquia - com prevalência das normas internacionais que beneficiem da
força normativa qualificada de ius cogens.
2) Competência - com remissão para o âmbito de aplicação das normas em
conflito; embora não existam propriamente matérias vedadas à regulação
internacional, importa sublinhar que, no caso das normas de fonte pactícia e a
dos atos das OI, a vinculação dos Estados não pode extravasar os limites do
seu consentimento: por mais importante que seja o regime material previsto no
tratado, este apenas obriga as partes contratantes; a decisão de uma
organização internacional - uma resolução do Conselho de Segurança ou da
AGNU, um regulamento do CUE - limita a esfera jurídica de ação dos Estados,
impõe deveres específicos de execução interna, se e na medida em que se
trate de um ato adotado nos limites da competência definida no tratado
imperativo.
3) Subsidiariedade - em áreas de sobreposição material, verificada a existência
de regimes normativos de fonte internacional e de fonte interna, ou regional,
que são incompatíveis, a preferência aplicativa, uma vez esgotadas as
soluções de interpretação conforme, deve garantir a eficácia das normas que
assegura uma proteção mais elevada dos valores ou interesses visados
pelo regime jurídico em causa.
Por outro lado, a subsidiariedade, como manifestação de um critério geral de
delimitação de competências entre diferentes níveis de decisão normativa e
aplicativa, deve, igualmente limitar a preferência pelo DI, e consequentemente a sua
prevalência, aos casos em que a resposta no plano nacional ou no plano regional não
seja suficiente para alcançar os objetivos definidos pela comunidade internacional. O
art 1 do Estatuto de Roma estabelece que a jurisdição do TPI “será complementar
das jurisdições penais internacionais”, característica que foi reproduzida no texto da
CRP (art 7 n6).
Secção II. A Constituição Portuguesa e a eficácia jurídica das normas
internacionais e euro comunitárias:

1. A Constituição Portuguesa e a abertura do Direito Internacional e ao


Direito da União Europeia:

→ A CRP de 76 é no que respeita à relação com o DI, no quadro do DC comparado,


um exemplo de abertura no ordenamento jurídico internacional e aos respetivos
valores fundamentais. Para adjetivar as características mais salientes do modelo
previsto na CRP, podemos dizer que é cosmopolita pelo reconhecimento dos
princípios e finalidades que regem as relações internacionais (art 7 e também o artigo
1 na parte que define Portugal “como uma república soberana, baseada na dignidade
da pessoa humana), é procedimental e diferenciador pela forma como especifica
as regras de incorporação e de eficácia das várias fontes do DI e do DUE (art 8). Em
vez de uma cláusula geral, a CRP contém cláusulas específicas. Uma terceira
característica, relacionada com a anterior, está ligada à expressão positivista e
exaustiva do enquadramento constitucional.

O texto do art 8 sofreu sucessivas alterações em revisões constitucionais que


introduziram novas cláusulas específicas: em 1982, foi aditado o n3, com o propósito
de adequar o texto constitucional do Direito Comunitário, antecipando os efeitos da
adesão que ocorreria em 1986; em 1989, foi ajustada a redação no n3 para o tornar
compatível com as obrigações do estado português no domínio da eficácia direta dos
atos comunitários; em 2004, foi acrescentado o n4, tendo como pano de fundo o
processo de ratificação da chamada constituição europeia que acabaria por ser
interrompido na sequência do abandono deste tratado europeu por decisão de todos
os estados-membros da UE.

→ O cunho marcadamente internacionalista da CRP de 76, a relação de amizade


que as disposições constitucionais fundamentam, tem subjacente um voto de
confiança quase irrestrita no DIP e no desenvolvimento virtuoso dos alicerces da
comunidade internacional como comunidade de Direito.
Encontramos no texto da CRP várias disposições que dão expressão normativa à
referida confiança na relevância paramétrica e, em certo sentido, exemplar no
DIP:, em especial:

a) A remissão para os princípios gerais e objetivos fundamentais que devem


orientar Portugal nas relações externas e que correspondem a uma visão
generosa dos fins das relações internacionais; a enunciação deste acervo
teleológico (art 7, n1, n2 e 3) deve ser objeto de uma interpretação atualista «,
no sentido de libertar o texto de uma redação excessivamente refém da retórica
dos meados dos anos 70 do século XX que não contempla, p.e, o princípio do
desenvolvimento sustentável e da proteção do ambiente definidos como metas
privilegiadas de cooperação entre os estados.
b) No domínio dos direitos fundamentais, o artigo 16 consagra duas soluções de
inequívoca abertura ao DI dos DH:
i) Os preceitos internos relativos aos direitos fundamentais, incluindo os
de escalão constitucional, devem ser interpretados e integrados “de harmonia
com a DUDH (art 16 n2)”.
ii) Em nome do princípio do nível mais elevado de proteção, os direitos
fundamentais consagrados e tipificados na CRP “não excluem quaisquer
outros constantes (...) das regras aplicáveis de direito internacional”

→ Várias disposições da CRP referem ou remetem expressamente para o DI (art 4)


e para o DUE (art 33). Fora a sua relevância na definição do regime normativa
aplicável ao domínio em causa, estes preceitos constitucionais avulsos concretizam
o objetivo constitucional de uma ordem jurídica cujos mecanismos de determinação
do DIreito aplicável funcionam em circuito aberto, em sistema de rede, com os
procedimentos normativos, substantivos e judiciais, das ordens jurídicas globais, de
âmbito universal ou regional. Não obstante a importância destas disposições, é o
artigo 8 que concentra a função de pórtico da Constituição, através do qual se
garante a entrada e a eficácia das normas internacionais e eurocomunitárias no
ordenamento português mediante a observância de certas condições, dependendo
do tipo de fonte, e eventualmente, do seu conteúdo. Acompanhando, neste ponto, a
generalidade da doutrina em Portugal, interpretamos o artigo 8 como a expressão
técnico-jurídica da opção constitucional por uma cláusula geral de recepção plena.

2. Incorporação e eficácia do DI e do DUE na ordem jurídica portuguesa:

A. Direito Internacional Geral ou Comum:


O art 8 n1 determina que as “normas e os princípios de direito internacional geral ou
comum fazem parte integrante do direito português”. O DI geral ou comum, sem
perder a sua natureza originária e própria de normativo internacional, é adotado pela
ordem jurídica que passa a integrar, de acordo com o sentido e a relevância normativa
que o ordenamento internacional lhe atribui e renova ao sabor de evolução ditada
pelas transformações da realidade internacional.

→ O que se deve entender por “direito internacional geral ou comum”? A expressão


abrangerá todas as normas e princípios de alcance geral, partilhados pela
comunidade internacional. Assim acontece com as normas de fontes costumeira e
os princípios gerais de direito, geralmente reconhecidos pelo direito interno dos
Estados e cuja função normativa resulta, de modo expresso, do artigo 38, n1, alínea
c), ETIJ.
Tendo por base a conceção internacionalista que inspira o art 8 da Constituição como
cláusula de recepção do DI, interpretamos esta disposição constitucional à luz de dois
critérios fundamentais:

- O artigo 8 funciona como uma cláusula de recepção plena que regula, de


modo diferenciado, a incorporação de toda e qualquer norma, acto ou princípio
de DI e DUE. (critério da exaustividade)
- Na relação entre os quatro números do art 8, n1 assiste uma função supletiva
que fundamenta a incorporação de normas ou princípios cuja natureza não se
adequa ao âmbito de abertura das cláusulas específicas do n2 ao 4. (critério
da supletividade)

Apoiado sobre os critérios enunciados, o raciocínio permite-nos ultrapassar as


lacunas que resultam da letra do preceito. Não nos parece que a solução ofereça
dificuldades em relação ao chamado costume regional, local ou bilateral, ao qual
o n1 do art 8 se deve considerar aplicável por efeito de interpretação extensiva,
teleológica e sistemática. Em relação aos atos unilaterais do Estado, dada a sua
reconhecida importância no enquadramento das relações inter-estaduais e a sua
repercussão no processo aplicativo e garantia de efetividade do DIG, a incorporação
dos seus efeitos na ordem jurídica portuguesa também se dá por via do n1 do artigo
8.

→ Como parte integrante do direito português, este segmento da normatividade


internacional produz efeitos jurídicos de forma direta, automática, sem precisar de
qualquer ato expresso de aceitação ou aprovação. A vinculação é imediata e
transversal. A obrigatoriedade do DIG ou comum envolve todas as entidades
públicas - legislador, tribunais, administrações públicas - e também as entidades
privadas. Em relação a um litígio concreto, sobre questões materialmente relevantes,
o direito aplicável abarca as normas e principios do direito internacional geral ou
comum, o qual, em caso de conflito, deverá prevalecer sobre o direito interno.

→ Falta no artigo 8 da CRP uma indicação expressa sobre a posição do DI - Geral,


convencional ou resultante de decisão das OI - na estrutura escalonada da ordem
jurídica portuguesa. A ausência de indicação expressa não significa, contudo, que
a CRP seja neutra sobre este ponto e que caiba apenas ao Juiz, designada mente no
TC, e à doutrina a definição da solução apropriada. Na verdade, a Constituição, no
próprio o art 8 e noutras disposições relevantes, contém indicações muito importantes
sobre a matéria. No caso que ora analisamos, o do DIG ou comum, estas normas e
principios gozam, como pressuposto básico, de relevância supraconstitucional ou
equivalente à força das normas constitucionais.
No caso de normas ou princípios ius cogens, sendo imperativos para todos os
estados, não podem ser contrariados ou derrogados pela Constituição.
As normas garantidoras da DUDH dotadas de força de ius cogens terão, em
coerência, relevância supraconstitucional, o art 16 n2, acaba por assegurar à DUDH,
no seu todo, função equivalente. A interpretação e a integração dos preceitos
constitucionais relativos aos direitos fundamentais está sujeita ao critério da
conformidade com a DUDH, pelo que o regime normativo previsto na declaração,
desde que mais favorável, deverá prevalecer sobre o regime inscrito na CRP.

Em relação a outros domínios da normatividade internacional, não concretamente


relacionados com a proteção da dignidade da pessoa humana, mas com natureza ius
cogens, a constituição deve ser interpretada no sentido da conciliação prática com os
valores funcionais da comunidade internacional.
O texto da CRP define, por regra, parâmetros muito generosos e favoráveis à
proteção dos valores universais da dignidade da pessoa humana e da garantia da
paz.

B. Direito Internacional Convencional:

→ O art 8 n2, define das condições de vigência interna e eficácia das normas de fonte
convencional em termos que, sendo diferentes do enunciado do n1, não deixam de
constituir o suporte textual de uma opção constitucional por uma cláusula de
recepção automática e plena.
A recepção é também automática, no sentido em que a norma convencional,
observados os pressupostos da sua vigência na ordem jurídica internacional e da sua
eficácia na ordem jurídica interna, vigora de modo automático, como norma
internacional, dispensando atos de intermediação ou conversão.
O art 8 n2 aplica a todas as convenções internacionais, tratados e acordos típicos de
natureza análoga - p.e memorandos de entendimento sobre programas de
financiamento a Estados e um vasto leque de formação concertada, de base
contratual, eventualmente informal, desde que seja possível demonstrar ou justificar
que estão em causa atos destinados a produzir efeitos jurídicos.
Já em relação às convenções internacionais celebradas por organizações
internacionais de que Portugal seja parte, o melhor entendimento será de considerar
a sua receção através do n3 do art 8. Como membro da organização internacional em
causa, nos termos previstos no respectivo tratado constitutivo, Portugal está
obrigado a aplicar as convenções internacionais celebradas pela organização
internacional. Esta vinculatividade, e os deveres associados de execução interna,
resultam do tratado institutivo, celebrado nos termos do art 8 n2, mas não dependem
do cumprimento das exigências específicas aplicáveis aos atos de fonte
convencional.

Em suma, em relação às convenções internacionais concluídas pelas OI pela Portugal


seja parte, a sua vigência na ordem jurídica portuguesa da conjugação da cláusula
de recepção do art 8, n2, que enquadram a aceitação por Portugal da capacidade
jurídica internacional em causa, com a cláusula de receção do n3 do art 8 que
determina a vigência automática e direta dos atos adotados pelas OI, incluindo a
aprovação de convenções internacionais.
→ Importa esclarecer o alcance do segmento final do n2 do art 8 quando refere
“enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.
A vigência interna da convenção internacional depende da sua vigência na ordem
jurídica internacional em condições tais que vinculem o Estado Português. Mesmo
que já tenham sido concluídos os procedimentos internos de celebração, o tratado ou
acordo só passa a produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa se, nos termos
definidos pela própria convenção ou no quadro supletivo que resulta da CVDT, já tiver
entrado em vigor na ordem jurídica internacional e, concretamente, em relação a
Portugal.
Vicissitudes várias no processo de vigência do tratado ou acordo podem fazer cessar
a vinculação do Estado Português. Assim, Portugal deixa de estar obrigado por um
tratado que caducou ou que deixou de cumprir um qualquer critério de vigência. Não
obstante, nada impede a vigência de legislação interna adotada na sequência da
celebração do tratado para garantir uma execução na ordem jurídica portuguesa.

→ No processo interno de celebração de convenções internacionais, podem ocorrer


irregularidades ou mesmo falhas graves que, na expressão conhecida no Direito
Internacional, tornam imperfeita a ratificação exigida. O art 8, n2, em função da sua
letra, parece fazer da ratificação perfeita (“convenções internacionais regularmente
ratificadas ou aprovadas”) um pressuposto fundamental na vigência interna da
respetiva convenção internacional.

O sentido adequado sobre o que sejam “convenções internacionais regularmente


ratificadas ou aprovadas” terá de ser encontrado mediante um exercício de
interpretação sistemática com o art 277, n2, CRP, cujo exato alcance impõe a devida
consideração do art 46 CVDT-I. Assim, em virtude do princípio pacta sunt servanda
que fundamenta o regime específico do art 46, o qual, por sua vez, inspirou a solução
heterodoxa do art 277, n2 CRP, apenas as inconstitucionalidades mais graves
ocorridas durante o procedimento de vinculação internacional podem ser
consideradas um obstáculo, nos termos do art 8, n2, à vigência interna da respectiva
convenção internacional.

Em rigor, o art 8 n2 apenas estabelece duas exigências à vigência interna da


convenção internacional por recepção automática: a publicação e a vigência
internacional. Tendo ocorrido ratificação ou aprovação, a recepção na ordem jurídica
portuguesa presume-se válida, salvo se o TC se pronunciar no sentido da
inconstitucionalidade.
→ Questão obrigatória, porque fundamental, na análise do artigo 8, n2, CRP é a
relativa à posição do DI convencional na estrutura escalonada da ordem jurídica
portuguesa. Apesar da audiência de um critério expresso de determinação da
relevância hierárquica das convenções internacionais, a CRP, interpretada no seu
todo, fornece indicações relativamente seguras sobre o sentido da resposta às duas
perguntas que, a este propósito, urge colocar:

a) pode a norma constante de uma convenção internacional prevalecer sobre a


CRP?
b) Pode uma norma interna, de grau legislativo ou regulamentar, alterar, revoga
ou suspender uma convenção internacional?

A - Uma norma internacional de fonte convencional não tem estatuto


supraconstitucional, nem equiparado ao da CRP. Tratados ou acordos, enquanto
fonte normativa, ocupam uma posição infraconstitucional. Em primeiro lugar, o Estado
portugues, quem o representa nas várias fases de vinculação externa, não deve
negociar, aprovar e ratificar convenções internacionais contrárias à CRP. Se tal se
verificar, a CRP é muito clara, designadamente no art 204, ao excluir a aplicação de
normas que infrinjam o disposto no texto constitucional. O princípio fundamental da
parametricidade máxima da CRP, e as consequências que lhe andam associadas,
também se aplica às convenções internacionais, antes da entrada em vigor e após a
entrada em vigor.
A eventual aplicação de uma convenção internacional ferida de inconstitucionalidade
orgânica ou formal, por força do art 277, n2, em nada limita ou contradiz a relevância
infraconstitucional dos compromissos pactos assumidos pelo Estado português.
A relevância infraconstitucional das convenções internacionais não inibe a
conveniência de uma interpretação das normas constitucionais em conformidade com
as convenções internacionais existentes sobre a matéria - qualquer norma
constitucional e não apenas as disposições relativas a direitos fundamentais.

B - Sobre este ponto, acompanhamos a generalidade da doutrina portuguesa que


aceita a posição intermédia da convenção internacional, um degrau abaixo da
COnstituição (valor infraconstitucional), mas um degrau acima do direito interno
ordinário, de fonte legislativa ou regulamentar (valor supralegal).

Entre os vários argumentos favoráveis à relevância supralegal das convenções


internacionais, tratados ou acordos, com prevalência sobre as normas legais e
infralegais, anteriores ou posteriores, destacamos:

- O princípio geral da boa fé e a sua concretização como princípio basilar do


Direito dos Tratados que faz integrante do direito português, através do art 8
n1, e impede o Estado Português de, por ato unilateral, violar ou limitar os
compromissos assumidos.
- Outro critério de ordem sistemática é o relativo aos efeitos da cláusula de
recepção automática e plena do art 8 n2 e da abertura internacionalista da
CRP, que se opõe a uma solução de eventual prevalência da norma interna.
- A expressão da parte final do artigo 8 n2, “enquanto vincularem
internacionalmente o Estado Português” é um elemento literal de peso, porque
toma como pressuposto que a vinculação existe e permanece enquanto tal se
verificar no plano internacional: se fosse mera condição de vigência da norma
internacional bastaria dizer “e desde que vinculem internacionalmente o estado
português”; por conseguinte, vicissitudes internas, como a aprovação de lei
interna contrária ou de efeito sucessivo, não afetarão a vigência prevalente da
norma internacional.
- também no campo dos argumentos literais, não será despiciendo o artigo 119
que elenca as convenções internacionais a seguir às leis constitucionais e
antes dos atos legislativos, tal como o artigo 280, n3, em relação às
convenções internacionais que tomam a dianteira.
- Maior significado terá o sistema de fiscalização da constitucionalidade que, nos
termos do art 70 n1, alínea i) da lei do TC admite recurso para o TC das
decisões dos tribunais “que recusem a aplicação de norma constante de ato
legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma convenção
internacional”, o que constitui uma modalidade de recurso de fiscalização
concreta baseada na ideia da autoridade paramétrica do DIC.

→ A eventual inconstitucionalidade da convenção internacional não afeta a sua


validade, ao contrário do que se verifica com a inconstitucionalidade das leis. A
consequência da desconformidade com a Lei Fundamental é a do desvalor
jurídico de ineficácia, pelo que a norma constante de tratado ou acordo internacional
contrária à CRP não pode ser aplicada pelos tribunais nos pleitos submetidos a
julgamento e pode ser objeto pelo TC de declaração de inconstitucionalidade com
força obrigatória geral, da qual resulta, o dever de desaplicação.

→ A desconformidade entre uma norma legislativa (ou infra legislativa) e uma


convenção internacional configura uma ilegalidade que não afeta a sua validade,
como determina o artigo 3, n3, CRP, para o vício da inconstitucionalidade das leis,
mas resulta em ineficácia, e consequente desaplicação, da norma legal contrária ao
pacto internacional.
C. Direito das OI:

→ Enxertado no artigo 8 com a revisão constitucional de 1982, a pensar em especial


no direito das comunidades europeias e nos efeitos da adesão, o n3 do artigo 8 visa,
em geral, “as normas emanadas dos órgãos competentes das OI de que Portugal seja
parte”. Com o aditamento dos n4 na revisão constitucional de 2004, especificamente
dedicado ao DUE, o n3 do art 8 não precisa, em princípio, de ser invocado em relação
a normas e atos do Direito da União, primário ou derivado, salvo se estiverem em
causa atos de perfil intergovernamental adotados com o objetivo de realizar a
construção e aprofundamento da união europeia, enquanto referência programática,
mas fora do quadro institucional específico da União Europeia tal como este está
definido nos Tratados institutivos.

A cláusula n. 3 do artigo 8 viabiliza a recepção automática dos atos adotados pelas


OI de que Portugal seja parte, com efeitos imediatos para os poderes públicos e para
os cidadãos, porque se trata de direito que passa a integrar o ordenamento jurídico
português. A letra do preceito refere “as normas”, mas importa, à luz de considerações
imperiosas sobre a efetividade plena do direito resultante da ação das instituições
internacionais, alargar o conceito a outros atos, jurisdicionais ou administrativos,
dotados de eficácia jurídica - p.e resoluções do conselho de segurança e,
eventualmente da AGNU; sentenças do TIJ ou do TEDH.

A aplicabilidade direta e imediata dos atos jurídicos das OI’s sem mediação do
ato interno de receção ou de transposição, fica dependente da verificação de duas
condições:

- Que os atos em causa tenham sido adotados pelos órgãos competentes das
OI;
- Que a vigência direta e automática na ordem jurídica dos Estados membros se
encontre estabelecida nos respectivos tratados institutivos.

O controlo sobre o grau de observância destas duas exigências coloca vários


problemas, cuja solução reclama uma ponderação entre, por um lado, o objetivo
“facilitador” subjacente à cláusula de recepção automática e, por outro lado, a reserva
constitucional sobre os limites fictícios ao âmbito da autoridade normativa das OI’s.
Admitimos que exista uma presunção favorável à validade do ato normativo da OI,
sem prejuízo do direito de acionar os competentes meios processuais de verificação
da validade. No caso de tais mecanismos existirem no seio da própria OI, as eventuais
questões de validade devem aí ser suscitadas. Se tais mecanismos não existirem ou
forem insuficientes, não podemos descartar o recurso aos tribunais nacionais.
Considere-se o exemplo das resoluções aprovadas pelo Conselho da SNU no âmbito
da chamada luta contra o terrorismo. Com base em informações obtidas pelos
serviços secretos, fornecidas pelas autoridades nacionais sob reserva de total
confidencialidade, o CSNU aprovou listas de nomes de pessoas, suspeitas de
atividade terroristas e de apoio ao terrorismo. Com fundamento neste juízo de
suspeição, estas pessoas ficaram sujeitas a sanções de diversa natureza, como a
proibição de viajar, o congelamento de bens e contas bancárias. Em Portugal, estas
resoluções, aplicativas das chamadas “smart sanctions” ou sanções seletivas, tiveram
aplicação automática, através do art 8 n3. Da sua aplicação, resultaram restrições
para os direitos fundamentais das pessoas visadas.

→ No que toca à relação entre os atos jurídicos das OI’s, diretamente aplicáveis em
virtude do art 8 n3, o DIG ou comum, por um lado, e o Direito convencional, por outro
lado, importa distinguir: em primeiro lugar, deve ser tentada a solução da
interpretação conciliatória, a interpretação do ato jurídico da OI de harmonia com o
Direito internacional vincula o Estado português; de seguida, se for inviável a solução
hermenêutica, o critério operativo terá de passar pelo reconhecimento da prevalência
da norma ou principio do DIG ou comum sobre o ato jurídica da OI.
Já no caso de colisão entre norma convencional e norma adotada pelos órgãos
competentes da OI de que Portugal seja parte, estaremos perante uma situação de
conflito entre obrigações resultantes de convenções internacionais distintas que
vinculam o Estado Português.
A norma adotada pela OI tem por fundamento a regra habilitadora do tratado
constitutivo, representa um estádio superior de institucionalização das relações
internacionais e deve, por isso, prevalecer sobre outras obrigações fictícias, sem
prejuízo da eventual responsabilidade internacional.

D. Direito da União Europeia:

→ Desde a primeira revisão constitucional de 1982, que introduziu o art n3 até à sexta
revisão de 2004, que aditou o n4 ao art 8, a CRP converteu-se numa espécie de “obra
em construção” por imposição europeia. É amplo, generoso e suficiente o grau de
abertura consentido pelo texto constitucional, sucessivamente modificado e retocado,
às exigências do primado e da eficácia direta no quadro da articulação entre a ordem
jurídica portuguesa e a ordem jurídica da UE.

De acordo com o art 8 n4, as disposições dos tratados que regem a UE (direito
primário) e as normas (entenda-se todos os atos jurídicos) emanadas das suas
disposições no exercício das suas competências, são aplicáveis na ordem interna,
nos termos definidos pelo direito da UE.
Sem falar em primado, aplicabilidade direta ou efeito direto - opção constitucional que
se aplaude - o art 8 n4, fundamenta a eficácia direta das normas e atos juridicos
da UE nas suas várias dimensões de intersecção com a ordem juridica portuguesa:
1) a norma eurocomunitária prevalece sobre a norma interna em situação de
colisão com a norma interna; 2) a norma eurocomunitária é diretamente
aplicável, como acontece com o regulamento e passa a vigorar na ordem juridica
portuguesa assim que se inicia a sua vigência na ordem juridica da UE, com exlcusão
de atos internos de receção ou transposição; 3) a norma eurocomunitária, verificados
os pressupsotos do efeito direto, designdadamente a sua natureza clara, precisa e
incondicional, é fonte de direitos e deveres para os particulares que a podem invocar
junto dos tribunais nacionais no âmbito de litigos em que são parte.

O art 8 n4, da corpo a uma cláusula de recepção automática e plena no seu grau
máximo, mas, note-se que sujeita à dupla condição de tal se verificar “nos termos
definidos pelo direito da União” e de as normas emanadas das suas instituições o
serem “o exercício das respetivas competências”, com a importantíssima ressalva do
“respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

A fórmula “nos termos definidos pelo direito da União” é suficientemente vaga para
consentir o primado, ainda que este não esteja previsto nos tratados institutivos. No
que toca à intangibilidade dos "princípios fundamentais do Estado de direito
democrático”, devemos precisar o seu conteúdo e identificar, na medida do possível,
as eventuais consequências práticas. Este exercício de interpretação do art 8 n4,
obriga-nos a uma viagem fora do texto que nos leva a outras disposições da Lei
fundamental e nos conduz ao encontro da doutrina jurisprudencial do Tribunal de
Justiça, incluindo a mais recente, sobre o primado e os efeitos do primado do Direito
da União.

→ A verdadeira "cláusula europeia” da CRP, no sentido que lhe atribuímos de


cláusula de aceitação de limitações à soberania em função dos objetivos da
construção europeia, encontra-se no art 7, n6, oferecido pela revisão de 1992 que
abriu a porta constitucional à nova entidade criada pelo Tratado de Maastricht, a União
Europeia e às suas particulares exigências de integração política e econômica.

Dos vários limites previstos pelo art 7 n6 ao âmbito de vinculação europeia do Estado
português, destacamos dois:
1 - o primeiro de recorte substantivo, refere-se ao "respeito pelos principios
fundamentais do Estado de direito democrático”, formulação que o art 8 n4, retoma;
2 - o segundo de recorte procedimental, prende-se com a aceitação das limitações
de soberania; a atribuição de poderes necessários aos órgãos da UE, com vista ao
seu exercício em comum ou em cooperação, será convencionada, o que, nos termos
do art 161 alínea i) exigirá a forma de tratado solene.

→ A explicitação da exigência do primado pelo n 4 do art 8 não sendo estritamente


necessária, pois já decorria da articulação do art 8 n 3 com o art 7 n6, tem contudo a
inegável vantagem da clarificação constitucional sobre matéria tão importante,
designadamente na parte em que impõe como limite o respeito pelos principios
fundamentais do Estado de direito democrático.
Note-se que o próprio Tratado da UE, no art 4 n2, obriga a UE a respeitar a
“identidade nacional” dos Estados-membros, “refletida nas estruturas políticas e
constitucionais fundamentais de cada um deles”. Esta é uma disposição de relevância
crucial que, finalmente, proporciona respaldo positivo a uma visão que há muito
defendemos sobre o fundamento jurídico do primado e a sua exata repercussão na
relação com as C dos estados-membros.

Note-se que a C funciona em relação ao primado com um duplo efeito:


1 - efeito habilitador ou legitimador, relativo à atribuição de competências
necessárias à construção da UE;
2 - efeito limitador ou de reserva.

A contradição entre ambos é meramente aparente. O âmbito de habilitação não pode


extravasar os limites imanentes à garantia do Estado de Direito. A ideia é simples nos
seus pressupostos e firme nas respetivas consequências jurídicas: como o delegante
está impedido de permitir o que a ele próprio a lei proíbe, também os estados de
direito não podem atribuir competências à UE que, em si mesmas ou em resultado do
seu exercício abusivo, violem os principios nucleares de configuração do sistema
democrático e de proteção dos direitos fundamentais, ou seja, os principios
fundamentais do Estado de direito democrático.

→ O art 8 n4, não pode, na opinião da regente, ser considerado como uma
autorização constitucional para violar e ignorar a lei fundamental, autorização
supostamente dada pela própria constituição - uma espécie de cláusula de suicidio
constitucional. O art 8 n4, não tem esse alcance temerário, porque em termos jurídico-
constitucionais seria incompatível com a própria ideia de constituição.
Afortunadamente, nem na perspetiva jurídico-comunitária, o problema se coloca
nessa versão simplista. O primado do DUE na sua dimensão formal de exigência
absoluta e incondicional de prevalência da norma comunitária, do direito primário ou
derivado, sobre qualquer norma interna, de estalão constitucional ou
infracosntitucional, corresponde a uma fase pioneira, claramente ultrapassada,
porque desncessária, de afirmação do direito de integração.

→ O que acontece se uma norma prevista num regulamento do Conselho e do


parlamento europeu for contrária a uma convenção internacional ou, de algum modo,
excluir a eficácia normativa de decisão adotada por uma OI? Embora o art 8 não
consagre um critério expresso de hierarquia, o seu n4, relativo ao DUE, ao remeter
para os termos definidos na ordem jurídica euro comunitária, indica, de modo claro,
que a prevalência estará do lado da norma euro comunitária, de direito primário
ou direito derivado.

Os tribunais nacionais devem garantir esta prevalência, resolvendo o litígio concreto


com base na norma de DUE. As normas contrárias de DI ficam paralisadas na sua
eficácia jurídica, o que não afetará a sua vigência e aplicação em casos futuros que
não envolvam a norma euro comunitária prevalecente.
Do seu lado, o TC, em sede de fiscalização sucessiva abstracta da
constitucionalidade, se confrontado com dúvidas de interpretação de normas da CRP
sobre matérias reguladas por normas internacionais e normas do DUE, deve, por
força do art 8 n4 e do princípio da cooperação leal (art 4 n3, TUE), procurar dentro
dos limites razoáveis de determinação hermenêutica, o sentido da norma
constitucional que se mostre mais adequado à garantia da eficácia plena da regra
euro comunitária. No caso de dúvidas pertinentes sobre o exato alcance,
eventualmente a validade se for direito derivado, da norma euro comunitária em
causa, deve acionar o mecanismo das questões prejudiciais e confiar no diálogo com
o TJUE.

Nota das aulas - a regente sempre defendeu que o primado não tem um fundamento
hierárquico e que o primado não é absoluto e incondidcional mas resulta do respeito
pelo princípio da competência e que cabe em última análise ao FC fazer essa
verificação. - não é a posição maioritária na doutrina portuguesa.
PARTE II - Ordem jurídica global do século XXI:
Sujeitos:

Breve apresentação:

A passagem do dogma do DI enquanto um Direito de Estados para um projeto


crescentemente antropocêntrico, especialmente preocupado com o papel do
indivíduo enquanto sujeito ativo e passivo de DI, constitui, porventura, uma das
maiores revoluções do DI.
Os resultados de uma tal revolução são tangíveis e traduzem-se, desde logo, na
personificação de um número crescente de “novas” entidades que reivindicam a
sua relevância enquanto sujeitos de Direito.

Secção I:
Subjetividade Internacional no Século XXI:

O Estado e os Outros: quem é quem no Direito Internacional:

1. Personalidade jurídica de Direito Internacional: uma noção clássica que


se renova

1.1 O conceito de sujeito de Direito Internacional:

No direito interno, a noção de personalidade jurídica define-se como a


suscetibilidade de ser titular de direitos, estar vinculado por obrigações ou, de outro
modo, contar como sujeito de situações jurídicas. Segundo a conhecida fórmula
cunhada por Manuel de Andrade, é a idoneidade ou aptidão para receber - para ser
centro de imputação deles - efeitos jurídicos (constituição, modificação ou extinção
de relações jurídicas).
Pressuposta a personalidade jurídica, como atributo inato (pessoas singulares), a
capacidade jurídica traduz a medida ou o conjunto dos direitos e deveres que
integram a esfera jurídica de atuação de certo sujeito jurídico, à luz do direito aplicável.
A primeira, a personalidade jurídica, é a possibilidade abstrata e aberta de ser
sujeito de relações jurídicas.
A segunda, a capacidade jurídica, é a possibilidade concretizada, definida no
tempo e no espaço pelo direito aplicável, de ser titular de direitos ou sujeito de
quaisquer outras relações jurídicas. Desta se distingue a capacidade jurídica de
exercício ou capacidade para agir que se define como a idoneidade ou aptidão para,
por ato próprio ou através da representação legal, exercer direitos e cumprir deveres.
No DI, a exigência de adaptação já foi há muito referenciada e superado quando os
conceitos de personalidade jurídica e capacidade jurídica, pensados para a pessoa
física, tiveram de se adequar à personalidade coletiva de direito privado, e mais tarde,
à personalidade coletivas de direito público, nas suas encarnações múltiplas. A
personalidade jurídica dos entes coletivos é, na sua origem e razão de ser, mais uma
construção ficcional, descarnada de suporte físico, psicológico ou volitivo.

No DI, a referida dimensão ficcional ou pressuposta da personalidade jurídica é


aproveitada para fundamentar uma abordagem mais flexibilizadora, menos formalista,
que no limite abre caminho a um raciocínio de princípio favorável à qualificação como
sujeito jurídico.
Como veremos, existem várias entidades que se movem no limbo do “poder ser” (vg.
ONG, empresas multinacionais) e em relação às quais é legítima a interrogação sobre
as vantagens da flexibilidade em detrimento da segurança jurídica. Na verdade, o
reconhecimento em caso de fundada dúvida pode nem sequer garantir um objetivo
prático quando a entidade em causa goze de personalidade jurídica interna. Uma
visão excessivamente abrangente dos limites da personalidade jurídica internacional
não atende aos efeitos potenciados pela internormatividade, por via de articulação e
complementaridade funcional entre a ordem jurídica internacional e as ordens
jurídicas dos Estados.

A subjetividade internacional assenta, pois, numa aceção clássica de personalidade


jurídica entendida esta como a suscetibilidade- ou possibilidade abstrata e aberta -
de ser titular de direitos e estar sujeito a deveres decorrentes, tais direitos e tais
deveres, de normas de DI.

—> A dificuldade em determinar quem é sujeito de DI não põe em causa o caráter


adquirido desta noção clássica de personalidade jurídica. O problema está em
avaliar se outras entidades, para além do Estado, poderão ser consideradas
sujeitos, porque de modo circunstancial ou meramente utilitário são admitidas a
exercer direitos ou obrigadas a cumprir deveres no quadro das relações jurídico-
internacionais.

1.2 Os Estados e os outros:

O Estado soberano é o sujeito originário de DI.


Recorde-se que a génese e a afirmação do DI acompanhou a transição da ordem
medieval das entidades de senhorio feudal para o estado moderno, independente e
igual, definitivamente consagrado na Paz de Vestefália (1648).

O Estado soberano é o sujeito-matriz do DI, equivalente mutatis mutandis ao


indivíduo na ordem jurídica interna. O Estado soberano estará em condições de
desenvolver todos os atributos tradicionalmente associados à personalidade jurídica,
exercer todos os direitos e cumprir todos os deveres que o Direito Internacional
enquadra. O Estado beneficia de uma personalidade jurídica plena (“full legal
personality”), o que significa que só o Estado na ordem jurídica internacional poderá
exercer todos os direitos e estar sujeito a todos os deveres. Mas também esta
asserção não é ilimitada, pois existem direitos e deveres que não se adequam à
esfera estadual.
Mais: o DI dos direitos do homem reconhece direitos à pessoa humana como garantia
contra o Estado.

Os outros sujeitos de Direito Internacional são, no plano histórico e no plano


normativo, uma derivação por adaptação do Estado, limitados no jogo das relações
jurídico-internacionais aos direitos e deveres que lhe são expressamente atribuídos
pela norma internacional e\ou que se revelam adequados à respetiva subjetividade
funciona.
Os sujeitos não estaduais, incluindo as OI e o indivíduo, em clara oposição à
personalidade jurídica plena do Estado, estão, em graus diferentes de restrições,
dependentes de uma personalidade jurídica funcional que limita a respetiva
capacidade jurídica de agir na ordem internacional.

Em DI, a capacidade jurídica de exercício varia em função do sujeito e de fatores


políticos-ideológicos. No caso, p.e, das OI a sua aptidão para agir no cenário
internacional depende do respetivo ato institutivo, completado pela prática
institucional.

Já em relação ao indivíduo, titular de um alargado conjunto de direitos previstos nos


instrumentos universais e regionais sobre direitos humanos, verifica-se que tem um
acesso muito limitado aos meios judiciais ou processuais de invocação de tais direitos
em situações de violação.
Não, é, contudo uniforme esta (in)capacidade de agir: na Europa, no quadro do
Conselho da Europa e da UE, os particulares, pessoas físicas ou coletivas, têm
acesso ao TEDH e ao TJUE, ao passo que noutras regiões do mundo esse acesso
aos tribunais transnacionais ou é limitado ou é inexistente.

—> Mesmo no período em que o Estado beneficiou do estatuto de sujeito único de


Direito Internacional, consequência associada ao modelo desenhado pela Paz de
Vestefália, outras entidades emergiam como sujeitos atípicos. Ex: Santa Sé, com a
qual as potências católicas celebravam acordos (“concordatas”).

—> Uma outra distinção importa considerar entre personalidade jurídica interna (ou
de direito interno) e personalidade jurídica internacional (ou de direito internacional).
A primeira não implica, de modo automático, a segunda. E o mesmo é válido quando
avaliamos a relação do “poder ser” em DI e do “poder ser” em Direito interno. Os
tratados institutivos da UE acolhem uma solução que torna patente esta existência
jurídica em dois planos diferentes a funcionar paralelamente.
O art 47 do Tratado da UE estabelece: “A união tem personalidade juridica”. A
disposição, lastreia a personalidade jurídica da UE no domínio da ordem jurídica euro
comunitária e da ordem jurídica internacional.

1.3 Sujeitos e atores. O instituto do reconhecimento:

Ter ou não ter personalidade jurídica não é uma questão formal ou de mera
adequação qualificativa no universo ampliado dos sujeitos de Direito internacional. O
problema tem notáveis implicações práticas: saber se a ONU poderia apresentar uma
reclamação internacional contra um Estado alegadamente responsável pela morte de
um representante da Organização enviado para a Palestina com funções de
mediador.
Um dos aspetos mais sensíveis é o da responsabilidade internacional: as normas
internacionais não podem exigir responsabilidade a uma entidade que, à luz do DI,
não seja reconhecida como sujeito. Admite-se a mera imposição de deveres pela
norma internacional poder ser interpretada como indício suficiente de “poder ser” em
DI. A personalidade jurídica funciona, por estas razões, como uma condição prévia e
necessária da atuação jurídica. No entanto, a sua relevância ultrapassa largamente o
plano jurídico.
No DI, o reconhecimento de sujeitos é, no essencial, uma questão política. Com
um duplo alcance:
- certifica a sua legitimidade enquanto grupo;
- garante a respetiva autonomia de decisão contra eventuais interferências de
terceiros.
Esta dupla componente política funciona em relação aos estados, mas é em relação
aos sujeitos atípicos que se verifica um risco maior de instrumentalização política,
decerto perigoso quando desafia critérios básicos de qualificação jurídica.

—> No estádio atual da evolução de DI, será adequado definir a personalidade


jurídica como um conjunto de direitos, obrigações e competências, com
fundamento em normas internacionais e cuja concretização prática pode,
eventualmente, convocar mecanismos de direitos estadual, maxime tribunais
nacionais, no âmbito da relação de complementaridade entre DI e Direito
interno.

A existência de uma atuação pretérita (v.g a celebração de um convénio, a


participação em negociações do foro internacional) torna-se um elemento decisivo na
fase do reconhecimento de eficácia constitutiva.

—> o reconhecimento é um ato unilateral, de natureza discricionária, através do


qual o governo de um estado ou o órgão representativo de uma organização
internacional exprimem o seu acordo relativamente à existência de um novo
sujeito de DI. Considerando inadequado ao indivíduo e desnecessário em relação às
OI de âmbito parauniversal, o reconhecimento mesmo que a sua eficácia seja apenas
declarativa, facilita o normal desenvolvimento das relações internacionais. O
assentimento dos que formam a comunidade internacional - ou pelo menos, de uma
larga maioria - é uma garantia de legitimação para o novo membro que nela
pretendem participar.

O reconhecimento quanto ao modo de o praticar:


Pode ser expresso - mediante ato formal que o visa comunicar ao reconhecido, e,
indiretamente, à comunidade internacional (p.e: declaração pública de congratulação
pela declaração de independência)
Ou pode ser implícito - quando a vontade de reconhecimento é suscetível de ser
inferida, com razoável certeza, de uma ou várias condutas concordantes (v.g tratado
bilateral celebrado com o novo estado, em contrapartida, entende-se, justamente que
a adesão a um tratado multilateral em que participa o estado não reconhecido será
insuficiente como reconhecimento).

No que respeita aos efeitos do reconhecimento:


A doutrina ensina que, relativamente à sua reversibilidade, temos o reconhecimento
de iure (definitivo e tendencialmente irrevogável) e o reconhecimento de facto
(provisório e revogável).

Ainda sob o ângulo dos efeitos, cabe distinguir entre o reconhecimento declarativo,
por um lado, e o reconhecimento constitutivo, por outro lado:

Declarativo - limita-se a certificar e admitir a realidade jurídica do sujeito que,


presume-se, existir por si. A teoria declarativa do reconhecimento do Estado tratado
este ato como uma merda formalidade.
A Convenção de Montevidéu sobre Direitos e Deveres dos Estados (1933) consagra
a teoria declarativa do reconhecimento (art 3), depois de definir os elementos
formativos da estadualidade (art 1). Não confundir este aspeto com a suprema
importância do reconhecimento no plano político para a integração internacional do
novo estado.

A teoria declarativa tem a vantagem de ser (ou parecer) menos permeável aos juízos
políticos sobre a existência de um novo estado. Em princípio, uma vez preenchidos
os requisitos da estadualidade, o Estado adquire o estatuto de sujeito estadual.

Constitutivo - Alimentado pela corrente positivista do DI, que sob este ponto
previsíveis uma abordagem mais realista e menos institucional da comunidade
internacional, o ato de reconhecimento é condition sine qua non de possibilidade de
uma determinada entidade exercer, no todo ou em parte, os direitos, deveres e
competências que integram o núcleo formador da subjetividade internacional.
—> Relacionada com esta contraposição entre conhecimento declarativo e
constitutivo estará a teoria da personalidade jurídica objetiva, por um lado, e a
personalidade jurídica relativa, por outro lado: aos Estados por mor do princípios da
igualdade soberana, expressamente enunciado pelo art 2, n1, da CNU, assiste uma
personalidade objetiva, oponível aos demais Estados e devia sujeitos. Por oposição
os outros sujeitos de DI estarão limitados por uma personalidade jurídica relativa, por
isso dependentes de uma conduta expressa ou indiciária de reconhecimento.

Notas das aulas:

Os sujeitos - são titulares de direitos e deveres que decorrem da OJ internacional.


Atores- são entidades que têm influencia, visibilidade,pacto naquilo que acontece
internacionalmente mas não têm esse estatuto jurídico
Ex: as ONG, na opinião da regente, dificilmente podem ser consideradas sujeitos
internacionais. Têm cada vez mais visibilidade mas não têm estatuto jurídico.
E o mesmo se pode aplicar às empresas internacionais (amazon, apple…) têm uma atuação
transnacional.

2. Conteúdos típicos da subjetividade internacional - em particular, o


Estado.

2.1 Aspetos introdutórios:

NO DIP Clássico, segundo o modelo vestefaliano de Estados soberanos, a


personalidade jurídica internacional envolvia três atributos fundamentais e incidirá de
caracterização do âmbito de intervenção do Estado na vida internacional:

- ius tractum (direito de celebração de tratados e acordos internacionais);


- Ius legationis (direito ao estabelecimento de relações diplomáticas e
consulares);
- Ius belli (direito de fazer a guerra)

—> Estas prerrogativas, de base consuetudinária, evoluíram no sentido do seu


enquadramento e limitação por via da vontade dos Estados.
No caso do direito de fazer a guerra, deixou mesmo de ser um direito, em virtude da
CNU, inibido pelo princípio da proibição do uso da força, do qual apenas subsiste uma
modalidade defensiva (legítima defesa do art 51) ou de segurança coletiva.

A era dos direitos, suprema maniofestação da soberania absoluta e incondicional, deu


lugar a uma conceção que associa aos dirietos a vinculação ao cumprimento de
deveres, sob formulação negativa (vg. Não utilização da força) ou sob formulação
positiva (v.g dever de pagamento de indemnização)

—> As três manifestações clássicas que nasceram sob o signo do Estado e até
adaptáveis a outros sujeitos internacionais de matriz institucional, como é o caso das
OI; em contrapartida, o estatuto jurídico-internacional do indivíduo não é
compaginável com este quadro tradicional. Como destinatário das normas
internacionais, o indivíduo exerce direitos (v.g reclamação internacional, seja
através do acesso aos tribunais internacionais quando permitido, ou do acesso a
instâncias administrativas, exercendo direitos procedimentais de audição e
participação) e está sujeito a deveres.

A participação e a intervenção do Estado nas relações internacionais não se confina


ao tríptico funcional (ius tractum, ius legationis, ius belli), ainda que restaurando à luz
dos preceitos coevos da legalidade internacional. Também os Estados têm ao seu
dispor um leque mais vasto de possibilidades jurídicas de atuação internacional, no
qual destacamos o direito de participação em instâncias internacionais, de discussões
de questões técnicas que influenciam diretamente os processos de formação do DI.

—> Especificamente, sobre o direito de reclamação internacional, o art 34 n1, do ETIJ,


reserva o direito de pleitear aos Estados, o que se explica no contexto do TIJ cujo
acesso apenas é franqueado aos Estados. O direito de reclamação internacional não
se esgota no direito de recurso aos tribunais.
Por outro lado, o direito de reclamação internacional, nesta dupla vertente judicial e
não judicial, é uma expressão fundamental da condição de outros sujeitos
internacionais, como acontece com as OI, nos termos dos respetivos tratados
institutivos e, em especial, com o indivíduo.
A eficácia garantidora das normas de proclamação dos direitos do homem passa,
justamente, pela possibilidade de o indivíduo fazer valer os seus direitos no quadro
das instâncias normativas.

2.2 Elementos constitutivos da estadualidade:

O Estado é a organização de GOV de uma determinada comunidade territorial. Esta


organização de GOV também se encontra em entidades como regiões autónomas e
estados federados.
O que individualiza, então, o estado enquanto sujeito de DI é hoje - como foi no
passado - a natureza soberana dos poderes de GOV que exerce.
O conceito de soberania, renovado pelo influxo do dever normativo de fonte
internacional e, principalmente, pela experiência-piloto que representa a construção
jurídica da integração europeia, seja no quadro da UE seja no âmbito mais alargado
da garantia judicial da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, não se identifica
tanto com um aglomerado de poderes tipificados mas antes com um atributo de
vontade: a de resistir a imposições externas e a de aceitar, livremente, modalidades
de decisão supra estadual.

Expressão das “competências das competências”, definimos soberania como o


poder político de determinação primária das formas de organização e de
representação da comunidade política, incluindo a definição dos meios e
procedimentos de exercício dos correlativos poderes de autoridade.

Conforme determina o art 2, n1 da CNU, verdadeiro estatuto jurídico fundamental da


comunidade internacional, a organização “é baseado no princípio da igualdade
soberana de todos os seus membros”.
Não se trata de pretender para os Estados um estatuto de soberania absoluta e
incondicional. O preceito da Carta coloca a devida ênfase na ideia de igualdade
soberana. Um estado é independente na exata medida em que o DI lhe reconhece o
direito de exercer a plenitude das suas competências, internas e externas, nos
mesmos termos que os outros Estados são admitidos a fazê-lo.

“O Estado, como pessoa de Direito Internacional, deve reunir os seguintes


requisitos:
A) População permanente
B) Território determinado
C) Governo
D) Capacidade de entrar em relação com os demais Estados”

Assinada na capital do Uruguai em 26 de dezembro de 1933, a Convenção de


Montevideu entrou em vigor no ano seguinte. Não foi assinada ou ratificada por
Portugal, mas a generalidade da doutrina admite que as disposições desta
convenção, concretamente o citado artigo 1, têm relevância de direito costumeiro.

Os quatro critérios são de verificação cumulativa. Não obstante a falta temporária


de um deles não tem o efeito automático de privar o Estado de personalidade
internacional.

2.2.1 População permanente:

Uma população que seja permanente no sentido de contribuir uma comunidade


humana estável, eventualmente formada por grupos nómadas, que por razões
históricas, se deslocam entre territórios de Estados diferentes, como se verifica com
tribos que, tradicionalmente, vivem entre o Quénia e a Etiópia.
O número de pessoas que fazem parte da população de um Estado não afeta, em
princípio, a sua aptidão de Estado. Nauru, um pequeno Estado insular do pacifico não
ultrapassa os 7000 habitantes.

Na perspetiva do DI, a população não tem de ser homogénea, nem corresponder à


noção histórica de nação sem sequer à noção político-constitucional de povo. O
requisito da população permanente ou estável refere-se ao conjunto de indivíduos
que residem (ou se deslocam) no território. A questão da natureza destes indivíduos
- nacionais ou estrangeiros - integra uma competência soberana do Estado, o da
determinação dos seus próprios nacionais, que deve ser regulada pelo novo Estado.
Em suma, a qualificação dos nacionais é uma consequência e não um requisito
próprio da estadualidade.

2.2.2 O território determinado:

Sem território não existe Estado. A noção internacionalmente relevante de território


engloba, para além da parte terrestre, o marítimo sob jurisdição estadual. Não se
impõe uma extensão territorial mínima (o Mónaco ocupa um pequeno rochedo com
menos de 2km2), mas como veremos, a exiguidade do território pode afetar as
funções típicas de estadualidade.

A exigência de um território determinado refere-se a um núcleo territorial definido


(“core territory”), mesmo que uma parte, menor ou maior, das suas fronteiras seu
objeto de disputa. Pensemos no caso de Israel: admitido nas NU em 1949, continua
por definir o traçado das suas fronteiras, contestadas pelos Estados vizinhos árabes
e pelos representantes do povo da Palestina cujo direito a um estado independente,
reconhecido pelas NU, se mantém no limbo da incerteza.

2.2.3 Governo efetivo:

Embora o texto da convenção de Montevidéu não use o adjetivo “efetivo”, a doutrina


tende a considerar como necessário um governo que esteja em condições de garantir
a ordem e a aplicação da lei no respetivo território.
Situações especiais são admitidas de governos no exílio, impossibilitados de exercer
um controlo efetivo, ou lapsos de tempo mais ou menos prolongados de guerra civil,
anarquia ou ocupação estrangeira que não permite, no todo ou em parte, ao governo
o desempenho das respetivas funções.
A regente afirma que parece importante separar, na medida do possível dois planos
de análise: por um lado, a capacidade de um governo para garantir a ordem e a lei no
respetivo território (condição de existência do Estado), e por outro lado, a legitimidade
e sobretudo a prática de um tal governo no exercício do poder.
Governos autocráticos e sanguinários (infelizmente, são muitos os exemplos,
passados e presentes) não afetam a existência internacional do Estado em causa.

2.2.4 Capacidade para estabelecer relações internacionais:

A capacidade de entrar em relação com os demais Estados (interprete-se com os


demais sujeitos internacionais), através da celebração de tratados internacionais e
outros meios de estabelecimento da relação jurídico-internacional, pressupõe que a
entidade em causa seja independente. Neste sentido, uma tal capacidade revela-se
mais como uma consequência da estabilidade do que um dos seus regimes. A
relevância sobrevivente do critério serviria para explicar a situações os estados
integrantes de uma federação, impedidos de estabelecer relações internacionais.

A capacidade para estabelecer relações internacionais depende, como vimos , de


natureza independente do Estado. Será mais fácil perceber o que está em causa se
pensarmos na formação pela negativa: um Estado não é independente se e quando
as suas decisões são tomadas - ou determinantemente influenciadas - por outros
Estados ou quaisquer outros centros de decisão exteriores ao respectivo governo.
Não basta a independência formal.
Quando se coloca a propósito do grau efetivo de independência da decisão de um
determinado Estado, cabe à comunidade internacional no seu todo (p.e, se o
problema for suscitado com o pedido de adesão às NU), ou a cada um dos Estados,
avaliar a consistência e suficiência dos indícios da independência invocada.

2.2.5 Casos controvertidos de estatalidade: micro-Estados, Estados


dependentes, Estados fantoches, Estados falhados:

Constituindo a independência formal um pressuposto da existência do Estado como


sujeito de DI, encontramos no passado e no presente das relações internacionais
alguns casos de estadualidade duvidosa ou atípica, dada a relação do sujeito que o
suposto Estado mantém ou consente com outro Estado ou outros Estados.

Alguns exemplos:
1 - Estados exíguos e micro-Estados - caracterizados pela exiguidade do território,
alguns de natureza insular, e número muito limitado de habitantes ex: Mónaco.
Estados exíguos - cuja limitação jurídica é formal, encontram-se sobretudo na Europa:
EX: Mónaco, têm um estatuto constitucional de autonomia relativamente diferenciada.

Micro- Estados: agrupa um número muito elevado de países soberanos e


independentes, ao menos no plano jurídico-formal, confinados num território muito
limitado, com tendência a diminuir, senão mesmo a desaparecer. Os micro-estados
em sentido próprio, assumem por si os direitos de representação internacional.

O problema que se coloca em relação aos Estados exíguos que integram a OI, como
as NU e o Conselho de Europa, é o risco de atuarem como meros Estados satélites
em relação ao Estado procurador. No que se refere aos micro-Estados, a reserva não
é despicienda, porque o risco de dependência em relação a Estados vizinhos ou
aliados poderosos é real.

2 - Estados dependentes - Estados protegidos, ou protetorados, e Estados vassalos


são outra manifestação do período de colonização, sob um modelo de ingerência
externa que ainda se recuperou no passado recente.

A figura do Estado protegido, sujeito de DI de soberania limitada com direitos e


obrigações, mas representação internacional confiada ao Estado protetor, renasceu
para a atualidade com algumas situações próximas do modelo histórico do
protetorado.
Na versão hodierna, novos Estados ficam sujeitos a um conjunto mais ou menos vasto
de exigências definidas pelas NU, durante e depois da presença das forças de
manutenção da paz e construção das estruturas estaduais, até ao reconhecimento da
independência, como aconteceu no caso do Kosovo.

3 - Estados fantoche ou Estados satélite - A imagem de um Estado fantoche que


atua como satélite de outro serve para vincar o grau consentido ou inexorável de
ingerência por parte de uma potência estrangeira. Um exemplo histórico bem
conhecido foi o da Manchúria, Estado criado pelo Japão numa tentativa de iludir a
realidade de ocupação militar nipónica entre 1931 e 45.
Na atualidade, destaca-se a situação da chamada República Turca do Norte de
Chipre, proclamada independente em 1983, e garantida pela presença de forças
militares da Turquia, único país que reconhece esta entidade como Estado.

4 - Estados falhados: por razões internas (v.g guerra civil, governos fracos e
corruptos…) ou externas (v.g ocupação por forças estrangeiras), um Estado pode
deixar de ter condições para garantir a função primordial de aplicar a lei e manter a
ordem e, por consequência, fica fragilizado ou mesmo impossibilitado de exercer os
direitos associados à subjetividade internacional, mais vulneráveis, por outro lado, à
proteção imposta por outros Estados.
→ situação distinta destas que acabamos de analisar, a dos Estados com soberania
limitada ou factícia, é a relativa a entidades que, não tendo o estatuto jurídico de
Estados, são reconhecidos como sujeitos de DI: Santa Sé, cidades sob regime
internacional especial, a Autoridade palestiniana.

2.2.6 Reconhecimento de Estados:

A convenção de Montevidéu fornece elementos importantes sobre o fundamento e as


condições do reconhecimento do Estado. Não basta a independência formal (Arts. 3,
6 e 7).
A teoria sobre a natureza declarativa do reconhecimento, consagrada na Convenção
de Montevidéu e também na carta da Organização dos Estados Americanos (art 10),
é maioritária na doutrina. A imprecisão sobre os critérios da estadualidade, mesmo
admitindo que são os previstos na Convenção de Montevidéu, aliada ao desamparo
em que se encontra um Estado não reconhecido, ou reconhecido por um número
pouco expressivo de Estados, são fatores que abrem a porta à teoria do
reconhecimento constitutivo.

Com base nas recomendações da Comissão Badinter, a UE chegou a uma plataforma


de acordo sobre as exigências a satisfazer pelos “candidatos” a Estados. O novo
guião do reconhecimento estabelecia como exigências:
- Respeito pelas disposições da CNU e os compromissos assumidos no âmbito
da Ata final de Helsínquia e do Acordo de Paris, especialmente os relativos ao
Estado de direito, democracia e direitos humanos;
- Garantias de respeito pelos direitos das minorias e grupos étnicos de acordo
com os princípios estabelecidos no âmbito da OSCE;
- Respeito da inviolabilidade das fronteiras existentes (princípio uti possidetis),
suscetíveis de alteração apenas por meios pacíficos e negociados;
- Aceitação de todos os compromissos relevantes em matéria de desarmamento
e de não proliferação nuclear, bem como os relativos à segurança e
estabilidade regional;
- Resolução por acordo, incluindo o recurso à arbitragem quando tal se releve
apropriado, das questões relativas à sucessão entre Estados e diferendos
regionais.

Assim, aos requisitos constantes da Convenção de Montevidéu a UE acrescenta


outros critérios que se ligam diretamente com uma ideia de Estado (estadualidade
legítima) e não apenas uma estrutura jurídico-institucional de Estado (estadualidade
formal).
O ato de reconhecimento de Estados é unilateral e produz os seus efeitos no
plano das relações bilaterais entre Estados. Não obstante, a existência de uma
organização de âmbito parauniversal, como é a ONU, confere particular significado à
decisão de admitir um novo Estado no seio da família onusiana que, assim, funciona
como uma espécie de reconhecimento coletivo. Constitui, em qualquer dos casos,
uma mensagem inequívoca de legitimação aprovada por, pelo menos ⅔ dos membros
das NU, incluindo os 5 membros permanentes do CS (art 4 da CNU, articulado com
o art 18 n1 e art 27 n3). Poder-se-á, por conseguinte, inferir da prática internacional
consolidada com a admissão como membro das NU certifica prima facie a existência
como Estado.
Importa, contudo, sublinhar que os efeitos de uma eventual categoria jurídica do
reconhecimento coletivo não se sobrepõe ao reconhecimento individual. Um membro
das NU não fica vinculado a reconhecer um Estado que já foi admitido nem a aceitar
os efeitos de um reconhecimento ao qual se opõe.

→ Em matéria de reconhecimento, a ONU adquiriu uma competência que, embora


decorrente do exercício da prerrogativa de admissão/não admissão prevista no art 4
da CNU, não estava enquanto tal consagrada no texto da Carta. A partir de uma
prática política iniciada na década de sessenta do século passado, a ONU funciona
como uma instituição representativa do querer da comunidade internacional sobre o
reconhecimento e o não reconhecimento. No caso da Rodésia, a ONU assumiu a
posição do não reconhecimento, apesar de, no plano estritamente jurídico-formal
existirem razões para considerar que se trataria de um verdadeiro Estado.
No caso da Palestina, a atuação das NU tem sido a de promover o seu
reconhecimento ainda que a questão da ausência de um território definido constitui
um sério obstáculo ao seu reconhecimento como Estado, tanto no plano jurídico como
no político. Reconhecida por mais de uma centena de Estados, o Estado da Palestina
não será membro das NU enquanto se mantiver o veto dos EUA no CS, aliado
histórico de Israel. O veto dos EUA à admissão do Estado da Palestina não tem sido
suficiente para evitar desenvolvimentos favoráveis à posição palestiniana no sentido
do reconhecimento de uma entidade de configuração equivalente à de um Estado.

→ O reconhecimento de Estados suscita ainda dificuldades acrescidas quando o novo


Estado se formou com origem na separação de um Estado preexistente, no exercício
de um proclamado direito à auto-determinação. O direito à auto-determinação dos
povos, consagrado nos Pactos de 1966, e na Declaração de Princípios de 1970, é
geralmente invocado como direito costumeiro. A incerteza relativamente ao exercício
deste direito resulta basicamente da necessidade de o articular com outro princípio
fundamental do DI, conhecido por ius possidetis (preocupação com as fronteiras
internacionalmente reconhecidas)

Opinião da regente: o DI não tem uma solução clara para este tipo de conflito que
opõe normas e princípios gerais de relevância formalmente equivalente. Nestes
casos, o DI fornecerá argumentos úteis de fundamentação das pretensões invocadas
pelas partes que se confrontam, mas em última análise, a solução é política e obtida
na mesa das negociações, no plano interno ou no plano internacional com mediação.

O reconhecimento de novos Estados envolve, naturalmente, o reconhecimento do


respectivo governo. A questão adquire autonomia quando o governo de um estado
existente é substituído por outro em condições excepcionais que justifiquem,
eventualmente, a internacionalização do problema. Com efeito, a sucessão de
governos conforme as regras constitucionais ou mesmo a substituição de um governo
com violação dos procedimentos previstos é um assunto interno. Porém, deixa de ser
só um assunto interno quando o aparecimento do novo governo resultar do uso de
meios violentos.

Em suma: No quadro da teoria das relações internacionais, com maior ou menor


componente normativa, podemos delinear três abordagens ou correntes a
respeito do reconhecimento dos governos:

- Cada Estado reconhece o novo governo apoiado em considerações de ordem


objetiva e factual, sem atender a juízos sobre legitimidade do poder das novas
autoridades, aplicando um princípio bem conhecido de realpolitik -Teoria
objetivista ou pragmática;
- Cada Estado reconhece o novo governo porque este corresponde à ideia de
um governo legítimo ou, simplesmente, é o governo que interessa aos
interesses do Estado que o reconhece - teoria subjetivista;
- Conhecida pela doutrina Estrada, a premissa é a da desnecessidade do
preenchimento de governo por tal implicar uma ingerência ilegítima de um
Estado nos assuntos internos de outro Estado.
A doutrina Estrada exclui, pois, a necessidade de um ato expresso e formal de
reconhecimento de governo, sendo suficiente para o DI, e para o normal
desenvolvimento das relações diplomáticas, que o novo governo exerça
poderes de controlo efetivo sobre o território nacional.
Opinião da regente: a doutrina Estrada parte da premissa certa e revela-se
como a mais adequada ao princípio da não-ingerência nos assuntos internos,
garantia fundamental da independência e igualdade soberana dos Estados.

Capítulo 5 - As organizações internacionais:

11. Elementos de uma teoria geral das Organizações Internacionais


11.4. Atribuições e poderes – em especial, a teoria dos poderes
implícitos
Teoria dos poderes implícitos - nasceu da teoria geral norte americano.
Necessidades de novos poderes do governo federal.
Concretização da ideia de quem pode o mais pode o menos.

Se uma determinada entidade pode exercer certos poderes estando esses poderes
expressos e tipificados no seu estatuto jurídico, também poderá exercer aqueles a que não
estando expressos são pressupostos. Poderes necessários o exercício das suas funções. É
válido para um município p.e, para uma OI.

Esta teoria é uma ferramenta de aplicação jurídica, para evitar revisões dos tratados
institutivos. Essas revisões normalmente são difíceis, pois exigem determinados
procedimentos, assim através da interpretação e da prática institucional garantir uma
aplicação dinâmica.
A teoria permite uma ampliação, expansão das competências e poderes jurídicos das OI.
No caso da NU há uma aplicação paradigmática. - “Capacetes azuis”.
A CNU não tem nenhuma referência sobre os capacetes azuis, foi um exército da teoria.

A organização das Nações Unidas:

1. Enquadramento histórico e Carta das Nações Unidas:


A organização foi criada em 1945, pensado ainda durante a 2GM, e depois foi objeto de
acordo entre os estados e a sua origem está na CNU, que entrou em vigor em outubro de
1945. Congregando apenas 50, sendo que atualmente tem 193.

Art 4 da CNU - processo de adesão.

Portugal só aderiu em 1955.


Requisitos para aderir na ONU na CNU.
Sobretudo têm de ser “Estados amantes da paz” - isto tem a ver com um contexto histórico,
com o art 2 da CNU quando é estabelece a obrigação da proibição do uso da força.

CNU - “Constituição mundial” por alguns autores.

De um ponto de vista jurídico-formal é um tratado multilateral, internacional.


De um ponto de vista funcional, do seu conteúdo, a carta tem uma função equivalente à da
constituição porque define o estatuto da ONU, a natureza dos seus atos…
E tem duas disposições que apontam para essa relevância constitucional, para essa
autoridade que acaba por se impor à vontade de todos os estados.
Artigo 2 n6 \ artigo 103 - artigos extravagantes. As obrigações previstas na carta
independentemente dos estados prevalecem. Também se aplica aos não membros 2n6\
103.
Obrigações que se opõem à vontade dos estados - autoridade constitucional relativamente
à comunidade internacional.

ONU - “mal amada” - nos dias de hoje tem uma reputação má.
O problema da reputação prende-se com a falta de efetividade do cap 7 da carta.
A falta de autoridade da ONU para impor o princípio da proibição do uso da força e para
sancionar aqueles que se desviam da regra.

Mas a ONU não é apenas a segurança coletiva, tem vários planos de atuação:
- segurança coletiva - cap 7
- Proteção dos direitos humanos (surge com mais ênfase com a DUDH em 1948)
- Área ampla - o desenvolvimento humano. - agências especializadas e a ONU.

A ONU atua de uma forma sistemática, e apesar da relutância da ONU, esta é o próprio
conceito de multilateralismo.
Várias fases da ONU:

- Quando a ONU foi criada teve um período “ de graça” mas logo depois de pós a
guerra fria que teve um grande embate na guerra da Coreia, problemas da ONU
surgem.
- Anos 60: movimento da descolonização. ONU teve um papel fundamental.
- Movimento dos não alinhados.
- Queda do muro de Berlim - 1989.
Capítulo pós guerra fria: em que perante o colapso da URSS emerge uma única
superpotência, hiperpotência EUA, ONU teve de se adequar a esse novo desequilíbrio,
sistemas de pax americano,a situação das ONU ainda se complicou mais com o ataque às
torres gémeas. (Declínio da ONU, devido ao poder e dos conflitos armados.)

E depois entramos na fase dos “unilaterismos multipolares” (CBM) várias forças a reivindicar
as suas forças próprias… EUA; China, Rússia, Índia, Paquistão

Mais razões do frágil das ONU - razão interna - estrutura institucional da ONU, pela forma
como foi concebida, art 108\9 processo de revisão, a carta nunca foi objeto de uma revisão
de fundo: ex: composição do CS; e sobre o direito de veto, o que muitos autores defendem
que deve acontecer.
Art 108\9, a reforma da CNU tem de contar com o acordo de todos os memebros
permanentes do CS.
A única forma de convencer - aumento do número permanentes, mas mesmo assim não é
certo que os membros permanentes aceitem.
Única forma de evoluir - encontrar um código de ética no sentido de reduzir ao máximo o
direito de veto. "Não abusar” do direito de veto. Soft law - compromisso político.

Veto implícito - um dos membros permanentes ameaça ou deixa entender que aquela
proposta de resolução não o satisfaz e que provavelmente o irá vetar, o que acontece na
prática é que muitas propostas não avançam graças a esta ação, logo o veto não foi
exercido mas foi evitado. O veto está previsto no art 27 da CNU.

2. Objetivos e princípios conformadores da ONU:

Objetivos do milénio (objetivos primários):


- eliminação da pobreza extrema;
- alterações climáticas.

Órgãos integrantes da ONU:


—> art 7 da CNU, que enumera os órgãos principais:
- Assembleia Geral;
- Conselho Segurança;
- Secretário Geral;
Existem outros órgãos secundários e uma multiplicidade de órgãos subsidiários (Dezenas e
centenas de órgãos subsidiários, para ajudar no cumprimento de missões.) EX: Orgaos
existentes no âmbito dos refugiados, contra a fome…

—> Estrutura institucional muito complexa. A ONU muitas vezes também é criticada por
esse excesso, pelas despesas que provêm desses órgãos.

Depois desses órgãos ainda temos as agências especializadas.


ONU - organização mãe
Agências especializadas - relação umbilical com as NU. As agências têm com a ONU uma
relação de vinculação em que se comprime tem a definir um programa de ação que esteja
coordenado, harmonizado com os objetivos da ONU.
Ex: UNESCO, FAL, OMS, GBM…
Conjunto alargado de organizações que desenvolvem e concretizam no terreno o
desenvolvimento humano.

AG - órgão plenário, é composta por 5 membros de cada um dos estados em pé de


igualdade, 965 membros na AG (lógica de parlamento)

CS - o CS é um órgão restrito, composto por 15 membros, 10 n permanentes, 5 per antes.


Os 10 rodam de acordo com critérios que são definidos para garantir uma certa equidade
geográfica, são eleitos para essa função por um número de região.

Competências:
Competente para a manutenção da paz.(CAp 6 e 7)
Nos termos do art 12 da CNU, diz que enquanto o CS estiver a exercer a sua competência, a
AG não pode pronunciar- se. No entanto, quando o CS não consegue decidir, decide a AG.

CS- artigo 27 CNU - Como se faz o direito de veto.


—> questões que não são de procedimento exigem o voto favorável de 9 membros,
incluindo os votos de todos os membros permanentes.

Questão de procedimento
Questão do Duplo Veto - Afastamento do princípio da igualdade soberana dos Estados.
Carta consagra direito de veto aos membros permanentes do CS e na realidade há um duplo
veto pois a qualificação da questão como processual ou não processual é algo não
processual, logo, sujeita a veto.
Art. 27o: votação CS
● 1a coisa a fazer é qualificar se a questão a tratar é procedimental (e
aplica-se art. 27o/2) ou substancial (aplica-se art. 27o/3).
Nessa primeira qualificação (definido pelo Regime de
Deliberação do CS) vota-se nos termos do art. 27o/3.
● 2a coisa a fazer é votar conforme art. 27o/2 ou 3
- Distinção nos no2 e 3 – regra do Duplo Veto: qualificação da questão em
procedimento e não procedimento é pelo no3 e não pelo no2, logo, sujeita também
a veto.
Fala-se num duplo veto pois os membros permanentes têm veto na decisão se é
procedimental ou substancial e depois têm também o poder de veto na deliberação, em si,
do art. 27o/3.

Duplo veto - é numa questão de funcionamento que permite aos membros permanentes
conservar o seu poder.
Num primeiro momento temos a qualificação da questão de saber se é de procedimento ou
se não é.
No segundo momento vota-se a questão em si.

Primeiro o veto na qualificação da matéria.

A qualificação da questão nao é de procedimento.


Os membros permanentes podem impedir o abuso da qualificação da questão como
procedimento para esvaziar o seu direito de veto.

DUPLO VETO importante.

A AG tem competência sobre todas as outras materias.

Questão da abstenção, artigo 27, um estado que esteja envolvido numa controvérsia não
pode votar em matérias do capitulo 6 e cap 8, no entanto, fica de fora a parte mais
importante que é o cap 7.
Um membro permanente do CS : ex: na guerra da siria, a Rússia e os EUA tinham tropas no
terreno, deviam abster-se mas era permitido que pudessem decidir sobre o assunto.

Art 27 - resulta que é necessário o voto favorável ou o voto contrário (para haver veto).
Qual é o valor da abstenção? De acordo com o art 27.

- A Assembleia Geral: tem uma competência genérica e outra especifica.


Resumidamente, aquela corresponde às relações internacionais em geral, estas à
vida interna da organização; e os atos práticos ao abrigo da primeira não revestem
força jurídica vinculativa para os Estados. A Assembleia Geral pode discutir quaisquer
questões ou assuntos que caibam nas finalidades das Nações Unidas (art. 10o CNU),
nomeadamente a manutenção da paz e segurança internacionais (art. 11o/2 e 3
CNU), desarmamento (art. 11o CNU) solução pacifica de conflitos (art. 14o CNU),
cooperação politica, económica, social e cultural (art. 13o/1 CNU) e codificação do
DIP (art. 13o/1/a)/2a parte CNU). E para este feito pode formular recomendações
aos Estados ou ao Conselho de Segurança (arts.11o,13o/1 e 14o CNU) ou promover
estudos (art. 13o/1 CNU) e codificação do DIP (art. 13o/1/a)/2a parte CNU).

Se por alguma razão o Conselho de Segurança não estiver operacional, ou estiver ocupado
com alguma situação de conflito ou no exercício das suas funções a Assembleia pode trata-
lo, só não pode emitir nenhuma recomendação sobre tal problema, a não ser que o
Conselho de Segurança peça (art. 12o/1 CNU). Prevalecendo sempre a competência do
Conselho de Segurança.
—> São competências específicas exclusivas da Assembleia:
A apreciação de relatórios do Conselho de Segurança (art. 15o CNU);
A aprovação do orçamento da Organização (art.17o CNU);
A eleição dos membros não permanentes do Conselho de Segurança (art.
23o CNU) e dos membros do Conselho Económico e Social (art. 61o
CNU);
A aprovação de acordos com as organizações especializadas (art. 63o
CNU);
A autorização de pedidos de parecer ao TIJ (art. 96o/2 CNU);
A definição do regime do regime dos funcionários da Organização (art.
101o CNU);
Aprovação de emendas à Carta (art. 108o CNU).

—> São competências específicas, a exercer em conjunto com o Conselho de Segurança:


A decisão sobre a admissão, a expulsão e a suspensão de Estados da Organização (arts.
4o,5o e 6o CNU);
A designação do Secretário- Geral (art. 97o CNU);
A decisão sobre as condições de acesso de Estados não membros a partes
no ETIJ (art. 93o/2 CNU);
Eleição dos juízes deste tribunal (art. 4o do ETIJ);
A proteção internacional aos refugiados:

Não há um direito humano a migrar, as pessoas são livres de sair do seu território mas não aí
permanecer.
Regra: não existência de um direito a imigrar. Esta regra vai buscar princípios como o da
soberania estadual. Este princípio veio implicar o princípio da jurisdição pessoal e da
territorialidade. Os estados têm o direito de saber quem entrava nos territórios e quem
permanecia. É relevante para o principio da territorialidade, o Estado tem de saber a cada
momento as pessoas que residem no seu território, quem entra e sai. A partir da Paz de
Vestefália os Estados começaram a proclamar o seu direito à soberania e cada vez mais
começam a ser de novo mais afirmados.
Necessidade do estado defender a sua autoconservação. (Um estrangeiro pode ser visto
como um risco a esse princípio).
Porém, com o tempo e com a afirmação dos direitos humanos começou a haver limites a
esse princípio.
Essa afirmação começou logo após a 1GM, onde existiam acordos destinados a proteger os
refugiados da 1GM, mas eram grupos limitados

A DUDH afirmou (art 13) um princípio que era promissor. Esperança de que as pessoas que
fugissem do seu território devido a perseguições pudessem ter asilo.

Artigo 13.º

1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior
de um Estado.
2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e
o direito de regressar ao seu país.

No entanto, este direito acaba por não ter muitos efeitos práticos.

Convenção de Genebra - 1951 - Estatuto dos Refugiados: (elemento central do direito dos
refugiados.
Esta convenção veio criar a figura universal (para todos os refugiados) da figura do
refugiado. Quem pode ser, que pressupostos cumprir, e os estados passam a ter algumas
limitações sobre a restrição da soberania. A convenção de Genebra estabeleceu limites a
esse princípio da soberania com a proteção das pessoas.
→ Não obstante, criou se uma divisão dos migrantes, pois existem os migrantes que estão
na definição de refugiado e os outros, estando aqui presente uma categorização de pessoas.
— Conceito de refugiados, deixa de fora muitos critérios que poderíamos considerar
tambem como refugiado visto que a Convenção de Genebra restringe o que é um refugiado.
O refugiado é regulado pelo DIP. Os estados não são livres de a tratarem como quiserem.
Os outros “migrantes” são regulados pelo direito estadual.
A nível do DIP interessa o conceito da CG.
Refugiado é esta pessoa e só aquela, encontra-se fora do país porque teve um receio
fundado de perseguição por motivos taxativos que a CG elabora: raça, religião,
nacionalidade, opiniões públicas e por pertencer a um grupo social específico.
Conceito restrito.
Artigo 1º
(2) Que, em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 1 de Janeiro de 1951, e
receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação
em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a
nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção
daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua
residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a
ele não queira voltar.

Refugiado de guerra não é refugiado, p.e.

Pressupostos:
1 - receio fundado, a pessoa tem de provar.
2 - Perseguido - ação humana. Objetivo da perseguição é privá-los dos seus direitos
fundamentais. A perseguição tem de ser feita por aqueles motivos pautados. Conduta
humana.
Motivos taxativos.

Refugiados ambientais também não estão neste conceito.

Grupo social próprio - conceito indeterminado, tem sido a jurisprudência a densificar como
conjunto de pessoas que pelas suas características sao vistas como diferentes na sociedade
e ha discriminação.
Ex: mulheres nos países islâmicos, o gênero tem sido considerado nestas condições; as
crianças (são obrigatoriamente recrutadas para as forças armadas); os albinos (são
perseguidos por determinada doença).

“Refugiados ambientais, de guerra, económicos” nao cabem na CG.


Quem é considerado refugiado pela CG beneficia de um direito fundamental “non
refoulement” (Art1, art 33) Não devolução (Ius cogens - assistente)
Significa que uma pessoa não pode ser devolvida para um país onde corra o risco d e
perseguição. Onde corra um risco de violação dos seus direitos humanos.
A CG concede uma proteção relativa
ARTIGO 33
Proibição de expulsar e de repelir
1. Nenhum dos Estados Contratantes expulsará ou repelirá um refugiado, seja de que
maneira for, para as fronteiras dos territórios onde a sua vida ou a sua liberdade sejam
ameaçadas em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social
ou opiniões políticas.
2. Contudo, o benefício da presente disposição não poderá ser invocado por um refugiado
que haja razões sérias para considerar perigo para a segurança do país onde se encontra,
ou que, tendo sido objecto de uma condenação definitiva por um crime ou delito
particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade do dito país.

Exceções - pode ser negado a proteção ao 33 n2, art 1 alinea f), em quem cometeu crime
contra a paz, humanidade e guerra. Ou crime grave fora do país de acolhimento que não
seja político (conceito amplo), atos contrários aos princípios da CNU.
Artigo 1
F.
As disposições desta Convenção não serão aplicáveis às pessoas acerca das quais existam
razões ponderosas para pensar:
(a) Que cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a
Humanidade, segundo o significado dos instrumentos internacionais elaborados para prever
disposições relativas a esses crimes;
(b) Que cometeram um grave crime de direito comum fora do país que deu guarida, antes
de neste serem aceites como refugiados
; (c) Que praticaram actos contrários aos objectivos e princípios das Nações Unidas.

1 degrau - nem todos são classificados como refugiados.


2 degrau - mesmo que sejam, se forem considerados uma ameaça não podem ser
protegidos, o Estado sobrepõe-se.
—> tentou se alargar este conceito a outras pessoas que merecessem tal proteção, que nao
recebiam proteção no seu país de origem em relação aos seus bens??
Pessoas: refugiados de guerra (imigrantes forçados devido a situações de guerra)
Considera-se efetivamente que uma pessoa que no seu país de origem não esteja em risco,
não cabiam na CG, porém entendeu se que se devia alargar a estas pessoas, quem avançou
no DIP foi o direito regional. Não alargaram o conceito de refugiado mas criaram estatutos
Complementares, começou a ser afirmada pelo TEDH.

O TEDH fez uma construção a partir do principio de nao tortura… (ius cogens). Não
podemos enviar uma pessoa para o seu país de origem ao saber que essa pessoa ia ser
sujeita a tais tratamentos.
Muitas pessoas que, embora não fossem refugiados em sentido estrito, não pudessem ser
enviados aos países de origem.
Art 19 - Carta dos direitos da UE.
Artigo 19.
Proteção em caso de afastamento, expulsão ou extradição
1. São proibidas as expulsões coletivas.
2. Ninguém pode ser afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco
de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou
degradantes.
Proteção subsidiária. - migrantes de guerra, pessoas que vivem em regimes ditatoriais que
têm violência a qualquer um dos seus cidadãos.
—> alargamento não do conceito de refugiado mas proteção complementar.
Estatuto de proteção subsidiária.

Ficam de fora ainda os chamados refugiados climáticos. (Possível crescimento e que


ultrapasse o de guerra)Tem se reclamado a necessidade no DI de haver proteção dos
migrantes ambientais.
Refugiado econômico - pessoa que foge devido a situações econômicas, ainda não tem
proteção.
Face às migrações massivas defende a necessidade de uma governação global das
migrações.
Alterações climáticas e o direito internacional

O regime das alterações climáticas é de DI, e tem consagração no direito nacional, até existem
já constitucionalização de direito ambiental, dever específico dos estados de combate.
A essência do seu regime é no DI.
Porque é que falamos de alterações climáticas no DIP:
- situação necessariamente internacional - art 2\7 da CNU.
O ambiente enquanto common concern of humankind, há décadas que se reconhece que as
questões ambientais são questões necessariamente internacionais.
Uma situação internacional:
- o ambiente (e não as coisas) enquanto bem jurídico público, insusceptível de
apropriação individual. Além disso, é um bem jurídico internacional.
- As partes na convenção reconhecem que uma alteração do clima terrestre e os seus
impactos adversos são uma preocupação comum da humanidade” UNFCCC. Os
problemas relacionados com as alterações climáticas são regulados pelo DI, e nao é
legítimo a um Estado dizer que não é uma forma de DI.

Três aspetos a focar:


O conflito da proteção ambiental e soberania e territorialidade.
A (sobre)exploração dos recursos naturais.
A poluição transfronteiriça.

Soberania e territorialidade:
● Territorialidade: poder de determinação jurídica de pessoas e situações nos limites do
seu território.
● Cada estado define a utilização dos seus recursos (Amazónia, Indonésia (p.e deu o
argumento que não pode acabar com a desflorestação porque grande parte do seu
rendimento vem daí) conflito com os deveres do estado com a produção de emissões
e por outro lado pela sua política económica.
● Cada estado tem controlo sobre as emissões para o meio natural (incluindo de GHG)

Conflito com a proteção ambiental:


● A poluição transfronteiriça causa danos no território de outro estado.
● Norma costumeira de proibição de danos ambientais transfronteiriços.
● As emissões de GHG; danos estreitamente difusos na sua fonte, à distância (podem
ou não ser), diferidos no tempo.
● Normas ambientais erga omnes.
Teste à subjetividade internacional:
- estados que ficam sem território 1
- A centralidade dos atores não-estaduais 2 .
- A administração pública internacional ambiental. 3

1 - previsão de que certos estados deixaram de ter território, qual vai ser a solução, vamos
ter cidadãos de um estado sem território, e que coloca em causa soberania. Mas também se
coloca problemas de responsabilidade, quais sao os deveres da comunidade internacional
perante a possibilidade destes estados ficarem sem território, como é que esse dano pode
ser reparado..
A doutrina do DI que estuda estes temas, tem estado focada na possibilidade de existir ilhas
artificiais, um estado emprestar territórios, ainda tá por regular.

2 - proliferação de ONGs que participam na criação, na implementação e na monitorização do


cumprimento do direito internacional. As ONG não sendo sujeitos de DI têm feito um trabalho
de participação, ajudam nos tratados, nas disposições dos tratados, funções de
desenvolvimento do tratado… o programa das Nações Unidas também têm as ONG no
caminho.
Empresas e comunidades epistêmicas (protocolo de Quioto) grupos de especialistas que têm
conhecimento sobre uma determinada área. (IPCC - painel intergovernamental para as
alterações climática, varia jurisprudência já utilizou estudos do IPCC, conclusões que um
órgão internacional teve)
Entidades intraestaduais - climate alliance: municípios e regiões. Associação que é de direito
privado de um estado (alemão) mas tem por objeto a implementação a nível municipal de DI.

3 - os tratados do Direito do Ambiente, tratados criam estruturas que monitorizam o


cumprimento de obrigações convencionais e até assumam compromissos novos (protocolo
de Montreal).
Estruturas de apoio, mas quais são as consequências? O protocolo prevê que o estado até
pode perder o direito de voto.
Testes à teoria das fontes:
- esbatimento de fronteiras entre hard law e soft law. 1
- Direito convencional 2

1 - a centralidade dos princípios de direito do ambiente: precaução, avaliação de impacto


climático, desenvolvimento sustentável, responsabilidades comuns, mas diferenciados:
natureza jurídica.
Origem no DI, atos de soft law, no fim de conferências ambientais. Princípios do direito do
ambiente que começam a aparecer, caso do princípio da precaução e da avaliação do impacto
climático.
Todos estes princípios são discutidos se são de soft law ou se já se transformou em direito
costumeiro.

2 - Tratados- quadro ou chapéu, criam objetivos genéricos, sem compromissos substantivos


específicos, há medida que agrava a situação, tratados se especificam ou se têm só uma
emissão.
-Desenvolvimento mediante conferências de partes, protocolos e soft law.
- Definição de procedimentos, cooperação.

Continuação: testes à teoria das fontes:


UNFCCC
United Nations Framework Convention on Climate Change (1992 – 1994; 197 Partes)

● Define o que são alterações climáticas e efeitos adversos


● Fixa objetivo de estabilização de concentração de GHG num período de tempo que
permita a adaptação

● Princípios da solidariedade intergeracional, responsabilidades comuns mas


diferenciadas, precaução, desenvolvimento sustentável, cooperação

● Mecanismos: informação, aprovação de programas nacionais de mitigação e de


adaptação, promoção de cooperação e transferência (tecnologias, práticas, processos,
conhecimento) e gestão integrada; comunicação de políticas com objetivo de regressar a
emissões 1990; dever dos países desenvolvidos de financiamento

● Revisão periódica em COP; IPCC já existia (UNEP + WMO, 1988)

Estado atual: protocolo de Quioto + acordo de paris. (1997-2005, 192 partes; 2015-2016,
193 partes)

● Países Desenvolvidos assumem a liderança (na redução e no apoio)


●Conservar e potenciar

sumidouros e reservatórios de carbono (zero net)

●Mercados de carbono

●Adaptation Fund

●E a COP26? Soft law, mas poderá ser utilizado para direito costumeiro

● Especificação do objetivo: manter o aumento da temperatura bem abaixo de 2ºC, idealmente


1,5º (média temperatura pré-industrial)

● NDC (Contribuições Determinadas Nacionalmente) a 5 anos: dever de preparar e comunicar


sucessivamente.

A interpenetração com a área dos direitos humanos


● O reconhecimento de um direito humano ao ambiente

● Os deveres ambientais dos Estados


● Refugiados climáticos
O reconhecimento de um direito humano ao ambiente:

● Há muito reconhecida ligação entre problemas ambientais e direitos humanos

● Comité de Direitos Humanos – direito à vida (CCPR/C/GC/36)

● Comité de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (E/1992/23)

● Conselho de Direito Humanos (A/HRC/37/59 +A/HRC/48/L.23/Rev.1)

● Tribunal Europeu dos Direitos Humanos; Corte Interamericana de Direitos Humanos;

Os deveres ambientais dos Estados

● Deveres de respeitar, proteger e promover direitos humanos

● A margem de apreciação dos Estados

● Limitação pelos recursos disponíveis

● A extração de um dever de redução e captura de emissões enquanto meio para mitigação

● O dever de adaptação

Especificação do objetivo

Documentos que podem ser utilizados como opinio júris, demonstra a existência de uma
norma costumeira, disposições que reconhecem, dever dos estados desenvolvidos, em
desenvolvimento.

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