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Direito Internacional Público

I – Noção de direito internacional


® O direito internacional é um ramo da ciência jurídica, o que significa que se analisa num corpo
de normas jurídicas reguladoras de certo tipo de relações que se estabelecem numa
determinada sociedade ou agrupamento. Ele é, simultaneamente uma ordem normativa e um
fator de organização social, não diferindo de outros ramos do direito.

Qual é a sociedade a que se aplicam as normas de Direito Internacional?


® É aplicada à sociedade internacional, constituída pelos:
o Estados;
o As organizações internacionais;
o Os povos não autónomos;
o O próprio individuo.

Temos então ao lado da sociedade nacional/interna (à qual se aplica o Direito Interno) a sociedade
internacional (à qual se aplica o Direito Internacional).

II – Direito Internacional, Direito Interestadual ou Direito das Gentes?


- Para aludir ao direito da sociedade internacional, a expressão utilizada mais correntemente é
‘’Direito Internacional’’.
- Atualmente a sociedade internacional já não é unicamente constituída por estados. Parece
legitimo então, no ver de alguns autores, questionar a adequação ao momento presente do
termo ‘’Direito Internacional’’.
- A expressão ‘’Direito das gentes’’, em virtude da sua maior abrangência, permitiria realmente
englobar todos os sujeitos de Direito Internacional.

O que dizer acerca deste problema?


® Trata se de um problema menor. Os termos ‘’Direito Internacional’’ e ‘’Direito das
Gentes’’ são perfeitamente equivalentes, tendo o primeiro uma longa tradição atrás
de si, por essa razão continuaremos preferencialmente a usá-lo.

II – Direito Internacional, Geral e Direito Internacional Particular


- A sociedade para a qual direito internacional visa assegurar uma eficaz regulação jurídico-
normativa, não é uma sociedade homogénea. Pelo contrário, sendo formada pelos estados
política, económica e culturalmente distintos, compreende se que o direito internacional
reflita essa heterogeneidade, sendo ele próprio feito de justaposições de regras gerais e de
regras especiais/particulares.

1 – Sociedade internacional universal e Direito Internacional Geral


- Sem embargo da heterogeneidade da sociedade internacional, não se duvida, por outro
lado, da existência de uma verdadeira comunidade jurídica, assente na circunstância de
todos os estados estarem submetidos ao mesmo ordenamento jurídico, ao mesmo direito.
- Fala se em Direito Internacional Geral para significar o direito que se aplica à comunidade
internacional geral.
® Do Direito Internacional Geral fazem parte as normas de costume geral e as
convenções de carater universal.
® O Direito Internacional Geral consubstancia-se num conjunto de normas aceites pela
comunidade internacional de estados no seu conjunto.

2 – Sociedades internacionais restritas e Direito Internacional Particular


- O Direito Internacional Positivo reconhece também a existência, ao lado de um direito geral
ou universal, um direito particular.
® A noção de Direito Internacional Particular assenta na distinção entre sociedade
internacional global e sociedades internacionais particulares.
- Na verdade, das relações que se estabelecem entre os diferentes estados que compõem a
comunidade internacional, surgem inevitavelmente diversas solidariedades regionais ou
particulares de diversas índoles (política, militar, económica, cultural, etc.). Ganham forma,
destarte, as várias sociedades internacionais particulares, por vezes materializadas
institucionalmente em organizações internacionais.
® É para o direito aplicável a tais sociedades particulares (desde constituídas, ao
menos, por dois estados), que se reserva a designação direito internacional
particular.
o Este é composto pelas normas de costume regional e local e, bem assim,
pelas constantes da maior parte dos tratados internacionais.

IV – As funções do direito internacional


- O direito internacional, sendo uma ordem normativa, constitui um fator de organização
social.

Em que se concretiza essa função de organização


social que ao direito internacional está cometida?

- Para sabermos importa que nos detenhamos nas particulares históricas em que surgiu o
direito internacional na sua forma moderna.

Dentro dos vários obstáculos que, durante a idade media, entravaram a concentração de
poderes que é própria do estado moderno, dois merecem destaque especial.
® FEUDALISMO: em traços gerais, podemos caracterizar como um sistema de
organização social baseado na propriedade da terra e em laços de servidão pessoal
entre vassalos e os seus senhores. O dever de lealdade do vassalo ao senhor passou
ao dever de fidelidade do súbdito perante o rei. A assimilação, por outra parte, de
direitos de natureza política a verdadeiros direitos de propriedade, favoreceu o
entendimento do governo como poder realmente absoluto.

® INFLUENCIA RETARDADORA QUE A IGREJA EXERCEU NA CONSOLIDACAO DA


AUTORIDADE CIVIL: obstaculizou o nascimento dos estados modernos. Só com o
movimento da reforma os estados desfrutaram e libertaram-se do poder espiritual,
criaram ainda, em definitivo, condições para a instauração de uma nova ordem
política na europa. Os tratados de paz de Westfália, em 1648, puseram termo à
sangrenta guerra religiosa dos 30 anis e marcaram, no continente europeu, o início
de uma nova era assente na emergência de entidades soberanas e independentes,
colocadas num plano de perfeita igualdade. Foi um contexto de subalternização do
poder da igreja, propiciado pela Reforma e de uma renovada ambiência cultural e
intelectual, saída do renascimento, que nasceram os estados modernos.

- As raízes do moderno direito internacional, que nos revelam em simultâneo duas funções
que, desde o início da sua existência ele é chamado a desempenhar são:
1. Compete lhe permitir a coexistência entre estados heterogéneos e juridicamente
iguais, num clima de paz.
2. Cabe lhe satisfazer necessidades e interesses comuns que, entretanto, começaram
a surgir entre os membros da comunidade internacional.
® Podemos então resumir as duas funções principais cometidas ao direito internacional
desde a paz de Westfália à coexistência e cooperação.
V – Os termos sociedade e comunidade internacional
- Definimos o direito internacional como o direito que se aplica à sociedade internacional.
Mas, certo é, que ele também é muitas vezes apresentado como sendo o direito da
comunidade internacional.
- Tendo em conta que temos vindo a utilizar indistintamente os dois termos, cumpre tornar
claro que, em bom rigor, eles não são sinónimos.
- Fica a dever-se a uma conhecida teoria sociológica alemã a distinção entre comunidade e
sociedade. A tal propósito escreve Marcelo Caetano:
‘’...a primeira será, pois, um produto espontâneo da vida social que
se estrutura naturalmente, enquanto a segunda resulta da vontade
dos indivíduos manifestada em obediência a um certo propósito que
os leva a juntar-se a colaborar entre si. Desta maneira encontramo-
nos nas comunidades, mas encontramos nas associações. Na
comunidade os membros estão unidos apesar de tudo quanto os
separa; na associação permanecem separados apesar de tudo
quanto os faça unir.’’
Deriva do exposto que em qualquer agrupamento se encontram entre os seus membros
interesses comuns e interesses divergentes ou fatores de agregação/aproximação e fatores
de conflito/afastamento. Pois bem, de acordo com a teoria a que temos feito referência, na
comunidade os fatores de agregação superam os conflitos, passando se exatamente o
contrário na sociedade.

- À primeira vista, o conceito de comunidade internacional constituirá uma pura utopia. São
por demais evidentes os desequilíbrios e os elementos de tensão na sociedade internacional,
de tal sorte que parece não haver aí lugar para a coesão, a afetividade e a solidariedade que
os laços comunitários necessariamente pressupõem.
- É também questionável a existência, nas relações interestaduais, de um importante
elemento subjetivo que radica na vontade de os Estados viverem em comum, apesar de tudo
aquilo que os separa. Importa reconhecer que, em torno de um conjunto de valores e
princípios fundamentais, que correspondem a outras tantas exigências mínimas de sã
convivência, se terá formado já um assentimento geral entre os sujeitos primários da
comunidade internacional.
® Pode ainda acrescentar-se que o vínculo comunitário assenta, de igual modo, na
consideração da sociedade internacional como comunidade jurídica, isto é, na
circunstância de todos os estados estarem submetidos ao mesmo ordenamento jurídico e,
consequentemente, também às instituições encarregadas de o aplicar, sobretudo a ONU.

- Como quer seja, parece claro que perpassem dois movimentos antinómicos nas relações
interestaduais:
® De um lado, a tendência para os estados afirmarem a sua soberania e independência;
® De outro lado, a sua aspiração a uma verdadeira comunidade;
Ora o direito internacional nasce destes dois movimentos de sinal contrário, tendo por
objetivo compatibilizá-los e harmonizá-los.

- Para concluir este ponto, sublinhe-se ainda que um direito internacional clássico, enquanto
ordem jurídica de mera coordenação de soberanias estaduais, tem vindo a suceder um
direito internacional moderno, paulatinamente constituído após a 2° guerra mundial, que
não repousa já na soberania absoluta e inatingível do estado, mas que, cada vez mais, se
vai abrindo a novos domínios onde prevalecem a coesão e solidariedade entre os estados.
Vale isto por dizer que, nos últimos anos, se assiste a um reforço de laços comunitários
num agrupamento onde antes predominavam claramente as características solitárias.
Capítulo I – Evolução histórica do direito internacional
I – Introdução

O direito internacional, fruto das características da sociedade internacional, é um direito


essencialmente evolutivo.

II – Modelo clássico ou de Westfália


- O modelo clássico ou de Westfália do direito internacional compreende o lapso temporal que
medeia em 1648 (ano da paz de Westfália) e 1945 (que marcou o fim da 2° guerra mundial).
® este modelo pretende reportar-se às características principais que assumiu o direito
internacional na época histórica já mencionada, reflexo da estrutura que revestia a
sociedade internacional.
- A estrutura da sociedade internacional dos primeiros tempos é composta por:
1. Estados – situados num plano paritário, inexistindo órgãos próprios dessa sociedade
capazes de controlar o comportamento dos seus sujeitos.
- Os órgãos estaduais são simultaneamente órgãos da sociedade da ordem internacional,
atuando, por isso, nos dois planos – no interno e internacional – num desdobramento de
tarefas, desdobramento funcional.

Em matéria de sujeitos de direito, era gigante o contraste entre a sociedade internacional dos
primeiros tempos e as sociedades internas, visto que, enquanto estas sempre dispuseram de um
vasto leque de sujeitos, naquela, a personalidade jurídica praticamente se circunscrevia aos estados
soberanos, e eventualmente aos insurretos, caso fossem objetos de reconhecimento internacional.

- Aos estados, enquanto únicos sujeitos de direito internacional, não eram impostos quaisquer
constrangimentos na sua atuação concreta, pelo contrário, a sua liberdade era absoluta, o que
alias se não pode dissociar do facto de não existirem, na sociedade internacional, órgãos
superiores a esses estados.
® A consequência disto era a de uma enorme dispersão de poder, a um tempo,
propiciada e potenciada pela estrutura largamente descentralizada da sociedade
internacional.

- Ao direito internacional, pouco era exigido. O direito internacional clássico é encarado como
um direito de ‘’laisser faire’, que ao ‘’princípio da autonomia da vontade dos estados’’ impõe
ténues ou nenhumas barreiras. Por isso, a eficácia das normas e princípios do direito
internacional era, neste período, uma eficácia limitada, tanto do ponto de vista subjetivo
como objetivo. Tinham por escopo (objetivo) tão só assegurar a repartição do poder entre os
membros da sociedade internacional, sem curar de conformar a realidade a que se dirigiam,
nomeadamente mediante a correção das disparidades e desequilíbrios de facto que
existissem.

- Do corpus do direito internacional positivo faziam parte:


1. As normas concernentes aos corolários da soberania estadual e às liberdades do alto
mar;
2. As normas consagrando privilégios e imunidades diplomáticas e consulares;
3. Outras relativas à responsabilidade internacional, as mais das vezes no âmbito
específico do tratamento de estrangeiros;
4. Outras respeitantes à conclusão e condições de validade dos tratados
5. Por último, as normas sobre os conflitos ou litígios internacionais e acerca da adoção
de represálias.
- No que se refere às fontes de direito internacional, elas resumiam-se, no modelo de Westfália,
ao costume e aos tratados bilaterais.
® São os modelos de revelação de normas de direito internacional.
o Costume – entende se o processo espontâneo de formação de normas jurídicas,
resultante da reunião de dois elementos:
1. Um elemento material ou objetivo, reconduzível à adoção reiterada e
uniforme de certos comportamentos;
2. Um elemento subjetivo que se traduz na consciência de obrigatoriedade
jurídica;
o Tratados – são acordos de vontade entre dois ou mais sujeitos de direito internacional,
dirigidos à produção de efeitos de direito e regulados predominantemente, que não
exclusivamente, pelo direito internacional. Serão bilaterais e celebrados por duas
partes.
® Ainda que episódico, verificava-se já, é certo, o recurso aos tratados
multilaterais. Todavia, estes mais não eram do que tratados bilaterais,
conquanto se apresentassem ‘’travestidos’’ pela participação de mais do
que duas partes, circunstância que, de facto, lhes conferia uma aparência
multilateral.
- Consequência inevitável de uma sociedade internacional ser muito pouco institucionalizada,
e nessa medida, sobretudo relacional, constituía um traço distintivo do modelo clássico, o
exercício descentralizado das funções legislativa, judicial e executiva. Como quer seja, cabia a
cada estado, levar a cabo as ditas tarefas.
® Assim no que respeita à produção normativa, o voluntarismo assume se como imagem
de marca do direito internacional clássico. Significa que as obrigações internacionais
derivam da vontade dos estados.
o Nesta reside o fundamento da obrigatoriedade do direito positivo, quer se
admita que essa vontade reveste a forma de uma autolimitação quer,
diferentemente, se considere que resulta de uma manifestação da vontade.

- A comunicação de sanções é efetuada em regime autotutela. Na falta de órgãos jurisdicionais


internacionais dotados de competência obrigatória por forca da lei, toda a vez que um estado
reputa de ilícita a conduta de outro ou outros estados e se julga, em virtude dela, ofendido
nos seus direitos, cabe-lhe, por via de regra, a si próprio, defini-los, bem como ao grau de
prejuízos suportados e, em conformidade, decretar as sanções que se lhe afigurem
adequadas.
® Quer dizer: sempre que, consensualmente entre as partes envolvidas num diferendo,
não tenha havido recurso a um processo judicial ou arbitral internacional, a
reintegração dos direitos tende a ser, no direito clássico, uma Auto reintegração, e não
uma hétero-reintegração, como é norma na ordem jurídica interna.

- O mesmo sucede no que toca à efetivação das sanções que hajam sido cominadas contra os
infratores das normas de direito internacional. A inexistência de um poder executivo na
sociedade internacional favorece as atuações individuais e descentralizadas dos estados, com
os inerentes riscos de abuso e arbitrariedade, já que no que se refere ao tipo de medidas
adotadas; já no que se prende com a intensidade que podem revestir.

- A precariedade dos limites jurídicos no que concerne ao recurso à força nas relações
internacionais, é outra das características dominantes do direito internacional clássico. Os
estados tinham plena liberdade de fazer a guerra (Jud as Bellum). Recorrer a forca enquanto
instrumento de política exterior, constituía, uma prerrogativa normal, insistia no conceito de
soberania.
Responsabilidade internacional por factos ilícitos
® a prática de um ato ilícito, emergente da violação de uma obrigação internacional, fazia
surgir uma relação jurídica nova, de carater bilateral, entre o estado e a vítima e o
estado autor desse procedimento ilícito, reconduzível ao direito subjetivo do primeiro
exigir reparação dos danos que lhe houvessem sido causados e ao dever do segundo
de assegurar essa reparação. A responsabilidade internacional clássica é uma:
1. Responsabilidade coletiva – a infração às normas de direito internacional
determina apenas a responsabilização das entidades coletivas, que são os
estados e jamais dos indivíduos que hajam ocorrido para a consumação dos
factos ilícitos. É próprio da responsabilidade internacional clássica, o seu
carater sancionatório.

II – Modelo moderno ou carta das nações unidas


- O modelo moderno do direito internacional compreende o lapso temporal que medeia de
1945 até ao presente. A este novo modelo de direito internacional adequa-se talvez melhor o
qualificativo de modelo de subordinação.

- No plano dos sujeitos de direito, assiste-se a uma mutuação deveras significativa, por
comparação com o período anterior. Tal mutuação foi em simultâneo quantitativa e
qualitativa. Desde logo, em resultado de um grande aumento do número de estados por forca
das sucessivas descolonizações que se foram desencadeando um pouco por toda a parte. O
direito internacional universalizou-se; -> ele deixou de regular apenas o círculo restrito dos
estados europeus, nas suas relações recíprocas, para passar a aplicar-se também aos novos
membros da comunidade internacional.

- Verifica se um alargamento do elenco dos sujeitos tradicionais de direito internacional, que,


no modelo clássico, eram apenas os estados e os insurretos. Afora estes, emergem e
proliferam, por um lado, as organizações internacionais, que, apresentando-se já como
verdadeiros centros autónomos de imputação de direitos e deveres, com correlativos poderes
de decisão, não se confundem, antes claramente contrastam, com os primeiros entes
organizatórios, cujo carater rudimentar não permitia senão considerá-los como meros
instrumentos coletivos ao serviço dos estados.

- As organizações internacionais são definidas como associações voluntárias de Estados, criadas


através de tratado, dotadas de órgãos próprios, que atuam juridicamente em nome da
organização e têm caráter de permanência, e com personalidade jurídica internacional. A
estrutura orgânica das organizações internacionais é habitualmente tripartida, dela faze
parte:
1. órgãos plenários (em que têm assento todos os membros da organização);
2. órgãos de decomposição restrita, abertos, em virtude disso, à participação de
apenas alguns estados-membros;
3. órgãos vocacionados para o desempenho de tarefas de carater técnico-
administrativo.
- Da personalidade jurídica internacional das organizações internacionais, decorrem certos
corolários importantes. Por exemplo, tornou-se mais frequente o surgimento de grupos
organizados, lutando em nome de um povo contra determinadas estruturas de opressão. Este
fenómeno dos movimentos de libertação nacional iniciou-se na África, estendendo-se depois
à Ásia, América Latina e até à Europa. À medida que os movimentos de libertação nacional
deixaram de estar circunscritos ao continente africano e disseminaram por outras zonas do
globo, assistiu-se, paralelamente, a um alargamento dos seus objetivos. De facto, se numa
primeira fase, estes se consubstanciavam apenas numa luta contra o colonialismo, passaram
depois a abranger a luta contra os regimes racistas e as situações de dominação estrangeira.
- A pouco e pouco, aos povos que se incluíssem numa daquelas 3 categorias sobreditas, que
haviam sido firmadas pelo direito da ONU, foi sendo conferida uma legitimação jurídica e
política, que se pode fazer radicar no direito à autodeterminação. Esses grupos organizados
de indivíduos ligados por diferentes laços, os chamados povos não autónomos, ascendem à
qualidade de sujeitos do Direito Internacional.

- Também o indivíduo (pessoa física/singular ou pessoa coletiva) integra hoje o elenco dos
sujeitos de Direito Internacional.

- Quanto às fontes de direito, o modelo da Carta das Nações Unidas trouxe consigo uma
expansão do quadro de fontes tradicional.
® o costume e aos tratados bilaterais do modelo clássico, haverá agora que acrescentar
o costume "selvagem", os tratados multilaterais e as resoluções das organizações
internacionais.

- Os chamados costumes "selvagens" resultam de uma inversão no processo formativo dos


costumes do passado. As convenções internacionais cessam de ser apenas bilaterais. As
convenções internacionais cessam de ser apenas bilaterais e o recurso aos tratados
multilaterais (celebrados por mais do que duas partes) toma-se cada vez mais frequente nesta
fase de desenvolvimento do Direito Internacional. Como subcategoria destes, temos os
tratados multilaterais gerais, que têm vocação universal, constituindo uma espécie de acordos
coletivos ou tratados-lei. Exemplos dos tratados multilaterais gerais são as convenções de
codificação do Direito Internacional; os tratados concluídos sob os auspícios de organizações
internacionais; as convenções sobre o controlo e a redução de armamentos e as concernentes
à proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana.

- Expedientes técnicos como a assinatura diferida, a adesão e o mecanismo da formulação de


reservas, e destinados a facilitar a participação dos Estados nos tratados inscrevem-se numa
lógica, claramente percetível no modelo da Carta das Nações Unidas, de universalização do
Direito Convencional, que tem subjacente, como se alcança, o intuito de reforçar o grau de
integração da comunidade internacional.

- As organizações internacionais têm hoje uma personalidade jurídica distinta da dos Estados
membros, vendo que o poder de emitir atos normativos de alcance geral ou individual, se
conta entre os corolários daquele atributo. A designação mais apropriada para aqueles atos é
o termo resolução. As resoluções podem ser de diversa natureza, em função da maior ou
menor vinculatividade de que se revistam, assumindo, designadamente a forma de decisões,
recomendações ou pareceres.

- Se, no direito clássico, o recurso à força nas relações internacionais era considerado legítimo,
o modelo moderno, pelo contrário, caracteriza-se pelo lugar prominente que no edifício
normativo do Direito Internacional passa a ocupar o princípio da proibição do recurso à força
nas relações internacionais. O cerceamento aos Estados de liberdade de fazer a guerra,
conduziu a que, na Carta das Nações Unidas, se procurasse torná-los comparticipantes num
sistema de segurança coletiva, em que o recurso à força constitui uma espécie de último ratio,
que apenas a um órgão internacional caberá decretar.

- As preocupações ambientais, isto é, de tutela e preservação dos sistemas naturais, e de


equilíbrio dos ecossistemas, erigem-se, também, a questão central do Direito Internacional
mais moderno, concretamente, do Direito Internacional dos últimos seis lustros.
- Constitui, também, fator digno de realce, no Direito Internacional das últimas décadas, o
surgimento de um conjunto de princípios jurídicos reputados de fundamentais pelos
componentes essenciais da comunidade internacional. O caráter universal que exibem torna-
os hierarquicamente superiores aos restantes princípios e normas que fazem parte do Direito
Internacional positivo e permite-lhes orientar a conduta dos sujeitos de Direito Internacional,
mediante a imposição de obrigações «de valor reforçado». Este novo estado de coisas, em
boa parte, resultou da consideração, a partir da segunda metade do século XX., de
determinados valores como valores supremos da comunidade internacional. Destes dois, há
que se afirmam como absolutamente primaciais. Por um lado, o valor da paz, por outro o valor
da proteção da dignidade fundamental da pessoa humana. Ganhou forma, daí por diante, um
amplo movimento internacional, traduzido, sobretudo a adoção de inúmeras convenções
internacionais, destinadas a tutelar os direitos e liberdades fundamentais de todos os homens,
independentemente da raça, sexo, condição social, ou das convicções de que sejam
portadores.

- Na comunidade internacional, uma hierarquização de valores passou a corresponder a uma


correlativa hierarquização de normas.

- Ao contrário do modelo clássico, a violação das normas que tutelam interesses fundamentais
da comunidade internacional não constituía já mero assunto privado entre os Estados autor e
vítima do ilícito; bem pelo contrário, em tais casos, a responsabilidade internacional
universaliza-se, convertendo- se em assunto público.

- No modelo moderno de Direito Internacional, a responsabilidade por factos ilícitos


individualizou-se. no sentido de que, em certos casos, o sujeito passivo da relação jurídica
nova emergente da violação de uma obrigação internacional passa realmente a ser o próprio
indivíduo infrator, com o que o princípio da responsabilização apenas das entidades coletivas
cessou de constituir um elemento distintivo daquele instituto do Direito Internacional. A
responsabilidade do Estado por atividades não proibidas pelo Direito Internacional, também
designada responsabilidade objetiva, pelo risco ou sem culpa, constitui outro tipo de
responsabilidade não fundada na ilicitude.

- Neste contexto insere-se a distinção entre crimes e delitos internacionais, adotada pela
Comissão de Direito Internacional, indiciando a existência de regimes distintos de
responsabilidade internacional artigo 19° do projeto da CDI - o termo crime internacional)
como fonte de muitas confusões e incertezas, resultantes da própria formulação tautológica
e ambígua do artigo, mas também da indefinição quanto às consequências jurídicas que
decorriam da pratica de um crime internacional e das conotações penalísticas que são
próprias da palavra crime, numa sociedade com as características de sociedade internacional
não se poderiam aceitar.

- Escasseiam, nessa sociedade, as estruturas de subordinação que são conaturais a uma forma
de responsabilização criminal. Daí que a expressão crime internacional tenha sido substituído
pela designação violação grave de obrigações de normas imperativas de Direito Internacional
(art°40 e 41 da CDI). No modelo moderno, a responsabilidade por factos ilícitos se ter
individualizado, no sentido em que, em certos casos, o sujeito passivo da relação jurídica
emergente da violação internacional passa a ser o próprio individuo infrator, com o que o
princípio da responsabilização apenas das entidades coletivas cessou de constituir um
elemento distintivo daquele instituto do direito internacional.

- A responsabilidade dos Estados por atividades não proibidas pelo Direito Internacional,
constitui outro tipo de responsabilidade, não fundada na ilicitude, que foi consagrada, no séc.
XX, por convenções internacionais. A jurisprudência internacional, continuou a firmar certas
situações suscetíveis de desencadear os mecanismos da responsabilidade objetiva. Em
resposta a esses desenvolvimentos normativos, a comissão de direito internacional, que havia
empreendido os seus trabalhos, direcionou os seus esforços para esta nova forma de
responsabilização internacional, que surge ligada ao processo científico e tecnológico da
sociedade em que vivemos.

- De que atividade falamos, afinal?


® Atividade lícitas, mas intrinsecamente perigosas, designadas atividades ultra-hazard,
ou risco excecional.
- Quais são elas?
® Utilização pacifica e transporte marítimo de energia nuclear, transporte de
hidrocarburos pelos navios e lançamento de engenhos espaciais. Os atos de
funcionários do Estado praticados ultra vires e danos ambientais resultantes do risco
anormal de vizinhança representam as outras situações identificadas pela
jurisprudência internacional, conducentes, verificados certos pressupostos à
responsabilização do estado.

- Características do modelo moderno ou da Carta das Nações Unidas de Direito Internacional:


O direito Internacional contemporâneo é um direito axiologicamente fundado e
materialmente interessado, que não mais repousa na ideia falaciosa da igualdade apenas
formal dos Estados. Daí que as suas normas, visem moldar, ou conformar a realidade a que se
dirigem sem se bastarem no modelo clássico, com mera ratificação do status quo.
Paralelamente «em vista das interdependências crescentes» verifica-se um indesmentível
reforço do grau de integração e de institucionalização de uma sociedade que está em curso
para o modelo da – comunidade. Ocorrem ainda assim, situações graves no plano
internacional.

Capítulo III – As fontes do direito internacional


I – Introdução

- Quais as fontes formais de Direito Internacional?


® Só um texto com aceitação generalizada poderia definir tais fontes, tal sucede com o
Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, no seu artigo 38.°, estão discriminadas
as fontes formais.
São 3:
1. Convenções Internacionais;
2. Costume;
3. Princípios Gerais de Direito. O artigo 38.° na alínea D) faz referência a dois
modos auxiliares de determinação de regras jurídicas: a jurisprudência e a
doutrina. O segundo parágrafo alude à possibilidade de o Tribunal
Internacional de Justiça decidir de acordo com critérios de equidade se as
partes o autorizarem.

- Que conclusões nos permite uma análise geral e perfunctória do art.º. 389 do ETIJ?
1. Primeiro: Não é exaustiva a lista de modos de revelação de normas de Direito
Internacional. Há outros procedimentos idóneos à criação das normas internacionais
deixadas fora deste artigo. Ex. Direito das Organizações Internacionais e Atos jurídicos
unilaterais dos Estados.
2. Segundo: Não há relações de hierarquia entre fontes formais. No direito das
organizações internacionais, já dispõem de sistemas jurídicos internos organizados,
pelo que, a uma hierarquia de órgãos corresponde uma hierarquia de atos emanados
por cada um deles. A ausência de hierarquia entre fontes formais de Direito
Internacional não vale senão no âmbito do direito estritamente interestadual. Existe
uma ordem: as convenções internacionais 1º, depois o costume e só depois os
princípios gerais de direito, existe uma ordem sucessiva de tomada em consideração.
Os juízes do Tribunal Internacional de Justiça, nos casos que lhe são submetidos para
apreciar e julgar, deverão recorrer primeiro às convenções internacionais, cuja
existência é mais fácil de demonstrar; depois costume; e na falta destas duas os
princípios.
3. Terceiro: Nenhuma definição foi dada das fontes nele elencadas. Isto resulta da
circunstância de existir uma norma imanente de validade geral, revelada
consuetudinariamente que nos diz quais são e em que consistem as formas de
produção jurídica admitidas na comunidade internacional. O art° 38 dá expressão à
norma consuetudinária pré-existente, mais não a visou do que declará-la e confirmá-
la.

II – Convenções internacionais
1. Noção
- Manifestação de vontades concordantes, entre dois ou mais sujeitos de Direito
Internacional, destinada a vincular juridicamente a conduta desses sujeitos, e regulada
concorrentemente pelo direito interno e pelo Direito Internacional. É uma "manifestação de
vontades", pois a celebração de um acordo pressupõe, efetivamente, um encontro de
vontades idóneas a proporcionar o surgimento de normas jurídicas que, no futuro, irão
disciplinar a conduta dos intervenientes.
® "Entre dois ou mais sujeitos de Direito Internacional", até determinada altura
tais sujeitos eram apenas os Estados, mais tarde, tendo aumentado o número
dos sujeitos de Direito Internacional, assistiu-se ao surgimento de outras
categorias de tratados.
® "Destinada a vincular juridicamente a conduta desses sujeitos", uma
convenção internacional é assimilável a um negócio jurídico, do qual resultam
certas normas obrigatórias para as partes contratantes.
® "Regulada concorrentemente pelo direito interno e pelo Direito
Internacional", estamos em presença de uma matéria interdisciplinar, em
que, amiúde, se torna imprescindível o recurso aos direitos internos dos
Estados. É o que sucede, por exemplo, no que concerne ao procedimento de
conclusão das convenções internacionais. Daí que estas não seja, de facto, em
exclusivo reguladas pelo Direito Internacional.

2. Classificações das convenções internacionais


- Dois métodos de classificação dos tratados:
® 1° - Atenderá a determinadas variáveis extrínsecas às convenções
(classificações formais).
® 2° - Aspetos intrínsecos de conteúdo a função jurídica (classificações
materiais).
2.1. Classificações formais
- Critério da Qualidade das partes - Segundo este critério, poem discriminar-se três tipos de
convenções internacionais: as celebradas entre Estados, as celebradas entre Estados e
organizações internacionais e, por último, as concluídas entre organizações internacionais.

- Critério do número das partes - Tem-se, principalmente, em vista a summa divisio entre
tratados bilaterais e tratados multilaterais, consoante na respetiva celebração tenha
participado duas ou mais partes. Dentro dos tratados multilaterais, cabe, ainda, distinguir os
multilaterais restritos e fechados.

- Critério do procedimento de conclusão - Iremos aqui contrapor os tratados solenes aos


acordos em forma simplificada. Estes últimos têm um procedimento de conclusão, a um
tempo, mais simples e mais célere do que os tratados solenes, visto não carecerem de
ratificação. Assiste-se, na prática internacional, a um recurso cada vez mais frequente à figura
do acordo em forma simplificada, com a consequente perda de importância do tratado solene.

- Critério da forma - Tem-se agora em vista a distinção entre tratados escritos e tratados orais,
conforme se materializem num documento escrito ou resultem, antes, de um comportamento
verbal.

3. Procedimento de conclusão das convenções internacionais


3.1. Procedimento comum às convenções bilaterais e multilaterais

- A primeira tapa do processo de formação de uma convenção internacional é a negociação.


Trata-se de uma fase em que é discutido, redigido e adotado o texto da futura convenção,
sendo que, no decurso da discussão, os projetos de textos apresentados poem, naturalmente,
ser objeto de emendas e contrapropostas. A negociação está habitualmente a cargo dos
chamados plenipotenciários, que são delegados ou representantes governamentais, munidos
de plenos poderes para participar no conjunto de operações técnico-diplomáticas que essa
primeira tapa da conclusão dos tratados envolve. Finda a negociação, os tratados apresentam
uma contextura própria, isto é, são constituídos por determinados elementos formais. O
primeiro deles é o preâmbulo: nele são indicadas as partes contratantes, como o local da
conclusão os motivos subjacentes à negociação.
Segue-se o dispositivo ou corpo da convenção: é composto pelo articulado propriamente dito
e pelas chamadas cláusulas finais, podem dizer respeito a questões coo a entrada em vigor do
tratado, os procedimentos de revisão, a duração, etc.
Por fim, das convenções internacionais fazem, eventualmente, parte os anexos, que
consistem em disposições de caráter técnico.

- O segundo momento da conclusão das convenções internacionais é o da sua autenticação ou


assinatura pelos plenipotenciários. Pode a autenticação não se consubstanciar numa
verdadeira assinatura. É o que acontece toda a vez que os plenos poderes não conferem ao
representante do Estado a faculdade de assinar. E quais os efeitos da autenticação? Eles
diferem consoante estejamos perante um tratado solene ou perante um acordo em forma
simplificada. Nos tratados solenes, através da mera autenticação o Estado não fica ainda
vinculado às suas disposições. Tal só acorrerá com a ratificação. Nos acordos de forma
simplificada (que não necessitam de ratificação) mediante a assinatura o Estado fica, desde
então, vinculado ao acordo. Os artigos 10º, 12. ° e 18. ° da CV falam-nos sobre os efeitos do
sentimento autenticação.

® Ratificação é o ato solene pelo qual o órgão competente à face do direito


constitucional declara a vontade de Estado se obrigar perante as disposições de um
tratado comprometendo-se, dai por diante, a executá-lo. Entre nós, é exatamente
através da ratificação, a cargo do Presidente da República, que se opera a vinculação
do Estado.

® Pode acontecer que o Presidente da República ratifique um tratado sem que, em


momento anterior, hajam sido cumpridas, ou tenham-no sido defeituosamente,
determinadas formalidades constitucionalmente previstas. Se for esse o caso,
estaremos perante as chamadas ratificações imperfeitas. Em Portugal, algumas
hipóteses de ratificação imperfeita são abstratamente configuráveis:
1. uma primeira é a ratificação do PR sem prévia aprovação do tratado pela AR;
outra é a aprovação de um tratado por intermédio de lei, e não através de
resolução da AR como prevê a Constituição, seguindo-se a subsequente
ratificação pelo PR;
2. uma última situação reconduzir-se-á hipoteticamente à ratificação do PR,
sem que na negociação do tratado tenham participado os governos
regionais, estando em causa matéria de interesse específico para as Regiões
Autónomas.

O que podemos concluir?

® Que as ratificações imperfeitas não "disputam", em princípio, com a validade internacional


das convenções. Quer dizer, as mais das vezes, não se permite a um Estado invocar uma
ratificação imperfeita como meio de se eximir a cumprimento dos seus compromissos
internacionais. Só em circunstâncias excecionais a solução será outra.

E que circunstâncias serão essas?

® Serão concretamente duas e de verificação cumulativa: a violação da norma de direito interno


relativa à conclusão dos tratados ter sido manifesta, e aquela norma ser considerada de
importância fundamental. Al sim, a ratificação imperfeita convolar-se-á num vício relevante e
dará origem à invalidade (nulidade relativa) da convenção.

A Convenção de Viena, não admitindo que os Estados se prevaleçam das ratificações


imperfeitas, senão e circunstâncias muito contadas, privilegia o valor da estabilidade,
segurança e certeza as relações internacionais.

Quais as consequências jurídicas das


ratificações imperfeitas no plano interno?

® A este respeito estipula o art. 277. ° n°2 da CRP. Deve, antes de mais, salientar-se que são
muitas as dúvidas que esta norma tem suscitado ao intérprete. Por um lado, não se percebe
a razão de se falar em tratados regularmente ratificados, se, justamente estamos perante
casos de ratificações irregulares ou imperfeitas. Não faz igualmente sentido e menção à
inconstitucionalidade orgânica. Não o já fazia à luz de regime antes da penúltima revisão
constitucional. Muito menos faz sentido agora, uma vez que só a AR tem competência para
aprovar tratados solenes. Donde, não ser, face à regulamentação atual, configurável qualquer
situação de ratificação que tenha subjacente uma inconstitucionalidade orgânica. Vale, então,
dizer que teria sido mais avisado o legislador constituinte ficar-se pela referência às
inconstitucionalidades formais. Daí que, em nosso entender, a intenção de transpor para o
plano interno o regime internacional das ratificações imperfeitas tenha sido traído por uma
redação manifestamente infeliz do art. 227. ° n.92, da CRP.

- A quarta tapa de conclusão das convenções internacionais reconduz-se ao momento da sua


entrada em vigor, ou seja, ao momento em que elas, passando a fazer parte do direito
positivo, se integram no ordenamento jurídico internacional. Regem, a esse respeito, os art.
24. ° e 25. ° da CV.

- Termina o procedimento da formação das convenções internacionais com o seu registo e


publicação. Ao tempo da Sociedade das Nações, o respetivo Pacto de constituição estipulava,
no art. 18.9, a obrigatoriedade de todos os tratados serem registados e publicados pelo
Secretariado da organização, sob pena de não disporem de força obrigatória. Os Estados
começaram a fazer letra morta daquela disposição, admitindo a entrada em vigor e a plena
força obrigatória de tratados não registados, o que, portanto, importou, a breve trecho, a
caducidade do preceito citado. Avisadamente, muito tempo depois, a Carta das Nações
Unidas, acabaria por codificar o costume entretanto formado, no seu art.° 102. É, pois, este
regime atual, confirmado, também pela CV, no art. 80 n°1. Um tratado que não seja registado
junto do Secretariado da ONU será plenamente válido, no entanto, não poderá ser invocado
perante os órgãos daquela organização, em particular, perante o Tribunal Internacional de
Justiça, pois que será, sobretudo, nesta instância jurisdicional que os Estados terão interesse
em invocar as disposições de uma convenção internacional.

5. A eficácia das convenções em relação a terceiros


- De acordo com a máxima pacta tertiis nec nocente prosunt, os tratados não produzem efeitos
para terceiros, nem através da imposição de obrigações, nem pela via da atribuição de
direitos.

5. 1 o princípio da relatividade dos efeitos dos tratados


- A estatuir, no art. 34°, que "um tratado não cria nem obrigações nem direitos para um terceiro
Estado sem o consentimento deste último", a Convenção de Viena viria, na verdade, a
codificar um costume pré-existente, continuadamente observado na prática estadual e
unanimemente reconhecido pela jurisprudência internacional. Nisto consiste o princípio da
relatividade dos efeitos dos tratados, ou da sua eficácia relativa.

® Sendo, porém, a regra a da não produção de efeitos ultra partes pelas convenções
internacionais, não se poderá negar a existência de casos em que delas nascem direitos
ou obrigações para Estados terceiros, mediante o consentimento destes, ao lado de
situações em que os tratados se aplicam a terceiros, mesmo sem o seu consentimento.
A estas duas hipóteses distintas caberá dedicar as considerações subsequentes.

5.2. Aplicação das convenções a Estados terceiros com o seu consentimento


- Acordo colateral - Logo no art. 35. ° da CV, se admite a possibilidade de um tratado criar
obrigações para um Estado terceiro. Trata-se do mecanismo do acordo colateral. Vamos supor
que A e B, partes num tratado inicial, pretendem criar uma obrigação para C (Estado terceiro
que não participou nesse primeiro acordo). Tal intenção, porém, só logrará concretizar-se,
caso C, expressamente e por escrito, anua em ser sujeito passivo da mencionada obrigação.
Vale dizer, pois, que o consentimento do Estado terceiro terá de ser formalizado através de
um segundo acordo (designado acordo colateral) entre este Estado e as partes no primitivo
tratado. Daqui se conclui que a obrigação não se impõe a C por força da convenção A-B, mas
sim em resultado de um acordo posterior em que serão intervenientes os três Estados
considerados. É o acordo colateral que constitui o fundamento jurídico da obrigação que passa
a vincular o Estado terceiro.

- Estipulação em favor de outrem - Uma outra técnica contratual também contemplada a


Convenção de Viena (art.° 36) é a da estipulação em favor de outrem. Em que se traduz? Desta
feita, os Estados partes numa convenção internacional decide criar um direito cujo
beneficiário é um terceiro. Verifica-se, por conseguinte, que também no caso de tratados que
criam direitos para terceiros, se não dispensa o consentimento destes; simplesmente as
exigências são aqui menores, tal consentimento é meramente presumido. Distingue-se o
acordo colateral deste pela circunstância de no acordo colateral estar em causa a imposição
de uma obrigação para um Estado terceiro, ao passo que na estipulação em favor de outrem
se trata da atribuição de um Direito. Concretização pelo princípio da relatividade dos efeitos
dos tratados.

- Cláusula da nação mais favorecida - No que toca ao problema da aplicação das convenções
internacionais a Estados terceiros, com o seu consentimento, não poderíamos deixar de fazer
menção a um outro mecanismo, também muito corrente as relações internacionais,
sobretudo de carácter económico: é ele o da cláusula da nação mais favorecida. Trata-se de
um expediente técnico destinado à criação de direitos em benefício de um Estado terceiro.
De que forma opera?

® Imaginemos um tratado entre os Estados A e B, referente a tarifas aduaneiras incidentes a


importação de certos produtos. Nele, as partes contratantes inserem uma cláusula, nos
termos da qual, se qualquer desses Estados vier, no futuro, a concluir com C uma segunda
convenção versando a mesma matéria, mas contendo disposições mais vantajosas, tais
disposições mais favoráveis do acordo A-C ou B-C aplicar-se-ão automaticamente à convenção
A-B, e, portanto, irão beneficiar o Estado parte nesse tratado inicial que não participou no
segundo. Deflui do exposto que a nação mais favorecia será B, caso o segundo acordo haja
sido concluído entre A e C ou A na hipótese de ter sido B a celebrar com C essa convenção
ulterior.

De que modo intervém aqui o consentimento da nação favorecida?

® Tal consentimento é prestado previamente, aquando da conclusão do primeiro acordo.

5.3. aplicação das convenções a estados terceiros sem o seu consentimento

® O art.º. 38° da Convenção de Viena - Esta disposição da Convenção de Viena, prevê,


efetivamente, a extensão a terceiros Estados, por via costumeira, das regras de um tratado.
Quer dizer, admite-se que uma regra contida uma convenção internacional possa convolar-se
em norma costumeira, e, em resultado, tornar-se obrigatória para Estados não partes. Esta
extensão ultra partes dos efeitos de um tratado pode explicar melhor do que a própria
categoria dos tratados que criam situações objetivas o reconhecimento geral de que
beneficiam certos estatutos territoriais.

® Criação de situações objetivas ou estatutárias - A indeterminação dos sujeitos ativos e


passivos de certas obrigações internacionais representa um das marcantes características da
normatividade internacional, a ponto de se falar numa sua progressiva diluição. Caminha-se
para a objetivação do Direito Internacional Convencional, que se vai transformando m Direito
Internacional Comum. Daí que vá perdendo nitidez a fronteira entre norma convencional e
norma costumeira. As situações reputadas de estatuárias ou objetivas tem a ver com isso. Há,
com efeito, determinadas convenções internacionais que, destinando-se a instituir certos
estatutos políticos ou territoriais, apresentam o caráter de verdadeiro direito objetivo, e,
nessa medida, os seus efeitos jurídicos fazem-se sentir para lá do círculo mais ou menos
restrito das partes contratantes. Dito de outra forma, trata-se de convenções que, em razão
do seu conteúdo, se impõem a terceiros independentemente do consentimento destes.

® Disposições convencionais destinadas à criação de um novo sujeito de direito - A criação de


certas entidades cuja existência é, evidentemente, oponível a terceiros. É o caso dos tratados
constitutivos de organizações internacionais, sobretudo universais. O surgimento dessas
entidades reconduz-se, na verdade, à criação de uma situação objetiva, que a todos se imporá.
Os mesmos efeitos (ON- criação de uma qualquer entidade por larga maioria dos membros da
comunidade internacional confere-lhe uma personalidade objetiva) erga omnes ocasionarão
certas convenções internacionais que se destinem à criação de novos Estados.

® Tratados normativos - É já nossa conhecida a noção de tratados normativos, cuja celebração


é favorecida pelas características da sociedade internacional. Ora, esses tratados normativos
podem consistir nas chamadas convenções de codificação. Assim, se porventura um tratado
do tipo indicado codificar uma ou várias normas costumeiras de alcance geral, ele será, nessa
parte, e, como se percebe, apenas nela, oponível a Estados terceiros. O mesmo sucederá se a
aludida codificação incidir sobre uma norma de ius cogens.
É frequente em determinados tratados normativos as partes reservarem-se o direito de
exercer certas competências em relação aos nacionais de Estados Terceiros, em domínios
onde apenas estes últimos gozavam de jurisdição exclusiva. Sendo esse o caso, estamos
perante uma exceção ao princípio da relatividade dos tratados. Sobeja ainda a hipótese de
algumas convenções redigidas à maneira de tratados-lei, em tais termos que boa parte das
suas disposições se veria desprovida de sentido útil, caso não fossem acatadas e observadas
pela generalidade dos sujeitos de Direito Internacional.

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