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1 Direito Internacional Público outubro 2019

Direito Internacional Público


O Direito Internacional Público apresenta-se simultaneamente como uma ordem
normativa e um fator de organização social. As suas normas são aplicáveis à
sociedade internacional, constituída por Estados politica, economica e
culturalmente distintos (heterogeneidade), Organizações Internacionais, povos não
autónomos (grupos organizados de indivíduos ligados por diferentes laços), e pelo
próprio indivíduo. Antigamente, a sociedade internacional era apenas constituída
por Estados, porém com o reconhecimento de personalidade jurídica (entidade
regular de direitos, deveres e obrigações) a outras entidades para além do Estado
Soberano, a sociedade internacional tornou-se mais ampla.
O Direito Internacional pode ser caracterizado como Geral ou Particular.
A heterogeneidade da sociedade internacional leva-nos a crer na existência de uma
comunidade jurídica, onde todos os Estado estão submetidos ao mesmo
ordenamento jurídico.
O Direito que se aplica à comunidade internacional geral da qual fazem parte as
normas de costume geral e as convenções de caráter universal é o Direito Geral.
O Direito Particular assenta na distinção entre sociedade internacional geral e
sociedade internacional particular. Das relações estabelecidas entre os vários
Estados constituintes da Comunidade Internacional vão surgindo, inevitavelmente,
diversos atos de solidariedade regionais ou particulares. É assim que se formam as
diversas sociedades internacionais particulares (desde que constituídas por, pelo
menos, 2 Estados). É a estas sociedades internacionais particulares que vamos
aplicar o Direito Internacional Particular, composto por normas de costumes
regionais e locais e pelas constantes da maior parte dos tratados internacionais.
Por ser uma ordem normativa, o Direito Internacional é também um fator de
organização social. Esta sua função organizativa tem agora um caráter mais
pormenorizado, uma vez que até à paz de Westfália (1648) havia, pelo menos, dois
fatores a impedir este fator organizativo. São eles o feudalismo (sistema de
organização social baseado na propriedade da terra e em laços entre os vassalos e
os seus senhores) e a influência retardadora que a igreja exercia sobre a autoridade
civil. Porém, como referido anteriormente, com o fim da guerra religiosa dos
Trinta Anos (Paz de Westfália), deu-se o início de uma nova era. As raízes do
moderno Direito Internacional revelam-nos que as duas funções do Direito
Internacional são garantir a coexistência entre os Estados heterogéneos e
juridicamente iguais, num clima pacífico, e satisfazer as suas necessidades e
interesses comuns. Em poucas palavras, as funções do Direito Internacional
assentam na coexistência e cooperação.
Relativamente à diferença entre sociedade e comunidade, Marcello Caetano
caracteriza esta primeira como o resultado da vontade dos indivíduos manifestada

Mariana Santos
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em obediência de um certo propósito que os leva a colaborar entre si, já a


comunidade é o produto espontâneo da vida social. Se na primeira prevalecem os
fatores de rutura e conflito, na segunda prevalecem os fatores de união e agregação
que superam os conflitos.
Em termos de evolução histórica, o Direito Internacional tem muito que se lhe
diga, pois, sendo fruto das características da sociedade internacional, é um direito
essencialmente evolutivo.
Modelo Clássico ou de Westfália
Vigorou entre os anos 1648, após a guerra religiosa dos Trinta Anos, e 1945, até
ao fim da 2ºGuerra Mundial. É caracterizado pela prevalência dos factos sobre o
Direito (política do facto consumado), sendo por isso reativo. Os sujeitos de
Direito eram apenas os Estados e os insurretos, sendo que só eles possuíam
personalidade jurídica (entidade que regula os direitos, deveres e obrigações).
Como únicos sujeitos do Direito, os Estados não tinham nenhum órgão que lhes
fosse superior, não lhes sendo impostas quaisquer tipo de restrições gozando de
liberdade absoluta. Esta liberdade traz consigo consequências, nomeadamente
uma sociedade descentralizada devido à enorme dispersão de poder, por exemplo
a descentralização das funções legislativa, judicial e executiva. Cabia, por isso, a
cada Estado levar a cabo as tarefas, as obrigações internacionais derivam da
vontade dos Estados, o que caracteriza o Direito Internacional como voluntarista.
A falta de um poder executivo nesta sociedade favorece as atuações individuais e
descentralizadas dos Estados com inerentes riscos de abuso e arbitrariedade. A
cominação de sanções é efetuada em regime de autotutela, quer isto dizer que, se
um Estado avalia a conduta ilícita de outro e vê que isso de alguma forma o ofende,
este tem o direito de definir os seus direitos, bem como o grau de prejuízos
suportados, e as sanções a aplicar. O objetivo das normas e princípios do Direito
Internacional, apesar de terem uma eficácia limitada, era a repartição do poder
entre os membros da sociedade internacional. O corpus do Direito Internacional
era constituído por normas concertantes aos corolários da soberania estadual e às
liberdades do alto mar, outras relativas à responsabilidade internacional, outras que
dizem respeito à conclusão e condições de validade dos tratados e, por último, as
normas sobre conflitos ou litígios internacionais e adoção de represálias. As fontes
do Direito Internacional eram o costume, processo espontâneo de formação de
normas jurídicas que resulta da junção de dois elementos: um deles objetivo e outro
subjetivo, e os tratados bilaterais, acordos de vontade ente dois (ou mais sujeitos)
do Direito Internacional, dirigidos à produção de efeitos de direito e regulados pelo
Direito Internacional. Outra característica do Direito Internacional, é a
precariedade dos limites jurídicos no que toca ao recurso à força nas relações
internacionais. Os Estados tinham plena liberdade para fazer a guerra (jus ad
bellum). No que concerne à responsabilidade internacional por factos ilícitos, no
modelo clássico, a prática de um ato ilícito que emerge da violação de uma

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obrigação internacional, faz surgir uma relação jurídica bilateral, ou seja, entre o
Estado autor e o Estado vítima. A responsabilidade é coletiva , uma vez que a
infração às normas do Direito Internacional determina apenas a responsabilização
de entidades coletivas (Estados), e nunca os indivíduos que cometeram o ato ilícito,
pois o indíviduo não era destinatário das normas internacionais, era apenas um
objeto do poder estadual.

Modelo moderno ou da carta das Nações Unidas


Este modelo vigora atualmente, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945. É
considerado um modelo de subordinação. Com o aparecimento deste modelo
assistimos à universalização do Direito Internacional, sendo que este deixa de
regular apenas as relações entre Estados Europeus para passar a regular relações
com novos membros. Consequentemente observa-se um alargamento no número
de sujeitos de Direito, sendo que aos Estados e aos insurretos, se juntam as
organizações internacionais (associações voluntárias de Estados, criadas através
de tratados, dotadas de órgãos próprios, que atuam juridicamente em nome da
organização e têm carácter permanente e personalidade jurídica internacional e
possuem uma estrutura tripartida), os povos não autónomos (grupo organizado de
indivíduos ligados por diferentes laços), e o próprio indivíduo. Relativamente às
fontes de direito, o modelo moderno traz consigo uma expansão das fontes. Aos
costumes e tratados bilaterais juntam-se os costumes “selvagens”, os tratados
multilaterais e as resoluções das organizações internacionais. Os costumes
“selvagens” resultam de uma inversão no processo formativo dos costumes do
passado. As convenções internacionais deixam de ser bilaterais e o recurso aos
tratados multilaterais (tratados celebrados por mais do que dois Estados) passa a
ser cada vez mais frequente, sendo que maior parte deles são abertos, o que permite
a um Estado não contratante tornar-se parte deles. Neste modelo, ao contrário do
que se passava no modelo clássico, o recurso à força é proibido, é apenas
considerado em último caso, havendo órgão internacional (conselho de segurança)
que decreta o uso. No que concerne à responsabilização por factos ilícitos, esta
deixa de ser um assunto privado para passar a ser um assunto público
(universalização da responsabilidade internacional), quer isto dizer que a
responsabilidade por atos ilícitos é individualizada, o sujeito passivo da relação
jurídica nova emergente da violação de uma obrigação internacional passa a ser o
próprio individuo infrator, e diz respeito a todos os Estados. Neste contexto insere-
se a distinção entre crimes e delitos internacionais. Em suma, o Direito
Internacional modernos é um direito axiologicamente fundado e materialmente
interessado, cujas normas visam a moldar a realidade a que se dirigem. É
verificável um reforço no grau de integração e de institucionalização de uma
sociedade que está em caminhos de se tornar uma comunidade.
As fontes de Direito Internacional

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É nas fontes do Direito Internacional que surgem as normas, mecanismos,


procedimentos de normas jurídicas internacionais. Estas fontes são procedimentos
de criação, modificação ou extinção das normas que regulam as relações entre a
comunidade internacional. As fontes formais de Direito Internacional são três: as
Convenções Internacionais, o costume, e os Princípios Gerais de Direito. Às
quais se juntam dois modos auxiliares de determinação de regras jurídicas: a
jurisprudência e a doutrina. Não há relações de hierarquia entre as fontes
formais, existe uma ordem sucessiva de tomada de decisão: as convenções
internacionais em primeiro lugar, depois o costume e só depois os princípios gerais
do direito, ou seja, se o TIJ num caso que lhe é submetido a julgamento deverá
recorrer primeiro às convenções internacionais, depois ao costume, e na falta
destas duas aos princípios.
Convenções Internacionais
São manifestações de vontade concordantes entre sujeitos de Direito Internacional
Público destinadas a vincular juridicamente a conduta desses sujeitos, e reguladas
pelo Direito interno e pelo Direito Internacional.
Uma convenção internacional é assimilável a um negócio jurídico, do qual
resultam certas normas obrigatórias para as partes concordantes.
Podem ser classificadas formalmente ou materialmente. As classificações formais
assentam em critérios:
-Critério da qualidade das partes: tratados celebrados entre Estados e Organizações
Internacionais;
-Critério do número das partes: Tem-se em vista a summa diviso entre tratados
bilaterais e multilaterais;
-Critério do processo de conclusão: Contraposição entre tratados solenes e acordos
simplificados. Estes últimos apresentam um processo de conclusão mais
simplificado que os tratados solenes, visto que não carecem de ratificação;
-Critério da forma: Distinção entre tratados escritos e tratados orais.
Procedimento de conclusão das convenções internacionais
1ª etapa: Corresponde à negociação, onde se discute, redige e adota o texto da
futura convenção. Esta etapa está ao encargo dos plenipotenciários
(representantes/delegados governamentais) (Art 197 1º b) e Art 227º da CRP).
Após a negociação os tratados apresentam uma contextura própria constituída pelo
preâmbulo (são indicadas as partes contratantes por ordem alfabética, o local e
motivos da conclusão), pelo dispositivo ou corpo da convenção (composto pelas
cláusulas finais), e por fim os anexos (disposições de caráter técnico).
2ª etapa: Diz respeito à assinatura/ autenticação por parte dos plenipotenciários.
Com a realização desta etapa a convenção começa a produzir efeitos jurídicos, uma

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vez que o texto adquire caráter jurídico. Os Estados passam a estar vinculados à
convenção e há a criação de um dever de boa fé (não agir de modo a contrariar a
convenção). Caso estejamos perante um tratado solene, é acrescentada uma 3ª
etapa que consiste na ratificação (ato solene pelo qual o Presidente da República
declara a vontade do Estado se obrigar perante as disposições de um tratado
comprometendo-se a executá-lo) da convenção pelo Presidente da República.
Pode haver casos em que o Presidente da República ratifique um tratado sem que,
em momento anterior, hajam sido cumpridas, ou tenham-no sido defeituosamente,
determinadas formalidades constitucionalmente previstas. Neste caso estamos
perante ratificações imperfeitas. Alguns casos são, por exemplo, ratificação do
PR sem aprovação da AR, excesso de forma (acontece quando há a aprovação de
um tratado por intermédio de lei, e não através de resolução da AR como é previsto
na constituição, seguindo-se a ratificação por parte do PR), ou uma ratificação sem
que tenham participado na negociação do tratado os governos regionais, estando
em causa matéria de interesse especifico para as regiões autónomas.
Nem sempre uma ratificação imperfeita leva à nulidade do tratado, para tal é
necessário que seja violada uma norma interna de importância fundamental e que
as partes contratantes se apercebam dela (violação manifesta).
4ª etapa: Corresponde ao momento da entrada em vigor.
5ª etapa: Reconduz-se ao registo e publicação da convenção pelo secretariado
das Nações Unidas, caso isto não se suceda a convenção continua a ser válida e a
produzir efeitos, porém não pode ser invocada pelos órgãos das Nações Unidas,
nomeadamente pelo TIJ. Em Portugal, se as convenções não forem publicadas no
Diário da República, não produzem efeito na ordem jurídica interna.
3 mecanismos tendentes a facilitar a participação dos Estados nos tratados
1. Assinatura diferida: Diferir a assinatura para um momento posterior à
adoção do texto, mas também para os que nela não tenham participado. Este
mecanismo proporciona aos Estado a ocasião para, durante algum tempo,
amadurecerem o conteúdo da convenção
2. Adesão: Dá-se a um Estado não signatário a oportunidade de se tornar parte
de uma convenção internacional já em vigor, independentemente de ter
participado ou não na negociação. Serve para exprimir o consentimento de
um Estado a ficar vinculado por um tratado.
3. Reservas: Declaração unilateral feita por um Estado quando assinar,
ratifica ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou
modificar o conteúdo de certas disposições da convenção com as quais não
está de acordo. As reservas podem ser de modificação, onde o Estado
pretende modificar uma cláusula, ou podem ser de exclusão, onde o Estado
pretende a extinção de uma cláusula. A modificação/extinção só é aplicada
caso haja acordo entre ambas as partes, caso contrário a

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modificação/extinção não se aplica nem ao Estado que pede a


alteração/extinção da cláusula nem ao Estado que a objeta.

A eficácia das convenções relativamente a terceiros

Segundo o 34º artigo da Convenção de Viena, os tratados não produzem


efeito para terceiros (“um tratado não cria nem obrigações nem direitos para
um terceiro Estado sem o consentimento deste último”). Porém não se pode
negar a existência de casos em que das convenções internacionais nascem
direitos ou obrigações para Estados terceiros, mediante o consentimento
destes ou sem.
-Com consentimento
1.Acordo Colateral: No artigo 35º da Convenção de Viena admite-se a
possibilidade de um tratado criar obrigações para um Estado terceiro.
Imaginemos que A celebra um contrato com B. A e B pretendem criar uma
obrigação para C que não participou desse 1º tratado. A intenção das partes
contratantes iniciais em criar uma obrigação para C só se concretiza caso
este terceiro Estado concorde, expressamente e por escrito, em ser sujeito
passivo dessa obrigação. O consentimento de C tem de ser formalizado
através de um 2º acordo (acordo colateral). A obrigação não foi imposta a
C por força da convenção A-B, mas sim em resultado de um acordo ulterior
onde são intervenientes os 3 estados.
2. Estipulação em favor de outrem: Os Estados partes numa convenção
internacional decidem criar um direito cujo beneficiário é um Estado
terceiro, segundo o 36º artigo da Constituição de Viena o consentimento é
presumido enquanto não houver indicação em contrário. Imaginemos que o
Estado C não tem os meios necessários para combater os fogos. Os Estados
A e B criam um acordo que beneficie o Estado C nesse aspeto.
3. Cláusula da nação mais favorecida: Expediente técnico destinado à
criação de direitos em benefício de um Estado terceiro. Por meio deste
tratado irão nascer determinados direitos cuja titularidade ficará investida a
um terceiro. Suponhamos que A e B concretizam um tratado referente a
tarifas aduaneiras incidentes na importação de determinados produtos. Nele
as partes inserem uma cláusula nos termos da qual, se qualquer desses
Estados vier, no futuro, a concluir um tratado com C numa 2ª convenção
versando a mesma matéria, mas contendo disposições mais vantajosas, tais
disposições do acordo A-C ou B-C aplicar-se-ão automaticamente à
convenção A-B.

-Sem consentimento
1. Criação de situações objetivas ou estatuárias:

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