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Os sujeitos de DIP (Parte I): o Estado

1. A Personalidade Internacional

1.1. Noções Gerais

Ter personalidade jurídica significa possuir aptidão genérica ou condição para ser titular
de direitos e contrair obrigações ou deveres. A personalidade relaciona-se com a
capacidade jurídica, que é a aptidão para efetivamente exercer direitos e cumprir
obrigações, praticando atos válidos no ordenamento jurídico nacional.

No Direito Internacional Público (DIP), ter personalidade internacional significa que a


pessoa tem suas relações e ações regidas pelas normas jurídicas internacionais,
possuindo direitos e deveres perante a sociedade internacional (SI). Ser uma pessoa
jurídica de DIP pressupõe, portanto, o poder para:

- adquirir e exercer direitos e obrigações;


- criar normas internacionais;
- Submeter-se, ou recorrer, à jurisdição das cortes internacionais.

Cabe destacar que a doutrina não é uníssona quanto aos sujeitos que possuem
personalidade jurídica internacional.

Parte da doutrina, mais tradicionalista, entende que são sujeitos de DIP apenas os
Estados e as Organizações Internacionais. Os Estados seriam os sujeitos primários, ou
originários, com capacidade jurídica plena de direito internacional, e a personalidade
jurídica das organizações internacionais derivaria da personalidade jurídica de seus
membros, conformando, assim, uma personalidade jurídica derivada.

Esse reconhecimento estrito da personalidade jurídica dos Estados relaciona-se à


corrente voluntarista do DIP, para a qual o fundamento de validade das normas reside na
vontade dos Estados.
Outra parte da doutrina, majoritária, inclui entre as pessoas de Direito Internacional
Público os sujeitos citados anteriormente e também os indivíduos. O reconhecimento da
personalidade dos indivíduos teria fundamento na evolução das relações internacionais.

Ressalta-se que nem todo sujeito de DIP possui a mesma medida de direitos e
deveres frente a sociedade internacional. Os indivíduos, por exemplo, não podem
celebrar tratados nem acessar diretamente todas as cortes internacionais1. Na realidade,
cada espécie de sujeito de direito internacional público tem um conjunto próprio, e distinto,
de direitos e deveres.

Há ainda uma doutrina minoritária que considera Organizações Não-Governamentais


(ONGs) e empresas como sujeitos de Direito Internacional Público, por considerá-las
atores relevantes na sociedade internacional. Não obstante, as bancas do CACD
entendem que ONGs e empresas não são sujeitos de DIP, mas indivíduos, sim.

A Santa Sé, os beligerantes, os insurgentes, e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha


(CICV) são aceitos, com certo consenso pela doutrina, como sujeitos de DIP. Esses entes
são vistos como coletividades não estatais com personalidade sui generis2.

Os blocos regionais podem ou não ser sujeitos de Direito Internacional Público, a


depender da vontade de seus membros em lhe atribuir personalidade jurídica. O
Mercosul, por exemplo, teve sua personalidade jurídica instituída apenas em 1994, com o
advento do Art.34 do Protocolo de Ouro Preto:

Protocolo de Ouro Preto, Art. 34: “O Mercosul terá personalidade jurídica de Direito
Internacional.”

É importante não confundir a personalidade jurídica no âmbito interno dos Estados, com a
personalidade jurídica na sociedade internacional.

1
Progressivamente, os indivíduos estão conseguindo ter acesso direto a mecanismos de jurisdição
internacional, como na Corte Europeia de Direitos Humanos. Entretanto, o jus postulandi, direito de se dirigir
diretamente ao judiciário, é uma exceção.
2
No direito, o termo sui generis indica que a situação ou condição é uma exceção. Portanto, quando se diz
que a personalidade jurídica é sui generis, quer dizer que ela foge à regra geral ou possui particularidades.
No Brasil, a pessoa jurídica pode ser de Direito Público, interno e externo, e de Direito
Privado. Consoante o Art.41 do Código Civil, são pessoas jurídicas de direito público
interno a União, os Estados da federação, o Distrito Federal, os territórios, os municípios,
as autarquias, inclusive as associações públicas, e demais entidades de caráter público
criadas por lei. ONGs, empresas, indivíduos e o CICV seriam pessoas de direito privado.

Os sujeitos de direito público externo são alguns dos entes considerados sujeitos de
DIP: Estados e Organizações Internacionais. No Brasil, a República Federativa do Brasil é
sujeito de direito público externo, representando a União no exercício de suas
competências internacionais.

2. O Estado

2.1. Noções gerais sobre o Estado

O Estado é um ente formado por uma comunidade humana, que existe em um


determinado território, e possui um governo soberano independente, capaz de entabular
relações com outros Estados.

Ele é o principal sujeito de DIP, possuindo plena capacidade jurídica, e é também o


sujeito originário, pois o próprio surgimento do Direito Internacional Público resultou da
consolidação dos Estados soberanos a partir da Paz de Vestfália.

Ressalta-se que o conceito de Estado não se confunde com o de nação.

A nação é um conceito sociológico/cultural que pressupõe a existência de vínculos


comuns, subjetivos, entre os habitantes. Assim, uma mesma nação pode estar presente
em mais de um Estado, a exemplo dos bascos e dos curdos, e um único Estado pode
conter distintas nações.

É possível também que um Estado surja de uma nação, como ocorreu com Israel.
Cabe destacar que os Estados formam as Organizações Internacionais e são
responsáveis pela maior parte das normas que regem a sociedade internacional.
Inclusive, princípios essenciais para as relações internacionais derivam do
reconhecimento do papel central dos Estados, como a igualdade jurídica entre Estados e
a própria soberania.

2.2. Elementos Constitutivos

A Convenção de Montevidéu de 1933 elenca os elementos constitutivos do Estado:

Artigo 1
O Estado como pessoa de Direito Internacional deve reunir os seguintes requisitos.
I. População permanente.
II. Território determinado.
III. Governo.
IV. Capacidade de entrar em relações com os demais Estados.

A população permanente, isto é, aquele substrato humano com permanência no


território, constitui a dimensão pessoal de um Estado, de modo que a ausência de uma
população significa o próprio fim do Estado.

Mas quem faz parte da população? Para a doutrina, a comunidade nacional é formada
pelos nacionais, as pessoas com um vínculo de pertencimento com o Estado. Nesse
sentido, diz-se que a nacionalidade é o vínculo jurídico-político entre um Estado e
um indivíduo.

Cabe destacar que para um indivíduo ser nacional de um Estado, essa nacionalidade
deve ser efetiva, como confirmado pela CIJ no caso Nottebohm3.

O Estado também deve possuir um território determinado, ainda que possam haver
pendências relativas à determinação de fronteiras, como ocorre em diversos países. Se a
população permanente é a dimensão pessoal, o território é a dimensão física de um
Estado.

3
Ainda que emblemático, o Caso Nottebohm, que trouxe à tona o conceito de “nacionalidade efetiva”,
atualmente, deve ser relativizado quanto aos requisitos necessários, de acordo com o Projeto de Artigos da
CDI de 2006 e com o corrente costume internacional.
Entende-se por território o espaço geográfico no qual o Estado exerce sua soberania.
Isto é, o território delimita a área onde o ordenamento jurídico nacional de um Estado é
observado.

Importante destacar que a extensão territorial não interfere na existência de um Estado ou


na posse de personalidade jurídica.

O governo soberano é a estrutura central que exerce controle efetivo sobre o território,
consoante o ordenamento jurídico nacional. Isto é, o governo exerce funções para a
manutenção da administração e da ordem jurídica. Um ponto importante é que o DIP não
delimitou uma forma específica de governo, podendo o Estado ser uma monarquia ou
uma república.

Para que um governo seja soberano, ele deve ser absoluto, indivisível e incontestável.
Nesse sentido, a soberania implica a não submissão a outra autoridade. No plano interno
de um Estado, o poder soberano é, em tese, um poder sem limites jurídicos, que apenas
pode ser restringido por princípios de direito natural. Já no plano externo, o limite da
soberania é a coexistência pacífica com outros Estados soberanos, ideia fundamentada
na igualdade jurídica.

Apesar de ser um elemento constitutivo, ainda que o governo legítimo permaneça


temporariamente ausente, o Estado permanecerá existindo. Isto é, a ausência temporária
de um governo não implica necessariamente na extinção do Estado.

Cabe destacar que a delegação de competências não interfere na personalidade e na


existência de um Estado. Com o desenvolvimento de processos de integração regional,
Estados passaram a delegar competências para instituições de blocos econômicos, como
ocorre na União Europeia. Tal delegação, entretanto, não se confunde com a limitação da
soberania, pois os Estados ainda detêm a titularidade da competência. Tanto na hipótese
de limitação de soberania quanto na de delegação de competências, o Estado mantém
sua existência, personalidade e integridade territorial.

Por fim, a capacidade de se relacionar com outros Estados é um elemento resultante


da própria soberania e da igualdade jurídica entre Estados. Com origem colonialista,
ditava que as colônias apenas poderiam ter contato com outros Estados se a Metrópole
autorizasse.

3. O território

3.1. Conceito e noções gerais

O território de um Estado reflete a delimitação física da soberania de um Estado. Na


realidade, para a doutrina majoritária, a pessoa jurídica de DIP precisa ter um território
para ser um Estado.

Nesse espaço, é vedado o exercício de autoridade de outros Estados, havendo a


exclusividade de jurisdição do Estado em relação a seu próprio território.

O princípio de que um Estado exerce poder exclusivo sobre seu território é um


axioma fundamental do Direito Internacional.

O fato do território ser visto como a característica essencial de um Estado torna o


respeito à integridade territorial princípio basilar da sociedade internacional. Em razão
disso, existe uma série de normas que proíbem a ameaça ou o uso da força contra a
integridade territorial e a independência política de um Estado.

Não obstante essa essencialidade, atualmente há uma tendência a reduzir a


exclusividade territorial dos Estados no Direito Internacional Público. Isso ocorre devido à
difusão de preocupações transnacionais (direitos humanos, meio ambiente, etc), ao
reconhecimento de certos espaços como patrimônio comum da humanidade, e à própria
interdependência entre Estados em diversos setores.

Ademais, o DIP reconhece a existência de territórios sobre os quais não há nenhuma


soberania (terra nullius) e de territórios que não podem ser submetidos a nenhum
controle soberano (res communis).
Cabe ressaltar que o patrimônio comum da humanidade (PCH) é uma área
insuscetível de apropriação por Estados nacionais. Além de ser uma res communis, a
condição de PCH implica o uso para o benefício da humanidade e a equidade na
distribuição dos benefícios.

5.2. Aquisição e perda

O método clássico de aquisição de território baseia-se no direito romano, para o qual


existem cinco modos principais de aquisição:

- a ocupação de terra nullius ou terra derelicta;


- a prescrição;
- a cessão;
- a acessão; e
- a subjugação.

A ocupação de terra nullius ou terra derelicta é a aquisição de um espaço sem


nenhuma soberania ou abonado feita por Estado. Essa ocupação deve ser efetiva e deve
envolver o exercício de atos de soberania, não bastando a simples declaração.

A ocupação da Austrália é aceita pela doutrina como um caso de aquisição por


ocupação. Já no caso do Saara Ocidental, a ocupação pelo Marrocos não é considerada
válida porque o Saara Ocidental não era terra nullius no momento da ocupação colonial.
Havia tribos e povos com organização social e política ocupando o território, e, em razão
disso, atualmente entende-se que o povo saharaui tem direito à autodeterminação.

A prescrição é a aquisição de um território que era da soberania de outro. Essa posse


deve ser pública, efetiva, pacífica e ininterrupta, e com intenção de afirmar direito
soberano. Para que seja legal, é importante haver o consentimento. Ressalta-se que a
ocupação é um elemento de prova, por si só não garante a propriedade. Nesse caso, o
uso prolongado comprovado é mais importante que o decurso do tempo.
A cessão é a transferência pacífica de território entre soberanias. O novo soberano deve
respeitar as obrigações existentes previamente com terceiros, pois o ônus da obrigação
acompanha a terra.

A acessão é a aquisição resultante de um processo geográfico pelo qual um novo


território se forma e é anexado a um território já existente. A nova porção de terra em um
território de um Estado passa a constituir parte do território desse Estado, a exemplo de
uma ilha de origem vulcânica que surge em mar territorial.

Por fim, a subjugação (conquista ou uso da força) é a aquisição de um território por meio
de uma agressão ilegítima. Apesar de haver na doutrina o entendimento pelo não
reconhecimento de Estados criados por atos ilegais, a sociedade internacional tem aceito,
por meio do reconhecimento, as consequências da conquista, especialmente quando há o
controle do território e quando é improvável a reintegração ao antigo soberano.

A posse britânica das Ilhas Malvinas baseia-se na conquista. Apesar dos protestos
argentinos, grande parte da comunidade internacional reconhece seu status como posse
britânica.

Para o Direito Internacional Público contemporâneo, a aquisição de território ocorre por


cessão onerosa; pela cessão gratuita; ou por decisão de Organização Internacional:

- Cessão onerosa: aquisição de território por meio do pagamento.


- Cessão gratuita: aquisição de território sem pagamento, geralmente em tratados
de paz ou em meio a uma permuta.
- Decisão de Organização Internacional: aquisição por decisão de uma OI ou por
um tribunal internacional.

O DIP considera ilegítima a anexação de território pela força, como disciplina o art.2(4)
da carta da ONU.
Relaciona-se à aquisição de território o princípio do uti possidetis4, que, para o DIP
atual, significa que um novo Estado possui as fronteiras da entidade antecessora, isto é,
as fronteiras coloniais existentes na data da independência devem ser respeitadas.

Esse princípio foi muito utilizado para delimitar as fronteiras dos países resultantes dos
processos de descolonização em meados do século XX, sendo princípio aplicado pela
CIJ em disputas territoriais e fronteiriças envolvendo antigas possessões coloniais,
territórios da ex-URSS e ex-Iugoslávia. No caso Burkina-Faso contra Mali na CIJ, a
resolução do conflito entre os dois países teve por base o respeito à intangibilidade das
fronteiras herdadas da colonização, ilustrando a importância do uti possidetis para a
delimitação das fronteiras.

Destaca-se que o objetivo da aplicação do princípio é garantir a estabilidade territorial e


política dos novos Estados.

5.3. Fronteira ou limite territorial

O limite territorial é uma linha divisória que separa o território de um Estado do território
dos Estados vizinhos ou de áreas internacionais. Ele indica até onde vai o território de um
Estado, portanto, até onde um Estado exerce soberania exclusiva.

A fronteira, por sua vez, indica os contornos do território de um Estado, uma zona
espacialsendo menos precisa que o limite territorial.

Para o Direito Internacional Público, a ideia de limite territorial é mais relevante, em


especial porque os limites podem ser criados a partir de tratados internacionais ou
definidos por meio da arbitragem. Nesse sentido, tratados de limites são utilizados para
definir fronteiras imprecisas, ou para tratar da aquisição ou perda de território.

4
Na formação do território brasileiro, o princípio do uti possidetis referia-se ao reconhecimento da posse de
um território a partir da ocupação. Diferia-se da ocupação presumida, com base em título (o uti possidetis
juris)
As fronteiras também podem ser definidas por decisões arbitrais. Nesse caso, por meio
de uma decisão arbitral comprova-se ou confirma-se um direito de propriedade, gerando
uma obrigação para os Estados partes da decisão.

Uma vez estabelecida a fronteira, esta passa a ser vinculante para terceiros e a existir
independentemente da validade do próprio tratado que a definiu, consoante o
princípio da estabilidade das fronteiras. Em tese, a mudança nas circunstâncias, o rebus
sic stantibus, não se aplica a tratados sobre fronteiras.

Muitas disputas fronteiriças giram em torno da interpretação de um tratado. Nesses


casos, as regras dos Arts.31 e 32 da CVDT/695 são utilizadas para determinar o sentido e
o alcance das normas.

No caso de rios limítrofes internacionais, via de regra, o limite seguirá o princípio do


talvegue, ou a própria linha mediana do rio ou de seu braço principal.

5
Artigo 31 Regra Geral de Interpretação
1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o sentido comum atribuível aos termos do tratado
em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade.
2. Para os fins de interpretação de um tratado, o contexto compreenderá, além do texto, seu preâmbulo e
anexos:
a)qualquer acordo relativo ao tratado e feito entre todas as partes em conexão com a conclusão do tratado;
b)qualquer instrumento estabelecido por uma ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e
aceito pelas outras partes como instrumento relativo ao tratado.
3. Serão levados em consideração, juntamente com o contexto:
a)qualquer acordo posterior entre as partes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas
disposições;
b)qualquer prática seguida posteriormente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das
partes relativo à sua interpretação;
c)quaisquer regras pertinentes de Direito Internacional aplicáveis às relações entre as partes.
4. Um termo será entendido em sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes.

Artigo 32 Meios Suplementares de Interpretação


Pode-se recorrer a meios suplementares de interpretação, inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e
às circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo 31 ou de
determinar o sentido quando a interpretação, de conformidade com o artigo 31:
a)deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou
b)conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou desarrazoado.
3.4. A formação do Estado brasileiro

A delimitação do território brasileiro envolveu o uso de linhas limítrofes naturais,


negociações internacionais (com o estabelecimento de tratados bilaterais) e decisões
arbitrais.

Entre as linhas limítrofes naturais destacaram-se rios. Quanto às negociações bilaterais e


arbitragem, ressalta-se o uso do princípio do uti possidetis, utilizado, a priori, nas
negociações entre Portugal e Espanha e, posteriormente, pelo Império. O uti possidetis
defendido pelo Brasil referia-se ao reconhecimento da posse de um território a partir da
ocupação, diferindo da ocupação presumida, com base em título.

4. A nacionalidade

4.1. Noções gerais

O estudo da nacionalidade e da condição jurídica do estrangeiro é um tema concernente


tanto ao campo do Direito Internacional Público (DIP) quanto ao do direito interno de um
Estado. Alguns autores, notadamente Jacob Dolinger, incluem esse tema como parte
integrante do Direito Internacional Privado, inclusive. De fato, até 1930, quando passou a
ser tema de tratados internacionais, a questão da nacionalidade estava restrita ao
domínio reservado dos Estados.

O conceito de nação, do ponto de vista sociológico, refere-se a uma comunidade de


indivíduos unidos por laços culturais, históricos e muitas vezes linguísticos. Por outro
lado, a nacionalidade, do ponto de vista jurídico, é o vínculo jurídico-político que une o
indivíduo a um Estado específico. É importante ressaltar também que nacionalidade e
cidadania são conceitos distintos.

A cidadania implica no exercício pleno dos direitos políticos, especialmente o direito


de votar e ser eleito. O sufrágio, por sua vez, abrange não apenas as eleições, mas
também referendos e plebiscitos. Conforme observou Dolinger (2008), "Só o cidadão –
não o nacional – tem legitimidade para propor ação popular (art. 5º, inciso LXXIII), para
propor leis complementares e ordinárias (art. 61) e para denunciar irregularidades perante
o Tribunal de Contas da União (artigo 74, §2º)." Isso ressalta a distinção entre ser um
nacional e ser um cidadão.

Normalmente, a cidadania pressupõe a nacionalidade, pois é por meio desta que se


estabelece o vínculo jurídico-político com o Estado. No entanto, é importante notar que
existem exceções, como a impossibilidade de estrangeiros se alistarem como eleitores,
conforme estipulado no Artigo 14, § 2º da Constituição Federal. Não obstante, um
nacional pode, em determinadas circunstâncias, perder seus direitos políticos,
conforme estabelecido no Artigo 15 da CF/88: "É vedada a cassação de direitos políticos,
cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:"

1. Cancelamento da Naturalização por Sentença Transitada em Julgado: A perda


da nacionalidade brasileira ocorre quando um estrangeiro naturalizado brasileiro
tem sua naturalização cancelada por meio de uma sentença transitada em julgado.

É importante observar que a perda de direitos políticos, por outro lado, não implica
necessariamente a perda da nacionalidade. Nos casos dos incisos seguintes, o
indivíduo continua sendo nacional, mesmo que tenha seus direitos políticos
extintos ou suspensos.

2. Incapacidade Civil Absoluta: A incapacidade civil absoluta de um cidadão não o


priva de sua nacionalidade, mas pode levar à suspensão de seus direitos políticos.

3. Condenação Criminal Transitada em Julgado: Enquanto durarem os efeitos da


condenação criminal transitada em julgado, o nacional pode ter seus direitos
políticos suspensos.

4. Recusa de Cumprir Obrigação a Todos Imposta ou Prestação Alternativa

5. Improbidade Administrativa.
4.2. Exceção para portugueses no Brasil
De acordo com o Artigo 12 da Constituição Federal: "Aos portugueses com residência
permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os
direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição."

Isso significa que os portugueses residentes permanentes no Brasil têm o direito de


exercer certos direitos políticos, mesmo que não sejam considerados nacionais
brasileiros. Essa exceção decorre de acordos bilaterais e de reciprocidade entre Brasil e
Portugal.

4.3. Regulamentação da concessão de nacionalidade


O direito interno dos Estados, incluindo o Brasil, regula a concessão de
nacionalidade. A concessão de nacionalidade é um ato soberano do Estado e é
regulamentada por suas próprias leis e procedimentos. No entanto, o DIP exerce
controle sobre essas leis quando surge um litígio internacional, com o objetivo de
verificar se a nacionalidade concedida é internacionalmente oponível a outro Estado.

4.4. Princípio do Vínculo Efetivo


Para que a nacionalidade seja oponível a outro Estado, ela deve respeitar o princípio do
"vínculo efetivo". Isso significa que, mesmo que a nacionalidade seja reconhecida no
direito interno, ela só será válida para fins do direito internacional se houver um vínculo
genuíno e efetivo entre o indivíduo e o Estado, como ficou evidente no caso Nottebohm
de 1955.

4.4.1 Caso Nottebohm, CIJ, 1955 (Liechtenstein vs Guatemala)

Fritz Nottebohm, um cidadão alemão, havia estabelecido residência na Guatemala. No


entanto, durante a Segunda Guerra Mundial, Nottebohm desejava evitar ser considerado
um nacional de um Estado inimigo, o que teria implicações significativas para sua
segurança e seus direitos na Guatemala. Portanto, ele passou um período em
Liechtenstein e, ao fazê-lo, cumpriu os requisitos legais para adquirir a nacionalidade
deste Estado.

No entanto, mais tarde, Nottebohm alegou que seus direitos haviam sido violados pela
Guatemala. Como resultado, Liechtenstein decidiu interpor uma ação perante a CIJ em
seu nome, buscando a proteção diplomática de Nottebohm contra as ações do governo
guatemalteco.

A CIJ, ao analisar o caso, enfrentou uma questão fundamental: a validade da proteção


diplomática com base na nacionalidade adquirida por Nottebohm. A Guatemala
argumentou que a nacionalidade de Liechtenstein não era efetiva e que Nottebohm não
tinha vínculo efetivo com esse Estado.

A CIJ, em sua decisão, concordou com a Guatemala. A Corte entendeu que a


nacionalidade de Liechtenstein adquirida por Nottebohm era meramente formal e não
refletia um vínculo efetivo entre o indivíduo e o Estado. Nottebohm havia passado apenas
um curto período de tempo em Liechtenstein e não tinha laços substanciais com a nação,
sua cultura ou seu território. Portanto, a nacionalidade de Liechtenstein não era
suficientemente efetiva para justificar a intervenção diplomática em seu nome.

Como resultado, a CIJ não analisou o mérito das alegações de violação dos direitos de
Nottebohm pela Guatemala. A decisão da Corte baseou-se na falta de um vínculo efetivo
entre o indivíduo e o Estado cuja proteção diplomática estava sendo invocada.

4.5. Nacionalidade efetiva - critérios e distinção entre nacionalidade


originária e derivada

A determinação da efetividade de uma nacionalidade pode envolver diversos critérios,


alguns dos quais são aplicados na aquisição da nacionalidade originária (ou primária) e
outros na aquisição da nacionalidade derivada (ou secundária). Como foi visto
anteriormente, por ser matéria do direito interno, cada Estado determina os critérios que
serão utilizados para a aquisição de sua nacionalidade. Não existe um rol taxativo de
critérios para que uma nacionalidade seja considerada efetiva, mas alguns comumente
usados são:

4.5.1. Nacionalidade originária (primária): nacional nato


A nacionalidade originária é aquela atribuída no momento do nascimento e é dividida em
dois critérios comuns:

1. Ius Soli (Direito do Solo): De acordo com o princípio do ius soli, os indivíduos que
nascem no território de um Estado adquirem automaticamente a
nacionalidade desse Estado. Esse critério enfatiza o local de nascimento como
fator determinante para a nacionalidade.
2. Ius Sanguinis (Direito do Sangue): O princípio do ius sanguinis estabelece que a
nacionalidade é transmitida aos filhos por meio do sangue, ou seja, de acordo
com a nacionalidade dos pais. Isso significa que uma pessoa pode adquirir a
nacionalidade de seus pais, independentemente de onde tenha nascido.

Destaca-se que um mesmo ordenamento jurídico pode adotar os dois critérios, como
ocorre no Brasil, em que a nacionalidade é concebida tanto pelo fato do nascimento em
território nacional quanto pela nacionalidade dos genitores.

4.5.2. Nacionalidade derivada (secundária): adquirida por fato posterior ao


nascimento

A nacionalidade derivada é aquela adquirida após o nascimento, em virtude de um fato


ou evento subsequente. Aqui estão alguns critérios comuns para aquisição da
nacionalidade derivada:

1. Ius Laboris (Direito do Trabalho): Este critério determina que os indivíduos que
trabalham em território nacional podem adquirir a nacionalidade desse Estado. A
ideia subjacente é que a contribuição para a economia e a sociedade do país pode ser
reconhecida por meio da concessão de nacionalidade.
2. Ius Domicilii (Direito do Domicílio): Pessoas que estabelecem um domicílio em
território nacional também podem adquirir a nacionalidade derivada. Isso ocorre quando
alguém estabelece residência permanente em um país e demonstra um compromisso
com essa nação por meio do domicílio.

3. Casamento: Historicamente, o casamento com um nacional era um critério para a


aquisição de nacionalidade derivada. No entanto, esse critério tem caído em desuso
devido às preocupações de que, em casos de divórcio, a mulher poderia ficar apátrida.
A Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada, de 1957, enfatiza que a
nacionalidade da mulher não deve ser afetada pela celebração ou dissolução do
casamento, nem pela mudança de nacionalidade do marido durante o matrimônio.

4. Religião: Em alguns casos, a religião pode ser um critério para a aquisição de


nacionalidade derivada. Por exemplo, em Israel, a nacionalidade é concedida aos
indivíduos que adotam a religião do Estado.

É importante observar que os critérios para a aquisição da nacionalidade podem variar


significativamente de um país para outro e podem estar sujeitos a mudanças na
legislação ao longo do tempo. Além disso, a validade da nacionalidade para fins do direito
internacional está sujeita ao princípio do "vínculo efetivo", que requer que a nacionalidade
reflete um vínculo genuíno e efetivo entre o indivíduo e o Estado.

4.6. Nacionalidade como Direito Humano


A nacionalidade é uma questão intrinsecamente ligada aos direitos humanos e é
abordada em vários instrumentos internacionais de direitos humanos. Ela desempenha
um papel fundamental na identidade e no acesso aos direitos e proteções de um
indivíduo. A seguir exploraremos como a nacionalidade é reconhecida como um direito
humano em instrumentos-chave de direitos humanos.
4.6.1. Declaração Universal dos Direitos Humanos

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas em 1948, estabelece princípios fundamentais relacionados à
nacionalidade. Os artigos relevantes incluem:

1. Artigo XV (1): "Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade". Este artigo reconhece a
nacionalidade como um direito inerente a todas as pessoas. Ele enfatiza que todos
têm o direito de pertencer a uma nação e serem reconhecidos como seus membros.

2. Artigo XV (2): "Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do


direito de mudar de nacionalidade". Esse artigo protege os indivíduos contra a perda
arbitrária de sua nacionalidade e defende seu direito de optar por mudar de
nacionalidade, desde que o processo de mudança seja conduzido de forma justa e não
discriminatória.

4.6.2. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos

O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado em 1966, expande as


proteções relacionadas à nacionalidade. Em seu artigo 24, parágrafo 3, lê-se: “Toda a
criança tem direito a adquirir uma nacionalidade". Este artigo reconhece o direito das
crianças de adquirir uma nacionalidade e enfatiza a importância de evitar que elas se
tornem apátridas, o que é vital para a garantia de seus direitos e oportunidades.

Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica)

A Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San


José da Costa Rica, é um tratado regional de direitos humanos. Ela reconhece o direito à
nacionalidade no seu artigo 20 (2): "Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado
em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra." Este artigo estabelece o
direito à nacionalidade com base no local de nascimento, garantindo que uma pessoa
tenha uma nacionalidade se não tiver direito a outra nacionalidade.
Esses instrumentos de direitos humanos destacam a importância da nacionalidade como
um direito fundamental e protegem os indivíduos contra a privação arbitrária de sua
nacionalidade. Eles também enfatizam a prevenção da apatridia, garantindo que as
crianças tenham o direito de adquirir uma nacionalidade. A nacionalidade é vista não
apenas como uma questão jurídica, mas como um elemento essencial da identidade e da
cidadania, que desempenha um papel fundamental na proteção dos direitos humanos.

4.7. Conflitos de nacionalidade


Conflitos de Nacionalidade podem ocorrer quando um indivíduo atende aos critérios de
aquisição de nacionalidade de mais de um Estado, configurando uma polipatridia, ou
ainda quando esse indivíduo não atende nenhum requisito, configurando um caso de
grande preocupação do Direito Internacional, a apatridia. Neste capítulo, exploraremos os
conceitos de polipatridia e apatridia, bem como os esforços internacionais para lidar com
essas situações.

4.7.1. Polipatridia: conflitos positivos de nacionalidade

A polipatridia refere-se à situação em que um indivíduo detém mais de uma


nacionalidade, geralmente devido a critérios convergentes adotados por diferentes
Estados. Por exemplo, um indivíduo pode nascer em um país que segue o princípio do ius
soli (direito do solo) enquanto seus pais são nacionais de um Estado que segue o ius
sanguinis (direito do sangue). O direito internacional não veda a polipatridia,
permitindo que uma pessoa detenha múltiplas nacionalidades com base em
circunstâncias como essa.

É importante observar que a polipatridia pode resultar em direitos e obrigações


decorrentes de cada nacionalidade detida. No entanto, pode haver complicações legais
e questões práticas associadas a essa situação, como a determinação da jurisdição
em casos legais e a aplicação de tratados bilaterais ou multilaterais.
A Convenção de Haia de 1930 abordou questões relacionadas aos conflitos de leis sobre nacionalidade,
buscando minimizar seus possíveis impactos negativos. Um dos princípios importantes estabelecidos por
essa convenção em seu artigo 4º é que um Estado não pode exercer a proteção diplomática de um
nacional contra outro Estado do qual o indivíduo também seja nacional. Essa disposição visa evitar que
Estados envolvidos em um conflito de nacionalidade interfiram nos assuntos internos de outros Estados.

4.7.2. Apatridia: conflitos negativos de nacionalidade

A apatridia refere-se à situação em que um indivíduo não possui nacionalidade de


nenhum Estado. Isso pode ocorrer em conflitos negativos de nacionalidade, nos quais
critérios divergentes adotados por diferentes Estados resultam na ausência de uma
nacionalidade efetiva para o indivíduo. Por exemplo, alguém pode nascer em um país que
segue o ius sanguinis, mas seus pais são nacionais de um Estado que segue o ius soli.

Para lidar com a apatridia, foram adotados tratados e convenções internacionais. O


Protocolo Especial Relativo à Falta de Nacionalidade, negociado em Haia em 1930 a
ocasião das negociações da Convenção de Haia sobre Conflitos de Nacionalidade, foi
criado para abordar a questão da apatridia e estabelece diretrizes para a concessão de
nacionalidade a pessoas sem nacionalidade efetiva. Em 1954, a Convenção sobre o
Estatuto dos Apátridas avançou a proteção dos direitos dos apátridas ao definir quem é
considerado apátrida. A Convenção sobre a Redução dos Casos de Apatridia de 1961
insta os Estados a conceder nacionalidade a pessoas nascidas em seu território que,
de outra forma, seriam apátridas. Esta Convenção teve pouca adesão, uma vez que
muitos países já têm adotado o princípio do ius soli, como é o caso do Brasil,
concedendo nacionalidade a pessoas nascidas em seu território, reduzindo assim os
casos de apatridia.

O Brasil não apenas reconhece o ius soli como condição de naturalização de um apátrida,
como também a seção II da lei da migração, que trata da proteção da pessoa apátrida e
da redução da apatridia, prevê um mecanismo simplificado de naturalização em seu
artigo 26. Uma vez reconhecida a condição de apátrida, o solicitante será consultado
sobre o desejo de adquirir a nacionalidade brasileira. Caso não opte pela naturalização
imediata, terá a autorização de residência outorgada em caráter definitivo. Além disso,
caberá recurso contra decisão negativa de reconhecimento da condição de apátrida.

Um grande exemplo de apatridia com relação ao Brasil é o das irmãs Mamo. Maha e Souad
Mamo foram as primeiras apátridas a receberem a nacionalidade brasileira pelo processo
simplificado descrito na Lei de Migração. Elas nasceram no Líbano, país que adota o ius
sanguini, de pais sírios. Por não serem filhas de libaneses, não puderam ser registradas no
Líbano. Tampouco na Síria, já que seus pais não eram oficialmente casados, o que impossibilita
o registro de acordo com a lei local.

4.8. Sucessão e nacionalidade


Na hipótese de desmembramento, quando um novo Estado é criado a partir de um
anterior, os indivíduos afetados têm a oportunidade de escolher entre a nova
nacionalidade do Estado recém-criado e a manutenção de sua nacionalidade original, se
assim o desejarem.

Por outro lado, nos casos de anexação ou dissolução, a nacionalidade do Estado que
deixa de existir deixa de existir junto com ele, o que, em tese, poderia resultar em
apatridia. Para evitar isso, a prática internacional presume que os residentes do território
afetado adquirem automaticamente a nacionalidade do Estado que sucede aquele
território como seu local de residência habitual.

5. A nacionalidade brasileira

5.1. A nacionalidade originária


A nacionalidade brasileira originária refere-se ao conjunto de critérios e condições
estabelecidos na Constituição Federal de 1988 (CF/88) para determinar quem são
considerados brasileiros natos. Essa categoria de nacionalidade confere a condição de
cidadania desde o nascimento, independentemente de qualquer ato formal de aquisição
posterior. A CF estabelece, em seu artigo 12, os seguintes critérios para a nacionalidade
brasileira originária:
5.1.1. Jus Soli: nascidos na República Federativa do Brasil

A nacionalidade brasileira originária é conferida automaticamente às pessoas


nascidas no território da República Federativa do Brasil, independentemente da
nacionalidade de seus pais. No entanto, há uma exceção importante: se os pais da
criança estiverem a serviço de seu país de origem, o filho não adquire
automaticamente a nacionalidade brasileira. Isso significa que se ambos os pais
estiverem a serviço de seu país de origem, o filho não será considerado brasileiro por
nascimento, de acordo com o jus soli. No entanto, se os pais estiverem a serviço de outro
país que não o seu próprio, o filho nascido no Brasil será considerado brasileiro nato.

Para exemplificar, vamos considerar que o filho de dois diplomatas japoneses, a serviço
do Japão, tenham seu filho em território brasileiro. A criança não será automaticamente
brasileira. No entanto, se os pais japoneses estiverem no Brasil representando os
interesses dos Estados Unidos, nesse caso o seu filho, nascido no Brasil, irá adquirir
automaticamente a nacionalidade brasileira.

5.1.2. Jus Sanguinis: nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileira

Outra forma de adquirir a nacionalidade brasileira originária é através do critério jus


sanguinis, que reconhece como brasileiros natos os indivíduos nascidos no estrangeiro,
desde que pelo menos um dos pais seja brasileiro ou brasileira. Nesse caso, a
nacionalidade é transmitida automaticamente de acordo com o princípio de descendência,
refletindo o vínculo de sangue com um progenitor brasileiro.

Além disso, a CF prevê que, para que um filho nascido no estrangeiro de pai brasileiro ou
mãe brasileira adquira a nacionalidade brasileira originária, ele deve ser registrado em
repartição brasileira competente ou, alternativamente, venha a residir na República
Federativa do Brasil e opte, em qualquer momento após atingir a maioridade, pela
nacionalidade brasileira. Esse requisito visa a garantir um nexo efetivo com o país,
permitindo que o indivíduo decida conscientemente sobre sua nacionalidade ao atingir a
idade adulta.
A nacionalidade brasileira originária, portanto, é atribuída de forma automática com base
nos critérios de jus soli e jus sanguinis estabelecidos pela Constituição Federal. Esses
princípios refletem a abertura do Brasil à inclusão de pessoas que nascem em seu
território ou que têm vínculos de sangue com cidadãos brasileiros, promovendo a
diversidade e a integração na sociedade brasileira.

5.2. A nacionalidade brasileira derivada (naturalização)


A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu Artigo 12, os critérios e condições
para a aquisição da nacionalidade brasileira por naturalização. Os brasileiros
naturalizados são aqueles que, na forma da lei, adquirem a nacionalidade brasileira
posterior ao nascimento, em oposição à nacionalidade originária que ocorre em
decorrência do nascimento. Os requisitos e condições para a naturalização variam de
acordo com o país de origem do solicitante.

5.2.1. Naturalização de estrangeiros de países de língua portuguesa

Para os estrangeiros originários de países de língua portuguesa que desejam se


naturalizar brasileiros, a Constituição estabelece requisitos mais flexíveis. Eles devem
cumprir apenas duas condições:

1. Residência no território brasileiro por um ano ininterrupto.


2. Idoneidade moral, ou seja, não ter antecedentes criminais.

Essas condições menos rigorosas refletem a proximidade cultural e linguística entre o


Brasil e os países de língua portuguesa, facilitando a naturalização de cidadãos dessas
nações.
5.2.2. Naturalização de estrangeiros residentes no Brasil

Para estrangeiros de qualquer nacionalidade que tenham residido na República


Federativa do Brasil por um período mínimo de quinze anos ininterruptos e que não
tenham condenações penais, a Constituição permite a naturalização. Essa regra leva
em consideração a longa permanência no país como um indicativo do comprometimento
do estrangeiro com a sociedade brasileira.

5.2.3. Portugueses com residência permanente no Brasil

Os portugueses com residência permanente no Brasil têm direitos equiparados aos dos
brasileiros, desde que haja reciprocidade em favor dos brasileiros em Portugal. No
entanto, a Constituição estabelece exceções específicas, ou seja, alguns direitos que são
exclusivos de brasileiros natos, que analisaremos mais adiante.

CF/88, artigo 12. II - naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de


países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil


há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a
nacionalidade brasileira.

§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em


favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos
previstos nesta Constituição.

A lei 13.445/2017, conhecida como Lei de Migração de Migração, em vigor desde 2017,
complementa a CF/88, estabelecendo e aprimorando as condições e procedimentos para
a naturalização de estrangeiros que desejam se tornar cidadãos brasileiros. A
naturalização é um ato pelo qual o Estado concede a nacionalidade brasileira a um
estrangeiro, permitindo-lhe gozar dos direitos e deveres de um cidadão brasileiro. A lei
prevê quatro formas de naturalização, cada uma com seus requisitos específicos:
Naturalização Ordinária, Extraordinária, Especial e Provisória.
5.3. A nacionalidade brasileira derivada: as formas de naturalização

5.3.1. Naturalização ordinária


A naturalização ordinária é a forma mais comum de naturalização. Para ser elegível, o
estrangeiro deve ter capacidade civil, de acordo com a lei brasileira. Deve também ter
residência no território brasileiro pelo prazo mínimo de 4 (quatro) anos. No entanto,
esse prazo pode ser reduzido para apenas um ano caso tenha filho brasileiro; ou se
tenha cônjuge ou companheiro brasileiro e não estar dele separado legalmente ou de fato
no momento de concessão da naturalização; se houver prestado ou possa prestar serviço
relevante ao Brasil; ou seja recomendado por sua capacidade profissional, científica ou
artística.

Comunicar-se em língua portuguesa, levando em consideração as condições do


naturalizando também é uma exigência para a naturalização ordinária, assim como não
possuir condenação penal ou estar reabilitado, de acordo com a legislação brasileira.

Além disso, a lei estabelece condições especiais para estrangeiros oriundos de países de
língua portuguesa. Para esses indivíduos, o requisito de residência é reduzido para
apenas um ano ininterrupto, e a idoneidade moral ainda é necessária.

5.3.2. Naturalização extraordinária

Diferentemente das naturalizações ordinárias, que estão sujeitas a critérios específicos e


podem ser discricionárias, a naturalização extraordinária é um direito concedido a
pessoas de qualquer nacionalidade que tenham fixado residência no Brasil por um
período contínuo de pelo menos 15 anos. Isso demonstra um comprometimento
substancial com o país e uma integração sólida na sociedade brasileira.

O solicitante não pode ter qualquer condenação penal em seu histórico. Isso significa
que ele deve apresentar uma conduta exemplar e não ter antecedentes criminais que
comprometam sua idoneidade moral.
A naturalização extraordinária é caracterizada pelo fato de que, uma vez que os critérios
são cumpridos, a pessoa tem o direito à nacionalidade brasileira. Diferentemente de
outras formas de naturalização, essa modalidade não está sujeita à discricionariedade
do Estado. Portanto, se um estrangeiro atender aos critérios estabelecidos na lei, ele tem
o direito legal à naturalização brasileira.

5.3.3. Naturalização especial

A naturalização especial é uma modalidade prevista na Lei de Migração brasileira, que


reconhece e recompensa as contribuições excepcionais de estrangeiros que
demonstraram um compromisso notável com o Brasil.

Uma das condições para se qualificar para a naturalização especial é o casamento ou


companheirismo com integrante do serviço exterior brasileiro ou pessoa a serviço do
Brasil no exterior por mais de 5 anos. Outra possibilidade é o emprego em missão
diplomática ou repartição consular do Brasil no exterior. O estrangeiro pode solicitar a
naturalização após ter trabalhado em missão diplomática ou em repartição consular
do Brasil por um período ininterrupto de mais de dez anos.

5.3.4. Naturalização provisória

A naturalização provisória é uma modalidade especial de naturalização que se aplica a


crianças e adolescentes que vivem no Brasil sob circunstâncias específicas. Esta
modalidade reconhece a necessidade de proteção e integração desses indivíduos no
país, levando em consideração o contexto de suas vidas, fazendo valer, a princípio, a
vontade do representante legal sem excluir o princípio do melhor interesse da criança.

A naturalização provisória é concedida a crianças ou adolescentes que estavam


residindo no Brasil antes de atingirem a idade de 10 anos, por solicitação de um
representante legal. Ao atingir a maioridade, o indivíduo terá um prazo de até dois
anos para converter a naturalização provisória em definitiva, caso assim opte
expressamente.
Vale destacar que a naturalização não implica aquisição da nacionalidade brasileira por
filhos ou cônjuge do naturalizado, nem os autoriza a entrar ou permanecer no Brasil em
violação aos dispositivos do Estatuto do Estrangeiro.

5.4. Direitos reservados ao brasileiro nato


A naturalização confere ao naturalizado o gozo de todos os direitos civis e políticos,
excetuados os reservados pela constituição aos brasileiros natos.

O Artigo 12, Parágrafo 2º, da Constituição Federal é claro ao afirmar que a lei não pode
estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos na
própria Constituição. Os principais casos são os cargos reservados a brasileiro nato e
regras de extradição.

5.4.1. Cargos privativos para brasileiro nato

A Constituição Federal de 1988, no Artigo 12, Parágrafo 3º, estabelece uma série de
cargos públicos que são privativos de brasileiros natos. A reserva de cargos públicos para
brasileiros natos é uma precaução destinada a garantir que as funções mais sensíveis do
Estado sejam exercidas por indivíduos com uma ligação profunda e inquestionável com o
Brasil, protegendo assim a soberania e os interesses nacionais.

O cargo de Presidente da República deve ser ocupado por um brasileiro nato em todas as
situações. Nos termos do art. 80, em caso de impedimento do Presidente e do
Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados
ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado
Federal e o do Supremo Tribunal Federal. Logo, todos os cargos acima citados devem
ser ocupados por brasileiros natos para assegurar a continuidade do governo caso
seja eventualmente necessário.

Destarte, os cargos privativos de brasileiro nato incluem:


I - Presidente e Vice-Presidente da República: O mais alto cargo do Poder Executivo e
seu substituto direto devem ser brasileiros natos para garantir uma liderança
inquestionavelmente comprometida com o país.

II - Presidente da Câmara dos Deputados

III - Presidente do Senado Federal

IV - Ministro do Supremo Tribunal Federal: Não apenas o presidente do STF, que está
na lista para substitutos eventuais do chefe do executivo, mas todos os magistrados que
integram o mais alto tribunal do país igualmente devem ser brasileiros natos.

Além dos possíveis ocupantes da função de Presidente da República, a Constituição


considera duas áreas vitais para a soberania nacional: o corpo diplomático e as forças
armadas.

V - Carreira Diplomática: A carreira diplomática, responsável pela representação do


Brasil no exterior, é reservada para brasileiros natos, uma vez que envolve negociações e
acordos que afetam diretamente a soberania nacional.

Atenção! O cargo de Ministro das Relações Exteriores não é reservado exclusivamente a


brasileiros natos, nem mesmo a diplomatas de carreira. O cargo de Ministro das Relações
Exteriores pode ser ocupado por qualquer pessoa maior de 21 anos, que esteja no pleno
exercício dos direitos políticos, conforme estabelecido no Artigo 87 da Constituição.

VI - Oficial das Forças Armadas: Os oficiais das Forças Armadas desempenham um


papel fundamental na defesa do país, e sua nacionalidade brasileira assegura o
comprometimento e a lealdade à pátria.

VII - Ministro de Estado da Defesa: O Ministro de Estado da Defesa, que lidera as


políticas de defesa nacional, deve ser brasileiro nato para garantir a integridade das
decisões estratégicas do país.
Além desses cargos, a Constituição também estabelece que a propriedade de empresas
jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos
ou naturalizados há mais de dez anos. Essa medida visa proteger a comunicação e a
informação no país, evitando influências externas indesejadas.

5.5. Extradição
A extradição é um processo legal que incorre no envio de um indivíduo para ser julgado
por crime cometido na jurisdição de outro Estado, ou para no estrangeiro cumprir pena.

No entanto, o Artigo 5º, Inciso LI, da Constituição Federal é claro ao afirmar que nenhum
brasileiro nato poderá ser extraditado em qualquer circunstância. Isso significa que
os cidadãos brasileiros que nasceram no país têm o direito absoluto de não serem
entregues a outro Estado, independentemente do crime que possam ter cometido ou das
acusações que enfrentam no exterior.

No entanto, de acordo com a Constituição, os brasileiros naturalizados podem ser


extraditados em dois casos específicos:

1. Crime comum praticado antes da naturalização: Se um brasileiro naturalizado


cometer um crime comum antes de adquirir a nacionalidade brasileira, ele pode ser
extraditado em resposta a uma solicitação de outro Estado.
2. Comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins:
A segunda exceção diz respeito a casos de comprovado envolvimento em tráfico
ilícito de entorpecentes e drogas afins. Nesse caso, a naturalização não serve
como proteção contra a extradição.

Vale se atentar que, consoante Portela, “nas hipóteses em que um brasileiro, nato ou
naturalizado, não puder ser extraditado, é indiferente a circunstância de o indivíduo ter
também a nacionalidade do Estado que pede a extradição. Nesse sentido, a extradição
não será concedida”.
Atenção! Não confundir extradição com a entrega ao Tribunal Penal Internacional, realizado sob
os auspícios do Estatuto de Roma. Qualquer indivíduo está sujeito à entrega, independente de
ser brasileiro nato ou naturalizado.

5.6. Perda da nacionalidade brasileira


A nacionalidade é um vínculo jurídico-político que liga um indivíduo a um Estado,
conferindo-lhe uma série de direitos e deveres. No entanto, em certas circunstâncias, a
legislação brasileira permite a perda da nacionalidade brasileira.

5.6.1. Cancelamento da naturalização

De acordo com o artigo 12, § 4º, inciso I, da Constituição Federal, será declarada a perda
da nacionalidade do brasileiro que tiver sua naturalização cancelada por sentença
judicial, em virtude de fraude relacionada ao processo de naturalização ou de
atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

O processo de cancelamento de naturalização é de competência do Ministério Público


Federal, que deve mover uma ação nesse sentido. O julgamento ocorre na Justiça
Federal. A sentença que decreta a perda da nacionalidade tem efeitos a partir do
momento da sua prolação (ex nunc).

5.6.2. Adquirir outra nacionalidade

Em 2023, a Emenda Constitucional 131/2023 alterou o art.12 da Constituição Federal de


maneira que a aquisição espontânea de outra nacionalidade não resulta mais na
perda automática da nacionalidade brasileira. Isto é, com a promulgação da Emenda,
o brasileiro que obtém uma nova nacionalidade agora pode optar por manter as duas
nacionalidades.
Nos termos da Constituição:

Art. 12. (...)

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de fraude relacionada
ao processo de naturalização ou de atentado contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático;

II - fizer pedido expresso de perda da nacionalidade brasileira perante autoridade brasileira


competente, ressalvadas situações que acarretem apatridia.

§ 5º A renúncia da nacionalidade, nos termos do inciso II do § 4º deste artigo, não impede o


interessado de readquirir sua nacionalidade brasileira originária, nos termos da lei.

Antes, o artigo 12, § 4º, inciso II, agora modificado, estabelecia que a aquisição de outra
nacionalidade, salvo algumas exceções, resultava na perda da nacionalidade brasileira.
Por seus termos, se um brasileiro adquirisse outra nacionalidade por meio do
reconhecimento da nacionalidade originária pela lei estrangeira, ele não perderia
automaticamente a nacionalidade brasileira. A nacionalidade brasileira também não seria
perdida quando um brasileiro residente em estado estrangeiro fosse obrigado a se
naturalizar de acordo com as normas desse país, como condição para permanecer em
seu território ou exercer direitos civis. Nesse caso, a manutenção da nacionalidade
brasileira era permitida, reconhecendo a situação de coerção imposta pelo Estado
estrangeiro.

Tais hipóteses foram modificadas com a EC 131/2023.

5.6.3. O Caso Cláudia Hoerig e a Emenda Constitucional 131/2023

O caso de Cláudia Hoerig é emblemático no que diz respeito à perda de nacionalidade


brasileira. Originalmente uma brasileira nata, Cláudia Hoerig optou por naturalizar-se
estadunidense em algum momento de sua vida. No entanto, sua vida deu uma reviravolta
quando foi acusada do homicídio de seu marido e, posteriormente, fugiu para o Brasil.

O caso ganhou notoriedade quando as autoridades dos Estados Unidos solicitaram a


extradição de Cláudia Hoerig para enfrentar as acusações em solo americano. A princípio
ela não poderia ser extraditada por ser brasileira nata. Porém, o STF reconheceu que, de
acordo com a hipótese prevista no artigo 12 da CF/88, ela havia perdido sua
nacionalidade brasileira ao optar pela americana, podendo, dessa forma, ser extraditada.

O caso gerou debates sobre a legislação de nacionalidade brasileira. Em 2018, uma


Proposta de Emenda à Constituição (PEC) conhecida como PEC 6/2018 foi apresentada,
buscando alterar a Constituição Brasileira para que a aquisição espontânea de outra
nacionalidade não resultasse automaticamente na perda da nacionalidade brasileira,
tornando-a optativa. Em outubro de 2023 a PEC foi aprovada, alterando o previsto no art.
12 da Constituição. Agora, o brasileiro que obter uma nova nacionalidade poderá
optar por manter as duas nacionalidades.

5.7. Reaquisição da nacionalidade brasileira

A legislação brasileira prevê a possibilidade de reaquisição da nacionalidade brasileira


para aqueles que, em razão do previsto no inciso II do § 4º do art. 12 da Constituição
Federal, tenham perdido sua nacionalidade.

5.7.1. Cessação da causa da perda da nacionalidade

A Constituição Federal, em seu artigo 12, § 4º, inciso II, prevê a perda da nacionalidade
brasileira em caso de pedido expresso pelo nacional perante autoridade brasileira
competente, ressalvadas situações que acarretem apatridia

Nos termos do Art.12, § 5º da Constituição, a renúncia da nacionalidade não impede o


interessado de readquirir sua nacionalidade brasileira originária.

O procedimento para a reaquisição da nacionalidade brasileira é definido pelo órgão


competente do Poder Executivo. É importante notar que a reaquisição da nacionalidade é
um ato administrativo e, portanto, deve seguir as regulamentações estabelecidas pelas
autoridades competentes.
5.7.2. Aspectos específicos

Vale ressaltar que o sistema brasileiro não prevê a aquisição automática da nacionalidade
brasileira como efeito direto e imediato do casamento civil.

Além disso, a adoção por brasileiros de crianças estrangeiras não afeta a


nacionalidade da criança. Isso significa que a nacionalidade da criança adotada
permanece a mesma, e a adoção não resulta em mudança na sua condição de nacional
estrangeira.

5.8. Nacionalidade de pessoa jurídica


O debate sobre a nacionalidade das pessoas jurídicas é dividido. Algumas correntes,
como a de Francisco Rezek, argumentam que a nacionalidade se aplica apenas a
pessoas físicas, pois o vínculo político não se estende a entidades jurídicas formadas por
contratos de Direito Privado. Por outro lado, há uma parte da doutrina que defende que as
pessoas jurídicas têm nacionalidade, sendo essa ligação apenas jurídica, não política.
Argumenta-se que, ao serem constituídas, as empresas adquirem uma personalidade
própria separada de seus criadores. Além disso, a nacionalidade da pessoa jurídica é
vista como relevante para questões como a legitimidade do Estado para defender os
direitos de seus nacionais em disputas internacionais, a determinação da lei aplicável em
conflitos entre diferentes sistemas jurídicos e o estabelecimento da posição da entidade
no âmbito interno de um Estado.

5.8.1. Critérios para determinar a nacionalidade de pessoa jurídica

Os principais critérios adotados para determinar a nacionalidade de uma empresa são a


incorporação, a sede social e o controle acionário.
1. Incorporação: De acordo com este critério, a nacionalidade de uma empresa é
determinada pela lei do Estado onde ela foi constituída.

2. Sede Social: Outro critério considera que a empresa tem a nacionalidade do


Estado onde está localizada sua sede social. Isso implica que a nacionalidade

3. da empresa é vinculada ao local onde suas operações administrativas e gerenciais


são centralizadas.

4. Controle Acionário: Neste critério, a nacionalidade da empresa está relacionada


aos acionistas majoritários ou ao controle de seu capital. Se a maioria dos
acionistas ou o controle financeiro da empresa pertencer a cidadãos de um
determinado país, a empresa pode ser considerada como tendo a nacionalidade
desse país.

É importante mencionar que quando uma empresa não possui atividades econômicas
substanciais no Estado onde foi constituída, e o gerenciamento e controle financeiro da
empresa estão localizados em outro Estado, o último Estado pode ser considerado como
o Estado da nacionalidade da empresa.

No caso do Brasil, a LINDB em seu artigo 11 caput afirma que: As organizações


destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à
lei do Estado em que se constituírem. Destarte, a legislação brasileira encontra respaldo
no critério de incorporação.

5.8.2. O Caso Barcelona Traction

No caso Barcelona Traction, Light and Power Company (Bélgica vs. Espanha) de 1970, a
CIJ deu um passo importante na discussão sobre a nacionalidade de empresas e as
implicações da proteção diplomática. A Barcelona Traction, Light and Power Company era
uma empresa que operava na Espanha. No entanto, a maioria de seus acionistas era de
nacionalidade belga. Quando ocorreram disputas e alegações de violações de direitos dos
acionistas belgas em relação à remessa de lucros da empresa, a Bélgica buscou exercer
a proteção diplomática em nome de seus nacionais.
A CIJ adotou o critério da incorporação como base em sua decisão, determinando que a
nacionalidade da Barcelona Traction é vinculada à lei do Estado onde foi constituída, ou
seja, o Canadá. A Corte argumentou que não eram os interesses dos acionistas que
estavam sendo protegidos, e sim da empresa canadense. Portanto, deveria ser o Canadá
e não a Bélgica a exercer a proteção diplomática sobre os trabalhadores da empresa.
Destarte, o caso foi extinto sem causa de mérito.

5.9. A Nacionalidade de embarcações e aeronaves


A nacionalidade não se aplica apenas a pessoas físicas e jurídicas, mas também se
estende a embarcações e aeronaves. No entanto, ao contrário das pessoas, não há o
conceito de dupla nacionalidade para esses meios de transporte. Cada embarcação e
aeronave deve ser atribuída a um único Estado de matrícula, de acordo com as normas
estabelecidas por esse Estado.

Mesmo quando embarcações e aeronaves pertencem a empresas transnacionais ou têm


operações em diversos países, elas devem ter uma única nacionalidade, determinada
pelo Estado responsável por sua matrícula.

O artigo 5º, parágrafo 2º, do Código Penal Brasileiro estipula que a lei penal brasileira se
aplica a crimes cometidos a bordo de embarcações e aeronaves brasileiras, sejam elas
de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro, independentemente de sua
localização geográfica.

Além disso, a mesma regra se aplica a crimes cometidos a bordo de aeronaves e


embarcações brasileiras, sejam elas de natureza mercante ou de propriedade privada,
desde que se encontrem no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. Isso significa
que a nacionalidade da embarcação ou aeronave determina a aplicação da lei penal,
independentemente de onde o delito ocorreu.
6. A Condição Jurídica do Estrangeiro

6.1. Noções gerais

A situação jurídica do estrangeiro no Brasil é um tema de grande importância no contexto


das relações internacionais e da legislação migratória do país. Independentemente da
motivação que traz um estrangeiro a território brasileiro, seja ela trabalho, turismo, estudo,
ou outras, é fundamental compreender que, desde sua entrada, ele passa a ser detentor
de direitos e deveres que são regidos pela Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017). Esta
legislação estabelece as bases para a organização da política migratória brasileira,
garantindo não apenas a proteção dos direitos fundamentais dos estrangeiros, mas
também a salvaguarda dos interesses nacionais.

O antigo Estatuto do Estrangeiro, que vigorou por muitos anos, estava pautado por uma
lógica soberanista. Sob essa perspectiva, via-se o estrangeiro como "o outro", quase
como um inimigo, sob a ótica de Carl Schmitt. A principal ênfase desse estatuto estava na
contribuição que o estrangeiro poderia fazer para a economia local, proporcionando
mão-de-obra especializada aos diversos setores da economia nacional. Essa abordagem
tinha um viés utilitarista, buscando trazer trabalho e conhecimento especializado ao
país, sendo criado sob a lógica do interesse nacional.

Por outro lado, a nova Lei de Migração, promulgada em 2017, representa uma mudança
significativa. Ela foi criada sob a lógica dos direitos humanos e se baseia em princípios
fundamentais, como a universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos
humanos, o repúdio e a prevenção à xenofobia, a não criminalização da migração, a
acolhida humanitária, a garantia do direito à reunião familiar, a igualdade de tratamento e
de oportunidade ao migrante e a seus familiares, bem como a inclusão social, laboral e
produtiva do migrante por meio de políticas públicas.

Essa mudança de paradigma na legislação migratória brasileira reflete uma abordagem


mais humanitária e inclusiva, que reconhece não apenas as contribuições econômicas
dos estrangeiros, mas também seus direitos e dignidade como seres humanos.
6.2. Entrada do migrante
A autorização para a entrada de estrangeiros é uma prerrogativa discricionária do
Estado, e esta é uma regra universalmente aceita no direito internacional. Nenhum
Estado é obrigado a permitir a entrada de estrangeiro em seu território,
independentemente de sua posição social, seja ela Papa, diplomata, ou qualquer
outra. No entanto, é importante destacar que, por outro lado, o Estado não pode recusar a
entrada ou a permanência em seu território de um nacional seu. Essa distinção entre
estrangeiros e nacionais é fundamental na compreensão da legislação migratória e da
situação jurídica dos estrangeiros no Brasil. Nesta apostila, examinaremos
detalhadamente os direitos e deveres dos estrangeiros no país, considerando a Lei de
Migração e outros instrumentos legais relevantes.

6.2.1. Concessão do visto

O primeiro passo para ingressar no Brasil como estrangeiro é a obtenção de um visto,


que é um documento de viagem essencial e representa um "justo título" para a entrada
no país. No entanto, é importante destacar que o visto proporciona uma expectativa de
ingresso, mas não garante a entrada definitiva em território nacional. A concessão ou
negação da entrada é discricionária e depende das autoridades migratórias brasileiras.

Existem diferentes tipos de visto, cada um adequado a diferentes situações e intenções


dos migrantes. De acordo com o artigo 12 da Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), os
tipos de visto são:

1. Visto de Visita: Este tipo de visto é concedido a estrangeiros que desejam entrar
no Brasil sem a intenção de estabelecer residência. Pode ser utilizado para fins
de turismo, negócios, trânsito, atividades artísticas ou desportivas, entre outros. É
importante ressaltar que a estada no país com esse visto é temporária.
2. Visto Temporário: Este visto é destinado a estrangeiros que pretendem
estabelecer residência no Brasil por um período determinado. Pode ser
concedido para finalidades como pesquisa, tratamento de saúde, acolhida
humanitária, entre outros. Os vistos temporários são fundamentais para aqueles
que desejam residir temporariamente no país.

3. Visto Diplomático: Este visto é concedido a estrangeiros que estão em missão


oficial de caráter transitório ou permanente, representando um Estado
estrangeiro ou uma Organização Internacional.

4. Visto Oficial: Similar ao visto diplomático, o visto oficial é concedido a estrangeiros


que estão em missão oficial, mas não têm o status diplomático. Ele é
concedido a funcionários de organizações internacionais e a outros representantes
de governos estrangeiros em caráter não-diplomático.

5. Visto de Cortesia: Esse tipo de visto é destinado aos familiares e


acompanhantes de beneficiários de visto diplomático ou oficial.

6.2.2. Visto negado e isenção

Apesar das diversas possibilidades de obtenção do visto, há hipóteses objetivas previstas


em lei nas quais o visto não será concedido. Além das situações de documentação
inválida, apresentaremos a seguir algumas das principais hipóteses previstas no artigo 45
da Lei de Migração.

A concessão de visto pode ser negada a estrangeiros que tenham sido previamente
expulsos do Brasil. Essa medida visa garantir a segurança e a ordem interna do país.

Outra hipótese envolve estrangeiros que são acusados ou respondem por crimes do
Tribunal Penal Internacional, incluindo crimes contra a humanidade, crimes de guerra
ou crimes de agressão. O Brasil, como signatário do Estatuto de Roma, coopera com o
TPI em questões relacionadas a tais crimes.
Os estrangeiros condenados por atos de terrorismo ou crimes de genocídio, bem
como aqueles que estão respondendo a processos por tais crimes, podem ter a
concessão de visto negada. Isso está alinhado com os compromissos internacionais do
Brasil na luta contra o terrorismo e a promoção da justiça.

A Lei de Migração também prevê que a concessão de visto também pode ser negada a
estrangeiros que estão respondendo a processos por crimes dolosos que são
passíveis de extradição. Essa medida visa garantir que o Brasil não se torne um refúgio
para pessoas que estão fugindo da justiça em seus países de origem.

É importante realçar que o artigo 44 conta com um importante parágrafo único que gera
uma obrigação negativa ao Estado:

Lei nº 13.445/2017. Artigo 45, parágrafo único: Parágrafo único. Ninguém será impedido de
ingressar no País por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou
opinião política.

Além das hipóteses de obtenção do visto, é importante abordar outras situações


relevantes relacionadas à entrada de estrangeiros no Brasil, em especial a dispensa de
visto.

A dispensa de visto significa que estrangeiros podem entrar no Brasil sem a


necessidade de obter um visto específico.

Uma das principais situações em que a dispensa de visto se aplica é a reciprocidade em


favor de brasileiros. Isso significa que, se um país concede a dispensa de visto para
cidadãos brasileiros, o Brasil pode adotar uma abordagem semelhante para os cidadãos
desse país, promovendo relações bilaterais baseadas na reciprocidade.

Para facilitar a livre circulação dos residentes fronteiriços, a legislação migratória brasileira
prevê a possibilidade de conceder uma autorização para a realização de atos da vida
civil. Isso é particularmente importante nas áreas de fronteira, onde a interação entre
comunidades de ambos os lados da fronteira é frequente e necessária para atividades
cotidianas. Compras, negócios e visitas familiares podem ser realizados sem a
necessidade de obter um visto de entrada completo, promovendo relações amistosas
e interações benéficas entre as comunidades dos países vizinhos.

O visto ou a autorização de residência para fins de reunião familiar são concedidos a


imigrantes que atendem aos critérios estabelecidos pela Lei de Migração. O visto ou a
autorização de residência para fins de reunião familiar é concedido sem discriminação
alguma, seja para cônjuges ou companheiros, reconhecendo o direito à reunião de
casais em união estável. Também podem ser concedidos aos filhos de imigrantes que
tenham brasileiros sob sua tutela ou guarda. Isso é fundamental para manter a
integridade das famílias e garantir que crianças não sejam separadas de seus pais
durante processos migratórios.

6.2.3.Tipificação da migração ilegal

A migração ilegal é uma questão séria e está intrinsicamente ligada com graves ilícitos
transfronteiriços como o tráfico de pessoas e pode resultar em penalidades severas para
aqueles que a promovem. Visando combater essa prática, a legislação migratória
brasileira considera ilegal a promoção, por qualquer meio, com o fim de obter vantagem
econômica, da entrada ilegal de estrangeiro em território nacional ou de brasileiro em país
estrangeiro.

6.3. Permanência do estrangeiro

Uma vez em território nacional, o Estado é obrigado a garantir ao estrangeiro um


padrão mínimo internacional de direitos, que asseguram a dignidade e os direitos
essenciais da pessoa humana. A Constituição Federal do Brasil, em seu Artigo 5º,
estabelece de maneira clara e abrangente que "todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes."
É importante destacar que, apesar da redação original do dispositivo constitucional, a
interpretação consolidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é de que esses
direitos fundamentais se aplicam a todos os estrangeiros em território nacional,
independentemente de seu status de residência. Isso significa que tanto os estrangeiros
residentes quanto aqueles que estão no Brasil de forma temporária ou como turistas têm
direito à proteção de seus direitos fundamentais de acordo com os padrões estabelecidos
na Constituição.

6.3.1. Direitos dos migrantes

Durante sua permanência no Brasil, os migrantes, sejam eles residentes ou temporários,


têm direitos que abrangem diversas esferas da vida, incluindo direitos e liberdades civis,
sociais, culturais e econômicos. Os migrantes no Brasil gozam de direitos civis como a
liberdade pessoal, o direito à vida, à liberdade de locomoção e à igualdade perante a lei.
Os migrantes têm o direito de serem tratados com justiça e equidade, sem discriminação.

Também têm acesso aos benefícios da seguridade social, incluindo saúde, educação e
previdência social, em condições equivalentes às dos brasileiros, entre outros direitos
sociais.

Os migrantes têm o direito de participar da vida cultural do país e de preservar sua


própria cultura. O Brasil valoriza a diversidade cultural e promove o respeito às diferentes
tradições e identidades culturais. Os migrantes também gozam de direitos econômicos,
tendo direito ao trabalho digno e ao exercício de atividades econômicas de acordo com a
legislação brasileira.

Apesar da extensa gama de direitos civis, sociais, culturais e econômicos garantidos aos
migrantes, eles não têm direitos políticos no Brasil. Isso significa que os estrangeiros
não podem votar em eleições nacionais ou exercer cargos políticos, e também não podem
participar de atividades que envolvam direitos políticos, como referendos e plebiscitos.

No entanto, embora os cargos públicos no Brasil estejam restritos aos seus


nacionais, professores, pesquisadores ou cientistas estrangeiros que tenham sido
convidados a trabalhar em instituições de ensino ou pesquisa no Brasil podem ser
autorizados a exercer cargos estatutários, mesmo sem nacionalidade brasileira. Essa
exceção reconhece a importância da contribuição intelectual e acadêmica de estrangeiros
para o desenvolvimento do país.

6.4. Estatuto da Igualdade Brasil-Portugal


O Estatuto da Igualdade, consagrado no ordenamento jurídico brasileiro, representa um
marco importante nas relações entre o Brasil e Portugal, estabelecendo uma série de
direitos e deveres para os portugueses residentes permanentemente no país. Essa
legislação é respaldada pela Constituição Federal, especificamente no Artigo 12,
Parágrafo 1º, que estabelece: "Aos portugueses com residência permanente no País, se
houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao
brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição."

O Estatuto da Igualdade teve origem na Convenção sobre Igualdade de Direitos e


Deveres entre Brasileiros e Portugueses, promulgada em 1971, e foi posteriormente
regulamentado pelo Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre Brasil e Portugal,
firmado em 2000. Esse conjunto de acordos alterou significativamente a clássica noção
de nacionalidade como pressuposto ao exercício da cidadania, permitindo que os
portugueses residentes permanentemente no Brasil desfrutem de direitos inerentes à
qualidade de cidadão brasileiro, bem como assumam os deveres correspondentes.

16.2.1. Equivalência de direitos e deveres:

O Estatuto da Igualdade estabelece que os portugueses com residência permanente no


Brasil têm os mesmos direitos e deveres dos nacionais brasileiros, exceto aqueles
expressamente reservados aos seus nacionais. Isso significa que os portugueses podem
exercer cargos públicos, sejam eles eletivos ou não, como os de senador, deputado,
governador e magistrado. No entanto, há ressalvas importantes, uma vez que eles não
podem ocupar cargos privativos de brasileiros natos, conforme estabelecido no Artigo
12, Parágrafo 3º, da Constituição Federal.
Os portugueses que desejam gozar de direitos políticos no Brasil, como votar e serem
votados, precisam cumprir o requisito de três anos de residência habitual no país e
apresentar requerimento à autoridade competente, que no Brasil é o Ministério da Justiça.
O estatuto de igualdade pode ser extinto caso o beneficiário perca sua nacionalidade
portuguesa ou tenha a cessação da autorização de permanência no território brasileiro.
Além disso, é importante destacar que o português que goza do regime da igualdade não
adquire a condição de brasileiro nato ou naturalizado, permanecendo como estrangeiro,
sujeito à possibilidade de extradição e não estando sujeito ao serviço militar obrigatório.

6.5. Medidas de retirada compulsória


As medidas de retirada compulsória, que incluem deportação, expulsão e repatriação, têm
como objetivo principal a remoção de estrangeiros que não atendem aos requisitos
legais para permanecer em um determinado território. Embora compartilhem o
objetivo de retirar indivíduos do país de acolhimento, cada uma dessas medidas possui
nuances específicas em termos de processo e consequências legais. Neste capítulo,
exploraremos detalhadamente as características, procedimentos e implicações legais da
deportação, expulsão e repatriação, destacando como essas medidas afetam os
migrantes e suas circunstâncias individuais.

De acordo com o artigo 47 da Lei de Migração, independente da medida a ser tomada -


deportação, expulsão ou repatriação - ela será feita para o país de nacionalidade ou de
procedência do alvo da medida. Podendo ser para outro país que o aceite a depender do
caso.

Lei nº 13.445, Art. 47: A repatriação, a deportação e a expulsão serão feitas para o país de
nacionalidade ou de procedência do migrante ou do visitante, ou para outro que o aceite, em
observância aos tratados dos quais o Brasil seja parte.
6.5.1. Repatriação

A repatriação é uma medida migratória que envolve a devolução de estrangeiros que se


encontram em situação de impedimento de entrada no território nacional. Essa medida
é aplicada quando o estrangeiro não chega a efetivamente entrar no Brasil, ou seja, não
ultrapassa o controle de fronteiras. A repatriação é realizada às custas da empresa de
transporte que trouxe o estrangeiro ao país.

O Estado pode recorrer à repatriação quando o indivíduo é impedido de entrar no


Brasil. Isso pode ocorrer devido a irregularidades em sua documentação, falta de visto
apropriado, ou outros fatores que não atendem aos requisitos legais para a entrada no
país. Ademais, na hipótese de um estrangeiro cometer um crime doloso que é passível
de extradição, ele pode ser repatriado antes mesmo de entrar no país onde
provavelmente seria sujeito ao processo de expulsão.

Para implementar a repatriação, a legislação estabelece que as empresas


transportadoras e a autoridade consular do país de nacionalidade do estrangeiro ou do
visitante, ou quem o representa, devem ser notificadas. Além disso, em casos em que a
repatriação não é possível, a Defensoria Pública da União deve ser informada.

É importante observar que a repatriação não se aplica àqueles em situação de refúgio ou


apatridia, de fato ou de direito. Também não se aplica a menores de dezoito anos
desacompanhados ou separados de suas famílias, bem como a qualquer caso em que a
devolução para o país ou região de origem possa apresentar risco à vida, integridade
pessoal ou liberdade do estrangeiro.

6.5.2. Deportação

A deportação é uma medida migratória que envolve a saída compulsória de estrangeiros


que se encontram em situação irregular no Brasil. Essa medida é aplicada quando um
estrangeiro excede o prazo de sua estadia, entra em atividade remunerada enquanto está
em situação de turista, ou viola de alguma forma as condições de sua permanência
no país. A deportação é uma medida administrativa e é executada pela Polícia Federal.
A deportação tem como objetivo principal a regularização da situação migratória do
estrangeiro, garantindo que ele deixe o país de forma adequada e possa, se desejar,
retornar legalmente em um momento posterior. começa com a notificação do estrangeiro
em situação irregular. A partir do recebimento da notificação, o estrangeiro tem um prazo
de sessenta dias para regularizar a sua situação migratória ou deixar o Brasil
voluntariamente. É importante destacar que a deportação não impede que o estrangeiro
retorne ao Brasil legalmente em um momento posterior, desde que atenda aos
requisitos e condições estabelecidos pelas leis migratórias.

A deportação é aplicada em situações de irregularidade migratória, como a entrada ou


permanência sem visto adequado, permanência além do prazo permitido, o exercício de
atividade remunerada enquanto em situação de turista, ou cancelamento da autorização
de residência. Durante o processo de deportação, o estrangeiro tem o direito ao
contraditório, à ampla defesa e à garantia de recurso com efeito suspensivo, o que
significa que ele pode recorrer da decisão e, enquanto o recurso estiver pendente, sua
saída compulsória é suspensa.

É importante ressaltar que a deportação não pode ser usada como um disfarce para a
extradição, ou seja, não pode ser utilizada como uma maneira de enviar uma pessoa de
volta ao seu país de origem quando a extradição não é admitida pela legislação brasileira.

6.5.3. Expulsão

A expulsão é uma decisão discricionária do Estado, que envolve a retirada compulsória


de estrangeiros do território nacional, tomada após processo legal que inclui ampla
defesa por parte do estrangeiro, combinada com o impedimento de seu reingresso por
um prazo determinado. A expulsão pode ser aplicada quando um estrangeiro é acusado
de cometer crimes que estão previstos no Estatuto de Roma, como genocídio, crimes
contra a humanidade, crimes de guerra e agressão.

A expulsão também pode ocorrer em casos de estrangeiros que cometeram crimes


comuns dolosos que são passíveis de pena privativa de liberdade. A decisão leva em
consideração a gravidade do crime e a possibilidade de ressocialização do indivíduo em
território nacional.

A expulsão não é aplicada quando a extradição é inadmitida pela legislação brasileira,


como nos casos de brasileiros natos e naturalizados. Além disso, a expulsão não ocorrerá
se o estrangeiro tiver um filho ou pessoa brasileira sob sua tutela, tiver cônjuge residente
no Brasil, morar no país desde antes dos 12 anos de idade ou se for uma pessoa com
mais de 70 anos que resida no Brasil há mais de 10 anos.

A legislação migratória brasileira também estabelece que a expulsão não será realizada
se houver razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou a
integridade pessoal do estrangeiro. Além disso, não são permitidas expulsões coletivas.
Bibliografia
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PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 15.ed.


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