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8 de Janeiro de 2023

Definição, classificação, direitos e deveres dos Estados no


plano internacional

Breve resumo doutrinal: definição, classificação, direitos e deveres dos


Estados como sujeitos de direito internacional público

Publicado por João Rodrigo Stinghen há 4 anos  7.599 visualizações

1. Definição e classificação
O Estado é a principal personalidade jurídica internacional,
sendo o sujeito por excelência desta área do direito.
Tradicionalmente, concepção herdada de WEBER[1], o Estado
contemporâneo é identificado com uma sociedade política
concreta, o Estado moderno ocidental. Seu conceito jurídico
alcança, genericamente, toda sociedade política concebida
como ordem jurídica soberana em determinado território[2].
Sua estrutura define-se pela coexistência harmônica de quatro
elementos: a) população permanente; b) território
determinado; c) governo soberano; d) capacidade de
estabelecer relação com outros estados[3]. Do Estado o Direito
Internacional só veio a se ocupar a partir da sua incorporação
à comunidade internacional. Paradoxalmente, embora o
Estado soberano seja o sujeito central, primário, do direito
internacional, este só se organiza como um sistema
institucional e normativo ao restringir a soberania daquele,
que o compõe.

Vale notar que a extensão territorial nada tem a ver com a


personalidade jurídica perante a comunidade internacional,
como decorrência do princípio da igualdade (entre estados
grandes e pequenos). Nesse sentido, a partir da década de 60, a
ONU veio a reconhecer diversas soberanias acunhadas de
“microestados”, gerando debates a respeito da capacidade real
de independência dessas coletividades. Isso porque, devido ao
processo de descolonização, muitos povos conseguiram o
status de Estado, ao passo que permaneciam dependentes em
face da desigualdade em desenvolvimento[4]. Fato é que,
desde a Segunda Guerra Mundial, a tendência geral é não ter
tanto rigor para o reconhecimento dos estados, pelo princípio
da autodeterminação dos povos[5].

Os Estados podem ser classificados segundo variados


critérios, quanto ao poder, por exemplo, ou quanto grau de
desenvolvimento. Entretanto, tradicionalmente, o direito
internacional mais se ocupa de sua estrutura, da qual decorre
a capacidade de exercer direitos e deveres no plano
internacional[6].

Estado simples é aquele plenamente soberano no plano


externo, e sem divisão em autonomias, sem repartição de
competências, no interno. Ou seja, é um “todo” homogêneo,
indivisível, cujas frações, se existirem, possuem igualdade. Um
mesmo governo central e um único poder legislativo, de
âmbito nacional. Ou seja, nos Estados unitários existe um só
poder político para toda a sua extensão territorial.[7] Trata-se
do tipo mais comum e ainda a regra no mundo moderno,
compondo a grande maioria dos Estados na atualidade
(Portugal, Itália, França me Polônia, na Europa; Japão e
Filipinas, na Ásia; e Uruguai, Chile, Paraguai, Bolívia ePeru, na
América Latina).

Não são simples os estados compostos. Historicamente, a


composição dos estados dava-se dar por coordenação ou
subordinação, conforme houvesse igualdade ou não entre as
unidades, respectivamente.

Compostos por subordinação existiam, assim, os estados


vassalos, os protetorados e os clientes, em relações nas quais
cediam, voluntariamente ou não, parte de sua soberania a
outro estado – sendo que este permanecia plenamente
soberano. Inexistem, atualmente, estados deste jaez, por
decorrência, sobretudo, do princípio da não intervenção[8].

Quanto à composição por coordenação[9], define-se como uma


associação entre estados soberanos ou unidades estatais.
Contempla diversas modalidades. Caíram em desuso a união
pessoal, uma reunião de soberanias, acidental e temporária,
sob a pessoa de um monarca (para fins externos); bem como a,
união real, um acordo em que dois estados delegavam a
atuação internacional a um órgão especial. Na vigência dessas
composições, os estados perdiam a soberania.

A confederação, por sua vez, consiste na associação livre de


estados que, sem perder sua representação jurídica
internacional, cedem parte de suas liberdades de ação para
uma autoridade internacional, criada para uma atuação
específica (ex: manutenção da paz, defesa, proteção de
interesses, etc). Tal autoridade se trata de uma assembleia de
plenipotenciários dos governos confederados, que decide em
regime de unanimidade.
Por sua vez, o estado federal (federação) é formado por um
conjunto de unidades federativas autônomas no plano interno,
mas submetidas a um governo federal, que exerce a soberania,
representando o país e o defendendo no plano externo, de
modo que a personalidade internacional só existe para este
último. É o exemplo do Brasil (desde 1989), dos EUA (desde
1776) e da Suíça (desde 1848)

2. Direitos e deveres
Após o ingresso do estado na comunidade internacional, ele é
plenamente capaz de exercer os direitos correspondentes.
Tratar destes é, ao mesmo tempo, tratar dos principais deveres
(bilateralidade atributiva da norma). Assim, dispensa-se um
arrolamento de deveres.

O Estado é universalmente reconhecido como pessoa


jurídica, que expressa sua vontade através de
determinadas pessoas ou determinados órgãos. Nesse
dado é que se apoiam todas as teorias que sustentam a
limitação jurídica do poder do Estado, bem como o
reconhecimento do Estado como sujeito de direitos e de
obrigações jurídicas. O poder do Estado é, portanto,
poder jurídico, sem perder seu caráter político[10].

Embora positivistas neguem que haja direitos fundamentais


para os estados, tradicionalmente, a doutrina elenca-os como
sendo cinco: a independência, a conservação, a igualdade,
honra ou respeito e o livre comércio. ACCIOLY, SILVA e
CASTELLA[11], no entanto, aduzem que o direito à existência
seria o único verdadeiramente fundamental, do qual emanam
todos os demais. Dentre estes, seis merecem destaque, sobre os
quais se passa a discorrer, seguindo as orientações destes
célebres autores[12].
A liberdade é uma decorrência lógica da soberania estatal.
Internamente, a soberania confunde-se com a autonomia, e
quer significar poder do estado sobre as pessoas e coisas afetas
a sua jurisdição. É a liberdade de organização política,
legislativa e jurisdicional, bem como o exercício do “domínio
eminente” sobre o bpróprio território. Externamente, a
soberania é independência, ou seja, liberdade para se
relacionar na comunidade internacional. Trata-se do livre
estabelecimento de tratados e o direito às legações. Em
consequência da defesa dessa liberdade e com o crescente
desenvolvimento do direito internacional, através da criação e
expansão da comunidade internacional, que se evidencia pela
ampliação das relações bilaterais e multilaterais em vários
campos, surgiu a dificuldade lógica em conciliar os diversos
interesses quando tratados internacionais são propostos.
Busca-se, por isso, alcançar o estabelecimento de mínimos
comuns aos quais todos estejam dispostos a aderir, tendo em
vista que se deseja a ampliação da comunidade internacional.
Assim nasceu a instituição legal da reserva, em que um Estado
pode aderir a um tratado, ainda que não se submetendo a
todas as suas cláusulas. Por meio da reserva possibilitou-se
uma solução entre a contraposição de interesses nacionais e
exigências do Direito internacional[13].

A igualdade é axiomática à realidade jurídica em si, individual


e estatal. A Convenção Pan-americana de Direitos e Deveres de
Montevidéu (1933), magistralmente, aduz que “os direitos de
cada um não dependem do poder de que disponha para
assegurar seu exercício, mas do simples fato de sua existência
como pessoa de Direito Internacional” (art. 4º). Por
conseguinte, nas decisões internacionais, a cada estado
corresponde um voto, independentemente de poderio bélico
ou econômico. Além disso, não é lícito, em regra, que um
estado invoque jurisdição sobre outro – ressalvado o
imperativo da cooperação judicial internacional e da livre
renúncia a tal imunidade (v. abaixo).
O respeito mútuo define-se como o “direito, que tem cada
estado, de ser tratado com consideração, pelos demais estados,
e de exigir que os seus legítimos direitos, bem como a sua
dignidade moral e a sua personalidade física ou política, sejam
respeitados pelos demais membros da comunidade
internacional”[14]. Na prática, contempla o direito de ter seus
símbolos, território, instituições, segurança e população
respeitados.

O direito de defesa e conservação é uma decorrência direta do


direito à existência. Seu exercício, no entanto, é muito
relacionado à situação geopolítica. Por exemplo, para países
situados próximos a outros mais poderosos e tendentes à
beligerância ou regiões de guerra, a garantia deste direito
assume prioridade excepcional em relação aos demais. De
todo modo, o exercício é sempre limitado à existência e
conservação dos outros estados; mesmo nas hipóteses de
legítima defesa (nesse ínterim, é dado aos estados travarem
alianças defensivas, como as já mencionadas confederações).
A conservação, contudo, também abrange a ordem interna. A
segurança nacional justifica, por exemplo, a instituição de
legislação penal específica, ações policiais, a expulsão de
indesejáveis ou impedimento à imigração.

O direito internacional do desenvolvimento decorre do


reconhecimento de que os estados, embora juridicamente
iguais, não possuem igualdade econômica. Nesse sentido, a
ONU trabalha arduamente para promover medidas
assecuratórias do desenvolvimento aos emergentes, através de
intensa produção normativa, com escopo de instituir uma
“nova ordem econômica internacional” mais igualitária. Nesse
âmbito, há quem defenda a limitação da soberania do Estado
em prol dessa ordem econômica internacional que aos povos
seria mais benéfica[15]. DOLINGER defende que crises
monetárias de âmbito internacional decorreram justamente
da quebra incontrolada da disciplina do FMI na fixação do
valor das diversas moedas pelos Estados[16].

Se a “intervenção em direito internacional é a ingerência de


um estado nos negócios peculiares, internos ou externos, de
outro estado soberano com o fim de impor a este a sua
vontade”[17], o direito à não intervenção diz respeito ao livre
exercício da vontade soberana. Noutras palavras, o direito de
poder gozar de todos os demais direitos sem sofrer imposições
arbitrárias. Contudo, destaque-se que este direito não é
absoluto, contemplando exceções (como a legítima defesa e a
defesa de direitos humanos violados, por exemplo).

Ademais, ressalte-se também direito ao comércio


internacional, como elencado pela doutrina clássica. Segundo
MAZZUOLI, consiste na “liberdade de comércio internacional,
desde que obedecidos os princípios de igualdade de
tratamento”, ou seja, “um Estado não pode se valer de sua
melhor situação econômica para impor a sua vontade nos atos
de comércio praticados em relação a outros menos favorecidos
economicamente”[18]. A Organização Mundial do Comércio
vem alcançando legitimidade na solução de controvérsias
entre os Estados, nesse âmbito[19].

A liberdade contratual compreende a liberdade de contratar


ou não e a liberdade de determinar o conteúdo do contrato. As
partes contratantes, o que é bastante visível nas leis
positivadas do direito interno, estão condicionadas, na
determinação do conteúdo do contrato, à própria ordem
jurídica e à realidade social.

O princípio da liberdade contratual é circunscrito pelo jus


cogens — ordem pública ou leis imperativas — e pelos bons
costumes, limitações que possibilitam a proteção dos
interesses essenciais e dos fundamentos da sociedade[20].

Condições similares ao direito interno não existem no direito


internacional, entretanto, a Comissão de Direito Internacional,
constatou a existência do jus cogens no seio da comunidade
internacional: o artigo 53 da Convenção de Viena sobre Direito
dos Tratados estabeleceu que todo tratado incompatível com
uma regra de jus cogens é nulo, enquanto que o artigo 64
previu que a superveniência de uma norma de jus cogens tem
o condão de anular os tratados existentes e com ela
incompatíveis.

O jus cogens internacional é constituído exclusivamente por


normas de direito internacional geral que expressam valores
éticos o que realça seu caráter universal e, em decorrência,
podem se impor com força imperativa.

[1] WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília:EdUNB, 1994,


3 ed. p. 34,35.

[2] RANIERI, Nina B. Stocco. Estado e Nação: novas relações?


Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional, v. 2, p. 355 – 370.
Maio / 2011.

[3] ACCIOLY, H.; CASELLA, P. B.; NASCIMENTO E SILVA, G. E.


Manual de direito internacional público. 20 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 257.

[4] LACHS, Manfred. O Direito internacional no alvorecer do


século XXI. Estudos Avançados, vol.8 nº. 21 May/Aug. 1994, p.
100.
[5] ACCIOLY, H.; CASELLA, P. B.; NASCIMENTO E SILVA, G. E.
Manual... pp. 260-263.

[6] ACCIOLY, H.; CASELLA, P. B.; NASCIMENTO E SILVA, G. E.


Manual... pp. 267-268.

[7] MAZZUOLI, V. O. Curso de direito internacional público. 5


ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 460.

[8] ACCIOLY, H.; CASELLA, P. B.; NASCIMENTO E SILVA, G. E.


Manual... p. 271.

[9] ACCIOLY, H.; CASELLA, P. B.; NASCIMENTO E SILVA, G. E.


Manual... p. 268-270.

[10] DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do


estado. São Paulo: Saraiva, 2011. p16-17

[11] ACCIOLY, H.; CASELLA, P. B.; NASCIMENTO E SILVA, G. E.


Manual... pp. 321-322.

[12] ACCIOLY, H.; CASELLA, P. B.; NASCIMENTO E SILVA, G. E.


Manual... pp. 322-356.

[13] CASALS, Maria Angélica Benavides. Reservas en el ámbito


del Derecho Internacional de los Derechos Humanos. Ius et
Praxis v.13 n.1 pp.167 ­204, 2007. p. 168.

[14] ACCIOLY, H.; CASELLA, P. B.; NASCIMENTO E SILVA, G. E.


Manual... p. 328.

[15] BAPTISTA, L. O. A nova ordem econômica internacional:


uma reflexão sobre suas origens e reflexos na ordem jurídica.
Doutrinas Essenciais do Direito Internacional. V. 2, pp. 103 –
134. Fev/2012.
[16] DOLINGER, J. O Direito Monetário Internacional.
Doutrinas Essenciais de Direito Internacional. v.2, p. 45 – 58.
Fev / 2012

[17] ACCIOLY, H.; CASELLA, P. B.; NASCIMENTO E SILVA, G. E.


Manual... p. 356.

[18] MAZZUOLI, V. O. Curso de direito internacional público. 5


ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 512.

[19] VARELLA, M.D.; SILVA, A.R. A mudança de orientação da


lógica de solução das controvérsias econômicas internacionais.
Revista Bras. Polít. Int. 49 (2): 24-40.2006.

[20] RODAS, J. G. Jus Cogens em Direito Internacional. Revista


da Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. V. 69. pp.
125-136. 1974. pp. 125-127.

[21] RODAS, J. G. Jus Cogens em Direito Internacional. Revista


da Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. V. 69. pp.
125-136. 1974. p. 129.

Disponível em: https://joaorodrigostinghen.jusbrasil.com.br/artigos/659605975/definicao-


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