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Parte III
Introdução aos Direitos Fundamentais
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Parte I – O Estado e a experiência constitucional
17/09/2019 - O Estado na História. Capítulo I – Localização histórica do Estado Capítulo II – O
Direito Público moderno e o Estado moderno de tipo europeu
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(regras de ocupação do poder político e regras de cidadão e de Estado). O artigo 16º
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão referia que uma Constituição,
para o ser, não poderia prescindir de regular os direitos das pessoas e a separação de
poderes, o que ainda hoje podemos dizer que corresponde ao conteúdo mínimo
essencial de uma Constituição.
Coercibilidade - suscetibilidade de utilização da força física de forma legítima para
impor determinada decisão e/ou regra. A coercibilidade não é uma característica geral
do Direito, nem sequer, porventura, do Direito estatal; mas é, em certa medida, uma
característica da organização política estatal. Ao Estado cabe a administração da
justiça entre as pessoas e os grupos e, por isso, tem de lhe caber também o monopólio
da força física. O Estado, embora não o seja em exclusividade, é o depositário
supremo das estruturas de coerção, que podem aplicar a força física para fazer
respeitar o Direito que produz e a ordem político-social que mantém. O Estado
promove a integração, a direção, a defesa da sociedade, a própria sobrevivência
como um fim em si, a segurança quer interna, quer externa – não é o Estado que
se impõe pela força, mas sim o Direito do Estado com as suas leis e normas
jurídicas. Importa, pois, perceber que é preferível falar em coercibilidade e não em
coação para melhor acentuar a ideia de mera suscetibilidade ou possibilidade de
indicação normativa pela força.
Autonomia do poder político – o Estado promove a integração, a direção e a defesa da
sociedade, e por arrastamento, a própria sobrevivência como um fim em si; essa
preservação – a segurança interna e externa, em particular – torna-se um fim
específico; surge o fenómeno burocrático; mesmo sem ser absoluto ou totalitário, o
Estado possui a sua mística de poder e justifica as suas ações em nome de objetivos
próprios; as instituições políticas, instituições especializadas, adquirem autonomia. O
Estado é composto por uma comunidade de pessoas sujeita a um poder que se
destaca. Fala-se em “Soberania do Estado”, se bem que haja uma separação entre a
comunidade civil e o poder político instituído.
Territorialidade/ Sedentariedade - o Estado, na prossecução dos seus fins, carece
de uma localização geográfica-espacial, uma vez que a sua atividade
necessariamente se lança num dado território, não havendo Estados Virtuais, nem
Estados Nómadas. O Estado requer continuidade não só no tempo, mas também no
espaço, no duplo sentido de ligação do poder e da comunidade a um território e de
necessária fixação nesse território. Está aí a sedentariedade.
1. Estado Oriental
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2. Estado Grego
3. Estado Romano
4. Estado Medieval ou Sociedade política medieval: Jorge Miranda considera que será
também mais correto falar-se de uma organização de tipo medieval e não de um
Estado Medieval, já que aí não se verificaria uma identificação do poder estadual como
poder supremo nem a característica da coercibilidade, antes existindo uma
fragmentação do poder político decorrente da organização feudal da sociedade.
5. Estado Moderno – séculos XIV e XV: o Estado moderno de tipo europeu, para lá das
características globais de qualquer Estado, apresenta, porém, ainda características
muito próprias:
1) Estado nacional: o Estado tende a corresponder a uma nação ou comunidade
histórica de cultura; o fator de unificação política deixa, assim, de ser a
religião, a raça, a ocupação bélica ou a vizinhança para passar a ser uma
afinidade de índole nova
2) Secularização ou laicidade: porque o temporal e o espiritual se afirmam em
esferas distintas e a comunidade política já não tem por base a religião, o
poder político não prossegue fins religiosos e os sacerdotes deixam de ser
agentes do seu exercício. Resumidamente, é a separação entre a política e a
religião (“Dai a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”)
3) Soberania: ou poder supremo e aparentemente ilimitado, dando ao Estado
capacidade não só para vencer as resistências internas à sua ação como para
afirmar a sua independência em relação aos outros Estados (pois trata-se
agora de Estados que, ao invés dos anteriores, têm de coexistir com outros
Estados). Atendendo à ideia de soberania o poder político pode ser apreciado:
Esfera interna – como o poder supremo: na esfera interna não há
poderes acima do poder político/há um plano de subordinação de
todos os poderes em relação ao poder político
Esfera externa – como poder independente: na esfera externa o
Estado não recebe diretrizes de outros Estados/há uma coordenação
com os restantes Estados
É difícil haver soberania externa sem soberania interna. O inverso pode
acontecer.
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mais de uma câmara e com faculdades, ora deliberativas, ora consultivas (por
exemplo, as Cortes em Portugal, o Parlamento em Inglaterra e os Estados
Gerais em França).
o Portugal: atingiu o seu apogeu com o mestre de Avis, durante o século XIV.
Entra em declínio no reinado de D. Afonso V e termina em D. João II, com o
qual se inicia o Estado Absoluto. Foi um período de limitação do poder do
monarca pelas Cortes (que não impediu uma posterior centralização do poder
e consequente passagem para Estado Absoluto).
o Inglaterra: Só em Inglaterra é que os estamentos sobrevivem como grupos
políticos, e não como meros estratos sociais. Mas, para tanto, têm de ligar
a sua sorte na luta contra o Rei a uma causa muito moderna: a das
garantias individuais e da representação nacional. No século XIII com a
emergência do Parlamento, Inglaterra passou diretamente de um Estado
Estamental para um Estado Constitucional, Representativo e de Direito.
Assim, o sentido próprio deste Estado só pode ser o de Estado Absoluto como aquele
em que se opera a máxima concentração do poder no Rei (que pode estar sozinho ou com os
seus Ministros) e em que, portanto:
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divisão com privilégios das ordens para uma situação de coesão nacional, com
relativa igualdade de vínculos no poder.
o Estado de Direito é o Estado em que, para garantia dos direitos dos cidadãos,
se estabelece juridicamente a divisão do poder e em que o respeito pela
legalidade (seja a mera legalidade formal, seja – mais tarde – a conformidade
com valores materiais) se eleva a critério de ação dos governantes. O poder e
os órgãos do poder (incluindo o monarca) não estão acima do direito.
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2. Estado Social de Direito – Estado intervencionista, que visa garantir a todos o mínimo
de existência digna através dos seus direitos
Elementos do Estado
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A aquisição pode ser originária (com o nascimento) ou derivada ou superveniente
(atribuição secundária – casamento ou naturalização).
A declaração Universal dos Direitos do Homem proíbe uma situação de apatridia (art.º
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Cidadania europeia
A cidadania europeia não é um vínculo jurídico-político
que nos liga a um Estado. Fala-se em cidadania europeia noutro
sentido, uma espécie cidadania derivada. É um acréscimo, não
substitui a cidadania dos Estados-Membros. Está ligada a um
conjunto de direitos e deveres, mas maioritariamente a direitos.
É relevante fazer a distinção entre cidadãos ativos (aqueles que estão no gozo dos
seus direitos políticos, designadamente o voto) e cidadãos não ativos/passivos (aqueles que,
por alguma razão, não podem exercer os seus direitos políticos, nomeadamente o voto.
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o A atribuição de personalidade jurídica internacional ao Estado ou o seu
reconhecimento por outros Estados depende da efetividade desse poder.
o Os órgãos do Estado encontram-se sempre sediados, salvo em situação de
necessidade, no seu território.
o No seu território, cada Estado tem o direito de excluir poderes concorrentes
de outros Estado.
o No seu território, cada Estado só pode admitir o exercício de poderes de outro
Estado sobre quaisquer pessoas com a sua autorização.
o Os cidadãos só podem beneficiar da plenitude de proteção dos seus direitos
pelo respetivo Estado no território deste.
Estados unitários:
o Regionais:
Integralmente: todo o território se divide em regiões autónomas
Parcialmente: encontram-se regiões politicamente autónomas e
regiões ou circunscrições só com descentralização administrativa,
verificando-se diversidade de condições jurídico-políticas de região
para região (Ex: Portugal)
o Não regionais
Estados compostos:
o Confederações – associação de vários estados que se associam entre si,
formando um Estado composto, mas apenas em termos de uma partilha
horizontal de poderes. Estados confederados são estados semissoberanos que
fazem parte da confederação
o Federações - associação de vários estados que se associam, mas criando uma
terceira entidade à qual dão poder – há uma partilha horizontal e vertical dos
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poderes (União). Estados federados são estados não soberanos que fazem
parte da federação.
o União Pessoal - união casual na mesma pessoa da titularidade de dois cargos
distintos em dois Estados (Ex: monarca de dois Estados por via de linha
sucessórias - Jaime I)
o União Real – quando a União Pessoal é formalizada.
Estados semissoberanos:
Confederados: compõem a federação e têm pouca autonomia na esfera
internacional
Exíguos: Estados com território reduzido que por si só não têm soberania externa
completa e têm necessidade de associação a um outro Estado numa ordem externa
(Ex: Andorra, Mónaco, Liechtenstein)
Vassalos - Ex: Egito – Turquia no séc. XIX; principados medievais; reinos do Oriente
em relação a Portugal na época dos Descobrimentos
Protegidos – protetora dos coloniais (Ex: Commonwealth, Gronelândia, Dinamarca).
Este, a par dos Estados Vassalos, estão extintos/em vias de extinção.
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Desde logo se distinga entre Organizações internacionais (Ex: ONU) que resultam de
uma associação e Organizações supranacionais que têm como objetivo a integração dos
Estados.
Por exemplo, no âmbito da UE haveria uma “maior perda de soberania” (não será
inteiramente correto falar-se de perda de soberania visto que há uma autolimitação do Estado
– a integração em organizações supranacionais implica escolha e vontade própria de Estado).
Em termos processuais, tendencialmente, nas organizações internacionais as decisões
são tomadas por unanimidade (o que garante mais posição dos Estados). Por outro lado, nas
organizações supranacionais as decisões são tomadas por maioria.
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Política: aqui, atribuem-se poderes ou funções de
natureza política, relativas à definição do interesse público
ou à tomada de decisões políticas (designadamente, de
decisões legislativas). Deste modo, atinge-se uma
autonomia político-administrativa (Ex: a autonomia
regional dos arquipélagos Açores e Madeira)
OBS: Nunca assume a forma de descentralização
jurisdicional, porque esta função está sempre reservada
aos tribunais, órgãos do Estado.
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Sistema de governo:
Presidencialista: não há governo como órgão autónomo, não há
responsabilidade política perante o parlamento. O governo só pode
ser destituído pelo Presidente.
Semipresidencialista: um presidente democraticamente eleito e o
governo é duplamente responsável. O governo pode ser destituído
pelo Presidente ou pelo Parlamento.
Parlamentarista: só o parlamento pode destituir o governo, isto é, os
governos têm responsabilidade política perante o parlamento.
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Título II – Sistemas e famílias constitucionais
a de matriz Britânica
a de matriz Norte-Americana
a de matriz Francesa
a de matriz Soviética
Para além destes, encontram-se ainda Estados que não se enquadram em nenhuma
destas famílias, por seguirem vias completamente originais (Argélia, Tanzânia), ou por
apresentarem características especificas que mereçam o seu tratamento autonomizado, como
o caso da Alemanha, Suíça e a Áustria. Por outro lado, merecerá ainda referência especial ao
caso do Brasil e dos PALOP’s.
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berço do presidencialismo, do federalismo e da fiscalização da
constitucionalidade, modelo transportado para vários países;
Fonte de direito é o instituto do qual podemos tirar normas jurídicas.
2º Período, a fase de transição (1689-1832): da Bill of Rights até à aprovação da lei que
ampliou e democratizou o direito de sufrágio (teve como resultado uma maior legitimidade e
legitimação do instituto parlamentar) – Período Aristocrático (predominância da Câmara dos
Lordes)
Forma de Estado
Embora, por vezes, se fale em Inglaterra, em rigor deve aludir-se a Reino Unido da Grã-
Bretanha e da Irlanda do Norte, resultante da união, feita em 1707, entre a Inglaterra
(integrando o País de Gales e ocupando então toda a Irlanda) e a Escócia – uma união real
subsequente, isto é, que se seguiu à união pessoal formada em 1602.
Hoje, a situação é de um completo predomínio da Câmara dos Comuns, órgão de
representação popular em época marcadamente democrática, sendo o poder do Chefe de
Estado nulo (“Reina, mas não governa”). Pode dizer-se que possui hoje um governo puro. No
entanto, nem por isso deixa de ter interesse falar em sobreposição institucional, por mais de
um motivo: porque as outras instituições (Rei e Câmara dos Lordes) guardam poderes formais.
Para além disso, porque a sua simples existência impede que surjam difíceis problemas de
equilíbrio político. E, por último, porque continuam a desempenhar uma função social e
pública, interna e externa, insubstituível (o Monarca é a expressão simbólica da sobrevivência
do Commonwealth). Obs: a Commonwealth não é um caso de união política, mas sim de
cooperação entre ex-metrópole e respetivas ex-colónias e, ainda, outros países, como
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Moçambique. É uma organização intergovernamental e uma associação de Estados para
efeitos maioritariamente económicos, educacionais e culturais.
Sistema de Governo
Sistema eleitoral
Sistema maioritário – a uma volta (quem tem a maioria ganha a representação
naqueles círculos uninominais). É eleito o primeiro a passar a fasquia (“the first pass
the post”) – isto leva a um bipartidarismo rígido
Sistema proporcional (Portugal – método Hondt)
Constituição Britânica
É uma Constituição predominantemente consuetudinária (no Direito Constitucional da
Grã-Bretanha, essa predominância cabe ao costume, o que constitui, nos tempos atuais, um
caso único, sem paralelo em qualquer outro país). A Constituição apresenta-se ainda, pela
natureza das coisas, como Constituição cuja modificação se faz, a todo o tempo, pelo
Parlamento, sem necessidade de um processo diferenciado do processo de exercício da função
legislativa. É o que os juristas ingleses chamam uma Constituição flexível.
Diz-se muitas vezes que a Constituição inglesa é um Constituição não escrita
(unwritten Constitution). No sentido de que a unidade fundamental da Constituição não
repousa em nenhum texto ou documento, mas em princípios não escritos, assentes na
organização social e política dos Britânicos.
O Reino Unido não é portador de uma constituição formal, mas sim de uma
constituição material, isto é um conjunto de documentos que pelo seu carácter constitucional
constituem a lei fundamental do Reino Unido. Entre eles estão:
Carta Magna 1215: permite á Grã-Bretanha passar imediatamente de um
Estado estamental para um estado constitucional representativo e de direito
“Petition of Rights” (1628) e “Bill of Rights” (1689)
Ato de estabelecimento (1707)
Estatuto de Westminster (1931)
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07/10/2019 - A matriz constitucional norte americana. História constitucional e forma
federal de Estado.
Forma de Estado
O federalismo americano é um federalismo perfeito em que se verificam,
simultaneamente, uma estrutura de sobreposição (cada cidadão sujeito simultaneamente a
dois poderes políticos e a dois ordenamentos constitucionais) e uma estrutura de participação
(o poder político central como resultante da agregação dos poderes políticos dos Estados
federados).
1) Poder constituinte de cada estado, pois cada Estado decreta e altera a sua própria
Constituição, nos limites da Constituição federal e somente com a necessidade de
respeitar a forma republicana
o Se numa constituição com 7 artigos, surgiram dúvidas sobre a quem pertence
determinado poder, esse poder caberá aos Estados federados. Estes, quando
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criaram a constituição, colocaram nesta os poderes que queriam conferir à
união. Se na constituição, não consta determinada atribuição à federação, logo
o poder é dos estados federados - princípio da subsidiariedade.
o A teoria dos poderes implícitos vem dizer que se o poder não foi transferido
para a união/federação, logo, este está na esfera dos estados federados,
porém se determinada competência para determinado fim foi transferida para
a união e tal está patente na constituição, logo está na esfera da federação.
3) Especialidade das atribuições federais, entendendo-se que as que não forem próprias
do Estado federal (Ex: defesa, comércio externo, moeda, correios) pertencem (ou
podem pertencer) aos Estados federados (Ex: Direito Civil, Direito penal, poder local)
4) Igualdade jurídica dos Estados federados, manifestada não apenas na sua igualdade
de condição e de participação no Senado e no processo de revisão constitucional mas
também na igual capacidade de cidadãos de cada Estado noutros Estados e no
reconhecimento de atos públicos, documentos e processos produzidos em qualquer
Estado
Sistema de Governo
A organização política da União (tal como a dos Estados) diz-se diretamente inspirada em
Montesquieu: existem três poderes – legislativo, executivo e judicial – sendo que cada um
produz os atos inerentes à sua função, mas também interferindo em atos doutros órgãos,
contribuindo para a produção dos seus efeitos ou impedindo que eles se deem. A isto chama-
se mecanismo de “checks and balances”, ou seja, de freios e contrapesos. É preciso que seja o
próprio poder a limitar o poder. No fundo, para além de uma repartição, deveria existir uma
fiscalização e coordenação recíproca dos vários órgãos e poderes.
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Independência recíproca dos titulares, com incompatibilidade de cargos: o Presidente
não responde perante o Congresso, nem pode este ser dissolvido ou adiado por
aquele.
Possibilidade de impeachment ou sujeição do Presidente a responsabilidade criminal
efetivada por deliberação do Congresso, mas por maioria qualificada de dois terços.
Interdependência funcional, com mútua colaboração e fiscalização: veto presidencial
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das leis (somente superável por maioria de ) e mensagens do Presidente ao
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Congresso, por um lado, e autorizações e aprovações relativas a nomeações para altos
cargos, a tratados e a créditos orçamentais, bem como comissões de inquérito, por
outro.
Na prática, atribuição ao presidente de faculdade de impulsão ou iniciativa e ao
Congresso de faculdades de deliberação (o Presidente marca as grandes decisões do
quadriénio, mas está sob a constante vigilância e influência efetiva do Congresso, em
especial do Senado).
Outros:
O Presidente pode vetar as normas do congresso
O Congresso aprova o orçamento que o Chefe de Estado precisa para que a sua
administração funcione
Chefe de Estado pode nomear juízes para o supremo tribunal
O Congresso pode aprovar uma lei de amnistia e limitar o poder dos tribunais
Aos tribunais cabe o poder jurisdicional. No sistema jurisdicional, tal como já foi
referido anteriormente funciona a regra do precedente judicial: as decisões judiciais devem
obediência a uma decisão que tenha sido tomada anteriormente perante casos análogos.
Fiscalização da Constitucionalidade
Caracteriza-se por ser uma fiscalização jurisdicional difusa, isto é, todos os tribunais
(estaduais e federais) apreciam a constitucionalidade, com ascendente natural do Supremo
Tribunal. ≠ (Fiscalização concentrada - é apenas um tribunal).
Todos os atos normativos (incluindo os aditamentos à Constituição e as Constituições
estaduais) estão sujeitos a fiscalização.
Regime – Democrático:
O sistema eletivo norte-americano, principalmente em eleições presidenciais, é
bastante complexo e longo. Faz-se por sufrágio indireto, ou seja, pela escolha de um colégio
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eleitoral. O colégio eleitoral é composto por 538 “Grandes Eleitores” que elegem um candidato
muitas vezem em função do partido que, tanto os grandes eleitores, como os candidatos,
representam.
Neste modelo eletivo, os partidos têm imensa importância visto que no seu interior,
em cada Estado são realizadas eleições primárias para a escolha de um candidato a Presidente
da União e ainda candidatos ao colégio eleitoral.
Assim, também os EUA são marcados por um forte bipartidarismo entre democratas e
republicanos que, muitas vezes são influenciados por “lobbys” e grupos de pressão que tentam
influenciar o poder político.
Antes de mais, interessa afirmar que a grande diferença entre o sistema constitucional
francês e os sistemas constitucionais britânico e americano reside, primeiramente, na sua
origem revolucionária e, posteriormente, na vocação universalista de difusão de ideies que lhe
está associada.
Este sistema vai formar-se a partir de 1789, por via de revolução. A Revolução francesa
marca a rutura com o Estado absoluto e, com ela, revela-se melhor a contraposição entre
Estado absoluto e Estado Constitucional Representativo e de Direito.
A Constituição e os tribunais
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A Constituição em França é, sobretudo, lei escrita ao serviço dos direitos e liberdades e
da separação dos poderes (artigo 16º da DDHC). Acredita-se que sendo a lei escrita, mais
patentes serão as suas violações, o que terá um efeito dissuasor para os governantes.
Tal lei decorre de um poder constituinte distinto dos demais poderes do Estado,
poderes constituídos. No entanto, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, a
supremacia da Constituição não era, até há alguns anos, um princípio jurídico operativo,
determinante da invalidade das leis com ela compatíveis. Na conceção francesa, a força
jurídica formal da Constituição e a sua rigidez excluem (ou tendem a excluir) o costume. E não
envolviam até há pouco todos os corolários lógicos comportáveis dentro do sistema jurídico.
Sistema de governo
França tentou, desde a Revolução, introduzir o parlamentarismo em motes que se
queriam semelhantes ao parlamentarismo britânico. Se, nas primeiras décadas pós-revolução,
o governo ou detinha demasiado poder (governo convencional) ou era meramente
representativo (era Napoleónica) entre 1871 e 1958 o parlamentarismo apenas alcançou
instabilidade política. Por motivos histórico-culturais, relacionados com o passado de culto ao
chefe, França nunca conseguiria consolidar o parlamentarismo.
É na V República com o General De Gaulle, e com a revisão constitucional de 68, que é
estabelecida a vida média entre o parlamentarismo instável e o presidencialismo, isto é, o
semipresidencialismo (um sistema trialista ou triárquico):
Um chefe de Estado, eleito por sufrágio universal e que por isso detém
legitimidade eletiva, o que lhe confere poderes importantes como a demissão do
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governo e dissolução do parlamento, poderes que uma pessoa no mesmo cargo no
sistema presidencialista não tem
Um governo duplamente responsável, isto é, tanto o parlamento como o
presidente podem demitir o governo
Um parlamento unicameral.
Para que este sistema funcione efetivamente é necessário que haja uma coabitação
entre duas maiorias distintas que sustentem por sua vez o parlamento e o chefe de estado.
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O primeiro texto de vocação constitucional soviético foi a Declaração dos Direitos do
Povo Trabalhador e Explorado, de 1918, 23 de Janeiro. Porém, as Constituições surgem,
efetivamente, a partir de Julho deste mesmo ano. Vejamos:
1918 – Foi publicada, pela primeira vez, uma Constituição escrita formal com conteúdo
não liberal. Esta era a Constituição da Rússia, pois só em 1922 ficaria constituída a
URSS.
1924 – Surge a Constituição soviética que formaliza a União e procede, entre outras
coisas, à separação, peculiar a um Estado federal, entre duas Câmaras: o Conselho da
União e o Conselho das Nacionalidades (equivalente grosso modo ao Senado
americano). No entanto, o federalismo da ex-URSS é muito distinto do americano.
1. Complexo: os Estados federados não são todos iguais (existem Repúblicas, Repúblicas
Autónomas, Regiões e Circunscrições)
2. Fictício: a Federação não parte dos Estados, não há uma vontade expressa por parte deles
para formar a federação, a decisão é, pelo contrário, tomada unilateralmente pelos órgãos
centrais para a formação da federação (decisão tomada de cima para baixo); não há a
possibilidade de abandonar a Federação/não há secessão ou desvinculação em relação à
Federação
3. Inigualitário: as entidades que constituem a Federação não estão no mesmo plano
o Internamente:
de facto: a Rússia não tem órgãos diferentes da Federação
de direito: são vários os escalões de entidades que compõem a Federação
o Externamente: a representação externa não é feita apenas pela Federação, mas
também pela Bielorrússia e Rússia, que lado a lado com a Federação têm poderes
de representação externa
4. Centralizado: na medida em que há a concentração de poderes num órgão de soberania
(partido único que controla os poderes)
Nota: estas duas Constituições têm entre si características comuns: por um lado, estabelecem
uma estrutura de poder em pirâmides (verticais) e, por outro, estabelecem o sufrágio de classe
(diferente do universal visto que apenas tem direito a voto o povo trabalhador).
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importantes modificações no que respeita à organização política, mas estas revelaram-
se insuficientes e contraproducentes, pelo que a sua vigência foi limitada.
A conceção socialista dos direitos fundamentais não arranca da ideia de uma esfera
individual independente e livre do Estado, mas da ideia de cidadão ativo que tem o direito e o
dever de participar na vida política e económica, social e cultural da sociedade socialista. Os
direitos são simultaneamente deveres – os direitos do cidadão reconhecidos pela constituição
socialista devem ser ativamente exercidos a fim de se progredir na edificação da sociedade
socialista.
Na experiência concreta, presta-se um realce muito grande aos direitos económicos,
sociais e culturais (direitos ao trabalho, ao repouso, à segurança social, à educação) em
contraste com a situação precária das liberdades individuais. Por isso, e invocando-se também
as necessidades de construção do socialismo e da defesa contra os seus inimigos, as liberdades
públicas ficam suprimidas ou os cidadãos só as podem exercer em obediência à linha do
Partido Comunista ou por meio de organizações deste dependentes, direta ou indiretamente,
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e tudo dentro de uma atmosfera de completo uso dos meios de comunicação social pelo
Estado.
A inviolabilidade da pessoa, o direito de ninguém ser arbitrariamente detido ou preso,
a inviolabilidade do domicílio e outras garantias individuais recebem consagração
constitucional. Pese embora o facto de estas também receberem consagração constitucional, a
experiência prática foi de constante desrespeito destas garantias e a segurança dos cidadãos
nunca chegou a ser preservada pela legalidade socialista.
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sistema de governo parece ser a de presidencialismo imperfeito, por o poder executivo se
desdobrar no Presidente e no Governo.
A plena efetividade da Constituição, com garantia do pluralismo e do equilíbrio do
poder, ainda não foi, porém, alcançada. A carga autocrática histórica (vinda desde o czarismo)
e as novas condições externas da Rússia não a têm favorecido.
A Constituição Austríaca, elaborada por Hans Kelsen, tendo uma estrutura positivista e
hierarquizada, estabelece uma fiscalização da constitucionalidade através de um Tribunal
Constitucional. Foi suspensa em 1929 e reposta em 1945.
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A derrota em Versalhes e as vicissitudes que atingem ambos os sistemas provocam, na
Alemanha, a instituição de uma ditadura nacional socialista, e na Áustria, em consequência
também da ditadura nazi, uma anexação daquela por parte da Alemanha.
No final da II Guerra Mundial, a Alemanha divide-se em RDA (República Democrática
Alemã) e RFA (República Federal Alemã), sendo que a primeira se rege pela Constituição de
1968, de ideologia marxista-leninista, e a segunda pela Constituição de Bona de 1949.
Constituição de Bona
A Constituição de Bona apresenta algumas características essenciais, entre as quais se
destacam as seguintes:
Realce da ideia de democracia e relevo do princípio democrático
Preocupação com a previsão e efetivação dos direitos fundamentais.
Consagração de um sistema de governo que parte do parlamentar Britânico, mas
que pode definir-se como um sistema parlamentar racionalizado, com introdução
de elementos de racionalização que têm em vista o fim da instabilidade política
Moção de censura construtiva, exigindo a apresentação de um programa
alternativo de governo
Saída da circulação política dos partidos que não consigam obter mais do que 5%
nas eleições, não havendo bipartidarismo.
A adoção do sistema parlamentar é uma das novidades da Constituição. O Governo,
composto pelo Chanceler e por Ministros da sua escolha, passa a ser responsável perante a
Assembleia Federal. O funcionamento prático do sistema é, sob vários aspetos, semelhante ao
Britânico. Interessa ainda referir que, ainda que sem consagração na Constituição, o sistema
eleitoral adotado, de representação proporcional personalizada.
Assim, e em conexão com o empenho de tutela e reforço dos direitos fundamentais e
do Estado de Direito e, em geral, de preservação da ordem constitucional de valores, foi
instituído um Tribunal Constitucional, cujo esforço construtivo tem sido relevante.
Após a queda do muro de Berlim, verificou-se um surpreendente rápido processo de
unificação da Alemanha, mediante tratados entre os dois Estados Alemães: RFA e RDA.
Simultaneamente, verificou-se um processo de unificação entre estes, e as quatro potências
ex-ocupantes: EUA, França, Grã-Bretanha e União Soviética.
Não se constitui um novo Estado, mas dá-se extensão à República Federal aos cinco. A
Constituição de Bona, porque provisória, deveria cessar com a unificação. No entanto, foi
modificada de modo a subsistir como definitiva. E, por isso, houve então o exercício de um
poder constituinte (originário): no tocante à Alemanha Ocidental, porque a Constituição aí
adquiriu um novo sentido de vigência; e, no tocante à antiga Alemanha Oriental, porque veio
substituir o sistema constitucional do regime marxista-leninista. Embora sob a forma de
revisão, verdadeiramente acabou por se verificar transição constitucional.
Sistema Suíço
A história constitucional suíça divide-se em quatro grandes períodos:
1) A Confederação (até à Revolução francesa), com cantões de governo aristocrático e
outros de governo democrático
2) A República Helvética e o Ato de Mediação de Napoleão
3) A Confederação, de novo (de 1815 a 1848)
4) A Federação (desde 1848)
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Recentemente, em 1999, foi aprovada uma nova Constituição (que, talvez em rigor,
não corresponde senão a uma revisão total da Constituição de 1948, a qual, por seu turno,
tinha análoga índole em relação à Constituição de 1874).
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15/10/2019 - Os Sistemas constitucionais dos Estados de língua oficial portuguesa. O caso
específico do Brasil. A discussão de uma eventual autonomização de uma família
constitucional lusófona.
Tal remete-nos para a CPLP (Comunidade Países de Língua Portuguesa – 1996), que
tem como objetivo a associação dos países de língua portuguesa.
O constitucionalismo brasileiro
O constitucionalismo nasceu em Portugal e no Brasil ao mesmo tempo. Nasceu com a
revolução de 1820, em consequência da qual se reuniram Cortes Constituintes, em que
participaram Deputados eleitos pelas províncias brasileiras.
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da nação eram o Imperador e o Parlamento, chamado de Assembleia Geral (bicameral –
Câmara dos Deputados (eletiva e temporária) e o Senado (composto por membros vitalícios
designados pelo Imperador em listas tríplices resultantes de eleição provincial)).
O catálogo de direitos individuais era idêntico aos das Constituições liberais, mas a
escravatura continuava a ser, direta ou indiretamente, admitida.
No fundo, estabelece-se uma monarquia constitucional, apesar de haver uma
concentração do poder executivo no monarca. O poder moderador constituía uma forma de
introduzir harmonia e equilíbrio dentro da separação tradicional de poderes:
30
6ª fase (1964 – 1985): governo de base ou de características militares, resultante da
revolução de 1964, e em que é feita a Constituição de 1967 (alterada em 1969)
7ª fase (desde 1985): transcrição para uma nova Constituição, a de 1988, a qual traduz
a maturidade constitucional democrática, finalmente adquirida pelo Brasil
A constituição de 1988
A Constituição de 1988 é em termos técnicos, bastante complexa e perfeita.
Declara-se ser a República formada pela “união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal”, ou seja, aponta para um duplo grau de organização territorial:
federalismo a nível de Estados e regionalismo a nível de município.
Funda-se o Estado democrático de Direito na soberania, na cidadania, na dignidade da
pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político.
Esta é uma Constituição social, pelo que defende direitos económicos e sociais e
reclama intervenção do Estado para a sua garantia. É dada grande importância aos direitos
fundamentais (principalmente os de 5ª geração)
A organização do poder política federal mantem-se fiel à divisão clássica dos três
poderes e ao sistema presidencial, este algo controlado e fiscalizado. Tem-se um sistema de
governo diárquico – presidencialista – com dois órgãos de poder político ativo.
No Congresso, bicameral, a Câmara dos Deputados é eleita por 4 anos, por
representação proporcional em cada Estado e no Distrito Federal, e o Senado por
representação maioritária, elegendo cada Estado e o Distrito Federal 3 senadores, com
mandato de 8 anos. O Congresso pode suster os atos normativos do Poder Executivo que
exorbitem do poder regulamentário ou os limites de delegação legislativa.
O Presidente da República é eleito por sistema de dois turnos ou duas voltas (como em
França e Portugal), por 4 anos. Este é auxiliado pelos Ministros de Estado, que referendam os
seus atos e decretos em quem ele pode delegar algumas das suas atribuições de caráter
administrativo.
31
A 17 de Julho de 1996 foi constituída a Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Apesar de não haver referencia direta a uma estrita aproximação de modelos políticos,
podemos ainda assim encontrar níveis de comparação entre membros da CPLP.
Ainda assim, é relevante destacar o que é que as Constituições dos países de língua
portuguesa têm em comum:
Há traços em comum entre estes países de língua portuguesa, mas não são suficientes
para podermos dizer que a CPLP corresponde a um modelo ou a uma família constitucional
autónoma, apesar da influência do constitucionalismo português e até brasileiro.
32
Título III – As constituições portuguesas
21/10/2019 - História Constitucional Portuguesa. Periodificação. Constitucionalismo liberal:
As constituições de 1822, carta constitucional de 1826 e 1838. A constituição de 1911
A primeira Constituição formal portuguesa aparece em 1822, mas, antes disso, temos
outros documentos que, apesar de não serem qualificados como Constituições, de alguma
forma corporizam os princípios fundamentais do Estado. Exemplos destes documentos são as
ordenações. As ordenações são a recolha das leis fundamentais do rei (têm algo de comum
com aquilo que é o conteúdo constitucional). Na História constitucional portuguesa tivemos
ordenações de diferentes monarcas:
As ordenações afonsinas (século XV) previam, por exemplo, a forma como o
Estado se relacionava com a Igreja e a forma como o monarca se relacionava
com os súbditos. Para além disso, dava importância às fontes do Direito.
Já as ordenações manuelinas (século XVI) não conseguem verdadeiramente
aplicar-se no Estado português e correspondem a uma centralização do poder.
A partir de 1580 Portugal encontra-se sobre domínio espanhol – as
ordenações filipinas vigoraram até 1822.
Em 1769 foi publicada a Lei da Boa Razão pelo Marquês de Pombal (personalidade de
relevo do século XVIII, inspirado no movimento iluminista e racionalista) – que vinha sujeitar as
leis do rei a um escrutínio, através deste filtro da boa razão e da racionalidade (deste modo,
acabou por deter aquilo que resultava das ordenações filipinas).
A fonte de Direito primeiro é a lei mas podemos entender o costume como fonte de
direito em termos subsidiários e desde que não haja contrariedade com a razão.
Outra perspetiva essencial: as fontes de Direito nacional são superiores ao Direito
Canónico e ao Direito Romano. No tempo de Sebastião José de Carvalho e Melo discutiu-se a
reforma de ordenações; por sua vez, a fase que se seguiu foi chamada “questão do novo
código”. Em suma, não significa que antes de 1820 não tenhamos a corporização de alguns
instrumentos essenciais para o Estado português, nem significa que não tenhamos Estado
antes de 1820. No fundo, não temos é uma Constituição formal.
33
Tal como na generalidade dos países europeus continentais, o constitucionalismo
surge entre nós por via revolucionária; não por continuidade, mas por corte com o passado,
seja esse corte feito pelo povo em armas (1820 e 1834) ou pelo próprio monarca (1826).
Assim, a história constitucional portuguesa aproxima-se bastante do exemplo francês, mas
apresenta uma maior estabilidade do que as situações verificadas em Espanha ou nos países
da América Latina.
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O regime é autoritário, mas não chega a ser totalitário, pois não absorve totalmente a
sociedade no Estado e não nega as liberdades públicas e privadas. Assim, é um regime que se
afirma como antiliberal, sendo que no plano económico defende a intervenção e controlo
estaduais, antiparlamentar e corporativo. Traduz-se na institucionalização de organizações
corporativas, onde se inseria toda a sociedade. Era através das corporações, e não do sufrágio,
que se tinha acesso ao poder político.
Constituição 1822
A Constituição de 1822 é dos textos mais importantes do constitucionalismo
português, pois esta marca o início do verdadeiro constitucionalismo em Portugal. Esta tem
como principal fonte de inspiração a Constituição de Cádis de 1812. Acresce a influência da
declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1781 e das Constituições francesas de 1791
e 1795. É pós-revolucionária liberal, porque marca uma rutura evidente com a trajetória
anterior.
Esta constitui a primeira Constituição portuguesa formal, pelo que é apontada como
radical e quimérica, quase ingénua. É a primeira Constituição formal que estabelece uma união
real e adere a uma ideia de patriotismo e nacionalismo liberais. Assim, estão na sua origem
grandes linhas de constitucionalismo francês. O que se procura é a criação de instituições
políticas moldadas pelo constitucionalismo emergente da Revolução Francesa, sem romper
35
com as tradições nacionais, adotando-se, simultaneamente, uma linha económico-social
bastante moderada.
O processo constituinte compreendeu dois momentos: primeiro, definiram-se as bases
da Constituição, e só depois foram elaborados e redigidos os preceitos constitucionais
(aprovados por uma Assembleia – Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes). As Cortes
englobam o conjunto de deputados, correspondendo a uma Assembleia.
Esta Constituição dedica o seu primeiro título aos direitos e deveres individuais dos
portugueses – é a única Constituição portuguesa que o faz, e conclui-se que este título
corresponde a qualquer das declarações de direitos francesa. Ao mesmo tempo, dá realce à
educação e estabelece uma ligação entre direitos políticos e habilitações literárias.
Ao contrário das conceções cristãs e liberais, este texto pressupõe a aceitação da
escravatura em mais de um preceito (mas por causa do ultramar). No entanto, e porque
pensada para o Brasil, esta Constituição incumbe as Cortes e o Governo de terem particular
cuidado na civilização dos Índios.
A Constituição de 1822 consigna uma estrita forma de governo representativo (“A
soberania reside essencialmente na Nação”), mas que apenas pode ser exercida pelos seus
representantes legalmente eleitos. Diz-se que este é um sistema de Governo com caráter
“para-republicano”, porque os poderes do monarca atribuem a este uma figura simbólica
semelhante ao Chefe de Estado. Do ponto de vista de poder atribuído aos órgãos, o poder
monárquico está muito reduzido.
O poder legislativo compete à Assembleia unicameral e o poder executivo ao Rei,
assistido pelo Conselho de Estado e por Secretários de Estado. É a realização do princípio da
separação de poderes, mas com supremacia das Cortes, devido ao seu caráter mais
democrático, pela sua estrutura e pelo regime das suas relações com o Rei. O poder judicial
pertence ao juiz letrado ou de carreira. Assim, a Constituição de 1822 configura a monarquia
como limitada, consagrando a soberania nacional e a separação de poderes.
A Constituição de 1822 vigora apenas até 1823, ano em que voltamos a um período de
monarquia absoluta que viria a durar até 1826. Voltaria a vigorar de 1836 a 1838.
36
pelas Cortes. Marcello Caetano afirmou mesmo que esta foi a Constituição mais monárquica
do seu tempo porque os poderes que são atribuídos o monarca são de tal forma significativos.
Esta tem por fonte a Constituição brasileira de 1824, embora com diferenças
explicáveis pelas diversas circunstâncias dos dois países.
A outorga feita pelo Rei implica, desde logo, uma alteração na natureza do regime
político, pelo que este passou de monárquico, a monárquico constitucional e tal exercício do
poder constituinte estabeleceu a sua última manifestação enquanto Rei absoluto. Passa então
a exercer um poder constituído ao lado de outros.
Apesar de não proclamar o princípio da soberania nacional, a Carta Constitucional
declara expressamente que o governo é monárquico, hereditário e representativo, de tal
forma que considera como representantes da Nação o Rei e as Cortes (princípio representativo
em detrimento do princípio monárquico).
A Carta relega para o seu último artigo os direitos fundamentais, conferindo-lhe um
menor relevo sistemático. No entanto, descobre-se nela um maior equilibro entre liberdades e
garantias.
Aos três poderes vindos do século XVIII (legislativo, executivo e judicial), a Carta
Constitucional de 1826 acrescenta um quarto poder – o moderador. E tal como está previsto
no seu artigo 71º, “o poder moderador é a chave de toda a organização política e compete
privativamente ao Rei” (a Carta tornar-se-ia, na prática, uma Constituição factícia (que é só
aparente), em virtude das importantes inflexões normativas que sofreram o princípio
monárquico e o poder moderador, que surge aqui previsto). O objetivo era encontrar um
poder verdadeiramente neutro, mas este acabou por se traduzir numa concentração deste no
monarca, já que além dele, possuía também o poder executivo.
Sublinhe-se que o poder moderador foi teorizado por Benjamin Constant e havia já
sido previsto na Constituição Brasileira de 1824. Dele resultam poderes extraordinários para o
monarca, como por exemplo a nomeação e convocação de Cortes, o poder de sancionar os
decretos aprovados pelas Cortes, a nomeação e demissão de Ministros, entre outros.
Ao lado do Rei surge um Parlamento bicameral, constituído pela Câmara dos Pares
(eletiva por sufrágio censitário e indireto) e a Câmara dos Deputados (hereditários e vitalícios).
A prática da Carta inclinar-se-ia para uma orleanista de responsabilidade política dos Ministros,
simultaneamente perante o Rei e perante as Cortes.
Ressalve-se ainda que esta foi alvo de três Atos Adicionais - o de 1852, o de 1855 e o
de 1907 -, um decreto ditatorial em 1895 e uma proposta de lei de reforma, em 1900, mas que
não chegou a ser aprovada.
Constituição de 1838
Foi a única Constituição liberal a apresentar uma vigência contínua. Entra em vigor em
1838 até 1842
A Constituição de 1838 resulta do acordo entre as Cortes e o monarca e é um dos
textos mais aperfeiçoados, técnica e literariamente. Em virtude de resultar de um acordo, é
uma constituição pactícia, o que se encontra desde logo patente no seu preâmbulo. É costume
dizer-se que representa uma síntese dos textos de 1822 e 1826, e tem ainda como fontes as
Constituições francesa de 1830, belga de 1831 e a brasileira e espanhola de 1837.
Quanto ao seu conteúdo é considerada como uma Constituição compromissória, pois
tenta chegar a um compromisso entre as duas Constituições anteriores: há uma tentativa de
moderação da última com recurso à primeira. Reafirma a soberania nacional, restabelece o
sufrágio direto e elemina o poder moderador, embora institua uma segunda câmara (dos
Senadores). Regressa, então, à tripartição de poderes (legislativo, executivo e judicial).
37
Esta Constituição volta a consagrar a matéria de direitos fundamentais num título à
parte, até mais desenvolvido e apurado, alargando o equilíbrio entre as liberdades e as
garantias.
Apresenta-se como mais clara do que os textos constitucionais anteriores, no sentido
de um possível pendor parlamentar mitigado. A eleição por sufrágio direto do Parlamento, por
um lado, e os poderes institucionais do Rei, por outro, levariam a uma monarquia
constitucional idêntica à francesa.
Constituição de 1911
Das quatro Constituições produzidas em assembleia constituinte, esta é a mais
rapidamente elaborada, e estabelece uma nova forma de Governo (República) – esta é a única
mudança em termos estruturais comparativamente à Constituição de 1822.
A Constituição de 1911 pretende levar até às últimas consequências os princípios de
1820-1822, vendo na república a mais perfeita expressão dessas ideias, tentando recuperar os
valores e a estrutura constitucional do texto de 1822.
Também aqui se confere um título único para os direitos e garantias individuais e não
se consagra o sufrágio universal e o sufrágio censitário desaparece por algum tempo.
Estabelece-se o serviço militar obrigatório para todos os portugueses, cada qual segundo as
suas aptidões. Não se prevê o direito de greve.
A constituição de 1911 prevê uma forma de estado unitário.
Utiliza-se pela primeira vez a expressão “Constituição da República Portuguesa”. Esta
considera órgãos da soberania nacional: o poder legislativo, o poder executivo e o poder
judicial, independentes e harmónicos entre si. Assim, o legislativo é exercido pelo Congresso
Bicameral (Câmara dos Deputados + Senado, ambos eletivos, mas com diferente duração,
respetivamente, 6 e 3 anos), o poder executivo pertence ao Presidente da República e aos
Ministros, sendo que o primeiro é eleito por dois terços dos votos pelo Congresso bicameral.
Em virtude do maior peso do Congresso, do apagamento do PR e da responsabilidade
política dos Ministros perante as Câmaras, este sistema de governo diz-se parlamentar de
assembleia ou parlamentar atípico. Reduz-se assim o Presidente a uma figura representativa
com poucos poderes de intervenção, não podendo sequer dissolver o parlamento ou vetar leis,
deslocando-se o centro da vida política para o Parlamento e para os diretórios partidários. Tal
veio provocar, num período de grande instabilidade, uma enorme frequência de crises,
Governo e de PR.
Por influência da Constituição brasileira mas, sobretudo, por razões internas, a
Constituição de 1911 reconhece aos tribunais uma competência de apreciação da
constitucionalidade das leis, segundo o modelo americano. Sublinhe-se que este foi mesmo o
primeiro texto constitucional europeu a prever expressamente tal competência.
Esta Constituição foi objeto de cinco leis de revisão constitucional, uma das quais
permite a passagem deste sistema de governo parlamentar a um sistema quase
presidencialista. Durante a ditadura de Sidónio Pais e a pretexto de lei eleitoral, o Governo
introduziu importantíssimas modificações constitucionais que prefiguram não só um regime de
índole corporativa, mas também a opção por um regime presidencial.
No entanto, a alteração não sobreviveu ao assassinato de Sidónio Pais, já que dois dias
depois deste, a Constituição de 1911 viria a ser reposta na íntegra.
Constituição de 1933
38
O interregno entre a revolução de 1926 (“Golpe de Estado”) e a Constituição de 1933
ou “Ditadura Militar” constitui um dos mais largos intervalos constitucionais portugueses e a
génese desta Constituição, considerada uma das mais complexas e atribuladas.
Em princípio, continuou em vigor a Constituição de 1911, mas não tardariam a ser
publicados numerosos decretos com força de lei que comportariam alterações constitucionais.
O Golpe militar de 1926 parecia ter apenas como objetivos concentrar num só órgão os
poderes legislativo e executivo, mas acabou por se revelar mais ambicioso. Verifica-se um
debate político no interior do novo regime, sendo que vencem os apoiantes de Salazar, que
defendem uma nova Constituição.
Assim, entramos na fase do “Estado Novo”, com Salazar a tomar posse como Ministro
das Finanças e, mais tarde, como Chefe do Executivo. O Estado novo surge num momento de
instabilidade interna e externa, mas Salazar consegue sanar as contas orçamentais e
apresentar um equilíbrio financeiro que representa o fim do défice orçamental.
Forma de Estado: a Constituição de 1933 prevê uma República unitária (art.º 5), em
vez de um estado composto.
39
O Estado Novo tem por base uma estrutura piramidal da sociedade, procurando uma
via média entre o idealismo liberal e a organização marxista que visa a inserção nos sindicatos
como via para a participação política. O específico da conceção de Salazar sobre a organização
constitucional seria a ideia de um Estado representativo sem partidos, assente, por um lado,
numa postura orgânico-corporativa sobre a essência da nação e sobre o papel do cidadão e,
por outro lado, numa crítica radical aos malefícios do sistema de partidos. Defende que a luta
partidária desgasta o individuo e que, portanto, se deve acabar com eles (estrutura
apartidária).
A Constituição consigna como órgãos de soberania o Chefe de Estado, a Assembleia
Nacional (à qual pertence o poder legislativo), o Governo (esta é a primeira Constituição que o
consagra como órgão autónomo) e os tribunais. As novidades consistem no abandono do
termo “poderes do Estado”, no uso da designação “Chefe de Estado” a par da de PR e na
autonomização do Governo.
O Chefe de Estado é eleito por sufrágio direto e, a partir de 1959, por sufrágio indireto,
após o susto apanhado nas presidenciais de 1958 com Humberto Delgado. A Assembleia
Nacional tem noventa deputados eleitos por sufrágio direto por quatro anos (existem eleições
por adesão ou ratificação, na medida em que não há livre escolha, pois os cidadãos apenas
confirmam uma escolha já efetuada). O Governo é formado pelo Presidente do Conselho e
pelos Ministros, sendo aquele nomeado e demitido pelo PR. Como órgãos auxiliares instituem-
se um Conselho de Estado e uma Câmara Corporativa (visava representar as corporações,
defendendo os interesses das autarquias locais). A Constituição repudia a separação de
poderes liberal.
Marcelo Rebelo de Sousa considera que a União Nacional (1933 a 1970) e a Ação
Nacional Popular (1970 a 1974) foram partidos únicos. Por outro lado, outros autores
consideram que estes não foram partidos únicos, nem verdadeiros partidos. Consideram que
estras estruturas eram auxiliares das eleições em Portugal, não correspondendo à ideia de
partido político, já que não há:
permanência para além do ato eleitoral
um objetivo definido como conquista do poder político, servindo antes para
apenas manter o poder
uma base de filiados/apoio popular – é uma organização pensada de cima para
baixo e não de baixo para cima
Na sua longa duração, a Constituição de 1933 viria a ser objeto de nove leis de revisão
constitucional que modificaram o sistema em cinco momentos ou épocas: em 1935-1938,
1945, 1951, 1959 e 1971.
40
Em 1951 verifica-se um certo equilíbrio e a Assembleia desenvolve algumas
virtualidades que a Constituição que abre, quanto à reserva de competência legislativa e
ratificação de decretos-leis. Entretanto, começa a colocar-se o problema da eleição
presidencial, o que leva a estabelecer, como garantia do regime, o requisito de idoneidade
política dos candidatos ao cargo.
Esta preocupação é tão evidente que, em 1959, ofusca outras preocupações
igualmente sentidas. A revisão deste ano fica assinalada pela mudança no modo de eleição do
Presidente. A eleição passa a ser feita através de sufrágio indireto e orgânico (colégio eleitoral
restrito), e não por ter aditado à reserva da Assembleia Nacional, órgão de eleição direta dos
cidadãos, a competência para legislar sobre as mais importantes liberdades públicas.
Já em 1971, a proposta de lei de revisão orienta-se num espírito mais favorável aos
direitos fundamentais, no referente quer à sua especificação, quer à sua regulamentação.
Define ainda as províncias ultramarinas como regiões autónomas.
Por fim, interessa dizer que há um desfasamento entre a Constituição de 1933 e a
prática. Relembrando Karl Loewenstein, quanto à relação entre as previsões da Constituição
(norma constitucional) e a realidade constitucional, podem encontrar-se:
Constituições normativas: o texto da Constituição corresponde à prática, pelo que há
um poder efetivo da primeira na regulação da realidade
Constituições nominais: o grau de vinculação ou correspondência entre a Constituição
e a realidade é mais ténue (há desvios, mas não muito significativos)
Constituições semânticas: em que há um total desfasamento entre o que a
Constituição prevê e a praxis constitucional.
Constituição de 1976
25 de abril de 1974 – Revolução/Golpe de Estado
1974 a 1976 – PREC (Processo revolucionário em curso e processo revolucionário e
constituinte)
11 de março de 1975 – tentativa de golpe
13 de abril de 1975 – 1ª plataforma de Acordo Constitucional, o chamado, Pacto
MFA/Partidos (resulta do 11 de março)
25 de abril de 1975 – eleição da Assembleia Constituinte, que era obrigação do
programa do MFA apresentado em abril de 1974 com o objetivo da elaboração da
Constituição
25 de novembro de 1975 – contragolpe
26 de fevereiro de 1976 – 2ª plataforma de Acordo Constitucional MFA/Partidos
2 de abril de 1976 – aprovação da Constituição
25 de abril de 1976 – entrada em vigor da Constituição
41
Das proclamações difundidas no próprio dia 25 de Abril de 1974 e do programa do
MFA logo constou o anúncio público da convocação, no prazo de doze meses, de uma
Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal direto e secreto, segundo a lei
eleitoral a elaborar pelo futuro Governo Provisório. Estabeleceu-se ainda que, logo que a
Assembleia Legislativa e o PR fossem eleitos pela Nação, a ação das Forças Armadas seria
restringida à sua missão específica de defesa da soberania nacional.
Mas três circunstâncias particulares viriam a assinalar o processo que se desenrolaria
até à Constituição:
1) Turbulência dos dois anos entre a revolução e a Constituição, derivada de
condicionalismos de várias ordens e traduzida, a partir de certa altura, num
conflito de legitimidades e de projetos de revolução
2) Como consequência da anterior e dos desvios que se verificaram em relação
ao programa do MFA, celebram-se duas “Plataformas de Acordo
Constitucional” entre os principais partidos políticos e o MFA (PREC – Processo
Revolucionário Constituinte, representando um órgão entretanto criado, o
Conselho da Revolução) para predeterminar alguns pontos importantes da
futura Lei Fundamental.
3) Pluralismo partidário que brotou no país e que se manifestou na Assembleia
Constituinte, sem que houvesse maioria de qualquer partido ou coligação e
tendo cada um dos seis partidos aí com assento apresentado o seu próprio
projeto de Constituição.
42
Esta é uma Constituição pós-revolucionária e compromissória, traduzindo um
compromisso histórico, como resultado das várias cedências entre os diversos partidos
políticos. Apresenta-se com um texto muito longo, cuja sistematização torna incontestável a
opção pelo pensamento constitucionalista, liberal e democrático, em contraste com as
conceções marxistas.
A Assembleia Constituinte discutiu qual a ordem de previsão constitucional entre a
ordem económica e os direitos fundamentais, já que algumas correntes defendiam que apenas
com uma verdadeira organização económica se garantem os direitos fundamentais. Acabou
por vencer a corrente que dava primazia à previsão de direitos, daí que estes surjam primeiro.
Quanto à organização económica, é a Primeira Plataforma de Acordo Constitucional
que está na base da discussão e votação daquela, sendo induzido um sistema socializante da
economia. Alguns autores consideram que o texto da Constituição apresentava nesta parte um
pendor mais socialista. Como não foi inteiramente cumprido, há quem fale aqui num costume
contra constitutionem (contra a constituição).
O sistema de governo de 1976 foi moldado com a preocupação maior de evitar os
vícios inversos do parlamentarismo de assembleia da Constituição de 1911 e da concentração
de poder da Constituição de 1933, e tendo como pano de fundo a situação institucional pós-
revolucionária. Aproximou-se assim de um governo semipresidencial. Não se optou por um
regime parlamentar porque quando este esteve em vigor, introduziu a instabilidade com
sucessivas quedas de Governo. Acresce ainda o facto de ser necessária uma tradição de debate
parlamentar e centragem do poder no Parlamento o que não existiu, já que a Constituição de
1933 havia suprimido as competências daquele. O sistema unipessoal também não foi opção
devido, em primeiro lugar, aos riscos e abusos que dele advém e, em segundo, porque a
Constituição de 1976 se baseou no programa do MFA e nas Plataformas de Acordo
Constitucional onde se explicitava que o PR haveria de ser eleito por sufrágio direto e ainda se
previa também a existência do Conselho de Revolução.
Neste sentido, os órgãos de soberania na versão originária da Constituição de 1976 são
os seguintes:
Presidente da República
o Também presidente do Conselho da Revolução
o Mesma legitimidade politico-eleitoral da AR
o Eleito por sufrágio direto
Assembleia da República
o Parlamento unicameral
o Mesma legitimidade politico-eleitoral do PR
o Eleita por sufrágio direto
Governo
o Órgão de condução da política geral do país
o Órgão autónomo
o Conselho da Revolução
o Condiciona os principais atos do PR
o Competências consultivas em matéria de dissolução da AR e de declaração de
Estado de sítio ou emergência
43
ser também descentralizado, ou seja, capaz de distribuir funções e poderes de autoridade por
comunidades, outras entidades e centros de interesse existentes no seu seio.
Se a Constituição trouxe a estabilização política segundo um modelo institucional
idêntico ou análogo ao das democracias ocidentais, a sua entrada em vigor não significou o
consenso constitucional do país. Pelo contrário, desde o início, o debate à volta da
Constituição assumiu o relevo inédito. Assim, interessa aludir às revisões de que foi alvo a
Constituição de 1976:
1º - Revisão de 1982: bastante extensa, trouxe modificações à maior parte das
disposições constitucionais. O preambulo não foi, porém, alterado. As principais
alterações foram as seguintes:
o Redução das marcas ideológico-conjunturais vindas de 1975, em particular, a
supressão das referências ao socialismo em todos os artigos, salvo no 2º
o Aperfeiçoamento dos direitos fundamentais e clarificação da Constituição
económica numa linha de economia pluralista
o Extinção do Conselho da Revolução, pois há uma necessidade de distribuição
das competências, e o termo das funções políticas das Forças Armadas
o Repensar das relações entre o PR, a AR e o Governo, com reflexos no sistema
político, e a criação do Tribunal Constitucional.
Consequências:
Aproximação ao sistema semipresidencial no sentido estrito
do termo e criação de dois novos órgãos: o Tribunal
Constitucional e o Conselho de Estado (função consultiva)
44
o Reforço dos mecanismos de participação dos cidadãos no processo
político, podendo estes agora apresentar propostas de lei à AR e propostas
de referendo
o Alargamento do sistema de atos legislativos
o Reforço do Tribunal Constitucional
o Entre outras
Formalmente:
o Declaração Universal dos Direitos do Homem: este art.º 16 n.º2 da CRP não é
uma receção material. Não sujeita os artigos ou proposições da Declaração
Universal aos quadros da Constituição; conjuga sim, a Constituição com a
Declaração Universal no domínio dos direitos fundamentais, fazendo-a
participar e depender do seu espírito numa necessária harmonia valorativa. É
uma norma de receção formal.
o Princípios cooperativos: quais são esses princípios? A Constituição não os
enuncia, nem indica a sua sede ou um texto donde constem. Contudo, a
doutrina, a jurisprudência e a prática entendem que ela tem em vista os
princípios cooperativos comummente (de modo comum) aceites, proclamados
pela Aliança Cooperativa Internacional e acolhidos entre nós ao longo de uma
experiência e de uma tradição cooperativista. Poder-se-á então admitir que,
ao aludirem a princípios cooperativos, aqueles preceitos constitucionais
procedem, ainda eles, a uma receção – e, mesmo a uma receção formal (se
bem que não totalmente similar à da Declaração Universal).
Materialmente: Leis 8, 16, 18/75, Lei 1/76
45
Sistematização da Constituição:
Princípios Gerais
Parte I – Direitos Fundamentais
Parte II – Organização Económica
Parte III – Organização Política
Parte IV – Garantia da Constituição
46
o art.º 227 n.º1 alíneas A, B e C
o art.º 228
Soberania: art.º 3 “A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce
segundo as formas previstas na Constituição.”
Princípio da constitucionalidade: art.º 3 “O Estado subordina-se à Constituição e
funda-se na legalidade democrática”
Domínio público: art.º 84 “Pertencem ao domínio público (…)” (Ex: estradas, linhas
férreas, águas territoriais, jazigos minerais, etc.”
Tipos de autarquias locais: art.º 236 “Categorias de autarquias locais e divisão
administrativa
o “No continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as
regiões administrativas”
o “As regiões autónomas dos Açores e da Madeira compreendem freguesias e
municípios”
Referendo: art.º 115
47
Art.º 140 – Referenda ministerial (na constituição de 1933, todos os atos do
presidente careciam de referenda do governo). Atualmente, só o artigos definidos no
art.º 140
Art.º 141 – Definição de Conselho de Estado “O Conselho de Estado é o órgão político
de consulta do Presidente da República”. Este surge com a revisão de 1982, para
substituir o Conselho da Revolução.
o Nota:
Decisões - órgãos singulares
Deliberações – órgãos colegiais
Art.º 148 – “A Assembleia da República tem o mínimo de cento e oitenta e o máximo
de duzentos e trinta Deputados, nos termos da lei eleitoral” - remissão para a lei
eleitoral
Arts.º 164 e 165 - no 165º Reserva relativa de competência legislativa, a AR pode
conceder ao governo a possibilidade de legislar sobre as matérias em questão,
enquanto que no 164º Reserva absoluta de competência legislativa, em virtude de as
matérias em questão serem mais solene, só a AR pode legislar
o Art.º 227 nº1 alínea b) – legislar em matéria de reserva relativa da Assembleia
da República, mediante autorização desta (remissão art.º 165)
Art.º 161 alínea h) – “(…) estabelecer o limite máximo dos avales a conceder em cada
ano pelo Governo”
o Nota: O avale é uma forma de garantia em relação a obrigações de terceiros.
Art.º 171 – Legislatura: “1. A legislatura tem a duração de quatro sessões legislativas”.
Para mais informações sobre as sessões legislativas remete-se para o art.º 174
Art.º 174 n.º3 – “Fora do período indicado no número anterior, a Assembleia
República pode funcionar por deliberação do Plenário, prorrogando o período normal
de funcionamento, por iniciativa da Comissão Permanente ou, na impossibilidade
desta e em caso de grave emergência, por iniciativa de mais de metade dos
Deputados” remissão para o art.º 179 – Comissão Permanente
Art.º 198 nº1: matéria concorrencial define-se por exclusão de partes e é toda aquela
que não está nem nos arts.º 164, 165, 198 n.º2
Art.º 198 n.º2 – “É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria
respeitante à sua própria organização e funcionamento” remissão para art.º 183 n.º3
19/11/2019 - A Parte I da CRP: Referência aos direitos fundamentais; Regime comum dos
direitos fundamentais a) Princípio da universalidade b) Princípio da igualdade c) Princípio do
acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva d) Referência ao direito de resistência e à
responsabilidade das entidades públicas e) Proteção internacional dos direitos
fundamentais: introdução, enquadramento geral e remissão.
48
3. Dos trabalhadores (art.º 53 a art.º 57)
c) Direitos Económicos, Sociais e Culturais (art.º 58 a art.º 79)
1. Económicos (art.º 58 a art.º 62)
2. Sociais (art.º 63 a art.º 72)
3. Culturais (art.º 73 a art.º 79)
Doutrina Tradicional aplicável ao regime dos Direitos Fundamentais (só depois se falará de
uma nova teoria, que envolve uma compreensão plena da doutrina tradicional):
Perante um DLG ou perante um DESC, aplicamos o regime comum mais o regime específico.
Regime comum dos direitos fundamentais: O regime comum dos Direitos Fundamentais
aplica-se a qualquer direito, uma vez que abrange os Direitos, Liberdades e Garantias e os
Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
2. “As pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres
compatíveis com a sua natureza” - Cláusula de numeração geral dirigida às pessoas
coletivas, aplicando-lhes os direitos fundamentais desde que sejam compatíveis com a
sua natureza. (Ex: o direito à vida não pode ser aplicado a uma pessoa coletiva, mas o
direito à defesa da honra pode).
o Art.º 14 – este artigo diz que os cidadãos que estão no estrangeiro são
abrangidos pelo princípio da universalidade. Mostra que a cidadania é um
vínculo jurídico além-fronteiras, e que se um cidadão português estiver no
estrangeiro goza da proteção do Estado para o exercício dos direitos e
estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência do
país.
o Art.º 15 - aplica-se a cidadãos não portugueses que estejam dentro do
território nacional.
o N.º 1 – a isto chama-se princípio da equiparação. Equiparar os
cidadãos estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal
49
com os cidadãos portugueses. “(…) gozam dos direitos e estão
sujeitos aos deveres do cidadão português”.
50
Convém referir que os meios de tutela dos direitos fundamentais não
se esgotam em meios de tutela jurisdicional. Existem meios de tutela
jurisdicional como, por exemplo, os previstos nos artigos 20.º (acesso
ao Direito e aos tribunais) e 268.º n.º 2 (justiça administrativa). Nos
termos do artigo 271.º e do artigo 22.º, é também possível intentar
ações de responsabilidade contra o Estado: é estabelecida uma
responsabilidade solidária, sendo que se das funções do Estado
resultar alguma lesão para o particular, o Estado é responsável e os
seus funcionários também. Como tal, o lesado pode exigir essa
responsabilização ao Estado ou ao funcionário, pois são
solidariamente responsáveis pela lesão. (Ex: Eu sofri um dano. Tanto o
Estado como o funcionário são responsáveis, ou seja, tanto posso demandar
o Estado como posso demandar o funcionário. Enquanto lesado posso exigir a
responsabilidade tanto a um como a outro. Para mim lesado não tenho que
estar à espera que o Estado vá buscar o dinheiro ao funcionário. Posso ir
diretamente ao Estado)
Para além disso, existem meios de tutela não-jurisdicional, como o
Provedor de Justiça previsto no artigo 23.º (figura que não está ligada
aos tribunais, alguém que não tem poder vinculativo e decisório mas
funciona como uma plataforma de distribuição das queixas dos
cidadãos), como o direito de petição (artigo 52.º), como os direitos de
salvaguarda quanto à utilização informática (artigo 35.º), o direito de
informação (artigo 268.º, nomeadamente ao arquivo aberto, previsto
no n.º2 do mesmo artigo), o direito à resistência (artigo 21.º,
proveniente de Thomas Hobbes, diz-nos que o cidadão tem o direito
de não cumprir uma determinada ordem), direito a um procedimento
justo por parte da administração (artigo 267.º).
51
Aparentemente, a existência de múltiplos casos de tutela pode parecer boa, no
entanto, pode criar confusão. Nem sempre a overdose de proteção jurídica é uma solução,
podendo antes ser um problema.
Ao nível dos direitos fundamentais, quando se fala no panorama internacional, falamos
de Direitos Humanos (duas esferas DF e DH quase coincidentes).
DF DH
Art.º 18 n.º 1
1) Entidades públicas, seja qual for a sua natureza e seja qual for a
sua forma de atuação, e não apenas o Estado. São destinatários
todos os órgãos de poder, e não apenas os do poder legislativo.
A propósito das entidades públicas pode-se falar de:
o Eficácia vertical: diz respeito à aplicabilidade desses
direitos como limites à atuação dos governantes em
favor dos governados, numa relação vertical entre o
Estado e o indivíduo, como uma forma de proteção das
52
liberdades individuais (direitos fundamentais de
primeira geração) e de impedir a interferência estatal
na vida privada. Desta forma, os direitos fundamentais
eram vistos como liberdades e garantias, ou seja,
direitos de defesa do indivíduo perante o Estado. A
aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre
o particular e o poder público não se discute.
2) Entidades privadas, sendo que não estão aqui em causa
direitos nas relações entre os particulares nem direitos que
apenas podem ter por destinatário passivo o Estado. Trata-se,
sim, de direitos que incidem ou podem incidir tanto nas
relações com entidades públicas quanto nas relações com
particulares. Trata-se ainda de direitos que, tendo surgido
historicamente frente ao Estado, podem adquirir também
sentido frente a particulares. Relativamente às entidades
privadas pode-se falar de:
o Eficácia horizontal: também designada por eficácia
perante terceiros, efetua-se a propósito de direitos que,
tendo surgido primeiramente frente ao Estado, podem
adquiri também sentido face aos particulares. Aqui, há
relações bilaterais sobre as quais se projetam ou em
que podem ser afetados especificamente certos
direitos, liberdades e garantias. Aqui os destinatários
dos preceitos constitucionais são os particulares.
Inicialmente, esta eficácia horizontal era negada, uma
vez que os DLG eram vistos como trunfos face ao
Estado e às entidades públicas.
53
dos cidadãos e na e) estão protegidos os direitos dos trabalhadores a nível de organização
económica (Parte II)].
Exemplos:
1. Dois titulares com dois direitos diferentes - “O Direito de Informação dos
jornalistas deve ceder para assegurar o direito à honra de um cidadão” – neste
caso, a liberdade de informação é restringida de modo a salvaguardar o direito
à honra, ou seja, há um conflito de direito.
2. Um titular com um direito e um bem estadual - “Liberdade de informação (…)
esperança de defesa nacional” – defesa nacional como um bem do Estado e
não como algum direito patente em nenhum artigo da CRP, logo, daqui
resulta, um caso de colisão.
Durante algum tempo entendeu-se que estas situações de colisão e conflito poderiam
ser resolvidas através de um critério de prevalência hierárquica (lista hierárquica de direitos). A
constituição colocava os DLG acima dos DESC, pelo que, antigamente, se houvesse um DLG em
confronto com um DESC, ganhava o DLG. Este método utilizado, absolutamente simples,
porém absolutamente errado pois todos os direitos têm a mesma importância, não havendo
uma hierarquia de direitos na CRP. Como tal, hoje em dia utilizamos o critério da concordância
prática ou ponderação casuística. Temos que atender às circunstâncias em que os direitos se
encontram em conflito ou colisão para se saber qual é o direito que deve ceder e qual o que
deve prevalecer. Para além deste critério, é necessário atender ao princípio da
proporcionalidade. Há que integrar o critério do lesado (Ex: vacinação obrigatória – direito que
está a ser restringido para salvaguardar um outro bem, a saúde pública, ou mesmo o direito à
saúde de outros titulares. Qual é o direito que está a ser restringido, no caso da vacinação
obrigatória, para salvaguardar terceiros, neste caso a saúde pública? É o direito à integridade
54
física. Este está a ser restringido para salvaguardar o direito à saúde de outros (direito à
integridade física – art.25º - DLG + direito à saúde de outros, presente no art.64º).
O critério da hierarquia é um critério imutável (observar situação descrita
anteriormente) – há, no entanto, uma lesão mínima à integridade física que não é excessiva
(princípio da proporcionalidade) para condicionar a integridade de outro – daí se ter passado a
utilizar o critério do lesado e não o critério hierárquico, pondo assim em causa, a validade
deste.
O artigo 17º da Constituição exige que o regime específico dos direitos, liberdades e
garantias se aplique também aos direitos fundamentais de natureza análoga.
55
conflituam uns com os outros. Cada um dos direitos é imanente dos
demais (ou seja, um limite imanente é um limite interior à própria
constituição, limites que vêm de dentro da própria Constituição e que
devem ser aplicados a montante do artigo 18.º)
tatbestand alargado ou tatbestand restrito (= previsão): na CRP
encontramos uma previsão alargada (direito prima facie), mas quando
percebemos as áreas de sobreposição de outros direitos chegamos a
uma área de previsão restrita (similar ao direito definitivo)
mecanismo de conversão de direito prima facie em direito definitivo:
quando olhamos para a CRP vemos um direito prima facie (direito à
primeira vista). Percebemos, depois de lermos todos os direitos, que
esse direito necessita de uma conversão em direitos definitivos, o que
nos fica após a compaginação do direito. O direito definitivo já
abrange muito menos conteúdos do que abrangeria o direito prima
facie. Segundo o professor Gomes Canotilho, apenas um direito, que é
o direito à vida, é simultaneamente prima facie e definitivo, logo não é
passível a conversão, uma vez que qualquer lesão deste direito
resultará numa lesão do núcleo essencial do direito à vida
56
As restrições (limitação do exercício do direito) distinguem-se de outras figuras de afetação
de direitos:
Caso de concorrência
o acumulação: uma situação em que um particular se encontra protegido por
mais do que um direito previsto na CRP (Ex: (quando um artista produz uma
obra de arte está protegido pelo direito de liberdade artística e pelo direito de
autor)
o concorrência inautêntica (ou concorrência aparente): quando são invocadas
normas que têm uma relação de generalidade e especialidade (por exemplo: o
artigo 51.º como regra especial face ao artigo 46.º, regra geral)
Caso de perda de direitos: caso em que o cidadão deixaria de ser titular de direitos
fundamentais. Há uns anos, falava-se em “morte cívica”. No entanto, não existe
efetivamente uma perda de direitos num Estado de Direito (n.º 4 do artigo 30.º -
“Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis,
profissionais ou políticos”).
Caso de renúncia a direitos (ou autolimitação): antes, a doutrina entendia que não
podia haver uma renúncia (ato de vontade própria dos cidadãos) a direitos
fundamentais. Deste modo, entendia-se que não podiam haver situações de
autolimitação de direitos. No entanto, hoje em dia, um direito é sempre visto como
uma situação de vantagem, logo, a partir do momento em que o indivíduo deixa de ver
esse direito como uma vantagem, tem a possibilidade de renunciar a esse direito. No
caso da renúncia, temos algo mais radical e mais absoluto, enquanto que, no caso da
autolimitação, temos uma limitação menos radical. Atualmente, vão-se admitindo
casos de autolimitação de integridade física (Ex: doar sangue, doar um órgão, tentativa
de suicídio, sendo esta último + radical – autolimitação dos direitos à integridade
física).
Não exercício de direitos (Ex: quanto ao direito a casar)
Casos de relações especiais de poder: há determinadas categorias de funcionários (ex.
públicos ou militares) que têm uma situação específica face ao Estado, sendo que
estão única e exclusivamente ao serviço do bem público, o que pode eventualmente
justificar uma restrição acrescida dos direitos fundamentais. Inclusive, durante algum
tempo, determinadas categorias de funcionários públicos, como professores e
enfermeiros, tinham de pedir, por exemplo, autorização para casar, seguida de uma
avaliação do futuro cônjuge pelo Estado. Atualmente, num contexto de Estado de
Direito, há ainda alguns vestígios dessas restrições (visível por exemplo nos artigos
269.º e 270.º, onde se aceita a restrição de direitos), mas estas têm de ser feitas nos
termos dos limites da Constituição. É diferente quanto ao requisito de forma – artigo
164.º o), prevê a matéria como integrada na reserva absoluta da Assembleia da
República.
Suspensão do exercício de direitos: nos termos do artigo 19º, pode existir numa
exceção constitucional em casos de estado de sítio ou de emergência. A restrição é
parcial, mas tendencialmente definitiva. Pode haver uma suspensão total (quanto ao
objeto) mas tendencialmente temporária (quanto à duração) de direitos, à exceção
dos direitos estabelecidos no n.º 6 do artigo 19.º - uma cláusula meramente instrutiva
que fixa direitos que, de acordo com o princípio da proporcionalidade, nunca seriam
suspensos de forma justificada. Olhar para este n.º 6 é como dizer que é necessário
atender ao princípio da proporcionalidade, uma vez que a suspensão destes direitos
nunca teria qualquer necessidade nem adequação e seria sempre excessiva.
57
o Diferença entre restrição e suspensão:
Suspensão: tem que ser temporária (tempo que vigorar o estado de
emergência ou estado de sítio), mas é absoluta a suspensão. (exceção
constitucional)
Restrição: não há eliminação dos direitos, estes vão sendo
compatibilizados. A restrição é apenas parcial, mas tendencialmente,
definitiva. (normalidade constitucional, dia-a-dia)
Violação de um direito: é um caso de restrição não autorizada de um direito
Estes são os direitos de segunda geração, próprios do Estado social de direito. Aos
direitos económicos aplica-se o regime geral, e o específico em regime de acumulação (alguns
autores negam a existência deste).
Ao contrário do que acontece com os DLG, o seu regime específico não se encontra na
constituição (não temos paralelo como o art.º 18 para os DLG). Este regime resulta do labor da
doutrina e da jurisprudência que, com base em determinados princípios, o construíram,
assentando em três traços essenciais:
58
traços pontuais que resultam do art.º 164 + do art.º 165, nada nos diz a constituição acerca
dos DESC, em matéria de reserva de lei.
O art.º 288 alínea d) diz-nos que os DLG são limites materiais de revisão, não havendo
nada parecido quanto aos DESC.
Exemplo: art.º 62 (Direito de propriedade privada) - a CRP prevê este direito como
direito social (DESC) mas toda a doutrina, inclusive o Tribunal Constitucional, reconhece que há
uma dimensão deste que é DLG. Se olharmos para a natureza de um DLG e para a de um DESC,
sabemos que a um DLG corresponde uma ideia de abstenção por parte do Estado, e que a um
DESC corresponde uma postura de intervenção por parte do Estado. Em relação à minha
propriedade, o que se quer é que o Estado nada faça, ou seja, se abstenha. Isto significa que a
natureza último desta DESC é a natureza de um DLG. Sendo assim, vai-se aplicar não o regime
dos DESC, mas sim o regime comum + o regime específico dos DLG, ou seja, vou aplicar o
artigo 18º ex vi artigo 17º. Nota: ex vi significa por força ou por via.
O art.º 17 serve-nos para Direitos fundamentais que estão na parte I mas fora do título
II e serve-nos também para sabermos que regime aplicar a direitos fundamentais avulsos e
extravagantes. Primeiramente, olhamos para eles depois de ter chegado à conclusão que são
direitos fundamentais, e só depois tentar perceber que natureza têm, se são DLG ou DESC. De
seguida, só se aplica o art.º 18 ex vi o art.º 17 nos casos de chegarmos à conclusão que é um
59
DLG – se tiver a natureza de um DESC vamos aplicar o seu regime específico + o regime comum
dos DF.
60
dos cidadãos. No entanto, por exemplo, num contexto de crise financeira, não é
certo que se vá manter as pensões. A partir de determinado momento, ainda que
fosse necessária e adequada a restrição, passou a ser excessiva e afetou as
expectativas razoáveis (aquilo com que os cidadãos podem razoavelmente contar) –
princípio da proporcionalidade.
Concluindo, o regime específico dos DLG não tem nada de específico sem ser o regime
orgânico formal (art.º 164 + art.º 165) e os limites materiais de revisão (art.º 288). O regime
específico dos DESC não tem nada de específico a não ser o facto de decorrer de princípios
gerais da Constituição. Assim, este conjunto de autores defende que não há um regime
diferente a aplicar: há apenas um único regime aplicável, o dos direitos fundamentais.
61
inconstitucionais (rememoração e ressistematização). Modificações e subsistência da
Constituição: a CRP como constituição rígida
1. Conceito de Constituição
Em qualquer Estado, em qualquer época e lugar, encontra-se sempre um conjunto de
normas fundamentais, respeitantes à sua estrutura, organização e atividade – escritas ou não,
em maior ou menor número, mais ou menos simples ou complexas. Encontra-se sempre uma
Constituição como expressão jurídica do enlace entre poder e comunidade política, ou entre
governantes e governados. Assim, e antes de mais, interessa aludir a algumas classificações:
Quanto ao conteúdo:
Constituição material: é uma constituição não escrita, como a britânica; conteúdo que
tem a ver com o estatuto jurídico de uma determinada sociedade, ou seja, às normas
de desempenho cimeiro na organização do Estado, ao acervo teórico dos princípios
fundamentais do Estado; aquilo que lhe confere substância e identidade, ou por outras
palavras, são as regras materialmente constitucionais relacionadas com o poder
(organização do Estado); a manifestação direta e imediata de uma ideia de Direito que
prevalece em certo tempo e lugar (seja pelo consentimento, seja pela adesão passiva);
a resultante primária do exercício do poder constituinte material; e, em democracia, a
expressão máxima da vontade popular livremente formada.
62
pode entender-se o texto denominado Constituição ou elaborado como Constituição,
naturalmente ligado à força jurídica específica da Constituição formal.
Quanto à forma:
Constituição escrita
Constituição não escrita
Quanto à estabilidade:
Diz-se rígida a Constituição que, para ser revista, exige a observância de uma forma
particular distinta da forma seguida para a elaboração das leis ordinárias.
Diz-se flexível aquela em que são idênticos o processo legislativo e o processo de
revisão constitucional, aquela em que a forma é a mesma para a lei ordinária e para a
lei de revisão constitucional.
2. Formação da Constituição
Otto Bachof fala de um oxímoro (contradição nos próprios termos) – normas
constitucionais inconstitucionais – (formalmente) constitucionais (materialmente)
inconstitucionais. Normalmente há um desfasamento entre o exercício do poder constituinte
material e formal, já que a Constituição formal é elaborada após uma manifestação da ideia de
direito da constituição material. Neste sentido, podemos ter normas na constituição formal
que não espelham a constituição material, da mesma maneira que podemos ter normas na
constituição material que não foram passadas para a constituição formal.
Pelo que poderão existir normas formais (constitucionais) inconstitucionais – normas
constitucionais do ponto de vista formal, mas que contrariam a Constituição material (Otto
Bachof.
No entanto, segundo Jorge Miranda, esta só pode acontecer com as revisões
constitucionais, e não na versão originária da constituição.
Interessa distinguir:
Poder Constituinte Material: corresponde ao poder do Estado se poder
autodotar de uma Constituição.
Poder Constituinte Formal: corresponde ao poder de decretação de normas
com a forma e a força jurídica próprias das normas constitucionais. Para além
da institucionalização do Estado, consegue um estatuto jurídico específico e
cristaliza-o na forma escrita para um determinado tempo.
o Como se pode manifestar?
Atos Unilaterais:
simples (provêm de um único órgão)
63
plurais (provem de mais do que um órgão)
Atos Bilaterais
Atos Plurilaterais
64
Há que distinguir três categorias de limites materiais do poder constituinte:
65
O poder constituinte constitui e estabelece os restantes poderes (político-legislativo,
administrativo, judicial e de revisão). Isto significa que o poder de revisão é um poder
constituinte derivado/secundário, mas também um poder constituído ao mesmo tempo. O
poder constituinte originário é o poder de fazer uma Constituição, seja ela material ou formal.
Mas podemos falar também de poder constituinte derivado ou secundário: a vicissitude parcial
expressa mais comum é a revisão constitucional (o poder de fazer revisões). Assim sendo, é o
poder constituinte que estabelece numa Constituição as regras para revisão constitucional. O
poder de revisão constitucional é simultaneamente um poder constituinte derivado ou
secundário e um poder constituído.
1822 – elaborada por cortes, expressamente eleitas para o efeito, com base num
documento prévio que foram a base da constituição (ato unilateral)
1826 – ato unilateral de uma só pessoa (monarca)
1838 – assembleia e um acordo com a rainha (ato bilateral – resulta de um acordo com
a rainha; constituição pactícia)
1911 – assembleia
1933 – assembleia e o “plebiscito”
1976 – assembleia constituinte (eleita a 25.04.75 para a elaboração da constituição
apenas)
A CRP é também rígida: prevê limites de revisão e prevê o tal procedimento específico
diferenciado do procedimento legislativo, de elaboração de uma lei ordinário (está previsto
entre os artigos 284º e o 289º).
Nota: vacacio leges – (vem da palavra espanhola “vacaciones”, que significa férias) é o hiato
temporal entre a data de publicação e a entrada em vigor.
66
ordinária. Obs: Ao contrário do que por vezes é dito, não há anos de revisão
constitucional, uma vez que esta possibilidade aberta do nº1 deste artigo é no
sentido de poder haver uma revisão constitucional e não como
obrigatoriedade de acontecer (a última revisão constitucional em Portugal foi
em 2005. Ora, poderia voltar a haver a partir de 2010, mas não voltou a
acontecer). Para além disso, basta que 1 deputado apresente um projeto de
revisão constitucional se já tiverem passado 5 anos.
o N.º2 – revisão extraordinária – circunstâncias excecionais que leva a que
necessariamente se faça uma revisão constitucional – os deputados podem
assumir poderes de revisão com uma maioria específica (exige-se uma maioria
4
considerável de dos deputados em efetividade de funções)
5
o Compete a Assembleia da República apresentar projetos de revisão. Logo aqui
percebemos que estamos perante uma situação diferente daquele que
acontece com um projeto de lei normal.
67
Porque é que não pode recusar a aprovação de uma lei de revisão?
Porque é que a CRP chegou a este equilíbrio? Qual é a semelhança em
termos orgânicos (órgãos) entre AR e PR?
PR e AR são ambos órgãos eletivos por sufrágio direto
universal. A diferença reside no facto de um ser um órgão
singular (PR) e outro colegial (AR). A vontade do PR cede à da
AR visto que esta é um órgão representativo enquanto que o
PR não o é.
Qual o prazo que o PR tem para promulgar? Se o artigo não nos diz
nada quanto ao prazo, vamos admitir que esta é uma lacuna
constitucional. Se houver uma lacuna, uma ausência de norma (artigo
10º CC), esta é resolvida indo buscar um caso análogo (situação
parecida). Caso não exista situação análoga, a lacuna teria que ser
resolvida com a criação de uma norma dentro de um sistema coerente
sistemático, sendo a criação fruto do intérprete.
Para resolver certas situações, a doutrina tem tentado olhar para este
artigo de outra maneira. O PR não pode recusar uma revisão, mas se
aquilo que chegar ao PR for uma mera aparência de lei de revisão, o
PR não será, pois, obrigado a promulgar (Ex: ementa; revisão
constitucional ordinária que chegue após 1 ano – aparência na medida
em que não cumpre os limites de revisão), ou seja, se aquilo que chega
ao PR for uma aparência, o PR tem uma latitude maior quanto a esta
questão.
68
Nota: se a AR for dissolvida, não há aprovação do projeto.
Isto que acabamos de ver mostra que a CRP é uma constituição rígida e que nos
termos dos artigos 284º e 289º, percebemos que a revisão constitucional é feita pela AR (não
há criação de um órgão ad hoc)
Há Estados que preveem um paralelismo de formas – a constituição é revista conforme
tenha sido elaborada.
A nossa constituição é uma constituição rígida mas há vários tipos de constituições
rígidas – com um procedimento de revisão diferente do da lei ordinária mas o modelo previsto
de revisão previsto na CRP de 1976 do artigo 284 a 289 não é o único.
O nosso modelo de revisão não é o único modelo de vicissitude constitucional.
Vicissitudes constitucionais
São vicissitudes constitucionais todas as
formas possíveis que afetam uma
Constituição.
Quanto ao modo:
o Expressas: são aquelas que
são deliberadas e que
resultam de uma intenção
Revisão
constitucional (stricto
sensu): quando
deliberadamente
entendemos
modificar uma
Constituição. É a
vicissitude
constitucional mais
típica/frequente.
Derrogação constitucional: (a propósito da receção material) é uma
forma de vicissitude porque, sem fazer uma revisão da Constituição,
temos, no domínio da mesma Constituição, uma regra geral e uma
regra excecional (Ex: temos uma norma geral (art.º 29) e uma norma
excecional que contraria a norma geral (art.º 292)).
Transição constitucional: revisão total da Constituição (Ex: se em
Portugal não tivéssemos limites materiais de revisão podíamos mudar
tudo a propósito de uma revisão), mudando os aspetos essenciais.
Opõe-se a uma revolução, na medida em que aproveita preceitos
constitucionais – abre-se um processo de modificação e altera-se o
sistema todo; rutura não revolucionária
Revolução: implica a instauração de um novo regime, de uma nova
ideia de Direito (iniciativa popular)
69
Suspensão (parcial) da constituição: art.º 19 da CRP, quando se fala
na suspensão de determinados direitos no caso de estado de sítio ou
estado de emergência estamos, portanto, a falar de uma vicissitude
expressa
Quanto ao objeto:
o Parciais: modificações constitucionais (todas elas menos a revolução e a
transição constitucional)
o Totais: revolução e transição constitucional
Quanto ao alcance:
o Geral e abstrato: aplicam-se a todas as situações e a todos os destinatários.
Todas as vicissitudes têm alcance geral e abstrato menos a derrogação
constitucional.
o Individual e concreto ou excecional: apenas a derrogação constitucional. O
que a derrogação faz é dizer que para um determinado caso, em especial, não
se aplica a norma geral.
Nota:
Norma geral: regra geral num determinado sentido,
pormenorizada
Norma especial: vai no mesmo sentido que a norma gera
Norma excecional: contraria a norma geral
70
o Com rutura: há um alteração constitucional. Dá-se com a revolução e com a
rutura não revolucionária
71