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Direito Constitucional

Parte I – O Estado e a experiência constitucional


Título I – O Estado na História (Pág. 1)
Capítulo I – Localização histórica do Estado (Pág. 3)
Capítulo II – O Direito Público moderno e o Estado de tipo europeu (Pág. 4)

Título II – Sistemas e famílias constitucionais (Pág. 14)


Capítulo I – Sistemas e famílias constitucionais em geral (Pág. 14)
Capítulo II – As diversas famílias constitucionais (Pág. 14)
Capítulo III –Os sistemas constitucionais do Brasil e dos países africanos de língua portuguesa (Pág. 28)

Título III – As constituições portuguesas (Pág. 33)


Capítulo I – As constituições portuguesas em geral (Pág. 33)
Capítulo II- As constituições liberais (Pág. 35)
Capítulo III – A Constituição de 1933 (Pág. 38)
Capítulo IV – A Constituição de 1976 (Pág. 41)

Parte II– Teoria da Constituição (Pág. 61)


Título I – A constituição como fenómeno jurídico
Capítulo I – Conceito de Constituição (Pág. 61)
Capítulo II – Formação da Constituição (Pág. 62)
Capítulo III – Modificações e subsistência da Constituição (Pág. 68)

Título II – Normas Constitucionais


Capítulo I – Estrutura das normas constitucionais
Capítulo II – Interpretação, integração e aplicação

Parte III
Introdução aos Direitos Fundamentais

Parte IV – A atividade constitucional do Estado


Título I – Funções, órgãos e atos em geral
Capítulo I – Funções do Estado
Capítulo II – Órgãos do Estado
Título II – Atos legislativos
Capítulo I – A lei em geral
Capítulo II – As leis da Assembleia da República
Capítulo III - Autorizações legislativas e apreciações parlamentares
Capítulo IV – Relações entre atos legislativos

Parte V – Inconstitucionalidade e garantia da Constituição


Título I – Inconstitucionalidade e garantia em geral
Capítulo I – Inconstitucionalidade e legalidade
Capítulo II – Garantia da constitucionalidade
Título II – Sistemas de fiscalização da constitucionalidade Capítulo I – Relance comparativo e histórico
Capítulo II – O regime português atual

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Parte I – O Estado e a experiência constitucional
17/09/2019 - O Estado na História. Capítulo I – Localização histórica do Estado Capítulo II – O
Direito Público moderno e o Estado moderno de tipo europeu

Título I - O Estado na história


A realidade estadual e a palavra “Estado” surgem em épocas diferentes:

 O “Estado” tal como o conhecemos (como pessoa coletiva, sinónimo de poder


político, comunidade de pessoas e território) começou a ser usado
principalmente depois do século XVIII (revoluções liberais).
 A palavra “Estado” é utilizada pela primeira vez no século XV, em “O Príncipe”
de Nicolau Maquiavel. Ao escrever que “todos os Estados são monarquias ou
repúblicas”, veio generalizar/solidificar o sentido de Estado. Advém do verbo
“estar/permanecer” em latim: sta, stas, stare, staui, statum. De facto, o Estado
dura no tempo. Mudam os governantes, os titulares, mas o Estado é a
realidade política que permanece.

Segundo Jorge Miranda, Estado é um “fenómeno histórico que corresponde a um


conjunto de pessoas que se fixa num determinado território para exercer de forma
autónoma o poder de se auto organizar, ou seja, exercer o poder político”.

Características gerais do Estado:

 Complexidade: ao nível da organização e atuação, consiste em centralização do poder,


multiplicação e articulação de funções, diferenciação de órgãos e serviços,
enquadramento dos indivíduos e dos grupos, diversidade de faculdades, prestações e
imposições. Assim, o Estado é uma pessoa coletiva não sujeita ao princípio da
especialidade. É uma sociedade de fins gerais que procura satisfazer as necessidades
coletivas. No fundo, o Estado é complexo: ao contrário dos grupos ou associações que
se regem por fins particulares, o Estado tem uma multiplicidade de fins, órgãos e
serviços.
 Institucionalização: 1. o Estado é uma sociedade política com indefinida continuidade
no tempo e institucionalização do poder significa dissociação entre a chefia, a
autoridade política, o poder, e a pessoa que em cada momento tem o seu exercício;
fundamentação do poder, não nas qualidades pessoas do governante, mas no Direito
que o investe como tal; permanência do poder (como ofício, e não como domínio)
para além da mudança de titulares; e a sua subordinação à satisfação de fins não
egoísticos, à realização do bem comum. 2. A institucionalização é ainda a criação de
instrumentos jurídicos de mediação e formação da vontade coletiva – os órgãos e
figuras afins. 3. Na esfera interna, a institucionalização manifesta-se e o Estado
permanece mesmo aquando da mudança do governo, de poderes e leis; e na sua
esfera externa o Estado mantém relações com outros Estados Internacionais. 4. Esta
institucionalização e permanência verificam-se também ao nível da constituição, na
medida em que também os seus princípios permanecem. Há, porém, exceções, pois
existem governos que não assumem as normas jurídicas de governos anteriores. O
objeto de uma Constituição material diz respeito aos princípios gerais do Estado

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(regras de ocupação do poder político e regras de cidadão e de Estado). O artigo 16º
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão referia que uma Constituição,
para o ser, não poderia prescindir de regular os direitos das pessoas e a separação de
poderes, o que ainda hoje podemos dizer que corresponde ao conteúdo mínimo
essencial de uma Constituição.
 Coercibilidade - suscetibilidade de utilização da força física de forma legítima para
impor determinada decisão e/ou regra. A coercibilidade não é uma característica geral
do Direito, nem sequer, porventura, do Direito estatal; mas é, em certa medida, uma
característica da organização política estatal. Ao Estado cabe a administração da
justiça entre as pessoas e os grupos e, por isso, tem de lhe caber também o monopólio
da força física. O Estado, embora não o seja em exclusividade, é o depositário
supremo das estruturas de coerção, que podem aplicar a força física para fazer
respeitar o Direito que produz e a ordem político-social que mantém. O Estado
promove a integração, a direção, a defesa da sociedade, a própria sobrevivência
como um fim em si, a segurança quer interna, quer externa – não é o Estado que
se impõe pela força, mas sim o Direito do Estado com as suas leis e normas
jurídicas. Importa, pois, perceber que é preferível falar em coercibilidade e não em
coação para melhor acentuar a ideia de mera suscetibilidade ou possibilidade de
indicação normativa pela força.
 Autonomia do poder político – o Estado promove a integração, a direção e a defesa da
sociedade, e por arrastamento, a própria sobrevivência como um fim em si; essa
preservação – a segurança interna e externa, em particular – torna-se um fim
específico; surge o fenómeno burocrático; mesmo sem ser absoluto ou totalitário, o
Estado possui a sua mística de poder e justifica as suas ações em nome de objetivos
próprios; as instituições políticas, instituições especializadas, adquirem autonomia. O
Estado é composto por uma comunidade de pessoas sujeita a um poder que se
destaca. Fala-se em “Soberania do Estado”, se bem que haja uma separação entre a
comunidade civil e o poder político instituído.
 Territorialidade/ Sedentariedade - o Estado, na prossecução dos seus fins, carece
de uma localização geográfica-espacial, uma vez que a sua atividade
necessariamente se lança num dado território, não havendo Estados Virtuais, nem
Estados Nómadas. O Estado requer continuidade não só no tempo, mas também no
espaço, no duplo sentido de ligação do poder e da comunidade a um território e de
necessária fixação nesse território. Está aí a sedentariedade.

23/09/2019 - Tipos fundamentais e tipos históricos de Estado. Fases do Estado Moderno de


Tipo Europeu. Em especial, o Estado Constitucional, Representativo e de Direito.

Jellinek apresenta a categorização de tipos fundamentais de Estado – formas de organização


do Estado em determinado tempo e espaço para realizar os seus fins. Ao contrário de Jellinek,
Jorge Miranda considera um classificação de tipos históricos de Estado e não de tipos
fundamentais, já que estes tipos não coexistem realmente (numa ideia de existência
simultânea).

1. Estado Oriental

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2. Estado Grego
3. Estado Romano
4. Estado Medieval ou Sociedade política medieval: Jorge Miranda considera que será
também mais correto falar-se de uma organização de tipo medieval e não de um
Estado Medieval, já que aí não se verificaria uma identificação do poder estadual como
poder supremo nem a característica da coercibilidade, antes existindo uma
fragmentação do poder político decorrente da organização feudal da sociedade.
5. Estado Moderno – séculos XIV e XV: o Estado moderno de tipo europeu, para lá das
características globais de qualquer Estado, apresenta, porém, ainda características
muito próprias:
1) Estado nacional: o Estado tende a corresponder a uma nação ou comunidade
histórica de cultura; o fator de unificação política deixa, assim, de ser a
religião, a raça, a ocupação bélica ou a vizinhança para passar a ser uma
afinidade de índole nova
2) Secularização ou laicidade: porque o temporal e o espiritual se afirmam em
esferas distintas e a comunidade política já não tem por base a religião, o
poder político não prossegue fins religiosos e os sacerdotes deixam de ser
agentes do seu exercício. Resumidamente, é a separação entre a política e a
religião (“Dai a César o que é de César, a Deus o que é de Deus”)
3) Soberania: ou poder supremo e aparentemente ilimitado, dando ao Estado
capacidade não só para vencer as resistências internas à sua ação como para
afirmar a sua independência em relação aos outros Estados (pois trata-se
agora de Estados que, ao invés dos anteriores, têm de coexistir com outros
Estados). Atendendo à ideia de soberania o poder político pode ser apreciado:
 Esfera interna – como o poder supremo: na esfera interna não há
poderes acima do poder político/há um plano de subordinação de
todos os poderes em relação ao poder político
 Esfera externa – como poder independente: na esfera externa o
Estado não recebe diretrizes de outros Estados/há uma coordenação
com os restantes Estados
É difícil haver soberania externa sem soberania interna. O inverso pode
acontecer.

Fases do Estado Moderno de tipo Europeu

 1ª fase: Estado Estamental – séculos XIV/XV/XVI (casos especiais em Inglaterra e


Portugal)
o O Estado Estamental ou também designado por “Monarquia limitada pelos
estamentos” (ordens) é forma política de transição. O rei e os estamentos
(corpos organizados ou ordens, vindos da Idade Média) criam a comunidade
política, sendo que o primeiro tem a legitimidade e a efetividade do poder
central; mas tem de contar com os estamentos. Esta dualidade exprime, de
certa forma, um enlace entre o Estado e a sociedade. E devido ao fator político
presente nessa sociedade complexa de unidades sociais e territoriais, fala-se
em Estado Corporativo. Tal como na Idade Média, os direitos das pessoas
estão fragmentados e estratificados.
o A principal forma de participação dos estamentos encontra-se nas Assembleias
Estamentais: com particulares formas de composição, divididas, ou não, em

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mais de uma câmara e com faculdades, ora deliberativas, ora consultivas (por
exemplo, as Cortes em Portugal, o Parlamento em Inglaterra e os Estados
Gerais em França).
o Portugal: atingiu o seu apogeu com o mestre de Avis, durante o século XIV.
Entra em declínio no reinado de D. Afonso V e termina em D. João II, com o
qual se inicia o Estado Absoluto. Foi um período de limitação do poder do
monarca pelas Cortes (que não impediu uma posterior centralização do poder
e consequente passagem para Estado Absoluto).
o Inglaterra: Só em Inglaterra é que os estamentos sobrevivem como grupos
políticos, e não como meros estratos sociais. Mas, para tanto, têm de ligar
a sua sorte na luta contra o Rei a uma causa muito moderna: a das
garantias individuais e da representação nacional. No século XIII com a
emergência do Parlamento, Inglaterra passou diretamente de um Estado
Estamental para um Estado Constitucional, Representativo e de Direito.

 2ª fase: Estado Absoluto (máxima concentração de poder no rei)

Há uma progressiva centralização do poder durante a fase do Estado Estamental, até


que deixa de haver limitação das ordens representativas por haver uma centralização total do
poder na figura do monarca.

Assim, o sentido próprio deste Estado só pode ser o de Estado Absoluto como aquele
em que se opera a máxima concentração do poder no Rei (que pode estar sozinho ou com os
seus Ministros) e em que, portanto:

o Por um lado, a vontade do Rei sob formas determinadas é lei


o E por outro, as regras jurídicas definidoras do poder são exíguas, vagas, parcelares
e quase todas não reduzidas a escrito

Dentro do Estado Absoluto é, ainda, comum, distinguirem-se dois subperíodos que


influenciaram a sua evolução:

o Monarquia de Direito Divino – século XVII: o Rei pretende-se escolhido por


Deus, governa pela graça de Deus, exerce uma autoridade que se reveste de
fundamento ou de sentido religioso.
o Despotismo esclarecido – século XVIII: procura-se atribuir ao poder uma
fundamentação racionalista, dentro do ambiente de Iluminismo. Noutra
perspetiva, em alguns países, o “Estado de polícia”, que é aquele em que se
concebe o Estado como uma associação para a consecução do interesse
público e devendo o príncipe, seu órgão ou seu primeiro funcionário, ter plena
liberdade nos meios para o alcançar (onde o poder se exerce em função do
bem da polis).
O critério principal de ação política torna-se a razão de Estado, a
conveniência, o bem público e não a justiça ou a legalidade, apesar de a
religião cristã oficialmente professada necessariamente contrariar o
maquiavelismo. Enaltece-se o poder pelo poder, posto ao serviço do Estado
soberano.
A função histórica do Estado Absoluto consiste em reconstruir ou
construir a unidade do Estado e da sociedade, em passar uma situação de

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divisão com privilégios das ordens para uma situação de coesão nacional, com
relativa igualdade de vínculos no poder.

 3ª fase: Estado Constitucional, Representativo e de Direito


o Numa primeira noção, o Estado constitucional significa Estado assente numa
Constituição que regula a sua organização e a relação com os cidadãos e
tendente à limitação do poder.
 1787 – Constituição Americana (1ª Constituição escrita formal – ainda
vigora)
 1822 – 1ª Constituição formal portuguesa (mas já as leis gerais do
Reino são constituições materiais)
o Governo representativo significa a forma de governo em que se opera uma
dissociação entre a titularidade e o exercício do poder – aquela radicada no
povo, na nação ou na coletividade, e este conferido a governantes eleitos ou
considerados representativos da coletividade (de toda a coletividade, e não de
estratos ou grupos como no Estado estamental). E é uma forma de governo
nova em confronto com a monarquia, com a república aristocrática e com a
democracia direta, em que inexiste tal dissociação.

 Nota: Titularidade ≠ Exercício: o povo tem a titularidade do poder


político; o exercício, conferido a governantes eleitos ou considerados
representativos de toda a coletividade, é garantido através dos órgãos
de poder político

o Estado de Direito é o Estado em que, para garantia dos direitos dos cidadãos,
se estabelece juridicamente a divisão do poder e em que o respeito pela
legalidade (seja a mera legalidade formal, seja – mais tarde – a conformidade
com valores materiais) se eleva a critério de ação dos governantes. O poder e
os órgãos do poder (incluindo o monarca) não estão acima do direito.

Fases do Estado Constitucional, Representativo e de Direito:

1. Estado Liberal (Estado negativo) – corresponde ao séc. XIX e ao Estado não


intervencionista, e abstencionista do “Laissez faire, laissez passer” (Deixai fazer, deixai
passar). Termina no fim da 1ª guerra mundial.

As transformações do Estado num sentido democrático, intervencionista, social, bem


contraposto ao laissez faire liberal.

o do Estado neutro ao Estado ético


o do Estado mínimo ao Estado-providência
o do Estado-polícia (Estado que nada faz, Estado fiscalizador – que não é
o mesmo que Estado de polícia) ao Estado de bem-estar
 Obs: Estado policial: o organismo policial é usado como força de repressão
(Estados autoritários)
o do Estado jurídico ao Estado cultural
o do Estado legislativo ao Estado administrativo

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2. Estado Social de Direito – Estado intervencionista, que visa garantir a todos o mínimo
de existência digna através dos seus direitos

Existem dois tipos de direitos fundamentais:

 Direitos, liberdades e garantias (DLG): direitos ditos de 1ª geração, característicos do


Estado liberal. São considerados direitos negativos porque não exigem nada do Estado,
a não ser respeito e abstenção.
 Direitos económicos, sociais e culturais (DESC): são considerados direitos de 2ª
geração, característicos do Estado Social de Direito. São frequentemente apelidados
de direitos “positivos” porque têm necessidade de que os Estado os concretize
(exigem intervenção do Estado).
 Fala-se ainda dos Direitos de 3ª (anos 70 – Ex: direitos proteção ambiente) e 4ª
geração (anos 90), sendo estes também de 1ª e 2ª geração.

As Constituições pioneiras na previsão de DLG e DESC foram: a Mexicana, de 1917; a


Alemã (Weimar), de 1919; a Italiana, de 1947; a de Bona (Alemã, de 1949); a Portuguesa, de
1976; a Espanhola, de 1978; a Brasileira, de 1988.

Em oposição ao tipo constitucional de Estado descrito anteriormente, assiste-se, no


século 20, à emergência de dois outros modelos constitucionais, que resultam de agravados
conflitos políticos e sociais, de ideologias antiliberais e de movimentos vitoriosos que se
identificaram depois com o próprio Estado:

 Soviético ou Marxista-Leninista: assenta e inspira-se nas ideias da Revolução Russa de


7 de Novembro de 1927 (Revolução Soviética + Revolução Marxista-Leninista).
 Fascista: recebe este nome devido ao regime instaurado em Itália, de 1922 a 1943,
pelo partido fascista.

24/09/2019 - Elementos constitucionais do Estado: povo, território e poder político. Em


especial, o elemento humano: critérios e formas de aquisição de cidadania

Elementos do Estado

Elemento humano – povo


O povo é o elemento humano do Estado. É conjunto de pessoas ligadas a um Estado
por um vínculo jurídico-político designado de cidadania que, num contexto democrático,
participam no exercício do poder político. O povo é, simultaneamente, o detentor do poder
político e o destinatário, ou seja, o objeto do poder político. O povo é o titular do poder e, no
exercício do poder político, produz o direito. Estas normas que o povo produz aplicam-se ao
povo. Faz as normas e é o destinatário da aplicação destas normas. É uma dupla condição, pois
é simultaneamente titular e objeto do poder, ativo sujeito do poder, passivo objeto de poder.
Os critérios gerais para reconhecimento de cidadania são:

o ius soli ( direito do solo) - é cidadão de um determinado Estado quem nascer


no seu território
o ius sanguinis (direito que vem do sangue) - adquirem cidadania aqueles que
forem filhos de pai ou mãe cidadãos desse Estado, independentemente do
local de nascimento

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A aquisição pode ser originária (com o nascimento) ou derivada ou superveniente
(atribuição secundária – casamento ou naturalização).

A declaração Universal dos Direitos do Homem proíbe uma situação de apatridia (art.º
15), o que implica a necessidade de resolver:

 conflitos positivos de cidadania (Pluricidadania): um mesmo cidadão tem


várias cidadanias (merece proteção de dois ou mais Estados)
 conflitos negativos de cidadania (Apatridia): uma pessoa não é cidadão de
nenhum Estado

Cidadania europeia
A cidadania europeia não é um vínculo jurídico-político
que nos liga a um Estado. Fala-se em cidadania europeia noutro
sentido, uma espécie cidadania derivada. É um acréscimo, não
substitui a cidadania dos Estados-Membros. Está ligada a um
conjunto de direitos e deveres, mas maioritariamente a direitos.

O conceito de povo deve ser cuidadosamente diferenciado de outros conceitos afins,


cuja dilucidação interessa para se descortinar os contornos destas realidades jurídico-políticas,
relevando as seguintes denominações:

o População: As pessoas residentes ou habitantes no território estadual,


independentemente do vínculo de cidadania, nacional ou estrangeira, ou do
não-vínculo, em que não há cidadania alguma. Este é um conceito
essencialmente estatístico e económico.
o Nação: As pessoas que se ligam entre si com base em laços sociopsicológicos,
como uma mesma cultura, religião, etnia, língua ou tradição, fornecendo uma
comunidade com esses traços identitários. Pode acontecer que certo Estado
não tenha dentro de si qualquer nação (paraísos fiscais, por exemplo) ou que o
povo de determinado Estado contenha dentro de si várias nações, como é o
caso de Espanha.
o Pátria: O sítio onde viviam os pais, a terra dos antepassados, numa conjugação
de fatores territoriais e histórico-culturais.
o Nacionalidade (stricto sensu): A qualidade atribuída a pessoas coletivas ou a
bens móveis registáveis, como as aeronaves ou os navios, que os associa a
determinada ordem jurídica, tornando-a aplicável.
o República: Durante muito tempo foi entendida como diminutivo de povo.
Porém, quando Maquiavel trabalha este conceito, deixa de haver
correspondência entre os dois termos.

É relevante fazer a distinção entre cidadãos ativos (aqueles que estão no gozo dos
seus direitos políticos, designadamente o voto) e cidadãos não ativos/passivos (aqueles que,
por alguma razão, não podem exercer os seus direitos políticos, nomeadamente o voto.

Elemento físico – Território


O território não é elemento essencial do Estado, assumindo-se antes como condição
da sua existência. É o espaço jurídico próprio do Estado, o que significa que: (Art.º 5 da CRP)
o Só existe poder do Estado quando este consegue impor a sua autoridade, em
nome próprio, sobre certo território.

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o A atribuição de personalidade jurídica internacional ao Estado ou o seu
reconhecimento por outros Estados depende da efetividade desse poder.
o Os órgãos do Estado encontram-se sempre sediados, salvo em situação de
necessidade, no seu território.
o No seu território, cada Estado tem o direito de excluir poderes concorrentes
de outros Estado.
o No seu território, cada Estado só pode admitir o exercício de poderes de outro
Estado sobre quaisquer pessoas com a sua autorização.
o Os cidadãos só podem beneficiar da plenitude de proteção dos seus direitos
pelo respetivo Estado no território deste.

Elemento institucional – soberania ou poder político:


O Estado surge em virtude de se instituir um poder que transforma uma coletividade
em povo. O elemento funcional do Estado expressa a organização de meios que se destinam a
operacionalizar a atividade estadual em ordem a alcançar os respetivos fins (artigos 1º e 3º da
CRP). O poder político é, por isso, um poder constituinte, na medida em que molda o Estado
segundo uma ideia, um projeto, um fim de organização. Este poder perdura e encontra-se
latente na Constituição, conferindo-lhe consistência.
O poder político é autoridade e serviço e encontra-se repartido juridicamente por
órgãos e agentes do Estado, que não pode, pois, viver à margem do Direito.
Com o aparecimento do E. Moderno de tipo Europeu, o poder político corresponde à
ideia de soberania. Só pela subordinação do poder político ao Direito é que se encontra
organização estadual. Esta soberania do poder político reside no povo (titularidade) enquanto
que o exercício do mesmo cabe aos órgãos de soberania.
Enquanto isto a soberania do Estado divide-se ainda em duas ordens. Na ordem
interna o Estado detém supremacia face a todos os órgãos intraestaduais, numa perspetiva de
subordinação dos outros órgãos ao Estado, enquanto que na ordem externa o Estado é
independente face aos seus semelhantes numa perspetiva de coordenação com os mesmos.
Constata-se também que é difícil a existência de soberania externa sem consolidada a
soberania interna e ainda que, alguns Estados, pela sua pequena dimensão agregam-se a
outros para efeitos de soberania externa (Ex: Mónaco, Vaticano, San Marino, Andorra). Para
além disso, existe ainda outras formas de Estado que articulam os vários elementos do mesmo
e têm importantes consequências no exercício da soberania externa como por exemplo:

 Estados unitários:
o Regionais:
 Integralmente: todo o território se divide em regiões autónomas
 Parcialmente: encontram-se regiões politicamente autónomas e
regiões ou circunscrições só com descentralização administrativa,
verificando-se diversidade de condições jurídico-políticas de região
para região (Ex: Portugal)
o Não regionais

 Estados compostos:
o Confederações – associação de vários estados que se associam entre si,
formando um Estado composto, mas apenas em termos de uma partilha
horizontal de poderes. Estados confederados são estados semissoberanos que
fazem parte da confederação
o Federações - associação de vários estados que se associam, mas criando uma
terceira entidade à qual dão poder – há uma partilha horizontal e vertical dos

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poderes (União). Estados federados são estados não soberanos que fazem
parte da federação.
o União Pessoal - união casual na mesma pessoa da titularidade de dois cargos
distintos em dois Estados (Ex: monarca de dois Estados por via de linha
sucessórias - Jaime I)
o União Real – quando a União Pessoal é formalizada.

Estados semissoberanos:
 Confederados: compõem a federação e têm pouca autonomia na esfera
internacional
 Exíguos: Estados com território reduzido que por si só não têm soberania externa
completa e têm necessidade de associação a um outro Estado numa ordem externa
(Ex: Andorra, Mónaco, Liechtenstein)
 Vassalos - Ex: Egito – Turquia no séc. XIX; principados medievais; reinos do Oriente
em relação a Portugal na época dos Descobrimentos
 Protegidos – protetora dos coloniais (Ex: Commonwealth, Gronelândia, Dinamarca).
Este, a par dos Estados Vassalos, estão extintos/em vias de extinção.

Estados não soberanos:


 Federados: Estados que fazem parte de uma Federação

30/09/2019 - Elementos constitucionais do Estado: povo, território e poder político. Em


especial, o elemento institucional e a configuração do poder político soberano. As tipologias
constitucionais: forma de Estado (remissão para a unidade curricular de Ciência Política),
forma de governo, sistema de governo e regime.

A soberania (una e indivisível), tanto se manifesta na ordem internacional (“Portugal é


uma república soberana” – artigo 1º CRP), como na ordem interna (“A autonomia político-
administrativa das regiões não afeta a integridade da soberania do estado” – artigo 225º/3 da
CRP).

Assim, tratando-se de uma estrutura própria, a mesma toma a natureza de soberania,


que vale duplamente, na esfera externa e na esfera interna:

 A soberania na ordem externa significa a igualdade e a independência nas


relações com outras entidades políticas, máxime dos outros Estados, nelas se
reconhecendo diversos poderes, tais como (tradicionalmente fala-se de 3 poderes
desde o tratado de Vestfália (1648)):
o ius tractum (direito de celebrar tratados)
o ius legationis (direito de estabelecer relações diplomáticas e consulares)
o ius belli (direito de fazer a guerra). Desde 1945, criação da ONU com o
tratado de São Francisco, que este direito desaparece e é substituído pelo
direito de utilizar a força apenas em caso de legítima defesa.

o Hoje ainda se acrescentam:


 o direito a participar em organizações internacionais
 o direito de reclamação internacional

Será que faz sentido falar-se em soberania na ordem externa?

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Desde logo se distinga entre Organizações internacionais (Ex: ONU) que resultam de
uma associação e Organizações supranacionais que têm como objetivo a integração dos
Estados.

Por exemplo, no âmbito da UE haveria uma “maior perda de soberania” (não será
inteiramente correto falar-se de perda de soberania visto que há uma autolimitação do Estado
– a integração em organizações supranacionais implica escolha e vontade própria de Estado).
Em termos processuais, tendencialmente, nas organizações internacionais as decisões
são tomadas por unanimidade (o que garante mais posição dos Estados). Por outro lado, nas
organizações supranacionais as decisões são tomadas por maioria.

 A soberania na ordem interna representa a supremacia sobre qualquer outro


centro de poder político, que lhe deve obediência e cujas existência e amplitude
são facilmente definidas pelo próprio Estado. Aqui, a soberania caracteriza-se por
quatro aspetos:
 Originariedade: o Estado tem poder originário que vem de si próprio e não
é um poder delegado por uma entidade externa
 Poder constituinte: o Estado faz para si próprio uma constituição, ou seja,
autodota-se de uma Constituição. Mesmo os Estados federados (não
soberanos na ordem externa) têm poder constituinte. Constitui os poderes
constituídos: legislativo, executivo/administrativo e jurisdicional
 Originário: “poder fazer” uma constituição
 Derivado: “pode rever/alterar” e abrange todos os poderes
constituídos (legislativo, executivo, judicial)
 Poder Total: o Estado detém todos os poderes: político, executivo,
jurisdicional e legislativo
 Possibilidade de delegação de poderes, através da descentralização e da
desconcentração
 Descentralização: fenómeno da concessão de poderes ou
atribuições públicas a entidades infraestatais. Pode ser:
 Administrativa: aqui, atribuem-se poderes ou funções de
natureza administrativa, tendentes à satisfação quotidiana
de necessidades coletivas. Esta pode ser:
o Territorial: pela outorga de poderes
administrativos a entes territoriais menores. (dá
origem às autarquias locais: Freguesias,
Municípios, Regiões Administrativas
o Institucional ou funcional: dá origem a instituições
públicas, corporações, associações públicas, entre
outras.
o Primária: atribuição, por via constitucional ou
legislativa, de funções administrativas a pessoas
coletivas de direito público
o Secundária: permissão legal de transferência de
poderes administrativos de pessoas coletivas de
direito público para pessoas coletivas de direito
privado e regime administrativo.

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 Política: aqui, atribuem-se poderes ou funções de
natureza política, relativas à definição do interesse público
ou à tomada de decisões políticas (designadamente, de
decisões legislativas). Deste modo, atinge-se uma
autonomia político-administrativa (Ex: a autonomia
regional dos arquipélagos Açores e Madeira)
 OBS: Nunca assume a forma de descentralização
jurisdicional, porque esta função está sempre reservada
aos tribunais, órgãos do Estado.

 Desconcentração: Aqui, não se depara com uma pluralidade de


pessoas coletivas, mas apenas uma pluralidade de órgãos sem
prejuízo da unicidade de imputação jurídica. Existem vários órgãos
do Estado por que se dividem funções e competências, a diferente
nível hierárquico, ou não, e de âmbito central ou local. Resumindo,
o Estado atribui poderes a outras entidades, mas elas existem
dentro da pessoa coletiva Estado. (Ex: Ministérios)
 Supremacia: não há poder superior ao do Estado, o que vem na sequência
do que defendia Jean Bodin

Na esfera interna, quais são os poderes mais característicos do poder soberano?


Quanto a esta matéria a doutrina divide-se: Bodin, Rosseau e Locke defendem que é o
poder de fazer leis. Por outro lado, Hobbes afirma que é poder fazer executar coercitivamente
essas leis. Por último, Karl Schmit considera que é a possibilidade de, em momentos
excecionais (como estado de sítio ou de emergência), poder haver uma atuação diferente,
suspendendo direitos dos cidadãos. Outros defendem que é o poder tributário.

 “No taxation without representation”


 Quod Omnes Tangit ab omnibus approbari debet – aquilo que a todos atinge/toca, por
todos deve ser aprovado.

A organização do poder pode caracterizar-se em quatro elementos a saber:

 Formas de Estado: consistem, precisamente, no modo de articular os três elementos


do Estado (povo, poder político, território), mas têm consequências importantes ao
nível do exercício da soberania externa.
 Estados soberanos
 Estados unitários
 Estados compostos
 Estados semissoberanos
 Estados não soberanos

 Formas de Governo: articulação entre governantes e governados


 Monarquia
 República

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 Sistema de governo:
 Presidencialista: não há governo como órgão autónomo, não há
responsabilidade política perante o parlamento. O governo só pode
ser destituído pelo Presidente.
 Semipresidencialista: um presidente democraticamente eleito e o
governo é duplamente responsável. O governo pode ser destituído
pelo Presidente ou pelo Parlamento.
 Parlamentarista: só o parlamento pode destituir o governo, isto é, os
governos têm responsabilidade política perante o parlamento.

 Regime (ideia de Direito):


 Democrático
 Autoritário
 Totalitário

13
Título II – Sistemas e famílias constitucionais

1/10/2019 - Título II - Sistemas e famílias constitucionais Capítulo I-Sistemas e famílias


constitucionais em geral. Razão de estudo e sequência. A família constitucional britânica:
História constitucional, periodificação, forma monárquica de governo, sistema parlamentar
de governo, sistema eleitoral maioritário e sistema bipartidário.

As famílias constitucionais são conjuntos de sistemas estrangeiros em que nós


encontramos fatores de aproximação: geográficos, parecenças culturais, exercício de
domínios, etc.

Quatro grandes famílias constitucionais:

 a de matriz Britânica
 a de matriz Norte-Americana
 a de matriz Francesa
 a de matriz Soviética

Para além destes, encontram-se ainda Estados que não se enquadram em nenhuma
destas famílias, por seguirem vias completamente originais (Argélia, Tanzânia), ou por
apresentarem características especificas que mereçam o seu tratamento autonomizado, como
o caso da Alemanha, Suíça e a Áustria. Por outro lado, merecerá ainda referência especial ao
caso do Brasil e dos PALOP’s.

Loewenstein distingue Constituições originárias e derivadas, sendo “originária” uma


Constituição que contém um princípio funcional novo, verdadeiramente criador e, portanto,
original para o processo do poder político e para a formação da vontade estadual, e “derivada”
aquela que segue fundamentalmente um modelo nacional ou estrangeiro.

Contudo hoje em dia, distinguimos três grandes famílias:

 Sistema Britânico: assenta no costume como fonte de direito. É o berço do


parlamentarismo. Bipartidarismo; 1º Estado com reconhecimento de
liberdades públicas
 Sistema Francês (onde Portugal se integra): predomina a lei como fonte de
direito (Obs: Fonte de direito é o instituto do qual podemos tirar normas
jurídicas). Rutura com o Estado Absoluto, certidão de nascimento do
Estado Constitucional, Representativo e de Direito, marca o início do
constitucionalismo direito. É o berço da revolução e do
semipresidencialismo, sendo também o sistema menos estável onde
houve grande instabilidade ao longo da linha cronológica.
 Sistema Norte-Americano: tem como fonte do direito a jurisprudência
/precedente, é a certidão de origem das Revoluções Liberais bem como, o

14
berço do presidencialismo, do federalismo e da fiscalização da
constitucionalidade, modelo transportado para vários países;
Fonte de direito é o instituto do qual podemos tirar normas jurídicas.

Sistema Constitucional Britânico


 Forma de Estado: União Real
 Forma de governo: Monarquia
 Sistema de governo: Parlamentar
 Regime: Democrático

1º Período, a fase do primórdios (1215-1689): iniciada em 1915 com a concessão da Magna


Carta (“o que a todos toca, por todos deve ser aprovado”) até à publicação da Bill of Rights
(resposta à Petition of Rights, de 1628) – Período Monárquico (órgão predominante é o chefe
de Estado, o Monarca)

2º Período, a fase de transição (1689-1832): da Bill of Rights até à aprovação da lei que
ampliou e democratizou o direito de sufrágio (teve como resultado uma maior legitimidade e
legitimação do instituto parlamentar) – Período Aristocrático (predominância da Câmara dos
Lordes)

3º Período, a fase contemporânea (1832-atualidade): desencadeada a partir de 1832 pelas


reformas eleitorais tendentes ao alargamento do direito de sufrágio – Período Democrático
(predominância da Câmara dos Comuns)

Na Grã-Bretanha, a “Magna Carta” foi o primeiro texto fundamental para o Estado


Estamental (1215) – recordar que não houve fase de Estado absoluto, passando-se do Estado
Estamental para o Estado Constitucional, Representativo e de Direito.

Forma de Estado
Embora, por vezes, se fale em Inglaterra, em rigor deve aludir-se a Reino Unido da Grã-
Bretanha e da Irlanda do Norte, resultante da união, feita em 1707, entre a Inglaterra
(integrando o País de Gales e ocupando então toda a Irlanda) e a Escócia – uma união real
subsequente, isto é, que se seguiu à união pessoal formada em 1602.
Hoje, a situação é de um completo predomínio da Câmara dos Comuns, órgão de
representação popular em época marcadamente democrática, sendo o poder do Chefe de
Estado nulo (“Reina, mas não governa”). Pode dizer-se que possui hoje um governo puro. No
entanto, nem por isso deixa de ter interesse falar em sobreposição institucional, por mais de
um motivo: porque as outras instituições (Rei e Câmara dos Lordes) guardam poderes formais.
Para além disso, porque a sua simples existência impede que surjam difíceis problemas de
equilíbrio político. E, por último, porque continuam a desempenhar uma função social e
pública, interna e externa, insubstituível (o Monarca é a expressão simbólica da sobrevivência
do Commonwealth). Obs: a Commonwealth não é um caso de união política, mas sim de
cooperação entre ex-metrópole e respetivas ex-colónias e, ainda, outros países, como

15
Moçambique. É uma organização intergovernamental e uma associação de Estados para
efeitos maioritariamente económicos, educacionais e culturais.

Sistema de Governo

É um sistema parlamentar dualista ou diárquico, na medida em que encontramos dois


órgãos de poder ativo (Governo e parlamento). O chefe de estado não tem poder ativo (“the
queen/the king reigs, but does not rule”), sendo o poder materializado apenas entre os que
têm poder ativo. O governo é única e exclusivamente responsável perante o parlamento, logo,
só este último pode destituir o parlamento. – é isto que caracteriza o sistema de governo
parlamentar. O sistema parlamentar de governo é de interdependência por integração:
Governo e Parlamento estão indissoluvelmente unidos, não podendo exercer as suas funções
sem harmonia recíproca.
Aquilo que acontece na Grã-Bretanha é que o governo é emanação do parlamento,
embora tal não seja uma característica necessária para a conclusão de que o regime vigente é
parlamentar. Na Grã-Bretanha, ninguém pode ser membro do governo, a não ser que tenha
sido previamente eleito na Câmara dos Comuns (tal não acontece em Portugal).
Nota: “primus inter pares” (primeiro entre iguais) – característica do Primeiro-Ministro
– normalmente tem uma pasta, para além das funções da coordenação. É um ministro como
os outros a que acrescem as funções suprarreferidas.

Sistema eleitoral
 Sistema maioritário – a uma volta (quem tem a maioria ganha a representação
naqueles círculos uninominais). É eleito o primeiro a passar a fasquia (“the first pass
the post”) – isto leva a um bipartidarismo rígido
 Sistema proporcional (Portugal – método Hondt)

Constituição Britânica
É uma Constituição predominantemente consuetudinária (no Direito Constitucional da
Grã-Bretanha, essa predominância cabe ao costume, o que constitui, nos tempos atuais, um
caso único, sem paralelo em qualquer outro país). A Constituição apresenta-se ainda, pela
natureza das coisas, como Constituição cuja modificação se faz, a todo o tempo, pelo
Parlamento, sem necessidade de um processo diferenciado do processo de exercício da função
legislativa. É o que os juristas ingleses chamam uma Constituição flexível.
Diz-se muitas vezes que a Constituição inglesa é um Constituição não escrita
(unwritten Constitution). No sentido de que a unidade fundamental da Constituição não
repousa em nenhum texto ou documento, mas em princípios não escritos, assentes na
organização social e política dos Britânicos.
O Reino Unido não é portador de uma constituição formal, mas sim de uma
constituição material, isto é um conjunto de documentos que pelo seu carácter constitucional
constituem a lei fundamental do Reino Unido. Entre eles estão:
 Carta Magna 1215: permite á Grã-Bretanha passar imediatamente de um
Estado estamental para um estado constitucional representativo e de direito
 “Petition of Rights” (1628) e “Bill of Rights” (1689)
 Ato de estabelecimento (1707)
 Estatuto de Westminster (1931)

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07/10/2019 - A matriz constitucional norte americana. História constitucional e forma
federal de Estado.

Sistema Constitucional Americano


 Forma de Estado: Estado soberano composto em forma de federação
 Forma de governo: República
 Sistema de governo: Presidencial
 Regime: Democrático

A Constituição dos EUA data de 1787. É a primeira constituição formal de um Estado


soberano do Mundo (a mais antiga é a de 1780 de Massachussetts). No entanto, o Direito
Constitucional norte-americano não começa apenas nesse ano. Para além dos Covenants e dos
demais textos da época colonial, integram este sistema, desde logo a nível de princípios e
valores ou de símbolos, a Declaração de Independência, a Declaração de Virgínia e outras
Declarações de Direitos dos primeiros Estados.
Com a mesma força jurídica dos sete artigos da Constituição surgem os vinte de seis
Aditamentos (Amendments), aprovados desde então e que a modificam e completam em
alguns aspetos (domínio dos direitos fundamentais).
Também essencial neste sistema são as grandes decisões judiciais sobre interpretação
e aplicação da Constituição, proclama a precedência e a jurisprudência como fonte do direito.
É esta a Constituição que cria uma federação, criada da base para o topo, assente na
soberania popular (opinião do povo – estes defendiam a passagem de uma confederação para
uma federação).

A observação e a experiência mostram que se trata de Constituição simultaneamente rígida


e elástica:
Rígida, visto que não pode ser alterada em moldes idênticos aos adotados para a
feitura das leis ordinárias e qualquer modificação requer um processo complexo, com
intervenção dos Estados.
Elástica, visto que, a partir do seu texto primitivo, na aparência intacto, e dos
aditamentos, tem podido ser concretizada, adaptada, vivificada (e até metamorfoseada)
sobretudo pela ação dos tribunais.

Forma de Estado
O federalismo americano é um federalismo perfeito em que se verificam,
simultaneamente, uma estrutura de sobreposição (cada cidadão sujeito simultaneamente a
dois poderes políticos e a dois ordenamentos constitucionais) e uma estrutura de participação
(o poder político central como resultante da agregação dos poderes políticos dos Estados
federados).

Os quatro princípios jurídicos em que se baseia são os seguintes:

1) Poder constituinte de cada estado, pois cada Estado decreta e altera a sua própria
Constituição, nos limites da Constituição federal e somente com a necessidade de
respeitar a forma republicana
o Se numa constituição com 7 artigos, surgiram dúvidas sobre a quem pertence
determinado poder, esse poder caberá aos Estados federados. Estes, quando

17
criaram a constituição, colocaram nesta os poderes que queriam conferir à
união. Se na constituição, não consta determinada atribuição à federação, logo
o poder é dos estados federados - princípio da subsidiariedade.
o A teoria dos poderes implícitos vem dizer que se o poder não foi transferido
para a união/federação, logo, este está na esfera dos estados federados,
porém se determinada competência para determinado fim foi transferida para
a união e tal está patente na constituição, logo está na esfera da federação.

2) Intervenção institucionalizada na formação da vontade política federal, o que se


traduz em:
o Existência de uma 2ª câmara, o Senado, com igual representação dos Estados
(2 senadores por Estado), em contraste com a 1ª câmara, a dos
Representantes (em número proporcional à população de cada Estado). O
facto de existirem duas câmaras leva ao cumprimento de uma verdadeira
igualdade da representação dos estados federados
o Composição e processo de votação do colégio eleitoral presidencial, o qual é
formado por tantos eleitores por Estado quantos os Senadores e
Representantes que lhe cabem (além de três eleitores pelo distrito federal)
2
o Necessidade de os aditamentos à Constituição serem aprovados por dos
3
3
membros das duas câmaras e ratificados por dos Estados
4

3) Especialidade das atribuições federais, entendendo-se que as que não forem próprias
do Estado federal (Ex: defesa, comércio externo, moeda, correios) pertencem (ou
podem pertencer) aos Estados federados (Ex: Direito Civil, Direito penal, poder local)
4) Igualdade jurídica dos Estados federados, manifestada não apenas na sua igualdade
de condição e de participação no Senado e no processo de revisão constitucional mas
também na igual capacidade de cidadãos de cada Estado noutros Estados e no
reconhecimento de atos públicos, documentos e processos produzidos em qualquer
Estado

Sistema de Governo
A organização política da União (tal como a dos Estados) diz-se diretamente inspirada em
Montesquieu: existem três poderes – legislativo, executivo e judicial – sendo que cada um
produz os atos inerentes à sua função, mas também interferindo em atos doutros órgãos,
contribuindo para a produção dos seus efeitos ou impedindo que eles se deem. A isto chama-
se mecanismo de “checks and balances”, ou seja, de freios e contrapesos. É preciso que seja o
próprio poder a limitar o poder. No fundo, para além de uma repartição, deveria existir uma
fiscalização e coordenação recíproca dos vários órgãos e poderes.

Considerando apenas o sistema político stricto sensu (especificamente), ele analisa-se no


seguinte:
 O poder executivo pertence ao Presidente dos EUA, eleito por 4 anos, formalmente
através do colégio eleitoral e realmente por sufrágio direto.
 O poder legislativo pertence ao Congresso Bicamaral: os senadores são eleitos por 6
anos, com renovação bienal de um terço e os representantes por 2 anos.

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 Independência recíproca dos titulares, com incompatibilidade de cargos: o Presidente
não responde perante o Congresso, nem pode este ser dissolvido ou adiado por
aquele.
 Possibilidade de impeachment ou sujeição do Presidente a responsabilidade criminal
efetivada por deliberação do Congresso, mas por maioria qualificada de dois terços.
 Interdependência funcional, com mútua colaboração e fiscalização: veto presidencial
2
das leis (somente superável por maioria de ) e mensagens do Presidente ao
3
Congresso, por um lado, e autorizações e aprovações relativas a nomeações para altos
cargos, a tratados e a créditos orçamentais, bem como comissões de inquérito, por
outro.
 Na prática, atribuição ao presidente de faculdade de impulsão ou iniciativa e ao
Congresso de faculdades de deliberação (o Presidente marca as grandes decisões do
quadriénio, mas está sob a constante vigilância e influência efetiva do Congresso, em
especial do Senado).

Outros:
 O Presidente pode vetar as normas do congresso
 O Congresso aprova o orçamento que o Chefe de Estado precisa para que a sua
administração funcione
 Chefe de Estado pode nomear juízes para o supremo tribunal
 O Congresso pode aprovar uma lei de amnistia e limitar o poder dos tribunais

O sistema presidencial é de interdependência por coordenação: há diversos órgãos


políticos que atuam com autonomia uns perante os outros nas suas esferas respetivas, mas
que devem colaborar para a prática de certos atos preestabelecidos.
Temos um sistema dualista ou diárquico, não havendo ligação/responsabilidade
política entre os dois órgãos (nenhum pode destituir o outro). Tudo depende das maiorias e do
jogo das maiorias.
 o Chefe de Estado (poder executivo)
 Congresso (poder legislativo)
 Senado
 Câmara dos Representantes

Aos tribunais cabe o poder jurisdicional. No sistema jurisdicional, tal como já foi
referido anteriormente funciona a regra do precedente judicial: as decisões judiciais devem
obediência a uma decisão que tenha sido tomada anteriormente perante casos análogos.

Fiscalização da Constitucionalidade
Caracteriza-se por ser uma fiscalização jurisdicional difusa, isto é, todos os tribunais
(estaduais e federais) apreciam a constitucionalidade, com ascendente natural do Supremo
Tribunal. ≠ (Fiscalização concentrada - é apenas um tribunal).
Todos os atos normativos (incluindo os aditamentos à Constituição e as Constituições
estaduais) estão sujeitos a fiscalização.

Regime – Democrático:
O sistema eletivo norte-americano, principalmente em eleições presidenciais, é
bastante complexo e longo. Faz-se por sufrágio indireto, ou seja, pela escolha de um colégio

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eleitoral. O colégio eleitoral é composto por 538 “Grandes Eleitores” que elegem um candidato
muitas vezem em função do partido que, tanto os grandes eleitores, como os candidatos,
representam.
Neste modelo eletivo, os partidos têm imensa importância visto que no seu interior,
em cada Estado são realizadas eleições primárias para a escolha de um candidato a Presidente
da União e ainda candidatos ao colégio eleitoral.
Assim, também os EUA são marcados por um forte bipartidarismo entre democratas e
republicanos que, muitas vezes são influenciados por “lobbys” e grupos de pressão que tentam
influenciar o poder político.

14/10/2019 - A matriz constitucional francesa/continental. História constitucional. Em


especial, o sistema de governo semipresidencial. Características constitucionais. Expansão do
modelo. As especificidades da matriz constitucional soviética (tipo de federalismo, sistema
de governo convencional e diretorial, configuração do princípio da legalidade). As
especificidades dos sistemas alemão e austríaco (correção do sistema parlamentar e
fiscalização jurisdicional concentrada da constitucionalidade). Breve referência às
originalidades do modelo suíço: federalismo municipal, sistema de governo diretorial,
experiências de democracia directa e semidirecta.

Sistema Constitucional Francês

Antes de mais, interessa afirmar que a grande diferença entre o sistema constitucional
francês e os sistemas constitucionais britânico e americano reside, primeiramente, na sua
origem revolucionária e, posteriormente, na vocação universalista de difusão de ideies que lhe
está associada.
Este sistema vai formar-se a partir de 1789, por via de revolução. A Revolução francesa
marca a rutura com o Estado absoluto e, com ela, revela-se melhor a contraposição entre
Estado absoluto e Estado Constitucional Representativo e de Direito.

A Constituição e os tribunais

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A Constituição em França é, sobretudo, lei escrita ao serviço dos direitos e liberdades e
da separação dos poderes (artigo 16º da DDHC). Acredita-se que sendo a lei escrita, mais
patentes serão as suas violações, o que terá um efeito dissuasor para os governantes.
Tal lei decorre de um poder constituinte distinto dos demais poderes do Estado,
poderes constituídos. No entanto, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, a
supremacia da Constituição não era, até há alguns anos, um princípio jurídico operativo,
determinante da invalidade das leis com ela compatíveis. Na conceção francesa, a força
jurídica formal da Constituição e a sua rigidez excluem (ou tendem a excluir) o costume. E não
envolviam até há pouco todos os corolários lógicos comportáveis dentro do sistema jurídico.

Os tribunais judiciais não obtiveram, até agora, competência para apreciar a


constitucionalidade das leis. Isto derivou:
 Da ideia de lei (ordinária), ou do seu primado, como expressão da vontade geral
formada através de assembleias soberanas.
 Do entendimento dado à teoria da separação de podres, não se admitindo que órgãos
estranhos à função legislativa (tribunais) venham apreciar a validade das leis.
 Da reação contra a prática dos parlamentos (judiciais) do Ancien Régime, o que levou
até à proibição, por lei, da apreciação jurisdicional da constitucionalidade

O ordenamento jurídico francês ao contrário do inglês e do norte americano assenta


na lei como fonte do Direito (primado da lei) que, por motivos históricos e politico-
ideológicos, é considerada a racionalidade tornada objetiva, o mesmo é dizer, a encarnação da
“Vontade Geral”. Assim o sistema normativo jurídico obedece à pirâmide normativa.

A Constituição de 1946 foi a primeira a seguir à Primeira Guerra Mundial – engloba os


Direitos Económicos, Sociais e Humanos (1946) e os Direitos, Liberdades e Garantias ,
estipulados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

Sistema de governo
França tentou, desde a Revolução, introduzir o parlamentarismo em motes que se
queriam semelhantes ao parlamentarismo britânico. Se, nas primeiras décadas pós-revolução,
o governo ou detinha demasiado poder (governo convencional) ou era meramente
representativo (era Napoleónica) entre 1871 e 1958 o parlamentarismo apenas alcançou
instabilidade política. Por motivos histórico-culturais, relacionados com o passado de culto ao
chefe, França nunca conseguiria consolidar o parlamentarismo.
É na V República com o General De Gaulle, e com a revisão constitucional de 68, que é
estabelecida a vida média entre o parlamentarismo instável e o presidencialismo, isto é, o
semipresidencialismo (um sistema trialista ou triárquico):

 Um chefe de Estado, eleito por sufrágio universal e que por isso detém
legitimidade eletiva, o que lhe confere poderes importantes como a demissão do

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governo e dissolução do parlamento, poderes que uma pessoa no mesmo cargo no
sistema presidencialista não tem
 Um governo duplamente responsável, isto é, tanto o parlamento como o
presidente podem demitir o governo
 Um parlamento unicameral.

É um sistema pluripartidário como consequência do sistema eleitoral proporcional, o


que acaba por provocar uma maior instabilidade parlamentar.

Para que este sistema funcione efetivamente é necessário que haja uma coabitação
entre duas maiorias distintas que sustentem por sua vez o parlamento e o chefe de estado.

Existem duas grandes diferenças entre o semipresidencialismo português:


 Tempo de mandato (até 2001 por revisão): em França, era de 7 anos com reeleição
ilimitada, em Portugal 5 anos por um máximo de 2 mandatos;
 Presidência do Conselho de Ministros: Em França é realizado pelo Presidente da
República, em Portugal esse lugar cabe ao 1º Ministro.

Em França, tendo em conta a teoria de Montesquieu (separação e interdependência


de poderes), podemos concluir que esta se limita apenas à separação de poderes – separação
estrita dos poderes – poder legislativo, poder executivo e poder jurisdicional – não havendo
interdependência. O mecanismo de fiscalização da Constituição é um órgão, de nome
Conselho Constitucional, que, embora de origem e composição políticas, funciona em moldes
jurisdicionalizados e cuja importância, sobretudo desde 1974, tem vindo a crescer; e os
tribunais comuns não podem deixar de ter em conta a sua jurisprudência.

Sistema Constitucional Soviético


O Estado e o constitucionalismo soviético foram fortemente marcados por uma
revolução: a revolução russa de Outubro-Novembro de 1917, consequência direta das
circunstâncias históricas da Rússia, que foi sujeita a uma autocracia em crise intensa, alvo de
um grande atraso administrativo e social e que havia sido derrotada em duas guerras. Para
além disso, o Estado e o constitucionalismo soviético foi também produto das ideias
subjacentes ao comunismo e à ideologia marxista-leninista, daí que também se possa falar de
constitucionalismo marxista-leninista.

8 fases da história político-constitucional soviética:

 Fase revolucionária (1917 -1921) – implantação do governo soviético e guerra civil;


 Fase da reconstrução e da NEP (1921-1928) – maior abertura às ideias liberais;
 Fase da consolidação da economia (1928-1936) – já com Estaline no poder;
 Fase do Estalinismo (1936-1953) – Guerra Fria;
 Fase da “destalinização” (1953/1956 -1964) – reformas de Kruschef;
 Fase da estabilização (1964-1985) – estabilização interna e governo de Brejnev e seus
sucessores;
 Fase da restruturação (1985-1989) – governo de Gorbachev autor da Perestroika e
Glasnost;
 Fase da decadência (1989-1991);

22
O primeiro texto de vocação constitucional soviético foi a Declaração dos Direitos do
Povo Trabalhador e Explorado, de 1918, 23 de Janeiro. Porém, as Constituições surgem,
efetivamente, a partir de Julho deste mesmo ano. Vejamos:

 1918 – Foi publicada, pela primeira vez, uma Constituição escrita formal com conteúdo
não liberal. Esta era a Constituição da Rússia, pois só em 1922 ficaria constituída a
URSS.
 1924 – Surge a Constituição soviética que formaliza a União e procede, entre outras
coisas, à separação, peculiar a um Estado federal, entre duas Câmaras: o Conselho da
União e o Conselho das Nacionalidades (equivalente grosso modo ao Senado
americano). No entanto, o federalismo da ex-URSS é muito distinto do americano.
1. Complexo: os Estados federados não são todos iguais (existem Repúblicas, Repúblicas
Autónomas, Regiões e Circunscrições)
2. Fictício: a Federação não parte dos Estados, não há uma vontade expressa por parte deles
para formar a federação, a decisão é, pelo contrário, tomada unilateralmente pelos órgãos
centrais para a formação da federação (decisão tomada de cima para baixo); não há a
possibilidade de abandonar a Federação/não há secessão ou desvinculação em relação à
Federação
3. Inigualitário: as entidades que constituem a Federação não estão no mesmo plano
o Internamente:
 de facto: a Rússia não tem órgãos diferentes da Federação
 de direito: são vários os escalões de entidades que compõem a Federação
o Externamente: a representação externa não é feita apenas pela Federação, mas
também pela Bielorrússia e Rússia, que lado a lado com a Federação têm poderes
de representação externa
4. Centralizado: na medida em que há a concentração de poderes num órgão de soberania
(partido único que controla os poderes)

Nota: estas duas Constituições têm entre si características comuns: por um lado, estabelecem
uma estrutura de poder em pirâmides (verticais) e, por outro, estabelecem o sufrágio de classe
(diferente do universal visto que apenas tem direito a voto o povo trabalhador).

 1936 – Surge a Constituição com a qual se pretende um boletim de vitória do Estado e


do Direito socialistas, que teriam posto fim à exploração do homem pelo homem e
resolvido os diversos problemas de transição. No entanto, esta representou
(aparentemente) o afastamento de certas instituições do período revolucionário e a
aproximação dos esquemas do Estado constitucional representativo. Assim, deixou de
haver sufrágio de classe em detrimento do universal, direto e igual (pois já não havia
burguesia exploradora). No fundo, apesar de estabelecer uma coletivização rígida do
Estado Soviético, correspondendo ao apogeu da direção para uma sociedade
comunista cujo mentor é Estaline, é a Constituição que mais se assemelha
formalmente às que vigoravam na altura na Europa.
 1977 – Esta propôs-se expressamente a ampliar e aprofundar a “democracia
socialista”. Nela encontram-se a prescrição expressa do princípio da legalidade
socialista e uma enumeração mais completa e precisa dos direitos dos cidadãos, bem
como um novo capítulo sobre o desenvolvimento social e cultural, a consagração do
princípio da coexistência pacifica no domínio da política externa e o reforço da
institucionalização do partido comunista. Esta veio a sofrer em 1989 e 1990

23
importantes modificações no que respeita à organização política, mas estas revelaram-
se insuficientes e contraproducentes, pelo que a sua vigência foi limitada.

A característica especifica deste sistema de matriz soviética remete para o domínio de


todo o poder pelo partido comunista, do qual decorre a conceção leninista. Esta prevê que o
partido, depois de ter permitido ao proletariado a conquista do poder, o exerça em seu nome.

O partido comunista apresenta-se como um partido ideológico apto a enquadrar


massas, apresentando uma estrutura centralizada, com direção do topo para a base, e com
papel reconhecido pela Constituição. No fundo, a realidade do poder está no partido e o
verdadeiro chefe político soviético é o Secretário-Geral do partido. Juridicamente, os atos
políticos provêm dos órgãos do Estado, mas politicamente, as decisões são sempre tomadas
pelos órgãos do partido.

O princípio da legalidade socialista e os direitos fundamentais


Segundo a doutrina marxista-leninista, cada regime económico tem a sua Constituição.
A Constituição socialista, expressão do regime económico socialista, desempenha uma função
simultaneamente de balanço do que está feito (no socialismo) e de programa do que falta
fazer (a caminho do comunismo). Daí que a ideia de Constituição seja diferente da do Estado
Constitucional, Representativo e de Direito.
A legalidade socialista é muito diferente da do Estado de Direito, pois envolve:
 A aceitação da hierarquia das normas jurídica, não por causa do seu valor
intrínseco e apenas por serem normas de Direito socialista
 A desvalorização, por conseguinte, das normas constitucionais em face de leis mais
conformes com o estado atual da sociedade socialista
 A redução do papel do juiz e da interpretação em geral
 A recusa da fiscalização judicial da constitucionalidade das leis
 O papel importante da Procuradoria-Geral (com funções mais amplas que as de
um Ministério Público), promovendo a aplicação uniforme da lei e a fiscalização
dos órgãos administrativos, por iniciativa própria ou a pedido dos cidadãos
 A intervenção do Partido Comunista na interpretação e na aplicação do Direito
(dado o caráter ideológico deste), através de diretivas e resoluções dirigidas aos
juízes
 A extensão do princípio da legalidade tanto aos órgãos do Estado como aos
cidadãos em geral, a quem se exige uma colaboração ativa na salvaguarda do
Direito socialista

A conceção socialista dos direitos fundamentais não arranca da ideia de uma esfera
individual independente e livre do Estado, mas da ideia de cidadão ativo que tem o direito e o
dever de participar na vida política e económica, social e cultural da sociedade socialista. Os
direitos são simultaneamente deveres – os direitos do cidadão reconhecidos pela constituição
socialista devem ser ativamente exercidos a fim de se progredir na edificação da sociedade
socialista.
Na experiência concreta, presta-se um realce muito grande aos direitos económicos,
sociais e culturais (direitos ao trabalho, ao repouso, à segurança social, à educação) em
contraste com a situação precária das liberdades individuais. Por isso, e invocando-se também
as necessidades de construção do socialismo e da defesa contra os seus inimigos, as liberdades
públicas ficam suprimidas ou os cidadãos só as podem exercer em obediência à linha do
Partido Comunista ou por meio de organizações deste dependentes, direta ou indiretamente,

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e tudo dentro de uma atmosfera de completo uso dos meios de comunicação social pelo
Estado.
A inviolabilidade da pessoa, o direito de ninguém ser arbitrariamente detido ou preso,
a inviolabilidade do domicílio e outras garantias individuais recebem consagração
constitucional. Pese embora o facto de estas também receberem consagração constitucional, a
experiência prática foi de constante desrespeito destas garantias e a segurança dos cidadãos
nunca chegou a ser preservada pela legalidade socialista.

A unidade do poder, a forma e o sistema de governo


As constituições e a doutrina marxista-leninista afirmam o princípio da unidade do
poder do Estado (diferente do dogma da separação de poderes do constitucionalismo liberal).
“Todo o poder aos sovietes”, ou seja, todos os sovietes são titulares do poder do
Estado, pelo que em cada escalão, o poder é exercido pelo respetivo soviete.
No seguimento da Constituição anterior, a de 1977 declara o soviete supremo como
órgão superior do poder e o Conselho de Ministros o órgão executivo e administrativo superior
do poder do Estado da URSS.
Ao soviete supremo (constituído por duas câmaras devido ao federalismo) competiam
todas as decisões políticas da União. Porém, exercia os seus poderes, salvo em escassos dias
de reunião por ano, através do Praesidium, segundo uma delegação ou substituição
permanente predeterminada pela Constituição. Este último era o verdadeiro órgão de direção
política suprema (espécie de Chefe de Estado colegial).
Daí que se torne mais adequado qualificar o sistema de governo como diretorial e não
convencional.

A Constituição russa de 1993


A rutura com o marxismo-leninismo foi acompanhada no mesmo ano, em 1991, pela
desagregação da União Soviética.
No que toca à Rússia, em 1993 foi aprovada uma Constituição que a declara um Estado
federal multinacional, um Estado democrático e de Direito e um Estado social, em que o
homem e o seus direitos e liberdades constituem o valor suprem e em que o povo exerce o
poder através de eleições livres e referendos.
O poder do Estado assenta na separação dos poderes legislativo, executivo e judicial. É
garantido o pluralismo ideológico, e nenhuma ideologia pode assumir-se como ideologia do
Estado. A Constituição tem força jurídica suprema e efeito direto. Os princípios e as regras
universalmente recebidas do Direito internacional e os tratados internacionais da Federação
da Rússia constituem parte integrante do seu sistema jurídico. É clara a mudança no confronto
do regime soviético.
A Constituição contém um longo catálogo de direitos e liberdades a par de direitos
económicos, sociais e culturais. Os juízes são independentes e só estão sujeitos à Constituição
e à lei federal. É criado um Tribunal Constitucional, para decidir sobre a conformidade das leis
com a Constituição, quer em abstrato quer em recurso de decisões dos tribunais relativas às
violações de direitos dos cidadãos em casos concretos.
A organização do poder político compreende um Presidente eleito por sufrágio direto,
por quatro anos, sem se admitir a reeleição para terceiro mandato consecutivo; a Assembleia
Federal, com duas Câmaras, o Conselho da Federação e a Câmara dos Deputados (Duma); e o
Governo. Tendo em conta os vastos poderes do Presidente, a qualificação mais adequada do

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sistema de governo parece ser a de presidencialismo imperfeito, por o poder executivo se
desdobrar no Presidente e no Governo.
A plena efetividade da Constituição, com garantia do pluralismo e do equilíbrio do
poder, ainda não foi, porém, alcançada. A carga autocrática histórica (vinda desde o czarismo)
e as novas condições externas da Rússia não a têm favorecido.

Os constitucionalismos alemão e austríaco


Os sistemas Alemão e Austríaco são analisados sistematicamente em termos paralelos
porque, em termos de evolução cronológica, têm um percurso análogo, sofrendo alterações
idênticas e paralelas. Estes são também sistemas com a mesma língua, apresentando uma
cultura organizacional idêntica (têm o mesmo tipo de instituições políticas, sociais, culturais e
económicas).
Nestes países, o constitucionalismo assume um significado diverso, na medida em que
na Alemanha e na Áustria, quase todos os governos conseguem resistir duradouramente às
doutrinas liberais e democráticas, apesar dos embates revolucionários de 1848.
A monarquia constitucional de tipo austro-alemão, monarquia limitada, implica que o
princípio monárquico se sobreponha ao princípio democrático, intervindo de forma constante
e efetiva no governo. A Constituição possui um conteúdo menos intenso e é outorgada pelo
monarca que, assim, aceita limitar os seus poderes. O Parlamento tem, pelo contrário, a sua
área de ação estritamente demarcada. O verdadeiro titular do poder soberano continua a ser o
Rei, e não o povo. Um elemento que deve ser sublinhado nesta Constituição é o enaltecimento
do Chefe de Governo (Chanceler), único Ministro com funções políticas: daí o chamado
sistema de governo de chanceler ou de dualismo de poder executivo com concentração de
poderes. Com a derrota na I Guerra Mundial, desaparecem os chamados Impérios Centrais,
proclamam-se sistemas republicanos e preparam-se novos textos constitucionais (Weimar,
1919 + Austríaca, 1920).
Estas duas Constituições apresentam algumas semelhanças, nomeadamente o facto de
possuírem um grande rigor técnico, de preverem formas federativas de Estado e de preverem
sistemas semipresidenciais ou parlamentares racionalizados, ou seja, com uma base que
assenta no parlamentarismo puro, mas introduzindo adições que nada têm a ver com ele.
A Constituição de Weimar pode considerar-se o mais importante texto nessa altura,
pois prescreve uma regra de dupla responsabilidade política do Governo e prevê o recurso ao
povo, por eleições e referendos, para decidir eventuais conflitos. No fundo, procura conciliar a
necessidade de haver um Chefe de Estado forte com a aspiração de a Alemanha se dotar de
um Parlamento plenamente soberano, mitigando o princípio representativo através de formas
de democracia direta ou semidirecta. Esta é a primeira Constituição alemã republicana, bem
como a primeira a estabelecer formalmente o Estado Social de Direito no âmbito europeu,
garantindo os direitos dos particulares e apontando ao Estado a obrigatoriedade de
intervenção para a garantia dos mesmos. Distinguem-se assim duas gerações de direitos
fundamentais:
 a 1ª geração: refere e estabelece direitos, liberdades e garantias, esperando
do Estado apenas que nada faça
 a 2ª geração: exige ao Estado uma intervenção, para que haja uma efetiva
manutenção dos direitos económicos, sociais e culturais.

A Constituição Austríaca, elaborada por Hans Kelsen, tendo uma estrutura positivista e
hierarquizada, estabelece uma fiscalização da constitucionalidade através de um Tribunal
Constitucional. Foi suspensa em 1929 e reposta em 1945.

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A derrota em Versalhes e as vicissitudes que atingem ambos os sistemas provocam, na
Alemanha, a instituição de uma ditadura nacional socialista, e na Áustria, em consequência
também da ditadura nazi, uma anexação daquela por parte da Alemanha.
No final da II Guerra Mundial, a Alemanha divide-se em RDA (República Democrática
Alemã) e RFA (República Federal Alemã), sendo que a primeira se rege pela Constituição de
1968, de ideologia marxista-leninista, e a segunda pela Constituição de Bona de 1949.

Constituição de Bona
A Constituição de Bona apresenta algumas características essenciais, entre as quais se
destacam as seguintes:
 Realce da ideia de democracia e relevo do princípio democrático
 Preocupação com a previsão e efetivação dos direitos fundamentais.
 Consagração de um sistema de governo que parte do parlamentar Britânico, mas
que pode definir-se como um sistema parlamentar racionalizado, com introdução
de elementos de racionalização que têm em vista o fim da instabilidade política
 Moção de censura construtiva, exigindo a apresentação de um programa
alternativo de governo
 Saída da circulação política dos partidos que não consigam obter mais do que 5%
nas eleições, não havendo bipartidarismo.
A adoção do sistema parlamentar é uma das novidades da Constituição. O Governo,
composto pelo Chanceler e por Ministros da sua escolha, passa a ser responsável perante a
Assembleia Federal. O funcionamento prático do sistema é, sob vários aspetos, semelhante ao
Britânico. Interessa ainda referir que, ainda que sem consagração na Constituição, o sistema
eleitoral adotado, de representação proporcional personalizada.
Assim, e em conexão com o empenho de tutela e reforço dos direitos fundamentais e
do Estado de Direito e, em geral, de preservação da ordem constitucional de valores, foi
instituído um Tribunal Constitucional, cujo esforço construtivo tem sido relevante.
Após a queda do muro de Berlim, verificou-se um surpreendente rápido processo de
unificação da Alemanha, mediante tratados entre os dois Estados Alemães: RFA e RDA.
Simultaneamente, verificou-se um processo de unificação entre estes, e as quatro potências
ex-ocupantes: EUA, França, Grã-Bretanha e União Soviética.
Não se constitui um novo Estado, mas dá-se extensão à República Federal aos cinco. A
Constituição de Bona, porque provisória, deveria cessar com a unificação. No entanto, foi
modificada de modo a subsistir como definitiva. E, por isso, houve então o exercício de um
poder constituinte (originário): no tocante à Alemanha Ocidental, porque a Constituição aí
adquiriu um novo sentido de vigência; e, no tocante à antiga Alemanha Oriental, porque veio
substituir o sistema constitucional do regime marxista-leninista. Embora sob a forma de
revisão, verdadeiramente acabou por se verificar transição constitucional.

Sistema Suíço
A história constitucional suíça divide-se em quatro grandes períodos:
1) A Confederação (até à Revolução francesa), com cantões de governo aristocrático e
outros de governo democrático
2) A República Helvética e o Ato de Mediação de Napoleão
3) A Confederação, de novo (de 1815 a 1848)
4) A Federação (desde 1848)

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Recentemente, em 1999, foi aprovada uma nova Constituição (que, talvez em rigor,
não corresponde senão a uma revisão total da Constituição de 1948, a qual, por seu turno,
tinha análoga índole em relação à Constituição de 1874).

Como características singularizadoras do sistema constitucional suíço apontem-se:


a) O federalismo cantonal, em que os Estados federados parecem ter mais que ver com
as Cidades-Estados da Grécia antiga do que com os Estados modernos
b) Em conexão com a estrutura municipal dos Estados, a prática secular de democracia
direta em cinco dos menores cantões, através de assembleias populares
c) A consagração e a frequência da iniciativa popular e do referendo, sendo o referendo
obrigatório para a revisão constitucional, para certos atos internacionais e para certas
leis federais urgentes e facultativo para as demais leis ordinárias (salvo em alguns
cantões, onde é obrigatório)
d) O sistema de governo federal como sistema diretorial
e) A relativa timidez da fiscalização da constitucionalidade, a cargo do Tribunal Federal
f) Uma certa plasticidade da Constituição (embora também adaptabilidade), devido à
frequência das alterações que sofre

O sistema de governo diretorial


Os órgãos políticos federais são a Assembleia Federal e o Conselho Federal. A
Assembleia Federal é um parlamento bicameral típico dos federalismo: compõe-se do
Conselho Nacional e do Conselho dos Estados.
Os poderes de ambas as Câmaras são iguais e elas devem ainda reunir-se em sessão
conjunta para a prática de certos atos.
Quanto ao Conselho Federal, é o órgão executivo da Federação e é integrado por 7
membros, eleitos por 4 anos para Assembleia, mas que não dependem da confiança desta para
se conservarem em funções.
Todos os anos a Assembleia Federal elege um dos membros do Conselho como
Presidente da Confederação, se bem que não se trate de Chefe de Estado, pois não tem
competência própria. O mandato não é renovável no ano imediato.
O poder na Suíça está distribuído entre a Assembleia e o Conselho Federal e este,
embora eleito por aquela, exerce, com autonomia e estabilidade, a direção política do Estado.
O Conselho Federal está na Suíça um pouco como o Presidente nos EUA. Ambos não são
responsáveis perante o parlamento/assembleia e vice-versa.
O sistema deve ser qualificado, sim de diretorial (na linha da Constituição francesa de
1795). Caracterizam-no, acima de tudo:
1) a colegialidade do Conselho Federal
2) a inexistência de responsabilidade política do Conselho perante a Assembleia, a
despeito de esta lhe poder dirigir interpelações e moções
3) a impossibilidade de dissolução da Assembleia pelo Conselho e, ao contrário dos
Estados Unidos, a inexistência de poder de veto

A prática tem revelado uma grande maleabilidade do funcionamento das instituições,


propiciada também por um multipartidarismo sem tensões ideológicas agudas e pela
frequência das votações populares.

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15/10/2019 - Os Sistemas constitucionais dos Estados de língua oficial portuguesa. O caso
específico do Brasil. A discussão de uma eventual autonomização de uma família
constitucional lusófona.

Após estudarmos diversas famílias constitucionais estrangeiras, levanta-se a questão


sobre a possível existência de uma família constitucional lusófona.

Tal remete-nos para a CPLP (Comunidade Países de Língua Portuguesa – 1996), que
tem como objetivo a associação dos países de língua portuguesa.

O constitucionalismo brasileiro
O constitucionalismo nasceu em Portugal e no Brasil ao mesmo tempo. Nasceu com a
revolução de 1820, em consequência da qual se reuniram Cortes Constituintes, em que
participaram Deputados eleitos pelas províncias brasileiras.

A Constituição de 1820, que não chegou a vigorar no Brasil, viria a influenciar


fortemente o projeto de Constituição de 1823 deste.
A seguir, a Carta Constitucional de 1826 seria, literalmente, decalcada (uma cópia) da
Constituição brasileira de 1826 e feita no Brasil pelo autor desta: D. Pedro I, IV de Portugal. O
seu elemento mais típico, o poder moderador, encontra-se já no texto brasileiro. E, com
oscilações várias, as duas Constituições vigorariam conjuntamente durante cerca de meio
século, o que permitiria que, na época se pudesse falar numa família ou subfamília
constitucional luso-brasileira.
A primeira Constituição republicana brasileira (1891) viria a influenciar também a
primeira Constituição republicana portuguesa (1911). Algumas soluções adotadas nesta vieram
da brasileira (Ex: a fiscalização judicial da constitucionalidade das leis).
As tendências autoritárias imperantes em Portugal de 1926 a 1974 tiveram paralelo no
Brasil por duas vezes: entre 1936 e 1945 e de 1964 a 1985. Não admira que a nossa
Constituição de 1933 tenha inspirado, na Constituição brasileira de 1937, a criação de um
Conselho de Economia Nacional (idêntico à Câmara Corporativa) e a atribuição ao Presidente
da República dos poderes de dissolução da Câmara dos Deputados e da feitura de decretos-
leis.
Em contrapartida, as Constituições atuais de ambos os país (Portugal, 1976 – e Brasil,
1988) apresentam muitos traços em comum: a extensão das matérias com relevância
constitucional, o cuidado posto na garantia dos direitos de liberdade, a consagração de
numerosos direitos sociais, a descentralização, a abundância das normas programáticas. E a
Constituição brasileira consagraria regras ou institutos indiscutivelmente provindos da
portuguesa: a definição do regime como “Estado Democrático de Direito”, alguns direitos
fundamentais, o estímulo ao cooperativismo, o alargamento dos limites materiais da revisão
constitucional, a fiscalização da inconstitucionalidade por omissão.

O Império e a 1ª Constituição brasileira (1824)


A primeira Constituição, datada de 1824, representa um compromisso entre as ideias
liberais e a tradição monárquica europeia. As fontes deste texto foram o projeto vindo da
Assembleia Constituinte, as teses de Benjamin Constant de um poder real convertido em
moderado (que é depois também previsto na Carta Constitucional portuguesa de 1826) e,
porventura, a Carta Constitucional francesa de 1814.
Esta declarava a separação de poderes, mas com saliente posição do Imperador,
simultaneamente titular do poder moderador e chefe do poder executivo. Os representantes

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da nação eram o Imperador e o Parlamento, chamado de Assembleia Geral (bicameral –
Câmara dos Deputados (eletiva e temporária) e o Senado (composto por membros vitalícios
designados pelo Imperador em listas tríplices resultantes de eleição provincial)).
O catálogo de direitos individuais era idêntico aos das Constituições liberais, mas a
escravatura continuava a ser, direta ou indiretamente, admitida.
No fundo, estabelece-se uma monarquia constitucional, apesar de haver uma
concentração do poder executivo no monarca. O poder moderador constituía uma forma de
introduzir harmonia e equilíbrio dentro da separação tradicional de poderes:

A república e a 2ª Constituição brasileira


O Exército depôs D. Pedro II em 1889 e proclamou a república, a república federativa
(as províncias passaram a Estados). A constituição de 1824 do Brasil vem a ser substituída pela
Constituição de 1891 – primeira constituição que estabelece o Brasil como República
Federativa dos Estados Unidos do Brasil (semelhança com o modelo norte-americano). As
constituições surgem sempre, no Brasil, a seguir a golpes de Estado, podendo estas ter um
pendor mais moderado ou mais autoritário.
Nesta constituição foi reorganizado o poder, distribuído entre a União e os Estados
federados, e substituiu-se à tendência parlamentar um princípio de governo presidencial.
Assim, incorpora-se um federalismo complexo, em que a União constitui o Governo soberano
da federação, e os Estados e Municípios constituíam Governos autónomos.
No fundo, a União tem uma Constituição federal, os Estados federados têm
Constituição e os Municípios munem-se de leis orgânicas, que são também uma forma de
juridificar o exercício do poder político.
Porém, trata-se de um federalismo imperfeito porque o federalismo implica uma
divisão total de poderes, sendo que no Brasil há uma forte concentração do poder executivo.
Assim, alguns autores falam da existência de um ultra-federalismo (“política do café com leite”
– alternância de Presidentes entre dois Estados: São Paulo e Minas Gerais). O federalismo é
ainda imperfeito devido à existência de uma república com governo representativo, de uma
sistema presidencial com a particularidade de, nem o Presidente, nem os Governadores
poderem ser reeleitos, e de um sistema de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade.

A evolução desde 1930:


 1ª fase (1930 – 1934): governo provisório
 2ª fase (1934 – 1937): regresso às formas constitucionais, com a Constituição
aprovada em assembleia constituinte em 1934
 3ª fase (1937 – 1945): ditadura de Getúlio Vargas, que outorgou uma Constituição e
estabeleceu um regime à moda da época
 4ª fase (1945 – 1961): após a 2ª guerra mundial (em que o Brasil participo ao lado dos
Aliados), nova fase democrática-liberal e nova Constituição (1946)
 5ª fase (1961 – 1964): crise institucional aberta pela surpreendente renúncia do
presidente Jânio Quadros

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 6ª fase (1964 – 1985): governo de base ou de características militares, resultante da
revolução de 1964, e em que é feita a Constituição de 1967 (alterada em 1969)
 7ª fase (desde 1985): transcrição para uma nova Constituição, a de 1988, a qual traduz
a maturidade constitucional democrática, finalmente adquirida pelo Brasil

A constituição de 1988
A Constituição de 1988 é em termos técnicos, bastante complexa e perfeita.
Declara-se ser a República formada pela “união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal”, ou seja, aponta para um duplo grau de organização territorial:
federalismo a nível de Estados e regionalismo a nível de município.
Funda-se o Estado democrático de Direito na soberania, na cidadania, na dignidade da
pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político.
Esta é uma Constituição social, pelo que defende direitos económicos e sociais e
reclama intervenção do Estado para a sua garantia. É dada grande importância aos direitos
fundamentais (principalmente os de 5ª geração)
A organização do poder política federal mantem-se fiel à divisão clássica dos três
poderes e ao sistema presidencial, este algo controlado e fiscalizado. Tem-se um sistema de
governo diárquico – presidencialista – com dois órgãos de poder político ativo.
No Congresso, bicameral, a Câmara dos Deputados é eleita por 4 anos, por
representação proporcional em cada Estado e no Distrito Federal, e o Senado por
representação maioritária, elegendo cada Estado e o Distrito Federal 3 senadores, com
mandato de 8 anos. O Congresso pode suster os atos normativos do Poder Executivo que
exorbitem do poder regulamentário ou os limites de delegação legislativa.
O Presidente da República é eleito por sistema de dois turnos ou duas voltas (como em
França e Portugal), por 4 anos. Este é auxiliado pelos Ministros de Estado, que referendam os
seus atos e decretos em quem ele pode delegar algumas das suas atribuições de caráter
administrativo.

Os sistemas constitucionais dos países africanos de língua portuguesa


Apesar destas influências, o Brasil pouco tem a ver com Portugal. Será que faz sentido
falar-se de uma família constitucional lusófona? Há que explorar os países da comunidade
africana (PALOP), são eles: Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e
Príncipe.
O acesso à independência dos cinco países africanos de língua portuguesa não se fez
ao mesmo tempo e nos mesmo termos em que decorreu o acesso dos demais países da África.
No que respeita aos PALOP’s estão em causa estados que sofreram um processo
dramático de acesso à independência, ao invés da situação de evolução que se verificou, por
exemplo, com as ex-colónias francesas e britânicas. Assim, podem identificar-se duas fases ou
gerações, tendo em conta o número de Constituições desses Estados e o facto de, na maior
parte deles, já estar em vigor a segunda Constituição após os Acordos de Independência
celebrados entre 1974 e 1975 em Argel, Lusaka e Alvor. Vejamos:
 1ª geração (Angola, 1975 – Moçambique, 1975 – São Tomé e Príncipe, 1975 –
Guiné, 1973 – Cabo Verde, 1975 (provisória e 1980)
 2ª geração (S. Tomé e Príncipe, 1990 – Angola, 1992 – Moçambique, 1992 - Cabo
Verde, 1992 – Guiné, 1993)

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A 17 de Julho de 1996 foi constituída a Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Apesar de não haver referencia direta a uma estrita aproximação de modelos políticos,
podemos ainda assim encontrar níveis de comparação entre membros da CPLP.

 Sistema de governo: o sistema de governo é presidencialista no caso do Brasil e de


Moçambique. Todos os outros tem um sistema semipresidencialista ou um
parlamentarismo racionalizado (Cabo Verde)
 Forma de Estado: são todos Estados unitários, exceto o Brasil (é uma Federação, ou
seja, um Estado composto)
 Forma de governo: República, sendo comum a todos
 Regime económico: tendencialmente de economia de mercado, exceto o caso de
Moçambique que é de base coletivista (resultado da influência do sistema de
dominação soviética).

Ainda assim, é relevante destacar o que é que as Constituições dos países de língua
portuguesa têm em comum:

 Previsão de um Estado de Direito Democrático


 Sistemas de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade (exceto Moçambique)
 Independência do poder judicial
 Estabelecimento de que a competência legislativa é, principalmente, do
Parlamento (fórmula q.o.t.);
 Previsão de direitos fundamentais, segundo a seguinte ordem: direitos, liberdades
e garantias → direitos económicos, sociais e culturais (exceto Moçambique, que
inverte a ordem, e o Brasil, no preâmbulo)
 São Constituições rígidas (o processo de elaboração da Constituição é um processo
diferente do da elaboração das leis ordinárias)
 Previsão do referendo nacional (posterior à Constituição de 1976)
 Influência muito grande do texto da Constituição portuguesa (1976) no texto das
Constituições dos PALOP

Há traços em comum entre estes países de língua portuguesa, mas não são suficientes
para podermos dizer que a CPLP corresponde a um modelo ou a uma família constitucional
autónoma, apesar da influência do constitucionalismo português e até brasileiro.

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Título III – As constituições portuguesas
21/10/2019 - História Constitucional Portuguesa. Periodificação. Constitucionalismo liberal:
As constituições de 1822, carta constitucional de 1826 e 1838. A constituição de 1911

A primeira Constituição formal portuguesa aparece em 1822, mas, antes disso, temos
outros documentos que, apesar de não serem qualificados como Constituições, de alguma
forma corporizam os princípios fundamentais do Estado. Exemplos destes documentos são as
ordenações. As ordenações são a recolha das leis fundamentais do rei (têm algo de comum
com aquilo que é o conteúdo constitucional). Na História constitucional portuguesa tivemos
ordenações de diferentes monarcas:
 As ordenações afonsinas (século XV) previam, por exemplo, a forma como o
Estado se relacionava com a Igreja e a forma como o monarca se relacionava
com os súbditos. Para além disso, dava importância às fontes do Direito.
 Já as ordenações manuelinas (século XVI) não conseguem verdadeiramente
aplicar-se no Estado português e correspondem a uma centralização do poder.
 A partir de 1580 Portugal encontra-se sobre domínio espanhol – as
ordenações filipinas vigoraram até 1822.

Em 1769 foi publicada a Lei da Boa Razão pelo Marquês de Pombal (personalidade de
relevo do século XVIII, inspirado no movimento iluminista e racionalista) – que vinha sujeitar as
leis do rei a um escrutínio, através deste filtro da boa razão e da racionalidade (deste modo,
acabou por deter aquilo que resultava das ordenações filipinas).
A fonte de Direito primeiro é a lei mas podemos entender o costume como fonte de
direito em termos subsidiários e desde que não haja contrariedade com a razão.
Outra perspetiva essencial: as fontes de Direito nacional são superiores ao Direito
Canónico e ao Direito Romano. No tempo de Sebastião José de Carvalho e Melo discutiu-se a
reforma de ordenações; por sua vez, a fase que se seguiu foi chamada “questão do novo
código”. Em suma, não significa que antes de 1820 não tenhamos a corporização de alguns
instrumentos essenciais para o Estado português, nem significa que não tenhamos Estado
antes de 1820. No fundo, não temos é uma Constituição formal.

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Tal como na generalidade dos países europeus continentais, o constitucionalismo
surge entre nós por via revolucionária; não por continuidade, mas por corte com o passado,
seja esse corte feito pelo povo em armas (1820 e 1834) ou pelo próprio monarca (1826).
Assim, a história constitucional portuguesa aproxima-se bastante do exemplo francês, mas
apresenta uma maior estabilidade do que as situações verificadas em Espanha ou nos países
da América Latina.

Periodificação da História Constitucional Portuguesa:


1º - Constitucionalismo Liberal (1820-1926) - Início: Revolução Liberal de 24 de agosto de
1820
o Períodos do Constitucionalismo Liberal
 Instauração do liberalismo
 Regeneração
 Crise da Monarquia Constitucional
 Primeira República
Durante esta fase sucedem-se quatro Constituições – a de 1822, a de 1826, a de 1838
(carta constitucional, que recebeu este nome por ter sido outorgada pelo monarca) e a de
1911 – que se repartem por diferentes vigências. Há duas efémeras restaurações do antigo
regime e passa-se da monarquia à república.
Este é um período que corresponde ao Estado Liberal, em que prevalece, apesar das
contrarrevoluções e das duas restaurações da monarquia absoluta, uma ideia de direito liberal,
como aparece consagrada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), no seu
artigo 16º. As ideias relevantes nesta época relacionam-se nomeadamente com a garantia dos
direitos e liberdades, com a separação de poderes e com o liberalismo político e económico.
As quatro Constituições que surgem nesta época devem-se, por um lado, à dificuldade
de instauração do liberalismo em Portugal (que surge como estrangeirado), não se adaptando
às necessidades do país. Para além disso, as forças reacionárias ainda eram muitos poderosas.
Por fim, havia ainda divergências entre os liberais democratas e os liberais conservadores.
No fundo, a Constituição de 1911 é produto da instauração da República e não tem
grande significado na alteração do plano da história constitucional, já que as estruturas
constitucionais são as mesmas, bem como a ideia de Direito. O que muda é, na verdade, a
forma de Governo.

2º - Constitucionalismo Autoritário (1926-1974) - Início: Golpe de Estado de 28 de maio de


1926 chefiado pelo General Gomes da Costa
o Períodos do Constitucionalismo Autoritário
 Governo militar direto
 Início e apogeu do Estado novo
 Decadência e fuga à adoção das fórmulas democráticas europeias
 Guerras ultramarinas

Neste período verifica-se uma “quase” obnubilação (lentidão) do Estado


constitucional, representativo e de Direito ou, por outras palavras, há a pretensão de se erguer
um constitucionalismo diferente (Estado Novo), corporativo e autoritário.
Este é o período da Constituição de 1933. Começa com a ditadura militar e prolonga-se
com a ditadura pessoal de Salazar e com a intervenção final de Marcello Caetano. Há, nesta
fase, uma restrição das liberdades públicas e uma concentração de poderes na figura do Chefe
do Governo, apesar de, na Constituição, tal vir prevista para a figura do Presidente da
República.

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O regime é autoritário, mas não chega a ser totalitário, pois não absorve totalmente a
sociedade no Estado e não nega as liberdades públicas e privadas. Assim, é um regime que se
afirma como antiliberal, sendo que no plano económico defende a intervenção e controlo
estaduais, antiparlamentar e corporativo. Traduz-se na institucionalização de organizações
corporativas, onde se inseria toda a sociedade. Era através das corporações, e não do sufrágio,
que se tinha acesso ao poder político.

3º - Constitucionalismo Democrático (1974 - atualidade) - Inicio: Revolução de 25 de Abril


de 1975
o Períodos do Constitucionalismo Democrático
 25 Abril – 11 Março 1975
 11 Março – 25 Novembro 1975
 25 Novembro 1975 em diante
Com a revolução de 25 de Abril, entra-se na época atual, em que o país caminha para
um regime pluralista com tendências descentralizadoras e socializantes. Daqui resulta a
Constituição de 1976, que significa a abertura para horizontes e aspirações de Estado Social e
Estado de Direito democrático.
Só nesta altura se pode falar efetivamente em constitucionalismo democrático, visto
que só agora está consignado o sufrágio universal. No século 19, apesar de as Constituições o
não dizerem expressamente, entendia-se que as mulheres não tinham direito de voto. No
fundo, a Constituição procurou realizar a democracia a todos os níveis – económico, social e
cultural.

Plano de vigência das várias constituições liberais


 1822 a 1823 – vigência da Constituição de 1822
 1823 a 1826 – Monarquia Absoluta
 1826 a 1828 – vigência da Carta Constitucional de 1826
 1828 a 1834 – Monarquia Absoluta
 1834 a 1836 – vigência da Carta Constitucional de 1826 (com introdução da figura do
1º ministro, o Duque de Palmela)
 1836 a 1838 – vigência da Constituição de 1822
 1838 a 1842 – vigência da Constituição de 1838
 1842 a 1910 – vigência da Carta Constitucional de 1826

Constituição 1822
A Constituição de 1822 é dos textos mais importantes do constitucionalismo
português, pois esta marca o início do verdadeiro constitucionalismo em Portugal. Esta tem
como principal fonte de inspiração a Constituição de Cádis de 1812. Acresce a influência da
declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1781 e das Constituições francesas de 1791
e 1795. É pós-revolucionária liberal, porque marca uma rutura evidente com a trajetória
anterior.
Esta constitui a primeira Constituição portuguesa formal, pelo que é apontada como
radical e quimérica, quase ingénua. É a primeira Constituição formal que estabelece uma união
real e adere a uma ideia de patriotismo e nacionalismo liberais. Assim, estão na sua origem
grandes linhas de constitucionalismo francês. O que se procura é a criação de instituições
políticas moldadas pelo constitucionalismo emergente da Revolução Francesa, sem romper

35
com as tradições nacionais, adotando-se, simultaneamente, uma linha económico-social
bastante moderada.
O processo constituinte compreendeu dois momentos: primeiro, definiram-se as bases
da Constituição, e só depois foram elaborados e redigidos os preceitos constitucionais
(aprovados por uma Assembleia – Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes). As Cortes
englobam o conjunto de deputados, correspondendo a uma Assembleia.

Os princípios norteadores da Constituição de 1822 são os seguintes:


1) Princípio democrático
2) Princípio representativo
3) Princípio da separação de poderes
4) Princípio da igualdade jurídica e do respeito pelos direitos pessoais.

Esta Constituição dedica o seu primeiro título aos direitos e deveres individuais dos
portugueses – é a única Constituição portuguesa que o faz, e conclui-se que este título
corresponde a qualquer das declarações de direitos francesa. Ao mesmo tempo, dá realce à
educação e estabelece uma ligação entre direitos políticos e habilitações literárias.
Ao contrário das conceções cristãs e liberais, este texto pressupõe a aceitação da
escravatura em mais de um preceito (mas por causa do ultramar). No entanto, e porque
pensada para o Brasil, esta Constituição incumbe as Cortes e o Governo de terem particular
cuidado na civilização dos Índios.
A Constituição de 1822 consigna uma estrita forma de governo representativo (“A
soberania reside essencialmente na Nação”), mas que apenas pode ser exercida pelos seus
representantes legalmente eleitos. Diz-se que este é um sistema de Governo com caráter
“para-republicano”, porque os poderes do monarca atribuem a este uma figura simbólica
semelhante ao Chefe de Estado. Do ponto de vista de poder atribuído aos órgãos, o poder
monárquico está muito reduzido.
O poder legislativo compete à Assembleia unicameral e o poder executivo ao Rei,
assistido pelo Conselho de Estado e por Secretários de Estado. É a realização do princípio da
separação de poderes, mas com supremacia das Cortes, devido ao seu caráter mais
democrático, pela sua estrutura e pelo regime das suas relações com o Rei. O poder judicial
pertence ao juiz letrado ou de carreira. Assim, a Constituição de 1822 configura a monarquia
como limitada, consagrando a soberania nacional e a separação de poderes.
A Constituição de 1822 vigora apenas até 1823, ano em que voltamos a um período de
monarquia absoluta que viria a durar até 1826. Voltaria a vigorar de 1836 a 1838.

Carta Constitucional de 1826


O projeto surge em 1823 na tentativa de compromisso entre os absolutistas e liberais.
A primeira vigência dá-se entre 1826 e 1828, ano em que voltamos a uma monarquia
absoluta que viria a durar até 1934. De 1834 a 1836 dá-se a segunda vigência da carta
constitucional, com introdução da figura do 1º ministro, o Duque de Palmela. A terceira
vigência inicia-se a 1842 até 1910.
Antes de mais, interessa dizer que esta se designa por Carta Constitucional porque foi
outorgada pelo monarca, ou seja, é ele quem a redige e a dá aos seus súbditos “Dom Pedro
por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, (…) faço saber a todos os meus súbditos
Portugueses, que sou servido decretar dar e mandar jurar imediatamente pelas três ordens do
Estado a Carta Constitucional abaixo transcrita, a qual de ora em diante regerá esses meus
Reinos e Domínios, e que é do teor seguinte: ”. A carta não foi aprovada pelo Parlamento nem

36
pelas Cortes. Marcello Caetano afirmou mesmo que esta foi a Constituição mais monárquica
do seu tempo porque os poderes que são atribuídos o monarca são de tal forma significativos.
Esta tem por fonte a Constituição brasileira de 1824, embora com diferenças
explicáveis pelas diversas circunstâncias dos dois países.
A outorga feita pelo Rei implica, desde logo, uma alteração na natureza do regime
político, pelo que este passou de monárquico, a monárquico constitucional e tal exercício do
poder constituinte estabeleceu a sua última manifestação enquanto Rei absoluto. Passa então
a exercer um poder constituído ao lado de outros.
Apesar de não proclamar o princípio da soberania nacional, a Carta Constitucional
declara expressamente que o governo é monárquico, hereditário e representativo, de tal
forma que considera como representantes da Nação o Rei e as Cortes (princípio representativo
em detrimento do princípio monárquico).
A Carta relega para o seu último artigo os direitos fundamentais, conferindo-lhe um
menor relevo sistemático. No entanto, descobre-se nela um maior equilibro entre liberdades e
garantias.
Aos três poderes vindos do século XVIII (legislativo, executivo e judicial), a Carta
Constitucional de 1826 acrescenta um quarto poder – o moderador. E tal como está previsto
no seu artigo 71º, “o poder moderador é a chave de toda a organização política e compete
privativamente ao Rei” (a Carta tornar-se-ia, na prática, uma Constituição factícia (que é só
aparente), em virtude das importantes inflexões normativas que sofreram o princípio
monárquico e o poder moderador, que surge aqui previsto). O objetivo era encontrar um
poder verdadeiramente neutro, mas este acabou por se traduzir numa concentração deste no
monarca, já que além dele, possuía também o poder executivo.
Sublinhe-se que o poder moderador foi teorizado por Benjamin Constant e havia já
sido previsto na Constituição Brasileira de 1824. Dele resultam poderes extraordinários para o
monarca, como por exemplo a nomeação e convocação de Cortes, o poder de sancionar os
decretos aprovados pelas Cortes, a nomeação e demissão de Ministros, entre outros.
Ao lado do Rei surge um Parlamento bicameral, constituído pela Câmara dos Pares
(eletiva por sufrágio censitário e indireto) e a Câmara dos Deputados (hereditários e vitalícios).
A prática da Carta inclinar-se-ia para uma orleanista de responsabilidade política dos Ministros,
simultaneamente perante o Rei e perante as Cortes.
Ressalve-se ainda que esta foi alvo de três Atos Adicionais - o de 1852, o de 1855 e o
de 1907 -, um decreto ditatorial em 1895 e uma proposta de lei de reforma, em 1900, mas que
não chegou a ser aprovada.

Constituição de 1838
Foi a única Constituição liberal a apresentar uma vigência contínua. Entra em vigor em
1838 até 1842
A Constituição de 1838 resulta do acordo entre as Cortes e o monarca e é um dos
textos mais aperfeiçoados, técnica e literariamente. Em virtude de resultar de um acordo, é
uma constituição pactícia, o que se encontra desde logo patente no seu preâmbulo. É costume
dizer-se que representa uma síntese dos textos de 1822 e 1826, e tem ainda como fontes as
Constituições francesa de 1830, belga de 1831 e a brasileira e espanhola de 1837.
Quanto ao seu conteúdo é considerada como uma Constituição compromissória, pois
tenta chegar a um compromisso entre as duas Constituições anteriores: há uma tentativa de
moderação da última com recurso à primeira. Reafirma a soberania nacional, restabelece o
sufrágio direto e elemina o poder moderador, embora institua uma segunda câmara (dos
Senadores). Regressa, então, à tripartição de poderes (legislativo, executivo e judicial).

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Esta Constituição volta a consagrar a matéria de direitos fundamentais num título à
parte, até mais desenvolvido e apurado, alargando o equilíbrio entre as liberdades e as
garantias.
Apresenta-se como mais clara do que os textos constitucionais anteriores, no sentido
de um possível pendor parlamentar mitigado. A eleição por sufrágio direto do Parlamento, por
um lado, e os poderes institucionais do Rei, por outro, levariam a uma monarquia
constitucional idêntica à francesa.

Constituição de 1911
Das quatro Constituições produzidas em assembleia constituinte, esta é a mais
rapidamente elaborada, e estabelece uma nova forma de Governo (República) – esta é a única
mudança em termos estruturais comparativamente à Constituição de 1822.
A Constituição de 1911 pretende levar até às últimas consequências os princípios de
1820-1822, vendo na república a mais perfeita expressão dessas ideias, tentando recuperar os
valores e a estrutura constitucional do texto de 1822.
Também aqui se confere um título único para os direitos e garantias individuais e não
se consagra o sufrágio universal e o sufrágio censitário desaparece por algum tempo.
Estabelece-se o serviço militar obrigatório para todos os portugueses, cada qual segundo as
suas aptidões. Não se prevê o direito de greve.
A constituição de 1911 prevê uma forma de estado unitário.
Utiliza-se pela primeira vez a expressão “Constituição da República Portuguesa”. Esta
considera órgãos da soberania nacional: o poder legislativo, o poder executivo e o poder
judicial, independentes e harmónicos entre si. Assim, o legislativo é exercido pelo Congresso
Bicameral (Câmara dos Deputados + Senado, ambos eletivos, mas com diferente duração,
respetivamente, 6 e 3 anos), o poder executivo pertence ao Presidente da República e aos
Ministros, sendo que o primeiro é eleito por dois terços dos votos pelo Congresso bicameral.
Em virtude do maior peso do Congresso, do apagamento do PR e da responsabilidade
política dos Ministros perante as Câmaras, este sistema de governo diz-se parlamentar de
assembleia ou parlamentar atípico. Reduz-se assim o Presidente a uma figura representativa
com poucos poderes de intervenção, não podendo sequer dissolver o parlamento ou vetar leis,
deslocando-se o centro da vida política para o Parlamento e para os diretórios partidários. Tal
veio provocar, num período de grande instabilidade, uma enorme frequência de crises,
Governo e de PR.
Por influência da Constituição brasileira mas, sobretudo, por razões internas, a
Constituição de 1911 reconhece aos tribunais uma competência de apreciação da
constitucionalidade das leis, segundo o modelo americano. Sublinhe-se que este foi mesmo o
primeiro texto constitucional europeu a prever expressamente tal competência.
Esta Constituição foi objeto de cinco leis de revisão constitucional, uma das quais
permite a passagem deste sistema de governo parlamentar a um sistema quase
presidencialista. Durante a ditadura de Sidónio Pais e a pretexto de lei eleitoral, o Governo
introduziu importantíssimas modificações constitucionais que prefiguram não só um regime de
índole corporativa, mas também a opção por um regime presidencial.
No entanto, a alteração não sobreviveu ao assassinato de Sidónio Pais, já que dois dias
depois deste, a Constituição de 1911 viria a ser reposta na íntegra.

Constituição de 1933

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O interregno entre a revolução de 1926 (“Golpe de Estado”) e a Constituição de 1933
ou “Ditadura Militar” constitui um dos mais largos intervalos constitucionais portugueses e a
génese desta Constituição, considerada uma das mais complexas e atribuladas.
Em princípio, continuou em vigor a Constituição de 1911, mas não tardariam a ser
publicados numerosos decretos com força de lei que comportariam alterações constitucionais.
O Golpe militar de 1926 parecia ter apenas como objetivos concentrar num só órgão os
poderes legislativo e executivo, mas acabou por se revelar mais ambicioso. Verifica-se um
debate político no interior do novo regime, sendo que vencem os apoiantes de Salazar, que
defendem uma nova Constituição.
Assim, entramos na fase do “Estado Novo”, com Salazar a tomar posse como Ministro
das Finanças e, mais tarde, como Chefe do Executivo. O Estado novo surge num momento de
instabilidade interna e externa, mas Salazar consegue sanar as contas orçamentais e
apresentar um equilíbrio financeiro que representa o fim do défice orçamental.

O Estado Novo caracterizava-se por ser: assumidamente antiliberal, antiparlamentar e


antidemocrático, impõe um regime autoritário na prática, já que formalmente, há sempre um
princípio de livre nomeação dos titulares de cargos políticos previsto na Constituição e as
liberdades são postas em causa, mas não destruídas.

Os objetivos do Estado Novo são:


 a consagração dos direitos sociais, apesar dos direitos, liberdades e garantias
poderem ser restringidos sem observância de quaisquer condições
 limitação do regime corporativo pela ideia de unidade moral e bons costumes
que cabe assegurar ao Estado
 estrutura piramidal de organização política. Há um tríplice compromisso –
entre liberalismo e autoritarismo, entre democracia e nacionalismo e entre
república e monarquia.

A Constituição de 1933 inclui os territórios de África e Ásia no âmbito do território


nacional, não admitindo a possibilidade de separação desses, preconizando uma ideia de
inalienabilidade do ultramar associada à sua unidade com a metrópole.

Forma de Estado: a Constituição de 1933 prevê uma República unitária (art.º 5), em
vez de um estado composto.

O traço que se pretende mais original da Constituição é o corporativismo, inspirado no


modelo italiano, tomado como forma de organização social e de organização política, e ao qual
se ajuntam elementos finalísticos por influência do integralismo lusitano, da doutrina social da
Igreja, do socialismo catedrático e da Constituição de Weimar.
Enquanto forma de organização social, o corporativismo recorta-se através de uma
ordem económica e social. Como forma de organização política, visa a participação das
sociedades primárias no poder, considerando que o cidadão deve integrar-se numa
organização e só assim tem o direito de sufrágio.
As estruturas corporativas existentes são as famílias, as freguesias, a Câmara Nacional
Corporativa e o Presidente da República (mantém-se a regra de inelegibilidade, tem de ter
mais do que 35 anos). Em suma, a ideia de Constituição subsiste como base da ordem jurídica
e fundamento da legalidade dos governantes pelos seus atos.
Se o objetivo do Estado Novo é a implantação do Corporativismo, há autores que
defendem que este não é claramente concretizado na Constituição, e que na prática não é
alcançado plena e completamente.

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O Estado Novo tem por base uma estrutura piramidal da sociedade, procurando uma
via média entre o idealismo liberal e a organização marxista que visa a inserção nos sindicatos
como via para a participação política. O específico da conceção de Salazar sobre a organização
constitucional seria a ideia de um Estado representativo sem partidos, assente, por um lado,
numa postura orgânico-corporativa sobre a essência da nação e sobre o papel do cidadão e,
por outro lado, numa crítica radical aos malefícios do sistema de partidos. Defende que a luta
partidária desgasta o individuo e que, portanto, se deve acabar com eles (estrutura
apartidária).
A Constituição consigna como órgãos de soberania o Chefe de Estado, a Assembleia
Nacional (à qual pertence o poder legislativo), o Governo (esta é a primeira Constituição que o
consagra como órgão autónomo) e os tribunais. As novidades consistem no abandono do
termo “poderes do Estado”, no uso da designação “Chefe de Estado” a par da de PR e na
autonomização do Governo.
O Chefe de Estado é eleito por sufrágio direto e, a partir de 1959, por sufrágio indireto,
após o susto apanhado nas presidenciais de 1958 com Humberto Delgado. A Assembleia
Nacional tem noventa deputados eleitos por sufrágio direto por quatro anos (existem eleições
por adesão ou ratificação, na medida em que não há livre escolha, pois os cidadãos apenas
confirmam uma escolha já efetuada). O Governo é formado pelo Presidente do Conselho e
pelos Ministros, sendo aquele nomeado e demitido pelo PR. Como órgãos auxiliares instituem-
se um Conselho de Estado e uma Câmara Corporativa (visava representar as corporações,
defendendo os interesses das autarquias locais). A Constituição repudia a separação de
poderes liberal.

O sistema de governo de 1933, se não é evidentemente parlamentar, tão pouco pode


qualificar-se de presidencial, devendo antes qualificar-se como “representativo simples de
chanceler”. Isto porque a pluralidade de órgãos governativos fica encoberta pela concentração
de poderes no Chefe de Estado e porque o PR não governa e está acompanhado de um
governo com competência própria e não pode agir sem o Presidente do Conselho de Ministros
(PCM). O PCM constitui a figura preponderante do regime, apesar de constitucionalmente ser
o PR – isto deve-se a uma razão política (que se prende diretamente com a ideologia do
regime) e a uma razão jurídica (visto que o PCM referenda todos os atos do PR).

Marcelo Rebelo de Sousa considera que a União Nacional (1933 a 1970) e a Ação
Nacional Popular (1970 a 1974) foram partidos únicos. Por outro lado, outros autores
consideram que estes não foram partidos únicos, nem verdadeiros partidos. Consideram que
estras estruturas eram auxiliares das eleições em Portugal, não correspondendo à ideia de
partido político, já que não há:
 permanência para além do ato eleitoral
 um objetivo definido como conquista do poder político, servindo antes para
apenas manter o poder
 uma base de filiados/apoio popular – é uma organização pensada de cima para
baixo e não de baixo para cima

Na sua longa duração, a Constituição de 1933 viria a ser objeto de nove leis de revisão
constitucional que modificaram o sistema em cinco momentos ou épocas: em 1935-1938,
1945, 1951, 1959 e 1971.

Em 1935-1938 e 1945, por ser dominante o antiparlamentarismo, reduz-se a força da


Assembleia Nacional, em contraste com a ampliação dos poderes do Governo (e, aqui, do
Presidente do Conselho) e da Câmara Corporativa.

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Em 1951 verifica-se um certo equilíbrio e a Assembleia desenvolve algumas
virtualidades que a Constituição que abre, quanto à reserva de competência legislativa e
ratificação de decretos-leis. Entretanto, começa a colocar-se o problema da eleição
presidencial, o que leva a estabelecer, como garantia do regime, o requisito de idoneidade
política dos candidatos ao cargo.
Esta preocupação é tão evidente que, em 1959, ofusca outras preocupações
igualmente sentidas. A revisão deste ano fica assinalada pela mudança no modo de eleição do
Presidente. A eleição passa a ser feita através de sufrágio indireto e orgânico (colégio eleitoral
restrito), e não por ter aditado à reserva da Assembleia Nacional, órgão de eleição direta dos
cidadãos, a competência para legislar sobre as mais importantes liberdades públicas.
Já em 1971, a proposta de lei de revisão orienta-se num espírito mais favorável aos
direitos fundamentais, no referente quer à sua especificação, quer à sua regulamentação.
Define ainda as províncias ultramarinas como regiões autónomas.
Por fim, interessa dizer que há um desfasamento entre a Constituição de 1933 e a
prática. Relembrando Karl Loewenstein, quanto à relação entre as previsões da Constituição
(norma constitucional) e a realidade constitucional, podem encontrar-se:
 Constituições normativas: o texto da Constituição corresponde à prática, pelo que há
um poder efetivo da primeira na regulação da realidade
 Constituições nominais: o grau de vinculação ou correspondência entre a Constituição
e a realidade é mais ténue (há desvios, mas não muito significativos)
 Constituições semânticas: em que há um total desfasamento entre o que a
Constituição prevê e a praxis constitucional.

Quanto à Constituição de 1933, há alguns autores que a consideram normativa, e


outros que a consideram semântica.

Constituição de 1976
 25 de abril de 1974 – Revolução/Golpe de Estado
 1974 a 1976 – PREC (Processo revolucionário em curso e processo revolucionário e
constituinte)
 11 de março de 1975 – tentativa de golpe
 13 de abril de 1975 – 1ª plataforma de Acordo Constitucional, o chamado, Pacto
MFA/Partidos (resulta do 11 de março)
 25 de abril de 1975 – eleição da Assembleia Constituinte, que era obrigação do
programa do MFA apresentado em abril de 1974 com o objetivo da elaboração da
Constituição
 25 de novembro de 1975 – contragolpe
 26 de fevereiro de 1976 – 2ª plataforma de Acordo Constitucional MFA/Partidos
 2 de abril de 1976 – aprovação da Constituição
 25 de abril de 1976 – entrada em vigor da Constituição

O processo que havia de conduzir à Constituição de 1976 partiu da ideia de direito


invocada pela revolução de 25 de Abril de 1974. Essa ideia de direito revelou-se claramente
nas proclamações e nos atos concretos do Movimento das Forças Armadas (MFA) e veio a ter
uma consagração formal no programa das Forças Armadas, considerada uma pré-constituição.
Mas a legitimidade revolucionária teve igualmente como ponto de referência a DUDH,
citada mais de uma vez pelos órgãos do poder revolucionário e cujo império havia de
contrastar com o regime autoritário do qual o país tinha saído.

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Das proclamações difundidas no próprio dia 25 de Abril de 1974 e do programa do
MFA logo constou o anúncio público da convocação, no prazo de doze meses, de uma
Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio universal direto e secreto, segundo a lei
eleitoral a elaborar pelo futuro Governo Provisório. Estabeleceu-se ainda que, logo que a
Assembleia Legislativa e o PR fossem eleitos pela Nação, a ação das Forças Armadas seria
restringida à sua missão específica de defesa da soberania nacional.
Mas três circunstâncias particulares viriam a assinalar o processo que se desenrolaria
até à Constituição:
1) Turbulência dos dois anos entre a revolução e a Constituição, derivada de
condicionalismos de várias ordens e traduzida, a partir de certa altura, num
conflito de legitimidades e de projetos de revolução
2) Como consequência da anterior e dos desvios que se verificaram em relação
ao programa do MFA, celebram-se duas “Plataformas de Acordo
Constitucional” entre os principais partidos políticos e o MFA (PREC – Processo
Revolucionário Constituinte, representando um órgão entretanto criado, o
Conselho da Revolução) para predeterminar alguns pontos importantes da
futura Lei Fundamental.
3) Pluralismo partidário que brotou no país e que se manifestou na Assembleia
Constituinte, sem que houvesse maioria de qualquer partido ou coligação e
tendo cada um dos seis partidos aí com assento apresentado o seu próprio
projeto de Constituição.

Destas circunstâncias resultaria uma Constituição elaborada muito sobre o


acontecimento, simultaneamente sofrendo o seu influxo e reagindo e agindo sobre o ambiente
político e social, bem como sobre a limitação do debate e da decisão efetiva da Assembleia
Constituinte, pelo confronto ideológico em que esta se moveu e pela índole de compromisso
(Constituição compromissória, mas não pactícia) do texto votado.
No processo constituinte desenrolaram-se três fases fundamentais: uma fase de
sistematização, uma fase de elaboração e aprovação das disposições dos diferentes títulos e
capítulos e do preambulo; e uma fase de redação final e aprovação global.
Sublinhe-se ainda que a data da Constituição não é a da sua publicação, mas a da sua
aprovação – procurou-se realçar o exercício então verificado pelo povo através da Assembleia
Constituinte. A Constituição atual é, portanto, de 2 de Abril de 1976 (data da sua aprovação).
Esta foi publicada em 10 de Abril do mesmo ano, entrou em vigor a 25 de Abril e em 14 de
Julho entrou em funcionamento o seu sistema de órgãos de soberania.
A Constituição de 1976 é a mais vasta e complexa de todas as Constituições
portuguesas: por receber os efeitos do denso e heterogéneo processo político do tempo da
sua formação, por aglutinar contributos de partidos e forças sociais em luta, por beber em
diversas ideologias internacionais e por refletir a anterior experiência constitucional do país.
Esta tem como fundamentos a democracia representativa e a liberdade política.
Admite, porém, e por força do pacto MFA-Partidos, a subsistência até à primeira revisão
constitucional de um órgão de soberania composto por militares – o Conselho da Revolução.
É uma Constituição garantia e, ao mesmo tempo, uma Constituição prospetiva. Por
força do regime autoritário derrubado em 1974 e do que foram ou poderiam ter sido os
desvios de 1975, é uma Constituição muito preocupada com os direitos fundamentais dos
cidadãos e dos trabalhadores e com a divisão do poder. Todavia, surgida em ambiente de
repulsa do passado próximo e em que tudo parecia possível, procura vivificar e enriquecer o
conteúdo da democracia.

42
Esta é uma Constituição pós-revolucionária e compromissória, traduzindo um
compromisso histórico, como resultado das várias cedências entre os diversos partidos
políticos. Apresenta-se com um texto muito longo, cuja sistematização torna incontestável a
opção pelo pensamento constitucionalista, liberal e democrático, em contraste com as
conceções marxistas.
A Assembleia Constituinte discutiu qual a ordem de previsão constitucional entre a
ordem económica e os direitos fundamentais, já que algumas correntes defendiam que apenas
com uma verdadeira organização económica se garantem os direitos fundamentais. Acabou
por vencer a corrente que dava primazia à previsão de direitos, daí que estes surjam primeiro.
Quanto à organização económica, é a Primeira Plataforma de Acordo Constitucional
que está na base da discussão e votação daquela, sendo induzido um sistema socializante da
economia. Alguns autores consideram que o texto da Constituição apresentava nesta parte um
pendor mais socialista. Como não foi inteiramente cumprido, há quem fale aqui num costume
contra constitutionem (contra a constituição).
O sistema de governo de 1976 foi moldado com a preocupação maior de evitar os
vícios inversos do parlamentarismo de assembleia da Constituição de 1911 e da concentração
de poder da Constituição de 1933, e tendo como pano de fundo a situação institucional pós-
revolucionária. Aproximou-se assim de um governo semipresidencial. Não se optou por um
regime parlamentar porque quando este esteve em vigor, introduziu a instabilidade com
sucessivas quedas de Governo. Acresce ainda o facto de ser necessária uma tradição de debate
parlamentar e centragem do poder no Parlamento o que não existiu, já que a Constituição de
1933 havia suprimido as competências daquele. O sistema unipessoal também não foi opção
devido, em primeiro lugar, aos riscos e abusos que dele advém e, em segundo, porque a
Constituição de 1976 se baseou no programa do MFA e nas Plataformas de Acordo
Constitucional onde se explicitava que o PR haveria de ser eleito por sufrágio direto e ainda se
previa também a existência do Conselho de Revolução.
Neste sentido, os órgãos de soberania na versão originária da Constituição de 1976 são
os seguintes:
 Presidente da República
o Também presidente do Conselho da Revolução
o Mesma legitimidade politico-eleitoral da AR
o Eleito por sufrágio direto

 Assembleia da República
o Parlamento unicameral
o Mesma legitimidade politico-eleitoral do PR
o Eleita por sufrágio direto
 Governo
o Órgão de condução da política geral do país
o Órgão autónomo
o Conselho da Revolução
o Condiciona os principais atos do PR
o Competências consultivas em matéria de dissolução da AR e de declaração de
Estado de sítio ou emergência

Um dos aspetos mais inovadores e interessantes da Constituição de 1976 encontra-se


na consideração da democracia como democracia descentralizada, particularmente no âmbito
da descentralização territorial. Assim, o Estado português contínua unitário, sem embargo de

43
ser também descentralizado, ou seja, capaz de distribuir funções e poderes de autoridade por
comunidades, outras entidades e centros de interesse existentes no seu seio.
Se a Constituição trouxe a estabilização política segundo um modelo institucional
idêntico ou análogo ao das democracias ocidentais, a sua entrada em vigor não significou o
consenso constitucional do país. Pelo contrário, desde o início, o debate à volta da
Constituição assumiu o relevo inédito. Assim, interessa aludir às revisões de que foi alvo a
Constituição de 1976:
1º - Revisão de 1982: bastante extensa, trouxe modificações à maior parte das
disposições constitucionais. O preambulo não foi, porém, alterado. As principais
alterações foram as seguintes:
o Redução das marcas ideológico-conjunturais vindas de 1975, em particular, a
supressão das referências ao socialismo em todos os artigos, salvo no 2º
o Aperfeiçoamento dos direitos fundamentais e clarificação da Constituição
económica numa linha de economia pluralista
o Extinção do Conselho da Revolução, pois há uma necessidade de distribuição
das competências, e o termo das funções políticas das Forças Armadas
o Repensar das relações entre o PR, a AR e o Governo, com reflexos no sistema
político, e a criação do Tribunal Constitucional.
 Consequências:
 Aproximação ao sistema semipresidencial no sentido estrito
do termo e criação de dois novos órgãos: o Tribunal
Constitucional e o Conselho de Estado (função consultiva)

2º - Revisão de 1989: Os resultados da revisão anterior foram considerados insuficientes,


daí que surgisse uma nova revisão. Centrada na organização económica, as suas
principais alterações foram:
o Supressão quase completa das menções ideológico-proclamatórias que ainda
restavam após 1982
o Aprofundamento de alguns direitos fundamentais
o Supressão da regra da irreversibilidade das nacionalizações posteriores a 25
de Abril de 1974 e, em geral, aligeiramento da parte da organização
económica
o Reformulação parcial do sistema de atos legislativos
o Introdução do referendo político a nível nacional, embora em moldes muito
prudentes
o Modificação de três alíneas do artigo respeitante aos limites materiais da
revisão constitucional

3º - Revisão de 1992: a assinatura, em 7 de Fevereiro de 1992, em Maastricht, de um


tratado institutivo de uma “União Europeia”, conduziria a uma terceira revisão da
Constituição, tendo em conta a desconformidade de algumas das suas cláusulas com
normas constitucionais. As principais alterações, absolutamente cirúrgicas, têm que
ver com uma adaptação da Constituição ao tratado, nomeadamente através da
consagração de disposições internacionais

4º - Revisão de 1997: ao contrário do que se esperava, logo em 97 surge uma nova


revisão que se traduziu no seguinte:
o Desenvolvimento da matéria dos direitos fundamentais e das
correspondentes incumbências ao Estado

44
o Reforço dos mecanismos de participação dos cidadãos no processo
político, podendo estes agora apresentar propostas de lei à AR e propostas
de referendo
o Alargamento do sistema de atos legislativos
o Reforço do Tribunal Constitucional
o Entre outras

5º - Revisão de 2001: resulta do tratado constitutivo do Tribunal Penal Internacional,


assinado em Roma em 1998. A Constituição foi então revista para permitir a ratificação
desse tratado, visto que algumas das suas cláusulas eram ou poderiam ser consideradas
discrepantes de diversas normas constitucionais. Foram ainda introduzidas algumas novas
regras quanto à concessão de direitos e restrição de direitos militares, por exemplo.

6º - Revisão de 2004: teve, supostamente, como pretexto, a adaptação a um tratado de


aprovação de uma Constituição europeia, antecipando-se, no entanto, a tal aprovação.
Por outro lado, e verdadeiramente, introduziu uma verdadeira revolução no que diz
respeito à autonomia legislativa regional, em termos que, de alguma forma, alteraram o
conceito de unidade de Estado ou de ordenamento jurídico.

7º - Revisão de 2005: essencialmente determinada pela vontade de permitir o referendo


do Tratado Constitucional Europeu.

A Constituição de 1976 recebe:

 Formalmente:
o Declaração Universal dos Direitos do Homem: este art.º 16 n.º2 da CRP não é
uma receção material. Não sujeita os artigos ou proposições da Declaração
Universal aos quadros da Constituição; conjuga sim, a Constituição com a
Declaração Universal no domínio dos direitos fundamentais, fazendo-a
participar e depender do seu espírito numa necessária harmonia valorativa. É
uma norma de receção formal.
o Princípios cooperativos: quais são esses princípios? A Constituição não os
enuncia, nem indica a sua sede ou um texto donde constem. Contudo, a
doutrina, a jurisprudência e a prática entendem que ela tem em vista os
princípios cooperativos comummente (de modo comum) aceites, proclamados
pela Aliança Cooperativa Internacional e acolhidos entre nós ao longo de uma
experiência e de uma tradição cooperativista. Poder-se-á então admitir que,
ao aludirem a princípios cooperativos, aqueles preceitos constitucionais
procedem, ainda eles, a uma receção – e, mesmo a uma receção formal (se
bem que não totalmente similar à da Declaração Universal).
 Materialmente: Leis 8, 16, 18/75, Lei 1/76

04/11/2019 - A organização sistemática da CRP de 1976: ficha de orientação

45
Sistematização da Constituição:

 Princípios Gerais
 Parte I – Direitos Fundamentais
 Parte II – Organização Económica
 Parte III – Organização Política
 Parte IV – Garantia da Constituição

Indique os artigos da CRP onde se encontra a referência a:

 Regime: Democrático - art.º 2 “A República Portuguesa é um Estado de direito


democrático (…)”
o Derivações pontuais no art.º 48 ou no art.º 109
 Forma de Estado: Unitário - art.º 6 “O Estado é unitário (…)”
 Sistema de Governo: Semipresidencial - art.º 190 “O Governo é responsável perante o
Presidente da República e a Assembleia da República.”
 Forma de governo: República - art.º 1 “Portugal é uma República soberana (…)”
 Número e designação dos órgãos de soberania: o Presidente da República, a
Assembleia da República, o Governo e os Tribunais - art.º 110
 Acolhimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos: art.º 16 n.º2
 Princípio da separação de poderes: art.º 111
o art.º 2 (não é completamente correto porque fala enquanto parte integrante
do Estado de Direito)
 Símbolos nacionais: art.º 11
 Titularidade de direitos: art.º 12 (intérprete avalia o que faz ou não sentido em termos
relativos)
 Cidadania: art.º 4 “São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam
considerados pela lei ou por convenção internacional”
 Tarefas fundamentais do Estado: art.º 9
 Declaração de Estado de sítio e Estado de emergência: art.º 19
o Estado de sítio: aplica-se a situações de maior gravidade
o Estado de emergência: aplica-se a situações de menor gravidade que o Estado
de sítio (a ideia de gravidade cabe ser avaliada pelo presidente da república)
o Ambos têm os mesmos fundamentos
 Princípios da proporcionalidade e da proteção da confiança: art.º 2, sendo um Estado
de direito democrático, onde se cumpre a lei, existe o princípio da proporcionalidade e
o princípio da proteção da confiança.
o Três vetores do princípio da proporcionalidade:
 Necessidade
 Adequação
 Proibição do excesso (art.º 272)
 Não retroatividade da lei penal: art.º 29 n.º4
o art.º 292 (constitui uma exceção)
 Autonomia legislativa regional:
o art.º6 “Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões
autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de
governo próprio”

46
o art.º 227 n.º1 alíneas A, B e C
o art.º 228
 Soberania: art.º 3 “A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce
segundo as formas previstas na Constituição.”
 Princípio da constitucionalidade: art.º 3 “O Estado subordina-se à Constituição e
funda-se na legalidade democrática”
 Domínio público: art.º 84 “Pertencem ao domínio público (…)” (Ex: estradas, linhas
férreas, águas territoriais, jazigos minerais, etc.”
 Tipos de autarquias locais: art.º 236 “Categorias de autarquias locais e divisão
administrativa
o “No continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as
regiões administrativas”
o “As regiões autónomas dos Açores e da Madeira compreendem freguesias e
municípios”
 Referendo: art.º 115

05/11/2019 - A organização do poder político na CRP: princípios gerais operatórios e órgãos


de soberania

PARTE III - Organização do poder político

 Art.º 108 – reafirmação da titularidade e do exercício do poder (relacionado com o


artigo 3º), “O poder político pertence ao povo e é exercido nos termos da
Constituição”
 Art.º 109 – alterado em 1997 (até 97, tínhamos o princípio da igualdade no art.º 13,
como continuamos a ter, mas sem nenhuma regra, o que acontece agora no 109º),
explicitamente dizendo que deve haver uma tendencial igualdade no que diz respeito
a homens e mulheres: “devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos
cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo acesso a cargos políticos”
 Art.º 110 – órgãos de soberania
 Art.º 111 – separação e interdependência de poderes
 Art.º 113 n.º6 – é preciso que com a dissolução de um órgão colegial, se saiba
imediatamente quando são as novas eleições. A lei eleitoral tem de ser a vigente
antes da dissolução
 Art.º 118 n.º2 – revisto em 2004, artigo que estabelece que a lei pode (não é obrigada
a) determinar limitar à renovação sucessiva de mandatos dos titulares de cargos
políticos executivos.
 Art.º 121 n.º3 – “O direito de voto no território nacional é exercido presencialmente.”
 Art.º 124 – no nº1 do artigo, estabelece-se um máximo de assinaturas (15000) para
balizar a tarefa do Tribunal Constitucional
 Art.º 129 – remissão para o art.º 132. O presidente da AR é um órgão vicário
(substituto - quando está a exercer as funções do PR)
 Art.º 132 – remissão para o 139, Atos do Presidente da República interino
o Nota:
 Pessoas coletivas têm atribuições
 Órgãos (dentro das pessoas coletivas) têm competências

47
 Art.º 140 – Referenda ministerial (na constituição de 1933, todos os atos do
presidente careciam de referenda do governo). Atualmente, só o artigos definidos no
art.º 140
 Art.º 141 – Definição de Conselho de Estado “O Conselho de Estado é o órgão político
de consulta do Presidente da República”. Este surge com a revisão de 1982, para
substituir o Conselho da Revolução.
o Nota:
 Decisões - órgãos singulares
 Deliberações – órgãos colegiais
 Art.º 148 – “A Assembleia da República tem o mínimo de cento e oitenta e o máximo
de duzentos e trinta Deputados, nos termos da lei eleitoral” - remissão para a lei
eleitoral
 Arts.º 164 e 165 - no 165º Reserva relativa de competência legislativa, a AR pode
conceder ao governo a possibilidade de legislar sobre as matérias em questão,
enquanto que no 164º Reserva absoluta de competência legislativa, em virtude de as
matérias em questão serem mais solene, só a AR pode legislar
o Art.º 227 nº1 alínea b) – legislar em matéria de reserva relativa da Assembleia
da República, mediante autorização desta (remissão art.º 165)
 Art.º 161 alínea h) – “(…) estabelecer o limite máximo dos avales a conceder em cada
ano pelo Governo”
o Nota: O avale é uma forma de garantia em relação a obrigações de terceiros.
 Art.º 171 – Legislatura: “1. A legislatura tem a duração de quatro sessões legislativas”.
Para mais informações sobre as sessões legislativas remete-se para o art.º 174
 Art.º 174 n.º3 – “Fora do período indicado no número anterior, a Assembleia
República pode funcionar por deliberação do Plenário, prorrogando o período normal
de funcionamento, por iniciativa da Comissão Permanente ou, na impossibilidade
desta e em caso de grave emergência, por iniciativa de mais de metade dos
Deputados” remissão para o art.º 179 – Comissão Permanente
 Art.º 198 nº1: matéria concorrencial define-se por exclusão de partes e é toda aquela
que não está nem nos arts.º 164, 165, 198 n.º2
 Art.º 198 n.º2 – “É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria
respeitante à sua própria organização e funcionamento” remissão para art.º 183 n.º3

19/11/2019 - A Parte I da CRP: Referência aos direitos fundamentais; Regime comum dos
direitos fundamentais a) Princípio da universalidade b) Princípio da igualdade c) Princípio do
acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva d) Referência ao direito de resistência e à
responsabilidade das entidades públicas e) Proteção internacional dos direitos
fundamentais: introdução, enquadramento geral e remissão.

Introdução aos Direitos Fundamentais


Os direitos fundamentais são posições jurídicas subjetivas que correspondem a uma situação
de vantagem. Estes estão previstos na 1ª parte da CRP:

a) Princípios Gerais (art.º 12 a art.º 23)


b) Direitos, Liberdades e Garantias (art.º 24 a art.º 57)
1. Pessoais (art.º 23 a art.º 47)
2. Participação política (art.º 48 a art.º 52)

48
3. Dos trabalhadores (art.º 53 a art.º 57)
c) Direitos Económicos, Sociais e Culturais (art.º 58 a art.º 79)
1. Económicos (art.º 58 a art.º 62)
2. Sociais (art.º 63 a art.º 72)
3. Culturais (art.º 73 a art.º 79)

Estes direitos fundamentais correspondem ao acervo de direitos que a nossa


constituição elenca. Todos estes direitos fundamentais se submetem ao artigo 1º que prevê a
dignidade da pessoa humana – prevê direitos fundamentais, porém, assume, igualmente um
caráter limitador dos mesmos.

Doutrina Tradicional aplicável ao regime dos Direitos Fundamentais (só depois se falará de
uma nova teoria, que envolve uma compreensão plena da doutrina tradicional):

 Direitos Fundamentais – regime comum, que se aplica a qualquer direito fundamental


(seja ele DLG ou DESC).
 Temos um regime específico que se aplica apenas a um DLG.
 Temos um regime específico que se aplica apenas a DESC.

Perante um DLG ou perante um DESC, aplicamos o regime comum mais o regime específico.

Regime comum dos direitos fundamentais: O regime comum dos Direitos Fundamentais
aplica-se a qualquer direito, uma vez que abrange os Direitos, Liberdades e Garantias e os
Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

 Artigo 12º (Princípio da universalidade)


1. “Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres
consignados na Constituição.” - Ideia de que a cidadania corresponde à base pessoal
de atribuição deste reconhecimento de direitos. O Estado não concede direitos aos
cidadãos, mas sim, reconhece-os através do vínculo jurídico da cidadania (os Direitos
Fundamentais não resultam de uma concessão do Estado, mas sim de um
reconhecimento – a cidadania é um vínculo jurídico e, com base nesse vínculo, o
Estado reconhece a todos os cidadãos o mesmo conjunto de Direitos, dentro do
ordenamento jurídico)

2. “As pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres
compatíveis com a sua natureza” - Cláusula de numeração geral dirigida às pessoas
coletivas, aplicando-lhes os direitos fundamentais desde que sejam compatíveis com a
sua natureza. (Ex: o direito à vida não pode ser aplicado a uma pessoa coletiva, mas o
direito à defesa da honra pode).
o Art.º 14 – este artigo diz que os cidadãos que estão no estrangeiro são
abrangidos pelo princípio da universalidade. Mostra que a cidadania é um
vínculo jurídico além-fronteiras, e que se um cidadão português estiver no
estrangeiro goza da proteção do Estado para o exercício dos direitos e
estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis com a ausência do
país.
o Art.º 15 - aplica-se a cidadãos não portugueses que estejam dentro do
território nacional.
o N.º 1 – a isto chama-se princípio da equiparação. Equiparar os
cidadãos estrangeiros que se encontrem ou residam em Portugal

49
com os cidadãos portugueses. “(…) gozam dos direitos e estão
sujeitos aos deveres do cidadão português”.

 Artigo 13º (Princípio da igualdade)


Este princípio não diz que todos são iguais, mas sim que todos são iguais
perante a lei. Não há qualquer proibição de discriminação na CRP, aliás, em alguns
casos a CRP impõe uma discriminação positiva, por exemplo, no caso dos cidadãos
portadores de deficiência. O que a constituição proíbe são as discriminações não
fundamentadas.
É importante notar que há uma diferença entre discriminação positiva e
privilégio. Um privilégio é uma espécie de discriminação positiva sem fundamento
constitucional, o que explica o combate à sua existência. A discriminação positiva tem
um fundamento constitucional e relaciona-se com tratar de forma desigual o que é
desigual e de forma igual o que é igual.
A igualdade prevista neste artigo é geométrica, não é aritmética. Isto significa
que é uma igualdade relativa à progressão das situações de tratamento diferenciado.
Este artigo é uma combinação entre a justiça comutativa e a justiça distributiva de
Aristóteles. É importante notar que não se prevê um direito de igualdade, mas sim um
princípio de aplicação genérica a todos os direitos fundamentais.

 Artigo 16º (Âmbito e sentido dos direitos fundamentais)


1. “Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem
quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis do direito
internacional.” - é princípio da cláusula aberta ou da não tipicidade dos
direitos fundamentais (não há taxatividade, ou seja, não está limitado), que
constitui uma manifestação de humildade da parte do legislador
constituinte. Este princípio diz-nos que podemos encontrar outros direitos
fora da CRP, nomeadamente a nível do Direito Português, Direito
Internacional ou a nível do exterior da parte I da CRP.
2. “Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais
devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração
Universal dos Direitos do Homem” - Parâmetro de interpretação e
integração ligado à Declaração Universal dos Direitos do Homem, num caso
de dúvida aquando da interpretação dos direitos fundamentais. Este n.º 2 é
uma receção formal.

 Artigo 20.º - Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva


1. “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus
direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser
denegada por insuficiência de meios económicos.” - É uma garantia de
jurisdição efetiva em termos de justiça material da decisão e de celeridade, de
modo a atingir-se justiça e segurança.
 Hannah Arendt dizia que o direito de acesso ao Direito e aos tribunais
é uma forma de tutelar os direitos fundamentais, logo é o direito mais
importante de todos. Se esse direito processual não existir, a
titularidade dos meus direitos fica desprotegida.

50
 Convém referir que os meios de tutela dos direitos fundamentais não
se esgotam em meios de tutela jurisdicional. Existem meios de tutela
jurisdicional como, por exemplo, os previstos nos artigos 20.º (acesso
ao Direito e aos tribunais) e 268.º n.º 2 (justiça administrativa). Nos
termos do artigo 271.º e do artigo 22.º, é também possível intentar
ações de responsabilidade contra o Estado: é estabelecida uma
responsabilidade solidária, sendo que se das funções do Estado
resultar alguma lesão para o particular, o Estado é responsável e os
seus funcionários também. Como tal, o lesado pode exigir essa
responsabilização ao Estado ou ao funcionário, pois são
solidariamente responsáveis pela lesão. (Ex: Eu sofri um dano. Tanto o
Estado como o funcionário são responsáveis, ou seja, tanto posso demandar
o Estado como posso demandar o funcionário. Enquanto lesado posso exigir a
responsabilidade tanto a um como a outro. Para mim lesado não tenho que
estar à espera que o Estado vá buscar o dinheiro ao funcionário. Posso ir
diretamente ao Estado)
Para além disso, existem meios de tutela não-jurisdicional, como o
Provedor de Justiça previsto no artigo 23.º (figura que não está ligada
aos tribunais, alguém que não tem poder vinculativo e decisório mas
funciona como uma plataforma de distribuição das queixas dos
cidadãos), como o direito de petição (artigo 52.º), como os direitos de
salvaguarda quanto à utilização informática (artigo 35.º), o direito de
informação (artigo 268.º, nomeadamente ao arquivo aberto, previsto
no n.º2 do mesmo artigo), o direito à resistência (artigo 21.º,
proveniente de Thomas Hobbes, diz-nos que o cidadão tem o direito
de não cumprir uma determinada ordem), direito a um procedimento
justo por parte da administração (artigo 267.º).

2. Casos de tutela jurisdicional internacional:

Organizações Instrumento jurídico Tribunal


Conselho da Europa (criado Convenção Europeia dos Tribunal Europeu dos
em 1949 com o Tratado de Direitos do Homem (1950) direitos do Homem
Londres) (Estrasburgo)
União Europeia (1992 - Carta dos direitos Tribunal de Justiça da União
Tratado de Maastricht é que fundamentais da União Europeia (Luxemburgo)
dá o nome à UE) Europeia, apesar de ser
Tratado de Roma (1957) cria anterior só ganha efeito
a CEE, CECA, EURATOM; vinculativo com o Tratado de
Lisboa de 2007
ONU (em 1945, nascida com Declaração Universal dos Tribunal Internacional de
a Carta de São Francisco) Direitos Humanos (1948) Justiça (Haia, Holanda)

No caso português, adotamos os Tribunais Nacionais, o Tribunal de Justiça da União


Europeia e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem - triângulo por vezes denominado de
“triângulo judicial bloqueado”.

51
Aparentemente, a existência de múltiplos casos de tutela pode parecer boa, no
entanto, pode criar confusão. Nem sempre a overdose de proteção jurídica é uma solução,
podendo antes ser um problema.
Ao nível dos direitos fundamentais, quando se fala no panorama internacional, falamos
de Direitos Humanos (duas esferas DF e DH quase coincidentes).

DF DH

25/11/2019 - Regime específico dos direitos, liberdades e garantias a) Regime material b)


Aplicabilidade direta e vinculação de entidades públicas e privadas b) Regime orgânico c)
Limites materiais de revisão. Situações de concorrência e acumulação, conflitos e colisão. Em
especial: a restrição - regime e requisitos. A suspensão. Distinção de outras figuras de
afectação de direitos. Restrição acrescida de direitos: os artigos 270º e 164ºo) da CRP.

Regime específico dos Direitos, Liberdades e Garantias


Este encontra-se, essencialmente, no artigo 18º da CRP que, no número 1º consagra a
aplicabilidade direta (na primeira parte) e a vinculação (na segunda) e no número 2 e 3 dispõe
as restrições aos direitos, liberdades e garantias.

Regime material específico (art.º 18 – Força jurídica)

Aplicabilidade direta dos preceitos constitucionais respeitantes aos


DLG, “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades
e garantias são diretamente aplicáveis (…)”

Há, efetivamente, uma aplicabilidade direta dos direitos, liberdades e


garantias, visto que só e apenas estes podem ser invocados
diretamente pelos cidadãos particulares. A força dos preceitos (força
de dever ser) extrai-se diretamente da CRP, sem necessidade da
interposição de um legislador ordinário, ou seja, sem ser necessário
que um legislador explicite o significado do direito.

Art.º 18 n.º 1

Vinculação de entidades públicas e privadas, “(…) e vinculam as


entidades públicas e privadas.”

A segunda parte do artigo estabelece a quem se dirigem. Assim, são


destinatários dessas normas:

1) Entidades públicas, seja qual for a sua natureza e seja qual for a
sua forma de atuação, e não apenas o Estado. São destinatários
todos os órgãos de poder, e não apenas os do poder legislativo.
A propósito das entidades públicas pode-se falar de:
o Eficácia vertical: diz respeito à aplicabilidade desses
direitos como limites à atuação dos governantes em
favor dos governados, numa relação vertical entre o
Estado e o indivíduo, como uma forma de proteção das

52
liberdades individuais (direitos fundamentais de
primeira geração) e de impedir a interferência estatal
na vida privada. Desta forma, os direitos fundamentais
eram vistos como liberdades e garantias, ou seja,
direitos de defesa do indivíduo perante o Estado. A
aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre
o particular e o poder público não se discute.
2) Entidades privadas, sendo que não estão aqui em causa
direitos nas relações entre os particulares nem direitos que
apenas podem ter por destinatário passivo o Estado. Trata-se,
sim, de direitos que incidem ou podem incidir tanto nas
relações com entidades públicas quanto nas relações com
particulares. Trata-se ainda de direitos que, tendo surgido
historicamente frente ao Estado, podem adquirir também
sentido frente a particulares. Relativamente às entidades
privadas pode-se falar de:
o Eficácia horizontal: também designada por eficácia
perante terceiros, efetua-se a propósito de direitos que,
tendo surgido primeiramente frente ao Estado, podem
adquiri também sentido face aos particulares. Aqui, há
relações bilaterais sobre as quais se projetam ou em
que podem ser afetados especificamente certos
direitos, liberdades e garantias. Aqui os destinatários
dos preceitos constitucionais são os particulares.
Inicialmente, esta eficácia horizontal era negada, uma
vez que os DLG eram vistos como trunfos face ao
Estado e às entidades públicas.

Regime orgânico (Art.º 18 n.º 2)


Na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP (Reserva relativa de competência
legislativa), estabelece-se que os DLG são matéria de reserva relativa de competência
legislativa (uma norma geral).
Existem ainda regras específicas e especiais como as alíneas h) e i) do artigo 164.º
(associações e partidos políticos, bases do sistema de ensino)

Limites materiais de revisão


Os DLG estão previstos na alínea d) do artigo 288.º (Limites materiais da revisão) como
inalteráveis por qualquer revisão.
Embora possa parecer estranho a alínea d) do 288.º terminar com “dos cidadãos”, esta
menção é interpretada como uma forma do legislador constituinte se referir aos direitos dos
cidadãos enquanto pessoas individuais ou então uma forma do legislador deixar claro que o
limite material de revisão é o reconhecimento de direitos a cidadãos nacionais (pode-se deixar
cair o princípio da equiparação).
Outra questão relativa à alínea d) do artigo 288.º diz respeito ao facto de os DLG
integrarem os direitos dos trabalhadores [Capítulo III) e a alínea e) do 288.º faz referência, de
novo, aos direitos dos trabalhadores. A diferença é que na alínea d) estão protegidos os DLG

53
dos cidadãos e na e) estão protegidos os direitos dos trabalhadores a nível de organização
económica (Parte II)].

Requisitos de restrição de DLG (n.º 2 e n.º 3 do artigo 18.º)


O n.º 2 e n.º 3 do artigo 18º da Constituição refere-se às restrições dos direitos,
liberdades e garantias.
Aqui, quanto à forma, apenas a AR pode legislar sobre esta matéria, bem como o
Governo mediante autorização da AR (artigo 165º n.º1, alínea b) através de Decreto-lei
autorizado.
Quanto ao conteúdo, destacam-se cinco pressupostos: tem de haver uma autorização
expressa da Constituição; devem as restrições limitar-se ao necessário (princípio da
proporcionalidade); caráter geral e abstrato; sem efeitos retroativos; e salvaguarda do núcleo
essencial. Ressalve-se que o número 2 do artigo 18º consagra uma ideia de legitimidade e
necessidade.
Quanto aos direitos fundamentais, deve ainda sublinhar-se que não é admissível a
perda de direitos (artigo 30º n.º4, “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perde de
quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos.”), e que esta é diferente da restrição de
direitos (retira-se parte do exercício do direito). A restrição não tem que ver com a renúncia
voluntária dos mesmos, nem com as relações específicas do poder. Nos termos dos artigos
269º e 270º da CRP, aceita-se a restrição de direitos (difere apenas quanto ao requisito formal
– artigo 164º/alínea o) CRP – que prevê a matéria como integrada na reserva absoluta da AR).
A restrição de direitos, liberdades e garantias deve ser necessária para solucionar
situações de colisão (um titular com um direito e um bem social e/ou estadual), conflito (um
titular com um direito e outro titular com outro, que pode ser o mesmo ou não) ou de
concorrência (situação em que um particular se encontra protegido por mais do que um
direito previsto na Constituição).

Exemplos:
1. Dois titulares com dois direitos diferentes - “O Direito de Informação dos
jornalistas deve ceder para assegurar o direito à honra de um cidadão” – neste
caso, a liberdade de informação é restringida de modo a salvaguardar o direito
à honra, ou seja, há um conflito de direito.
2. Um titular com um direito e um bem estadual - “Liberdade de informação (…)
esperança de defesa nacional” – defesa nacional como um bem do Estado e
não como algum direito patente em nenhum artigo da CRP, logo, daqui
resulta, um caso de colisão.

Durante algum tempo entendeu-se que estas situações de colisão e conflito poderiam
ser resolvidas através de um critério de prevalência hierárquica (lista hierárquica de direitos). A
constituição colocava os DLG acima dos DESC, pelo que, antigamente, se houvesse um DLG em
confronto com um DESC, ganhava o DLG. Este método utilizado, absolutamente simples,
porém absolutamente errado pois todos os direitos têm a mesma importância, não havendo
uma hierarquia de direitos na CRP. Como tal, hoje em dia utilizamos o critério da concordância
prática ou ponderação casuística. Temos que atender às circunstâncias em que os direitos se
encontram em conflito ou colisão para se saber qual é o direito que deve ceder e qual o que
deve prevalecer. Para além deste critério, é necessário atender ao princípio da
proporcionalidade. Há que integrar o critério do lesado (Ex: vacinação obrigatória – direito que
está a ser restringido para salvaguardar um outro bem, a saúde pública, ou mesmo o direito à
saúde de outros titulares. Qual é o direito que está a ser restringido, no caso da vacinação
obrigatória, para salvaguardar terceiros, neste caso a saúde pública? É o direito à integridade

54
física. Este está a ser restringido para salvaguardar o direito à saúde de outros (direito à
integridade física – art.25º - DLG + direito à saúde de outros, presente no art.64º).
O critério da hierarquia é um critério imutável (observar situação descrita
anteriormente) – há, no entanto, uma lesão mínima à integridade física que não é excessiva
(princípio da proporcionalidade) para condicionar a integridade de outro – daí se ter passado a
utilizar o critério do lesado e não o critério hierárquico, pondo assim em causa, a validade
deste.

Existem duas formas de tutela dos direitos, liberdades e garantias:


 a jurisdicional
1. art.º 20 – acesso ao direito e aos tribunais
2. art.º 268 n.º2 – justiça administrativa
3. art.º 22 e art.º 271 – ações de responsabilidade contra o Estado
 a não jurisdicional
1. art.º 21 – direito de resistência
2. art.º 52 – direito de petição
 art.º 23 – quando apresentado ao provedor de justiça
3. art.º 267 – direito a um procedimento justo por parte da administração
(também presente no art.º 268)
4. art.º 268 – direito à informação; e direito ao arquivo aberto
5. art.º 35 – direitos de salvaguarda quanto à utilização da informática

O artigo 17º da Constituição exige que o regime específico dos direitos, liberdades e
garantias se aplique também aos direitos fundamentais de natureza análoga.

São então requisitos de restrição os seguintes:


 A lei: segundo o art.º18 n.º2 é preciso uma lei formal para restringir DLG. (Art.º 165 n.º
1 alínea)
 Casos expressamente previstos na Constituição: é o requisito mais complexo, na
medida em que levanta um problema. O artigo leva-nos a dizer que se a CRP não se
referir ao propósito de um direito diretamente e expressamente, não podem existir
restrições. Se entendermos isto em termos literais, teríamos apenas um ou dois casos
que admitem restrição (Ex: Direito à greve, disposto no art.º 57 n.º3) No entanto, os
autores tentam dar a volta ao texto constitucional que carece de uma revisão neste
âmbito e tentam explicar que podemos ter restrições independentemente da expressa
previsão constitucional.

Existem autores que defendem:


 a existência de restrições implícitas: a previsão do direito corresponde
verdadeiramente à extensão do direito após descontadas as restrições
implícitas correspondentes a outros direitos, sendo que o artigo 18.º
só é aplicado para os casos que não são resolvidos pelas restrições
implícitas; cada direito vê nos restantes direitos uma restrição
implícita
 limites imanentes: cada direito previsto na CRP tem limites que
resultam dos restantes direitos previstos na CRP. Inevitavelmente

55
conflituam uns com os outros. Cada um dos direitos é imanente dos
demais (ou seja, um limite imanente é um limite interior à própria
constituição, limites que vêm de dentro da própria Constituição e que
devem ser aplicados a montante do artigo 18.º)
 tatbestand alargado ou tatbestand restrito (= previsão): na CRP
encontramos uma previsão alargada (direito prima facie), mas quando
percebemos as áreas de sobreposição de outros direitos chegamos a
uma área de previsão restrita (similar ao direito definitivo)
 mecanismo de conversão de direito prima facie em direito definitivo:
quando olhamos para a CRP vemos um direito prima facie (direito à
primeira vista). Percebemos, depois de lermos todos os direitos, que
esse direito necessita de uma conversão em direitos definitivos, o que
nos fica após a compaginação do direito. O direito definitivo já
abrange muito menos conteúdos do que abrangeria o direito prima
facie. Segundo o professor Gomes Canotilho, apenas um direito, que é
o direito à vida, é simultaneamente prima facie e definitivo, logo não é
passível a conversão, uma vez que qualquer lesão deste direito
resultará numa lesão do núcleo essencial do direito à vida

 Princípio da proporcionalidade: limitar-se ao necessário (necessário, adequado e não


excessivo).
 Resolver situações de conflito e de colisão: salvaguardar outros direitos (conflito) e
interesses constitucionalmente protegidos (colisão). Só podemos ter leis restritivas se
tivermos identificado previamente algum tipo de conflito que necessite de resolução,
ou seja, não há restrições gratuitas.
 Caráter geral e abstrato: o caráter geral diz respeito a quem é aplicada a lei, ou seja, à
incidência subjetiva, que neste caso é sobre todos. Por outro lado, o caráter abstrato
diz respeito a uma incidência objetiva, a que casos é aplicada a lei, que é também
sobre todos. Pode ser questionado o facto do n.º 3 do artigo 18.º reforçar o carácter
geral e abstrato das leis quando estas já são por si só gerais e abstratas. Isto deve-se
ao facto de poderem existir leis que são gerais, mas a que falta a abstração, por
exemplo, as leis-medida, apesar de que, em matéria de DLG não pode haver leis-
medida.
 Proibição do efeito retroativo: as leis restritivas só podem reger para o futuro e não
para o passado, logo não podem ser retroativas
 Salvaguarda do núcleo essencial: não pode ser diminuída a extensão e o alcance do
conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. As restrições têm que se manter na
orla e não atingir esse núcleo essencial, sendo necessária uma concordância prática ou
uma resolução casuística (Ex: a lei diz que não podem ser realizadas manifestações a
menos de X metros de órgãos de soberania, sendo que isto não afeta o núcleo
essencial do direito; no entanto, se a lei fixasse um limite de 3km para a realização de
manifestações, o núcleo do direito à greve já estaria a ser afetado)
o A obrigatoriedade de comunicação prévia de manifestação afeta o núcleo?
Não afeta o núcleo essencial. A restrição limita o exercício do direito, o
condicionamento organiza o exercício do direito.

56
As restrições (limitação do exercício do direito) distinguem-se de outras figuras de afetação
de direitos:
 Caso de concorrência
o acumulação: uma situação em que um particular se encontra protegido por
mais do que um direito previsto na CRP (Ex: (quando um artista produz uma
obra de arte está protegido pelo direito de liberdade artística e pelo direito de
autor)
o concorrência inautêntica (ou concorrência aparente): quando são invocadas
normas que têm uma relação de generalidade e especialidade (por exemplo: o
artigo 51.º como regra especial face ao artigo 46.º, regra geral)
 Caso de perda de direitos: caso em que o cidadão deixaria de ser titular de direitos
fundamentais. Há uns anos, falava-se em “morte cívica”. No entanto, não existe
efetivamente uma perda de direitos num Estado de Direito (n.º 4 do artigo 30.º -
“Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis,
profissionais ou políticos”).
 Caso de renúncia a direitos (ou autolimitação): antes, a doutrina entendia que não
podia haver uma renúncia (ato de vontade própria dos cidadãos) a direitos
fundamentais. Deste modo, entendia-se que não podiam haver situações de
autolimitação de direitos. No entanto, hoje em dia, um direito é sempre visto como
uma situação de vantagem, logo, a partir do momento em que o indivíduo deixa de ver
esse direito como uma vantagem, tem a possibilidade de renunciar a esse direito. No
caso da renúncia, temos algo mais radical e mais absoluto, enquanto que, no caso da
autolimitação, temos uma limitação menos radical. Atualmente, vão-se admitindo
casos de autolimitação de integridade física (Ex: doar sangue, doar um órgão, tentativa
de suicídio, sendo esta último + radical – autolimitação dos direitos à integridade
física).
 Não exercício de direitos (Ex: quanto ao direito a casar)
 Casos de relações especiais de poder: há determinadas categorias de funcionários (ex.
públicos ou militares) que têm uma situação específica face ao Estado, sendo que
estão única e exclusivamente ao serviço do bem público, o que pode eventualmente
justificar uma restrição acrescida dos direitos fundamentais. Inclusive, durante algum
tempo, determinadas categorias de funcionários públicos, como professores e
enfermeiros, tinham de pedir, por exemplo, autorização para casar, seguida de uma
avaliação do futuro cônjuge pelo Estado. Atualmente, num contexto de Estado de
Direito, há ainda alguns vestígios dessas restrições (visível por exemplo nos artigos
269.º e 270.º, onde se aceita a restrição de direitos), mas estas têm de ser feitas nos
termos dos limites da Constituição. É diferente quanto ao requisito de forma – artigo
164.º o), prevê a matéria como integrada na reserva absoluta da Assembleia da
República.
 Suspensão do exercício de direitos: nos termos do artigo 19º, pode existir numa
exceção constitucional em casos de estado de sítio ou de emergência. A restrição é
parcial, mas tendencialmente definitiva. Pode haver uma suspensão total (quanto ao
objeto) mas tendencialmente temporária (quanto à duração) de direitos, à exceção
dos direitos estabelecidos no n.º 6 do artigo 19.º - uma cláusula meramente instrutiva
que fixa direitos que, de acordo com o princípio da proporcionalidade, nunca seriam
suspensos de forma justificada. Olhar para este n.º 6 é como dizer que é necessário
atender ao princípio da proporcionalidade, uma vez que a suspensão destes direitos
nunca teria qualquer necessidade nem adequação e seria sempre excessiva.

57
o Diferença entre restrição e suspensão:
 Suspensão: tem que ser temporária (tempo que vigorar o estado de
emergência ou estado de sítio), mas é absoluta a suspensão. (exceção
constitucional)
 Restrição: não há eliminação dos direitos, estes vão sendo
compatibilizados. A restrição é apenas parcial, mas tendencialmente,
definitiva. (normalidade constitucional, dia-a-dia)
 Violação de um direito: é um caso de restrição não autorizada de um direito

02/12/2019 - O regime doutrinal específico dos direitos económicos e sociais. Referência à


hipótese de regulação unitária dos direitos fundamentais: Reis Novais/Vasco Pereira da
Silva/André Salgado de Matos. Princípio da proporcionalidade. Princípio da proteção da
confiança e da segurança jurídica. O regime aplicável aos direitos fundamentais de natureza
análoga. Direitos extravagantes e avulsos.

Regime específico aplicado aos direitos económicos, sociais e culturais

Estes são os direitos de segunda geração, próprios do Estado social de direito. Aos
direitos económicos aplica-se o regime geral, e o específico em regime de acumulação (alguns
autores negam a existência deste).

Ao contrário do que acontece com os DLG, o seu regime específico não se encontra na
constituição (não temos paralelo como o art.º 18 para os DLG). Este regime resulta do labor da
doutrina e da jurisprudência que, com base em determinados princípios, o construíram,
assentando em três traços essenciais:

 Dependência legal: os doutrinadores dizem que não há aplicabilidade direta para os


DESC, mas sim uma dependência legal (por legal entende-se em relação à lei ordinária
e ao legislador ordinário). Os DESC dependem da construção que é feita pelo legislador
ordinário, de modo a apreender o seu conteúdo último (por exemplo, quando é
estabelecido um direito à habitação, é o legislador que define em que consiste e o que
compreende esse direito).

 Reserva do (financeiramente) possível (também conhecido por reserva dos cofres


cheios): os DESC, sendo direitos a prestações por parte do Estado, custariam dinheiro.
Enquanto os DLG exigem apenas respeito, os DESC exigem uma atitude
intervencionista e pró-ativa do Estado na sua efetivação. A doutrina criou o princípio
da reserva do possível que nos diz que há uma reserva do financeiramente possível, ou
seja, os DESC estão sujeitos a uma reserva dos cofres cheios - são efetivados na medida
em que o Estado tiver capacidade financeira para os efetivar.

 Proibição do retrocesso: a concretização dos DESC avança de forma progressiva e


gradual, dependente desta reserva do financeiramente possível, sendo que a partir do
momento em que esse avanço é cristalizado num determinado ponto, não pode voltar
atrás - ou há uma maior concretização ou se mantém igual, não podendo haver uma
involução (inverso da evolução) dos DESC. É um pouco a ideia passada dos “Direitos
adquiridos”.
Ao passo que quanto aos DLG tínhamos, em termos orgânicos, a previsão de um art.º
165 nº1 alínea b) (artigo que afirma que a intervenção em DLG tinha que decorrer de lei da AR
ou decreto-lei autorizado), em relação aos DESC não temos nada similar, exceto em alguns

58
traços pontuais que resultam do art.º 164 + do art.º 165, nada nos diz a constituição acerca
dos DESC, em matéria de reserva de lei.
O art.º 288 alínea d) diz-nos que os DLG são limites materiais de revisão, não havendo
nada parecido quanto aos DESC.

Direitos fundamentais avulsos e direitos fundamentais extravagantes


Para além da previsão dos Direito fundamentais, podemos distinguir entre Direitos
fundamentais avulsos, que são todos aqueles que estão na constituição, mas não estão na
parte dos Direitos fundamentais (Ex: art.º 268), e Direitos fundamentais extravagantes, que
são aqueles que por meio do princípio da tipicidade e da cláusula aberta (art.º 16) tenhamos
ido buscar a normas jurídicas do Direito Internacional. Por exemplo o art.º 20 da CRP (Acesso
ao direito e tutela jurisdicional efetiva) em relação ao art.º 6 da Convenção Europeia dos
Direitos do Homem.
Todos os direitos fundamentais avulsos são, de alguma forma, direitos fundamentais
extravagantes porque estão fora da 1ª parte da constituição. No entanto, nem todos os
direitos fundamentais extravagantes são direitos fundamentais avulsos.

O regime aplicável aos direitos fundamentais de natureza análoga


O art.º 17 afirma o seguinte: “O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se
aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga.”
Quando se fala em direitos fundamentais de natureza análoga, estamos a referir-nos
apenas a parte da expressão. A expressão completa é “direitos fundamentais de natureza
análoga a direitos, liberdades e garantias”.
Natureza análoga significa natureza semelhante/parecida, ou seja, estamos a falar de
direitos de natureza semelhante com a dos DLG.

Exemplo: art.º 62 (Direito de propriedade privada) - a CRP prevê este direito como
direito social (DESC) mas toda a doutrina, inclusive o Tribunal Constitucional, reconhece que há
uma dimensão deste que é DLG. Se olharmos para a natureza de um DLG e para a de um DESC,
sabemos que a um DLG corresponde uma ideia de abstenção por parte do Estado, e que a um
DESC corresponde uma postura de intervenção por parte do Estado. Em relação à minha
propriedade, o que se quer é que o Estado nada faça, ou seja, se abstenha. Isto significa que a
natureza último desta DESC é a natureza de um DLG. Sendo assim, vai-se aplicar não o regime
dos DESC, mas sim o regime comum + o regime específico dos DLG, ou seja, vou aplicar o
artigo 18º ex vi artigo 17º. Nota: ex vi significa por força ou por via.

Se se chega a conclusão que o legislador constituinte se enganou na classificação de


um direito, o art.º 17 dá-nos a solução.

Segunda hipótese de aplicação do art.º 17: eu tenho um direito fundamental avulso ou


um direito fundamental extravagante, tem que se ir perceber se é um DLG ou um DESC
(perceber qual a estrutura base do direito) – aplicar o regime específico do DLG por força do
art.º 17.

O art.º 17 serve-nos para Direitos fundamentais que estão na parte I mas fora do título
II e serve-nos também para sabermos que regime aplicar a direitos fundamentais avulsos e
extravagantes. Primeiramente, olhamos para eles depois de ter chegado à conclusão que são
direitos fundamentais, e só depois tentar perceber que natureza têm, se são DLG ou DESC. De
seguida, só se aplica o art.º 18 ex vi o art.º 17 nos casos de chegarmos à conclusão que é um

59
DLG – se tiver a natureza de um DESC vamos aplicar o seu regime específico + o regime comum
dos DF.

Dogmática unitária dos direitos fundamentais


Em meados de final dos anos 90, começou a desenvolver-se, um pouco por influência
da Alemanha, a partir da FDUL, uma teoria chamada Dogmática Unitária dos direitos
fundamentais. Esta teoria tem como autores percursores: Vasco Pereira da Silva, Jorge Reis
Novais e André Salgado Matos.
Esta teoria não nega que existam duas categorias de direitos (DLG +DESC) na medida
em que resulta de uma divisão constitucional. No entanto, põe em causa que estas levem a
regimes diferentes. No entender destes autores os regimes não são específicos o suficiente
para ser feita uma distinção.
Em suma, temos princípios gerais dos DF, mas não existe nada específico dos DLG para
além do regime orgânico e não existe nada específico dos DESC que não decorra de princípios
gerais que já estão na CRP (igualdade, proporcionalidade, confiança).
Esta teoria vai olhar para os traços que fazem parte do regime dos DLG e para os
traços que fazem parte do regime específico dos DESC e verificar se esses regimes são de facto
regimes específicos desses direitos.

Razões para o regime específico dos DLG não fazer sentido:


 A aplicabilidade direta que supostamente é exclusiva dos DLG também se
concretiza nos DESC. Não é por não termos intervenção do legislador ordinário que
não temos direitos, apenas é mais complicado perceber como é que esse direito
pode ser exercido (Ex: art.º 35)
 A vinculação de entidades públicas e privadas dos DLG também se aplica aos DESC
 O facto das restrições para salvaguarda do núcleo essencial de direitos serem
exclusiva dos DLG significaria que poderíamos restringir os DESC já que não se
incluem nesse princípio (de acordo com a doutrina tradicional)
 O carácter abstrato e geral das leis restritivas ser exclusivo dos DLG significa então
que nos DESC se poderia restringir o direito de um indivíduo sem haver preocupação
com a generalidade.

Razões para o regime específico dos DESC não fazer sentido:

 A dependência legal, conjugada com a aplicabilidade direta dos DLG, demonstra


que não há uma necessidade de especificação
 A reserva do (financeiramente) possível faz questionar se os DLG não têm custos.
Por exemplo, para organizar uma força policial de modo a garantir o direito à
segurança, o Estado precisa de capacidade financeira, ou seja, a reserva do
financeiramente possível não é exclusiva dos DESC. Para além disso, existem outros
tipos de reserva do possível, como por exemplo a reserva do tecnologicamente
possível (todos têm direito à proteção de dados nos termos do artigo 35.º,
considerado um DLG)
 Quanto à proibição do retrocesso, já é sabido quanto à retroatividade que o Estado
só pode intervir desde que não afete desproporcionalmente as legítimas
expectativas razoáveis dos cidadãos (princípio da proteção da confiança e da
segurança jurídica, um subprincípio do Estado de Direito). O princípio do retrocesso
não está previsto na CRP, logo, o parâmetro para avaliar se uma determinada
situação não pode ocorrer é o princípio da não afetação das expectativas razoáveis

60
dos cidadãos. No entanto, por exemplo, num contexto de crise financeira, não é
certo que se vá manter as pensões. A partir de determinado momento, ainda que
fosse necessária e adequada a restrição, passou a ser excessiva e afetou as
expectativas razoáveis (aquilo com que os cidadãos podem razoavelmente contar) –
princípio da proporcionalidade.

Concluindo, o regime específico dos DLG não tem nada de específico sem ser o regime
orgânico formal (art.º 164 + art.º 165) e os limites materiais de revisão (art.º 288). O regime
específico dos DESC não tem nada de específico a não ser o facto de decorrer de princípios
gerais da Constituição. Assim, este conjunto de autores defende que não há um regime
diferente a aplicar: há apenas um único regime aplicável, o dos direitos fundamentais.

Parte II – Teoria da Constituição


03/12/2019 - Constituição material, formal e instrumental. Poder constituinte material e
formal. Limites ao poder constituinte. A possibilidade de normas constitucionais

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inconstitucionais (rememoração e ressistematização). Modificações e subsistência da
Constituição: a CRP como constituição rígida

1. Conceito de Constituição
Em qualquer Estado, em qualquer época e lugar, encontra-se sempre um conjunto de
normas fundamentais, respeitantes à sua estrutura, organização e atividade – escritas ou não,
em maior ou menor número, mais ou menos simples ou complexas. Encontra-se sempre uma
Constituição como expressão jurídica do enlace entre poder e comunidade política, ou entre
governantes e governados. Assim, e antes de mais, interessa aludir a algumas classificações:

Quanto ao conteúdo:
 Constituição material: é uma constituição não escrita, como a britânica; conteúdo que
tem a ver com o estatuto jurídico de uma determinada sociedade, ou seja, às normas
de desempenho cimeiro na organização do Estado, ao acervo teórico dos princípios
fundamentais do Estado; aquilo que lhe confere substância e identidade, ou por outras
palavras, são as regras materialmente constitucionais relacionadas com o poder
(organização do Estado); a manifestação direta e imediata de uma ideia de Direito que
prevalece em certo tempo e lugar (seja pelo consentimento, seja pela adesão passiva);
a resultante primária do exercício do poder constituinte material; e, em democracia, a
expressão máxima da vontade popular livremente formada.

Normas materialmente constitucionais são todas as normas do


estatuto jurídico do Estado, todas as que regulam o seu poder e as
suas relações com a sociedade – mesmo se só algumas, os princípios
fundamentais, se identifiquem com a Constituição material. As normas
constantes da Constituição formal são, pelo menos, em princípio,
normas materialmente constitucionais; mas que, para lá delas, muitas
outras pode haver também materialmente constitucionais (de 2º
grau), embora dispersas por diplomas de Direito ordinário.

 Constituição formal: é uma constituição escrita; a Constituição formal é, desde logo,


conjunto de normas materialmente constitucionais – porque, insista-se serve (lógica e
historicamente) de manifestação da Constituição material que, em concreto, lhe
subjaz; porque a forma não pode valer por si, vale enquanto se reporta a certa
substância. É o conjunto de normas que ocupam um lugar cimeiro na hierarquia
normativa, exigindo conformidade dos restantes atos normativos. Por outras palavras,
corresponde às regras formalmente constitucionais, que apresentam um
procedimento específico de formação e, em geral (mas nem sempre de modificação),
um lugar específico no ordenamento e uma consideração sistemática. As normas
formalmente constitucionais depositam-se ou documentam-se em textos
constitucionais.

 Constituição instrumental: por um lado, Constituição instrumental vem a ser todo e


qualquer texto constitucional, seja ele definido material ou formalmente, seja único ou
plúrimo (vários). Por outro lado, mais circunscritamente, por Constituição instrumental

62
pode entender-se o texto denominado Constituição ou elaborado como Constituição,
naturalmente ligado à força jurídica específica da Constituição formal.

Quanto à forma:
 Constituição escrita
 Constituição não escrita

Quanto à sua origem:


 Constituição promulgada
 Constituição outorgada
 Constituição pactícia

Quanto à estabilidade:
 Diz-se rígida a Constituição que, para ser revista, exige a observância de uma forma
particular distinta da forma seguida para a elaboração das leis ordinárias.
 Diz-se flexível aquela em que são idênticos o processo legislativo e o processo de
revisão constitucional, aquela em que a forma é a mesma para a lei ordinária e para a
lei de revisão constitucional.

2. Formação da Constituição
Otto Bachof fala de um oxímoro (contradição nos próprios termos) – normas
constitucionais inconstitucionais – (formalmente) constitucionais (materialmente)
inconstitucionais. Normalmente há um desfasamento entre o exercício do poder constituinte
material e formal, já que a Constituição formal é elaborada após uma manifestação da ideia de
direito da constituição material. Neste sentido, podemos ter normas na constituição formal
que não espelham a constituição material, da mesma maneira que podemos ter normas na
constituição material que não foram passadas para a constituição formal.
Pelo que poderão existir normas formais (constitucionais) inconstitucionais – normas
constitucionais do ponto de vista formal, mas que contrariam a Constituição material (Otto
Bachof.
No entanto, segundo Jorge Miranda, esta só pode acontecer com as revisões
constitucionais, e não na versão originária da constituição.
Interessa distinguir:
 Poder Constituinte Material: corresponde ao poder do Estado se poder
autodotar de uma Constituição.
 Poder Constituinte Formal: corresponde ao poder de decretação de normas
com a forma e a força jurídica próprias das normas constitucionais. Para além
da institucionalização do Estado, consegue um estatuto jurídico específico e
cristaliza-o na forma escrita para um determinado tempo.
o Como se pode manifestar?
 Atos Unilaterais:
 simples (provêm de um único órgão)

63
 plurais (provem de mais do que um órgão)
 Atos Bilaterais
 Atos Plurilaterais

O poder constituinte atua nas situações:


 Momento de criação de um Estado: momento típico para o exercício do poder
constituinte, podendo assumir várias formas:
o Normal: um órgão do próprio Estado elaboram a Constituição
o Excecional: heteroconstituições, ou seja, constituições feitas por órgãos
exteriores ao Estado. Resultam da descolonização de territórios da Grã-
Bretanha (Ex: Canadá) e do desmembramento de uniões reais ou pessoas, ou
podem ainda ser Constituições que decorrem de tratados internacionais (Ex:
Albânia, Chipre (1960))

 Transformação do Estado: o artigo 146º da Constituição de Bona, para a RFA previa


que em caso de reunificação esta Constituição deixaria de vigorar. Sucedeu, no
entanto, que após a reunificação ela vigora também nos territórios da antiga RDA.
Neste caso dá-se o nome de Renovação, isto quer dizer que foi dada uma nova
legitimidade a uma Constituição já existente.

 Mudança de regime/da ideia de Direito: ideia em que muda o regime num


determinado Estado à qual está subjacente a criação de uma nova constituição. (Ex: a
Constituição da República Portuguesa de 1976, em que houve uma adaptação do texto
constitucional à Constituição material).

 Transição constitucional: não acontece uma rutura mas há igualmente mudança de


Constituição, ou seja, é mais gradual que uma revolução (Ex: Espanha por comparação
ao que aconteceu em Portugal em abril de 1974)

Os limites materiais do poder constituinte


O poder constituinte é logicamente anterior e superior aos poderes ditos constituídos
– na tricotomia clássica: o legislativo, o executivo e o judicial. A Constituição, sua obra, define-
os e enquadra-os quer formal quer materialmente: eles não pode ser exercidos senão no
âmbito da Constituição e as decisões e as normas que resultem desse exercício não podem
contrariar o sentido normativo da Constituição. E isso torna-se mais patente quando haja
Constituição formal como específico estatuto fundamental do Estado.
Daqui não decorre, porém, que o poder constituinte equivalha a poder soberano
absoluto e que signifique capacidade de emprestar à Constituição todo e qualquer conteúdo,
sem atender a quaisquer princípios, valores e condições. O poder constituinte está sujeito a
limites.
Embora seja mais corrente na doutrina considerar a existência (ou a possibilidade ou a
necessidade de existência) de limites materiais do poder de revisão constitucional
(frequentemente tido por poder constituinte derivado), importa outrossim considerar a
existência de limites materiais (em graus diversos, se se quiser) do poder constituinte
verdadeiro e próprio, e mesmo do poder constituinte material originário.

64
Há que distinguir três categorias de limites materiais do poder constituinte:

 Limites transcendentes: estes dirigem-se ao poder constituinte material e, por


virtude desta, ao poder constituinte formal. São os que, antepondo-se ou impondo-
se à vontade do Estado (e, em poder constituinte democrático, à vontade do povo) e
demarcando a sua esfera de intervenção, provêm de imperativos de Direito natural,
de valores ético superiores, de uma consciência jurídica coletiva (conforme se
entender). Entre eles avultam os que se prendem com os direitos fundamentais
imediatamente conexos com a dignidade da pessoa humana. Seria inválido ou
ilegítimo decretar normas constitucionais que gravemente os ofendessem (Ex: que
consagrassem a escravatura, que negassem a liberdade pessoa, etc..). E não é por
acaso que a CRP enuncia certos direitos que, mesmo em estado de sítio, não podem
ser suspensos (Art.º 19 nº6); e não são os únicos que correspondem a limites
transcendentes.

 Limites imanentes: estes são específico do poder constituinte formal. Decorrem da


noção e do sentido do poder constituinte formal enquanto poder situado, que se
identifica por certa origem e finalidade e se manifesta em certas circunstâncias; são
os limites ligados à configuração do Estado à luz do poder constituinte material ou à
própria identidade do Estado de que cada Constituição representa apenas um
momento da sua marcha histórica. E compreendem limites que se reportam à
soberania do Estado e, de alguma maneira (por vezes), à forma de Estado, bem
como limites atinentes à legitimidade política em concreto. Assim, não se concebe,
num Estado soberano e que pretenda continuar a sê-lo, que ele venha a ficar
despojado da soberania (Ex: aceitando a anexação a outro Estado); num Estado
federal e que pretenda continuar a sê-lo, que ele passe a Estado unitário, ou
reciprocamente (em certos casos); e num Estado em que prevalece certa
legitimidade ou certa ideia de Direito, num determinado momento (Ex: a
legitimidade democrática) que se venha a estabelecer uma organização política de
harmonia com uma legitimidade ou uma ideia de Direito contrária.

 Limites heterónomos: estes adstringem tanto um como outro. São os provenientes


da conjugação com outros ordenamentos jurídicos. Referem-se a princípios, regras
ou atos de Direitos internacional, donde resultem obrigações para todos os Estados
ou só para certo Estado; e reportam-se ainda a princípios e regras de Direito interno,
quando o Estado seja composto ou complexo e complexo tenha de ser, por
conseguinte, o seu ordenamento jurídico.
o Heterónomos, na ordem interna (Ex: Estado federal)
o Heterónomos, na ordem externa – podem confundir -se com os limites
transcendentes e, por isso, há autores que negam a existência daqueles e há
quem admita esta distinção.

Distinção entre poder constituinte originário e poder derivado/secundário

65
O poder constituinte constitui e estabelece os restantes poderes (político-legislativo,
administrativo, judicial e de revisão). Isto significa que o poder de revisão é um poder
constituinte derivado/secundário, mas também um poder constituído ao mesmo tempo. O
poder constituinte originário é o poder de fazer uma Constituição, seja ela material ou formal.
Mas podemos falar também de poder constituinte derivado ou secundário: a vicissitude parcial
expressa mais comum é a revisão constitucional (o poder de fazer revisões). Assim sendo, é o
poder constituinte que estabelece numa Constituição as regras para revisão constitucional. O
poder de revisão constitucional é simultaneamente um poder constituinte derivado ou
secundário e um poder constituído.

História constitucional portuguesa:

 1822 – elaborada por cortes, expressamente eleitas para o efeito, com base num
documento prévio que foram a base da constituição (ato unilateral)
 1826 – ato unilateral de uma só pessoa (monarca)
 1838 – assembleia e um acordo com a rainha (ato bilateral – resulta de um acordo com
a rainha; constituição pactícia)
 1911 – assembleia
 1933 – assembleia e o “plebiscito”
 1976 – assembleia constituinte (eleita a 25.04.75 para a elaboração da constituição
apenas)

A constituição de 76 não é pactícia, é elaborada por uma assembleia eleita para o


efeito. É compromissória. Há quem confunda a influência das plataformas de acordo
constitucional e as vá buscar para afirmar a CRP como pactícia – não é pactícia, é apenas
compromissória.

 Constituição compromissória: há um compromisso ao nível do conteúdo. O texto


inclui princípios que têm orientações diversas na sua origem (a CRP de 1976
condensa princípios de origem social, liberal, etc..)
o É diferente de afirmar que é pactícia.
 Constituição pactícia: em relação ao modo de elaboração, resulta em termos
formais de um pacto/acordo (Ex: Constituição de 1838)

A CRP é também rígida: prevê limites de revisão e prevê o tal procedimento específico
diferenciado do procedimento legislativo, de elaboração de uma lei ordinário (está previsto
entre os artigos 284º e o 289º).

Nota: vacacio leges – (vem da palavra espanhola “vacaciones”, que significa férias) é o hiato
temporal entre a data de publicação e a entrada em vigor.

09/12/2019 - A CRP como constituição rígida: continuação. Em especial, os limites materiais


de revisão. Duplo processo de revisão. Outras vicissitudes constitucionais

Parte IV da CRP (Garantia e revisão da Constituição): artigos 277º e seguintes

 Art.º 284 - Competência e tempo de revisão


o N.º1 – revisão ordinária – podemos fazer uma revisão constitucional após
decorridos 5 anos sobre a data da publicação da última lei de revisão

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ordinária. Obs: Ao contrário do que por vezes é dito, não há anos de revisão
constitucional, uma vez que esta possibilidade aberta do nº1 deste artigo é no
sentido de poder haver uma revisão constitucional e não como
obrigatoriedade de acontecer (a última revisão constitucional em Portugal foi
em 2005. Ora, poderia voltar a haver a partir de 2010, mas não voltou a
acontecer). Para além disso, basta que 1 deputado apresente um projeto de
revisão constitucional se já tiverem passado 5 anos.
o N.º2 – revisão extraordinária – circunstâncias excecionais que leva a que
necessariamente se faça uma revisão constitucional – os deputados podem
assumir poderes de revisão com uma maioria específica (exige-se uma maioria
4
considerável de dos deputados em efetividade de funções)
5
o Compete a Assembleia da República apresentar projetos de revisão. Logo aqui
percebemos que estamos perante uma situação diferente daquele que
acontece com um projeto de lei normal.

 Art.º 285 – Iniciativa da revisão


o N.º1 – a iniciativa compete aos deputados (comparar com iniciativa de lei, pelo
disposto nos termos do art.º 167 da CRP). Por exemplo, em 1997, Jorge
Miranda apresentou um projeto de revisão constitucional. No entanto, este só
foi discutido no plenário na medida em que foi subscrito nominalmente por
um deputado de um partido, uma vez que só os deputados têm legitimidade
para apresentar projetos de revisão constitucional.
o N.º2 – prevê o princípio da condensação: a partir do momento em que é
apresentado um projeto de revisão constitucional, os restantes terão de ser
apresentados no prazo de 30 dias de modo a haver discussão no plenário.

 Art.º 286 - Aprovação e promulgação


o N.º1 – para começar o processo de revisão constitucional ordinária basta que
seja apenas 1 deputado a apresentar o mesmo. Por outro lado, quando se
trata de uma revisão constitucional extraordinária, o projeto tem de ser
4
subscrito por dos deputados em efetividade de funções. Pelo disposto nos
5
n.º1 e n.º2 do artigo 284º, tal não deve ser confundido com o disposto no nº1
do artigo 286º, sendo que as revisões constitucionais, sejam elas ordinária ou
extraordinária, são aprovadas por maioria de dois terços dos deputados em
efetividade de funções, ou seja, o que muda é o número de deputados
necessários para desencadear o processo.
o N.º2 – um princípio quase que meramente formal na medida em que, basta 1
deputado para apresentar um projeto de revisão, ou seja, podemos, no
expoente máximo da questão, ter 230 projetos de revisão (se bem que os
deputados são livres de subscrever projetos alheios).
o N.º3 – o PR não pode recusar a promulgação de uma lei de revisão.
Relativamente a um diploma normal, o PR poderia promulgar, vetar
politicamente ou enviar para o Tribunal Constitucional.

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 Porque é que não pode recusar a aprovação de uma lei de revisão?
Porque é que a CRP chegou a este equilíbrio? Qual é a semelhança em
termos orgânicos (órgãos) entre AR e PR?
 PR e AR são ambos órgãos eletivos por sufrágio direto
universal. A diferença reside no facto de um ser um órgão
singular (PR) e outro colegial (AR). A vontade do PR cede à da
AR visto que esta é um órgão representativo enquanto que o
PR não o é.
 Qual o prazo que o PR tem para promulgar? Se o artigo não nos diz
nada quanto ao prazo, vamos admitir que esta é uma lacuna
constitucional. Se houver uma lacuna, uma ausência de norma (artigo
10º CC), esta é resolvida indo buscar um caso análogo (situação
parecida). Caso não exista situação análoga, a lacuna teria que ser
resolvida com a criação de uma norma dentro de um sistema coerente
sistemático, sendo a criação fruto do intérprete.
 Para resolver certas situações, a doutrina tem tentado olhar para este
artigo de outra maneira. O PR não pode recusar uma revisão, mas se
aquilo que chegar ao PR for uma mera aparência de lei de revisão, o
PR não será, pois, obrigado a promulgar (Ex: ementa; revisão
constitucional ordinária que chegue após 1 ano – aparência na medida
em que não cumpre os limites de revisão), ou seja, se aquilo que chega
ao PR for uma aparência, o PR tem uma latitude maior quanto a esta
questão.

 Art.º 287 - Novo texto da constituição


o Aquilo que vai ser publicado é o novo texto constitucional com todas as suas
alterações, no seu sentido limpo.

 Art.º 288 - Limites materiais da revisão


o Possibilidade de olhar para este artigo de 3 formas diferentes:
 Os limites materiais de revisão são ilegítimos porque temos uma
determinada geração que elaborou a constituição a dizer que há
determinados limites que não podem ser alterados, acabando por
retirar margem de escolha às gerações vindouras.
 Os limites materiais de revisão são absolutamente necessários para
manter uma identidade de uma determinada constituição. Como tal,
temos de os respeitar.
 É importante que existam limites materiais, que sejam respeitados,
mas é possível que eles sejam modificados (hipótese intermédia,
defendida por exemplo por Jorge Miranda – que nos diz que é possível
um duplo processo de revisão – como o nome indica, há dois
processos diferentes de revisão constitucional). Com uma primeira
revisão suprime-se um limite e numa revisão posterior alterar-se-iam
os artigos, que se baseavam no princípio previamente abolido.

o Jorge Miranda distingue, dentro do artigo 288º, limites de primeiro grau e de


segundo grau: os de primeiro grau são de tal forma importantes que não
podem ser modificados, os de segundo grau podem.

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Nota: se a AR for dissolvida, não há aprovação do projeto.

Isto que acabamos de ver mostra que a CRP é uma constituição rígida e que nos
termos dos artigos 284º e 289º, percebemos que a revisão constitucional é feita pela AR (não
há criação de um órgão ad hoc)
Há Estados que preveem um paralelismo de formas – a constituição é revista conforme
tenha sido elaborada.
A nossa constituição é uma constituição rígida mas há vários tipos de constituições
rígidas – com um procedimento de revisão diferente do da lei ordinária mas o modelo previsto
de revisão previsto na CRP de 1976 do artigo 284 a 289 não é o único.
O nosso modelo de revisão não é o único modelo de vicissitude constitucional.

Vicissitudes constitucionais
São vicissitudes constitucionais todas as
formas possíveis que afetam uma
Constituição.

 Quanto ao modo:
o Expressas: são aquelas que
são deliberadas e que
resultam de uma intenção
 Revisão
constitucional (stricto
sensu): quando
deliberadamente
entendemos
modificar uma
Constituição. É a
vicissitude
constitucional mais
típica/frequente.
 Derrogação constitucional: (a propósito da receção material) é uma
forma de vicissitude porque, sem fazer uma revisão da Constituição,
temos, no domínio da mesma Constituição, uma regra geral e uma
regra excecional (Ex: temos uma norma geral (art.º 29) e uma norma
excecional que contraria a norma geral (art.º 292)).
 Transição constitucional: revisão total da Constituição (Ex: se em
Portugal não tivéssemos limites materiais de revisão podíamos mudar
tudo a propósito de uma revisão), mudando os aspetos essenciais.
Opõe-se a uma revolução, na medida em que aproveita preceitos
constitucionais – abre-se um processo de modificação e altera-se o
sistema todo; rutura não revolucionária
 Revolução: implica a instauração de um novo regime, de uma nova
ideia de Direito (iniciativa popular)

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 Suspensão (parcial) da constituição: art.º 19 da CRP, quando se fala
na suspensão de determinados direitos no caso de estado de sítio ou
estado de emergência estamos, portanto, a falar de uma vicissitude
expressa

o Tácitas: são aquelas não são deliberadas/intencionais


 Costume constitucional: formação de uma norma por via do costume
(uso reiterado acrescentado de convicção de obrigatoriedade)
 Interpretação evolutiva da constituição: por exemplo, no caso dos
EUA, a fonte de direito é a jurisprudência quando os juízes começam a
interpretar o caso, daí, como resultado, há um juízo normativo, vão se
apercebendo de que vão fazendo uma interpretação normativa da
constituição, ou seja, não há revisão da Constituição, mas ao longo do
tempo a norma adquire um outro significado
 Revisão indireta: só acontece no caso de constituições em que haja
receção formal. Por exemplo, a CRP recebe formalmente a DUDH
como parâmetro de interpretação e de integração (art.º 16 - diz que
temos que interpretar a nossa constituição segundo os termos da
DUDH) – vamos supor que a assembleia geral das nações unidas vai
rever a DUDH – como recebemos formalmente a DUDH, se esta for
modificada, isto pode levar a uma revisão indireta (revisão tácita), uma
vez que a CRP tem de ser interpretada de acordo com a DUDH. É uma
revisão tácita uma vez que, a assembleia geral das nações unidas,
quando revê a DUDH, não tem como objetivo algum rever a nossa
constituição.

 Quanto ao objeto:
o Parciais: modificações constitucionais (todas elas menos a revolução e a
transição constitucional)
o Totais: revolução e transição constitucional

 Quanto ao alcance:
o Geral e abstrato: aplicam-se a todas as situações e a todos os destinatários.
Todas as vicissitudes têm alcance geral e abstrato menos a derrogação
constitucional.
o Individual e concreto ou excecional: apenas a derrogação constitucional. O
que a derrogação faz é dizer que para um determinado caso, em especial, não
se aplica a norma geral.

Nota:
 Norma geral: regra geral num determinado sentido,
pormenorizada
 Norma especial: vai no mesmo sentido que a norma gera
 Norma excecional: contraria a norma geral

 Quanto às consequências na ordem constitucional:


o Na evolução constitucional: há uma continuidade constitucional. São todas
menos a revolução e a rutura não revolucionária

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o Com rutura: há um alteração constitucional. Dá-se com a revolução e com a
rutura não revolucionária

 Quanto à duração dos efeitos:


o De efeitos definitivos: todas, menos a suspensão (parcial) da Constituição
o De efeitos temporários: só pode vigorar durante certo período de tempo. É a
chamada suspensão (parcial) da Constituição prevista no art.º 19

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